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Digesto Econômico nº 453

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Maio e Junho de 2009

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3MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

Hora depensarno futurodo Brasil

Pablo de Sousa/LUZ

Desde a quebra do banco americano Lehman Brothers em setembro doano passado, que deu início à fase mais aguda da crise financeira, já sepassaram nove meses. Agora, os mercados começam a dar sinais de

recuperação, o que indica que o pior já passou. O mundo já vivenciou crisesmais graves, como a Grande Depressão dos anos de 1930, mas nunca se viuuma crise se alastrar com tanta rapidez e a ação de tamanha articulaçãoglobal para combatê-la, a um custo não menos extraordinário. Como disseKenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional(FMI): "O socorro ao setor financeiro foi extremamente generoso e serão oscontribuintes quem irão pagar por tudo. A princípio, parece bom, ocontribuinte está feliz. Mas ele ainda não viu a conta e, ao vê-la, entrará emestado de choque".

Em comparação aos países desenvolvidos, o Brasil sofreu um impacto menor,apesar da retração no PIB por dois trimestres consecutivos, o que nos colocoutecnicamente em recessão. Estávamos com os fundamentos econômicos maissólidos, mas como bem disse o ex-ministro Pedro Malan, que juntamente comKenneth Rogoff participou da conferência "A crise econômica mundial e o Brasil",realizada no início de junho em São Paulo, isso não significa que o País fez toda alição de casa como deveria. Enquanto a arrecadação de impostos vem caindomês a mês, o governo vem aumentando seus gastos, principalmente nos decusteio e com pessoal, que cresceram 19% e 24%, respectivamente.

Nos Estados Unidos, o governo do presidente Barack Obama combate a crisesalvando empresas e também incentivando a adoção de soluções baseadas emenergias alternativas e mais limpas, que beneficiem o meio ambiente. Percebe-se um claro objetivo para o futuro. E quanto ao Brasil? O governo tem algum planopara aproveitar este momento de crise para definirmos onde o País quer chegardaqui a alguns anos? Temos planos de médio e longo prazos? Ou a preocupaçãodo governo é apenas a de manter bons resultados momentâneos, visando fazer osucessor nas eleições do próximo ano? Estas são questões que devemos refletire debater daqui para frente.

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de São Paulo e da

Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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4 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

ÍNDICE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente institucionalMarcel Domingos Solimeo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Chefia de ReportagemJosé Maria dos Santos e Arthur Rosa

Editor de FotografiaAlex Ribeiro

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto Gráfico e DiagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

I lustraçõesAl fe r

Gerente ComercialArthur Gebara Jr.

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Gerente de OperaçõesJosé Gonçalves de Faria Filho

( j f i l h o @ a c s p. co m . b r )

I m p re s s ã oLene Gráfica

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055FAX (011) 3244-3046

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6O mundo respiraaliviado, o pior já passouCintia Shimokomaki

Luiz Prado/Luz

12O Brasil deveolhar para o futuroCarlos Ossamu

Luiz Prado/Luz

24A novela da tributaçãodos juros da poupançaRoberto Macedo

Alex Ribeiro/DC

CAPAFoto: Ann Cutting/Corbis

Ilustração: Sakai/CWS/NYT

20Crise: o fimjá está à vista?Roberto Fendt

Scott Olson/AFP

28O que precisa ser feitodaqui para frenteIan Luder

Paulo Pampolin/Hype

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5MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

30Brasil, porto seguropara os refugiadosHeci Regina Candiani

ALFER

38O livro pouco esclarecedordo refugiado Cesare BattistiRenato Pompeu

42A política externabrasileira, de FHC a LulaAmaury de Souza

Andre Dusek/AE

46Por que Chávez estáconfiscando empresas?Alejandro Penã Esclusa

Kimberly White/Reuters

48Sinais positivosna balança comercialdo agronegócioAntonio Carlos Lima Nogueira

Rodolfo Buhrer/AE

53Abelhas brasileirasnas alturasAdriana David

Itamar Miranda/AE

54O INPE no século 21:Desafios eOportunidadesGilberto Câmara

Divulgação

60Ganham o trabalhadore o governoSílvia Pimentel

Paulo Pampolin/Hype

64Terceirização: vamosdepurar os discursos?Hélio Zylberstajn

Milton Mansilha/LUZ

66Todo o poder aos ladrõesOlavo de Carvalho

Reprodução

68Populismo brasileiro:bom para os políticos,ruim para os pobresAugusto Zimmermann

74O Brasil e seudesenvolvimentoeconômicoJoão Pandiá Calógeras

Lula

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agem

Reprodução

Reprodução

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O mundorespiraaliviado,o piorjá passou

Cintia Shimokomaki

Arte: ALFE

R

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A sensação depânico recuou e aeconomia global

começa a dar sinaisde recuperação

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8 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

A crise financeira global já chegou aofundo do poço e a partir de agora es-pera-se uma lenta retomada, queem um gráfico será parecido com

um L, com uma leve inclinação para cima. Masnão está descartada a possibilidade de um Wneste gráfico, com uma retomada, seguida denova queda e outra retomada. Esta é a opiniãode Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe doFundo Monetário Internacional (FMI) e pro-fessor da Universidade de Harvard, nos EUA,que conta com o aval do ex-ministro da Fazen-da Pedro Malan. No último dia 8 de junho, am-bos foram palestrantes da conferência "A criseeconômica mundial e o Brasil", realizada emSão Paulo e promovida pela Associação Co-mercial de São Paulo, Federação Brasileira deBancos, Fundação Liberdade e Cidadania,Confederação Nacional das Instituições Fi-nanceiras, Mackenzie e FAAP.

Rogoff espantou a todos na plateia preven-do que o PIB brasileiro este ano terá uma quedade 2%, previsão mais pessimista que a do FMI,que estimou em -1,3% e recebeu pesadas críti-cas do presidente Lula por isso. Por outro lado,Rogoff acha que em 2010 o Brasil tem condi-ções de crescer 4% ou até 5%. "O Brasil precisade urgentes investimentos na infraestrutura.Os impostos recolhidos pelo governo devemretornar nesses investimentos. É a contrapar-tida do governo na economia", disse.

Rogoff é otimista em relação ao futuro. "Émuito difícil dizer o que vai acontecer, mas a si-tuação está bem melhor do que antes. Estáva-mos preocupados em cair de um precipício.Havia uma chance; alguns falavam que a pos-sibilidade era de 5%, outros de 20%, mas o fatoé que a chance de ocorrer uma segunda Gran-de Depressão não era zero. A sensação de pâ-nico recuou e o crescimento global começou ase estabilizar. Os mercados de ações caírampouco acima de 50%; agora apresentam quedade apenas 30%. Os preços do petróleo não se re-cuperaram totalmente, mas estão perto donormal", disse.

Para o economista, há diferenças de opi-niões, alguns acreditam que haverá uma recu-peração normal, seguindo o desenho de um"V". Mas outros, como ele, acreditam em umarecuperação mais gradual, em forma de "L". "Oque vem ocorrendo em 2009 é bem diferente:temos visto crescimento negativo, algo quenunca vimos antes. Sem a menor dúvida, esta éa pior recessão global desde a Segunda GuerraMundial. Não é a Grande Depressão, mas écertamente algo significativo", disse.

Segundo Rogoff, é preciso uma mudança de

Kenneth Rogoff: o mundovive a pior recessão

global desde a SegundaGuerra Mundial. Não éa Grande Depressão,

mas é algo significativo.

Luiz Prado/Luz

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9MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

hábitos. "A China cresce, praticamente nãoconsome nada e economiza. Isso mantém astaxas de juros baixas. Por sua vez, os EUA con-somem muito. Os chineses trabalham e os nor-te-americanos fazem compras. Os EUA regis-tram grandes déficits e todo mundo fica feliz.Os mercados emergentes voltarão ao cresci-mento sustentável. É isso que as autoridadesnos grandes países querem", observou. "Pode-mos voltar a essa dinâmica? O consumidornorte-americano voltará a consumir? Sou cé-tico quanto a isso. Se o consumidor norte-ame-ricano não voltar a comprar, quem o substitui-rá? O consumidor chinês pode, mas não total-mente, e não tão rapidamente. Algo extraordi-nário aconteceu: a economia norte-americanateve um infarto. Assim como alguém que so-breviveu a um infarto, ela precisa mudar seushábitos, fazer ajustes", salientou.

A situação normal que os EUA tinham antes(os norte-americanos consomem e os asiáticoseconomizam) levou aos problemas atuais. Seos EUA retornarem à situação anterior, verãoos mesmos problemas novamente. O país de-veria ter visto que isto estava acontecendo, to-das as luzes vermelhas estavam piscando, to-das as provas mostravam que os EUA teriamuma crise financeira. "Mas os EUA tinham lí-deres de torcida, assim como os mercadosemergentes quando registram um crescimen-to expressivo: o secretário do Tesouro e o pre-sidente do Fed estavam em estado de negação.Levando em consideração as crises anteriores,é importante que as autoridades alertem sobreo risco, e não trabalhem apenas para agradaros mercados", disse Rogoff.

Para o economista, séculos de crises finan-ceiras nos mostram que elas são parecidas, queexistem fatores que são muito comuns. Em to-das elas, as autoridades e os investidores di-zem para não se preocupar. Ao olhar os núme-ros antes desta crise, parecia que a economiateria um infarto. Ao analisar as outras crisesdesde a Segunda Guerra Mundial (Japão, Fin-lândia, Espanha, Suécia, Noruega), vimos queos preços de imóveis sobem e, após a crise,caem. Desta vez, não foi diferente: os EUA se-guiram o mesmo caminho de uma típica crisefinanceira profunda.

Na sua opinião, é um mito que as economiasavançadas não têm crises financeiras. Econo-mias avançadas têm crises bancárias pratica-mente com a mesma frequência que mercadosemergentes. Isso vem ocorrendo há 200 anos.Os preços das ações se recuperam após crisesfinanceiras – não em seis meses, mas geral-mente em três anos. Já os preços de imóveis

nunca se recuperam. "Em uma típica crise fi-nanceira profunda, os preços de imóveis caem36%, os preços de ações recuam 56% e o desem-prego sobe 7%. Essa situação permanece porum bom tempo", comentou Rogoff. Segundoele, uma coisa surpreendente é o que ocorrecom a dívida. "A dívida pública praticamenteduplica nos três anos após uma crise. Os EUAestão perto de chegar a isso. Alguns dos moti-vos são a queda nas receitas tributárias e o cus-to para socorrer o setor financeiro".

Para o economista, é preciso cautela nestemomento. "Vimos uma reação extraordináriaàs políticas monetária e fiscal. Mas também vi-mos que as outras crises ocorridas a partir daSegunda Guerra Mundial foram regionais ouem um único país. Esta é a primeira crise glo-bal. Nunca vimos nada parecido; portanto, te-

A economianorte-americanateve um infarto.

Assim comoalguém quesobreviveu

a um infarto, elaprecisa mudarseus hábitos,fazer ajustes.

Spencer Platt/AFP

Mauricio Lima/AFP

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10 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

remos sorte se as coisas se tornarem melhoresdo que os parâmetros anteriores", alertou. "Va-mos supor que seguimos esses parâmetros, oque aparenta ser o caso – o desemprego sobe,mas eventualmente recua; os preços de açõesretornam, após alguns anos, ao que eram an-tes; a produção se recupera. O que nós temos

Joe Raedle/AFP

que nos preocupar é com os preços. Os déficitsorçamentários são inacreditáveis. As dívidasvêm alcançando níveis que nunca vimos, ex-ceto em guerras. Após a Segunda GuerraMundial, os EUA cresceram rapidamente, enão sei se é o caso atualmente. Devido ao maiorpapel do governo, e a necessidade de aumen-tar os impostos, eu estou cético se veremoscrescimento como aquele nos EUA", disse.

Rogoff disse que houve uma mudança po-lítica com o presidente Obama, que mostrouinteresse no meio ambiente, sistema de saúdee redistribuição de renda. São objetivos lou-váveis, mas eles não são bons para o cresci-mento do país. Os EUA teriam um crescimen-to mais lento, mesmo sem a crise financeira."Se alguém me perguntasse quatro mesesatrás, eu diria que as pessoas na equipe eco-nômica de Obama são muito boas, são meusamigos, e entendem que terão de regulamen-tar o setor financeiro. Elas continuam sendomuito boas, continuam sendo meus amigos,mas estou preocupado se, já que as coisas pa-recem estar um pouco melhores, elas dirãoque não querem fazer nada para mudar o sta-tus quo. Acho isso assustador. O socorro aosetor financeiro foi extremamente generoso.

Os contribuintes pagam por tudo. A princí-pio, parece bom; o contribuinte está feliz. Masele ainda não viu a conta e, ao vê-la, entraráem estado de choque. Acho que parte do pro-blema é que não foi exigido do setor financei-ro que pague mais", criticou.

Em relação ao Brasil, Rogoff fez uma previ-são pessimista para este ano. "Es-tá claro que 2009 não será umbom ano para o Brasil: haverácrescimento negativo, em tornode -2%. Há uma possibilidade ra-zoável de que o País tenha cres-cimento normal no próximo ano.Acho que a próxima década seráaquela na qual o crescimento doBrasil em relação ao mundo serámelhor do que foi nos últimos 20anos. O crescimento mundial se-rá gradual, mas em qualquer ce-nário o Brasil terá desempenhomelhor. Os EUA tiveram um in-farto; o Brasil teve uma recessãonormal. O País não desmoronou:os mercados mantiveram a liqui-dez, as autoridades não entra-ram em pânico. Isso é promissora longo prazo", observou.

"Conversei com investidores eautoridades ao redor do mundo etodos estão entusiasmados com

relação ao Brasil. Ao falar sobre investir no Bra-sil, quem é especialista, já está aqui. Mas quemnão é, pode perguntar: "Quero construir umafábrica no Brasil, mas posso eventualmente re-tirar meu dinheiro?" Pode ser uma pergunta in-gênua, mas ao passar por experiências comouma crise, é normal", comentou.

Para Rogoff, mudanças políticas são ne-cessárias. O aumento do tamanho do Estadoé a principal preocupação. Houve um perío-do de boa reforma econômica que precisa serretomado. "A infraestrutura não é compará-vel ao crescente papel do Brasil no mundo.Há problemas legais, políticas e ambientais,mas acredito que são algumas questões queprecisam ser resolvidas. A descoberta de pe-tróleo é algo extraordinário, mas é uma bên-ção mista. Para ter sucesso, é preciso mantera indústria do petróleo em mãos privadas ouser administrada o máximo possível pelo se-tor privado. É só olhar para o México paraver o outro extremo. A indústria do petróleobrasileira é muito bem administrada segun-do padrões internacionais, mas o País estáentrando em um novo jogo. Isto é algo quepode energizar a economia como tambémpode exaurir a energia da economia. Os eco-

A descobertade petróleo é algoextraordinário, masé uma bênção mista.Para ter sucesso,é preciso manter aindústria do petróleoem mãos privadas ouser administrada omáximo possível pelosetor privado. É só olharpara o México para vero outro extremo.

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11MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

nomistas chamam isso de ‘a maldição do pe-tróleo’", comentou.

Se os chineses estão dispostos a continuarescrevendo cheques para os EUA e a empres-tar dinheiro a taxas de juros baixíssimas, osnorte-americanos poderão fazer isso por umlongo período. Mas se as taxas de juros come-çarem a subir, será doloroso aumentar os im-postos. "Por exemplo, a Califórnia. É um Esta-do rico; como país, seria algo como o quintomaior país do mundo. Mas ele está falido e nãoconsegue pagar suas dívidas porque não queraumentar os impostos e tampouco cortar gas-tos. Acho que o governo Obama terá de socor-rer a Califórnia do mesmo modo que o FMIajuda alguns países. A mesma coisa podeacontecer com os EUA. Não é algo inconcebí-vel e os bancos centrais não podem interferireternamente", afirmou.

"Estamos em uma fase de recuperação muitodelicada. Se houver um problema na China, ouum problema geopolítico, ou se alguns paíseseuropeus entrarem em default, as coisas podempiorar. Acho que o crescimento global está se es-tabilizando, e um crescimento gradual deve serretomado. Mas provavelmente não será uma re-cuperação seguindo um desenho de um "V".Acho que os preços das ações devem se recupe-rar algum dia, mas não os de imóveis", disse.

De acordo com Rogoff, o grande perigo

mundial é que os governos garantiram todosos empréstimos do mundo. "É por isso que astaxas de juros estão no patamar atual. Pode-mos pagar por isso? Se as taxas de juros per-manecerem baixas, podemos continuar pe-dindo empréstimos. Mas e se as taxas de ju-ros subirem, qual é o plano? Esse é o proble-ma; ainda não está claro o plano para ofuturo", observou.

Jim Bourg/Reuters

O grande perigomundial é queos governos

garantiram todosos empréstimos

do mundo.

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13MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

O Brasil deveolhar para

o futuro

Luiz

Pra

do/L

uz

Carlos Ossamu

Pedro Malan:panorama

positivo para oBrasil a partir

de 2010.

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14 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Em sua palestra no evento, o ex-presi-dente do Banco Central (1993-1994) eex-ministro da Fazenda (1995-2002)Pedro Malan traçou um panorama

positivo para o Brasil a partir de 2010, caso na-da de extraordinário ocorra daqui para frente.Quem esperava algum tipo de previsão de suaparte se decepcionou. Para o ex-ministro, se oPIB este ano irá cair 2%, como estimou Kenne-th Rogoff, ou será zero, pouco importa agora.O que interessa é que o terceiro e o quarto tri-mestres serão de crescimento. "No Brasil, nãotivemos os problemas sérios que levaram ospaíses desenvolvidos à recessão. Não temosproblemas graves em nossas contas externasque exijam dramáticos ajustes de curto prazo;não temos bolhas imobiliárias e crises de cré-dito derivadas de empréstimos de alto risco afamílias e empresas sem condições de pagá-los; não temos, de forma complacente, a per-cepção de que basta o Banco Central reduzir osjuros nominais para evitar qualquer crise; epor fim, resolvemos os problemas de solvênciano setor financeiro há mais de uma década,com o Proer", observou.

Mas isso não significa que o País está fazendotoda a lição de casa da forma que deveria. Se-gundo Malan, nos anos anteriores o Brasil teveum grande aumento na arrecadação de impos-tos, que permitiu um extraordinário aumentonos gastos públicos, principalmente gastos decusteio. "Este ano, no primeiro quadrimestre, areceita caiu e os gastos de custeio aumentaram

O Brasil e o mundovivem o fim das

consequências deum extraordináriociclo de expansão

da economiamundial. Foi o

ciclo mais longo, omais intenso da

história moderna.

Rafael Hupsel/Folha Imagem

Leonardo Rodrigues/Hype

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15MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

Anos 90: a Índia jáhavia feito reformas

para facilitarinvestimentosprivados na

economia, eraclaro que a China

seria umagrande potênciae uma revolução

tecnológicacomeçava coma internet e a

popularização docomputador.

19%; gastos com pessoal cresceram 24%. É umasituação insustentável. Este fato deveria fazerparte da discussão da crise, pois irá gerar pro-blemas a médio e longo prazos", ressaltou

Logo no início, Malan fez questão de ressal-tar que o pior da crise já passou, que o mundochegou ao fundo do poço e que daqui parafrente a tendência é de retomada da economia."Estamos vivendo hoje, o Brasil e o mundo, ofim das consequências de um extraordináriociclo de expansão da economia mundial. Foi ociclo mais longo, o mais intenso e o mais am-plamente disseminado da história moderna.Este ciclo teve o seu auge no quinquênio quevai de meados de 2003 ao terceiro trimestre de2007 e foi necessário um ano, até setembro ououtubro de 2008, para que fossem sepultadasde vez as ideias de descolamento, seja do setorreal, seja do mundo dos emergentes, da criseque afetou o mercado financeiro dos países de-senvolvidos. E nós estamos, desde então, namais grave recessão desde os anos 30, sincro-nizada, que o mundo experimentou nos últi-mos 80 anos", disse.

"Mas nós queremos olhar para frente, ondeestamos hoje e para onde vamos ou podemosir a partir de 2010 e adiante. E uma coisa que euaprendi é que tanto na vida de pessoas, de em-presas, de governo ou países, é fundamental acapacidade de resposta a determinadas difi-culdades, de fazer uma avaliação dos desafios,riscos e oportunidades que a superação da cri-se sempre gera e que dependem muito da qua-lidade da compreensão dos processos pelosquais nós chegamos à situação atual".

Como tudo em economia, nada ocorre derepente, sempre há um processo em curso. No

caso da crise atual, o pano de fundo começou aser desenhado há mais de uma década. "Nós ti-vemos, no início dos anos 90, eventos que con-figuraram uma nova etapa e que estiveram naraiz deste ciclo extraordinário de expansão – ocolapso do império soviético e a sua fragmen-tação em mais de duas dezenas de países sobe-ranos, hoje membros do FMI e do Banco Mun-dial; já era claro nesta época que a China iria setransformar em uma potência, não apenas re-gional, mas global pela dimensão da sua eco-nomia, com as reformas de Deng Shiao Pingdesde 1978-79; a Índia já tinha iniciado suas re-formas de facilitação de investimentos priva-dos na economia; mais de 20 países em desen-volvimento haviam restabelecido relaciona-mentos com a comunidade financeira interna-cional, renegociando suas dívidas, tanto nosetor oficial, no âmbito do Clube de Paris,quanto no setor privado. Os europeus haviamdefinido com muita clareza um cronogramapara o lançamento do euro; e os EUA, no iníciodos anos 90, pela primeira vez, desde a 1ªGuerra Mundial, se transformaram num de-vedor líquido. Em outras palavras: os ativos depropriedade de residentes no exterior na eco-nomia americana passaram a exceder os ativosde norte-americanos no resto do mundo e des-de então os EUA tiveram déficit em conta cor-rente, que foi aumentando desde então".

Segundo o ex-ministro, os EUA se tornaramconsumidor e tomador de empréstimos de úl-tima instância na economia internacional, jun-tamente com Inglaterra, Espanha, Austrália,Itália e outros países desenvolvidos. Antes, es-se papel cabia a países em desenvolvimento,como México, Brasil, Argentina, Turquia, Ni-

Amit Dave/Reuters Yuriko Nakao/Reuters Leonardo Rodrigues/e-Sim

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16 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

géria etc. "Esse processo todo representouuma enorme redução de aversão ao risco naeconomia mundial", disse Malan, que exem-plificou. "O investimento estrangeiro diretofora dos países do G7 em 1992 foi o dobro de1990; em 94 foi o dobro de 92, em 96 foi o dobrode 94; e em 98 caminhava, a julgar pelos oitomeses de 97, se não tivesse havido a crise daÁsia, para ser o dobro de 1996".

Essa dramática redução de aversão ao riscoproporcionou novas oportunidades de investi-mentos e uma extraordinária transição demo-gráfica, que fez com que meio bilhão de pessoasse transferissem do meio rural para o setor ur-bano e se integrassem na economia global, co-mo trabalhadores urbanos e consumidores."Não é preciso muito esforço para entender oque isso significa em termos de demanda poralimentação, minerais, energia, por investi-mento em capital social urbano, infraestruturaetc. e que ainda está em curso".

Para Malan, também como pano de fundo,houve uma revolução tecnológica que permi-tiu não só redução de custos de transações fi-nanceiras e comerciais, mas o acesso instantâ-neo a informações do que estava ocorrendo noresto do mundo e uma revolução sobre expec-tativas, porque permitiu que milhões de pes-soas tomassem conhecimento de padrões deconsumo, estilo de vida, níveis de renda e ri-queza vividos por pessoas, em outras partesdo mundo. Isso foi um enorme estímulo ao au-mento do consumo no planeta.

O efeito foi extraordinário e levou a quatrograndes complacências, mencionadas por Ro-goff como "arrogâncias". "A primeira foi o de-sequilíbrio com a balança de pagamento emconta corrente. As pessoas diziam: qual é oproblema se são os EUA, a Inglaterra, a Espa-nha, a França, a Itália, a Austrália que são osgrandes deficitários, que estão gastando emconsumo mais do que suas capacidades do-mésticas de produção e se financiando com osuperávit de países como China, Japão, Ale-manha, Rússia, Noruega (exportadora de pe-tróleo), Arábia Saudita, Holanda, Suíça oupaíses que tinham grandes superávits na ba-lança de pagamentos e estavam financiandoos déficits?", perguntou Malan.

"Eu ouço com frequência que os melhoreseconomistas do mundo não perceberam o queestava acontecendo. Não é verdade. O Kenne-th Rogoff há muitos anos escreveu uma dasmelhores séries de artigos sobre as dificulda-des de sustentação desse padrão de desbalan-ceamentos globais e mostrando claramenteque isso teria de significar, em algum momen-

to, uma redução do dispêndio norte-america-no em consumo, em investimento em relação àsua capacidade doméstica de produção e umadesvalorização do dólar em relação a outrasmoedas. A expectativa era que esse processopudesse ser ordenado".

Apesar dos avisos, Malan disse que os aler-tas não foram ouvidos. "Muitos economistasdiziam que era uma preocupação irrelevante– qual era o problema se o resto do mundo es-tava querendo comprar ativos dos EUA? Erao maior mercado de capitais do mundo, omais líquido, o mais profundo, governos res-ponsáveis, com credibilidade, instituiçõessólidas e capacidade de emitir instrumentosde dívidas denominados em sua própriamoeda e serem aceitos pelo resto do mundo.Eu participei de inúmeros debates em que aspessoas diziam que o relevante era a relaçãodéficit em conta corrente com total dos ativosde um país – os EUA têm 60 trilhões de dólaresde ativo. Qual o problema de ter 6% de déficitna balança de pagamento em conta correntese isso, como porcentagem de ativos, é poucomais de 1%?", perguntavam.

A segunda complacência mencionada porMalan foi a questão dos empréstimos imobi-liários. Os especialistas estavam discutindo is-

O investimentoestrangeiro direto forados países do G7 em1992 foi o dobro de1990; em 94 foi o dobrode 92, em 96 foi odobro de 94; e em 98caminhava, a julgarpelos oito meses de 97,se não tivesse havidoa crise da Ásia, paraser o dobro de 1996.

Nelson Antoine/AE

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17MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

so há algum tempo, mas houve uma compla-cência derivada da crise da associação de pou-pança e empréstimos décadas antes, que foi re-solvida por um custo de 150 bilhões dedólares, mas foi uma crise restrita a uma classede ativos imobiliários. Houve a criação deuma resolução, a liquidação de várias associa-ções e muitos acharam que, o máximo que po-dia acontecer da crise do subprime era umanova resolução, sem nenhuma implicação sis-têmica importante. Mas isso foi discutido, poisos preços explodiram, entre 2000 e o seu picoem junho de 2006.

Na opinião do ex-ministro, a terceira grandecomplacência teve a ver com o Fed, o banco cen-tral dos EUA, e a ideia que ele sempre estaria alicomo o sétimo regimento de cavalaria, comonos filmes de western, para chegar no momen-to certo e salvar os colonos, cercados pelos ín-dios, porque era isso que tinha acontecido nopassado. Em 1987, em 1998, em 2001, em todasestas ocasiões, sempre que houve dúvidas sé-rias sobre implicações sistêmicas; o Fed redu-ziu, nas três ocasiões, em menos de seis sema-nas, as taxas de juros e gradualmente a situaçãose normalizou. "Havia sempre a arrogância, acomplacência, de que o Fed sempre estariaatento e a qualquer momento daria início a umadramática redução das taxas de juros, que fariacom que a situação voltasse ao normal. Tantoque em setembro de 2007, quando o Fed deu iní-cio à redução dos 5,25%, as bolsas americanaschegaram ao mais alto nível da sua história – foiem outubro de 2007. Essa complacência tam-bém foi muito discutida", disse.

"A quarta complacência, e essa pegou pesa-do, não foi discutida e não foi entendida emprazo hábil. Foi o fracasso e a falência do sis-

tema de supervisão e regulação bancária e não-bancária, de sistema sombra de bancos. Aquihouve culpas de governos de países desenvol-vidos, que descobriram atrasados a ineficiên-cia dos seus sistemas de regulação e supervi-são de instituições financeiras, que haviam fa-lhado em detectar problemas sérios de riscossistêmicos; além da culpa, obviamente, do sis-tema financeiro privado. Isso não foi clara-mente percebido, foi se revelando aos poucos,demorou um ano, de agosto de 2007 a setem-bro de 2008 para que se desse conta do desastreque tinha sido e como isso afetaria o setor realem 2008, continuando em 2009, que é o ano deuma grande recessão", salientou.

Porém, estas quatro complacências não seaplicam ao Brasil. "Nós temos nossas compla-cências, mas não são exatamente estas. Estamosem meados de 2009 e temos aqui 15 anos de in-flação civilizada desde o lançamento do (Plano)Real; temos 15 anos de um banco central comautonomia operacional desde agosto de 1993,graças ao presidente Fernando Henrique Car-doso, e mantida pelo atual governo; temos 15anos do restabelecimento do nosso relaciona-mento com a comunidade financeira interna-cional, com as renegociações das dívidas exter-nas com setores privado e público; temos maisde 15 anos do início de um processo de priva-tização; temos mais de 15 anos do início da aber-tura da economia brasileira nas dimensões co-mercial, financeira e de investimento direto. Is-so significou que nos últimos 15 anos, mais de300 bilhões de dólares entraram no Brasil emforma de capital de risco, investimento estran-geiro direto, que eu interpreto como confiançano País e em seu futuro. Temos 12 anos de reso-lução de nossos problemas de solvência e liqui-dez do sistema bancário brasileiro, público eprivado. Nós tínhamos três dúzias de bancospúblicos comerciais, hoje temos meia dúzia.Nós reduzimos consideravelmente o númerode instituições que não tinham condições de so-breviver em período de estabilidade de preço.Nós reestruturamos, há mais de 12 anos, as dí-vidas de 25 Estados e de 180 municípios paracom a União, assegurando uma solvência fiscalque eles detêm até hoje – e isso não é um fato ir-relevante. Nós temos nove anos e meio de umsistema de taxa de câmbio flutuante, temos no-ve anos de um regime monetário com metas deinflação, temos nove anos da aprovação da Leide Responsabilidade Fiscal, que introduziuuma nova base de um regime fiscal no País, e te-mos mais de oito anos do início do sistema detransferência direta de renda para a populaçãomais pobre", observou.

Muitos economistasdiziam que era uma

preocupaçãoirrelevante – qual erao problema se o resto

do mundo estavaquerendo comprar

ativos dos EUA?

Antonio Ledes/AE

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18 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Dida Sampaio/AE

Colaborou ofato de o governoLula ter dadocontinuidadeàs políticaseconômicasimplantadas porFernando HenriqueCardoso, semgrandesexperimentosheterodoxos.

direto Não temos problemas de empréstimosexcessivos para quem não tem condições depagar, como foi o caso dos subprimes norte-americanos; não temos a expectativa de quebasta o Banco Central reduzir a taxa de jurospara resolver qualquer problema macroeco-nômico; e não temos problemas de regulação esupervisão bancária – nós mudamos este sis-tema quando resolvemos a crise financeira emmeados dos anos 90".

Claro que há algumas críticas que Malan fazem relação à condução da crise. "Temos algunstipos de complacência, uma é na área fiscal, on-de residem, a meu ver, os grandes desafios a se-rem debatidos mais amplamente. Não é corre-to, ao meu juízo, a visão de que, como os EUAvão ter um déficit fiscal de 12% ou 13% do PIBeste ano, de que não há problema nenhum deoutros países terem déficits fiscais de 4% a 6%do PIB, pois se o mundo desenvolvido está rea-lizando políticas kenesianas de caráter contra-cíclico, por que o Brasil não pode e não deve fa-zê-lo também?", perguntou. "A resposta é po-de e deve, é um papel que o governo deve de-sempenhar, mas isso seguramente não é acriação de gastos permanentes e recorrentesque se projeta por décadas adiante. A ideia degastos contracíclicos, kenesianos, são gastostransitórios para lidar com a retração da de-manda privada, e o setor público transitoria-mente aumenta seus gastos, de preferência eminvestimento, em infraestrutura – temos defi-ciências nesta área, que comprometerão o cres-cimento futuro ; nós não deveríamos desper-diçar a oportunidade de uma crise para avan-çar o mais rapidamente numa área onde os in-vestimentos públicos na área federal é poucomais de 1% do PIB, uma quantia irrisória emcomparação às necessidades do País.

Outra complacência é a ideia de que o cres-cimento de longo prazo de um pais como oBrasil depende fundamentalmente da capaci-dade que os governos tenham de atrair e esti-mular investimentos privados, nacional e in-ternacional, para as inúmeras oportunidadesde investimentos que possuímos. "Uma com-placência gravíssima é em relação à educação.A Coreia, que tinha uma renda per capita me-tade da brasileira em 1960, hoje é três vezes su-perior a nossa., Lá, todo trabalhador, na faixaetária de 20 a 35 anos tem pelo menos o ensinosecundário completo, quando não em curso

universitário. Os nossos números não sãonada animadores em comparação a

outros países com os quais compe-timos", disse.

"Olhando para o futu-

Estes eventos todos, junto com o contextointernacional extraordinariamente favorávelque marcou o quinquênio 2003-2007, benefi-ciou muitos países no mundo, e em particularo Brasil. Colaborou, segundo Malan, o fato deo governo Lula ter dado continuidade às po-líticas econômicas implantadas por FernandoHenrique Cardoso, sem grandes experimen-tos heterodoxos e sem rupturas.

"O Brasil se beneficiou enormemente desteconjunto. Não é por acaso que geramos supe-rávits comerciais de 190 bilhões de dólares en-tre 2003-2007, que tivemos superávits na ba-lança de pagamentos em conta corrente em ca-da um desses cinco anos, que acumulamosquase 200 bilhões de reservas internacionaisnesse período, não é por acaso que o Brasil pas-sou a ser visto como um país confiável, maisprevisível, como um país menos propenso agrandes experimentos heterodoxos de rein-venções da roda, o que nos beneficia enorme-mente. Nós não tivemos as quatro complacên-cias que o mundo desenvolvido teve. Nós nãotivemos a complacência de problemas insus-tentáveis de desequilíbrio na balança de paga-mento. Acho que temos uma balança de paga-mento razoável, considerando a parte comer-cial – conta corrente e a atratividade que o paísainda exerce sobre investimento estrangeiro

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19MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

ro, acompanho, por dever de ofício, os pro-cessos de transformações pelas quais o Brasilvem passando ao longo de décadas e achoque as mudanças não são para pior, elas têmsido para melhor e eu tenho a tendência deolhar mais o filme do que a fotografia do mo-mento. E o filme vem se desenvolvendo na di-reção correta, embora por vezes em algumasáreas, em um ritmo exasperadamente lento,mas é na direção correta".

Para Malan, se o Brasil souber aproveitar asoportunidades, o futuro será promissor. "Oseconomistas geralmente não dão importânciaà demografia, mas deveriam. A humanidadedemorou milhares de anos para chegar a 1 bi-lhão de pessoas, em 1800, mais ou menos, 300milhões só na China, naquela época; demoroumais 100 anos para chegar a 1,6 bilhão, em1900; mais 50 anos a chegar 2,5 bilhões, em1950; e em apenas 50 anos, que não é nada emtermos de história mundial, passou de 2,5 bi-lhões para 6 bilhões. E chegaremos a 7,1 bi-lhões em 2015, e 97% deste 1,5 bilhão ocorrerãonos países em desenvolvimento. Isso significaque após a crise ser superada, continuará a ha-ver um enorme aumento na demanda por pro-

dutos em que o Brasil tem competitividade, noagronegócio, na área mineral, somos competi-tivos em alguma áreas da indústria, em algu-mas áreas de serviço, não apenas financeiro,mas de construção e engenharia. Acho que oBrasil deveria estar olhando esta crise e a suasuperação, não apenas para mitigar seus efei-tos, mas também aproveitar esta oportunida-de para tomar uma visão ampla do futuro quealmeja para si e para os seus", comentou.

"No que diz respeito à crise, concordo coma opinião do Kenneth Rogoff, ela será supe-rada, embora a um custo monumental, queapenas será visível a partir de 2010, 2011. Es-peremos que ela seja esquecida daqui a 15 ou20 anos, que não fique registrada na memó-ria como a crise de 1930, até que venha umapróxima, que é da natureza humana se dei-xar levar por ondas de ganância, exuberân-cia, medo – há 300 anos de história sobre estaquestão". Para concluir, o ex-ministro citou onaturalista Charles Darwin, em A Origemdas Espécies. "Os que sobrevivem não são osmais fortes, são os que têm maior capacidadede adaptação e flexibilidade para se adaptar– espero que nós tenhamos".

Este ano,no primeiroquadrimestre, areceita caiu e osgastos de custeioaumentaram 19%;gastos com pessoalcresceram 24%.É uma situaçãoinsustentável.Este fato deveriafazer parte dadiscussão da crise,pois irá gerarproblemas a médioe longo prazos.

Roberto Jayme/Reuters

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20 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Crise:o fim

já estáà vista?

Scott Olson/AFP

As bolsas de valores da América Latinaapresentaram expressiva valorização, da

ordem de 40% a partir de março.

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A quebra do banco LehmanBrothers, em 15 de setembrode 2008, deu início à fasemais aguda da crise global.

Paira no ar a ideia de que já passamospelo fundo da crise e que, daquipara frente, estamos a caminho deretomar o nível de atividade que

prevalecia antes da eclosão da crise.Uma indicação importante nesse sentido

foi divulgada no último dia 9 de junho.O Departamento do Tesouro dos EUAautorizou os bancos Goldman Sachs,JP Morgan e outros oito grandes bancosamericanos a iniciar o repagamento dosempréstimos tomados junto ao Tesourono âmbito do chamado programa TARP

(Troubled Asset Relief Program).Como se recorda, esse programa do

governo americano consistiu na compra deativos e ações de instituições financeiras parafortalecer os balanços das instituições,consistindo do principal elemento do elencode medidas adotadas nos EUA no anopassado para enfrentar a crise do chamadosubprime. Com isso, espera-se que cerca de68 bilhões de dólares de recursos docontribuinte americano retornem ao Tesouro,recursos que serão retirados de circulação edeixarão de pressionar tanto o

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Roberto FendtEconomista ecolaborador

regular do jornalDiário do Comércio

Divulgação

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22 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

endividamento americano como os gastos.Outras indicações do fim da crise já teriam

surgido, incluindo o retorno de capitais derisco ao País, depois da debandada queocorreu após a quebra do banco LehmanBrothers, em 15 de setembro passado. Osresultados desse enorme influxo de recursosjá se fizeram sentir.

As bolsas de valores da América Latinaapresentaram expressiva valorização, daordem de 40% a partir de março. Comparadocom os níveis historicamente baixosobservados em novembro último, arecuperação é da ordem de 70%. Nessaocasião, a fuga de capitais motivada pelocontágio das diversas bolsas mundiais haviaafugentado o capital da região, provocandoas quedas históricas mencionadas. Emboraos índices ainda não tenham voltado aosníveis pré-15 de setembro, uma parcelasubstancial das perdas no último trimestredo ano já foi recuperada.

A contrapartida desse ingresso decapitais direcionado para o mercado decapitais e renda fixa brasileiro é a tambémexpressiva valorização do real, a ponto decomeçar a ameaçar a rentabilidade dasexportações. O real havia se desvalorizado eatingido seu valor mais baixo no início demarço; a partir de então, o real tem sevalorizado e pela primeira vez desdeoutubro do ano passado caiu abaixo de 2reais por dólar. Esse patamar tem sidosustentado por intervenções do BancoCentral na ponta compradora. Recorde-seque o real havia se desvalorizado mais de30% nos últimos cinco meses de 2008.

Fenômeno semelhante ocorreu tambémcom o peso mexicano. O ponto de maiordesvalorização ocorreu também em março;a partir daí a moeda mexicana valorizou-se,a despeito da queda da receita de turismomotivada pela "gripe suína" que assolou opaís. Contudo, algumas dúvidas aindapersistem com relação ao desempenhoeconômico mexicano, dada a dependênciade 80% das exportações do país para omercado norte-americano.

Considerado também o desempenhopositivo de países como o Peru e o Chilediante da gravidade do choque externo, éhoje corrente a expectativa de que osprincipais países da América Latina –excluída a Argentina – teriam ultrapassadoo estágio de colapso financeiro, a exemplodo ocorrido em outros episódios de crise demenor intensidade no passado.

Um último ponto é relevante, nessecontexto. Os dados relativos aocomportamento do Produto Interno Brasileirono primeiro trimestre deste ano vierammelhores que as expectativas do mercado e dopróprio governo, que esperava uma queda de2,4%. Esse resultado reforça a tese daquelesque acreditam que o PIB poderá fechar o anopróximo de zero, talvez do lado positivo – emlugar de fechar negativamente, conformeera a expectativa unânime dos analistaseconômicos no início do ano.

Devemos concluir dessas observações quea crise ficou para trás? Creio que é ainda cedopara conclusões desse tipo.

Logo que a crise se instalou, e antes que sepercebesse sua extensão e profundidade,esperava-se uma retração em formato de "V",isto é, uma queda acentuada, seguida de umarápida recuperação.

A partir de dezembro, a discussãosobre o formato da recessão haviamudado para um formato em "L",indicando uma queda grande em umcurto lapso de tempo, o último trimestrede 2008, seguida de um longo período depermanência do PIB em torno de umpatamar muito inferior ao que seobservava até o final de 2007 no mundodesenvolvido, e até o segundo trimestrede 2008, no Brasil. A rápida aceitaçãodesse formato deveu-se à intensidade dochoque e à análise de Nouriel Roubini,que havia se notabilizado por anteciparcom grande antecedência a natureza eprofundidade da crise.

A forte atuação das autoridades monetáriae fiscal, principalmente nos EUA e na China,mostrou que era possível estancar oagravamento da recessão – deixando-se paradepois a discussão dos custos das medidastomadas e de seus possíveis efeitos colaterais.

A tendência da discussão hoje é deadotar-se uma visão cautelosa a respeito dosdesdobramentos das medidas tomadasaté aqui e de como se comportarão os PIBsdos países desenvolvidos e dos emergentes,nós aí incluídos.

Fala-se agora na possibilidade de umarecessão em novo formato, em "W": a quedada atividade econômica e sua parcialrecuperação neste primeiro semestrepoderiam vir seguidas de uma nova etaparecessiva, no segundo semestre do ano.

Essa possibilidade decorre da aindaincerta situação internacional. Decorretambém da expressiva queda no

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23MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

investimento, recorde desde que a série doinvestimento trimestral passou a serestimada pelo IBGE, há 13 anos. A queda foide 12,6% relativamente ao trimestre anteriore, pior ainda, de 14% frente ao mesmotrimestre de 2008.

Sem a recuperação do investimento é atépossível um crescimento transitório, com aindústria ocupando a capacidade ociosagerada no auge da crise. Mas não garanteuma retomada sustentável do crescimento.É também de se ressaltar que os postos detrabalho na indústria não mostraram aindasinal de recuperação.

Em conclusão, é possível apontar que opior já passou, especialmente o estado de

realizado pelos Estados de São Paulo, Rio deJaneiro e Minas Gerais, junto com osresultados fiscais das cidades de São Paulo edo Rio de Janeiro.

A queda do superávit primário da Uniãotem dois claros componentes: a queda dareceita tributária, em razão da recessão, e dagrande renúncia fiscal para socorrer setoresindustriais mais duramente atingidos pelacrise; e o aumento das despesas correntes dogoverno central, quer com pessoal e encargos,quer com outras despesas correntes.

O desafio, portanto, é retomar o crescimentode forma sustentada, com a inflação estável ecadente – nosso desafio permanente.

É possível apontar queo pior já passou,

especialmente o estadode pânico que se abateu

sobre as economias.

pânico que se abateu sobre as economiasmundial e brasileira. Isso certamente jáficou para trás; e seria mais relevantediscutir os efeitos colaterais futuros dasmedidas contracíclicas tomadas,novamente, no mundo e no Brasil. Ocorreque ainda não temos elementos paraconcluir que não possamos ter uma novadesaceleração mais à frente.

Os efeitos colaterais mais importantesestão relacionados com a queda do superávitprimário da União no primeiro trimestre.Esse superávit, indispensável para assegurara solvência das contas públicas do governofederal, mostrou-se inferior ao esforço fiscal

Divulgação - Manoel Souza/Codesp

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A novela da tributaçãodos juros da poupança

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25MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

Newton Santos/Hype

Roberto MacedoEconomista (USP e

Harvard), professorassociado da Faap e

vice-presidente daAssociação Comercial

de São Paulo.

Este artigo constituiversão ampliada

de outro publicadono jornal O Estado

de S.Paulo, nodia 21/5/09.

O autor agradecea colaboração dePatrícia Marrone,

da WebsetorialConsultoria

Econômica, naelaboraçãodeste artigo.

Essa tributação da caderneta de pou-pança tem um quê de novela, pois estáno ar há meses, envolve personagenscom as mais variadas motivações, tem

um enredo tortuoso, e não há um fim à vista. Es-pecula-se também sobre a possibilidade deuma nova linha para o enredo, na qual entrariauma redução do Imposto de Renda (IR) inci-dente sobre os rendimentos dos fundos de ren-da fixa, que disputam com a poupança as pre-ferências da audiência de investidores.

Recorde-se que depois de procrastinaruma decisão quanto ao assunto, o governo fe-deral anunciou em meados de maio a primei-ra iniciativa diante do seu temor de que novasquedas da taxa básica de juros, a Selic, leva-riam investidores de fundos de renda fixa afugir para as cadernetas de poupança. Fa-riam isso porque a comparação entre os ren-dimentos da poupança e dos fundos, descon-tados dos ganhos destes as taxas de adminis-tração e o IR, se revelaria claramente favorá-v e l à p o u p a n ç a . I s t o , a p a r t i r d e u m"determinado valor" da Selic, em cuja quedao mercado financeiro vinha apostando, pelomenos até a reunião do Copom com encerra-mento marcado para o dia 10/6/09, cujo re-sultado não era de nosso conhecimento quan-do este artigo foi concluído.

As aspas em "determinado valor" se justi-ficam porque não se sabe bem que valor da Se-lic levaria à fuga para a poupança. Ao ladodas dificuldades de prever a reação dos in-vestidores, a comparação de remuneraçõesnão é simples, pois envolve as taxas brutas deremuneração das duas aplicações, as taxas deadministração dos fundos e o IR cobrado emcada caso, que a partir de 2009 também envol-verá o da poupança. Isto, se a proposta do go-verno seguir para o Congresso, e ali for apro-vada na sua forma atual. Em princípio, a com-paração caberia a cada aplicação nos fundos,levando-se também em conta que a tributa-ção pelo IR tem alíquotas que dependem doprazo da aplicação.

Outra razão pela qual o mercado financeiroapostava em nova queda da Selic na citadareunião do Copom, era a de que o próprio cru-piê desse jogo, o Banco Central, vinha distri-buindo dicas na mesma direção. Para quemquiser conferir as previsões do mercado, umlevantamento publicado pelo jornal O Estadode S. Paulo, em 6/6/09, mostrava que consul-tados analistas representando 60 instituiçõesfinanceiras, 41 apostaram numa redução de0,75 ponto percentual, 16 numa de 1 ponto, eapenas 3 cravaram a de 0,5 ponto.

O que move o investidor?

Esse temor de fuga dos fundos para a pou-pança pressupõe que os investidores são racio-nais, buscam o maior ganho, dispõem de todasas informações sobre suas aplicações e sabemfazer os cálculos. É a visão dominante no en-sino de Finanças, crescentemente contradita-da por outra, que agrega elementos da Psico-logia no seu estudo do comportamento huma-no, e é conhecida como Finanças Comporta-mentais. Esta diz que o ser humano muitasvezes não age racionalmente, entre outras ra-zões porque se acomoda no que faz, não buscainformações e procrastina decisões. As duasvisões não são excludentes, pois podem seaplicar a diferentes grupos de investidores.

De qualquer forma, algumas observaçõessugerem que essa outra visão também mereceatenção dos que seguem o assunto. Assim, pormuito tempo no passado a remuneração líqui-da dos fundos de renda fixa foi claramente su-

perior à da poupança e não houve uma fugadesta para aqueles. E ao final de maio, quandojá era conhecida a intenção do governo de tri-butar a poupança, a captação líquida das con-tas desse tipo mostrou pequeno aumento nomês, de 0,7% em relação ao saldo, e não umaqueda. Talvez por causa do limite de isençãoque o governo definiu, a ser examinado poste-riormente, ou porque a tributação está previs-ta para começar só em 2010.

Vale acrescentar que não é tarefa simples ve-rificar qual dessas duas linhas de análise encon-tra respaldo empírico, pois a preferência demuitos pela poupança poderia ser explicada

Newton Santos/Hype

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26 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Diogo Salles/AE

pança, prejudicando o crescimento do setor daconstrução civil que tem grande importânciaeconômica e social.

Essa visão dos economistas segue a linha daracionalidade que usualmente pregam. Contu-do, na opção do governo, outra questão com-portamental, a política, com peso maior numano que antecede o de eleição presidencial, seimpôs à decisão de preferência dos economis-tas. A lamentar, também, que nossos políticos,da situação e da oposição, não tenham o hábitocivilizado de deixar suas divergências à mar-gem quando se trata de um objetivo como a que-da dos juros em geral, de interesse nacional.

Com razão, os jornalistas reclamaram queesse IR da poupança veio muito complicadopara o cidadão comum que quiser saber qualserá o rendimento líquido de sua poupançapara compará-lo ao dos fundos. Isso faz lem-brar uma das críticas à visão que o investidor éracional. Segundo tal crítica, esse investidorprecisaria ter a inteligência de um Einstein, umcomputador na cabeça e a força de vontade deGandhi para sempre agir dessa forma.

Os novos capítulos

Vários jornalistas se esforçaram em produ-zir tabelas comparativas de rendimentos dapoupança e dos fundos, segundo várias hipó-teses, mas é possível que tenham mais trabalhoà frente. Entre outras razões porque há a ideiagovernamental de tomar outra medida, umaque em cima da tributação da poupança redu-ziria a dos fundos, alterando assim as compa-rações já realizadas.

Aliás, nesse trabalho de informar ao inves-

pela sua conveniência para o tipo de investidora que serve, que muitas vezes a usa como umaconta-corrente disfarçada, tem dificuldade ementender as regras dos fundos, não é propenso adialogar com seus gestores nas instituições fi-nanceiras e é muito avesso ao risco.

O que move o governo?

Quanto ao que decidiu fazer, foi criado umIR sobre os juros da poupança de pessoas físi-cas, a partir de 2010. As jurídicas já pagam IR, oque também está sendo desprezado nos dadose nas análises que a imprensa vem divulgan-do, pois muitos e grandes investidores de fun-dos são desse tipo. O novo IR será pago pelaspessoas físicas com saldos acima de R$ 50 milna poupança, e as alíquotas sobre os rendi-mentos do que exceder esse valor aumentarãoà medida que a Selic cair para valores abaixode 10,5% ao ano, conforme tabela amplamentedifundida pela imprensa.

De modo geral, a cobrança virá "a posteriori",na declaração anual do IR, ou seja, a partir de2011. Assim, dependerá também da alíquota daclasse de rendimento em que o contribuinte seenquadrar nessa declaração. A TR, que tambémintegra o rendimento da poupança, continuaráisenta, qualquer que seja o valor do saldo.

Na visão dos economistas, medida ideal edefinitiva seria reduzir os próprios juros dapoupança, tornando-os uma proporção da Se-lic, em lugar de o governo tomar parte delescom o IR. Entre outras desvantagens desse IRestá o fato de que ele impede que os juros di-minuam também para os tomadores de finan-ciamentos imobiliários sustentados pela pou-

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27MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

tidor ainda há muito a fazer, principalmentepor parte do governo e no caso das taxas de ad-ministração dos fundos, que os bancos insis-tem em não reduzir de modo significativomesmo com a queda da Selic, tornando essastaxas um ônus crescente em relação à remune-ração bruta dos fundos. Em particular, serianecessário exigir que os extratos mensais dosfundos explicitassem a taxa de administraçãoe o respectivo valor cobrado, para tornar essacobrança mais transparente, e permitir que oscotistas percebessem o absurdo que estão pa-gando em vários fundos.

Quando anunciou o IR da poupança, o minis-tro Mantega deu a entender que o dos fundos se-ria reduzido logo em seguida. Todavia, declara-ções posteriores deixaram o assunto em suspen-so. Sabe-se também que a equipe da Fazenda re-

comendou ao seu ministro só fazer essaredução se detectado o temido movimento

dos fundos para a poupança, o que atéagora não aconteceu. A propósito, é o

caso de perguntar a essa equipe porque a tributação da poupança

veio mesmo sem esse movimen-to (a Selic atual é de 10,25%

ao ano, e a tabela veiocom o IR já para um va-

lor abaixo de 10,50%).Ademais, essa reco-mendação da equipeda Fazenda tambémparece se assentarnuma visão compor-tamental, pois em lu-

gar de propor alterações do IR para evitar a saídados fundos, agora quer se pautar pelo compor-tamento dos investidores para defini-las.

Sabe-se também que nos fundos onde a apli-cações médias por investidor são as menores, astaxas de administração são as mais elevadas e aremuneração bruta é uma proporção bem menorda Selic do que nos fundos onde ocorrem asgrandes aplicações. Assim, há quem diga que jáhá investidores que têm prejuízo relativamente àpoupança. Ora, como permanecem nos fundos,a visão comportamental parece se aplicar ao seucaso, com as ressalvas acima apontadas.

Inconclusão

Quando terminávamos esse texto, não ha-via condições de prever o fim dessa novela.Alegando novamente conveniências políticas, ogoverno considerava ainda inoportuna a remes-sa ao Congresso de sua proposta para a tributa-ção da poupança. E haviam surgido dúvidasquanto à sua constitucionalidade, levantadaspelo ex-Secretário da Receita Federal, EverardoMaciel, ao constatar que essa tributação ficavaatrelada a valores da Selic, o que não seria cabí-vel. Por essa e outras razões, duvidava-se deuma passagem tranquila da proposta pelo Con-gresso. E havia voltado à prateleira a ideia de re-duzir a tributação dos fundos, aguardando novaqueda da Selic e a reação dos investidores.

Portanto, o leitor deve aguardar os próximoscapítulos, mas com o cuidado de não prever seuconteúdo por crenças ingênuas quanto ao com-portamento dos vários atores envolvidos.

O ministro GuidoMantega e o

presidente doBC, Henrique

Meirelles, falamsobre mudanças

na cadernetade poupança

para jornalistas.

Givaldo Barbosa/Ag. GloboBr

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28 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

O que precisa ser

* Ian Luder éprefeito do centro

financeiro deLondres (City de

Londres)

Durante a minha recente visita ao Brasil, onde encon-trei diversos players, incluindo o Banco Central, aComissão de Valores Mobiliários e a BM&F Boves-pa, fiquei impressionado com a sólida compreen-

são que os líderes institucionais brasileiros possuem das liçõesda história – e como isso ajudou o País em sua recuperação dosdesastres da geração passada.

Foi construtivo ouvir as medidas adotadas para comba-

Paulo Pampolin/Hype

ter o risco sistêmico no Brasil, e eu acredito que maior coo-peração e contato entre nossos países podem levar a umaprendizado de duas mãos.

A reforma da regulação e supervisão financeiras ainda está notopo da agenda política no Reino Unido. À medida que o pânicofinanceiro diminui e a poeira começa a se assentar, não parece es-tar surgindo um consenso sobre o que precisa ser feito.

No momento, a maioria do debate se concentra na revisãoda regulação e supervisão financeiras, publicada em março pe-lo lorde Turner, presidente da Autoridade de Serviços Finan-ceiros do Reino Unido. As partes interessadas têm até este mês(junho) para responder ao Relatório Turner ("Turner Review"),como é conhecido – portanto, a comunidade da City se encon-tra atualmente em momento de reflexão, enquanto analisa osprós e contras das propostas de Turner.

O Relatório Turner estabelece uma análise detalhada sobreo que deu errado. Lorde Turner argumenta que problemas ma-croeconômicos – principalmente taxas de juros excessivamen-te baixas e vastos desequilíbrios comerciais globais – estabe-lecem o cenário para um desenvolvimento rápido da inovaçãoe alavancagem financeiras.

Esse casamento perverso não foi identificado anteriormen-te por uma série de razões: os reguladores estavam muito con-centrados em instituições individuais, deixando de observar asaúde geral do sistema financeiro interconectado globalmen-te; as empresas aceitavam rapidamente as classificações exces-sivamente otimistas das agências de classificação de crédito;confiança em demasia foi depositada em modelos matemáti-cos complexos; e aqueles que tentaram soar os alarmes há al-guns anos foram silenciados ou ignorados. (Os brasileiros po-

No momento, amaioria do debate

se concentra narevisão da regulação

e supervisãofinanceiras,

publicada em marçopelo lorde Turner,

presidente daAutoridade de

Serviços Financeirosdo Reino Unido.

Toby Melville/Reuters

Ian Luder *

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dem dar um sorriso irônico neste momento – os seus ouvidosestavam bem sintonizados com os perigos).

Então, o que deve ser feito? Algumas das sugestões de lordeTurner são razoavelmente difíceis de questionar. Em primeirolugar, depositantes inocentes devem ser protegidos, de modoque o nível mais alto de depósito de seguro do varejo que vi-mos em meio à crise possa ficar fixo, se não ampliado aindamais. Em segundo lugar, uma supervisão macroprudencialdeve ser seriamente fortalecida. O Reino Unido não pode fazerisso sozinho – o sistema financeiro global necessita de uma ar-quitetura regulatória global.

Algumas das outras propostas de Turner podem encontrarmaior resistência de setores da indústria, mas elas são provavel-mente inevitáveis. As agências de classificação de crédito serãoregistradas e supervisionadas, embora os detalhes de tal planoainda necessitam ser elaborados. Os requisitos de adequação decapital provavelmente virão à tona. Eles também serão menospró-cíclicos – o que pode resultar em mudanças para padrõescontábeis. Além disso, a contração do crédito revelou como osistema financeiro é vulnerável a uma crise de liquidez, de mo-do que a regulamentação de liquidez irá assumir uma impor-tância similar à adequação de capital.

As regras de governança corporativa, principalmente aque-las sobre remuneração e o papel de diretores não-executivos,devem se tornar mais rígidas. O escopo da regulamentação se-rá definido cada vez mais pela função econômica, e não pelostatus legal. Portanto, se um fundo de hedge se comportar co-mo um banco, ele será regulamentado como um banco.

Turner também levanta algumas questões mais controversas.Como os bancos transfronteiriços devem ser administrados, tan-

to na União Europeia como globalmente? A recente cúpula do G-20 – e, em nível europeu, o Conselho Europeu da Primavera – le-varam esse debate adiante. De todos os centros financeiros mun-diais, o resultado desse processo provavelmente interessa mais aLondres, por abrigar a maior concentração de sedes globais deinstituições financeiras multinacionais.

Há dúvidas sobre se e como o mercado de derivativos de bal-cão (OTC, em inglês) deve ser regulamentado. Há uma fortepressão política para "limpar" as obrigações de dívida colate-ralizada (CDO, em inglês) e os swaps de crédito de inadim-plência (CDS, em inglês), que foram culpados pela crise.

É claro que o Reino Unido não pode agir unilateralmente.Como membro da União Europeia, cerca de 70% de nossas leissão elaboradas em Bruxelas. Por isso o Reino Unido precisa seengajar fortemente com seus vizinhos europeus para conse-guir o resultado correto. Além da Europa, essa crise global ne-cessita de uma solução global.

O Brasil demonstrou, durante o G-20, estar disposto e sercapaz de assumir um papel importante, e eu prevejo maisdisso no futuro.

Além disso, e por fim, com o estabelecimento dos escritóriosdo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) em Londres e do Lloyd’s no Brasil – há sinais de maio-res ligações comerciais e de outros tipos entre nossos países.

Seja qual for o caminho adiante para o Reino Unido e outroscentros financeiros globais, é um truísmo que o Brasil possuinão só muitos dos recursos globais necessários para este século– como também muitas das outras respostas.

feito daqui para frente

Shaun Curry/AFPDylan Martinez/Reuters

Tradução: Cintia Shimokomaki

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Heci Regina Candiani

São mais de 40 milhões de pessoas nomundo, segundo relatório as NaçõesUnidas de 2008. Pessoas forçadas aabandonar suas casas, famílias, ami-

gos e trabalho para escapar de guerras, confli-tos étnicos e religiosos, perseguições envol-vendo opiniões políticas. São 40 milhões depessoas que têm seus direitos humanos viola-dos constantemente pelos governos ou gru-pos de poder paralelo de seus países e que, pa-ra fazerem valer sua liberdade e segurança,

Arte: ALFE

R

atravessam quilômetros de fronteiras ou ma-res na clandestinidade, enfrentando medo efome, e levando consigo pouco além de suasmemórias e experiências, a língua que falam ea roupa do corpo.

É um número elevado de pessoas, nuncaexato, e que não para de oscilar. O relatórioanual do Alto Comissariado da ONU para os

Brasil,por toseguropara osrefugiados

Brasil,por toseguropara osrefugiados

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Refugiados (Acnur) destaca que o número,que contabiliza os refugiados – os solicitantesde asilo (26 milhões) e os deslocados (16 mi-lhões) –, diminuiu em 700 mil pessoas na com-paração com 2007. "No entanto, os novos des-locamentos em 2009, que não figuram no in-forme anual, já ultrapassaram esta redução",ressalta o documento, que detalha um fluxoglobal de deslocamentos forçados que envol-ve quase 150 países. Muitos deles, pontos departida; alguns, pontos de chegada.

O Brasil é um desses pontos de chegada.Hoje vivem no País cerca de 4 mil refugiados,vindos de mais de 70 países, 44% deles em re-giões urbanas do Estado de São Paulo. Amaior parte dos refugiados no Brasil vem daÁfrica: 67,7%. Chegaram aqui vindos de An-gola (43,3%, ou 1.686 pessoas), fugindo daguerra civil no país; Colômbia (13,5%, equi-valente a 530 pessoas), como resultado dosconflitos com as Forças Armadas Revolucio-nárias (Farc); e República do Congo (7,7%,cerca de 300 pessoas).

Embora o número de refugiados vivendoaqui seja pequeno – e talvez exatamente porisso – o Brasil é hoje um dos melhores paísesde acolhimento de acordo com os critérios doAcnur. Aqui, como em poucos lugares domundo, quem foge da violação constante deseus direitos encontra um espaço democrá-tico de garantia de sua integridade física,acesso à Justiça, liberdade de ir e vir, de esta-belecer residência e de encontrar um traba-lho para garantir sua sobrevivência. Para serum bom país de acolhida, a democracia écondição fundamental.

Assim como analisa quais os melhores paí-ses para receber um refugiado – além do Bra-sil, constam da lista Canadá, Estados Unidos,Costa Rica e Benin, entre outros –, o Acnurtambém sabe quais são os piores lugares paraos refugiados. A lista é bem maior e inclui Ban-gladesh, Índia e China, Malásia, Grécia, Polô-nia, Eslovênia, Itália, França, Iraque, Quênia,Malásia, Rússia, Sudão e Tailândia. São paísesque deportaram, torturaram, perseguiram,segregaram ou até assassinaram pessoas quechegavam ali solicitando proteção. Ou seja,reproduziram em seu território condições se-melhantes àquelas que conduziram tais pes-soas a buscarem refúgio.

A acolhida

Segundo a pesquisadora da Universidadede Campinas (Unicamp), Julia Bertino, que sededica ao estudo da política brasileira para re-fugiados, as garantias democráticas ofereci-das no Brasil são internacionalmente reconhe-cidas e estão relacionadas a dois aspectos im-portantes: a legislação específica e, em algunssentidos, pioneira, do País e a rede de organi-

zações não-governamentais e instituições quedesde a década de 1970 ajuda o governo naprestação de serviços aos refugiados.

O Brasil desenvolveu uma legislação mo-derna e uma estrutura exemplar para a acolhi-da. Além de ser um dos primeiros países sig-natários da Convenção de Genebra, da ONU,de 1951, o País também é signatário da Decla-ração de Cartagena, de 1984, no âmbito latino-americano, e possui uma legislação específicapara os refugiados, a Lei 9.474, de 1997. Conhe-cida por Lei do Refúgio, esta legislação espe-cífica criou o Comitê Nacional de Refugiados

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REFUGIADOS PELO MUNDOREFUGIADOS PELO MUNDO

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Arte: A

LFER

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(Conare), que decide sobre a concessão de re-fúgios, caso a caso, e também define as políti-cas a serem adotadas.

É essa base legal que garante os direitos dosrefugiados, o acolhimento de pessoas vindasde diversos países e a não-criminalização dosestrangeiros que entram irregularmente emterritório nacional quando chegam de paísesonde seus direitos são violados.

Esse é um aspecto legal importante porquea entrada de refugiados no País é quase sem-pre irregular. Eles chegam clandestinamenteem navios que aportam aqui ou após atraves-sar alguns pontos da fronteira, em geral sem adocumentação exigida para estrangeiros ousem qualquer comprovante da própria ori-gem e formação. Em terra firme, passam pelaPolícia Federal onde iniciam uma maratonajurídica pelo reconhecimento de sua condiçãode refugiados que pode durar meses e que sesegue a um processo de integração nem sem-pre tranqüilo. Língua e costumes diferentesdificultam a criação de novos laços sociais nopaís. É então que entra em ação a rede de or-ganizações responsáveis pela acolhida.

Em São Paulo, esse processo é coordenadopela Cáritas Arquidiocesana. Segundo a advo-gada da organização, Liliana Jubilut, assim quechegam, as pessoas se identificam na Polícia Fe-deral e são encaminhadas à Cáritas, onde sãoentrevistadas por especialistas que tentam re-constituir sua história e as condições que deter-minaram sua fuga. "Tudo isso é importante pa-ra definir a situação objetiva do país ou regiãode origem da pessoa, o que permitirá analisar asolicitação da condição de refugiado. Para ga-rantir a segurança individual, as informaçõessão confidenciais", explica Liliana.

Isso porque, dependendo das condições decada país de origem, o refugiado que chega aoBrasil ou outro país de acolhida pode estar se-guro, mas em alguns casos, a divulgação deseu nome, suas opiniões, ou mesmo o contatocom familiares e amigos pode implicar em re-presálias, colocando em risco os que ficaram.

É também na Cáritas, que possui parceriascom hospitais, abrigos e instituições como Se-si, Senai e Senac, que tem início o atendimentoàs necessidades básicas do solicitante de refú-gio: um lugar para dormir, acesso a aulas deportuguês, alimentação, regularização da en-trada no País por meio de uma documentaçãoprovisória, atendimento psicológico, elabora-ção da solicitação de refúgio.

Com as atividades financiadas por recursosdo Acnur, a Cáritas também é responsável porajudar os refugiados a encontrar moradia, re-

ceber a ajuda de custo emergencial de cerca deum salário mínimo por mês pelo período detrês meses, ajudar os pais e mães que chegamcom seus filhos a encontrar escolas para ascrianças e ter acesso ao material escolar.

A solicitação de refúgio é, então, analisadapelo Conare, órgão colegiado que congrega osministérios da Justiça, Relações Exteriores, Tra-balho, Saúde, Educação e Esporte, o Departa-mento da Polícia Federal, a Cáritas – que repre-senta a sociedade civil – e o Acnur, que emboranão tenha direito a voto nos momentos decisó-rios, tem o papel consultivo, trazendo informa-ções e dados importantes para a análise de cadasolicitação de refúgio. Assim que tem sua con-dição de refugiado reconhecida, a passoa passaa ter acesso a documentos definitivos, ao Regis-tro Nacional de Estrangeiro (RNE) e a regulari-zação de sua permanência no País, com acesso acursos profissionalizantes e a obtenção de umacarteira de trabalho definitiva.

"Caso o refúgio seja negado, existe a possibi-lidade de apresentar um recurso direto ao minis-tro da Justiça. Se o pedido é novamente negado, apessoa continua no País, ainda que ilegalmente.Como não existe uma política brasileira para a le-galização, nesses casos, só conseguem permane-cer legalmente no País quando se casam ou têmfilhos aqui", diz Liliana Jubilut.

Segundo a coordenadora do Centro de Aco-lhida para Refugiados da Cáritas São Paulo, Ce-zira Furtim, muitos refugiados que chegam aoPaís têm bom nível de escolaridade e quase 15%têm formação superior. Para eles, há ainda umoutro processo burocrático: a tradução de docu-mentos e diplomas, quando dispõem desses pa-péis, e o reconhecimento de sua formação.

Destaque internacional

A legislação específica brasileira e as condi-ções de acolhimento oferecidas aqui colocam oPaís em posição de destaque internacional e deliderança na América Latina quando o tema é orefúgio. Julia Bertino explica que cada decisãosobre a condição de um refugiado envolve ques-tões de política interna e externa complexas.

Parte dessa complexidade fica evidente nospoucos casos de solicitação de refúgio que che-gam aos jornais e ao noticiário televisivo. Casoscomo o do escritor e militante italiano CesareBattisti ou dos dois boxeadores cubanos, Guiller-mo Rigoundeaux e Erislandy Lara, que abando-naram a delegação do seu país durante os JogosPanamericanos do Rio de Janeiro em 2007. Osatletas foram entregues ao governo de Cuba eCesare Battisti obteve o status de refugiado após

Hoje vivemno País cerca de 4 milrefugiados, vindosde mais de 70 países,44% deles em regiõesurbanas do Estadode São Paulo. Emborao número de refugiadosvivendo aqui sejapequeno – e talvezexatamente por isso – oBrasil é hoje umdos melhores paísesde acolhimento.

Com asatividadesfinanciadas porrecursos do Acnur,a Cáritas também éresponsável porajudar os refugiadosa encontrarmoradia, recebera ajuda de custoemergencial (...)

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recurso ao ministro da Justiça Tarso Genro, mas adecisão está sendo questionada pelo governoitaliano junto ao Supremo Tribunal Federal(STF). Casos controversos que nem sempre fa-vorecem a imagem internacional que o Brasiltenta construir em torno da questão do refúgio.

O Brasil foi um dos primeiros países latino-americanos a assinar os acordos internacionaisrelativos aos refugiados, pioneiro na abertura desuas portas aos refugiados de outros países daAmérica Latina e o primeiro país da região a criaruma lei específica e para refugiados. "Isso colocao País como líder regional, principalmente emtermos jurídicos, na questão dos refugiados", ex-plica Julia. "Ao se mostrar um país disposto aacolher pessoas e a aprimorar sua política deacolhimento, o Brasil busca também projeção in-ternacional em torno da questão da defesa dosdireitos humanos", analisa.

Ao acolher pessoas de outros países, o Brasilse mostra aberto a contribuir na solução de pro-blemas globais, o que reforça sua imagem comoum país democrático e ativo nas relações inter-nacionais. A política consistente em relação aosdeslocamentos populacionais também se refleteem ganhos políticos de longo prazo. Hoje, o Bra-

sil está na lista de países emergentes não apenaseconomicamente, mas também em relação à aco-lhida. "A política adotada para os refugiadospermite que o País estreite seus laços com a Ac-nur e a ONU, o que tem consequências positivasna defesa de alguns de seus interesses, um delesa intenção de obter um assento no Conselho deSegurança das Nações Unidas", lembra Julia.

O Brasil tem também uma política de reassen-tamento de pessoas que já têm o refúgio reconhe-cido em outros países. Um processo mais sofis-ticado do que a acolhida dos refugiados que che-gam clandestinamente e que, segundo Julia, temum aspecto positivo extra. "No caso dos progra-mas de reassentamento, os representantes brasi-leiros têm a oportunidade de ouvir diretamenteas necessidades dos refugiados", explica.

No caso do reassentamento, representantesdo Conare e do Acnur, juntos, analisam as con-dições de acolhida de grupos específicos já vi-vendo em um país acolhedor, ouvem as neces-sidades desses grupos e avaliam as reais condi-ções do Brasil oferecer moradia, educação, saú-de e trabalho para essas pessoas, que passamentão por um novo processo de transferência enova integração cultural. Foi o que aconteceu

A atriz AngelinaJolie é embaixadorada Boa Vontade doAlto Comissariado

da ONU paraos Refugiados. Ela e

o marido, o atorBrad Pitt, doaram

recentementeUS$ 1 milhão para

a entidade.

Edward Parsons/AFP

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em 2007, com a transferência de 109 refugiadospalestinos da Jordânia para o Brasil – muitosdeles descontentes com o processo de integra-ção cultural e que, atualmente, solicitam juntoao Acnur a transferência para a Europa.

Fenômeno global

A questão do refúgio se tornou um problemamundial após a Segunda Guerra Mundial,quando um enorme contingente de pessoasdeslocadas de suas origens precisava de prote-ção e auxílio. Nas décadas de 1960,1970 e 1980,uma série de novos conflitos acabaram por am-pliar o contingente de refugiados no mundo:movimentos de independência em colôniasafricanas e asiáticas, conflitos armados em paí-ses como Vietnã, Laos, Camboja, Afeganistão,Etiópia, Nicarágua, El Salvador e Guatemala.Conflitos étnicos e religiosos, a prolongada si-tuação de hostilidade em países do Oriente Mé-dio, as invasões norte-americanas no Afeganis-tão e no Iraque contribuíram para gerar um flu-xo de refugiados que hoje é global, mas tambémconcentrado em alguns países.

Tudo isso envolve os países em emaranha-

do político difícil de solucionar. As naçõesmais desenvolvidas, como Estados Unidos,França, Alemanha e Inglaterra, recebem mi-lhares de contingentes de refugiados todos osanos e cada vez mais – em especial depois dosatentados de 11 de setembro, por questões po-líticas, econômicas e de segurança interna –tentam fechar suas fronteiras a essas pessoas,restringindo a concessão de refúgio ou bus-cando no Acnur apoio para reassentar essaspopulações em terceiros países.

Isso envolve uma questão econômica. O flu-xo de refugiados pelo mundo é acompanhadoem grande parte pelo Acnur, órgão que super-visiona e financia grande parte das ações deacolhimento de refugiados nos mais de 70 paí-ses que o integram. A maior parte dos recursosdo Acnur – cerca de 98% – vem dos países maisricos, que certamente têm maior poder de in-fluência nas decisões sobre o fluxo de refugia-dos. O Brasil, por exemplo, só nos últimos doisanos passou a contribuir financeiramente parao órgão, com quantias ainda pequenas diantedo orçamento que, em 2009, é previsto em U$1,275 bilhão, com U$ 535 milhões adicionaispara programas suplementares.

Pedro Ugarte/AFP

Nas décadas de1960, 70 e 80,novos conflitosampliaram ocontingente

de refugiadosno mundo.

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Ao abrir suas portas ao reassentamento, oBrasil se coloca como agente desse processo,reforçando suas relações internacionais. Se-gundo o Acnur, o fluxo de refugiados temduas características principais: em geral,buscam proteção em nações vizinhas a seupaís de origem e, na maioria das vezes, pas-sam a integrar populações urbanas nos paí-ses que os acolhem. Mas nem sempre a inte-gração no primeiro país de asilo é tranquila,como o caso dos cerca de 200 colombianosque atravessaram a fronteira com o Equadorfugindo da guerrilha local, mas continua-vam em risco, e foram reassentados no sul doBrasil. O reassentamento é uma solução paraesses casos.

Tropeços locais

"Muitos países estão fechando as portas pa-ra refugiados e o Brasil é muito respeitado naONU por suas políticas", diz o diretor da Cá-ritas São Paulo, Ubaldo Steri. Mas, segundoele, essas políticas ainda precisam ser amplia-das. Se em termos internacionais e globais oBrasil é reconhecido, no âmbito interno ainda

há muito o que precisa ser melhorado.Para Ubaldo Steri, uma das principais difi-

culdades é convencer os empregadores a abri-rem algumas de suas vagas aos refugiados. Oproblema é complexo. Com um grande núme-ro de desempregados brasileiros, destinaruma vaga a um estrangeiro é uma decisão di-fícil. Mas Steri lembra que essa oportunidadepode fazer toda a diferença na vida de um re-fugiado. "Um registro em carteira, mesmo queseja temporário, pode ser o que aquela pessoaprecisa para comprovar experiência e conse-guir outras colocações".

Outra necessidade, apontada por JuliaBertino, é a de dar voz aos refugiados quechegam ao Brasil. Segundo ela, embora o Co-nare seja, em si, um órgão democrático, avan-çado e com políticas efetivas e abertas, faltanele um canal institucional pelo qual os refu-giados possam ser ouvidos diretamente e tersuas necessidades avaliadas. Ela reconheceque a proposta esbarra em questões como anecessidade de controle governamental daspolíticas, mas insiste que é possível pensarem mecanismos para que os refugiados se-jam melhor representados no órgão.

Aamir Qureshi/AFP

Muitos países estãofechando as portaspara refugiados e

o Brasil é muitorespeitado na ONUpor suas políticas.

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O livro poucoesclarecedordo refugiadoCesare BattistiRenato Pompeu

Poucas luzes e muitas sombras en-volvem o caso do mais famosorefugiado no Brasil, o italianoCesare Battisti, a julgar pelo

único livro do próprio Battisti aqui pu-blicado, Minha fuga sem fim – dosanos de chumbo na Itália, de leis ao re-vés na França, ao inferno do cárcereno Brasil, editado pela Martins Fon-tes. Esse título já é enganoso, poisBattisti encerra o livro na sua chega-da ao Brasil em 2006, antes de serdetido a pedido da Interpol.

Atualmente preso em Brasí-lia, e tendo o estatuto de refugiado outorga-do pelo ministro da Justiça, Tarso Genro,Battisti aguarda julgamento no Supremo Tri-bunal Federal, previsto para o começo destesegundo semestre, do pedido de extradiçãodo governo da Itália, onde foi condenado àrevelia (por ter fugido da cadeia para o Mé-xico e depois para a França) à prisão perpé-tua por quatro homicídios, praticados emnome do grupo político clandestino Proletá-rios Armados para o Comunismo-PAC, aoqual pertenceu nos tumultuados anos 1970.

Nascido em 1954 num pequeno centro in-dustrial instalado durante o governo deMussolini, Battisti conta que cresceu numafamília politizada, pois seus avós haviam si-do fundadores do Partido Comunista da Itá-lia, e seus pais eram membros do rebatizadoPartido Comunista Italiano. Isso não o impe-

diu de abando-nar a escola aos17 anos e, antesde completar 20anos, praticar pe-quenos delitos –f u r t o s e ro u b o s( ro u b o u o c a r roda sogra do próprioirmão), tendo pas-sado cerca de doisanos detido.

Assim, Battisti já ti-nha sido delinquente

antes de, após ser solto em 1976, aderir aosProletários Armados para o Comunismo. Es-se pequeno grupo foi criado no ambiente fe-bril que se espalhava na passagem dos anos1960 para os anos 1970 por todo o mundo, emespecial na França do Maio de 1968, nos Esta-dos Unidos do movimento contra a guerra doVietnã, na China da Revolução Cultural, naTchecoslováquia da rebelião antistalinista,no México do massacre de universitários, naArgentina, Brasil e Uruguai da luta armada etambém de manifestações de rua contra seusregimes militares, no Chile da derrubada vio-lenta do governo esquerdista do presidenteSalvador Allende, na Alemanha Ocidental ena Itália do terrorismo respectivamente daFração Vermelha e das Brigadas Vermelhas –que chegaram a matar o ex-primeiro-minis-tro italiano Aldo Moro em 1978.

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O livro de Battisti é muito mais uma auto-biografia romanceada – não tivesse o autor setornado na França um autor de ficção policial –do que um relatório documentado em sua de-fesa. Ele conta como o PAC seria a favor da lutaarmada para fazer ações com o objetivo de an-gariar recursos e de fazer propaganda política– matar pessoas era explicitamente proibidopelos regulamentos do grupo, segundo ele,que não apresenta documentação comproba-tória. E que abandonou o PAC quando, contra-riamente à posição que Battisti apresenta co-mo oficial da organização, militantes da orga-nização mataram sua primeira vítima – Anto-nio Santoro, agente penitenciário, em 1976(homicídio pelo qual Battisti viria a ser conde-nado posteriormente). E que abandonou defi-nitivamente a luta armada, mesmo com a res-salva de não praticar assassínios, após a mortede Moro, dois anos depois.

Em seguida, conta que, já desligado do PAC, aorganização viria a cometer os outros três assas-sínios, matando em 1979 o joalheiro PierluigiTorregiani (cujo filho de 4 anos ficou paraplégicopor ter sido atingido por uma bala no tiroteio), oaçougueiro Livio Sabatini e o policial AndreaCampagna. Battisti relata que foi preso na Itáliacomo suspeito de ligações com o PAC e com osassassínios, até ter sido libertado por uma açãoarmada comandada pelo seu antigo amigo e cor-religionário Pietro Mutti, após o que Battisti con-ta que fugiu para o México (era tão amigo deMutti que Battisti, segundo escreve no livro, foiamante da esposa do amigo com a concordânciado amigo e até a prática do sexo a três).

Anos depois, quando o então presidentefrancês François Mitterrand concordou em

não extraditar ex-militantes armados italianosque tivessem abandonado as armas e quises-sem se integrar pacificamente à sociedadefrancesa, Battisti se estabeleceu na França.Conta que nunca ficou sabendo, durante o jul-gamento e até a condenação, que estava sendoprocessado à revelia na Itália, por isso não teveoportunidade de se defender das acusações,cuja única testemunha, segundo ele, era o pró-prio Mutti, que teria sido preso e teria aceitadoa delação premiada em troca da redução da pe-na. Segundo Battisti, Mutti é que era o respon-sável por todos os homicídios.

A maior parte do livro de Battisti não se re-fere à sua vida política ou a documentações desua defesa em relação aos quatro homicídios.Pelo contrário, ele se estende por seu cotidianona França. Estava ele posto em sossego, escre-vendo suas ficções policiais, quando inespera-damente o novo presidente francês, JacquesChirac, aboliu a "doutrina Mitterrand". A Jus-tiça francesa então julgou e condenou Battisti àextradição para a Itália, para cumprir prisãoperpétua. Ele então passa grande parte do li-vro narrando a sua fuga da França e seu périplopor vários países, inclusive do Oriente Médio,até chegar ao Brasil em 2006, não esquecendode mencionar em detalhes a sua vida amorosacom diferentes mulheres.

O resultado é muito mais uma espécie de ro-mance de aventuras do que um requisitório dedefesa. Na verdade, no livro de Battisti, a suadefesa fica muito mais por conta do prefácio dofilósofo francês Bernard-Henry Lévy, insus-peito de simpatias pelo esquerdismo mesmo omais pacifista, quanto mais pela luta armadaou pelo terrorismo, e do posfácio da escritora

Battisti foi preso naItália por ligaçõescom o PAC e porassassinato, atéser libertado por

uma ação armadacomandada

pelo antigo amigoe correligionário

Pietro Mutti.

Remo Casilli/Reuters

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40 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

policial francesa Fred Vargas (mulher, apesardo nome), colega e amiga de Battisti. Essa de-fesa é baseada nos seguintes pontos:

�A decisão do governo Mitterrand de conce-der asilo político aos italianos que haviam aban-donado a luta armada estaria inserida numa po-lítica tradicional de Estado francesa de dar abri-go a perseguidos políticos e, portanto, não pode-ria ter sido cancelada pelo governo subsequentedo presidente Chirac, o qual abriu caminho parao processo de extradição.

� Battisti foi condenado por quatro homicí-dios num processo à revelia na Itália, no qualnão teria podido se defender, e nesses casosgrande parte dos países impõe que, se o con-denado for localizado, terá direito a um segun-do julgamento com a sua presença no bancodos réus, o que se tornou norma da União Eu-ropeia, mas na Itália não existe esse direito aum segundo julgamento.

� A única testemunha quanto aos homicí-dios contra Battisti seria Pietro Mutti, que re-cebeu o benefício da delação premiada em tro-ca da libertação, da troca de identidade e de re-cebimento de dinheiro para iniciar nova vida.Essa testemunha, assim, teria interesse emmentir para acusar qualquer outra pessoa quenão ele próprio, ainda mais uma pessoa quenão estava presente para ser acareada comMutti e confrontar suas acusações.

�A alegação da Justiça italiana de que Battistiteve direito à defesa e orientou em três cartas aseu advogado não seria procedente, porque setrataria de cartas sobrepostas a assinaturas deleem documentos em branco que ele deixou comseus companheiros ao fugir da Itália, caso fossenecessário algum documento assinado seu.

No entanto, ao longo do livro tanto Battisti co-mo Vargas reconhecem que, durante o processode extradição da França para a Itália, ele semprese negou a esclarecer se era culpado ou inocentedas acusações pelos quatro homicídios. Segun-do eles, porém, isso não adveio de uma tácita ad-missão de culpa e sim da necessidade de estabe-lecer um precedente para a linha de defesa dequaisquer perseguidos políticos, fossem ou nãoautores de ações violentas.

Todos esses argumentos, no entanto, sãocontraditados pelos partidários da extradi-ção de Battisti. Em primeiro lugar, a normaeuropeia de conceder um segundo julgamen-to ao condenado revel quando for localizadonão se aplicaria ao caso Battisti, transitado emjulgado antes da elaboração da norma euro-peia, que não é retroativa. Em segundo lugar,Battisti, mesmo à revelia, teve acesso a ampladefesa, como foi reconhecido não só pela Jus-

tiça italiana, como pela Justiça francesa e pelaprópria Corte Europeia, que consideraram le-gítimas as três cartas com sua assinatura en-viadas a seu advogado no processo da Itália.Aqui cabe lembrar que Battisti deixou docu-mentos assinados em branco justamente parao caso de ser necessário algum documento as-sinado seu na própria Itália. Em terceiro lu-gar, Mutti não é a única testemunha contraBattisti – outros ex-companheiros também oacusaram e até uma sua ex-namorada teste-munhou que Battisti contou a ela como se sen-tia intimamente por ter matado uma pessoa.Ainda mais: Mutti cumpriu nove anos de ca-deia e, ao ser libertado, não recebeu o benefí-cio de nova identidade. Pelo contrário, vive etrabalha normalmente com seu nome verda-deiro e até concedeu recentemente uma entre-vista ao semanário italiano Panorama.

Finalmente, ao final do processo de extradi-ção na França, só então Battisti passou a alegarinocência quanto aos assassínios, quando teriapercebido que a tendência era para o pedido deextradição ser aceito. Ele manteve essa nova li-nha de defesa no livro que escreveu no Brasil e avem mantendo desde então, embora determina-dos meios esquerdistas brasileiros defendamque, mesmo que Battisti tenha cometido os ho-micídios pelos quais foi condenado na Itália, elenão deve ser extraditado, pois estes também fo-ram crimes políticos e não crimes comuns, já queas vítimas eram policiais acusados de torturas emilitantes neofascistas acusados de estarem en-volvidos em tentativas de golpe.

Essa afinal é a questão a ser debatida. Comoesclareceu o advogado e ex-ministro do Traba-lho, Almir Pazzianotto Pinto, não existe "com-petência do governo brasileiro para anular de-cisões do Poder Judiciário italiano". E Pazzia-notto acrescenta: estaria o governo Brasileiro"equiparando a Itália a regimes ditatoriais, queperseguem, prendem e calam os opositores"?Aqui se deve destacar que durante todo o pós-guerra, na Itália, os comunistas e os que con-tinuam sendo comunistas continuaram e con-tinuam livres para propagar suas idéias, nãohavendo necessidade para isso nem de clan-destinidade, nem de luta armada, ao contráriodo que foi o caso dos regimes militares e das di-taduras na América do Sul e do que é o casoainda de muitos países no mundo.

A defesa de Battisti argumenta que a Itálianão era uma democracia na época, pois os dis-sidentes como ele eram impedidos de agir le-galmente tanto pelo centro-esquerda no poder(democratas-cristãos e socialistas) como pelaoposição comunista, só restando aos dissiden-

Celso Junior/AE

Alessandro Bianchi/Reuters

Battisti teve o estatutode refugiado outorgadopelo ministro da Justiça,

Tarso Genro, masaguarda preso o

julgamento no SupremoTribunal Federal.Ao saber disso, oprimeiro-ministro

italiano Silvio Berlusconicancelou visita ao Brasil

e a Itália apresentouprotestos formais.

Page 41: Digesto Econômico nº 453

41MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

tes a clandestinidade e/ou a luta armada e queem situações semelhantes, na América Latina,militantes clandestinos e armados ou chega-ram ao poder e foram reconhecidos como go-vernantes legítimos, ou foram anistiadosquando houve o restabelecimento da plena li-berdade. Os dissidentes italianos teriam en-frentado, de acordo com a defesa de Battisti,principalmente os neofascistas e os partidá-rios de um golpe, como o tramado pela chama-da Loja Maçônica P-2, com o apoio de setoresinfluentes na Itália. Acontece que o neofascis-mo, como o comunismo, é legal na Itália, desdeque não haja recurso a ações ilegais, em parti-cular a ações violentas. E que o golpe tramadopela P-2 foi impedido pelas próprias autorida-des italianas contra as quais, paradoxalmente,agiam dissidentes como Battisti.

Argumenta ainda Battisti que houve "confis-sões sob tortura", como seria o caso de Mutti. En-tretanto, em seu livro Battisti faz apenas obser-vações vagas sobre ter convivido, na prisão, comcompanheiros que teriam sido torturados, semnem mesmo identificar seus nomes. Não há ne-nhuma documentação sobre torturas a Mutti,por exemplo, ou ao próprio Battisti. Não existenenhum dossiê "Torturas nunca mais" na Itália,nem mesmo elaborado pelos dissidentes que fu-giram para outros países.

Além do mais, conforme observa o advoga-do italiano radicado em São Paulo, AntonioLaspro, do Conselho Geral dos Italianos noExterior, se é que existem casos em que a lutaarmada e o terrorismo podem ser considera-dos legítimos, certamente não é esse o caso noque se refere a um Estado democrático ondeocorrem periodicamente eleições livres e háplena liberdade de expressão e organização,como vem sendo a Itália em todo o pós-guerra.Laspro chama a atenção para o fato de Battistisó ter pedido o estatuto de refugiado no Brasildepois de ter sido localizado no País pela In-terpol em 2007. "Por que não pediu asilo logoao desembarcar em 2006?", pergunta.

E Antonio Fattore, italiano que foi sindi-calista em seu país nos anos 1970 e atualmen-te é assessor do governo petista no Pará, em-bora seja contra a extradição de Battisti, con-dena a ação política deste, argumentandoque a ação golpista na Itália daquela épocafoi contida, não pela luta armada (que aocontrário, segundo ele, forneceu pretextospara os golpistas), mas por grandes greves egrandes manifestações de rua.

O jurista italiano Gian Carlo Caselli assinalaque, ao assinarem as convenções sobre refugia-dos, os governos se comprometeram a não emi-

tirem avaliações sobre a legitimidade ou não dedecisões judiciais definitivas nos países contra-tantes. Por isso mesmo o primeiro-ministro ita-liano Silvio Berlusconi, após Battisti ter sido de-clarado refugiado pelo ministro brasileiro TarsoGenro, cancelou sua viagem ao Brasil. O Minis-tério das Relações Exteriores chamou de voltaseu embaixador em Brasília e o governo da Re-pública da Itália protestou oficialmente. A UniãoEuropéia também questionou a legitimidade deum governo se contrapor à decisão judicial de-finitiva em outro país.

No Brasil, não há pesquisas sobre a posição daopinião pública quanto à extradição ou não deBattisti – na Itália, porém, praticamente Battistinão encontra defensores: todos os partidos polí-ticos, de esquerda, direita ou centro, conservado-

Valter Campanato/ABr

res e progressistas, se pronunciaram a favor documprimento da pena de prisão perpétua por al-guém que, lá, é considerado, unanimemente, umcriminoso comum. Enquanto juristas brasileirosse têm manifestado tanto a favor como contraBattisti, só há registro de manifestações de juris-tas italianos contra ele.

Quanto à alegação de que na prisão na ItáliaBattisti correria o risco de ser morto pela Máfiaou pela CIA, observam os favoráveis à extradi-ção que essas instituições, afinal de contas, têmrecursos para matá-lo em qualquer lugar domundo, inclusive no Brasil. O problema, portan-to, é decidir se Battisti é um criminoso político ouum criminoso comum, o que depende da visãoque se tenha a respeito da legalidade democrá-tica na Itália na época e a respeito da legitimidadedo assassínio por razões políticas.

Battisti foicondenado à prisão

perpétua porquatro homicídios,

praticados em nomedo grupo políticoclandestino PAC .

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42 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

A política externabrasileira, de FHC a Lula

Amauryde SouzaCientista político

Andre Dusek/AE

And

rea

Feliz

olla

/Luz

Queima defogos naEsplanada dosMinistérios

Em duas oportunidades, 2001 e 2008, oCEBRI - Centro Brasileiro de RelaçõesInternacionais realizou amplas pes-quisas sobre as relações internacio-

nais do Brasil. Em ambos os casos, o objetivofoi conhecer as avaliações e preferências da co-munidade de política externa quanto aos prin-cipais temas da agenda brasileira.

A expressão "comunidade brasileira de po-lítica externa" designa o universo constituídopor pessoas que participam do processo deci-sório ou contribuem de forma relevante para aformação da opinião no tocante às relações in-ternacionais do País. Compreende, portanto,não só integrantes do Executivo e do Legislati-

vo, mas também representantes de grupos deinteresse, líderes de organizações não-governa-mentais, acadêmicos, jornalistas e empresárioscom atuação na esfera internacional.

A metodologia utilizada foi a mesma nosdois projetos: aplicação de um questionário aintegrantes destacados da comunidade de po-lítica externa e entrevistas mais extensas comalguns deles. O que diferenciou os dois traba-lhos foi a maior abrangência temática do pri-meiro, preocupado em apreender de maneiracompreensiva o pensamento internacionalbrasileiro, ao passo que o segundo tratou espe-cificamente de aspectos estratégicos da inser-ção brasileira na América do Sul.

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43MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

O Brasil e o Sistema Internacional

A política externa brasileira ganhou contornos mais defini-dos e afirmativos na virada do século 20 para o 21. A quase to-talidade dos entrevistados (97%) concorda que o País deve au-mentar o seu envolvimento e ter presença mais ativa no quetoca a questões internacionais. Consolidou-se também a per-cepção de que a nossa presença internacional cresceu em im-portância nos últimos dez anos (85%) e deverá crescer aindamais nos próximos dez (91%).

Os entrevistados preveem que os outros três BRICs – China

(97%), Índia (94%) e Rússia (63%), assim como a África do Sul(57%), aumentarão também a sua projeção na ordem mundial,compartilhando o poder que os Estados Unidos (61%), o Japão(59%) e a Alemanha (54%) detêm atualmente.

As tendências acima indicadas foram antevistas pela comuni-dade de política externa em 2001, mas não de forma tão pronun-ciada. Nos seis anos decorridos desde a primeira pesquisa, a per-cepção da importância futura da China manteve-se elevadíssima(96% e 97%, respectivamente, mas a da Índia subiu de 73% para94%, a do Brasil de 88% para 91% , a da Rússia de 49% para 63%, ea África do Sul de 39% para 57%). Por outro lado, os entrevistados

Os entrevistadosda pesquisapreveem que, alémdo Brasil, os outrostrês BRICs – China(97%), Índia (94%)e Rússia (63%),assim como aÁfrica do Sul (57%),aumentarãotambém a suaprojeção naordem mundial.Na foto, estátua deConfúcio, na China,e mulheres ecrianças indianascarregando água.

Reuters

Amit Dave/Reuters

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44 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

avaliaram que as atuais grandes potências dificilmente terãomais poder daqui a 10 anos do que têm hoje ; consideram maisprovável que elas preservem a posição atual. A expectativa deque a Alemanha terá mais poder caiu de 64% para 28% , os Es-tados Unidos, de 49% para 15%, e o Japão, de 29% para 16%.

Nos últimos seis anos, a formação de alianças no sentido Sul-Sul tornou-se um dos eixos prioritários da estratégia externa doBrasil. Todavia, não existe consenso quanto ao alinhamento Sul-Sul no que diz respeito à inserção do País na economia interna-cional. Um terço dos entrevistados (31%) prefere priorizar nego-ciações comerciais com os países da América do Sul e economiasem desenvolvimento fora da região, como a China, Índia e Áfricado Sul; quase outro terço (26%) prefere aproximar-se dos paísesdesenvolvidos do Norte, como os da União Européia, os EstadosUnidos e o Japão. Cumpre ressaltar que a maioria (41%) preferetrabalhar nessas duas linhas ao mesmo tempo.

Prioridades da Agenda Internacional

No topo da hierarquia dos países considerados vitais paraos interesses do Brasil, permanecem a Argentina e os EstadosUnidos (com ligeira queda de 96% para 95% e de 99% para 94%,respectivamente) e a China (que subiu de 82% para 92%).

Caiu, no entanto, a percepção da importância de aliados tra-dicionais: a Inglaterra (de 59% para 41%), Alemanha (76% para59%), França (67% para 50%), Espanha (63% para 46%) e Japão(62% para 54%). No sentido contrário, aumentou sensivel-mente a percepção de interesses vitais nos países vizinhos,com destaque para Bolívia (de 57% para 81%), Colômbia (62%para 69%) e Venezuela (não mencionada na primeira sonda-gem, recebeu 78% das menções na segunda). Entre os países demenor relevância para o Brasil destacam-se Cuba, Coréia doSul, Indonésia, Irã e Israel.

Entre possíveis ameaças, três são atualmente consideradascríticas pela maioria dos entrevistados: o aquecimento global(65%), o tráfico internacional de drogas (64%) e o protecionis-mo comercial dos países ricos (50%). Outras ameaças, consi-deradas críticas por um grande número, mas não pela maioriados entrevistados, incluem o surgimento de governos ditato-riais na América do Sul (48%), o contrabando de armas peque-nas e armamentos leves (46%), a internacionalização da Ama-zônia (46%), a corrida armamentista na América do Sul (40%)e o aumento de países com armas nucleares (39%).

Cumpre igualmente salientar um forte aumento na percepçãode que o Brasil é capaz de defender os seus interesses no contextoda globalização econômica. O ineditismo e as proporções dessamudança podem ser aferidos pela diferença de percepções quan-to à ameaça representada pelo protecionismo comercial dos paí-ses ricos (que caiu de 75% para 50%), pela desigualdade econô-mica e tecnológica entre o Norte e o Sul (de 64% para 38%) e pelopoder econômico dos Estados Unidos (de 39% para 15%).

Em relação à inserção brasileira na economia internacional,as duas pesquisas permitem traçar um quadro de substancialcontinuidade. A maioria dos entrevistados continua a atribuirimportância às negociações multilaterais de comércio e a verde maneira positiva uma crescente inserção brasileira na eco-nomia internacional. Em 2001, o cerne de nossa agenda inter-

nacional tinha a ver com a economia mundial; na de 2008, o au-mento de nossa participação nos mercados mundiais continuaprioritário, haja vista o apoio de 42% à promoção de nova ro-dada de liberalização do comércio exterior do Brasil. Para bemapreciar a significação desta última cifra, é mister lembrar quedois dos objetivos classificados como prioritários pelos entre-vistados em 2001 foram atingidos. São eles: "promover o co-mércio exterior e reduzir o déficit comercial do País", apontadopor 73% dos entrevistados, e "apoiar nova rodada de negocia-ções na Organização Mundial do Comércio", por 55%.

Integração Regional

A comparação entre os dois levantamentos evidencia o fortedesgaste do projeto Mercosul. Em 2001, a quase totalidade (91%)dos entrevistados via benefícios no acordo, posição hoje susten-tada por uma maioria menos expressiva (78%). Acreditava-setambém que o Mercosul era necessário para aumentar o poder de

Joedson Alves/AE

Luis Echeverria/AFP

De cimapara baixo,

presidente Luladesfilando

em Dacar, noSenegal; naGuatemala,

tocandomarimba; e nafoto oficial da

34ª Cúpula dospresidentes

do Mercosul.

Fábio R. Pozzebom/ABr

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45MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

barganha do Brasil em negociações internacionais (72%). Em2008, praticamente a metade (49%) afirma que o Brasil tem pesopróprio para negociar, sendo de apenas 38% a parcela que valo-riza o apoio do Mercosul.

Variações dignas de nota podem também ser percebidas noque tange ao formato do Mercosul. A maioria (52% em 2001,51% hoje) continua a apoiar a transformação do Mercosul emmercado comum, ao estilo da União Europeia. No entanto, so-mente um em cada quatro concordam em mantê-lo comounião aduaneira (a proporção caiu de 43% para 25%). Na outraponta, aumentou cinco vezes (de 4% para 21%) o número dosque preferem reduzi-lo a uma área de livre comércio.

Política Externa e Representação de Interesses

Durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lu-la da Silva, a política externa do governo abriu numerosasfrentes de atuação, sem condições de dedicar a atenção neces-sária a todas elas, do que advieram negativas da parte dos for-madores de opinião e mesmo de titulares de funções públi-cas. Embora sejam em geral positivas, as opiniões sobre a po-lítica externa do atual governo apresentam-se mais polariza-das que as registradas em 2001 a respeito da política dopresidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, 62% ava-liavam a política externa como "ótima ou boa", contra 12%que a consideravam "ruim ou péssima". No governo Lula, ospercentuais são 46% e 21%, respectivamente.

No tocante à representação de inte-resses, o quadro que emerge das pesqui-sas sugere uma queda no nível de aten-ção dado pelo Itamaraty a opiniões epropostas de interlocutores – isto tantono caso de interlocutores situados emoutros setores do próprio governo ou node interlocutores externos. No caso de"outros ministérios do governo fede-ral", a percepção de que o Itamaraty dá aeles "muita atenção" caiu de 57% em2001 para 36% hoje. A mesma tendênciadeclinante pode ser observada em rela-ção aos meios de comunicação (46% pa-ra 30%), associações empresariais (49%

para 39%), opinião pública (28% para 21%) e organizações não-governamentais (18% para 14%). A atenção concedida ao Con-gresso Nacional foi percebida como estável no nível de 30%, eascendente em relação aos sindicatos de trabalhadores (6% para11%) e a universidades e centros de estudo (14% para 18%).

Tradicionalmente, a política externa tem sido atribuiçãoexclusiva do Poder Executivo, cabendo ao Congresso Nacio-nal apenas ratificar as decisões tomadas. Em 2001, 54% dosentrevistados recomendavam negociação prévia com o Con-gresso, a fim de limitar a margem de arbítrio do Executivo,contra 46% favoráveis à manutenção da existente divisão depapéis e prerrogativas. A pesquisa de 2008 registra uma in-versão: a maioria (54%) defendendo as prerrogativas do Exe-cutivo contra um terço (38%) preconizando uma maior par-ticipação do Congresso Nacional.

O cientista políticoAmaury de Souza acaba

de lançar o livroA Agenda Internacional

do Brasil, editado pelaCampus-Elsevier e Cebri.

A obra de Souza reveladiversos números, baseados

em estudos realizadospelo Centro Brasileiro deRelações Internacionais,

mostrando um panorama decomo vem evoluindo a

política externa brasileira.

Dmitry Kostyukov/AFP

De cima para baixo,Lula com os presidentes

Dmitry Medvedev,da Rússia, Hu Jintao,

da China, e com oprimeiro ministro da Índia,

Manmohan Singh;Lula com o presidente

francês Nicolas Sarkozy;e com o presidente

dos EUA, Barack Obama.

Eric Feferberg/AFP

Ricardo Stuckert/Reuters

Page 46: Digesto Econômico nº 453

46 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Por que Chávezestá confiscandoempresas?

AlejandroPenã EsclusaEngenheiro e políticovenezuelano, foicandidato à presidênciado seu país em 1998.Hoje dirige a ONGFuerza Solidaria e aUnoAmérica – Uniónde OrganizacionesDemocráticas deAmérica. Autorde O Continenteda Esperança.

Lulu

di/L

uz

Tradução:Domingos Zamagna

Kimberly White/Reuters

Page 47: Digesto Econômico nº 453

47MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

Durante os últimos meses hou-ve ataques muito graves àpropriedade privada na Ve-nezuela. Essas agressões se

apresentam sob diversas modalidades.A que passa mais despercebida, por

ser aparentemente legal, é o controledos preços, que obriga os empresários avender seus produtos abaixo do custode produção. As grandes empresas atéque podem remediar a medida, com-pensando as perdas com avenda de bens não controla-dos; já os pequenos empresá-rios se veem obrigados a fe-char as portas. De fato, duran-te os dez anos de governo deChávez, quarenta e cinco porcento das indústrias fecha-ram as portas.

O segundo ataque contra apropriedade provém do cri-me organizado, em que sedestaca a guerrilha colombia-na, a qual opera impunemen-te nas regiões fronteiriças deApure, Barinas, Táchira e Zu-lia. Como se sabe, Chávezmantém uma proximidadeideológica com as FARC (For-ças Armadas Revolucioná-rias da Colômbia), inclusiveguardando um minuto de si-lêncio logo que soube da mor-te de Raúl Reyes, razão pelaqual muitos venezuelanos as-seguram que há cumplicida-de entre governo e guerrilha.

A terceira modalidadesão as invasões de terrasprodutivas e, também, edifí-cios de apartamentos, favo-recidas e amparadas por setores ofi-ciais. Os proprietários invocam a lei,mas mesmo quando os juízes decidema seu favor, os corpos de segurança doEstado permanecem inermes quandose trata de reintegração de posse. Chá-vez se manifestou publicamente, so-bretudo nas últimas semanas, contra apropriedade privada.

O quarto esquema de agressão con-siste em não pagar as empresas terceiri-zadas pelo Estado, levando-as à falên-cia. Há uma crise de pagamento no setorpetrolífero, elétrico, alimentício, de in-fraestrutura e em geral de todas as em-

presas que precisam de divisas estran-geiras para operar. É voz comum dizerque, com a baixa dos preços do petróleoe os compromissos políticos internacio-nais, o governo venezuelano carece dedólares para honrar suas obrigações.

A quinta forma de atentar contra apropriedade consiste nas expropriaçõese confiscos. A diferença entre uma e ou-tra reside em que nas primeiras se paga, enas segundas, não. Na Venezuela, po-

Mesmo que o governo diga que sãoexpropriações, a forma militar e agres-siva como são tomadas as instalações,assim como as promessas de paga-mento pouco claras, indica que se tra-ta, de fato, de confiscos. Tudo o queaqui se refere, no momento em que sãoescritas essas linhas, está causandouma crise social em suas regiões, poisas medidas produziram em torno devinte mil desempregados.

A indústria petrolífera ve-nezuelana sofre uma perda in-calculável com os confiscosem Zulia, porque se trata deempresas que durante 60 anosdesenvolveram uma grandecapacidade tecnológica, con-vertendo-se realmente emcompanhias de engenharia deponta, capazes de desenharplataformas petrolíferas econstruir refinarias. O valorprincipal dessas empresas nãosão os seus multimilionáriosativos materiais, mas o conhe-cimento e a experiência, agorairremediavelmente perdidos.

O ataque à propriedadeprivada tem um móvel polí-tico. O governo Chávez sabeperfeitamente que a derro-cada do preço do petróleopode dar origem em curtoprazo a uma crise financeirae, como consequência, umacrise de governabilidade. Ooficialismo acredita equivo-cadamente que, controlan-do os meios de produção,poderá ir avante, sem perce-ber que está jogando lenha

na fogueira, pois as empresas confisca-das não aumentam sua produção; pelocontrário, sua produção despenca. Es-te é um claro exemplo de como o socia-lismo marxista atua como cabra-cega,impedindo que se vejam os mais sim-ples aspectos da realidade.

As agressões contra o empresariadovenezuelano coincidem com a feroz per-seguição contra os adversários políticosdo governo. Chávez quer acabar com to-da forma de dissidência para assim poderreprimir com mão de ferro, e sem oposi-ção política, os protestos de ordem social eeconômica que se avizinham.

rém, essa diferença não é clara, porqueem muitas expropriações o pagamento étardio, duvidoso e, mesmo em caso po-sitivo, é praticamente anulado com pa-péis estatais desvalorizados.

O governo Chávez confiscou empre-sas dos setores cimenteiro, alimentício,metalúrgico, de comunicações, paramencionar somente alguns.

Mas nas últimas semanas o governoestrangulou as terceirizadas petrolífe-ras, particularmente 76 delas situadasna Zona Oriental do Lago de Maracai-bo (Cabimas, Ciudad Ojeda, Bacha-quero e Mene Grande).

Chávez se manifestou publicamentecontra a propriedade privada.

Maria Cecilia Toro/Reuters

Page 48: Digesto Econômico nº 453

Sinais positivosna balança comercialdo agronegócio

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Sinais positivosna balança comercialdo agronegócio

Page 49: Digesto Econômico nº 453

Divulgação

Antonio CarlosLima Nogueira

Mestre em Administração pelaFEA-USP, mestre e graduado em

Engenharia agrícola pelaUnicamp, professor na pós-

graduação da Faculdade deTecnologia de São Paulo econsultor em agronegócio

Page 50: Digesto Econômico nº 453

50 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

O agronegócio brasileiro estámelhorando seus resultadosno comércio internacional,após o primeiro impacto da cri-

se econômica global. Com base em dados di-vulgados pelo Ministério da Agricultura eAbastecimento, é possível analisar a evolu-ção recente e a situação atual da balança co-mercial do agronegócio. Ainda que os valoresagregados apresentem uma recuperação pa-ra patamares próximos aos do ano passado,algumas mudanças relevantes ocorreram nacomposição dos fluxos, considerando-se asregiões compradoras, produtos e variaçõesde preços e quantidades.

No mês de abril de 2009 as exportações to-talizaram US$ 5,483 bilhões, o que represen-tou uma redução de 4,7% em relação ao mes-mo período do ano anterior. As importaçõesforam de US$ 679 milhões, ou 13,4% de redu-ção. Como resultado, a balança comercial doagronegócio registrou um superávit de US$4,804 bilhões. Assim, diminuíram os valoresdas exportações e das importações, só que asimportações caíram mais do que o dobro doque as exportações.

O resultado está alinhado com a análise deOctavio de Barros, diretor de Pesquisas Eco-nômicas do Bradesco, em entrevista à Folhade São Paulo (15/05/2009). Para ele, a grandeparticipação da China e de commodities napauta de exportações do Brasil impulsiona-rão um aumento do saldo comercial do País

em meio à crise econômi-ca. Ele espera um saldo nabalança comercial brasi-leira de US$ 29,4 bilhõesneste ano, mais que osUS$ 24,7 bilhões registra-dos no ano passado. As-s i m c o m o o c o r re u n oagronegócio, a expectati-va de Barros é de que aqueda nas importaçõesbrasileiras seja maior quea das exportações nesteano, de 31,5% e 25,2%, res-pectivamente.

Na balança comercialdo agronegócio em abril,os setores que apresenta-ram maiores taxas de cres-cimento em relação aomesmo mês do ano passa-do foram: complexo soja(12,2%), complexo su-croalcooleiro (21,1%), ani-

mais vivos (14,6%) e produtos apícolas(113,7%). Considerando os grupos de produ-tos mais importantes da pauta exportadora,apresentaram variações negativas as exporta-ções dos setores de carnes (-11,3%), couros eseus produtos (-49,4%), produtos florestais (-10,9%) e café (-12,2%). Para se compreendercomo esses resultados em valores monetáriosforam atingidos, é interessante observar os ba-lanços em termos de quantidades e preços ne-gociados nas principais categorias da balançacomercial do agronegócio brasileiro.

As exportações do complexo soja apresen-taram elevação de 12,2%, com US$ 2,087 bi-lhões. A receita com a exportação de grãos foide US$ 1,542 bilhão, resultante do aumento de34,3% na quantidade e redução de 17,8% nospreços. A receita com farelo de soja foi 47%maior, resultado de um aumento de 58,2% naquantidade e queda de 7% nos preços. Os va-lores exportados de óleo de soja apresentaramqueda (-28,5%), com elevação de 27,1% no vo-lume e queda de 43,7% nos preços. Cabe des-tacar a melhoria qualitativa na composição dacategoria, com aumento dos volumes exporta-dos de farelo e de óleo, com potencial melhorianas margens por serem produtos de maior va-lor agregado do que o grão.

A receita de exportações de carnes dimi-nuiu 11,3%, com US$ 970 milhões em abril de2009. As receitas de exportação de carne bo-vina in natura diminuíram 19,5%, com US$248 milhões, resultado de uma queda de

Joel da Silva/Folha Imagem

A receita deexportações decarnes diminuiu

11,3%, comUS$ 970 milhõesem abril de 2009.

Page 51: Digesto Econômico nº 453

51MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

15,4% no preço médio euma redução de 4,9% naquantidade embarcada.As receitas de exportaçãode carne de frango in na-tura apresentaram cresci-mento (4,2%), resultantedo aumento da quantida-de exportada (28,2%),que mais do que compen-sou a queda de preços (-18,7%). As vendas de car-ne suína apresentaramredução de 22,8%, emfunção da redução dospreços (28,5%) e aumentoda quantidade exportada(8,1%). Para os próximosmeses são esperados re-sultados negativos para ocomércio de carne suína,em razão da ameaça deepidemia entre os sereshumanos da gr ipe "AH1N1", inicialmente denominada "gripe suí-na", que teve origem no México.

O valor das exportações do complexo su-croalcooleiro apresentou crescimento de21,1% (passando de US$ 411 milhões paraUS$ 498 milhões). Esse crescimento é em fun-ção das exportações de açúcar, que cresceram47,9%, atingindo a cifra de US$ 405 milhões.Houve aumento tanto de preço como dequantidade nas exportações do produto, res-pectivamente de 8,2% e 36,7%. As exporta-ções de álcool tiveram redução, em dólares,de 32,2%, totalizando US$ 93 milhões, resul-tante da redução tanto da quantidade (-13%)quanto do preço (-22%).

Em relação a abril de 2008, as exportaçõesdo agronegócio aumentaram em abril de2009 para a África (24,2%), Ásia (excluindo oOriente Médio) (+20,9%) e Oriente Médio(33,1%). Para as demais regiões, o impacto dadesaceleração econômica mundial se fez re-fletir sobre o valor das vendas externas. O fa-to relevante é que a Ásia aumentou a sua par-ticipação nas exportações do agronegóciobrasileiro, de 28,2% para 32,6%, passando aocupar a primeira posição, seguida pelaUnião Europeia (27 países), cuja participaçãocaiu de 32,3% para 27,7%.

Entre os países de destino das exportaçõesdo agronegócio, destacaram-se pelas taxas po-sitivas de crescimento as exportações paraChina (20,1%), Japão (46%), França (14,5%),Coreia do Sul (36,4%), Arábia Saudita (33,9%)

e Irã (140,3%). A China mantém a primeira po-sição em participação nos valores totais, comum aumento de 16,5% para 20,7%, enquanto osegundo colocado, os EUA, apresentou quedade 8,2% para 6,9%.

Essa concentração de vendas para a Chinatambém se observa na balança comercial geraldo Brasil, visto que este país passou a respon-der por 13% do volume exportado, superandoos Estados Unidos. Conforme o economistaOctavio de Barros, enquanto a importação to-tal da China caiu 22,8% em abril sobre o mesmomês de 2008, a entrada de produtos brasileirosno país aumentou em 68%. Para ele, o Brasiltem se beneficiado da retomada do crescimen-to da China, marcada pela expansão do mer-cado doméstico e pelos investimentos em in-fraestrutura, que demandam uma grandequantidade de matéria-prima.

Apesar dos resultados agregados em valoresserem inferiores aos obtidos em abril de 2008,observa-se uma tendência de recuperação dosaldo da balança em relação à queda ocorridano fim do ano passado. Os resultados são posi-tivos em relação às expectativas negativas noinício da crise, mas não se podem ignorar as im-plicações da concentração das exportações empoucos produtos e países para a competitivida-de internacional do setor e a ameaça da valori-zação do real em relação ao dólar.

A concentração da balança comercial doagronegócio em poucos produtos é uma si-tuação observada ao longo da história do

Nelson almeida/AFP

O valor dasexportações do

complexosucroalcooleiro

cresceu de 21,1%,passando de

US$ 411 milhões paraUS$ 498 milhões.

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País e nas últimas décadas foi intensificadaem relação ao complexo soja. Alguns esfor-ços têm sido feitos pelo setor privado e pelogoverno para a diversificação da pauta de ex-portações, principalmente com a participa-ção em feiras internacionais para divulgar osprodutos brasileiros. Um exemplo é o cresci-mento das exportações de produtos apícolasem 113,7%, já citado. Entretanto, ainda nãoocorreu uma mudança estrutural na balançacomercial, visto que o principal direciona-dor das exportações nos anos recentes foi abolha de crescimento global, encerrada emsetembro de 2008.

No momento atual, a concentração dapauta de exportações, normalmente desfa-vorável, representa um fator positivo para arecuperação das contas externas brasileiras,

em razão da recente recuperação econômicada China após o primeiro impacto da criseeconômica e consequente aumento das im-portações do complexo soja. Entretanto, osresultados de abril indicam que a concentra-ção da balança comercial do agronegócio au-mentou também quanto aos países de desti-no, pelo mesmo motivo.

O aumento da vinculação do desempenhoda balança comercial do agronegócio às ven-das do complexo soja para a China, apesar doalívio momentâneo que possa oferecer, envol-ve alguns riscos. Este país depende de expor-tações de manufaturados para financiar seucrescimento, apresenta enormes disparidadesde renda e uma grande população rural aindafora do mercado de consumo. Dadas as pers-pectivas de recessão nos compradores dosseus produtos industrializados, como EUA eos países da Europa, existem claras limitaçõesao crescimento da China com base em seu mer-cado interno no curto prazo.

Além da baixa renda média da população, amanutenção de níveis elevados de crescimen-to na China tem gerado problemas ambientaiscom a emissão de gases de efeito estufa pelouso de combustíveis fósseis (petróleo e car-vão), esgotamento de recursos hídricos e po-luição do ar. Apesar da baixa organizaçãoatual da sociedade chinesa para articular solu-ções, esses temas têm sido cada vez mais ques-tionados pela sociedade em âmbito global epor organismos multilaterais.

O aumento nos volumes exportados a pre-ços inferiores, observado em alguns produtos,pode ter sido favorecido pela desvalorizaçãodo real ocorrida no período. Entretanto, já seobserva um movimento de valorização damoeda neste mês. A percepção das melhorescondições macroeconômicas do Brasil parasuportar os efeitos negativos da crise globaltem provocado a volta dos investidores inter-nacionais ao mercado de capitais brasileiro.Além disso, a queda generalizada das taxas dejuros nos países desenvolvidos torna a taxa dejuros básica brasileira, de 9,25%, extremamen-te atrativa para os capitais especulativos.

Esse processo provavelmente está contri-buindo para a valorização do real que, se pros-seguir, poderá colocar em risco os recentesavanços na balança comercial do agronegócio,além de prejudicar a renda do setor. A deterio-ração na capitalização do produtor poderá afe-tar sua capacidade de custear o plantio da safra2009/2010, em uma conjuntura esperada deescassez de crédito das agroindústrias, empre-sas de insumos e tradings.

Ayrton Vignola/Folha Imagem

A deterioraçãona capitalização

do produtorpoderá afetar sua

capacidade decustear o plantio dasafra 2009/2010.

Fernando Donasci/Folha Imagem

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Abelhasbrasileirasnas alturas

Paulo Pampolin/Hype

Adriana David

O setor apícola brasileiro está em es-tado de graça. As fortes vendas demel para o exterior, principalmentepara os Estados Unidos que agora é o

principal comprador do produto brasileiro – pos-to antes ocupado pelos países da UniãoEuropeia – é a razão para a comemo-ração. Nos primeiros quatro me-ses do ano, o Brasil exportouUS$ 25 ,728 mi lhões em10,586 mil toneladas demel. Os dados são do Mi-nistério do Desenvolvi-mento, Indústria e Co-mércio Exterior (Mdic).

O resultado já supera odesempenho do primeiroquadrimestre de 2004 (US$ 20milhões), dois anos antes de aUnião Europeia aplicar embargo aoBrasil ao constatar, em 2003 e 2005, que oMinistério de Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento (Mapa) não havia cumprido o cronograma para im-plantar o Plano Nacional de Controle de Resíduos (PNCR),que certifica o mel brasileiro exportado para a Europa. Em to-do o ano de 2004, o Brasil embarcou 21 mil toneladas de mel,que geraram US$ 42 milhões.

Mesmo com o fim do embargo, as vendas para os EstadosUnidos continuam altas. As vendas para o país norte-ameri-cano somaram 15,941 milhões de janeiro a abril, quase o dobrode igual período de 2008, quando foram embarcados US$ 8,673milhões em mel. Os Estados Unidos foi responsável por 73%da importação do mel brasileiro em 2008.

As exportações para a União Europeia foram retomadas,

mas ainda não se aproximam do mesmo desempenho de anosatrás. Foram exportados cerca de US$ 9 milhões nos primeirosquatro meses de 2009 e no mesmo período de 2004, foram em-barcados o equivalente a US$ 19 milhões em mel.

A projeção da Associação Brasileira de Expor-tadores de Mel (Abemel) é vender US$ 83

milhões em mel, contra US$ 43,5 mi-lhões negociados no ano passa-

do. "Além da retomada dasexportações para a Europa,

há aumento de consumomundial de mel, decor-rente dos cuidados que apopulação tem com a saú-de", afirma a presidente

da entidade, Joelma Lam-bertucci de Brito.Segundo Joelma, o grande

gargalo é a exigência de casa demel (apiário) registrada no MAPA,

que tem alto custo, e a dificuldade de ex-pandir as exportações ao mercado europeu,

que é o melhor mercado para o produto. "Os órgãos gover-namentais deveriam estabelecer políticas públicas de desen-volvimento e criar um bom senso quantos às exigências queestão sendo muito pesadas e de alto custo ao setor", diz.

Com o embargo, além de passar a vender para os EstadosUnidos, o Brasil buscou novos mercados, como Japão, quealém de mel, compra quase toda a produção nacional de cerade abelha, própolis, pólen e geléia real. Esses últimos produ-tos têm pouco peso na composição de exportação do setor. en-tre 10% e 15%. Alguns exportadores também começaram atentar embarcar mel envasado, que tem mais valor agregadoque o mel em tambor.

Itamar Miranda/AE

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O INPE noséculo 21:Desafios eOportunidades

O INPE noséculo 21:Desafios eOportunidades

Divulgação

Gilber toCâmaraDiretor do InstitutoNacional dePesquisas Espaciais

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Vista aéreada GrandeSão Paulo

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56 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

V ivemos num mundo onde os progressos na qualida-de de vida e no bem-estar pessoal, social e ambientaldependem cada vez mais da produção de conheci-mento. Esse desafio de gerar conhecimento com qua-

lidade é ainda mais intenso para países em desenvolvimento,como o nosso Brasil. É preciso antecipar o futuro e ter a cora-gem de fazer as escolhas certas hoje.

Na trajetória brasileira de conheci-mento, inovação, indústria e cultura,quase tudo acontece tardiamente, nãoraro com atraso de muitas décadas. Nos-sa história registra uma enorme defasa-gem entre as mudanças em países desen-volvidos e sua introdução no Brasil.

Machado de Assis escreveu Brás Cu-bas, o primeiro romance realista brasileiro, 40 anos depois daComédia Humana de Balzac. A estética das músicas de Villa-Lobos apresentadas na semana de Arte Moderna de 1922 é her-deira direta das peças de Debussy e Fauré, de 1890. Foi apenasem 1946 que montamos a Companhia Siderúrgica Nacional,nossa primeira usina de aço, tecnologia já bem estabelecida naEuropa e nos Estados Unidos no final do século 19.

Em 1945, as bases da moderna ciência nos EUA foram pro-postas no relatório de Vannevar Bush, "Science: The EndlessFrontier". Do nosso lado, o pleno estabelecimento da ciência

brasileira acontece apenas no final do século 20, com programasde pesquisa e pós-graduação qualificados. Enquanto isso, omundo avançou. No século 21, tornou-se mais competitivo emais conectado. Hoje sabemos que o esforço de formar recursoshumanos qualificados e de produzir pesquisa de qualidade nãoé suficiente para, por si só, gerar riqueza. No mundo desenvol-vido, já existe uma outra visão. Os países desenvolvidos aumen-tam cada vez mais sua riqueza por serem capazes de incorporaro progresso técnico às suas economias. Eles sabem transformar

o conhecimento em benefícios sociais e econômicos deforma sistemática e eficiente.

O Brasil não pode ficar indiferente a essasmudanças. Por isso, o papel de institutos

nacionais como o Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (INPE) é cada vezmais importante. No mundo inteiro, as

instituições de Ciência e Tecnologia fazem parte dos bens na-cionais mais preciosos.

O INPE é hoje reconhecido pelo governo e pela sociedade bra-sileira como um centro de excelência nacional. Somos responsá-veis pelos modelos operacionais de previsão de tempo e clima pa-ra o Brasil. Também fazemos o monitoramento diário do desma-tamento da Amazônia por satélite. Os satélites sino-brasileiros desensoriamento remoto (CBERS) são considerados um modelo decooperação tecnológica avançada entre países em desenvolvi-

O INPE é hoje um centro de excelência

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mento. Somos respeitados internacionalmente por nossa pesqui-sa e nossa tecnologia. A revista "Science" publicou um editorialem que diz que "o sistema de monitoramento do desmatamentodo INPE é invejado pelos outros países do mundo".

O prestígio e a capacidade já demonstrados pelo INPE au-mentam muito nossa responsabilidade. E nosso futuro depen-de de nossa capacidade de antecipar desafios. E quais são essesdesafios? Primeiro, o desafio do desenvolvimento sustentávelem meio a uma crise ambiental global. Podemos ter um paísdiferenciado, se usarmos nosso território para crescer sem des-

truir os recursos naturais. Temos de ser, ao mesmo tempo, lí-deres mundiais em biocombustíveis e no combate ao desma-tamento. Temos ainda de saber como as mudanças climáticasglobais irão nos afetar e como poderemos nos adaptar.

O segundo desafio é estabelecer um sistema de inovação. Nãoadianta apenas gerar conhecimento desinteressado, segundo omodelo dos EUA dos anos 50. Não podemos esperar mais 50 anospara descobrir o que os países desenvolvidos sabem hoje: ativi-dades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) associadas a avan-ços tecnológicos são essenciais para gerar competitividade.

Imagem de satélite da cidade de Manaus

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O terceiro desafio é a redução das desigualdades sociais. Ocontraste entre miséria e riqueza não será vencido apenas comprogramas de transferência de renda. Precisamos de instituiçõespúblicas eficientes, que saibam onde, como e porque alocar os li-mitados recursos de investimento de que dispomos. Sem um Es-tado de qualidade, nunca sairemos do subdesenvolvimento.

Qual o missão do INPE no século 21? Como as competênciase as capacidades do INPE responderão a esses três grandes de-safios nacionais? Esses foram os desafios colocados à comuni-dade em nosso Planejamento Estratégico (PE), concluído em2007. Partimos de duas questões instigantes: "Como fazer oprograma espacial ter o tamanho do Brasil? Como organizar oINPE para gerar resultados de impac-to?". A partir delas, promovemos umexaustivo, amplo e participativo proces-so de debate. Nele, discutimos nossa his-tória, examinamos alternativas, analisa-mos cenários. Mais que tudo, descobri-mos muito sobre nós mesmos.

Hoje, sabemos muito melhor quais sãonossas dúvidas e quais as perguntas cer-tas a fazer. E cientistas e engenheiros precisam mais de boas per-guntas do que de respostas prontas.

Temos um norte. Pactuamos uma estratégia central. Paraque o programa espacial tenha o tamanho do Brasil, o INPEtem de ser capaz de atender e antecipar as demandas de de-senvolvimento e qualidade de vida da sociedade brasileira. Osresultados de impacto do INPE devem ser uma combinaçãovirtuosa de excelência com relevância. Valorizamos nossa plu-ralidade, pois é a diversidade de competências que nos permi-te dispor de equipes cooperativas interdisciplinares, impres-cindíveis para resolver problemas complexos.

Nosso compromisso com o Brasil e nossa responsabilidadecívica fazem com que o INPE tenha contribuições diferencia-

das para os grandes desafios nacionais. Nossa contribuiçãopara o desafio do desenvolvimento sustentável inclui nossosprogramas de satélites de observação da terra e suas aplica-ções, e nossas competências em tempo, clima e mudanças glo-bais. São serviços e conhecimentos que só o INPE possui. Que-remos ser a referência mundial em P&D espacial e do ambienteterrestre para todos os problemas científicos que acontecemnas regiões tropicais do planeta.

Também queremos ter um papel importante no estabele-cimento de um sistema nacional de inovação. Nosso PE reco-menda que a janela de planejamento de satélites seja de pelomenos duas décadas. Com isto, poderemos planejar o desen-volvimento tecnológico necessário para implementar o nos-so programa de satélites e ampliar a nossa ação como motor

de inovação.Passamos a projetar famílias de satélites, com

consequente economia de escala e capaci-dade de incorporar novas tecnologias

de forma gradativa. Queremos ter pro-gramas de satélites consistentes. Com

uma política industrial inteligente,as demandas do INPE fortalecerão

as indústrias e ampliarão a inovação no Brasil. Ao partilharde nossa visão de longo prazo, as indústrias poderão se di-versificar e transferir as inovações geradas na área espacialpara múltiplos segmentos de mercado.

Finalmente, queremos dar respostas importantes para o de-safio de reduzir as desigualdades no Brasil. De forma direta,nossos produtos serão instrumentos essenciais para políticaspúblicas em áreas como energia, agricultura, ecossistemas,saúde, segurança, gestão de cidades e planejamento territo-rial. O mais importante, porém, é a contribuição intangível.

Que melhor contribuição podemos dar para a sociedade doque mostrar que é possível ter no Brasil instituições estatais de

O INPEquer ser

referênciaem P&D

espacial e doambienteterrestre

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qualidade? Que melhor exemplo de um Brasil que sonhamosdo que um INPE sério, dedicado e com qualidade? Somentecomo instituições públicas estáveis e com visão de longo prazoé que construiremos um País mais justo, menos ineficiente emais solidário. O Brasil precisa do INPE. O INPE precisa e po-de responder ao Brasil.

A relação de 20 anos que o instituto tem com a China, para odesenvolvimento de satélites, tem muitas vantagens. Uma de-las é estar exposto a uma cultura que pensa a longo prazo. SunTzu, o grande general e estrategista chinês, escreveu há 2.500

anos: "Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, nãoprecisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhecemas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerátambém uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nema si mesmo, perderá todas as batalhas."

Hoje o INPE conhece muito melhor a si mesmo, e conhecetambém melhor o mundo em que estamos inseridos. Daí por-que nos enchemos de coragem e confiança para enfrentar asmuitas batalhas que teremos pela frente. Estamos a construiruma nova instituição para um novo século.

Imagem de Santa Catarina vista do espaço

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Ganham o trabalhador ...Wesley Alisson/Hype

Fotos: Paulo Pampolin/Hype

A economia informal vai diminuir de tamanho noBrasil. Sob o lema "Vale a Pena Ser Legal", entraem vigor no dia 1º de julho a nova figura jurídicainserida no Simples Nacional, o MEI, sigla de

Microempreendedor Individual. Integrantes do governo eda iniciativa privada classificam a chamada lei doempreendedor individual como uma das mais avançadasno mundo em termos de simplificação e menor custotributário. Não sem razão, promete tirar da informalidadecerca de 10,3 milhões de trabalhadores autônomos queganham até R$ 36 mil por ano, sendo 3,5 milhões só noEstado de São Paulo. Esses brasileiros não pagam impostos,não têm cobertura da Previdência Social e, tampouco,registro empresarial. À margem da legislação, eles nãopodem comprovar renda e, portanto, têm dificuldade paraobter crédito e tocar de forma satisfatória seus negócios,que não entram no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB)por serem clandestinos.

A nova figura jurídica foi desenhada de forma a eliminardois grandes obstáculos à formalização de pequenosnegócios no País: a alta carga tributária e a burocracia.

A inscrição do empreendedor, por exemplo, será feita pelainternet em 30 minutos. Outro atrativo é que os optantesvão pagar valores mensais e fixos de impostos que nãoultrapassam R$ 60 por meio de um carnê. Nesse montanteestá incluído um imposto estadual, um municipal, caso sejaprestador, e a contribuição ao Instituto Nacional de SeguroSocial (INSS). Fazendo a inscrição, os novos empresáriosterão direito a benefícios previdenciários e acesso efacilidade de obter crédito.

Os planos do governo com a novidade são ambiciosos. Aexpectativa é chamar para a formalidade perto de 1,1 milhãode trabalhadores até o final de 2010. De concreto, está sendodesenvolvido um portal exclusivo para receber essesempreendedores, o portaldoempreendedor.gov.br. O portalentrará em funcionamento em breve, antes do dia 1º de julho.

As primeiras resoluções sobre o funcionamento da novafigura jurídica também já foram publicadas, como a listadas atividades que poderão se enquadrar no SimplesNacional. São mais de 170 atividades das mais diversas,como manicures, cabelereiros, alfaiates, costureiras,vendedores ambulantes, jardineiro, limpador de piscina,

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... e o governoentre outros. Esses novos empresários poderão contratarum empregado, no máximo, e, para isso, deverão recolher àPrevidência Social. Não precisarão emitir documento fiscalna venda de produtos ou serviços, mas deverão guardar asnotas de matérias-primas compradas para exercer suaatividade. Outro ponto em favor da simplificação é que nãoprecisarão fazer a escrituração fiscal que, além de tomartempo, tem custo elevado.

A ideia de um projeto para tirar da informalidadecontingente expressivo de trabalhadores sem qualquervínculo com órgãos do governo, mas que movimentam, emuito, a economia informal, obteve consenso dentro e forado governo. A votação no Congresso ocorreu de formatranquila e hoje pelo menos três órgãos concluem os últimosdetalhes para fazer valer a lei, com a participação de líderesdo setor da contabilidade. São eles o Ministério daPrevidência Social, o Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio e a Receita Federal.

No primeiro ano de vigência da lei, os novos empresáriosreceberão orientação gratuita dos escritórios contábeisoptantes do Simples Nacional. São mais de 20 mil deles

espalhados pelo Brasil. Caberá aos profissionais dacontabilidade, ainda, a elaborarem a primeira declaraçãodo Imposto de Renda desses trabalhadores. A orientaçãogratuita foi uma das condições impostas pelo governodurante o aperfeiçoamento da Lei Geral das Micro ePequenas Empresas, no Congresso, para que a categoriapudesse migrar de anexo na tabela do Simples Nacional,com custo tributário menor.

Se depender da vontade desses trabalhadores, osescritórios de contabilidade terão muito trabalho pelafrente. Uma pesquisa feita pelo Serviço Brasileiro deApoio à Micro e Pequena Empresa entre fevereiro e marçorevelou que 75% dos entrevistados estão dispostos aingressar no mercado formal sem qualquer receio. Foramentrevistados 534 trabalhadores autônomos nas principaisregiões metropolitanas do País.

Ao se formalizar, o empreendedor que atua na indústria ouno comércio vai desembolsar todo mês o equivalente a 11% dosalário mínimo, ou R$ 51,15, em valores de hoje, para o InstitutoNacional do Seguro Social (INSS), mais R$ 1 de Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo de

Sílvia Pimentel

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competência do Estado. O totalserá de R$ 52,15. Já os prestadoresde serviços vão recolher osmesmos R$ 51,15, mais R$ 5 deImposto sobre Serviços (ISS),gerido pelas prefeituras. Nessecaso, o pagamento mensal será deR$ 56,15. E quem exerce atividademista (comércio e serviço) recolhenas três esferas o total de R$ 57,15.Legalizados, no período de umano, esses trabalhadores passam ater direito aos benefíciosprevidenciários, como o auxíliomaternidade, auxílio doença. Se oempreendedor escolher seaposentar por idade, devecontribuir por pelo menos 15 anos.

Candidatos a MEI

O vendedor de massasambulante Rolando Vanucci nãovê a hora de se transformar numMEI. "Quero ser um cidadãolegal", disse. Ele vende pratos daculinária italiana há dois anosnuma kombi estacionada numaloja de lingerie, próximo àAvenida Sumaré. Possui licençada Prefeitura para trabalhar,mas quer se legalizar por umnobre motivo nos dias atuais."Terei a oportunidade deregistrar minha funcionária",explica. Vanucci foi informadopelo seu contador sobre essapossibilidade e promete ser umdos primeiros a acessar o portale registrar o seu negócio.

Caminho idêntico vai seguir oluthier Wolfgang Schmidt. Elefabrica de forma artesanalviolões numa oficina quemantém na própria casa paraestudantes de música erudita.Uma das desvantagens de serinformal é a dificuldade emcomprovar renda para obtercrédito no mercado. Não é bemesse o problema de Wolfgang, jáque costuma comprar suamatéria-prima, a madeira, àvista. "Acho interessante melegalizar por uma questão demarketing", completa.

Na lista de atividades que

Fotos: Paulo Pampolin

No alto, o vendedor de massasRolando Vanucci; à esquerda,

o fabricante de violõesartesanais Wolfgang Schmidt;

e à direita, a taróloga eastróloga Sandra Ayana.

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63MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

poderão ingressar no SimplesNacional preparada pela ReceitaFederal, algumas chamamatenção. Astrólogos ecartomantes são algunsexemplos. A taróloga e astrólogaSandra Ayana achouinteressante a ideia e vai avaliaras vantagens da adesão. "Achoque essa legislação vai trazerpara a formalidade muitostrabalhadores honestos", avalia.

A costureira Edna dos AnjosSouza mantém uma pequenaoficina em sua casa. Confeccionacortinas, almofadas e serviçosde costura em geral. Seu negócioé informal por causa dosimpostos exigidos e daburocracia a ser enfrentada. Elafez vários cursos no Sebraesobre empreendedorismo epensou, no passado, emregistrar o negócio na cidade deEmbu, onde morava e a alíquotado ISS é mais baixa que dacapital. Desistiu porque semudou para São Paulo. Agora,com a novidade, vai estudar apossibilidade de registrar seuempreendimento. "É uma boaoportunidade e uma dasvantagens é a simplificação, poisa burocracia preocupa eatrapalha", analisa.

O maquiador Alan Andrewtambém é forte candidato aingressar no sistema. Eletrabalha há seis meses por contaprópria numa agência defotografia e não contribui para oInstituto Nacional de SeguroSocial (INSS). "A legislação ébacana porque vai ajudar quemnão consegue comprovarrenda", afirma.

O adestrador Douglas Ricardode Souza treina cães há 10 anos.Não tem empresa registrada e semostrou interessado na adesão ànova figura jurídica. "Acho queum registro empresarial fortificaa minha filosofia de trabalho",avalia. O fotógrafo Euler Paixãotambém ficou entusiasmado coma ideia de ter um CNPJ. Eletrabalha na área há 18 anos.

Fotos: Paulo Pampolin

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Hyp

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No sentido horário, começandopelo alto à esquerda: a costureira

Edna dos Anjos Souza, o maquiadorAlan Andrew, o fotógrafo Euler

Paixão e o adestrador Douglas deSouza. Todos candidatos ao MEI.

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64 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

TERCEIRIZAÇÃO: VAMOSFábio D'Castro/HypeLeonardo Wen/Folha Imagem

O argumento tradicionalmente utilizado parajustificar a terceirização é o do chamado core bu-siness. Segundo esse argumento, a empresa de-veria focar todo o seu esforço nas atividades es-

senciais ao seu negócio e delegar para outros tudo aquilo quenão seja essencial. O que não for essencial para ela pode ser aespecialidade de outra. Contratando essa outra, a empresa ga-nha em eficiência e em competitividade. Por essa linha de ar-gumentação, a empresa deve terceirizar, por exemplo, a segu-rança, a limpeza, a manutenção de equipamentos, o suporte deTI, e assim por diante. O problema desse argumento está exa-tamente no "assim por diante". Muitas vezes não é tão simplesseparar o core business do secondary business. De qualquerforma, há sempre algumas atividades que podem ser delega-das ou terceirizadas, porque a empresa simplesmente não temvantagem em aprender a executá-las. Nestes casos, sua tercei-rização seria uma decisão sensata.

Outro argumento também muito utilizado é o da reduçãode custos: o terceiro pode fazer o serviço com um custo menor.A questão aqui é simples: de onde viria a redução dos custos?Há duas possibilidades: ou a firma terceira é mesmo mais efi-ciente e faz mais com menos, ou então ela paga menores salá-rios e/ou utiliza insumos de menor qualidade. Se a primeirahipótese for a verdadeira, a terceirização se justificaria plena-mente. Mas, se a causa do menor custo for a segunda hipótese,a empresa contratante não fará um bom negócio quando ter-

ceiriza. Na terceirização, em geral, o barato sai caro.O barato sai caro entre outras razões pela possibilidade da

terceirização criar um passivo trabalhista. A empresa tercei-ra muitas vezes é pressionada pela contratante para reduziro preço do contrato. Para não perder o cliente, concorda eacaba numa situação em que o preço cobrado não cobre seuscustos. Para continuar operando, deixa de recolher tributosou então deixa de registrar os empregados terceirizados. Tu-do isso se transforma um dia em reclamações na Justiça doTrabalho, para a qual a contratante é tão legalmente respon-sável quanto a contratada.

Por falar em Justiça do Trabalho, essa instituição tem umavisão bastante peculiar sobre a terceirização. O famoso Enun-ciado 331 do TST, pelo qual nossa corte trabalhista tem se pau-tado, criou a dicotomia atividade-fim e atividade-meio. Deacordo com o Enunciado, nossos juízes consideram a terceiri-zação legal e legítima apenas se a atividade terceirizada for ati-vidade-meio. As atividades-fim não podem ser terceirizadas.A mesma dificuldade que se tem em definir o core business es-tá presente neste conceito. Hoje, as facilidades criadas pela tec-nologia e pela globalização levaram muitas empresas a se or-ganizar segundo o conceito de cadeia produtiva. Nesse con-ceito, a empresa-mãe é apenas uma coordenadora, contratan-do empresas para executar partes do serviço. A soma de todosos serviços contratados resulta num bem ou num serviço ofe-recido pela empresa mãe. Muitas vezes a cadeia produtiva é

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formada por empresas próximas, que podem estar localizadasnuma mesma vizinhança ou até em um mesmo local. Outrasvezes, as empresas prestadoras dos serviços podem estar lo-calizadas em continentes diferentes, embora pertençam a umamesma cadeia produtiva. Os negócios se organizam nos diasde hoje de uma maneira extremamente dinâmica. O conceitode atividade-meio e atividade-fim é claramente desatualizadopara essa realidade.

De onde viria a resistência da Justiça do Trabalho em reco-nhecer a transformação produtiva a aceitar a terceirização?Provavelmente vem da constatação de que, infelizmente,muitas terceirizações de fato deterioram as condições de tra-balho. Para entender melhor esse ponto, talvez valha a penacriar mais uma dicotomia: a terceirização de atividade e a in-termediação de mão-de-obra. Quando a empresa terceirizauma atividade, ela deve abrir mão do controle dessa ativida-de e delegá-la totalmente à empresa terceira. Esse seria o con-ceito correto de terceirização. Se a empresa contratante pre-tender manter a supervisão e o controle sobre os trabalhado-res terceirizados, na verdade não terá terceirizado a ativida-de. Terá apenas contratado um serviço de intermediação demão-de-obra. Terá contratado empregados por meio de umterceiro e, de fato, os empregados terceirizados seriam seusempregados, porque continua exercendo sobre eles o moni-toramento e o controle. Por que a empresa faria isso? Muitasvezes, porque assim procedendo "transfere" seus emprega-

DEPURAR OS DISCURSOS?

dos para a representação de outro sindicato, menos poderosoe menos exigente em termos de negociação das condições detrabalho. Em outras palavras, reduz custos por meio de umexpediente questionável.

Como os sindicatos vêem a terceirização? Na verdade, comalguma ambigüidade. De um lado, manifestam preocupaçãopela terceirização que disfarça a intermediação de mão-de-obra, sob o argumento da chamada precarização. Não deixamde ter razão nesse ponto. Mas a oposição sindical à terceiriza-ção tem outra razão, essa menos explicitada: a disputa pela "ba-se" sindical e pela receita da contribuição sindical. É muito sim-ples: se a terceirização implicar em "transferência" de trabalha-dores para outra representação sindical, o sindicato originalperde membros e receita. É por essa razão que os sindicatospressionam o Congresso para, por meio da regulamentação,restringir a possibilidade de empresas reduzirem salários e di-reitos via terceirização. É a bandeira de salários iguais para ter-ceiros que desempenham funções iguais. Mas, essa bandeirase aplica apenas à terceirização que estou denominando de in-termediação. Como ficaria nessa futura regulamentação a ter-ceirização legítima de atividades?

A conclusão é simples: no debate da terceirização, tanto o dis-curso empresarial quanto o discurso sindical precisariam ser de-purados. A terceirização não é boa nem má; é uma necessidadeem muitos negócios. Reconhecê-la e legalizá-la é tão importantequanto combater a intermediação travestida de terceirização.

Leonardo Rodrigues/e-Sim

Hélio ZylberstajnProfessor da FEA/USP e

presidente do IBRET –Instituto Brasileiro

de Relações deEmprego e Trabalho

Quando a empresaterceiriza umaatividade, eladeve abrir mãodo controledessa atividadee delegá-latotalmente àempresa terceira.Se a empresacontratantepretender mantera supervisão eo controle, nãoterá terceirizadoa atividade.

Milton Mansilha/Luz

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66 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Todo o poderaos ladrões

Olavo de CarvalhoJornalista, escritor eprofessor de Filosofia

No tempo dos militares, centenas de políticospassaram pela Comissão Geral de Investi-gações (CGI) e tiveram suas carreiras encer-radas com desonra, por delitos de corrup-

ção. Ao mesmo tempo, dos generais e coronéis que ocuparamaltos postos na República, nenhum saiu milionário. O patrimô-nio que lhes sobrou é o que teriam adquirido normalmente comseus soldos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate àcorrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado acabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação damídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, de-putados e senadores confessavam que os jornais passavam porcima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Ex-celências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo oque os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sen-tenças condenatórias lavradas nas redações de jornais.

Segunda diferença: o partido que mais devotadamente seempenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras detodos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e as-sim tornando viável, por falta de adversários, a candidaturapresidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já le-vava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, aochegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais ma-jestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de go-verno e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dosladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles.

Essa transformação foi acompanhada de outra ainda maistemível: o crescimento endêmico do banditismo e da violên-cia, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros as-sassinados por ano.

Completando o quadro, a classe política mais canalha que jáse viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, im-pondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo osúltimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem

Div

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ção

O combateà corrupção passou aser ocupação da mídia.

O partido que mais devotamente se empenhou em denunciarcorruptos, foi aquele que, ao chegar ao poder, construiu amáquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos.

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67MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

subsistir na sociedade brasileira.Definitivamente, há algo de errado no

“combate à corrupção” tal como empreen-dido desde o retorno da democracia. Hojeem dia, espetáculos degradantes em que se-nhores de meia-idade, seminus, balançamsuas banhas na Parada Gay são tidos comoo auge da moralidade, o símbolo de direi-tos sacrossantos ante os quais a popula-ção, genuflexa, deve baixar a cabeça e di-zer “amém”. O suprassumo da crimina-lidade reside em empresários que falha-ram em cumprir algum artigo de códigoslabirínticos propositadamente calcula-dos para ser de cumprimento impossí-vel, criminalizando todo mundo de mo-do que os donos do poder possam sele-

rais superpostos: aqueleque a população ingênuaacredita ainda estar em vi-gor, e o novo, revolucionárioe perverso que vai sendo im-posto desde cima com astú-cia maquiavélica e sob pre-textos enganosos.

Nesse quadro, continuarfalando em “corrupção”,dando à palavra o mesmosentido que tinha nos tem-pos da CGI, é colaborar como crime organizado em que setransformou o governo daRepública.

Isso não aconteceria se, juntocom a inversão geral dos crité-rios, não viesse também um sis-temático embotamento moralda população, manipulada poruma geração inteira de jornalis-tas que aprenderam na faculda-de a “transformar o mundo” emvez de ater-se ao seu modesto de-ver de noticiar os fatos. Quandoum país se confia às mãos de umaelite revolucionária, sem saber queé revolucionária e imaginando queela vai simplesmente governá-loem vez de subvertê-lo de alto a bai-xo, a subversão torna-se o novo no-me da ordem, e a linguagem duplatorna-se institucionalizada. Já nãose pode combater a corrupção, por-

que ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão detudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando eprotegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para ca-muflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre queo governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou poruma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum em-presário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu ainvasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e es-tes são apontados à população como exemplos máximos do cri-me e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas enarcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de SãoPaulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impon-do à população o respeito devoto a tudo o que não presta.

O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que aspróprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empre-sários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejascristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventan-do os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nasboas intenções de seus perseguidores. Quando se torna insti-tucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um ve-neno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade pas-siva ou à adesão subserviente.

O jornal Diário doComércio criou oMuseu da Corrupção(MuCo), que podeser acessado no sitewww.dcomercio.com.br

Reprodução

cionar, da massa universal de culpados, aqueles que politica-mente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontraralgum delito escondido.

Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militanteinvertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assas-sinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da socie-dade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta declasses”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vindada mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos ale-gados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela morali-dade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegale sinistra do que os medíocres delitos denunciados.

A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência deum quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claroentre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado,lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais.Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder im-buída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados esadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e LouisAlthusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores mo-rais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pou-co a pouco de modo que logo haverá dois sistemas jurídico-mo-

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68 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

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Bom para os políticos,

Fotos: Reprodução

GetúlioVargas e oEstado Novo:ditadurapopulista,em que eleassumiu opapel degovernantepatriarcal.

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ruim para os pobres

Div

ulga

ção

AugustoZimmer mannProfessor de Direito

da MurdochUniversity,

Western, Austrália.

Publicadono site

Brazzil.com.

Tradução:Tatiana

Silvestre.

O populismo éforte no País

porque muitosbrasileirosfazem umaleitura maisemotiva do

mundo, e estãomais inclinados

a aceitarpromessas

demagógicas.

Valter Campanato/ABr

Ricardo Stuckert/PR

Ricardo Stuckert/PR

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70 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Populismo reflete o estilo retórico de lí-deres políticos que alegam governardiretamente para o povo. No contextoda América Latina, populismo pode

assim ser usado para descrever "movimentosde massa populares... baseados em apelo emo-tivo... e frequentemente organizados em tornode um único líder carismático".

Como afirma o teórico político Carlos Al-berto Montaner: "Populismo é uma tendên-cia ideológica e uma forma de governançaque une todos os erros e vícios políticos des-pudoradamente praticados por latino-ame-ricanos ao longo do século 20: a lei do maisforte, a patronagem, o estadismo, o coletivis-mo e o antiamericanismo".

Políticos cuja vocação pode ser descrita co-mo populista desejam que seu povo os consi-derem dotados de atributos reais ou imaginá-rios de bondade, generosidade, coragem epreocupação pelos pobres. São políticos que

aparentam falar pelo povo, apesar de, como ofalecido historiador José Honório Rodriguesjá tinha observado, problemas sócio-econô-micos no Brasil sejam agravados por causadeles — "falsos líderes do tipo agitador, in-cansáveis e dominados por sentimentos devergonha e culpa".

Durante o período colonial, a Coroa Portu-guesa era excessivamente dependente da aris-tocracia latifundiária para o desenvolvimentoda economia brasileira e para sua segurançamilitar. Donos de terras administravam a Jus-tiça em seu território e tinham suas própriasmilícias com o propósito de manter a ordempública. Como eram independentes da lei vi-gente, tornaram-se protetores patriarcais dapopulação a seu redor.

Por isso, como o professor de história Már-cio Valença aponta, "uma relação do tipo pa-trono-cliente era baseada na troca mútua ena expectativa de ambos os lados de que esta

Reprodução

Durante operíodo colonial,

a CoroaPortuguesa eraexcessivamente

dependenteda aristocracialatifundiária .

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71MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

dependência traria rendimentos futuros. Opatrão provia recursos, proteção e conexãocom o mundo externo... O ‘cliente’ ofereciaapoio e obediência... O sistema patrono-cliente dependia da interação entre indiví-duos e do favorecimento de relações infor-mais e flexíveis.

Com a Proclamação da República, em 15 denovembro de 1889, patrões rurais locais torna-ram-se mediadores entre cidadãos e o gover-no. Esses patrões locais mantinham seu podertradicional, exigindo lealdade daqueles sobsua proteção patriarcal. A segurança econômi-ca e bem-estar social dos indivíduos tiveramorigem diretamente na soberania de seus pa-trões. Havia, de fato, certo senso de noblesseoblige da parte dos patrões, ao passo que seusvassalos mantinham uma postura de lealdadepessoal para com eles.

Como explica o antropólogo americanoCharles Wagley, já falecido:

"Frequentemente, o chefe político local, ocoronel, era como um patrão dos seus segui-dores, que recebia favores e esperava favoresfuturos. Um trabalhador de classe mais baixasem patrão, fosse um coronel ou outro tipo pa-trono, era um homem sem um protetor emtempos de necessidade. O patrão provia algu-ma forma de previdência social – geralmente aúnica disponível ao trabalhador".

Um texto importante para aqueles interes-sados em entender, em detalhes, o papel do pa-trono político na sociedade brasileira e, em es-pecial, a maneira como o poder político tem si-do exercido desde o início da colonização doBrasil, é o clássico "Os Donos do Poder" (TheOwners of Power), escrito em 1957 pelo já fa-lecido jurista Raymundo Faoro. Em um dos úl-timos e mais importantes parágrafos desde li-vro seminal, Faoro fornece uma explicação ge-neralizada do por que o poder pessoal tem tan-ta significação no Brasil:

O chefe protege interesses particulares,concede privilégios e incentivos, e distribuiempregos e benefícios. É esperado que ele façajustiça sem nenhuma atenção a regras objeti-vas e impessoais. Na pessoa do soberano estáconcentrada toda a esperança dos ricos e dospobres, pois o Estado é o centro de todo poderda sociedade brasileira... O chefe não está su-jeito à aristocracia latifundiária nem à burgue-sia. Ele governa… diretamente sobre a nação.

Ele fala diretamente ao seu povo, não a in-termediários... Ele é o pai do povo, não... umgovernante legal e constitucional. Ele é o bompríncipe que… põe em prática políticas debem-estar social a fim de garantir o apoio das

massas. Para evitar qualquer participaçãoreal popular, ele frequentemente apela a mo-bilizações de rua; manifestações públicas dasquais a única coisa que fica é a poeira de suaspalavras sem sentido.

Como filho de um Estado providencialista,ele fortalece o poder do Estado usando todosos meios que a tradição (estadista) oferece. Emcasos extremos, torna-se o ditador social do ti-po socialista, que satisfaz aspirações popula-res acalmando as pessoas com pão e circo.

O processo de industrialização iniciadona década de 1930 criou uma vasta classe ur-bana que se desenvolveu independente-mente das velhas influências da aristocracialatifundiária. Esse período de migração in-terna viu o poder político transferido da oli-garquia latifundiária a líderes urbanos. A as-censão do populismo é identificada comoum subproduto do processo de industriali-zação, emergindo na cena política no mo-mento em que as massas populares migra-ram para os centros urbanos em busca de no-vas oportunidades.

No entanto, toda essa mudança na estruturasócio-econômica não modificou os padrõescomportamentais tradicionais, uma vez queaqueles que saíram da zona rural para as cida-des mantiveram a tendência de conservar to-das as relações, incluindo aquelas com oficiaispúblicos, em termos pessoais, ao invés de im-pessoais e legais. Em outras palavras, daque-les no poder ainda se esperava "generosidade"aos partidários e conhecidos.

O primeiro líder político a tirar vantagensda preservação da mentalidade política her-dada do meio rural foi Getúlio Vargas, umcaudilho próspero (oligarquia rural). Em1937, planejou a tomada de poder que insta-lou o Estado Novo, uma ditadura populistaem que ele assumiu o papel de governante pa-triarcal que atraía as massas populares comoseu governante supremo e benfeitor. Comomostra Joseph Page:

"Ao assumir a presidência, após a revolu-ção de 1930, ele partiu para criar uma relaçãode dependência, não somente entre governo eempresas privadas... mas também entre go-verno e trabalho. Este relacionamento tor-nou-se imagem espelhada do tradicional laçoentre o dono da terra e os lavradores ruraisb r a s i l e i ro s " .

Lavradores que se mudaram para as cida-des encontraram estrutura social bastante di-ferente da que estavam acostumados. Elesagora têm de morar em favelas desorganiza-das e, à medida que o Brasil se industrializa,

Com a Proclamaçãoda República, em 15de novembro de 1889,patrões rurais locaistornaram-se mediadoresentre cidadãos e ogoverno. Esses patrõeslocais mantinhamseu poder tradicional,exigindo lealdadedaqueles sob suaproteção patriarcal.

Curiosamente,Vargas era umadvogado e donode terras, queiniciou suacarreira políticacom apoio deoutras oligarquiasrurais tambémoriginárias doRio Grande do Sul.

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trabalhar em empresas impessoais. Dessa for-ma foi fácil para Vargas substituir o governocomo a autoridade que cuidaria das necessi-dades dos empregados, assim como o dono daterra havia feito anteriormente no interior

Curiosamente, Vargas era um advogado edono de terras, que iniciou sua carreira polí-tica com apoio de outras oligarquias ruraistambém originárias do Rio Grande do Sul.Mas ele foi sábio o suficiente para perceberque o processo de urbanização reduziriadrasticamente o poder dos donos de terras.Originalmente, porém, como explica o filó-sofo político e ex-embaixador brasileiro J. O.de Meira Penna:

"Vargas mantinha laços, principalmente,com os donos de terra do seu próprio Estado,cujo interesse ele continuou a defender mes-mo depois de se tornar um populista líder ca-rismático. Logo após a 'revolução' de 1930,um de seus mais jovens seguidores, LindolfoCollor, sugeriu a introdução de uma nova leitrabalhista... Vargas aceitou as idéias de Col-lor com desconfiança: 'Vamos torcer para queeste alemãozinho não nos traga muitos pro-blemas...' Mas então se deu conta que as no-vas leis trabalhistas e da Previdência Socialhaviam sido copiadas da italiana e fascistaCarta Del Lavoro, mantendo os sindicatossob o poder do Ministério do Trabalho do seupróprio governo. Assim, as massas proletá-rias poderiam, eventualmente, mobiliza-rem-se a seu favor..."

Vargas construiu em torno de si a imagemde governante paternal, tendo como modelo opater familias. Posou como sendo o grande"pai" das classes trabalhistas, esperando delaslealdade absoluta, a ponto de, entre 1937 e1945, suas leis serem pouco mais que ferra-mentas para a imposição da própria vontade.De fato, Vargas era virtualmente livre para ins-truir autoridades públicas a matar, prender etorturar qualquer pessoa que desejasse.

Após visitar o País em 1938, o famoso cien-tista político Karl Loewenstein escreveu que omaior trunfo da ditadura brasileira era o pró-prio ditador, o qual, segundo disse, carregavao regime "nos próprios ombros".

A ditadura tem caráter personalista. Pois éinteiramente diferente do padrão totalitaristaeuropeu. Nenhum partido político a protege, enenhuma ideologia coerciva a sustenta. O re-gime, exceto o exército, apoia-se em calços in-visíveis; é baseada na popularidade de umúnico homem.

Desde então, alguns dos políticos brasilei-ros mais bem-sucedidos foram "discípulos"

Cada setor do Partido dosTrabalhadores (PT), ao

qual pertence Lula,foi acusado de suborno,fraude, compra de voto,

roubo de dinheiro público,financiamento ilegal de

campanha, e por acobertaroutros comportamentosde caráter fraudulento.

Paulo Whitaker/Reuters

Fábio Motta/AE

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orgulhosos de Vargas. Admiram o ex-ditadorpor suas políticas "progressistas" de estadis-mo nacional e previdência trabalhista, quetambém são bastante apreciadas pelos eleito-res que aguardam um "salvador" para inaugu-rar o "paraíso tropical" no Brasil.

Esses eleitores compreendem que "Vargasera ditador, mas foi bom conosco". Ou, comodisse um trabalhador: "Nunca permiti que fa-lassem pejorativamente sobre Vargas... Sabiaque ele sempre nos dava benefícios, minhacarteira de trabalho... Pensava: sou trabalha-dor, e ele me deu tantos benefícios".

Segundo a socióloga brasileira Maria Lú-cia Victor Barbosa, o populismo é forte noPaís porque muitos brasileiros "fazem umaleitura mais emotiva do mundo", e desta for-ma estão mais inclinados a aceitar promes-sas demagógicas de "natureza messiânica".Este aspecto antidemocrático da sociedadebrasileira ajuda a explicar os resultados dapesquisa conduzida pela Organização dasNações Unidas (ONU), que concluiu, em2004, que apenas 30,6 % dos brasileiros seconsideram democratas.

A pesquisa pode refletir sentimentos nos-tálgicos por antigas ditaduras "benevolen-tes". Seu resultado teria sido pior caso tivessesido pedido àqueles que responderam a favorda democracia que explicassem o que a ex-pressão significa. Devido à natureza da socie-dade brasileira, muitos brasileiros associamdemocracia ao desejo da maioria e não com oEstado de Direito. De fato, todo o processo de"mobilização social" tende à personificaçãodo poder, isolando o poder supostamente"democrático" de líderes demagógico-popu-listas do Estado de Direito.

Como resultado, sob o atual governo popu-lista do presidente Lula da Silva, a corrupçãoatingiu níveis sem precedentes. A administra-ção Lula é responsável pela maior série de es-cândalos de corrupção da história do País. Se-gundo James Petras, professor de sociologiaesquerdista e especialista em política brasilei-ra, "cada setor do Partido dos Trabalhadores(PT), ao qual pertence Lula, foi acusado de su-borno, fraude, compra de voto, roubo de di-nheiro público, financiamento ilegal de cam-panha, e por acobertar outros comportamen-tos de caráter fraudulento".

O fato de o presidente Lula permanecer tãopopular em meio a tantos escândalos, envol-vendo centenas de milhões de dólares, não de-veria oferecer nenhum tipo de surpresa àque-les familiarizados com o funcionamento damáquina política brasileira. Por exemplo, o

governo gastou milhões de dólares em propa-ganda política. No entanto, tal propaganda na-da faz para reduzir os problemas sociais, servepara aumentar a imagem carismática do pre-sidente, "ex-trabalhador de chão de fábrica,sem diploma universitário, que fala ao seu po-vo como um deles".

O apoio ao governo também é obtido pelofato de a administração pública federal ter em-pregado, dentro da máquina governamental,milhares de membros e partidários do PT, nopoder atualmente. Um grande número de lí-deres deste partido, incluindo líderes sindi-cais, foi indicado para altas posições do gover-no. É prática tão comum, que um ex-presiden-te da Suprema Corte de Justiça (STF), o minis-t ro M a u r i c i o C o r re a , j á a p o s e n t a d o ,denunciou que até mesmo os cargos que exi-gem a mais alta qualificação técnica estão sen-do destinados a membros não qualificados dopartido, que pagam ao PT contribuição de até20% dos seus salários.

Outro exemplo de populismo atual envol-ve a distribuição de dinheiro a famílias na for-ma de um suposto programa antifome cha-mado Bolsa Família. Este programa é contro-lado pelo governo federal e fornece dinheiro amilhões de brasileiros, cerca de um quinto dapopulação do País.

Tal "generosidade" não oferece solução realao problema da pobreza; no entanto, incentivao pobre a ver o presidente Lula como um líderpaternal "generoso" e provedor. Infelizmente,programas governamentais demagógicos co-mo o Bolsa Família, acabam por agravar o ex-cesso de burocracia e gastos do governo, quesão um dos motivos pelos quais a dívida pú-blica, impostos e taxas de juros sejam tão altosno Brasil, com o governo reivindicando esti-mados 40% do PIB (Produto Interno Bruto) naforma de impostos e contribuições.

No Brasil, a tributação para subsidiar a ex-pansão governamental é exagerada, e a quan-tidade de burocracia enfrentada, em todos osníveis do governo, é simplesmente enorme.Segundo o Index of Economic Freedom (Índexde Liberdade Econômica), de 2008 , "iniciaruma empresa no Brasil leva três vezes maistempo que a média global de 43 dias, e obter li-cença para abertura de uma empresa demoramais que a média global de 234 dias".

Por fim, "regulamentações empregatíciasinflexíveis", outro problema que o populismocertamente agravam, são responsáveis porcriar "uma aversão de risco para empresasque, de outra maneira, contratariam maispessoas e cresceriam".

Sob o atualgoverno populistado presidente Lulada Silva, a corrupçãoatingiu níveissem precedentes.A administraçãoLula é responsávelpela maior sériede escândalos decorrupção dahistória do País.

Outro exemplo depopulismo atual envolvea distribuição dedinheiro a famíliasna forma de um supostoprograma antifomechamado Bolsa Família.Este programa écontrolado pelo governofederal e fornecedinheiro a milhõesde brasileiros.

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Reprodução

PandiáCalógeras,um brasileiroilustre

José Maria dos Santos

Após assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas pôs emmovimento uma máquina de propaganda que, reforçada pelaliberdade que lhe deu a ditadura, a partir de 1937, tentou fazera nação acreditar que a República estava começando naquelaépoca. Foi bem-sucedido porque até hoje os 40 anos deexistência da chamada República Velha são repassados vaga eburocraticamente nas escolas, atirando ao limbo as figuraspolíticas que dela participaram. Tais personagenssobreviveram apenas nos meios acadêmicos. O engenheirocarioca João Pandiá Calógeras (1870-1934) foi uma dasvítimas desse banimento de caráter histórico. No entanto,uma rápida consulta à sua biografia denunciaria a injustiçado ostracismo.

Foi um homem que procurou pensar o País no sentido derealizar seus potenciais. Iniciou essa trajetória na CâmaraFederal onde, como deputado pelo Partido RepublicanoMineiro, conseguiu aprovar a lei que garantia à Uniãoo direito de explorar nosso subsolo. Como ministro daAgricultura de Wenceslau Brás (1914-1918) inaugurou osestudos para substituir a gasolina pelo álcool e, em seguida,reorganizou o Ministério da Fazenda, contaminado pelaincompetência e corrupção.

No entanto, seu momento maior ocorreu durante o governode Epitácio Pessoa (1919-1922). Tornou-se então o primeiro eúnico Ministro da Guerra Civil do Brasil até a criação doMinistério da Defesa, ocorrida durante a gestão de FernandoHenrique Cardoso. Ele assumia a pasta com amplo apoio dasForças Armadas e não as decepcionou no que diz respeito àfunção constitucional delas, que é a de garantir a segurança doPaís. Promoveu seu reaparelhamento e modernização quebeneficiou particularmente o Exército, instalou a Escola deAperfeiçoamento dos Oficiais e empreendeu novo traçado danossa divisão territorial militar à luz dos conceitosgeopolíticos. O texto que se segue resume com fidelidade a suamobilização e preocupação com a evolução da Nação.

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Digesto Econômico nº 81Agosto de 1951

Enriquecendo a sua "calogereana",o Digesto Econômico arquiva em suaspáginas a conferência que o notávelpublicista, Pandiá Calógeras, proferiu,em 1912, na Biblioteca Nacional doRio de Janeiro, sobre o desenvolvimentoeconômico do Brasil e que não foitirada em folheto, nem inserta nos seusopulentos e clássicos livros.

Este ensaio magistral, que tantoentusiasmo despertou no apaixonadodos fastos brasileiros, o autor do "PeloSertão", ainda recentemente mereceude Sérgio Buarque de Holanda aseguinte apologia: "Admirável síntese

em que Calógeras mostrou as amplasperspectivas que oferece a exploraçãode um domínio quase virgem: o de nossahistória econômica".

O Digesto Econômico, com adivulgação dessa preciosa lição deeconomia nacional, conhecida apenasde pesquisadores e de leitores dos anaisda Biblioteca Nacional, espera prestarum serviço relevante, sobretudo aosestudantes das Faculdades de CiênciasEconômicas do País.

Agradecimentos a Luciana Costa, doNúcleo de Biblioteca e Memória da ACSP

O Brasil e seudesenvolvimento

econômico

Ilustr

açõe

s:

João Pandiá Calógeras

A atividade econômica brasileira fora incompreensível se se nãoprocurassem seus estímulos originários em remoto passado, naspossibilidades do meio, no esforço humano nacional, no impulsovindo do mundo inteiro,

A própria configuração política da nossa Pátria é, em parte, sua criação, pormenos que se queira aceitar do materialismo histórico: o ouro no século 18lindou Mato Grosso das possessões espanholas; a borracha, em nossos dias,traçou a divisa com o Peru e a Bolívia.

Os cabedais levados pelos conquistadores do México e do Império dos In-cas correspondiam estreitamente às noções contemporâneas sobre rique-zas: pedrarias, metais preciosos, aromas, especiarias, essências raras. OOriente mais valia do que o Poente, nas ideias da época. Não seria o Brasil, aLeste dos países do ouro, da prata e das esmeraldas, mais rico do que esses?

Page 76: Digesto Econômico nº 453

76 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

Unidade econômicaera a fazenda,produzindo oessencial para

vestir e alimentaros moradores.

O supérfluovinha do Reino.

Nas trocasos saldos

compensavamem gado.

Organizada a dominação lusa, por 1530-35,vinha esse preconceito fixo da existência de ri-quezas firmado nos próprios forais das Capita-nias. Procuravam-nas expedições várias, in-conscientemente transviadas pelos índios quedesconheciam os metais, falavam em pedrasbrilhantes de cores várias, onde os portuguesescompreendiam ouro e prata. O ciclo de pesqui-sas desta última durou 200 anos e provou infru-tífero. O ouro só dois séculos após Cabral to-mou vulto. No século 18 fazem-se as descober-tas que fundaram Minas Gerais, Mato Grosso eGoiás. Das esmeraldas, alvo de pesquisas nosprimeiros tempos da conquista, principalmen-te, restavam apenas as turmalinas, as águas ma-rinhas e os berilos da zona do Arassuaí.

Assim, antes do rush do ouro em Minas Ge-rais, de 1698 em diante, largo prazo houve, maisde século e meio, durante o qual tiveram de serconsiderados elementos basilares da vida colo-nial os que derivam de sua flora, dos animaisque lhe povoavam as terras e os mares.

(...)A Serra do Mar havia sido transposta em

ponto único, São Paulo. Daqui, seguindo a di-

retriz dos rios, se iniciava a conquista do sertão.Na Bahia, não havia cadeia litorânea e a inter-nação se fizera com menores empecilhos. Naausência de indústrias, na existência do gado,na falta do sal teve sua origem o largo empregodo couro cru, espichado em varas e seco ao sol,utilizado em todos os misteres da vida. PropôsCapistrano de Abreu adotar a "idade do couro"como característica desse gênero de atividade,ainda vigente em vastas zonas do Brasil atual.

(...)Unidade econômica era a fazenda, produzin-

do o essencial para vestir e alimentar seus mora-dores. O supérfluo vinha do Reino. Nas trocas ossaldos compensavam em gado. As economiasempregavam-se em escravos e joias, quando nãodevoradas pelo jogo. Moeda, escassa e de peque-na circulação, não abundava no interior; refluiapara as praças da costa. Entesourava-se, mais doque utilizava no giro comercial.

(...)Era uma revolução nas relações entre a co-

lônia e metrópole. Surgiam valores novos. Mo-dificavam-se conceitos. Faziam-se mister so-luções outras que as vigentes. Acentuou essa

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superioridade das capitanias mineiras o in-vento dos diamantes em 1729.

Não há exagero ao afirmar que todo o esforçometropolitano, a partir de 1700, foi subordina-do ao predomínio da extração das riquezas mi-nerais. Daí a proibição de qualquer desvio deatividade para faina diversa do meneio das ja-zidas. Fechavam-se os engenhos. Um alvo úni-co – ouro e diamante –, e nesse rumo a atençãomáxima do aparelho governativo português.

Abrem-se estradas. Povoam-se de gente e degado, os sertões goianos e matrogrossenses. Ascidades, fundadas pelos lavradores de minas,tem população por vezes décupla da atual. Olatim, o francês são ensinados; desenvolve-se acultura musical. A história desse período é a lu-ta do faiscador, do garimpeiro, da sociedade demineração contra o Fisco. A guerra entre o es-forço e o exator. História política. História eco-nômica e geográfica também.

Esgotada a mina, vinha o declínio de ativida-de, a morte das zonas despojadas do metal quelhes alimentava o labor e a energia. Ir a estes lu-gares é visitar cidades mortas. Ambiente de len-das, tradições e fantasias, restos longínquos dosonho do ouro do faiscador, das fulgurações dobrilhante na mente do garimpeiro, nas quais,amortalhadas, acabam as velhas capitais res-plandecentes seus lentos e últimos e tristes diasde decadência e agonia. Em certos pontos, vin-

gou-se a floresta, derrubada para se abrir a lavra:hoje, o matagal tudo invadiu, cobrindo os enge-nhos, derruindo aos poucos as construções, se-pultando destroços, Etiam periere ruinae.

Florescia o contrabando, em razão da ga-nância fiscal. Melhorava o conhecimento doterritório; aumentava a povoação da terra in-culta, sem amanho mesmo: consequências be-néficas do descaminho.

Por 1780, começou o enfraquecimento das mi-nas, esgotadas progressivamente por um laborque mal reservava o futuro. Salientava-o, na suainstrução para o governo da Capitania de MinasGerais, de 1787, o Desembargador Teixeira Coe-lho. Formulou plano para combater sua deca-dência, o Governador D. Rodrigo José de Mene-zes, propondo remédios que valeriam por umarevolução nos métodos de governo: desenvolvera lavoura; criar indústrias novas; fundar umacaixa de auxílio para as pesquisas; provocar a co-operação; simplificar litígios sobre as posses la-vradas; reformar a circulação metálica regional;criar a circulação fiduciária, resgatável nas con-dições da emissão da moeda local. Detalhe curio-so, que se poderia ligar à proposta "idade do cou-ro": as notas emitidas viriam pregadas em peda-ços de couro de tamanho igual.

A escravatura, importada da África, viveirode metalurgistas natos, havia iniciado o prepa-ro do ferro, extraído de seus minérios, em Ipa-

O texto quepublicamos é

uma conferênciadada por Pandiá

Calógerasem 1912 naBiblioteca

Nacional doRio do Janeiro.

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78 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2009

nema e em vários pontos de Minas Gerais.O tabaco incrementava a sua exportação.

Fábricas rudimentares de tecidos de algodãoiam sendo fundadas.

Veio a ordem de 1785, mandando fechar asfábricas nas capitais mineradoras.

Citemos alguns números para dar ideia dasituação.

Antonil, em 1711, conta 528 engenhos deaçúcar na Bahia, Pernambuco e Rio, produzin-do 35.020 caixas de 35 arrobas, valendo2.535:142$800; 27.500 rolos de fumo no valorde 334:650$000; 110.000 meios de sola; soman-do 201:800$000. O ouro, dada a margem docontrabando, representava umas 300 arrobas,cerca de 1.500 contos, na moeda da época. Se-riam ao todo uns 4.600 contos, aos quais se de-vem juntar a parte da produção destinada aoconsumo local e a que servia ao pagamentodos impostos e monopólios. Esta última vale-ria talvez uns 800 contos.

Nessa mesma época, ensaiava-se a aclimata-ção do anil e do café. A primeira, base de um co-mércio florescente, decaiu por fraudes na pre-paração do produto. A segunda veio do Pará edo Maranhão do Sul uns 50 anos mais tarde. Oque ela se tornou, di-lo o que hoje somos.

Tais fatores do desenvolvimento, é que a or-dem de 1785 vinha ferir. O ouro tinha iniciadoseu declínio. O diamante, 15 anos depois, se-guiria igual rumo.

Em turbilhão pela América e pela Europa, iadesencadeado o movimento revolucionáriode que haviam de resultar a emancipação dascolônias, a queda da Monarquia francesa, aprimeira República e o surto do imperialismonapoleônico.

O Brasil experimentava as consequênciasdesse movimento de ideias, em circunstânciasde aperto econômico causada pela errada po-lítica metropolitana: a ferocidade fiscal quantoaos quintos; sua cegueira quanto a fontes ou-tros de produção e de riqueza.

(...)Cresciam as trocas. Em 1796, avaliaram-se as

exportações em cerca de 11.500 contos, moedaforte; as importações em 7.000 contos. Em 1800,os algarismos haviam crescido a ... 12.600 e a15.800 contos, respectivamente. Em 1806, emvésperas da transferência para o Brasil da sededo Governo Português, remetiam-se mercado-rias no valor de 14.200 contos e recebiam-se emtroca 8.500 contos de importações.

(...)Indústrias novas estabeleciam-se, favo-

neadas pelo Governo de D. João VI; um poucoa esmo, ao Deus-dará, com desejos superio-

res às possibilidades do meio. Tornava-se, en-tretanto, mais fácil a vida nas regiões dantessujeitas às regras draconianas do Livro da Ca-pa Verde ou às exigências severas do regimedas zonas auríferas.

Nas demais comarcas do País, menos minera-lizadas, prosperava o trabalho agrícola, em as-censão contínua para níveis mais altos de produ-ção, desenvolvendo os elementos preexistentes:o café, já então aclimado no Sul, base de uma or-ganização cultural cujo crescimento nada maisimpediria até hoje; a cana, admirável repositóriode energias econômicas, incompletamente apro-veitadas e desenvolvidas, mesmo em nossosdias; o gado, que só recentemente entrou em fasede progresso, que a indústria ascendente dos la-ticínios revela; o milho e sua tradução animal – oporco, com as indústrias que dele vivem – ; ce-reais outros, como arroz, definitivamente entra-do nos usos agrícolas correntes e o trigo, mais fra-co e mais sujeito a contratempos; as féculas; o al-godão; o cacau; o fumo; os couros; o charque.

Provara eficiência prática quase nula a liber-dade de estabelecimento de fábricas.

A política de submissão portuguesa à Ingla-terra a esta assegurara taxas preferenciais nasalfândegas, contra o próprio produtor nacio-nal, mais onerado.

O domínio dos mares, incontestavelmentebritânico, tinha varrido do tráfego marítimoqualquer pavilhão. Inundavam, pois, o Brasil,as mercadorias inglesas. Como produzi-lasaqui? Os fatores consentidos mais tarde, porocasião da Independência e do reconhecimen-to do Império, a várias nações estrangeiras, eli-minavam a possibilidade de se fundar indús-tria sob o regime da carta régia de 28 de janeiroe do decreto de 1º de abril de 1808, promulga-dos para esse fim e com esse intuito. Só com aação de estadista de Bernardo de Vasconcelos,na lei de 24 de setembro de 1828, cessou essaanomalia, uniformizando em 15% os direitosalfandegários, sem distrinção de procedência.Assim mesmo, não agiu desde logo e levou 16anos para produzir resultados práticos.

(...)A solução, má, porém única, foi o emprésti-

mo por meio da emissão de notas concedidas aoprimeiro Banco do Brasil. Política de expedien-tes, dirão censores. Que outra seria possível aum país peado pela convenção com a Inglater-ra, sem reservas econômicas locais, impossibi-litado de recorrer ao crédito no exterior, dentroem pouco cerceado em suas rendas e nas pos-sibilidades restantes de surto industrial pelostratados de reconhecimento do Império?

O trabalho reparador da natureza iria aos

A políticade submissãoportuguesaà Inglaterra aesta assegurarataxaspreferenciaisnas alfândegas,contra o próprioprodutornacional, maisonerado.

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79MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

poucos cicatrizando essas feridas. Já em 1817,as duas correntes do intercâmbio se equilibra-vam em torno de 8.500 contos.

Mas a tradução da má gestão financeira e doserros econômicos se encontrava na moeda fidu-ciária inconversível, na queda dos câmbios. De67 e 1/2 pence, paridade legal, vinham as cota-ções caindo a 47 em 1822; a 22 pence em 1829,para subir a 37, e 41 e 1/2 em 1835. Essa a origemda lei monetária de 1833, degrau de transiçãopara a de 1846, vigente até hoje, com as modi-ficações provenientes das tentativas fixadorasdo valor da moeda, lei pela qual a nova equiva-lência se fixava em 27 pences.

Já nessa última data, exportações e impor-tações conjuntas orçavam, por parcelas quaseiguais, em 105.000 contos de réis.

(...)Restava a grave questão do meio circulante.

O público estava acostumado às notas do Te-souro, sempre em giro, em todas as fases daevolução monetária. As dificuldades de comu-

nicação, porém, criavam crises de numeráriolocalizadas, germe do movimento, iniciado em1836 no Ceará, seguido depois no Rio, Mara-nhão, Pará e Pernambuco, para se criarem ins-trumentos de permuta não oficiais, fora dasnormas constitucionais, que reservavam aoParlamento a competência privativa de legislarsobre moeda. A chicana, concessões de autori-dades provinciais, a fraqueza do Governo Ge-ral, permitiram que, sob o nome de vales, se es-tabelecesse uma série de emissões particulares,fundamente perturbadoras do mercado.

Reagiu, em nome da Constituição e da eco-nomia política, esse grande financeiro, o maiortalvez do Império, que foi Rodrigues Torres, ofuturo Visconde de Itaboraí. A lei de 1853 rei-vindicou o princípio constitucional e firmou aunidade emissora. Não cessaram, entretanto,os esforços particularistas e, mediante conces-sões ilegais, insustentáveis, de 1857 a 1866 no-vamente vigorou a pluralidade de circulaçãofiduciárias, concorrentes entre si e da oficial.

O público estavaacostumado às

notas do Tesouro,sempre em giro,

em todas as fasesda evoluçãomonetária.

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As duas grandes crises de 1857 – repercus-são das dificuldades vigentes na Europa e nosEstados Unidos, trazidas ao Brasil pela insufi-ciência profissional dos financeiros da praçado Rio, – e de 1864 – devido ao abuso do cré-dito, favorecido pela casa Souto - haviam mos-trado os vícios da situação monetária.

A Itaboraí, contra as vistas incertas e hesi-tantes do gabinete Olinda, coube ainda umavez solver o problema. Foi a lei de 1866, pres-crevendo a volta à unidade emissora, atribuí-da exclusivamente ao Tesouro.

Durou o sistema até os últimos dias da Mo-narquia, que só meses antes de cair iniciariauma reação pluralista. Cessou em 1892 esta no-va fase, ao concentrar-se no Banco da Repúblicao direito emissor. Quatro anos depois, garanti-do o princípio unitário, passava a circulação aser feita por notas do Tesouro, retirado ao bancoo seu privilégio. Essa a situação vigente.

(...)Em terra, o desenvolvimento fazia-se para-

lelo. À Regência cabe a honra de ter cogitadoduas vias férreas desde 1835. Dezessete anosdurou a gestação da ideia. 1852 presenciou aprimeira realização: o trecho de Mauá a Raizda Serra, terminado quatro anos depois. E, deentão para cá, nunca se paralisou o progressi-vo aumento de extensão das linhas, até os 23mil quilômetros atuais.

Um fenômeno curioso revela-se neste ponto:o crescimento das vias férreas, antes de existi-rem no País verdadeiras estradas de rodagem,impediu se cuidasse destas. A não ser em tre-chos que não somam 500 quilômetros – a Uniãoe Indústria, abandonada, e a Graciosa – conti-nuam os produtos a afluir às estações por meiosde caminhos feitos à pata de animal, de uma ououtra extensão, abertos por fazendeiros, colo-nos ou comissões oficiais, fora de condições desolidez e meios de conservação. Daí curiosocontraste nas regiões mais bem servidas pelostrilhos, junto aos quais começa imediatamentea zona ínvia. A inexistência de verdadeiras es-tradas de rodagem limita assim a utilização damalha intermédia na rede ferroviária.

(...)Fechadas as fábricas por ato da Metrópole,

reabertas mais tarde, em 1808, a política dostratados comerciais dos primeiros anos doReino e, depois, do Império impediu a funda-ção de uma grande indústria de tecido perma-nente e progressiva. Só por 1842, quando ex-pirasse o prazo de vigência dessas conven-ções, produziria a lei de Bernardo de Vascon-celos, de 1828, seus efeitos benéficos. A elaobedeceu a tarifa Alves Branco de 1844. So-

mente então começou para o Brasil a possibi-lidade prática de possuir labor industrial.

(...)O problema da mão-de-obra preocupava a to-

dos os pensadores. Fizera-se o Brasil à custa dacolaboração servil, índia e negra. Nos engenhosde açúcar, nas fazendas de café, outro não era obraço. A partir da guerra da Tríplice Aliança, ha-viam avultado as libertações. O manifesto liberalde 1868 fazia vibrar a nota que resumia o sentirgeral: as antigas fórmulas tinham preenchidosua missão; urgia substituí-las. Em 1870, o ma-nifesto republicano insistia sobre o assunto epropunha a solução: a República.

No ano seguinte, o primeiro Rio Branco li-bertava os nacituros. Dezessete anos depois,João Alfredo, antigo membro do Gabinete 7 deMarço, um predestinado, referendava a lei de13 de maio de 1888, a Abolição sem frases.

(...)O golpe da Abolição, ainda assim, foi fundo.

Desorganizou-se o regime do trabalho; as pri-meiras colheitas só parcialmente foram apro-veitadas; a dívida hipotecária, garantida pelosescravos, viu quase anulado o seu valor. Ruí-nas individuais houve e numerosas. Salvou oPaís a alta do preço do café. E a produção, im-pessoal, não cessou.

Estava transposto o passo mais difícil. Avizi-nhava-se a queda da Monarquia, anunciadadesde a Regência, posta em destaque pelos pró-ceres de 1870, dos quais alguns iam presidir eorganizar a fundação da República em 1889.

Fora esta proclamada em momento singu-lar de nossa história.

Saneada a circulação; restabelecida as or-

O problema damão-de-obrapreocupava.Fizera-se o

Brasil à custa dacolaboraçãoservil, índia

e negra.

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81MAIO/JUNHO 2009 DIGESTO ECONÔMICO

dens nas finanças, iniciados grandes melhora-mentos; despertadas vastas aspirações; o Ga-binete de 7 de Junho, presidida pelo grandebrasileiro, que foi o Visconde de Ouro Preto,voltara às tradições de Sousa Franco e batia-sepela pluralidade de emissão. Não foram degrande vulto as somas postas em giro pelostrês bancos que se valeram da lei de 24 de no-vembro de 1888 e do decreto de 6 de julho se-guinte, fruto, a primeira ,da colaboração dos li-berais e de uma dissidência conservadora che-fiada pelo Visconde do Cruzeiro e pelo Conse-lheiro Pereira da Silva. Influiu no ambiente deespeculação, mais que os valores emitidos, odesconto antecipado de novas emissões.Quando, depois de 15 de novembro, cessou afaculdade de emitir para estes três institutos,continuou, mais amplo e desenvolvido, esseelemento de perturbação monetária nas leis ci-tadas e nos decretos do Provisório, de 17 de ja-neiro e de 8 de março de 1890.

(...)E, para lutarem contra a concorrência estran-

geira, todas as fábricas exigiam maior proteçãoaduaneira do que a da tarifa Belisário. Essa a gê-

nesis da reforma Rui Barbosa, da sobretaxas or-çamentárias, até o momento de relativa paradaque foi a tarifa Bernardino de Campos. Não ces-saram, porém, os reclamos industriais. Veio odecreto de 1900, expedido por Joaquim Murti-nho, com direitos mais onerosos. Continuaramas leis do orçamento a modificar no mesmo ru-mo os impostos aduaneiros.

(...)Com tal muralha nas alfândegas, não surpre-

ende que algumas indústrias se desenvolvessemno País. Tempo seria, entretanto, diminuído osimpostos, provarem elas a verdade de suas pri-mitivas alegações de que só transitoriamente, nafase da fundação, precisariam do resguardo.

Avaliam-se, incompletamente, em 1907, osestabelecimentos industriais do Brasil em3.528, dispondo de capital de 665.576 contos,produzindo 741.536 contos, com uma popula-ção operária de 152 mil indivíduos.

(...)Expressas em ouro, para permitir estudo

comparativo, as exportações oscilam de 28 mi-lhões esterlinos, em 1889, a 36 milhões, em1895; caem a 29 em 1889, após a crise do ano an-

Com tal muralhanas alfândegas,não surpreende

que algumasindústrias se

desenvolvessemno País.

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terior, e daí por diante crescem gradativamen-te até 67 milhões em 1911. Grande restrição senota nas importações, sacrifícios impostos econcedidos pelos consumidores. Os algaris-mos traduzem-nos. O Brasil, que, com popu-lação menor, importava, de 1890 a 1896, de 30 a34 milhões esterlinos, reduziu suas compras,de 1897 a 1904, a 27 e mesmo a 21 milhões ape-nas; este último algarismo refere-se a 1901,após a crise bancária de 1900. No comércio ge-ral, entretanto, somam-se as parcelas e alí ocrescimento, com variações mínimas, é contí-nuo, de 52 milhões de esterlinos, em 1889, a 120milhões, em 1911, comtendência a nível mais al-to no atual exercício.

(...)Já o protecionismo, en-

carecendo a produção e avida, havia criado nume-rosas causas de queixa pe-los sofrimentos impostosà maioria da nação, em be-nefício de insignificanteminoria, de detentores decapital. A desvalorizaçãoforçada da moeda contratodas as indicações domeio econômico brasilei-ro, robusteceu os malesvindos do preconceitoprotecionista. A essasduas errôneas concep-ções, principalmente, sãoatribuíveis malestar, rei-vindicações socialistas,relações tensas entre pa-trões e empregados, quehora atribulam a vida na-cional. Criações artifi-ciais, em excesso do quenormalmente decorreriado evoluir social em busca de níveis mais altose mais generosos de cultura e de civilização.

(...)O Brasil tem indústrias para as quais lhe se-

ria fácil encontrar matéria prima local e, entre-tanto, importa esta: assim para as fibras, para aalimentação. Queremos ter raças animais apu-radas e não lhes preparamos o habitat, soltan-do-as em campos mal beneficiados, quandonão inteiramente agreste. Estamos convenci-dos da necessidade de desenvolver-se a agri-cultura e ainda simbolizam o nosso esforçoatual o machado e a foice, para a derrubada, aenxada, para o preparo da terra.

(...)

Não há desanimar, porém, a longa história doPaís revela admirável elasticidade, assombrosacapacidade de reação contra as crises. Nos perío-dos de maior depressão, nunca esmoreceu o es-forço brasileiro, filho de forças imanentes e fiadonos recursos próprios do solo pátrio.

Onde o homem errava, a Natureza, benfa-zeja e material, corrigia.

Esforcemo-nos por melhorar o elementohumano. Auxiliemos, em vez de contrariar, oinfluxo do meio. Dessa conjugação incessante,calma, sinérgica, pujante, com possibilidadesinfinitas surgirá o Brasil de amanhã.

Esforcemo-nospor melhoraro elementohumano.

Auxiliemos,em vez de

contrariar, oinfluxo do meio.

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Digesto_202x266.pdf 25/6/2009 4:22:02 PM

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