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Dignidade Da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais

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Dignidade Da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais do professor Ingo

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Folha de rostoIngo Wolfgang SarletDignidade da Pessoa Humanae Direitos Fundamentais naConstituição Federal de 1988NONA EDIÇÃORevista e AtualizadaSEGUNDA TIRAGEM

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Créditos© Ingo Wolfgang Sarlet, 2012Pintura da capaEliana M. MoreschiÓleo sobre tela 2x20x50cm, 1997Direitos desta edição reservados porLivraria do Advogado Editora Ltda .Rua Riachuelo, 133890010-273 Porto Alegre RSFone/fax: 0800-51-7522editora@livrariadoadvogado.com.brwww.doadvogado.com.br_________________________________________________________________S245d Sarlet, Ingo WolfgangDignidade da pessoa humana e direitos fundamentais naC onstituição Fededal de 1988 / Ingo Wolfgang Sarlet. 9.ed. rev. atual. 2. tir. – Porto Alegre: Livraria doAdvogado Editora, 2012.ISBN 978-85-7348-816-61. Di reitos e garantias individuais. 2. Dignidade dapessoa: Direito Constitucional. I. Título.CDU - 342.72/.73:17.026.4

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Sobre o autorIngo Wolfgang Sarlet é Juiz de Direito (Entrância Final)no RS, Doutor e Pós-Doutor em Direito pelaUniversidade de Munique (Ludwig-Maximilians-Universität),Alemanha, Professor Titular de Direito Constitucional naFaculdade de Direito e no Programa de Pós-Graduaçãoem Direito (Mestrado e Doutorado) da PUC/RS e naEscola Superior da Magistratura do RS (AJURIS).Professor do Doutorado em Direitos Humanos eDesenvolvimento da Universidade Pablo Olavid, Sevilha.Professor visitante na Faculdade de Direito daUniversidade Católica Portuguesa, como bolsista doPrograma Erasmus Mundus da União Europeia eProfessor do Mestrado em Direito Constitucional Europeuda Universidade de Granada, Espanha.Coordenador do Núcleo de Pesquisas so-bre DireitosFundamentais vinculado ao CNPq e ao Programa dePós-Graduação em Direito da PUC/RS.Além de diversos artigos publicados em revistas ecoletâneas nacionais e estrangeiras (Alemanha, Argentina,Bélgica, Espanha, Portugal, Holanda), é autor de diversasobras, dentre elas destacam-se:Die Problematik der sozialen Grundrechte in derbrasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz, Frankfurt am Main: Peter Lang Verlag, 1997.A Eficácia dos Direitos Fundamentais , 11ª ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2012.Direito Público em Tempos de Crise : estudos emhomenagem a Ruy Ruben Ruschel (Organizador ecoautor), Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação :algumas aproximações (Organizador), Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007.A Constituição Concretizada : construindo pontes com opúblico e o privado (Organizador e coautor), PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2000.O novo Código Civil e a Constituição, 2ª ed.(Organizador), Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado

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(Organizador), 3ª ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2010.Direitos Fundamentais Sociais: estudos de DireitoConstitucional, Internacional e Comparado (Organizador ecoautor), Rio de Ja-neiro: Renovar, 2003.Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direitoe Direito Constitucional (Organizador e coautor), 2ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais(Organizador e coautor), Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2010.

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DedicatóriaSempre para Halina e Dariana,fontes de luz e alegria.Para os meus pais, Erica e Ernest Sarlet,p elo exemplo de vidas pautadaspe la dignidade.

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EpígrafesA busca constante por uma autenticidade possívelconfere dignidade e sentido à nossa vida.Ernest Sarlet (1932-2006)A dignidade humana está em vossas mãos: conservai-a.(Der Menschheit Würde ist in eure Hand gegeben,bewahret sie!)Friedrich von Schiller (1789)

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Notas prévias (9ª edição):Que a dignidade da pessoa humana segue ocupandoum lugar de destaque no cenário jurídico brasileiro já sepode perceber, embora seja apenas um entre tantosindicadores, pelo interesse demonstrado nas publicaçõessobre o tema, que igualmente crescem em quantidade equalidade, propiciando um permanente e qualificadodiálogo e gerando o desafio de uma monitoraçãoconstante dos novos aportes trazidos por todos os quese tem integrado à comunidade aberta dos intérpretesda constituição, onde a dignidade pontifica como princípioe valor fundamental e estruturante. Nesta perspectiva,novamente considerando o pouco tempo transcorridodesde a edição anterior, esgotada em menos de umano, optamos por não fazer alterações significativas notexto, limitando-nos essencialmente a uma atualizaçãobibliográfica, uma revisão do texto e algum ajustepontual, de modo que se trata de uma edição revista eatualizada, mas não propriamente ampliada, salvo poralgumas páginas, em parte dedicada à incorporação debibliografia mais recente ou não considerada em ediçõesanteriores. De qualquer modo, cremos que ocompromisso com a permanente atenção ao tema e seudesenvolvimento, segue sendo mantido e esperamos quea obra – mas acima de tudo o tema! – sigamencontrando receptividade.Porto Alegre, janeiro de 2011.Prof. Dr. Ingo Wolfgang SarletNotas prévias (8ª edição)Considerando que também a sétima edição desta obraesgotou em um ano, mais uma vez deixamos derealizar grandes mudanças no texto, limitando-nos auma revisão e atualização bibliográfica, sem deixar deefetuar algumas inserções importantes relativamente aalguns aspectos, especialmente quanto à inclusão dealgumas referências bibliográficas mais recentes erelevantes. Da mesma forma, algumas passagens queantes constavam em nota de rodapé foram transferidas,com algum ajuste, para o corpo do texto. Com isso,

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pretendemos honrar a tradição de efetivamente buscar –ainda que não uma substancial ampliação – pelo menosuma atualização do texto, e não simplesmente umareimpressão. De outra parte, impõe-se, novamente esempre, um profundo agradecimento pela confiançadepositada no trabalho pela comunidade científica e pelosleitores de um modo geral, o que tem servido deestímulo para o contínuo aperfeiçoamento da obra.Porto Alegre, janeiro de 2010.Notas prévias (7ª edição)Esgotada em menos de um ano, também a sextaedição da obra não foi objeto de ajustes substanciais.De qualquer modo, mais uma vez foram inseridas novasreferências bibliográficas e jurisprudenciais, atualizando otexto em relação aos novos títulos publicados sobre otema, mas também agregando referências sobreaspectos já versados. Da mesma forma, no que dizcom o conteúdo propriamente dito, houve algunsacréscimos, e alguns pontos foram melhor esclarecidos,mas não se pode, dada a extensão das inserções, falarde uma edição realmente ampliada, ainda queefetivamente revista e atualizada. Além disso, renovamosos nossos agradecimentos pela generosa acolhida daobra.Notas prévias (6ª edição)Considerando que também a quinta edição desta obraesgotou em um ano, mais uma vez deixamos derealizar grandes mudanças no texto, limitando-nos auma revisão e atualização bibliográfica, sem deixar deefetuar algumas inserções importantes relativamente aalguns aspectos, especialmente quanto à inclusão dealgumas referências bibliográficas mais recentes erelevantes. Com isso, pretendemos honrar a tradição deefetivamente buscar pelo menos uma atualização dotexto, e não simplesmente uma reimpressão. Na seleçãodo material e na indicação de algumas impropriedadesremanescentes em termos de digitação, contamos com acolaboração de Rita Dostal Zanini e Virgínia Felippe dosSantos, Mestres em Direito e Doutorandas na Alemanha,

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respectivamente em Heidelberg e Munique, sendo ambascredoras da nossa gratidão pelo eficiente auxílio queprestaram.De outra parte, impõe-se mais uma vez um profundoagradecimento pela confiança depositada no trabalho pelacomunidade científica e pelos leitores de um modo geral,o que tem servido de estímulo para o contínuoaperfeiçoamento da obra.Porto Alegre, janeiro de 2008.Notas preliminares (5ª edição)A rapidez com que mais uma vez esgotou a ediçãoanterior novamente contribuiu para que nesta quintaedição – embora a miríade de aspectos passíveis dedesenvolvimento – nos tenhamos restringido a umarevisão do texto e uma atualização e ampliação pontual,mediante a inserção de algumas referências bibliográficasnovas ou mesmo ainda não consideradas, bem comopor meio de alguns ajustes no que diz com o conteúdo,que, mesmo limitadamente, nos permitiram explicitarmelhor alguns argumentos e agregar outros, tudo nointuito de aperfeiçoar o texto e fazê-lo merecedor dacontínua confiança do público leitor.Porto Alegre, outubro de 2006.Notas prévias (4ª edição)Tendo em conta que a terceira edição da obra, ondeforam efetuadas inserções importantes, além de umasignificativa atualização bibliográfica e jurisprudencial,esgotou em menos de um ano, limitamo-nos, nestaquarta edição, apenas a uma revisão do texto e umaatualização no que diz com algumas notas de rodapé, oacréscimo de algumas poucas observações e dealgumas referências bibliográficas.Tal registro deve ser tomado como uma advertência aosque eventualmente possam ser levados a acreditar emuma alteração substancial do texto da terceira edição.De outra parte, impõe-se mais uma vez um profundoagradecimento à confiança depositada no trabalho pelacomunidade científica e dos leitores de um modo geral,assim como no que diz com o eficiente trabalho da

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equipe da Livraria do Advogado Editora.Porto Alegre, outubro de 2005.Notas prévias e agradecimentos (3ª edição)Em face da receptividade encontrada pelo presentetrabalho, que por si só já nos torna devedores de umanota de gratidão a todos os que nos honraram com aleitura e eventual referência, impõe-se – por ocasião dapublicação desta terceira edição e transcorridos já maisde três anos da aparição deste livro – sejam efetuadosalguns registros, tanto no que diz respeito ao trabalhoem si, quanto no concernente aos apoios recebidos aolongo deste tempo, e que não poderiam deixar dereceber uma pública referência e agradecimento. Noconcernente ao conteúdo da obra propriamente dito,mais uma vez tivemos a oportunidade de proceder auma efetiva atualização bibliográfica e jurisprudencial, queresultou tanto na inserção de um número expressivo deinformações tanto no corpo do texto, quanto nas notasde rodapé, de tal sorte que houve uma significativaampliação mesmo em relação à segunda edição, aindaque não se tenha agregado um novo capítulo à versãooriginal. Quanto aos posicionamentos adotados, estesseguem substancialmente inalterados, muito embora setenha procurado, em alguns pontos, alcançar uma maiorclareza e desenvolvido mais algumas das nossas ideias.Relativamente aos indispensáveis agradecimentos, cumpreexpressar o nosso reconhecimento para com ofundamental apoio (institucional e humano) recebido doInstituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro eInternacional (Munique, Alemanha), onde – ao longo dealguns períodos de investigação, na condição depesquisador e bolsista – tivemos a oportunidade deencontrar boa parte do material utilizado na preparaçãodesta terceira edição. Do Instituto Max-Planck deMunique, onde temos a honra de atuar comocorrespondente científico e representante brasileiro, sãoespecialmente merecedores de referência as pessoas dosProfessores Hans-Friedrich Zacher, Bernd Baron vonMaydell e Ulrich Becker, além dos pesquisadores Bernd

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Schulte, Eva-Maria Hohnerlein e Alexander Graser e dasfuncionárias Vera Rossburg (secretária executiva dadireção) e Cristiane Hensel (bibliotecária). ChristianWalter, do Instituto Max-Planck de Direito PúblicoInternacional e Estrangeiro (Heidelberg, Alemanha),também é credor de nossa gratidão por ter facilitadoem muito a coleta de material bibliográfico efetuada nabiblioteca do Instituto. Da mesma forma preciosa apesquisa realizada na biblioteca do Georgetown LawCenter (Washington-DC, EUA) agradecendo especialmenteao Prof. Mark Tushnet, que nos franqueou o acesso àsinstalações e biblioteca desta prestigiada instituição deensino jurídico. Ainda no que diz respeito à coleta dedoutrina e jurisprudência, mais uma vez contamos como apoio competente e dedicado da ora Mestranda ebolsista (CAPES) Selma Rodrigues Petterle, além dacolaboração da acadêmica Mariane Kliemann Fuchs,bolsista em nível de iniciação científica (PUC-RS). Por fim,mas não em último lugar, somos gratos a todos oscolegas da academia, amigos, alunos e operadores doDireito que, de algum modo e nas mais diversasoportunidades, nos brindaram com a indicação da obra,alguma referência (ainda que crítica) e/ou com a leiturae discussão do texto, tudo a contribuir para o queesperamos esteja a ser uma constante reconstrução eaperfeiçoamento da obra.Porto Alegre, agosto de 2004.

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Agradecimentos (1ª edição)Como toda obra, também esta, ao menos assim oacredito firmemente, não seria digna de publicação, semque também viessem a se tornar públicos osagradecimentos a todos os que, de alguma forma,contribuíram ao longo do processo de pesquisa, reflexãoe, por fim, de redação do texto final.Assim, inicio por agradecer ao meu pai, Ernest Sarlet,por ter pela primeira vez despertado minha atençãopara o tema, inclusive pela sugestão de algumas leituras,parte das quais acabaram sendo aproveitadas nesteestudo.Aos amigos e ilustres colegas Prof. Dr. Juarez Freitas eProf. Me. Alexandre Pasqualini sou grato pela leitura ediscussão da primeira versão do texto, assim como pelascríticas e sugestões recebidas, na esperança de quetenha logrado êxito na avaliação e incorporação destesaportes quando da elaboração derradeira do trabalho.Por óbvio, toda e qualquer inconveniência ou incorreçãonão lhes pode ser atribuída. Também ao amigo e dignoPromotor de Justiça Jayme Weingartner Neto impõe-seuma manifestação de gratidão, notadamente pela análisecrítica da parte final da obra.A incorporação de jurisprudência nacional e estrangeiraacabou, em boa parte, sendo viabilizada pela competentepesquisa realizada pelas alunas Deise Anne Herold, MariaCristina dos Santos Perez e Selma Rodrigues Petterle,todas cursando a Faculdade de Direito da PUC/RS.Outrossim, não há como deixar de externar minhaprofunda gratidão aos eminentes Professores PauloBonavides e Clèmerson Merlin Clève, tanto pelo fato deterem aceitado prefaciar e apresentar esta obra, quantopelas palavras generosas a mim enderaçadas, pelo queigualmente me sinto extremamente honrado eprivilegiado.Por derradeiro, agradeço ao Walter e ao Valmor, ambosda Livraria do Advogado Editora, por terem, com ahabitual presteza e eficiência, oportunizado mais estapublicação.

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Porto Alegre, fevereiro de 2001.

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Prefácio (1ª edição)Vive o Brasil uma fase de efervescência espiritual e defecunda produtividade na esfera das letras jurídicas.Basta assinalar o que se passa na faixa que vai de SãoPaulo ao Rio Grande do Sul.Com efeito, ao longo desta vasta região, despontamnovos valores, novos nomes, novos talentos, novosengenhos; é Flávia Piovesan e Marcelo Figueiredo naterra bandeirante; Clèmerson Clève no Paraná; ReinaldoPereira e Ruy Samuel Espíndola em Santa Catarina, e,de último, Ingo Wolfgang Sarlet e Alexandre Pasqualinino Rio Grande do Sul, ambos formados à sombra domagistério de um jurista de consolidada reputaçãointernacional, que é o Professor Juarez Freitas.Quanto ao primeiro nome gaúcho de que se fezmenção, a saber, o Dr. Ingo Sarlet, depara-se-meagora a honra de prefaciar-lhe a monografia acerca doprincípio da dignidade da pessoa humana. É trabalhoque merece extrema atenção, em razão tanto do temacomo do autor que o versou.E m verdade, fez o Dr. Sarlet há dois anos significativaaparição pública com livro que cedo já desponta comoum clássico na literatura jurídica do Brasilcontemporâneo: “A Eficácia dos Direitos Fundamentais”.A obra deu continuidade a outro estudo de vastaerudição e profundeza, estampado em língua alemã eintitulado “A Problemática dos Direitos FundamentaisSociais na Constituição Brasileira e na Lei FundamentalAlemã” ( Die Problematik der sozialen Grundrechte in derbrasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz). Foi esse trabalho a tese de pós-graduação que lhevaleu o doutoramento pela Universidade de Munique, naAlemanha, título conquistado com nota máxima deaprovação. Demais disso, no que toca à sua atividadeprofissional, o Dr. Ingo Sarlet a reparte entre amagistratura, onde veste a toga de juiz do Estado, e omagistério, onde, na faculdade de leis, ministra as aulasde sua especialização no campo do Direito Constitucional.Desse jovem mestre e jurista vem agora a lume,

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conforme referimos, o trabalho sobre a dignidade dapessoa humana, por si mesmo demonstrativo já daexcelência da atualidade temática que orna o livro.Poder-se-ia cuidar achar-se o leitor em presença apenasde uma daquelas matérias vistas, de ordinário, comoutópicas, abstratas, de feição puramente metafísica,referidas à região platônica das ideias e desatadas delaços mais consistentes com as esferas reais daexistência humana; matérias desenvolvidas, porconseguinte, em termos retóricos e programáticos,habituais ao estilo de quem contempla tão-somente ascategorias do dever-ser ideal e nelas colocaconsolativamente as esperanças do porvir. Não é bemassim, todavia.A dignidade da pessoa humana, desde muito, deixou deser exclusiva manifestação conceitual daquele direitonatural metapositivo, cuja essência se buscava ora narazão divina, ora na razão humana, consoanteprofessavam em suas lições de teologia e filosofia ospensadores dos períodos clássico e medievo, para seconverter, de último, numa proposição autônoma domais subido teor axiológico, irremissivelmente presa àconcretização constitucional dos direitos fundamentais. Épor essa direção pois que caminha o estudo do Dr.Sarlet.Com efeito, parte ele de considerações teóricas ehistóricas sobre aquela noção-chave até trazê-la embusca de concretude ao sistema jurídico vigente entrenós.O pensamento constitucional do autor decerto convergeno sentido de ver aquele axioma da liberdadereconhecido e interpretado como a norma das normasdos direitos fundamentais, elevada assim ao mais altoposto da hierarquia jurídica do sistema. Isto, depois dehaver mostrado, com toda pertinência, que o princípioestabelece limites à ação do Estado e protege aliberdade humana nos espaços onde ela tem sido maisviolentada, agredida e ignorada por quantos abusam dopoder ou se arredam da fórmula cardeal do Estado de

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Direito, a qual reside toda na intransponibilidade dafronteira que a razão constituinte traçou entre aautoridade e o arbítrio.O ensaio do Dr. Ingo Sarlet é, sem dúvida, luminosaprojeção de claridade por onde se mede o alcance quetem e deve ter sempre aquele valor principiológico comodireito positivo na compreensão e aplicação demandamentos constitucionais.Basta, aliás, a mais breve reflexão sobre o artigoinaugural do texto supremo do regime e já se deduzirá,de imediato, a excepcional importância que ao sobreditoprincípio lhe deu o constituinte de 1988. Fê-lo deestatura tão elevada quanto os princípios da soberania,da cidadania, do pluralismo, do reconhecimento social eaxiológico ao trabalho e à livre iniciativa, classificadostambém como componentes medulares das instituiçõesdo nosso sistema constitucional de poder.Introduzir, de conseguinte, o princípio da dignidade dapessoa humana como princípio fundamental naconsciência, na vida e na praxis dos que exercitam agovernação e dos que, enquanto entes da cidadania,são do mesmo passo titulares e destinatários da açãode governo, representa uma exigência e imperativo deelevação institucionale de melhoria qualitativa das basesdo regime.É o que se preconiza numa sociedade açoitada deinumeráveis lesões aos direitos fundamentais e defreqüente desrespeito às garantias mais elementares docidadão livre, aquele que se prepara para compor osquadros da democracia participativa do futuro.A leitura desse ensaio do Dr. Ingo Sarlet é nessa linhade reflexões o primeiro passo de uma preparaçãoteórica dos que, abrindo a Constituição, almejamdecifrar-lhe o sentido axiológico e determinar igualmenteos parâmetros hermenêuticos de sua compreensão.Estes residem todos, a meu ver, numa síntesesubstantiva, cifrada no princípio da dignidade da pessoahumana.Parece-me – e nisso há de convir também o Autor

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pelas premissas estabelecidas em seu primoroso trabalho– que o princípio em tela é, por conseqüência, o pontode chegada na trajetória concretizante do mais alto valorjurídico que uma ordem constitucional abriga.Ponto de chegada também na escala evolutiva do direitoem sede de positivação, porquanto o Direito, depois deser direito natural, com a teologia e a metafísica, direitopositivo com a dogmática e, finalmente, à míngua doutradicção mais adequada, direito interpretativo com ahermenêutica, ocupa, por derradeiro, o universo dosvalores, o mundo novo dos princípios, o extenso campodas formulações axiológicas da razoabilidade que são ofundamento normativo, por excelência, dos sistemasabertos, onde nem sempre a lógica axiomático-dedutivado formalismo positivista tem serventia ou cabimento,substituída, designadamente, em questões constitucionais,por métodos argumentativos e axiológicos desenvolvidospela Nova Hermenêutica.Toda a problemática do poder, toda a porfia delegitimação da autoridade e do Estado no caminho daredenção social há de passar, de necessidade, peloexame do papel normativo do princípio da dignidade dapessoa humana. Sua densidade jurídica no sistemaconstitucional há de ser portanto máxima e se houverreconhecidamente um princípio supremo no trono dahierarquia das normas, esse princípio não deve seroutro senão aquele em que todos os ângulos éticos dapersonalidade se acham consubstanciados.Demais disso, nenhum princípio é mais valioso paracompendiar a unidade material da Constituição que oprincípio da dignidade da pessoa humana.Quando hoje, a par dos progressos hermenêuticos dodireito e de sua ciência argumentativa, estamos a falar,em sede de positividade, acerca da unidade daConstituição, o princípio que urge referir na ordemespiritual e material dos valores é o princípio dadignidade da pessoa humana.A unidade da Constituição, na melhor doutrina doconstitucionalismo contemporâneo, só se traduz

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compreensivelmente quando tomada em suaimprescritível bidimensionalidade,que abrange o formal eo axiológico, a saber, forma e matéria, razão e valor.Ambos os termos conjugados assinalam, com arevolução hermenêutica, o momento definitivo dasupremacia principiológica dos conteúdos constitucionaissobre os conteúdos legislativos ordinários da velhadogmática e ao mesmo tempo exprimem a ascensão dalegitimidade material que põe em grau de menorimportância, por carência de préstimo superior nassoluções interpretativas da Constituição, o formalismopositivista e legalista do passado, peculiar à dogmáticajurídica do século XIX. Formalismo que interpretavaregras, e não princípios. Por isso mesmo, mais atentoao texto das leis que ao Direito propriament e dito.Da quele binômio deriva, em suma, a reconciliação dadogmática com a hermenêutica, fundamentando assim,fora do âmbito especificamente constitucional, em termosgenéricos, a legitimidade do novo Direito, mais propínquoà vida que à utopia, mais chegado e permeável,portanto, à hegemonia do princípio que consagra adignidade da pessoa hu mana.Assinale-se, por derradeiro, que as formas democráticasdo modelo participativo direto são politicamente em nossotempo as mais compatíveis com o emprego e aconcretização daquele princípio no constitucionalismo doséculo XXI.Enfim, sem o livro do Dr. Sarlet, tão rápidas e fugazesreflexões não me teriam ocorrido. É monografia deleitura fácil, instrutiva, proveitosa, vazada nos copiososmananciais de erudição do distintíssimo autor. Honra asletras jurídicas do Rio Grande do Sul e se recomenda,por igual, a quantos buscam os caminhos morais daregeneração nacional e não podem, na crise do sistema,que é a crise das instituições do Estado democrático deDireito, prescindir de tão nobre princípio: o princípio dadignidade da pessoa humana.Fortaleza, agosto de 2000.Prof. Dr. Paulo Bonavides

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Apresentação (1ª edição)O direito constitucional brasileiro tem evoluído de modosurpreendente nos últimos anos. Se é certo que, em1988, ganhamos uma nova Constituição, não é menoscerto que naquele tempo não contávamos ainda, deforma generalizada, com uma dogmática constitucionalsofisticada a ponto de dar conta da nova realidadepolítico-jurídica que se inaugurava. Os estudos de direitoconstitucional, provavelmente em virtude do longoperíodo autoritário, limitavam-se, em geral, a narrativasdas vicissitudes políticas pelas quais o país passava, àhistoriografia da experiência constitucional de outrospovos, ou, finalmente, à descrição política dedeterminadas instituições. Eventualmente a investigaçãoatravessava o campo dos conceitos manejados pelafilosofia política. O direito constitucional, portanto, eraconduzido como história, como ciência política ou comofilosofia política. Eram poucos aqueles que, na docência,pretendiam praticar verdadeira dogmática jurídica. Aépoca não ajudava. A falta de um saber jurídicoconsistente talvez tenha contribuído para a fragilidade danormatividade da Constituição em vigor. Odescompromisso com sua eficácia, a ausência de umsentimento constitucional ou de uma vontade deConstituição, que somente agora começam adesenvolver-se na república, são determinantes dacultura jurídica até então alheia à força normativa da LeiFundamental.Hoje, felizmente, o panorama nacional mudousignificativamente. Há excelentes centros acadêmicosespalhados por todo o país, dedicados ao estudo dodireito constitucional. A doutrina brasileira, nesse campo,refinou-se. Há uma nova geração de constitucionalistasno Brasil que, sobre manter a tradição de prestígio damelhor doutrina nacional, situa-se em lugar de destaqueno plano internacional. Curiosamente, quando temos (nãomais como exceção) boa doutrina constitucional,ensaia-se o desmoronamento do edifício constitucional, talo grau de corrosão que sofre o seu núcleo de

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identidade, mercê do irracional processo de revisionismopelo qual, nos últimos anos, temos passado. Por isso, adefesa intransigente da Lei Fundamental, em particularda Constituição dos Direitos Fundamentais, substanciacompromisso inarredável dos constitucionalistas. Cumpre,em momentos difíceis, mesmo contra a maré, tomarpartido da Constituição contra os vários discursos(jurídicos, políticos, econômicos, etc.) que insistem (àsvezes com ingenuidade e boa-fé, outras tantas com ospiores propósitos) em promover a erosão de suaposição fundante.Ingo Wolfgang Sarlet reside, com autoridade, na casa damelhor doutrina. Doutor em Direito, Magistrado no RioGrande do Sul, berço de grandes juristas, Ingo é,também, Professor de Direito Constitucional na EscolaSuperior da Magistratura (AJURIS) e no Curso deMestrado em Direito oferecido pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), este conduzidocom sabedoria pelo respeitado publicista Juarez Freitas.Escreveu, antes da presente obra, importante livrodedicado ao tema da Eficácia dos direitos fundamentais(Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998) que,inobstante tratar-se de publicação recente, é já um dosclássicos da literatura constitucional brasileira. Sinto-me,por suas qualidades como ser humano e como jurista,deveras orgulhoso pelo fato de tê-lo como amigo einterlocutor. No campo do Direito Constitucional, temosmanifestado preocupações semelhantes. Neste particular,aliás, lembro que as Escolas de Direito Público do RioGrande do Sul guardam forte identidade com asCátedras de Direito Constitucional e de DireitoAdministrativo da Faculdade de Direito da UniversidadeFederal do Paraná.Agora, o Professor Ingo Wolfgang Sarlet explora,monograficamente, o rico território da dignidade dapessoa humana. Princípio constitucional da maiorimportância, a dignidade da pessoa humana volta adesafiar a atenção do jurista que, em outros momentos,sobre ele teve ocasião de se debruçar. O texto ora

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publicado, sintético e denso, foi enriquecido pelo temperoda mais autorizada doutrina. Nem por isso, entretanto,foi elaborado desprezando-se os predicamentos declareza e transparência. Da manufatura esmerada ecuidadosa derivam as inequívocas qualidades da obraora apresentada. Quanto às idéias sustentadas, o autornão se peja de tomar partido. Aliás, as teses devemser sustentadas às claras, e esta é postura de Ingo .Daí por que o Direito Constitucional que desenvolve nãopode ser tomado como neutro, asséptico, despido decompromisso. Antes, é o contrário que se manifesta nodesenrolar de sua manifestação discursiva. Não há lugar,imagino, na caneta do Professor Ingo , para a dogmáticaconstitucional prisioneira da razão do Estado, onde ocidadão é acessório, e os direitos fundamentais,concessão . De modo inverso, procura desenvolver umaracionalidade jurídica emancipatória, decorrente derenovado tipo de olhar incidente sobre a fenomenologiaconstitucional. Está-se a referir, portanto, a umadogmática constitucional emancipatória e principiológica ,que toma o Estado não como realidade em sijustificada, mas, antes, como construção voltada àintegral satisfação dos direitos fundamentais,especialmente dos direitos fundamentais demandantes deatuação positiva. Neste compasso, o Estado, desde oprisma jurídico, só guarda sentido quando a serviço dadignidade da pessoa humana. Logo, não são os direitosfundamentais que haverão de ficar à disposição doEstado (em particular das maiorias ocasionais). Antes, éo Estado que haverá de permanecer à disposição dosdireitos fundamentais, sendo certo que a concretizaçãodestes substancia eloqüente meio de legitimação daquele.A lógica, como se vê, inverte-se totalmente.O direito constitucional do homem, do cidadão, dadignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais,afasta-se daquele centrado, exclusivamente, na figura doEstado, dele dependente, criatura servindo o criador,instrumento de governo que dá satisfação aos interessesdas maiorias conjunturais. O primeiro é o direito

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constitucional crítico, emancipatório, principiológico erepersonalizador. O segundo é o direito constitucional dostatus quo , dogmatista, positivista, cativo do princípiomajoritário, mero instrumento da atuação estatal. Oprimeiro põe a dignidade da pessoa humana em lugarexterior ao debate político, tendo por acertado que apolítica haverá de servir a dignidade da pessoa humana.O segundo deixa a dignidade da pessoa humana àdisposição do debate político e, portanto, à mercê doshumores políticos contingentes. São posturas distintas.Compõem histórias jurídicas apartadas. Cada qual éresponsável pela sua opção metodológica.Ingo , de modo determinado, sem perder, entretanto, osenso de responsabilidade que se cobra do cientista e aprudência própria do magistrado, aceita o convite deCazuza. Ele mostra a sua cara . Propõe a defesa dadignidade da pessoa humana, reconhecendo naConstituição a existência, a respeito, de disposição dotadade força normativa capaz de reclamar eficácia. O como ,o quanto e o quando , estas são questões próprias dadogmática constitucional. A vereda explorada, comprecisão e talento, por Ingo .Tudo o mais que for dito sobre a obra em questãoconstitui excesso. O livro é eloqüente por si mesmo.Então, cumpre encerrar estas linhas para deixar o leitorse encantar com a narrativa. Não poderia, porém,concluir sem parabenizar o autor e a Editora pelaoportuna publicação. O direito constitucional brasileiroagradece.Curitiba, outubro de 2000.Prof. Dr. Clèmerson Merlin ClèveTitular de Direito Constitucional daFaculdade do Brasil e da UFPR

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1. Considerações preliminaresNa verdade, duvido que haja, para o ser pensante,minuto mais decisivo do que aquele em que, caindo-lhea venda dos olhos, descobre que não é um elementoperdido nas oscilações cósmicas, mas que uma universalvontade de viver nele converge e se hominiza.O Homem, não centro estático do Mundo – como elese julgou durante muito tempo, mas eixo e flecha daevolução – o que é muito mais belo.Teilhard de Chardin 1A bela e expressiva frase do teólogo, filósofo,antropólogo e paleontólogo francês Pierre Teilhard deChardin, escolhida para figurar no início deste livro,encerra múltiplos sentidos e suscita outras tantasinterpretações, correndo até mesmo o risco desujeitar-se à crítica de um excessivo antropocentrismo.Contudo, não sendo o nosso intento empreender umaanálise do pensamento citado, guiou-nos prioritariamentea maneira pela qual o autor soube expressar, ao menosno nosso sentir, a umbilical e genética convergência evinculação (mas não necessária fungibilidade) entre asnoções de dignidade, vida e humanidade que tambémnós recolhemos como diretriz nuclear do nosso estudo.Assim, ainda que a dignidade – ao menos não nestapassagem – não tenha sido expressamente referida, elaencontra-se latente e pressuposta no texto, como deresto, em tudo que diz com a essência do ser humano.Por sua vez, passando a centrar a nossa atenção nadignidade da pessoa humana, desde logo há de sedestacar que a íntima e, por assim dizer, indissociável –embora altamente complexa e diversificada2 – vinculaçãoentre a dignidade da pessoa humana e os direitosfundamentais já constitui, por certo, um dos postuladosnos quais se assenta o direito constitucionalcontemporâneo. Tal ocorre mesmo nas ordensconstitucionais onde a dignidade ainda não tenha sidoexpressamente reconhecida no direito positivo e atémesmo – e lamentavelmente não são poucos osexemplos que poderiam ser citados – onde tal

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reconhecimento virtualmente se encontra limitado àprevisão no texto constitucional, já que, forçoso admiti-lo– especialmente entre nós – que o projeto normativo,por mais nobre e fundamental que seja, nem sempreencontra eco na praxis ou, quando assim ocorre, nemsempre para todos ou de modo igual para todos.De qualquer modo, acreditamos – recolhendo aqui alição de Cármen Lúcia Antunes Rocha – que a previsãono texto constitucional acaba por ser imprescindível,muito embora por si só não tenha o condão deassegurar o devido respeito e proteção à dignidade. 3Com efeito, diante do compromisso assumidoformalmente pelo Constituinte, pelo menos – nashipóteses de violação dos deveres e direitos decorrentesda dignidade da pessoa – restará uma perspectivaconcreta, ainda que mínima, de efetivação por meio dosórgãos jurisdicionais, enquanto e na medida em que selhes assegurar as condições básicas para o cumprimentode seu desiderato.Por outro lado, se virtualmente incontroversa a existênciade um liame entre a dignidade da pessoa e os direitosfundamentais, o consenso, por sua vez – como logoteremos oportunidade de demonstrar –, praticamente selimita ao reconhecimento da existência e da importânciadesta vinculação. Quanto ao mais – inclusive no que dizcom a própria compreensão do conteúdo e significadoda dignidade da pessoa humana na e para a ordemjurídica – trata-se de tema polêmico e que temensejado farta discussão em nível doutrinário e atémesmo jurisprudencial. De fato, como bem averbouAntonio Junqueira de Azevedo, o acordo a respeito daspalavras “dignidade da pessoa humana” infelizmente nãoafasta a grande controvérsia em torno do seu conteúdo.4 Além disso, em se levando em conta que a dignidade,acima de tudo, diz com a condição humana do serhumano, 5 cuida-se de assunto de perene relevância eatualidade, tão perene e atual quanto for a própriaexistência humana. Aliás, apenas quando (e se) o serhumano viesse ou pudesse renunciar à sua condição é

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que se poderia cogitar da absoluta desnecessidade dequalquer preocupação com a temática ora versada.Todavia, justamente pelo fato de que a dignidade vemsendo considerada (pelo menos para muitos e mesmoque não exclusivamente) qualidade intrínseca eindissociável de todo e qualquer ser humano e certosde que a destruição de um implicaria a destruição dooutro, é que o respeito e a proteção da dignidade dapessoa (de cada uma e de todas as pessoas)constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) emmeta permanente da humanidade, do Estado e doDireito.É precisamente sobre as relações entre a dignidade dapessoa humana e os direitos fundamentais quepretendemos tecer algumas considerações, destacandopelo menos parte das inúmeras facetas e problemas queeste casamento feliz – mas nem por isto imune a crisese tensões – desafia a todos os que se ocupam de seuestudo.Notas1 P. Teilhard de Chardin, O Fenômeno Humano , p. 11.2 Tal como aponta A. Gewirth, “Human Dignity as theBasis of Rights”, in: M. J. Meyer e W. A. Parent (Ed),The Constitution of Rights , p. 10.3 Cf. C.L. Antunes Rocha, O princípio da dignidade dapessoa humana e a exclusão social , in: InteressePúblico nº 4, p. 26.4 Cf. A J. de Azevedo, “Caracterização jurídica dadignidade da pessoa humana”, in: Revista dos Tribunais ,vol. 797, março de 2002, p. 12.5 Neste sentido, o entendimento de M-L Pavia, Leprincipe de dignité de la personne humaine: um noveauprincipe constitutionnel, in: R.Cabrillac/M.A.Frison-Roche/T. Revet (Dir), Droits etLibertés Fondamenteaux , p. 105.

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2. Conteúdo e significado da noção de dignidade (dapessoa) humana2.1. Antecedentes: algumas notas sobre a dignidade dapessoa no âmbito da evolução do pensamento ocidentalAntes de nos fixarmos na dimensão jurídico-constitucionalda dignidade da pessoa humana, objeto precípuo destetrabalho, e mesmo sabedores de que aqui estaremosapenas oferecendo uma abordagem genérica einevitavelmente incompleta, especialmente considerandotudo o que já se escreveu sobre o tema, cumpre sejaempreendida a tentativa de uma aproximação com oconteúdo e significado da própria noção de dignidade dapessoa, 6 já que anterior ao seu reconhecimento noâmbito do direito positivo e até mesmo determinantedesta. Ademais, importa lembrar que também para adignidade da pessoa humana aplica-se a noção referidapor Bernard Edelman, de que qualquer conceito(inclusive jurídico) possui uma história, que necessita serretomada e reconstruída, para que se possa rastrear aevolução da simples palavra para o conceito e assimapreender o seu sentido.7Embora não se possa – e nem se pretenda! –reconstruir aqui em detalhes a trajetória da noção dedignidade da pessoa humana no pensamento filosóficoao longo dos tempos, buscar-se-á pelo menos identificare apresentar alguns momentos, autores e concepçõesrelevantes e habitualmente referidos neste contexto. Poroutro lado, importa destacar desde logo, na esteira doque leciona Eduardo Bittar, que “a ideia de dignidade dapessoa humana hoje, resulta, de certo modo, daconvergência de diversas doutrinas e concepções demundo que vêm sendo construídas desde longa data nacultura ocidental”.8 Já por tal razão (mas não apenaspor isso) uma – ainda que sumária – análise naperspectiva histórica e filosófica se faz necessária.Assim, sem adentrarmos, ainda, o problema dosignificado que se pode hoje atribuir à dignidade dapessoa humana, cumpre ressaltar, de início, que a ideiado valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no

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pensamento clássico e no ideário cristão. Muito emboranão nos pareça correto, inclusive por nos faltarem dadosseguros quanto a este aspecto, reivindicar – no contextodas diversas religiões professadas pelo ser humano aolongo dos tempos – para a religião cristã a exclusividadee originalidade quanto à elaboração de uma concepçãode dignidade da pessoa, o fato é que tanto no Antigoquanto no Novo Testamento 9 podemos encontrarreferências no sentido de que o ser humano foi criadoà imagem e semelhança de Deus, premissa da qual ocristianismo extraiu a consequência – lamentavelmenterenegada por muito tempo por parte das instituiçõescristãs e seus integrantes (basta lembrar as crueldadespraticadas pela “Santa Inquisição”) – de que o serhumano – e não apenas os cristãos – é dotado de umvalor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo sertransformado em mero objeto ou instrumento.10No pensamento filosófico e político da antiguidadeclássica, verifica-se que a dignidade ( dignitas) dapessoa humana dizia, em regra, com a posição socialocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimentopelos demais membros da comunidade, daí poderfalar-se em uma quantificação e modulação da dignidade,no sentido de se admitir a existência de pessoas maisdignas ou menos dignas. 11 Por outro lado, já nopensamento estóico, a dignidade era tida como aqualidade que, por ser inerente ao ser humano, odistinguia das demais criaturas, no sentido de que todosos seres humanos são dotados da mesma dignidade,noção esta que se encontra, por sua vez, intimamenteligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo (oHomem como ser livre e responsável por seus atos eseu destino), bem como à ideia de que todos os sereshumanos, no que diz com a sua natureza, são iguaisem dignidade.12 Com efeito, de acordo com ojurisconsulto, político e filósofo romano Marco TúlioCícero, é a natureza quem prescreve que o homemdeve levar em conta os interesses de seus semelhantes,pelo simples fato de também serem homens, razão pela

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qual todos estão sujeitos às mesmas leis naturais, deacordo com as quais é proibido que uns prejudiquemaos outros, 13 passagem na qual (como, de resto,encontrada em outros autores da época) se percebe avinculação da noção de dignidade com a pretensão derespeito e consideração a que faz jus cada ser humano.Assim, especialmente em relação a Roma – notadamentea partir das formulações de Cícero, que desenvolveuuma compreensão de dignidade desvinculada do cargoou posição social – é possível reconhecer a coexistênciade um sentido moral (seja no que diz às virtudespessoais do mérito, integridade, lealdade, entre outras,seja na acepção estóica referida) e sociopolítico dedignidade (aqui no sentido da posição social e políticaocupada pelo indivíduo).14No que diz com a concepção vigente neste período(mas que, de certa forma, segue presente nos dias dehoje, quando se fala na dignidade de cargos e funções,na honra e imagem da pessoa no seu contexto social,etc.), 15 importa destacar, recolhendo aqui a lição dePaolo Becchi, que no mundo romano antigo, a noção dedignidade humana adquire – precisamente por influênciado pensamento de Cícero, primeiro a ressaltar ambas asacepções – um duplo significado, visto que, por um ladoo homem possui uma dignidade que decorre de suaposição mais alta na hierarquia da natureza, já que é oúnico ser racional dentre os animais, o que lhe assegurauma posição especial no universo (sentido absoluto dadignidade), ao passo que, já em outro sentido, relativo,a dignidade está vinculada à posição social do indivíduo,posição esta que poderá ser alterada ao longo de suaexistência.16Como bem lembra Marco Ruotolo, no pensamento deCícero e no pensamento greco-romano, a dignidadeassume uma dupla significação, como dote (dádiva) ecomo “conquista”, no sentido de ser também oresultado de um fazer, um agir na esfera social, o quetambém corresponde à concepção dominante na tradiçãocristã, onde é possível distinguir entre uma dignidade

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ontológica (ou inata), visto que decorrente da condiçãode o ser humano ter sido feito à imagem e semelhançade Deus, e uma dignidade existencial ou adquirida,correspondente a circunstância de se levar uma vida deacordo com os ditames da religião Cristã.17Na primeira fase do cristianismo, quando este haviaassumido a condição de religião oficial do Império,destaca-se o pensamento do Papa São Leão Magno,sustentando que os seres humanos possuem dignidadepelo fato de que Deus os criou à sua imagem esemelhança, e que, ao tornar-se homem, dignificou anatureza humana, além de revigorar a relação entre oHomem e Deus mediante a voluntária crucificação deJesus Cristo.18 Lo go depois, no período inicial da IdadeMédia, Anicio Manlio Severino Boécio, cujo pensamentofoi (em parte) posteriormente retomado por São Tomásde Aquino, formulou, para a época, um novo conceitode pessoa e acabou por influenciar a noçãocontemporânea de dignidade da pessoa hu mana aodefinir a pessoa como substância individual de naturezaracional.19Mesmo no auge do medievo – de acordo com a liçãode Klaus Stern – a concepção de inspiração cristã eestóica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomásde Aquino, o qual, fortemente influenciado também porBoécio, chegou a referir expressamente a expressão“dignitas humana”, secundado, já em plena Renascençae no limiar da Idade Moderna, pelo humanista italianoPico della Mirandola, que, partindo da racionalidade comoqualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou seresta a qualidade que lhe possibilita construir de formalivre e independente sua própria existência e seu própriodestino.20 Com efeito, no pensamento de Tomás deAquino, restou afirmada a noção de que a dignidadeencontra seu fundamento na circunstância de que o serhumano foi feito à imagem e semelhança de Deus, mastambém radica na capacidade de autodeterminaçãoinerente à natureza humana, de tal sorte que, por forçade sua dignidade, o ser humano, sendo livre por

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natureza, existe em função da sua própria vontade. 21Já no contexto antropocêntrico renascentista e semrenunciar à inspiração dos principais teóricos da IgrejaCatólica, Giovanni Pico della Mirandola, no seu opúsculosobre a dignidade do homem, ao justificar a ideia dagrandeza e superioridade do homem em relação aosdemais seres, afirmou que, sendo criatura de Deus, aohomem (diversamente dos demais seres, de naturezabem definida e plenamente regulada pelas leis divinas)foi outorgada uma natureza indefinida, para que fosseseu próprio árbitro, soberano e artífice, dotado dacapacidade de ser e obter aquilo que ele próprio quer edeseja. 22Para a afirmação da ideia de dignidade humana, foiespecialmente preciosa a contribuição do espanholFrancisco de Vitoria, quando, no século XVI, no limiar daexpansão colonial espanhola, sustentou, relativamente aoprocesso de aniquilação, exploração e escravização dosíndios e baseado no pensamento estoico e cristão, queos indígenas, em função do direito natural e de suanatureza humana – e não pelo fato de serem cristãos,católicos ou protestantes – eram em princípio livres eiguais, devendo ser respeitados como sujeitos dedireitos, proprietários e na condição de signatários doscontratos firmados com a coroa espanhola. 23 Foiprecisamente no âmbito do pensamento jusnaturalistados séculos XVII e XVIII que a concepção da dignidadeda pessoa humana, assim como a ideia do direitonatural em si, passou por um processo de racionalizaçãoe laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamentalda igualdade de todos os homens em dignidade eliberdade.Muito embora na obra de Hugo Grócio e ThomasHobbes, dois dos autores mais destacados do período(em especial no que diz com o pensamento político ejurídico) a dignidade tenha sido objeto de referência, foiapenas em Samuel Pufendorf que se pode constatar umpasso efetivo em termos de ruptura com a tradiçãoanterior e a elaboração do que se pode considerar uma

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primeira formulação tipicamente secular e racional dadignidade da pessoa humana, com fundamento naliberdade moral como característica distintiva do serhumano, 24 ainda que elementos de tal concepção,como já demonstrado, possam ser reconduzidos adesenvolvimentos anteriores. Com efeito, ao passo quepara Grócio a dignidade humana se manifesta no âmbitodo direito à sepultura, no que guarda relação com orespeito com o cadáver, 25 para Hobbes, a dignidade,numa acepção que remonta em parte ao períodoclássico, no sentido da dignidade como representando ovalor do indivíduo no contexto social, está essencialmentevinculada ao prestígio pessoal e dos cargos exercidospelos indivíduos, cuidando-se, portanto, de um valoratribuído pelo Estado e pelos demais membros dacomunidade a alguém.26 Recorrendo às palavras dopróprio Hobbes, “o valor de um homem, tal como o detodas as outras coisas, é seu preço; isto é, tantoquanto seria dado pelo uso de seu poder. Portanto nãoabsoluto, mas algo que depende da necessidade e dojulgamento de outrem. Um hábil condutor de soldados éde alto preço em tempo de guerra presente ouiminente, mas não o é em tempo de paz. Um juizdouto e incorruptível é de grande valor em tempo depaz, mas não o é tanto em tempo de guerra. E talcomo nas outras coisas, também no homem não é ovendedor, mas o comprador quem determina o preço.Porque mesmo que um homem (como muitos fazem)atribua a si mesmo o mais alto valor possível, apesardisso seu verdadeiro valor não será superior ao que lhefor atribuído pelos outros”. 27 Logo mais adiante, Hobbesafirma que “o valor público de um homem, aquele quelhe é atribuído pelo Estado, é o que os homensvulgarmente chamam dignidade. E esta sua avaliação seexprime através de cargos de direção, funções judiciaise empregos públicos, ou pelos nomes e títulosintroduzidos para a distinção de tal valor”. 28 Assim,ainda que não se vá aprofundar o tópico, verifica-seque – embora com outro significado e fundamentação –

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a noção de reconhecimento, posteriormente desenvolvidaem Hegel e muitos dos sucessores, assim como atradicional vinculação entre honra, imagem e dignidade,de alguma forma se faz presente durante toda atrajetória de afirmação e reconstrução da noção dedignidade da pessoa humana.Já para Samuel Pufendorf, a noção de dignidade nãoestá fundada numa qualidade natural do homem etampouco pode ser identificada com a sua condição eprestígio na esfera social, assim como não pode serreconduzida à tradição cristã, de acordo com a qual adignidade é concessão divina. Pufendorf sustenta quemesmo o monarca deveria respeitar a dignidade dapessoa humana, considerada esta como a liberdade doser humano de optar de acordo com sua razão e agirconforme o seu entendimento e sua opção. 29 Nestesentido, como bem registra Paolo Bechi, a concepção dePufendorf distingue-se da de outros pensadores daépoca, como é o caso de Pascal, pois este reconduz adignidade à capacidade racional, de pensamento, do serhumano, ao passo que Pufendorf vincula a dignidade àliberdade moral, pois é esta – e não a naturezahumana em si – que confere dignidade ao homem. 30Foi, contudo, com Immanuel Kant, cuja concepção dedignidade parte da autonomia ética 31 do ser humano,que, de certo modo, se completa o processo desecularização32 da dignidade, que, de vez por todas,abandonou suas vestes sacrais. 33 Com isto, vale notar,não se está a desconsiderar a profunda influência (aindaque expurgada da fundamentação teológica) dopensamento cristão, especialmente dos desenvolvimentosde Boécio e São Tomás de Aquino (notadamente noque diz com a noção de pessoa com substânciaindividual de natureza racional e da relação mesmoentre liberdade e dignidade) sobre as formulaçõeskantianas.34Construindo sua concepção a partir da natureza racionaldo ser humano, Kant sinala que a autonomia davontade, entendida como a faculdade de determinar a si

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mesmo e agir em conformidade com a representaçãode certas leis, é um atributo apenas encontrado nosseres racionais, constituindo-se no fundamento dadignidade da natureza humana. 35 Em síntese e no quediz com o presente tópico, é possível acompanharThadeu Weber quando refere que autonomia e dignidadeestão, notadamente no pensamento de Kant,intrinsecamente relacionados e mutuamente imbricados,visto que a dignidade pode ser considerada como opróprio limite do exercício do direito de autonomia, aopasso que este não pode ser exercido sem o mínimode competência ética.36Com base nesta premissa, Kant sustenta que “oHomem, e, duma maneira geral, todo o ser racional,existe como um fim em si mesmo, não simplesmentecomo meio para o uso arbitrário desta ou daquelavontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tantonas que se dirigem a ele mesmo como nas que sedirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de serconsiderado simultaneamente como um fim... Portanto, ovalor de todos os objetos que possamos adquirir pelasnossas ações é sempre condicional. Os seres cujaexistência depende, não em verdade da nossa vontade,mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais,apenas um valor relativo como meios e por isso sechamam coisas, ao passo que os seres racionais sechamam pessoas, porque a sua natureza os distingue jácomo fins em si mesmos, quer dizer, como algo quenão pode ser empregado como simples meio e que, porconseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é umobjeto de respeito)”. 37Ainda segundo Kant, afirmando a qualidade peculiar einsubstituível da pessoa humana, “no reino dos fins tudotem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisatem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outracomo equivalente; mas quando uma coisa está acima detodo o preço, e portanto não permite equivalente, entãotem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecercomo dignidade o valor de uma tal disposição de espírito

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e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nuncaela poderia ser posta em cálculo ou confronto comqualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquermodo ferir a sua santidade”. 38Neste contexto, comentando a distinção entre dignidade(como valor não mensurável economicamente) e coisas,passíveis de quantificação econômica, Jeremy Waldromobserva que tanto a expressão latina dignitas quanto otermo alemão würde (de acordo com o autor, ambosutilizados por Kant sem que haja clareza a respeito deserem sempre utilizados como sinônimos) não significam“naturalmente”, sem que lhes seja outorgado tal sentidotécnico-filosófico,o mesmo que um valor sem preço, nosentido de um valor intrínseco, infungível, próprio decada ser humano, cuidando-se, ainda na acepção deWaldrom, de um uso eminentemente estipulativo daexpressão dignidade, que implica o reconhecimento deque os seres humanos possuem um valor com certocaráter normativo, mas não utilitário.39 Se, na esteirado que igualmente sugere Waldrom, a concepção deKant (que concilia e relaciona a dimensão axiológica –dignidade como valor intrínseco – com a noção deautonomia e racionalidade e moralidade, concebidas comofundamento e mesmo conteúdo da dignidade) se revelamais adequada para uma fundamentação dos direitoshumanos e fundamentais do que para a determinaçãodo seu conteúdo (dos direitos), isto é, para aidentificação de quais são exatamente esses direitos, 40é questão que aqui deixaremos em aberto. Mais adiante,todavia, ainda que não se pretenda aprofundar talperspectiva, já na esfera da construção de um conceitojurídico-constitucional de dignidade da pessoa humana,serão apontados alguns elementos que permitemidentificar, em linhas gerais, não apenas um possívelâmbito de proteção da dignidade na sua condição deprincípio e fundamento de direitos fundamentais, mastambém suas conexões com os diversos direitosfundamentais consagrados no plano constitucional.É justamente no pensamento de Kant que a doutrina

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jurídica mais expressiva – nacional e estrangeira – aindahoje parece estar identificando as bases de umafundamentação e, de certa forma, de uma conceituaçãoda dignidade da pessoa humana. 41 Até que ponto,contudo, tal concepção efetivamente poderá ser adotadasem reservas ou ajustes na atual quadra da evoluçãosocial, econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafiofascinante, que, todavia, refoge aos estreitos limites desteestudo. Assim, poder-se-á afirmar – apenas para nãodeixar intocado este ponto – que tanto o pensamentode Kant quanto todas as concepções que sustentam sera dignidade atributo exclusivo da pessoa humana –encontram-se, ao menos em tese, sujeitas à crítica deum excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo emque sustentam que a pessoa humana, em função desua racionalidade (não é à toa que Blaise Pascal, já emmeados do século XVII, chegou a afirmar que “não édo espaço que devo procurar minha dignidade, mas daordenação do meu pensamento” 42 ) ocupa um lugarprivilegiado em relação aos demais seres vivos. 43 Paraalém disso, sempre haverá como sustentar a dignidadeda própria vida de um modo geral, ainda mais numaépoca em que o reconhecimento da proteção do meioambiente como valor fundamental indicia que não maisestá em causa apenas a vida humana, mas apreservação de todos os recursos naturais, incluindotodas as formas de vida existentes no planeta, aindaque se possa argumentar que tal proteção da vida emgeral constitua, em última análise, exigência da vidahumana e de uma vida humana com dignidade, tudo aapontar para o reconhecimento do que se poderiadesignar de uma dimensão ecológica ou ambiental dadignidade da pessoa humana.Tais questionamentos, por sua vez, nos remetem àcontrovérsia em torno da atribuição de dignidade e/oudireitos aos animais e demais seres vivos, que, de resto,já vem sendo reconhecida por alguma doutrina. Semque se vá desenvolver o ponto, desde logo nos pareceque a tendência contemporânea de uma proteção

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constitucional e legal da fauna e flora, bem como dosdemais recursos naturais, inclusive contra atos decrueldade praticados pelo ser humano, revela no mínimoque a própria comunidade humana vislumbra emdeterminadas condutas (inclusive praticadas em relação aoutros seres vivos) um conteúdo de indignidade. Damesma forma, considerando que nem todas as medidasde proteção da natureza não humana têm por objetoassegurar aos seres humanos sua vida com dignidade(por conta de um ambiente saudável e equilibrado) masjá dizem com a preservação – por si só – da vida emgeral e do patrimônio ambiental, resulta evidente que seestá a reconhecer à natureza um valor em si, isto é,intrínseco. Se com isso se está a admitir uma dignidadeda vida para além da humana, tal reconhecimento nãonecessariamente conflita (nem mesmo por um prismateológico, ousaríamos sugerir), com a noção dedignidade própria e diferenciada – não necessariamentesuperior e muito menos excludente de outras dignidades– da pessoa humana, que, à evidência, somente enecessariamente é da pessoa humana. 44Verifica-se, portanto, que também nesta perspectiva adignidade da pessoa humana (independentemente, nonosso sentir, de se aceitar, ou não, a tese da dignidadeda vida não humana) há de ser compreendida comoum conceito inclusivo, no sentido de que a suaaceitação não significa privilegiar a espécie humana acimade outras espécies, mas sim, aceitar que doreconhecimento da dignidade da pessoa humanaresultam obrigações para com outros seres ecorrespondentes deveres mínimos e análogos deproteção. 45De outra parte, a concepção kantiana, ao menos seinterpretada restritivamente, acaba por remeter àpergunta (que, de resto, ainda não obteve respostaconsensual) sobre o início e o fim da dignidade dapessoa, além de toda uma gama de outrosquestionamentos que aqui não temos condições nemtemos a intenção de desenvolver e que tanta relevância

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tem assumido no âmbito da biotecnologia e do assimdesignado “biodireito”, notadamente no que diz com aproteção jurídica do embrião (e do patrimônio genéticoda pessoa em geral) em face de toda a sorte demanipulações,46 assim como nas questões vinculadas àdignidade no final da vida, especialmente naquilo queenvolve a discussão em torno da viabilidade e doslimites da eutanásia.47 De qualquer modo, incensurável,isto sim, como teremos oportunidade de demonstrar nopróximo segmento, é a permanência da concepçãokantiana no sentido de que a dignidade da pessoahumana, esta (pessoa) considerada como fim, e nãocomo meio, repudia toda e qualquer espécie decoisificação e instrumentalização do ser humano.Se é verdade que as formulações de Kant sobre adignidade (a despeito de uma série de críticasformuladas ao longo do tempo, a começar pela semprelembrada advertência de Schopenhauer, para quem afórmula de Kant é vazia de sentido, insuficiente e atémesmo problemática, podendo servir de fundamentopara qualquer coisa) 48 marcaram uma guinada decisivano âmbito do pensamento filosófico e passaram ainfluenciar profundamente também a produção jurídica,também é certo que sempre existiram importantescontrapontos, dentre os quais cumpre destacar a noçãodesenvolvida por Hegel na sua Filosofia do Direito,sustentando, de certo modo, a partir de umaperspectiva escolástica – tal qual encontrada em Tomásde Aquino – que a dignidade constitui – também (masnão exclusivamente, ao que nos parece) – umaqualidade a ser conquistada.49Neste contexto, convém seja colacionada a lição de KurtSeelmann, para quem o mais apropriado seria falar queao pensamento de Hegel (e não apenas na sua Filosofiado Direito) encontra-se subjacente uma teoria dadignidade como viabilização de determinadas prestações.Tal teoria, além de não ser incompatível com umaconcepção ontológica da dignidade (vinculada a certasqualidades inerentes à condição humana), significa que

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uma proteção jurídica da dignidade reside no dever dereconhecimento de determinadas possibilidades deprestação, nomeadamente, a prestação do respeito aosdireitos, do desenvolvimento de uma individualidadee doreconhecimento de um autoenquadramento no processode interação soci al. 50 Como, ainda, bem refere o autorcolacionado, tal conceito de dignidade não implica adesconsideração da dignidade (e de sua proteção) nocaso de pessoas portadoras de deficiência mental ougravemente enfermas, já que a possibilidade de protegerdeterminadas prestações não significa que se esteja acondicionar a proteção da dignidade ao efetivoimplemento de uma dada prestação, já que tambémaqui (de modo similar – como poderíamos acrescentar –ao que se verificou relativamente ao pensamentoKantiano, centrado na capacidade para aautodeterminação inerente a tod os os seres racionais) oque importa é a possibilidade de uma prestação. 51Na condição de um dos expoentes (se não o expoente)do idealismo filosófico alemão do século XIX, Hegel –aqui na interpretação outorgada por Carlos Ruiz Miguel –acabou por sustentar uma noção de dignidade centradana ideia de eticidade (instância que sintetiza o concretoe o universal, assim como o individual e o comunitário),de tal sorte que o ser humano não nasce digno – jáque Hegel refuta uma concepção estritamente ontológicada dignidade –, mas torna-se digno a partir domomento em que assume sua condição de cidadão. 52Nesta perspectiva, não é à toa que na filosofia doDireito de Hegel já se faz presente a concepção de quea dignidade é (também) o resultado de umreconhecimento, noção esta consubstanciada – não só,mas especialmente – na máxima de que cada um deveser pessoa e respeitar os outros como pessoas (s eieine Person und respektiere die anderen als Personen ).53 Tal reconhecimento, ainda que experimentado em umcontexto concreto e determinado, não se mostrainconciliável com a noção de que o ser humano é comotal reconhecido independentemente das suas relações

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sociais, já que a capacidade jurídica (a competência deser sujeito de direitos) é igual em e para todas aspessoas, 54 de tal sorte que há mesmo quem – nesteparticular igualmente atrelado, ao que tudo indica, opensamento de Hegel, vislumbre na capacidade de sersujeito da atribuição de direitos (no sentido da noção depersonalidade jurídica) e não mero objeto de direitos aprópria nota distintiva da dignidade da pessoa humana.55 A despeito de alguns pontos em comum, jáperceptíveis a partir destas, sumárias referências, Hegelafasta-se de Kant e, com isso, da expressiva maioriados autores – entre outros aspectos – notadamente aonão fundar a sua concepção de pessoa e dignidade emqualidades (ou faculdades) inerentes a todos os sereshumanos, além de não condicionar a condição depessoa, sujeito e dignidade à racionalidade.56 Que asreflexões de Hegel acabaram alcançando uma influêncianada desprezível nos desenvolvimentos posteriores, aquinão será objeto de análise, mas há de ser consignado,bastando já uma breve referência à ênfase dada porvários autores à dimensão histórico-cultural da dignidade,como é o caso de um Niklas Luhmann e um PeterHäberle, bem como à fundamentação da dignidade nacapacidade comunicativa do ser humano e/ou noreconhecimento recíproco, como dão conta, entre outros,as teorizações de Jürgen Habermas e Axel Honneth, oque será objeto de menção e algum desenvolvimentologo mais adiante.Após traçada esta sumária evolução no âmbito daconstrução de uma concepção filosófica e secularizadade dignidade, que encontrou em Kant o seu maisaclamado (mas não único) expoente, e mesmoconsiderando a existência de diversos autores derenome, tais como Marx, Merleau-Ponty e Skinner, quetenham negado qualquer tentativa de fundamentaçãoreligiosa ou metafísica da dignidade da pessoa humana,57 bem como apesar das desastrosas experiências pelasquais tem passado a humanidade, de modo especial nodecorrer do assim intitulado “breve século XX”, 58 o fato

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é que esta – a dignidade da pessoa humana –continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugarcentral no pensamento filosófico, político e jurídico, doque dá conta a sua já referida qualificação como valorfundamental da ordem jurídica, para expressivo númerode ordens constitucionais, pelo menos para as quenutrem a pretensão de constituírem um Estadodemocrático de Direito.59 Da concepção jusnaturalista –que vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII– remanesce, indubitavelmente, a constatação de queuma ordem constitucional que – de forma direta ouindireta – consagra a ideia da dignidade da pessoahumana, parte do pressuposto de que o homem, emvirtude tão somente de sua condição humana eindependentemente de qualquer outra circunstância, étitular de direitos que devem ser reconhecidos erespeitados por seus semelhantes e pelo Estado. 60 Damesma forma, acabou sendo recepcionada,especialmente a partir e por meio do pensamento cristãoe humanista,61 uma fundamentação metafísica dadignidade da pessoa humana, que, na sua manifestaçãojurídica, significa uma última garantia da pessoa humanaem relação a uma total disponibilidade por parte dopoder estatal e social.62 Vale registrar, todavia, aarguta observação de Otfried Höffe, no sentido de queuma vinculação da noção de dignidade da pessoa àtradição judaico-cristã ou mesmo à cultura europeia,poderia justificar a crítica de que a dignidade nãoconstitui um conceito e postulado intercultural esecularizado, o que, por sua vez, acabaria sendo umobstáculo à própria universalização e – neste sentido –um fator impeditivo de uma globalização da dignidadenum contexto multicultural,63 aspecto que voltará a serreferido em outro contexto. Se a busca de umfundamento religioso para a dignidade da pessoahumana e para os direitos humanos que lhe sãocorrelatos está necessariamente vinculada a umaconcepção estrita de religião ou determinadas tradiçõesreligiosas, ou mesmo se um fundamento religioso pode,

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ao fim e ao cabo, corresponder a uma concepção nãoreligiosa (secular) de dignidade da pessoa humana, éapenas mais uma questão que aqui deixaremospropositalmente em aberto, mas que segue reclamandoatenção e desenvolvimento.642.2. A noção de dignidade da pessoa na perspectivajurídico-constitucional: tentativas de aproximação econcretizaçãoAinda que as considerações até agora tecidas já possamter lançado alguma luz sobre o significado e o conteúdoda dignidade da pessoa humana, não há como negar,de outra parte, que uma conceituação clara do queefetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitosde definição do seu âmbito de proteção como normajurídica fundamental, revela-se no mínimo difícil de serobtida, isto sem falar na questionável (e questionada)viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório doque, afinal de contas, é e significa a dignidade dapessoa humana hoje, não sendo evidentemente à toaque já houve quem – ao referir-se à dignidade humana– falou de uma “tese não interpretada” (Theodor Heuss)65 . Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamentedestacado na doutrina, decorre certamente (ao menostambém) da circunstância de que se cuida de conceitode contornos vagos e imprecisos,66 caracterizado porsua “ambigüidade e porosidade”, 67 assim como por suanatureza necessariamente polissêmica,68 muito emboratais atributos não possam ser exclusivamente atribuídosà dignidade da pessoa. Assim, embora com a devidacautela, há como acompanhar José de Melo Alexandrinoquando bem averba, em passagem ora transcrita naíntegra, que “o princípio da dignidade da pessoahumana parece pertencer àquele lote de realidadesparticularmente avessas à claridade, chegando a dar aimpressão de se obscurecer na razão directa do esforçodespendido para o clarificar”.69Uma das principais dificuldades, todavia – e aquirecolhemos a lição de Michael Sachs – reside no fato deque no caso da dignidade da pessoa, diversamente do

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que ocorre com as demais normas jusfundamentais, nãose cuida de aspectos mais ou menos específicos daexistência humana (integridade física, intimidade, vida,propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tidacomo inerente ou, como preferem outros, atribuída atodo e qualquer ser humano, de tal sorte que adignidade – como já restou evidenciado – passou a serhabitualmente definida como constituindo o valor próprioque identifica o ser humano como tal, definição estaque, todavia, acaba por não contribuir muito para umacompreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbitode proteção da dignidade,70 na sua condiçãojurídico-normativa.Mesmo assim, tal como consignou um arguto estudiosodo tema, não restam dúvidas de que a dignidade é algoreal, já que não se verifica maior dificuldade emidentificar claramente muitas das situações em que éespezinhada e agredida, 71 ainda que não seja possívelestabelecer uma pauta exaustiva de violações dadignidade.72 Com efeito, não é à toa que já se afirmouaté mesmo ser mais fácil desvendar e dizer o que adignidade não é do que expressar o que ela é. 73 Alémdisso, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência –notadamente no que diz com a construção de umanoção jurídica de dignidade74 – cuidaram, ao longo dotempo, de estabelecer alguns contornos basilares doconceito e concretizar o seu conteúdo, ainda que não sepossa falar, também aqui, de uma definição genérica eabstrata consensualmente aceita, isto sem falar noceticismo manifesto de alguns no que diz com a própriapossibilidade de uma concepção jurídica de dignidade,aspecto que, por sua vez, voltará a ser referido.75 76Neste contexto, costuma apontar-se corretamente para acircunstância de que a dignidade da pessoa humana(por tratar-se, à evidência – e nisto não diverge deoutros valores e princípios jurídicos – de categoriaaxiológica aberta) não poderá ser conceituada demaneira fixista, ainda mais quando se verifica que umadefinição desta natureza não harmoniza com o pluralismo

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e a diversidade de valores que se manifestam nassociedades democráticas contemporâneas, 77 razão pelaqual correto se afirmar que (também aqui) nosdeparamos com um conceito em permanente processode construção e desenvolvimento.78 Assim, há quereconhecer que também o conteúdo da noção dedignidade da pessoa humana, na sua condição deconceito jurídico-normativo, a exemplo de tantos outrosconceitos de contornos vagos e abertos, reclama umaconstante concretização e delimitação pela práxisconstitucional, tarefa cometida a todos os órgãosestatais.79Tal constatação, todavia, não significa que, consoanteapontam diversas vozes críticas, se deva renunciar purae simplesmente à busca de uma fundamentação elegitimação da noção de dignidade da pessoa humana enem que se deva abandonar a tarefa permanente deconstrução de um conceito que possa servir dereferencial para a concretização, já que não se deveolvidar que a transformação da dignidade em umaespécie de tabu (considerando-a como uma questãofundamental que dispensa qualquer justificação), somadaà tentação de se identificar apenas em cada casoconcreto (e em face de cada possível violação) o seuconteúdo, pode de fato resultar em uma aplicaçãoarbitrária e voluntarista da noção de dignidade.80 Natentativa, portanto, de rastrear argumentos que possamcontribuir para uma compreensão não necessariamentearbitrária e, portanto, apta a servir de baliza para umaconcretização também no âmbito do Direito, cumpresalientar, inicialmentee retomando a ideia nuclear que jáse fazia presente até mesmo no pensamento clássico –que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoahumana, é irrenunciável e inalienável, constituindoelemento que qualifica o ser humano como tal e delenão pode ser destacado, de tal sorte que não se podecogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titularde uma pretensão a que lhe seja concedida adignidade.81 Assim, compreendida como qualidade

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integrante e irrenunciável da própria condição humana,82 a dignidade pode (e deve) ser reconhecida,respeitada, promovida e protegida, não podendo,contudo (no sentido ora empregado) ser criada,concedida ou retirada (embora possa ser violada), jáque reconhecida e atribuida a cada ser humano comoalgo que lhe é inerente. Ainda nesta linha deentendimento, houve até mesmo quem afirmasse que adignidade representa “o valor absoluto de cada serhumano, que, não sendo indispensável, é insubstituível”,83 o que, como se verá mais adiante, não afasta apossibilidade de uma abordagem de cunho crítico e nãoinviabiliza,ao menos não por si só, eventual relativizaçãoda dignidade, notadamente na sua condiçãojurídico-normativa e em alguma de suas facetas.Assim, vale lembrar que a dignidade evidentemente nãoexiste apenas onde é reconhecida pelo Direito e namedida que este a reconhece. 84 Todavia, importa nãoolvidar que o Direito poderá exercer papel crucial na suaproteção e promoção, não sendo, portanto,completamente sem fundamento que se sustentou atémesmo a desnecessidade de uma definição jurídica dadignidade da pessoa humana, na medida em que, emúltima análise, se cuida do valor próprio, da natureza doser humano como tal.85 No entanto, quando se cuidade aferir a existência de ofensas à dignidade, não hácomo prescindir – na esteira do que leciona GonzálezPérez – de uma clarificação quanto ao que se entendepor dignidade da pessoa, justamente para que se possaconstatar e, o que é mais importante, coibir eventuaisviolações.86 Em verdade, como nos lembra o mesmoautor, a dignidade é tida como intangível pelo fato deque assim foi decidido, na medida e no sentido em quese decidiu, o que demonstra como se pode chegar aresultados tão díspares e até mesmo conflitantes entresi, na aplicação concreta da noção de dignidade dapessoa. 87Neste contexto, bem refutando a tese de que adignidade não constitui um conceito juridicamente

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apropriável e que não caberia – como parece sustentarHabermas 88 – em princípio, aos Juízes ingressar naesfera do conteúdo ético da dignidade, relegando taltarefa ao debate público que se processa notadamentena esfera parlamentar, assume relevo a percucienteobservação de Denninger, no sentido de que –diversamente do filósofo, para quem, de certo modo, éfácil exigir uma contenção e distanciamento no trato damatéria – para a jurisdição constitucional, quandoprovocada a intervir na solução de determinado conflitoversando sobre as diversas dimensões da dignidade, nãoexiste a possibilidade de recusar a sua manifestação,sendo, portanto, compelida a proferir uma decisão, razãopela qual já se percebe que não há como dispensaruma compreensão (ou conceito) jurídica da dignidade dapessoa humana, já que desta – e à luz do casoexaminado pelos órgãos judiciais – haverão de serextraídas determinadas consequências jurídicas. 89Além disso, como já frisado, não se deverá olvidar quea dignidade – ao menos de acordo com o que pareceser a opinião largamente majoritária – independe dascircunstâncias concretas, já que inerente a toda equalquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos– mesmo o maior dos criminosos – são iguais emdignidade, no sentido de serem reconhecidos comopessoas – ainda que não se portem de formaigualmente digna nas suas relações com seussemelhantes, inclusive consigo mesmos. Assim, mesmoque se possa compreender a dignidade da pessoahumana – na esteira do que lembra José Afonso daSilva – como forma de comportamento (admitindo-se,pois, atos dignos e indignos), ainda assim, exatamentepor constituir – no sentido aqui acolhido – atributointrínseco da pessoa humana (mas não propriamenteinerente à sua natureza, como se fosse um atributofísico!) e expressar o seu valor absoluto, é que adignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas quecometem as ações mais indignas e infames, não poderáser objeto de desconsideração. 90 Aliás, não é outro o

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entendimento que subjaz ao art. 1º da DeclaraçãoUniversal da ONU (1948), segundo o qual “todos osseres humanos nascem livres e iguais em dignidade edireitos. Dotados de razão e consciência, devem agir unspara com os outros em espírito e fraternidade”, preceitoque, de certa forma, revitalizou e universalizou – após aprofunda barbárie na qual mergulhou a humanidade naprimeira metade deste século – as premissas basilaresda doutrina kantiana.Na feliz formulação de Jorge Miranda, o fato de osseres humanos (todos) serem dotados de razão econsciência representa justamente o denominadorcomum a todos os homens, expressando em queconsiste sua igualdade.91 Também o TribunalConstitucional da Espanha, inspirado igualmente naDeclaração Universal, manifestou-se no sentido de que“a dignidade é um valor espiritual e moral inerente àpessoa, que se manifesta singularmente naautodeterminação consciente e responsável da própriavida e que leva consigo a pretensão ao respeito porparte dos demais”. 92Nesta mesma linha, situa-se a doutrina de Günter Dürig,considerado um dos principais comentadores da LeiFundamental da Alemanha da segunda metade doséculo XX. Segundo este renomado autor, a dignidadeda pessoa humana consiste no fato de que “cada serhumano é humano por força de seu espírito, que odistingue da natureza impessoal e que o capacita para,com base em sua própria decisão, tornar-se conscientede si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bemcomo de formatar a sua existência e o meio que ocircunda”. 93Assim, à luz do que dispõe a Declaração Universal daONU, bem como considerando os entendimentoscolacionados em caráter exemplificativo,verifica-se que oelemento nuclear da noção de dignidade da pessoahumana parece continuar sendo reconduzido – e adoutrina majoritária conforta esta conclusão –primordialmente à matriz kantiana, centrando-se,

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portanto, na autonomia e no direito de autodeterminaçãoda pessoa (de cada pessoa). 94 Nesta mesma linha deentendimento, Gomes Canotilho refere que o princípiomaterial que subjaz à noção de dignidade da pessoahumana consubstancia-se “no princípio antrópico queacolhe a ideia pré-moderna e moderna dadignitas-hominis (Pico della Mirandola) ou seja, doindivíduo conformador de si próprio e da sua vidasegundo o seu próprio projeto espiritual ( plastes etfictor)”. 95Importa, contudo, ter presente a circunstância de queesta liberdade (autonomia) é considerada em abstrato,como sendo a capacidade potencial que cada serhumano tem de autodeterminar sua conduta, nãodependendo da sua efetiva realização no caso dapessoa em concreto, de tal sorte que também oabsolutamente incapaz (por exemplo, o portador degrave deficiência mental) possui exatamente a mesmadignidade que qualquer outro ser humano física ementalmente capaz. 96 Ressalte-se, por oportuno, quecom isso não estamos a sustentar a equiparação, masa intrínseca ligação entre as noções de liberdade edignidade, já que, como ainda teremos ocasião demelhor analisar, a liberdade e, por conseguinte, tambémo reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade(e dos direitos fundamentais de um modo geral),constituem uma das principais (senão a principal)exigências da dignidade da pessoa humana.Por outro lado, há quem aponte para o fato de que adignidade da pessoa não deve ser considerada, pelomenos não exclusivamente, como algo inerente ànatureza humana (no sentido de uma qualidade inatapura e simplesmente), isto na medida em que adignidade possui também um sentido cultural, sendofruto do trabalho de diversas gerações e da humanidadeem seu todo, razão pela qual as dimensões natural ecultural da dignidade da pessoa se complementam einteragem mutuamente, refutando-se a tese de que adimensão ontológica da dignidade possa ser equiparada

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a uma dimensão por assim dizer biológica.97 98 Talcircunstância, importa consignar, que já havia sidoreconhecida pelo Tribunal Constitucional Federal daAlemanha, em referencial decisão, 99 restou igualmenteconsagrada em outras ordens constitucionais. Com efeito,de acordo com a seguinte passagem extraída dedecisão do Tribunal Constitucional de Portugal, revelandoesta inequívoca dimensão histórico-cultural da dignidadeda pessoa humana e que aqui se amolda perfeitamente,“a idéia de dignidade da pessoa humana, no seuconteúdo concreto – nas exigências ou corolários emque se desmultiplica– não é algo puramente apriorístico,mas que necessariamente tem de concretizar-sehistórico-culturalmente”.100 Neste contexto, importamencionar que a dignidade da pessoa humana, comosímbolo lingüístico que também é (e como tal tem sidoutilizada), não tendo, como já frisado, um conteúdouniversal e fixo, no sentido de representar umadeterminada e imutável visão de mundo e concepçãomoral, dificilmentepoderá ser traduzida por uma fórmulaque tenha a pretensão de ser “a verdadeira” noção dedignidade da pessoa humana, mas acaba, pelo menosem parte, sendo permanente objeto de reconstrução erepactuação quanto ao seu conteúdo e significado. 101Ainda a respeito deste ponto, vale registrar a lição deErnst Benda, de acordo com o qual, para que a noçãode dignidade não se desvaneça como mero apelo ético,impõe-se que seu conteúdo seja determinado nocontexto da situação concreta da conduta estatal e docomportamento de cada pessoa humana. 102É justamente neste sentido que assume particularrelevância a constatação de que a dignidade da pessoahumana é simultaneamente limite e tarefa dos poderesestatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, detodos e de cada um, condição dúplice esta que tambémaponta para uma paralela e conexa dimensão defensivae prestacional da dignidade, que voltará a ser referidaoportunamente. 103Recolhendo aqui a lição de Podlech, poder-se-á afirmar

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que, na condição de limite da atividade dos poderespúblicos, a dignidade necessariamente é algo quepertence a cada um e que não pode ser perdido oualienado, porquanto, deixando de existir, não haveriamais limite a ser respeitado (este sendo considerado oelemento fixo e imutável da dignidade). Como tarefa(prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoareclama que este guie as suas ações tanto no sentidode preservar a dignidade existente, quanto objetivando apromoção da dignidade, especialmente criando condiçõesque possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade,sendo portanto dependente (a dignidade) da ordemcomunitária, já que é de se perquirir até que ponto épossível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial outotalmente, suas necessidades existenciais básicas ou senecessita, para tanto, do concurso do Estado ou dacomunidade (este seria, portanto, o elemento mutável dadignidade), constatação esta que remete a uma conexãocom o princípio da subsidiariedade, que assume umafunção relevante também neste contexto. 104 105Como bem apontam Karl-Heinz Ladeur e Ino Augsberg,numa perspectiva negativa, se pode reconhecer – nadignidade da pessoa humana – uma espécie de “Sinalde Pare”, no sentido de uma barreira absoluta eintransponível (um limite!) inclusive para os atoresestatais, protegendo a individualidade e autonomia dapessoa contra qualquer tipo de interferência por partedo Estado e de terceiros, de tal sorte a assegurar opapel do ser humano como sujeito de direitos. Já noque diz com o conteúdo material desta dignidade (sejana dimensão negativa, seja na positiva, poderíamosagregar) e as suas efetivas consequências jurídicas, esteacaba por adquirir eficácia e efetividade apenas na suarelação com as condições sociais vigentes, de tal sorteque dela (da dignidade da pessoa humana na condiçãode princípio constitucional) não se pode extrair nenhumadecisão de caráter metafísico sobre a natureza humana,visto se tratar, neste contexto, de uma construçãodotada de sentido eminentemente jurídico-prático.106

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Desde logo, percebe-se (ao menos assim o esperamos)que com o reconhecimento de uma dimensão cultural eprestacional da dignidade não se está a aderir àconcepção da dignidade como prestação, 107 ao menosnão naquilo em que se sustenta ser a dignidade nãoum atributo ou valor inato e intrínseco ao ser humano,mas sim, eminentemente uma condição conquistada pelaação concreta de cada indivíduo, não sendo tarefa dosdireitos fundamentais assegurar a dignidade, mas sim, ascondições para a realização da prestação. 108 Comefeito, para Luhmann – tido como principal representantedesta corrente – a pessoa alcança (conquista) suadignidade a partir de uma conduta autodeterminada eda construção exitosa da sua própria identidade.109 Talconcepção, que chegou a ser qualificada como umequívoco sociológico ( ein soziologisches Missverständnis),110 também não corresponde às exigências do estadoconstitucional e de sua cultura, já que também aqueleque nada “presta” para si próprio ou para os outros(tal como ocorre com o nascituro, o absolutamenteincapaz, etc.) evidentemente não deixa de ter dignidadee, para além disso, não deixa de ter o direito de vê-larespeitada e protegida. 111 Para além disso, aponta-separa o fato de que o problema da concepção deLuhmann reside mais propriamente na circunstância deque a tarefa do Estado em proteger o processo deformação da personalidade restaria inviabilizada em seatribuindo esta proteção apenas ao resultado eexpressão da construção da identidade.112 Assim, muitoembora não se possa afirmar – por questão de justiça– que Luhmann tenha sustentado a ausência ou aperda da dignidade para aqueles que não se encontramem condições de construí-la por suas próprias forças(tendo tido inclusive o mérito de destacar a necessáriadimensão social e comunicativa da dignidade), o fato éque a concepção da dignidade como prestação, nosentido ora criticado e levada ao extremo, acaba porcolocar desnecessariamente em risco uma proteçãojurídica efetiva da dignidade da pessoa humana. 113

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Fechado o parêntese e na perspectiva já sinalizada(dignidade como limite e tarefa), sustenta-se que umadimensão dúplice da dignidade manifesta-se enquantosimultaneamente expressão da autonomia da pessoahumana (vinculada à ideia de autodeterminação no quediz com as decisões essenciais a respeito da própriaexistência), bem como da necessidade de sua proteção(assistência) por parte da comunidade e do Estado,especialmente quando fragilizada ou até mesmo – eprincipalmente – quando ausente a capacidade deautodeterminação.114 Assim, a dignidade, na suaperspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana,poderá, dadas as circunstâncias, prevalecer em face dadimensão autonômica, de tal sorte que, todo aquele aquem faltarem as condições para uma decisão própria eresponsável (de modo especial no âmbito da biomedicinae bioética) poderá até mesmo perder – pela nomeaçãoeventual de um curador ou submissão involuntária atratamento médico e/ou internação – o exercício pessoalde sua capacidade de autodeterminação, restando-lhe,contudo, o direito a ser tratado com dignidade(protegido e assistido).115Tal concepção encontra-se, de resto – ereconhecidamente – embasada na doutrina de Dworkin,que, demonstrando a dificuldade de se explicar umdireito a tratamento com dignidade daqueles que, dadasas circunstâncias (como ocorre nos casos de demênciae das situações nas quais as pessoas já não logramsequer reconhecer insultos a sua autoestima ou quandojá perderam completamente sua capacidade deautodeterminação), ainda assim devem receber umtratamento digno. 116 Dworkin, portanto, parte dopressuposto de que a dignidade possui “tanto uma vozativa quanto uma voz passiva e que ambasencontram-se conectadas”, de tal sorte que é no valorintrínseco (na “santidade e inviolabilidade”) da vidahumana, 117 de todo e qualquer ser humano, queencontramos a explicação para o fato de que mesmoaquele que já perdeu a consciência da própria dignidade

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merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada.118 O próprio Dworkin, por sua vez, acabareportando-se direta e expressamente à doutrina deKant, ao relembrar que o ser humano não poderájamais ser tratado como objeto, isto é, como meroinstrumento para realização dos fins alheios, destacando,todavia, que tal postulado não exige que nunca secoloque alguém em situação de desvantagem em prolde outrem, mas sim, que as pessoas nunca poderãoser tratadas de tal forma que se venha a negar aimportância distintiva de suas próprias vidas. 119 Nestecontexto, vale registrar, ainda, que mesmo Kant nuncaafirmou que o homem, num certo sentido, não possaser “instrumentalizado” de tal sorte que venha a servir,espontaneamente e sem que com isto venha a serdegradado na sua condição humana, à realização de finsde terceiros, como ocorre, de certo modo, com todoaquele que presta um serviço a outro. Com efeito, Kantrefere expressamente que o Homem constitui um fimem si mesmo e não pode servir “simplesmente comomeio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.120 Ainda nesta perspectiva, já se apontou – comrazão, no nosso sentir – para o fato de que odesempenho das funções sociais em geral encontra-sevinculado a uma recíproca sujeição, de tal sorte que adignidade da pessoa humana, compreendida comovedação da instrumentalização humana, em princípioproíbe a completa e egoística disponibilização do outro,no sentido de que se está a utilizar outra pessoaapenas como meio para alcançar determinada finalidade,de tal sorte que o critério decisivo para a identificaçãode uma violação da dignidade passa a ser (pelo menosem muitas situações, convém acrescer) o do objetivo daconduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar)o outro. 121Assim, seguindo uma tendência que parece estarconduzindo a uma releitura e recontextualização dadoutrina de Kant (ao menos naquilo em queaparentemente se encontra centrada exclusivamente na

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noção de autonomia da vontade e racionalidade), valereproduzir a lição de Dieter Grimm, eminente publicista eMagistrado germânico, ao sustentar que a dignidade, nacondição de valor intrínseco do ser humano, gera parao indivíduo o direito de decidir de forma autônomasobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmoonde esta autonomia lhe faltar ou não puder seratualizada, ainda assim ser considerado e respeitado pelasua condição humana. 122Ainda no que diz com a tentativa de clarificação dosentido da dignidade da pessoa humana, importaconsiderar que apenas a dignidade de determinada (oude determinadas) pessoa é passível de serdesrespeitada, inexistindo atentados contra a dignidadeda pessoa em abstrato. 123 Vinculada a esta ideia, que– como visto – já transparecia no pensamento kantiano,encontra-se a concepção de que a dignidade constituiatributo da pessoa humana individualmente considerada,e não de um ser ideal ou abstrato, razão pela qual nãose deverá confundir as noções de dignidade da pessoae de dignidade humana, quando esta for referida àhumanidade como um todo. 124 Registre-se, nestecontexto, o significado da formulação adotada pelo nossoConstituinte de 1988, ao referir-se à dignidade dapessoa humana como fundamento da República e donosso Estado democrático de Direito.125 Neste sentido,bem destaca Kurt Bayertz, na sua dimensão jurídica einstitucional,a concepção de dignidade humana tem porescopo o indivíduo (a pessoa humana), de modo aevitar a possibilidade do sacrifício da dignidade dapessoa individual em prol da dignidade humana comobem de toda a humanidade ou na sua dimensãotransindividual. 126Por outro lado, pelo fato de a dignidade da pessoaencontrar-se ligada à condição humana de cadaindivíduo, não há como descartar uma necessáriadimensão comunitária (ou social) desta mesma dignidadede cada pessoa e de todas as pessoas, justamente porserem todos iguais em dignidade e direitos (na iluminada

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fórmula da Declaração Universal de 1948) e pelacircunstância de nesta condição conviverem emdeterminada comunidade ou grupo. O próprio Kant – aomenos assim nos parece – sempre afirmou (ou, pelomenos, sugeriu) o caráter intersubjetivo e relacional dadignidade da pessoa humana, sublinhando inclusive aexistência de um dever de respeito no âmbito dacomunidade dos seres humanos. Para o filósofo deKönigsberg, “é verdade que a humanidade poderiasubsistir se ninguém contribuísse para a felicidade dosoutros, contanto que também lhes não subtraísse nadaintencionalmente; mas se cada qual se não esforçassepor contribuir na medida das suas forças para os finsde seus semelhantes, isso seria apenas umaconcordância negativa e não positiva com a humanidadecomo um fim em si mesmo. Pois se um sujeito é umfim em si mesmo, os seus fins têm de ser quantopossível os meus, para aquela idéia poder exercer emmim toda a sua eficácia”.127Neste mesmo contexto, assume relevo a lição de PérezLuño, que, na esteira de Werner Maihofer e, de certaforma, também retomando a noção kantiana, sustentauma dimensão intersubjetiva da dignidade, partindo dasituação básica do ser humano em sua relação com osdemais (do ser com os outros), ao invés de fazê-lo emfunção do homem singular, limitado a sua esferaindividual,128 sem que com isto – importa frisá-lo desdelogo – se esteja a advogar a justificação de sacrifíciosda dignidade pessoal em prol da comunidade. Quanto aeste ponto, assim como relativamente à possibilidade dese estabelecerem restrições à liberdade e autonomiapessoal, bem como à própria dignidade, ainda teremosoportunidade de nos pronunciar.Seguindo – ao menos assim o parece – esta linha deentendimento, vale lembrar a lição de Franck Moderne,referindo que, para além de uma concepção ontológicada dignidade – como qualidade inerente ao ser humano(que, de resto, não se encontra imune a críticas) –importa considerar uma visão de caráter mais

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“instrumental”, traduzida pela noção de uma igualdignidade de todas as pessoas, fundada na participaçãoativa de todos na “magistratura moral” coletiva, nãorestrita, portanto, à ideia de autonomia individual, masque – pelo contrário – parte do pressuposto danecessidade de promoção das condições de umacontribuição ativa para o reconhecimento e proteção doconjunto de direitos e liberdades indispensáveis ao nossotempo. 129 De qualquer modo, o que importa, nestaquadra, é que se tenha presente a circunstância,oportunamente destacada por Gonçalves Loureiro, deque a dignidade da pessoa humana – no âmbito de suaperspectiva intersubjetiva – implica uma obrigação geralde respeito pela pessoa (pelo seu valor intrínseco comopessoa), traduzida num feixe de deveres e direitoscorrelativos, de natureza não meramente instrumental,mas sim, relativos a um conjunto de bens indispensáveisao “florescimento humano”. 130Em verdade – e tal aspecto consideramos deve serdestacado –, a dignidade da pessoa humana (assimcomo – na esteira de Hannah Ahrendt – a própriaexistência e condição humana), 131 sem prejuízo de suadimensão ontológica e, de certa forma, justamente emrazão de se tratar do valor próprio de cada uma e detodas as pessoas, apenas faz sentido no âmbito daintersubjetividade e da pluralidade. Aliás, também poresta razão é que se impõe o seu reconhecimento eproteção pela ordem jurídica, que deve zelar para quetodos recebam igual (já que todos são iguais emdignidade) consideração e respeito por parte do Estadoe da comunidade, o que, de resto, aponta para adimensão política da dignidade, igualmente subjacente aopensamento de Hannah Ahrendt, no sentido de que apluralidade pode ser considerada como a condição (enão apenas como uma das condições) da ação humanae da política.132 Na perspectiva ora apontada, valeconsignar a lição de Jürgen Habermas, considerando quea dignidade da pessoa, numa acepção rigorosamentemoral e jurídica, encontra-se vinculada à simetria das

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relações humanas, de tal sorte que a sua intangibilidade(o grifo é do autor) resulta justamente das relaçõesinterpessoais marcadas pela recíproca consideração erespeito. 133 Para além disso, Habermas lembra queapenas no âmbito do espaço público da comunidade dalinguagem, o ser natural se torna indivíduo e pessoadotada de racionalidade.134 Embora não exatamente namesma perspectiva proposta por Habermas, mas emsentido próximo, é possível acolher a tese de que adignidade humana “é um acontecimento que não se dásenão em um encontro humano, ou seja, na realizaçãoda liberdade ética”.135 Assim, como bem destaca HassoHofmann, a dignidade necessariamente deve sercompreendida sob perspectiva relacional e comunicativa,constituindo uma categoria da co-humanidade de cadaindivíduo ( Mitmenschlichkeitdes Individuums), 136 de talsorte que, na esteira da lição de Peter Häberle, aconsideração e reconhecimento recíproco da dignidadeno âmbito da comunidade pode ser definida como umaespécie de “ponte dogmática”, ligando os indivíduos entresi. 137 Tais considerações, conforme já anunciado,retomam aspectos da filosofia de Hegel e confirmam atendência – correta também no nosso entender – de seatribuir ao reconhecimento um papel central também noâmbito da dignidade da pessoa humana e dos direitosfundamentais, como, por exemplo, se pode verificar naconcepção teórica formulada por autores como um AxelHonneth, 138 mas que aqui não temos a pretensão deexplorar.Tais desenvolvimentos em torno da natureza relacional ecomunicativa da dignidade da pessoa humana, aomesmo tempo em que acabaram contribuindo,consoante já referido, para a superação de umaconcepção eminentemente especista (biológica) – e,portanto, necessariamente reducionista e vulnerável – dapeculiar e específica dignidade dos seres humanos (que,por si só, não afasta uma possível consideração dadignidade da vida de um modo geral), permitem vinculara igual dignidade de todas as pessoas humanas (assim

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como sua igualdade prima facie em direitos) também àqualidade comum, recentemente apontada com ênfasepor Francis Fukuyuma, de que como seres humanos“partilhamos uma humanidade comum que permite atodo o ser humano se comunicar potencialmente comtodos os demais seres humanos no planeta e entrarnuma relação moral com eles”. 139Outra indagação que desafia uma análise maisaprofundada diz com a já anunciada contextualizaçãohistórico-cultural da dignidade da pessoa humana. Comefeito, é de perguntar-se até que ponto a dignidade nãoestá acima das especifidades culturais, que, muitasvezes, justificam atos que, para a maior parte dahumanidade são considerados atentatórios à dignidade dapessoa humana, mas que, em certos quadrantes, sãotidos por legítimos, encontrando-se profundamenteenraizados na prática social e jurídica de determinadascomunidades. Em verdade, ainda que se pudesse ter oconceito de dignidade como universal, isto é, comum atodas as pessoas em todos os lugares, não haveriacomo evitar uma disparidade e até mesmoconflituosidade sempre que se tivesse de avaliar se umadeterminada conduta é, ou não, ofensiva da dignidade.140 Nesta linha de entendimento, parece situar-se opensamento de Dworkin que, ao sustentar a existênciade um direito das pessoas de não serem tratadas deforma indigna, refere que qualquer sociedade civilizadatem seus próprios padrões e convenções a respeito doque constitui esta indignidade, critérios que variamconforme o local e a época. 141Neste contexto, basta lembrar a prática da pena demorte por expressivo número de estadosnorte-americanos, considerada – embora não de formaunânime – constitucional pela Suprema Corte, que, porsua vez, tem entendido serem inconstitucionaisdeterminadas técnicas de executar a pena capital, combase n a proibição da aplicação de penas cruéis edesumanas ( cruel and unusual punishment ) prevista naoitava emenda de 1791. Neste sentido, em relativamente

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recente decisão envolvendo recurso impetrado por umcondenado à morte no estado de Washington, aSuprema Corte reconheceu que a morte porenforcamento constitui prática atentatória à dignidade dapessoa humana, notadamente, pelo fato de infligir – aomenos em relação aos outros meios utilizados (injeçãoletal e eletrocutamento) – sofrimento desnecessário aosentenciado, já que constatada a possibilidade maior deuma postergação do estado de inconsciência e morte,com risco de asfixia lenta e até mesmo de decapitaçãoparcial ou total, verificada em diversos casos. 142 Assim,de maneira que para nós (ao menos no que diz com avedação constitucional da pena de morte vigente entrenós, salvo a exceção de guerra declarada) se revela umtanto paradoxal, verifica-se que a pena de morte, em simesma, parece não ferir a dignidade, desde queaplicada dignamente?! Como se percebe desde logo, oproblema da dignidade da pessoa, do seureconhecimento e proteção numa ambiência multicultural,constitui tema fascinante e que está longe de alcançar otratamento desejável, mas que, pelos seusdesdobramentos peculiares, haverá de ser deixado emabert o neste estudo. 143Com base no que até agora foi exposto, verifica-se quereduzir a uma fórmula abstrata e genérica tudo aquiloque constitui o conteúdo da dignidade da pessoahumana, em outras palavras, a definição do seu âmbitode proteção ou de incidência (em se considerando suacondição de norma jurídica), não parece ser possível, oque, por sua vez, não significa que não se possa oudeva buscar uma definição, que, todavia, acabaráalcançando pleno sentido e operacionalidade em face docaso concreto. Com efeito, para além dos aspectosventilados, a busca de uma definição necessariamenteaberta mas minimamente objetiva impõe-se justamenteem face da exigência de um certo grau de segurança eestabilidade jurídica, bem como para evitar que adignidade continue a justificar o seu contrário. 144 Comoponto de partida nesta empreitada, vale citar a fórmula

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desenvolvida por Dürig, na Alemanha, para quem (naesteira da concepção kantiana) a dignidade da pessoahumana poderia ser considerada atingida sempre que apessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto,a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outraspalavras, sempre que a pessoa venha a serdescaracterizada e desconsiderada como sujeito dedireitos.145Como bem consignou Michael Sachs, tal fórmula partede uma definição da dignidade considerando seu âmbitode proteção, traduzindo uma opção por uma perspectivaque prefere determinar este âmbito de proteção a partirde suas violações no caso concreto. 146 Esta concepção,muito embora largamente (mas não exclusivamente)acolhida e adotada também – ao menos em expressivonúmero de decisões – pelo Tribunal FederalConstitucional da Alemanha,147 por evidente não poderáoferecer uma solução global para o problema, já quenão define previamente o que deve ser protegido (eneste sentido também segue sendo uma fórmula“aberta”), 148 mas permite a verificação, à luz dascircunstâncias do caso concreto, da existência de umaefetiva violação da dignidade da pessoa humana,fornecendo, ao menos, um caminho a ser trilhado, detal sorte que, ao longo do tempo, doutrina ejurisprudência encarregaram-se de identificar uma sériede posições que integram a noção de dignidade dapessoa humana e que, portanto, reclamam a proteçãopela ordem jurídica. 149O que se percebe, em última análise, é que onde nãohouver respeito pela vida e pela integridade física emoral do ser humano, onde as condições mínimas parauma existência digna não forem asseguradas, onde nãohouver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e aautonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e osdireitos fundamentais não forem reconhecidos eminimamente assegurados, não haverá espaço para adignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), porsua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio

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e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de quetambém para a ordem jurídico-constitucional aconcepção do homem-objeto (ou homem-instrumento),com todas as consequências que daí podem e devemser extraídas, constitui justamente a antítese da noçãode dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, nãopossa ser, por sua vez, exclusivamente formulada nosentido negativo (de exclusão de atos degradantes edesumanos), já que assim se estaria a restringirdemasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.150Isto, por sua vez, remete-nos ao delicado problema deum conceito minimalista ou maximalista (ótimo) dedignidade, aspecto que voltará a ser referidooportunamente.Do até agora exposto, há como sustentar, comsegurança, o caráter multidimensional da dignidade dapessoa humana, considerando sua dimensão ontológica(embora não necessariamente biológica), sua dimensãohistórico-cultural e sua dupla dimensão (ou função)negativa e prestacional, ao que se poderia ainda agregara igualmente dupla dimensão objetiva e subjetiva dadignidade, na condição de princípio e norma embasadorade direitos fundamentais, tema que, embora nãoexatamente desenvolvido sob este rótulo (dimensãoobjetiva e subjetiva) será abordado mais adiant e. 151Além disso e a partir das considerações já tecidas,embora a abertura e o caráter multidimensional dadignidade da pessoa humana (e também justamente emfunção disso), a dignidade não tem sido e não énecessariamente uma fórmula vazia e meramenteretórica, ainda que assim muitas vezes tenha sidotratada, aspecto que voltará a ser objeto de nossaatenção.Por outro lado, encerramos esta etapa do nosso estudoousando formular proposta de conceituação (jurídica) dadignidade da pessoa humana que, além de reunir adupla perspectiva ontológica e instrumental referida,procura destacar tanto a sua necessária facetaintersubjetiva e, portanto, relacional, quanto a sua

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dimensão simultaneamente negativa (defensiva) e positiva(prestacional). De outra parte, levando em conta ocompromisso com uma noção inclusiva da dignidade dapessoa humana, que implica também, além dacompatibilidade com uma concepção afinada com asdiversidades culturais, consideramos também, naformulação do conceito, a necessária dimensão ecológicada dignidade. Embora tal dimensão não seja equivalenteem si ao reconhecimento de uma dignidade da vida nãohumana (pois ambas, embora relacionadas, não sepodem confundir), ela aponta, como já referido, adeveres para com a natureza. 152O conceito que se propõe, vale repisar, representa umaproposta em processo de reconstrução, visto que jásofreu dois ajustes desde a primeira edição, com ointuito da máxima afinidade possível com uma concepçãomultidimensional, aberta e inclusiva de dignidade dapessoa humana. Assim sendo, temos por dignidade dapessoa humana a qualidade intrínseca e distintivareconhecida em cada ser humano que o faz merecedordo mesmo respeito e consideração por parte do Estadoe da comunidade, implicando, neste sentido, umcomplexo de direitos e deveres fundamentais queassegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer atode cunho degradante e desumano, como venham a lhegarantir as condições existenciais mínimas para uma vidasaudável , 153 além de propiciar e promover suaparticipação ativa e co-responsável nos destinos daprópria existência e da vida em comunhão com osdemais seres humanos, mediante o devido respeito aosdemais seres que integram a rede da vida.Tal proposta conceitual, de outra parte, há de sersempre testada à luz da relação entre a dignidade dapessoa humana e os direitos fundamentais, visto ser noâmbito desta relação (dinâmica e recíproca) que oconteúdo tanto da dignidade quanto dos direitosfundamentais – por mais que não haja uma identificaçãoabsoluta entre ambas as noções – poderá serdevidamente concretizado e tornado operativo, apto a

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produzir as necessárias consequências na esfera jurídica.É disso, entre outros aspectos, que tratam precisamenteos desenvolvimentos subsequentes, aos quaisremetemos.Notas6 Cumpre registrar que o termo dignidade, aquiempregado como relacionado à pessoa humana,costuma ser utilizado em outras situações, de tal sorteque se fala até mesmo em dignidade de certos cargos,funções, instituições. De outra parte, considerando aperspectiva jurídico-constitucional deste ensaio, convémsinalar também que, mesmo no tocante ao conceito econteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, foino âmbito da literatura jurídico-constitucional que, emregra, acabou concentrando-se a coleta de materialbibliográfico, muito embora a inserção gradativa, ao longodas diversas edições, de aportes filosóficos.7 Cfr. B. Edelman, “La dignité de la personne humaine,un concept nouveau”, in: M.-L. Pavia et T. Revett (Dir),La dignité de la personne , p. 25.8 Cf. E. C. B. Bittar, “Hermenêutica e Constituição: adignidade da pessoa humana como legado àpós-modernidade”, in: A. Almeida Filho; P. Melgaré(Orgs.), Dignidade da Pessoa Humana. Fundamentos eCritérios Interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p.246-247.9 Basta lembrar aqui a conhecida passagem do livro deGenesis, de que Deus criou o Homem à sua imagem esemelhança, para governar sobre os demais seres vivose sobre a terra (Genesis 1: 26). Tal ideia, de resto,volta a aparecer de modo emblemático na TrajédiaGrega Antígona, de Sófocles, na passagem onde oHomem é apresentado como maior milagre na terra ecomo senhor de todos os seres vivos.10 C. Starck, in: Bonner Grundgesetz , p. 34-35,destacando, todavia, que não se haverá de encontrarna Bíblia um conceito de dignidade, mas sim, umaconcepção do ser humano que serviu e até hoje temservido como pressuposto espiritual para o

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reconhecimento e construção de um conceito e de umagarantia jurídico-constitucional da dignidade da pessoa,que, de resto, acabou passando por um processo desecularização, notadamente no âmbito do pensamentoKantiano.11 Cf., dentre tantos, Podlech, in: Alternativ Kommentar ,vol. I, p. 275. Aliás, também hoje ainda costuma-sefazer uso desta dimensão específica da dignidade, razãopela qual, na literatura francesa, há quem utilize aexpressão “dignité honneur”. Neste sentido, v., entreoutros, B. Maurer, Notes sur le respect de la dignitéhumaine ... ou petite fugue inachevée autour d’unthème central, in: A. Seriaux et. al. Le Droit, la Médicineet L’être Humain , p. 188.12 Entre nós, v. as belas páginas de F. K. Comparato,A afirmação histórica dos direitos humanos ,especialmente p. 11 e ss., retratando a evolução danoção de pessoa humana e sua dignidade. Tambémdiscorrendo sobre a evolução da noção de dignidadehumana, v., E. R. Rabenhorst, Dignidade Humana eMoralidade Democrática , p. 13 e ss. No mesmo sentido,v. R. Zippelius, in: Bonner Kommentar , p. 8-9,referindo-se ao pensamento do filósofo e político romanoCícero. Também M. Renaud, A dignidade do ser humanocomo fundamentação ética dos direitos do homem , in:Brotéria nº 148 (1999), p. 137, destaca o pensamentode Cícero, informando que este filósofo estóico conferiu àdignidade um sentido mais amplo, fundado na naturezahumana e na posição superior ocupada pelo serhumano no cosmos. Neste contexto, O. Höffe. Medizinohne Ethik , p. 60, lembra que na China, por volta doséculo IV a.C., o sábio confucionista Meng Zi afirmavaque cada homem nasce com uma dignidade que lhe éprópria, atribuída por Deus, e que é indisponível para oser humano e os governantes. Também G.Peces-BarbaMartínez, La dignidad de la persona desde la filosofía delderecho , p. 21 e ss., oferece uma série de referênciasdemonstrando que a noção de dignidade da pessoa,ainda que não diretamente referida sob este rótulo, já

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se encontrava subjacente a uma série de autores daantiguidade, inclusive além das fronteiras do mundoclássico greco-romano e cristão ocidental. Aprofundandoo tema da dignidade humana no pensamento clássico,notadamente nas obras de Platão, Aristóteles, Cícero eSêneca, v. A. Pele, La Dignidad Humana. Sus orígenesen el pensamiento clásico , Madrid: Dykinson, 2010.13 Cf. M.T. Cícero, Dos Deveres , Livro III, VI. 27, p.137.14 Cf. C.M. Ruiz, “The Idea of Human Dignity”, in:Jahrbuch des öffentlichen Rechts – Neue Folge , vol. 50,2002, p. 282-4, que, de resto, apresenta a evolução danoção de dignidade na esfera do pensamento teológicoe filosófico. Em sentido similar, v. também U. Vincenti,Diritti e Dignità Umana , Bari: Editori Laterza, 2009, p.12 e ss.15 Buscando demonstrar – além de outros aspectosrelevantes – que o princípio da dignidade da pessoahumana, tal qual compreendido atualmente, corresponde,em termos gerais, muito mais à tradição dos “antigos”(a noção de dignidade vinculada a honra, imagem,posição social, respeito) do que a uma concepçãocontemporânea, posterior a II Grande Guerra Mundial, v.S. Hennette-Vauchez, “A Human Dignitas? TheContemporary Principle of Human Dignity as a MereReappraisal of an Ancient Legal Concept”, EUI WorkingPapers, LAW 2008/18, European University Institute,Depar- tment of Law , p. 1-24 (http://cadmus.eui.eu)16 Cf. P. Becchi, “O princípio da dignidade humana”, in:Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, vol. 7,julho/setembro 2008. p. 192-93.17 C f. M. Ruotolo, “Appunti sulla dignità umana”, in:Direitos Fundamentais & Justiça , n. 11, abr./jun. 2010,p. 125-26.18 Cf. V. C. F. dos Santos, A Dignidade da PessoaHumana nas Decisões Judiciais: uma Exploração daTradição Kantiana no Estado Democrático de DireitoBrasileiro, dissertação de mestrado, São Leopoldo,UNISINOS, 2007, p. 15-16.

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19 Cf., mais uma vez, os desenvolvimentos, devidamentedocumentados com referências extraídas da obra deBoécio, de V.C.F. dos Santos, A Dignidade da PessoaHumana nas Decisões Judiciais..., p. 16-17.20 Cf. K. Stern, Das Staatsrecht der BundesrepublikDeutschland , vol. III/1, p. 7.21 Cf. M. Herdegen, “Neuarbeitung von Art. 1 Abs.1 –Schutz der Menschenwürde”, in: Maunz-Dürig,Grundgesetz Kommentar , p. 7, mediante referênciadireta a trechos extraídos da obra de Tomás de Aquino(no caso, a sua Summa Theologica)22 Cf. G. Picco della Mirandola, Discurso sobre adignidade do homem , p. 52-3. Sobre a dignidade (dapessoa) humana no contexto e no pensamentohumanista da Renascença e na tradição cristã v., portodos e recentemente, R. Gröschner, S. Kirste e O.W.Lembcke (Ed.), Des Menschen Würde – entdeckt underfunden im Humanismus der italienischen Renaissance ,Tübingen: Mohr Siebeck, 2008, contendo um seletoelenco de contribuições sobre o tema.23 Cf. M. Kriele, Einführung in die Staatslehre, p. 212.24 Cf., aponta, por todos, P. Bechi, “O princípio dadignidade humana”, p. 194 e ss.25 Cf., referência de P. Bechi, idem, p. 194.26 V. aqui também a síntese de P. Bechi, “O princípioda dignidade humana”, p. 194.27 Cf. T. Hobbes, Leviatã , capítulo X, p. 54.28 Cf. T. Hobbes, idem, p. 54.29 Cf. também M. Kriele , Einführung in die Staatslehre ,p. 214, bem como Podlech, Alternativ Kommentar , vol.I, p. 275. Para C. Starck, Menschenwürde alsVerfassungsgarantie..., p. 460, Pufendorf fundamentasua concepção de dignidade na natureza social do serhumano, considerando a dignidade da pessoa humanacomo a base da liberdade eticamente vinculada e daigualdade dos homens.30 Cf., novamente, P. Bechi, “O princípio da dignidadehumana”, p. 194-95.31 Sobre a conexão entre as noções de autonomia,

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liberdade e dignidade em Kant, v., entre nós,especialmente e por último T. Weber, “Autonomia eDignidade da Pessoa Humana em Kant”, in: DireitosFundamentais & Justiça , nº 9, out./dez, 2009, p. 232 ess.32 Sobre as distinções entre uma concepção religiosa(cristã) e laica (secular) de dignidade, v., dentre outros,as ponderações de P. Cliteur e R. van Wissen, “Humandignity as the foundation for human rights”, in:Rechtstheorie 35 (2004), p. 160-61, apontando duasdiferenças essenciais: a) de acordo com a tradição laica,a dignidade é autônoma, no sentido de não derivada deum criador; b) para a tese secular, a dignidade é“completa”, já que não se a pode deduzir de umapercepção dos sentidos, que seria própria dopensamento cristão.33 Cf. G. Frankenberg, Autorität und Integration, p.270, lembrando que a partir de Kant (embora comdesenvolvimentos anteriores) o ponto de arquimedes damoderna compreensão de dignidade passou a ser aautonomia ética, evidenciada por meio da capacidade deo homem dar-se as suas próprias leis.34 Cf. bem lembra V. C. F. dos Santos, A Dignidade daPessoa Humana nas Decisões Judiciais..., p. 131.35 Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes , in:Os Pensadores, p. 134 e 141. De acordo com a versãooriginal em alemão, Kant, Grundlegung zur Metaphysikder Sitten, especialmente, p. 59 e 69.36 Cf. T. Weber, “Autonomia e Dignidade da PessoaHumana em Kant”, op. cit., 233.37 Kant. Fundamentos ..., p. 134-35. Para conferênciacom o original em alemão (Cf. Kant, Grundlegung ... , p.59-60): “nun sage ich: der Mensch, und überhauptjedes vernünftige Wesen, existiert als Zweck a n sichselbst, nicht bloss als Mittel zum beliebigen Gebrauche fürdiesen oder jenenWillen, sondern muss in allein sein,sowohl auf sich selbst, als auch auf andere vernünftigeWesen gerichteten Handlungen jederzeit zugleich alsZweck betrachtet werden... Also ist der Wert aller durch

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unsere Handlungen zu erwerbenden Gegenständejederzeit bedingt. Die Wesen, deren Dasein zwar nichtauf unseren Willen, sondern der Natur beruht, habendennoch, wenn sie vernunftlose Wesen sind, nur einenrelativen Wert, als Mittel, und heissen daher Sachen,dagegen vernünftige Wesen Personen genannt werden,weil ihre Natur sie schon als Zwecke a nn sich selbst,d.i. als etwas, dass nicht bloss als Mittel gebrauchtwerden darf, auszeichnet, mithin so fern alle willküreinschränkt (und ein Gegenstand der Achtung ist)”.38 Kant, Fundamentos ..., p. 140. De acordo com ooriginal em alemão ,”Im Reiche der Zwecke hat allesentweder einen Preis, oder eine Würde. Was einen Preishat, a n dessen Stelle kann auch etwas anderes, alsÄquivalent, gesetzt werden; was dagegen über allenPreis erhaben ist, mithin kei Äquivalent verstattet, hateine Würde... Diese Schätzung gibt also den Wert einersolchen Denckungsart als Würde zu erkennen, und setztsie über allen Preis unendlich weg, mit dem sie gar nichtin Anschlag und Vergleichung gebracht werden kann,ohne sich gleichsam an der Heiligkeit derselben zuvergreifen.” (Kant, Grundlegung ..., p. 68-69).39 Cf. J. Waldrom, “Dignity and Rank”, op. cit., p.211-214.40 Cf., novamente, J. Waldrom, “Dignity and Rank”, op.cit., p. 214.41 Apenas a título meramente ilustrativo, a concepçãoKantiana de dignidade da pessoa encontrou lugar dedestaque, entre outros, nos seguintes autores. Entrenós, v., por exemplo, as recentes e preciosascontribuições de C. L. Antunes Rocha, O princípio dadignidade da pessoa ..., p. 23 e ss., e F. K. Comparato,A afirmação histórica dos direitos humanos , p. 19 e ss,assim como os trabalhos de F. Ferreira dos Santos,Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ,p. 20 e ss., e J. Afonso da Silva, A dignidade dapessoa humana como valor supremo da democracia , in:RDA nº 212, p. 89 e ss. Na literatura lusitana, v.,dentre outros, J. Miranda, Manual de Direito

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Constitucional, vol. IV, p. 188, bem como, P. Mota Pinto, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade ,in: Portugal-Brasil ano 2000, p. 151, sem falar naexpressiva maioria dos autores alemães, alguns dosquais já referidos.42 B. Pascal, Pensamentos, 113 (348), p. 40.Igualmente destacando a importância da razão para adistinção entre o homem e os demais seres, Pascal (ob.cit., p. 39, 111(339), averba que “Posso até conceberum homem sem mãos, sem pés, sem cabeça, pois ésó a experiência que nos ensina que a cabeça é maisnecessária do que os pés. Mas não posso conceber umhomem sem pensamento. Seria uma pedra ou umbicho”.43 O que se percebe, neste contexto, na esteira dalição de F. Moderne, La dignité de la personne commeprincipe constitutionnel dans les Constitutions Portugaiseet Française, in: J. Miranda (Org.), PerspectivasConstitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976 ,vol. I, p. 199, é que a concepção de dignidade dapessoa humana como constituindo qualidade distintiva doser humano, por ser dotado de razão e consciência,encontra-se vinculada à tradição do pensamentojudaico-cristão, traduzindo, ademais, uma evidente noçãode superioridade do ser humano.44 Dentre a doutrina disponível (e as referências nãoindiciam concordância com o conteúdo dos aportes decada autor), remetemos – a título exemplificativo –inicialmente ao clássico e altamente controversocontributo de P. Singer, Ética Prática, especialmente p.65 e ss. Dentre os desenvolvimentos mais recentes, v.o instigante mas equilibrado artigo de C. Sunstein, “Therights of animals”, in: The University of Chicago LawReview , vol 70, 2003, p. 387 e ss., onde, embora nãose tenha reconhecido propriamente uma dignidade dosanimais, admite a possibilidade de se atribuir certosdireitos a determinadas categorias de animais, adepender, especialmente, de suas capacidades.Revelando seu ceticismo em relação ao reconhecimento

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de uma autonomia dos animais em relação ao próprioser humano, o autor prefere enfatizar a ideia de que osanimais têm direito a uma vida decente, livre desofrimento e maus-tratos, o que, de qualquer modo,não se mostra completamente incompatível com algunscomponentes da própria noção de dignidade.Indispensável, de outra parte, a teorização de M.Nussbaum, Frontiers of Justice , especialmente nocapítulo 6, p. 325-407. No que diz com a recepçãodesta concepção pelo direito constitucional positivo,designadamente no tocante a uma noção ampliada einclusiva de dignidade, vale mencionar o exemplo daConstituição da Suíça, onde foi inserido um dispositivoimpondo ao Estado o dever de respeitar a dignidade dacriatura e a segurança do Homem, dos animais e domeio-ambiente. Sobre o tema (precisamente comentandoo mencionado dispositivo) v., entre outros, o recentecontributo de H. Zaborowski e C. A. Stumpf,“Menschenwürde versus Würde der Kreatur”, in:Rechtstheorie 36 (2005), p. 91-115. No âmbito daliteratura em língua portuguesa, priorizando a questãodo reconhecimento de “direitos dos animais” v., portodos, F. Araújo, A hora dos direitos dos animais ,Coimbra: Almedina, 2003. Já explorando a noção deuma dignidade da vida e de um mínimo existencialambiental, inclusive fazendo referência à nossasponderações, v. T. Fensterseifer, “Dignidade e Ambiente:a dignidade da vida para além do animal humano?”, in:A. H. Benjamim (Org/Ed), Direitos Humanos e MeioAmbiente, vol. 1, Imprensa Oficial do Estado de SãoPaulo, 2006, p. 915 e ss. Privilegiando a noção de um“mínimo existencial ecológico” v. ainda, no mesmovolume, a contribuição de C. A. Molinaro, “Mínimoexistencial ecológico e o princípio de proibição daretrogradação ambiental”, p. 427 e ss. T. Fensterseifer.Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente , PortoAlegre; Livraria do Advogado, 2008, esp. p. 31 a 92.Por último, v. C. A. Molinaro. F. L. F. de Medeiros; I. W.Sarlet; T. Fensterseifer (org.). A Dignidade da Vida e os

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Direitos Fundamentais para além dos Humanos. Umadiscussão necessária. Belo Horizonte: Editora Fórum,2008.45 Cf. bem aponta D. Birnbacher, “Mehrdeutigkeiten imBegriff der Menschenwürde”, p. 4 (acesso emhttp://www.gkpn.de/ ).46 No âmbito da vasta produção científica encontradanesta seara, destacamos, a título exemplificativo eapenas considerando a produção monográfica nacional,para além dos já clássicos trabalhos de S. Ferraz,Manipulações Biológicas e Princípios Constitucionais, PortoAlegre: Sergio Fabris, 1991 e E. de Oliveira Leite,Procriações Artificiais e o Direito, São Paulo: RT, 1995,os contributos mais recentes de J. M. L. de Meirelles, Avida humana embrionária e sua proteção jurídica , Riode Janeiro: Renovar, 2000, M. C. C. L. dos Santos(Org.), Biodireito, São Paulo: RT, 2001, R. P. e Silva,Introdução ao Biodireito, São Paulo: LTR, 2002, M. C.C. Brauner, Direito, Sexualidade e Reprodução Humana ,Rio de Janeiro: Renovar, 2003, H.H. Barboza, J.M.L. deMeirelles; V. P. Barreto (Org.), Novos Temas de Direitoe Bioética, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, P. de JesúsL. Alarcón, Patrimônio Genético Humano e sua Proteçãona Constituição Federal de 1988 , São Paulo: Método,2004, M. Garcia, Limites da Ciência, São Paulo: RT,2004; v., Sporleder de Souza. Bem jurídico-penal eengenharia genética. São Paulo: RT, 2004, D. Sarmentoe F. Piovesan (Coords.), Nos Limites da Vida, ClonagemHumana e Eutanásia sob a Perspectiva dos DireitosHumanos , Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007; S. R.Petterle. O Direito Fundamental à Identidade Genética naConstituição Brasileira, Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2007; por último, v. I.W. Sarlet e G.S. Leite(org.) Direitos Fundamentais e Biotecnologia, São Paulo:Método, 2008, e R. da Rocha. O Direito à Vida e aPesquisa com Células-Tronco , São Paulo: Elsevier, 2008.47 A respeito deste ponto, v., dentre tantos – emborareconhecendo a ausência de unanimidade a respeito dasconclusões do autor – R. Dworkin, El Domínio de la Vida

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, Barcelona: Ariel, 1998.48 Neste sentido, v. as referências, dentre tantos, de D.Birnbacher, “Menschenwürde – abwägbar oderunabwägbar”, p. 249 e ss.49 Cf. M. Herdegen, Neuarbeitung von Art. 1 Abs. 1-Schutz der Menschenwürde , p. 9.50 Cf. K. Seelmann, “Person und Menschenwürde in derPhilosophie Hegels”, p. 141.51 Cf. K. Seelmann, idem, p. 142. A respeito dasdiversas dimensões da dignidade encontradas nopensamento de Hegel, v., ainda, as referências de O.Höffe, “Menschenwürde als ethisches Prinzip”, in:Gentechnologie und Menschenwürde , p. 133.52 Cf. C. R. Miguel, “Human dignity: history of a nidea”, p. 297-98.53 Cfr. G. W. F. Hegel, Grundlinien der Philosophie desRechts , § 36, p. 95.54 Neste sentido, a lição de K. Seelmann, “Person undMenschenwürde in der Philosophie Hegels”, p. 132-33.55 É o que se extrai das ponderações de S. Kirste, “Adignidade humana e o conceito de pessoa de direito”,in: I.W. Sarlet (org.), Dimensões da Dignidade. Ensaiosde Filosofia do Direito e Direito Constitucional, 2ª ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, especialmentep. 194 e ss.56 Cf. também K. Seelmann, ob. cit., p. 143.57 Ao menos esta é a lição de C. Starck,Menschenwürde als Verfassungsgarantie ..., p. 461-2.Neste contexto, cumpre citar a posição de M. Kriele,Einführung in die Staatslehre, p. 215-6, para quem acorrente mais forte que se opôs à concepção dadignidade da pessoa humana (como sendo o valorintrínseco e intangível de todos os seres humanos) edos direitos humanos dela decorrentes foi a éticautilitarista, principalmente de Bentham, que justificourestrições e agressões aos direitos humanos em funçãodos valores de natureza permanente da comunidade ouda humanidade em seu todo (o sacrifício eventual dafelicidade de um ou de alguns justifica a maior felicidade

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da maioria), de tal sorte que a doutrina utilitaristaacabou servindo para justificar, por exemplo, práticascomo a escravidão e o extermínio dos povos indígenas.Registre-se, ainda, que aqui não nos detivemos emaveriguar até que ponto a crítica tecida por Kriele écorreta, já que acabamos não conferindo o pensamentodos autores referidos. No que diz com a concepçãobehaviorista (Skinner) e marxista, cabe, neste ponto,reproduzir a lição de T. Geddert-Steinacher,Menschenwürde als Verfassungsbegriff , p. 125-26,ponderando que para Skinner liberdade e dignidade sãocategorias ultrapassadas, já que a autonomia não éempiricamente comprovável, não sendo o próprio serhumano quem dirige o seu comportamento, mas sim,este é controlado pela natureza, de tal sorte que osconceitos jusnaturalistas de liberdade e dignidadedeveriam ser substituídos por uma “tecnologia docomportamento”, ao passo que para muitos autoresmarxistas não há como aceitar a ideia de um estatutoda liberdade (e dignidade) pré-estatal, já que são asforças econômicas e a luta de classes os fatorescondicionantes do fenômeno jurídico. De modo particularno que diz com os autores de inspiração marxista,cumpre destacar, todavia, que não há como afirmar – emuito menos de modo generalizado – que estes estejampropriamente a negar a dignidade da pessoa ou o seureconhecimento. Basta, neste contexto, referir aexpressiva obra de Ernst Bloch, Naturrecht undmenschliche Würde , especialmente p. 215 e ss. (existetradução para o espanhol sob o título Derecho Natural yDignidad Humana , Madrid, 1980) que, emboraconsiderando serem liberdade e igualdade ilusões dojusnaturalismo burguês, e mesmo afirmando a negativada existência de direitos naturais (no sentido de inatos),já que todos os direitos foram conquistados ounecessitam ser conquistados pela luta, reconhece umavontade para a liberdade e dignidade, além de construiruma fundamentação crítica e marxista da dignidade.58 Aqui nos valemos da já célebre expressão cunhada

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por E. Hobsbawm, A Era dos Extremos , p. 7 e ss.,onde o autor coloca as razões pelas quais optou porassim denominar o século XX, colocando comoreferenciais as datas de 1914 e 1991.59 Sobre o sentido e a compreensão da noção deEstado democrático de Direito, especialmente retratandoa evolução desde o Estado liberal de Direito (assimcomo elucidando as possíveis diferenças em relação aoassim denominado Estado social de Direito), v., entreoutros, a recente e didática contribuição de L. LuizStreck e J. L. Bolzan de Morais, Ciência Política e TeoriaGeral do Estado , p. 83 e ss.60 Neste sentido, vale averbar a lição de M. Kriele,Einführung in die Staatslehre, p. 214, apontando para acircunstância de que foi justamente a ideia de que ohomem, por sua mera natureza humana, é titular dedireitos que possibilitou o reconhecimento dos direitoshumanos e a proteção também dos fracos e excluídos,e não apenas dos que foram contemplados com direitospela lei, por contratos, em virtude de sua posição sociale econômica.61 Especificamente sobre a concepção de dignidade (nocaso, enfocando o tema pelo prisma da doutrina socialda Igreja Católica Romana) v., entre nós, o contributode, C. F. Alves, O Princípio Constitucional da Dignidadeda Pessoa Humana: O Enfoque da Doutrina Social daIgreja , Rio de Janeiro: Renovar, 2001.62 C f. a oportuna lembrança de C. Starck, in: BonnerGrundgesetz , p. 36-37. Vale agregar, quanto a esteponto, que mesmo autores que refutam uma concepçãometafísica da dignidade, em especial quando impregnadapor elementos de direito natural ou marcada por umafundamentação religiosa, acabam, no mais das vezes –conforme, ao menos, sugere Karl E. Hain(“Konkretisierung der Menschenwürde durch Abwägung?,in: Der Staat , 2007, p. 197) – sendo “infectados porum vírus metafísico”, designadamente quando seguemreconduzindo a dignidade da pessoa humana àautonomia e autodeterminação do ser humano,

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enfatizando, com tal assertiva, a vinculação entre umconceito jurídico de dignidade e a filosofia.63 Cf. O. Höffe, Medizin ohne Ethik, p. 49, afirmandoque para assegurar a validade intercultural do princípioda dignidade da pessoa humana, de tal sorte a alcançarvinculatividade mundial, o próprio conteúdo e significadodo princípio deve ser necessariamente compreendidocomo interculturalmente válido e secularizado, portanto,mediante renúncia a qualquer específica mundovisão ouconcepção religiosa.64 Neste sentido, v. os desenvolvimentos de M.J. Perry,Toward a Theory of Human Rights , especialmente p.3-32 (primeira parte), empenhado em controverter atese da existência de um fundamento secular para adignidade da pessoa humana e os direitos humanos.65 Cf. sempre tem sido lembrado no âmbito daliteratura jurídica alemã. Neste sentido, v., dentre tantose recentemente P. Tiedemann, “Die Würde desMenschen ist Unantastbar”, in: Rechtstheorie 35 (2004),p. 118.66 Neste sentido, dentre tantos, a lição deMaunz/Zippelius, Deutsches Staatsrecht , p. 179.67 Assim o sustenta C. L. Antunes Rocha , O princípioda dignidade da pessoa ..., p. 24.68 Cf. F. Delpérée, O direito à dignidade humana , p.153. Assim também M-L. Pavia, Le principe de dignité...,p. 99.69 Cf. J. M. Alexandrino, “Perfil constitucional dadignidade da pessoa humana: um esboço traçado apartir da variedade de concepções”, in: Estudos emHonra ao Professor Doutor José de Oliveira Ascensão,vol. I, Coimbra: Almedina, 2008, p. 481.70 Cf. M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte , p.173.71 Esta a oportuna advertência de J. Tischner, in:Böckenförde/Spaemann (Org.), Menschenrechte undMenschenwürde , p. 317. Na mesma linha deentendimento situa-se a lição de M. Renaud, A dignidadedo ser humano ..., p. 36, sustentando, todavia, que, não

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obstante todos tenhamos uma compreensão espontâneae implícita da dignidade da pessoa humana, ainda assim,em sendo o caso de explicitar em que consiste estadignidade, teríamos grandes dificuldades.72 Cf. J. González Pérez , La dignidad de la persona , p.115.73 Cf. a oportuna lembrança de P. Kunig, in: I. vonMünch, (Org.), Grundgesetz Kommentar , p. 79,arrrimado na lição de Christian Pestallozza.74 Quando aqui se fala em uma noção jurídica dedignidade, pretende-se apenas clarificar que se estásimplesmente buscando retratar como a doutrina e ajurisprudência constitucional – e ainda assim de modoapenas exemplificativo– estão compreendendo, aplicandoe eventualmente concretizando e desenvolvendo uma(ou várias) concepções a respeito do conteúdo esignificado da dignidade da pessoa. Por outro lado, nãose questiona mais seriamente que a dignidade sejatambém um conceito jurídico. Neste sentido, por todos emais recentemente, P. Kunig, in: I. von Münch (Org.),Grundgesetz Kommentar , p. 76.75 Neste sentido, dentre outros, v. C. Neirinck, Ladignité de la personne ou le mauvais usage d’une notionphilosophique, in: PEDROT, Philippe (Dir), Ethique Droit etDignité de la Personne , p. 50, advertindo que asnoções filosóficas (como é o caso da dignidade), nãoencontram solução no Direito. Na mesma direção, F.Borella, Le concept de dignité de la personne humaine,p. 37, nega que a dignidade seja um conceito de direitopositivo, embora admita que possa ser reconhecida eprotegida pelo direito.76 Neste sentido, a sugestiva lição de P. Häberle , DieMenschenwürde als Grundlage der staatlichenGemeinschaft, in: Isensee-Kirchhof (Org.), Handbuch desStaatsrecht der Bundesrepublik Deutschland , vol. I, p.853, para quem se revela indispensável a utilização deexemplos concretos para obter uma aproximação com oconceito de dignidade da pessoa humana, salientando,além disso, a importância de um preenchimento desta

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noção “de baixo para cima”, no sentido de que aprópria ordem jurídica infraconstitucional forneceimportante material para a definição dos contornos doconceito. Registre-se, por oportuno, a crítica de N.Luhmann, Grundrechte als Institution, p. 57, salientandoque a dogmática jurídica habitualmente define adignidade sem qualquer consideração pelas ciências quese ocupam do Homem e da Sociedade, aferrando-se auma tradição aristotélica. Ainda que Luhmann possa terparcial razão, convém destacar que sua obra foi escritana década de 60, quando a ciência jurídica recémestava iniciando o estudo mais sistemático da dignidade.77 Cf., entre nós, E. Pereira de Farias , Colisão deDireitos, p. 50, por sua vez arrimado nas lições deGomes Canotilho e de Celso Lafer.78 T al como propôs, recentemente, C.L. Antunes Rocha,O princípio da dignidade da pessoa ..., p. 2 4.79 Cf. averba R. Zippelius, in: Bonner Kommentar , p.14.80 Cf. também adverte P. Tiedemann, “Die Würde desMenschen ist Unantastbar”, in: Rechtstheorie 35 (2004),p. 121. Seguindo uma linha argumentativa similar, v.ainda D. Birnbacher, “Menschenwürde – abwägbar oderunabwägbar”, in: M. Kettner (Hsgb), Biomedizin undMenschenwürde , Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2004,p. 249 e ss.81 Esta a lição de G. Dürig, Der Grundsatz derMenschenwürde ..., in: AÖR nº 81 (1956), p. 9. Entrenós, por último, v. W. G. Di Lorenzo, Teoria do Estadode Solidariedade. São Paulo: Elsevier, 2010, p. 55.82 Assim, entre tantos, K. Stern , Staatsrecht, vol.III/1,p. 6.83 Cf. J. C. Gonçalves Loureiro, O Direito à IndentidadeGenética do Ser Humano , in: Portugal-Brasil 2000, p.280, citando lição de C. Hodgkinson, filósofodinamarquês, admitindo, para além disso, a inequívocainspiração kantiana desta assertiva.84 Cf. M. A Alegre Martínez, La dignidad de la persona..., p. 21. Entre nós, v. J. Afonso da Silva, A dignidade

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da pessoa humana... , p. 91, inspirado em Kant,referindo que a dignidade da pessoa “não é umacriação constitucional, pois ela é um desses conceitos apriori , um dado preexistente a toda experiênciaespeculativa, tal como a própria pessoa humana”, liçãocompartilhada, mais recentemente, também por C. L.Antunes Rocha , O princípio da dignidade da pessoa ...,p. 26.85 Neste sentido, a ponderação de H.C. Nipperdey, in:Neumann/Nipperdey/Scheuner (Org.), Die Grundrechte,vol. II, p. 1.86 Cf. J. González Pérez, Dignidad de la Persona , p.111. No mesmo sentido, Peter Badura, Generalpräventionund Würde des Menschen , in: JZ 1964, p. 341, emmulticitado ensaio, já havia ponderado que a clarezasuficiente a respeito do conteúdo da dignidade dapessoa tal qual reconhecida e protegida por umadeterminada ordem constitucional constitui pressupostopara a solução adequada dos casos concretos.87 Cf. J. González Pérez, Dignidad de la Persona , p.19-20. Neste contexto, embora criticando o recursodireto ao princípio da dignidade da pessoa(especialmente por seu cunho indeterminado e“nebuloso”), B. Mathieu, Reflexões sobre o Papel dosDireitos Fundamentais na Ordem Jurídica Constitucional ,in: Barros-Zilveti (Coord), Direito Constitucional – Estudosem Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, p.29, destaca que o princípio da dignidade serve, aomesmo tempo, para justificar o respeito à vida humanae até mesmo o seu fim, como ocorre nos casos emque se reconhece o direito de morrer com dignidade(eutanásia).88 Com efeito, J. Habermas, Die Zukunft dermenschlichen Natur , p. 70 e ss., argumenta, emsíntese, que o Estado secularizado e neutro, quandoconstituído de modo democrático e procedendo de modoinclusivo, não pode tomar partido numa controvérsiaética relacionada com a dignidade da pessoa humana eo direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade

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(artigos 1º e 2º da Lei Fundamental da Alemanha).Além disso – segue argumentando Habermas – quandoa pergunta a respeito do tratamento dispensado à vidahumana antes do nascimento envolve questões deconteúdo ético, o razoável será sempre contar com umfundado dissenso, tal qual encontrado na esfera dodebate parlamentar por ocasião da elaboração das leis(no caso, Habermas fez referência expressa ao debateno Parlamento da Alemanha, ocorrido no dia31.05.2001).89 Cf. E. Denninger, “Embryo und Grundgesetz. Schutzdes Lebens und der Menschenwürde vor Nidation undGeburt”, in: KritV (2003), p. 195/6, lembrando, nestaperspectiva (da necessária intervenção da jurisdiçãoconstitucional no plano das decisões envolvendo adignidade da pessoa humana), a arguta argumentaçãoda Ex-Presidente do Tribunal Constitucional Federal daAlemanha, Juíza Jutta Limbach (extraída de votoproferido em decisão envolvendo a descriminalização doaborto), no sentido de que assim como é corretoafirmar que a ciência jurídica não é competente pararesponder à pergunta de quando inicia a vida humana,também é certo que as ciências naturais não estão emcondições de responder desde quando a vida humanadeve ser colocada sob a proteção do direitoconstitucional (ob.cit., p. 196).90 Cf., entre nós e dentre outros, J. Afonso da Silva, Adignidade da pessoa humana... , p. 93. Registre-setambém a lição de J. González Pérez , Dignidad de laPersona, p. 25, destacando que a dignidade da pessoanão desaparece por mais baixa que seja a conduta doser humano, divergindo, nesta linha de entendimento, deSão Tomás de Aquino, já que este – como igualmentebem lembrou o autor citado – justificando a pena demorte, sustentava que o homem, ao delinquir, decai dadignidade, rebaixando-se à condição de besta. Assim,devem ser repudiadas todas as concepções queconsideram a dignidade como mera prestação, isto é,algo que depende eminentemente das ações da pessoa

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humana e algo a ser conquistado, aspecto sobre o qualvoltaremos a nos pronunciar.91 Cf. J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol.IV, p. 183.92 Decisão extraída da obra de F. Rubio Llorente(Org.), Derechos Fundamentales y PrincipiosConstitucionales, p. 72.93 Cf. G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde ...in:AÖR nº 81 (1956), p. 125.94 Cf. A Bleckmann, Staatsrecht II – Die Grundrechte ,p. 541.95 Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional eTeoria da Constituição, p. 219.96 Neste sentido, a lição de G. Dürig, Der Grundsatzder Menschenwürde... , in: AÖR nº 81 (1956), p. 125,que, com base neste ponto de vista, sustenta quemesmo o consentimento do ofendido não descaracterizauma efetiva agressão à dignidade da pessoa. Pelomesmo motivo, também o nascituro (embrião)encontra-se protegido na sua dignidade, admitindo-se atémesmo que os reflexos da proteção da dignidadevenham a alcançar a pessoa inclusive após a morte,posicionamento que vai também por nós acolhido. Sobreeste ponto, de resto objeto de aguda polêmica,especialmente no que concerne ao marco inicial doreconhecimento de uma proteção jurídica da dignidade eda própria vida, v., entre outros, I. von Münch, in:Grundgesetz Kommentar, p. 73-75 e, maisrecentemente, também na doutrina constitucional alemã,M. Herdegen, Neuarbeitung von Art. 1 Abs.1 GG , p. 29e ss. Na França, vale conferir, dentre tantos outros, oensaio de B. Matieu, La dignité de la personne humaine:quel droit? Quel titulaire?, in: Recueil Dalloz Sirey 1996,p. 283-84. De modo particular, parece-nos oportunoregistrar a lição de W. Höfling, in: M. Sachs (Org.),Grundgesetz, p. 117, apontando para a necessidade deuma interpretação aberta e ampliativa do conceito vida,de tal sorte a agasalhar as necessárias respostasnormativas às agressões atuais e potenciais que

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ameaçam a vida humana.97 Cf. a crítica, entre outros, de U. Neumann, “DieTyrannei der Würde”, in ARSP 84 (1998), p. 156 e ss.98 Cf. P. Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage ...,p. 860, destacando-se que a despeito da referidadimensão cultural, a dignidade da pessoa mantémsempre sua condição de valor próprio, inerente a cadapessoa humana, podendo falar-se assim de uma espéciede “constante antropológica”, de tal sorte que adignidade possui apenas uma dimensão cultural relativa(no sentido de estar situada num contexto cultural),apresentando sempre também traços tendencialmenteuniversais (ob. cit., p. 842-43).99 De acordo com o seguinte trecho extraído dareferida decisão do Tribunal Federal Constitucional daAlemanha (v. BverfGE vol. 45, p. 229), ora objeto delivre tradução, “não se pode perder de vista que adignidade da pessoa humana é algo irrenunciável, mas oreconhecimento daquilo que é exigido pelo postulado queimpõe a sua observância e respeito não pode serdesvinculado da evolução histórica. A história daspolíticas criminais revela que penas cruéis foram sendogradativamente substituídas por penas mais brandas. Damesma forma a evolução de penas gravosas parapenas mais humanas e de formas simples para formasmais diferenciadas de penalização tem prosseguido,permitindo que se vislumbre o quanto ainda deve sersuperado. Por tal razão, o julgamento sobre o quecorresponde à dignidade da pessoa humana, repousanecessariamente sobre o estado vigende doconhecimento e compreensão e não possui umapretensão de validade indeterminada”.100 Acórdão nº 90-105-2, de 29.03.90, Relator BravoSerra, onde, para além do aspecto já referido,entendeu-se ser do legislador “sobretudo quando, nacomunidade jurídica, haja de reconhecer-se e admitir-secomo legítimo um pluralismo mundividencial ou deconcepções” a tarefa precípua de “em cada momentohistórico, ‘ler’, traduzir e verter no correspondente

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ordenamento aquilo que nesse momento são asdecorrências, implicações ou exigências dos princípios‘abertos’ da Constituição”.101 Sobre este tópico, v. os desenvolvimentos de D.Shultziner, “Human Dignity – Functions and Meanings”,in: Global Jurist Topics , vol. 3, 2003, especialmente p. 4e ss., apontando para o que designa de densas (oufortes) e finas (ou fracas) dimensões ou sentidos dadignidade da pessoa humana. Entre nós, v., por último,L. R. Barroso, “A dignidade da pessoa humana nodireito constitucional contemporâneo: natureza jurídica,conteúdos mínimos e critérios de aplicação”, versãoprovisória para debate público. Mimeografado, dezembrode 2010, p. 9 (“como intuitivo, a noção de dignidadehumana varia no tempo e no espaço, sofrendo oimpacto da história e da cultura de cada povo, bemcomo de circunstâncias políticas e ideológicas”).102 Cf. E. Benda, “Die Menschenwürde ist Unantastbar ”, in: ARSP nº 22 (1984), p. 23.103 A respeito da dignidade como limite e tarefa v.,dentre tantos e mais recentemente, no contexto de umadúplice função defensiva (negativa) e prestacional(positiva) a lição de M. Sachs, Verfassungsrecht II –Grundrechte , p. 178 e ss.104 Entre nós, v., sobre o princípio da subsidiariedade,especialmente as monografias de J. A. O. Baracho, OPrincípio da Subsidiariedade: conceito e evolução , Rio deJaneiro: Forense, 1997; S. F. Torres , O Princípio daSubsidiariedade no Direito Público Contemporâneo , Riode Janeiro: Renovar, 2001. C. Prediger, A atuação doEstado na ordem econômica da Constituição de 1988sob a ótica da subsidiariedade estatal ou horizontal ,UFRGS, 2006, ainda não publicada. Por último, v. W. G.Di Lorenzo, Teoria do Estado de Solidariedade, op. cit.,especialmente p. 101 e ss.105 Esta a lição de Podlech, in: Alternativ Kommentar ,vol. I, p. 280-1.106 Cf. K.-H. Ladeur e I. Augsberg, Die Funktion derMenschenwürde im Verfassungstaat , Tübingen:

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Mohr-Siebeck, 2008, p. 10-12.107 Nesta quadra convém lembrar que, de modo gerale de acordo com a influente lição de H. Hofmann, Dieversprochene Menschenwürde , p. 357 e ss., as diversasteorias sobre a dignidade da pessoa, notadamente noque diz com o seu conteúdo e fundamentação, podemser agrupadas em torno de duas concepções, quaissejam, as teorias que compreendem a dignidade comodádiva ( Mitgifttheorien), no sentido de que a dignidadeconstitui uma qualidade ou propriedade peculiar edistintiva da pessoa humana (inata, ou fundada narazão ou numa dádiva divina), bem como as teoriasassim denominadas de prestacionais ( Leistungstheorien ),que veem na dignidade o produto (a prestação) dasubjetividade humana. Sem que se vá aqui arrolar edissecar as principais concepções elaboradas no âmbitodestas duas correntes e lembrando que mesmo estaclassificação não se encontra imune à controvérsia,parece-nos – tal como lembra o próprio Hofmann (ob.cit., p. 358), que, em verdade, não se verifica umaoposição fundamental entre ambas as teorias (dádiva eprestação), já que ambas repousam, em última análise,no postulado da subjetividade e autonomia do indivíduo.A despeito disso, que ambas as concepções apresentamaspectos passíveis de crítica, é ponto que já obteve evoltará a obter alguma atenção ao longo deste ensaio.Também mencionando a classificação proposta porHofmann, v., em língua portuguesa, a recente eimportante contribuição de J. C. Gonçalves Loureiro, Odireito à identidade genética ..., p, 280-81, referindouma terceira concepção teórica extraída do texto deHofmann, e que visualiza a dignidade comoreconhecimento ( Annerkennung ). Muito embora talaspecto careça de maior digressão, parece-nos queHofmann, após apresentar e discutir criticamente asduas concepções da dignidade como dádiva e prestação,passa a propor uma noção de dignidade comoreconhecimento, no sentido de que “a dignidade significareconhecimento recíproco do outro no que diz com a

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sua especifidade e suas peculiaridades como indivíduo...”( Die versprochene Menschenwürde , p. 370).108 Cf. a leitura de P. Häberle, Die Menschenwürde alsGrundlage ..., p. 836, referindo-se especificamente aopensamento de Luhmann.109 Para Luhmann, Grundrechte als Institution, p. 60 ess., adotando nitidamente uma perspectiva Hegeliana,assim como a liberdade, a dignidade é o resultado econdição de uma exitosa autorre- presentação. Alémdisso, os conceitos de liberdade e dignidade constituemcondições fundamentais para a autorrepresentação doHomem como pessoa individual, o que, de resto, seprocessa apenas no contexto social, de tal sorte que adignidade e a liberdade referem-se a problemasespecíficos de comunicação.110 Cf. a crítica de C. Starck, in: Das BonnerGrundgesetz, p. 46, destacando que a dignidade não serestringe aos que logram construí-la pessoalmente, pois,em sendo assim, poderá acabar sendo justificado –como a história já demonstrou – o sacrifício dosdeficientes mentais, pessoas com deformidades físicas eaté mesmo dos “monstros espirituais” (os traidores dapátria e inimigos da classe).111 Cf. a ponderação de P. Häberle, DieMenschenwürde als Grundlage ..., p. 838.112 Cf. M. Nettesheim, “Die Garantie derMenschenwürde Zwischen Metaphysischer Überhöhungund bloßem Abwägungstopos”, in: AÖR , nº 130 (2005),p. 92.113 Cf., novamente, a lição de P. Häberle, DieMenschenwürde als Grundlage , ... p. 838.114 Cf. M. Koppernock , Das Grundrecht auf bioethischeSelbstbestimmung, p. 18-20.115 Assim também M. Koppernock, Das Grundrecht aufbioethische Selbstbestimmung, p. 19-20, salientando,neste mesmo contexto, que mesmo presente, em suaplenitude, a autonomia da vontade (dignidade comocapacidade de autodeterminação) esta poderá serrelativizada em face da dignidade na sua dimensão

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assistencial (protetiva), já que, em determinadascircunstâncias, nem mesmo o livre consentimentoautoriza determinados procedimentos, tal como ocorre,v.g., com a extração de todos os dentes de umpaciente sem qualquer tipo de indicação médica,especialmente quando o consentimento estiver fundadona ignorância técnica. Até que ponto, nesta e em outrashipóteses até mesmo mais gravosas, é possível falar napresença de uma plena autonomia, é, de resto, aspectoque refoge ao âmbito destas considerações, mas que,nem por isso, deixa de merecer a devida atenção.116 Cf. R. Dworkin, El dominio de la vida , p. 306-7.117 Embora – importa destacá-lo já neste momento –não se possa concordar com uma noção exclusivamentebiológica da dignidade, não sendo poucas as críticas quetêm sido assacadas no âmbito da produção doutrinária,ao tematizar a assim designada “biologização” dadignidade, também é certo que a desvinculação totalentre vida e dignidade igualmente se revela incompatívelcom uma concepção suficientemente produtiva dadignidade e capaz de abarcar os inúmeros ediversificados desafios que lhe são direcionados.Posicionando-se contrariamente a uma biologização, v.,entre outros, U. Neumann, “Die Tyrannei der Würde”,in: ARSP 84 (1998), p. 156 e ss., especialmente nocontexto da problemática das manipulações genéticas,assim como, mais recentemente, E. Denninger, “Embryound Grundgesetz. Schutz des Lebens und derMenschenwürde vor Nidation und Geburt”, in: KritV2003, p. 201 e ss., este aderindo à concepção deHabermas, no sentido de que a dignidade não decorreda natureza humana (não sendo, portanto, um atributoinato e natural, tal como a cor dos olhos, etc.), massim do reconhecimento do valor intangível de cadapessoa no âmbito da reciprocidade das relaçõeshumanas. A despeito dos diversos problemas vinculadosà discussão ora retratada, deixaremos de desenvolver,pelo menos por ora, este ponto, que, de resto, será emparte retomado mais adiante, quando do comentário a

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respeito das relações entre a dignidade e o direito àvida. Em sentido diverso, criticando enfaticamente atendência a uma desconexão entre vida e dignidade, v.,dentre tantos, J. Isensee, “Der Grundrechtliche Statusdes Embryos. Menschewürde und Recht auf Leben alsDeterminanten der Gentechnik”, in: Gentechnik undMenschenwürde , p. 62 e ss. Da mesma forma,aproximando-se aqui de Habermas, mas sem deixar dereconhecer uma vinculação entre os atributos naturaisda pessoa, registre-se o entendimento de O. Höffe,“Menschenwürde als ethisches Prinzip”, in: Gentechnologieund Menschenwürde , p. 115, ao afirmar que se, porum lado, a dignidade consiste em um axioma, nosentido de um princípio diretivo da moral e do direito,também é certo que a dignidade se refere acaracterísticas biológicas da pessoa, sem contudo ser elaprópria (dignidade) uma destas características.118 Cf. R. Dworkin, El dominio de la vida , p. 307-9,que, nesta linha de entendimento, distingue o direito aum tratamento digno do direito à beneficência,exemplificando tal distinção com a situação peculiar dospresos, que, por serem encarcerados, não são tratadosde forma benéfica (já que o objetivo é a prevenção dedelitos para o benefício geral da comunidade), masainda assim, na condição de seres humanos, devem sertratados com dignidade, não podendo ser torturados,humilhados, assegurando-se-lhes um mínimo deprivacidade e direitos básicos.119 Cf. R. Dworkin, El dominio de la vida , p. 310,referindo, com base no exemplo dos presos, que talconcepção impõe que, apesar das razões que levaramao encarceramento, que poderão exigir e justificar estaofensa (a prisão), estas não autorizam que se venha atratar o preso como mero objeto, à disposição dosdemais, como se apenas importasse a utilidade daprisão.120 Cf. Kant, Fundamentos ..., p. 134-35.121 Cf. U. Neumann, “Die Tyrannei der Würde”, in:ARSP 84 (1998), p. 161. Explorando o tema da

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instrumentalização, propondo uma diferenciação entreinstrumentalização (e sua vedação na perspectiva morale jurídica) e violação da dignidade (apenas em partecoincidentes) e apresentando possíveis critérios paraidentificar quando uma conduta qualificada comoinstrumentalização implica uma violação da dignidade, v.,em especial, D. Birnbacher, “Annäherungen an dasInstrumentalisierungsverbot”, in: G. Brudermüller; K.Seelmann (Ed.), Menschenwürde. Begründung, Konturen,Geschichte , Würzburg: Königshausen & Neumann, 2008,p. 09-24.122 Cf. D. Grimm, apud M. Koppernock, Das Grundrechtauf bioethische Selbstbestimmung, p. 21-22, muitoembora posicionando-se de forma crítica em relação aoreconhecimento da dignidade exclusivamente com basena pertinência biológica a uma espécie e centrando anoção de dignidade no reconhecimento de direitos aoindivíduo, sem os quais este acaba não sendo levado asério como tal. Nesta mesma linha, já havia decidido oTribunal Federal Constitucional da Alemanha (in: BverfGE39, 1 [41]), considerando que onde existe vida humanaesta deve ter assegurada a proteção de sua dignidade,não sendo decisivo que o titular tenha consciência desua dignidade ou que saiba defender-se a si próprio,bastando, para fundamentação da dignidade, asqualidades potenciais inerentes a todo o ser humano.123 Assim já lecionava H.C. Nipperdey, in:Neumann/Nipperdey/Scheuner (Org.), Die Grundrechte ,vol. II, p. 3.124 Neste sentido, v. o magistério de J. Miranda,Manual..., vol. IV, p. 184 (“a dignidade da pessoa é dapessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não éde um ser ideal e abstrato”). Assim também K. Stern ,Das Staatsrecht. .., vol. III/1, p.11-12.125 Assim, também para o nosso direito constitucionalpositivo, é a dignidade da pessoa humana (de cada e,à evidência, de todas as pessoas) concreta eindividualmente considerada o objeto precípuo doreconhecimento e proteção pela ordem constitucional.

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126 Cf. K Bayertz, “Die Idee der Menschenwürde:Probleme und Paradoxien”, in: ARSP 81 (1995), p.472-3, apontando, ainda, para uma permanente einevitável zona de tensão entre a dignidade da pessoa ea dignidade humana.127 Kant , Fundamentos ..., p. 136-37. No original, “Nunwürde zwar die Menschheit bestehen können, wennniemand zu des anderen Glückseligkeit was beitrüge,dabei aber ihr nichts vorsätzlich entzöge; allein es istdieses doch nur eine negative und nicht positiveÜbereinstimmung zur Menschheit, als Zweck a n sichselbst, wenn jedermann auch nicht die Zwecke anderer,so viel a n ihm ist, zu befördern trachtete. Denn dasSubjekt, welches Zweck na sich selbst ist, dessenZwecke müssen, wenn jede Vorstellung bei mir alleWirkung tun soll, auch, so viel möglich, meine Zweckesein.” (Kant, Grundlegung ..., p. 63).128 Cf. A. E. Pérez Luño, Derechos Humanos, Estadode Derecho y Constitución, p. 318. Este também pareceser o entendimento de J. Miranda, Manual... , vol. IV, p.189, ao sustentar que “cada pessoa tem de sercompreendida em relação com as demais. Por isso, aConstituição completa a referência à dignidade com areferência à mesma dignidade social que possuem todosos cidadãos e todos os trabalhadores [arts. 13, nº 1, e59, nº 1, alínea b ], decorrente da inserção numacomunidade determinada.” No mesmo sentido, v. M. A.Alegre Martinez, La dignidad de la persona ... , p. 19,referindo, no âmbito de uma dimensão social, anecessidade de que a dignidade, como atributo depessoa individual, deve ser acompanhada da necessidadede que as demais pessoas e a comunidade respeitemsua liberdade e seus direitos.129 Cf. F. Moderne, La dignité de la personne... , p.198-199, em passagem confessadamente influenciadapela obra de Ronald Dworkin. Note-se, de outra parte,que as assim denominadas concepções ontológica einstrumental da dignidade, de certa forma correspondemà já referida classificação proposta por Hofmann

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(dignidade como dádiva e prestação). Nesta mesma linhade entendimento, também no âmbito da doutrinafrancesa, vale mencionar o magistério de L. Cassiers, “ladignité et l’embryon humain”, in: Revue Trimmestrielledes Droits de L’Homme , vol. 54 (2003), especialmentep. 407-13, entre outros aspectos apontando para acircunstância de que – na condição de uma criação dasociedade (como elaboração cultural e simbólica) – adignidade adquire uma dimensão coletiva, no sentido deque a relação do sujeito com ele próprio dependelargamente da relação da pessoa com os seussemelhantes.130 Cf. J. C. Gonçalves Loureiro, O Direito à IdentidadeGenética do Ser Humano , p. 281.131 Cf. H. Ahrendt, A Condição Humana , p. 15 e ss.(capítulo I}, onde discorre, entre outros aspectos (esem uma referência direta à noção de dignidade dapessoa humana), sobre o conceito e os pressupostos dacondição e da existência humana, noções que, adespeito de vinculadas, não se confundem. Assim, paraa autora “A ação, única atividade que se exerce entreos homens sem a mediação das coisas ou da matéria,corresponde à condição humana da pluralidade, ao fatode que homens, e não o Homem, vivem na Terra ehabitam o mundo. Todos os aspectos da condiçãohumana têm alguma relação com a política; mas estapluralidade é especificamente a condição – não apenas aconditio sine qua non , mas a conditio per quam – detoda a vida política. Assim, o idioma dos romanos –talvez o povo mais político que conhecemos –empregava como sinônimas as expressões ‘viver’ e‘estar entre os homens’ ( inter homines esse ), ou‘morrer’ e ‘deixar de estar entre os homens’ ( interhomines esse desinere )”. Em suma, ainda para afilósofa (p. 16), “ a pluralidade é a condição da açãohumana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é,humanos, sem que ninguém seja exatamente igual aqualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha aexistir” (grifo nosso).

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132 Cf. H. Ahrendt, A Condição Humana , p. 15-16, deacordo com trecho já transcrito na nota anterior .133 Cf. J. Habermas, Die Zukunft der menschlichenNatur , p. 62 e ss.134 Cf. J. Habermas, ob. cit., p. 65.135 Cf. R. Timm de Souza “A dignidade humana desdeuma antropologia dos intervalos – uma síntese”, in:VERITAS v. 53, n.2, abr./jun. 2008, p. 148.136 Cf. H. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde ,in: AÖR 118 (1993), p. 364, posicionando-se – aosustentar que a dignidade, na condição de conceitojurídico, assume feições de um conceito eminentementecomunicativo e relacional – no sentido de que adignidade da pessoa humana não poderá ser destacadade uma comunidade concreta e determinada onde semanifesta e é reconhecida. No mesmo sentido,reconhecendo que a dignidade também assume acondição de conceito de comunicação, v., no âmbito dadoutrina lusitana, a referência de J. Machado, Liberdadede Expressão , p. 360.137 P. Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage ...,especialmente p. 843 e ss., advogando igualmente umadimensão necessariamente intersubjetiva, social ecomunicativa da dignidade.138 A. Honneth, Luta por reconhecimento . A gramáticamoral dos conflitos sociais , São Paulo: Editora 34, 2003.Para uma introdução (em língua portuguesa) dopensamento de Honneth, v. G. A. Saavedra; G. A.Sobottka, “Introdução à Teoria do Reconhecimento deAxel Honneth”, in: Civitas, vol. 8, nº 1, jan./abr., 2008,p. 9-18. Desenvolvendo a relação entre dignidade dapessoa humana e reconhecimento (com destaque paraas noções de pessoa e reconhecimento), embora emperspectiva diferenciada da de Axel Honneth, v. L. F.Barzotto, “Pessoa e reconhecimento – uma análiseestrutural da dignidade da pessoa humana”, in: A. deAlmeida Neto e P. Melgaré (Orgs.), Dignidade da PessoaHumana. Fundamentos e Critérios Interpretativos, SãoPaulo: Malheiros, 2010, p. 39 e ss.

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139 Cf. F. Fukuyama, Nosso Futuro Pós-Humano , p.23.140 Cf. M. A. Alegre Martínez, La dignidad de lapersona ..., p. 26. No mesmo sentido, frisando que adespeito da dignidade ser um valor constante, o queassegura dignidade às pessoas acaba sendo definido porfatores históricos e sociais, v. C.Gearty, Principles ofHuman Rights Adjudication, p. 87.141 Cf. R. Dworkin, El Dominio de la Vida , p. 305.Neste contexto, a respeito da diversidade de tratamentoda dignidade da pessoa, mesmo pelo ordenamentojurídico, vale lembrar, entre outros, o exemplo daConstituição Iraniana de 1980 (referido por B. Mathieu,La dignité de la personne humaine ..., p. 286), que, noseu artigo 22, dispõe que “a dignidade dos indivíduos éinviolável...salvo nos casos autorizados por lei”, o quedemonstra igualmente que – ao menos para algumasordens jurídicas – nem mesmo a dignidade encontra-seimune a restrições pelo legislador, aspecto do qualvoltaremos a nos pronunciar. Da mesma forma, valelembrar aqui, dentre outros tantos exemplos quepoderiam ser colacionados, a prática da tortura, dasmutilações genitais, da discriminação sexual e religiosa,ainda toleradas (inclusive pelo direito positivo) em algunsEstados.142 Caso Campbell v. Wood, U.S. Supreme Court ,1994. Ainda a respeito da dignidade da pessoa noâmbito das controvérsias relativas à pena de morte,convém registrar que não faltam, na literaturanorte-americana, vozes que se opõem à pena de morte,vislumbrando nesta uma violação da dignidade dapessoa, não restringindo a incidência da dignidade aomodo de execução da pena, tal como no casoapreciado pela Suprema Corte. Neste sentido, dentreoutros, v. o recente ensaio de A . K. Eklund, “Thedeath penalty in Montana: a violation of the constitutionalright to individual dignity”, in: Montana Law Review vol.65 (2004), p. 135 e ss., avaliando a jurisprudência daSuprema Corte dos EUA e da Suprema Corte do Estado

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de Montana. De acordo com a autora, cujos principaisargumentos aqui são sinteticamente apresentados, aimposição da pena de morte, para além do direito àvida, ofende a dignidade da pessoa pelo fato de: a) quese está a forçar o condenado a conviver com acircunstância de que esteja com a sua morte iminentedecretada, o que representa uma inadmissível torturapsicológica (p. 141 e ss.); b) a pena de morte implicaviolação da integridade corporal da pessoa (que, por suavez, diz com os elementos essenciais da dignidade) e odireito de cada um de decidir a respeito do queacontece ao seu próprio corpo (p. 148-40); c) aoexecutar a pena, o Estado toma ao executado a suaautonomia pessoal e não o considera como pessoa comum valor próprio, de tal sorte que não apenas adignidade do condenado é violada, mas de todos osenvolvidos no processo, já que este, em si mesmo, já édesumano e indigno (p. 150-53).143 Versando justamente sobre o problema domulticulturalismo,vale referir aqui pelo menos o instiganteensaio de B. Sousa Santos, Por uma concepçãomulticultural de direitos humanos, in: Revista Crítica deCiências Sociais , nº 48 (1997), especialmente p. 18 ess., onde o festejado sociólogo lusitano sustenta que oconceito de direitos humanos e a própria noção dedignidade da pessoa assentam num conjunto depressupostos tipicamente ocidentais, quando, emverdade, todas as culturas possuem concepções dedignidade humana, muito embora nem todas elas aconcebam em termos de direitos humanos, razão pelaqual se impõe o estabelecimento de um diálogointercultural, no sentido de uma troca permanente entrediferentes culturas e saberes, que será viabilizada pelaaplicação daquilo que o autor designou de uma“hermenêutica diatópica”, que, por sua vez, nãopretende alcançar uma completude em si mesmainatingível, mas sim, ampliar ao máximo a consciência daincompletude mútua entre as diversas culturas por meiodo diálogo. Mais recentemente, também enfrentando a

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questão da dignidade à luz da globalização e domulticulturalismo,v., entre outros, D.N. Weisstub, “Honor,Dignity, and the Framing of MulticulturalistValues”, in: D.Kretzmer e E. Klein (Ed.), The Concept of HumanDignity in Human Rights Discourse , p. 263-93.Demonstrando não apenas a necessidade, mas algumasdas possibilidades vinculadas a um diálogo entre asdiversas fontes normativas (no caso, enfrentando o temada dignidade da pessoa humana) v. o estudo de V.Jackson, “Constitutional Dialogue and Human Dignity:States and Transnational Constitutional Discourse”, in:Montana Law Review vol. 65 (2004), p. 15-40,propondo, em síntese, uma abertura para os aportes dodireito comparado e, de resto, o diálogo produtivo entreas fontes de direito constitucional, especialmente no casodos EUA, onde, a despeito da ausência de previsãoexpressa na Constituição (muito embora oreconhecimento da dignidade – ainda que de modo nãounânime e carente de uma série de desenvolvimentos –como valor subjacente ao sistema constitucional) existeprevisão explícita do princípio na esfera estadual, comodá conta o exemplo do Estado de Montana.144 Neste sentido, v., a advertência de B. Maurer,Notes sur le respect de la dignité humaine, p. 186.145 Cf. G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde ...,in: AÖR nº 81 (1956), p. 127. No direito brasileiro, afórmula do homem-objeto, isto é, o enunciado de quetal condição é justamente a negação da dignidade,encontra-se – ao menos assim nos parece – formuladaexpressamente na Constituição, notadamente quando onosso Constituinte, no art. 5º, inciso III, da Constituiçãode 1988, estabelece de forma enfática que “ninguémserá submetido à tortura e a tratamento desumano oudegradante.” Neste contexto, vale, ainda, lembrar a liçãode P. Häberle, Menschenwürde als Grundlage ..., p. 842,quando afirma que a concepção de Dürig (a fórmula do“objeto”) acaba por transformar-se também numa“fórmula-sujeito”, já que o estado constitucional efetiva adignidade da pessoa, na medida em que reconhece e

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promove o indivíduo na condição de sujeito de suasações. Ainda a respeito da fórmula “objeto”, v., numaperspectiva comparada, A.P.C. Barbosa, DieMenschenwürde im Deutschen Grundgesetz und in derBrasilianischen Verfassung von 1988 , p. 33 e ss., e 154e ss.146 Cf. M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte ,p. 174.147 Apenas pinçando uma das diversas decisões ondetal concepção foi adotada, verifica-se que, para oTribunal Federal Constitucional da Alemanha, a dignidadeda pessoa humana está vinculada ao valor social epretensão de respeito do ser humano, que não poderáser reduzido à condição de objeto do Estado ousubmetido a tratamento que comprometa a suaqualidade de sujeito (v. BverfGE 96, p. 399). Convémlembrar, todavia (a despeito de outras críticas possíveis)que a fórmula do homem-objeto não afasta acircunstância de que, tanto na vida privada quando naesfera pública, as pessoas constantemente se colocam asi próprias na condição de objeto da influência e açãoalheias, sem que com isto se esteja colocando emdúvida a sua condição de pessoa (Cf. a observação deH. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde , in: AÖRnº 118 (1993), p. 360. Igualmente não se devedesconsiderar a precoce objeção de N. Luhmann,Grundrechte als Institution, p. 60, que considerou afórmula-objeto vazia, já que não afasta a necessidadede decidir quando e sob que circunstâncias alguémestará sendo tratado como objeto, a ponto de restarconfigurada uma violação da sua dignidade.148 Neste contexto, há mesmo quem tenha criticado autilização da “fórmula-objeto” como sendo praticamentetão vazia de sentido e imprecisa quanto as demaisfórmulas que pretendeu substituir e quanto a próprianoção de dignidade da pessoa humana. Neste sentido,v. P. Tiedemann, “Die Würde des Menschen istUnantastbar”, p. 118.149 Assim, por exemplo, não restam dúvidas de que a

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dignidade da pessoa humana engloba necessariamente orespeito e a proteção da integridade física do indivíduo,do que decorrem a proibição da pena de morte, datortura, das penas de cunho corporal, utilização dapessoa humana para experiências científicas,estabelecimento de normas para os transplantes deórgãos, etc., tudo conforme refere Höfling, in: M. Sachs(Org.), Grundgesetz , p. 107-9. De outra parte,percebe-se que os exemplos citados demonstram aexistência de uma íntima relação entre os direitosfundamentais e a dignidade da pessoa, aspecto queainda será objeto de análise mais aprofundada e queaqui foi apenas referido com o objetivo de demonstraralgumas das dimensões concretas desenvolvidas a partirda noção da dignidade da pessoa humana. Registre-se,ademais, que o próprio Tribunal Federal Constitucional daAlemanha, tal como refere M. Sachs, Verfassungsrecht II– Grundrechte, p. 174, tem relativizado a fórmula do“homem-objeto”, reconhecendo ser a mesma insuficientepara apreender todas as violações e assegurar, por sisó, a proteção eficiente da dignidade da pessoa humana.150 Neste sentido, parece situar-se o entendimento deM. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte , p. 174 ess., sugerindo que o âmbito de proteção da garantia dadignidade da pessoa humana restaria melhor definido emse perquirindo, em cada caso concreto, se à luz dafórmula do homem-objeto a suposta conduta violadoraefetivamente desconsidera o valor intrínseco da pessoa.Por sua vez, Udo Di Fabio, Der Schutz derMenschenwürde , ..., p. 22 e ss., destaca que não épossível definir a dignidade como bem juridicamenteprotegido para além da fórmula-objeto (que reconheceser vaga e indeterminada), sem que se acabe invadindoa seara nebulosa da autodefinição do ser humano, detal sorte que apenas uma determinação do âmbito deproteção com base no critério da conduta ofensiva serevela juridicamente controlável. Mesmo considerando opeso deste argumento, vale colacionar a posição críticade M. Nettesheim, “Die Garantie der Menschewürde

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Zwischen Metaphysischen Überhöhung und bloßemAbwägungstopos”, in: AÖR 130 (2005), p. 79 e ss., nosentido de que a fórmula objeto acaba sendo submetidaexclusivamente ao processo subjetivo da ponderação porparte do detentor do poder de decisão, o que reforça aideia de que, a despeito de sua relevância, a formulaobjeto não pode servir como critário exclusivo.151 Sobre este tema remetemos o leitor ao nossoDimensões da Dignidade. Estudos de Filosofia do Direitoe Direito Constitucional, 2ª ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2009, coletânea que inclui, além de textointrodutório de nossa lavra (consistente, em termogerais, de uma reconstrução do presente capítulo destaobra) contributos de outros autores, apontando eexplorando diversas das possíveis dimensões dadignidade.152 Sobre o tema da dignidade da vida e da própriadimensão ecológica da dignidade, remetemos àsreferências bibliográficas já citadas (v. nota de rodapénº 40, p. 40), mas destacamos, pela especial relevância,a contribuição de T. Fensterseifer, Direitos Fundamentaise Proteção do Ambiente, Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2008, texto que corresponde, salvo algunsajustes e atualizações, à dissertação de mestradoapresentada pelo autor no âmbito do Programa dePós-Graduação em Direito da PUCRS, que tivemos oprivilégio de orientar, assim como a coletânea organizadapor C.A. Molinaro, F.L.F. Medeiros, I.W. Sarlet e T.Fensterseifer, Dignidade da Vida : os direitosfundamentais para além dos humanos – uma discussãonecessária, Belo Horizonte: Editora Forum, 2008, emespecial o artigo de nossa autoria, em parceria com T.Fensterseifer, desenvolvendo a questão da dimensãoecológica da dignidade e da dignidade da vida em geral.153 Como critério aferidor do que seja uma vidasaudável, parece-nos apropriado utilizar os parâmetrosestabelecidos pela Organização Mundial da Saúde,quando se refere a um completo bem-estar físico,mental e social, parâmetro este que, pelo seu

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reconhecimento amplo no âmbito da comunidadeinternacional, poderia igualmente servir como diretrizmínima a ser assegurada pelos Estados.

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3. Dignidade da pessoa humana como norma (valor,princípio e regra) fundamental na ordemjurídico-constitucional brasileira3.1. Algumas notas sobre a normatização jurídico-positivada dignidade no âmbito do direito constitucionalAtendo-nos aos objetivos do presente estudo,iniciaremos, neste segmento, com a tentativa de situar ecompreender a posição e o significado da dignidade dapessoa humana como fundamento da nossa ordemconstitucional. A nossa Constituição vigente, inclusive(embora não exclusivamente) como manifesta reação aoperíodo autoritário precedente – no que acabou trilhandocaminho similar ao percorrido, entre outras ordensconstitucionais, pela Lei Fundamental da Alemanha e,posteriormente, pelas Constituições de Portugal e daEspanha – foi a primeira na história do constitucionalismopátrio a prever um título próprio destinado aos princípiosfundamentais, situado, em manifesta homenagem aoespecial significado e função destes, na parte inauguraldo texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitosfundamentais.Consoante amplamente aceito, mediante tal expediente, oConstituinte deixou transparecer de forma clara einequívoca a sua intenção de outorgar aos princípiosfundamentais a qualidade de normas embasadoras einformativas de toda a ordem constitucional, inclusive (eespecialmente) das normas definidoras de direitos egarantias fundamentais, que igualmente integram(juntamente com os princípios fundamentais) aquilo quese pode – e neste ponto parece haver consenso –denominar de núcleo essencial da nossa Constituiçãoformal e material. Da mesma forma, sem precedentesem nossa trajetória constitucional o reconhecimento, noâmbito do direito constitucional positivo, da dignidade dapessoa humana como fundamento de nosso Estadodemocrático de Direito (artigo 1º, inciso III, daConstituição de 1988). Registre-se que a dignidade dapessoa humana foi objeto de expressa previsão notexto constitucional vigente mesmo em outros capítulos

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de nossa Lei Fundamental, seja quando estabeleceu quea ordem econômica tem por finalidade assegurar atodos uma existência digna (artigo 170, caput), sejaquando, na esfera da ordem social, fundou oplanejamento familiar nos princípios da dignidade dapessoa humana e da paternidade responsável (artigo226, § 7º), além de assegurar à criança e aoadolescente o direito à dignidade (artigo 227, caput ).Mais adiante, no artigo 230, ficou consignado que “afamília, a sociedade e o Estado têm o dever deamparar as pessoas idosas, assegurando suaparticipação na comunidade, defendendo sua dignidade ebem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Assim,antes tarde do que nunca – pelo menos ainda antes dapassagem para o terceiro milênio –, a dignidade dapessoa e, nesta quadra, a própria pessoa humana,mereceram a devida atenção por parte da nossa ordemjurídica positiva.Neste contexto, importa consignar – o que certamentenos deixa em situação um pouco mais “confortável” –que o constitucionalismo pátrio não chegou a constituirexceção, em se tomando como parâmetro a evoluçãoconstitucional no plano do direito comparado. Apositivação do princípio da dignidade da pessoa humanaé, como habitualmente lembrado, relativamente recente,ainda mais em se considerando as origens remotas aque pode ser reconduzida a noção de dignidade. Apenasao longo do século XX e, ressalvada uma ou outraexceção, 154 tão somente a partir da Segunda GuerraMundial, a dignidade da pessoa humana passou a serreconhecida expressamente nas Constituições,notadamente após ter sido consagrada pela DeclaraçãoUniversal da ONU de 1948. 155Para fins ilustrativos, lancemos um breve olhar sobre odireito comparado.Dentre os países da União Europeia, colhem-se osexemplos das Constituições de Alemanha (art. 1º, inc. I),Espanha (preâmbulo e art. 10.1), Grécia (art. 2º, inc.I), Irlanda (Preâmbulo) e Portugal (art. 1º), que

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consagraram expressamente o princípio.156 Também naConstituição da Itália (art. 3º), encontra-se referênciaexpressa à dignidade na passagem em que sereconhece a todos os cidadãos a mesma dignidadesocial, inobstante não se tenha referido expressamente adignidade da pessoa humana. A Constituição da Bélgica,quando de sua revisão em janeiro de 1994, passou aincluir dispositivo (art. 23) assegurando aos belgas eestrangeiros que se encontrem em território belga odireito de levar uma vida de acordo com a dignidadehumana. 157Já no âmbito do Mercosul, apenas a Constituição doBrasil (art. 1º, inc. III) e a do Paraguai (Preâmbulo)guindaram o valor da dignidade ao status de normafundamental. No que tange aos demais Estadosamericanos, cumpre citar as Constituições de Cuba (art.8º) e da Venezuela (Preâmbulo), além de umareferência direta ao valor da dignidade da pessoahumana encontrada na Constituição do Peru, onde sãoreconhecidos outros direitos além dos expressamentepositivados, desde que derivem da dignidade humana,da soberania popular, do Estado social e democrático deDireito e da forma republicana de governo (art. 4º).Igualmente na Constituição Chilena (art. 1º) e em quepese sua origem autoritária, consta que os homensnascem livres e iguais em dignidade e direitos,reprisando, de tal sorte, a dicção da DeclaraçãoUniversal de 1948, formulação esta também encontradano art. 4º da Constituição da Guatemala, que, no seupreâmbulo, fala na primazia da pessoa humana. Namesma linha evolutiva, situam-se (ao menos no que dizcom a previsão formal no texto constitucional) os paísesda Europa oriental, onde também se constata forte emajoritária tendência no sentido de acolher a dignidadeno texto constitucional, referindo-se, a títuloexemplificativo, a Constituição da Rússia (1993), que,rompendo com a tradição das anteriores Constituiçõesda União Soviética, passou a prever expressamente, emseu art. 12-1, que “a dignidade da pessoa é protegida

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pelo Estado. Nada pode justificar seu abatimento”. 158No âmbito supranacional, vale referir o recentecompromisso com a dignidade da pessoa assumido pelaUnião Europeia, na esteira de proclamações anteriores,159 por meio da Carta dos Direitos Fundamentais daUnião Europeia, promulgada em Nice, em dezembro de2000, onde restou consignado que “A dignidade do serhumano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida”(artigo primeiro), documento que constitui um dosesteios da Constituição Europeia, ainda que esta aindanão tenha encontrado sua consolidação, pelo menos (àvista da evolução resultante na entrada em vigor doTratado de Lisboa) não no sentido convencional de umaconstituição de acordo com a tradição do EstadoConstitucional até o presente momento. 160 Além disso,importa consignar que o Tribunal de Justiça dasComunidades Europeias já tem firmado posição nosentido de que constitui obrigação do Tribunal efetuar ocontrole da compatibilidade dos atos dos órgãos dacomunidade com os princípios gerais do direitocomunitário, especialmente no sentido de proteger adignidade da pessoa humana e o direito fundamental àintegridade pessoal, agregando, nesta perspectiva, caráternormativo e vinculante à Carta dos DireitosFundamentais.161 No mesmo sentido é possívelidentificar uma crescente relevância do princípio dadignidade da pessoa humana no âmbito dajurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,ainda que (o que se aplica também ao Tribunal deJustiça de União Europeia) se registre uma relativacautela na utilização do princípio e na imposição aosestados que integram os respectivos (e não idênticos)círculos de destinatários das decisões, de determinadasconcepções de vida. 162Assim, ainda que incompleto o quadro apresentado, 163os exemplos garimpados no direito comparado ilustram,de forma representativa e contundente, que a dignidadeda pessoa humana (ao menos nesta formulação e noque diz com sua expressa previsão pelo direito

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constitucional positivo), ainda não foi integrada de formadefinitiva à totalidade das Constituições de nosso tempo,muito embora esta seja, ao que nos parece, abenfazeja e – assim esperamos – também irreversíveltendência a ser saudada com entusiasmo e esperança,sem que com isto se esteja a recair na ingenuidade denão reconhecer que a positivação jurídica, por si só,não tem o condão de impedir violações concretas dadignidade das pessoas.A partir do exposto, voltemo-nos, enfim, ao objetivoprecípuo deste capítulo. A resposta – em parte e namedida em que parece viável formular alguma – decerta forma já foi anunciada. Com efeito, ao tecermosalgumas considerações a respeito do problema dosignificado e conteúdo da dignidade da pessoa humana,notadamente, no que diz com sua condição de princípionormativo fundamental, já estamos tomando partido (nosentido de assumirmos um compromisso) com osentendimentos que conferem à dignidade da pessoahumana a qualificação de norma jurídica fundamental deuma determinada ordem jurídico-constitucional e, seformos considerar a universalização da dignidade noplano internacional, de todas as Constituições dosEstados que se integraram nesta ordem. Não é à toaque, nesta perspectiva, se pode comungar da lição deCarlos Roberto Siqueira Castro, no sentido de que “oEstado Constitucional Democrático da atualidade é umEstado de abertura constitucional radicado no princípioda dignidade do ser humano”. 164 Aliás, neste contextovem a calhar a afirmação de que, além da abertura (e,de certo modo, do diálogo) propiciado pelo amploreconhecimento da dignidade como princípio tambémjurídico fundamental, está a se verificar uma expansãouniversal de uma “crença” na dignidade da pessoahumana, que também pode ser vinculada aos efeitospositivos de uma globalização jurídica. 165Consagrando expressamente, no título dos princípiosfundamentais, a dignidade da pessoa humana como umdos fundamentos do nosso Estado democrático (e social)

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de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), 166 o nossoConstituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entreoutros países, na Alemanha –, além de ter tomado umadecisão fundamental a respeito do sentido, da finalidadee da justificação do exercício do poder estatal e dopróprio Estado, 167 reconheceu categoricamente que é oEstado que existe em função da pessoa humana, e nãoo contrário, já que o ser humano constitui a finalidadeprecípua, e não meio da atividade estatal.168 Emoutras palavras, de acordo com a lição de Jorge ReisNovais, no momento em que a dignidade é guindada àcondição de princípio constitucional estruturante efundamento do Estado Democrático de Direito, é oEstado que passa a servir como instrumento para agarantia e promoção da dignidade das pessoas individuale coletivamente consideradas. 169Ainda que se possa controverter a respeito da afirmaçãode que o Constituinte tenha tido a intenção de instaurar,também entre nós, uma ordem constitucional embasadano direito natural, mas dotada de plena eficácianormativa,170 o fato é que não há comodesconsiderar, pena de omitirmos aspectos essenciais àcompreensão do sentido e conteúdo da dignidade dapessoa humana, a vertente histórica e filosófica doprincípio, inclusive sua íntima relação com a doutrinajusnaturalista, tal como destacou, muito embora emrelação ao direito espanhol, González Pérez. 171 Talaspecto, todavia, por ser diretamente vinculado aoproblema de significado e conteúdo da noção dedignidade da pessoa ao longo dos tempos, já obtevealguma atenção no capítulo anterior, razão pela qualaqui não será retomado. Em verdade, tendo sidoreconhecida pela ordem jurídica estatal (expressa ouimplicitamente), verifica-se que a dignidade da pessoapassou a integrar o direito positivo vigente e é nestacondição que ora vai analisada, sem que com isto seesteja a desconsiderar e minimizar a relevância de umafundamentação filosófica da dignidade, que, de resto, jáfoi objeto de referência nesta obra. 172

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3.2. Dignidade da pessoa humana como norma jurídica(princípio e regra) e valor fundamentalTomando por referencial tudo o que já foi exposto efeitas algumas considerações em torno da definição e doconteúdo da noção de dignidade da pessoa humana,importa avaliar seu status jurídico-normativo no âmbitode nosso ordenamento constitucional.Com efeito, se em outras ordens constitucionais – comdestaque para a Alemanha 173 –, onde igualmente adignidade da pessoa humana foi objeto de expressaprevisão, nem sempre houve clareza quanto ao seucorreto enquadramento, tal não ocorre – ao menosaparentemente – entre nós. Com efeito, considerandotanto a formulação utilizada quanto a localização, vistoque sediada no Titulo I, dos Princípios Fundamentais,verifica-se que o constituinte de 1988 preferiu não incluira dignidade da pessoa humana no rol dos direitos egarantias fundamentais, guindando-a , pela primeira vez– consoante já frisado – à condição de princípio (evalor) fundamental (artigo 1º, inciso III). Aliás, apositivação na condição de princípio jurídico-constitucionalfundamental174 é, por sua vez, a que melhor afinacom a tradição dominante no pensamentojurídico-constitucional brasileiro,175 lusitano176 eespanhol, 177 apenas para mencionar os modelos maisrecentes que – ao lado e em permanente diálogo como paradigma germânico – têm exercido significativainfluência sobre a nossa própria ordem jurídica.De outra parte, ao destacarmos o reconhecimento dadignidade da pessoa pela ordem jurídico-positiva,certamente não se está afirmando – como jáacreditamos ter evidenciado – que a dignidade dapessoa humana (na condição de valor ou atributo)exista apenas onde e à medida que seja reconhecidapelo Direito. Todavia, do grau de reconhecimento eproteção outorgado à dignidade da pessoa por cadaordem jurídico-constitucional e pelo Direito Internacional,certamente irá depender sua efetiva realização epromoção, de tal sorte que não é por menos que se

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impõe uma análise do conteúdo jurídico ou, se assimpreferirmos, da dimensão jurídica da dignidade nocontexto da arquitetura constitucional pátria,designadamente, a força jurídica que lhe foi outorgadana condição de norma fundamental.Antes de explorarmos um pouco mais este aspecto,convém registrar que se está a partir da noção jáconsagrada – embora ainda não de todo assimilada pelatotalidade dos doutrinadores e operadores jurídicos – deque o dispositivo (o texto) não se confunde com anorma (ou normas) nele contida, nem com as posiçõesjurídicas (direitos) por esta outorgadas, já que cadadireito fundamental pressupõe – na esteira do queleciona Alexy – necessariamente uma normajusfundamental que o reconheça. 178 Assim, adiantandoaqui aspecto que voltará a ser referido, verifica-se que odispositivo constitucional (texto) no qual se encontraenunciada a dignidade da pessoa humana (no caso, oartigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988), contémnão apenas mais de uma norma, mas que esta(s), paraalém de seu enquadramento na condição de princípio eregra (e valor) fundamental, é (são) tambémfundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é,norma(s) definidora(s) de direitos e garantias, mastambém de deveres fundamentais.179Embora entendamos que a discussão em torno daqualificação da dignidade da pessoa como princípio oudireito fundamental não deva ser hipostasiada, já quenão se trata de conceitos antitéticos e reciprocamenteexcludentes (notadamente pelo fato de as própriasnormas de direitos fundamentais terem cunhoeminentemente – embora não exclusivamente –principiológico)180 compartilhamos do entendimento deque, muito embora os direitos fundamentais encontremseu fundamento, ao menos em regra, na dignidade dapessoa humana e tendo em conta que – como aindateremos oportunidade de demonstrar – do próprioprincípio da dignidade da pessoa (isoladamenteconsiderado) podem e até mesmo devem ser deduzidos

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direitos fundamentais autônomos, não especificados (e,portanto, também se poderá admitir que – neste sentido– se trata de uma norma de direito fundamental), nãohá como reconhecer que existe um direito fundamentalà dignidade,181 ainda que vez por outra se encontrealguma referência neste sentido.182Com efeito, parece-nos já ter sido suficientementerepisado que a dignidade, como qualidade intrínseca dapessoa humana, não poderá ser ela própria concedidapelo ordenamento jurídico. Tal aspecto, embora seguindosentido inverso, chegou a ser objeto de lúcida referênciafeita pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, aoconsiderar que a dignidade da pessoa não poderá serretirada de nenhum ser humano, muito embora sejaviolável a pretensão de respeito e proteção que dela (dadignidade) decorre. 183 Assim, quando se fala – nonosso sentir equivocadamente – em direito à dignidade,se está, em verdade, a considerar o direito areconhecimento, respeito, proteção e até mesmopromoção e desenvolvimento da dignidade, podendoinclusive falar-se de um direito a uma existência digna,sem prejuízo de outros sentidos que se possa atribuiraos direitos fundamentais relativos à dignidade dapessoa. Por esta razão, consideramos que neste sentidoestrito – de um direito à dignidade como concessão –efetivamente poder-se-á sustentar que a dignidade dapessoa humana não é e nem poderá ser, ela própria,um direito fundamental.Num primeiro momento – convém frisá-lo –, aqualificação da dignidade da pessoa humana comoprincípio fundamental traduz a certeza de que o artigo1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contémapenas (embora também e acima de tudo) umadeclaração de conteúdo ético e moral, mas que constituinorma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, destatus constitucional formal e material e, como tal,inequivocamente carregado de eficácia, alcançando,portanto – tal como sinalou Benda – a condição devalor jurídico fundamental da comunidade. 184 Importa

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considerar, neste contexto, que, na sua qualidade deprincípio e valor fundamental, a dignidade da pessoahumana constitui – de acordo com a preciosa lição deJudith Martins-Costa, autêntico “valor fonte que anima ejustifica a própria existência de um ordenamentojurídico”, 185 razão pela qual, para muitos, se justificaplenamente sua caracterização como princípioconstitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa (höchstes wertsetzendes Verfassungsprinzip). 186Embora não seja este – inclusive pelos limites desteestudo – o momento oportuno para aprofundar aquestão, cumpre deixar consignado que, a título depressuposto teorético do presente ensaio, adotamos aclassificação das normas jurídicas (e constitucionais) emprincípios e regras, seguindo, em linhas gerais, a járeferida doutrina de Robert Alexy (por sua vezfortemente influenciado por Ronald Dworkin), amplamentedifundida em nosso meio – notadamente por intermédioda obra de Gomes Canotilho,187 e que, até mesmopor este motivo, deixaremos aqui de reproduzir naíntegra, inclusive pelo fato de já ser por demaisconhecida.Desde logo, como já anunciado nas linhas anteriores, talopção não exclui (e nem poderia) o reconhecimento dadimensão axiológica,188 isto é, dos valores, ínsita aosprincípios, mas também presente nas regras, consoante,aliás, leciona o próprio Alexy. 189 Da mesma forma nãopretendemos com esta escolha questionar a correção eo mérito de outras importantes concepções, no âmbitodas quais destacamos, por seu rigor científico eoriginalidade, a proposta do eminente jurista gaúchoJuarez Freitas, no sentido de que o sistema jurídico écomposto por princípios fundamentais, regras (normasestritas) e valores. 190 Importante, para a finalidadedesta obra, é que se deixe devidamente consignada anossa posição em prol do caráter jurídico-normativo dadignidade da pessoa humana e, portanto, doreconhecimento de sua plena eficácia na nossa ordemconstitucional,191 onde – nunca é demais repisar – foi

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guindada à condição de princípio (e, portanto, sempretambém valor) fundamental do nosso Estado democráticode Direito. Aliás, com relação às críticas – já referidas –de que o enquadramento como princípio fundamentalconstitucional importaria em reduzir a amplitude emagnitude da noção de dignidade da pessoa, valelembrar o que, de resto, parece-nos já ter restadoclarificado ao longo da exposição, que o reconhecimentoda condição normativa da dignidade, assumindo feiçãode princípio (e até mesmo como regra) constitucionalfundamental, não afasta o seu papel como valorfundamental geral para toda a ordem jurídica (e nãoapenas para esta), mas, pelo contrário, outorga a estevalor uma maior pretensão de eficácia e efetividade.Não se pode olvidar, neste contexto, que a dignidade dapessoa humana, na sua condição de princípiofundamental e na sua relação com os direitos e deveresfundamentais (sem prejuízo de assumir, também nestaperspectiva, a condição de regra jurídica, impositiva ouproibitiva de determinadas condutas, por exemplo) possuiuma dupla dimensão (jurídica) objetiva e subjetiva, que,por sua vez, pelo menos segundo a tradiçãojurídico-constitucional germânica, largamente difundidatambém entre nós, guarda relação com os valoresfundamentais de uma determinada comunidade. Aliás, osprincípios e direitos fundamentais são, neste sentido,expressão jurídico-constitucional (mediante a incorporaçãoao direito positivo, na condição de direito objetivo) deuma determinada ordem de valores comunitária, nãopodendo ser reduzidos a direitos (posições subjetivas)individuais.192 Também por esta razão (mas nãoexclusivamente), é que a dignidade da pessoa, doindivíduo, é sempre a dignidade do indivíduo socialmentesituado e responsável, implicando deveres fundamentaisconexos e autônomos, aspecto que aqui não poderá serdesenvolvido.Por outro lado, convém que se o diga, não será pelofato – significativo, mas não necessariamentedeterminante – de o Constituinte ter elencado a

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dignidade da pessoa humana no rol dos princípiosfundamentais que se poderá chegar à conclusão de quea dignidade da pessoa, na sua condição de normajurídica, não assume, para além de sua dimensãoprincipiológica, a feição de regra jurídica, tal comoigualmente bem demonstrou Alexy. 193 Na suaperspectiva principiológica, a dignidade da pessoa atua,portanto – no que comunga das características dasnormas-princípio em geral – como um mandado deotimização, ordenando algo (no caso, a proteção epromoção da dignidade da pessoa) que deve serrealizado na maior medida possível, considerando aspossibilidades fáticas e jurídicas existentes, ao passo queas regras contêm prescrições imperativas de conduta,sem que se vá aqui adentrar o mérito desta e dasdemais distinções apresentadas pelo eminente jusfilósofogermânico. 194 Ainda no que diz com a dupla estrutura(princípio e regra) da dignidade, verifica-se que, paraAlexy, o conteúdo da regra da dignidade da pessoadecorre apenas a partir do processo de ponderação quese opera no nível do princípio da dignidade, quandocotejado com outros princípios, de tal sorte que absolutaé a regra (à qual, nesta dimensão, se poderá aplicar,com as necessárias resalvas, a lógica do “tudo ounada”), mas jamais o princípio.195Diante desta dupla dimensão (princípio e regra) peculiartambém à norma contida no artigo 1º, inciso III, 196 danossa Carta Magna, não há como compartilhar – aomenos não de todo – do entendimento advogado, entrenós, por Ferreira dos Santos, quando, divergindofrontalmente de Alexy, pretende que a dignidade dapessoa humana constitui princípio de feições absolutas,razão pela qual sempre e em todos os casos haverá deprevalecer em relação aos demais princípios,questionando igualmente a coerência lógica dopensamento de Alexy neste ponto. 197 Também noâmbito da doutrina germânica há quem tenhacontestado o pensamento de Alexy quanto a esteaspecto, alegando que a norma consagradora da

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dignidade da pessoa revela uma diferença estrutural emrelação às normas de direitos fundamentais, justamentepelo fato de não admitir uma ponderação no sentido deuma colisão entre princípios, já que a ponderação acabasendo remetida à esfera da definição do conteúdo dadignidade.198Desde logo, e sem que nos venhamos prender emdemasia a tal dimensão da problemática, temos porimprocedente o questionamento ora referido, já q ueirremediavelmente o reconhecimento de um princípioabsoluto – tal como bem lembra Alexy – contradiz aprópria noção de princípios, ao menos de acordo com oentendimento adotado pelo próprio Alexy, o que, dequalquer modo, não impede – ao menos em tese –que se parta de outro conceito de princíp ios parachegar a resultado diverso. 199 Além disso, resta aevidência, amplame nte comprovada na prática, de queo princípio da dignidade da pessoa humana pode serrealizado em diversos graus, 200 isto sem falar nanecessidade de se resolver eventuais tensões entre adignidade de diversas pessoas, ponto sobre o qualvoltaremos a nos manifestar, ou m esmo da possívelexistência de um conflito entre o direito à vida e àdignidade, envolvendo um mesmo sujeito (titular) dedireitos.201Em verdade, na esteira do que averbou Alexy – cujopensamento também aqui recolhemos na íntegra – acompreensível impressão de que se cuida de umprincípio absoluto resulta tanto do fato de quecoexistem, em verdade, duas espécies de normas dedignidade da pessoa (princípio e regra) quanto dacircunstância de que existe uma série de condições nasquais o princípio da dignidade da pessoa humana, comelevada margem de certeza, assume precedência emface dos demais princípios.202Para além da controvérsia apontada, importa frisar –antecipando aqui parcialmente a discussão sobre esteponto – que a dignidade, na condição de valorintrínseco da pessoa humana, evidentemente não poderá

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ser sacrificada, já que, em si mesma, insubstituível, oque, de resto, em nada afeta – antes reforça – acorreção do pensamento de Alexy, já que este, emmomento algum, sustenta que pelo fato de não secuidar de um princípio absoluto (até mesmo por nãoexistirem – na definição de Alexy – princípios absolutos),poderão ser justificadas violações da dignidade, de talsorte a sacrificá-la. No mínimo – e neste sentido já nãose poderá falar de um princípio absoluto – impendereconhecer que mesmo prevalecendo em face de todosos demais princípios (e regras) do ordenamento, não hácomo afastar – como ainda teremos oportunidade dediscutir – a necessária relativização (ou, se preferirmos,convivência harmônica) do princípio da dignidade dapessoa em homenagem à igual dignidade de todos osseres humanos. Assim, se este for o cerne dadivergência, verifica-se, em verdade, que inexiste dissídiodigno de nota, o que, afinal de contas, é o queimporta, bastando apenas que se consigne aconveniência, justamente para evitar eventuaismal-entendidos, de uma coerência entre a noção deprincípio adotada e a qualificação da dignidade comonorma-princípio.203Diante destas premissas, ainda que sumariamenteexpostas, e tendo presente sempre e acima de tudo ocaráter normativo e, portanto, vinculante, da dignidadeda pessoa humana, condição da qual decorremimportantes consequências diretamente ligadas aoproblema da sua eficácia e efetividade, passaremos aenfrentar alguns aspectos específicos, notadamente noque diz com as funções exercidas pelo princípio dadignidade da pessoa humana na nossa ordemjurídico-constitucional e, de modo especial, noconcernente ao seu vínculo com as normas definidorasde direitos e garantias fundamentais, o que, de resto,constitui o objetivo precípuo deste estudo. Com efeito,embora aqui não se vá desenvolver mais este ponto,nunca é demais lembrar – até mesmo para firmarmosnossa posição pessoal – que a condição de princípio é

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integralmente compatível com o reconhecimento daplenitude eficacial e, portanto, da plena vinculatividade dadignidade da pessoa humana na sua dimensãojurídico-normativa, seja na perspectiva objetiva, sejacomo fundamento de posições subjetivas. 204 Nestesentido, não haveria como deixar de colacionar aluminosa (embora não de todo incontroversa) exortaçãode Paulo Bonavides, que, referindo-se justamente aoprincípio da dignidade da pessoa humana, afirmou que“sua densidade jurídica no sistema constitucional há deser portanto máxima e se houver reconhecidamente umprincípio supremo no trono da hierarquia das normas,esse princípio não deve ser outro senão aquele em quetodos os ângulos éticos da personalidade se achamconsubstanciados”. 205Notas154 A Constituição Alemã de 1919 (Constituição deWeimar) já havia previsto em seu texto o princípio dadignidade da pessoa humana, estabelecendo, em seuart. 151, inc. I, que o objetivo maior da ordemeconômica é o de garantir uma existência digna. Assimtambém – dentre os exemplos mais referidos – aConstituição Portuguesa de 1933 (art. 6, nº 3) e aConstituição da Irlanda de 1937 (Preâmbulo)consignavam expressa referência à dignidade da pessoahumana.155 Neste sentido, E. Denninger, in: AlternativKommentar , vol. I, p. 275-6.156 A Constituição da Turquia (art. 17, inc. III), adespeito de não ter reconhecido o princípio da dignidadeda pessoa humana em dispositivos autônomos, nãodeixou de mencioná-lo, proibindo a aplicação de penasque atentem contra a dignidade da pessoa humana. Jáas Constituições de Dinamarca, Holanda e Luxemburgonão mencionam a dignidade da pessoa humana entre osseus princípios ou direitos fundamentais, o que, àevidência, não significa, por si só, que não haja,também nestes Estados, o acatamento da dignidade dapessoa na condição de princípio implícito, tal como

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ocorreu na França, ou mesmo pelo reconhecimento eproteção dos direitos fundamentais – estes tidos comoexigências da dignidade da pessoa – comum a todas asConstituições da Europa. No caso específico da França,em que pese a tradição de proteção das liberdadesfundamentais, desde a paradigmática Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ainda hojeparte integrante da Constituição Francesa, apenas em1994, em conhecida e amplamente citada e discutidadecisão proferida pelo Conselho Constitucional (Decisão nº94-343/344 DC, de 27.07.94), ao declarar aconstitucionalidade da legislação versando sobre orespeito ao corpo humano, doação e utilização deprodutos do corpo humano, assistência médica àsprocriações e diagnóstico pré-natal, foi reconhecido, apartir dos termos do Preâmbulo da Constituição Francesade 1946 (também integrante da atual Constituição, de1958), que a proteção da dignidade da pessoa humanacontra toda e qualquer forma de degradação é umprincípio de valor constitucional. O caso da França, aliás,bem ilustra que o princípio constitucional da dignidade dapessoa humana também encontra lugar no âmbito deum direito constitucional “não-escrito”, desenvolvidomediante a interpretação da constituição, como princípioe valor implícito. Sobre o tópico, v., por todos, P.Tiedemann, Was ist Menschenwürde? , Darmstadt:Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2006, p. 30-31.157 Referência colhida de F. Delpérée, O Direito àDignidade Humana , p. 151.158 Referência extraída de C. L. Antunes Rocha , Oprincípio da dignidade da pessoa ..., p. 37. Citando umasérie de outras Constituições da Europa Oriental que,após a derrocada do “socialismo real” e queda da assimdenominada “cortina de ferro”, agasalharam, em seutexto, a dignidade da pessoa humana, v. E. P. NobreJúnior, O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade daPessoa Humana , in: RDA nº 219 (2000), p. 238-39.159 Aqui bastaria lembrar a convenção para a proteçãodos direitos do homem em face da biotecnologia e

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biomedicina, de 1996, que enfatiza (no seu primeiroartigo) a dignidade de toda a vida humana.160 Sobre tal evolução, v., por todos, J. E. M. Machado,Direito da União Européia , Coimbra: Wolters Kluwer eCoimbra Editora, 2010, especialmente p. 09-32.161 Cf. M. Herdegen, Neuarbeitung von Art. 1 Abs.1 , p.10, reportando-se à decisão do Tribunal de Justiça dasComunidades Européias citada no periódico NJW (NeueJuristische Wochenschrift 2002, p. 2448).162 Cf. C. Calliess, “Die Menschenwürde im Recht derEuropäischen Union”, in R. Gröschner e O. W. Lembcke(Ed.), Das Dogma der Unantastbarkeit, Tübingen: MohrSiebeck, 2009, p. 133 e ss. No âmbito da produçãomonográfica sobre a dignidade da pessoa humana naordem jurídica europeia, destacam-se as contribuições deB. Maurer, Le príncipe de respect de la dignité humaineet la Convention européenne des droits de l’homme ,Paris: la Documentation Française, 1999, bem como, porúltimo, P. Wallau, Die Menschenwürde in derGrundrechtsordnung der Europäischen Union , Bonn:Bonn University Press, 2010.163 J. Miranda , Manual ..., vol. IV, p. 180, nota derodapé nº 4, ainda refere as Constituições de Colômbia(art. 1º), Bulgária (preâmbulo), Hungria (art. 54),Lituânia (art. 21), Polônia (art. 30), China (art. 38),Namíbia (preâmbulo e art. 8º), Cabo Verde (art. 1º) eÁfrica do Sul (arts. 1º, 10º e 39º).164 Cf. C. R. Siqueira Castro, A Constituição Aberta eos Direitos Fundamentais , p. 19.165 C f. S. Baer, “Menschenwürde zwischen Recht,Prinzip und Referenz”, in: DZPhil . 53 (2005), p. 57 2.166 Desenvolvendo, notadamente a partir de umaperspectiva político-filosófica, a noção da dignidade dapessoa humana como fundamento e objetivo do Estadoconstitucional e democrático consagrado pela Constituiçãode 1988, no sentido de que é função precípua daordem estatal a proteção e promoção da dignidadeindividual e de uma vida digna – ou “vida boa” (comoprefere o autor) – para todas as pessoas, v. o alentado

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contributo de L.F. Barzotto, A Democracia na Constituição, especialment p. 193 e ss.167 Neste sentido, a oportuna lição de P. Badura,Staatsrecht, p. 87.168 Cf. A Bleckmann, Staatsrecht II – Die Grundrechte ,p. 539.169 Cf. J. R. Novais, Os princípios constitucionaisestruturantes da República Portuguesa , p. 52.170 Na Alemanha, especialmente em virtude da trágicaexperiência com o nacional-socialismo, tal concepção,entre outros, foi sustentada recentemente por W. Höfling,in: M. Sachs (Org.), Grundgesetz , p. 101.171 Cf. J. González Pérez, La dignidad de la persona ,p. 83.172 Desde logo, convém destacar – até mesmo paranão sermos incompreendidos e não merecermos apecha de positivistas no sentido formal – queconsideramos o direito positivo como um sistema denormas integrado tanto por regras como por princípiosexpressos e implícitos, ambas as categorias, por suavez, impregnadas de valores, tal como ainda teremosoportunidade de reafirmar. De outra parte, resultaevidente que mesmo para uma compreensão doconteúdo jurídico-normativo da dignidade da pessoahumana (notadamente da sua condição de valor eprincípio fundamental) não há como dispensar o recursoà fundamentação histórico-filosófica, o que apenasreforça a noção de que se é possível efetuar umaanálise calcada na dimensão jurídico-positiva, não seestá a abstrair pura e simplesmente as categoriasargumentativas oriundas de outras searas dopensamento, especialmente da filosofia.173 Com efeito, na Alemanha, onde, inexistindo títuloautônomo para os princípios fundamentais, a dignidadeda pessoa humana consta no catálogo dos direitosfundamentais (art. 1º, inc. I), sendo considerada – deacordo com a doutrina majoritária e jurisprudênciaconstitucionais – simultaneamente um direito fundamentale um princípio fundamental da ordem de valores

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objetiva, havendo, contudo, quem negue o caráter dedireito fundamental da dignidade da pessoa humana.Sobre esta discussão, que aqui deixaremos deaprofundar, v., dentre tantos, K. Stern, Das Staatsrecht...vol. III/1, p. 22 e ss. Assim também Maunz-Zippelius ,Deutsches Staatsrecht , p. 180, e T. Geddert-Steinacher,Menschenwürde als Verfassungsbegriff , p. 164 e ss.Mais recentemente, Höfling, in: M. Sachs (Org.),Grundgesetz , p. 102, bem como H. Dreier, Art. 1 I GG,in: H. Dreier (Org.), Grundgesetz Kommentar , p.117-119, no seu recente comentário à Lei Fundamentalda Alemanha, além de C. Starck, in: BonnerGrundgesetz , p. 47-9, bem como M. Sachs,Verfassungsrecht II. Grundrechte , p. 171 e ss.174 Registre-se que há quem questione esteenquadramento, sustentando que não se trata de umprincípio constitucional fundamental, por considerar estacategoria mais limitada que a dos princípiosconstitucionais gerais, já que estes dizem respeito a todaa ordem jurídica. Neste sentido, o entendimento de J.Afonso da Silva, A dignidade da pessoa humana ..., p.91-2, advogando que a dignidade da pessoa constituibem mais do que princípio jurídico, já que se cuida devalor supremo e fundante de toda a ordem jurídica,social e política, base de toda a vida nacional. Dequalquer modo, não vislumbramos a ocorrência daincompatibilidade sugerida por José Afonso da Silva,inexistindo, salvo melhor juízo, razão para que não sereconheça, a exemplo de J. A. Florez Valdéz, Losprincipios generales del Derecho y su formulaciónconstitucional, especialmente p. 95 e ss, que o princípioda dignidade da pessoa humana é simultaneamenteprincípio constitucional fundamental e princípio geral dedireito, não se cuidando, à evidência, de conceitosexcludentes.175 Cf., por último e por todos, W. G. Di Lorenzo,Teoria do Estado de Solidariedade, p. 53-56, afirmandoa dupla condição de princípio e valor.176 Cf., especialmente, J. Miranda, in : Estudos sobre a

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Constituição, p. 14 e ss., J.J. Gomes Canotilho e V.Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada ,vol. I, p. 195 e ss. Por último, v. J.R. Novais, Osprincípios constitucionais estruturantes da RepúblicaPortuguesa, p. 51 e ss.177 No que diz com a evolução na Espanha,colaciona-se a lição de F.F. Segado, “La dignidad de lapersona como valor supremo del ordenamiento jurídico”,in: Direito & Justiça , p. 116 e ss., para quem oTribunal Constitucional Espanhol chegou a decidir pelaimpossibilidade de interposição de recurso de amparocom base direta e exclusiva na dignidade da pessoahumana, justamente por se tratar de princípiofundamental, de tal sorte que uma violação da dignidadeapenas poderá ser impugnada no contexto de umdireito fundamental específico derivado da dignidade. Nomesmo sentido, v., dentre tantos, A. E. Pérez Luño,Derechos Humanos , Estado de Derecho y Constitución ,p. 180 e ss., que se refere à dignidade da pessoahumana como “princípio-guia del Estado de Derecho” e“valor básico ( Grundwert ) fundamentador de losderechos humanos”. Por último, demonstrando que naEspanha o Tribunal Constitucional ainda privilegia acondição principio lógica da dignidade, v.. I.Gutiérrez-Gutiérrez, Dignidad de la Persona y DerechosFundamentales , p. 22.178 Cf. a lição de R. Alexy, Teoria de los DerechosFundamentales , p. 47 e ss. (especialmente p. 62 e ss.).Entre nós, especialmente a respeito da distinção entretexto e norma, vale lembrar, a lição de E. R. Grau, AOrdem Econômica na Constituição de 1988 , p. 164 ess. Mais recentemente e no mesmo sentido, comreferência expressa ao pensamento de Eros Grau, v.Lenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise , p.16, nota de rodapé nº 2. Convém destacar, todavia,que o reconhecimento da distinção entre texto e normanão implica uma total “libertação” do intérprete (e,portanto, da norma) do texto e, de resto, do sistemajurídico-constitucional, no sentido de um voluntarismo

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hermenêutico, impregnado de arbitrariedade, já que otexto (o enunciado semântico produzido pelo legislador –especialmente em se cuidando do Constituinte) operasempre como uma espécie de moldura para a norma,já que – se viável, por óbvio, a superação do textolegal quando inequivocamente colidente com a normativaconstitucional – não se poderá, em princípio, admitirinterpretação que frontalmente conflite com o sentidoliteral mínimo da Constituição. Aqui, contudo, estamos jáa adentrar os desafiadores e complexos meandros dahermenêutica jurídica, de tal sorte que nos limitamos aoregistro efetuado, remetendo, entre outros, especialmenteàs lições referencias de Juarez Freitas, A InterpretaçãoSistemática do Direito 3ª ed,m p. 62 e ss., onde lançae explora a noção de que “interpretar uma norma éinterpretar o sistema inteiro”, e, mais recentemente, deLenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica (e)m Crise, 5ªed ., p. 310 e ss., em capítulo que ostenta osignificativo título “O Caráter não-relativista dahermenêutica ou de como a afirmação ‘a norma é(sempre) o produto da atribuição de sentido a umtexto’ não pode significar que o intérprete estejaautorizado a ‘dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa’”.179 Neste contexto, basta-nos a referência à duplafunção defensiva e prestacional da dignidade, de talsorte que o dispositivo (texto) que reconhece adignidade como princípio fundamental encerra normasque outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (nãoviolação da dignidade), mas que também impõecondutas positivas no sentido de proteger e promover adignidade, tudo a demonstrar a multiplicidadede normascontidas num mesmo dispositivo.180 Sobre o caráter dúplice das normas de direitosfundamentais, v. a paradigmática lição de R. Alexy,Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 81 e ss.Entre nós, v. por todos, V. A. da Silva, DireitosFundamentais, Conteúdo essencial, restrições e eficácia.São Paulo: Malheiros, 2009, p. 43 e ss.181 Cf. sustenta, entre outros, B. Maurer, Notes sur le

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respect de la dignité humaine ..., p. 207.182 Assim o faz, por exemplo, F. Delpérée, O Direito àDignidade Humana , p. 151 e ss., ao menos de acordocom o que se depreende do título de seu ensaio.183 BverfGE 87, 209 (228), citado por H. Dreier, Art. 1I GG, in: H. Dreier (Org.), Grundgesetz Kommentar , p.120, referindo que mesmo o torturado e o perseguidonão perdem a sua dignidade, ainda que esta tenha sidoviolada. A respeito da evolução anterior da jurisprudênciado Tribunal Federal Constitucional da Alemanha sobre adignidade da pessoa, v. E. Niebler, Die Rechtsprechungdes Bundesverfassungsgericht zum obersten Rechtswertder Menschenwürde , in: Bayrische Verwaltungsblätter(BayVwBl), 1989, p. 737 e ss.184 Cf. E Benda, in : Handbuch des Verfassungsrechts ,vol. I, p. 164, lição esta que – embora voltada ao art.1º da Lei Fundamental da Alemanha – revela-seperfeitamente compatível com a posição outorgada pelonosso Constituinte de 1988 ao princípio da dignidade dapessoa humana.185 Cf. J. Martins-Costa, “As interfaces entre o Direito ea Bioética”, in: J. Clotet (Org.), Bioética, p. 75.186 Cf. K. Stern, Staatsrecht III/1 , p. 23, sem queaqui se vá explorar a controvérsia em torno da relaçãoentre o valor da vida humana e a dignidade da pessoa,já que não faltam os que sustentam a prevalência daprimeira.187 Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional eTeoria da Constituição, p. 1085 e ss., concebendo aConstituição como sistema aberto de regras e princípios.188 Registre-se aqui a lição de A J. de Azevedo,Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana ,p. 12, no sentido de que, no caso da dignidade dapessoa humana, “o conceito, além de normativo, éaxiológico, porque a dignidade é valor – a dignidade é aexpressão do valor da pessoa humana. Todo ‘valor’ é aprojeção de um bem para alguém ; no caso, a pessoahumana é o bem e a dignidade, o seu valor, isto é, asua projeção.”

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189 O próprio Alexy, Teoria de los DerechosFundamentales , p. 138 e ss., para além de reconhecera imbricação dos valores e dos princípios, bem comoafirmar a sua similitude estrutural, sustenta a existênciade uma distinção entre ambas as categorias,designadamente pelo fato de que os valores possuemcaráter axiológico (juízos de valor), enquanto osprincípios situam-se no nível deontológico (do dever ser).Relevante, isto sim, parece-nos a necessidade de jamaisesquecer a permanente presença dos valores no sistemanormativo, seja nos princípios, seja nas regras, penade, aí sim, incorrermos em grave equívoco emerecermos até mesmo o rótulo de positivistas nosentido formalista kelseniano.190 Cf. J. Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª ed., p. 56 e ss, aperfeiçoando e desenvolvendosua posição inicial a respeito deste tópico. Emperspectiva similar, v. também A. Pasqualini,Hermenêutica e Sistema Jurídico , p. 57 e ss.Apresentando, por sua vez, uma concepção diferenciada,v. o recente contributo de H.B. Ávila, Teoria dosPrincípios , 2ª ed., especialmente ao sustentar aexistência, ao lado dos princípios e das regras, depostulados normativos aplicativos (ob. cit., notadamentep. 78 e ss.).191 Neste mesmo sentido, enfatizando a necessidade dese afastar uma concepção meramente programática doprincípio da dignidade da pessoa humana, v. também E.Bittar, “Hermenêutica e Constituição: a dignidade dapessoa humana como legado à pós-modernidade”, op.cit., p. 251.192 A respeito da dimensão objetiva e subjetiva dosprincípios e direitos fundamentais, v., por todos, o nossoA Eficácia dos Direitos Fundamentais , 10ª ed., 2009, p.141 e ss.193 Cf. R. Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 106 e ss., destacando que a condição de regra dadignidade manifesta-se pelo fato de que nos casos emque esta norma assume relevância, não se questiona se

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ela precede, ou não, a outras normas, mas sim, seestá sendo violada, ou não.194 Para uma exaustiva análise da distinção entreregras e princípios, como espécies do gênero normasjurídicas, v. R. Alexy, Teoria de los DerechosFundamentales , p. 81 e ss. No direito lusitano, v.especialmente o neste contexto já lembrado J. J. GomesCanotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição ,p. 1086- 1101. Entre nós e entre outros (destacando-sea ausência de uniformidade no pensamento dos autorescolacionados), W. C. Rothenburg, Prin cípiosConstitucionais, p. 13 e ss., W. S. Guerra Filho,Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 43 ess, I. M. Coelho, “Elementos de Teoria da Constituição ede Interpretação Constitucional”, in: G. F. Mendes/I. M.Coelho/P. G. G. Branco, Hermenêutica Constitucional eDireitos Fundamentais , p. 44 e ss., Ruy SamuelEspíndola, Conceito de Princípios Constitucionais, SãoPaulo: RT, 1999, Luís Afonso Heck, “Regras, princípiosjurídicos e sua estrutura no pensamento de RobertAlexy”, in: G. S. Leite (Org.), Dos princípiosconstitucionais, p. 52-100, H. B. Ávila, Teoria dosPrincípios , op. cit., L. R. Barroso e A. P. Barcellos, “Ocomeço da história. A nova interpretação constitucional eo papel dos princípios no direito brasileiro”, in: L. R.Barroso (Org.), A Nova Interpretação Constitucional, Riode Janeiro: Renovar, 2003. J. R. G. Pereira,Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais , Riode Janeiro: Renovar, 2006.195 Cf. R. Alexy , Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 108-109.196 Em se tomando por referência a dupla dimensãoda dignidade como regra e princípio, poder-se-ásustentar que se cuida, em verdade, de mais de umanorma contida no dispositivo constitucional que aconsagrou, na linha da já anunciada (e aqui adotada)distinção entre texto e norma, bem como dapossibilidade do reconhecimento de mais de uma normaa partir de um mesmo texto.

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197 F. Ferreira dos Santos, Princípio constitucional dadignidade da pessoa humana , p. 94 e ss. No mesmosentido, advogando o caráter absoluto dos princípios erelativo dos valores, embora sem adentrar no exame dateoria de Alexy, v. Rizzato Nunes, O PrincípioConstitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrinae Jurisprudência , São Paulo: Saraiva, 2001, p. 5 e ss.198 N este sentido, a crítica de T. Geddert-Steinacher,Menschenwürde als Verfassungsbegriff , p. 128-29,destacando que Alexy acabou embasando sua tese emdecisões que não representam a tendência dominante noâmbito da jurisprudência do Tribunal FederalConstitucional da Alemanha, além de argumentar não sera dignidade uma norma de direito fundamental, massim, princípio jurídico ( Rechtsprinzip).199 Registre-se, nesta quadra, a nossa posição pessoalno sentido de que, por definição e por razões atémesmo de ordem lógica, inexistem princípios absolutos,já que tal condição contradiz a própria essência danoção e a estrutura normativa dos princípios,constituindo, em verdade, uma autêntica contradictio interminis. Assim, princípios absolutos ou não sãoprincípios ou são outra coisa do que habitualmente comotal se tem considerado.200 Cf. R. Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 106 e ss.201 Considere-se aqui a problemática que envolveespecialmente a descriminalização e até mesmo aautorização pelo ordenamento jurídico da prática daeutanásia comissiva ou omissiva, onde uma opção pelamanutenção, a qualquer custo (e não apenas financeiro)da vida, poderá ser tida como violadora da dignidade,ao menos se assim for compreendida uma sobrevidamarcada por sofrimentos atrozes ou condiçõesmanifestamente degradantes e indignas de vida.202 Cf. R. Alexy , Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 106 e ss. Esta também parece ser a posiçãoadotada por M. Kloepfer, “Grundrechtstatbestand undGrundrechtsschranken in der Rechtsprechung des

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Bundesverfassungsgerichts – dargestellt am Beispiel derMenschenwürde”, in: C. Starck (Org.),Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz , vol. II, p.411, ao questionar uma compreensão da dignidade quese imponha de forma absoluta em relação a todos osdemais valores constitucionais, preferindo uma concepçãode acordo com a qual a dignidade assume, isto sim,posição privilegiada no âmbito de uma eventualnecessidade de ponderação entre os bensjurídico-constitucionais,posição este reafirmada pelo autorem estudo mais recente (v. M. Kloepfer, “Leben undWürde des Menschen”, in: P. Badura e H. Dreier (Org.),Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht , vol. II, p.77 e ss., destacando, logo na introdução do seu ensaio,que a dignidade não poderia ser menos restringível queo direito à vida. Entre nós, no mesmo sentido, v.também V.A. da Silva, Direitos Fundamentais , p.200-202, no que se refere a dignidade da pessoahumana.203 Neste passo, assume relevo a lição de H. B. Ávila,Distinção entre princípios e regras e a redefinição dodever de proporcionalidade, in: RDA nº 215 (1999),especialmente p. 154 e ss., lembrando que a definiçãode princípios e sua distinção das regras depende, emverdade, do critério em função do qual a distinção éadotada.204 A compatibilidade entre a condição de princípio e aeficácia plena da respectiva norma jurídica, assim comoentre a dimensão objetiva e subjetiva foi objeto deamplo desenvolvimento no nosso A Eficácia dos DireitosFundamentais , especialmente p. 242 e ss. No mesmosentido, enfatizando tanto a dupla função como princípioe regra, quanto a eficácia direta do princípio dadignidade da pessoa humana, v., por último e portodos, L. R. Barroso, “A dignidade da pessoa humanano direito constitucional contemportâneo...”, op. cit., p.11 e ss.205 Cf. Paulo Bonavides, no prefácio da primeira ediçãodesta obra, posteriormente publicado na coletânea de

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textos do autor intitulada Teoria Constitucional daDemocracia Participativa, p. 233.

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4. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais:alguns pontos de contato4.1. Dignidade da pessoa, unidade axiológica (e aberta!)e legitimidade da ordem jurídico-constitucional e dosistema dos direitos fundamentaisConsoante já anunciado, dentre as funções exercidaspelo princípio fundamental da dignidade da pessoahumana, destaca-se, pela sua magnitude, o fato de ser,simultaneamente, elemento que confere unidade desentido e legitimidade a uma determinada ordemconstitucional, constituindo-se, de acordo com asignificativa fórmula de Haverkate, no “ponto deArquimedes do estado constitucional”.206 Como bem olembrou Jorge Miranda, representando expressiva parcelada doutrina constitucional contemporânea, a Constituição,a despeito de seu caráter compromissário, confere umaunidade de sentido, de valor e de concordância práticaao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez,repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, naconcepção que faz da pessoa fundamento e fim dasociedade e do Estado, 207 razão pela qual se chegou aafirmar que o princípio da dignidade humana atua comoo “alfa e ômega” do sistema das liberdadesconstitucionais e, portanto, dos direitos fundamentais.208Tal concepção, à evidência, aplica-se também ao nossoconstitucionalismo, igualmente caracterizado por umaConstituição de cunho marcadamente compromissário,mas que – como já frisado – erigiu a dignidade dapessoa humana à condição de fundamento de nossoEstado democrático de Direito, como, de resto, já temsido amplamente sustentado também no âmbito dadoutrina pátria. 209 Assim, na esteira do que já seafirmou em relação à Lei Fundamental da Alemanha,também a nossa Constituição – pelo menos de acordocom seu texto – pode ser considerada como sendouma Constituição da pessoa humana, por excelência,210ainda que não raras vezes este dado venha a servirtualmente desconsiderado.Assim, como bem lembra Martínez, ainda que a

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dignidade preexista ao direito, certo é que o seureconhecimento e proteção por parte da ordem jurídicaconstituem requisito indispensável para que esta possaser tida como legítima.211 Aliás, tal dignidade tem sidoreconhecida à dignidade da pessoa humana que sechegou a sustentar, reescrevendo o conhecido emulticitado art. 16 da Declaração Francesa dos Direitosdo Homem e do Cidadão (1789), que toda sociedadeque não reconhece e não garante a dignidade dapessoa não possui uma Constituição.212 Também poreste motivo assiste inteira razão aos que apresentam adignidade da pessoa humana como critério aferidor dalegitimidade substancial de uma determinada ordemjurídico-constitucional, já que diz com os fundamentos eobjetivos, em suma, com a razão de ser do própriopoder estatal.213 Nesta perspectiva – embora numsentido distinto – há como sustentar que a dignidadesempre também cumpre uma função política (normativaembora não jurídica) fundamental, atuando comoreferência para o processo decisório político e jurídico,visto que torna incontroversa (no sentido de uma“metáfora absoluta”) a decisão em si mesma doreconhecimento da dignidade da pessoa humana noâmbito de um consenso sociocultural (por exemplo, naafirmação de que uma violação da dignidade é sempreinjusta!) e na condição de conceito referencial, ainda queno particular, sobre o que cada um entende pordignidade da pessoa e sobre o modo de sua promoçãoe proteção, existam muitas divergências.214Se, por um lado, consideramos que há como discutir –especialmente na nossa ordem constitucional positiva – aafirmação de que todos os direitos e garantiasfundamentais encontram seu fundamento direto, imediatoe igual na dignidade da pessoa humana, do qual seriamconcretizações, 215 constata-se, de outra parte, que osdireitos e garantias fundamentais podem – em princípioe ainda que de modo e intensidade variáveis –, serreconduzidos de alguma forma à noção de dignidade dapessoa humana, já que todos remontam à ideia de

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proteção e desenvolvimento das pessoas, de todas aspessoas, como bem destaca Jorge Miranda. 216 Nestesentido, Vieira de Andrade, embora sustentando que oprincípio da dignidade da pessoa humana radica na basede todos os direitos fundamentais constitucionalmenteconsagrados, admite, todavia, que o grau de vinculaçãodos diversos direitos àquele princípio poderá serdiferenciado, de tal sorte que existem direitos queconstituem explicitações em primeiro grau da ideia dedignidade e outros que destes são decorrentes. 217Assim, mesmo que se deva – nesta linha deentendimento – admitir que o princípio da dignidade dapessoa humana atua como principal elemento fundante einformador dos direitos e garantias fundamentais tambémda Constituição de 1988 – o que, de resto, condiz coma sua função como princípio fundamental – ta mbém écerto que haverá de se reconhecer um espectro amploe diversificado no que diz com a intensidade destavinculação,218 aspecto que, por sua vez, voltará a serabordado no próximo segmento. O que importa frisar,neste contexto, é que embora se possa aceitar, aindamais em face das peculiaridades da ConstituiçãoBrasileira, que nem todos os direitos fundamentaistenham fundamento direto na dignidade da pessoahumana 219 , sendo, além disso, correta a afirmação deque o conteúdo em dignidade dos direitos é variável,tais circunstâncias não retiram da dignidade da pessoahumana, na sua condição de princípio fundamental eestruturante, a função de conferir uma determinada (epossível) unidade de sentido ao sistema constitucional dedireitos fundamentais, orientando – tal como bem apontaJorge Reis Novais – inclusive as possibilidades deabertura e atualização do catálogo constitucional dedireitos,220 como mais adiante teremos oportunidade deverificar. Todavia, há que levar em conta, como bemaponta José de Melo Alexandrino, que a ideia de acordocom a qual o princípio da dignidade da pessoa humanaimprime unidade de sentido ao sistema de direitosfundamentais não resulta imune a controvérsias, visto

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que não afasta alguns pontos problemáticos, a começarpela ampla gama de conteúdos e dimensões que seatribui à noção de dignidade da pessoa humana em si,bem como na (já referida) e não necessariamente lineare incontroversa relação entre a dignidade e os direitosfundamentais.221A concepção de acordo com a qual – pelo menos emgrande parte – os direitos fundamentais (assim como,em especial, os direitos humanos) encontram seufundamento na dignidade da pessoa humana, quandocontrastada com a noção de dignidade na condição deum direito (fundamental) à proteção e promoção dessadignidade, foi percebida, pelo menos na acepção deJeremy Waldrom, como constituindo uma “dualidade deusos”, visto que a dignidade opera tanto como ofundamento (a fonte) dos direitos humanos efundamentais, mas também assume a condição deconteúdo dos direitos.222 Tal dualidade, de qualquersorte, não representa uma incompatibilidade entre osdois usos da dignidade, aspecto que se impõe seja aquifrisado, ainda que não resulte desenvolvido.Neste passo, impõe-se seja ressaltada a funçãoinstrumental integradora e hermenêutica do princípio, 223na medida em que este serve de parâmetro paraaplicação, interpretação e integração não apenas dosdireitos fundamentais e das demais normasconstitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico. 224De modo todo especial, o princípio da dignidade dapessoa humana – como, de resto, os demais princípiosfundamentais insculpidos em nossa Carta Magna – acabapor operar como critério material no âmbitoespecialmente da hierarquização que costuma ser levadaa efeito na esfera do processo hermenêutico,notadamente quando se trata de uma interpretaçãosistemática.225Neste contexto, a despeito de já se ter apontado – e,na época, não sem boa dose de razão – para aausência, entre nós, de experiências jurisprudenciais maisavançadas no que diz com a aplicação do princípio da

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dignidade da pessoa humana, 226 o fato é que, cadavez mais, se encontram decisões dos nossos Tribunaisvalendo-se da dignidade da pessoa como critériohermenêutico, isto é, como fundamento para solução dascontrovérsias, notadamente interpretando a normativainfraconstitucionalà luz da dignidade da pessoa humana,muito embora o incremento em termos quantitativosnem sempre corresponda a uma fundamentaçãoconsistente da decisão. Com efeito, não são poucas asdecisões que apenas referem uma violação da dignidadeda pessoa, sem qualquer argumento adicionaldemonstrando qual a noção subjacente de dignidadeadotada e os motivos segundo os quais uma condutadeterminada (seja qual for sua procedência ou natureza)é considerada como ofensiva (ou não) à dignidade, oque, de certo modo, a despeito da nobreza dasintenções do órgão julgador, acaba, em muitos casos,contribuindo mais para uma desvalorização e fragilizaçãojurídico-normativa do princípio do que para a sua maioreficácia e efetividade.Apenas para ilustrar este ponto – no caso, a utilizaçãofundamentada do princípio da dignidade da pessoahumana –, e sem adentrar o mérito da argumentaçãoutilizada, colacionamos acórdão do Tribunal de Justiça deSão Paulo, considerando válida toda doação feita aooutro cônjuge que se casou sexagenário, já que, dadaa incompatibilidade com os princípios constitucionais dadignidade da pessoa humana, igualdade e proteção daintimidade, bem como em face da violação do devidoprocesso legal da sua acepção substantiva (princípio daproporcionalidade), não mais há como aplicar a restriçãoconstante do artigo 258, parágrafo único, inciso II, doCódigo Civil.227 Igualmente buscando uma exegesecomprometida com as exigências da dignidade,registre-se recente acórdão do Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul, entendendo que, no âmbito do concursode credores no processo falencial, o crédito decorrentedas contribuições previdenciárias não pode – a despeitoda previsão legal – estar acima dos trabalhistas, já que

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estes são indispensáveis à própria sobrevivência do serhumano, dizendo respeito à dignidade da pessoahumana e aos valores sociais do trabalho,devendo-se-lhes atribuir caráter prioritário.228 Dentreoutras tantas decisões que aqui poderiam ser citadas,aproveitamos para destacar, ainda, o acórdão proferidopela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, queteve como Relator o ilustre Ministro Ruy Rosado deAguiar, que, em seu magistral voto, além de sublinhar anecessária eficácia do princípio da dignidade da pessoanas relações entre particulares e a hierarquiaconstitucional dos tratados internacionais em matéria dedireitos humanos, sustentou a inconstitucionalidade daprisão civil do depositário na hipótese de contrato dealienação fiduciária em garantia, justamente com basenuma exegese afinada com as exigências da dignidadeda pessoa. 229Precisamente em relação aos casos de prisão civil naordem jurídica brasileira, cumpre apontar a mudança deorientação por parte do Supremo Tribunal Federal, que,a despeito de reconhecer – diversamente do julgado doSuperior Tribunal de Justiça referido – apenas ahierarquia supralegal dos tratados de direitos humanos(superando, todavia, a tese anterior, da mera paridadeentre tratado e lei ordinária), considera revogada alegislação permissiva da prisão do depositário infiel,invocando, além disso, os princípios da proporcionalidadee da dignidade da pessoa humana. 230 Outra hipóteseque demonstra – no nosso sentir, de modo adequado –a utilização da dignidade da pessoa humana comofundamento da decisão (ainda que não se cuide doúnico fundamento legítimo), diz respeito à garantia deque uma pessoa idosa, acometida de doença grave,mesmo tendo sido condenada à prisão pela prática detráfico de entorpecentes, possa ainda assim cumprir apena em regime de prisão domiciliar em regime fechado.231Protagonizando uma interpretação da legislação combase nos parâmetros materiais da dignidade da pessoa

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humana e dos direitos fundamentais, vale citar a decisãoproferida no Recurso Especial nº 1120676 (15.12.2010),relatado pelo Ministro Massami Uyeda, na qual estavaem causa a extensão dada ao disposto no artigo 3º daLei 6.194/74, que se refere às indenizações pelo fatomorte, conceito que, de acordo com a exegese propostapelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (acompanhadados demais julgadores, vencido o Relator), deveabranger o nascituro, na condição de ser humanoplenamente formado, embora ainda no útero materno,portanto, ainda não considerado pessoa na acepção doCódigo Civil. A matéria, de qualquer sorte, é controversae dialoga com outros aspectos de relevo, inclusive noque diz com a proteção da dignidade nessa fase dodesenvolvimento humano, bem como no tocante aoreconhecimento da titularidade de direitos humanos efundamentais ao nascituro e mesmo em etapas maisprecoces. Assim, não sendo o caso de aqui adentrar odebate, o que importa é a referência a mais umadecisão invocando a dignidade da pessoa humana e osdireitos fundamentais como parâmetro hermenêutico, nosentido de uma interpretação conforme a dignidade e osdireitos fundamentais.Já em outro contexto, embora também adotando umaexegese calcada na dignidade da pessoa humana (nocaso, vinculada ao direito à habitação), situa-se decisãodo Superior Tribunal de Justiça,232 na qual restouconsignada a impossibilidade de se estender aoscontratos de financiamento habitacionais anteriores àvigência da Lei 8.100/90 a vedação da quitação pelomesmo mutuário de dois saldos devedores, de tal sorteque a limitação seria legítima apenas a partir de05.12.1990. Tal decisão, todavia, em que pese corretaquanto ao resultado final (pelo menos, no nosso sentir),viabiliza entendimento diverso no que diz com autilização, como razão de decidir, da dignidade dapessoa humana. Com efeito, se é certo que o direito àhabitação encontra-se conectado com a dignidade dapessoa, também é evidente que não se cuida de

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qualquer habitação, mas sim, da moradia que atendaaos parâmetros da dignidade da pessoa. 233 De outraparte, o uso da dignidade da pessoa humana comoargumento, pelo menos no caso referido, encontraobjeção quando se trata de dois contratos distintos,relativos a duas moradias, de tal sorte que fica nomínimo difícil justificar que, neste caso, se estejaefetivamente em face de uma violação da dignidade domutuário do Sistema Financeiro de Habitação. De outraparte, parece ser possível fundar a decisão, de modomais enfático, na proteção da confiança (boa-fé) e, demodo geral, no princípio da segurança jurídica,igualmente com fundamento constitucional. De qualquermodo, cuida-se de mais um exemplo que indica tanto oquanto a jurisprudência brasileira está resgatando oprincípio da dignidade da pessoa humana comoreferencial no processo decisório, mas também apontapara a necessidade de maior cautela na utilização –nem sempre apropriada – da dignidade comoargumento.Com o intuito de agregar exemplos extraídos dorepertório jurisprudencial brasileiro, aproveitamos parareferir, ainda – a título meramente ilustrativo –, umadas diversas decisões que têm deferido a liberação dosvalores da conta do Fundo de Garantia por Tempo deServiço (FGTS) para atendimento de necessidadesbásicas da pessoa do trabalhador ou de sua família,notadamente quando se cuida de afastar uma iminenteou muitas vezes já ocorrida violação da dignidade dapessoa humana. Nesta perspectiva, insere-se o Acórdãoproferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região,234 liberando os valores do FGTS para reformas namoradia do requerente, que havia sido atingida porenchente, ainda que não se cuide, no momento, dereformas de grande extensão e de cunho emergencial,mas que se destinam a evitar a deterioração damoradia e a assegurar condições de habitaçãocompatíveis com as exigências da dignidade da pessoahumana. Já no que diz com a experiência na esfera do

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direito estrangeiro, registra-se decisão do TribunalConstitucional da Espanha, outorgando ao princípio daboa-fé uma interpretação baseada na dignidade dapessoa humana e na sua liberdade deautodeterminação, entendendo ser descabida a despedidade funcionário que, no período de suas férias, trabalhouem outra empresa. 235À luz dos exemplos colacionados e sem que se possaapresentar um inventário mais completo, verifica-se quea dignidade da pessoa humana, na condição de princípiofundamental de nossa ordem constitucional, tem sidoconsiderada – também na esfera jurisprudencial – comodotada de plena normatividade, notadamente comoreferencial no âmbito do processo hermenêutico, emboranão se vá adentrar o mérito das decisõesindividualmente consideradas, especialmente no que dizcom o uso adequado (devidamente justificado) dadignidade da pessoa humana.Aliás, é justamente para efeitos da indispensávelhierarquização236 que se faz presente no processohermenêutico, que a dignidade da pessoa humana(ombreando em importância talvez apenas com a vida –e mesmo esta há de ser vivida com dignidade) temsido reiteradamente considerada por muitos como oprincípio (e valor) de maior hierarquia da nossa e detodas as ordens jurídicas que a reconheceram, 237aspecto que nos remete ao problema de uma eventualrelativização da dignidade e da necessidade de umaponderação (e, por conseguinte, também de umahierarquização) de bens, 238 que aqui vai apenasreferido e que merecerá uma abordagem específica maisadiante.239 Assim, precisamente no âmbito desta funçãohermenêutica do princípio da dignidade da pessoahumana, poder-se-á afirmar a existência não apenas deum dever de interpretação conforme a Constituição e osdireitos fundamentais, mas acima de tudo – aquitambém afinados com o pensamento de Juarez Freitas– de uma hermenêutica que, para além do conhecidopostulado do in dubio pro libertate, tenha sempre

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presente “o imperativo segundo o qual em favor dadignidade não deve haver dúvida”. 240 Vale dizer, nestalinha de pensamento e finalizando este segmento, queos direitos fundamentais, assim como e acima de tudo,a dignidade da pessoa humana à qual se referem,apresentam como traço comum – e aquiacompanhamos a expressiva e feliz formulação deAlexandre Pasqualini –, o fato de que ambos (dignidadee direitos fundamentais) “atuam, no centro do discursojurídico constitucional, como um DNA, como um códigogenético, em cuja unifixidade mínima, convivem, deforma indissociável, os momentos sistemático e heurísticode qualquer ordem jurídica verdadeiramentedemocrática”. 2414.2. Os direitos fundamentais como exigência econcretizações do princípio da dignidade da pessoahumanaDe certa forma, a ideia revelada pelo título destecapítulo já restou anunciada ao longo do texto. Aindaassim, seja pela sua transcendental importância, sejapelos desdobramentos que propicia, importa retomá-la deforma mais enfática, mesmo que também aqui não sepretenda exaurir o tema.Neste contexto, verifica-se ser de tal forma indissociávela relação entre a dignidade da pessoa e os direitosfundamentais que mesmo nas ordens normativas onde adignidade ainda não mereceu referência expressa, nãose poderá – apenas a partir deste dado – concluir quenão se faça presente, na condição de valor informadorde toda a ordem jurídica, desde que nesta estejamreconhecidos e assegurados os direitos fundamentaisinerentes à pessoa humana. 242 Com efeito, sendocorreta a premissa de que os direitos fundamentaisconstituem – ainda que com intensidade variável –explicitações da dignidade da pessoa, por via deconsequência e, ao menos em princípio (já queexceções são admissíveis, consoante já frisado), emcada direito fundamental se faz presente um conteúdoou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da

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pessoa. 243É justamente a patir dessas premissas que AndréRamos Tavares sustenta a existência de umaconsubstancialidade parcial dos direitos fundamentais nadignidade da pessoa humana. 244 Nesta mesmaperspectiva, reconhecendo que nem todos os direitosfundamentais (e quando, não da mesma forma)encontram seu fundamento direto na dignidade dapessoa hu mana, vale colacionar a lição de IgnácioGutiérrez-Gutiérrez, ao afirmar que a pretensão deeficácia e de inviolabilidade da dignidade da pessoahumana encontram-se na dependência da suacapacidade de se integrar no c ontexto da dogmáticados direitos fundamentais, designadamente mediante aaptidão para uma abertura sistêmica que revela suaprodutividade justamente pela possibilidade de umareconstrução historicamente situada.245Em suma, o que se pretende sustentar de modo maisenfático é que a dignidade da pessoa humana, nacondição de valor (e princípio normativo) fundamental,exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dosdireitos fundamentais de todas as dimensões (ougerações, se assim preferirmos), muito embora –importa repisar – nem todos os direitos fundamentais(pelo menos não no que diz com os direitosexpressamente positivados na Constituição Federal de1988) tenham um fundamento direto na dignidade dapessoa humana. 246 Assim, sem que se reconheçam àpessoa humana os direitos fundamentais que lhe sãoinerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própriadignidade, o que nos remete à controvérsia em tornoda afirmação de que ter dignidade equivale apenas a terdireitos (e/ou ser sujeito de direitos), pois mesmo emse admitindo que onde houver direitos fundamentais hádignidade, a relação primária entre dignidade e direitos,pelo menos de acordo com o que sustenta parte dadoutrina,247 consiste no fato de que as pessoas sãotitulares de direitos humanos em função de sua inerentedignidade. Aliás, a partir de tais premissas, há como

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investir na diferenciação entre direitos humanos, nosentido de direitos fundados necessariamente nadignidade da pessoa, e direitos fundamentais, estesconsiderados como direitos que, independentemente deterem, ou não, relação direta com a dignidade dapessoa humana, são assegurados por força de suaprevisão pelo ordenamento constitucional positivo,temática que, todavia, aqui não será explorada. 248Em primeiro lugar, relembrando que a noção dedignidade repousa – ainda que não de forma exclusiva(tal como parece sugerir o pensamento de inspiraçãokantiana) – na autonomia pessoal, isto é, na liberdade(no sentido de capacidade para a liberdade)249 – queo ser humano possui de, ao menos potencialmente,formatar a sua própria existência e ser, portanto, sujeitode direitos, já não mais se questiona que a liberdade eos direitos fundamentais inerentes à sua proteçãoconstituem simultaneamente pressuposto e concretizaçãodireta da dignidade da pessoa, de tal sorte que nosparece difícil – ao menos se pretendermos manteralguma coerência com a noção de dignidadeapresentada ao longo do texto – questionar oentendimento de acordo com o qual sem liberdade(negativa e positiva) não haverá dignidade, ou, pelomenos, esta não estará sendo reconhecida eassegurada. 250Não é à toa que se vem sustentando, tal como o fez,recentemente, Paulo Mota Pinto, que da “garantia dadignidade humana decorre, desde logo, como verdadeiroimperativo axiológico de toda a ordem jurídica, oreconhecimento de personalidade jurídica a todos osseres humanos, acompanhado da previsão deinstrumentos jurídicos (nomeadamente, direitossubjetivos) destinados à defesa das refracções essenciaisda personalidade humana, bem como a necessidade deprotecção desses direitos por parte do Estado”. 251Assim, na formulação do mesmo autor, “A afirmação daliberdade de desenvolvimento da personalidade humanae o imperativo de promoção das condições

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possibilitadoras desse livre desenvolvimento constituem jácorolários do reconhecimento da dignidade da pessoahumana como valor no qual se baseia o Estado”. 252Aliás, é precipuamente com fundamento noreconhecimento da dignidade da pessoa por nossaConstituição, que se poderá admitir, também entre nós eapesar da omissão do Constituinte neste particular, aconsagração – ainda que de modo implícito – de umdireito ao livre desenvolvimento da personalidade.253Para além das conexões já referidas (especialmente noconcernente a liberdade pessoal e seus desdobramentos)– situa-se o reconhecimento e proteção da identidadepessoal (no sentido de autonomia e integridade psíquicae intelectual), concretizando-se – entre outras dimensões– no respeito pela privacidade, intimidade, honra,imagem, assim como o direito ao nome, todas asdimensões umbilicalmente vinculadas à dignidade dapessoa, 254 tudo a revelar a já indiciada conexão dadignidade, não apenas com um direito geral ao livredesenvolvimento da personalidade, mas também com osdireitos de personalidade em geral. 255 A título aquimeramente ilustrativo, verifica-se que tal concepçãorestou consagrada expressamente – notadamente noque diz com a vinculação direta ao princípio dadignidade da pessoa humana – pelo TribunalConstitucional da Espanha, ao afirmar que o direito àintimidade, como derivação da dignidade da pessoa,implica a existência de um âmbito próprio e reservadoem face de atuação e conhecimento dos demais,indispensável à manutenção de uma qualidade mínimade vida humana. 256Também o direito geral de igualdade (princípioisonômico) encontra-se diretamente ancorado nadignidade da pessoa humana, não sendo por outromotivo que a Declaração Universal da ONU consagrouque todos os seres humanos são iguais em dignidade edireitos.257 Assim, constitui pressuposto essencial para orespeito da dignidade da pessoa humana a garantia daisonomia de todos os seres humanos, que, portanto,

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não podem ser submetidos a tratamento discriminatórioe arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas aescravidão, a discriminação racial, perseguições pormotivos de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensaao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal ematerial.258Que o postulado proclamado pela Assembleia das NaçõesUnidas, da igualdade em dignidade de todas as pessoas(e, portanto, a vedação de discriminações decorrente doprincípio isonômico) não conflita com identidade única eirrepetível de cada pessoa e, neste sentido, há de sercompreendido, de certo modo, na sugestiva formulaçãode Leonardo Wandelli, como “uma igualdade entrediferentes incomparáveis”,259 já havia sido anunciado,mas também neste contexto deve ser enfatizado.Da mesma forma, não restam dúvidas de que adignidade da pessoa humana engloba necessariamenterespeito e proteção da integridade física e emocional(psíquica) em geral da pessoa, do que decorrem, porexemplo, a proibição da pena de morte, da tortura e daaplicação de penas corporais e até mesmo a utilizaçãoda pessoa para experiências científicas.260 Nestesentido, diz-se que, para a preservação da dignidade dapessoa humana, torna-se indispensável não tratar aspessoas de tal modo que se lhes torne impossívelrepresentar a contingência de seu próprio corpo comomomento de sua própria, autônoma responsávelindividualidade.261Objeto de acirrada polemização, não propriamente noconcernente ao reconhecimento de uma estreitaconexão, mas notadamente quanto às consequências aserem extraídas desta vinculação e ao modo pela qualesta se manifesta, tem sido a relação entre a dignidadeda pessoa humana e o direito à vida. Neste contexto,vale referir – dentre tantas que aqui poderiam sercolacionadas – decisão do Tribunal Constitucional daEspanha, na qual foi reconhecida a íntima vinculaçãoentre o princípio da dignidade da pessoa humana e odireito à vida, considerando ambos “como el punto de

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arranque, como el prius lógico y ontológico para laexistencia y especificación de los demas derechos”. 262Tal entendimento, em termos gerais, corresponde àtradição europeia no concernente à posição adotada porexpressivas doutrina e jurisprudência europeias,destacando-se neste ponto a posição de há muitoadotada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,onde, de certo modo, chega-se a partir de uma espéciede fungibilidade entre a dignidade e a vida, no sentidode que onde há vida há dignidade, e a violação de um,por via de consequência, implica a violação do outrobem jurídico constitucionalmente tutelado. Ainda que ascoisas talvez não sejam de fato tão simples – atémesmo diante da diversidade de pronunciamentos arespeito, inclusive no âmbito do mesmo Tribunal – o fatoé que a depender do modo pelo qual se compreendeas conexões entre vida e dignidade dependem umasérie de consequências jurídicas, isto sem falar na járeferida (e cada vez mais discutida) biologização dadignidade, que, de resto, subjaz também (embora nãoexclusivamente, como já nos parece ter sido esclarecido)ao pensamento de Ronald Dworkin, ao vincular adignidade diretamente ao valor intrínseco da vidahumana. De qualquer modo, sem que aqui se váexplorar todos os meandros desta instigante problemática(que assume relevo especialmente no campo dabiotecnologia e do biodireito de um modo geral), convémse deixe aqui consignada a nossa posição pessoal arespeito do ponto. Neste sentido, adotamos a posiçãoadvogada na Alemanha por Michael Kloepfer, queprefere resolver o dilema (com relevantes consequênciaspara o problema de eventual hierarquização da dignidadeem face de outros bens fundamentais) dignidade ou vidapela fórmula dignidade e vida (e não dignidade ou vida),sem que com isso se esteja a chancelar a absolutafungibilidade dos conceitos, que seguem tendo umâmbito de proteção próprio e, para efeitos de uma sériede aplicações, autônomo. 263Até mesmo o direito de propriedade – inclusive e

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especialmente tendo presente o seu conteúdo socialconsagrado no constitucionalismopátrio – se constitui emdimensão inerente à dignidade da pessoa, 264considerando que a falta de uma moradia decente oumesmo de um espaço físico adequado para o exercícioda atividade profissional evidentemente acaba, em muitoscasos, comprometendo gravemente – senãodefinitivamente – os pressupostos básicos para uma vidacom dignidade. Neste contexto, poder-se-á falar atémesmo de um direito fundamental à aquisição dapropriedade por usucapião, 265 isto sem falar no direitoà moradia (e, evidentemente, à moradia digna)recentemente introduzido no art. 6º de nossaConstituição, muito embora este último não signifiquenecessariamente um direito à moradia própria e,portanto, não pode ser identificado (apesar dasconexões evidentes) com o direito à propriedade. 266Não obstante as diversas interpretações que possam seroutorgadas à assertiva, parece-nos que é neste sentido– da vinculação do direito de e à propriedade com adignidade da pessoa humana – que devemos (ou, pelomenos, podemos) compreender a conhecida frase deHegel, ao sustentar – numa tradução livre – que apropriedade constitui (também) o espaço de liberdade dapessoa ( Sphäre ihrer Freiheit), o que, à evidência, nãoexclui o já referido conteúdo social da propriedade, mas,pelo contrário, outorga-lhe ainda maior sentido. 267 Aliás,é a partir de uma benfazeja releitura do direito depropriedade à luz da dignidade da pessoa humana queautores do porte de um Luís Edson Fachin sustentam anoção de um estatuto jurídico-constitucional dopatrimônio mínimo,268 que, em certo sentido, não deixade guardar conexão com a ideia de um mínimoexistencial para uma vida com dignidade, consoante, deresto, ter-se-á oportunidade de verificar logo a seguir.Além disso, percebe-se que o direito de propriedadepode assumir a condição de direito fundamental atémesmo no sentido material, sendo, nesta perspectiva, derechaçar a posição advogada por Ferrajoli, ao negar a

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fundamentalidade do direito de propriedade,enquadrando-o no grupo dos direitos meramentepatrimoniais.269Com efeito, também os assim denominados direitossociais, econômicos e culturais, seja na condição dedireitos de defesa (negativos), seja na sua dimensãoprestacional (atuando como direitos positivos), constituemexigência e concretização da dignidade da pessoahumana. 270 O reconhecimento jurídico-constitucional daliberdade de greve e de associação e organizaçãosindical, jornada de trabalho razoável, direito ao repouso,bem como as proibições de discriminação nas relaçõestrabalhistas (e aqui nos fixamos nos exemplos maisconhecidos) foi o resultado das reivindicações das classestrabalhadoras, em virtude do alto grau de opressão edegradação que caracterizava, de modo geral, asrelações entre capital e trabalho, não raras vezes,resultando em condições de vida e trabalhomanifestamente indignas, situação que, de resto, aindahoje não foi superada em expressiva parte dos Estadosque integram a comunidade internacional. Em verdade,cuida-se – em boa parte – de direitos fundamentais deliberdade e igualdade outorgados aos trabalhadores como intuito de assegurar-lhes um espaço de autonomiapessoal não mais apenas em face do Estado, mas especialmente dos assim denominados poderes sociais,271destacando-se, ainda, a circunstância de que o direito aotrabalho (e a um trabalho em condições dignas!) 272constitui um dos principais direitos fundamentais dapessoa humana, temática que, todavia, aqui não poderáser desenvolvida.273 Os direitos sociais de cunhoprestacional (direitos a prestações fáticas e jurídicas)encontram-se, por sua vez, a serviço da igualdade e daliberdade material, objetivando, em última análise, aproteção da pessoa contra as necessidades de ordemmaterial274 e à garantia de uma existência comdignidade,275 constatação esta que, em linhas gerais,tem servido para fundamentar um direito fundamental(mesmo não expressamente positivado, como já

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demonstrou a experiência constitucional estrangeira) aum mínimo existencial, compreendido aqui – de modo aguardar sintonia com o conceito de dignidade propostonesta obra – não como um conjunto de prestaçõessuficientes apenas para assegurar a existência (agarantia da vida) humana (aqui seria o caso de ummínimo apenas vital) mas, mais do que isso, uma vidacom dignidade, no sentido de uma vida saudável comodeflui do conceito de dignidade adotado nesta obra, oumesmo daquilo que tem sido designado de uma vidaboa. 276 Tal concepção, de resto, encontra ressonânciamesmo em pensadores de inspiração liberal, como é ocaso – entre outros – do norte-americano CassSunstein, para quem um direito a garantias sociais eeconômicas mínimas pode ser justificado não apenascom base no argumento de que p essoas sujeitas acondições de vida desesperadoras não vivem uma boavida, mas também a partir da premissa de que umregime genuinamente democrático pressupõe uma certaindependência e segurança para cada pessoa, 277 oque, de certo modo, harmoniza com a noção de ummínimo existencial para uma vida com dignidade e umconjunto de direitos prestacionais indispensáveis para agarantia deste mínimo sustentada, entre nós de modoparadigmático, por Ricardo Lobo Torres, em alentadoestudo sobre o tema, ainda que – e o registro énecessário – o referido autor, diversamente do ponto devista por nós adotado e na esteira de uma tradição deorientação liberal – como é o caso de um John Rawlse, de certo modo, do próprio Cass Sunstein já referido,prefira, em princípio, recusar a fundamentalidade aosdireitos sociais.278Por outro lado, em que pese eventual divergência arespeito da fundamentalidade dos direitos sociais de ummodo geral e dos limites de sua exigibilidade em Juízo,constata-se – pelo menos entre nós e em expressivaparcela da doutrina 279 (mas também, embora talvezainda com menor ênfase) e da jurisprudência280 – umcrescente consenso no que diz com a plena

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justiciabilidade da dimensão negativa (defensiva) dosdireitos sociais em geral e da possibilidade de se exigirem Juízo pelo menos a satisfação daquelas prestaçõesvinculadas ao mínimo existencial, de tal sorte quetambém nesta esfera a dignidade da pessoa humana(notadamente quando conectada com o direito à vida)assume a condição de metacritério para as soluçõestomadas no caso concreto, o que, de resto, acabousendo objeto de reconhecimento em decisão recente donosso Supremo Tribunal Federal. 281Neste contexto, vale lembrar, ainda, que o ponto deligação entre a pobreza, a exclusão social e os direitossociais reside justamente no respeito pela proteção dadignidade da pessoa humana, já que – de acordo comRosenfeld – “onde homens e mulheres estiveremcondenados a viver na pobreza, os direitos humanosestarão sendo violados”.282 A respeito do vínculo entrepobreza e dignidade da pessoa humana, importa referiro argumento de que nem sempre a pobreza (apesarde ser um fator limitador da liberdade individual) implicauma violação da dignidade, que, no entanto, restaconfigurada sempre que a pobreza resultar em exclusãoe déficit efetivo de autodeterminação,283 o que severifica, em termos gerais, sempre que as pessoas sãoforçadas a viverem na pobreza e na exclusão, emfunção de decisões tomadas por outras pessoas noâmbito dos processos políticos, sociais e econômicos. 284A conexão da dignidade da pessoa humana com aproblemática da pobreza e exclusão social não se limita,todavia, ao déficit de autodeterminação e à privação doassim chamado mínimo existencial, pois se manifestaigualmente por meio do processo de humilhação (econsequente perda até mesmo da autoestima285 ) àqual está sujeito todo aquele afetado pela pobrezaextrema e pela exclusão. 286Assim sendo e apesar da possibilidade de se questionara vinculação direta de todos os direitos sociais (efundamentais em geral) consagrados na Constituição de1988 com o princípio da dignidade da pessoa humana,

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não há como desconsiderar ou mesmo negar talconexão, tanto mais intensa, quanto maior a importânciados direitos sociais para a efetiva fruição de uma vidacom dignidade, o que, por sua vez, não afasta aconstatação elementar de que as condições de vida eos requisitos para uma vida com dignidade constituamdados variáveis de acordo com cada sociedade e emcada época, 287 o que harmoniza com a já destacadadimensão histórico-cultural da própria dignidade dapessoa humana e, portanto, dos direitos fundamentais(inclusive sociais) que lhe são inerentes.Por derradeiro, sem prejuízo de outros tantos exemplosque podem ser citados, os assim denominados direitospolíticos – direitos de cidadania e nacionalidade –igualmente apresentam vínculo direto e indissociável coma ideia de dignidade da pessoa. Se um Estadodemocrático que mereça ostentar esta condiçãopressupõe respeito e promoção da dignidade da pessoahumana, 288 também os direitos fundamentais ànacionalidade e os assim denominados direitos políticosativos e passivos, constituem de algum modo exigênciae decorrência da dignidade.289 Com efeito, a liberdadepessoal, como expressão da autonomia da pessoahumana (e, portanto, de sua dignidade) reclama apossibilidade concreta de participação na formação davontade geral, 290 não sendo à toa que Peter Häberlesustenta que democracia e direitos políticos operamsimultaneamente como consequência organizatória ecomo garantia política da dignidade da pessoa humana,de tal sorte que uma exclusão arbitrária dedeterminados grupos de cidadãos (em função de suaraça, religião, etc.) no que diz com o exercício de seusdireitos políticos também configuraria uma violação desua dignidade humana. 291 Assume relevo, nesta linhade entendimento, a lição de Celso Lafer, no sentido deque a inserção do indivíduo (pessoa) numa determinadaordem estatal é crucial para que lhe sejam reconhecidose assegurados os direitos fundamentais (como, de resto,a própria proteção da dignidade), de tal sorte que o

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direito à nacionalidade e cidadania (esta tida como oexercício dos direitos políticos) pode ser considerada, decerta forma, como o direito a ter direitos.292 Que estedireito a ter direitos resulta esvaziado se não fortambém compreendido como o direito a ter direitosefetivos, apontando para a íntima conexão entre adignidade da pessoa (e, de resto, dos direitosfundamentais de modo geral) com o direito a umatutela jurisdicional efetiva e todos os seus necessáriosdesdobramentos, nos parece evidente, ainda que aquinão possa ser desenvolvido.293Outro conjunto de direitos e garantias fundamentais queguarda íntima relação com a dignidade da pessoahumana é composto pelos direitos e garantiasprocessuais, ainda que também aqui seja indispensávelatentar para importantes diferenciações no que diz como “se” e o “como” (ou seja, a intensidade) davinculação. Mediante um olhar para o direito comparado,mais uma vez se revelam dignos de nota osdesenvolvimentos no âmbito da doutrina e jurisprudênciaconstitucional alemãs. Com efeito, em decisãoparadigmática proferida em 8 de janeiro de 1959, oTribunal Constitucional Federal da Alemanha sublinhou,em síntese apertada, que constitui exigência dadignidade da pessoa humana que o poder público nãodisponha de forma arbitrária dos direitos da pessoa, ouseja, de que o indivíduo, no âmbito do processo, nãopode ser tratado como mero objeto da decisão judicial,mas sim, deve ter assegurada a possibilidade de, comosujeito, se manifestar e exercer influência na esfera doprocesso decisório.294Sem que aqui se vá aprofundar o ponto, importaregistrar que esta também tem sido a orientaçãoadotada pelo Supremo Tribunal Federal em diversashipóteses, como dão conta dois exemplos emblemáticosque bem ilustram esta tendência, em especial no quediz com o alcance dos direitos e garantias de cunhoprocessual penal, onde mais evidente ocomprometimento da liberdade e dignidade da pessoa.

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No primeiro caso, 295 o Supremo Tribunal Federalenfatizou a conexão entre a garantia da razoávelduração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, daConstituição Federal) e a dignidade da pessoa humana,sublinhando que “a duração prolongada, abusiva eirrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modofrontal, o postulado da dignidade da pessoa humana,que representa – considerada a centralidade desseprincípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetorinterpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma einspira todo o ordenamento constitucional vigente emnosso País...”. Todavia, na mesma decisão, o Tribunalconsignou que a concessão da liberdade provisória porexcesso de prazo apenas se impõe quando amorosidade é exclusivamente imputável ao aparelhoJudiciário, não derivando de atitudes de caráterprocrastinatório causalmente atribuíveis ao réu, de talsorte que não é o decurso do prazo em si, mas a suacausa (culpa do poder público) e a condição do réucomo objeto da ação estatal que justificam a invocaçãoda dignidade da pess oa humana. Já no outro caso,trata-se de situação envolvendo a anulação de processoda competência do Tribunal do Júri em virtude deconstrangimento causado por não terem sido esgotados– na acepção do Supremo Tribunal Federal – todos osmeios disponíveis para a citação pessoal do réu, medidaindispensável para assegurar o exercício do direito dedefesa, que, de acordo com a tese sustentada peloMinistro Relator, Gilmar Mendes, “constitui pedra angulardo sistema de proteção dos direitos individuais ematerializa uma das expressões do princípio dadignidade da pessoa humana”. Além disso – na mesmadecisão – invocou-se a doutrina alemã, no caso, dofestejado comentarista da Lei Fundamental da Alemanha,Günther Dürig, advogando que “a submissão do homema um processo judicial indefinido e sua degradaçãocomo objeto do processo estatal atenta contra oprincípio da proteção judicial efetiva (“ rechtliches Gehör”) e fere o princípio da dignidade da pessoa humana”.

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296Neste contexto, expressando a noção de pessoa comosujeito de direitos e obrigações, talvez o mais corretofosse afirmar que, com fundamento na própria dignidadeda pessoa humana, poder-se-á falar também em umdireito fundamental de toda a pessoa humana a sertitular de direitos fundamentais que reconheçam,assegurem e promovam justamente a sua condição depessoa (com dignidade) no âmbito de uma comunidade.297 Aproxima-se desta noção – embora com elaevidentimente não se confunda – o assim denominadoprincípio da universalidade dos direitos fundamentais, 298que, nada obstante não consagrado expressamente peloConstituinte de 1988 e a despeito da redação do caputdo artigo 5º da nossa Carta Magna (atribuindo aosbrasileiros e estrangeiros residentes do país), atitularidade dos direitos fundamentais, reclama, todavia –como já tem decidido por várias vezes o nossoSupremo Tribunal Federal 299 – uma exegese de cunhoextensivo, justamente em homenagem ao princípio dadignidade da pessoa humana, no sentido de que pelomenos os direitos e garantias fundamentais diretamentefundados na dignidade da pessoa podem e devem serreconhecidos a todos, independentemente de suanacionalidade, excepcionando-se, à evidência, aquelesdireitos cuja titularidade depende de circunstânciasespecíficas e que, de regra, nem mesmo todos osnacionais de um determinado Estado podem exercer, 300como ocorre especialmente com os direitos políticos(ativos e passivos) ou mesmo com os direitos dostrabalhadores. 301De todos os exemplos colacionados – que de longe nãoesgotam o rol dos direitos fundamentais embasados nadignidade da pessoa humana – já transparece a suareferida dupla função defensiva e prestacional (negativae positiva), inclusive na condição de posições jurídicassubjetivas. Com efeito, tal caráter dúplice manifesta-senão apenas pela circunstância – já suficientementedemonstrada – de que tanto os assim denominados

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direitos de defesa (ou direitos negativos), mas tambémos direitos a prestações fáticas e jurídicas (direitospositivos) correspondem, ao menos em regra, àsexigências e constituem – embora em maior ou menorgrau – concretizações da dignidade da pessoa humana,mas também pelo fato de que da dignidade decorrem,simultaneamente, obrigações de respeito e consideração(isto é, de sua não violação) mas também um dever depromoção e proteção, a ser implementado inclusive –consoante já referido relativamente aos assim designadosdireitos sociais – por medidas positivas não estritamentevinculadas ao mínimo existencial, aspecto que voltará aser referido no próximo segmento.4.3. A abertura do catálogo constitucional dos direitosfundamentais e o princípio da dignidade da pessoahumana como norma de direitos fundamentaisOutro aspecto de transcendental importância para acompreensão do papel cumprido (ou a ser cumprido)pelo princípio da dignidade da pessoa humana,designadamente na sua conexão com os direitosfundamentais, diz com sua função como critério para aconstrução de um conceito materialmente aberto dedireitos fundamentais na nossa ordem constitucional.Com efeito, não é demais relembrar que a Constituiçãode 1988, na esteira da evolução constitucional pátriadesde a proclamação da República e amparada noespírito da IX emenda da Constituição norte-americana,consagrou a ideia da abertura material do catálogoconstitucional dos direitos e garantias fundamentais. Emoutras palavras, isto quer dizer que para além daquelesdireitos e garantias expressamente reconhecidos comotais pelo Constituinte, existem direitos fundamentaisassegurados em outras partes do texto constitucional(fora do Título II), sendo também acolhidos os direitospositivados nos tratados internacionais em matéria deDireitos Humanos. Igualmente – de acordo com aexpressa dicção do artigo 5º, § 2º, da nossa CartaMagna – foi chancelada a existência de direitosdecorrentes do regime e dos princípios da nossa

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Constituição, assim como a revelação de direitosfundamentais implícitos, subentendidos naquelesexpressamente positivados.302 Assim, perceptível que aabertura a direitos não previstos expressamente no textooriginário da Constituição guarda relação, embora semque se possa falar aqui em integral superposição, com anoção de um constitucionalismo cumulativo em matériade direitos e garantias, notadamente no que diz respeitoao fato de que aos primeiros direitos civis e políticos,somaram-se os direitos socioambientais e culturais, tudoa desembocar, no que se pode designar – a exemplodo que sugeriu Carlos Ayres Britto – de um Estado deDireitos. 303Sem que se vá aqui aprofundar todas as facetas daproblemática, nem mesmo no que diz com a busca ejustificação dos diversos exemplos que poderiam serreferidos, importa que se deixe consignado como oprincípio da dignidade da pessoa humana alcançaoperatividade neste contexto.Nesta quadra, um dos maiores desafios para quem seocupa do estudo da abertura material do catálogo dedireitos e garantias é justamente o de identificar quaisos critérios que poderão servir de fundamento para alocalização daquelas posições jurídico-fundamentais comotais não expressamente designadas pelo Constituinte. Àevidência que a dificuldade varia de acordo com o casoespecífico em exame. Assim, apenas a títuloexemplificativo, a justificação para considerar as normasa respeito da proteção do meio ambiente como sendo –em que pese previstas no artigo 225 da Constituição –normas de direito fundamental, certamente apresentarámenor grau de dificuldade, ou, pelo menos, exigirárazões distintas, que a fundamentação para justificar umdireito fundamental à motivação das decisões judiciais eadministrativas, igualmente positivados fora do Título II,caso se pretenda – como cremos ser possível –reconhecer que se cuida aqui também de normas decunho jusfundamental.Certo é que a tarefa, por vezes árdua, de identificar (e,

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acima de tudo, justificar esta opção) posiçõesfundamentais em outras partes da Constituição, bemcomo a possibilidade de reconhecer a existência dedireitos fundamentais implícitos e/ou autonomamentedesenvolvidos a partir do regime e dos princípios danossa Lei Fundamental, passa necessariamente pelaconstrução de um conceito material de direitosfundamentais. Assim, se com relação às normas dedireitos fundamentais integrantes do Título II se admiteque vigora uma presunção de que sejam normasconstitucionais (e fundamentais) em sentido material, 304no que diz com a identificação e fundamentação dedireitos implícitos e/ou direitos positivados em outraspartes da Constituição, não se poderá dispensar umexame acurado no sentido de que sejam guindadas àcondição de direitos fundamentais (compartilhando, de talsorte, do regime reforçado do qual estes gozam nanossa ordem constitucional) apenas posições jurídicasimplícita ou expressamente consagradas queefetivamente sejam de tal sorte relevantes no que dizcom seu conteúdo e significado, a ponto de mereceremo status de direitos fundamentais, em sentido material eformal, ou mesmo apenas material, quando for este ocaso. 305Levando, contudo, em conta que – de modo especialem face do elevado grau de indeterminação e cunhopolissêmico do princípio e da própria noção de dignidadeda pessoa – com algum esforço argumentativo, tudo oque consta no texto constitucional pode – ao menos deforma indireta – ser reconduzido ao valor da dignidadeda pessoa, convém alertar que não é, à evidência,neste sentido que este princípio fundamental deverá sermanejado na condição de elemento integrante de umaconcepção material de direitos fundamentais, pois, seassim fosse, toda e qualquer posição jurídica estranhaao catálogo poderia (em face de um suposto conteúdode dignidade da pessoa humana), seguindo a mesmalinha de raciocínio, ser guindada à condição dematerialmente fundamental.

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Também em função da abertura e indeterminação danoção de dignidade da pessoa humana, é precisocompreender que, no contexto da ora enfrentadaabertura do catálogo de direitos fundamentais, asreivindicações fundadas na dignidade, tal como bemaponta Emil Sobottka, “justamente por sua diversidade,expandem muito o leque de possibilidades”,306 o que,de resto, já se pode constatar no que concerne aoalentado e diversificado elenco de direitos fundamentaisexpressamente consagrados na Constituição, mastambém guarda relação com a problemática oraenfrentada, qual seja, das possibilidades e limites emtermos do reconhecimento de direitos fundamentais paraalém dos que foram objeto de expressa previsão peloConstituinte. Neste contexto, faz sentido colacionar aconcepção subjacente ao pensamento de Laurence Tribe,no sentido de que a dignidade (assim como aConstituição) não deve ser tratada como um espelho noqual todos veem o que desejam ver, 307 pena de aprópria noção de dignidade e sua força normativa correro risco de ser banalizada e esvaziada. 308 Com efeito,não é à toa que, a partir da observação das hipótesesem que violações da dignidade foram esgrimidas naesfera judicial, se chegou a afirmar que quanto maiselevado o valor que tem sido atribuído à dignidade, maistriviais os objetivos para os quais tem sido invocada. 309Assim, resulta evidente (também neste contexto) que,nem mesmo em nome da dignidade, se pode dizer (oufazer) qualquer coisa. 310O que se pretende demonstrar, neste contexto, é que oprincípio da dignidade da pessoa humana assumeposição de destaque, servindo como diretriz materialpara a identificação de direitos implícitos (tanto de cunhodefensivo como prestacional) e, de modo especial,sediados em outras partes da Constituição. Cuida-se, emverdade, de critério basilar, mas não exclusivo, já queem diversos casos outros referenciais podem serutilizados (como, por exemplo, o direito à vida e àsaúde na hipótese do meio ambiente, ou mesmo a

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ampla defesa e os recursos a ela inerentes, no caso dafundamentação das decisões judiciais e administrativas).Assim, o fato é que – e isto temos por certo – sempreque se puder detectar, mesmo para além de outroscritérios que possam incidir na espécie, estamos diantede um a posição jurídica diretamente embasada erelacionada (no sentido de essencial à sua proteção) àdignidade da pessoa, inequivocamente estaremos diantede uma norma de direito fundamental, semdesconsiderar a evidência de que tal tarefa nãoprescinde do acurado exame de cada caso .Muito embora não se possa falar de um limitepreviamente definido no que diz com a identificação dedireitos fundamentais implícitos ou positivados em outraspartes da Constituição, também é correto afirmar que talatividade reclama a devida cautela por parte dointérprete (já que de atividade hermenêutica se cuida),notadamente pelo fato de estar-se ampliando o elencode direitos fundamentais da Constituição com asconsequências práticas a serem extraídas, não sedevendo, ademais, desconsiderar o risco – a exemplodo que já foi referido com relação à própria dignidade –de uma eventual desvalorização dos direitosfundamentais, já apontada por parte da doutrina. 311Para além de servir de critério de justificação dafundamentalidade material de direitos positivados ao longodo texto constitucional e de reconhecimento de direitosimplícitos (no sentido de subentendidos nos jáexpressamente consagrados), resta a indagação se doprincípio da dignidade da pessoa – sem qualquer outroreferencial adicional – poderão ser deduzidos (no sentidode desenvolvidos hermeneuticamente) direitosfundamentais (no sentido de posições subjetivasjusfundamentais) autônomos.A nós parece que sim, na esteira, aliás, do que jádeixamos antever em outra oportunidade. 312 Comefeito, ainda que nos tenhamos posicionado no sentidoda inexistência de um direito fundamental à dignidade(como algo que possa ser objeto de concessão pela

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ordem estatal ou comunitária), nada impede – em quepesem as respeitáveis posições em sentido contrário 313– que do princípio da dignidade da pessoa humana sepossam deduzir autonomamente – sem qualquerreferência direta a outro direito fundamental – posiçõesjurídico-subjetivas fundamentais.Mesmo assim, não há como desconsiderar acircunstância de que, justamente pelo fato de serem osdireitos fundamentais, ao menos em regra, exigências econcretizações em maior ou menor grau da dignidadeda pessoa, a expressiva maioria dos autores eespecialmente das decisões judiciais acaba por referir adignidade da pessoa não como fundamento isolado, masvinculado a determinada norma de direito fundamental.Não é à toa que juristas do porte de Ernst Bendachegaram a afirmar que os direitos e garantiasfundamentais constituem garantias específicas dadignidade da pessoa humana, da qual são – em certosentido – mero desdobramento. 314Nesta linha de raciocínio, sustenta-se que o princípio dadignidade da pessoa humana, em relação aos direitosfundamentais, pode assumir, mas apenas em certosentido, a feição de lex generalis , já que, sendosuficiente o recurso a determinado direito fundamental(por sua vez já impregnado de dignidade), inexiste, emprincípio, razão para invocar-se autonomamente adignidade da pessoa humana, que, no entanto, nãopode ser considerada como sendo de aplicaçãomeramente subsidiária, até mesmo pelo fato de queuma agressão a determinado direito fundamentalsimultaneamente poderá constituir ofensa ao seuconteúdo em dignidade.315 A relação entre a dignidadeda pessoa humana e as demais normas de direitosfundamentais não pode, portanto, ser corretamentequalificada como sendo, num sentido técnico-jurídico, decunho subsidiário, mas sim, caracterizada por umasubstancial fundamentalidade que a dignidade assumeem face dos demais direitos fundamentais.316 É nestecontexto que se poderá afirmar, na esteira de

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Geddert-Steinacher, que a a relação entre a dignidade eos direitos fundamentais é uma relação sui generis , vistoque a dignidade da pessoa assume (em muitos casos!)simultaneamente a função de elemento e medida dosdireitos fundamentais, de tal sorte que, em regra, umaviolação de um direito fundamental estará vinculada comuma ofensa à dignidade da pessoa. 317Tal constatação não afasta, em princípio, a conveniênciade que – justamente em função do alto grau deabstração e indeterminação que caracteriza especialmenteo princípio da dignidade da pessoa humana, constituindoos direitos e garantias fundamentais concretizaçõesdaquele – diante de um caso concreto, busque-seinicialmente sondar a existência de uma ofensa adeterminado direito fundamental em espécie, não apenaspelo fato de tal caminho se mostrar o mais simples,mas acima de tudo pela redução da margem de arbítriodo intérprete, tendo em conta que em se tratando deum direito fundamental como tal consagrado peloConstituinte, este já tomou uma decisão prévia –vinculativa para todos os agentes estatais e particulares– em prol da explicitação do conteúdo do princípio dadignidade da pessoa naquela dimensão específica e darespectiva necessidade de sua proteção, seja nacondição de direitos de defesa, seja pela admissão dedireitos a prestações fáticas ou normativas. Isto,contudo, não significa que uma eventual ofensa adeterminado direito fundamental não possa constituirtambém, simultaneamente, violação do âmbito deproteção da dignidade da pessoa humana, de modo queesta poderá sempre servir de fundamento autônomopara o reconhecimento de um direito subjetivo, nestecaso de cunho defensivo.318Os desenvolvimentos precedentes autorizam que sereceba com simpatia a proposta de uma“pragmatização” do conceito de dignidade da pessoahumana, naquilo em que é possível obter um ganho emtermos de clareza mediante uma adequada diferenciaçãodas esferas específicas de proteção dos diversos direitos

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fundamentais individualmente considerados. 319 Comefeito, a cláusula geral da dignidade da pessoa humana,em termos gerais, acaba sendo viabilizada(concretamente realizada) em termos técnico-jurídicospor meio dos direitos fundamentais em espécie, que, pordizerem respeito a conceitos semânticos que podem, emregra, ser reconstruídos com maior facilidade, acabamesmo simplificandoa retórica vaga e, em alguns casos,até mesmo vazia de maior conteúdo da dignidade dapessoa humana, que, todavia, não perde a condição degarantia autônoma. 320Por sua vez, vale frisar, nada impede (antes pelocontrário, tudo impõe) que se busque, com fundamentodireto na dignidade da pessoa humana, a proteção –mediante o reconhecimento de posiçõesjurídico-subjetivas fundamentais – da dignidade contranovas ofensas e ameaças, em princípio não alcançadas,ao menos não expressamente, pelo âmbito de proteçãodos direitos fundamentais já consagrados no textoconstitucional.321 Para além do já referidoreconhecimento de um direito geral ao livredesenvolvimento da personalidade, diretamente deduzidodo princípio da dignidade da pessoa humana (já que oser sujeito (titular) de direitos é, à evidência, inerente àprópria dignidade e condição de pessoa), tal ocorre,apenas para citar outro exemplo dos mais contundentes,com a proteção da pessoa humana, em virtude de suadignidade, contra excessos cometidos em sede demanipulações genéticas e até mesmo a fundamentaçãode um novo direito à identidade genética do serhumano, 322 ainda não contemplado como tal (aomenos não expressa e diretamente) no nosso direitoconstitucional positivo.323 Também um direito àidentidade pessoal (neste caso não estritamente referidoà identidade genética e sua proteção, no caso, contraintervenções no genôma humano) tem sido deduzido doprincípio da dignidade da pessoa humana, abrangendoinclusive o direito ao conhecimento, por parte da pessoa,da identidade de seus genitores. 324 Da jurisprudência

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do STF, extrai-se, também na seara dos direitos depersonalidade (onde o vínculo com a dignidade semanifesta com especial agudeza), decisão reconhecendotanto um direito fundamental ao nome quanto ao estadode filiação, mediante o argumento de que “o direito aonome insere-se no conceito de dignidade da pessoahumana e traduz a sua identidade, a origem de suaancestralidade, o reconhecimento da família, razão pelaqual o estado de filiação é direito indisponível”.325 Emmatéria criminal, por sua vez, importa destacar oreconhecimento, pelo STF, de um direito à ressocializaçãodo apenado, iluminado pela concepção de que ao presohá de ser assegurada a possibilidade de uma reinserçãona vida social de modo livre e responsável (liberdadecom responsabilidade), diretriz que, portanto, há deservir de parâmetro para a interpretação e aplicação dalegislação em matéria de execução penal. 326 Nestamesma senda, reportando-se expressamente à conexãoentre a dignidade da pessoa humana e o princípio daigualdade, já assume ares de consenso, também entrenós, o reconhecimento de um direito a livre orientaçãosexual, do que dão conta, em caráter meramenteilustrativo, a proteção jurídica das uniões homoafetivas etodas as consequências que a doutrina e jurisprudênciadaí já têm extraído. 327 Já no âmbito dos assimdesignados direitos sociais, assume relevo, entre outrosexemplos que poderiam ser colacionados, o – de restojá citado – direito ao mínimo existencial para uma vidadigna, não expressamente consagrado pelo nossoConstituinte, mas que encontra seu fundamento diretono direito à vida e no dever do Estado de prover ascondições mínimas para uma vida com dignidade.Já num outro plano – embora revelando direta conexãocom a temática ora versada – situa-se o problema daextensão da abertura material dos direitos fundamentaispara direitos de matriz legal, porquanto expressamentereconhecidos pelo legislador infraconstitucional. É o queocorre, por exemplo, com alguns direitos depersonalidade consagrados no atual Código Civil Brasileiro

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e não diretamente positivados na Constituição, bemcomo com o direito aos alimentos (direito a umpensionamento de natureza alimentar), igualmentechancelado na legislação infraconstitucional material eprocessual e sem fundamento direto e expresso notexto constitucional vigente. Quanto a este ponto, se éverdade que a nossa Constituição não agasalhoudispositivo idêntico ao previsto na Constituição daRepública portuguesa, no qual, no artigo 16, nº 1, 328restou igualmente consagrada a noção de aberturamaterial do catálogo constitucional de direitosfundamentais,329 abrangendo – como deflui da dicçãodo dispositivo constitucional citado – até mesmo direitospositivados no plano legal, isto não significa,necessariamente, a impossibilidade de se reconhecer aexistência de direitos formalmente legais masmaterialmente constitucionais entre nós. Há queconsignar, contudo, o nosso próprio ceticismo em relaçãoa esta possibilidade, que, de resto, foi alvo de críticasmesmo em Portugal, com base no argumento de quenão faria sentido algum termos direitos fundamentaiscom hierarquia de lei, visto que com isso se estaria asubverter a própria noção de fundamentalidade, nosentido de uma indisponibilidade das posiçõesfundamentais pelos poderes constituídos.330Por outro lado, especialmente se considerarmos o casodos direitos de personalidade e do próprio direito aosalimentos, verifica-se que, em verdade, não estamos emface de direitos fundados diretamente na lei, mas sim,diante de direitos de fundamento constitucional (pelomenos implícito) regulamentados pelo legislador. Comefeito, assim como os direitos específicos depersonalidade expressamente elencados no Código Civildecorrem já de um direito geral de tutela e promoçãoda personalidade (por sua vez diretamente ancorado nadignidade da pessoa humana), de tal sorte que atémesmo dispensável (embora certamente não irrelevante),para efeito de seu reconhecimento e proteção, aintervenção legislativa,331 também o direito aos

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alimentos – apenas para ficarmos nos exemploscolacionados – integra o conjunto de prestaçõesindispensáveis ao mínimo existencial, já que destinadoessencialmente (mas não exclusivamente) à satisfaçãodas necessidades básicas do destinatário para uma vidacom dignidade.332 Além disso, o exemplo da verbaalimentar devida em função das relações de parentescoou da união entre duas pessoas, aponta para umapossível eficácia em relação a particulares dos direitosfundamentais a prestações (que não se identificamapenas com os assim designados direitos sociais), pelomenos em algumas situações, aspecto que, contudo,aqui não será mais desenvolvido.333Deixando de lado aquilo que seria mais propriamente aseara do reconhecimento de direitos fundamentaisautônomos, não explícita e diretamente positivados notexto constitucional, verifica-se que também oreconhecimento de posições jurídico-subjetivas,jusfundamentalmente asseguradas, a partir da dignidadeda pessoa, isoladamente considerada, cumpre relembrar– apenas para ilustrar a questão com alguns exemplos– a multicitada decisão proferida pelo Supremo TribunalFederal ao decidir pela impossibilidade de se compelir osuposto pai, demandado em ação investigatória depaternidade, a realizar o exame de DNA, considerandotal medida atentatória à dignidade pessoal doinvestigando.334 Do Direito Comparado, cumpre referira polêmica decisão do Conselho de Estado da França,que considerou correta a decisão do prefeito da comunade Morsang-sur-Orge, ao determinar a interdição deestabelecimento (casa de diversão) que promoviaespetáculos nos quais os espectadores eram convidadosa lançar um anão o mais longe possível, de um lado aoutro do estabelecimento. Para o Conselho de Estado –que reformou a decisão do Tribunal Administrativo quehavia anulado a medida do Poder Executivo local – estes“campeonatos de anões” não poderiam ser tolerados,por constituírem ofensa à dignidade da pessoa humana,considerando esta (pela primeira vez no direito francês)

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como elemento integrante da ordem pública, sendoirrelevante a voluntária participação dos anões noespetáculo, já que a dignidade constitui bem fora docomércio e é irrenunciável.335 Neste contexto, tambémpara o direito brasileiro – como oportunamente registraNádia de Araújo – assume relevo a função da dignidadeda pessoa humana na condição de elemento da ordempública, atuando, de tal sorte, também como critériomaterial para impedir a aplicação de normas e atosjurídicos estrangeiros na ordem interna, quandoofensivas à dignidade da pessoa e aos direitosfundamentais, tudo a ensejar uma releitura do próprioDireito Internacional Privado. 336 Na Bélgica, a Corte deArbitragem, com fundamento na dignidade da pessoa ede um direito às condições existenciais mínimas parauma vida com dignidade, sustentou a legitimidade deRegulamento que vedou a interrupção do fornecimentode energia elétrica às famílias que, em virtude de seuestado de indigência, não apresentavam condições depagar as suas contas, 337 hipótese que, no Brasil, temsido objeto de reiterada apreciação na esferajurisprudencial.338Sem prejuízo de outras decisões que poderiam sercolacionadas, o que importa, nesta quadra, é a certezade que – para além até mesmo da possibilidade de serecorrer (inclusive nas hipóteses citadas) a fundamentodiverso, designadamente, a normas de direitosfundamentais específicas (como o direito à privacidade eà intimidade, ou mesmo de liberdade, no caso do DNA)do princípio da dignidade da pessoa humana,paralelamente à sua dimensão jurídico-objetiva, nãoapenas podem, mas de fato têm sido extraídos direitossubjetivos (e fundamentais), no sentido de posiçõesjurídicas vinculantes, com vistas à sua proteção.4.4. Dignidade como limite e tarefa do Estado, dacomunidade e dos particularesConsoante já restou destacado, o princípio da dignidadeda pessoa impõe limites à atuação estatal, objetivandoimpedir que o poder público venha a violar a dignidade

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pessoal, mas também implica (numa perspectiva que sepoderia designar de programática ou impositiva, masnem por isso destituída de plena eficácia) que o Estadodeverá ter como meta permanente, proteção, promoçãoe realização concreta de uma vida com dignidade paratodos, 339 podendo-se sustentar, na esteira da luminosaproposta de Clèmerson Clève, a necessidade de umapolítica da dignidade da pessoa humana e dos direitosfundamentais.340 Com efeito, de acordo com a lição dePérez Luño, “a dignidade da pessoa humana constituinão apenas a garantia negativa de que a pessoa nãoserá objeto de ofensas ou humilhações, mas implicatambém, num sentido positivo, o pleno desenvolvimentoda personalidade de cada indivíduo”.341Neste contexto, não restam dúvidas de que todos osórgãos, funções e atividades estatais encontram-sevinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana,impondo-se-lhes um dever de respeito e proteção, quese exprime tanto na obrigação por parte do Estado deabster-se de ingerências na esfera individual que sejamcontrárias à dignidade pessoal, quanto no dever deprotegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos)contra agressões oriundas de terceiros, seja qual for aprocedência, 342 vale dizer, inclusive contra agressõesoriundas de outros particulares, especialmente – masnão exclusivamente – dos assim denominados poderessociais (ou poderes privados). 343 Assim, percebe-se,desde logo, que o princípio da dignidade da pessoahumana não apenas impõe um dever de abstenção(respeito), mas também condutas positivas tendentes aefetivar e proteger a dignidade dos indivíduos. Nestalinha de raciocínio, sustenta-se, com razão, que aconcretização do programa normativo do princípio dadignidade da pessoa humana incumbe aos órgãosestatais, especialmente, contudo, ao legislador,encarregado de edificar uma ordem jurídica que atendaàs exigências do princípio.344 Em outras palavras –aqui considerando a dignidade como tarefa –, o princípioda dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além

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do dever de respeito e proteção, a obrigação depromover as condições que viabilizem e removam todasorte de obstáculos que estejam a impedir as pessoasde viverem com dignidade.345 Da dupla função deproteção e defesa segue também o dever deimplementar medidas de precaução procedimentais eorganizacionais no sentido de evitar uma lesão dadignidade e dos direitos fundamentais ou, quando istonão ocorrer, com o intuito de reconhecer e fazer cessar(ainda que para efeitos simbólicos),346 ou, de acordocom as circunstâncias, minimizar os efeitos das violações,inclusive assegurando a reparação do dano.Para além desta vinculação (na dimensão positiva enegativa) do Estado, também a ordem comunitária e,portanto, todas as entidades privadas e os particularesencontram-se diretamente vinculados pelo princípio dadignidade da pessoa humana, o que implica a existênciade deveres de proteção e respeito também na esferadas relações entre particulares. Com efeito, também(mas não exclusivamente) por sua natureza igualitária epor exprimir a ideia de solidariedade347 entre osmembros da comunidade humana, o princípio dadignidade da pessoa vincula também no âmbito dasrelações entre os particulares.348 No que diz com talamplitude deste dever de proteção e respeito, convémque aqui reste consignado que tal constatação decorredo fato de que há muito já se percebeu –designadamente em face da opressão socioeconômicaexercida pelos assim denominados poderes sociais – queo Estado nunca foi (e cada vez menos o é) o único emaior inimigo das liberdades e dos direitos fundamentaisem geral. 349 Que tal dimensão assume particularrelevância em tempos de globalização econômica,privatizações, incremento assustador dos níveis deexclusão e, para além disso, aumento do poder exercidopelas grandes corporações, internas e transnacionais(por vezes, com faturamento e patrimônio – e, portanto,poder econômico – maior que o de muitos Estados),embora não se constitua em objeto desta investigação,

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não poderia passar despercebido e, portanto, merece aomenos este breve registro.350A própria eficácia dos direitos fundamentais nas relaçõesentre os particulares – ainda que em condição detendencial igualdade (e, portanto, de igual liberdade) 351– tem encontrado importante fundamento no princípio dadignidade da pessoa humana, sustentando-se, nestecontexto, que – pelo menos no que diz com seuconteúdo em dignidade – os direitos fundamentaisvinculam também diretamente os particulares nasrelações entre si, sendo – na esfera deste conteúdo –irrenunciáveis, já que, à evidência, e, como bem lembraJörg Neuner, em termos de uma eficácia vinculante dadignidade, “não importa de quem é a bota que desferiuo chute no rosto do ofendido”. 352 Assim, percebe-se,na esteira do que já foi anunciado alhures, que o deverde proteção imposto – e aqui estamos a nos referirespecialmente ao poder público – inclui até mesmo aproteção da pessoa contra si mesma, de tal sorte queo Estado se encontra autorizado e obrigado a intervirem face de atos de pessoas que, mesmovoluntariamente, atentem contra sua própria dignidade,353 o que decorre justamente do já referido cunhoirrenunciável da dignidade pessoal. 354 Se uma renúnciaà dignidade e ao conteúdo em dignidade dos direitos é,em princípio, vedada pela ordem jurídica, não há comodeixar de reconhecer a possibilidade de uma série desituações concretas onde se verifica pelo menos umaautolimitação de determinados direitos inerentes àpersonalidade,355 bastando aqui recordar o exemplodas transplantações de órgãos ou mesmo da interrupçãoda gravidez nas hipóteses autorizadas pelo legislador,dentre as inúmeras hipóteses que poderiam sercolacionadas. Nesta esfera – que aqui não iremosdesenvolver – importa, no entanto, afirmar a necessáriaobservância das exigências da dignidade da pessoaconcretamente considerada, no sentido de que sejaavaliada (no contexto da indispensável hierarquização deinteresses) a sua maior ou menor vulnerabilidade para o

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exercício da autonomia da vontade no âmbito doconsentimento informado.356Assim, se da dignidade – na condição de princípiofundamental – decorrem direitos subjetivos à suaproteção, respeito e promoção (pelo Estado eparticulares), seja pelo reconhecimento de direitosfundamentais específicos, seja de modo autônomo,igualmente haverá de se ter presente a circunstância deque a dignidade implica também, em ultima ratio porforça de sua dimensão intersubjetiva, a existência de umdever geral de respeito 357 por parte de todos (e decada um isoladamente) os integrantes da comunidade depessoas para com os demais e, para além disso e, decerta forma, até mesmo um dever das pessoas paraconsigo mesmas.Considerando, ainda, a perspectiva da dignidade comolimite – mas agora num outro sentido – cabe lembrarque, no âmbito da indispensável ponderação (e, porconseguinte, também hierarquização) de valores, inerenteà tarefa de estabelecer a concordância prática (naacepção de Hesse) na hipótese de conflitos entreprincípios (e direitos) constitucionalmente assegurados, oprincípio da dignidade da pessoa humana acaba porjustificar (e até mesmo exigir) a imposição de restriçõesa outros bens constitucionalmente protegidos, ainda quese cuide de normas de cunho jusfundamental.358 Talconstatação assume ainda maior relevância, em não seolvidando a já suficientemente destacada primaziadesfrutada pela dignidade da pessoa no âmbito daarquitetura constitucional, sem que, com isto, estejamos– convém frisá-lo para evitar mal-entendidos – asustentar a existência de uma hierarquia jurídico-formalentre as normas constitucionais, a ponto de justificaruma inviável (e praticamente não mais defendida)inconstitucionalidadede normas constitucionais originárias.Apenas para ilustrar esta passagem, que, no âmbito dasaplicações concretas, talvez represente as situações maiscorriqueiras nas quais se tem feito menção – comocritério embasador da decisão – ao princípio da

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dignidade da pessoa humana, seguem alguns exemplos.Assim, em sede de direito comparado, vale referirdecisão da Corte de Apelação de Paris, quando, aoreconhecer a existência de um direito à moradia ( droitau logement ), por sua vez reconduzido ao princípio dadignidade da pessoa humana, admitiu restrições aodireito de propriedade, que – de acordo com a Corte –não autoriza o abuso por parte do proprietário,notadamente quando configurado o abandono, de talsorte que, nestas circunstâncias, deverá prevalecer odireito à moradia, já que exigência para uma vida comdignidade.359 No mesmo sentido, situam-se as decisõesque, em prol de uma proteção da dignidade da pessoa,reconhecem limitações à liberdade individual,especialmente no campo da autonomia privada eliberdade contratual, inclusive – como já referido – nosentido de uma proteção da pessoa contra si mesma.360De Portugal, recolhemos, entre outros, o exemplo citadopor Jorge Miranda, lembrando que o TribunalConstitucional de Portugal, no Acórdão nº 349/91, aoapreciar a alegação de inconstitucionalidadeda penhorada pensão em demanda executiva, decidiu que “peranteconflito entre o direito do pensionista a receber pensãocondigna e o direito do credor, deve o legislador, paratutela do valor supremo da dignidade da pessoahumana, sacrificar o direito do credor na medida donecessário e, se tanto for preciso, totalmente”. 361Também no Acórdão nº 151/92 o Tribunal Constitucionalde Portugal – neste passo de modo similar à decisão daCorte de Apelação de Paris – considerou que o direitofundamental à habitação (no sentido de um direito a teruma moradia condigna), muito embora encontre-se nadependência das opções tomadas pelo Estado, por suavez, condicionadas pelos recursos disponíveis, por secuidar de um direito fundado na dignidade da pessoahumana, implica sempre um mínimo que o Estado devesatisfazer, inclusive impondo restrições aos direitos doproprietário privado. 362 Nesta mesma linha – para não

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deixarmos de lado a fecunda jurisprudência pátria –cumpre referir julgado do Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul, onde restou consignada aimpenhorabilidade de rendimentos oriundos de locativos,quando estes, à falta de outros rendimentos substanciais,assumem cunho alimentar e, portanto, caráter essencialpara a própria dignidade da pessoa humana,prevalecendo em face dos direitos creditícios,notadamente quando eminentemente patrimoniais, 363bem como uma série de decisões que têm impedido asuspensão do fornecimento de energia elétrica em facede se tratar de serviço essencial à dignidade da pessoahumana, 364 ou mesmo considerando descabido odesconto em folha de pagamento, contrariamente àvontade do devedor, sob o argumento de que com issose estaria a burlar não apenas o procedimento judicialde execução da dívida, mas também a dignidade dapessoa humana do devedor, notadamente em situaçõesonde este desconto estaria a incidir sobre valores quedizem com o mínimo existencial.365 Neste mesmocontexto, pode ser enquadrada a função da garantia domínimo existencial na condição de limite ao poder detributar do Estado, objeto de ampla consagraçãodoutrinária e jurisprudencial, inclusive em relação ahipóteses não expressamente previstas na legislação.366Comum a todos os casos, de acordo com o queemblematicamente revela o último exemplo referido, é anecessária ponderação (e, acima de tudo,hierarquização) dos bens em causa, com vistas àproteção eficiente da dignidade da pessoa, aplicando-setambém o princípio da proporcionalidade, que, por suavez, igualmente – já nesta perspectiva – encontra-seconectado ao princípio da dignidade. De outra parte,como bem aponta Jônatas Machado, 367 em seureferencial estudo sobre a liberdade de expressão, nãohá como olvidar a relação dialética que se estabelecequando da fundamentação (com base na dignidade) delimites a outros bens fundamentais, considerando queestes, no mais das vezes, são igualmente deduzidos (em

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maior ou menos grau) da dignidade da pessoa humana,de tal sorte que – em face da generalidade e abstraçãoda própria noção de dignidade – se impõe um rigorosocontrole material e procedimental das restrições,evitando-se a imposição unilateral e arbitrária dedeterminadas concepções do bem e da justiça, questãoque nos remete à seara tormentosa das possibilidades elimites do controle jurisdicional, que aqui não será objetode desenvolvimento.Notas206 Cf. G. Haverkate, Verfassungslehre , p. 142.207 Cf. J. Miranda, Manual... , vol. IV, p. 180. Assimtambém J. C. Vieira de Andrade, Os DireitosFundamentais ..., p. 101, referindo que os preceitosrelativos aos direitos fundamentais “não se justificamisoladamente pela protecção de bens jurídicos avulsos,só ganham sentido enquanto ordem que manifesta orespeito pela unidade existencial de sentido que cadahomem é para além de seus actos e atributos”. Entrenós, v., por todos, Rizzato Nunes, O PrincípioConstitucional da Dignidade da Pessoa Humana , p. 45 ess.208 Cf. F. Delpérée, O direito à dignidade humana , p.161.209 Neste sentido, v., dentre outros, J. Afonso da Silva,A dignidade da pessoa humana... , p. 91-92. Também E.Benda , Die Menschenwürde ist Unantastbar , in: ARSPnº 22 (1984), p. 23, embora para o caso daAlemanha, de há muito leciona que a noção dedignidade da pessoa constitui o ponto de partida e ocentro da concepção de Estado e Direito adotada pelaLei Fundamental de 1949.210 Cf. Podlech, in: Alternativ Kommentar , vol. I, p.281. O mesmo se observa em relação à ordemjurídico-constitucional italiana, de acordo com F.Bartolomei, la dignità umana come concetto e valorecostituzionale, p. 11, afirmando que a Constituição daItália, ao reconhecer e assegurar a dignidade da pessoae os direitos fundamentais, acabou criando uma ordem

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de valores centrada na personalidade humana.211 Cf. M. A. Alegre Martínez, La dignidad de lapersona ..., p. 29. Entre nós e dentre outros, v. E.Pereira de Farias, Colisão de Direitos, p. 51, afirmandoque o respeito pela dignidade da pessoa constituielemento imprescindível para a legitimação da atuaçãodo Estado.212 Cf. a expressiva formulação de M. L. Pavia, Ladignité de la personne ..., p. 105, admitindo, contudo, otardio reconhecimento da dignidade da pessoa humanano âmbito da ordem jurídico-positiva francesa.213 Assim o sustenta W. Brugger, Menschenwürde,Menschenrechte, Grundrechte , p. 5 e ss.214 V. neste sentido S. Baer, “Menschenwürde zwischenRecht, Prinzip und Referenz”, p. 572-75.215 Cf., entre nós, E. Pereira de Farias, Colisão deDireitos, p. 54. Quanto a este ponto, já nospronunciamos, em outra oportunidade, no sentido derevelar alguma reserva no que diz com a alegação deque todos os direitos fundamentais positivados naConstituição de 1988 possam ser reconduzidosdiretamente e de modo igual ao princípio da dignidadeda pessoa humana, seja pela extensão do nossocatálogo de direitos e garantias, seja pelas peculiaridadesde algumas normas de direitos fundamentais, tal comoocorre com as regras sobre prescrição em matéria dedireito do trabalho, a gratificação natalina (13ª salário), odispositivo que impõe o registro dos estatutos dospartidos políticos junto ao TSE (art. 17 da Constituiçãode 1988), etc. Neste sentido, v. o nosso A Eficácia dosDireitos Fundamentais , p. 98. Neste mesmo contexto,cabe referir importante decisão do Tribunal Constitucionalda Espanha, citada por M. A. Alegre Martínez, Ladignidad de la persona ..., p. 47-48, onde, para além dereconhecer que a dignidade da pessoa representa ummínimo invulnerável que toda a ordem jurídica deverassegurar, a Corte Constitucional Hispânica sinalou queisto não significa que todo e qualquer direito fundamentalpossa ser considerado como inerente à dignidade da

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pessoa, nem que todos os direitos qualificados comofundamentais sejam integralmente condições essenciais eimprescindíveis para a efetiva incolumidade da dignidadepessoal. No âmbito da doutrina italiana, F. Bartolomei, Ladignità umana ..., p. 14, refere que a afirmação de umprincípio geral de tutela da dignidade humana nãoimporta, todavia, que todos os direitos individualmenteconsiderados possam ser reconduzidos a um únicodireito. De resto, o entendimento de que todos osdireitos fundamentais são diretamente fundados nadignidade da pessoa seria sustentável apenas em separtindo de um conceito exclusivamente material dedireitos fundamentais, considerando como tais unicamenteos que puderem encontrar seu fundamento direto nadignidade, concepção esta que, todavia não harmonizacom a Constituição Federal de 1988. Enfatizando talperspectiva, v., I. Gutiérrez-Gutiérrez, Dignidad de laPersona y Derechos Fundamentales , p. 77, 91 e ss.Entre nós, v., por último, (e invocando também a liçãode Gomes Canotilho) P. SJ Umberto, O PrincípioConstitucional da Dignidade Humana : fundamentos éticose morais, Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2010, p.120.216 C f. J. Miranda, Manual... , vol. IV, p. 181. TambémK. Stern, Staatsrecht..., vol. III/1, p. 33, leciona que oprincípio da dignidade da pessoa humana constituifundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais,no sentido de que estes constituem exigências,concretizações e desdobramentos da dignidade dapessoa e que com base neste devem (os direitosfundamentais) ser interpretados.217 Cf. J. C. Vieira de Andrade , Os DireitosFundamentais..., p. 101-2.218 Neste sentido também M. Herdegen, Neuarbeitungvon Art. 1 Abs.1 , p. 11 e ss., que, a despeito decriticar a dedução direta de todo o sistema dos direitosfundamentais da dignidade da pessoa, reconhece que aordem dos direitos fundamentais encontra-sesignificativamente impregnada com elementos da

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dignidade, bem como sustenta a tese do conteúdodiferenciado em dignidade da pessoa dos diversosdireitos especificamente considerados (p. 14).219 No mesmo sentido, por último, colacionando razõesadicionais a justificar a inexistência de um vinculo diretoe necessário entre dignidade e todos os direitosfundamentais, v. J. M. Alexandrino, A Estruturação dosistema de direitos, liberdades e garantias na ConstituiçãoPortuguesa , vol. II, p. 325 e ss.220 Cf. J. R. Novais, Os princípios constitucionaisestruturantes da República Portuguesa , p. 52-53.221 Cf. J. M. Alexandrino, A Estruturação do sistema dedireitos, liberdades e garantias na Constituição Portuguesa, vol. II, p. 306 e ss.222 Cf. J. Waldrom, “Dignity and Rank”, in: EuropeanJournal of Sociology (2007), p. 203-204.223 Cf. Höfling, in: M. Sachs (Org.) Grundgesetz , p.116.224 Neste sentido, já lecionavam H. C. Nipperdey, in:Neumann/Nipperdey/Scheuner (Org.), Die Grundrechte ,vol. II, p. 23, analisando o modelo germânico eMaunz-Zippelius, Deutsches Staatsrecht , p. 183. Entrenós, v. E. Pereira de Farias, Colisão de Direitos, p. 54.No mesmo sentido, mais recentemente e representandoa orientação dominante, v. I. Dantas, “Constituição eBioética (Breves e Curtas Notas)”, in: A. Almeida Filho eP. Melgaré (Org.), Dignidade da Pessoa Humana.Fundamentos e Critérios Interpretativos, São Paulo:Malheiros, 2010, p. 272, explorando o tema à luz doexemplo da liberdade de pesquisa.225 Sobre a interpretação sistemática e a hierarquizaçãov., em especial, as obras referenciais de J. Freitas,Interpretação Sistemática do Direito, p. 49 e ss., bemcomo A. Pasqualini, Hermenêutica e Sistema Jurídico, p.89 e ss.226 Cf. M. A. Ribeiro Lopes, A dignidade da pessoahumana: estudo de um caso, in: RT nº 758 (1998), p.112.227 Apelação Cível nº 007.512-4/2-00, 2ª Câmara Cível,

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julgada em 18.08.1998, publicada na RT nº 758 (1998),p. 106 e ss, relatada pelo Des. Cezar Peluso, que, noseu voto, destacou que a eficácia restritiva da normacontida no art. 258, parágrafo único, inciso II, do CódigoCivil, “estaria, ainda, a legitimar e perpetuar verdadeiradegradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor dopatrimônio nos limites do casamento, atinge o cernemesmo da dignidade da pessoa humana, que é um dosfundamentos da República (art. 1º, inc. III, da CF), nãosó porque a decepa e castra no seu núcleo constitutivode razão e vontade, na sua capacidade de entender equerer, a qual, numa perspectiva transcendente, é vistacomo expressão substantiva do próprio ser, comoporque não disfarça, sob as vestes grosseiras dopaternalismo insultuoso, todo o peso de uma intromissãoestatal em matéria que respeita, fundamentalmente, àconsciência, intimidade e autonomia do cônjuge.”228 Cf. acórdão do Tribunal de Justiça do RS, proferidoem 25.08.99, relatado pelo Des. Osvaldo Stefanello.229 Cf. Habeas Corpus nº 14.333, Distrito Federal,julgado em 07/11/2000.230 Cf., por último, julgamento no HC 87585/TO, rel.Min, Marco Aurélio, 03.12.08, na esteira dos votosdeduzidos no bojo do RE 466343/SP, destacando-se ovoto do Min. Gilmar Mendes, que revitalizou a tese dasupralegalidade dos tratados de direitos humanos e, alémdisso, analisou a questão à luz das exigências daproporcionalidade.231 Cf. RHC 94358/SC, rel. Min. Celso de Mello,29.04.08.232 REsp. nº 611.240/SC, relator Ministro José Delgado,julgado em 04.03.2004233 Sobre o direito à moradia, v., por todos, o nosso“A eficácia e efetividade do direito à moradia na suadimensão negativa (defensiva): análise crítica à luz dealguns exemplos”, in: C.P. Souza Neto e D. Sarmento(Coord.), Direitos Sociais. Fundamentos, judicialização edireitos sociais em espécie, Rio de Janeiro: Renovar,2008, p. 1019-1052.

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234 Apelação Cível nº 2001.72.05.006640-6/SC, relatorDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,julgado em 19.08.2003.235 Cf. Sentença n° 190/2003, de 27.10.2003. Omesmo Tribunal – igualmente em matéria trabalhista –já havia, em outras ocasiões, sustentado o descabimentode despedida de empregada grávida, entendendoconfigurada hipótese de discriminação em razão de sexo,implicando ofensa à dignidade da pessoa humana(Sentença n° 17/2003, de 30.01.2003). No Brasil,explorando monograficamente o tema (embora naperspectiva do Direito Civil) v. por todos, N. Rosenvald,Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil, São Paulo:Saraiva, 2007.236 Neste ponto, cumpre igualmente homenagear opensamento de J. Freitas, A Interpretação Sistemática doDireito, p. 80 e ss., quando, dentre outros aspectos derelevo, destaca que o princípio da hierarquizaçãoconstitui verdadeiro imperativo principiológico e ometacritério norteador de toda a atividade hermenêutica,de tal sorte que interpretar é sempre tambémhierarquizar. Na mesma linha, v. A. Pasqualini,Hermenêutica e Sistema Jurídico , p. 109 e ss.237 Cf., dentre outros tantos, J. Gonzáles Pérez, Ladignidad de la persona , p. 80 e ss., comentando osignificado da dignidade da pessoa para o ordenamentoespanhol.238 Apenas para não deixarmos de nos pronunciar arespeito, destacamos que tomaremos o conceito deponderação no sentido utilizado por R. Alexy, Teoria delos Derechos Fundamentales , especialmente p. 157 ess., com a ressalva de que também nós compartilhamosdo entendimento de que toda a ponderação (sempreuma operação hermenêutica) implica, de acordo com alição paradigmática de Juarez Freitas, já referida, ahierarquização dos bens jurídicos. Assim, apenas paraque se mantenha uma certa uniformidade conceitual,passaremos a falar em ponderação e hierarquização, atémesmo para que não se venha a alegar falta de

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consideração com as especifidades do pensamento decada autor, inclusive no que diz com a efetiva existênciade alguma divergência entre as noções de ponderação ehierarquização, já que seu uso nem sempre temocorrido de modo uniforme.239 No que diz com este ponto, remetemos ao capítulo4.5.2.240 Cf. J. Freitas, Tendências Atuais e Perspectivas daHermenêutica Constitucional, in: AJURIS nº 76 (1999),p. 406. A respeito deste ponto, vale referir, ainda,recente e instigante ensaio de F. Hufen, In dubio prodignitate – Selbstbestimmung und Grundrechtsschutz amEnde de Lebens , in: NJW 2001, p. 849 e ss. Nomesmo sentido (de que a solução que mais prestigia adignidade da pessoa humana deve prevalecer), masdesenvolvendo também de modo geral a noção de umaespécie de ordem material de preferências (na condiçãode parâmetros normativos) a serem observadas porocasião da ponderação de bens (interesses), v. A P. deBarcellos, “Alguns Parâmetros Normativos para aPonderação Constitucional”, in: L. R. Barroso (Org.), ANova Interpretação Constitucional, especialmente p. 107e ss.241 Cf. A. Pasqualini, Hermenêutica e Sistema Jurídico ,p. 80-1.242 Cf. entre nós, a recente lembrança de C. L.Antunes Rocha, O princípio da dignidade da pessoa... ,p. 27.243 Aqui vale colacionar a lição de D. Rousseau, Leslibertés individuelles et la dignité de la personne, p. 70,ao referir que os direitos fundamentais adquirem vida einteligência por meio da dignidade da pessoa, ao passoque esta não se realiza e torna efetiva se não pelosdireitos fundamentais.244 Cf. A. R. Tavares, “Princípio da consubstancialidadeparcial dos direitos fundamentais na dignidade dohomem”, in: Revista Brasileira de Direito Constitucional ,nº 4, jul./dez. 2004, p. 232 e ss.245 Cf. I. Gutiérrez-Gutiérrez. Dignidad de la Persona y

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Derechos Fundamentales , Madrid: Marcial Pons, 2005, p.21.246 Em sentido diverso, aparentemente a posição deJ.C.M.Brito Filho, Trabalho Decente , p. 41-43,argumentando que a dignidade da pessoa humana é oúnico fundamento dos direitos humanos, o que, todavia,deixa em aberto a questão de ser a dignidade tambémo único fundamento dos direitos sociais.247 Cf., por todos, A . Gewirth, “Dignity as the Basis ofRights”, p. 13, criticando, no ponto, a posição deJacques Maritain.248 Sobre a diferença entre direitos humanos efundamentais remetemos ao nosso A Eficácia dosDireitos Fundamentais , 10ª ed, p. 27 e ss.249 Cf. F. Delpérée, O direito à dignidade humana , p.160. Na literatura brasileira, v., por último,desenvolvendo o vínculo entre autonomia e dignidade, R.M. Vencelau Meireles, Autonomia Privada e DignidadeHumana , Rio de Janeiro: Renovar, 2009, especialmentep. 63 e ss (capítulo 2).250 Referindo, ao sustentar a íntima ligação entredignidade e liberdade, que sem liberdade não hádignidade, v. F. Bartolomei, La dignitá umana ..., p. 30.Desenvolvendo este ponto, notadamente a relação entreliberdade e dignidade, v., dentre outros, R. Alexy, Teoriade los Derechos Fundamentales , p. 344 e ss. Por outrolado, convém não desconsiderar a circunstância, bemconsignada por B. Maurer, Notes sur le respect de ladignité humaine, p. 203, de que a dignidade sempreexige a liberdade, mas que nem por isso a dignidade selimita à liberdade, em outras palavras, que a liberdadenão é toda a dignidade. De outra parte, como jádemonstrado quando da tentativa de construção de umaconcepção jurídica da dignidade, a liberdade e os direitosde liberdade em geral não podem resultar em umarelação de dominação, no sentido da subjugação deuma pessoa pela outra, o que, de resto, já decorre daprópria noção kantiana de dignidade. Neste sentido, v.dentre tantos, P. Kirchhof, “Genforschung und die

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Freiheit der Wissenschaft”, in: Gentechnik undMenschenwürde , p. 9. No Brasil, explorando o tópico darelação entre dignidade e autonomia, v. em especial epor todos, T. Weber, “Autonomia e Dignidade da PessoaHumana em Kant”, in: Direitos Fundamentais & Justiçan° 9, out./dez. 2009 e, já na perspectiva maisdiretamente vinculada ao direito constitucional positivo ediscutindo o tema à luz do debate em torno dasdiversas modalidades da eutanásia, L. R. Barroso e L. C.V. Martel, “A morte como ela é: dignidade e autonomiaindividual no final da vida”, Revista de Direito do Estadon. 15, jul./set. 2009, p. 27-62.251 Cf. P. Mota Pinto, O Direito ao livre desenvolvimentoda personalidade , p. 151.252 P. Mota Pinto, op. cit., p. 152.253 No direito brasileiro, com referência expressa –entre outros preceitos constitucionais – ao princípio dadignidade da pessoa humana, G. Tepedino , Temas deDireito Civil, especialmente p. 48-49, sustenta, cominteira razão, a existência de uma “cláusula geral detutela e promoção da pessoa humana”. Por último, nosentido de que a dignidade da pessoa humana operacomo núcleo de um direito geral de personalidade naConstituição Federal de 1988, v. N. Rosenvald, Dignidadehumana e boa-fé no Código Civil, São Paulo: Saraiva,2007, p. 31 e ss.254 Neste sentido, dentre outros, v. Höfling, in: M.Sachs (Org.), Grundgesetz , p. 110 e ss. No âmbito dafarta jurisprudência nacional e comparada (já que secuida de uma das dimensões onde de há muito severifica um substancial consenso no tocante ao conteúdoem dignidade dos direitos fundamentais), colaciona-seaqui, a título meramente exemplificativo, recente decisãodo nosso Supremo Tribunal Federal, proferida noRecurso Extraordinário nº 248.869-1 (07.08.2003), tendocomo relator o Ministro Maurício Corrêa, onde restoumais uma vez consignado que “o direito ao nomeinsere-se no conceito de dignidade da pessoa humana etraduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade,

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o reconhecimento da família, razão pela qual o estadode filiação é direito indisponível”. Também a Sentença nº14/2003 (28.01.2003) do Tribunal Constitucional daEspanha situa-se nesta linha de entendimento, aoafirmar que o direito à honra e à própria imagem derivadiretamente da dignidade da pessoa humana (no caso,cuidava-se do reconhecimento da vulneração dos direitosreferidos – honra e imagem – em virtude da divulgaçãoda fotografia de um detendo no decurso de umainvestigação por homicídio, extraída dos arquivospoliciais).255 A respeito dos direitos de personalidade, bemexplorando a sua conexão com a dignidade da pessoahumana, v., entre outros, P. Mota Pinto, “Notas sobre odireito ao livre desenvolvimento da personalidade e osdireitos de personalidade no direito português”, in: I. W.Sarlet (Org.), A Constituição Concretizada , p. 61-84, v.,entre nós, C. A . Mello, “Contribuição para uma teoriahíbrida dos direitos de personalidade”, in: I. W. Sarlet(Org.), O Novo Código Civil e a Constituição, p. 67-98.B. Miragem, Responsabilidade Civil da Imprensa porDano à Honra , Porto Alegre: Livraria do Advogado,2005, especialmente p. 71 e ss., F. S. de Andrade,“Considerações sobre a tutela dos direitos depersonalidade no Código Civil de 2002”, in: I. W. Sarlet(org.). O Novo Código Civil e a Constituição, 2ª ed., p.101-118; D. Doneda, Da Privacidade à Proteção deDados Pessoais , Rio de Janeiro: Renovar, 2006, F.Borguetti Cantali, Direitos da Personalidade .Disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidadehumana, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.256 Cf. STC nº 98/2000 (10.04.2000), proferida norecurso de amparo nº 4015/96, versando sobre aviolação do direito à intimidade pessoal pela instalação deaparelhos de gravação e escuta no local de trabalho.Mais recentemente, na Sentença nº 127/2003(30.06.2003), a Corte Constitucional espanhola, em outropronunciamento sobre o tema (no caso, cuidava-se deviolação da intimidade no âmbito do segredo de justiça

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em processo envolvendo menor de idade), reiterou seuentendimento, consignando que o direito à intimidade,que assegura ao indivíduo um âmbito reservado de suavida, encontra-se estreitamente vinculado à própriapersonalidade e deriva sem dúvida alguma da dignidadeda pessoa humana, protegendo o seu titular de umadivulgação perante terceiros e de uma publicidade nãoconsentida no concernente aos dados relativos à suaesfera íntima.257 Com efeito, importa não esquecer a já lembradacircunstância de que a igual dignidade de todos oshomens funda a igualdade de todos, no sentido –também mas não exclusivamente – da vedação dediscriminações, isto é, de um tratamento desigualarbitrário.258 Cf., dentre tantos, Podlech, in: Alternativ Kommentar, vol. I, p. 283-4. Entre nós, sustentando a íntimaligação entre o princípio isonômico e a dignidade dapessoa, v. a recente referência de E. P. Nobre Júnior, ODireito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da PessoaHumana , in: RDA nº 219 (2000), p. 241-42.259 Cf. L.V. Wandelli, Despedida Abusiva , p. 373,embora aqui não seja o momento de questionar adistinção entre valor e dignidade recolhida pelo autor daobra de Enrique Dussel, no sentido de que cada pessoaé igual apenas na sua condição de pessoa (isto é, demembro da humanidade), de tal sorte que a dignidade,ao contrário do valor, seria anterior a qualquer medidade comparação valorativa (razão pela qual os valoressempre são relativos).260 Cf., dentre tantos, Höfling, in: M. Sachs (Org.),Grundgesetz , p. 107-9. Nesta linha, vale citar conhecidoprecedente do Supremo Tribunal Federal (HC nº70.389-5, Rel. Min. Celso de Mello), afirmando ser aprática da tortura (no caso, estava em causa a torturapraticada contra crianças e adolescentes) ofensainequívoca à dignidade da pessoa humana, além derepresentar negação arbitrária dos direitos humanos.Entre nós, explorando o problema da tortura e sua

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relação com a dignidade da pessoa humana, V. G.Saavedra, “Segurança vs. Dignidade – o problema datortura revisitado pela criminologia do reconhecimento”,in: Veritas , v. 53, n. 2, abr./jun. 2008, p. 90-106.261 Esta a lição de Podlech, in: Alternativ Kommentar ,p. 108.262 Sentença de 1985, citada por F. Rubio Llorente,Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales, p.72-3.263 Além do já citado texto de M. Kloepfer, “Leben undWürde des Menschen”, especialmente p. 78 e ss.,desenvolvendo a sua concepção a partir da ideia de quea conexão entre a vida e a dignidade há de partir daconstatação de que o elo que une ambos os valoresconstitucionais é o ser humano, não se podendo falarem uma apriorística hierarquia entre os dois bensfundamentais, remetemos aqui, entre outros e paraefeitos de uma breve mirada sobre a controvérsiarelativamente às relações entre a vida (e o direito àvida) e a dignidade, para os já citados ensaios de E.Denninger e U. Neumann (v. nota de rodapé nº 95,supra). Sobre a relação entre dignidade da pessoahumana e o direito à vida, v., por último, J. F. Lindner,“Die Würde des Menschen und sein Leben”, in: DÖV ,2006, p. 577 e ss., assim como as consideraçõescríticas endereçadas à dissociação entre dignidade evida, formadas por K.-E. Hain, Konkretisierung derMenschenwürde durch Abwägung? , op, cit., p. 202-203.No Brasil, onde se registra um crescimento quantitativoe qualitativo no que diz com a produção doutrináriasobre o tema, v., por todos e mais recentemente, R. M.V. Gonçalves, “A dignidade da pessoa humana e odireito à vida”, in: A. Almeida Filho e P. Melgaré (Org.),Dignidade da pessoa humana. Fundamentos e critériosinterpretativos, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 448 e ss.(tratando do tópico em termos mais amplos, no que dizcom as relações entre dignidade e direito à vida), bemcomo L. R. Barroso e L. C. V. Martel, “A morte comoela é: dignidade e autonomia individual no final da vida”,

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in: Revista de Direito do Estado , n. 15, jul./set. 2009,p. 27 e ss.264 A respeito da propriedade na Constituição Federalde 1988, bem como sobre a necessidade de umareleitura dos institutos jurídico-privados (e públicos)correlatos em conformidade com a normaçãoconstitucional, v., dentre outros, especialmente ascontribuições de G. Tepedino, Temas de Direito Civil, p.267 e ss. (especialmente p. 283 e ss.), sustentandoinclusive a necessidade de uma interpretação dasnormas sobre propriedade à luz dos princípiosfundamentais de nossa Constituição, que, à evidência,inclui a dignidade da pessoa humana, concepção estaque norteia a relevante contribuição de L. E. Fachin,Novas Limitações ao Direito de Propriedade: do espaçoprivado à função social , in: Revista do Direito (UNISC)nº 11 (1999), p. 33 e ss. Na mesma linha deentendimento, v., ainda, R. Aronne, Propriedade eDomínio , especialmente p. 175 e ss., com expressamenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.265 Considerando este – no âmbito de um conceitomaterialmente aberto de direitos fundamentais – comoforma de efetivação da função social da posse epropriedade e manifestação de um direito à propriedade,muito embora situado fora do Título II da Constituiçãode 1988, notadamente no que diz com a usucapiãoconstitucional especial urbano e rural (artigos 183 e191).266 Sobre o direito à moradia na ordem constitucionalbrasileira tomamos a liberdade de remeter ao nosso “ODireito Fundamental à Moradia na Constituição: algumasanotações a respeito de seu contexto, conteúdo epossível eficácia”, in: J. A. Leite Sampaio (Coord.), Crisee Desafios da Constituição, p. 415-68.267 Cf. G. W. Hegel, Grundlinien der Philosophie desRechts , p. 102.268 L. E. Fachin, Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, Rio de Janeiro: Renovar, 2001.269 Cf. L. Ferrajoli, Derechos y Garantias: la Ley del

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más Débil , p. 45 e ss., explorando a ideia de que apropriedade, ao contrário dos direitos fundamentais, que(entre outros critérios distintivos) entende seremnecessariamente universais no que diz com a suatitularidade, ao passo que os direitos patrimoniais, comoocorre com a propriedade e os demais direitos reais,seriam sempre direitos singulares, referidos a um titularindividualizado. Mesmo a partir de tal critério, não sehaverá de negligenciar a relevância da assim designadadimensão objetiva dos direitos fundamentais, que apontapara uma perspectiva necessariamente comunitária e,portanto, neste sentido sempre transindividual tambémdo direito de propriedade ou outros direitos que, deacordo com a concepção de Ferrajoli, não poderiam serconsiderados fundamentais. Não bastasse isso, torna-sedifícil superar – no plano jurídico-positivo, pelo menos –,a circunstância de que a propriedade (mas também asua função social) foi expressamente guindada àcondição de direito e garantia fundamental pelo nossoconstituinte.270 Bem explorando esta senda, v. L.F. Barzotto,“Justiça Social. Gênese, Estrutura e Aplicação de umConceito”, in: Direito & Justiça , vol. 28, 2003,especialmente a partir da p. 122. O autor, no entanto,parece efetuar uma distinção entre os direitos sociais, jáque apenas os direitos embasados num critério dejustiça social (que, segundo propõe o articulista, seriamos direitos devidos a todos os membros da comunidadeem função de sua igual dignidade) poderiam serdesignados de direitos de justiça social, de tal sorte queo leque dos direitos sociais seria mais amplo que o dosdireitos fundados na igual dignidade das pessoas, o que,por sua vez, parece não guardar sintonia com aexpressa opção do Constituinte de 1988, já que esteelencou também os direitos dos trabalhadores entre osdireitos sociais. Além disso, a despeito da inquestionávelrelevância e erudição do ensaio, assim como do seuinegável mérito de bem discutir e propor umainterpretação racional (e fundada nas teorias da justiça)

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da noção de justiça social agasalhada pela Constituiçãode 1988 (acima de tudo pela eleição – no nosso sentirsubstancialmente correta – da dignidade comofundamento da justiça social), parece-nos que o critérioeminentemente formal adotado, da igual dignidade detodos os membros da comunidade, não dispensa outrosreferenciais, designadamente de natureza material, devez que mesmo todos sendo iguais em dignidade (nosentido de serem, em princípio, titulares de direitos ecredores e devedores do reconhecimento pelo Estado ecomunidade) resulta evidente que é a dignidade concretade cada pessoa (que, portanto, poderá ter outrasnecessidades físicas e psíquicas) que – na esteira dopensamento de uma Hannah Ahrendt, entre outrostantos que aqui poderiam ser citados – justamente atorna única e irrepetível, é um dado a ser consideradono reconhecimento de determinado direito social. Damesma forma, se considerarmos que também os direitosde liberdade e os demais direitos de cunho defensivo(bastaria a qui lembrar o direito à proteção daintimidade, da integridade física e corporal, da liberdadede expressão, entre tantos outros) são – pelo menosde acordo com expressiva parcela da doutrina e desdea Declaração Universal da ONU – diretamente fundadosna dignidade e atribuídos a todas as pessoas(justamente por serem iguais em dignidade) haveríamosde reconhecer que estes direitos também constituemdireitos de “justiça social”, o que não nos parece – emse partindo deste critério isolado – coadunar exatamentecom o espírito da noção de justiça social expressamentealbergado pelo Constituinte de 1988. Todavia e paraalém do exposto, importa destacar que, apesar dasobjeções aqui formuladas por amor ao debate e emhomenagem aos desafios lançados pelo eminentearticulista, este, com correção e acuidade, apontou (p.125) para o fato de que à pessoa humana são“devidos todos os bens necessários para a suarealização nas dimensões concreta, individual, racional esocial”, o que em termos gerais não deixa de

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harmonizar com a concepção sustentada nesta obra, deque a dignidade impõe a satisfação das condições parauma vida saudável e, portanto, exige um conjunto dedireitos (sociais) a prestações por parte do Estado e dacomunidade. Ademais – e convém frisar este aspecto –é possível sustentar a diferença entre uma concepçãoteórica geral e abstrata e uma fundamentaçãoconstitucionalmente adequada e calcada nasespecificidades de uma determinada formulação adotadapor um igualmente determinado Poder Constituinte, comoé precisamente a opção privilegiada neste ensaio. Dequalquer modo, cuida-se de uma discussão necessária aser desenvolvida com maior profundidade do que aqui épossível empreender e que envolve até mesmo – aomenos para alguns – o debate em torno da própriaexistência de direitos sociais, mas que aquievidentemente também transcende os limites do presenteensaio.271 Sobre o conceito e classificação dos direitosfundamentais sociais, v. o nosso Os DireitosFundamentais Sociais na Constituição de 1988 , in: I. W.Sarlet (Org.), Direito Público em Tempos de Crise –estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel ,especialmente p. 140 e ss.272 Nesta perspectiva, referindo-se, com outraspalavras, a um direito a um trabalho decente, fundadona dignidade da pessoa humana, v. dentre outros,especialmente, J. C. M. de Brito Filho, Trabalho Decente ,p. 55 e ss.273 Sobre o tema, v., entre nós e por último, G. N.Delgado, Direito Fundamental ao Trabalho Digno , SãoPaulo: LTR, 2006. Sobre a dignidade da pessoa humanae seu significado para o direito fundamental ao trabalhoe o complexo de direitos fundamentais que lhe sãocorrelatos, v., ainda, F. R. Gomes, O Direito Fundamentalao Trabalho , Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008,especialmente p. 267 e ss.274 Esta a senda privilegiada, entre outros, por A . C.Wolkmer, “Direitos Políticos, Cidadania e Teoria das

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Necessidades”, in: Revista de Informação Legislativa nº122 (1994), p. 278 e ss., assim como por J. T.Alfonsin, O acesso à terra como conteúdo de direitoshumanos fundamentais à alimentação e à moradia ,especialmente p. 19-65.275 Cf., dentre outros, Höfling, in: M. Sachs (Org.),Grundgesetz , p. 109-10, assim como Maunz-Zippelius,Deutsches Staatsrecht , p. 182. Na França, a íntimaligação entre os direitos sociais e a dignidade da pessoaencontra-se referida por M. L. Pavia, Le principe dedignité..., p. 109-10, valendo-se do exemplo de umdireito fundamental à moradia, recentemente guindado aobjetivo constitucional pelo Conselho Constitucional, e tido,pela Corte de Apelação de Paris, como direitofundamental e objetivo de valor constitucional, emdecisão na qual, no confronto entre o direito depropriedade, acabou deferindo aos ocupantes de umconjunto residencial, uma permanência mais prolongadanos imóveis. Também na Bélgica, sustenta-se que odireito a uma existência com dignidade implica oreconhecimento de um direito aos meios de subsistênciamínimos, especialmente no que diz com o direito àassistência social. Neste sentido, v. F. Delpérée, O Direitoà Dignidade Humana , p. 156 e ss. Assim também J.Miranda, Manual..., vol. IV, p. 186 (ao menos é o quese infere da referência a diversos direitos sociais). Entrenós, e mais recentemente, E. P. Nobre Júnior , O DireitoBrasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ,in: RDA nº 219 (2000), p. 247 e ss., advogando, comamparo na dignidade da pessoa humana, um direito auma existência material mínima. Entre nós, mesmo antesda introdução de um direito social à moradia no artigo6º da Constituição de 1998, já se registram diversasdecisões reconhecendo a íntima vinculação da habitaçãocom a dignidade da pessoa humana. No que diz com avinculação dos direitos sociais com a dignidade dapessoa humana, vale referir (inobstante em carátermeramente exemplificativo), no que diz com a posiçãodos Tribunais pátrios, a ementa do Acórdão proferido

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em 19.08.99 pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp.nº 213422, tendo como Relator o Ministro José Delgado,concepção que tem sido objeto de reiterada chancelapelo mesmo Tribunal, como dá conta, entre outrostantos, o Acórdão proferido nos Eresp. nº 182223 (DJ07.04.2003), relatado pelo Ministro Sálvio de FigueiredoTeixeira, onde restou decidido que a finalidade da Lei nº8.009/90 não se limita à proteção da família (no caso,cuidava-se de examinar a abrangência da proteçãooutorgada pela legislação referida ao bem de família),mas destina-se a resguardar a proteção do direitofundamental à moradia de qualquer pessoa humana,portanto, também do celibatário. Também aqui, adespeito da decisão merecer enfáticos aplausos notocante ao resultado (proteção do imóvel do solteiro,pelo seu evidente conteúdo em dignidade e seu carátermesmo existencial), poder-se-á objetar que, a rigor,dificilmente o conceito de família (que, neste sentido,integra o sentido literal mínimo da lei) harmoniza comuma pessoa isolada. Assim, em vez de esgaçar osentido literal da lei (o que, por sua vez, conflita com aprópria viabilidade de uma interpretação conforme aConstituição) e, nesta perspectiva, proceder a umaaplicação indireta da normativa constitucional (pelo fatode mediada pelo legislador e pela interpretação), haveriaperfeitamente como atingir o mesmo objetivo,fundando-se a decisão direta e exclusivamente no direitoà moradia do devedor solteiro, como direito fundamentalvinculado à própria dignidade da pessoa humana. Emoutras palavras, a moradia, sempre que restarevidenciado no caso concreto que se cuida de umamoradia indispensável para uma vida com dignidade,encontra-se, em princípio, sempre protegida,independentemente mesmo de qualquer previsão legal,valorizando, de tal sorte, a tese da eficácia direta dasnormas de direitos fundamentais nas relações entreparticulares. De qualquer modo, cuida-se de tema abertoa uma série de desenvolvimentos, não sendo o nossopropósito adentrar os meandros da questão. A respeito

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do tema, v., entre outros, o recente artigo de G. B.Paim, “Bem de família e o princípio constitucional dadignidade da pessoa humana”, in: S. G. Porto,Tendências Constitucionais no Direito de Família, p.127-139.276 Cf. L. F. Barzotto, A Democracia na Constituição, p.193 e ss., aproximando a noção de vida digna com ade uma vida boa, destacando, com acuidade, que aconstituição brasileira não é neutra (como pretendeDworkin) em relação ao conteúdo da expressão vidaboa (ou vida com dignidade), mas, pelo contrário,contém uma determinada concepção a respeito do queé uma vida boa, que necessita ser extraída do conjuntodas normas constitucionais e da(s) concepção(ões) dejustiça que lhes são subjacentes.277 Cf. Cass Sunstein, Designing Democracy , p. 235.278 Cf. R. L. Torres, em seu pioneiro estudo “O MìnimoExistencial e os Direitos Fundamentais”, in: Revista deDireito Administrativo nº 177 (1989), p. 20 e ss., bemcomo, mais recentemente, no seu texto sobre “ACidadania Multidimensional na Era dos Direitos”, in: R.L.Torres (Org.), Teoria dos Direitos Fundamentais , p. 239.Do mesmo autor, v., ainda, “A Metamorfose dos DireitosSociais em Mínimo Existencial”, in: I.W. Sarlet (Org.),Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direitoconstitucional, internacional e comparado , p. 1 e ss.,bem como por último, sistematizando e atualizando todosos seus escritos sobre o tema, v. O Direito do MínimoExistencial, Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Sobre omínimo existencial, v., por último, E. Bitencourt Neto, ODireito ao Mínimo para uma Existência Digna , PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2010.279 A respeito deste ponto remetemos ao nosso AEficácia dos Direitos Fundamentais , 8ª ed., p. 296 e ss.Tal posicionamento, de resto – importa frisar –essencialmente embasado nas lições de Robert Alexy eGomes Canotilho, acabou sendo objeto de aceitação edesenvolvimento em número expressivo de trabalhos deexcelente qualidade publicados entre nós (para ficarmos

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apenas na doutrina nacional), como dão conta, entreoutras e para além dos já citados trabalhos de RicardoLobo Torres (o qual, embora refutando afundamentalidade dos direitos sociais em geral, reconhecea sindicabilidade do mínimo existencial), os excelentescontributos de A . Krell, Direitos Sociais e ControleJudicial no Brasil e na Alemanha , p. 59 e ss., AnaPaula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos PrincípiosConstitucionais, e M.M. Gouvêa, O Controle Judicial dasOmissões Administrativas, especialmente p. 253 e ss.Mais recentemente, v. a contribuição de P. G. C. Leivas,Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006, especialmente p. 123 e ss.,vinculando o mínimo existencial a uma teoria dasnecessidades básicas. No âmbito da doutrina alemã, v.,dentre outros, J. M. Soria, “Das Recht auf Sicherungdes Existenzminimums”, in: JZ , 2005, p. 644 e ss.,bem como, mais recentemente, A. von Arnauld, “DasExistenzminimum”, in: A. von Arnauld, e A. Musil, (Ed.),Strukturfragen des Sozialverfassungsrechts, Tübingen:Mohr Siebeck, 2009, p. 251 e ss.280 Aqui bastaria remeter ao expressivo número dedecisões, inclusive dos Tribunais Superiores (como é ocaso do Superior Tribunal de Justiça e do SupremoTribunal Federal), que têm dado – pelo menos de modogeral – efetividade ao direito à saúde na sua dimensãoprestacional, superando a concepção (inicialmenteprevalente nestes mesmos Tribunais) de que se estariaem face de norma constitucional eminentementeprogramática, no sentido de dependente de interposiçãodo legislador infraconstitucional.281 Com efeito, por ocasião do julgamento da ADPF nº45 MC/DF (decisão proferida em 29.04.04) o Relator,Ministro Celso de Mello, em decisão monocrática e adespeito de prejudicado o mérito (houve suprimento daomissão que deu origem à demanda), não deixou deafirmar enfaticamente a possibilidade de um controlejudicial – agora também em sede de Argüição deDescumprimento – de políticas públicas na esfera dos

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direitos sociais (no caso, cuidava-se do direito à saúde),especialmente onde estiverem em causa prestaçõesvinculadas ao direito à vida e à dignidade da pessoahumana. Assim, não há como deixar de apontar paraalguma semelhança entre este julgado e o famosoprecedente da Suprema Corte Americana (Marbury v.Madison, de 1803), pois neste também, apesar de nãoter sido julgado o mérito, restou afirmada a competênciapara o controle jurisdicional da constitucionalidade dosatos dos demais poderes públicos. O que se almeja éque também entre nós o recente precedente venha aresultar em efetivo exercício da competência doSupremo Tribunal Federal na seara da efetivação dosdireitos sociais, já que, especialmente no concernente aodireito à saúde, existe um número considerável deprecendentes que apontam para um incremento daatuação jurisdicional . No âmbito do direito comparado,importa registrar que até mesmo um direito fundamentalimplícito às prestações essenciais à satisfação do mínimoexistencial foi reconhecido na esfera jurisprudencial, comodá conta o paradigmático exemplo da Alemanha (ondetal direito foi consagrado inicialmente– já na década de1950 – pelo Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht) e posteriormente pelo TribunalConstitucional Federal ( Bundesverfassungsgericht ). Omesmo caminho foi – reportando-nos agora a umaordem constitucional mais próxima da nossa, seja emtermos de direito constitucional positivo (é precisolembrar que a Lei Fundamental da Alemanha, salvoraras exceções, não agasalhou expressamente direitossociais em seu texto) – trilhado pelo TribunalConstitucional da Colômbia, o qual também temreconhecido um direito implícito a um mínimo existencial.Para uma aprofundada análise do modelo colombiano eda expressiva jurisprudência do Tribunal Constitucionaldaquele País, v. especialmente R. Arango e J. Lemaitre(Dir), Jurisprudencia Constitucional sobre el derecho almínimo vital, Caracas: Ed. Uniandes, 2002. Analisando avinculação do mínimo existencial com a dignidade da

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pessoa humana à luz da jurisprudência dos TribunaisSuperiores, v. também a contribuição de A. P. C.Barbosa, Die Menschenwürde ..., op. cit., p. 120 e ss.282 Apud A Corden/K. Duffy, Human dignitiy and socialexclusion, in: R. Sykes/P. Alcock (Org.), Developments ineuropean social policy , p. 110. Entre nós, v., por último,A. Cocurutto, Os Princípios da Dignidade da PessoaHumana e da Inclusão Social , São Paulo: Malheiros,2008.283 Cf. S. Baer, “Menschenwürde zwischen Recht,Prinzpip und Referenz”, p. 584.284 Neste sentido, v. as ponderações de R. Forst, “DieWürde des Menschen und das Recht auf Rechtfertigung”,in: DZPhil . 53 (2005), p. 590.285 Tematizando o problema da autoestima (naperspectiva da degradação, rebaixamento da pessoa) naperspectiva da dignidade da pessoa humana, v., entreoutros, P. Schaber, “Menschenwürde und Selbstachtung:ein Vorschlag zum Verständnis der Menschenwürde”,texto em PDF disponibilizado via eletrônica, acesso emwww.ethik.uzh.ch/afe/publikationen/Schaber-Menschenwuerde.pdf . Vale ressaltar, contudo, que oautor propõe um conceito muito (no nosso sentir,demasiadamente) restritivo da dignidade da pessoahumana, aspecto que aqui não será desenvolvido.286 Sobre o vínculo entre pobreza, humilhação edignidade humana, v., entre outros, B.K. Goldewijk,“Powerty, Dignity and Humiliation. On powerty as aviolation of human rights and access to justice”, textoapresentado pelo autor no Forum Mundial de DireitosHumanos, Nantes, França, em Maio de 2004. Sobre otema pobreza e direitos humanos, v., por todos, T.Pogge, World Powerty and Human Rights , Oxford: PolityPress and Blackwell, 2002, bem como, T. Pogge (Ed.),Freedom from Poverty as a Human Right , Paris-Oxford:UNESCO-Oxford University Press, 2007, contendo umexpressivo e atualizado conjunto de estudos sobre otema.287 Cf. a oportuna menção de F. Moderne, La dignité

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de la personne ..., p. 220. Neste sentido, v. por último,E. Bitencourt Neto, O Direito ao mínimo para umaexistência digna , p. 117 e ss.288 A respeito deste ponto, v. especialmente a recentecontribuição de J. Afonso da Silva, A dignidade dapessoa humana ..., p. 89 e ss., revelando, já no títulodo ensaio, que a dignidade da pessoa humana constituio valor supremo da democracia.289 Aqui vale consignar a visão crítica de M. Herdegen,Neuarbeitung von Art. 1 Abs.1 , p. 15, recomendandocautela no tocante ao reconhecimento do vínculo entredignidade da pessoa humana e os direitos departicipação democrática, afirmando – no nosso sentir demodo um tanto exagerado – que a dedução direta deposições específicas concretizando o princípiodemocrático, poderia elastecer demasiadamente adignidade e comprometer a sua utilidade nesta esfera.290 Sob re as liberdades políticas e sua prioridade numasociedade democrática, v. a paradigmática contribuiçãode J. Rawls, O Liberalismo Político, especialmente p. 343e ss., o que não significa que estejamos a concordarcom a primazia estabelecida pelo autor, aspecto queaqui não iremos desenvolv er.291 Cf. P. Häberle, ”A Dignidade Humana e aDemocracia Pluralista – seu nexo interno”, in: I. W.Sarlet (org.), Direitos Fundamentais, Informática eComunicação . Algumas Aproximações, Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007, p. 11 e ss. No mesmosentido, v., ainda, K. Stern,”Die Unantastbarkeit und derSchutz der Menschenwürde”, in: Das Staatsrecht derBundesrepublik Deutschland , vol. IV/1, München: C.H.Beck, 2006, p. 85.292 Cf. C. Lafer, Reconstrução dos Direitos Humanos ,p. 146 e ss., seguindo a lição de H. Arendt.293 Sobre o tema, notadamente analisando o direito àtutela jurisdicional efetiva à luz da dignidade da pessoahumana e da teoria dos direitos fundamentais, v. orecente e alentado estudo de L.G. Marinoni, TécnicaProcessual e Tutela dos Direitos, especialmente p. 165 e

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ss.294 Cf. BVerfGE 9, 89 (95), bem como as maisrecentes decisões encontradas em BVerfGE 84, 188(190) e BVerfGE 89 (28 (35), apenas para mencionaralguns exemplos.295 Cf., por todos, o Habeas Corpus n° 87.676/ES,relator Ministro Cezar Peluso, j. 06.05.2008.296 Cf. Habeas Corpus n° 88.548/SP, Relator MinistroGilmar Mendes, j. 18.03.2008.297 É nesta linha que parece situar-se o entendimentode C. Enders, Die Menschenwürde in derVerfassungsordnung , p. 501 e ss., vislumbrando nadignidade da pessoa humana um direito a ser titular dedireitos.298 Sobre o princípio da universalidade dos direitosfundamentais v., entre outros, J. J. Gomes Canotilho,Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 390 ess., afirmando que os direitos fundamentais, em regra,são também direitos humanos, no sentido de que nãosão apenas direitos dos cidadãos portugueses, a não serquando a própria ordem constitucional estabeleça (ouautorize expressamente o legislador para tanto) algumasexceções. Entre nós, v. especialmente A. C. Nunes, ATitularidade dos Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988 , Porto Alegre: Livraria do Advogado,2007. Por último, v. o nosso A Eficácia dos DireitosFundamentais , p. 208 e ss., em capítulo específicosobre o tópico.299 Vale lembrar aqui, a título ilustrativo, o Acórdãoproferido no processo de extradição nº 633/CH, tendocomo Relator o Ministro Celso de Mello (publicado no dia06.04.2001), no qual restou consignado que “O fato deo estrangeiro ostentar a condição jurídica deextraditando não basta para reduzi-lo a um estado desubmissão incompatível com a essencial dignidade quelhe é inerente como pessoa humana e que lhe conferea titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentreos quais avulta, por sua insuperável importância, agarantia do due process of law ”.

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300 Neste contexto, J. Miranda, Manual ..., vol. IV, p.217, reconhecendo o princípio da universalidade nodireito constitucional português, averba que “todavia, hádireitos que não são de todas as pessoas, mas apenasde algumas categorias, demarcadas em razão defactores diversos, sejam permanentes, sejam relativos acertas situações...”.301 Aqui, em verdade – assim como na já citadadecisão do nosso Supremo Tribunal Federal versandosobre a extradição – também se cuida de um exemplode aplicação da máxima na dúvida em prol dadignidade, e, nesta quadra, da interpretação das própriasnormas constitucionais à luz do princípio da dignidade dapessoa humana, notadamente quando se cuida deampliar proteção e âmbito de aplicação dos direitosfundamentais. Nesta linha, situa-se decisão do TribunalConstitucional da Espanha (STC 95/2000, de10.04.2000), que, na esteira de precedentes do próprioTribunal, reafirmou o entendimento de que osestrangeiros gozam (na Espanha), em condiçõesplenamente equiparáveis aos espanhóis, daqueles direitosque pertencem à pessoa como tal e que resultamimprescindíveis para a garantia da dignidade da pessoahumana (“los extranjeros gozan en nuestro país, encondiciones plenamente equiparables a los españoles, deaquellos derechos que pertenecen a la persona encuanto tal y que resultan imprescindibles para la garantiade la dignidad humana”). Tal entendimento,recentemente reiterado (ainda na Espanha) na Sentençanº 95/2003, na qual restou reconhecida a extensão dodireito à justiça gratuita também para os estrangeiros,por seu turno, parece expressar a tendência majoritáriada doutrina e da jurisprudência no Direito Comparado,também por influência da internalização dos tratadosinternacionais em matéria de direitos humanos, do quedá conta, por exemplo, o Acórdão nº 208/04, de24.03.04, do Tribunal Constitucional de Portugal, em que– com base na dignidade da pessoa humana – foioutor gada a dispensa da taxa judiciária para cidadã

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brasileira que pretendia propor ação trabalhista.Relativamente a este ponto, importa, ainda, consignarque a extenção da assistência judiciária gratuita aqualquer pessoa (pelo menos em princípio) resulta danecessidade de se assegurar, a qualquer pessoa – paraalém de um direito a ter direitos – o direito a direitosfundamentais efetivos, notadamente no concernente aosdireitos diretamente ancorados na dignidade da pessoa.302 Sobre o sentido e significado do artigo 5º, § 2º, danossa Constituição, bem como a respeito da classificaçãodos direitos e garantias fundamentais a partir destepreceito da nossa Carta Magna, v. o nosso A Eficáciados Direitos Fundamentais , p. 78 e ss.303 Cf. Carlos Ayres Britto, O Humanismo comoCategoria Constitucional, Belo Horizonte: Editora Fórum,2007, especialmente p. 22-23.304 A respeito da ausência de identidade entre aconstituição formal e material, mas reconhecendo, naesteira da doutrina majoritária, a necessidade de sepresumir a materialidade constitucional (e fundamental)das normas inseridas na Constituição formal, v. a liçãode J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. II,p. 40 e ss., sustentando, ainda ( Manual..., vol. IV, p.9), coerente com a linha de pensamento adotada, queos direitos fundamentais formalmente consagrados naConstituição também o são em sentido material.305 É o que se poderá afirmar, na esteira da doutrinamais moderna, em relação aos direitos positivados emtratados internacionais de Direitos Humanos,recepcionados, com hierarquia constitucional (material,apenas, por não insertos na Constituição formal), aindaque não haja consenso com relação à hierarquia nodireito interno, notadamente pela resistência aindaencontrada no STF, que, alterando a posição anterior(da paridade entre lei ordinária e tratado de direitoshumanos), passou a sufragar a hierarquia supra-legal(embora infra-constitucional)dos tratados em matéria dedireitos humanos. Sobre este ponto, v. entre outros,especialmente F. Piovesan, Direitos Humanos e o Direito

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Constitucional Internacional, especialmente p. 73 e ss., L.R. Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, p.15 e ss., C. A. Mello, O § 2º do art. 5º da ConstituiçãoFederal , in R. L. Torres (Org.) Teoria dos DireitosFundamentais , p. 17 e ss, e, mais recentemente, G. R.B. Galindo, Tratados Internacionais de Direitos Humanose Constituição Brasileira, especialmente p. 137 e ss.306 Cf. E. A. Sobottka, “Dignidade da pessoa humana eo décimo segundo camelo – sobre os limites dafundamentação de direitos”, in: VERITAS v. 53, n.2,abr./jun. 2008, p. 116.307 Cf. L. H. Tribe e M. G. Dorf, On Reading theConstitution, p. 7, indagando se a Constituição ésimplesmente um espelho no qual cada um enxerga oque deseja ver (Is the Constitution simply a mirror inwhich one sees what one wants to see?).308 Convém, quanto a este ponto, tomar a sério aadvertência de P. Häberle, Menschenwürde als Grundlage..., p. 823, recomendando um uso não inflacionário dadignidade e repudiando a utilização da dignidade demodo panfletário e como fórmula vazia de conteúdo.Neste sentido, por mais que se possa afirmar que, emmatéria de dignidade e direitos fundamentais, sejamelhor pecar pelo excesso, não há como desconsideraro fato de que o recurso exagerado e sem qualquerfundamentação racional à dignidade – tal como vez poroutra ocorre também entre nós – efetivamente podeacabar por contribuir para a erosão da própria noçãode dignidade como valor fundamentalíssimo da nossaordem jurídica. Aqui poderiam ser enquadradas, apenasem caráter exemplificativo e respeitando a nobreintenção dos prolatores da decisão – alguns julgadosampliando em demasia o significado da dignidade dapessoa humana, para afastar a impenhorabilidade dealguns bens, como no caso dos aparelhos de televisão,telefones, salvo, é claro, circunstâncias especialíssimasimpostas pelo caso concreto. Pelo menos sujeito acontrovérsias é o entendimento, sustentado pela 1ªTurma Cível do Tribunal de Justiça do DF, no

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Julgamento da Apelação Cível nº 51.159-99, emAcórdão relatado pelo Des. Valter Xavier, afirmando quea cobrança de juros acima do limite constitucional de12% ao ano constitui prática ofensiva à dignidade dapessoa humana, notadamente em se generalizando aafirmação. É claro que a prática da usura, emdeterminado nível, notadamente quando assume cunhoextorsivo, poderá, dadas as circunstâncias do caso,configurar ofensa à dignidade. Da mesma forma, não sepretende afastar a viabilidade do argumento de queuma legislação permissiva de juros abusivos, possaacarretar situações incompatíveis com as exigências dadignidade. Todavia, acreditamos que se possa questionara tese de que a simples cobrança de juros acima dolimite constitucional seja, em princípio, ofensiva àdignidade, especialmente para o efeito de demonstrarum possível uso inflacionário da dignidade.309 Cf. G. Frankenberg, Autorität und Integration, p.272-3, referindo exemplos da vida forense alemã, comoocorreu com uma demanda intentada por um grupo deJuízes contra alterações introduzidas no âmbito dadenominação de certos cargos e funções, ou mesmo deadvogados que – inexitosos assim como os seus colegasmagistrados – sustentaram a tese dainconstitucionalidade da obrigação de usar a toga, porofensiva à sua dignidade. Outro caso colacionado peloautor foi o do cidadão que processou a empresatelefônica pelo fato de que a conta – em função dosoftware do processador de texto – escrevia, em“evidente” violação da dignidade, a letra “ö” como “oe”.310 Reportamo-nos, mais uma vez ao magistério de L.L. Streck, (v. nota de rodapé nº 172, supra).311 Referindo uma tendência para apanjusfundamentalização, no âmbito de uma inflação nocampo do reconhecimento de novos direitosfundamentais, advertindo, neste contexto, para os riscosde uma banalização, v. o contributo de J. CasaltaNabais, Algumas Reflexões Críticas sobre os DireitosFundamentais , in : AB VNO AD OMNES – 75 anos da

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Coimbra Editora , p. 980 e ss. Neste sentido, tambémaponta J. Rawls, O Liberalismo Político, p. 350,sustentando a necessidade de limitar-se “as liberdadesàquelas que são verdadeiramente essenciais”, pena decorrer-se o risco de uma fragilização da proteção dasliberdades mais relevantes.312 Cf. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais ,p. 109.313 Questionando a possibilidade da dedução direta dedireitos subjetivos do princípio da dignidade da pessoahumana, encontramos, dentre outros, a lição de W.Brugger, Menschenwürde, Menschenrechte, Grundrechte ,p. 19 e ss., consignando-se não ser esta a posiçãomajoritária da doutrina e da jurisprudência alemãs, que,de modo geral, sustenta a dupla dimensão da dignidadeda pessoa humana como princípio e direito fundamental.314 Cf. E. Benda , Menschenwürde undPersönlichkeitsrecht, in: Benda/Maihofer/Vogel (Org.),Handbuch des Verfassungsrechts , vol. I, p. 166.Também este parece ser o entendimento, na doutrinafrancesa, de D. Rousseau, Les libertés individuelles et ladignité de la personne , p. 70, ao sustentar que adignidade, como realidade jurídica concreta, não existe anão ser por meio de sua realização por cada um dosdireitos fundamentais.315 Neste sentido, a lição de Höfling, in: M. Sachs(Org.), Grundgesetz, p. 119.316 Cf. a oportuna referência de H. Dreier, Art. 1 I GG,in: H. Dreier (Org.), Grundgesetz Kommentar , p. 127.317 Cf. T. Geddert-Steinacher, Menschenwürde alsVerfassungsbegriff , p. 166, destacando, ainda, que adignidade da pessoa humana, na condição de princípiojurídico fundamental, atua – como já referido alhures –como princípio regulativo da interpretação constitucional.318 Vale frisar aqui que o âmbito de proteção dadignidade da pessoa não se encontra coberto de modoigual e isento de lacunas, já que a dignidade possui,consoante já destacado, uma normatividade autônoma.Neste sentido, v. Udo Di Fabio, Der Schutz der

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Menschenwürde durch Allgemeine Programmgrundsätze ,p. 38.319 Cf. S. Rixen, “Die Würde und Integrität desMenschen”, in: Handbuch der Europäischen Grundrechte ,p. 338 e ss.320 C f., ainda, S. Rixen, “Die Würde und Integrität desMenschen”, op. cit., especialmente p. 346-47 .321 Peter Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage ...,p. 844, nos lembra, neste contexto, que odesenvolvimento pretoriano ou mesmo a novaformulação textual de direitos fundamentais específicospode ser vista como uma atualização do postuladobásico da proteção da dignidade da pessoa humana emface de novas ameaças.322 Vale registrar aqui a lição de J. C. GonçalvesLoureiro, O Direito à Identidade Genética do SerHumano , especialmente p. 351 e ss., inobstanteadmitindo outras possibilidades de fundamentação de umdireito à identidade genética. M. Koppernock, DasGrundrecht auf bioethische Selbstbestimmung, 1997, porsua vez, fala em um direito fundamental àautodeterminação bioética, diretamente fundado noprincípio da dignidade da pessoa humana e o direito aolivre desenvolvimento da personalidade (este, por suavez, também expressão da dignidade). Especificamentesobre as relações entre o genoma humano, a dignidadeaos direitos fundamentais, v., ainda, dentre tantos quejá se ocuparam do tema no âmbito da doutrinafrancesa, B. Mathieu Génome Humaine et DroitsFondamenteaux, Paris, Economica, 2000. Também emlíngua portuguesa, indispensável o contributo de P.Otero, Personalidade e Identidade Pessoal e Genética doSer Humano, Coimbra: Almedina, 1999. Para além disso,bem lembrando a necessidade de evitar uma“biologização” da pessoa humana, no contexto dasameaças acarretadas pelo uso das novas tecnologias, v.P. Pedrot, La dignité de la personne humaine al’épreuve des technologies biomédicales, in: P. Pedrot(Dir), Éthique, Droit et Dignité de la Personne, p. 62.

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Entre nós, e explorando com maestria a perspectivajurídico-penal, v., por todos, P. V. S. Souza, BemJurídico Penal e Engenharia Genética Humana , SãoPaulo: RT, 2004. Sobre a identidade genética comodireito fundamental, v., no direito brasileiro, especialmentea instigante dissertação de S. R. Petterle, O DireitoFundamental à Identidade Genética na ConstituiçãoBrasileira, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007,assim como a mais recente contribuição de R. daRocha, Direito à Vida e a Pesquisa com Células-Tronco ,São Paulo: Elsevier, 2008.323 Cumpre registrar aqui a previsão expressa feita peloConstituinte de 1988 (art. 225, § 1º, inciso II, daConstituição) no sentido de impor ao poder público atarefa de “preservar a diversidade e a integridade dopatrimônio genético do País e fiscalizar as entidadesdedicadas à pesquisa e manipulação de materialgenético.” Assim, não obstante – tal como frisado – nãohaja referência direta a um direito à identidade genéticano direito constitucional positivo brasileiro, certo é que aexpressão patrimônio genético (apesar de se cuidar denorma versando sobre a proteção do meio ambiente)pode ser lida como abrangendo o genoma humano, detal sorte que nos parece legítimo concluir que, a partirde uma exegese sistemática, que leve em conta tanto opreceito ora ventilado, quanto o princípio da dignidadeda pessoa humana, também no direito pátrio há comoreconhecer a existência de um direito à identidadegenética da pessoa humana. Da mesma forma, emexistindo tratado internacional ratificado pelo Brasilreconhecendo tal direito, este – muito embora oentendimento majoritário em sentido contrário do nossoSupremo Tribunal Federal – forte no artigo 5º, § 2º, daConstituição de 1988, passaria – de acordo com adoutrina mais afinada com a evolução internacional – ater hierarquia constitucional, aspecto que, emboracontroverso, não pode ser aqui simplesmentedesconsiderado.324 Sobre o tema, v., entre nós, o recente estudo de

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M.C. de Almeida, DNA e Estado de Filiação à Luz daDignidade Humana , especialmente p. 117 e ss.,mediante uma fundamentação calcada não apenas nasexperiências paradigmáticas do direito comparado, masfundada justamente na abertura material do catálogo dedireitos fundamentais e no princípio da dignidade dapessoa humana, tal qual consagrados na ordemconstitucional brasileira.325 Cf. RE n° 248.869-1 (07.08.2003), relator MinistroMaurício Corrêa.326 Cf., dentre tantos, a decisão preferida no NC94163, de 02.12.2008, relator Ministro Carlos A. Britto,onde, em apertada síntese, foi assentado que a fuga,embora interrompa o prazo de cumprimento da pena,não pode servir de fundamento para a desconsideraçãodos dias trabalhados pelo apenado e da respectivaremissão.327 Sem que se vá adentrar aqui a discussão emtorno da qualificação da união entre pessoas do mesmosexo como equivalente a união estável reconhecida eprotegida no artigo 226, § 3º, da Constituição de 1988(o que, por sua vez, nos remete ao problema dapossibilidade de se admitir a existência de normasconstitucionais originárias inconstitucionais),assume relevo,também neste contexto, que a dignidade da pessoahumana – de modo autônomo ou conexionado comoutros direitos fundamentais – tem servido de suportepara o reconhecimento de direitos fundamentaisimplícitos, o que tem, pelo menos nesta seara,alcançado expressiva aceitação pela jurisprudência edoutrina. A respeito do tema, reportamo-nos, entretantos, aos contributos (e aqui vão colacionadas duasdas monografias referenciais sobre o tema) de L. A. D.Araújo, A Proteção Constitucional do Transexual , SãoPaulo: Saraiva, 2000, R. R. Rios, A homossexualidade noDireito, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001 e M.B. Dias, União Homossexual. O Preconceito & a Justiça ,2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, noqual, de resto, também se encontram elementos a

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respeito da controvérsia apontada, no caso, dapossibilidade de se considerar a união homossexual comounião estável.328 “os direitos fundamentais consagrados naConstituição não excluem quaisquer outros constantesdas leis e das regras aplicáveis de direito internacional”329 Importa consignar, neste contexto, que a aberturamaterial a outros direitos fundamentais também foireconhecida em outro dispositivo da ConstituiçãoPortuguesa, no caso, o artigo 17, de acordo com o qual“o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-seaos enunciados no Título II e aos direitos fundamentaisde natureza análoga”, enunciado que, contudo, pareceexcluir os direitos sociais prestacionais do seu âmbito deaplicação, o que não ocorre com o artigo 16, nº 1.330 Neste sentido, pelo menos, a precisa objeção de J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria daConstituição 3ª ed., p. 379-80.331 Sobre este tópico, v., entre nós, C. A. Mello,Contribuição para uma Teoria Híbrida dos Direitos dePersonalidade , p. 81 e ss.332 Versando sobre este tópico, v., recentemente, oensaio de J. Spagnolo, “Uma visão dos alimentos atravésdo prisma fundamental da dignidade da pessoahumana”, in: S. G. Porto e D. Ustárroz (Org.),Tendências Constitucionais no Direito de Família, p. 141e ss., justamente propondo que o conteúdo daprestação alimentar tenha por referencial, especialmentequando da aferição de seu montante, tudo o que fornecessário para uma vida com dignidade.333 Muito embora já tivéssemos feito alusão àpossibilidade de uma eficácia dos direitos sociaisprestacionais (assim como dos direitos à prestação deum modo geral) na esfera das relações entreparticulares (v. neste sentido o nosso “DireitosFundamentais e Direito Privado: algumas consideraçõessobre a vinculação dos particulares aos direitosfundamentais”, in: I. W. Sarlet (Org.), A ConstituiçãoConcretizada: construindo pontes com o público e o

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privado , p. 154) tal ponto acabou sendo objeto demaior desenvolvimento na significativa obra de D.Sarmento, Direitos Fundamentais e Relações Privadas , p.332 e ss., apontando, com acuidade, para a relevânciada dimensão processual do problema, notadamente noque diz com os limites da atuação jurisdicional tambémnesta esfera.334 Cf. a paradigmática decisão proferida (ainda quecom apertada maioria) por ocasião do julgamento doHabeas Corpus nº 71.373-4-RS, destacando-se o votodo Ministro Marco Aurélio, que, ao recolher a posiçãoesgrimida em seu voto vencido pelo Desembargadorgaúcho José Carlos Teixeira Giorgis, acabou sustentandoque a recusa do paciente (demandado na investigaçãode paternidade) em submeter-se a exame pelo métodoDNA “há de ser resolvida não no campo da violênciafísica, da ofensa à dignidade humana, mas no planoinstrumental, reservado ao Juízo competente – ou seja,o da investigação de paternidade – a análise cabível e adefinição, sopesadas a prova coligida e a recusa doréu”. Tal orientação foi reafirmada no Habeas Corpus nº76060 – SC, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, in: DJ15.05.98.335 Decisão do Conselho de Estado, de 27.10.95,referida por M.-L. Pavia, le principe de dignité..., p.107-8. Entre nós, v. o comentário de J. B. BarbosaGomes, O poder de polícia e o princípio da dignidade dapessoa humana na jurisprudência francesa , in: COAD(ADV), Seleções Jurídicas, 12/1996, p. 19, referindo que,com esta decisão, o Conselho de Estado acabouampliando a base jurídica que fundamenta o exercíciodo poder de polícia, além de traduzir a crescenteinfluência da jurisdição constitucional e internacional sobrea justiça administrativa francesa, que acabou por aderirao entendimento consagrado pouco antes (em 1994)pelo Conselho Constitucional, no sentido de que adignidade da pessoa humana constitui princípioconstitucional. Registre-se, por oportuno, que a decisãodo Conselho de Estado da França foi objeto de

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impugnação pelo próprio destinatário da proteção (nocaso, o anão, que desde o início havia se insurgidocontra a interdição da atividade) perante o Comitê deDireitos Humanos das Nações Unidas, que, em decisãoproferida em 26.07.02 (cerca de dez anos após o fatoque originou a controvérsia), acabou rechaçando, maisuma vez, a afirmação do impugnante, que não vislubrana atividade qualquer ofensa à sua dignidade, de talsorte que restou confirmado o julgamento do Tribunalnacional. Na sua decisão, além de ratificar o argumentoda violação da ordem pública pela afetação da dignidadepessoal do anão, o Comitê das Nações Unidas agregouque nada havia de abusivo na interdição e que osimples fato de existirem atividades outras, igualmentesuscetíveis de interdição, não é suficiente para outorgarum caráter discriminatório à interdição relativa ao jogodos anões (v. neste sentido a síntese da decisão e orespectivo comentário de M. Levinet, “Dignité contreDignité. L’Épilogue de l’affaire du ‘lancer de nains’ devantle Comité des droits de l’homme des Nation Unies”, in:Revue Trimmestrielle de Droits de L’Homme , vol. 55(2003), p. 1017 e ss.). De outra parte, não faltaramcríticas à decisão, notadamente no que diz com aquestionável substituição da dignidade da pessoa pelopróprio e não pela compreensão adotada pela autoridadeestatal. Entre nós, v. M. N. Camargo, “O ConteúdoJurídico da Dignidade da Pessoa Humana”, in: LeiturasComplementares de Constitucional, p. 129-32.336 Cf. N. de Araújo, Direito Internacional Privado.Teoria e Prática Brasileira, 3ª ed., Rio de Janeiro:Renovar, 2006, p. 104 e ss.337 Cf. F. Delpérée, O Direito à Dignidade Humana , p.157, sustentando a dignidade como direito autônomo.338 Convém registrar, a respeito do mesmo ponto, quea jurisprudência pátria, embora dissonante, tem dadoguarida ao mesmo entendimento, de tal sorte que jáexiste uma série de julgados que reconheceram aimpossibilidade do corte do fornecimento de energiaelétrica, sob o fundamento de que a falta de energia

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poderia comprometer as condições mínimas para umavida com dignidade. Neste sentido, no âmbito dajurisprudência nacional e também em caráter meramenteilustrativo, o Acórdão do Superior Tribunal de Justiça,proferido no Agravo de Instrumento nº 478.911-RJ (DJ19.05.2003), vedando o corte de energia elétrica comomodo de compelir o usuário ao pagamento de tarifa oumulta, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoahumana, já que se cuida de um bem essencial,subordinado ao princípio da continuidade da prestação.Em hipótese similar, versando sobre o corte dofornecimento de água em virtude do inadimplemento, omesmo Tribunal, no Recurso Especial nº 617.588-SP (DJ31.05.2004), mesmo reconhecendo as premissas dadecisão acima citada, entendeu ser viável a interrupçãodo fornecimento, já que, apesar de se tratar de umbem e serviço essencial, no caso concreto não restouconfigurada a miserabilidade do usuário ou aimpossibilidade efetiva do pagamento, pena decomprometimento das condições básicas de vida. Assim,resulta evidente, no cotejo de ambas as decisões, que aproteção outorgada contra o corte no fornecimento deágua e energia elétrica limita-se (no nosso sentir, emtermos gerais, corretamente) ao assim designado mínimoexistencial para uma vida digna, que, portanto, aquitambém serve de parâmetro para a sindicabilidadejudicial. Tal orientação subjaz, ainda (entre outrosarestos que poderiam ser colacionados) a uma séria dedecisões versando a respeito da liberação dos depósitosdo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço,especialmente com o objetivo de atender necessidadesprementes no âmbito da saúde da pessoa ou de umfamiliar. Com efeito, recentemente o Superior Tribunal deJustiça, no Recurso Especial nº 560.777-PR (DJ08.03.2004), relatado pela Ministra Eliana Calmon,autorizou o levantamento do saldo do FGTS para fins deaquisição de uma aparelho auditivo para a filha menor,consignando que a verba deve ser liberada quandoestiverem em causa as necessidades básicas, já que a

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ordem constitucional objetiva assegurar a dignidade dapessoa humana e as condições mínimas e fundamentaispara o desenvolvimento físico e mental das pessoas, oque, por sua vez, harmoniza com a noção de vidasaudável sustentada nesta obra.339 Cf., por todos, J. R. Novais, Os PrincípiosConstitucionais Estruturantes da República de Portuguesa ,p. 51.340 Cf. Clèmerson Clève. Temas de Direito Constitucional, p. 127.341 Cf. A. E. Pérez Luño, Derechos Humanos ..., p.318, arrimado em conhecida obra de Ernst Bloch sobreo direito natural e a dignidade humana.342 Neste sentido, a lição de K. Stern, Das Staatsrecht..., vol. III/1, p. 28-9, e, mais recentemente, Höfling, in:M. Sachs (Org.), Grundgesetz, p. 114. Entre nós, muitoembora a Constituição de 1988 não faça mençãoexpressa (como o faz a Lei Fundamental da Alemanha)a um dever de respeito e proteção, à evidência que talvinculação do poder público e até mesmo dosparticulares se revela perfeitamente afinada com oespírito de nossa ordem jurídico-constitucional. Comefeito, tal tem sido o entendimento adotado porexpressiva parcela da doutrina pátria, como é o caso,entre outros, de J. Freitas, O Controle dos AtosAdministrativos e os Princípios Fundamentais , p. 52 ess., sustentando, paradigmaticamente, a subordinação detodas as ações estatais ao princípio da dignidade dapessoa humana. Mais recentemente, v. C. L. A. Rocha,O Princípio da dignidade da pessoa... , p. 34, advogandoque o princípio da dignidade da pessoa “vincula e obrigatodas as ações e políticas públicas.”343 Muito embora não estejamos de acordo com talponto de vista (notadamente no que diz com a negativade uma vinculação direta dos particulares aos direitosfundamentais) cumpre lembrar que é justamente a partirdo reconhecimento de deveres gerais e específicos deproteção por parte do Estado contra atos de outrosparticulares violadores da dignidade e dos demais direitos

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fundamentais, que expressiva doutrina vem sustentado,pelo menos, uma eficácia indireta dos direitosfundamentais no âm bito das relações entre particulares,já que apenas o poder público é destinatário dosdeveres de proteção. Neste sentido, paradigmaticamente,C.W. Canaris , Grundrechte und Privatrecht , p. 33 e s s.344 Cf. Höfling, in: M. Sachs (Org.), Grundgesetz , p.114. Entre nós e dentre outros, registre-se acontribuição de C.E.P. Ruzik, “A responsabilidade civil pordanos produzidos no curso de atividade econômica e atutela da dignidade da pessoa humana: o critério dodano ineficiente”, in: Diálogos sobre Direito Civil, p. 129e ss., que, além de aderir à concepção aqui adotada dedignidade como limite e tarefa do Estado, bemdesenvolve a noção de que a dignidade da pessoahumana, a partir de seu conteúdo normativo-vinculante(e não meramente retórico) atua como vetor naoperacionalização dos institutos jurídicos, inclusive aprópria disciplina jurídica da atividade econômica.345 Esta a lição de J. González Pérez , La Dignidad dela Persona , p. 59. Neste contexto, especialmente noâmbito da dimensão prestacional, vale lembrar que adignidade da pessoa assume importante papel comocritério nuclear para determinar o conteúdo justiciáveldos direitos sociais a prestações. Neste sentido, v. onosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Também, A.P. de Barcellos, A Eficácia dos Princípios Constitucionais –a dignidade da pessoa humana, especialmente, p. 201 ess., desenvolve a tese da dignidade da pessoa e domínimo existencial, em suas diversas manifestações. Porúltimo, v., ainda, R. L. Torres, O Direito ao MínimoExistencial, 2008, e E. Bitencourt Neto, O Direito aoMínimo para uma Existência Digna , 2010.346 Cf., por todos, S. Rixen, “Die Würde und Integritätdes Menschen”, op. cit., p. 355.347 A respeito do vínculo entre solidariedade edignidade, e, nesta perspectiva, fundamentando asolidariedade como princípio jurídico fundamental, v. oinstigante texto de M.C. Bodin de Morais, “O conceito de

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dignidade humana: substrato axiológico e conteúdonormativo”, in: I. W. Sarlet (Org.). Constituição, DireitosFundamentais e Direito Privado , p. 117 (onde propõe odesdobramento do substrato material da dignidade emquatro postulados, quais sejam, o da igualdade, o daintegridade física e moral, o da liberdade e o dasolidariedade) e p. 136 e ss. (especificamente a respeitoda dimensão solidária da dignidade). Em que pese ovínculo do princípio da solidariedade com a dignidade,vale ressaltar que questionável a noção de que asolidariedade é substrato da dignidade e não o oposto,ou seja, a dignidade é que implica um dever desolidariedade. Por último, v. W. G. Di Lorenzo, Teoria doEstado de Solidariedade, p. 131 e ss.348 Cf. lembra, dentre tantos, M.-L. Pavia , Le principede dignité, ...p. 111.349 Cf. leciona J. C. Vieira de Andrade, Os DireitosFundamentais ..., p. 273. Entre nós, cumpre mencionar olapidar ensinamento de P. Bonavides, Curso de DireitoConstitucional, p. 344 e ss., que, ao retratar a evoluçãodo Estado liberal burguês para o assim chamado EstadoSocial, bem como demonstrar que o Estado Brasileiro,tal como formatado na Constituição de 1988, é, de fato,um Estado social e democrático de Direito, promotor dosdireitos sociais e da justiça material, destacando, ainda,que com este novo modelo de Estado, “o Estado-inimigocedeu lugar ao Estado-amigo, o Estado-medo aoEstado-confiança, o Estado-hostilidade aoEstado-segurança...”.350 Especificamente sobre esta dimensão, v. C. L.Antunes Rocha, O princípio da dignidade da pessoa ...,p. 37 e ss., registrando a incompatibilidade entre aexclusão social gerada pela globalização econômica e oprincípio da dignidade da pessoa humana. Igualmenteanalisando o impacto negativo da globalização econômica,especialmente pelo prisma das instituições democráticas edo constitucionalismo,cumpre lembrar, neste contexto, aadvertência de P. Bonavides, Do País Constitucional aoPaís Neocolonial, p. 19 e ss., ao apontar para a

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subversão do estado democrático e constitucional deDireito e sua gradativa substituição – ao menos para oBrasil e, assim acreditamos, também para grande partedas demais nações tidas como periféricas – por umestado neocolonial, processo este caracterizado tambémpor uma desnacionalização, perda da soberania edesconstitucionalização.351 Sobre a vinculação dos particulares aos direitosfundamentais, notadamente sustentando uma vinculaçãodireta prima facie , v. o nosso Direitos Fundamentais eDireito Privado: algumas considerações em torno davinculação dos particulares aos direitos fundamentais, in:I. W. Sarlet (Org.). A Constituição Concretizada:construindo pontes com o público e o privado , p. 107 ess. No âmbito da produção monográfica nacional,destacamos o já referido D. Sarmento, DireitosFundamentais e Relações Privadas , Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, assim como as monografias de W.Steinmetz, V inculação dos Particulares a DireitosFundamentais , São Paulo: Malheiros, 2004, e, maisrecentemente, V. A. da Silva, A Constitucionalização deDireitos: os direitos fundamentais nas relações entreparticulares, São Paulo: Malheiros, 2005.352 Cf., recentemente, J. Neuner, Privatrecht undSozialstaat, p. 150 e ss. (especialmente p. 153),sustentando que a dignidade da pessoa, inclusive deacordo com a expressão literal do texto constitucionalgermânico, constitui um bem jurídico absoluto que nãopode ser violado por quem quer que seja. Nesta linhade entendimento, v. também, P. Mota Pinto, O Direito aoLivre Desenvolvimento da Personalidade , p. 241-43, naesteira do que, igualmente no direito lusitano, jásustentava, há mais tempo, J. C. Vieira de Andrade, OsDireitos Fundamentais ..., p. 293 e ss. Entre nós, v.,por último, adotando o entendimento aqui sustentado, M.Palazzolo, Persecução Penal e Dignidade da PessoaHumana , p. 71, admitindo também um dever geral derespeito. Não faltam, todavia, vozes em sentido contrário,negando uma vinculação direta dos particulares ao

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princípio da dignidade da pessoa humana, referindo-seaqui, em caráter exemplificativo, o magistério de T.Geddert-Steinacher, Menschenwürde alsVerfassungsbegriff , p. 93 e ss., que, na esteira de fartadoutrina e jurisprudência, reconhece apenas uma eficáciaindireta da dignidade da pessoa humana na esfera dasrelações entre particulares, muito embora tambémdefenda o ponto de vista de que a dignidade éirrenunciável.353 Cf. J. González Pérez, La dignidad de la persona ,p. 62, inclusive sustentando que a dignidade também seconstitui em dever de cada indivíduo, para com osdemais e consigo mesmo. Tal entendimento, que temencontrado ampla ressonância na produção doutrinária ejurisprudencial, não afasta, todavia, uma série decontrovérsias de alta indagação, a começar pelos limitesda definição pelo próprio titular, daquilo que considera,ou não, ofensivo à sua dignidade. No âmbito daprodução doutrinária específica sobre a “proteção dapessoa contra si mesma” destacam-se as contribuiçõesoriundas da dogmática alemã, de tal sorte queremetemos aqui, entre outros, ao estudo de C.Hillgruber, Der Schutz des Menschen vor sich selbst ,München: C.H.Beck, 1992. No âmbito da jurisprudência,talvez seja o famoso (mas nem por isso incontroverso)caso do jogo dos anões, decidido pelo Conselho deEstado da França, o exemplo mais difundido e que jáfoi objeto de nossa referência.354 Versando precisamente sobre a indisponibilidade dadignidade e do núcleo em dignidade dos direitosfundamentais, v., entre nós, J. A . Peres Gediel, “Airrenunciabilidade a direitos da personalidade pelotrabalhador”, in: I. W. Sarlet (Org.), Constituição, DireitosFundamentais e Direito Privado , p. 159 e ss .355 Sobre o tema da renunciabilidade dos direitosfundamentais em geral v., por todos, o recente eparadigmático estudo de J. R. Novais, “Renúncia aDireitos Fundamentais”, in: J. Miranda (Org.),Perspectivas Constitucionais, vol. I, p. 263-335.

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356 Cf. as lúcidas reflexões de J. M. Leal de Meirelles eE.Didonet Teixeira, “Consentimento livre, dignidade esaúde pública: o paciente hipossuficiente”, in: Diálogossobre Direito Civil, notadamente a contar da p. 366 ess., bem destacando a necessidade de uma motivaçãoracional e razoável quando do exercício do controlejurisdicional dos atos praticados. Enfrentando a temáticaprioritariamente pelo prisma das assim denominadas“ordens de não-ressuscitação” e da recusa por partedos próprios pacientes em relação a tratamento médico,v. o recente contributo de L.H. Pithan, A dignidadehumana como fundamento jurídico das “ordens denão-ressuscitação ” hospitalares, especialmente p. 78 ess., onde investe na controvérsia em torno de umdireito a uma morte digna e nos limites da autonomiado paciente. Tal discussão – que perpassa de modogeral o estudo da bioética e do biodireito –evidentemente aqui não poderá ser desenvolvida, de talsorte que, para além dos textos já referidos eespecificamente no que concerne ao consentimentoinformado, remetemos ao referencial estudo, no âmbitoda doutrina nacional, de J. Clotet, J.R. Goldim e C.F.Francisconi, Consentimento Informado e sua prática naassistência e pesquisa no Brasil , Porto Alegre:EDIPUCRS, 2000.357 Advogando um dever geral de respeito para com adignidade da pessoa humana, v., dentre outros, M. A.Alegre Martínez, La dignidad de la persona ..., p. 86 ess.358 Cuidando da dignidade como limite dos direitosalheios v. J. González Pérez, La dignidad de la persona ,p. 91 e ss., inclusive citando decisões do TribunalConstitucional da Espanha no sentido de o exercício dosdireitos fundamentais encontrar seus limites nos direitosfundamentais e na dignidade de terceiros. No mesmosentido, destacando que o princípio da dignidade dapessoa (por ser a dignidade, em princípio, irrenunciável)atua até mesmo como limite ao exercício de direitospróprios, v. M. A. Alegre Martínez , La dignidad de la

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persona. .., p. 81 e ss. Pela doutrina italiana, v. F.Bartolomei, La dignità umana ..., p. 23 e ss.,desenvolvendo o ponto no que diz com as restrições daliberdade pessoal em prol da dignidade. Colacionandomais exemplos extraídos da jurisprudência constitucionalespanhola, v., por último, I. Gutiérrez-Gutiérrez,Dignidade da Pessoa y Derechos Fundamentales , p. 108e ss.359 Cf. M. L. Pavia, Le principe de dignité..., p. 109-10.Em que pesem os termos da decisão da Corte deApelação referida, vale sublinhar, todavia, a controvérsiatravada na França a respeito do reconhecimento – peloConselho Constitucional – de um verdadeiro direitofundamental social à moradia, ou – como parecesustentar Franck Moderne, La dignité de la personne ...,p. 223 e ss. –, de um objetivo constitucional, que, emprimeira linha, vincula o legislador, que, por sua vez,dispõe de uma ampla margem de liberdade naconsecução desta meta constitucionalmente estabelecida.Com efeito, uma leitura da decisão nº 94-359, de19.01.95, desde logo revela a ausência de umareferência expressa – por parte do ConselhoConstitucional – a um direito fundamental à moradia. Oque importa, em verdade, é a circunstância de que –diretamente – a partir do princípio da dignidade dapessoa humana (igualmente consagrado, um ano antes,pelo próprio Conselho Constitucional), foi reconhecido –pelo menos – que a possibilidade de toda a pessoadispor de um alojamento decente constitui um objetivode valor constitucional (“la possibilité pour toute personnede disposer d’um logement décent est um objectif devaleur constitutionnelle”), objetivo do qual resultamlimitações ao direito de propriedade, tal como bemdemonstrou a primeira decisão referida.360 Aqui também vale citar o exemplo extraído dajurisprudência do Conselho de Estado da França, aochancelar o uso do poder de polícia, com o objetivo deproteção da dignidade pessoal dos anões que mesmoespontaneamente e mediante pagamento, sujeitavam-se

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a servir de objeto da diversão alheia (o multicitado eamplamente difundido caso do jogo de anões),consoante observação feita por E. Pereira Nobre Júnior,O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da PessoaHumana, p. 245, que também cita este mesmo caso.361 Cf. J. Miranda, Manua l..., vol. IV, p. 186. Nestamesma linha, situa-se decisão mais recente (Acórdão nº318/99), na qual o Tribunal Constitucional de Portugal,entendendo – na esteira de julgamentos anteriores –que o direito à segurança social (artigo 63 daConstituição de 1976) ou, pelo menos, o princípio dadignidade da pessoa humana implicam o reconhecimentode um direito a uma subsistência condigna (um mínimode sobreviência), acabou por declarar inconstitucional anorma do artigo 824, nºs 1 e 2, do Código deProcesso Civil português, na medida em que permite apenhora até 1/3 das prestações periódicas pagas atítulo de aposentadoria ou qualquer outro benefíciosocial, cujo valor não seja superior ao do salário mínimonacional então em vigor. Nesta decisão, em face doconflito entre o direito do credor, o TribunalConstitucional acabou por fazer prevalecer o “valorsupremo da dignidade da pessoa humana – vectoraxiológico estrutural da própria Constituição”,argumentando que o salário mínimo nacional (e,portanto, também uma pensão ou outro benefício socialfixado neste valor) constitui justamente a remuneraçãobásica que objetiva corresponder aos ditames dadignidade da pessoa (no sentido de um mínimo parauma sobrevivência digna), razão pela qual, cuidando-sede uma redução do próprio mínimo em dignidade,estar-se-ia sacrificando de forma excessiva edesproporcionada do direito do devedor e pensionista.Tal orientação, como demonstram decisões posteriores,segue sendo adotada pelo Tribunal Constitucional,destacando-se o Acórdão nº 62/02, do dia 06.02.2001,relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto, reconhecendoa inconstitucionalidadeda penhora do rendimento mínimogarantido que, mesmo não sendo equivalente ao salário

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mínimo nacional (cuja impenhorabilidade, como deflui dadecisão já citada, também é reconhecida pelo TribunalConstitucional, inclusive como limite à constrição judicialde pensões, rendas vitalícias, etc.) é calculado eatribuída em função das necessidades de subsistência dodevedor e de sua família, de tal sorte que a totalidadeda prestação social percebida pelo devedor, já queindispensável a uma vida com dignidade, encontra-sesalvaguardada contra uma penhora. Tais diretrizes, comodeflui do Acórdão nº 96/04, do dia 11.02.2004, relatadopela Conselheira Maria Helena Brito (também relativo àpenhora do salário do executado), tem sido mantidaspela jurisprudência mais recente do Tribu nal.362 Cf. Acórdão nº 92-151-2, do dia 08.04.92, RelatorMessias Bento. Há de se destacar, todavia, que aocontrário do exemplo coletado da jurisprudência francesa,o direito fundamental à habitação encontrou previsãoexpressa na Constituição portuguesa de 1976 (artigo65). Mesmo assim, a doutrina majoritária e ajurisprudência do Tribunal Constitucional – como tambémo revela a decisão ora colacionada – têm sublinhadoque, na condição de um direito fundamental social aprestações, cuida-se de um direito sob “reserva dopossível”, correspondendo, em primeira linha, “a um fimpolítico de realização gradual” (cf. refere expressamenteo Acórdão nº 151/92).363 C f. Acórdão nos Embargos Infringentes nº70000296053, julgados pelo 10º Grupo Cível do Tribunalde Justiça do RS, em 25.02.2000, tendo por Relator oeminente Des. Carlos Rafael dos Santos Júnio r.364 Cf., dentre tantos, o Acórdão no Agravo deInstrumento nº 70008245805, proferido pela 22ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, em27.04.2004 (Relatora Des. Mara Larsen Chechi),mantendo a decisão da primeira Instância, quedeterminou o restabelecimento do fornecimento.Registre-se que também o nosso Superior Tribunal deJustiça (ainda que não em todos os casos e comalguma divergência) tem sustentato este entendimento,

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do que dá conta, também aqui em caráterexemplificativo, o Acórdão proferido no Agravo deInstrumento nº 478.911 – RJ, julgado em 16.05.2003 erelatado pelo Ministro Luiz Fux. Ressalte-se que omesmo Tribunal, no âmbito do Agravo Regimental noRecurso Especial nº 543.020 – SP, apreciado no dia18.03.2004 e relatado pelo mesmo Ministro Luiz Fux,decidiu pela possibilidade do corte de energia,considerando que no caso concreto não se tratava nemde entidade de relevante utilidade pública (como ocorrecom Hospitais, por exemplo) nem de pessoa físicamiserável e que comprovadamente não tenha condiçõesde arcar com o pagamento da conta de energia elétricasem prejudicar o seu sustento e o de sua família. Valeconsignar, ainda, que tal decisão revele o quanto setorna indispensável – pelo menos em princípio – aferireventual violação da dignidade à luz das circunstânciasdo caso concreto, pena de se chancelar uma distorçãona aplicação do princípio.365 Dentre tantos, v. aqui o Acórdão proferido pela 3ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, no Agravode Instrumento nº 70008186926 (Relator Des. Paulo deTarso Vieira Sanseverino), julgado em 01.04.2004.366 Sobre o tópico, v., além dos escritos jáconsiderados de Ricardo Lobo Torres, representando adoutrina majoritária (ainda que existam variaçõesimportantes sobre aspectos que envolvem as diversaspossibilidades de aplicação do mínimo existencial e dadignidade da pessoa humana nesta seara) v. as maisrecentes contribuições, por especialmente dedicadas aotema, de A. C. G. Pezzi, Dignidade da Pessoa Humana,Mínimo Existencial e Limites à Tributação no EstadoDemocrático de Direito, Curitiba: Juruá, 2008 e de M.Buffon, Tributação e dignidade humana entre os direitose deveres fundamentais , Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2009, p. 181 e ss.367 Cf. J. Machado, Liberdade de Expressão , p. 361-2.

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5. Proteção pela dignidade e o problema dos limites dadignidade5.1. A dignidade como limite à restrição dos direitosfundamentaisQuando utilizamos a expressão proteção pela dignidade ,estamos nos referindo à função do princípio dadignidade da pessoa humana no contexto dos assimdenominados limites dos direitos fundamentais. Sem queaqui se pretenda explorar esta dimensão do problema,mas considerando a sua relevância, partiremos dopressuposto de que admitida a possibilidade de setraçarem limites aos direitos fundamentais, já quevirtualmente pacificado o entendimento de que, emprincípio, inexiste direito absoluto, no sentido de umatotal imunidade a qualquer espécie de restrição.368 Deoutra parte, igualmente consagrado, de há muito, oreconhecimento da existência daquilo que a doutrinagermânica denominou de limites dos limites (Schranken-Shranken ), 369 isto é, de determinadasrestrições à atividade limitadora no âmbito dos direitosfundamentais, justamente com o objetivo de coibireventual abuso que pudesse levar ao seu esvaziamentoou até mesmo à sua supressão.Não obstante variáveis, de acordo com as peculiaridadesde cada ordem constitucional, os tipos de limites àsrestrições em matéria de direitos fundamentais, assimcomo diversificado também o sentido e o alcanceoutorgado a estes limites, constata-se – para além deoutros aspectos de relevo e, pelo menos, no que dizcom as ordens jurídicas diretamente influenciadas peladoutrina e pela jurisprudência alemãs – certo consensoquanto ao fato de que, em princípio, nenhuma restriçãode direito fundamental poderá ser desproporcional e/ouafetar o núcleo essencial do direito objeto da restrição.370É justamente neste contexto que o princípio dadignidade da pessoa humana passa a ocupar lugar dedestaque, notadamente pelo fato de que, ao menospara alguns, o conteúdo em dignidade da pessoa

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humana acaba por ser identificado como constituindo onúcleo essencial dos direitos fundamentais,371 ou pelacircunstância de – mesmo não aceita tal identificação372– se considerar que pelo menos (e sempre) o conteúdoem dignidade da pessoa em cada direito fundamentalencontra-se imune a restrições.373 Na mesma linha,situam-se os entendimentos de acordo com os quaisuma violação do núcleo essencial – especialmente doconteúdo em dignidade da pessoa – sempre e emqualquer caso será desproporcional. 374 É precisamenteneste sentido – seja qual for o posicionamento adotado– que, nesta quadra da exposição, se poderá falar emproteção dos direitos fundamentais por meio dadignidade da pessoa, que, nesta perspectiva, operacomo “limite dos limites” aos direitos fundamentais.375À vista do exposto, embora não se pretenda aquiaprofundar o tópico, firmamos posição no sentido derefutar, também e especialmente no contexto do direitoconstitucional positivo brasileiro, a identificação dadignidade da pessoa humana com o assim designado (eigualmente controverso e mesmo “nebuloso”) 376 núcleoessencial dos direitos fundamentais. Com efeito, a tesede acordo com a qual a dignidade da pessoa humananão se identifica (não se confunde) – pelo menos nãonecessariamente e em todos os casos – com o núcleoessencial dos direitos fundamentais há de prevalecer porvárias razões. Um primeiro argumento diz respeito aofato de que – pelo menos esta a convicção queseguimos compartilhando – nem todos os direitosfundamentais (pelo menos na Constituição Federal de1988) apresentam um conteúdo em dignidade, mastodos possuem um núcleo essencial, pelo menos nosentido de uma proibição de abolição efetiva outendencial por parte do poder de reforma constitucional(art. 60, § 4º, IV, da CF) e/ou de uma vedação derestrições que afetem aspectos nucleares do direitofundamental em causa. 377 Por outro lado, na esteira,aliás, do que sustenta a doutrina majoritária (pelomenos na Alemanha), tal garantia restaria esvaziada em

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se aceitando uma identidade absoluta com o conteúdoem dignidade, o que não elide o argumento de que oconteúdo em dignidade (quando existente) poderá serparte do assim designado núcleo essencial dos direitosfundamentais.378 De todo modo, o que se pretendedestacar neste contexto, assumindo-se a simplificação ea necessidade de maior desenvolvimento, é o fato deque nem toda a violação de um direito fundamentalcorresponde, ao mesmo tempo e necessariamente, auma violação da dignidade da pessoa humana, sequerimplicando (de modo cogente) a violação do conteúdoem dignidade que o direito fundamental atingido possater. 379A título meramente exemplificativo, com o objetivo deilustrar a ideia da dignidade da pessoa como limite àatividade restritiva do legislador e, de modo especial,para evidenciar a relação entre a dignidade e o núcleoessencial dos direitos fundamentais, reportamo-nos ao jácitado Aresto do Tribunal Constitucional de Portugal,relatado pelo Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, onderestou julgada inconstitucional a previsão legal dapenhora de parte da pensão do devedor, mesmo nahipótese de esta ser equivalente ao salário mínimonacional, já que, para o Tribunal “em tais hipóteses, oencurtamento através da penhora, mesmo de umaparte dessas pensões – parte essa que, em outrascircunstâncias, seria perfeitamente razoável, como nocaso das pensões de valor acima do salário mínimonacional –, constitui um sacrifício excessivo edesproporcionado do direito do devedor e pensionista, namedida em que este vê o seu nível de subsistênciabásico descer abaixo do mínimo considerado necessáriopara uma existência com dignidade que a Constituiçãogarante”. 380 Na jurisprudência pátria, a títulomeramente ilustrativo, citamos (além dos já referidosexemplos da suspensão do fornecimento de energiaelétrica e do desconto em folha, que aqui tambémpoderiam ser enquadrados) Acórdão do Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul, relatado pelo

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Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano,consignando que o fiador, mesmo diante de disposiçãolegal prevendo tal possibilidade, não pode ter o imóvelque lhe serve de moradia penhorado e expropriado emface de direitos patrimoniais do credor, notadamentequando existem outros meios para assegurar o crédito,381 entendimento que posteriormente veio a encontrarresistência por parte do Supremo Tribunal Federal. Comefeito, apesar da existência de decisão monocrática doMinistro Carlos Velloso, proferida no sentido dainconstitucionalidade da legislação que prevê a penhorado imóvel do fiador, sobreveio manifestação majoritária382 considerando legítima a exceção legal permissiva dapenhora do imóvel do fiador, voluntariamente dada emgarantia, sob o argumento de que ao legislador éassegurada ampla liberdade no tocante à eleição domodo de efetivar o direito à moradia (note-se que adecisão partiu da premissa de que a moradia constituidireito fundamental social!) e que a falta de segurançados contratos de locação, acarretada pela impossibilidadeda penhora, desestimula os investimentos na construçãocivil, reduzindo a oferta de imóveis e dificultando oacesso à moradia para grandes segmentos dapopulação.Embora não se possa adentrar o debate comprofundidade, 383 entendemos que a prevalência dadignidade da pessoa humana e do mínimo existencialsempre é, em primeiro plano, de ser aferida na situaçãoconcreta, da pessoa diretamente atingida, não podendoser dissolvida no contexto coletivo, ainda mais quandoreferida a uma possível (e sequer demonstrada) falta deacesso à moradia digna por parte de outras pessoas.Com isso, por certo, não se está a dizer que o direitoà moradia é absoluto, até mesmo pelo fato de que onúcleo essencial do direito à moradia não se confundenecessariamente com o direito de propriedade. Alémdisso, importa frisar que a proteção mais significativa dodireito à moradia, no sentido de uma blindagem fortecontra medidas interventivas, manifesta-se especialmente

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(embora não exclusivamente) no plano da garantia domínimo existencial. De qualquer modo,independentemente da concordância (integral ou parcial)com os fundamentos e resultado da decisão doSupremo Tribunal Federal, o que se constata é que,embora considerada legítima a expropriação do imóvel emoradia do fiador, a medida encontrou justificativa natutela do acesso à moradia digna por parte de terceiros,que, de resto, não se vincularam (em princípio, emcaráter voluntário) como garantes da relação locatícia, oque, por sua vez, remete novamente ao problema daspossibilidades e limites da proteção (em nome dadignidade) da pessoa contra si própria, que aqui nãoserá desenvolvido.Neste mesmo contexto – ou seja, no âmbito de uma“função protetiva” (e, portanto, defensiva) da dignidade– situa-se a noção de que a dignidade da pessoahumana constitui um dos critérios materiais para aaferição da incidência de uma proibição de retrocessoem matéria de direitos fundamentais, notadamente (masnão exclusivamente) na esfera dos direitos fundamentaissociais de cunho prestacional.384 A ideia nuclear – queaqui não poderá ser desenvolvida – é a de queeventuais medidas supressivas ou restritivas deprestações sociais implementadas (e, portanto,retrocessivas em matéria de conquistas sociais) pelolegislador haverá de ser considerada inconstitucional porviolação do princípio da proibição de retrocesso, sempreque com isso restar afetado o núcleo essenciallegislativamente concretizado dos direitos fundamentais,385 especialmente e acima de tudo nas hipóteses emque resultar uma afetação da dignidade da pessoahumana (já que também aqui não há identidadenecessária entre as noções de conteúdo essencial econteúdo em dignidade) no sentido de umcomprometimento das condições materiais indispensáveispara uma vida com dignidade, no contexto daquilo quetem sido batizado como mínimo existencial.Justamente tal pr emissa (ainda que não expressamente

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referida da mesma forma na fundamentação) encontra-se na base do recente e já referido acórdão doTribunal Constitucional de Portugal (acórdão nº509/2002), a respeito da inconstitucionalidade (porviolação do princípio da proibição de retrocesso) doDecreto da Assembleia da República que, ao substituir oantigo rendimento mínimo garantido por um novorendimento social de inserção, excluiu da fruição dobenefício (ainda que mediante a ressalva dos direitosadquiridos) pessoas com idade entre 18 e 25 anos. Emtermos gerais e para o que importa neste momento, adecisão, ainda que não unânime, entendeu que alegislação revogada, atinente ao rendimento mínimogarantido, concretizou o direito à segurança social doscidadãos mais carentes (incluindo os jovens entre 18 e25 anos), de tal sorte que a nova legislação, ao excluirdo novo rendimento social de inserção as pessoas nestafaixa etária, sem a previsão e/ou manutenção de algumtipo de proteção social similar, estaria a retroceder nograu de realização já alcançado do direito à segurançasocial a ponto de violar o conteúdo mínimo desse direitojá que atingido o conteúdo nuclear do direito a ummínimo de existência condigna, não existindo outrosinstrumentos jurídicos que o possam assegurar com ummínimo de eficácia. Destaque-se, ainda, que o TribunalConstitucional português reiterou pronunciamentosanteriores, reconhecendo que no âmbito daconcretização dos direitos sociais o legislador dispõe deampla liberdade de conformação, podendo decidir arespeito dos instrumentos e sobre o montante dosbenefícios sociais a serem prestados, sob pressuposto deque, em qualquer caso a escolha legislativa assegure,com um mínimo de eficácia jurídica, a garantia dodireito a um mínimo de existência condigna para todosos casos. 386Da análise da decisão ora citada, resulta – tal comoanunciado – que uma medida de cunho retrocessivo,para que não venha a violar o princípio da proibição deretrocesso, deve, além de contar com uma justificativa

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de porte constitucional, salvaguardar – em qualquerhipótese – o núcleo essencial dos direitos sociais,notadamente naquilo em que corresponde às prestaçõesmateriais indispensáveis para uma vida com dignidadepara todas as pessoas, já que – como bem revela ocaso ora examinado – também haverá de serrespeitado o princípio da universalidade da titularidade edo exercício dos direitos fundamentais, pelo menosdaqueles que possuem um conteúdo em dignidade dapessoa humana, tudo a demonstrar que também nestaesfera – em se considerando a necessidade de umahierarquização à luz do caso concreto – vigora o járeferido postulado do in dubio pro dignitate, por maisque se possa controverter em torno do significadoconcreto da fórmula, considerada a dificuldade deestabelecer o conteúdo (âmbito de proteção) dadignidade.Entre nós, referindo-se à proibição de retrocesso(embora, na hipótese, se deva reconhecer serquestionável o fato de se estar efetivamente em face deuma típica situação de retrocesso, circunstância que –de qualquer sorte e no nosso sentir – não conflita coma correção do entendimento adotado no julgado) e bemdemonstrando – consoante já referido – que esta nãoopera exclusivamente na seara dos direitos a prestaçõesfáticas – poder-se-á citar sugestivo exemplo extraído dajurisprudência do nosso Superior Tribunal de Justiça,que, embasado especialmente nas lições de GomesCanotilho, reconheceu a inconstitucionalidade (eilegalidade) da denegação do benefício da isenção do IPI(Imposto sobre Produtos Industrializados) para portadorde deficiência física impossibilitado de dirigir, por ocasiãoda aquisição de automóvel adaptado às suascircunstâncias e necessidades pessoais, aplicando oprincípio da prevalência da norma mais benigna, combase na proteção constitucional e legal assegurada aosportadores de deficiência, inclusive como expressão deuma típica e indispensável ação afirmativa.387À vista do exposto, verifica-se, desde logo, que o

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princípio da dignidade da pessoa humana cumpre, aomenos na perspectiva ora versada, dupla função. Comefeito, sendo também parte – ainda que variável –integrante do conteúdo dos direitos fundamentais (aomenos, em regra), e para além da discussão em tornode sua identificação com o núcleo essencial, constata-seque o princípio da dignidade da pessoa humana servecomo importante elemento de proteção dos direitoscontra medidas restritivas e, portanto – na esteira doque lembra Francisco Segado – também contra o usoabusivo dos direitos.388 Todavia, cumpre relembrar queo princípio da dignidade da pessoa também serve comojustificativa para a imposição de restrições a direitosfundamentais, acabando, neste sentido, por atuar comoelemento limitador destes. Como tal aspecto já foienfrentado no segmento anterior, inclusive comreferência de alguns exemplos, deixaremos aqui deretomar o tema. O que importa, no momento, é quesempre se poderá afirmar, como já anunciado no títulodeste segmento, que a dignidade da pessoa atuasimultaneamente como limite dos direitos e limite doslimites,389 isto é, barreira contra a atividade restritivados direitos fundamentais, o que efetivamente não afastaa controvérsia sobre o próprio conteúdo da dignidade ea existência, ou não, de uma violação do seu âmbito deproteção.5.2. A discussão em torno do caráter absoluto dadignidade e da possibilidade de sua eventual relativizaçãoNesta quadra da exposição e tendo em conta asconsiderações já tecidas, não poderíamos deixar intocadooutro instigante e tormentoso problema, qual seja, o dapossibilidade de se estabelecerem restrições (limites) àprópria dignidade da pessoa. Com efeito, em seconsiderando a perspectiva dúplice da dignidade comoelemento limitador e integrante (protetivo) dos direitosfundamentais, não nos parece – pelo menos em nívelteórico e em caráter por ora meramente especulativo –desarrazoado indagar se, para assegurar a dignidade eos direitos fundamentais de uma determinada pessoa

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(ou grupo de pessoas), não se acaba, por vezes,afetando (limitando) a dignidade de outra pessoa, sejaconsiderando a dignidade como bem jurídico autônomo,seja em se tomando-a como representando o conteúdode determinado direito fundamental. Em suma, cuida-sede saber até que ponto a dignidade da pessoa,notadamente na sua condição de princípio e direitofundamental, pode efetivamente ser tida como absoluta,isto é, completamente infensa a qualquer tipo derestrição e/ou relativização.390Para além disto, coloca-se o problema de saber quaisdireitos fundamentais efetivamente possuem um conteúdoem dignidade da pessoa humana, em outras palavras,se podem ser tidos como manifestação (exigência) diretaou, pelo menos, indireta desta dignidade. Ainda que separta da premissa (não de todo inquestionável nosistema jurídico-constitucional brasileiro) de que todos osdireitos fundamentais possuem, como elemento comum,pelo menos um conteúdo mínimo em dignidade,remanesce a dúvida de qual é exatamente esteconteúdo em dignidade que, para além disso, poderá, ounão, coincidir com o assim denominado núcleo essencialdo direito fundamental. Seja qual for a opção tomada,apenas o exame em concreto, considerando cada normade direito fundamental (na sua dupla perspectiva objetivae subjetiva), 391 bem como avaliando a natureza eintensidade da ofensa, logrará fornecer os elementospara uma solução constitucionalmenteadequada.De outra parte, percebe-se, desde logo, que o problemajá se coloca quando se toma a sério a referidadimensão intersubjetiva da dignidade da pessoa humana.Sendo todas as pessoas iguais em dignidade (emboranão se portem de modo igualmente digno) e existindo,portanto, um dever de respeito recíproco (de cadapessoa) da dignidade alheia (para além do dever derespeito e proteção do poder público e da sociedade),poder-se-á imaginar a hipótese de um conflito diretoentre as dignidades de pessoas diversas, impondo-se –também nestes casos – o estabelecimento de uma

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concordância prática 392 (ou harmonização), quenecessariamente implica a hierarquização (como sustentaJuarez Freitas) ou a ponderação (conforme prefereAlexy) dos bens em rota conflitiva, neste caso, domesmo bem (dignidade) concretamente atribuído a doisou mais titulares. Na mesma linha – muito embora comimplicações peculiares – situa-se a hipótese de acordocom a qual a dignidade pessoal poderia ceder em facede valores sociais mais relevantes, designadamentequando o intuito for o de salvaguardar a vida e adignidade pessoal dos demais integrantes de determinadacomunidade, aspecto sobre o qual voltaremos a nosmanifestar.Se partirmos da premissa de que a dignidade, sendoqualidade inerente à essência do ser humano, seconstitui em bem jurídico absoluto, e, portanto,inalienável, irrenunciável e intangível, como parece sugerira expressiva maioria da doutrina e da jurisprudência,393 certamente acabaremos por ter dificuldades ao nosconfrontarmos com o problema referido. Por outro lado,parece-nos irrefutável que, na esfera das relaçõessociais, nos encontramos diuturnamente diante desituações nas quais a dignidade de uma determinadapessoa (e até mesmo de grupos de indivíduos) estejasendo objeto de violação por parte de terceiros, de talsorte que sempre se põe o problema – teórico eprático – de saber se é possível, com o escopo deproteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade doofensor, que, pela sua condição humana, é igualmentedigno, mas que, ao menos naquela circunstância, age demodo indigno e viola a dignidade dos seus semelhantes,ainda que tal comportamento não resulte – como jáanunciado alhures – na perda da dignidade.Neste contexto, vale lembrar a lição do publicistagermânico Brugger, que, ao discorrer justamente sobreesta temática, parte da premissa – que nos parececorreta – de que a Lei Fundamental da Alemanha,quando, no seu artigo 1º, inciso I, anunciou que a“dignidade do homem é intangível”, justamente tomou

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por referência a experiência de que esta dignidade é, defato, violável e que por esta razão necessita serrespeitada e protegida, especialmente pelo poder que,apesar de muitas vezes ser o agente ofensor, aindaacaba sendo a maior e mais efetiva instância deproteção da dignidade da pessoa humana. 394 Muitoembora no direito constitucional positivo pátrio o princípioda dignidade da pessoa humana não tenha sidoformulado de modo tão enfático – já que não se fezmenção expressa alguma à sua inviolabilidade – outronão tem sido o entendimento majoritário, tal como járestou consignado. Mesmo assim, ninguém será capazde negar que entre nós – e lamentavelmente cada vezmais – a dignidade da pessoa humana (de algunshumanos mais do que de outros) é desconsiderada,desrespeitada, violada e desprotegida, seja peloincremento assustador da violência contra a pessoa, sejapela carência social, econômica e cultural e gravecomprometimento das condições existenciais mínimaspara uma vida com dignidade e, neste passo, de umaexistência com sabor de humanidade.Assim, diante da evidente violabilidade concreta dadignidade pessoal, e em que pese o mandamentojurídico-constitucional de sua intangibilidade,permanece oquestionamento do cunho absoluto da dignidade dapessoa e da possibilidade de se admitir eventuaislimitações à dignidade pessoal. Apenas para ilustrar oproblema, parece-nos que dificilmente se poderá, porexemplo, questionar que o encarceramento decondenado pela prática de homicídio qualificado pelautilização de meio cruel (ou outro delito de sumagravidade) em prisão com problemas de superlotação,não constitua, efetivamente, uma violação de sualiberdade e dignidade pessoal, ainda que com amparoaparente no sistema jurídico-positivo. Da mesma forma,parece-nos estreme de dúvidas o fato de que a sançãoimposta (no caso, a prisão) decorre por razõesvinculadas (ainda que não exclusivamente) à necessidadede proteção da vida, liberdade e dignidade dos demais

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indivíduos, que, à evidência, não poderão ficar à mercêde toda sorte de violência e violação de sua dignidadepessoal sob o argumento de que a segregação doofensor se afigura impossível já que, por sua vez,implica limitação de sua própria dignidade, a não ser, éclaro, que não se tenha a pena de prisão (em suma, aprivação temporária da liberdade) como ofensiva àdignidade, mas apenas como restrição intensa daliberdade, que, no entanto, preserva íntegro o conteúdoem dignidade inquestionavelmente ínsito aos direitos deliberdade. Não há como desconsiderar, neste contexto, afunção da dignidade como tarefa, no sentido específicode que ao Estado – e o direito penal também cumpreeste desiderato – incumbe o dever de proteger(inclusive mediante condutas positivas) os direitosfundamentais e a dignidade dos particulares.395Note-se, neste contexto, que diversa já poderia ser asolução em se considerando a imposição de pena deprisão, em regime inicial fechado, para o condenado porreincidente prática de furto simples (ou mesmoqualificado), hipótese na qual já se poderia até mesmosustentar a existência de ofensa ao princípio daproporcionalidade, antes mesmo de uma violação dadignidade pessoal. 396 Absolutamente inadmissível, porsua vez, a utilização da tortura (que, entre nós, seencontra vedada por norma de direito fundamentalespecífica) para que se obtenha a confissão do mesmoacusado pela prática de homicídio qualificado, ainda quenão se tivesse qualquer outro meio de prova disponívele que, para além disso, se pudesse ter a prévia certeza(como se isto fosse possível, no caso) de que, de fato,estivéssemos diante do culpado. Que a prática datortura implica inequivocamente a coisificação edegradação da pessoa, transformando-a em mero objetoda ação arbitrária de terceiros, sendo, portanto,incompatível com a dignidade da pessoa, parece-nosquestão que dispensa qualquer comentário adicional.Tal linha de entendimento, aliás, revela-se absolutamenteafinada com a evolução jurídico-constitucional

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contemporânea e a opção do legislador internacional emmatéria de direitos humanos, que, ainda mais no casoda tortura, guarda umbilical ligação com a própriaproteção da dignidade da pessoa e da aplicação, nestecaso, da referida fórmula-objeto, que veda toda equalquer coisificação (instrumentalização) da pessoahumana. Convém registrar, no contexto, que entre nósjá existe pacífica e reiterada posição do SupremoTribunal Federal, 397 chancelando a vedação absoluta datortura, ainda que tal reconhecimento, por si só, nãoimpeça a ocorrência de tal prática, mas tenha por efeitoa sua ilegitimidade jurídica. Da jurisprudênciainternacional, destacamos um dos julgamentos da CorteEuropeia de Direitos Humanos, do dia 28.07.1999 (casoSelmouni contra a França), onde – em que pese ter aCorte se declarado incompetente para o efeito deestabelecer uma indenização pelos danos causados – foireconhecido que o uso da força por ocasião de uminterrogatório, especialmente (mas não exclusivamente)quando caracterizado a tortura, é manifestamenteincompatível com a vedação estabelecida pelo artigo 3ºda Convenção Europeia de Direitos Humanos, que proíbea tortura e qualquer tratamento desumano oudegradante, assim como se trata de ato incompatívelcom a dignidade da pessoa humana. 398 Também oTribunal Constitucional Federal da Alemanha, desde oinício de sua profícua judicatura, situa a hipótese datortura e do tratamento desumano e degradante(inclusive mediante referência reiterada aos métodosutilizados no período nacional-socialista) comoabsolutamente vedada com base na dignidade da pessoahumana, colacionando-se, em caráter ilustrativo, decisãomais recente onde estava em causa a prática de torturana esfera de investigação policial, o conhecido caso“Daschner”, no qual o Tribunal afirmou que a utilizaçãoda tortura reduz a pessoa inquirida à condição de meroobjeto do combate ao crime, representando violação desua pretensão de respeito e consideraçãoconstitucionalmente tutelada, além de destruir

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pressupostos fundamentais da existência individual esocial do ser humano. 399Neste mesmo contexto, da vedação da prática de atosdegradantes e desumanos, situa-se o problema dahumilhação, ou seja, de o quanto atos praticados porpessoas que submetem outras pessoas a situaçõeshumilhantes, para efeito de aferição da ocorrência deuma violação da dignidade da pessoa humana, podem edevem ser equiparadas às hipóteses do tratamentodesumano e/ou degradante. Que a resposta há de serpositiva, no sentido de que atos de humilhaçãorepresentam também uma violação da dignidade, parece(ou deveria parecer) incontroverso e tem sidoamplamente reconhecido, embora a polêmica em tornode quais os atos que efetivamente podem serenquadrados na hipótese. Um exemplo digno de nota,ainda mais em função da discussão que gerou naesfera pública, pode ser encontrado na Súmula do STFque restringiu o uso de algemas por parte daautoridade judiciária e policial, exigindo justificativadevidamente fundamentada para tanto. Emboraquestionável se o uso em si de algemas já representauma violação da dignidade da pessoa (o que, se foradmitido como correto, implica afirmar que a absolutamaioria dos Estados e de suas ordens jurídicas chancelaprática indigna), o que merece destaque, sem prejuízode outros aspectos a serem discutidos e da correção douso do instituto da Súmula no caso, é a mensagemclara de que a humilhação pura e simples, o usodesnecessário e, portanto abusivo, de algemas oumesmo outros meios que reduzem a pessoa à condiçãode objeto ou limitam fortemente sua capacidade de açãoe liberdade, assim como a exposição pública e não rarasvezes para efeitos “midiáticos” (reforçando o argumentoda humilhação) da pessoa algemada, devem serrepudiados.O caso da tortura e da vedação de qualquer tipo detratamento desumano ou degradante assume, alémdisso, importância no que diz com a discussão a

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respeito da existência, ou não, de direitos absolutos, nosentido de absolutamente imunes a qualquer tipo deintervenção restritiva. De outra parte, sem que se váadentrar o ponto propriamente dito, há que reconhecerque se está em face, no que diz com a estruturanormativa, de uma regra (e não mais de um princípio)impeditiva de determinada(s) condutas (tal, comoformulada expressamente no artigo 5º, inciso III, daConstituição Federal de 1988), 400 regra esta que, deoutra parte, diz respeito justamente ao que se poderiaenquadrar no âmbito do núcleo essencial do princípio dadignidade da pessoa humana. Neste sentido, a vedaçãoda tortura e a impossibilidadede “flexibilização”da regracorrespondente não se revelam incompatíveis com atese de que na sua dimensão principiológica também adignidade da pessoa humana não é absolutamenteinfensa a algum tipo de restrição (pelo menos no quediz com a definição do seu âmbito de proteção pelolegislador e pelo Juiz), embora se reconheça que otema merece maior reflexão. 401 A própria regraproibitiva da tortura e de qualquer tratamento desumanoou degradante não deixa de assegurar uma razoávelmargem de apreciação por parte tanto do legislador (aquem incumbe, em primeira linha, selecionar os atos quese enquadram na hipótese) quanto por parte dosórgãos jurisdicionais, que terão inclusive a missão deavaliar a correção da opção legislativa.Para que fique suficientemente clara a nossa posição, oque se está a dizer é que eventual margem de açãopara definição (com vistas a extração de efeitosjurídicos, ainda mais quando se trata de justificar aimposição de sanções) do que significa tortura e/outratamento desumano e degradante, não equivale adizer que, mesmo com o objetivo de salvar vidas deterceiros, se possa – no âmbito de uma “ponderação”das dignidades dos envolvidos – considerar juridicamentelegítima a prática da tortura, muito embora não sejamtão poucos assim os defensores de tal possibilidade. 402Com efeito, volta-se a frisar que a regra impeditiva da

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tortura e de tratamento desumano e degradante jápoderia (como de fato, assim o tem sido em diversosordenamentos jurídicos) ser deduzida diretamente comoexpressão da dignidade da pessoa humana, no âmbitode um conteúdo mínimo universalizável, como, de resto,demonstra a evolução no plano do próprio direitointernacional dos direitos humanos onde, seja no planoregional, seja no plano universal, a tortura foicategoricamente proscrita.O exemplo da vedação da tortura (assim como, emsentido similar, o da proibição de abate de um aviãocom sequestradores a bordo) 403 bem ilustra a járeferida função da dignidade da pessoa humana comocláusula (ética e jurídica) de barreira, que fundamentauma espécie de “sinal de pare”, inclusive no sentido deoperar como um “tabu” (no sentido de não ter suavalidade absoluta condicionada a qualquer justificativa dematriz dogmática, não estar sujeito a uma ponderação edela não necessitar para efeitos de ter sua eficáciajurídica e de regulação reconhecida), 404 a estabelecerum “território proibido”, onde o Estado não pode intervire onde, além disso, lhe incumbe assegurar a proteçãoda pessoa (e sua dignidade) contra terceiros. Por outrolado, que mesmo tal uso da dignidade, por váriasrazões (independentemente da correção – importarepisar – da proibição da tortura e de outras condutasmanifestamente ofensivas à dignidade) se revela imune acontrovérsias, vai aqui assumido, assim como se assumea opção de não desenvolver o tópico.A partir do exposto, assume relevo aspecto que, nãoobstante seu cunho elementar, não pode serdesconsiderado, qual seja, o de que a dignidade, aindaque não se a trate como o espelho no qual todosveem o que desejam, inevitavelmente já está sujeita auma relativização (de resto comum a todos os conceitosjurídicos) no sentido de que alguém (não importa aquise juiz, legislador, administrador ou particular) sempre irádecidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ounão, uma violação no caso concreto. 405 Os exemplos

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da pena de morte, da tolerência das mutilações genitaise da própria tortura em algumas ordens jurídicas – queaqui voltamos a referir – certamente dão conta de quãodíspares podem ser os resultados quanto a este ponto,inclusive no que diz com o reconhecimento da própriadignidade (ao menos na acepção aqui sustentada) comoum valor essencial para a ordem jurídica e social.Outro problema – que, de resto, tem sido objeto deamplo debate – diz com a já lembrada e possívelcontraposição dos valores dignidade e vida. Com efeito,pressuposta a existência de um direito à vida comdignidade e se tomando o caso de um doente em faseterminal, vítima de sofrimentos atrozes e sem qualqueresperança de recuperação, sempre se poderá indagar arespeito da legitimidade da prática da eutanásia ou dosuicídio assistido, justificando-a com base no argumentode que mais vale morrer com dignidade, ou então fazerprevalecer (mesmo contrariamente à vontade expressado doente ou mesmo em flagrante violação de suadignidade) o direito (e, nesta quadra, também dever) àvida, ou mesmo, na esteira de exemplo já referido,considerar que a dignidade engloba a necessidade depreservar e respeitar a vida humana, por maissofrimento que se esteja a causar com tal medida. Emverdade, em se admitindo uma prioridade da vida (enão são poucos os que assim o sustentam),406 noâmbito de uma hierarquização axiológica, estar-se-áfatalmente dando margem à eventual relativização e,neste passo, também admitindo (como decorrêncialógica) uma ponderação da dignidade, de tal sorte quedesde logo (embora não apenas por este motivo)merece ser encarada com certa reserva a assertiva deque a dignidade não se encontra sujeita, em hipótesealguma, a juízos de ponderação de interesses.407 Nomínimo, parece-nos que a realidade da vida (e dadignidade) oferece situações-limite, diante das quaisdificilmente não se haverá de pelo menos questionardeterminados entendimentos.Os exemplos colacionados, no nosso sentir, são pálida

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amostra da miríade de hipóteses nas quais nosdeparamos com a necessidade real de resolver conflitos(ou, pelo menos, tensões) estabelecidos quando se tratade proteger e resguardar a igual dignidade de todos osseres humanos. É neste sentido que não podemosdeixar de relembrar – na esteira de Alexy – que atémesmo o princípio da dignidade da pessoa humana (porforça de sua própria condição principiológica) acaba porsujeitar-se, em sendo contraposto à igual dignidade deterceiros, a uma necessária relativização,408 e isto nãoobstante se deva admitir – no âmbito de umahierarquização axiológica – sua prevalência no confrontocom outros princípios e regras constitucionais, mesmoem matéria de direitos fundamentais. Com efeito, não hácomo deixar de reconhecer – acompanhando Kloepfer –que mesmo em se tendo a dignidade como o valorsupremo do ordenamento jurídico, daí não segue, por sisó e necessariamente, o postulado de sua absolutaintangibilidade.409 Assim, também nas tensõesverificadas no relacionamento entre pessoas igualmentedignas, não se poderá dispensar – até mesmo em faceda necessidade de solucionar o caso concreto – umjuízo de ponderação ou (o que parece mais correto)uma hierarquização, que, à evidência, jamais poderáresultar – e esta a dimensão efetivamente absoluta dadignidade – no sacrifício da dignidade, na condição devalor intrínseco e insubstituível de cada ser humanoque, como tal, sempre deverá ser reconhecido eprotegido, sendo, portanto – e especificamente nestesentido – imponderável.410Por outro lado, como já frisado em vários momentos, adignidade da pessoa, no plano jurídico-normativo,encontra-se assegurada simultaneamente por meio deprincípios e regras, de tal sorte – e o exemplo daproibição da tortura e de todo e qualquer tratamentodesumano e degradante bem o demonstra – que se nacondição de princípio é possível (e até mesmonecessário) admitir a existência de alguma margem paraa sua interpretação e aplicação (inclusive mediante uma

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ponderação na relação com outros bens e interessesjusfundamentalmente protegidos), há também comoadmitir que na condição de regra, atua comofundamento para a proibição de determinadas condutas,em relação às quais a ordem jurídica não admiteexceção. Mesmo assim, consoante já destacado, nãohaverá como evitar a formulação de um juízo de valor(e, portanto, num certo sentido, uma ponderação) arespeito da existência, ou não, de uma violação dadignidade, por mais que se venham a fixar diretrizespara tal tarefa, visto que também critérios abstrata epreviamente estabelecidos sempre serão o resultado deuma avaliação subjetiva e, neste sentido, de uma opçãoaxiológica (hierarquização).Justamente no que diz com a indispensávelhierarquização (e/ou ponderação), poderá assumir algumdestaque a circunstância de que os direitos fundamentaisnão possuem, conforme já restou suficientementefrisado, o mesmo conteúdo em dignidade, já que delaconstituem exigências e concretizações em maior oumenor grau de intensidade, isto sem falar napossibilidade de existirem direitos fundamentais sem umconteúdo aferível em dignidade. Da mesma forma, muitoembora a prática de atos indignos (vale dizerclaramente, de violações da dignidade) não tenha ocondão de acarretar a perda da dignidade (que nãoocorre nem mesmo voluntariamente, já que, ao menosem princípio, irrenunciável), parece-nos razoável admitir– rendendo-nos ao que inexoravelmente acabaocorrendo na prática – que qualquer pessoa, aocometer uma ofensa à dignidade alheia, acaba porcolocar, a si mesma, numa condição de desigualdade nasua relação com os seus semelhantes, que, para alémde serem igualmente dignos por serem pessoa, sãotambém – pelo menos para efeito do caso concreto emque se está a fazer a ponderação – dignos nas suasações (e, exatamente neste particular, diferentes).411Assim, considerando que também o princípio isonômico(no sentido de tratar os desiguais de forma desigual) é,

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por sua vez, corolário direto da dignidade, forçosoadmitir – pena de restarem sem solução boa parte doscasos concretos – que a própria dignidade individualacaba, ao menos de acordo com o que admite parteda doutrina constitucional contemporânea, por admitircerta relativização, desde que justificada pela necessidadede proteção da dignidade de terceiros, especialmentequando se trata de resguardar a dignidade de todos osintegrantes de uma determinada comunidade. 412Todavia, eventual relativização da dignidade na suacondição de princípio (de norma jurídica) não significa –convém reiterá-lo para evitar incompreensões – que seesteja a transigir com a função da dignidade comoregra impeditiva de condutas que representam violaçõesa aspectos nucleares do âmbito de proteção dadignidade ou mesmo com a existência de regrasimpositivas de ações e omissões destinadas àsalvaguarda e promoção da dignidade (satisfação domínimo existencial, por exemplo). Da mesma forma, adignidade, naquilo que guarda relação com a pretensãode respeito e consideração da pessoa na sua relaçãocom o Estado e com outros indivíduos e no que traduza noção de aptidão da pessoa (de toda e qualquerpessoa) a ser sujeito de direitos e obrigações, não podeser objeto de supressão e desconsideração pelo Estadoe pela sociedade.Neste contexto, pelo menos não há como desconsiderara argumentação de Winfried Brugger, ao sustentar queno embate entre dignidade e dignidade, a tese deacordo com a qual a dignidade da pessoa humanaconstitui direito fundamental de feições absolutas (nosentido de absolutamente infenso a qualquerrelativização), além de revelar-se como sendo de difícilcompatibilização com o caráter não absoluto de todos osdemais direitos fundamentais (e com os quais adignidade encontra-se umbilicalmente ligada), já quemesmo os direitos não sujeitos à reserva legalencontram-se expostos aos assim denominados limitesimplícitos (aqui considerados como restrições não

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expressamente autorizadas pela Constituição e impostaspela necessidade de compatibilização com outros direitosfundamentais ou bens constitucionalmente asseguradospela Constituição),413 acabaria por esvaziar a proteçãoque se pretendeu imprimir à própria dignidade.414 Paraeste mesmo autor, proteger de modo absoluto a igualdignidade de todas as pessoas apenas será possívelenquanto se estiver falando na dignidade como acapacidade (ou seja, a potencialidade) para aautodeterminação, muito embora, no plano das relaçõesinterpessoais concretas, não haverá como evitar anecessidade de se estabelecer limites ao livredesenvolvimento da personalidade, razão pela qual oTribunal Federal Constitucional da Alemanha, em regra,tem referido a dignidade da pessoa em conjunto comum direito fundamental específico, que, por sua vez,sempre estará sujeito a algum tipo de restrição.415É por esta razão que, por exemplo, se pode ter comoimprescindível – ao menos enquanto não se vislumbraralternativa suficientemente eficaz e menos ofensiva àdignidade – a imposição até mesmo da pena de prisãoem regime fechado – e mesmo assim assegurar aopreso um mínimo em dignidade e direitos fundamentais,do que dá conta, ao menos entre nós e na expressivamaioria dos Estados democráticos de Direito quemereçam ostentar este título, a vedação das penascruéis e desumanas, da tortura, da utilização dedeterminados meios de prova (tal como o detector dementiras, o assim chamado “soro da verdade”, asubmissão compulsória a intervenções corporais, etc.),416 assim como as garantias da individualização dapena, da progressão no cumprimento da pena deprisão, no direito de receber visitas, entre outros tantosexemplos que aqui poderiam ser colacionados.A despeito dos argumentos deduzidos em prol de umapossível relativização até mesmo da dignidade da pessoahumana (como princípio jurídico e norma de direitosfundamentais), sem que, à evidência, se possa admitir osacrifício da dignidade, constata-se que a doutrina

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majoritária se opõe veementemente a qualquer tipo derestrição à dignidade pessoal, de tal sorte que sechegou a afirmar que cada restrição à dignidade (aindaque fundada na preservação de direitos fundamentais ouproteção da dignidade de terceiros) importa em suaviolação e, portanto, encontra-se vedada peloordenamento jurídico. 417 Nesta linha de entendimento,nem mesmo o interesse comunitário poderá justificarofensa à dignidade individual, esta considerada comovalor absoluto e insubstituível de cada ser humano.Neste sentido, vale reproduzir expressivo pensamento deCastanheira Neves:“A dimensão pessoal postula o valor da pessoa humanae exige o respeito incondicional de sua dignidade.Dignidade da pessoa a considerar em si e por si, que omesmo é dizer a respeitar para além eindependentemente dos contextos integrantes e dassituações sociais em que ela concretamente se insira.Assim, se o homem é sempre membro de umacomunidade, de um grupo, de uma classe, o que ele éem dignidade e valor não se reduz a esses modos deexistência comunitária ou social. Será por isso inválido, einadmissível, o sacrifício desse seu valor e dignidadepessoal a benefício simplesmente da comunidade, dogrupo, da classe (grifo nosso) . Por outras palavras, osujeito portador do valor absoluto não é a comunidadeou classe, mas o homem pessoal, embora existencial esocialmente em comunidade e na classe. Pelo que ojuízo que histórico-socialmente mereça uma determinadacomunidade, um certo grupo ou uma certa classe nãopoderá implicar um juízo idêntico sobre um dosmembros considerado pessoalmente – a sua dignidade eresponsabilidade pessoais não se confundem com omérito e o demérito, o papel e a responsabilidadehistórico-sociais da comunidade, do grupo ou classe deque se faça parte”. 418Tomando por referência tudo o que foi exposto noâmbito do tópico ora versado, pendem, contudo,algumas indagações. Com efeito, cumpre relembrar que

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– a despeito da proposta conceitual formulada – já noque diz com o conteúdo jurídico da noção de dignidadeda pessoa humana inexiste completo consenso, dissídioeste que se revela ainda maior quando se trata deaveriguar quais condutas (e em que medida) são, defato, violadoras desta dignidade. Por mais que se tenhaa dignidade como bem jurídico absoluto, o que éabsoluto (e nesta linha de raciocínio, até mesmo o queé a própria dignidade) encontra-se de certa forma emaberto e, em certo sentido – como já demonstrado –irá depender da vontade do intérprete e de umaconstrução de sentido cultural e socialmente vinculada.Assim, a partir do que se considera como protegido emtermos de dignidade pessoal e do que se possa ter (evir a ter) como efetiva agressão, é que se irá tambémviabilizar uma tomada de posição relativamente aoproblema proposto. Em se admitindo – na esteira deAlexy – que mesmo a dignidade comporta diversosníveis de realização e, portanto, uma certa graduação erelativização, desde que não importe em sacrifício dadignidade, seria possível reconhecer também que aprópria dignidade da pessoa, como norma jurídicafundamental, possui um núcleo essencial e, portanto,apenas este (na hipótese de uma necessáriaharmonização da dignidade de diversas pessoas), por viade consequência, será intangível.Nesta linha de raciocínio, consideramos equivocada acrítica assacada contra Alexy, notadamente ao sustentarque a dignidade, na condição de princípio, constitui-se (aexemplo das demais normas-princípio) em mandado deotimização,419 já que otimizada deve ser a eficácia eefetividade da(s) norma(s) jurídica(s) que reconhece(m)e protege(m) a dignidade, não se tratando – ao menosnão é o que parece entender Alexy – de afirmar que adignidade implica uma máxima (ótima) satisfação detodas as necessidades humanas, de tal sorte que, nasua dimensão prestacional, poderia a garantia jurídica dadignidade vir a ser interpretada como um programa desegurança social amplo e irrestrito.420

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Por sua vez, partindo-se de um conceito mais restritode dignidade, no sentido de que apenas uma graveviolação da condição de pessoa e, nesta linha depensamento, somente na hipótese de umadesconsideração inequívoca de seu valor intrínseco comoser humano (em suma, sua condição de sujeito, e nãoobjeto de direitos) restaria configurada uma efetivaviolação da dignidade, verificar-se-á também que todasas demais condutas ofensivas acabariam não sendoreconhecidas como verdadeiras restrições à dignidade,mas sim, eventuais ofensas a outros direitosfundamentais específicos, estando sujeitas ao regimejurídico que informa as restrições aos direitosfundamentais em geral. A prevalecer este entendimento,restaria sempre vedada (tal como já anunciado) umaofensa ao conteúdo em dignidade ou ao assimdenominado núcleo essencial dos direitos, que, de resto,não se confunde necessariamente com o primeiro.421Neste contexto, impõe-se sempre a verificação, à luz docaso concreto, se, em verdade, não estamos diante deuma restrição ao âmbito de proteção de uma norma dedireito fundamental sem que esta esteja a configuraruma violação do conteúdo em dignidade da pessoahumana do direito em causa. Reportando-nos aosexemplos já citados, poderemos então argumentar quea imposição de uma pena de prisão em regime fechado(pelo menos inicial) embora constitua inequívoca e graverestrição da liberdade pessoal, justificada pelanecessidade de coibir e prevenir violações da dignidade edireitos fundamentais de terceiros, não assume acondição de ofensa (esta sim intolerável) ao conteúdoem dignidade, que, de resto, como já destacadoalhures, deve ser (assim como ocorre com os direitoshumanos e fundamentais em geral) igualmenteassegurada ao preso (ou qualquer pessoa), por maisindignos tenham sido os atos por este praticados.Ainda no que diz com a proteção da dignidade,percebe-se a existência de consenso no sentido de quea consideração e o respeito pela pessoa como tal

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(inclusive antes mesmo do nascimento eindependentemente de suas condições físicas oumentais) 422 constituem simultaneamente tarefa e limitesintransponíveis para a ordem jurídica. Tanto isto écorreto que o princípio da dignidade da pessoa, apesarde não ter sido, diversamente da solução adotada pelosmentores da Lei Fundamental da Alemanha, 423expressamente agasalhado no elenco das assimdenominadas “cláusulas pétreas” da nossa Constituição(art. 60, § 4º), seguramente ostenta – a exemplo doque tem sido reconhecido na Espanha 424 – a condiçãode limite implícito ao poder de reforma constitucional, jáque se constitui (e acreditamos ter repisadosuficientemente este ponto) juntamente com a vida (e odireito à vida) no valor e na norma jurídica de maiorrelevo na arquitetura constitucional pátria, integrante,pois, da essência (identidade) da Constituição formal ematerial,425 ou daquilo que Rawls designou de“elementos constitucionais essenciais”.426Todavia, há que ter em conta que da condição de limitematerial (implícito) ao poder de reforma constitucionalnão decorre, por si só, uma absoluta intangibilidade dobem protegido, já que pela sistemática adotada peloConstituinte pátrio apenas são vedadas emendas (oupropostas de emendas) que resultem numa aboliçãoefetiva ou tendencial das assim denominadas “cláusulaspétreas”, proteção esta que se aplica igualmente aoslimites implícitos.427 Tal entendimento, em verdade,harmoniza com a concepção principiológica da dignidadeda pessoa, que, na sua condição de norma (princípio),tolera certa relativização, respeitado, todavia, sempretambém o núcleo essencial em dignidade, este simdotado do atributo da intangibilidade, sem prejuizo daexistência de regras assegurando dimensões dadignidade.Seja qual for a via escolhida, verifica-se que asconcepções sumariamente expostas convergem nosentido de admitir que a dignidade da pessoa humana(para além de sua dimensão jurídico-normativa) constitui

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o reduto intangível – pelo menos para a ordem jurídicaque a consagra e busca proteger – de cada (e detodos) indivíduo e, nesta perspectiva, a última fronteiracontra qualquer ingerência externa que se pretendalegítima. Em outras palavras, mesmo que não se possadesconsiderar a existência de violações concretas ereiteradas à dignidade pessoal, estas ofensas, em virtudeda positivação da dignidade na condição de princípiojurídico-constitucional fundamental, não poderão encontrarqualquer tipo de respaldo na ordem jurídica que, pelocontrário, impõe ao Estado e particulares um dever derespeito, proteção e promoção da dignidade de todas aspessoas.Assim, ainda que se possa reconhecer a possibilidade dealguma relativização da dignidade pessoal e, nesta linha,até mesmo de eventuais restrições, não há comotransigir no que diz com a preservação de um elementonuclear intangível da dignidade, que justamente – e aquise poderá adotar a conhecida fórmula de inspiraçãokantiana – consiste na vedação de qualquer condutaque importe em coisificação e instrumentalização do serhumano (que é fim, e não meio). Da mesma forma,vale lembrar que com isto não se está a sustentar ainviabilidade de impor certas restrições aos direitosfundamentais, ainda que diretamente fundadas naproteção da dignidade da pessoa humana, desde que, àevidência, reste intacto o núcleo em dignidade destesdireitos.Convém lembrar, nesta quadra da exposição, que, demodo geral, as teorias que pregam o caráter absolutoda dignidade, considerando-na imune a qualquerrestrição, justamente partem de uma já lembradaconcepção minimalista ou restritiva da dignidade,reconhecendo que apenas esta se revela compatívelcom a sua condição de “cláusula pétrea” (limite materialao poder de reforma constitucional), assim como com agarantia do núcleo essencial e a necessáriarestringibilidade (para além deste núcleo) dos demaisdireitos fundamentais, de tal sorte que apenas uma

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esfera nuclear da existência humana seria objeto daproteção absoluta do ordenamento jurídico. 428 De outraparte, não há como desconsiderar o argumento de queuma exegese extensiva do conteúdo da garantia dadignidade da pessoa humana poderá colocar em risco afunção dos demais direitos fundamentais, que, nestepasso, restariam esvaziados, assim como no mínimocomprometida e fragilizada resultaria a própria dignidade.429O que nos parece deva ficar consignado é que não sedeve confundir a necessidade de harmonizar, no casoconcreto, a dignidade na sua condição denorma-princípio (que, por definição, admite vários níveisde realização) com outros princípios e direitosfundamentais,430 de tal sorte que se poderá toleraralguma relativização, com a necessidade de respeitar,proteger e promover a igual dignidade de todas aspessoas, não olvidando que, antes mesmo de sernorma jurídica, a dignidade é, acima de tudo, aqualidade intrínseca do ser humano e que o tornamerecedor ou, pelo menos, titular de uma pretensão derespeito e proteção.A partir de todo o exposto, constata-se que – noconcernente à eventual relativização da dignidade porforça de sua dimensão necessariamente relacional eintersubjetiva – cumpre distinguir o princípiojurídico-fundamental (a dignidade na condição de norma)da dignidade da pessoa propriamente dita, isto é, com ovalor intrínseco de cada pessoa, objeto dereconhecimento e proteção pela ordem jurídica. Quecada ser humano é, em virtude de sua dignidade,merecedor de igual respeito e consideração no que dizcom a sua condição de pessoa, e que tal dignidade nãopoderá ser violada ou sacrificada nem mesmo parapreservar a dignidade de terceiros, não afasta, portanto– e convém repisar este aspecto – uma certarelativização ao nível jurídico-normativo. Tal relatividade –e pelo menos esta não nos parece seja contornável –já decorre da necessidade de se averiguar, em cada

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caso concreto, a existência, ou não, de uma ofensa àdignidade, bem como a de definir qual o âmbito deproteção da norma que a consagra, não se podendoolvidar que, em última análise, irá depender dos órgãoscompetentes a decisão sobre tal matéria.431 Assim eretomando também este ponto, não há comodesconsiderar não ser incomum que tenhamos situaçõessimilares nas quais, em razão de uma diversacompreensão do conceito de dignidade, acabou-sechegando a resultados distintos,432 tudo a apontar parauma necessária tolerância multicultural também nestaseara. 433 É preciso retomar aqui a noção de que adignidade, sendo um conceito necessariamente aberto,relacional e comunicativo e, para além disso,histórico-cultural, não pode servir como justificação parauma espécie de fundamentalismo (ou tirania)434 dadignidade,435 já que, como bem lembra JônatasMachado, “o conceito de dignidade humana apresenta-sedesvinculado de qualquer concepção mundividencialfechada e heterónoma acerca do sentido existencial eético da vida, não podendo servir para a imposiçãoconstitucional de qualquer absolutismo valorativo” (grifosdo autor). 436Para além dos aspectos já referidos, convém nãoesquecer a dupla dimensão negativa e positiva dadignidade da pessoa. Assim, se na sua condição dedireito de defesa não se deverá jamais aceitar umaviolação da dignidade pessoal (ou, pelo menos, de seuselementos nucleares), mesmo em função de outradignidade, pelo prisma positivo (ou prestacional)verifica-se que não há como deixar de admitir –inclusive em se cuidando de direitos subjetivos aprestações – a existência de uma larga margem deliberdade por parte dos órgãos estatais a quem incumbea missão, para além de respeitar (no sentido de nãoviolar), de proteger a dignidade de todas as pessoas,bem como de promover e efetivar condições de vidadignas para todos. Para ilustrar a assertiva, resultaevidente que irá depender das circunstâncias concretas

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de cada ordem jurídica e social qual o nível de proteçãoou de prestações materiais e normativas indispensávelpara que a dignidade pessoal não venha a restarcomprometida, o que igualmente aponta para umainevitável relatividade da dignidade, ao menos na suacondição jurídico-normativa, designadamente em algumasde suas manifestações.Acima de tudo, o que se pode afirmar com algumamargem de certeza, renunciando a uma opção fechadaem prol de uma ou outra concepção referida nestecontexto, é que a busca de uma proteção eficaz dadignidade da pessoa (de todas as pessoas) de longeainda não encontrou uma resposta suficientementesatisfatória para todos e se constitui em permanentedesafio para aqueles que, com alguma seriedade ereflexão, se ocuparem do tema.Notas368 Cf., por todos, J. C. Vieira de Andrade , Os DireitosFundamentais..., p. 213 e ss., partindo da noçãoexpressa pelo art. 4º da Declaração Francesa dosDireitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no sentidode que “A liberdade consiste em poder fazer tudo aquiloque não prejudique outrem: assim, o exercício dosdireitos naturais de cada homem não tem por limitessenão os que asseguram aos outros membros dasociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limitesapenas podem ser determinados por lei.”.369 Cf., por todos, Pieroth-Schlink, Grundrechte –Staatsrecht II , p. 73 e ss.370 Entre nós, v. especialmente R. D. Stumm, Princípioda Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro ,p. 137 e ss., S. Toledo Barros, O Princípio daProporcionalidade e o Controle da Constitucionalidade dasLeis Restritivas de Direitos Fundamentais , especialmentep. 94 e ss. (abordando o problema da proteção donúcleo essencial) e p. 153 e ss. (versando sobre aproporcionalidade das leis restritivas de direitosfundamentais), bem como, mais recentemente, ascontribuições de G. F. Mendes, Os Direitos Individuais e

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suas Limitações, in: G. F. Mendes/I. M. Coelho/P. G. G.Branco, Hermenêutica Constitucional e DireitosFundamentais , p. 241 e ss., W. Steinmetz, Colisão deDireitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, e J. G.Schäfer, Direitos Fundamentais. Proteção e Restrições.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. Por último, v.as obras de J. R. G. Pereira, Interpretação Constitucionale Direitos Fundamentais , Rio de Janeiro: Renovar, 2006,e L. F. C. Freitas, Direitos Fundamentais. Limites eRestrições , Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. V.A. da Silva, Direitos Fundamentais . Conteúdo essencial,restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, e I. W.Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 385 ess.371 Conforme sustentou, paradigmaticamente, G. Dürig,Der Grundsatz der Menschenwürde. .., p. 36 e ss.372 Cf., por todos, H.-J. Papier, “Die Würde desMenschen ist Unantastbar”, in: Die Ordnung der Freiheit.Festschrift für Christian Starck zum siebzigstenGeburtstag, Tübingen: Mohr Siebeck, 2007, p. 374.373 Cf., entre outros, Pieroth-Schlink, Grundrechte ..., p.80, admitindo, todavia, após criticar a teoria que pregauma identidade entre núcleo essencial e dignidade dapessoa (pelo fato de esvaziar a garantia contida no art.19, inc. II, da Lei Fundamental da Alemanha), que ondeos direitos fundamentais tenham, de fato, um conteúdoem dignidade, este, na prática, acaba por se identificarcom o núcleo essencial. No mesmo sentido, v. H.Krüger, Sicherung der Grundrechte , in: M. Sachs (Org.)Grundgesetz , p. 599, muito embora também este autorse tenha posicionado no sentido de admitir que o núcleoessencial nem sempre se identifica com o conteúdo emdignidade, de tal sorte que o núcleo essencial acaba porassegurar uma proteção ainda mais ampla dos direitosfundamentais. No que diz especificamente com a teoriado núcleo essencial, vale lembrar, ainda, o magistério deJ. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais ..., p.236 e ss., criticando a adoção de apenas uma

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determinada concepção a respeito do núcleo essencialdos direitos fundamentais, especialmente no que diz coma dicotomia entre as assim denominadas teorias relativase absolutas a respeito do núcleo essencial como limiteàs restrições de direitos fundamentais. Sobre o conteúdoe as objeções a cada uma destas teorias, v. R. Alexy,Teoria de los derechos fundamentales, p. 286 e ss.Entre nós, v., mais recentemente, V. Afonso da Silva,Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições eeficácia, São Paulo Malheiros, 2009.374 Cf. H. Scholler, O Princípio da Proporcionalidade noDireito Constitucional e Administrativo da Alemanha, in:Interesse Público nº 2, 1999, p.101, sustentando queuma medida restritiva de direitos fundamentaisinadequada e desnecessária, quando representartambém ofensa ao princípio da dignidade da pessoahumana, necessariamente não deverá ser tida, aomenos em princípio, como razoável ou apropriada (istoé, proporcional em sentido estrito). Por outro lado,mesmo em se cuidando de uma restrição adequada enecessária, ainda assim esta será desproporcional(excessiva) quando implicar ofensa ao princípio dadignidade da pessoa humana. Todavia, em outrapassagem do mesmo texto, o autor refere entendimentodoutrinário sustentando que o princípio da dignidade dapessoa humana é utilizado em conjunto com opostulado da necessária proporcionalidade de medidasrestritivas a direitos fundamentais, também no sentido deque apenas restrições desproporcionais ao âmbito deproteção dos direitos fundamentais podem ser tidascomo ofensivas ao princípio da dignidade da pessoahumana (H. Scholler, O Princípio da Proporcionalidade ...,p. 100). Entre nós, vale registrar, também neste sentido,a contribuição de D. Sarmento, A Ponderação deInteresses na Constituição, p. 73 e ss.375 No mesmo sentido, adotando o entendimento aquisustentado, v. o recente contributo de L. F. C. deFreitas, Direitos Fundamentais : limites e restrições, p.220 e ss. Na doutrina espanhola, v., por último, I.

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Gutiérrez-Gutiérrez, Dignidad de la Persona y DerechosFundamentales , p. 110 e ss.376 Sem que se possa aqui adentrar a controvérsia,apenas importa registrar que não desconhecemos (e emparte reputamos como corretas) as críticas assacadasem relação à garantia do núcleo essencial. Sobre otópico, v., por todos, no âmbito da literatura brasileira, aanálise (apresentando e avaliando as principaisconcepções sobre o tema) de V. Afonso da Silva,Direitos Fundamentais ..., op. cit., em especial p. 183 ess.377 Entre nós, v. também as considerações maisrecentes e especialmente dedicadas ao tema (no caso,sobre a relação entre dignidade humana e núcleoessencial dos direitos fundamentais, inclusive o ceticismoem relação a uma tendência de quase “automática”identificação entre o mínimo existencial e o conteúdoessencial dos direitos sociais) tecidas por V. Afonso daSilva, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 191 e ss.378 A respeito deste tópico, v., dentre tantos, a análisede T. Geddert-Steinacher, Menschenwürde alsVerfassungsbegriff , p. 179 e ss.379 Cf., por todos, H.-G. Dederer, “Die Garantie derMenschenwürde (Art. 1 Abs. 1 GG). DogmatischeGrundfragen auf dem Stand der Wissenschaft”, in:Jahrbuch des Öffentlichen Rechts (JÖR) – Neue Folgevol. 57, p. 93.380 Cf. Acórdão nº 318/99 do Tribunal Constitucional dePortugal, 1ª Secção, Rel. Conselheiro Vítor Nunes deAlmeida, 26.05.1999.381 Cf. Agravo de Instrumento nº 70000649350,julgado em 28.03.2000, pela 1ª Câmara Cível do TJRS.Nesta mesma linha, situa-se o Acórdão proferido nosEmbargos Infringentes nº 700030178, pelo 8º GrupoCível, tendo como Relator o Des. Paulo Monte Lopes ejulgado em 09.11.2001.382 Trata-se do RE n° 407/688/SP, julgado em14.02.2006, relatado pelo Ministro Cezar Peluzo.383 Aqui remetemos novamente ao nosso “A Eficácia e

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Efetividade do Direito à Moradia na sua DimensãoNegativa (Defensiva)...”, op. cit., especialmente p. 1038 ess.384 A respeito do conteúdo e significado do princípio daproibição de retrocesso remetemos ao nosso “DireitosFundamentais Sociais e Proibição de Retrocesso: algumasnotas sobre o desafio da sobrevivência dos direitossociais num contexto de crise”, in: ( Neo)constitucionalismo. Ontem os códigos hoje, asconstituições, p. 121-168. Sobre o tema, v., ainda, C.A. Molinaro, Direito Ambiental, Proibição de Retrocesso ,especialmente, p. 104 e ss., embora priorizando aaplicação na seara dos direitos socioambientais, bemcomo, por último, L. C. Pinto e Netto, O Princípio deProibição de Retrocesso Social , Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2010, e P. C. Miozzo, A Dupla Face doPrincípio da Proibição de Retrocesso Social e os DireitosFundamentais no Brasil. Uma análise hermenêutica ,Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.385 Neste sentido, especialmente J. J. Gomes Canotilho,Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 327,sustentando que o núcleo essencial dos direitos sociais járealizado e efetivado pelo legislador encontra-seconstitucionalmente garantido contra medidas estataisque, na prática, resultem na anulação, revogação ouaniquilação pura e simples desse núcleo essencial, de talsorte que a liberdade de conformação do legislador e ainerente autoreversibilidade encontram limitação no núcleoessencial já realizado.386 Para quem deseja aprofundar a análise, vale apena conferir na íntegra a fundamentação do já citadoAcórdão nº 509/2002, Processo nº 768/2002, apreciadopelo Tribunal Constitucional de Portugal em 19.12.2002.387 Cf. Acórdão proferido no Recurso Especial nº567.873-MG, Relatado pelo Ministro Luiz Fux (DJ25.02.2004). Na decisão citada, argumentou-se, entreoutros pontos, que concessão do benefício da isençãodo IPI (na aquisição de veículos especiais paraportadores de deficiência) constitui concretização de

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direitos fundamentais sociais, mas também do princípioda igualdade, que veda a discriminação dos portadoresde deficiência e compromete a sua integração social eprofissional, razão pela qual constitucionalmente legitimadaa isenção concedida, que não poderia ser suprimida oumesmo assegurada apenas a veículos movidos a álcool,como ocorreu na hipótese. Assim, no mínimo, a violaçãodo princípio da igualdade, revela que se está em facede plausível incidência da proibição de retrocesso nãonecessariamente na esfera dos direitos fundamentaissociais. Igualmente fazendo referência à proibição deretrocesso, não haveria como deixar de mencionar adecisão de nosso Supremo Tribunal Federal sobre a tãopolemizada questão da contribuição previdenciária dosinativos (julgamento ocorrido em 18.08.2004). A despeitode a maioria dos Ministros ter votado a favor dacobrança da contribuição, convém registrar que em umdos quatro votos vencidos (nomeadamente no votolançado pelo Ministro Celso de Mello) foi apontada, comofundamento da inconstitucionalidade da cobrança, aincidência do princípio da vedação do retrocesso, tudo aapontar que também entre nós tal princípio está sendoobjetivo de crescente discussão.388 Cf. F. F. Segado, “La dignidad de la persona comovalor supremo del ordenamiento juridico”, in: Estado &Direito, p. 128-29, a partir de jurisprudência do TribunalConstitucional Espanhol.389 No mesmo sentido, v., também, L. F. C. Freitas,Direitos Fundamentais : limites e restrições, p. 220 e ss.,igualmente sustentando a ausência de identidade entrenúcleo e essencial e conteúdo em dignidade da pessoahumana dos direitos fundamentais, p. 222, nota nº 809.390 No que diz com a produção doutrinária sobre otópico, v. especialmente R. Gröschner e O. W. Lembcke(Ed.), Das Dogma der Unantastbarkeit, Tübingen: MohrSiebeck, 2009, contendo um conjunto de contribuiçõessobre o tema, especialmente um diálogo entre asprincipais correntes identificadas na doutrina ejurisprudência constitucional da Alemanha.

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391 Sobre a dupla dimensão objetiva e subjetiva dosdireitos fundamentais e os seus desdobramentos,remetemos ao nosso A Eficácia dos DireitosFundamentais , p. 141 e ss.392 A expressão concordância prática vai aqui utilizadano sentido cunhado por K. Hesse , Grundzüge desVerfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland , p.28, sustentando que bens jurídico-constitucionais devem,quando da solução do caso concreto, ser aplicados detal sorte a terem cada um sua efetividade assegurada,de modo que, na hipótese de colisões, um não deveser realizado às custas do outro, impondo-se, à luz dopostulado da unidade da Constituição, a otimização dosbens conflitantes, de modo a assegurar-lhes o máximoem eficácia e efetividade.393 Cf., dentre tantos, Podlech, in: Alternativ Kommentar, vol. I, p. 296-7.394 Cf. W. Brugger , Menschenwürde..., p.19. Convémlembrar que tal formulação encontra sua explicação nopassado recente da Alemanha, na época da elaboraçãoda Lei Fundamental, notadamente a experiência trágica ebrutal da ditadura nacional-socialista,onde a degradaçãoda pessoa humana e as violações da sua dignidadealcançaram dimensões (pelo menos no que diz com suaquantidade) nunca dantes registradas.395 Co nvém lembrar a função prestacional (positiva) dadignidade, na qual se insere (também) a tutela penal debens jusfundamentalmente reconhecidos, como é o casoda honra, integridade corporal, criminalização da tortura,etc., todos bens jurídico-fundamentais diretamenterelacionados com a dignidade. Aliás, tal referência foiobjeto de previsão expressa no novo Código Penal daEspanha (1995), que, em seu artigo 205, dispõe que“es injuria la acción o expresión que lesionan la dignidadde otra persona, menoscabando su fama o atentandocontra su propia estimación”, revelando justamente que– ao menos para o ordenamento espanhol – o tipopenal da injúria encontra-se diretamente ligado à violaçãoda dignidade da pessoa, esta como elemento nuclear

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dos direitos à honra e à image m.396 Com isto – cumpre registrá-lo – não estamos aaderir integralmente à paradigmática posição sufragadapela egrégia 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiçado RS, quando do julgamento da Apelação-Crime nº699.291.050, (Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho),confirmando e adotando virtualmente como razão dedecidir alentada sentença proferida pelo MagistradoMauro Borba, além de acolher os argumentoscolacionados pelo eminente Procurador de Justiça e Prof.Dr. Lenio L. Streck. Com efeito, na esteira do votovencido exarado pelo Des. Aramis Nassif (oportunamente– embora de modo não explícito – apontando para aexistência de um dever de proteção do Estado)consideramos que não é o caso de ter-se porinconstitucional o próprio instituto da reincidência (emtese), mas sim, que se deve reconhecer que areincidência, tendo em conta as peculiaridades do casoconcreto, poderá ter uma aplicação inconstitucional, emespecial – como parece-nos ocorrer na hipótese oraventilada – quando, por exemplo, manifestamenteofensiva aos ditames da proporcionalidade, aspecto este,por sua vez, oportunamente referido no Acórdão. Talexegese, de resto, aproxima-se da tese advogada peloeminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Reincidência ,in: Informativo do Instituto Transdisciplinar de EstudosCriminais (ITEC), ano 1, nº 3 (1999), p. 3, propondo,em suma, uma análise guiada pelo caso concreto,aplicando-se a agravante da reincidência apenas quandohouver uma conexão direta e inequívoca com o fato eentre os delitos. De qualquer modo, este não é omomento oportuno para enfrentarmos tal questão,bastando aqui a referência ao exemplo e suaspotencialidades. De outra parte, a relevância dadiscussão – que de longe não se restringe ao exemploda reincidência – torna imperioso um desenvolvimentoautônomo da temática, para o que remetemos (adespeito da parcial divergência apontada no caso dareincidência) ao paradigmático estudo de S. de Carvalho,

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Penas e Garantias , Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,desenvolvendo uma teoria garantista e secularizada(especialmente à luz dos direitos fundamentais e daproporcionalidade) do direito penal, notadamente no quediz com a pena e sua aplicação.397 Cf., por exemplo, a decisão proferida no HabeasCorpus nº 70.389-SP, relatado pelo Ministro Celso deMello e publicado no DJ em 23.06.1994, hipótese emque se tratava de tortura contra criança e adolescente.398 Cf. decisão citada na Revue Trimmestrielle desDroits de L’Homme , 2000, p. 123 e ss., seguida de umcomentário de Pierre Lambert.399 Cf., BVerfg (K), NJW 2005, 656 (657), traduçãolivre da seguinte passagem no original: “Die Anwendungvon Folter macht die Vernehmungsperson zum blossenObjekt der Verbrechensbekämpfung unter Verletzungihres verfassungsrechtlich geschützten sozialen Wert-undAchtungsanspruchs und zerstört grundlegendeVoraussetzungen der individuellen und sozialen Existenzdes Menschen”.400 Além disso, a teor do que dispõe o artigo 5º ,XLIII,da CF de 1988, a tortura constitui crime inafiançável einsuscetível de graça ou anistia.401 No mesmo sentido, v., por último, V. A. da Silva,Direitos Fundamentais ..., p. 200-202.402 Na doutrina alemã, um dos primeiros e principaisautores a sugerir a possibilidade de, em nome dadignidade e com o intuito de salvaguardar direitos deterceiros, designadamente em casos extremos e quandograve o risco de vida para outras pessoas e inexistentesoutros meios eficientes para evitar o dano, como, porexemplo – e este é um exemplo recorrente na doutrina– para descobrir o paradeiro de uma bomba armada ecapaz de matar dezenas e mesmo centenas de pessoas– foi W. Brugger, Menschenwürde ..., p. 23. Nos EstadosUnidos da América, onde o tema alcançou significativarepercussão especialmente após o trágico atentado de11.09.2001, v., dentre tantos, a discussão proposta porR. A. Posner, Not a Suicide Pact. The Constitution in a

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Time of National Emercency , Oxford University Press,2006, p. 77 e ss.403 Aqui estamos a nos referir a caso apreciado peloTribunal Constitucional Federal da Alemanha, que envolviaa discussão sobre a constitucionalidade, entre outrosdispositivos, de artigo de Lei editada pelo ParlamentoAlemão objetivando o combate ao terrorismo, o qualprevia a possibilidade de abate, por parte das forçasarmadas alemãs, de aeronave, mesmo civil, ocupada porterroristas, verificada a possibilidade de a aeronave vir aser utilizada para destruição de alvos civis ou militares acausar a morte de pessoas inocentes, tal qual ocorreunos ataques ao Pentágono e Torres Gêmeas (11 deSetembro de 2001). Na sua enfática decisão (v.BVerfGE 115, 118/154), o Tribunal Constitucional, emsíntese, decidiu pela inconstitucionalidadede tal previsãolegal, enfatizando – dentre outros aspectos de relevo –que tanto a tripulação quanto os passageiros do aviãoestariam sendo reduzidos à condição de objeto, além dedestituídos de seus direitos, visto que sua morte estariaservindo de meio para a salvação de outras vidas.Embora não se possa aprofundar o ponto, o que desdelogo chama a atenção é, novamente, a circunstância decomo a solução adotada (em nome da vida e dadignidade) pode variar, a depender de quem tem aprerrogativa de decidir sobre a matéria, mesmo em setratando de ordens jurídicas de um Estado Democráticode Direito, bastando apontar para a alternativa adotadanos EUA, onde aviões chegaram a ser abatidos compassageiros e tripulação inocentes a bordo. Discussãosimilar ocorreu entre nós, embora voltada especialmenteao combate do narcotráfico, havendo, em tese,possibilidade de a força aérea abater aeronave tripuladapor suspeitos de tráfico e contrabando, ou seja, sequerse está a falar de uma ameaça real e imediata da vidade civis inocentes, sem que, por evidente, se esteja adesconsiderar o mal causado especialmente pelo tráfico.404 Sobre a dignidade da pessoa humana como “Tabu”v., por todos, R. Poscher, “Die Würde des Menschen ist

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Unantastbar”, JZ 2004, p. 756 e ss.405 Neste sentido, v. também A. R. Tavares, Princípioda consubstancialidade parcial..., p. 230 e ss.406 Sustentando uma priorização do direito à vida eafirmando ser esta o valor (bem jurídico) maisrelevante, vale lembrar a lição de M. Kloepfer,Grundrechtstatbestand und Grundrechtsschranken ..., p.412, consignando que a dignidade é reconhecida eobjeto de proteção onde há vida humana e esta, porsua vez, tem sido considerada a base vital da própriadignidade, argumentando que o direito à vida não podeser mais limitável que um direito fundamental que tenhaa vida (e todos, inclusive a dignidade e os direitos a elainerentes, a têm) como pressuposto. Tal concepção, quemesmo na Alemanha – onde esbarra no entendimentocontrário da maioria doutrinária e jurisprudencial – nãose encontra imune a controvérsias, também entre nósmerece ser objeto de questionamento, inclusive –embora não exclusivamente – considerando a posição efunção expressamente outorgada pelo Constituinte de1988 à dignidade da pessoa como princípio fundamental(e fundamento) do nosso Estado democrático de Direito.Afirmando a primazia do direito à vida, considerando-o“valor central e superior da Constituição”, v. também –no direito lusitano – a contribuição de P. Otero,Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do SerHumano, p. 35 e ss., destacando, ainda, ser a“inviolabilidade da vida humana, principal expressão dorespeito pela dignidade do ser humano.” De qualquermodo, é de questionar-se, em face da inequívocarelação (íntima e aparentemente indissociável) entre avida e a dignidade da pessoa, a própria possibilidade ou,pelo menos, a conveniência, de se estabelecer, emabstrato e previamente, uma hierarquia axiológica entreos valores (e bens jurídicos) vida e dignidade, temáticaque, pelas suas implicações, não temos a pretensão deaqui aprofundar. Aliás, tal entendimento foi objeto demanifestação do mesmo M. Kloepfer, Leben und Würdedes Menschen, in: Festschrift 50 Jahre

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Bundesverfassungsgericht, p. 77 e ss., sustentando, alémda intrínseca vinculação entre vida e dignidade, ambosformando uma unidade indissolúvel, a impossibilidade dese afirmar uma prioridade a priori da dignidade (v.especialmente p. 78-79).407 A respeito da inviabilidadede sujeitar-se a dignidadeda pessoa humana à ponderação de interesses, v. acontribuição, entre nós, de D. Sarmento, A Ponderaçãode Interesses na Constituição, p. 73 e ss., sustentando,na esteira do que já havia proposto F. Ferreira dosSantos, Princípio Constitucional da Dignidade da PessoaHumana , p. 94-96, que a dignidade, na condição devalor maior do ordenamento jurídico, atua como principalcritério substantivo na ponderação de interessesconstitucionais, mas não poderá jamais ser objeto deponderação, no sentido de se admitir sua violação ourelativização em face de outros valores constitucionais.408 Consoante já restou consignado, para Alexy , Teoriade los Derechos Fundamentales , p. 108-9, também oprincípio da dignidade da pessoa (justamente na suacondição de princípio) admite uma realização emdiversos graus. Entre nós, recentemente, e entre outros,v. também M. N. Camargo, “O Conteúdo Jurídico daDignidade da Pessoa Humana”, in: LeiturasComplementares de Constitucional, p. 128 e ss.409 Cf. M. Kloepfer, Grundrechtstatbestand undGrundrechtsschranken ..., p. 411, sustentando – nestecontexto – que mesmo tida como valor (bem jurídico)maior, tal por si só não significa que a dignidade devaem todo e qualquer caso prevalecer em face dos outrosbens fundamentais, mas sim, que a ela deve serreconhecida uma posição privilegiada no âmbito doestabelecimento de uma harmonização com os demaisprincípios e direitos fundamentais, antecipando, de talsorte e em parte, o pensamento posteriormenteretomado e desenvolvido por Alexy.410 Tal entendimento acaba, de certo modo, poraproximar-se de uma concepção minimalistada dignidadeou mesmo indiciando a possibilidade de cogitar-se da

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existência de um núcleo essencial também do princípio(e direitos fundamentais dele decorrentes) da dignidadeda pessoa humana, aspecto que voltaremos a abordar.411 Neste passo, W. Brugger, Menschenwürde..., p. 35,indaga se efetivamente se pode falar em igual respeito econsideração, por força do princípio da dignidade dapessoa humana, às pessoas que, nos seus atos, seportam de modo indigno, em relação aos demais que seportam com respeito em face de seus semelhantes.Considerando tal aspecto, não é à toa que se tenhatraçado uma distinção entre a dignidade fundamental(esta absoluta) e a dignidade “atuada”, isto é,manifestada pelos atos concretos das pessoas (estessujeitos a limites). Neste sentido, v. B. Maurer, Note surle respect de la dignité humaine ... , p. 211-211.412 A favor de restrições recíprocas com o escopo desalvaguardar a dignidade de uma outra pessoa, v. C.Starck, in: Bonner Grundgesetz , p. 52 (“apenas namedida em que a proteção da dignidade encontra-seem face da proteção da dignidade, uma ponderação,eventualmente também uma restrição, encontra-seconstitucionalmente justificada”). Entre nós, arrimado naslições de Alexy, v. E. Pereira de Farias, Colisão deDireitos, p. 53, admite uma relativização da dignidade dapessoa em função de seu cunho principiológico.413 A respeito das restriçãos a direitos fundamentaisnão expressamente autorizadas pela Constituição, v.,dentre tantos e por todos, especialmente a recente eparadigmática obra de J.R. Novais, As restrições aosdireitos fundamentais não expressamente autorizadaspela Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2003.414 Cf. W. Brugger, Menschenwürde, Menschenrechte,Grundrechte , p. 22 e ss., advogando, em suma, que adignidade da pessoa, na sua condição de normaconstitucional, deve assumir o caráter de maisimportante princípio fundamental, mas não de direitofundamental absoluto.415 CF. W. Brugger , Menschenwürde ..., p. 36. Bruggertambém argumenta que, no caso de a compreensão da

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dignidade restar limitada à capacidade para aautodeterminação de todos os seres humanos, emprincípio nada haveria a opor em relação a um direitofundamental absoluto (ilimitado), muito embora, nestecaso, o caráter absoluto do direito fundamental acabariapor resultar na ausência de realização prática: “agarantia da dignidade da pessoa humana seria reduzidaà referência descritiva de que a humanidade em cadapessoa poderia, quando de seu desenvolvimentoconcreto, ser limitada pelo Estado e pelos particulares,mas não retirada e, neste sentido, afetada. Assim, opreso político sempre poderia resignar-se, com dignidade,à sua prisão, assim como o doente terminal poderiamorrer com dignidade.”416 E mbora, quanto a estes exemplos (e outros queaqui poderiam ser colacionados) deva reconhecer-se aausência de consenso a respeito destas medidas e desua legitimidade constitucional, temática que igualmentedeixaremos de adentrar considerando os limites e aproposta deste ensaio, isto além de se cosiderar autilização de alguns destes meios (ou de outrospotencialmente ofensivos à dignidade) em diversospaíses.417 Cf., por todos, Pieroth-Schlink, Grundrechte –Staatsrecht II , p. 95. No direito brasileiro, v.especialmente F. Ferreira dos Santos, PrincípioConstitucional da Dignidade da Pessoa Humana , p.94-96, e, mais recentemente, D. Sarmento , APonderação de Interesses na Constituição, p. 76.418 Apud J. Miranda, Manual ..., vol. IV, p. 190-91.419 Cf., por exemplo, T. Geddert-Steinacher,Menschenwürde als Verfassungsbegriff , p. 128-29.420 Neste sentido, a ponderação crítica de C. Starck,in: Bonner Grundgesetz , p. 42.421 Aqui impõe-se uma breve referência à discussãoem torno da circunstância de que a dignidadeencontra-se mais eficientemente protegida por umaconcepção restrita ou ampla de seu âmbito de proteção(conteúdo). A respeito deste ponto, v., entre outros, W.

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Höfling, in: M. Sachs (Org.), Grundgesetz Kommentar ,p. 103 e ss.422 Muito embora não se vá aqui adentrar a já referidae aguda discussão que ainda se trava em torno doinício da vida e do próprio marco inicial para efeitos dereconhecimento de uma proteção da dignidade dapessoa humana, que, de resto, tem assumido crucialrelevância no que diz com a problemática dasmanipulações genéticas, técnicas de reprodução artificial,do aborto (e, neste plano, cuida-se já de problema“clássico”), bem como no concernente à eutanásia esuicídio assistido.423 De acordo com o disposto no art. 79, inc. III, daLei Fundamental da Alemanha, a dignidade da pessoahumana (e, portanto, também o conteúdo em dignidadedos direitos fundamentais) constitui limitação materialexpressa ao poder de reforma constitucional.424 Neste sentido, v., por todos, a lição de M. A.Alegre Martínez, La dignidad de la persona ...,especialmente p. 70 e ss. Vale consignar que tambémem Portugal não há previsão expressa no sentido deque o princípio da dignidade da pessoa seja limitematerial implícito (v. art. 288 da Constituição daRepública portuguesa).425 Cf. já havíamos anunciado no nosso A Eficácia dosDireitos Fundamentais , p. 412 e ss. No mesmo sentido,v., por último, M. N. Camargo, “O Conteúdo Jurídico daDignidade da Pessoa Humana”, in: LeiturasComplementares de Constitucional. p. 120.426 Cd. J. Rawls, O Liberalismo Político, p. 277 e ss.,embora não expressamente mencionando a dignidade dapessoa.427 Sobre a problemática dos limites à reformaconstitucional e, de modo especial, sobre o alcance daproteção por meio dos limites materiais, remetemos aonosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 412 ess.428 Cf. W. Höfling, in: M. Sachs (Org.), Grundgesetz, p.106. Na mesma linha, advogando uma irrestringibilidade

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da dignidade da pessoa, mas alertando para o fato deque tal condição se encontra vinculada a uma exegeserestritiva da dignidade, v. também H.D. Jarass , Garantieder Menschenwürde , in: Jarass-Pieroth, Grundgesetz fürdie Bundesrepublik Deutschland , p. 40-41. T.Gedert-Steinacher, Menschenwürde als Verfassungsbegriff,p. 83 e ss., lembra, igualmente no âmbito de umaconcepção minimalista, que uma interpretação extensivada garantia (absoluta) da dignidade já não se revelacompatível com a sua estrutura normativa peculiar, quenão pode ser equiparada aos demais direitosfundamentais.429 Neste sentido, a lembrança de C. Starck, in: DasBonner Grundgesetz , p. 42, advogando que a garantiajurídico-constitucional da dignidade da pessoa protegeapenas o núcleo da condição de pessoa do serhumano. Entre nós, v., por último e em sentidopróximo, V. A. da Silva, Direitos Fundamentais ..., p. 191e ss.430 A título ilustrativo, cumpre registrar que a referênciaao caráter relativo da dignidade, a despeito de ostentara condição de princípio fundamental, já foi até mesmoreconhecida no plano jurisprudencial, como demonstra,entre nós, o acórdão proferido pela 8ª Câmara Criminaldo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, naApelação-Crime nº 70007613649, relatado peloDesembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, onderestou consignado que “O princípio da dignidade dapessoa humana, embora constitua um dos princípiosfundamentais de nossa Constituição Federal, não ostentacaráter absoluto, encontrando relativização nas demaisnormas constitucionais, dentre as quais o princípio dodevido processo legal, em cujo âmbito se insere oreconhecimento pessoal”. A despeito da afirmação contidano aresto colacionado, concernente ao cunho relativo doprincípio da dignidade da pessoa humana, também é deser destacado que com isso não estamosnecessariamente a concordar (e nem seria o caso deaqui desenvolver o ponto) com a fundamentação

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subjacente ao caso concreto, onde estava em causa aalegação da nulidade do processo em razão da retiradados réus da sala de audiências, bem como a imputaçãode que teria havido uma ofensa à dignidade dos réuspelo modo como foram chamados para seremreconhecidos em audiência (o Magistrado teria estaladoos dedos e utilizado a expressão “vai”), já que nestecaso, para além da necessária prova do fato em si, jáseria pelo menos questionável a própria existência deuma efetiva violação ao princípio da dignidade da pessoahumana, tornando supérflua a sua “relativização” emface de outro princípio constitucional, no caso, o dodevido processo legal. Aliás, igualmente carente de maiordigressão a incidência, na espécie, do princípio-garantiado devido processo legal, pelas circunstâncias do casoconcreto referidas no Acórdão. De qualquer modo,cuida-se de um exemplo expressivo no que diz com anegação – de resto excepcionalíssima na jurisprudência– do caráter absoluto do princípio da dignidade dapessoa humana, razão pela qual consideramosplenamente justificada a referência ora efetuada àdecisão, que, para além disso – como já destacado emexemplos anteriores – bem demonstra o quanto sepode divergir em relação às aplicações concretas não só,mas também do princípio da dignidade da pessoahumana.431 Vale registrar aqui a oportuna lembrança de B.Maurer, Notes sur le respect de la dignité humaine..., p.187, no sentido de que definir a dignidade é, de certomodo, impor-lhe limites.432 Neste contexto, para ilustrar a afirmação,colacionamos exemplo extraído da jurisprudênciaestrangeira. Cuida-se de uma das muitas decisõesenvolvendo conflito entre a liberdade de comunicação eexpressão (por intermédio da veiculação de publicidadepara fins comerciais) e a dignidade da pessoa humanaenvolvendo a multinacional Benetton, onde Tribunais dediferentes países, em circunstâncias similares, divergiramno concernente à ocorrência de uma violação da

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dignidade. No caso, cuidava-se de uma reclamaçãoconstitucional ( Verfassungsbeschwerde ) impetradaperante o Tribunal Constitucional Federal da Alemanhapela empresa Benetton, que alegava ter havido, porparte da Instância inferior (na hipótese, o SuperiorTribunal Federal= Bundesgerichtshof ) uma violação daliberdade de comunicação e expressão ao reconhecer ailegalidade, no âmbito das normas sobre a concorrênciadesleal (por ofensa ao princípio da dignidade da pessoahumana, já que, entre outros argumentos colacionados,a propaganda estaria coisificando a dor e asnecessidades dos portadores do HIV, utilizando talimagem para fins comerciais, a despeito de eventualintenção de influir positivamente sobre a opinião pública)de publicidade que ostentava a fotografia de umapessoa nua, sobre a qual estava aposto um carimbocom a inscrição “HIV Positivo”, determinando, tal comorequerido pela demandante na ação originária, asustação da veiculação da propaganda. O TribunalFederal Constitucional (v. BVerfGE vol. 107, p. 275 ess.), em decisão proferida no dia 11.03.2003, acolheu areclamação constitucional e cassou a decisãodesfavorável à reclamante, por entender, em síntese,que restou configurada uma restrição desproporcional daliberdade de comunicação e expressão, já que, adespeito de a dignidade da pessoa humana representar,de fato, um limite intransponível também para aliberdade de expressão, este limite, no caso concreto,não teria sido transposto e que tal tipo de publicidade,se moralmente reprovável, não poderia ser juridicamentevedada. Após reiterar sua posição em prol da“imponderabilidade da dignidade com outros direitosfundamentais”, o Tribunal Constitucional Federalargumentou que a utilização de imagem retratando ador e sofrimento alheio não resta impedida somente porestar vinculada a propósito comercial, nem mesmo –necessariamente – pelo fato de se estar a protegersupostos interesses da coletividade em não serperturbada e ofendida por tal tipo de mensagem. Por

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sua vez, tratando exatamente do mesmo tipo depublicidade, veiculada pela mesma empresa, na França,os Tribunais consideraram, ainda que medianteargumentação diferenciada nas diversas instâncias, quehouve uma utilização abusiva da liberdade de expressãoe comunicação por parte da empresa, que resultou emviolação descabida da intimidade e da dignidade dapessoa humana (neste sentido, v. o relato, mediantereferência às decisões, de B. Edelman, “La dignité de lapersonne humaine, un concept nouveau”, p. 32-3).433 Justamente uma concepção mais restrita dadignidade, centrada da noção de um reconhecimento eproteção de uma esfera nuclear da personalidadehumana, pelo menos vedando todo e qualquer tipo detratamento desumano e degradante, poderia servir dereferencial mínimo para um padrão universal em termosde proteção da dignidade, para além dos particularismosculturais. Também aqui se cuida de temática que desafiauma análise mais aprofundada e refletida do que aviabilizada no presente estudo, mas que deve ser cadavez mais objeto de consideração e desenvolvimento.Especificamente versando sobre a tolerância e suasvárias formas de manifestação, v., dentre outros, onotável contributo de M. Walzer, Da Tolerância, SãoPaulo: Martins Fontes, 1999, destacando-se aqui o fatode que o autor (a despeito de analisar o fenômeno datolerância de uma outra perspectiva) lembra que osdireitos humanos básicos (e, por conseguinte,necessariamente a dignidade) servem justamente delimite para um relativismo cultural (ob. cit., p. 8-9).434 Fazendo expressa referência a uma “Tirania daDignidade” ( Tyrannei der Würde ), embora em outrocontexto e desenvolvendo também outros aspectos, v.os já lembrados Ulfried Neumann, “Die Tyrannei derWürde”, in: ARSP 84 (1998), p. 153 e ss., GünterFrankenberg, Autorität und Integration, p. 270 e ss.435 Neste sentido, já a advertência de Chaim Perelman,Ética e Direito, p. 403: “ante as divergências sobre aprópria idéia de pessoa humana e sobre as obrigações

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impostas pelo respeito à sua dignidade, é não somenteutópico, mas mesmo perigoso, crer que existe umaverdade nessa questão, pois essa tese autorizaria osdetentores do poder a impor suas visões e a suprimirtoda opinião contrária, que supostamente expressa umerro intolerável”.436 Cf. J.E.M. Machado, Liberdade de Expressão , p.358.

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6. Considerações finaisÀ guisa de encerramento, fica o registro de querenunciamos à pretensão de fechar este breve ensaiocom um elenco de conclusões a respeito das questõesversadas. A despeito da proposta conceitual formulada,reconhecemos a dificuldade (que acreditamos não sejaexclusivamente nossa) de obter uma definiçãoconsensual, precisa e, acima de tudo, universalmenteválida do que seja, afinal de contas, a dignidade dapessoa humana, a não ser a circunstância – aindaassim resultado de uma opção racional – de que secuida da própria condição humana (e, portanto, do valorpróprio reconhecido (atribuído) às pessoas no âmbitodas suas relações intersubjetivas) do ser humano e quedesta condição e de seu reconhecimento e proteção pelaordem jurídico-constitucional decorre um complexo deposições jurídicas fundamentais.Apesar disso (e, em parte, por isso mesmo), valereafirmar que os diversos desdobramentos concretos dadignidade da pessoa humana na sua dimensãojurídico-normativa, por si só evidenciam o quanto não sepode aceitar a afirmação genérica de que o conceito dedignidade da pessoa é algo como um cânone perdido evazio, que se presta a todo e qualquer tipo de abusose interpretações equivocadas, 437 já que estamosconvictos de que – e esperamos que pelo menos emalgum momento isso tenha sido demonstrado – tambéme acima de tudo em matéria de dignidade da pessoahumana não se deve e nem se pode legitimamentedizer e aceitar qualquer coisa, pois mesmo que sevenha a oscilar entre uma hermenêutica pautada pelamelhor resposta possível ou única resposta correta,qualquer uma das alternativas, consoante, de resto, jásinalado, repudia um voluntarismo hermenêutico arbitrárioe, portanto, também constitucionalmente ilegítimo. Deoutra parte, o fato de a dignidade da pessoa humanaconstituir um conceito dinâmico e sempre passível (emesmo também carente) de concretização, bem como acircunstância de que a própria discussão em torno de

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seu sentido teórico e prático (por si só já um indicativode sua abertura ao plural!) revelam o quanto adignidade cumpre sua função de referencial vinculantepara o processo decisório no meio social.438Da mesma forma, os demais pontos discutidos,arbitrariamente selecionados, em maior ou menor grau,igualmente foram abordados com o singelo intuito delançar alguns questionamentos a respeito de apenasuma parcela dos tantos e polêmicos aspectos de tãofascinante tema. Caso tenhamos, com as digressõesefetuadas ao longo do presente trabalho, logradocontribuir para a consecução desta meta, pelo menos nosentido de chamar a atenção para as possibilidades edificuldades que o trato – na teoria e na praxis – coma dignidade da pessoa encerra, já poderemos nos darpor satisfeitos, ainda que cientes das limitações desteestudo.Cuidando-se a dignidade – e aqui tomamos emprestadasas expressivas palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha– do que se poderia denominar de “coração dopatrimônio jurídico-moral da pessoa humana”, 439 éimprescindível que se outorgue ao princípio fundamentalda dignidade da pessoa humana, em todas as suasmanifestações e aplicações, a máxima eficácia eefetividade possível, em suma, que se guarde e protejacom todo o zelo e carinho este coração de toda sortede moléstias e agressões, evitando ao máximo o recursoa cirurgias invasivas440 e, quando estas se fizereminadiáveis, que tenham por escopo viabilizar que estecoração (ético-jurídico) efetivamente esteja (ou, pelomenos, que venha a estar) a bater para todas aspessoas com a mesma intensidade.Com efeito, quando já se está até mesmo a falar daexistência de um homo globalizatus, considerando acada vez maior facilidade de acesso às comunicações einformações, bem como a capacidade de consumo departe da população mundial,441 urge que, na mesmamedida, se possa também vir a falar, na esteira do quetem lecionado Paulo Bonavides, numa correspondente

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globalização da dignidade e dos direitos fundamentais,442 sem a qual, em verdade, o que teremos cada vezmais é a existência de alguns “homens globalizantes” euma multidão de “homens globalizados”, sinalizadora –tal como já referido – de uma lamentável, mas cadavez menos contornável e controlável, transformação demuitos Estados democráticos de Direito em verdadeiros“estados neocoloniais”.443 Para além disso, não sepoderá olvidar – também nesta perspectiva – que adignidade da pessoa humana (assim como os direitosfundamentais que lhe são inerentes) aponta – de acordocom a lapidar lição de Gomes Canotilho – para a ideiade uma comunidade constitucional (republicana) inclusiva,necessariamente pautada pelo multiculturalismomundividencial, religioso ou filosófico e, portanto, contráriaa qualquer tipo de “fixismo” nesta seara, 444 e, paraalém disso, incompatível com uma visão reducionista eaté mesmo “paroquial” da dignidade.445 Nesta mesmaperspectiva, Luís Roberto Barroso aponta os critérios dalaicidade, da neutralidade político-ideológica e da aptidãopara a universalização como referenciais indispensáveispara uma adequada compreensão da dignidade dapessoa humana, de modo a assegurar seu caráterinclusivo e sua capacidade de diálogo com um ambientemulticultural.446 Em síntese, a dignidade da pessoahumana não deve (como infelizmente não raras vezestem sido o caso) atuar como justificativa para umapostura extremista, fundada em uma retórica sedutora eaparentemente servidora da causa dos direitosfundamentais. Pelo contrário, dignidade da pessoahumana e direitos fundamentais devem sercompreendidos e aplicados também como autênticas“cláusulas de barreira ao fundamentalismo”,447 além depermanente obstáculo a qualquer postura intolerante earbitrária que resulte em violação da pessoa humana.Nesta mesma perspectiva, a efetiva possibilidade de umahumanização e civilização da globalização econômica, talcomo advoga Friedrich Müller,448 com a consequenteneutralização ou pelo menos redução dos seus efeitos

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negativos e muitas vezes causadores de violações dadignidade da pessoa humana, encontra um fortesustentáculo na ideia de uma globalização jurídica apartir do referencial da dignidade da pessoa humana edos direitos fundamentais que lhe são inerentes. Comefeito, justamente em função da sua condição (também)principiológica e de sua consequente abertura àcomplexidade e ao pluralismo, a dignidade da pessoahumana permite a substituição de padrões normativosabsolutos e estritos por referenciais normativos flexíveis ecompatíveis com a salvaguarda da identidade nadiferença, numa ambiência comunicativa e relacional.449Por derradeiro, parafraseando, desta feita em outrocontexto, a famosa e multicitada assertiva de Dworkinde que o governo que não toma a sério os direitos nãoleva a sério o Direito,450 podemos afirmar que aordem comunitária (poder público, instituições sociais eparticulares), bem como a ordem jurídica que não tomaa sério a dignidade da pessoa (como qualidade atribuídae reconhecida ao ser humano e, para além disso, comovalor e princípio jurídico-constitucional fundamental) nãotrata com seriedade os direitos fundamentais e, acimade tudo, não leva a sério a própria humanidade quehabita em cada uma e em todas as pessoas e que asfaz merecedoras de respeito e consideração recíprocos.Nesta quadra, importa retomar e enfatizar a noção deque a capacidade de o conceito e referencial normativo(político, moral e jurídico) da dignidade da pessoahumana cumprir sua função no contexto da jámencionada globalização jurídica depende acima de tudodo grau de comprometimento com a dignidade de cadauma e de todas as pessoas por parte do Estado, dacomunidade e dos indivíduos, estando, portanto,vinculado também aos níveis vigentes do que se temdesignado de um “patriotismo constitucional”. Assim, se écerto que a pretensão universalista da dignidade estádiretamente relacionada à sua secularização e suaabertura ao pluralismo, também parece corretovislumbrar que a expansão do discurso da dignidade

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guarda relação com uma espécie de caráter religioso daprópria noção de dignidade da pessoa humana, nosentido de uma crença (sempre também um ato de fé!)na condição humana e no valor reconhecido a cadapessoa, razão pela qual já se tem até mesmo faladonum tipo de “religião civil”.451 Que a “religião” dadignidade – quando observado o seu caráter secular eplural – não necessariamente resulta em umfundamentalismo religioso, político e moral, mas servejustamente de freio a toda sorte de extremismo,pensamos já ter sido suficientemente explicitado ao longoda presente obra.Notas437 Neste sentido, entre outros, v. D. Beyleveld e R.Brownsword, “Human Dignity, Human Rights, and HumanGenetics”, in: The Modern Law Review vol. 61 (1998),p. 662.438 Cf. sustenta J. Reiter, “Menschenwürde alsMassstab”, in: Aus Politik und Zeitgeschichte 2004, p.12-13.439 Cf. C.L. Antunes Rocha, O princípio da dignidade dapessoa ..., p. 32.440 Aqui valemo-nos da figura utilizada por J. Freitas,Tendências Atuais e Perspectivas da HermenêuticaConstitucional, in: AJURIS nº 76 (1999), p. 404,aplicando-a, todavia, à Constituição na condição decoração jurídico-institucionalde um Estado.441 Cf. o sugestivo título de capítulo da obra de E.Hobsbawm, O novo século – entrevista a Antonio Polito ,p. 126 e ss.442 Sobre a globalização dos direitos fundamentais,como veículo para a afirmação da universalização doreconhecimento da dignidade da pessoa humana e dosdireitos fundamentais, no sentido de que estes passem,efetivamente, a integrar uma espécie de patrimôniocomum da humanidade, v. a magistral lição de P.Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 524 e ss.443 V. nota 199, p. 110.444 Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e

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Teoria da Constituição, 7ª ed., p. 225-6, desenvolvendoa ideia da dignidade da pessoa humana como núcleoessencial da república.445 Neste sentido, v. a exortação de L. Henkin, “Dignityand Constitutional Rights”, in: M.J.Meyer e W.A . Parent(Ed), The Constitution of Rights, p. 226-28, que, à luzda evolução da concepção de dignidade da pessoahumana na doutrina e jurisprudência dos EUA – onde,de resto, a dignidade não foi objeto de expressoreconhecimento – salienta que a noção de dignidade nãopode ser construída de modo isolacionista e reacionário,devendo, pelo contrário, observar as exigências domoderno Estado democrático e social de Direito (noensaio referido sob o rótulo de Estado de bem-estar [welfare state ]) e da comunidade jurídica internacional.446 Cf. L. R. Barroso, A dignidade da pessoa humanano direito constitucional contemporâneo ..., op. cit., p. 19e ss.447 Aqui nos valemos da expressiva fórmula adotadapor J. Weingartner Neto, Liberdade Religiosa naConstituição, p. 63, que, no contexto da sua obra, traçauma distinção possível entre um fundamentalismo-crença(de estilo hermenêutico e tolerável até as raias doprosetilismo) e um fundamentalismo do tipo militante,quedesafia e concretamente afronta os valores estruturantesdo Estado Democrático de Direito e que, portanto, nãopode ser tolerado (op. cit., p. 50 e ss.).448 F. Müller, “Que grau de exclusão social ainda podeser tolerado por um sistema democrático?”, in: Revistada Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre ,Outubro de 2000, especialmente p. 45 e ss.449 Neste sentido, v. as ponderações de S. Baer,“Menschenwürde zwischen Recht, Prinzip und Referenz”,p. 588.450 Cf. R. Dworkin, Los Derechos en Serio , p. 303.451 Cf. os desenvolvimentos de J. Isensee,“Menschenwürde: die säkulare Gesellschaft auf der Suchenach dem Absoluten”, in: AÖR 131 (2006), p. 178 ess., muito embora reconhecendo a possibilidade de uma

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fundamentação religiosa (e especialmente cristã) dadignidade.

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