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SOCIOLOGIA Profº Ney Jansen. Mestre em Sociologia Política pela UFSC. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor de Sociologia no Colégio Estadual do Paraná. DIFERENÇA E DESIGUALDADE ÉTNICO-RACIAL

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SOCIOLOGIA Profº Ney Jansen.

Mestre em Sociologia Política pela UFSC.

Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela PUC-SP.

Professor de Sociologia no Colégio Estadual do Paraná.

DIFERENÇA E DESIGUALDADE

ÉTNICO-RACIAL

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Palavras chave:

Estigmas

Estereótipos

Raça

Racismo

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Para início de conversa: Estigmas & Estereótipos

“A palavra estigma surgiu na Grécia Antiga, onde designava sinais corporais (como cortes e queimaduras a ferro) feitos em criminosos e traidores para marca-los negativamente perante toda a sociedade. Portadores de uma marca visual irreversível, os estigmatizados eram para sempre evitados em locais públicos. Apesar de já não designar necessariamente um sinal físico, a palavra, tal como usada hoje em dia, não está muito distante do sentido original.

Ainda chamamos de estigma toda condição, atributo ou traço que faz com que seu portador seja visto de maneira negativa por determinados grupos, e em determinadas situações. Por exemplo, em muitos casos as condições de favelado, homossexual, patricinha podem atuar como rótulos sociais negativos, prejudicando de alguma maneira a inserção e/ou o trânsito de seu portador em contextos específicos. O sociólogo Erving Goffman escreveu diversos trabalhos sobre a importância do conceito de estigma para a compreensão de dinâmicas sociais marcadas pela discriminação e pelo preconceito. De acordo com esse autor, o indivíduo estigmatizado é aquele que possui uma ‘diferença indesejável’. Isso significa que o estigma é atribuído pela sociedade a uma pessoa ou grupo a partir daquilo que é considerado como diferente ou desviante.” (Tempos modernos, tempos de Sociologia, p. 264)

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ESTEREÓTIPO

“A palavra estereótipo originalmente designava um mecanismo de impressão gráfica

no qual uma mesma fonte era usada na produção de diversas cópias idênticas.

Em seu uso social, o estereótipo é uma simplificação, ou mesmo um exagero, na

descrição de uma categoria de indivíduos ou de um indivíduo dentro de uma categoria,

que é aplicado indefinidamente, como uma identidade preestabelecida.

Exemplos de visões estereotipadas sobre pessoas em função de seu pertencimento a

um grupo social de referência são facilmente observáveis no dia a dia: ‘mulher não sabe

dirigir’ ‘ ‘homem não sabe cuidar de criança’ (com relação ao gênero); ‘ingleses são

pessoas frias’ e ‘brasileiros são alegres’ (com relação à nacionalidade) e assim por diante.

Esse olhar pouco atento aos detalhes e particularidades individuais (ou

grupais) característicos do estereótipo é importante para a análise social porque é a

origem de fenômenos sociais como o etnocentrismo. Os estereótipos também

desempenham importante papel nos mecanismos de opressão social, valendo-se de

características como etnia, sexo, idade, status social, geração, etc. para pôr em prática

critérios de segregação social. Na sociologia, os estereótipos funcionam como guias

analíticos no estudo das relações entre diferentes grupos e das posições ocupadas por eles

na estrutura social.”

(Tempos modernos, tempos de Sociologia, p. 264)

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‘RAÇA’ COMO UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL*

A palavra raça, na Biologia, é geralmente utilizada para definir grupos de indivíduos distintos no interior de uma espécie. Atualmente, há consenso de que todos os povos pertencem à espécie humana [...] Hoje, com o desenvolvimento da genética, sabe-se que as diferenças entre os grupos humanos variam de 5% entre populações oriundas do mesmo continente a 15% entre populações de continentes diferentes. Isso significa que, na prática, 85% da diversidade genética humana permanecem no interior das populações, fato que não se observa em quase nenhuma outra espécie de mamífero do planeta. Em outras palavras, não existem grupos humanos geneticamente tão diferenciados a ponto de se afirmar que existam raças humanas.

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Muitas vezes, raça e etnia são entendidas como sinônimos, mas é preciso distinguir os dois conceitos.

“Uma raça é uma categoria de pessoas cujas marcas físicas são consideradas socialmente significativas. Um grupo étnico é composto de pessoas cujas marcas culturais percebidas são consideradas significativas socialmente. Os grupos étnicos diferem entre si em termos de língua, religião, costumes, valores e ancestralidade.” (BRYM et al., 2008, p. 220).

Tanto para um, como para o outro, o que define uma raça ou uma etnia é uma construção social, isto é, as diferenças físicas, culturais, comportamentais ou morais (reais ou imaginárias) são sempre atribuídas pelos grupos que as definem, sejam os próprios membros ou os outros com quem se relacionam. No primeiro caso, o próprio grupo se identifica enquanto raça ou etnia no sentido de construir e afirmar identidades que promovam a coesão interna e o sentimento de pertencimento. No segundo caso, a sociedade na qual o grupo está inserido distingue e destaca seus membros com base em características atribuídas. Desse modo, são as crenças e ideologias das pessoas que atribuem aos outros características que geram estereótipos associados à raça ou à etnia. *(Extratos do texto “Diferença e desigualdade” de Melissa de Mattos Pimenta. In: Sociologia. Coleção Explorando o ensino).

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DESIGUALDADE E RACISMO*

Muitas das diferenças existentes entre os seres humanos produzem situações de desigualdade de poder, de direitos e de cidadania. Quando essas diferenças geram crenças e atitudes baseadas na ideia de que existem raças humanas, dizemos que estamos diante do fenômeno de racismo. Como definir o racismo?

O racismo pode ser entendido tanto como uma doutrina, que prega a existência de raças humanas, com diferentes qualidades e habilidades, ordenadas de tal forma que umas seriam superiores a outras em termos de qualidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais, quanto um conjunto de atitudes, preferências e gostos baseados na ideia de raça e superioridade racial, seja no plano moral, estético, físico ou intelectual. As atitudes consideradas racistas podem se manifestar de duas formas: pelo preconceito e pela discriminação.

*(Extratos do texto “Diferença e desigualdade” de Melissa de Mattos Pimenta. In: Sociologia. Coleção Explorando o ensino).

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NO BRASIL, A TRANSFORMAÇÃO DO ESCRAVO EM NEGRO E MULATO

A experiência acumulada da escravidão criou padrões de avaliação recíprocos entre negros, brancos e mulatos. No entanto, quando o status jurídico já não fixa mais a distância que separa o branco do negro, quando os status econômicos sofreram abalos, alterando-se, os brancos reelaboram socialmente os remanescentes do antigo regime, tais como ocupações, marcas raciais, atributos materiais, psico-motores para assinalar o universo do ‘nós’ e dos ‘outros’; uma camada e outra camada mesmo onde as bases reais da distinção já ruíram parcial e totalmente. Assim emergem estereótipos, por exemplo, como componentes de ideologias raciais. […] As tensões inerentes à estruturação social em classe exprimem-se em termos de preconceito de cor. A cor se objetiva como símbolo social de participação em grupos econômicos-sociais. Define o caráter e a condição social da pessoa. (As metamorfoses do escravo, p. 209 e 237)

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Denominação Justificativa Arianismo

Classifica uma população em

“limpos de sangue” e “infectos”

Justificava a desigualdade entre os seres humanos e advertia contra o

cruzamento das raças. Um de seus teóricos foi o filósofo Joseph

Gobineau (1816-1882), que distinguiu os semitas dos arianos, os

quais seriam física, moral e culturalmente superiores. Essa teoria foi

apropriada no século XX em defesa da superioridade germânica e

induziu as experiências do Terceiro Reich, na Alemanha.

Darwinismo social

Defende a sobrevivência dos

mais aptos

Inspirados na teoria da seleção natural das espécies, do naturalista

britânico Charles Darwin (1809-1882), teóricos sociais buscaram

aplicar a mesma ideia à sociedade humana, afirmando que só os

mais capazes sobreviveriam.

Evolucionismo social

Trabalha com o conceito de evolução

da humanidade, dividindo os

indivíduos em categorias como

selvageria, barbárie e civilização

Essa teoria pensava a espécie humana como única, com

desenvolvimento desigual e diferentes formas de organização. Para

seus teóricos, a sociedade europeia tinha atingido o progresso,

ponto máximo de evolução –a “civilização”-, enquanto povos

“menos evoluídos” eram considerados “primitivos”. Um

representante deste pensamento foi o filósofo inglês Herbert

Spencer (1820-1903).

Eugenia

Defende a pureza das raças

Inspirada na proposta do cientista inglês Francis Galton (1822-

1911), defendia a seleção, pelo Estado, de jovens saudáveis e fortes,

aptos para procriar seres mais capazes. Acreditando ser possível a

“purificação” da raça, essa teoria chegou a propor a esterilização de

doentes, criminosos, judeus e ciganos. Essas ideias inspiraram as

terríveis experiências pseudocientíficas do Terceiro Reich na

Alemanha.

SOCIOLOGIA

GÊNESE DAS TEORIAS RACIAIS Fonte: ARAÚJO, S.M. de, BRIDI, M.A. e MOTIM, B. L. Sociologia. Editora Scipione, 2013. P. 129.

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A ideia de “raça” foi uma construção social recente,

sob base de argumentos pseudo-científicos, ligada ao

imperialismo europeu do século XIX (neo-

colonialismo) e não como justificativa para a

escravidão colonial moderna (essa a partir do século

XVI).

Raça, racismo e escravidão não são sinônimos.

A escravidão na Antiguidade, por outro lado, não baseava-se em

justificativas raciais, pois a ideia de seres humanos superiores a

outros era “natural”, socialmente aceita, servindo de pretexto

para escravidão, por guerras ou dívida.

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Porém, a escravidão moderna não pode ser explicada como uma dominação de uma raça sobre outra (isso seria uma “concepção racial da história”) mas sim como uma ação de um sistema mercantil-colonial, um negócio que contou com o envolvimento lucrativo de elites nos continentes europeu, americano e africano.

A escravidão contou com apoio de alguns comerciantes na África pois membros de sociedades africanas pré-coloniais não partilhavam da concepção iluminista de igualdade natural entre os seres humanos. Por outro lado, essa concepção iluminista de igualdade natural, estava em contradição com as ideias raciais das burguesias imperialistas europeias.

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Quando a escravidão entra em declínio no mundo no final do século XIX, a ideia de segregação racial aparece para se segregar indivíduos formalmente livres e iguais. Como exemplo, o apartheid nos Estados Unidos e África do Sul no século XX.

Importante não confundir o racismo com o etnocentrismo (esse conceito trata do estranhamento e preconceito cultural) esse sim, é um comportamento humano existente desde os primórdios das civilizações humanas.

As teorias racistas advindas de argumentos pseudo-biológicos, da medicina, mas também no Direito, deram suporte para as políticas de “eugenia” (contrária a mistura de raças), suportes ideológicos do nazismo por exemplo.

Referência: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da Miscigenação. Estudos Avançados. 1994.

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Nos Estados Unidos e na África

do Sul tivemos historicamente

um racismo de apartação,

segregação.

Mas, e no Brasil?

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DESIGUALDADES ÉTNICOS RACIAIS NO

NO BRASIL:

EUGENIA, BRANQUEAMENTO E

DEMOCRACIA RACIAL

Referencia:

SCHWARCZ, L. M. Espetáculo da Miscigenação. Estudos

Avançados. 1994.

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No Brasil, teorias “raciais” estiveram presentes (principalmente entre 1870

e 1930) em discursos de intelectuais (como Nina Rodrigues e Silvio Romero).

Políticas públicas, Faculdades de Medicina e Direito, Museus,

Imprensa, no início do século XX pregavam contra a mestiçagem

(associada a degeneração social e intelectual).

Depois foi a vez dos defensores do branqueamento da população

brasileira

Argumentos raciais foram utilizados pelos defensores de exames como a

“craniometria” e a “cromometria” para se definir se tais indivíduos tinham

predisposição ao crime. Epidemias que eram generalizadas na população

brasileira -por conta da evidente ausência de políticas públicas de saúde-

levaram sanitaristas a buscar associar tais males a uma suposta fraqueza

biológica/racial do brasileiro.

As expressões culturais afro-brasileiras e indígenas eram associadas a uma

cultura de “atraso”, de selvageria, de primitivismo.

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"[...] a degenerescência, presente nos tifos híbridos na zoologia, pode ser com certa facilidade percebida nos grupos humanos... Longe dos tipos puros é com cuidado que deve ser analisada a miscigenação local" (Herman von Ihering, diretor do Museu paulista, Revista do Museu Paulista, 1897).

"[...] a evolução encontrada na natureza era exatamente igual àquela esperada para os homens", [...] "os grupos inferiores constituíam barreiras frente ao progresso da civilização" (Boletim do Museu Paraense E. Goeldi)

"[...] que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental". [...] Trata-se de uma população totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia". (Médico suíço Louis Agassiz (A journey in Brazil. Boston, s.e., 1868).

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"Abrem-se-me então os olhos e percebo que taes homens já não vivem na innocencia paradisíaca e que as theorias de Jean Jacques Rousseau são meros sonhos. ...Os americanos não representam uma raça selvagem, representam antes uma raça degenerada que se tornou selvagem. ...Assim poucos séculos se passarão e o ultimo americano deitar-se-á. Se não se garantir a superioridade do sangue branco toda a população do continente definhará” (Revista do Instituto Histórico de São

Paulo, 1904:53-4).

“Para um povo de população heterogênea como o brazileiro, a identificação craniologica das raças adquire em medicina legal uma importância máxima" (Nina Rodrigues, artigo publicado em 1902 na Gazeta

Médica da Bahia).

“[...] o Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução". (João Batista Lacerda, diretor do Museu

Nacional do Rio de Janeiro, representante brasileiro no Iº Congresso Internacional das Raças, realizado em julho de 1911).

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O termo democracia racial A miscigenação como fato social deu voz a interpretações que, no

Brasil, as relações raciais teriam se dado de forma mais harmônica,

maleável. O sincretismo cultural luso-afro-indígena reforçariam tais

visões.

O conceito foi apresentado inicialmente pelo sociólogo pernambucano

Gilberto Freyre (autor de Casa-Grande & Senzala, entre outros). Suas

teorias abriram o caminho para outros estudiosos popularizarem a ideia.

Freyre argumentou que vários fatores, incluindo as relações estreitas

entre senhores e escravos antes da emancipação legal dada pela Lei

Áurea em 1888, e o caráter supostamente benigno do colonialismo

português impediu o surgimento de categorias raciais rígidas. Freyre

também argumentou que a miscigenação continuada entre as três raças

(ameríndios, os descendentes de escravos africanos e brancos) levaria a

uma "meta-raça”.

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GF negava os argumentos racistas vigentes em documentos e

textos da primeira metade do século XX. Porém, nossas relações

socio-culturais teriam, segundo o autor, produzido relações

adocicadas, integradoras, sincréticas.

Religião, linguagem (centenas de palavras, uso de diminutivos),

musicalidade, folclore, culinária, adaptabilidade no trabalho com o

gado e com os metais, contribuíram, segundo o autor, para fazer com

que os antagonismos sociais no Brasil entre brancos e negros fossem

permeados por relações integradoras.

As críticas a GF foram que ao apontar a “democracia racial” e a

“miscigenação socio-cultural” como as soluções para os antagonismos

da nossa sociedade, o autor se opõe a qualquer tentativa de

transformação radical da estrutura da sociedade brasileira e a

questionável integração socio-cultural entre o senhor e o negro

escravizado seria uma visão a partir da varanda da Casa Grande...

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O conceito de racismo institucional

Já tem sido fartamente explicitado que nas sociedades da diáspora africana o racismo se

desenvolve estabelecendo o que W. E. B. DuBois definiu como “linha de cor”. Ou seja,

sob o racismo, uma separação (segregação) é feita a partir da cor da pele das pessoas,

permitindo aos mais claros ocuparem posições superiores na hierarquia

social, enquanto os mais escuros serão mantidos nas posições inferiores,

independentemente de sua condição (ou seus privilégios) de gênero ou quaisquer outros.

Note-se que a linha de cor, ainda que guarde certa flexibilidade em relação às diferentes

tonalidades, reivindicará e resguardará, nas disputas cotidianas e gerais, o lugar de

privilégio sempre para o mais claros. [...]

Trata-se da forma estratégica como o racismo garante a apropriação dos

resultados positivos da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na

sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda a manter a fragmentação da distribuição

destes resultados no seu interior. O racismo institucional ou sistêmico opera de

forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas

instituições e políticas públicas – atuando também nas instituições privadas,

produzindo e reproduzindo a hierarquia racial.

FONTE: Racismo Institucional: uma abordagem conceitual. Realização: Geledés –

Instituto da Mulher Negra. página 12 e 17.