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Digesto Econômico nº 459

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Junho de 2010

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3JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

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No início deste mês, o Instituto Brasileiro de Geografia eEstatísticas (IBGE) divulgou o PIB do primeiro trimes-tre: a economia brasileira reagiu de forma muito po-

sitiva e cresceu 9% em comparação ao mesmo período do anopassado, e 2,7% em relação ao último trimestre de 2009. Era pa-ra ser motivo de comemoração, mas apenas dois dias depois, oComitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anun-ciou novo aumento na Taxa Básica de Juros (Selic) em 0,75%, epassamos novamente a ter juros de dois dígitos, agora de10,25% ao ano. E há sinalizações de que a Selic continuará su-bindo, podendo fechar 2010 em12%. Esta é uma doença crônica doBrasil: o País cresce, estimulando oconsumo, que por sua vez traz devolta o fantasma da inflação. E o re-médio usado é sempre o mesmo –aumento dos juros para inibir o cré-dito, baixar o consumo e controlar ainflação. O Brasil não consegue sairdeste círculo vicioso e assim, suces-sivamente, vamos perdendo asoportunidades trazidas por cená-rios econômicos favoráveis. Fica-mos sempre com a sensação deque o País podia mais.

A solução é complexa e envolvediversos problemas que o Brasilprecisa resolver para se tornaruma nação desenvolvida, entreeles o baixo nível de poupança in-terna, a falta de investimentos eminfraestrutura e o enorme déficitdas contas públicas. Estamos àsvésperas de um importante pro-cesso eleitoral e o futuro do Paísdependerá muito do próximo pre-sidente e das ações que ele toma-rá, junto com sua equipe. Quere-mos contribuir com esse proces-so, estimular o debate de temas relevantes para o futuro danação, apontar soluções e alternativas. Por essa razão, aAssociação Comercial de São Paulo, por meio da revistaDigesto Econômico, propôs reunir os trabalhos de maisde 30 especialistas de renome e lançou a série especialPropostas para o Próximo Presidente.

Neste quarto número da série, o cientista político Carlos Me-lo aborda o tema da Reforma Política, que sempre surge emano de eleições – todos concordam sobre a sua necessidade,mas pouco se faz para efetivá-la. Em seu trabalho, Melo propõea adoção do Voto Distrital Misto já para as eleições municipaisde 2012, proposta também defendida pela ACSP.

A economista Maria Teresa Bustamante, especialista emComércio Exterior e Relações Internacionais, mostra em seutrabalho que a inserção do Brasil no âmbito das negociaçõesinternacionais ainda é tímida, revestida de concessões unila-terais e desprovida de uma política comercial externa dinâmi-

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de

São Paulo e da Federação das AssociaçõesComerciais do Estado de São Paulo

ca e proativa. Em sua análise, faltauma visão governamental ampla eobjetiva para atender as deman-das do setor produtivo.

O Pré-sal e o modelo de explora-ção proposto pelo governo é o temados economistas João Manoel P. deMello e Vinícius Carrasco. Segundoos autores, o modelo de exploraçãoda parte remanescente da camadado Pré-sal apresentado pelo gover-no Lula contém três pontos nevrálgi-cos. Primeiro, há uma mudança notipo de leilão, de concessão parapartilha. Segundo, há a previsão deque a Petrobras seja a empresaexecutora de todo o Pré-sal. Por fim,há a intenção de entregar à Petro-bras, sem necessidade de leilão, asáreas adjacentes aos campos já en-contrados pela empresa. O estudoanalisa estes três pontos à luz de ar-gumentos microeconômicos.

A importância do setor de segu-ros para o desenvolvimento nacio-nal é o tema de Nilton Molina, vice-presidente da CNSeg - Confedera-ção Nacional das Empresas de Se-guros Gerais, Previdência Privadae Vida, Saúde Suplementar e Capi-talização. Ele propõe uma série depolíticas públicas voltadas paraampliar a penetração dos segurosno Brasil, em particular junto à po-pulação de menores rendimentose, de um modo geral, a extensãodos benefícios voltados para a pre-servação da saúde e a prevençãode acidentes do trabalho.

Por fim, o advogado Jairo Saddi aborda a questão da Re-forma do Poder Judiciário. Para ele, o Estado precisa investirem gestão e concentrar seus esforços orçamentários não emprédios ou gabinetes, mas naquilo que fará a Justiça melhor:sistemas, procedimentos, transparência, menos burocracia,controles mais racionais e uma carreira que, de fato, incentiveos melhores profissionais a progredirem.

Boa leitura!

O Paísprecisarompero círculovicioso

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ÍNDICE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

Coordenador da Série Especial Eleições 2010Roberto Macedo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Chefia de ReportagemJosé Maria dos Santos

Editor de FotografiaAlex Ribeiro

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto Gráfico e DiagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

Ilustrações e InfográficosAlfer e Zilberman

Gerente Executiva de PublicidadeSonia Oliveira ([email protected]) 3244-3029

Gerente de OperaçõesJosé Gonçalves de Faria Filho ([email protected])

I m p re s s ã oPrintcrom Gráfica e Editora Ltda.

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055FAX (011) 3244-3046

w w w. d co m e rc i o. co m . b r

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimaxfosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax

fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

6A Reforma Política e aReforma da Política –Diagnóstico e PropostasCarlos MeloLu

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20A trajetória do Brasil nainserção internacional –desafios e oportunidadesMaria Teresa BustamanteM

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32O setor de Seguros e odesenvolvimento nacionalNilton MolinaA

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46Pré-sal – Análise e propostasquanto ao modelo de exploraçãosugerido pelo governo LulaJoão Manoel P. de Mello e Vinícius Carrasco

CAPAIlustração: Paulo Zilberman

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62Poder Judiciário: reformaou ruptura? Uma agendapara o próximo presidente.Jairo Saddi

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Nas três primeiras edições da série especial Propostas para o PróximoPresidente, da revista Digesto Econômico, dezesseis especialistas

apontaram problemas do Brasil e apresentaram suas propostas. Foram eles:

Claudio de Moura Castro Hélio ZylberstajnJosé Pastore Joaquim Elói Cirne de ToledoEthevaldo Siqueira Nelson Marconi C l ó vi sPanzarini José Roberto Afonso José RobertoMendonça de Barros Geraldo Biasoto Jr. PatriciaMarrone Lídia Goldenstein Renato C. Pavan e JosefB a r a t C a r l o s A . R o c c a G u s t a v o K r a u s e

Acompanhe no site w w w. d c o m e r c i o . c o m . b r

Neste número, mais seis autores de renome fazemsuas análises em outros setores e apontam soluções:

Carlos Melo Maria Teresa Bustamante Nilton MolinaJoão Manoel P. de Mello Vinícius Carrasco Jairo Saddi

Próximos temas:

Programas Sociais, Segurança Pública, Esportes eTurismo, Pacto Federativo, Desenvolvimento Regional,Habitação e Saneamento, Eletricidade, TributosFederais, Burocracia Antiempresarial, Política Externa

Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicada a um profundo balanço doBrasil pós-Lula. Chamada de "Propostas para o Próximo Presidente", esta série especial será posteriormente entregue a todos

os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese das propostas que a ACSP irá apoiar.

Apoio:

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Carlos MeloCientista Político, Mestree Doutor pela PUC-SP.É professor do Insper -Instituto de Ensino ePesquisa (ex-Ibmec)desde 1999 e consultorde empresas nacionaise estrangeiras paraconjuntura políticabrasileira e liderança.É autor de "Collor, o atore suas circunstâncias"(Editora Novo Conceito).O autor agradeceao cientista políticoHumberto Dantas pelaleitura atenta e pelasnotas críticas, algumasincorporadas ao longodeste texto.

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AReforma Políticae aReforma da Política

Diagnósticoe Propostas

Lula Marques/Folhapress

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Resumo

Discutir a qualidade dosistema político brasileiroe sua relação com oprocesso detransformações levadoa cabo pelo País nasduas últimas décadas,além de propor medidasde aperfeiçoamentodesse mesmo sistema sãoos objetivos deste artigo. Apartir do questionamentoa respeito da realnecessidade da reformapolítica (a reforma érealmente necessária?),pretende-se demonstrarque a modernizaçãoatingida pela sociedadee pela economia do Paísdeu-se menos pelo bomfuncionamento do sistemapolítico do que pelo papelcentralizador do PoderExecutivo.

Somos uma jovemdemocracia, mas aqualidade e os custos dosistema político precisamser equacionados antesque o futuro determineprovidências de formamais dramática. Deve-sebuscar a reforma daconcepção de políticaarraigada na mentalidadedo País; antes de tudo,será preciso reformar"a" política para entãorealizar a ReformaPolítica; a presençade uma liderançapresidencial corajosa edecidida será fundamentalpara isto. Medidas comoa educação política,realinhamento partidário,instituição do voto distritalmisto, fim do votoobrigatório e "Cláusulade Desempenho" fazemparte do debate esão consideradas poreste trabalho.

Introdução: Reforma necessária?

Antes de tudo, cabe admitir que o tema "Reforma Po-lítica" é uma dessas ideias gastas e desacreditadasde tão repetidas. Frequentemente citada como re-médio para todos os males – "a mãe de todas as re-

formas" –, ao longo do tempo assumiu caráter perfunctório,não raro trata-se de tergiversação. Analistas e parlamentaresse constrangem com o debate que "não ata, nem desata". Anospassam, eleições e governos se sucedem e a reforma não sai dasintenções. Quando muito, o Congresso (1) envereda pelo tema,às vezes, como alternativa para fugir de agenda negativa. O fazcom muita agitação, mas pouca sinceridade de propósito; a talreforma conforma-se em não mais do que alguns remendos nalegislação eleitoral, que, em virtude disto, é constantementealterada, sem manter a imprescindível estabilidade das regras– ainda não tivemos duas eleições sob as mesmas regras.

Há razoável consenso quanto à necessidade, mas o acordo ter-mina por aí, pouco se faz para efetivá-la. Resta como recurso re-tórico. Paradoxalmente, no entanto, nada parece ser tambémmais apaixonante: preocupa, mobiliza e divide. Especialmenteentre os cientistas políticos. Muitos a apontam como condição si -ne qua non para outras medidas. Mas, importante corrente a en-xerga como desnecessária porque, apesar dos pesares, o sistemapolítico nacional tem promovido mudanças. Nos últimos anos oPaís inegavelmente operou uma série de importantes transfor-mações, reformando sua economia, além de muitos aspectos desua vida social mais equipada, moderna e democrática.

A observação empírica desse grupo indica que o Poder Exe-cutivo, o "presidencialismo de coalizão", atua com força e, emregra, suas iniciativas são referendadas pelo Legislativo. OCongresso não apenas vota e, de acordo com dados objetivos

Há um razoávelconsenso quantoà necessidade de

uma reforma política,mas o acordo

termina por aí e poucose faz para efetivá-la.

Luiz Prado/Luz

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de inúmeras votações, coopera com os sucessivos governos; oíndice de aprovação é grande e, no período observado, superaa marca dos 85%, sendo raras as rejeições (Limongi, 2006).

Realmente, chama atenção que nas duas últimas décadas amudança social no Brasil tenha sido tão significativa e que ain-da assim restem críticas ao sistema político. Pelo menos, desdea eleição de Fernando Collor de Mello (1990-1992), há um pro-cesso em andamento e muita coisa foi alterada. O Brasil tem semodificado e sua economia se fortalecido. Gradualmente, aeconomia se abriu à competição e a busca de eficiência tempressionado a modernização de empresas e o aperfeiçoamen-to do capital humano; o avanço tecnológico trouxe inegáveistransformações à vida social.

Sob o governo transitório de Itamar Franco (1992 - 1994), a edi-ção do Plano Real começou a equacionar o grande problema dainflação e da instabilidade econômica. Com a ajuda do CongressoNacional, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Car-doso (1995-2002), importantes medidas foram aprovadas e o pro-cesso pôde ser ainda mais percebido. Desde então, o Brasil deixoude ser "o país do passado", da inflação, dos pacotes, das mudançasde regras ao longo do jogo. Modernizou-se, evoluiu.

A vitória eleitoral do PT, em 2002, deu sequência a tudo isso: aodescartar discurso tão voluntarista quanto perigoso, a posse deLuiz Inácio Lula da Silva, em 2003, teve o mérito de afastar fan-tasmas – políticos e econômicos – e estabelecer que o País ama-durecera: fosse qual fosse a vertente política no poder, a estabi-lidade se tornara não apenas um indispensável requisito econô-mico, mas também um primado político do qual partidos e lide-ranças responsáveis e viáveis eleitoralmente não poderiamprescindir, sob pena de grande prejuízo político-eleitoral – além eem virtude da ruína econômica e social do País, é claro.

Não foi por outro motivo que logo nos primeiros meses de

seu primeiro mandato, o presidente Lula sinalizou com a mo-deração: formou a equipe econômica com membros do governoque o antecedera e não alterou regras do jogo; ao contrário, asaprofundou. Além de maior rigor fiscal, Lula enviou ao Con-gresso iniciativas de reforma no âmbito da Previdência e dos Tri-butos; mobilizou governadores e articulou com parlamentares,inclusive da oposição, no que foi atendido pelo Legislativo ecom isso dissipou dúvidas iniciais a respeito do governo e es-tabeleceu certo equilíbrio econômico. Inícios de mandatos ten-dem a favorecer a ação e o protagonismo do presidente.

Ao longo do tempo, o Executivo construiu maioria parlamen-tar e garantiu a governabilidade. Mas o fez tendo que atender avoracidade dos partidos. Em grande medida, evitou agendaseconômicas e sociais negativas, mas também esvaziou o debatepolítico e o papel do Congresso. Como estratégia, priorizou ini-ciativas e agenda extra legislativas; como seus antecessores, ser-viu-se de Medidas Provisórias (MPs), uma prerrogativa legítima,mas controversa. Por meio da ação direta dos ministérios, da ar-ticulação de estatais, autarquias, fundos financeiros e setores so-ciais, buscou o menos possível depender da negociação com de-putados e senadores; quando inevitável, o fez cedendo espaços everbas. Mesmo assim, amargou algumas derrotas.

De todo modo, o País parece ter consolidado a estabilidade einiciado um processo virtuoso de desenvolvimento econômi-co e social. Se até determinado ponto foi favorecido pelas cir-cunstâncias internacionais, houve também virtude nas esco-lhas que o governo soube fazer e nas alternativas que descar-tou. Ao longo dos anos, sob Lula, o País conquistou respeitomundial; agentes econômicos readquiriram confiança, o in-vestimento voltou; novas políticas sociais puderam ser adota-das, o mercado se expandiu, milhões de brasileiros foram in-corporados à classe média. As agências de risco concederam o

Durante osdois mandatosdo presidenteFernandoHenriqueCardoso (1995-2002),importantesmedidas foramaprovadas e oBrasil deixoude ser o "país dopassado", dainflação (...)

André Lessa/AE

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"investment grade", uma forma de recomendação do País aocapital mundial. A popularidade presidencial explodiu.

A pior crise econômica internacional dos últimos 80 anosameaçava derrubar o edifício. Mas, no final das contas, se di-ferenciando de um mundo repleto de problemas, o Brasil seconstituiu num case de sucesso, uma espécie de "bola da vez"sob atenção do investidor internacional. Gozamos momentode inédito prestígio e inegável otimismo.

Sob essa ótica, o sistema político funcionou; o presidencia-lismo de coalizão (Abranches, 1988) não se mostrou, afinal, in-governável; caos, crises e disputas capazes de paralisar o País,como imaginavam alguns cientistaspolíticos, não proliferaram. De fato,estamos bem se postos a ombros comnós mesmo, com nossas (más) expec-tativas internas e também com omundo nesses dias de crise econômi-ca na Europa e nos Estados Unidos.

Mas, dizem os críticos do governo,que, infelizmente, pouco se aprovei-tou das janelas de oportunidade doperíodo. No bom momento, poder-se-ia crescer mais, eliminado problemasestruturais, modernizado a infraestru-tura. Há a sensação de que ficamosaquém do bom momento. É forçosoadmitir que o processo se deu com cus-tos maiores em virtude do baixo pa-drão de funcionamento do sistema po-lítico; pode-se dizer também que boaparte se realizou apesar dele.

Para o bem e para o mal, seu contro-le por parte do Poder Executivo e o re-lativo esvaziamento de partidos foi oremédio encontrado para que o Paísavançasse numa agenda reformista.Mas, uma agenda reformista maisaguda e a eliminação de uma série deentraves ao desenvolvimento poderiater-nos colocado em situação ainda melhor. Nossas debilidades edefeitos impedem uma mais rápida e vigorosa fuga para frente,para o desenvolvimento mais célere e sustentável.

Claro, ruim com ele, mas pior seria sem ele. Enfatize-se queaqui não se aventa a extinção de nossas instituições democráticas.Ao contrário, será necessário descartar a resignação com aquiloque espíritos mais argutos já chamam de "sub-ótimo satisfatório";vivemos uma melhora, é fato; a Realpolitikdo presidencialismo decoalizão entregou transformações à sociedade. Ainda assim,questiona-se a eficiência, os custos e a sustentabilidade dessa po-lítica, como também seus métodos. Esta é a questão: se quisermosmanter o processo e dar vazão ao desenvolvimento, a ReformaPolítica é, sim, tão necessária quanto inevitável.

O presente texto foi organizado em quatro seções, além destaintrodução. A primeira enfatiza "Os custos do sistema políti-co" e realiza pequeno apanhado a respeito dos problemas danossa democracia quanto ao funcionamento do sistema eleito-ral e dos parlamentos; a segunda, denominada "Modernização

e arcaísmo", busca demonstrar o processo de modernizaçãoeconômica e social que vivemos vi-à-vis o estancamento do pro-cesso de evolução política do País. Para remoção de arcaísmos eaperfeiçoamento do sistema político e democrático nacional, aterceira seção trata de "Propostas para reforma da política e pa-ra a Reforma Política". Busca trazer um rol de medidas e ques-tões – algumas de procedimento, outras institucionais – na di-reção de mudanças mais profundas que simples alterações delei eleitoral. Reconhece-se que, no atual estágio e nas condiçõesde disputa, algumas delas não são realizáveis, pelo menos nocurto prazo. Ainda assim, optou-se por trazê-las à superfície,

como contribuição para o debate.Por fim, um pequeno resumo a

respeito do Debate sobre ReformaP ol ít i ca , realizado na AssociaçãoComercial de São Paulo (ACSP), em24 de maio de 2010, elenca o rol depropostas ali apresentadas pelosconvidados e palestrantes, definin-do medidas consideradas comoconsenso e anotando pontos de dis-senso mais importantes.

1. Os custosdo sistema político

É inegável que a democracia trazbenefícios: liberdade de escolha, umaimprensa livre (2); os líderes da oposi-ção não estão na cadeia e o direito dediscordar é franqueado a todos; hápossibilidade de pressão por parte dasociedade e a definição de regras nãodepende dos humores e de vontadesindividuais. Não se trata de descartaresta via, mas apenas admitir que ain-da assim nosso sistema político temacarretado em sérios custos; custospara a modernidade, custos para o

avanço social, custos ao aprimoramento das instituições.Frequentemente, os governantes avaliam os custos políti-

cos de suas ações: o desgaste popular, o comprometimentoeleitoral. Naturalmente, calculam se os custos da mudançacompensam seus benefícios. Infelizmente, visões de curto pra-zo recomendam não enfrentar interesses cuja reação seja cus-tosa. Os custos do certo pelo incerto demandam coragem. Mas,o medo é, ao final, um custo de oportunidade.

Com pragmatismo, o estudioso que avalia a frieza dos núme-ros da política tende a compreender que nosso sistema políticofunciona e funciona bem: seus custos são compensados pelas mu-danças que efetivamente têm se dado nas últimas décadas. Mas,os custos sociais e econômicos pela ausência de decisão, pela pa-ralisia política, também deveriam ser considerados. São custos denegociação e de transação no interior de um sistema de fluênciacomprometida pela ineficácia e o anacronismo; os "custos da nãomudança", que prejudicam muitos e favorecem poucos.

Sabe-se apenas o percentual que os governos aprovam do

Lula

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Desde a eleição de Fernando Collor de Mello,o Brasil mudou e a economia se fortaleceu.

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Rickey Rogers/Reuters

Nos últimos anos, oportunidades foramperdidas, reformas estruturais

necessárias caíram no esquecimento.

que efetivamente foi à votação; daquilo em que houve nego-ciação, consenso e maioria. Nada se sabe, porém, daquilo quedeixou de ser encaminhado e se perdeu no processo de discus-são das comissões, nas disputas, nos particularismos de cadaCasa Legislativa; nos interesses de cada liderança capaz de in-fluir no processo. Também não se sabe tudo que sequer foi en-viado ao Congresso por inviabilidade política. Sabidamente,os líderes governistas não submetem aos plenários projetosdestinados ao fracasso; portanto, os números indicam, masnão explicam a dinâmica do processo.

Infelizmente, cálculos vinculados aos custos políticos decurto prazo fazem com que se desista da disputa, da polariza-ção, da articulação, da grande política enfim.

Finalmente, não se sabe também ao certo por quais instru-mentos e mecanismos de "per-suasão" os projetos de interessedo Executivo são efetivamenteaprovados, perfazendo assimos índices de sucesso dos go-vernos. Acreditar que isto se dêpor mera sintonia programáti-ca e alinhamento político seriaexpressar grande ingenuida-de – ou cinismo – absoluta-mente fora dos propósi-tos deste trabalho.

Em qualquer de-mocracia, os tem-pos da política, dan e g o c i a ç ã o , d oconsenso são mes-mo lentos e custo-sos ; não se podecompará-los com adinâmica das empre-sas, da iniciativa priva-da, e muito menos dosregimes autocráticos eautoritários. Mas, acres-cidos de interesses e disputas nem sempre transparentes setornam ainda mais lentos como também custosos; o desper-dício de oportunidades também onera.

Sabemos do que estamos falando e não precisamos buscardetalhes, exemplos e argumentos desnecessários (3). A rápidaanálise do noticiário permite concluir que o processo é menosprogramático e ideológico do que se poderia supor. Ocupaçãode ministérios, distribuição de diretorias de autarquias e esta-tais, além de milhares de cargos; a farta distribuição de recur-sos por meio de emendas ao orçamento – para ficar nos meca-nismos mais visíveis e, a princípio, legais – mostram que a sin-tonia política e ideológica é o que menos conta.

Nos últimos anos – e não apenas nos mandatos do presiden-te Lula – janelas de oportunidades foram perdidas, saltos dequalidade não se efetivaram, reformas estruturais foram es-quecidas, medidas de aperfeiçoamento institucional deixa-ram de ser adotadas, tudo inviabilizado por interesses que nãoconstam de estatísticas.

Some-se a isto, é claro, a pouca preocupação e cuidado comos recursos públicos: não raro, um festival de irresponsabili-dade fiscal e populismo econômico. Se exemplos remotos nãobastassem, casos mais recentes serviriam para demonstrar adisfuncionalidade: no início de maio de 2010, à revelia do go-verno, da responsabilidade fiscal e da saúde econômica doPaís, o clima de oportunismo eleitoral explícito fez com que aCâmara dos Deputados aprovasse reajustes salariais para apo-sentados e também o fim do chamado Fator Previdenciário.

A "idiossincrasia" do sistema coloca o Tesouro Nacional emapuros e, pior, ilude o cidadão. Investidores desacreditam dofuturo; remete-se ao presidente da República a responsabilida-de e o desgaste de um veto impopular, mas inevitável.

O fato é que a modernização tem avançado mais nos mo-mentos limite, em virtu-de de external idadesdramáticas; como quan-do das crises do final dosanos 1990 (mandato deFHC) e o teste de credibi-l idade nos primeirosmeses do governo Lula.

Como se disse, o bommomento pareceser mau conselhei-ro; o longo prazo érenegado: refor-mas no âmbito daprevidência so-cial, do funciona-lismo, da estrutu-ra tributária, dalegislação traba-lhista, da admi-nistração pública,tudo tem sido em-purrado para o fu-turo, quando sere-mos obrigados a as-

sumi-las com maiores custos e urgência.Isso não condiz com a economia eficiente e a sociedade mo-

derna que temos construído nas últimas décadas. Quais se-riam as razões disto?

Pode-se dizer que nosso modelo político carece de um siste-ma de checks and balances, que, em resumo, seria a capacidade deos poderes fiscalizarem-se mutuamente; estabelecer um jogopositivo de vigilância e responsabilidade. Mas, também carecedo acompanhamento, fiscalização e cobrança do cidadão; dapossibilidade de o eleitor aprovar e/ou reprovar seu represen-tante mais direta e imediatamente, não apenas na eleição; masda pressão democrática e republicana que possa exercer.

O controle da política por parte do cidadão é bastante pre-cário e dificultado por um sistema partidário e eleitoral que,reconhecidamente, possui deficiências que uma reforma elei-toral – precedida da reforma política e da reforma da política –poderia atenuar.

Os problemas são bastante conhecidos, os mais evidentes são:

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- A distância entre representantes e representados: em SãoPaulo, por exemplo, pode-se fazer campanha e receber votosem 645 municípios; evidentemente, poucos o conseguem nes-sa amplitude. Já existe certa dinâmica distrital, em que os can-didatos buscam votos e prometem melhorias e recursos paradeterminada base regional (ou setorial), mas nada o impedede distanciar-se, trocando eventual pressão regional por "no-vas" bases políticas. Não há um limite visível e politicamentedeterminado, sujeito à fiscalização do eleitor; a enorme liber-dade de mobilidade facilita a ausência de controle.

- A proximidade com particularismos e interesses corpo-rativos: a diversidade é natural da democracia, mas o particu-larismo pode afastar e prejudicar o interesse geral em benefícioexclusivo de setores organizados e mobilizados; paradoxal-mente, o Estado corporativo é a nega-ção da sociedade democrática. O votoproporcional, colhido em todos os 645municípios de São Paulo, por exem-plo, tende, sobretudo, a fortalecer cor-porações distribuídas e organizadaspor todo o Estado: professores, funcio-nários públicos, grupos religiosos emovimentos sociais. Nada contra a or-ganização, a representação e a defesade interesses setorizados. O problemareside quando se estabelece uma lógi-ca que os privilegia – pois sua logísticaregional favorece e facilita as campa-nhas – em detrimento do restante da ci-dadania e do interesse geral.

- Voto proporcional com lista aber-ta: deforma-se a vontade do eleitorque, ao votar num indivíduo, podeeleger outro diferente de sua prefe-rência; isto sequer será de seu conhe-cimento. A confusão se agrava aindamais com as coligações eleitorais;

- O sistema multipartidário e fragmentado: a grande quan-tidade de partidos dificulta o processo de negociação. Além denegociar com os vários atores, não raro o Executivo se vê obri-gado a negociar também com as frações partidárias;

- Heterogeneidade dos partidos: interna aos partidos, osfragiliza; disputas internas pela máquina partidária e por es-paços eleitorais, candidatos proporcionais da mesma legendafrequentemente competem entre si. Paradoxalmente, as maio-res rivalidades estão dentro do próprio partido;

- Excesso de iniciativa legislativa do Poder Executivo:é na-tural que os governos necessitem de mecanismos que facili-tem a rápida tomada de decisão. Mas, fora de critérios e emer-gência e excepcionalidade, instrumentos como as MedidasProvisórias (MPs), por exemplo, esvaziam as atribuições doLegislativo e fragilizam o equilíbrio entre os Poderes;

- A "construção" das maiorias parlamentares: o jogo prag-mático de concessão de espaços administrativos e verbas emtroca de apoio parlamentar estimula o patrimonialismo; alia-dos exigem ministérios "com porteira fechada". Aumentan-do o fisiologismo, esvazia-se o debate e a credibilidade;

- A voracidade por cargos e verbas: a exigência de espaçossempre crescentes é a contrapartida da construção de maioria;perpetua disputas entre aliados; acende a pólvora do "fogo ami-go" e reabre processo de negociação a cada votação importante.A demanda por mais espaços é quase "inadministrável";

- O círculo vicioso da "grande bancada": leia-se PMDB;grande número de cadeiras no Parlamento exige mais espaçono Executivo (ministérios e verbas); manipulando esses recur-sos, melhor atende a "clientela" nos municípios (obras, servi-ços, espaços e cargos); elege prefeitos e vereadores que, emmaior número, contribuirão para eleger mais deputados e se-nadores. Em ainda maior número, a "grande bancada" exigirámais espaço e mais verbas;

- Os custos das campanhas eleitorais: caríssimas, o finan-ciamento é, no mínimo, obscuro, derara transparência. Além do que, cau-sa enorme constrangimento a um de-terminado tipo de parlamentar que sevê obrigado a "pedir apoios" financei-ros a particulares. À parte disto, meca-nismos que garantem a arrecadaçãosão confundidos ou realmente sãovinculados ao favorecimento de ter-ceiros e à corrupção.

2. Modernização e arcaísmo

Quais seriam as causas desta pou-ca, quase diminuta, eficiência políti-ca? A explicação não é simples e, pro-vavelmente, nunca estará completa enem será consenso. Ainda assim, épreciso arriscar compreender sua di-nâmica. Em primeiro lugar, sempreserá necessário reconhecer nossa pou-ca tradição democrática. Característi-cas de nossa colonização deram à luz

uma política oligárquica e patriarcal, baseada num sistema es-cravagista e patrimonialista. O indivíduo comum, na verdade,nunca se viu motivado à participação política. Pelo contrário,nossa história é exemplo de sucessivos desestímulos, tal comoforam esmagadas revoltas e movimentos políticos. Ao longodo tempo, exercitamos "uma política sem povo", o voto censi-tário dos tempos do Império é figura mais que eloquente, po-rém não a única, a esse respeito. Há uma cultura política queresiste e que em muito facilita a dinâmica que vimos acima.

Com dados de 2008, Souza e Lamounier (2010) demonstramque o grande contingente recentemente agregado aos setoresde classe média possui pouco ou nenhum interesse por polí-tica, tem dificuldade em confiar em indivíduos que não lhessejam familiares, raramente se associa; desconfia do governo edas instituições. Pode-se concluir que está em consonânciacom nossa tradição e, infelizmente, não se diferenciam do restoda sociedade. Em debate na Universidade de São Paulo(13/05/2010), o cientista político Amauri de Souza afirmouque "temos uma sociedade anômica e instituições anêmicas".Resta perguntar o que "nasceu" primeiro.

Paulo Liebert/AE

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13JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

O Estado que herdamos dos portugueses, ao mesmo tempoem que prescindiu da participação popular, buscou o apoio deoligarquias regionais; cooptando-as, deu a elas títulos e poder emtroca de fidelidade. Logicamente, o sentido de res publica– mesmodepois do fim do Império – nunca foi assimilado por populares emenos ainda pelas elites. Grupos de interesse e particularismostrataram de tomar o Estado para si; assenhorear-se de seus recur-sos e assaltar seus fundos. No monumental "Raízes do Brasil",Sérgio Buarque de Holanda, já em 1936, afirmara que "a demo-cracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido" (Ho-landa, 1995:160). Lutar contra essa tradição já seria um grande de-safio. Mas, não se trata apenas disso.

Como vimos, o Brasil tem passado por vigoroso processo demodernização econômica e social. As transformações foram pro-fundas: a abertura do País para o mundo fez com que as institui-ções no âmbito da economia se ajustassem.Entre outras alterações, passamos a respei-tar contratos, buscamos a manutenção deum regime de estabilidade; deixamos ocâmbio flutuar; mantivemos superávitsnominais de modo a abater a relação dívi-da/PIB; a Lei de Responsabilidade Fiscalestabeleceu parâmetros de decência eco-nômica e moral para o setor público; a au-tonomia operacional do Banco Centraltrouxe racionalidade técnica à política mo-netária; a reorganização do mercado de ca-pitais deu segurança a investimentos; a re-estruturação do sistema financeiro(PROER) nos foi de imensa serventia nahora da crise... Em que pesem gargalos edistorções que precisam ser resolvidos, tu-do isto colaborou para a significativa me-lhora do ambiente de negócios.

Na sociedade, as transformações tam-bém foram inúmeras e tocantes: puxadaspelo desenvolvimento tecnológico, a ve-locidade da comunicação e o aumentovertiginoso dos meios possibilitarammais informação e elevação do senso crí-tico. Somos mais modernos e exigentes. Mas ainda vivemossob sombras do passado: em comparação com esses setores, apolítica pouco se modernizou; ainda assim, se o fez, foi guar-dando o sentido do particularismo, do patrimonialismo e todoo arcaísmo histórico. Nosso sistema representativo ainda é dis-tante da sociedade; antigas e novas elites regionais ainda con-trolam "currais" eleitorais; no parlamento, como no passado, atroca de favores ainda estabelece a lógica das negociações.

À parte disto, crises de liderança e de paradigma se estabe-leceram em todo o mundo. O fim da guerra fria e da bipola-ridade das potências mundiais estendeu direitos individuaispelo planeta, esvaziou utopias e arrefeceu paixões. A liberda-de se espalhou social e economicamente; a agenda mundial eas grandes questões da sociedade se alteraram, mas isso nãodespertou, necessariamente, um jeito novo de fazer política.

No mundo todo, os partidos políticos – que deveriam espe-lhar essas transformações – viram-se em profundas crises;

muitos desapareceram. Num primeiro momento, acreditou-se que organizações não governamentais seriam capazes desubstituí-los, que novos temas emergiriam e arrebatariam mo-ços e velhos, homens e mulheres.

De fato, novos atores, como os ambientalistas, por exemplo,surgiram e assumiram importância. Mas, ao mesmo tempo emque a liberdade individual, a modernização tecnológica e o de-senvolvimento da economia se expandiram, não apenas ospartidos, mas mesmo a ideia de ação Política (com "P" maiús-culo) sofreu retração e desprestígio. Sempre controversa e po-lêmica, nos últimos tempos a atividade política perdeu aindamais respeito; perigosamente, tornou-se irrelevante paragrande número de pessoas.

A sociologia, até então denominador comum da explicaçãoda sociedade, foi substituída pelo cálculo e pela racionalidade

econômica. A arbitragem entre vencedores e vencidos, exerci-da pela política, vista pelo ângulo da economia, foi menos efe-tiva. O indivíduo ficou só e as instituições se esvaziaram. Istotudo pode ser sintetizado pela frase da ex-primeira ministrabritânica, Margareth Thatcher: "esse negócio de sociedade nãoexiste, o que existe são indivíduos e famílias".

Renegada ao segundo plano, a atividade política decresceuem charme e status; perdeu interesse dos jovens e, sobretudo,dos economicamente protegidos. A qualidade de sua inter-venção e liderança declinou drasticamente; foi esconjurada.Claro que o resultado desse erro não tardaria: a fragilidade delideranças e a incapacidade política de oferecer parâmetros decomportamento individual e de ação coletiva germinaram acrise econômica internacional de 2008.

No Brasil, esse processo não foi diferente, sendo até mesmoagravado pela apatia política ancestral. Se, em 2008 e 2009, nãochegamos aos mesmos problemas econômicos e nas mesmas

Nosso sistema representativo ainda é distante da sociedade; no parlamento,como no passado, a troca de favores ainda estabelece a lógica das negociações.

Roosewelt Pinheiro/ABr

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dimensões que em outras partes do mundo, foi menos pelasqualidades do sistema político do que por seus defeitos. A cen-tralização de quase todo o poder no Executivo deu-nos o sen-tido de celeridade e a rapidez de decisão que faltou em socie-dades mais democráticas, onde os atos do mercado foram maisseveramente questionados e a ação do Estado mais fiscalizadae submetida a constrangimentos.

Paradoxalmente, o esvaziamento da política fez com que ocenário de caos não se confirmasse, pois, tivéssemos que sub-meter qualquer decisão ao sistema, como está hoje, seríamosenvolvidos num emaranhado de discussões e interesses nãorevelados. Todavia, isto não quer dizer que o mal é bom.

Na sociedade moderna, os anacronismos são rapidamenteexpostos; investigados e tornados públicos na velocidade da in-ternet banda larga, os escândalos se banalizam, geram indife-rença e desconfiança; a crise se aprofunda. A descrença na po-lítica diminui a eficiência geral do sistema; o potencial dos qua-dros políticos que aceitam participar do processo decai; perde-se qualidade e o futuro torna-se ainda menos promissor.

Jovens bem formados e capazes, pessoas de bem de um mo-do geral, adotam cautelosa distância da atividade pública. Oceticismo amplia o afastamento e ao mesmo tempo um cinis-mo pernóstico – "política é assim mesmo" – se expande ao ladodo farisaísmo moralista: "pega, mata, esfola: ninguém vale na-da; política é o fim". Não é bem assim, mas assim fica sendo.

Ao utilizar métodos de cooptação e favorecimento, fisiolo-gismo e aliciamento, o "presidencialismo de coalizão" impri-miu ainda maior esvaziamento e desgaste à atividade políticado que seria natural nesse novo mundo em transformação. Nolongo prazo, a rigidez e a disfuncionalidade do sistema polí-tico pode comprometer a todos.

Sem a oferta de bons quadros, o recrutamento torna-se maisprecário: quem sonhará ser político; quem perderá seu tempocom isso? Apenas abnegados, sacerdotes e mal-intencionados sesubmetem ao leilão de votos e interesses. A qualidade da lideran-ça declina; a dinâmica é perversa. Em âmbito nacional, a pequenarenovação de nomes e a qualidade duvidosa de quadros apro-fundam o abismo entre a sociedade e a economia modernas e apolítica arcaica. Se nada for feito, o colapso é mais que plausível.

A realidade que esse sistema já produz é evidência disto: a)exclusão de amplas parcelas da população praticamente semdireitos civis; b) violência policial e violação de direitos huma-nos; c) corrupção; d) insegurança e saúde precárias – em quepese melhoras a partir do SUS –, educação deficiente; serviçospúblicos de péssima qualidade, enfim.

Os mesmos dados do World Forum que indicam avanço doPaís nos rakings mundiais de competitividade (56º no ranking),indicam também que entre 131 países pesquisados, somos a 2ªpior regulação estatal; o 6º pior desempenho em número de diaspara abrir uma empresa; no critério instituições públicas, o 93º co-locado, com a 12ª pior aduana do mundo; o 10º pior no desem-penho em matemática; o 13º pior no quesito corrupção; o 15º nocusto da violência e apenas o 103º no que se refere à qualidade daeducação em geral (O Estado de S. Paulo, 09/09/2009).

Claro que a sociedade tem sua parcela de responsabilidade;remeter todos os males à culpa dos políticos é simplismo.Qualquer sistema político requer, antes de tudo, pressão e con-

trole de modo a que os eleitores sejam adequadamente repre-sentados. Eleitores exigentes fazem valer direitos e melhorama qualidade geral do sistema; seu interesse e envolvimento sãoelementos fundamentais na arena política e contribuem para aaccountability horizontal e vertical, o controle sobre os poderes eentre os poderes (O'Donnell, 1998).

Quanto mais atenta a sociedade, melhor seu sistema repre-sentativo. As soluções, é evidente, passam pela política e pelospolíticos; o sistema precisa ser aperfeiçoado. O enfraqueci-mento do Congresso Nacional e a depreciação da atividade po-lítica não interessam nem à sociedade, nem à economia; os de-safios impostos a partir da crise e em virtude do crescimentoeconômico necessitarão de decisões e mudanças de maior pro-fundidade, às quais obrigatoriamente passarão pelo crivo dosistema político, pois ferirão interesses; "o conflito", afinal, "é onervo da política", disse o sociólogo Fernando Henrique Car-doso (1972). A conciliação de interesses e a protelação sistemá-tica desses conflitos, que até aqui tiveram vez, não terão maisespaços numa lógica de desenvolvimento que precisará de re-formas que lhes dê fôlego e sustentação.

Ademais, instituições eficazes e estáveis são sempre melhore maior garantia de estabilidade e progresso. Regimes e esque-mas de poder precários afastam investidores e inibem a liber-dade. Instituições são os mecanismos mais seguros e duráveispara a promoção e sustentação do desenvolvimento (Nor-th,1990). O Brasil das últimas décadas passou por sensível me-lhora nesse campo, houve progressos quanto a valores como aestabilidade e a própria democracia; no entanto suas organi-zações políticas não se modificaram no ritmo e na dimensão daeconomia e da sociedade.

Tudo nos obriga a buscar outros métodos: ainda que "Refor-ma Política" seja uma ideia gasta, no Brasil de hoje nada é maisurgente do que reformar a política que se pratica.

3. Propostas para Reforma da Políticae para a Reforma Política

Antes que novos instrumentos de representação sejam avalia-dos ou que se debruce sobre o desgastado recurso às reformaseleitorais limitadas, cabe ter em mente que é preciso mudar a con-cepção de política que se desenvolveu e se cristalizou no Brasil aolongo dos anos. Não se deve confundir tradição com destino; ofuturo pode ser construído, gradualmente, sobre outras bases evalores. Deve-se acreditar no sentido evolutivo da história.

É claro que o conjunto de interesses e forças sociais interes-sados na manutenção do status quo é poderoso; a começar poraqueles a quem formalmente caberia propor e aprovar os me-canismos dessa mudança: o próprio sistema político e, em par-ticular, os membros do Congresso Nacional. Eleitos por regrasque lhes são favoráveis, não é de se estranhar que a maioria dosparlamentares fique reticente e omissa em relação à matéria.

Todavia, a sociedade existe e suas lideranças políticas po-dem despertar e mobilizar seu poder de pressão. A reformanão se fará sem sociedade e liderança. É a sociedade quem dá aluz à liderança; desenvolvida, a liderança mobiliza a socieda-de. É um jogo de interação, uma relação dialética que despertaa sinergia da mudança.

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Dessa forma, é fundamental que neste ano eleitoral a socie-dade se manifeste e exija este compromisso por parte dos can-didatos a presidente da República: que assumam a liderançapropositiva que lhes cabe e mobilizem forças sociais e políticasna direção da Reforma Política. É evidente que o momento étambém delicado: candidatos à presidência precisam de candi-datos proporcionais que levem suas campanhas, que agitemsuas bandeiras. Todavia, essa é a encruzilhada entre a conve-niência e coragem. Dada a centralidade e a visibilidade das cam-panhas não há momento melhor para politizar a sociedade eamarrar o (a) próximo (a) presidente com este compromisso.

Depois da vitória, o (a) presidente precisará compreender quesua popularidade não pode residir na negativa de contrariar in-teresses; o temor de assumir medidas duras, mas absolutamenteimportantes numa perspectiva de longo prazo, apequena a lide-rança. Se sua obrigação consiste em fortalecer instituições, seuprimeiro desafio é transformar mentalidades que enfraquecemas instituições. As instituições não brotam do chão; são resultadodos indivíduos que as formam; para que evitem que a sociedadese desmantele, é necessário que algo não permita que a própriainstituição se desmantele (Elster, 1994). Mesmo a democracianorte-americana, de instituições robustas e duráveis, necessitoude liderança: Washington, Franklin, Jefferson, Jackson entre ou-tros. Tiveram antes de tudo o papel do exemplo e a determinaçãodidática. No caso brasileiro não seria diferente.

Sem temor de enfrentar interesses, capacidade de comuni-cação e qualidade ampla de articulação política, o (a) futuro (a)presidente deve agir com a determinação que caracteriza os es-tadistas; compromisso com o futuro acima dos interesses elei-torais. A legitimidade das urnas, a "lua-de-mel" dos primeirosmeses de mandato, o protagonismo, o acesso aos meios e a pos-sibilidade de mobilização de setores sociais fornecem o con-vencimento, a persuasão e a educação política necessárias. Épreciso agir já logo após a vitória eleitoral.

Algumas sugestões ao alcance do Executivo, do Legislativoe dos partidos podem ser defendidas pela liderança presiden-

cial. Verdade que "o papel aceita tudo" e muitas destas formu-lações podem parecer impraticáveis e ou românticas. Mas, pioré a timidez e a resignação com o que apenas se intui ser o pos-sível. Os interesses estão cristalizados, mas retiremos do con-flito a ousadia de ir muito além do medíocre:

- Um pacto pela reforma da política: envolvendo emprega-dos, empregadores, meios de comunicação, partidos, organi-zações representativas, a juventude. Explorar a capacidade deagenda do governo federal, fazendo desta questão uma impor-tante bandeira; compor um grupo social e intelectualmente re-presentativo – necessariamente, não vinculado a partidos – cu-ja missão será discutir e propor medidas no âmbito da reformada política e da Reforma Política strictu sensu. Para que tenhadestino diferente da Comissão Afonso Arinos – que em 1985elaborou um anteprojeto da Constituição Federal – será im-prescindível oferecer os resultados do trabalho a amplo debatesocial, explicitando sua importância para o futuro; e só depoissubmetê-lo à apreciação do Congresso Nacional;

- Estimular a formação de novas lideranças: ao longo dosanos, a qualidade da liderança política se perdeu; bons qua-dros se retiraram do processo e não foram substituídos à altura.A imprescindível renovação com qualidade é questão central edeve ser estimulada nas empresas, nos sindicatos, nos movi-mentos sociais, nas universidades, nos meios de comunicação.A começar pelo resgate da ideia da Política, como atividade sé-ria, nobre e digna, uma revolução de valores torna-se funda-mental. A "provocação" desse processo deve partir de uma li-derança política plena de legitimidade, com a energia da vitó-ria eleitoral e do início de mandato. "A reforma da própria po-lítica enquanto valor e concepção" primeiro; depoisinstrumentos que facilitem a renovação;

- Estimular partidos mais rigorosos e seletivos: além da "fi-cha limpa", que as legendas submetam seus quadros à forma-ção que prime pela qualidade da intervenção política; pelo co-nhecimento da história, pela discussão da ética. Qualquer umpode participar da política, votar e ser eleito, mas é necessário

Dida Sampaio/AE

As instituições nãobrotam do chão, são

resultado dos indivíduosque as formam.

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que se comprometa com o aperfeiçoamento e com a qualidadede sua intervenção;

- Valorizar a atividade política: em que pese a má fama quecarrega, a Política é atividade essencial que não pode ser relegadapela sociedade. Não se deve admitir como natural a perda debons quadros para o setor privado, porque a atividade não trazrespeito e a remuneração é menos que atrativa quando exercidacom honestidade e cumprimento do dever. Há um paradoxo: noBrasil, se comparado a padrões internacionais, a atividade par-lamentar é cara; gasta-se muito e mal – a começar com vereadoresespalhados por todo o País. No entanto, o presidente da Repú-blica, ministros, governadores, prefeitos e mesmo parlamentaresmais dedicados e competentes são remunerados num patamarinferior aos valores percebidos pela iniciativa privada. A valori-zação da atividade tende a alterar a oferta, gerar o aumento dacompetição e, por decorrência, a melhora na qualidade da oferta.No mais, a reforma administrativa dos parlamentos é o desafio.

- Redução do número de cargos comissionados: reduzir aspossibilidades de nomeação política ao mínimo imprescindí-vel, isto é: limitando-a apenas ao principal posto em cada mi-nistério, estatal e autarquia – acompanhado de um único as-sessor, na condição de chefe de gabinete. Este recurso busca de-molir esquemas de troca de apoios por cargos públicos e con-trole de máquinas administrativas, evitando negociaçõessempre recorrentes e disputas entre aliados pela distribuiçãode espaços na máquina;

- Emendas Parlamentares: definir a obrigatoriedade legal emoral de liberação dos recursos de todas as emendas parlamen-tares aprovadas pelo Congresso na ocasião da votação do orça-mento, desde que, como manda a lei, estejam perfeitamente pro-visionadas de recursos e estes sejam limitados a uma pequenaparcela do orçamento; limitar a coerção do Executivo sobre o par-lamento baseada na possibilidade de o governo liberar ou não,recursos para as emendas. Para isso, a proposta busca alterar alógica e dar celeridade ao processo: as liberações devem começarpelas emendas oposicionistas; fazê-lo sem qualquer discrimina-ção partidária até que naturalmente chegue-se por fim às emen-das dos aliados. A disputa e o debate a respeito da real necessi-dade da liberação desses recursos aumentarão, mas o compadriona aprovação das emendas diminuirá;

- Reordenação partidária: embora o presidente da Repúblicanão possa e nem deva intervir na organização dos partidos, suaação política será relevante para que exista mais identidade par-tidária. Será necessário forjar um processo dissidências e de fu-sões partidárias; um rearranjo partidário deve ser incentivado demodo a formar novos conjuntos sem a dicotomia governo/opo-sição, mas pela sintonia política e ideológica entre grupos hoje es-palhados por todos os partidos. Enfim, realinhar forças e lideran-ças é fundamental para que se liberte a agenda do século 21 e se dêa mínima coerência e homogeneidade aos partidos;

Evidentemente, caberá à liderança cumprir o roteiro acimasem se deixar levar pela tentação do viés partidário, da dou-trinação ideológica; baseando-se apenas no princípio da edu-cação política plural, na ética republicana, no entendimentodas necessidades do País. No mais, é claro, há também uma sé-rie de medidas incrementais cuja responsabilidade é do PoderLegislativo e dos partidos, ainda que possam ser provocados e

instados pela sociedade e pela liderança política presidencial.Entre outras medidas, um pacto pela Reforma Política poderiaoferecer ao Congresso as seguintes propostas (4):

- Maior restrição da emissão de Medidas Provisórias: tal-vez aumentando a dificuldade de sua aprovação por um quo-rum maior e mais qualificado de parlamentares; a maior difi-culdade em aprová-las deve desestimular a emissão de MPscomo recurso banal;

- Diminuir os custos de campanha: sobretudo, os vincula-dos à produção dos programas de televisão; estabelecer limi-tes máximos de gasto. Despesas de manutenção de partidos ecustos de campanhas eleitorais precisam de maior publicida-de e transparência: um balanço público, possível de ser audi-tado tanto pela Justiça Eleitoral quanto pelo Ministério Públicodeverá estar aberto a qualquer interessado. A fiscalização, éclaro, pode ser feita por amostragem. Assim sendo, doações re-cebidas não precisam ser, necessariamente, nominais; sobre-tudo após a adoção do voto distrital misto, iniciativa que tam-bém contribuiria para a diminuição desses valores;

- Voto distrital misto: a começar já em 2012 nas eleições mu-nicipais, em municípios com mais de 200 mil eleitores. Depois,implantá-lo gradativamente (nos 10 anos seguintes) nos demaismunicípios, nas eleições estaduais e, por fim, na disputa federal.Inicialmente, criar distritos considerando aos números atuais debancadas estaduais. São Paulo, por exemplo, que hoje conta com70 deputados, se dividiria em 35 distritos – de igual número deeleitores – com eleição para duas vagas para a Câmara dos De-putados: uma por voto majoritário (se necessário com dois tur-nos), outra pelo voto em lista partidária fechada. Nos anos se-guintes, caminhar para formação de distritos homogêneos – de

Fotos: Evaristo Sá/AFP

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17JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

igual número de eleitores – em todo o território nacional na quan-tidade de 274, com direito à eleição de duas vagas para a Câmarados Deputados (uma por voto majoritário, outra por lista);

- Fim das coligações proporcionais em todos os níveis (se eenquanto não for instituído o voto distrital): tornar o voto decada eleitor mais fiel aos seus propósitos é medida urgente e ne-cessária; fazer com que sejam eleitos somente os candidatos queefetivamente possuírem votos para isto é o caminho. A presentedistorção deve ser eliminada e modo a tornar o parlamento maislegítimo e representativo da vontade do eleitor. Busca-se tambémevitar a "carona" dos pequenos partidos, em alianças, às vezes es-púrias, feitas à sombra das grandes legendas;

- Retomar a Cláusula de Desempenho: reduzir o númerode partidos, não permitindo representação parlamentar, tem-po de rádio e TV e a utilização de recursos do fundo partidáriodaqueles que não tenham alcançado um mínimo de 5% dos vo-tos válidos para a Câmara dos Deputados. Esse mecanismo vi-sa forçar um realinhamento e a incorporação de partidos pe-quenos pelos maiores. A disputa interna aos partidos e a he-terogeneidade interna podem aumentar, mas diminuem-secustos de negociação, aumentando também a representativi-dade de cada bancada. Amplia-se a inteligibilidade do siste-ma, aglutinando forças partidárias;

- Suplente de senador: acabar com a figura do suplente desenador, cuja posse em lugar do titular tem retirado qualidadeexperiência e legitimidade do Senado Federal; por ser umaeleição majoritária, na vacância do senador eleito faz-se novaeleição. O objetivo é desestimular licenças e afastamentos.

- Extinção dos blocos principais de propaganda partidáriae eleitoral gratuita no rádio e na TV: distribuir os tempos des-tinados aos blocos da manhã, tarde e noite em pequenas inser-

ções exibidas ao longo da programação diária. Os "drops" pas-sam a ser destinados também à apresentação de propostas.Ademais, isto forçará que o uso do Horário Gratuito concedidoaos partidos – regular ao longo do ano – seja utilizado na pers-pectiva programática.

- Voto facultativo: em que pese a necessidade de estimular aparticipação política do cidadão, o voto deve passar a ser enten-dido como um direito e não um dever obrigatório. A situação co-mo está hoje garante aos partidos uma espécie de "reserva de mer-cado". Normalmente distante da discussão política, o indivíduocaminha para as urnas sem muita empolgação e informação; nãoassume a responsabilidade de seu voto. O voto facultativo obri-garia os partidos a buscarem a adesão de eleitores; filiar, mobili-zar, convencê-los a votar. Claro que haveria o risco de abusos dopoder econômico, compra de voto e que tais. Mas, em alguma me-dida mesmo no atual sistema não estamos livres disto. Além doque esse problema não se resolve com mando e "obrigação", mascom a cidadania do eleitor e a fiscalização da Justiça Eleitoral.

- Critérios de eficiência: parlamentares precisam ser cobra-dos pelo resultado de suas ações. Se o País melhora e o ProdutoInterno Bruto cresce, nada mais justo que sejam reconhecidospela "produtividade" também vinculada ao número de proje-tos aprovados durante o ano; o inverso deverá ser verdadeiro.De algum modo, será importante atrelar a atividade parlamen-tar e ao desenvolvimento econômico e social do País.

- Financiamento Público e Exclusivo de Campanha: com-preende-se a lógica do "financiamento público e exclusivo decampanha" – no atual sistema privado está grande parte da ori-gem dos males do sistema político atual. Todavia, esta mudan-ça só poderia ser imaginada, após todas as garantidas de trans-formação do sistema político. Hoje, correríamos o risco de con-

Depois da vitória,o (a) presidente

precisarácompreender quesua popularidadenão pode residirna negativa de

contrariarinteresses; o temorde assumir medidas

duras, masabsolutamente

importantes numaperspectiva

de longo prazo,apequena

a liderança.Nas fotos, os

presidenciáveisMarina Silva (PV),José Serra (PSDB) eDilma Rousseff (PT).

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18 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

viver com algo duplo (financiamento público, mais "Caixa 2"privada). Seria, portanto, uma espécie de complemento a to-das as demais propostas aqui presentes, o que corresponderiaa uma profunda mudança de mentalidade. Financiamento Pú-blico Exclusivo é, portanto, ponto de chegada (e se tudo correradmiravelmente bem), não o ponto de partida de qualquer Re-forma. Deveria ser adotado apenas após algum tempo da im-plantação do voto distrital misto.

Toda e qualquer forma de organização política e eleitoraltraz ganhos perdas. Não há notícia de sistema perfeito. O votodistrital, é claro, possui inconvenientes, assim como o voto fa-cultativo. Mas, seus "contrários", o sistema proporcional e ovoto obrigatório também trazem contradições e defeitos. Oimportante é perceber que escolhas são inevitáveis e, já que te-mos que fazê-las, melhor é procurar dar-lhes o sentido demaior liberdade, coerência, participação, aproximação entre

eleitores e eleitos; pesos e medidas, accountability.Resgatar a política como atividade nobre e buscar seu ponto

de eficiência; torná-la à altura do potencial e dos desafios que oPaís enfrentará, necessariamente, com o seu auxílio; permitirque se torne importante instrumento na vazão do processo dedesenvolvimento econômico, social e ambiental, o dínamo dobem-estar e da democracia são, ente outras, as tarefas do (a)próximo (a) presidente da República.

4. Um Debate sobre "Reforma Política" na ACSP

Promovido pela Associação Comercial de São Paulo(ACSP), em 24 de maio de 2010, o debate a respeito da "Refor-ma Política" contou com a presença dos senadores Kátia Abreu(DEM-TO) e Marco Maciel (DEM-PE); do deputado ArnaldoMadeira (PSDB-SP), do ex-deputado e ex-ministro Pimenta da

Notas(1) E quando não é o Congresso, é o Poder Judiciário que assumeuma espécie de função moderadora e intervém diretamenteno processo; desautorando o Legislativo, impondo e desfazendonormas (como são exemplos os casos da Verticalização,da Cláusula de Desempenho e da diminuição do número devereadores do país); tornando ainda maior a instabilidadedas regras.(2) Em que pese o fato de organismos internacionais apontarem aconcentração dos meios de comunicação nas mãos da classepolítica e manifestações no sentido de que se venha a estabelecer"controles sociais" sobre os meios de comunicação.(3) Ainda assim, é irresistível mencionar pelo menos o caso danão aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que

renovaria a Contribuição Provisória sobre MovimentaçãoFinanceira (CPMF), em 2007: independente do mérito daCPMF, o fato é que a PEC ficou retida na Câmara dosDeputados durante meses, o que deu força à oposição e aomovimento de empresários contrários e que, por fim, conseguiumobilizar Senadores contra a aprovação. Segundo a imprensa,essa "retenção" se deu simplesmente porque era interesse doPMDB "arrancar" do governo uma nomeação para diretoria deFurnas , por fim autorizada. A perda de arrecadação foiestimada em R$ 40 bilhões.(4) Medidas como "fidelidade partidária", exigência da chamada"ficha limpa" são desejáveis, mas não serão mencionadas umavez que já estão presentes no atual sistema.

Em maio, a AssociaçãoComercial de São Paulo

promoveu um debatesobre a Reforma Política,

que contou com apresença de diversas

personalidades do meiopolítico, entre eles odeputado Arnaldo

Madeira (PSDB-SP) e oex-ministro e ex-senador

Jorge Bornhausen(DEM-SC). Entre as

propostas do encontroestá o fim das coligações

proporcionais.

L.C. Leite/Luz L.C. Leite/Luz

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19JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

2. A alteração do Sistema Eleitoral, com a adoção do " Vo t oDistrital Misto", como medida de maior facilidade de nego-ciação do que o modelo "Distrital Puro". A proposta é que passea vigorar já nas eleições municipais de 2012, a partir dos mu-nicípios acima de 200 mil eleitores. Sua implantação no terri-tório nacional seria gradativa;

3. Fim das Coligações Proporcionais já para as próximaseleições;

4. Adoção de "Listas Partidárias Fechadas", como fator se-cundário e em caso da não aprovação do "Voto distrital Misto".

Foram pontos de divergência e não se chegou ao consensoem relação a dois temas:

1. O "Fim da Reeleição" para presidente da República, go-vernadores e prefeitos;

2. "Financiamento Público de Campanha".

Veiga (PSDB-MG). O encontro foi mediado e teve uma apre-sentação preliminar do tema feita pelo ex-senador e ex-minis-tro Jorge Bornhausen (DEM-SC), também coordenador doConselho Político-Social da ACSP.

Foram objeto de consenso entre apresentador e debatedoresos seguintes pontos:

1. OesforçopelaReformaPolíticadevebuscaropossível,nãoo desejado, sob pena de o segundo pôr a perder o primeiro;

2. A Reforma só se dará com o apoio expresso da liderançapolítica do (a) próximo (a) presidente da República e isto deveser buscado logo no início do mandato.

No que se refere a propostas substantivas de conteúdo co-muns, destacam-se:

1. A aprovação da "Cláusula de Desempenho", com a de-vida alteração da Constituição Federal;

Referências Bibliográficas

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L.C. Leite/Luz L.C. Leite/Luz

Estiverampresentes noevento promovidopela ACSP sobreReforma Políticaos senadoresMarco Maciel(DEM-PE)e Kátia Abreu(DEM-TO).Foi consensoa necessidade deadoção do sistemade Voto DistritalMisto nas eleiçõesmunicipais de2012 para cidadescom mais de200 mil eleitores.

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Maria TeresaBustamanteEconomista formada pelaUniversidade J. Tadeu Lozano(Colômbia), Mestre emAdministração pelaUniversidade Positivo, deCuritiba (PR), e Doutorandapela mesma universidade. De1972 a 2009 foi GestoraCorporativa de ComércioExterior e RelaçõesInternacionais da WhirlpoolS.A. É diretora doDepartamento de RelaçõesInternacionais da AssociaçãoBrasileira da Indústria Elétrica eEletrônica (ABINEE) ecoordenadora de ComércioExterior da AssociaçãoNacional de Fabricantes deProdutos Eletro-Eletrônicos(ELETROS), entre outros cargossemelhantes em váriasentidades de classe.Representando essa empresa eessas entidades, acompanhoue ainda acompanha muitasnegociações comerciais doBrasil com outros países e emorganismos internacionais, emparticular o Mercosul.

Divulgação

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A trajetória do Brasilna inserção

inter nacionalDesafios e oportunidades

Moacyr Lopes Junior/Folhapress

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22 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

Resumo

A inserção do Brasil noâmbito das negociaçõesinternacionais é tímida,revestida de concessõesunilaterais e desprovidade uma política comercialexterna dinâmica eproativa. Também limitaessa inserção a apatia erelutância de grandeparte do setor empresarialem participar dasnegociaçõesinternacionais, aliada àfalta de uma visãogovernamental ampla eobjetiva para atender àsdemandas do setorprodutivo. Isto, com oobjetivo de prospectar eabrir novos mercadosvisando aoaproveitamento de oportunidades, num espaçoglobal competitivo marcado pela grave criseeconômica e financeira dos últimos anos, e arecriação generalizada de mecanismos de proteção.

Nesse contexto, é imprescindível voltar, também, oolhar crítico para a estrutura interna das operaçõesde comércio exterior, que a despeito dos avanços dedotar de sistemas de informática vários órgãosintervenientes e de reduzir a burocracia, aindapossui uma longa estrada a percorrer devido àcarência de medidas concretas de melhoria,aperfeiçoamento e demonstração de vontadepolítica de incluir o comércio exterior numa listaprioritária de objetivos. Assim, é imperativo que noplano estratégico do próximo presidente daRepública estejam definidas ações para retomarproativamente uma agenda de negociaçõesinternacionais, ação esta embasada em passosinternos necessários a dar o marco operacional,legislativo e de segurança jurídica para suarealização. Cite-se, entre outras, a revisão doTratado de Integração do Mercosul, em particularpara permitir que seus países-membros possamdesenvolver individualmente negociações bilateraiscom países fora do bloco, a desvinculação daAduana da Receita Federal e a transformação daCâmara de Comércio Exterior (CAMEX) num órgãode dimensão hierárquica diferenciada, que lhepermita atuar com eficácia, eficiência e autonomiacom o objetivo de levar o Brasil a um papel de relevono comércio entre as nações e nas negociaçõescomerciais internacionais.

Introdução

Vários estudos e análises, entre esses os de Evans, Ja-cobson e Putnam (1993), Keohane e Milner (1996) eRogowski (1989) abordam o processo de aberturaeconômica de diversos países a partir da década de

1970, passando pelo fim da Guerra Fria e incorporando a in-ternacionalização gradual de empresas e de países amparadapor políticas públicas.

Desde o início da década passada, o Brasil vem participandode um processo ativo de transformação de sua economia emque destacam como momentos marcantes e controvertidos aabertura do mercado interno às importações no período do go-verno Collor, a celebração do Tratado de Integração do Mer-cosul, em 1991, e a conclusão da Rodada Uruguai em 1994.

De um modo geral, mas também com especificidades, a co-munidade empresarial vem desde então enfrentando uma sé-rie de ajustes estruturais em decorrência da maior presença deprodutos estrangeiros, num mercado anteriormente protegi-do da concorrência internacional por várias formas de restri-ção às importações. Paralelamente, houve também o lança-mento da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) em1994. As negociações que esse lançamento ensejou, bem comoo início das tratativas entre o Mercosul e a União Europeia, sub-meteram a um duro teste de conhecimento técnico, experiên-cia e maturidade não apenas os empresários, como também asinstituições privadas, a exemplo da Confederação Nacional daIndústria (CNI), outras entidades de classe empresariais, e osrepresentantes oficiais dos diversos ministérios e autarquiasliderados pelo Ministério das Relações Exteriores.

Sem entrar no mérito do acerto ou não da proposta de umaALCA, cuja proposta foi encerrada abruptamente em 2002, pordivergências entre os dois principais atores, Brasil e Estados

Moacyr Lopes Jr/Folhapress

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Unidos, esse processo negociador demonstrou, entre outros as-pectos, a falta de preparo empresarial e oficial para coordenar,influenciar e debater os mais diversos temas que compõem a ne-gociação de um acordo de livre comércio de última geração ealta complexidade. Igualmente, demonstrou a necessidade decriar um órgão de representação para chegar a um consenso eharmonizar os interesses dos diversos setores industriais repre-sentados pelas entidades de classe, e a exigência de um plano deações estratégicas a desenvolver na agenda interna do País paradar um marco adequado de infraestrutura e de segurança jurí-dica, necessário para permitir um equilíbrio nas negociações.

A exigência do complexo quadro internacional de acordosde comércio acirrado pelo protagonismo da China, da Índia ede outros países emergentes como o Brasil, a criação de novosgrupos líderes com conotação política, entre outros, o denomi-nado G-20, G8, G2, multiplicando os canais de interlocuçãoexigem que empresários e governo estejam mais bem prepa-rados para as negociações internacionais.

Outro aspecto a ser destacado são as decisões técnicas, final-mente tomadas pela Organização Mundial do Comércio(OMC), com relação a processos de longa maturação, como foio caso da denúncia por parte do Brasil de uso dos subsídios

Outro foco deve ser o de tentar desvendar o mistério e enig-ma, ainda presente, para uma grande maioria dos empresáriosnacionais, quanto ao significado de participar ativamente nasrodadas negociadoras do Brasil. Alguns creem que é tarefa ex-clusiva do Estado, outros pensam que é responsabilidade di-reta e única do Ministério das Relações Exteriores, e outra parteacredita que é do mando da CNI.

Uma grande parcela dos empresários e/ou de suas entidadesde classe sempre tratou esse tema como uma tarefa secundáriaou mesmo desnecessária. Quando admitida, o fazem, ou paraatender demandas de interesse específico, ou para requerer me-didas protecionistas contra terceiros países ou empresas, regis-trando-se, nos últimos anos, a ênfase contra a China.

Em alguns casos a resposta encontra-se no habitual des-conhecimento do real significado das negociações de Esta-do como consequência positiva para os negócios das empre-sas. Do mesmo modo, a manifestação de apatia e distancia-mento é quase sempre alicerçada pela descrença na realiza-ção e implementação de acordos e outros arran joscomerciais estabelecidos com outros países.

No caso mais próximo e que produz mais ruídos, o Mercosul,alguns aspectos se destacam, como a complacência e a conivên-

cia do Brasil com a implan-tação de práticas protecio-nistas exacerbadas porparte dos demais paísesmembros, como é o casoda Argentina. Isto de-monstra a opção oficialpor uma política integra-cionista alicerçada na retó-rica vazia, sem visão delongo prazo, caracterizadapor um retrocesso no pro-cesso de inserção do Brasilnas negociações interna-cionais, o qual vinha cres-cendo desde 1996 num rit-mo lento, porém crescente,e que foi interrompidobruscamente em 2002 coma decisão voluntarista deencerrar abruptamente asnegociações da ALCA.

Assim, a pergunta queteima em não calar: qual é o futuro que espera o projeto de in-tegração definido pelo Mercosul? As respostas dadas mudamde significado conforme a fonte ouvida – governo, empresá-rios e estudiosos do assunto.

Numa visão mais geral, qual é de fato a demanda do País nocampo das negociações internacionais? Será que vamos con-tinuar assistindo, deliberadamente, ao avanço do protecionis-mo ou a introdução de barreiras não tarifárias por parte dosparceiros, e quem sabe, vamos simplesmente abandonar devez o jogo da negociação internacional?

O objetivo deste artigo é instigar a reflexão quanto ao valorda participação dos empresários brasileiros, seja diretamente,

concedidos aos produtores de algodão dos Estados Unidos,numa demonstração de resgate da aplicação das regras de umcomércio internacional sem distorções impostas unilateral-mente por uma das partes..

Um ponto focal é a incorporação na agenda do Governo Fe-deral de propostas que solucionem os diversos entraves exis-tentes internamente, entre os quais podemos citar a comple-xidade apresentada pelo plano macro de condução da políticaexterna comercial, o tratamento aduaneiro num órgão voltadoprioritariamente para arrecadação de impostos e a manuten-ção de excessiva burocracia, impedindo a internacionalizaçãodas pequenas e médias empresas (PMEs).

No âmbito doMercosul, sedestacama complacênciae a conivênciado Brasil frentea adoçãode práticasprotecionistasexacerbadas porparte dos demaispaíses membrosdo bloco, cujo casomais evidenteé o da Argentina.

Eduardo Martins/Ag. A Tarde/AE

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ou por meio das entidades de classe, representantes dos pro-dutores, avaliando o quanto de perda representa para a em-presa, para o setor e para o País essa apatia empresarial.

De outro ângulo, provocar a discussão de quais são as neces-sidades e demandas a serem inseridas num plano estratégico doGoverno Federal para alicerçar a continuidade de internaciona-lização das empresas e, por consequência, a inserção do País nomundo globalizado, como ator atuante e influente.

Num momento de escolha eleitoral do representante máxi-mo da nação, a cobrança por políticas públicas, em particularvoltadas ao comércio exterior, é tarefa democrática obrigatóriaa ser cumprida pelo cidadão brasileiro, uma vez que a parti-cipação do Brasil no mundo globalizado já não é mais uma op-ção, é uma obrigação em benefício de todos.

O texto a seguir foi estruturado em seis seções adicionais. Aprimeira traz uma breve análise histórica do processo negocia-dor brasileiro. A Seção 2 aborda a geopolítica da inserção in-ternacional do Brasil, com ênfase maior naAmérica do Sul. A terceira trata especifica-mente da integração regional, no âmbito doMercosul e da Associação Latino-Americanade Integração (Aladi). A Seção 4 trata do futuroda inserção do Brasil nas negociações interna-cionais. A seção seguinte apresenta um con-junto de propostas para adotar com vigor umprocesso de maior inserção do Brasil no mun-do do comércio e das negociações internacio-nais. A Seção 6 é de conclusão e de uma síntesedas propostas apresentadas.

1. Breve análise histórica doprocesso negociador brasileiro

Ao analisar a participação do empresariadonos rumos da vida pública do Brasil, é neces-sário retornar a 1984, quando grande parte daimprensa e dos meios opinativos internos reconheceram comoponto focal que o rompimento da aliança empresarial entãoexistente junto ao Governo Federal autoritário (1964-1984) te-ria colaborado estreitamente para o esgotamento deste regi-me. Bresser Pereira (1978) afirma que a classe empresarial evo-luiu ideologicamente em função do avanço do capitalismo,criando a oportunidade de configurar um projeto hegemônicoe aumentando a consciência política.

Neste contexto, vários estudos, com ênfase nos de Cardo-so (1983) e Martins (1967), registram a desorganização exis-tente na classe empresarial brasileira para a defesa dos seusinteresses. Entretanto, identifica-se que apesar das dificul-dades de articulação política, os empresários, ainda assim,conseguiram firmar posições na defesa dos seus interesses e,por último, surgiram em várias instâncias a demonstração ea participação concreta da classe empresarial em liderar a re-democratização.

Em 1980, inicia-se fortemente a aproximação entre Brasil eArgentina, que vai culminar em 1990 com a proclamação doTratado de Integração do Mercosul, incorporando tambémUruguai e Paraguai e, paralelamente, nasce a Aladi, substi-

tuindo a Associação Latinoamericana de Livre Comércio(Alalc), com treze países sócios (incluindo Cuba).

Em 1994, iniciam as negociações lideradas pelos Estados Uni-dos para chegar à ALCA, que tinha como objetivo integrar 34países. Paralelamente a essas participações, o Brasil integrava oAcordo Geral de Comércio e Tarifas - GATT desde 1947, juntocom mais 22 países até 1995, quando este último foi substituídopela Organização Mundial de Comércio (OMC).

O processo negociador do Mercosul reúne vários canais paracelebração de acordos comerciais. Entre eles, as rodadas negocia-doras com os países integrantes da União Europeia iniciado em1995, quando esse bloco econômico tinha só 15 membros, (atual-mente são 27 países), o que determina a complexidade de alcan-çar o consenso e de harmonização das negociações em pauta.

A comunidade empresarial brasileira qualifica como umadas negociações mais traumáticas a que tem sido promovidapelo Mercosul junto ao México desde a década de 90. Houve

várias tentativas de encontrar mecanismos desolução bilateral à resistência dos setores em-presariais de ambos os países, os quais confor-me a época de sua discussão detém razões eco-nômicas próprias para rejeitar sua celebração.No momento, há uma nova tentativa, agora de-nominada de acordo de interesse estratégico.Entretanto, para dar continuidade ao processonegociador é necessário que as autoridadesdesse país obtenham a prévia aprovação do Se-nado Mexicano, o que se espera que ocorra atémeados de julho de 2010.

Outra negociação do Mercosul foram osacordos celebrados com Israel em 2009 e, com aÍndia em 2003, ambos com limitação de cober-tura de produtos. A agenda do Mercosul con-templa ainda negociações abertas com a UniãoAduaneira do Sul da África (SACU), que incluiÁfrica do Sul, Namíbia, Botswana, Lesoto e

Suazilândia, assinado em 2004, mas pendente de aprovaçãonos Congressos dos países membros; com os países membrosdo Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que reúne osEmirados Árabes Unidos, Barein, Arábia Saudita, Omã, Catare Kuwait., com o qual consultas foram iniciadas, interessesofensivos e sensibilidades foram identificados, mas os enten-dimentos, entretanto, estão paralisados. Recentemente, foramrelançadas as negociações com União Europeia, Egito, Turquiae Jordânia, mas nenhuma delas tem perspectivas de levar aacordos comerciais num espaço curto de tempo, dadas as di-ficuldades de compatibilizar interesses ofensivos do setor em-presarial do Brasil com os propósitos dos setores empresariaisdos demais membros do Mercosul.

A prioridade do Brasil nos últimos anos tem sido as rodadasnegociadoras junto à OMC, mas não houve avanço significativorecentes em razão da postura defensiva no setor agrícola, sejapor parte dos Estados Unidos e de alguns países membros daUnião Europeia. O certo é que a aposta nesta prioridade com-prometeu o esforço em concretizar negociações bilaterais comoutros países, frustrando desta forma a expectativa de acessopreferencial a novos mercados. Registre-se, ainda, que os países

Num momento deescolha eleitoral dorepresentante máximoda nação, a cobrançapor políticas públicas,em particular voltadasao comércio exterior,é tarefa democráticaobrigatória a sercumprida pelocidadão brasileiro.

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metria do comércio mundial e promoção do desenvolvimento.Uma das soluções propostas de reorganização mundial naquelaépoca era a introdução do Sistema Geral de Preferências, com oobjetivo de facilitar o ingresso de mercadorias em mercadosconsumidores de alta relevância, como os Estados Unidos, ofe-recendo para tanto a redução de imposto de importação.

Na recente crise econômica e financeira, a conclusão dosmembros da Conferência das Nações Unidas para o Comércio eDesenvolvimento (Unctad) foi pela necessidade de reafirmarque um dos pilares de crescimento e desenvolvimento continua-va sendo os países em desenvolvimento e que linhas de finan-ciamento e promoção comercial deveriam ser intensificadas, to-mando como exemplo a crise asiática de 1997, na qual o impactodas decisões tomadas foi positivo e significativo.

Olhando à frente e o mundo ao redor do Brasil, os acordos decomércio de última geração, como o celebrado pela União Eu-

membros do Mercosul participamjunto à OMC individualmente e, nãocomo bloco econômico, embora hajauma ação de coordenação e harmoni-zação de atuação intra-Mercosul.

Por último, é necessário destacar oimpasse político gerado pela aceita-ção da Venezuela como membro per-manente no Mercosul, aprovada peloSenado do Brasil, Argentina e doUruguai, mas pendente no caso doParaguai, dadas as condições assimé-tricas a favor desse país no acesso pre-ferencial imediato ao Mercosul, umasituação rejeitada pelos empresáriosdos quatro países membros.

2. Geopolítica da inserçãodo Brasil, com ênfase naAmérica do Sul

Uma região geopolítica exige aprévia determinação de estratégia ea criação de uma entidade políticatransnacional, com marco jurídicoapropriado e definição de princí-pios, objetivos e atuação comunscom delimitação dos limites de cadaum. Nesse sentido, não se pode afir-mar que há uma instituição e ummarco jurídico no contexto da Amé-rica Latina e, mais especificamente,da América do Sul.

Há, sim, várias iniciativas em anda-mento, algumas muito mais parecidascom suspiros políticos. Por exemplo, aComunidade Sul-Americana de Na-ções (CASA), nascida em 2004, e reba-tizada em 2008 para União Sul Ame-ricana de Nações (Unasul), a qual,aparentemente, constitui-se num de-safio à permanência da Aladi frente ao fato de que seus membrossão os mesmos e os objetivos e as tarefas são iguais. A Comuni-dade Andina de Nações é outra iniciativa que vista desde sua pro-posta de integração Andina, caso tivesse progredido, teria se con-vertido num entrave aos outros processos de integração na re-gião. Só não ocorreu em decorrência da sua estagnação política epelo enfrentamento de alguns dos seus membros.

Os fluxos de comércio são a primeira porta de entrada parauma inserção geopolítica dos países numa região. Nesse caso,é importante destacar como eles ocorrem entre o Brasil e aAmérica do Sul. Para tanto, recorre-se ao Mapa 1.

Fora da América Latina, a opção do governo Lula foi resgatara integração denominada "Sul - Sul" criada em 1964 no âmbitoda já referida CASA, sucedida para ser um fórum de articulaçãopolítica entre os Estados membros, com foco na melhoria e si-

Mapa 1 - Fluxos de Comércio Brasil-América do Sul

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26 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

ropeia com a Coreia do Sul, e do Chile com a China, para citarsomente dois exemplos, demonstram a importância não só deabertura de novos mercados para produtos, mas, também, acriação de oportunidades para novos investimentos sob di-versas modalidades; a instalação de centros de distribuição eoperação logística; laboratórios e centros de desenvolvimentoe pesquisa de produtos; maior inserção junto aos mercados pa-ra identificação da cultura e subcultura de consumo, treina-mento, capacitação e formação de mão de obra.

A visão do século 21 da extensa rede de acordos comer-ciais deve instigar no empresário a necessidade de abrir avisão de planejamento e da ação estratégica para se interna-cionalizar, não só por meio da venda de produtos acabados,como também pela aproximação com produtos e serviçosdas mais diversas ordens.

A emergência da China e sua inserção nos países vizinhos asiá-ticos vêm incentivando a criação de um espaço regional de inte-gração, o qual vem sendo celebrado paulatinamente com datapara conclusão prevista para 2015. A China, a partir do seu in-gresso na OMC, tem como ponto focal na agenda comercial es-treitar os laços de integração regional, promovendo junto aosseus vizinhos propostas negociadoras dinâmicas e eficazes.

Exemplos dessa ação são os acordos de liberação comer-cial realizados entre os países membros da Associação dasNações do Sudeste Asiático (Asean), do Acordo Preferen-cial de Comércio da Associação Sul-Asiática de Cooperação(Saarc), da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico(APEC) e do Acordo de Comércio das Relações EconômicasEstreitadas, entre Austrália e Nova Zelândia (Ancerta).Destaca-se, também, o resultado desse esforço de integra-ção pela aglutinação de forças políticas dos países asiáticos

para participar nos fóruns de negociações multilaterais en-frentando a discriminação e o protecionismo como obstácu-los à sua competitividade.

3. A integração regional: Aladi e Mercosul

A dificuldade maior existente na atualidade é entender qualé o foco da integração regional para os países membros da Ala-di e do Mercosul, considerando-se que de um lado a Aladi éuma instituição transformada ao longo de sua existência numacervo incalculável de informações, banco de dados, estatís-tica, inteligência artificial e um grupo de técnicos conhecedo-res como poucos do trato da informação e das complexas cláu-sulas comerciais e aduaneiras. Algumas dessas cláusulas de-vem ser lidas de forma transversal (cruzada) para compreen-dê-las, existentes nos inúmeros acordos celebrados sobdiversas formas de abrangência e marco jurídico. É de fato umespaço em que se respira o ar da integração.

Do outro lado, o Mercosul é usuário de uma infraestrutura be-líssima e funcional na capital do Uruguai, o antigo Casino, cominstalações modernas, equipe técnica de alto nível e bom acervode informações. Na prática está restrito ao uso e frequência dosrepresentantes dos governos, um espaço desconhecido dos em-presários e tem atuação pífia frente à que deveria deter comoagenda de trabalho, plano de ação e promoção da integração.

O comitê de representantes oficiais da Aladi, entre os quaisparticipam os mesmos representantes dos países sócios doMercosul, aprovaram a criação de um espaço inter-regional delivre comércio em 1995, sendo que até hoje não passa de retó-rica vazia mencionada em todos os discursos oficiais, porém,sem nenhum passo firme para sua concretização.

Wilton Júnior/AE

O Mercosul converteu-senuma colcha de retalhos,pois atualmente detémmais de 2 mil normasditadas, aprovadas e nãointernalizadas nos paísesmembros. Os vários erepetidos conflitoscomerciais entre Brasil eArgentina demonstraramque não há nem vontadepolítica e nemmecanismos adequadospara assegurarsegurança jurídica nastransações comerciais.

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O Mercosul converteu-se numa colcha de retalhos, poisatualmente detém mais de 2 mil normas ditadas, aprovadas enão internalizadas nos países membros. Os vários e repetidosconflitos comerciais entre Brasil e Argentina demonstraramcom firmeza que não há nem vontade política e nem mecanis-mos adequados para assegurar segurança jurídica nas transa-ções comerciais, e tampouco para investimentos.

O caso do conflito entre Uruguai e Argentina pela instalaçãodas papeleiras de origem europeia em solo uruguaio, que nãoobteve a intervenção do Brasil para tentar a conciliação e re-duzir ou eliminar o conflito, bem como os vários entraves exis-tentes operacionalmente nas fronteiras para o transporte ro-doviário, a falta de harmonização de normas, procedimentos eregras, são alguns dos exemplos de entraves no Mercosul. Esseconjunto reúne um potencial de problemas sinalizando inse-gurança jurídica e uma deterioração da proposta inicial de in-tegração, embora seja digno de registro o desempenho proa-tivo na tentativa de fazer acontecer que os vários embaixado-

res que se sucederam e o corpo técnico lotados na representa-ção do Brasil em Montevideo vêm desenvolvendo ao longodos anos, ainda que sem resultados eficazes em decorrência dedecisões políticas superiores ou da ausência delas.

Não há como falar de integração regional no contexto existen-te, atualmente acrescido, ainda, do fator de confronto político en-tre alguns governantes, para o qual o Mapa 2, de conflitos exis-tentes, pode ajudar-nos a entender a configuração existente .

4. O futuro da inserção do Brasilnas negociações internacionais

A comunidade empresarial brasileira tem defendido vee-mentemente que o projeto de integração com países fronteiri-ços é necessário, relevante e deve ser levado à frente com prag-matismo e objetividade, sendo imprescindível incorporar oelemento fundamental de reconhecimento da excessiva com-placência que levou à situação atual. Situação na qual pode-

MAPA 2 - Conflitos na América do Sul

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28 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

mos apontar quatro fatores, todos eles amplamente debatidospor analistas e estudiosos do Mercosul, e que podemos resu-mir como segue. O primeiro fator de complacência foi admitira criação do Tratado de Integração entre países com economiasassimétricas, interrelacionadas pela proximidade fronteiriça,mas sem o compromisso para harmonizar políticas macroeco-nômicas pretendido pelo tratado.

O segundo fator de complacência foi admitir a continuida-de passiva de aprovação de normas sem programar a imple-mentação das já aprovadas. Essas medidas tomadas em formade acordos, protocolos, decisões ou resoluções as quais deve-riam ser internalizadas simultaneamente (conforme artigo 40do Protocolo de Ouro Preto) no ordenamento jurídico dos paí-ses membros, ao não terem sido incorporadas perderam efi-cácia ou acabaram criando maiores entraves jurídicos quandoum país sócio o implementa e outro não o faz. Esse processodifuso e sem controle potencializa a inconsistência e a insegu-rança jurídica dos negócios.

O terceiro fator de complacência foi assumir o modelo deunião aduaneira na teoria e, na prática, aprofundar os trata-mentos preferenciais de alguns de seus membros com paísesde fora do bloco. A manutenção de listas de exceções, o con-trole de comércio intrabloco, a permanência do regime de ori-gem Mercosul, a aplicação de medidas protecionistas arbitrá-rias e unilaterais são algumas das muitas incongruências pra-ticadas na mais completa demonstração de que o modelo exis-tente está longe de ser uma união aduaneira.

O quarto e último fator de complacência é o sofisma assu-mido pelos governantes dos países sócios, que reunidos se-mestralmente assinam declarações tomadas por compromis-sos e afirmações de que a integração está evoluindo de modoperfeito, quando se sabe que não é bem assim na prática.

Melhor exemplo é a declaração assinada em 18 de novembro

de 2009 entre o presidente Lula e a presidente argentina CristinaKirchner, com 35 itens, em uma reunião convocada para encon-trar solução de alto nível à crise bilateral provocada por uma rea-ção do Brasil. Reação esta que finalmente ocorreu depois de de-corridos quase cinco anos desde que a Argentina, em 2004, de-cidiu infringir abertamente as regras da OMC – para acordos delicenças não automáticas – e do Mercosul. Isto, ao exigir de seusimportadores a obtenção de licenças não automáticas para umconjunto de produtos vindo do Brasil. Entretanto, para decep-ção dos empresários brasileiros, ao se ler e analisar a declaraçãooficial não se encontra em nenhum de seus itens a solução acor-dada, e nem sequer um delineamento do caminho a seguir.

Há muitos exemplos para ilustrar quanto os países sócios sãoarredios em cumprir a disciplina acordada. Um significativo é afalha constante dos representantes oficiais no Mercosul parachegar a um consenso sobre uma proposta mínima de CódigoAduaneiro. Até agora, nem o emaranhado a que conseguiramchegar em 2008 conseguiu ser submetido à aprovação, emborase saiba que é um instrumento fundamental para disciplinar asnormas e procedimentos de entrada e saída de mercadorias.

Em um sinal de lucidez nascido da realidade gritante dosconflitos, reclamações, desavenças e incapacidade de atingirresultados concretos de integração, em junho de 2000 a Cúpulado Mercosul adotou agenda de relançamento do bloco e, na-quele momento, todos os atores envolvidos no projeto de in-tegração aplaudiram a determinação de reverter o quadro caó-tico em que se tinha transformado a proposta de integração.

Decorridos nove anos desse momento e dezoito anos do lan-çamento do Tratado de Integração do Mercosul, o balanço é trá-gico, porque de um lado os conflitos comerciais se multiplica-ram no momento em que a crise econômica encontrou um cam-po fértil nos países sócios para adoção de medidas protecionis-tas sob diversas formas. Por outro lado, somando-se a isto, tem-

Beto Barata/AE

Os presidentes Lula eCristina Kirchner,da Argentina, assinaramno ano passado umadeclaração com 35 itens,em uma reuniãoconvocada paraencontrar solução de altonível à crise bilateralprovocada por umareação do Brasil, apósquase cinco anos desdeque a Argentina, em2004, decidiu infringiras regras da OMC.

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29JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

se os atritos públicos entreUruguai e Argentina, apesarda solução determinada peloTribunal de Haia a favor doUruguai, numa clara de-monstração da fragilidadedo marco legal do Mercosulpara resolver litígios entre osEstados membros, e com ên-fase à omissão do Brasil, estesob a alegação de não intro-missão em temas internos edefesa da soberania dos paí-ses, manteve-se distante doconflito conhecido como daspapeleiras. Outro caso em-blemático foi a reivindicaçãopelo Paraguai junto ao Brasilpara a revisão do contrato deItaipu e que, após muita pres-são, obteve um acordo que sóse explica mais uma vez pelacomplacência do Brasil.

É necessário apontar ain-da a paralisação das nego-ciações de acordos comer-ciais junto à União Europeiae a proposta limitada adota-da nas negociações da OMCem decorrência do protecio-nismo exacerbado da Ar-gentina, a qual tem prevale-cido na construção do con-senso sob a alegação de estardefendendo a realização desua política industrial. En-quanto isso, todos presen-ciamos a dinâmica integra-ção asiática com reflexosimediatos na sua inserçãoascendente junto aos países sócios do Mercosul.

A crise intra-Mercosul, pelo estranhamento entre os pares,beira ao surrealismo. A falta de vontade política de revisar o mo-delo de integração adotado de união aduaneira, ou de revogar aResolução 32 para que os países sócios possam negociar e cele-brar individualmente acordos comerciais com outros países,manterá o Brasil refém de uma retórica revestida de projeto deintegração, que não cumpre nenhuma de suas finalidades comsérios reflexos, tanto no aspecto de harmonizar a convivênciafronteiriça, como efetivamente promover a integração.

A integração não pode ser vista exclusivamente com a len-te das transações comerciais, pois é necessário dar um choquede realidade com visão pragmática de futuro, reconhecendoque os países membros do Tratado vivenciam uma transfor-mação de direcionamento político e comercial, num quadrode confronto, de jogo dos contrários, com as pressões e con-trapressões originadas por essas novas forças políticas à es-

querda que confrontam osistema democrático e con-figuram um quadro institu-cional preocupante.

Nesse contexto, não se po-de deixar de ressaltar a parti-cipação dos membros desteTratado em fóruns paraleloscomo Unasul e a AlternativaBolivariana para as Améri-cas (Alba), esta composta porVenezuela, Cuba, Bolívia,Nicarágua, Mancomunida-de de Dominica, Honduras,São Vicente e Granadinas,Equador e Antígua e Barbu-da, criada pelo presidente daVenezuela, Hugo Chávez,nos quais os objetivos a se-rem atingidos se confundeme ao mesmo tempo se distan-ciam dos princípios básicosdo Mercosul como a livre cir-culação de pessoas, bens eserviços, base de sua criaçãoem 1991.

A agenda pendente sina-liza uma dimensão diferen-te de tarefas a desenvolver:a necessidade de adoção deplanos imediatos para com-bater as barreiras não tarifá-rias a serem criadas por ter-ceiros países sob a bandeirado respeito ao meio am-biente; o reaquecimentoglobal que exige a realiza-ção de programas específi-cos, como o combate ao des-perdício de água; o redese-

nho dos principais organismos internacionais como FMI,OMC e ONU; a necessidade da retomada das negociações co-merciais junto à OMC e a conclusão do acordo junto a UniãoEuropeia; entre outros temas tais como os problemas de se-gurança, o mapa energético, a concretização do ingresso daVenezuela no Mercosul, o comércio de armas, a presença degrupos terroristas na tríplice fronteira e outros.

5. Propostas para uma agenda do Brasil, deComércio Exterior e de inserção internacional

O planejamento estratégico do Governo Federal terá quecontemplar um plano de ações necessárias a retomar vigoro-samente a inserção do Brasil no mundo das negociações in-ternacionais e, para tanto, é imperativo que haja determina-ção em desenvolver e implantar ações de correção estruturalinterna, como segue:

Decorridos dezoito anos do Tratado deIntegração do Mercosul, o balanço é trágico,pois conflitos comerciais se multiplicam emmomentos de crise econômica.

Fábio Motta/AE

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1) Transformar a Camex em órgão executivo de conduçãoda política comercial junto aos organismos internacionais,com coordenação das ações dos diversos ministérios, autar-quias, órgãos diretos e indiretos em consonância com as enti-dades empresariais, tanto para assuntos de ordem interna co-mo externa, com autonomia na atuação e status hierárquico deministério. Caberia ao Ministério das Relações Exteriores seocupar precipuamente da geopolítica externa e representaçãodo Estado e assessoramento à Presidência da República.

2)Adotar como tarefa no curto prazo a revisão do modelo deunião aduaneira adotado pelo Mercosul e redefinir com baseem discussões junto à classe empresarial, tanto da indústriacomo de serviços, qual o modelo de integração que se esperater. Os objetivos seriam: reduzir o campo de litígio entre Brasile Argentina; retomar uma agenda positiva entre os quatro oucinco (Venezuela incluída) países sócios; resgatar a autonomiado Brasil para conduzir negociações bilaterais de interesseabrangente com outros países; e visão pragmática e realista domodelo de integração para obter resultadospositivos num quadro de segurança jurídicacom regras a serem cumpridas.

3 ) Buscar a separação entre Aduana eReceita. A vantagem será ter a mesma práticaadotada em vários países na qual há separaçãodessas funções, demonstrando a eficácia dedistinguir o que é aduana (processos decisó-rios dinâmicos, sistemas de informática usa-dos como ferramentas para a internalização esaída de produtos, entre outros) do órgão de-dicado à arrecadação de tributos. Recomenda-se a criação de uma secretaria autônoma.

4)Em conjunto com as entidades empresa-riais e agências reguladoras, dar ênfase aosinvestimentos em logística, melhoria deacessos e construção de armazéns em pontosestratégicos próximos dos pontos de embar-que/desembarque de mercadorias, com reforço das obrasde infraestrutura dos vários níveis do governo (federal, es-taduais e municipais).

5) Outra recomendação seria o reconhecimento de que asZonas de Processamento de Exportação (ZPE) não devemavançar no País e o espaço físico das que já existem com esseobjetivo (por exemplo, em Imbituba-SC), deveria ser transfor-mado em centros de armazenagem e de distribuição de pro-dutos ou "hubs" logísticos.

6) Revisar a concessão de financiamentos do BNDES parainclusão das PMEs, reformulando especialmente a solicitaçãode garantias atualmente exigidas, pois são impossíveis de se-rem atendidas no modelo atual. Esta medida atenderia a umaantiga reivindicação desse segmento, essencialmente voltadapara permitir sua melhoria na produção e iniciar seu processode internacionalização.

7) Propor a reformulação do colegiado do Instituto Nacio-nal de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (In-metro) para permitir a participação de representantes das en-tidades de classe (fabricantes) na discussão das normas volun-tárias ou compulsórias de normatização de produtos no con-

texto do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização eQualidade Industrial (Conmetro), e permitir o reconhecimen-to de uso de laboratórios das empresas para validar cumpri-mento de normas técnicas visando a certificação de produtos.A participação de representantes empresariais torna os deba-tes realistas e as decisões ficam vinculadas ao contexto de pro-dução e peculiaridades dos produtos.

8)Desenvolvimento de agenda efetiva de trabalho político eempresarial junto à China e outros países asiáticos. Trata-se deinserir uma visão realista frente ao crescimento comercial e in-dustrial dessa região, abrindo espaços de aproximação indus-trial para desenvolvimento de processos conjuntos sobre di-versas modalidades, com ênfase na logística integrada, sus-tentabilidade e programas de eficiência energética..

9) Perseguir a celebração de acordos de livre comércio doMercosul com União Europeia, Estados Unidos e outrosparceiros comerciais.

10) Garantir a continuidade da tarefa iniciada pela Secre-taria de Comércio Exterior (Secex), de unifi-cação da legislação operacional de importa-ção e exportação.

11 ) Revisar a estrutura burocrática, incorpo-rando mais procedimentos eletrônicos, e elimi-nar o excesso de órgãos anuentes nos processosde importação/exportação.

1 2) Outorgar o poder de "desembaraçoaduaneiro de mercadorias" aos representan-tes da Secex nos portos, aeroportos e pontosde fronteira durante os períodos de greve daReceita Federal.

13) Incluir a efetiva participação dos empre-sários por meio de suas entidades de classe nadiscussão e deliberação de temas aduaneiros eimplantação regulamentada da modalidade"aduana sem papéis", ou seja, convertendo osprocessos de importação, exportação e desem-

baraço de mercadorias integralmente eletrônico para empre-sas que apresentem biografia fiscal e aduaneira adequada,além de serem detentoras de concessão prévia de regimes es-peciais, como o "Linha Azul".

14)Defender e levar a efeito a participação efetiva dos repre-sentantes da classe empresarial nas mesas de negociação inter-nacional, sem prejuízo do arbítrio e decisão final ao encargo doMinistério de Relações Exteriores ou Camex (em consonânciacom nossa proposta).

15) Destinar verbas a fundo perdido para elaboração de es-tudos e pesquisas visando alavancar a internacionalização dePMEs e serviços.

16) Revisar o acordo de transporte marítimo no Mercosul eter vontade política para aprová-lo.

6. Conclusão e resumo das propostas

Para o Brasil, é condição sine qua non continuar investindo noavanço da integração com os países vizinhos. Tarefa que se es-pera que seja adotada pelo próximo presidente brasileiro, con-clamando os sócios do Mercosul a uma análise e a uma reflexão

Espera-se que napróxima gestãopresidencial haja umarenovada energia, açãoe transparência comfixação de prioridadese objetivos adequadosao tamanho daresponsabilidade emconduzir um paísda relevância do Brasil.

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alicerçada num quadro realista,substantivo e pragmático, e assimpropondo a revisão do Tratado deAssunção com vontade de mudar.Espera-se que na próxima gestãopresidencial haja uma renovadaenergia, ação e transparência com fi-xação de prioridades e objetivosadequados ao tamanho da respon-sabilidade em conduzir um país darelevância do Brasil, retomando aposição negociadora de acordos co-merciais sob bases coerentes de res-peito e defesa dos interesses do País.Abandonar o discurso vazio, a coni-vência e a complacência com práti-cas desleais de comércio e retomar oalicerce da verdadeira integraçãoem bases realistas.

Em síntese, será essencial cobrardo próximo presidente da Repú-blica ações voltadas para:

1 ) A reformulação interna doenquadramento hierárquico docomércio exterior.

2) A aprovação de uma efetivaPolítica Industrial, com foco nadesoneração de investimentos, inovação e pesquisa paradescoberta de novos nichos de mercado.

3) Forte investimento em educação empresarial voltadapara aperfeiçoar os conhecimentos técnicos das negocia-ções internacionais conduzidas pelo Estado (acordos co-merciais) e desenvolver a visão política exigida do empre-sário para atuar globalmente.

4) Vontade política de reformular o Mercosul. Em particu-lar, há a imperiosa necessidade de "enterrar" a cláusula de obri-gatoriedade de negociações de acordos comerciais com outros

países e blocos econômicos exclu-sivamente pelo Mercosul, poissem esse passo nenhum dos qua-tro países poderá avançar em qual-quer negociação individual.

5) Retomar o tabuleiro de nego-ciações internacionais.

6) Aprovar políticas públicaspara desenvolvimento de encla-ves com excelência em produtose serviços voltados ao mercadoexterno.

7 ) O endereçamento junto aoLegislativo para a efetiva retomada agenda de reformas.

8 ) Aproximação com a classeempresarial por meio de mecanis-mos estruturados, formais e legiti-mados pela efetiva representaçãode entidades de classe.

9) Criação de comitês de análisepermanente para combater a cria-ção de barreiras não tarifárias porconta de alegações ligadas à pre-servação do meio ambiente, aoaquecimento global, ao trabalhoinfantil e outros casos.

10) Participar como ator in-fluente no diálogo Transnacional (hoje entre Estados Unidos eEuropa), e perseguir a obtenção de reconhecimento de "parcei-ro preferencial" por todos os países identificados como alvo co-mercial, político e estratégico.

Caso essas ações e iniciativas não sejam buscadas e realiza-das, continuaremos derrapando no gelo da incerteza e da ideo-logia. Além disso, não vamos sair do rotineiro confronto regio-nal, sem avanços significativos e perdendo oportunidades quea dinâmica de outras áreas do mundo oferece.

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Paul

o Vi

ttor/

AE

A inserção do Brasil no âmbito dasnegociações internacionais é tímida.

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Nilton MolinaDiretor da AssociaçãoComercial de São Pauloe vice-presidente daCNSeg - ConfederaçãoNacional das Empresasde Seguros Gerais,Previdência Privadae Vida, Saúde Suplementare Capitalização. O autoragradece a colaboraçãoda Assessoria deComunicação da CNSeg.

Zé Carlos Barretta/Hype

O setor de Seguros e o

Alfer

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desenvolvimento nacional

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Resumo

Este artigo trata do setorde seguros num sentidoamplo, incluindo tambéma previdência privada e acapitalização. Realçainicialmente aimportância do setor deseguros na economiabrasileira, em particularna formação dapoupança nacional.Mostra que o setor revelaum comportamentoascendente desde o PlanoReal, o qual trouxeestabilidade à moeda efacilitou a contratação deseguros. Identificatambém um espaço parao setor ampliar suacontribuição aodesenvolvimentoeconômico e social doPaís, pois em váriasdimensões este se revelacarente da solução justaque os seguros trazempara um angustianteproblema que afetapessoas, empresas eoutras organizações, anecessidade de proteçãoquanto aos danosadvindos de riscos devárias naturezas.

Na sua seção final, otexto propõe uma sériede políticas públicasvoltadas para ampliar apenetração dos segurosno Brasil, em particularjunto à população demenores rendimentos e,de um modo geral, aextensão dos benefíciosvoltados para apreservação da saúde e aprevenção de acidentesdo trabalho. Argumentatambém pela ampliação epelo aprimoramento deseguros específicos, comoo seguro garantia, o rurale o habitacional.

O setor de seguros se constitui numimportante indicador do estágio dedesenvolvimento sócio-econômicode um país. Guarda estreitarelação com o IDH, com o nível dedistribuição de renda e com o graude proteção das pessoas, de seuspatrimônios e das suas atividadesempresariais e profissionaispara os riscos inerentes à própriacondição da vida humana.

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cia

Cru

z/Lu

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Introdução

O Brasil termina a primeira década deste séculocomo a oitava economia do mundo, lugar queocupou no fim dos anos noventa, mas não con-seguiu sustentar. A posição atual deve-se, em

boa parte, ao bom desempenho dos agentes produtivos inter-nos e, em dose razoável, aos efeitos negativos da crise finan-ceira internacional sobre a economia de alguns países.

Independentemente do peso e da influência dos fatores, o cer-to é que a sociedade brasileira e a sua produção atingiram um pa-tamar, em termos de tamanho e complexidade que, para conti-nuar evoluindo e aumentar o bem estar da população, precisamde um grau de proteção semelhante ao das sociedades mais de-senvolvidas. Isso ainda não acontece. Embora seja a oitava eco-

nomia do mundo, estamos em décimo sétimo lugar no volume deprêmios de seguros, que representa pouco mais de 3,4% do PIB.

O desempenho desse segmento, em qualquer país, guardaforte correlação com o comportamento da economia. No Brasilpós Plano Real, vem aumentando gradativamente a participa-ção da atividade seguradora na formação do PIB (no início dadécada de 90 se situava em torno de 1%; hoje está em cerca de3,51%) o que pode ser creditado, entre outros fatores, à estabi-lidade monetária, aos agentes do setor e a algumas medidasinstitucionais positivas.

Há, porém, obstáculos que nos impedem de avançar mais co-mo, por exemplo, a ainda perversa distribuição de renda, mes-mo levando em conta todas as conquistas dos últimos anos. Essa

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realidade induz o setor de seguros a buscar alternativas paraatender o estrato da população de baixa renda através do mi-crosseguro, que aguarda regulamentação das autoridades.

Outro desafio que o setor precisa se capacitar para enfrentaré o aumento da demanda que começa a se delinear com a de-finição das obras a serem realizadas para cumprir as exigên-cias dos grandes eventos esportivos que ocorrerão nos próxi-mos anos, sem descuidar da cobertura dos projetos de infra-estrutura imprescindíveis para que o crescimento econômicoprevisto, já em 2010 bem acima da média mundial, não sofrasolução de continuidade.

O texto a seguir foi organizado em quatro seções. A Seção 1destaca a importância do setor na economia brasileira. A Seção2 ressalta, por meio de comparações internacionais, a associa-ção entre o crescimento do setor e o aprimoramento de indi-cadores de desenvolvimento humano e de distribuição de ren-da. A Seção 3 mostra a importância do setor de seguros para aformação de poupança e para o crescimento econômico sus-tentado. A Seção 4 apresenta propostas de medidas governa-mentais para enfrentar questões gerais e específicas do setor.

1. A importância do setor

O setor de seguros se constitui num importante indicadordo estágio de desenvolvimento sócio-econômico de um país.Guarda estreita relação com o IDH (Índice de Desenvolvimen-to Humano), com o nível de distribuição de renda e com o graude proteção das pessoas, de seus patrimônios e das suas ati-vidades empresariais e profissionais para os riscos inerentes àprópria condição da vida humana. Quanto mais desenvolvidono país, maior a participação do setor de seguros na formaçãodo PIB (Produto Interno Bruto).

Do ponto de vista sócio-econômico, a relevância do setor po-de ser medida, em termos quantitativos, por meio, entre outrosindicadores, do volume de prêmios e contribuições arrecadados(constituído pelas despesas dos consumidores quando adqui-rem os produtos do setor), dos investimentos resultantes daaplicação, em ativos garantidores, dos recursos das provisõestécnicas de constituição obrigatória e do montante pago em in-

denizações, capitais segurados, benefícios e resgates.Em 2009, as companhias seguradoras devolveram aos agen-

tes produtivos e às famílias, ou seja, à sociedade, R$ 39 bilhõespor meio dos pagamentos de indenizações, capitais segura-dos, resgates parciais e totais de recursos alocados em planosde seguros de pessoas de previdência complementar aberta,benefícios e resgates ou sorteios de títulos de capitalização. Adecomposição desse valor em 2008 e 2009 por tipo de seguro éapresentado no Gráfico 1.

O montante de recursos investidos para assegurar a operaçãodo setor, que significa poupança privada de longo prazo, alcan-çou R$ 306,1 bilhões e o valor recolhido em tributos se situou emtorno de R$ 8,34 bilhões nos três níveis da esfera pública.

Os repasses da parcela do prêmio do Seguro DPVAT ao Fun-do Nacional de Saúde, para atendimento das vítimas de aci-dentes de trânsito na rede hospitalar do SUS e ao Denatran, pa-ra campanhas de educação e segurança no trânsito, foram deR$ 2,7 bilhões (45% para o SUS e 5% para o Denatran).

Com relação à abrangência e relevância das atividades dosetor em nossa sociedade, podemos destacar alguns dados doano passado, que dão a devida dimensão desta atuação, con-siderando apenas alguns ramos que estão mais diretamentevoltados para o dia a dia das pessoas, como o Seguro Saúde, deVeículos e de Vida e Previdência.

No Seguro Saúde, as seguradoras especializadas responde-ram, só no primeiro trimestre de 2009, por quase 20 milhões deconsultas médicas, mais de 55 milhões de exames clínicos, cer-ca de 470 mil internações e 42 milhões de outros procedimentosoferecidos a 57 milhões de segurados, entre titulares e depen-dentes, o que equivale a 28% da população brasileira.

No Ramo Automóvel, cerca de 12 milhões de veículos – 30%da frota nacional – estão cobertos por seguros, tendo sido pa-gas 2,3 milhões de indenizações, incluindo a reposição de maisde 200 mil veículos.

Nos seguros de pessoas, o volume de indenizações pagaspelas seguradoras foi da ordem de R$ 4,3 bilhões e as retiradaspelos segurados de poupanças acumuladas nos produtos comcobertura por sobrevivência do tipo VGBL - Vida Gerador deBenefício Livre montaram a R$ 66 bilhões.

Gráfico 1R

$ m

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No segmento de previdência complementar aberta, os bene-fícios pagos totalizaram R$ 966,9 milhões, enquanto as retiradaspelos participantes de poupanças acumuladas nos produtoscom cobertura por sobrevivência, tradicionais e do tipo PGBL -Plano Gerador de Benefício Livre, alcançaram R$ 6,4 bilhões.

Outra forma de avaliar a relevância econômica e social dosetor é através de aspectos qualitativos. Ao promover a repar-tição dos riscos através do conceito do mutualismo e a forma-ção de reservas de longo prazo, conjugadas à adequada gestãodos ativos garantidores dos recursos das provisões técnicas deconstituição obrigatória, ganham relevância os papéis econô-mico e social do setor para a sociedade.

Ao longo dos anos, este setor tem se aprimorado em todo omundo, adaptando procedimentos e técnicas de avaliação e

É importante ressaltar que, em seu sentido mais amplo, asatividades do setor constituem-se em modalidades de soluçãojusta para um dos mais angustiantes problemas dos indiví-duos e das empresas: a incerteza quanto ao futuro. Não sóquanto a perdas materiais mas, no caso de pessoas, quanto aosriscos de morte, acidentes, doenças graves e outros inerentesao atendimento à saúde. Nesse campo, o fundamento da ati-vidade seguradora é o mutualismo, resultado da convergênciada boa fé e da solidariedade, duas virtudes cardeais da comu-nidade humana que, permitindo a partilha de riscos, reduzcustos e democratiza o acesso.

No caso das pessoas, deve-se considerar ainda que, ao co-mercializar planos de seguros e de previdência complementaraberta, com cobertura por sobrevivência, as companhias de se-

Ao comercializarplanos de seguros e

de previdênciacomplementar aberta,

com cobertura porsobrevivência, as

companhias de seguropromovem a formação

de poupanças de caráterprevidenciário de longo

prazo e contribuem paraa criação de condições

dignas de sobrevida noperíodo pós-laboral.

Patricia Cruz/Luz

guro promovem a formação de poupanças de caráter previ-denciário de longo prazo e contribuem para a criação de con-dições dignas de sobrevida no período pós-laboral. Além dis-so, atuam em segmentos fundamentais para o modelo de pro-teção social no Brasil, que compreende o seguro de vida eprevidência complementar, seguro saúde e seguro de aciden-tes do trabalho. Nessas atividades, em particular nos segmen-tos em que o Estado não consegue atender satisfatoriamente apopulação em vista de suas limitações, o setor se comporta deforma complementar ao oferecer alternativas eficientes que re-duzem a pressão sobre as despesas públicas.

2. Distribuição de Renda e Crescimento do Setor

Desenvolvimento econômico e a importância do setor deseguros, previdência complementar aberta e capitalização naeconomia e no funcionamento da sociedade são associados. Éconsensual que o consumo dos produtos e serviços ofereci-

gestão de riscos, de forma a acompanhar a crescente comple-xidade de uma sociedade que aumenta a diversificação desuas atividades, amplia suas relações e oferece maiores opor-tunidades de educação aos seus cidadãos.

A demanda por seguros de todas as naturezas (pessoas, pre-vidência complementar, propriedade, saúde, performancetécnica, garantia de crédito e muitos outros) tende a aumentarde acordo com o grau de desenvolvimento do País; e a capa-cidade do setor para enfrentar os desafios que a crescente de-manda impõe aos seus produtores, depende fundamental-mente do ambiente sócio-econômico e regulatório. No casobrasileiro, onde os desafios pertinentes à aceitação básica dosvalores de uma economia de mercado são vistos como compa-tíveis não apenas com a estabilidade macroeconômica mas,também, com uma melhor distribuição de benefícios por todasas camadas da sociedade, é fundamental que haja uma evolu-ção harmônica das relações entre Estado e setor privado, crian-do condições para o pleno desempenho de suas funções.

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dos pelo setor requer um determinado grau de desenvolvi-mento social e econômico, pois tanto a cultura de sua utili-zação, quanto a sua viabilização, a preços razoáveis, no dire-cionamento e na qualidade adequados em termos de prote-ção oferecida, requerem que as relações de mercado atinjamum patamar mínimo.

Na maioria dos países de economia madura, as empresas dosetor, além de estarem presentes em todas as áreas de interessedo cidadão e do sistema produtivo, são, também, os investi-dores institucionais com o maior valor de ativos sob sua res-ponsabilidade. Essa associação entre nível de desenvolvimen-to econômico e a importância do setor não é uniforme entre osdiversos países, estando sujeita tanto a aspectos culturais e his-tóricos, como a aspectos regulatórios. Além disso, a relação en-tre seguros e previdência complementar também não é a mes-ma em todos os países, também refletindo a relevância da di-versidade institucional e cultural quando se comparam as di-ferentes experiências.

Diferenças de experiência histórica (tipo de organizaçãoeconômica e papel do Estado, histórico de instabilidade eco-nômica, estrutura tributária, entre outras) estão igualmenterefletidas nos dados que ilustram a expansão do setor ao longodo tempo, associados aos diversos indicadores de tamanhoeconômico e de nível de desenvolvimento.

Pelas mais diversas razões, entre elas o longo processo deinstabilidade econômica do passado, o grau de penetração dosetor de seguros, previdência complementar aberta e capita-lização no Brasil, medida pela participação dos prêmios e con-tribuições arrecadados no PIB, é menor do que o de outros paí-ses de renda per capita comparável, a exemplo do que ocorreem outros países latino-americanos, que também passarampor experiências de alta instabilidade e inflação.

Na Tabela 1, apresentam-se dados comparativos para di-versos países, para o ano de 2005. No Brasil, o valor da parti-cipação dos valores arrecadados (prêmios e contribuições) noPIB é nitidamente baixo nessa comparação internacional, ain-da que se leve em conta uma certa heterogeneidade dos dadospara os diferentes países, especialmente quanto à inclusão ounão dos valores das contribuições para instituições fechadasde previdência complementar (fundos de pensão). No Brasil,caso fossem considerados também os dados dos segmentos deprevidência complementar fechada e capitalização, o grau depenetração (participação da arrecadação no PIB), expressa naTabela 1, aumentaria para 4,6%.

Do ponto de vista da evolução nos anos recentes, pode-se verque, a partir da redução da inflação, a participação do volumede recursos arrecadados no PIB (considerando os segmentos deseguros, previdência complementar aberta e capitalização)mostra um comportamento ascendente. Ainda assim, os dadosmostram que há um longo caminho a ser percorrido à medidaque se consolida a estabilização e que o país retoma o processode crescimento e a modernização econômica.

Progressos na regulamentação e no tratamento tributáriodas atividades do setor podem acelerar esta melhoria, que po-de ser diretamente associado ao nível de desenvolvimento hu-mano tal como medido pelo Índice de Desenvolvimento Hu-mano (IDH) elaborado pela ONU, que compara os países em

termos de um conjunto de variáveis sócio-econômicas: o PIB"per capita", ajustado pela paridade do poder de compra, a ex-pectativa de vida (que reflete a evolução das variáveis sociais)e níveis de desenvolvimento educacional.

De fato, quando se comparam os dados do IDH com a par-ticipação dos valores arrecadados (prêmios e contribuições) noPIB, esta relação pode ser mais facilmente ilustrada. O Gráfico2mostra, com base em dados de 2007, a posição relativa do Paísem termos de IDH e a arrecadação de prêmios e contribuiçõescomo proporção do PIB. É nítida a divisão em dois grupos, comos países mais desenvolvidos situando-se no quadrante supe-rior direito, ou seja, com um IDH mais elevado, assim como umpercentual maior de participação da arrecadação, contrapondo-se com os demais, onde o Brasil se insere.

O Gráfico 3, também relativo a dados de 2007, mostra a re-lação entre o grau de concentração de renda, medido pelo coe-ficiente de Gini (cujos valores mais próximos de zero indicam me-nor concentração de renda), e os volumes arrecadados (prêmios econtribuições), como proporção do PIB. Há uma nítida dicotomiaentre os países de alta concentração e baixa penetração da indus-tria securitária de um lado (os da América Latina, constantes daTabela 1), e os países de distribuição mais igualitária e alta pe-netração desse setor (os da Europa e América do Norte).

Esses resultados, mais uma vez sugerem que a importânciado setor aumenta não apenas com a estabilidade e o grau debem-estar medido pelo IDH mas, também, com o aumento darenda e sua melhor distribuição.

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Gráfico 2 Gráfico 3

Por todas essas razões, deve-se esperar que cenários de me-lhoria do desenvolvimento econômico e social do Brasil nospróximos anos devam ser cenários nos quais poderia aumen-tar a importância do setor de seguros, previdência comple-mentar aberta e capitalização. Isso significa, como enfatizadoem diversas reuniões com dirigentes do setor, que é desejávelestar atento para os fatores de natureza institucional, regula-tória e impositiva, que afetam sobremaneira o setor e que ne-cessitam ser equacionados nos próximos anos, sem o que seucrescimento será prejudicado.

3. Seguro e Poupança para oCrescimento Econômico Sustentado

Sendo o setor de seguros, previdência complementar abertae capitalização uma atividade cujos papéis fundamentais são aformação e administração de poupanças domésticas de longoprazo e uma distribuição mais eficiente dos riscos entre os di-ferentes indivíduos e instituições da sociedade, sua contribui-ção é fundamental para a cultura de gestão de riscos.

Ao responder às necessidades de proteção da sociedade, pa-ra os riscos a que estão sujeitos indivíduos e empresas, o setorexerce, paralelamente, função fundamental, representada pe-la formação, incremento e gestão de poupança doméstica delongo prazo, componente, inexorável, para o desenvolvimen-to econômico e social do País.

Na administração dessa poupança, valorizada pelo saldo dasprovisões técnicas de constituição obrigatória, faz-se presenteoutro relevante papel do setor, qual seja, o da aplicação pruden-te desses recursos em ativos que ofereçam segurança e liquidez,de sorte a se poder dar pleno e tempestivo atendimento aoscompromissos contratuais assumidos com a clientela.

A importância dessas atribuições evolui com a expansão dosetor, especialmente porque, ao gerenciar um volume crescen-te de recursos de provisões técnicas, com aplicações caracte-rizadas por critérios estáveis, voltados para o longo prazo, elepassa a contribuir, cada vez mais, para a estabilidade das fon-tes de financiamento de investimentos do País, como já comen-tado na seção anterior. Um dos processos em andamento na

economia brasileira depois da estabilização é o de maior de-senvolvimento do setor financeiro como prestador de serviçosde alocação de poupança.

Nos primeiros anos após o Plano Real, a instabilidade resi-dual e o nível elevado dos juros nominais, assim como a altavolatilidade de algumas variáveis financeiras (especialmentedos juros reais e das taxas de câmbio) impediram o pleno flo-rescimento da intermediação e certamente atrasaram o desen-volvimento do setor. Mesmo assim, alguns indicadores ilus-tram o crescimento da importância do setor na intermediaçãodos recursos dos poupadores.

Esta relevância pode ser constatada na Tabela 2, que apresen-ta o crescimento das reservas (provisões técnicas das segurado-ras, empresas de previdência complementar aberta e de capita-

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40 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

lização) como proporção do PIB, que se multiplicou mais de trêsvezes a partir do Plano Real, enquanto o indicador de penetraçãodo setor aumentou apenas um terço.

O setor adquiriu mais peso e relevância depois que a es-tabilidade monetária ajudou a modelar uma maior organi-zação econômica e social, comportando-se como um instru-mento direcionador de uma parte dos fluxos de poupançaprivada para aplicações de longo prazo. Este papel aumentana medida em que o próprio processo de alongamento dosprazos dos passivos públicos e privados ocorre como resul-tado da queda dos juros e da diminuição da volatilidade fi-nanceira que atingiu seu auge noperíodo de alta inflação.

Dada a importância crescenteque os recursos das provisõestécnicas (reservas), e respectivosativos garantidores têm, comofração do estoque total de ati-vos financeiros e, assim, dapoupança nacional, é necessá-ria a devida atenção das auto-ridades para o pleno desenvol-vimento do setor, que reclama,para tanto, um ambiente de es-tabilidade regulatória, segu-rança e tratamento fiscal esti-mulante à aquisição dos pro-dutos, levando-se em conside-ração o caráter de poupança damaior parte dos prêmios e contri-buições arrecadados.

4. Propostas para o Setor:Questões Gerais e Específicas

Essas questões demandam a atençãodas autoridades para que o setor possa de-sempenhar, no processo de consolidação docrescimento econômico que se projeta para ospróximos anos, seu papel de contribuir para a gera-ção e distribuição dos frutos do progresso para ummaior número de brasileiros.

Há uma série de medidas e propostas que, se colocadas emprática, nos conduzirão a esse objetivo e que, sinteticamente,podem ser assim enunciadas:

a) Aumento da proteção e estímulos ao consumidor de se-guros, previdência privada e capitalização;

b) Melhoria do sistema de segurança pública, um dos maisgraves problemas da sociedade hoje e que afeta todos os seg-mentos econômicos, em particular o setor de seguros. Este temcolaborado com as autoridades através do alinhamento depropósitos e de interesses, em busca da identificação de novasmedidas que possam vir a proporcionar o aperfeiçoamentodos mecanismos de combate à criminalidade.

c) O marco regulatório do setor, além de cumprir a função es-pecífica de harmonizar e estabilizar as relações do mercado, de-ve estimular a competitividade e aumentar a concorrência entre

as empresas, com estrita observância da higidez e da solvênciados mercados, sem a qual o desenvolvimento do setor não se fa-rá de forma consistente e de acordo com seu potencial.

d) Ampliar o espaço de atuação do setor através de meca-nismos que permitam estender, a um maior número de cida-dãos, benefícios de grande impacto sócio-econômico, especi-ficamente os voltados para a preservação da saúde e a preven-ção de acidentes do trabalho.

e)Estímulo a segmentos que impactam o desenvolvimen-to de outros setores da economia, como o seguro rural, o se-guro habitacional, o seguro de crédito à exportação, o mi-crosseguro e a capitalização.

f ) Reforma profunda do sis-tema previdenciário nacionalcomo forma de ampliar o siste-ma de proteção social.

Algumas dessas propostasserão estendidas a seguir eadicionadas outras de nature-za especifica.

4.1. Proteção eEstímulo ao Consumidorde Seguros

O Brasil acompanhou, noano passado, os efeitos benéfi-cos da redução do IPI sobre de-terminados produtos. Com pe-quena renúncia fiscal, foi pos-sível manter os níveis de pro-dução e preservar empregos.Por que não adotar comporta-mento semelhante em outros

segmentos? No caso dos seguros,por exemplo, pode-se eliminar, sob

determinadas condições, a tributaçãoincidente sobre rendimentos auferidos

nos planos de seguros de pessoas com co-bertura por sobrevivência, estruturados nas

modalidades de contribuição definida e variável,voltados, sobretudo, para atendimento à camada da

população de renda mais baixa, não declarante peloformulário completo de ajuste anual do imposto de renda

ou isenta de declaração. Isso não só estimularia a formaçãode poupança de caráter previdenciário, como ampliaria aproteção a um maior número de brasileiros.

É claro que o benefício deverá estar sujeito a determinadasregras, tais como: a) pagamento de prêmios e contribuiçõesdestinados ao custeio de coberturas de risco (morte, invali-dez etc.), em planos de seguros de pessoas e de benefícios deprevidência complementar; b) pagamento de franquias emensalidades de seguros e de planos de saúde; quitação decontraprestações ou de saldo devedor de financiamentosimobiliários destinados à aquisição de casa própria; paga-mento de matrículas e mensalidades escolares relacionadasao ensino de 1°, 2° e 3° graus, bem como de ensino profissio-

Paulo

Pampo

lim/H

ype

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41JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

nalizante; e, ainda, com a obrigação dosrecursos fluírem, sem trânsito pelo titu-lar do plano, diretamente da sociedadeseguradora ou entidade aberta de pre-vidência complementar para a institui-ção a ser favorecida, com finalidade es-pecífica e declarada.

Cabe realçar a pertinência de se esten-der aos titulares dos planos de segurosde vida resgatáveis, recentemente regu-lamentados pelo órgão de regulação efiscalização do setor – e com forte viés deformação de poupanças domésticas, aoportunidade de também poderem op-tar pelo regime de tributação pelo impos-to de renda a alíquotas regressivas, aexemplo do admitido para os participan-tes e segurados de planos de caráter pre-videnciário estruturados nas modalida-des de contribuição definida e variável,na forma da Lei nº 11.053, de 2004.

É necessário, por outro lado, conti-nuar persistindo em maximizar a prote-ção dos interesses das pessoas e empre-sas que, abrindo mão de outras alterna-tivas de inversão de recursos, inclusiveno consumo, passem a adquirir as diver-sas modalidades de planos de seguros,de previdência complementar aberta ede capitalização, procurando não só pro-teger seu negócio, seu patrimônio, a sipróprios, a seus familiares, como, tam-bém, formar poupanças de longo prazo.

Alinhado com esses propósitos, temsido notório o esforço do Governo empromover e incentivar a oferta de segu-ros à população de menor poder aquisi-tivo de nosso País, os denominados se-guros populares, estando as segurado-ras engajadas e solidárias, pois compreendem que o acesso aprodutos de seguros de bens e pessoas traz consigo uma fer-ramenta de proteção e desenvolvimento social a esta camadada população, que até recentemente teve pouco ou nenhumacesso a este tipo de produto. Para isso, as seguradoras estão seesforçando no desenvolvimento de produtos e canais que efe-tivamente venham a atingir este segmento de mercado, respei-tando suas características e anseios especiais.

Nesse contexto, é fundamental, em adição aos mecanismosjá existentes, agilizar o atendimento e dar privilégio aos direi-tos creditórios de segurados, participantes, beneficiários, as-sistidos e detentores de títulos de capitalização numa eventual"queda" da entidade operadora.

Será indispensável, para tanto, o encaminhamento de pro-jeto de lei aperfeiçoando a legislação que dispõe sobre os re-gimes especiais aplicáveis às sociedades seguradoras, enti-dades abertas de previdência complementar e sociedades decapitalização, inclusive com aproveitamento do instituto do

Marcos Peron/Virtual Photo

No Ramo Automóvel, cerca de12 milhões de veículos – 30%

da frota nacional – estão cobertospor seguros, tendo sido pagas2,3 milhões de indenizações,

incluindo a reposição de mais de200 mil veículos. Os repasses da

parcela do prêmio do Seguro DPVATao Fundo Nacional de Saúde,

para atendimento das vítimas deacidentes de trânsito na rede

hospitalar do SUS e ao Denatran,para campanhas de educaçãoe segurança no trânsito, foram

de R$ 2,7 bilhões (45% para o SUSe 5% para o Denatran).

Alex Ribeiro/DC

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42 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

patrimônio de afetação, previsto na Lei nº 11.101, 09.02.2005(Lei de Recuperação de Empresas) ou com a adoção de outrosmecanismos de mesmo efeito, com características de equida-de e universalidade.

4.2. Segurança Pública

Os crimes contra o patrimônio, dentre os quais se destacama extorsão mediante sequestro, o roubo e furto de automóveise o roubo de cargas, juntamente com as fraudes impetradascontra a indústria do seguro, constituem um importante ele-mento para financiamento de outras atividades criminosas,como a distribuição de drogas e a lavagem de dinheiro.

Preocupado com a situação, o setor de seguros vem estrei-tando o seu relacionamento com as autoridades policiais emtodos os níveis, através de convênios para implementar pro-cessos e mecanismos que inibam a criminalidade e, assim, di-minuam os prejuízos que, em última instância,recaem sobre a sociedade e os segurados peloimpacto que acarretam no preço dos seguros.

Um dos segmentos mais afetados pela faltade segurança é o de veículos, tanto pelo ladodos acidentes de trânsito e o número absurdode vítimas, quanto pelos roubos e furtos. Otransporte de cargas é uma questão à parte. Es-tá tão à mercê de roubos praticados, na maioriadas vezes, por quadrilhas especializadas quepraticamente já nem conta mais com a prote-ção de um seguro.

Ainda com relação à insegurança no trân-sito e aos crimes contra proprietários de veí-culos e suas cargas, há uma série de mecanis-mos que podem contribuir para diminuir oproblema, tais como: a) estimular a introdu-ção de sistemas de identificação de veículoscom a gravação dos números de chassis e/oumotor em várias peças e instalação de siste-mas de checagem eletrônica, visando dificultar fraudes poradulteração e facilitar futuros controles de pagamentos demultas e impostos; b) identificar os agregados (motor, câm-bio, carroceria e eixo), fazendo constar os agregados no ca-dastro do RENAVAM, de forma a facilitar o processo de iden-tificação de veículos furtados/roubados, a fiscalização dosdesmanches e a comercialização ilegal de peças usadas; c) es-tabelecer que as oficinas sejam obrigadas a apresentar as no-tas fiscais de compra das peças aplicadas nos veículos porelas reparados, assegurando o controle da origem das peças;d) regulamentação dos desmanches e do comércio de peçasusadas, providência que abrirá caminho para novas moda-lidades de seguros populares, já existentes em outros países,para cobertura de veículos mais antigos.

4.3. Seguro Saúde

O seguro saúde ainda precisa vencer barreiras e preconcei-tos para ser visto como importante instrumento de promoçãoda saúde no País. Mais que importante, seu caráter suple-

mentar deve ser entendido como aliado imprescindível dian-te das carências do setor público. Sua característica principalé que, como ramo de seguro, destina-se a prestar ao seguradogarantia financeira relativamente à cobertura das despesasmédicas e hospitalares em que incorrer, observados os limitescontratuais. As seguradoras não prestam diretamente os ser-viços nem guardam vínculo com profissionais de saúde, hos-pitais, laboratórios e serviços de diagnóstico que venham aatender seus segurados, aos quais reembolsam despesas con-forme aqueles limites. Por outro lado, para facilitar o acessodos segurados aos serviços de saúde, e contribuir para o con-trole dos custos assistenciais, as seguradoras buscam manteracordos operacionais com profissionais e estabelecimentosde saúde para pagar-lhes diretamente as despesas, por contae ordem dos segurados.

A falta de uma clara definição de seu papel traz grandes de-safios ao setor, na medida em que a regulamentação tem se am-

pliado tanto em termos de quantidade comoem relação ao escopo e abrangência das nor-mas. A regulamentação, ao procurar protegeros consumidores de supostas falhas de merca-do, vem aumentando a interferência no funcio-namento do setor de saúde suplementar. Cer-tamente, existem benefícios ao se estabelecerregras que venham a harmonizar a convivên-cia entre os diversos integrantes do setor, mashá que se considerar que a ação pública produzcustos (não só monetários, mas também custosde oportunidade) para o sistema que deveriamser ao menos compensados pelos benefíciosque eles objetivam. Essa é a regra de bolso quedeveria nortear as futuras regulamentações.

A análise das causas dos problemas atuaispor que passam as seguradoras especializa-das em saúde indica que devem ser enfrenta-das duas questões principais. Uma, mais ge-ral, que diz respeito ao modelo de organiza-

ção do sistema de saúde suplementar adotado a partir de1998, que provocou rigidez da oferta de produtos e de outrasgarantias sem considerar as distintas demandas da popula-ção e das empresas que buscam esse benefício, reduzindo-lhes o acesso ao sistema privado. A outra questão, mais es-pecífica, relaciona-se à elevação dos custos médicos e hospi-talares, que evoluíram a taxas muito superiores às da inflaçãomedida por índices gerais de preços, e aos sub-reajustes dasmensalidades do seguro-saúde individual, praticados pelopoder público, sem considerar os índices de evolução de cus-tos demonstrados pelas seguradoras.

Paralelamente, outras políticas públicas, entretanto, aindacarecem de melhor definição. O programa de qualificação dasaúde suplementar foi desenvolvido com o objetivo de qualifi-car o mercado a partir da elaboração e divulgação de ranking. Oproblema é que, ao ser desenvolvido pela própria autoridade re-guladora, o programa acaba expressando a ótica do próprio re-gulador e não as do consumidor, a quem se destina. Nesse caso,o consumidor estará sendo induzido em seu processo de esco-lha, distorcendo as condições de concorrência no setor.

O transporte decargas é uma questãoà parte. Está tãoà mercê de roubospraticados, namaioria das vezespor quadrilhasespecializadas, quepraticamente jánem conta maiscom a proteção deum seguro.

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43JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Há necessidade então de duas linhasprincipais de esforços para a reversão daqueda de produção do setor e para a re-cuperação do seu equilíbrio operacio-nal. A primeira, dirigida à identificaçãodos sinais e consequências das mudan-ças de natureza regulamentar ocorridasno atual estágio de organização do siste-ma, inclusive o equacionamento dos de-sequilíbrios provocados pelos sub-rea-justes de mensalidades do seguro-saú-de individual. A segunda, pela criaçãode instrumentos de controle e incenti-vos administrativos do Governo, quedisciplinem a introdução tecnológica nosetor e reduzam a espiral inflacionáriados preços de materiais e medicamen-tos. A introdução indiscriminada de no-vas tecnologias tem criado sua própriademanda, muitas vezes desnecessária,que majora o custo na prestação da assis-tência sem que o benefício esteja com-provado sob o ponto de vista de custo-efetividade. A obrigatoriedade de di-vulgação dos preços cobrados pelos ma-teriais e medicamentos também é umimportante instrumento para reduçãode custos no setor.

4.4. Seguro de Acidentesdo Trabalho

As estatísticas revelam que o Brasil éum dos países onde mais se registramacidentes do trabalho. O seguro que co-bre esses eventos é monopólio estatal ehá a convicção entre os profissionais deseguros de que, se a legislação permitir,o setor privado pode contribuir para amelhoria deste serviço, atendendo com eficácia os beneficiá-rios, trabalhadores do setor formal, e ao mesmo tempo deso-nerando a Previdência.

Não se trata de proposta de privatização do SAT e sim deflexibilização, com o novo regime restabelecendo a condiçãoanterior na qual o empregador poderá optar em contratar oseguro em referência com o Regime Geral da Previdência So-cial - RGPS ou com o setor privado. A proposta não implica,pois, em alijar a Previdência Social, mas, sim, em convivercom agentes do setor privado, substituindo o monopólio pelamultiplicidade de oferta.

Os trabalhadores serão melhor atendidos em termos de as-sistência médica, reabilitação e readaptação profissional, in-clusive com o restabelecimento das indenizações e os progra-mas efetivos de prevenção que diminuirão os riscos de aciden-te. Também o Estado se beneficiará, já que poderá transferirpara os operadores toda a Assistência Médica hoje prestadapelo SUS, aliviando a demanda de serviços prestados à popu-

Pablo de Souza/Cia. da Luz

Agliberto Lima/AE

O programa de qualificaçãoda saúde suplementar foi

desenvolvido com o objetivo dequalificar o mercado a partir

da elaboração e divulgação deranking. O problema é que, aoser desenvolvido pela própria

autoridade reguladora, oprograma acaba expressandoa ótica do próprio regulador e

não as do consumidor.

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44 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

lação como um todo, bem como aliviaria a Previdência Socialdos custos relativos a Reposição Salarial por IncapacidadeTemporária e Invalidez Permanente e ainda propiciaria umareceita adicional pelos encargos recolhidos ao INSS pelas ope-radoras em nome dos trabalhadores afastados do trabalho.

4.5. Seguros de Segmentos Específicos:o Seguro Rural

As companhias seguradoras já colocam à disposição dasociedade e, com alguns estímulos podem colocar de formamuito mais efetiva, determinados seguros que ajudam o de-senvolvimento de outros segmentos, como o seguro ruralna agricultura, o habitacional na construção civil, o de ga-rantia e o de crédito à exportação, utilizados em diversas ati-vidades empresariais.

O seguro rural é instrumento de planejamento e execução dapolítica agrícola, eleito para este fim, juntamente com o créditorural, a tecnologia, a assistência técnica e extensão rural, pelo ar-tigo 187 da Constituição Federal. Destina-se à proteção de lavou-ras e rebanhos contra os riscos que lhe são peculiares, mas suaabrangência não se restringe ao campo. Transformou-se em fatorprimordial, nos países que o adotam na medida necessária, paraa fixação de preços de produtos agrícolas exportáveis.

No Brasil, o seguro agrícola não chega a cobrir 1% da áreaplantada, enquanto em países como os Estados Unidos a co-bertura se estende a 75% da produção. As propostas e progra-mas em discussão e mesmo as medidas já implantadas aindasão muito tímidas diante da necessidade da agricultura bra-sileira. O modelo que adotarmos, para cumprir sua finalidade,deve complementar o custo do risco, subsidiando o prêmio aser suportado pelo produtor, ao mesmo tempo que deve ofe-recer ao gestor do seguro a garantia de cobertura dos resulta-dos catastróficos e excepcionais.

4.6. Seguro Habitacional

O financiamento da produção imobiliária e dos progra-mas de habitação popular conta tradicionalmente com o se-guro habitacional, que cobre os riscos decorrentes de morteou invalidez permanente do mutuário e danos físicos aosimóveis. Trata-se de um seguro de largo alcance social, umavez que possibilita à família do mutuário, no caso de morteou invalidez do seu responsável, a quitação da dívida con-traída para a aquisição da casa própria, além de permitir arecuperação do imóvel, em vista da ocorrência de incêndioou explosão, por qualquer causa, e de inundação, alagamen-to, destelhamento e desmoronamento, causados por fatoresexternos. Nos últimos três anos, as operações do seguro ha-bitacional têm gerado recursos da ordem de R$ 2,4 bilhões,que são reinvestidos no mercado financeiro, sobretudo emtítulos públicos.

Estima-se hoje um déficit habitacional da ordem de 4 mi-lhões de imóveis. Visando contribuir na redução dessa carên-cia, propomos a concessão dos seguintes incentivos, que per-mitirão o acesso de mais pessoas aos financiamentos imobiliá-rios: a) considerar nula a alíquota do IOF (Imposto sobre ope-rações financeiras) incidente sobre os prêmios dos seguros dasapólices habitacionais; b) permitir que os juros que integram asprestações dos financiamentos para aquisição de moradia pró-pria sejam deduzidos do imposto devido, quando da declara-ção anual de rendimentos por parte dos mutuários, para finsde Imposto de Renda.

Tais medidas contribuirão para o incremento do créditoimobiliário, do número de unidades habitacionais construí-das, da contratação de mão de obra para a construção civil e dapoupança interna, com a constituição pelas seguradoras de re-servas de longo prazo.

O mercado segurador brasileiro tem desenvolvido produ-

No Brasil, oseguro agrícolanão chega acobrir 1% daárea plantada,enquanto empaíses como osEstados Unidosa cobertura seestende a 75%da produção.

Jonne Roriz/AE

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45JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

tos voltados a esse segmento, como o seguro habitacional forado SFH e o seguro imobiliário, para atender ao SFI e as ope-rações de autofinanciamento, estando, portanto, em condi-ções de apoiar o Governo Federal no desenvolvimento de se-guros que garantam os novos programas habitacionais que ve-nham a ser concebidos.

4.7. Seguro Garantia

O seguro garantia se constitui em eficaz instrumento de ga-rantia e controle das licitações e contratos de fornecimentos,obras, serviços e concessões realizadas pelo Estado, desone-rando-o não só do ônus derivado do eventual inadimplemen-to do contratado, como também da análise prévia de suas con-dições técnicas, econômico-financeiras e de performance rea-lizadas pela Seguradora para assumir o risco.

O seguro garantia pode cobrir, também, na mesma ampli-tude, obrigações legais e convencionais realizadas com parti-culares, alcançando ainda obrigações aduaneiras, judiciais,administrativas e outras que afetem onerosamente o credor, naeventualidade do inadimplemento do devedor.

Seu alcance econômico, político e social deveria incentivar oGoverno a apoiá-lo e desenvolvê-lo, criando condições paraque as seguradoras de garantias tenham acesso às garantiasdisponíveis pela União, através do FGE - Fundo de Garantia àExportação, integrando-as às operações de garantia às expor-tações. Com isso, o setor privado terá condições de atender ademanda, sem a menor necessidade de se criar, por exemplo,uma seguradora pública.

O seguro de crédito à exportação garante os bens e servi-ços vendidos para o exterior contra o inadimplemento dosimportadores estrangeiros causado pela ocorrência de ris-

cos comerciais, políticos e extraordinários.Constitui um sistema que inclui as Seguradoras que são au-

torizadas a operar exclusivamente neste ramo e a União quepode assumir riscos políticos por todo o período de vigênciados contratos e riscos comerciais para contratos de mais de 2(dois) anos, através do Fundo de Garantia à Exportação - FGEgerido pelo BNDES.

Representa grande fator de apoio às exportações brasileiras,mas seu desenvolvimento pleno passa pela efetiva integraçãodeste seguro no processo de negócios da exportação.

O seguro de crédito à exportação pode ser um importanteinstrumento para ampliação da exportação das micros e pe-quenas empresas (MPEs), importante segmento na absor-ção de mão de obra, que encontra muitas dificuldades deacesso a financiamentos por força da falta de garantias su-ficientes exigidas pelos financiadores. Tais obstáculos deri-vam, em muitos casos, do porte e dimensão dos seus negó-cios. A experiência dos países desenvolvidos e bem sucedi-dos no apoio a esse segmento, demonstra que devem mere-cer uma atenção diferenciada e, invariavelmente, o Estadoparticipa no suporte ao financiamento (bancos oficiais) e ga-rantias (seguro de crédito à exportação).

Em conclusão, a proposta deste trabalho é o de estimular asautoridades dos setores econômicos do governo e as lideran-ças dos agentes produtivos privados para que procurem veri-ficar a mais absoluta correlação entre o crescimento do merca-do de seguros com o crescimento econômico e o bem estar so-cial, observado em países mais desenvolvidos do que o nosso,e assim entendendo conjugar forças para o desenvolvimentoacelerado e organizado do mercado de seguros e da sociedadebrasileira com um todo.

Nos últimos três anos,as operações doseguro habitacionaltêm gerado recursosda ordem deR$ 2,4 bilhões, quesão reinvestidos nomercado financeiro,sobretudo emtítulos públicos.

Cristiane Magalhães/Hype

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João ManoelP. de Mello

Vi n í c i u sCarrasco

Ambos os autoressão doutores emEconomia pelaUniversidade deStanford (EUA)e professoresassistentes doDepar tamentode Economiada PUC-Rio.

Fotos: Divulgação

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PRÉ-SALPRÉ-SALAnálise e propostas

quanto ao modelo deexploração sugerido

pelo governo Lula

Wilton Junior/AE

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48 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

Resumo

Este artigo faz uma análise microeconômica do modelo deexploração de petróleo na camada do Pré-sal, conformeproposto pelo governo Lula. Analisaremos os três principaispontos da proposta: a) execução pela Petrobras de todosos poços, ainda que compartilhada em alguns casos;b) cessão das áreas adjacentes a poços da Petrobrasà própria empresa, sem licitação; c) troca do modelo deconcessão pelo modelo de partilha.

Nossas conclusões ressaltam que:(a) A execução obrigatória pela Petrobras de todos ospoços, ainda que em alguns deles em parceria com outrasempresas, privilegia os direitos de controle relativamenteaos direitos sobre fluxo de caixa, o que prejudica osincentivos ao esforço de exploração da própria empresa edas demais companhias envolvidas, e diminui o valor dospoços para as mesmas, o que por sua vez diminuirá osvalores dos lances que darão no modelo de concessão oumesmo no de partilha, sendo assim uma ideia equivocada.

(b) A cessão automática das áreas adjacentes a poçosda Petrobras à própria empresa diminui a competiçãonos leilões, o que diminuirá a receita do Estado e, portanto,também é outra ideia equivocada.

(c) Quanto à escolha da concessão versus o regime departilha, há bons argumentos em ambos os lados; emparticular, o modelo de concessão tenderá a dominar omodelo de partilha se o valor do poço depender bastantedo esforço do executor. Como a mudança do sistema écustosa politicamente, e há tempos se arrasta nos meandrosdo Executivo e do Legislativo, a ambiguidade dadominância de um método em relação ao outro sugeremanter o regime de concessão, apesar de algumasvantagens apresentadas para o regime de partilha naTeoria de Leilões. Outra razão é que a capacidadeexecutiva da Petrobras será uma restrição a uma maisrápida exploração do Pré-sal, que ocorreria se essaexecução fosse entregue a um maior número de empresas.

Uma solução,muito ao gosto do

governo Lula, seriacriar uma novaempresa – umaPetrosal – cujo

único acionistafosse o Tesouro.

Nesse caso, seriairrelevanteo preço de

transferência dasáreas adjacentes.

Alexandre Brum/Ag. O Dia/AE

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49JUNHO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Introdução

O termo Pré-sal é usado para denominar a ca-mada de petróleo que no subsolo do oceanofoi depositada antes que o sal lhe cobrisse o so-lo, no sentido cronológico e, em geral, no sen-

tido geológico.O modelo de exploração da parte remanescente da cama-

da do Pré-sal apresentado pelo governo Lula contém trêspontos nevrálgicos. Primeiro, há uma mudança no tipo deleilão, de concessão para partilha. Segundo, há a previsãode que a Petrobras seja a empresa executora de todo o Pré-sal. Por fim, há a intenção de entregar à Petrobras, sem ne-cessidade de leilão, as áreas adjacentes aos já encontradospela empresa. Este artigo analisa estes três pontos à luz deargumentos microeconômicos.

A Petrobras como executora de todo o Pré-sal implica numaseparação (não total) dos chamados direitos de controle e direitossobre fluxo de caixa. Direitos de controle se referem à habilidadede decisão operacional sobre o projeto, ou seja, onde e quando fu-rar, quem subcontratar etc. Direitos de caixa constituem a possedo fluxo futuro de caixa, que é o valor presente esperado dos lu-cros que o projeto dará até o final do período de exploração (ou atéa área deixar de ser viável economicamente).

Veremos que a separação de direitos de controle e direitos decaixa tem importantes implicações para incentivos de esforçoda Petrobras. Em particular, quando não for majoritária nos

poços, ela não internalizará os benefícios de investimentosnesses poços e, portanto, não se "esforçará" o suficiente. Isso di-minui o valor dos poços. Antecipando essa diminuição de va-lor, os concorrentes nos leilões serão menos agressivos nos lan-ces, diminuindo a receita esperada do Tesouro Nacional.

Depois analisaremos uma proposta que, aparentemente,parece razoável. A Petrobras já opera em algumas áreas doPré-sal, onde fez investimentos e, portanto, adquiriu infor-mação sobre viabilidade e potencialidade delas. A geologiatem correlação espacial. Portanto, as áreas adjacentes ten-dem a ter características similares. Pareceria então lógicoque a Petrobras operasse também as áreas adjacentes àque-las que opera atualmente.

Argumentaremos que essa lógica, apesar de atraente, podecustar caro ao Tesouro. A não ser que haja um modelo precisode apreçamento das áreas adjacentes, há uma possibilidade dechegarmos a um valor equivocado. O erro na avaliação do va-lor das áreas adjacentes é custoso numa direção ou outra. Se aPetrobras pagar demasiadamente caro pelas áreas adjacentes,então os acionistas minoritários se verão prejudicados. Issoafetará a percepção de segurança do mercado de capitais bra-sileiro, afetando o custo de capital das empresas em geral. Se aPetrobras recebê-los por um valor excessivamente baixo, en-tão há uma transferência indevida de recursos dos contribuin-tes para os minoritários da Petrobras.

Uma solução, muito ao gosto do governo Lula, seria criaruma nova empresa – i.e., uma Petrosal – cujo único acionista

Rafael Andrade/Folha Imagem

Os modelos de concessãoe de partilha diferemquanto aos direitos sobreos fluxos de caixagerados pelo projeto.

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fosse o Tesouro. Nesse caso, na mesma linha da argumenta-ção anterior, seria irrelevante o preço de transferência dasáreas adjacentes. Contudo, essa solução pode sair ainda maiscara para o contribuinte por duas razões. Primeira, mais umaempresa significa a criação de mais uma estrutura burocrá-tica enorme e custosa. Segunda, e mais importante, o pontotodo de se transferir para a Petrobras as áreas adjacentes ésua vantagem informacional quanto ao potencial dessasáreas. Nada nos leva a crer que a "Petrosal" teria a mesmavantagem informacional Afinal, seriam estruturas diferen-tes, com pessoas diferentes.

Se leiloasse as áreas adjacentes, o governo usaria um mecanis-mo de mercado para forçar a Petrobras a revelar (mesmo que par-cialmente) qual é o valor dessas áreas, minorando, senão resol-vendo, os problemas causados por um apreçamento equivocadodas mesmas áreas. O custo seria alguma perda de eficiência alo-cativa. Ao leiloar, seria possível que uma empresa com menos in-formação ganhe o leilão, quando seria ótimo que a Petrobras ven-cesse todos os leilões de áreas adjacentes (caso, de fato, ela tenhamuita vantagem informacional, e esta seja de fato muito impor-tante). A literatura sugere que esse efeito indesejável do leilão nãoé empiricamente relevante.

Os modelos de concessão e de partilha diferem quanto aosdireitos sobre os fluxos de caixa gerados pelo projeto. A grossomodo, no modelo de concessão, há um pagamento fixo up-f ro n t , ou seja, antes do começo da exploração. Esse pagamentodá direito total à empresa sobre o fluxo futuro de caixa gerado

pelo projeto. (1) Comumente usa-se leilões para definir a em-presa que explorará as jazidas. No caso mais típico, as empre-sas dão lance, chamado de bônus de assinatura, que é esse pa-gamento inicial. Abstraindo de outras dimensões do leilão, ga-nha a empresa que propõe o maior bônus de assinatura. (2) Emsuma, num leilão de concessão, a empresa "compra" o fluxo fu-turo de caixa pagando um bônus de assinatura.

Já no modelo partilha, a empresa e o poder concedente (o go-verno) são sócios no fluxo futuro de caixa. Por isso o nome par-tilha. No leilão a empresa dá um lance igual à participação queela quer no fluxo futuro de caixa. Aquela que der o menor lanceganha o leilão. Como veremos posteriormente, há vantagens edesvantagens em ambos os sistemas. A decisão é caso a caso edeve envolver não só argumentos econômicos, como de via-bilidade política e celeridade na exploração. É preciso não me-nosprezar a importância desse último ponto. A mudança pro-posta pelo governo envolve uma tramitação difícil no legisla-tivo. Isso atrasará todo o processo de exploração do Pré-sal.Dadas as altas taxas de troca intertemporal da economia bra-sileira (ver nossas altas taxas de juros reais), esse atraso é cer-tamente muito custoso para o conjunto da sociedade.

Há outros aspectos importantes e controvertidos na pro-posta governamental de que não trataremos. (3) A escolha detemas foi feita tanto por relevância quanto pela possibilida-de de darmos uma contribuição significativa ao debate.Nossa vantagem comparativa está na utilização de argu-mentos microeconômicos para julgar os pontos da propos-

O erro naavaliação do valor dasáreas adjacentes écustoso numa direçãoou outra. Se a Petrobraspagar demasiadamentecaro pelas áreasadjacentes, então osacionistas minoritáriosse verão prejudicados.Isso afetará apercepção desegurança do mercadode capitais brasileiro.

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ta, pois a teoria microeconômica nos ajuda, principalmente,na análise dos três pontos elencados.

Devemos enfatizar que solidez microeconômica não é a úni-ca métrica para julgar a conveniência das propostas. Fatorespolíticos e distributivos também são importantes. Por exem-plo, somos simpáticos ao argumento de que qualquer mudan-ça nas regras do jogo deve ser capaz de pular um sarrafo altopara ser considerada. A altura do sarrafo se deve a três fatos.Primeiro, o modelo atual de concessão, com participação dainiciativa privada como sócia e também operadora, parecebem sucedido. Afinal, o aumento da produção de petróleo noPaís nos últimos 10 anos foi impressionante. Claro que semprese pode argumentar que o contrafactual seria ainda maior, ouseja, que se o modelo fosse outro, o aumento seria ainda maior.No entanto, temos somente a métrica factual, e nela o modelofoi um sucesso. Segundo, mudanças nas regras do jogo dãouma impressão de instabilidade institucional, o que é semprecustoso. Claro, às vezes as mudanças são imperativas. Mas da-do o sucesso do modelo anterior, não parece o caso. Por fim,mudanças sempre atrasam o processo. Ou seja, se simples-mente tivéssemos adotado o modelo anterior, já estaríamosum ano adiantados no processo exploratório. Dadas nossas ta-xas de juros e os riscos inerentes da exploração de combustível,o atraso já é e pode ser ainda mais custoso. Por exemplo, se atra-sarmos tanto o processo e, nesse ínterim, uma nova fonte deenergia fizer cair o preço do petróleo a tal ponto que o Pré-sal jánão teria valor, ou este seria reduzido em grande escala.

Novamente, não negamos que esses fatores são importan-tes. Apenas não os levaremos em conta na análise porque nãoconstituem nossa vantagem comparativa. Esta é uma análisebaseada em solidez microeconômica. Ao fim e ao cabo, pode-ríamos até concluir que uma mudança tem apoio intelectualem teoria microeconômica, mas não seria desejável por outrasrazões, como as citadas acima.

Por fim, um comentário sobre objetivos ou, como dizem oseconomistas, a função objetivo. O contribuinte brasileiro é do-no do Pré-sal. Implícito em nossa análise está o objetivo de ma-ximizar a receita do Tesouro Nacional, ou seja, a receita para ocontribuinte. Na maioria dos casos, estratégias que maximi-zam o valor do Pré-sal também maximizarão a receita do Te-souro Nacional, mas não sempre. (4)

O texto a seguir é organizado em três seções. Na primeiraanalisaremos a proposta de que a Petrobras seja, obrigatoria-mente, a executora de todo o Pré-sal. Na segunda, mostrare-mos ser equivocada a ideia de ceder sem licitação à Petrobras asáreas adjacentes aos seus poços. Por fim, na terceira seção, dis-cutiremos detalhadamente a proposta de mudança do sistemade concessão para partilha.

1. Direitos de controle: quem executa?

Do ponto de vista de geração de receita, um mecanismo quealoque direitos de exploração de blocos do Pré-sal através departicipação sobre receitas futuras é bastante justificável do

A proposta dogoverno prevê queo Estado tenha osdireitos de controle,que serão exercidosatravés da Petrobras,que será a executora.Na foto, a ex-ministraDilma Rousseff emevento sobre o futuroda exploração dopetróleo do Pré-sal.

Elza Fiúza/Abr

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ponto de vista econômico. Uma ação é a forma como se adquiredireito sobre os fluxos de caixa futuros (dividendos). Como to-do instrumento financeiro, em adição a dar direitos de caixa(cash rights), as ações também podem conferir direitos de con-trole a seus detentores. Uma questão relevante que se coloca é:num ambiente no qual o Estado e a empresa operadora sejamacionistas na exploração de blocos, quem deverá ter (e exercer)direitos de controle e execução?

A proposta do governo prevê que o Estado tenha os direitosde controle, que serão exercidos através da Petrobras, que seráexecutora em todo o Pré-sal. Argumentaremos que, a esta pro-posta, falta embasamento microeconômico por duas razões.

Em primeiro lugar, alocar direitos de controle e execuçãoà Petrobras deverá ter efeitos adversos sobre a agressivida-de nos lances das empresas participantes dos leilões. De fa-to, ao decidir sobre seu lance, um participante de um leilãodeve fazer uma estimativa do valor por ele atribuído ao ob-jeto leiloado. Enquanto em algumas circunstâncias – porexemplo, um leilão de objeto de arte, no qual participantestenham valorações intrínsecas pelo objeto – é algo trivial fa-zer esta estimativa, em outras esse exercício pode ser bas-tante complexo.

Um empresa que venha a fazer lances para exploração deum bloco do Pré-sal terá que fazer estimativas quanto: (i) àprobabilidade de haver petróleo em tal bloco; (ii) aos custosoperacionais de exploração; (iii) às melhores tecnologias deexploração; e (iv) aos preços de petróleo a prevalecerem no

futuro, entre outras dimensões. Portanto, o problema de es-timar o valor de um bloco para um participante do leilão serábastante complexo.

Quanto maior a incerteza de um participante quanto ao va-lor de um objeto leiloado, menor será seu lance. Portanto, sem-pre que possível, o desenho deve tentar fazer com que o pro-blema de se estimar a valoração do objeto seja facilitado. A de-cisão de fazer com que a Petrobras execute o Pré-sal vai em di-reção diametralmente oposta a esta prescrição.

De fato, uma empresa fará um lance por um bloco que serácomandado por outra empresa. Suas incertezas quanto a,por exemplo, custos operacionais de exploração serão au-mentados. Como consequência, cairá sua confiança nos re-sultados (incertos) de operação e, portanto, isso diminuiráos lances dos participantes.

Em segundo lugar, é preocupante que as decisões estra-tégicas de exploração sejam alocadas a um agente econômi-co que não terá direitos de caixa. Um princípio da teoria eco-nômica de incentivo é que, sempre que possível, é desejávelalocar direitos sobre receita àqueles que tomam decisões.Quando isto ocorre, os custos e benefícios das decisões sãointernalizados pelas partes que as tomam, o que gera melho-res decisões. Como um exemplo, para que a exploração se dêda maneira menos custosa, é necessário fazer com que osque tomam as decisões se beneficiem de reduções de custo.Isto ocorrerá quando o tomador de decisão se apropriar doslucros da empreitada.

É preocupanteque as decisõesestratégicas deexploração sejamalocadas a umagente econômicoque não terá direitosde caixa. Umprincípio da teoriaeconômica deincentivo diz que édesejável alocardireitos sobrereceita àqueles quetomam decisões.

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A execução do Pré-sal pela Petrobras separa direitos decontrole de direitos de caixa, o que, segundo a teoria econô-mica, deve implicar piores decisões. Em corporações, a se-paração entre direitos de caixa (detidos por acionistas) e di-reitos de controle (gerentes) gera decisões que beneficiamgerentes em detrimento de acionistas. Investimentos emprojetos com valores presentes negativos, estabelecimentode salários de executivos incompatíveis com suas produti-vidades, gastos em perks (jatos corporativos, consumo pri-vado financiado por gastos corporativos, entre outrositens), são exemplos das implicações da separação de direi-tos de caixa e controle em corporações. Em adição a tais dis-torções, a execução por parte da Petrobras (cujo acionistamajoritário é o Estado) traz a possibilidade de distorçõesmotivadas por várias questões de Economia Política, comdecisões políticas interagindo com as econômicas, o que cla-ramente é indesejável.

Supondo que, de fato, se decida que a Petrobras deve ser ope-radora de todo o Pré-sal, faz sentido a imposição de um crono-grama mínimo de prospecção em qualquer área, porque isso aju-daria a alinhar os incentivos da Petrobras nessa exploração. (5)Ca -so a Petrobras não enfrente um cronograma mínimo, ela natural-mente prospectará mais tarde os poços, cujo direito de caixa é deoutrem. ( 6) Ou seja, sem um cronograma mínimo, as empresasparticipantes anteciparão a "demora" da Petrobras e verão menorvalor nos projetos. Portanto, darão lances menos agressivos noleilão, diminuindo a receita esperada do Tesouro.

2. Cessão de poços adjacentes à Petrobras semnecessidade de leilão: outra Ideia equivocada

Um dos aspectos de maior relevância no modelo proposto dizrespeito à cessão à Petrobras de áreas adjacentes aos poços jáoperados por ela. Supostamente, a intenção de fazê-lo é aumen-tar a eficiência pela qual tais poços serão explorados, uma vezque seja possível que, por operar poços próximos, a Petrobrastenha vantagens informacionais e operacionais. Tal argumentoignora por completo os efeitos desta política sobre as receitas aserem obtidas pelo Estado. De fato, se o objetivo é colocar algumpeso sobre a receita, permitir que outras empresas participemdos leilões de poços adjacentes àqueles operados pela Petrobrastrará benefícios. A ideia é simples: a competição pela operaçãodo poço fará com que ao menos parte do excedente gerado sejatransferida da empresa operadora para o Estado.

Um exemplo ajuda a firmar tal ponto. Considere uma situa-ção na qual haja uma área adjacente a outra onde a Petrobras jáatua. A proximidade faz com que a Petrobras tenha vantagensinformacionais e operacionais em explorar tal poço, o que semanifesta em sua valoração pelo poço, que suporemos ser de 4,maior que a valoração da empresa A, que é de 2.

Ao conceder a exploração à Petrobras sem licitação, a re-ceita obtida pelo Estado será de zero. Considere, agora, umasituação na qual a exploração do poço seja concedida pormeio de um leilão aberto ascendente (conhecido como leilãoinglês). Em tal leilão, por ter a maior valoração, em princípio

Beto Barata/AE

Ao conceder a exploração à Petrobras,a receita do Estado será zero.

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a vencedora seria também a Petrobras, e seu lance será feitode forma a superar pelo menor montante possível a valora-ção da empresa A. Uma boa aproximação deste lance seria2,1, superior à valoração da empresa A. Portanto, com um lei-lão inglês, os ganhos de eficiência associados a alocar o poçopara a própria Petrobras (é eficiente alocar o poço a ela, pois,por hipótese, sua valoração é maior que da empresa A) sãopreservados e aumenta-se a receita.

O argumento acima não depende do fato de termos usadoum leilão inglês. O fundamental para que haja um incrementode receita é que haja alguma competição na alocação do poço.De fato, como exemplo, leilões de primeiro e segundo preçosde envelopes fechados, leilões abertos descendentes (e.g, lei-lões holandeses) e a maior parte dos mecanismos usados emprática serão tais que, concomitantemente, (i) uma alocaçãoeficiente será obtida (o poço será muito provavelmente tam-bém alocado à Petrobras), e (ii) a receita gerada será maior quea obtida pela cessão sem competição. Portanto, mesmo que oobjetivo buscado seja majoritariamente o de obter uma aloca-ção eficiente, esta alocação poderá ser obtida com bons resul-tados em termos de receita. O que é necessário para que issoocorra é a introdução de competição, via leilões.

Um pouco mais surpreendente é o fato que, se o objetivomaior for o de obter a máxima receita possível, muitas vezesserá ótimo desenhar mecanismos de alocação de poços adja-centes de tal forma que esses mecanismos sejam desfavoráveisà Petrobras. Mais uma vez, um exemplo ajuda a firmar o ar-

gumento. Suponha-se, como exemplo extremo, que a valora-ção da empresa A pelo poço em questão seja zero. Por sua vez,por operar poços adjacentes e, por isso, ter vantagens informa-cionais e operacionais sobre a empresa A, a valoração da Pe-trobras seja v, onde 0 < v _< 1.

Suponhamos que tal valoração seja desconhecida pelo agen-te governamental que estabelece o mecanismo que alocará o po-ço. Tudo que o agente sabe é que a valoração pode ser qualquernúmero entre 0 < v _< 1, com igual probabilidade. No que se se-gue, suporemos que o objetivo seja maximizar a receita.

Pode-se mostrar – de fato, trata-se de um resultado padrãona Teoria de Leilões Ótimos, cuja primeira derivação foi esta-belecida por Roger Myerson, ganhador do Prêmio Nobel deEconomia de 2007 – que o desenho que maximiza a receita (es-perada) é o seguinte. O agente estabelece que, a menos que aPetrobras ofereça pagar 0,5, o poço será dado à empresa A. Oque se segue é que, sempre que a valoração da Petrobras sejamaior ou igual a 0,5 ela pagará o preço exigido e operará o poço.Entretanto, quando a valoração da Petrobras for menor que0,5, ela não estará disposta a desembolsar o preço requerido.Portanto, nesse caso, a empresa A (cuja valoração pelo poço ézero, no exemplo) operará o poço.

Note que o desenho que maximiza a receita esperada envol-ve um montante razoável de ineficiência. No entanto, se de fatofor alocado à Petrobras, a receita será de 0,5, que é maior que areceita obtida, por exemplo, por leilões de primeiro e segundopreço (nos quais a receita seria basicamente de zero).

Wilton Júnior/AE

Um dos argumentos dogoverno ao defendero modelo de partilha é

a divisão de riscos entre oEstado e as operadoras.

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A ideia por trás do exemplo acima é simples. Quando a re-ceita é um componente relevante para definir o vencedor, numambiente no qual um competidor tenha uma vantagem natu-ral sobre outros, muitas vezes vale a pena desenhar mecanis-mos nos quais sejam dadas vantagens artificiais aos competi-dores para que a empresa com vantagem natural seja forçada afazer lances mais agressivos. Este ponto é referendado não sópela teoria microeconômica, mas também por evidência em-pírica (ver Hendricks e Porter -1988 sobre leilões de áreas ad-jacentes no Golfo do México).

3. Partilha versus Concessão

3.1. O argumento do governo Lula:aversão ao risco

Um dos argumentos usados pelo Governo Lula para de-fesa do modelo de partilha do Pré-sal diz respeito às suas im-plicações para a divisão de risco entre o Estado e as opera-doras. Nesta seção, argumentamos que, sob hipóteses razoá-veis a respeito das propensões ao risco das partes relevantes,a ideia de que o modelo de partilha aloca riscos de maneiraeficiente é equivocada.

O argumento do governo Lula toma por hipótese que, com oPré-sal, o risco exploratório diminuiu. Portanto, agora seriamelhor que o Estado ficasse com uma porcentagem da receita.Do ponto de vista econômico, este argumento é incorreto. A

diminuição do risco sugere que as empresas deveriam termais, e não menos, porcentagem na receita.

Há duas forças em jogo. Uma sugere que, de fato, o governodeveria ficar com uma porcentagem da receita, mas há um tra-de-off ou equilíbrio entre risco e incentivo. Na ausência de pro-blemas de incentivo, isto é, quando não há a necessidade de seestimular o "esforço" de uma das partes numa relação, umamaior fração do risco deve ser alocada para a parte relativa-mente mais capaz de absorvê-lo. Este é um resultado conhe-cido da Teoria de Alocação Ótima de Risco, e há razões paraacreditar que o Estado esteja mais apto do que as empresas aabsorver os riscos específicos à exploração de petróleo. Entreoutras razões, pelo fato de ter receitas advindas de outras ati-vidades (e.g., tributação), e bom acesso a mercados de crédito ede seguro. Segue-se, portanto, que, por este mecanismo, umaparcela maior do risco deveria ser alocada ao Estado.

Por outro lado, as partes interessadas só serão incentivadasa tomar decisões corretas se os pagamentos que recebem foremvariáveis. De fato, imagine que o governo compense a empresaexploradora com um pagamento fixo, sem nenhuma partici-pação no lucro. É evidente que ela não terá estímulo para en-contrar petróleo. Para induzir mais esforço, a empresa opera-dora deve participar do lucro (ou receita). Isto, no entanto, im-plica que ela fique com algum risco, o que do ponto de vista dealocação ótima de risco, gera um custo.

Num desenho ótimo, a importância relativa desses efeitos,quais sejam, divisão de risco e provisão de incentivos, deter-

No modelo deconcessão, as empresascompetem pelo direitode operar um blocosubmetendo lances demontantes fixos a serempagos (de antemão)ao Estado em caso devitória. A empresavencedora torna-se aúnica acionista daempreitada e seapropria de toda receitagerada "a posteriori".

Marcelo Carnaval/O Globo

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mina a divisão de risco entre governo e empresa exploradora.Se o risco exploratório diminuiu com o Pré-sal, o peso dado àdivisão ótima de risco cai e a importância relativa da provisãode incentivos aumenta. Logo, a participação da empresa no re-sultado deve aumentar, o que aponta para um sistema mais pa-recido com a concessão.

Portanto, sob a hipótese de que a descoberta do Pré-sal te-nha reduzido o risco exploratório, um movimento na direçãodo modelo de partilha em função de uma melhor alocação derisco não se justifica. Na próxima subseção, apresentaremosargumentos baseados em seu potencial de gerar receita quepossam justificar o modelo de partilha.

3.2. Análise do caso em que Fluxos de Caixa Futurosnão dependem do esforço do operador

Os modelos de concessão e de partilha têm implicações bas-tante distintas sobre a forma pela qual direitos sobre fluxos decaixa são alocados. No modelo de concessão, as empresas com-petem pelo direito de operar um bloco submetendo lances demontantes fixos a serem pagos (de antemão) ao Estado em casode vitória. A empresa vencedora torna-se a única acionista daempreitada e, como consequência, se apropria de toda receitagerada "a posteriori". Portanto, sob um regime de concessão, oEstado não obtém participação sobre receita gerada "ex-post",exceto as já citadas . (7) No modelo de partilha, as empresascompetem pelo direito de operação, submetendo lances de

participação a ser dada ao Estado sobre receitas geradas "a pos-teriori". Em tal regime, portanto, a empresa operadora remu-nera o Estado, tornando-o acionista da empreitada.

É evidente que um dos objetivos do desenho das regras deexploração do Pré-sal deve ser a obtenção de recursos por partedo Estado. Portanto, é importante entender as implicações daalocação de direitos de fluxo de caixa sobre receita esperada aser gerada. Em princípio, pode parecer que, no que diz respeitoàs consequências sobre receita esperada, não há diferenças en-tre concessão e partilha. De fato, muitos analistas argumentamque não importa a forma pela qual a divisão de receitas "ex-post" é feita, mas sim o montante esperado a ser oferecido pelaempresa vencedora.

Segundo este argumento, se, por exemplo, no modelo departilha, a empresa vencedora está disposta a dar participa-ção de, digamos, 20% ao Estado sobre as receitas a serem ge-radas, ela (se neutra ao risco e não restrita por crédito) estarádisposta a oferecer em antemão um montante esperado equi-valente. (8) Embora aparentemente persuasivo, tal argumen-to é incompleto por ignorar que a agressividade dos partici-pantes de um leilão depende da formal pela qual se dividemos fluxos de caixa "ex-post".

De fato, nos últimos anos, leilões de exploração de ativos eprojetos, para os quais os fluxos de caixa futuros podem serusados para determinar o pagamento a ser feito pelos vence-dores dos leilões, têm sido extensivamente estudados. Um lei-lão no qual o pagamento a ser feito pelo vencedor é contingente

O modelo departilha implicaum leilão no qualos lances são feitosatravés de ações.Por outro lado,o modelo deconcessão implicaum leilão noqual o pagamentoa ser feito nãoé contingente àsrealizações defluxos decaixa futuros.

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ao fluxo de caixa futuro é um leilão no qual os participantesfazem lances através de instrumentos financeiros ("securi-ties"). Exemplos de instrumentos financeiros são: dívidas,ações e opções. Para definir formalmente esses instrumentos, éconveniente definir zcomo sendo os lucros (ou fluxos de caixa)futuros associados a um bloco de exploração. Se o detentor daação tem direito a 0<p<1dos lucros futuros, uma ação é um ins-trumento financeiro que promete pagamentos iguais a pz.

Por sua vez, um contrato de dívida com valor de face D p ro -mete a seu detentor pagamentos iguais ao mínimo entre {D,z}.Isto é, caso o valor de face da dívida, D, seja maior que o lucrogerado, z, um detentor de dívida receberá z (todo o lucro). Ca-so o valor de face da dívida, D, seja menor que o lucro gerado,z, um detentor de dívida receberá D.

Uma opção de compra com preço de exercício k é um ins-trumento que promete pagamentos iguais ao máximo entre{0,z-k}. Isto é, caso os lucros gerados sejam menores que o pre-ço de exercício k, o detentor do instrumento não exercerá a op-ção de comprá-lo e, portanto, obterá zero. Caso contrário, o de-tentor do instrumento exercerá sua opção de compra. Portan-to, pagará o preço de exercício k e terá direito sobre todo o lu-cro. O pagamento que receberá será, portanto, z-k.

Num leilão no qual os lances são feitos através de ações, osparticipantes competem oferecendo frações 0<p<1 dos lucrosfuturos com a qual ele promete remunerar o leiloeiro (quantomaior o p, mais agressivo o lance). Num leilão no qual os lancessão contratos de dívida, os participantes competem através de

valores de face da dívida (quanto maior o D, mais agressivo olance). Por fim, num leilão no qual os lances são opções de com-pra, os participantes competem através de preços de exercíciok (quanto menor o k, mais agressivo o lance).

Como argumentamos, o modelo de partilha implica um leilãono qual os lances são feitos através de ações. Por outro lado, o mo-delo de concessão implica um leilão no qual o pagamento a serfeito não é contingente às realizações de fluxos de caixa futuros.

A questão central tratada nas análises de leilões com ins-trumentos financeiros é a relação entre a forma pela qual taisinstrumentos dividem os fluxos de caixa "ex-post" e a agres-sividade (competição) dos lances de (entre) competidores.A principal lição a ser aprendida dessas análises é que, se adistribuição de fluxos de caixa independer da forma pelaqual as operações são realizadas, leilões com instrumentosfinanceiros, cujos pagamentos sejam mais sensíveis a (maio-res) realizações dos fluxos de caixa futuros, geram maioresreceitas esperadas. De maneira alternativa, fazendo uso dojargão adotado pelos teóricos de leilão, se a distribuição defluxos de caixa for exógena, instrumentos financeiros maisinclinados ("steeper securities") geram maior receita espe-rada, o que explicaremos a seguir.

Alguns exemplos nos ajudam a entender como avaliar seum instrumento é mais inclinado (isto é, gera pagamentosmais sensíveis a maiores realizações de fluxos de caixas) queoutro. Ações são mais inclinadas que dívida. De fato, se asrealizações de fluxos de caixa futuro são altas, uma dívida

Sergio Lima/Folhapress

Aprovação daemenda que

divide os royaltiesda exploração

do Pré-sal.

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paga um montante constante ao credor, enquanto o paga-mento que um detentor de uma ação recebe irá variar com oa realização do fluxo de caixa. Como outro exemplo, note-seque dívida é mais inclinada que a promessa de um paga-mento constante, uma vez que o pagamento que um credorrecebe varia com o fluxo de caixa em estados de bancarrota.Por fim, uma opção é mais inclinada do que ação e dívida. Defato, note que uma ação promete pagamentos iguais a pz aseu detentor, enquanto uma opção de compra com preço deexercício k promete pagamentos iguais ao máximo entre{0,z-k}. Note que para valores baixos de z, mais precisamen-te, sempre que z estiver entre zero e k/(1-p), os pagamentosassociados à ação serão maiores que os associados à opção.Para todo valor de z maior ou igual a k/(1-p), os pagamentosassociados à opção são maiores que os associados à ação.Portanto, os pagamentos gerados pela opção serão, em re-lação à ação, mais sensíveis a maiores realizações de fluxosde caixa. Portanto, opções são mais inclinadas que ações.Como ações são mais inclinadas que dívida e as opções sãomais inclinadas que ações, opções também serão mais incli-nadas de dívida. (9)

AFigura 1 mostra os pagamentos de opções, ações, dívida (eo correspondente a um bônus em um modelo de concessão) co-mo função das realizações dos fluxos de caixa de um projeto.

Da figura, pode-se notar, por exemplo, que, à esquerda doponto A, os pagamentos prometidos pela ação são menoresque os pagamentos prometidos pela dívida, enquanto, à direi-

ta, os pagamentos prometidos pela ação são sempre maioresque os prometidos pela dívida. Dizemos, então, que a ação cor-ta "por baixo" a dívida.

Note, ainda, que a ação é cortada por baixo pela opção. Defato, à esquerda do ponto B, os pagamentos prometidos pelaopção são menores que os pagamentos prometidos pela ação,enquanto, à direita, os pagamentos prometidos pela ação sãosempre maiores que os prometidos pela dívida.

Por fim, note que o pagamento constante associado a um bô-nus num regime de concessão é cortado por baixo pela dívida.De fato, à esquerda do ponto C, os pagamentos prometidos pe-la dívida são menores que os pagamentos prometidos pelo bô-nus enquanto, à direita, os pagamentos prometidos pela dívi-da são sempre maiores que os prometidos pelo bônus.

Uma forma simples de se estabelecer que um instrumen-to financeiro X qualquer é mais inclinado que um instru-mento Y é verificando se X corta Y por baixo. Notando-seque (i) opção corta ação por baixo, (ii) ação corta dívida porbaixo e (iii) dívida corta uma pagamento constante por bai-xo, podemos, então, estabelecer que a receita esperada deum leilão com opções será maior que receita de um leilãocom ações, que, por sua vez, gerará mais receitas que um lei-lão com dívida. Surpreendentemente, um leilão com paga-mentos que não sejam contingentes à realização dos fluxosde caixa gerará a menor receita esperada.

A intuição por trás de instrumentos financeiros mais incli-nados aumentarem a receita esperada de leilões é simples: eles

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fazem com que os participantes do leilão se comportem de ma-neira mais agressiva. Intuitivamente, ao estabelecer uma rela-ção entre pagamentos e fluxos de caixa futuro (que, em média,são mais bem conhecidos pela operadora que pelo Estado), umleilão com instrumentos financeiros "vincula" os lances dosparticipantes à informação privativa que eles têm a respeito doobjeto leiloado. Isto, por sua vez, reduz a possibilidade de osparticipantes "encobrirem" suas reais disposições a pagar(suas valorações) pelo (do) objeto. Em estando menos aptos aencobrirem suas valorações, os participantes acabam pagan-do preços maiores pelo bem, o que aumenta a receita.

Um exemplo ajuda a entender tal interpretação. Tomemosleilões abertos ascendentes, em que o direito a operar um pro-jeto seja leiloado. Como já assinalamos, num leilão inglês, ovencedor será a pessoa para qual o projeto tem maior valor. Olance vencedor é feito de maneira a superar pelo menor mon-tante possível a valoração do participante que tenha a segundamaior valoração, pois esse é o maior lance possível de todos osdemais participantes. (10)

De fato, suponha que haja duas empresas no leilão. A em-presa A retiraria 4 de receita do bloco; a empresa B retiraria 3. Ocusto de exploração é 1. Como num leilão aberto ascendente, aempresa de maior valoração vence e paga algo arbitrariamen-te próximo da valoração da segunda colocada( 11 ) , na conces-são, a empresa A ganha e paga o valor atribuído ao projeto pelaempresa B, igual a 2 (receitas menos custo, 2 = 3 - 1). A receitagerada pelo leilão para o Estado será, portanto, 2.

Suponha, agora, que as empresas façam lances que repre-sentem ações sobre as receitas do projeto (isto é, percentagemda receita), como no modelo de partilha. A empresa com maiorvaloração (A) ainda vence e com o lance igual ao valor atribuí-do pela empresa B. Qual é esse valor? Note que o valor atribuí-do ao projeto pela empresa B em termos de participação (emoutras palavras, a participação que ela está disposta a ofertar) é2/3, pois 2/3 de 3 = 2. Portanto, a empresa A vence o leilão ecede ao Estado participação de 2/3 sobre as receitas do projeto.A receita esperada será, portanto, 2/3 de 4 = 2,67, que é maiorque a obtida com concessão.

Note que, no exemplo, as participações prometidas nomodelo de partilha atrelam o pagamento à receita da empre-sa, aumentando a renda do leiloeiro. Alternativamente, em-bora o lance de 2/3 da empresa perdedora quando medidoem termos de suas receitas correspondesse ao quanto tal em-presa estaria disposta a pagar no modelo de concessão,quando medido em termos das receitas da empresa vence-dora, ele implica uma pagamento maior por parte da empre-sa A. O modelo de partilha força que a empresa vencedoraseja mais agressiva em seu lance.

Em geral, quanto mais inclinado o instrumento financeiro(isto é, mais sensível a maiores fluxos de caixa forem suas pro-messas de pagamento), maior a ligação entre pagamento e re-ceita da empresa. Isso é verdade não só para o leilão inglês, mastambém para leilões de primeiro e segundos preços de enve-lope fechado, leilão aberto descendente (conhecido como lei-

André Mourão/O Dia/AE

Protestos contra a emenda queretira do Estado do Rio de Janeiroparte dos royalties do Pré-sal.

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lão holandês), e quaisquer dos mecanismos que observamosna prática. Como ações são mais inclinadas que bônus, o mo-delo de partilha deve dominar o modelo de concessão em ter-mos de receitas a serem geradas ao Estado.

3.3. Análise do caso em que Fluxos de Caixa Futurosdependem do esforço do operador

Pelo discutido acima, quanto mais inclinado um instrumen-to financeiro através do qual os lances são feitos em leilões,maior (em média) a receita esperada.

Como indicado pela Figura 1, opções de compra são maisinclinadas que ações. De fato, quando o governo detém umaopção de compra do bloco a ser explorado, se a receita dele formaior que um "strike price", o governo fica com toda a receita,e não apenas com uma porcentagem. Por isso, dada a análisefeita na seção anterior, parece ser o caso que a melhor forma dese leiloar direitos de exploração de blocos do Pré-sal seria atra-vés de lances no "strike price" (o menor "strike price" vence) deuma opção sobre os fluxos de caixa a serem realizados.

No entanto, a análise da seção anterior toma como dada adistribuição de probabilidade sobre fluxos de caixa futuros.Parece ser mais razoável supor que esforço (medido, porexemplo, em termos de tamanho do investimento em explo-ração, redução de custos etc.) de quem opera o projeto exer-cido tem efeitos sobre a possibilidade de bons fluxos de cai-xa futuro. Para prover incentivos para que a empresa ope-

radora se esforce, é conveniente que ela se aproprie dos be-nefícios "ex-post" de seu esforço. A melhor forma de fazerisso é permitir que a empresa também detenha direitos so-bre fluxos de caixa futuro.

Nesse sentido, ao usar leilões para os quais os lances são pre-ços de exercício (strike prices) de opções de compra, o esforçoda operadora pode ficar comprometido. É recomendável que aoperadora tenha participação sobre fluxos de caixa futuro. Defato, note que, se ao Estado é dada uma opção de compra sobreos fluxos de caixa futuro, a empresa operadora detém, de fato,uma dívida, cujo valor é o "strike price" da opção de compra doEstado. Como consequência, a empresa operadora pouco sebeneficiará da realização de altos valores de caixa futuro e, por-tanto, terá poucos incentivos a se esforçar.

No entanto, se a empresa operadora for acionista da emprei-tada, ela deterá direitos de caixa para quaisquer realizaçõesdos fluxos futuros, o que gerará incentivos para esforço. Aquicabe notar que o modelo de partilha faz com que a empresaoperadora seja acionista. No modelo de concessão, a empresa(ou consórcio) fica como única acionista. Portanto, seus incen-tivos ao esforço são maiores porque ela se apropria de todo ofluxo de caixa proveniente do projeto.

Portanto, os modelos de partilha e concessão têm vanta-gens e desvantagens. As circunstâncias específicas determi-narão qual modelo é desejável. No modelo de partilha asempresas dão lances em participações acionárias o que au-menta a agressividade dos lances porque usam instrumen-

Evelson de Freitas/AE

Em particular, omodelo de concessão,ao deixar mais direito decaixa para a empresaexecutora, tende aprover melhoresincentivos para esforço.Isso não quer dizer quenum modelo de partilhaa empresa não teráincentivo a se esforçar.Afinal, ela também éacionista e se apropriados ganhos advindos doesforço empreendido.

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Notas(1) Em geral o governo retém participação no fluxo viacaixa via tributação direta (Imposto de Renda PessoaJurídica), royalties ou, no Brasil, participação especial.(2) Na prática o método de decisão não é tão simples. NoBrasil, outras dimensões também importam na definiçãodo vencedor do leilão, como conteúdo nacional.(3) Para citar apenas dois deles, a divisão de royalties entreunidades da federação e o plano de capitalização daPetrobras para levantar fundos que financiem osinvestimentos do pré-sal.(4) Como veremos no caso da cessão automática dos poçosadjacentes para a Petrobras, talvez seja desejável que hajauma probabilidade positiva de uma empresa que não aPetrobras ganhasse o leilão, se realizado. Se, de fato, aPetrobras tem vantagem informacional, então isso seriaineficiente do ponto de vista da alocação de recursos.(5) Prospecção se refere ao investimento feito em tentarachar petróleo na área. O cronograma mínimo deprospecção a ser cumprido pelo vencedor do leilão é umconjunto de datas nas quais certas etapas do processo deprospecção devem ser atingidas, sob pena de perda daconcessão. Os cronogramas mínimos de exploração jáexistem no modelo atual de concessão.(6) O argumento depende de alguma restrição nacapacidade de prospecção, fato amplamente reconhecidona industria.(7) Ver nota 1(8) Discutimos questões relacionadas a risco na seçãoanterior. Num mundo no qual as potenciais operadorasestão restritas por crédito, o pagamento a ser feito para odireito de operar um bloco deve necessariamente envolvera promessa de participação sobre fluxo de caixa futuro.Isto, no entanto, não é factível num modelo de concessão.Alternativamente, se os lances só puderem ser feitosatravés de bônus, será baixa a receita gerada quando osparticipantes são restritos no acesso ao crédito (ou têm umorçamento limitado). De fato, assim como uma restriçãoorçamentária, a restrição a crédito impõe limites nomontante dos lances).(9) Formalmente, a relação de maior inclinação étransitiva.(10) Formalmente, no único equilíbrio (sequencial) de umLeilão aberto ascendente, as estratégias dos participantessão tais que, no instante em que o preço cotado se igualavaloração pelo bem de um participante, este participantese retira do leilão (caso não o fizesse, haveria uma chancedele ganhar o leilão a um preço maior que o quanto o bemlhe vale, o que obviamente é sub-ótimo). Comoconsequência, o leilão termina quando o preço cotado seiguala à segunda maior valoração entre os participantes.O vencedor, portanto, é o particpante de maior valoração eo preço pago será (arbitrariamente) próximo da segundamaior valoração.(11) Ver nota 8

tos financeiros mais inclinados. Portanto geram receitas es-peradas maiores, tomando como dado o nível de esforço porparte das empresas. No entanto, são as próprias empresasque posteriormente escolhem seus níveis de esforço e osdois modelos têm implicações distintas para esforço. Emparticular, o modelo de concessão, ao deixar mais direito decaixa para a empresa executora, tende a prover melhores in-centivos para esforço. Isso não quer dizer que num modelode partilha a empresa não terá incentivo a se esforçar. Afi-nal, ela também é acionista e se apropria dos ganhos advin-dos do esforço empreendido. No entanto, a apropriação émaior no modelo de concessão. Em suma, quando o valor doprojeto depender fortemente do esforço do executor "a pos-teriori", então o sistema de concessão tenderá a dominar.Caso contrário, partilha é mais desejável.

Conclusão

No front microeconômico, das três principais propostas demudança propostas pelo governo Lula, duas são reprovadas.Primeiro não faz sentido que a Petrobras seja operadora de to-dos os poços; claro, se essa solução emergisse de forma descen-tralizada, por algum mecanismo de mercado (um leilão, porexemplo), então haveria menos motivo para preocupação.Que isso seja decido autocraticamente, a priori, é equivocado.Segundo, transferir as áreas adjacentes para a Petrobras semnecessidade de licitação também é equivocado; ou não serveaos propósitos do Tesouro, ou não serve aos propósitos domercado de capitais brasileiro. Muito melhor seria deixar adescoberta do valor dos poços a algum mecanismo de merca-do, como um leilão.

Por fim, a teoria microeconômica não consegue decidir se omelhor modelo é partilha ou concessão. Há bons argumentospara ambos os lados. Como a tendência é que o valor das re-servas do Pré-sal dependa bastante do investimento e do es-forço do operador, a tendência seria que o modelo de conces-são dominasse. Mas essa é uma questão empírica. Nesse caso,a ambiguidade sugere que se mantenha o sistema atual. Se nãopor outra razão, celeridade.

Por fim, gostaríamos de ressaltar a microeconomia ajudamuito a orientar o debate. Chegaríamos inclusive a afirmarque levá-la a sério é condição necessária para a tomada"educada" ou bem fundamentada de decisão a respeito domodelo de exploração do Pré-sal. No entanto, há outras con-siderações igualmente importantes. Viabilidade política eceleridade são dois exemplos.

Referências BibliográficasDeMarzo, Peter, Ilan Kremer e Andzrej Skrzypacz, "Bidding withSecurities: Auctions and Security Design," American EconomicReview, 95: 936-959, 2005.

Hendricks, Kenneth e Robert Porter "An Empirical Study of anAuction with Asymmetric Information," American EconomicReview, 78: 865-883, 1988.

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Alfer

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PODER JUDICIÁRIO:REFORMA ou RUPTURA?

Uma agenda parao próximo presidente

Div

ulga

ção

Jairo SaddiJairo Saddi é advogado emSão Paulo, doutor em DireitoEconômico (USP), pós-doutorpela Universidade de Oxford,professor e coordenadorgeral do curso de Direito doInsper (ex-Ibmec São Paulo),Árbitro da Câmara deArbitragem da Anbima -Associação Brasileira dasEntidades dos MercadosFinanceiros e de Capitais eredator-chefe da Revista deDireito Bancário e doMercado de Capitais (EditoraRevista dos Tribunais).

Resumo

Este artigo trata do tema da Reforma do Poder Judiciário,depois do advento da Emenda Constitucional nº45/2004, e tenta desenhar uma agenda sobre o temapara o próximo presidente da República. O textodescreve as várias Justiças que compõem o PoderJudiciário e apresenta um breve diagnóstico da suasituação atual. Em seguida, elabora conceitualmente,quanto à visão que defende, uma Justiça para os nossostempos. Depois, apresenta propostas para aprimorar odesempenho da Justiça, centradas num bom sistema deincentivos e no investimento em gestão. Concluisintetizando em três itens essas propostas: a) premiar osbons e punir os maus juízes; b) as decisões dos tribunaissuperiores devem ser vinculantes e obrigatórias a todamagistratura, com punição aos juízes que não seguiremesta regra; e c) o Estado precisa investir em gestão econcentrar seus esforços orçamentários não em prédiosou gabinetes, mas naquilo que fará a justiça melhor:sistemas, procedimentos, transparência, menosburocracia, controles mais racionais e uma carreira que,de fato, incentive os melhores a subirem.

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Introdução

Não se desconhece que a nossa Carta Magna man-da, de forma principiológica, dar a cada um oque é seu e assegurar o direito à ampla defesa co-mo decorrência do princípio do contraditório.

Certo, todos concordamos que a Justiça deve ser eficiente e hu-mana, que deve assegurar igualmente a existência de regrasclaras e legais, em que a legalidade e a segurança jurídica sejamcapazes de embasar as relações humanas, uma vez que ambosos princípios, numa democracia e num Estado de Direito, têmo mesmo valor. No entanto, qualquer cidadão que tenha se de-frontado com o Judiciário, tem dele a impressão de ser inefi-ciente, moroso e caro. O que o próximo Presidente precisa –junto com o Judiciário, já que são três os poderes independen-tes do Estado – é contribuir com ações para operacionalizar oconceito de eficiência com a autonomia do Poder Judiciário,para que este preste um "serviço estatal" melhor.

Isso não é nem trivial nem óbvio. Primeiro, em razão da pró-pria independência do Poder Judiciário, que impede qualqueringerência maior do Executivo no controle e na própria gestão.Segundo, o Executivo é parte (via Fazenda, INSS ou qualqueroutra autarquia) em mais de 70% dos processos existentes. Fi-nalmente, não é o Executivo que faz as leis (se bem que a maiorparte da iniciativa legal é sua) e, sejam boas, sejam más, em te-se, cabe ao Judiciário julgar e interpretá-las, não criá-las. Por-tanto, prestar um serviço estatal melhor significa algo muitomais complexo nesse contexto. Garantir que a prestação juris-dicional, no âmbito de uma democracia, funcione a contento:eis o desafio do Estado para o próximo Governo.

Qual deveria ser o interesse do próximo presidente sobre oassunto? Diz nossa Constituição de 1988 que compete priva-tivamente ao presidente da República propor leis ao Congres-so sobre a administração judiciária – e como vamos ver maisadiante, o grande e grave problema do Judiciário é a gestão e acriação dos incentivos corretos para a gestão. E, isto sim, com-pete ao Poder Executivo (1).

Sem pretender esgotar o assunto, este artigo, a partir deum diagnóstico do Poder Judiciário – cujos dados foram ex-traídos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, procuratratar do tema de sistema de incentivos apresentando algu-mas propostas.

A Justiça é lenta e pouco eficiente. No entanto, apesar da per-cepção generalizada de desconfiança, recente levantamentopublicado no jornal Valor Econômico revela que 53% da amos-tra está satisfeita com a prestação jurisdicional, e 44% acreditaque o sistema judiciário melhorou nos últimos cinco anos (2). Écurioso uma instituição ser ao mesmo tempo ruim, mas confiá-vel. Se esta dicotomia não bastasse, é corrente entre os magis-trados também a ideia de que o Judiciário tem baixa autonomiafinanceira, já que seus recursos dependem do Poder Executivo,e que a gestão administrativa dos serviços judiciais é deficiente,já que parte relevante do orçamento é consumida com despesasde pessoal. Como resultado, tanto da falta de autonomia e deorçamento, quanto da morosidade, considera-se a prestação ju-risdicional falha e o serviço do Estado em matéria de solução deconflitos, no mínimo, desigual.

Não surpreende, portanto, a pesquisa citada e seus avançosdevem ser celebrados, mas é evidente que há, como explicou amatéria jornalística mencionada, discrepâncias pouco estuda-das, fazendo referência à dissintonia entre a percepção posi-tiva dos entrevistados e as críticas dos formadores de opinião.Tanto o acesso mais facilitado e expedito à população de baixarenda e de pequenas causas, quanto o combate à corrupção emcasos muito localizados indicam que os anseios por um Judi-ciário equânime pela população, universalmente aprovado,são reais e é esta categoria favorecida que elogia o "novo" Ju-diciário. Por outro lado, os argumentos a favor do Judiciárioversam sobre o tema de que, sim, há excesso de demanda e faltade recursos, e o produto final não deve ser apenas eficiente, co-mo também justo, já que a Justiça é, sobretudo, um valor socialmaior. A respeito disso, Miguel Reale Jr. afirma que não há piorinjustiça do que a eficiente – ou seja, nada mais nocivo de queuma decisão judicial errada e injusta, ainda que rápida (3). Mas,como vamos argumentar, a maior crítica ao Judiciário é mesmoquanto à sua lentidão.

ATabela 1, elaborada de acordo com pesquisa do Institutode Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), reflete aopinião corrente da população sobre o Poder Judiciário:

Por meio dessa pesquisa empírica, fica evidente que a visãoe confiança no Judiciário não é tão ruim quanto às caracterís-ticas que dizem respeito à honestidade, mas é francamente ne-gativa em termos de agilidade, custos e neutralidade/inde-pendência. Claro, a pesquisa segue critérios de amostragemque sempre podem ser questionados, e sempre há argumen-tos, como o citado acima, do Prof. Miguel Reale Jr., quanto aoseu resultado final. Mas, é preciso pensar não em ruptura dospadrões e da tradição liberal judiciária brasileira, mas em re-forma e em gestão. Assim, essa pesquisa de opinião e as demais

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que avaliam a confiança no Judiciário tendem a refletir com ra-zoável segurança uma opinião comum em torno do assunto.

Por que o assunto é importante para o próximo presidente?Recentemente, muitos estudos multidisciplinares têm procura-do relacionar o Poder Judiciário com o desenvolvimento econô-mico depois de longos anos de esquecimento. (4) Há duas pre-missas que devem ser observadas neste tocante, antes mesmode aprofundar o tema: primeiro, a garantia essencial de uma de-mocracia de mercado é um Judiciário forte que aplique bem odireito positivo. Qualquer país que tenha um direito positivomodelar, uma lei substantiva extraordinária, mas cuja aplicaçãodessa lei for débil, estará fadado ao atraso. O respeito às leis e àsua aplicação transcende a simples organização social. Uma ins-tituição como o Judiciário – e sobre este conceito vamos tratarmais adiante – que seja sólida, operante, independente e técnicae que faça com que as leis sejam cumpridas é, empiricamente,um elemento chave para o desenvolvimento econômico.

Segundo, o Judiciário é uma instituição humana, não umaorganização mítica e intransponível que recebeu a missão di-vina da distribuição da Justiça. Como toda e qualquer institui-ção criada pelos homens, ao longo da história, recebeu e recebea influência de inúmeros fatores sociais, culturais, políticos eeconômicos de cada época.

O texto a seguir foi estruturado em cinco seções. A Seção 1apresenta, para situar o tema, uma descrição das várias Justi-ças existentes no Poder Judiciário. A Seção 2 apresenta um bre-

ve diagnóstico da sua situação atual e a seção seguinte discutequal é a Justiça que se pretende. A Seção 4 contém as propostasque emergem do artigo, que defende um sistema de incentivose uma ênfase em gestão, não em prédios. A Seção 5 conclui oartigo sintetizando em três as propostas apresentadas.

1. O Poder Judiciário: várias Justiçasao mesmo tempo:

Quando se fala em Poder Judiciário, e em sua eficiência, ha-bitualmente, se desconhece que não se trata de um bloco mo-nolítico e único. Ao contrário, além do Judiciário estar divididopor área do Direito (Direito Público, que inclui Direito Penal eEleitoral, Direito do Trabalho e Privado) com inúmeras con-centrações, há também uma divisão federativa (Poder Judiciá-rio Estadual e Federal). Além disso, há as divisões hierárqui-cas, organizadas em Justiça de primeiro grau e os vários tribu-nais regionais. Em resumo, há muitos diferentes Judiciários e aclassificação dos órgãos judiciários brasileiros, em geral, se dána seguinte divisão:

1) Quanto ao número de julgadores (órgãos singulares e co-legiados).

2) Quanto à matéria (órgãos da Justiça comum e da Justiçaespecial).

3) Quanto e do ponto de vista federativo (órgãos estaduais efederais).

Patrícia Cruz/Luz

O Judiciário é uma instituição humana, não uma organização mítica que recebeu a missão divina da distribuição da Justiça.

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Um Tribunal Regional Federal é órgão colegia-do, enquanto um Juiz Federal, órgão singular. NaJustiça Estadual, o Tribunal de Justiça de um Es-tado é órgão colegiado, sendo o Juiz de Direito deprimeiro grau um órgão singular. Os Tribunais ejuízes estaduais, os Tribunais Regionais Federaise os juízes federais compõem a Justiça comum. Jáo Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Su-perior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar for-mam a Justiça Especializada, que julga matériasde sua área de competência: Trabalhista, Eleito-ral ou Militar, recebendo, respectivamente, re-cursos dos tribunais inferiores. Na primeira ins-tância, há os juízes monocráticos, já que a decisãoé individual e em segundo grau, sempre por ór-gãos que compõem um colegiado.

São considerados Juízes de Direito os juízesmonocráticos da Justiça estadual; Juízes Fede-rais, Eleitorais e do Trabalho são os juízes de pri-meiro grau nas respectivas varas especializadas;Desembargadores, na Justiça Estadual de segun-do grau; Juízes Federais de Segunda Instância(nos Tribunais Regionais Federais e no TribunalRegional do Trabalho) e Ministros do STF e STJ,em última instância.

Em resumo, podemos entender o Poder Judi-ciário por meio de seus vários órgãos funcionais,quais sejam:

- Supremo Tribunal Federal;- Conselho Nacional de Justiça (sem funçãojurisdicional, desempenhando apenasfunções administrativas);

- Superior Tribunal de Justiça;- Tribunais Regionais Federais e juízes federais;- Tribunais e juízes do Trabalho;- Tribunais e juízes eleitorais;- Tribunais e juízes militares;- Tribunais e juízes dos Estados, do Distrito Federale dos territórios.

Ora, como visto, não podemos considerar o Judiciário comouma única instituição. Primeiro, parece claro que a natureza ea atividade humana necessitam de coesão e são repletas deconflitos. Pois, por um lado, é preciso organizar-se em socie-dade, e, por outro, os conflitos que surgem das relações huma-nas precisam ser resolvidos de alguma forma. O Brasil é umpaís federativo e o modo escolhido da organização judiciáriaestá descrito acima. Certo, muito poderia ser feito para racio-nalizar instâncias e órgãos; no entanto, entendemos que istodeva ser um segundo passo, depois de maximizados recursose gestão, é que poder-se-ia pensar em novas estruturas.

Se aceitarmos a premissa de que a lei é um sofisticado indu-tor de condutas, sua aplicação deve ser observada por todos(erga omnes) e seu descumprimento punido, estamos aceitan-do implicitamente que o Judiciário deva ser um constructo hu-mano com certas funções insuperáveis numa sociedade.

O Judiciário, portanto, se organiza numa teia de órgãos einstâncias, mas deve cumprir um só papel. Pode-se afirmarque o Judiciário tem duas funções básicas numa sociedade: re-solver conflitos e punir quem descumpre uma lei, na tradicio-nal e conhecida função denominada de "sanção" legal. (5)

Se é assim, há necessidade de uma estrutura desenhadadentro da arquitetura política e social de um Estado, que possaconduzir, como loci adequado, as funções de resolver conflitose aplicar sanções. Há ainda uma função de natureza preven-tiva assumida indiretamente pelo Judiciário, mesmo paraaqueles que não têm qualquer conflito. Um bom sistema judi-cial funciona emblematicamente como um porto seguro, sina-lizando que se houver conflitos entre os agentes econômicos,ele será adequadamente resolvido. A maior parte dos contra-tos financeiros do século 19 escolhia a jurisdição inglesa, maisespecificamente a da Corte de Londres, já que ela era famosapor sua reputação de neutralidade. (6)

Um dos elementos centrais para um bom Judiciário, claro, éa sua independência. Alguns teóricos, como Feld e Voigt, mos-tram uma estreita inter-relação entre um Judiciário indepen-dente (de todos os atores econômicos, inclusive o Estado) e ocrescimento econômico. (7) Portanto, como corolário desta ob-servação, o Judiciário, instituição essencial à organização so-

Sergio Lima/Folha Imagem

José Roberto Arruda/ABr

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cial, pode ser considerado como uma das mais importantesinstituições de uma democracia.

A Justiça também é um princípio da ordem social duradoura– numa sociedade em que não há Justiça, como se afirmou, ape-nas a revanche pode prevalecer. No entanto, a revanche apenasgera violência quando a parte vencida, não aceitando a ação, ini-cia uma retaliação. Não por outra razão, a Justiça muitas vezespode ser vista também como um meio de assegurar a paz social,ao determinar a veracidade dos fatos e apurar o que é "justo" en-tre os agentes privados e o Estado. O conceito do que é justo éextremamente difícil, como se sabe – mas mais importante quedefini-lo é conseguir atingir, por meio das decisões, uma per-cepção de Justiça, vista aqui no sentido de ser a aplicação da leiindependentemente da natureza das partes, servindo inclusivecomo sinal de maturidade das instituições. (8)

Duas são as fontes de injustiças, segundo o Relatório do Ban-co Mundial, Building Institutions for Markets: a primeira, quandoas decisões podem sofrer influências políticas e mesmo do pró-prio Estado, quando os tribunais não podem fazer com que oGoverno obedeça à Lei; a segunda, quando o poder econômicopode influenciar as decisões judiciais. (9) Evidentemente que oRelatório está tratando do tema em teoria – mas, apenas comoexemplo, na Rússia do Premiê Putin, não apenas o Estado nãoobedece à Lei como também os grandes grupos econômicos têmtratamento diferenciado. Isto afeta o desenvolvimento russo eos prêmios pagos aos investidores devem ser maiores.

Todos ganham com um Judiciário melhor. Não é apenasuma ou outra parte que sai vencedora no caso concreto indi-vidual, mas abrange-se toda a sociedade quando há implan-tação dos incentivos corretos e adequados de um sistema desolução de conflitos em que todos podem confiar. Na verdade,o argumento do bem maior demonstra que um bom sistemajudicial gera ao sistema econômico eco no mesmo princípio de

proteção aos credores nas leis falimentares – não é apenas o cre-dor que ganha com uma boa lei – são todos os potenciais to-madores de crédito que terão, em tese, uma economia no prê-mio de risco a ser pago pelo seu crédito. Assim, é emblemáticoque em toda sociedade que se desenvolve economicamente,desenvolve-se, ao mesmo tempo, um Judiciário forte. (10)

A independência do Judiciário – de acordo com o art. 2º daCarta de 1988, que determina que todos os poderes do Estadodevem ser "harmônicos e independentes" –, não é apenas jurí-dica, é sobretudo política na expressão estrita do termo. Diz res-peito não apenas ao comportamento dos membros do Judiciá-rio, mas de sua inserção institucional na arena social de um dadopaís. A razão para isto é evidente quando se compara o Judiciá-rio com a história. Primeiro, enquanto a existência de cortes e juí-zes é milenar, o Poder Judiciário, como corpo organizado do Es-tado com prerrogativas próprias e sem qualquer vínculo com oPoder Executivo, é uma instituição relativamente moderna. Porexemplo, na Revolução Francesa, as cortes eram uma instituiçãodo Legislativo, dado que se partia da premissa de que era o povoque deveria julgar conflitos e erros dos demais cidadãos e, portal razão, a Assembleia ficou encarregada da maior parte das de-cisões judiciais. Uma parte pequena, técnica e estreita da apli-cação das leis da Assembleia era condicionada ao julgamentodas cortes. ( 11 ) Até hoje, em muitas jurisdições, como a dos Es-tados Unidos, o mesmo princípio é aplicado.

Uma segunda e importante distinção quando se trata do Ju-diciário é a diferença entre a administração da prestação juris-dicional (ou seja, do processo de declarar e realizar o direito) e odireito material em si. A administração da prestação jurisdicio-

O Judiciário se organiza numa teia de órgãos einstâncias, mas deve cumprir um só papel.

Pode-se afirmar que o Judiciário tem duas funçõesbásicas numa sociedade: resolver conflitos e punir

quem descumpre uma lei, na tradicional econhecida função denominada de "sanção" legal.

Fábio Pozzebom/ABr

Monica Zaratini/AE

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68 DIGESTO ECONÔMICO JUNHO 2010

nal é feita por juízes (desembargadores e ministros das cortessuperiores) no âmbito de uma instituição, enquanto o direitopositivo, as leis, produto legislativo ou normativo, é o resultadoobjetivo não de um processo de decisões monocráticas, mas deescolhas públicas, por meio de seu parlamento. (12)

Esta distinção é de suma importância, porque traz no seu bojoa noção de que um bom julgamento é melhor que uma boa lei, ouque a lei substantiva e positiva sem um bom juiz vale pouco.

Vamos passar agora a um breve diagnóstico da situaçãoatual do Judiciário.

2. Um breve diagnóstico

O Brasil possui cerca de 60 milhões de processos judiciais.Evidentemente que muitos estão inativos e muitos simples-mente não estão arquivados por falta de alguma providência.Na Justiça Federal, cerca de 500 mil processos são distribuí-dos a cada ano para 1.478 juízes. O estoque de processos nãojulgados do ano anterior são cerca de 713 mil. Em resumo, ca-da juiz, apenas na Justiça federal, em média, deveria julgartrês processos por dia, o que é muito, especialmente se con-siderarmos a média internacional de cerca de 50 por ano. Nosegundo grau, o número de processos também tem crescido -cerca de 7% ao ano – com volume muito menor, mas ainda ex-pressivo em relação aos demais países –, ou 8.660 proces-sos/magistrados/ano. Na Justiça do Trabalho, 3.145 magis-trados julgam 882 mil processos em segunda instância e 3,2milhões de casos na primeira instância. A taxa de congestio-namento é menor, cerca de 25,3% no ano de 2008. Finalmente,na Justiça Estadual, com 11.108 e 216 mil servidores, trami-tam cerca de mais de 45 milhões de processos.

Um primeiro aspecto, sempre ressaltado em qualquer deba-te, é o custo do Poder Judiciário, estimado hoje em 0,18% do Pro-

duto Interno Bruto (PIB) no Judiciário Federal e cerca de 1,0% noconjunto do Judiciário estadual (0,7%) e do Judiciário do Traba-lho (0,3%). Enquanto é verdade que sempre faltarão verbas, eapesar de o crescimento proporcional ser pequeno (subiu de0,15% em 2004 para 0,18% em 2009 na Justiça Federal e cerca de0,9% para 1,2 nas demais), em valores absolutos, o orçamento doJudiciário, apenas na esfera federal subiu de R$ 3,56 bilhões paraR$ 5,25 bilhões, ou seja, um crescimento médio de 14% ao ano.Na Justiça do Trabalho, subiu de R$ 6,47 bilhões em 2004 para R$9,26 bilhões em 2008, e nas Justiças estaduais subiu de R$ 53,75bilhões em 2004 para cerca de R$ 88,77 bilhões em 2008. E o graveproblema de desequilíbrio orçamentário com folha aparece naprimeira análise – cerca de 92% desse orçamento é gasto com sa-lário, férias, gratificações, passagens, verbas de gabinete e ser-vidores inativos, entre outros dispêndios. Não surpreende quehaja poucos recursos para investimento, apesar do crescimentoexpressivo do orçamento.

A Tabela 2 ilustra a evolução dos gastos correntes do Ju-diciário entre 2004 e 2008, e a Tabela 3 apresenta esses gastoscomo porcentagem do PIB no mesmo período.

Antes de passar a uma comparação internacional de aspec-tos ligados ao Poder Judiciário, vale assinar que qualquer com-paração só seria justa se pudéssemos relacioná-la a países deigual renda ou, ainda, a países da América Latina. Nessa linha,oGráfico 1 indica a renda per capita (em US$) de vários paísesda América Latina, que com outros serão utilizados nas com-parações internacionais que se seguirão. Os dados são do Ban-co Mundial e referentes a 2008.

Como o Brasil se posiciona diante de certas comparações li-gadas a aspectos do Poder Judiciário? A sequência de gráficosa seguir mostra algumas comparações relevantes para enten-dermos aspectos extragestão desse poder. Gráficos 2 a 7

Esse conjunto de informações relativo à América Latina dáuma ideia de que litigar no Brasil não é fácil e também de queseus custos não são baixos. Como foi visto, os dados do CNJ

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mostram um certo congestionamento da oferta da prestaçãojudiciária e um orçamento crescente. Certamente gastar maisnão é a solução mais adequada – e os números acima compro-vam isso –, primeiro, porque não há uma contrapartida em ser-

viços ou em agilidade; segundo, em razão da discrepância deresultados nas várias instâncias de Justiça.

Antes de passar às propostas, cabe investigar um poucomais sobre o tipo de justiça que pretendemos.

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3. O que se pretende: uma Justiçapara o nosso tempo

O conceito de Justiça é fluído através do tempo e muito abs-trato. Justiça se relaciona com equidade, e é este o sentido que sedeve perseguir quando se trata de Judiciário. O conceito deequidade é corrente, mesmo que amplo: dar a alguém aquiloque é seu. E, por essa razão, muitas vezes, é confundido com oconceito de Justiça. Esta tem que ser equânime, mas a equidadepode ser feita sem Justiça. Vamos tomar equidade no sentidomais comum de Justiça, aquele concernente à "distribuição jus-ta" ou "ao que é merecido". Uma injustiça ocorre quando um be-nefício devido a uma pessoa lhe é negado sem uma boa razão,ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente. Doponto de vista de equidade judicial, parte-se da concepção deque os iguais devem ser tratados da mesma maneira e cada umdeve receber o que é seu. Evidentemente que, em termos de di-reitos reais (por exemplo, o Direito de Propriedade), isso é re-lativamente fácil de outorga, mas é óbvio que, na realidade com-plexa, a equidade é um conceito razoavelmente abstrato. Alémde abstrato, é um conceito antigo – não se desconhece a influên-cia do liberalismo do século 19 na ideia central de Justiça – mas éevidente que nos dias de hoje há inúmeros outros fatores quepodem influenciar o que é equânime. Por exemplo, a parte quepode arcar com melhores advogados tem comprovadamenteum resultado melhor, independentemente de seu direito.

Um segundo debate da Justiça de nossos tempos refere-se ànecessidade de um Judiciário eficiente. O conceito de eficiênciadiz respeito aos usos e recursos de um sistema. Pode-se dizerque um dado sistema é mais ou menos profícuo se ele produzirmais ou menos resultados com os mesmos recursos. A eficiênciaé sempre um meio de se atingir um resultado e inevitavelmente

se refere ao processo pelo qual isso se realiza. Em outras pala-vras, eficiência é a quantidade de recursos em comparação aosresultados, ou seja, quanto se gasta para produzir.

Se a visão de Justiça como eficiência pode parecer extrema-da, há muitos críticos do conceito. Como afirmou o Prof. Wald,"cabe, todavia, não exagerar o papel da Economia em relaçãoao Direito. A análise econômica é importante e a introdução danoção de eficiência no Direito é condição sine qua non do pro-gresso econômico e da boa aplicação da Justiça. O que não sepode fazer é submeter o Direito à Economia. Queremos umaJustiça eficiente, no tempo e na qualidade, mas não uma Justiçaque esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificandoos direitos individuais ou, em certos casos, afetando até o res-peito dos contratos e sua fiel execução. Entendemos que o Di-reito e a Economia se complementam, pois "o Direito sem omercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade", enquanto"o mercado sem o Direito é o caos" (Alain Minc)." (13)

É evidente que este conflito não é nem de longe trivial de serresolvido. José Eduardo Faria resume as diferenças num para-doxo complexo e quase insolúvel: Na realidade, para neutralizaro risco de crises de governabilidade, não cabe ao sistema judicial"pôr objetivos como disciplina fiscal acima da ordem jurídica.Zelar pela estabilidade monetária é função do sistema econômi-co. Como o papel do sistema judicial é aplicar o Direito, ele só estápreparado para decidir entre o legal e o ilegal. Evidentemente, osistema judicial não pode ser insensível ao que ocorre no sistemaeconômico. Mas só pode traduzir essa sensibilidade nos limitesde sua capacidade operativa. Quando acionado, o máximo quepode fazer é julgar se decisões econômicas são legalmente váli-

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das. Se for além disso, a Justiça exorbitará, justificando retalia-ções que ameaçam sua autonomia. Como os juízes poderão pre-servá-la, se abandonarem os limites da ordem jurídica? Por isso,quando os tribunais incorporam elementos estranhos ao Direito,eles rompem sua lógica operativa e comprometem os marcos le-gais para o funcionamento da própria economia". (14)

Além disso, não se pode ignorar que os sistemas jurídico eeconômico estão umbilicalmente ligados ao sistema político. E onosso sistema político privilegiou uma certa confusão na área.Por exemplo, até por considerar os nossos tribunais superioresnão como Cortes da federação, com a função de controlar o sis-tema constitucional, mas como simples tribunais de Justiça deterceira ou quarta instânciaàs partes, o sistema judicialbrasileiro apresenta uma dis-função intrínseca grave.Num sistema democrático,resolver (e reformar) tal es-trutura de solução de confli-tos é imperativo e urgente.

Inspirado em preceitosdo século 19, nossos tribu-nais ainda tendem a enten-der e interpretar os conflitosde modo arcaico. De acordocom Wald, precisamos deuma economia de mercadoinspirada com Direito, e umDireito que considere as re-gras do mercado, na exatamedida em que, "se houverum mercado sem Direito, te-remos uma selva selvagem.Se ao contrário, tivermos umDireito sem o funcionamen-to do mercado, haverá a pa-ralisação do País, e não ha-verá desenvolvimento". Além disso, segundo esse autor, o ve-lho brocardo fiat justitia, pereat mundus [faça justiça ainda que omundo pereça] não pode se sobrepor à custa da existência dosmercados e da economia: "[...] de nada adianta, pois querer-mos que a Justiça prevaleça para que o mundo sobreviva, sedesenvolva e progrida". (15)

Em resumo: precisamos de uma Justiça eficiente, mais eco-nômica, que tenha uma olhar claro sobre a modernidade daeconomia e possa resolver conflitos de um modo mais ágil. Vi-mos até aqui um diagnóstico mais sombrio sobre as contas doJudiciário e sobre seu papel crucial no desenvolvimento eco-nômico. Vimos também a necessidade de solucionar algunsconflitos do Judiciário no tema da aplicação econômica do Di-reito e o fato de que é imperioso um magistrado levar em con-sideração aspectos econômicos nas suas decisões.

4. Propostas

Passamos agora às propostas e o que pode ser feito para mi-tigar algumas dessas questões. É evidente que muitas outras

sugestões podem ser feitas, mas agora vamos indagar quaissão as propostas possíveis para o próximo presidente.

4.1. Incentivos: o segredo é colocar em prática umbom sistema

É conhecida a experiência pavloviana do cão provocadopor um sino e a observação de seu comportamento a partirdesse estímulo. O Direito é prescritivo, uma vez que estabe-lece normas de conduta que devem ser seguidas por todos ese vale de mecanismos de coação e sanção no seu descum-primento. O que estamos discutindo aqui pode se resumir à

seguinte indagação: se que-remos eficiência no PoderJudiciário, qual deve ser (seé que há) o padrão de con-duta a ser utilizado pelosmagistrados?

Posner, já citado ante-riormente, afirma que o Di-reito só é eficiente se tivernormas eficientes. Para ele,o objetivo do sistema jurídi-co deve ser "maximizar a ri-queza" ao promover o com-portamento eficiente doscidadãos, ou seja, uma lei sódeve ser aplicada quandoassegurado o efeito eficien-te de sua aplicação. Ou, naspalavras de Gordon Tullo-ck, uma norma ou uma sen-tença somente deve ser edi-tada ou prolatada se "nãopuder ser modificada semque fiquemos em situaçãopior".

Hoje, além da eficiência racional, pode-se argumentar que aanálise econômica deve contemplar igualmente a distribuiçãosocial da riqueza ou mesmo a função do bem-estar na socieda-de. No entanto, para teóricos como Posner, não sem grande po-lêmica, o único bem-estar possível é a maximização da riqueza,ou seja, extrair o maior bem-estar possível. Em as aplicaçõeseconômicas na Justiça, esse autor rejeita o conceito de utilita-rismo (preferências individuais) médio ou total na sociedade eadota o conceito de maximização da riqueza, que vem a ser apreferência daqueles que detêm os recursos e os incentivos (oua motivação) concedidos pelo sistema legal. O sistema jurídiconão passaria de um conjunto de convenções que estimula es-colhas pragmáticas de determinadas metas por agentes econô-micos. Em consequência, para fazer Justiça, os juízes devemdecidir nos tribunais, de acordo com o critério da eficiência dosistema como um todo. Um bom exemplo é a questão dos da-nos morais nos contratos bancários. Se o resultado do julga-mento aumentar o spread bancário, certamente a decisão, nãoobstante justa do ponto de vista tradicional, estará gerandoineficiência no sistema econômico.

Rodrigo Paiva/Folhapress

Há uma visão generalizada de quea Justiça é lenta e pouco eficiente.

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Ronald Dworkin contesta tal visão, alegando que o Direito éantes um meio político em que a comunidade atua e interagede forma a manter coesos todos os princípios sociais; que existelivre-arbítrio, igualdade material e igualdade formal na lei,que garante, mais do que a maximização da riqueza, a existên-cia da própria sociedade. Dworkin alega ainda que, muitas ve-zes, as decisões individuais não se harmonizam necessaria-mente com os objetivos sociais, e a estrutura legal deve existirpara incentivar comportamentos baseados não apenas na ra-cionalidade econômica, mas também em outros princípiosnão racionais, como a distribuição de renda e objetivos, ou aredução das desigualdades sociais.

O argumento dosincentivos ao com-portamento, entre-tanto, continua mui-to forte. As partespodem ter incenti-vos diversos para li-tigar: algumas têminteresses a longoprazo, outras, a cur-to prazo. Há aindamenor ou maior in-teresse patrimonialno conflito e na suasolução. Paul Rubinafirma que, se o sis-tema jurídico for efi-ciente, não haveráincentivo em desa-fiar as leis e os proce-dimentos que o defi-nem. Se, por outrolado, as partes se be-neficiarem das inefi-ciências – como acontece no Brasil –, tais leis ou normas serãocontestadas a todo instante. Aqui, os incentivos são reforçadospelos precedentes, tendo em vista que, quando possível, nosistema jurídico racional, os juízes seguem decisões análogastomadas em casos passados. No entanto, pode-se supor que aspartes também têm percepções diversas sobre as decisões ju-diciais precedentes. Por exemplo, se uma empresa em ativida-de contínua está constantemente envolvida em questões deigual teor (por exemplo, os bancos e o direito do consumidor),há um incentivo implícito para que antecedentes jurispruden-ciais sejam observados. Por oposição, o caso isolado de um in-divíduo pode não ser pautado pelo precedente. Portanto, a pri-meira recomendação e proposta prática é objetivar e padroni-zar as decisões em casos análogos e já sobejamente conhecidose fazer valer de fato um sistema vinculante às decisões supe-riores quando se tratar de uma ação repetida. Da mesma for-ma, juízes que não cumprirem esse preceito devem ser puni-dos. Ou seja, premiar bons juízes e punir os maus.

Dois outros aspectos de alta relevância precisam ser ana-lisados quanto a qualquer decisão judicial individual. O pri-meiro diz respeito ao processo decisório dos juízes ao inter-

pretar a lei e decidir de acordo com a sua convicção e com aprescrição do que o magistrado considera "justo". O segundoé sobre os incentivos ao comportamento que um determina-do juiz assume para decidir. Assim, o que se pretende agoraé tentar entender as razões de decidir daquela forma e enten-der quais são os incentivos, positivos e negativos, que eletem para julgar assim.

O processo decisório implica a escolha entre alternativas,e, no caso de um juiz, há de se observar a lei, os costumes e ajurisprudência pacificada nos tribunais superiores. Não háem nenhum lugar do planeta fronteira absoluta para a livreconvicção: um magistrado não pode julgar contra a lei posta

ou contra os valoresestabelecidos, se-quer pode ju lgarcontra a jurispru-dência predominan-te (já que será refor-mada mais adiantepelos tribunais su-periores, represen-tando um absolutodesperdício de tem-po e dinheiro públi-co). Ora, uma deci-são eficiente e adap-tativa encontra es-ses limites racionaisclaros e definidos.Mesmo se abstrair-mos o fato de ummagistrado qual-quer não poder terrelações pessoaiscom as partes – o quede imediato deveria

gerar suspeição e impedimento – é necessário nos afastar de-finitivamente da ideia de que um juiz só deve julgar de acordocom a sua consciência. Certo, é verdade que, quando se julgasob incerteza, há resposta com base em valores adquiridospreexistentes (culturais, sociais, de formação etc.), – a psico-logia comportamental explica o atalho da "ancoragem e ajus-tamento", constatando que a âncora dos valores influencia oproduto final, enviesando e causando efeitos indesejáveis,assim, qualquer magistrado deve se afastar de âncoras nãoinformativas, subjetivas e pessoais para o julgamento. (16) Ta laproximação implica preconceitos e valores morais precon-cebidos, que tanto prejudicam a Justiça deste País.

Mas há ainda outro debate igualmente necessário e im-portante: quais são os incentivos ao magistrado ao decidirsobre o que é certo ou errado. E isso é fundamental para en-tender o caso da censura. Se qualquer agente econômico co-meter um erro é punido, seja pelo mercado, seja por força daação estatal (uma multa do CADE, por abuso de poder demercado, por exemplo). A punição é um incentivo negativoao comportamento, já que impede minha conduta numa si-tuação futura. No caso de uma decisão judicial, isso não ocor-

Epitácio Pessoa/AE

Na Justiça Federal, cerca de 500 mil processos sãodistribuídos a cada ano para 1.478 juízes.

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re. Se um juiz julgar bem ou mal, nada lhe acontece. Sua car-reira independe de acertos ou de equívocos. Não há critériosde avaliação de reformabilidade de decisões judiciais("bom" seria um juiz que nunca tivesse suas decisões refor-madas pelo Tribunal e "ruim" seria um juiz que tivesse assuas sempre cassadas pelas cortes superiores). Persistem naMagistratura brasileira critérios absolutamente imprová-veis como os da antiguidade e ele-vado subjetivismo, para não dizerinfluência política, na promoçãode juízes. Portanto, promover juí-zes significa premiar os bons.

Auferir a qualidade de decisõesjudiciais não é simples, nem podeser feito sem uma larga dose de sub-jetivismo. Mas o que não se podeadmitir é um magistrado afrontar otexto constitucional, gerar custosde transação para as partes, espan-car o sagrado Direito da Liberdadee nenhuma sanção (ou mesmo pu-nição) cair sobre a sua conduta. Oresultado de tal risco moral geraapenas magistrados irresponsá-veis e sem qualquer vínculo com oDireito e com o que eles represen-tam numa democracia. Ainda namesma analogia, a suspeição ouimpedimento de um juiz, se não forfruto de sua própria consciência,deveria ser matéria urgente da Cor-regedoria ou dos esforços de ór-gãos de classe, como o CNJ.

4.2. É preciso investir emgestão, não em prédios!

Finalmente, vamos tratar do or-çamento. Como se viu, a cada anoas verbas para o Judiciário são am-pliadas. Isto não significa necessa-riamente que sejam aplicadas eminvestimentos, já que a despesacom folha, como já foi visto, conso-me a maior parte dos recursos. Por um lado, há reivindicaçõespara alterar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, queestabelece em 6% o repasse do Executivo para o Judiciário,alargando esse limite para 8%, por outro, há, em alguns Es-tados, a crítica de que não há repasse das custas judiciais, co-mo acontece no Rio de Janeiro. "Todo o dinheiro das custasprocessais fica para a Justiça RJ a ponto de o TJ-RJ emprestardinheiro para o Executivo. O Tribunal fluminense está capi-talizado, tem o seu projeto de informatização concluído equalquer um que advogue no Rio de Janeiro terá o processo,de primeira e segunda instâncias, julgado em um ano e meioe em São Paulo, demora sete anos. Isso precisa mudar", co-mentou certa vez o presidente da OAB Paulista, Luiz Flavio

D'Urso. A premissa do repasse é entender a prestação do ser-viço público como algo que se possa cobrar (custas judiciais)e investir na oferta de serviços. (17)

Infelizmente, o que tem acontecido é que a maior parte dosinvestimentos do Judiciário tem sido em ativo fixo. Há umacerta propulsão por sedes, gabinetes maiores e, claro, à medidaque a demanda da prestação jurisdicional cresce, mais servi-

dores e acomodações para eles.Aqui, é preciso duas críticas. Pri-

meira, nesta toada, a expansão égeométrica. Com o volume de pro-cessos que são ajuizados a cada ano,em cinco anos o Judiciário terá do-brado de tamanho e, evidentemen-te, novos prédios serão necessários.Segunda crítica, nem sempre o in-vestimento imobiliário traz o retor-no esperado – se cada real investidopelo Estado no Judiciário pudesseser medido em retorno de eficiênciano processo, muito provavelmenteessas despesas não estariam sendorealizadas. Como não há medida deretorno, exceto o bem-estar dos fun-cionários e dos juízes, os investi-mentos continuam sendo realiza-dos. Para o cidadão comum, repar-tições não são nada além de locais fí-sicos que abrigam funcionáriospagos por impostos, que lhes de-vem prestar serviço.

Acima de tudo, é necessário in-vestir em gestão, em processos e ro-tinas e em informática. Muitos pro-cessos e documentos poderiam sersubstituídos por arquivos digitais emesmo o processo decisório de umjuiz poderia ser muito mais infor-matizado do que é hoje. Aliás, o Ju-diciário se vale dos computadoresapenas como máquinas de escrever.Não há sistemas que dêem ao juizum resumo do caso concreto, a baselegal, jurisprudência e, eventual-

mente, muitos outros dados – por exemplo, na esfera penal, da-dos pessoais sobre o réu, se é reincidente, se tem família etc.

Finalmente, há de se pensar em conciliação e transformar o Ju-diciário em algo caro, quando o objetivo não puder ser atingidode outra forma. Precisamos estimular mecanismos de solução deconflito fora do processo judicial. Hoje, como vimos, o processo émoroso e qualquer demanda, por simples que seja, pode duraraproximadamente uma década. Se conseguirmos desenvolvermecanismos alternativos de solução de conflitos, que de resto jáexistem, como mecanismos de mediação, conciliação e arbitra-gem, pode-se abreviar esse tempo. Para isso, é preciso ônus re-cursal, criar entraves para quem quer postergar uma ação e tor-nar a ação judicial livre de qualquer aventureiro.

Com o volume de processos quesão ajuizados a cada ano, em cincoanos o Judiciário terá dobradode tamanho e, evidentemente, novosprédios serão necessários.

Paul

o Lie

bert/

AE

Prédio do Tribunal Regional do Trabalhona Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

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5. Uma síntese em três propostas

Uma proposta para o Judiciário po-de seguir muitos outros caminhos,inclusive de ruptura. Por ruptura,se entende modificar as estruturase os vários judiciários, especial-mente com economias relevantes.Para o próximo Presidente, pre-ferimos optar por algo maissimples e que pode ser resumi-do a três propostas:

a) Premiar os bons e puniros maus. Qualquer juiz quetenha suas decisões cons-tantemente reformadas,que leve mais do que umtempo razoável paraproferir uma sentençaou mesmo um despa-cho, deve ser avaliado emonitorado, de forma a

ser demitido, se não apresentar resultados ou me-lhorar seu desempenho.

b) O juiz, seja de primeiro, de segundo ou de ter-ceiro grau, precisa entender que suas decisões têmefeitos na economia e, enquanto deve perseguir o

que é justo, precisa se afeiçoar ao interes-se mais público e maior da nação. Comisso, as decisões dos tribunais superio-res devem ser vinculantes e obrigató-rias a toda magistratura. Mais uma vez,juízes que não seguem tais preceitos,devem ser punidos.

c) O Estado precisa investir emgestão e concentrar seus esforços or-çamentários e não em prédios ou ga-binetes, mas naquilo que fará a Jus-tiça melhor: sistemas, procedi-

mentos, transparência, menosburocracia, controles mais

racionais e uma carreiraque, de fato, incentive osmelhores a subirem.

Notas(1) Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordináriascabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dosDeputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, aoPresidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aosTribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aoscidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da Repúblicaas leis que: II - disponham sobre: [...] b) organizaçãoadministrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária,serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;(2) "O julgamento do Judiciário". Valor Econômico.Caderno Eu &, p. 8 e ss., 30 abr. 2009.(3) REALE Jr., Miguel. Interpretação e segurança jurídica.Palestra no Ibmec-São Paulo, 17 abr. 2009.(4) De fato, o interesse surgiu há menos de dez anos. MAYER,Colin; SUSSMAN, Oren. "The assessment: Finance, Law andGrowth". Oxford Review of Economic Policy, v. 17, n. 4, p.459, observam: "Probably the most significant institution thatis resurrected from irrelevance is the law." ("Provavelmente ainstituição mais significativa que ressuscitou da irrelevância éo Direito")(5) Sobre o tema, vide REALE, Miguel. Lições preliminares deDireito. São Paulo: Saraiva, 1983.(6) A observação é descrita com eloquência por COKE, Edward.The first part of the institutes of the laws of England. NewYork: Garland, (1979 version). Para algumas explicações ejustificativas, vide BURKE, Helen. "The London Merchantand Eighteenth Century British Law". Philological Quarterly,n. 73, 1994.(7) FELS, Lars; VOIGHT, Stefan. "Making judges independent

- some proposals regarding the Judiciary". Working Paper1260, Munich, Cesifo (2007, April).(8) GROTE, Rainer. "Rule of Law, Rechtsstaat and 'Etat deDroit'". In: STARK, Christian (Ed.). Constitutionalism,universalism and democracy. A Comparative Analysis.Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2009.(9) WORLD BANK. Building Institutions for Markets.Washington, 2002. p. 118.(10) No mesmo relatório citado acima, na nota 10, há notícia deque na China havia cerca de 17 mil litígios comerciais em 1979.Com o crescimento e a abertura da economia, em 2002, já eram1,5 milhão de novos casos, ou seja, um crescimento de mais de100 vezes em menos de cinco anos.(11) Vide DAWSON, John P. The oracles of the law.Michigan: University of Michigan Law School, 1968.(12) Para o papel do Parlamento, vide OLIVER, Dawn;DREWRY, Gavin. The Law and Parliament. London:Butterworths, 1998.(13) WALD, Arnoldo. "Prefácio". In: SADDI, Jairo;PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Direito, economia &mercados. São Paulo: Campus, 2005.(14) Idem. "A justiça e os argumentos de ordem fiscal".O Estado de S. Paulo, 29 jun. 2004, p. A-2(15) Entrevista de Arnoldo WALD ao Informativo IASP, n.º 72,abril/maio 2005, p. 3.(16) Tversky & Kahneman, 1974, citados num interessanteartigo de Leandro Tonetto et alli. "O papel das heurísticas nojulgamento e na tomada de decisão sob incerteza". Estudos dePsicologia, Campinas, 23(2) 181-189, abr.-jun. 2006.(17) Folha de S.Paulo, 12/1/06.

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