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VII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 08 a 10 novembro de 2011 - ISSN 2175-960X – Pg. 1316-1327 1316 DIFERENTES ENFOQUES DAS RELAÇÕES FAMILIARES: SUPERPROTEÇÃO E ABANDONO 1 Maria Aparecida Pereira de Castro Augusto 2 Miguel Cláudio Moriel Chacon 3 RESUMO Este trabalho enfoca as diferentes relações no núcleo familiar de crianças surdas com pais ouvintes valorizando principalmente os fenômenos de superproteção e de abandono, refletindo como essas famílias se articulam, e como essas relações interferem no desenvolvimento social destas crianças. Tem como objetivo observar se há superproteção e abandono na relação entre pais ouvintes e filhos surdos, e comparar se a interação materna é similar à paterna. Utilizando o instrumento avaliativo de ligação pais-filhos, Parental Bonding Instrument (PBI) que por meio de questionário, que pode ser auto aplicável, enquadra pais dentro de quadrantes de comportamento. Participaram da pesquisa sete casais que possuem filhos em escolas bilíngues; os participantes responderam ao PBI cujas respostas foram mapeadas nas categorias confinamento afetivo, controle sem afeição, cuidado ideal ou abandono. O trabalho pode contribuir para buscar recursos que auxiliem no relacionamento entre pais e seus filhos. PALAVRAS-CHAVE: Superproteção. Abandono. Surdez. Família. ABSTRACT This work focuses the different relations in the familiar nucleus of deaf children with parents listeners valuing mainly the phenomenon of overprotection and the abandonment, reflecting as these families if they articulate, and as these relations intervene with the social development of these children. The article has as objective to observe if overprotection and abandonment exists in the relation between listeners parents and yours deaf children, and to compare if the maternal relation is similar to the paternal one. Using the issuing instrument of linking father-children, Parental Bonding Instrument, thereafter PBI that by means of auto-applicable questionnaire put parents behaviors fits in one of four quadrants, six couples that they possess children in bilingual schools (the majority of the municipal net of São Paulo) had answered and had been mapped between 'optimal bonding' (high care-low overprotection), 'affectionless control' (low care-high overprotection), 'affectionate constraint' (High care-high overprotection), and 'absent or weak bonding' (low care-low overprotection). This work can contribute to search resources that can assist in the relationship between parents and its children. 1 Pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu Curso de Especialização em Formação de Professores em Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Marília como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Especial. 2 Professora da Rede Municipal de São Paulo, licenciada em artes visuais pelo Instituto de artes Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” 3 Orientador da Pesquisa e docente do Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP , Campus de Marília.

DIFERENTES ENFOQUES DAS RELAÇÕES FAMILIARES · da linguagem de sinais e suas perspectivas em relação à comunicação como um todo. Muitos pais ouvintes de crianças surdas demoram

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DIFERENTES ENFOQUES DAS RELAÇÕES FAMILIARES:

SUPERPROTEÇÃO E ABANDONO1

Maria Aparecida Pereira de Castro Augusto2 Miguel Cláudio Moriel Chacon3

RESUMO

Este trabalho enfoca as diferentes relações no núcleo familiar de crianças surdas com pais

ouvintes valorizando principalmente os fenômenos de superproteção e de abandono, refletindo

como essas famílias se articulam, e como essas relações interferem no desenvolvimento social

destas crianças. Tem como objetivo observar se há superproteção e abandono na relação entre

pais ouvintes e filhos surdos, e comparar se a interação materna é similar à paterna. Utilizando o

instrumento avaliativo de ligação pais-filhos, Parental Bonding Instrument (PBI) que por meio

de questionário, que pode ser auto aplicável, enquadra pais dentro de quadrantes de

comportamento. Participaram da pesquisa sete casais que possuem filhos em escolas bilíngues;

os participantes responderam ao PBI cujas respostas foram mapeadas nas categorias

confinamento afetivo, controle sem afeição, cuidado ideal ou abandono. O trabalho pode

contribuir para buscar recursos que auxiliem no relacionamento entre pais e seus filhos.

PALAVRAS-CHAVE: Superproteção. Abandono. Surdez. Família.

ABSTRACT

This work focuses the different relations in the familiar nucleus of deaf children with parents

listeners valuing mainly the phenomenon of overprotection and the abandonment, reflecting as

these families if they articulate, and as these relations intervene with the social development of

these children. The article has as objective to observe if overprotection and abandonment exists

in the relation between listeners parents and yours deaf children, and to compare if the maternal

relation is similar to the paternal one. Using the issuing instrument of linking father-children,

Parental Bonding Instrument, thereafter PBI that by means of auto-applicable questionnaire put

parents behaviors fits in one of four quadrants, six couples that they possess children in

bilingual schools (the majority of the municipal net of São Paulo) had answered and had been

mapped between 'optimal bonding' (high care-low overprotection), 'affectionless control' (low

care-high overprotection), 'affectionate constraint' (High care-high overprotection), and 'absent

or weak bonding' (low care-low overprotection). This work can contribute to search resources

that can assist in the relationship between parents and its children.

1 Pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu – Curso de

Especialização em Formação de Professores em Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências -

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Marília como exigência parcial

para a obtenção do título de Especialista em Educação Especial. 2 Professora da Rede Municipal de São Paulo, licenciada em artes visuais pelo Instituto de artes –

Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” 3 Orientador da Pesquisa e docente do Departamento de Educação Especial da Faculdade de

Filosofia e Ciências – UNESP, Campus de Marília.

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KEYWORDS: Overprotection. Abandon. Deafness. Family.

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA A opção por essa linha de pesquisa se justifica pelo desejo de compreender se a

superproteção e o abandono interferem nas relações familiares e na vida de crianças

surdas e como esses fenômenos se manifestam no seio familiar, refletindo na escola e

em outros ambientes sociais. Procuramos trabalhar com pais que vivem juntos, e que

tem filhos com idade entre 13 e 16 anos, estudantes de escolas públicas bilíngues

(libras-português) e, além disso, os sujeitos desta pesquisa são ouvintes e possuem

outros filhos ouvintes.

Se para um indivíduo comum a superproteção pode ter o efeito de impedir e

atrapalhar o processo de ensino e aprendizado, o desenvolvimento psicológico saudável

e a integração social é possível imaginar qual o efeito da superproteção em uma criança

com deficiência, que além de superar grandes obstáculos se depara com o cuidado

exagerado em seu convívio familiar, principalmente no contato materno. “(...) famílias

superprotegem suas crianças, procuram realizar todos os desejos possíveis dos mesmos e

acabam não criando condições para que elas desenvolvam suas potencialidades e não as permite

sofrer frustrações.” (GOLFETO e MIAN, 1999, p. 208).

Este estudo intenciona fomentar questionamentos que permitam que se

estabeleçam novas mudanças nas relações família/criança/escola/profissionais da saúde,

de modo que novas parceiras sejam inauguradas enriquecendo e valorizando o

indivíduo, para que este seja notado como protagonista de sua história, desviando o

olhar de sua deficiência.

O foco desta pesquisa é as relações familiares entre pais ouvintes e filhos surdos.

Segundo Helen Bee “noventa por cento das crianças surdas nascem em lares ouvintes e

em seu estudo ela observa que as crianças filhas de surdos tem um melhor prognóstico

com relação à linguagem" (BEE, 1996, p. 446). Esse bom resultado acontece pelo uso

da linguagem de sinais e suas perspectivas em relação à comunicação como um todo.

Muitos pais ouvintes de crianças surdas demoram em optar se a educação do seu filho

será pautada pela linguagem gestual ou pela modalidade oral, ou ainda se fará ou não

implante coclear, talvez a decisão dos pais seja a primeira forma de controle afetivo e de

proteção, pois quanto mais se posterga a escolha pelo melhor caminho a seguir mais

demorado é para a criança o processo de aprendizagem e de apreensão da linguagem.

1.1 PROTEÇÃO E ABANDONO Dentro desse processo investigativo pode-se notar que antes de estudar o

fenômeno de superproteção, é necessário saber como são as relações familiares dessas

crianças surdas. Inicialmente, se partirmos do preceito de que a proteção está ligada à

afeição e ao calor humano, no contraste, temos a frieza e a rejeição, sentimentos

totalmente plausíveis quando a família se vê em uma situação nova como, por exemplo,

a descoberta que seu filho não escuta.

Segundo Parker (1990) além desses dois quadrantes que se contrapõem, outras

características constantes que farão contraponto é a autonomia psicológica e o controle

psicológico sem afeição. Para isso o especialista desenvolveu um trabalho analítico e a

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partir dele um questionário para identificar os pais nesses quadrantes. Os resultados

foram compatíveis em pesquisa psicológicas abrangentes, sugerindo que todos os

comportamentos interpessoais sejam adaptativos, e as duas dimensões de agrupamento

seriam “afeição/hostilidade e dominação/submissão."

A superproteção é um fenômeno que se caracteriza pelo excesso de cuidados e

zelo que os pais tem em relação aos seus filhos, os motivos são variados, não estão

relacionados diretamente com deficiência, pode estar relacionado com o medo do

mundo e da violência. (GOLFETO e MIAN, 1999). Esse excesso pode interferir nas

relações sociais e no processo de ensino-aprendizagem, assim como o contraponto desse

cuidado, a indiferença e o descaso, também são fatores que prejudicam a formação

psicossocial desse indivíduo.

O papel da família dentro da sociedade foi resgatado nos últimos anos para que

junto às outras instituições (escola, igreja) tenha um papel mais decisivo na vida da

criança com deficiência. Se a igreja, a escola e a família são consideradas bases da

sociedade, hoje a família deveria exercer um papel relevante na história de cada

indivíduo, porém a instituição familiar está em processo de mudanças e alterações

comportamentais.

A família traz a seus pares um vínculo indiscutível, e como será para os pais

notar que seu filho tem uma deficiência?

Cabe aos pais decidir o tratamento de seus filhos e as opções educativas para seu

acompanhamento pedagógico, porém devem acompanhá-los e não deixá-los a cargo

somente dos profissionais habilitados. Outro aspecto significativo está no aumento da dedicação que, em geral, supõe que um

filho com deficiência requer um processo de esforço pessoal (PANIAGUA, 2004).

Segundo Seligman (1979 apud PANIAGUA, 2004 p. 334), existem diferentes

reações com pais que constatam deficiência no filho. A primeira é a fase de choque, se

dá no momento inicial, a segunda é a negação que a família tende a ignorar o problema,

a terceira é a reação em que eles tem que se adaptar à deficiência do filho. Nesses casos

são sentimentos comuns: a depressão, a culpa, o desapego, entre outras.

Dentro desse universo a superproteção se torna uma atitude diante da deficiência

do filho, assim como a expectativa e exigências educacionais. No caso da Criança surda

os pais tem de tomar uma decisão: escolher, pelo menos inicialmente, a modalidade de

língua que o filho usará: a linguagem gestual ou oral. Essas escolhas podem interferir na

identidade e na integração dessa criança na Cultura Surda. (SANTANA, 2007).

Já o abandono afetivo se caracteriza pelo distanciamento dessa família em

relação a esse filho surdo que é incompreendido. Sendo assim, muitos ignoram a

deficiência, são intolerantes ao silêncio e à falta de comunicação.

Tanto proteger em exagero como abandoná-lo pode trazer dificuldades nas

relações e adoecer a família como um todo, porém isso atingirá a personalidade desse

indivíduo. Segundo Goleman (1997) quando uma criança chega para ter seções de

psicoterapia ou outro atendimento psicológico, em geral é necessário estudar a família,

pois os problemas de personalidade desse jovem geralmente estão relacionados a todos

os membros desse clã, sendo assim ninguém adoece sozinho.

É natural, segundo Seligmam (1979 apud PANIAGUA, 2004), que ocorram

reações frequentes relacionadas à deficiência, entre elas a fase do choque, da negação e

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da reação; na primeira é compreensível que os pais gerem um bloqueio, já na segunda

existe o momento de adaptação em que os pais podem simplesmente ignorar essa

informação, após esses dois momentos breves, vem o momento de reação onde o

indivíduo nutre um turbilhão de sentimentos, muitas vezes contraditórios: como culpa,

desapego e sentimento de fracasso, no entanto, após esse momento, surge o sentimento

de adaptação que seria um grau de calma emocional, reflexão e ação, para mediar esses

conflitos. É possível que haja pais que não passem por todas as etapas, porém cabe a

todos mobilizarem e organizarem-se frente à surdez.

1.2 OBJETIVOS No início, esta pesquisa tinha como questionamento verificar se há

superproteção ou abandono nas relações familiares de crianças surdas de pais ouvintes,

pois compreender o universo da criança superprotegida ou abandonada permitiria buscar

recursos que auxiliassem o relacionamento familiar. Posteriormente, também surgiu o

interesse por investigar se a relação materna com surdo era similar à paterna, visto que a

mãe, muitas vezes, não permite que nem mesmo o pai se torne um ser atuante e presente

na formação social e cognitiva do filho, tornando o papel do pai secundário. Porém, se o

espaço necessário for dado ao progenitor, ele poderá sentir-se seguro para relacionar-se

com o filho e protegê-lo. A partir desta reflexão surgiu o interesse em analisarmos se os

pais e mães corroboram no processo de relações interpessoais.

2.TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Atribuímos um número para cada criança de 1 a 6 para poder comparar os

resultados de pais e mães. Adaptamos o questionário e o utilizamos diretamente com os

pais de alunos surdos, de uma escola da prefeitura de São Paulo, situada na região oeste

da cidade (número 2 a 6) e de pais voluntários do Colégio Rio Branco (um casal,

criança implantada, a qual será denominada como número 1).

Além das 25 questões originais, incluímos três questões relacionadas com os

limites e responsabilidades que atribuíam aos seus filhos.

Apesar da adaptação, as questões e os scores de cada uma delas, assim como

suas variáveis, permaneceram seguindo a estrutura que Parker criou, respeitando os

quadrantes onde se estabelece as diferentes atitudes e comportamentos dos pais em

relação aos seus filhos.

Todas as crianças dessa pesquisa são surdas profundas, estudantes entre 12 e 16

anos, apenas a criança implantada tem 12 anos e não estuda na escola pública. Sem

exceções as crianças moram com seus pais em bairros afastados ou em cidades vizinhas

da escola, tais como: Osasco, Francisco Morato, Parada de Taipas entre outras.

O questionário apresenta as questões que foram traduzidas e modificadas, assim

como as que foram formuladas para o trabalho com crianças surdas e seus pais. O estudo de diferentes enfoques nas relações familiares foi baseado no

instrumento de medida de ligação entre pais e filhos denominado Parental Bonding

Instrument (PBI), que é uma avaliação da ligação afetiva entre pais e filhos. O PBI foi

desenhado como uma medida autoaplicável, em princípio com crianças com menos de

16 anos, permitindo exprimir os comportamentos entre pais e filhos. O instrumento

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relaciona as características de superproteção e cuidado. Consiste em um questionário

com 25 questões utilizado desde o fim dos anos 70 em vários países e para avaliar as

relações familiares,

Muitas adaptações foram produzidas ao redor do mundo, pois as questões PBI

abrem margem para essas adaptações. Ao avaliar e compará-las, elas nos permite traçar

mapas de diversos comportamentos e transtornos relacionados às relações familiares e

às situações psicossociais.

A avaliação do questionário é calculada por meio de pontuação que varia de zero

a três pontos. Para evitar respostas tendenciosas algumas questões são formuladas de

maneira inversa. Os questionários com grande concentração de resposta em uma

determinada coluna tem que ser observados com grande zelo e atenção.

Comportamentos e atitudes que de algum modo reflitam no desenvolvimento da pessoa

em questão, são avaliados.

Figura 1 - PBI normalizado com os cortes de Sydney.

A análise de fatores dividiu os pais em dois grupos não-clínicos, isolaram uma

clara dimensão de cuidado como primeiro fator. Um segundo e terceiro fator sugeriram

superproteção e o encorajamento de independência e autonomia respectivamente.

No artigo original sugeriu-se que a medida poderia ser usada em vários modos,

calculando e examinando contagens cruas de cuidado e superproteção para pais e de

uma maneira secundária restringindo vários estilos de relação pai-filho. A partir dessas

pontuações foi possível criar quatro grupos distintos, traduzimos em forma de gráfico e

de maneira que a nomenclatura fosse original como o pesquisar sugeriu (Figura 1). Os

grupos são: Ligação ótima: alto cuidado – baixa superproteção; Controle sem afeição:

baixo cuidado – alta superproteção; Confinamento afetivo: alto cuidado – alta

superproteção; e Ligação fraca ou inexistente: baixo cuidado – baixa superproteção.

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Inicialmente o questionário foi aplicado ao universo de 2140 adolescentes

australianos, resultando após a análise com o método de componentes principais cortes

diferenciados para pais e mães. O corte para superproteção e cuidado para mães é de

13,5 pontos e 27 pontos, já para os pais 12,5 pontos e 24 pontos respectivamente. Estes

cortes diferenciados sugerem que os pais superprotegem e cuidam menos de seus filhos

que as mães.

Se observarmos, existem dois pólos negativos dos quais dois fatores tenderam

para ter itens pesando positivamente sobre o outro fator, foi julgado que um fosse

largamente observado em relação ao outro. Por esta razão e, também, para ter um

conjunto de dimensões mais restrito, uma solução de dois fatores (levando em conta

para variância de 28% e 17%) e uma rotação, foi imposta, a estratégia usada em seguida

para gerar itens mais relevantes para uma dimensão e independente da outra.

Como tantos, os estudos iniciais e subsequentes de Parker mostraram

consistentemente uma correlação negativa entre os "scores" das escalas inicialmente

rotuladas como "cuidado" e "superproteção" (girando em torno de -0,40), é claro que as

finais de dimensões interdependentes. Pesquisas que adaptaram os PBI na Itália

afirmam que as correlações de -0,16 para mães e 0,08 para pais, a despeito da

independência objetiva ou ortogonalidade, com a superproteção sendo associada à falta

de cuidado.

Este último número é, no entanto, impressionante quando a superproteção é

igualada com alto cuidado de acordo com alguns teóricos. Essa experiência explicita

que a superproteção nada mais é que, um envolvente controle social, que exclui o

protegido de escolhas simples do seu cotidiano e que pode suplantar frequentemente, ou

não, e permitir controle, explicando a associação entre os "escores" das duas escalas. A

despeito desta ligação geral o uso do PBI por meio dos quadrantes que serão descritos

rapidamente, permite a relevância tanto de cuidado como descuido da superproteção

para ser examinado.

Utilizou-se a normalização do estudo prático geral realizado em Sydney para se

determinar os cortes para o que se define ‘cuidado’ e ‘proteção’ (27.0 e 13.5 para mães)

e (24.0 e 12.5 para pais). Rotularam depois a escala de ‘superproteção’ para ‘proteção’,

que poderia ser nomeada ‘controle’, o quadrante de ‘ligação ótima’ foi rotulado como

‘ótima ligação pais-filhos’ e o quadrante ‘ligação fraca ou inexistente’ foi nomeado

então ‘ligação negligente’.

A pontuação de alguns itens do PBI foi ordenada ao inverso (alguns itens de

cuidado, por exemplo, foram ordenados na direção de ‘descuido’) na tentativa de

detectar respostas errôneas (Tabela 1 - adaptada de Parker, Tupling and Brown, abaixo:).

Cuidado

Ítens: 1, 5, 6, 11, 12, 17: Freqüente = 3

Relevante = 2

Raro = 1

Nunca = 0

Ítens: 2, 4, 14, 16, 18, 24 Nunca = 3

Raro = 2

Relevante = 1

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Freqüente = 0

Superproteção

Ítens: 8, 9, 10, 13, 19, 20, 23 Freqüente = 3

Relevante = 2

Raro = 1

Nunca = 0

Ítens: 3, 7, 15, 21, 22, 25 Nunca = 3

Raro = 2

Relevante = 1

Freqüente = 0

Tabela 1 – Pontuações no PBI

Desta maneira qualquer formulário com um excesso de resposta numa

determinada coluna sugere imediatamente uma resposta inválida. Da mesma forma o

uso do PBI sugere que alguns indivíduos interpretam aqueles itens de maneira ambígua.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Devido a nova visão da família que tem se formado, tornou-se necessário que a

família perceba sua capacidade de sentir-se inserida em um contexto interativo, de ajuda

mútua e de regras claras e vidas comuns.

O questionário utilizado nesta pesquisa foi respondido nos domicílios de cada

criança, pais e mães responderam separadamente, em dias alternados, com a presença

do pesquisador.

Participaram da pesquisa seis casais sendo que, destes cinco moram juntos e

apenas um casal é separado sendo que a mãe vive com a criança e o padrasto respondeu

como pai (criança 4). No caso da criança 6 até o momento o pai não respondeu o

questionário.

Buscamos crianças que tivessem rotinas e famílias semelhantes entre si para

analisar se apesar dessas semelhanças os resultados também seriam aproximados, era

interessante que os pais e mães vivessem no mesmo teto para analisar se os

comportamentos entre os dois progenitores eram semelhantes ou se contrariavam

devido a sua posição no núcleo familiar.

Para complementar a análise, calculamos a distância do ponto ao centro do

gráfico usando a seguinte equação: Distância ponto-centro = raiz quadrada ((Pontuação

de Cuidado)2+(Pontuação de Superproteção)

2). Cujo resultado é possível verificar na

Tabela 2 abaixo:

Pais Mães

Criança Distância ao Centro Distância ao centro

2 0,5 8,1

3 9,6 8,9

1 13,1 10,3

4 13,5 11,6

5 15,4 12,2

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6 18,2

Tabela 2 – Distância do ponto ao centro do gráfico.

A concentração de mães e pais no quadrante de confinamento afetivo verificado

é grande. A tabela 2 é um auxílio para destrinchar os graus de relações parentais, entre

as díades, de acordo com os as respostas dadas. Analisando a tabela verifica-se que o

grau de relação é inerente ao filho e não de pai ou mãe em separado. Comparando casais

não houve caso em nossa amostra de um pai estar com grau mais alto de confinamento

afetivo e a respectiva mãe menos em comparação a outro casal.

Após a aplicação do questionário, foi possível obtermos os seguintes resultados:

Considerando o gráfico Cuidado x Superproteção para as mães (Figura 2), apenas uma

se encontra no quadrante de excesso de controle com baixa afetividade (16%), as outras

cinco mães (84%) estão no confinamento afetivo.

Figura 2 - PBI mães, os números ao lado dos símbolos indicam os filhos, esta mesma

sequência é usada na Figura 3, para pais.

O gráfico Cuidado x Superproteção para pais (Figura 3) demonstrou na região da

superproteção uma concentração de pais, sendo que 60% estão na região do

confinamento afetivo; apenas um pai (20%) encontra-se no limite entre ótima relação e

negligente; e um pai (20%) no limite entre confinamento afetivo e controle sem afeição.

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Figura 3 - PBI pais, os números ao lado dos símbolos indicam os filhos, esta

mesma seqüência é usada na Figura 2 para mães.

Como já mencionamos Paker (1979) trabalhou a variante em quatro pontos

fundamentais:

A Alta proteção e Alto Cuidado (confinamento afetivo), a proteção

está intimamente ligada ao controle que os pais possuem em

relações aos seus filhos e das escolhas desse individuo, no caso do

cuidado ele está relacionado com o afeto desprendido a esse ser

humano, em geral podemos classificar o cuidar como algo

positivo, o cuidar com sinônimo de amor, tolerância e desejo de

crescimento individual.

O Cuidar sem a Alta proteção (Ligação ótima), é por certo

altamente salutar, pois define que o individuo está livre do

controle e capacita esse ser humano a escolher e produzir e

principalmente definir sua própria história.

A Alta proteção sem o Cuidar (Controle sem afeição), está

relacionado com o controle sem afeto, se o ato de cuidar é o afeto

esse controle é totalmente desprovido do afeto da capacidade de

ver o outro, que suas necessidades vão além de alimento e

vestuário.

A Falta de proteção e de Cuidado (Ligação fraca ou inexistente),

define o abandono, a incapacidade de criar vínculos e gerar afeto,

cuidado e proteção. (PARKER, TUPLING e BROWN, 1979, p.

02).

Abaixo coloco os resultados explicando o comportamento observado díade a díade:

Família 1: Menina surda com implante coclear desde os três anos de idade.

Segundo o pai, após o implante, a família notou melhora significativa em sua

linguagem. A mesma conhece LIBRAS e comunica-se normalmente, estuda em uma

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instituição de ensino tradicional que possui uma unidade para crianças surdas que são

aos poucos inseridas em classes regulares. Seus pais são casados e ela é filha única, os

dois possuem nível superior e trabalham fora, são moradores de Osasco, região

metropolitana de São Paulo. A criança 1 é a única com implante coclear e também a

única que não estuda em uma escola bilíngüe da prefeitura de São Paulo. O casal

encontra-se próximo ao meio do quadrante de confinamento afetivo. É a criança cujos

pais apresentaram maior pontuação de cuidado entre os entrevistados.

Família 2: A família é moradora da região norte da cidade de São Paulo. Os pais

possuem nível superior e o filho estuda em uma escola pública. A mãe é fluente em

LIBRAS e ensinou o filho desde cedo a linguagem de sinais. O garoto, filho único, se

alfabetizou com facilidade aos seis anos. A mãe encontra-se no confinamento afetivo,

sendo a mais próxima da zona ideal, o pai por sua vez encontra-se na zona ideal

próximo à mãe.

Família 3: família humilde, a mãe dona de casa são três filhos sendo dois

ouvintes. O filho surdo é o mais velho, com 16 anos de idade, estuda em uma escola

bilíngüe em Pirituba, São Paulo. Moram no Jaraguá, todos conhecem LIBRAS, mas não

possuem fluência, costumam utilizar comunicação total. O pai é de origem nipônica e se

encontra mais no quadrante de confinamento afetivo do que sua esposa. Seu filho está

na sexta série e portanto atrasado em relação aos jovens de sua idade.

Família 4: O jovem com 15 anos é surdo profundo, conhece LIBRAS e é

excelente desenhista. Aparentemente o menino não tem contato com a vizinhança, tive a

oportunidade de conversar com os vizinhos desta criança e eles não tinham

conhecimento que o menino era surdo, porém o jovem tem por hábito freqüentar todo

final de semana o sítio que a família mantém fora da cidade. A família é composta por

mãe e padrasto. Os dois trabalham fora e moram no Jardim Britânia, região afastada e

simples do noroeste da cidade de São Paulo. A mãe possui uma filha ouvinte mais

jovem com o padrasto. A mãe deste menino é a única mãe que se encontra no quadrante

controle sem afeição, o padrasto se aproxima da mãe porém se encontra no limite com o

quadrante de confinamento afetivo, apresentando maior pontuação de cuidado do que a

mãe.

Família 5: Jovem com 15 anos surdo profundo é o filho do meio de uma família

que reside em uma área livre na periferia de Osasco. As irmãs são ouvintes e apenas o

pai trabalha fora, são fluentes em LIBRAS. Os vizinhos desta criança se relacionam

com ele por meio de comunicação total. Verifica-se pelos gráficos que é a criança mais

superprotegida da amostra, os dois pais estão no confinamento afetivo. A mãe é de

longe a mais superprotetora entre todas as mães da amostra e o pai é o segundo mais

superprotetor, sendo apenas menos superprotetor do que o padrasto da família 4. É o pai

juntamente com o pai da família 1 que apresenta maior pontuação de cuidado, sendo

porém mais superprotetor.. Este comportamento se corrobora, por exemplo, pelo fato de

que houve um aniversário no dia anterior ao preenchimento do questionário e mesmo

sendo vizinho há três casas de distância o jovem surdo com 15 anos foi impedido pela

mãe de comparecer a festa. Os vizinhos mostram acolhimento tanto que levaram no dia

da entrevista um pedaço de bolo “especial” para ele. Foi observado ainda que a irmã

mais velha também superprotege o jovem, a mesma fez questão de preencher o

questionário PBI, porém não o coloquei nos dados.

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Londrina de 08 a 10 novembro de 2011 - ISSN 2175-960X – Pg. 1316-1327

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Família 6: Menina de 15 anos surda, a mãe é separada do pai. A mãe trabalha

fora, porém acompanha sua filha todos os dias a escola. Até o fechamento da pesquisa

não consegui o questionário do pai. A mãe se encontra na região de confinamento

afetivo sendo a segunda mãe mais superprotetora da amostra.

Analisando as respostas dos genitores em relação às crianças de 1 a 6, de acordo

com a posição dos pontos no gráfico e a distância ao centro do gráfico, verificamos que

o resultado para esses pais corrobora o de seus cônjuges, isso demonstra que as relações

afetivas e de superproteção estão relacionadas com os núcleos familiares e não com os

pais como indivíduos únicos e isolados, mesmo quando o pai e mãe da mesma criança

estão em quadrantes diferentes graças à pontuação de seu questionário, a variável é

pequena e em geral estão aproximados no quadrante (Tabela 2). Ainda cabe observar

que a corroboração existe também com os pais da criança 4, onde a mãe se localiza no

quadrante de controle sem afeição e seu pai que é adotivo está no limite entre

confinamento afetivo e controle sem afeição.

Alguns autores apontam para uma diferença no tratamento dado pelo pai e pela

mãe. O impacto da vinda de um filho surdo pode ser tão traumática que as reações ao

nascimento de um filho com deficiência são diferentes por mais semelhanças que

existam entre marido e mulher HONORA e FRIZANCO (2009). Em PANIAGUA

(2004) a autora indica ser distante da realidade que o pai e a mãe atravessam em

uníssono e com as mesmas reações os vários momentos da vida da criança especial

como se fossem uma só pessoa, pais e mães se adaptam e em certos momentos se

alternam com um genitor em determinado momento se permitindo um certo abandono

ao atravessar as fases mais depressivas e outro se mostra ativo e forte nestas fases.

Nossos dados apontaram que se há diferença no tratamento dado pelo pai e pela mãe

esta não é significante.

4. CONCLUSÕES Neste trabalho verificamos que a maioria dos pais de crianças surdas são

superprotetores, localizados na região de confinamento afetivo do PBI. Concluímos

também que, as relações afetivas e de superproteção estão relacionadas com os núcleos

familiares e não com os pais enquanto indivíduos únicos e isolados. Em outras palavras,

percebeu-se que em um núcleo onde há superproteção, esta está presente em ambos, pai

e mãe, visto que este fenômeno não atinge apenas a mãe ou o pai, enquanto indivíduos,

mas atinge a ambos que se sintam pertencentes ao mesmo núcleo.

Ainda foi possível constatar que as relações afetivas são similares em relação a

afetividade materna e paterna, já que no quadrante todos os pais, sem exceção,

aproximaram-se do resultados apresentados. Desse modo, mães e pais assemelham-se

em relação aos tratamentos dependidos aos filhos surdos.

Enfim, dentro do grupo estudado nenhum dos pais enquadrou-se no abandono

afetivo. Devido a esse resultado surge um questionamento: será que pais de crianças

com deficiência tendem a ser superprotetores se comparados com pais de crianças sem

deficiência?

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SANTANA, A. P. Surdez e Linguagem: Aspectos e implicações neurolinguísticas. São

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