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Abordagens Práticas para Trabalhar com Pessoas em Situação de Sem-abrigo e Problemas de Saúde Mental Dignidade e Bem-Estar

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Abordagens Práticas para Trabalhar com Pessoas em Situação de Sem-abrigo e Problemas de Saúde Mental

Dignidade e Bem-Estar

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Erasmus+ Título do projeto: DIGNIDADE E BEM-ESTAR: Intercâmbio para mudar (2016-1-PT01-KA202-022970 ERASMUS+)

Título do documento: Abordagens Práticas para Trabalhar com pessoas em situação sem-abrigo

com Problemas de Saúde Mental

Autores

Elias BARRETO, Psicólogo, CHPLAntónio BENTO, Psiquiatra, CHPL Luigi LEONORI, Psicólogo, SMES-EuropaSilvia RAIMONDI, Psicóloga, SMES-EuropaPhilip TIMMS, Psiquiatra, Maudsley Hospital, LondresPierre RYCKMANS, Médico, IdR, SMES-EuropaPreben BRANDT, Psiquiatra, Projekt UDENFORPer GLAD, Assistente social, Projekt UDENFORGitte AALBÆK, Assistente social, Projekt UDENFORPanagiota FITSIOU, Psicóloga MSc, EKP & PSYNiki DARMOGIANNI, Formador, EKP & PSYSofoulis TATARIDIS, Responsável de Projeto, EKP e PSYRenia POURNARA, Advogada, MfA, EKP & PSYJacopo LASCIALFARI, Gestor de Projeto, Fondazione DevotoAndrzej CZARNOCKI, Diretor de Instalações, Caritas AWAnne BOCZKOWSKA, Psicóloga, Caritas AWVictor SOTO, Psiquiatra, PSSJDIsabel M.ª MARTÍNEZ, Enfermeira de saúde mental, PSSJDInés CAMPO, Enfermeira de saúde mental, PSSJDTony O’RIORDAN, Presidente Executivo, Midlands Simon CommunityJohn MCEVOY, Gestor de Projeto, Sophia

Parceria: Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Coordenador, (Portugal); Santé Mentale Exclusion Sociale SMES-Europa (Bélgica), Etairia Koinonikis Psixiatrikis kai Psixikis Ygeias (Grécia), Projekt UDENFOR (Dinamarca), Istituto Andrea Devoto (Itália), Caritas Archidiecezji Warszawskiej (Polónia), Parc Sanitari Sant Joan de Deu (Espanha) e Midlands Simon Community (Irlanda) com a participação especial de Infirmiers de rue, Bélgica, como convidado da Smes-Europa.

Publicado em Lisboa, Portugal.

Data de ediçãoJunho de 2019

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Todas as pessoas têm direito a um nível de vida adequado à sua saúde e bem-estar, bem como da sua família, incluindo alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e serviços sociais necessários, além do direito à segurança em caso de desemprego, doença, incapacidade, viuvez, velhice ou outro tipo de falta de meios de subsistência, resultantes de circunstâncias que escapam ao seu controlo

Artigo 25 Declaração Universal dos Direitos Humanos

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ÍNDICE

Introdução 6

Social 11

Saúde 25

Habitação 41

Recuperação 56

Trabalho de rua 69

Trabalho em rede 85

Cuidar dos colaboradore 99

Currículo de formação 111

Glossário 121

Referências 129

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Trabalhar com pessoas em situação de sem-abrigo e de doença mental é um trabalho exigente para o qual, no início, ninguém está bem preparado. As múltiplas questões envolvidas (sociais, saúde, habitação, recuperação, trabalho de rua, trabalho em rede, cuidar dos colaboradores) tornam difícil a um único profissional, disciplina ou serviço estar preparado para todos os desafios e necessidades em causa. Os profissionais que começam a trabalhar com esta população são frequentemente confrontados com os limites dos seus conhecimentos e práticas. O que aprenderam nos seus cursos universitários e profissionais não é suficiente para enfrentar os desafios do trabalho com esta população. Estes profissionais sentem necessidade de ir além das suas práticas e conhecimentos habituais e de desenvolver novas competências, de forma a tornarem-se mais atentos às necessidades especiais das pessoas e mais capazes de interagir com elas.

É fundamental aprender com a experiência, aprender com a experiências de outros, e desenvolver uma prática reflexiva que procure soluções capazes de se adaptarem a contextos únicos, em vez de copiar soluções pré-feitas.

Este manual visa ajudar os profissionais a desenvolver competências para melhor abordar pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental. Procura providenciar um contexto de aprendizagem que apoie os profissionais a tornarem-se mais conscientes dos desafios, dimensões e bons princípios de trabalho com pessoas em situação de sem-abrigo e doença mental.

“Abordagens práticas para trabalhar com pessoas em situação sem-abrigo e problemas de saúde mental” é o resultado de um projeto de três anos (2017-19) financiado pelo Erasmus +.

Na origem deste projeto está um projeto anterior da SMES-Europa, durante 2015-16, designado“Dignity and Well-Being”. Nesse âmbito foram organizados cursos práticos em que profissionais de diferentes países se puderam reunir para discutir perfis de casos focados em pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental, que viviam em condições precárias e que, aparentemente, recusavam ajuda. Também foram efetuadas visitas a serviços com vista à partilha de práticas e metodologias. Realizaram-se três cursos práticos em Varsóvia, Atenas e Copenhaga, após os quais foi feita uma análise qualitativa de mais de 50 perfis, que serviu de base a uma publicação sobre percursos típicos de sem-abrigo e intervenção (Fabio Bracci, 2017; SMES-Europa em colaboração com Fondazione Istituto Andrea Devoto).

O projeto Erasmus + “Dignidade e Bem-Estar - intercambio para mudar” utilizou a mesma metodologia desenvolvida pela SMES-Europa (análise de perfis de casos e visitas a serviços) para alcançar um novo objetivo: o desenvolvimento de um currículo de formação e um manual que possa ser útil na formação de futuros profissionais que trabalham com pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental.

A reunião inicial realizou-se nos dias 9 e 10 de dezembro de 2016, em Bruxelas.

O primeiro curso prático foi realizado em Lisboa, de 14 a 18 de março de 2017. Este foi o fórum para o grupo começar a pensar em conjunto na forma de tornar este projeto realidade. Mantendo a metodologia de visitas e discussões de casos, adicionámos uma nova dimensão. Todos foram convidados a refletir sobre o conhecimento e as competências que consideravam não ter quando começaram a trabalhar com

Introdução

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Página 6 pessoas em situação sem-abrigo, e que novos conhecimentos adquiriram ao trabalhar neste campo. Após uma discussão em grupo, foi feita uma análise das respostas que emergiram, individualmente e no grupo.

Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade para visitar muitos serviços em Lisboa e aprender como estão atualmente organizados e coordenados pelo NPISA, uma unidade recentemente criada para o planeamento e intervenção com pessoas em situação sem-abrigo. Nos últimos dois dias do curso prático foi realizada uma conferência SMES, que reuniu participantes de 15 países diferentes. As palestras e cursos práticos foram focados nos serviços Sociais, de Saúde, de Habitação e de Emprego e Reabilitação.

O curso prático seguinte foi realizado na Irlanda, de 25 a 29 de outubro de 2017. A primeira metade da semana decorreu em Dublin e a segunda metade em Athlone. Esta circunstância facultou-nos a oportunidade de visitar os serviços para sem-abrigo numa grande cidade e numa área rural, bem como a oportunidade de conhecer uma vasta gama de especialistas e pessoas com responsabilidade ao nível administrativo e político.

Além do debate de casos, este curso prático também nos ajudou a pensar sobre quais são as dimensões essenciais e inevitáveis do trabalho com pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental. O resultado foi um esquema que nos guiou ao longo do restante projeto, e que está expresso nos sete capítulos deste manual: social, saúde, habitação, recuperação, trabalho de rua, trabalho em rede e o cuidar dos colaboradores.

Nos dias 19 e 20 de fevereiro de 2018 realizou-se em Florença uma reunião de avaliação intermédia. Aí tivemos a oportunidade de ouvir especialistas do terreno e académicos que nos ajudaram a examinar, mais criticamente, os nossos objetivos e o trabalho em desenvolvimento. Nos cursos práticos, o grupo trabalhou no sentido da clarificação dos conteúdos críticos a abordar em cada secção, o que nos ajudou a produzir um segundo rascunho.

O curso prático seguinte foi realizado em Atenas, entre 7 e 12 de maio de 2018. Visitámos vários serviços essenciais de Atenas e pudemos organizar uma discussão aberta que reuniu utilizadores dos serviços, instituições, autoridades locais, representantes do Estado e outras partes interessadas, sobre políticas e práticas dirigidas a pessoas sem-abrigo e, entre eles, alguns grupos especiais, como os refugiados e pessoas com problemas de saúde mental.

Nesta fase, conseguimos estabelecer uma estrutura comum a ser utilizada em cada capítulo. Foram organizados cursos práticos para cada tópico (sete, no total) e em cada curso prático foi discutido um tópico, em dois subgrupos. Cada subgrupo gerou um documento e estes foram então sintetizados num documento único.

O último curso prático foi realizado em Barcelona, entre 22 e 26 de outubro de 2018. Mais uma vez, tivemos a oportunidade de visitar vários serviços para sem-abrigo na cidade, de reunir com especialistas locais e utilizadores dos serviços, especialistas por experiência.

Houve mais uma ronda de discussões sobre os capítulos individuais, que se aproximavam da sua forma

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final.

A reunião final de avaliação do projeto foi realizada em Bruxelas, entre 7 e 9 de março de 2019. Foi a oportunidade de rever tudo o que tinha acontecido durante o projeto e de olhar para os resultados intelectuais que dele resultaram.

Ficou acordado que apresentaríamos os resultados deste projeto, o Programa e o Manual de Formação, no dia 9 de maio de 2019, em Varsóvia.

É preciso dizer que todos os cursos práticos foram momentos de intenso trabalho e uma oportunidade para convidar especialistas locais, administradores locais e políticos, reforçando a rede local, bem como a europeia.

Além disso, foi realizado muito trabalho de casa, entre os cursos práticos. Foram formados subgrupos para cada tópico, com muito debate e troca de ideias dentro dos subgrupos, entre os subgrupos e o editor, e dentro de todo o grupo, tornando o projeto verdadeiramente coletivo.

Este documento representa o resultado de muitas visitas, intercâmbios, discussões em grupo, trabalho individual e a experiência acumulada dos parceiros. Há muitos anos que todos estes participantes, oriundos de variadíssimas áreas profissionais e culturas organizacionais, trabalham com pessoas sem-abrigo. Além disso, há a heterogeneidade de um grupo oriundo de oito países diferentes.

Esta heterogeneidade contribuiu para uma riqueza de pontos de vista que ajudaram a moldar a dinâmica e o processo de trabalho conjunto do grupo. Apesar de se poder encontrar neste manual uma variedade de perspetivas e pontos de vista, há uma coerência e uma unidade subjacentes que resultam de um percurso de três anos enquanto grupo, cujos membros passaram a entender e apreciar as suas diferenças, mas também a base de valores comuns e de experiências que os unem.

Este manual tem sete secções que poderíamos descrever como dedicadas a quatro pilares e três traves que se unem para criar uma intervenção coerente junto de pessoas em situação sem-abrigo:

1. Social2. Saúde3. Habitação4. Recuperação5. Trabalho de rua6. Trabalho em rede7. Cuidar dos colaboradores

Vemos os quatro pilares social, saúde, habitação e recuperação como aqueles aspetos do trabalho com pessoas sem-abrigo que têm como objetivo a sua dignidade e o seu bem-estar. Acrescentámos ainda o trabalho de rua, o trabalho em rede e o cuidar dos colaboradores, que constituem como que as traves que interceptam e ligam todos os quatro pilares.

Em cada secção, irá encontrar uma introdução, as principais ideias e conceitos, dificuldades antecipadas, boas práticas e um caso de estudo ou perfil de caso que destaca as questões descritas. Também encontrará um glossário e uma bibliografia.

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1. Social. A situação sem-abrigo insere-se dentro do tecido social das comunidades e das redes de relações sociais. Como os fatores sociais são tanto parte do problema como da solução, este capítulo facilitará a reflexão sobre o papel dos fatores sociais, a proteção social e o trabalho social relacionado com a situação de sem-abrigo.

1. Saúde. Este capítulo ajudará a explorar o papel das intervenções de saúde na rua, no serviço de urgência, no internamento e consulta hospitalar, internamento compulsivo, bem como as boas práticas de cuidados de saúde às pessoas sem-abrigo.

2. Habitação. Este capítulo abordará a importância da habitação e de um lar. Trabalhando a partir de uma perspetiva da habitação enquanto direito, analisará a função da habitação de emergência e de longo prazo, destacando os bons princípios do trabalho em habitação.

3. Recuperação. Irá esclarecer as formas através das quais a recuperação (“recovery”) é diferente do tratamento, as suas dificuldades e como geri-las, o papel dos profissionais e os bons princípios de trabalho que promovem a recuperação.

4. Trabalho de rua. O trabalho com sem-abrigo gerou muitas formas de trabalho de rua (“outreach”) que constituem marcas do trabalho com esta população. Esta secção centraliza-se nas práticas de trabalho de rua e ajudará a desenvolver as suas dimensões. Uma atitude atenta e respeitosa, um modelo de serviço claro, as fases do trabalho rua, os papéis profissionais no trabalho de rua, bem como os princípios básicos das práticas de trabalho de rua.

5. Trabalho em rede. Esta secção irá ajudar a aumentar a consciencialização sobre a importância do trabalho em rede enquanto abordagem em várias camadas com níveis estruturais e operacionais. Também ajudará a aprender como construir e manter um trabalho em rede, como evitar dificuldades e identificar bons princípios de práticas no trabalho em rede.

6. Cuidar e formar os colaboradores. O trabalho com pessoas sem-abrigo coloca os profissionais em contacto com formas intensas de sofrimento humano, estigma e desigualdades. Isso pode afetar o bem-estar e as formas de trabalho da equipa. Esta secção aborda os aspetos de cuidar e formar os colaboradores, como evitar o desgaste e fomentar formas mais saudáveis de cultura e funcionamento da equipa.

Os conteúdos aqui apresentados refletem um percurso que tem sido uma grande experiência de aprendizagem para aqueles que nela participaram. Podemos apenas desejar que possa ser replicado e tocar outras pessoas da mesma forma que tocou os autores.

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Social

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A base para qualquer análise dos direitos sociais das pessoas sem-abrigo é a compreensão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, particularmente dos artigos 2, 22 e 25.

“A proteção social é comummente entendida como“ todas as iniciativas públicas e privadas que proporcionam transferências de rendimento ou consumo para os pobres, protegem os vulneráveis contra os riscos para a sua subsistência e melhoram o estatuto social e os direitos dos marginalizados; com o objetivo geral de reduzir a vulnerabilidade económica e social dos grupos pobres, vulneráveis e marginalizados” (Devereux & Sabates-Wheeler, 2004: i).

Esta definição está alinhada com o uso no desenvolvimento internacional e pode ser diferente das definições de políticas sociais em países de elevados rendimentos. A proteção social é geralmente proporcionada pelo estado; é concebida teoricamente como parte do contrato "Estado-cidadão", no qual estados e cidadãos têm direitos e responsabilidades recíprocas» (Harvey et al., 2007).

Introdução

A assistência social é um tipo de proteção social e é uma ação direta com resultados claros e imediatos. Geralmente, é fornecida pelo estado e financiada pelos impostos nacionais. O apoio de doadores também é importante em contextos de rendimento mais baixo. As transferências não são contributivas, ou seja, o valor total é pago pelo provedor. Alguns são direcionados com base em categorias de vulnerabilidade e outros são segmentados de forma ampla como parte de grupos de baixo rendimento. Parece mais correto falar de proteção social do que de assistência social. A organização de serviços públicos baseados na proteção social cria automaticamente as condições para prestar assistência social. Por outro lado, as intervenções no mercado de trabalho tendem a facilitar o desenvolvimento de uma rede informal de proteção social fornecida por doadores, caridade e intervenções baseadas na comunidade.

A situação de sem-abrigo é uma condição vulnerável relacionada com muitos fatores sociais e a proteção social é, simultaneamente, parte do problema

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 2. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 22. Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 25. Todas as pessoas têm direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e têm direito à segurança no desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou noutras situações de perda de meios de subsistência em virtude de circunstâncias independentes da sua vontade.

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quando a falta de recursos, de rede de segurança ou de estatuto legal de permanência no país se tornam barreiras, e parte da solução no que diz respeito a ações positivas que podem ajudar uma pessoa a encontrar oportunidades de se libertar de sua condição. Os direitos sociais devem ser garantidos pelo sistema de proteção social. O Sistema de Proteção Social atua para evitar as diferenças sociais e os processos de exclusão social.

A prevenção é o principal objetivo da proteção social. Os sistemas de proteção social, em todos os países, são construídos para proteger os mais vulneráveis e para melhorar o estatuto social e os direitos dos marginalizados. No domínio da situação de sem-abrigo, os sistemas de proteção social têm o dever, como parte da prevenção, de reduzir o deslocamento social de pessoas sem-abrigo para as ruas e evitar o regresso a essa situação depois de serem realojados.

Cuidar dos menos afortunados significa cuidar da comunidade. Os sem-abrigo que vivem em situações graves e crónicas de privação social, física e psicológica são sintoma de um fracasso da democracia e da coesão social. Uma comunidade capaz de ouvir a voz das suas pessoas mais vulneráveis é uma comunidade que cuidará de si mesma. A exclusão dos sem-abrigo com doença mental é uma forma de criar dois tipos diferentes de seres humanos — os incluídos, com direitos, deveres e relações, e os excluídos, sem nenhuma destas coisas. Uma sociedade baseada em direitos não deve aceitar uma pessoa se isso significar excluir outras pessoas. A comunidade é o contexto no qual todos devem ser incluídos. Tem o dever de cuidar, coletivamente, daqueles que não são produtivos e autónomos. Isto não é apenas para o bem-estar daqueles indivíduos, beneficia a saúde de toda a comunidade.

Os sem-abrigo podem circular entre os estados-membros da Europa. O que causa problemas, pois tais migrantes não são claramente cobertos pela legislação social nacional do país em que se encontram sem-abrigo.

Direitos sociais Proteção social Prevenção social Assistência social

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Os profissionais da área social enquanto mediadores entre utente e serviços

Em toda a parte há assistentes sociais / profissionais que prestam serviço social. Mas geralmente “A prática de trabalho social para pessoas socialmente marginalizadas pode ser dividida em trabalho com casos e a prestação de serviços diretos, que poderíamos designar cuidado social. Alguns colaboradores irão gerir ambos” (Louise Christensen 2018).

O profissional que encontra um sem-abrigo a viver na rua costuma fazer o primeiro contacto, tornando- se um mediador e um elo entre o sem-abrigo e os serviços. Muitas vezes podemos ver em pessoas sem-abrigo uma ausência de ligação ao mundo e, frequentemente, a barreira entre o acesso aos serviços e equipamentos específicos é muito elevada. Por estas razões, o trabalho dos profissionais da área social é fundamental, a começar pelos que estão envolvidos no trabalho de rua (ver o capítulo “Trabalho de rua”) até aos assistentes sociais institucionais.

Os profissionais da área social tornam-se uma espécie de tradutores para os sem-abrigo, capazes de descrever a forma de trabalhar com o sistema e facilitar o acesso às oportunidades que podem ajudar o indivíduo a abandonar a condição de sem-abrigo. A comunicação entre diferentes tipos de profissionais sociais e o reconhecimento mútuo entre sistemas formais e informais parece ser necessária para construir percursos relevantes.

• Profissionalismo• Encontro em primeira mão• Acompanhamento de casos• Mediador• Tradutor• Trabalho em rede• Trabalho conjunto entre serviços

Os direitos e a vontade individual

Construir percursos relevantes com, e não para ou em, pessoas sem-abrigo e com problemas de saúde mental é um desafio que pode parecer impossível. O assistente social deve, em todos os momentos, ter em mente que o ator principal é o sem-abrigo e que, frequentemente, ninguém sabe melhor do que ele qual a solução para os seus problemas. No entanto, respeitar as escolhas dos utilizadores de serviços pode levar os profissionais da área social a contradições significativas. Falar sobre direitos deve incluir o contemplar da vontade individual, falar sobre a lei deve consistir em pensar em termos de justiça. Caso contrário, vias eficazes podem ser interrompidas por barreiras legais (por exemplo, falta de documentos); outras vezes, a falta de recursos limita as respostas efetivas.

Por outro lado, uma pessoa não pode ser forçada a afirmar os seus direitos se não for essa a sua vontade. Direitos, vontade individual, lei e justiça são conceitos que dominam o trabalho dos profissionais da área social. O objetivo é ajudar as pessoas sem-abrigo a recuperar a sua

Ideias principais

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dignidade e a conquistar o controlo da sua própria vida. Qualquer ajuda deve ser adaptada às necessidades específicas dos indivíduos.Além disso, os sem-abrigo querem ter o poder de escolher e têm o direito de influenciar as suas próprias vidas, tanto ao nível individual como social, através da participação em associações de utilizadores.

Isto tem conduzido a uma aceitação crescente de que os sem-abrigo deveriam ser ouvidos quanto às opiniões sobre a sua própria vida, que tipo de intervenção aceitariam e o que pretendem para o futuro.

• Dignidade e respeito• Direito de escolher

Reconexão à rede de segurança do indivíduo

Pela sua natureza, os equipamentos disponibilizadas pelo sistema de proteção social criam um contexto artificial. Eles ajudam a criar oportunidades para abandonar a vida como sem-abrigo, mas são artificiais. A vida real e pessoal é outra coisa. As pessoas podem frequentemente seguir caminhos nos quais centros de acolhimento, centros de dia e refeitórios sociais se tornam uma espécie de mundo paralelo. Podem tornar-se o único mundo a que têm acesso, o que pode criar uma dependência crónica do sistema de apoio social.

Além disso, os relacionamentos construídos num contexto de ajuda são influenciados pelos papéis distintos dos participantes, profissionais e utilizadores de serviços. Isto pode ser um obstáculo ao estabelecimento de uma verdadeira experiência de amizade. O risco é que os sem-abrigo reconstruam a sua vida em algo criado expressamente para eles, aumentando a incapacidade e a dependência, como os infindáveis programas vocacionais e de reabilitação. Simultaneamente, muitos sem-abrigo com doença mental são vistos como incapazes de ser incluídos socialmente, em virtude da sua falta de produtividade e autonomia e dos seus problemas de saúde. Por isso, é essencial tentar colocar essas pessoas novamente em contacto com a sua própria rede social única, como os parentes, os amigos, o emprego, etc. Eles precisam de ter a oportunidade de viver uma vida real num mundo desinstitucionalizado, no qual a comunidade apoia os mais frágeis e vulneráveis.

• Risco de cronicidade• Relações• Reconstrução de relações• Rede de segurança

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Pobreza

A pobreza nos países europeus, em termos de preços da habitação tanto para aluguer como para casa própria, desempenha um papel crítico no entendimento do fenómeno sem-abrigo e de que forma estas pessoas são negligenciadas, tanto na prevenção da situação de sem-abrigo como nas intervenções sociais. Ou talvez sejam ignorados porque a pobreza e os preços da habitação são criados por um conjunto rígido de regras políticas e tradicionais.

• Pobreza relativa• Investigação Pressão para intervir devido a alarme social e falta de recursos

Uma pessoa deitada na rua, em condições insalubres, utilizando o bairro para as suas necessidades fisiológicas e, talvez, com mau comportamento, cria um alarme social. O conflito é entre as necessidades individuais e as necessidades da sociedade. Onde está a fronteira entre eles? Quanto tempo uma pessoa pode viver em frente à porta da casa ou da loja de outra pessoa?

Além disso, se estiver doente, estará na verdade numa situação de necessidade? Os profissionais

Dificuldades

da área social muitas vezes precisam de enfrentar o alarme social criado pelas pessoas sem-abrigo com doença mental. Eles podem frequentemente sentir-se esmagados entre a sua postura profissional e a vontade de outras partes interessadas, decisores e financiadores de projetos. Todas as intervenções devem ter em mente as diferentes forças que estão em jogo, o que nem sempre é possível. À primeira vista, pode ser fácil ficar do lado dos sem-abrigo, ainda mais se estivermos a falar de profissionais da área social, mas esta nem sempre é a melhor forma. O alarme social pode levar a política a decisões contra os sem-abrigo, promovendo a intervenção com base numa visão de «maquilhagem urbana», em vez de uma intervenção centrada na pessoa.

Outro conflito no qual os profissionais sociais estão frequentemente envolvidos está relacionado com o tempo. É claro que o envolvimento com um sem-abrigo com doença mental é um processo que leva tempo. Por outro lado, a sociedade espera que os profissionais sociais o façam com rapidez e «removam» a pessoa da rua o mais rapidamente possível. Da mesma forma, é necessário um plano de longo prazo para concretizar um caminho significativo, mas muitas vezes os recursos, as regras dos centros de acolhimento e outros tipos de pressão forçam o assistente social a trabalhar mais rapidamente. É uma tarefa enorme, para uma pessoa que viveu na rua por muitos anos, mudar a sua vida em poucos meses.

"Os dados demonstram que, apesar de uma variedade de necessidades de saúde e apoio e de questões comportamentais, particularmente na adolescência, contribuírem significativamente para os riscos de os jovens adultos se tornarem em sem-abrigo na idade adulta jovem, o seu contributo é menor do que a pobreza."

E mais: “No entanto, mais uma vez, deve salientar-se que a relação entre estes fatores de apoio social e a situação de sem-abrigo é geralmente mais frágil do que a pobreza material e o estatuto económico.” (Glen Bramley & Suzanne Fitzpatrick, 2018)

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• Necessidades individuais e necessidades da sociedade• O processo leva tempo

Dificuldades no diagnóstico

É senso comum pensar que a maioria das pessoas que vive na rua o faz por opção. Detetar se é uma escolha real é outra dificuldade significativa, assim como descobrir se um sem-abrigo está doente ou se o seu comportamento antissocial é o resultado de um problema de personalidade. O diagnóstico é frequentemente difícil. A situação de sem-abrigo é o resultado de um processo multifatorial e, muitas vezes, é impossível entender que fatores tornaram a pessoa num sem-abrigo. O diagnóstico nem sempre é necessário.

• Escolha própria• Diagnóstico• Multifatorial

Falta de cooperação entre os serviços sociais e de saúde

Num esforço para obter recursos, os sem-abrigo são frequentemente confrontados com um conjunto complexo de intervenientes de uma variedade de sistemas que não comunicam entre si (Dennis, Cocozza, & Steadman, 1998), (John R. Belcher & Bruce R. DeForge 2012). A falta de cooperação entre serviços de saúde e serviços sociais, na prestação de serviços adequados, é uma das maiores dificuldades. Não é devido a má vontade dos profissionais envolvidos, mas sim o resultado de diferentes percursos de formação, linguagens diferentes, objetivos diferentes. Muitas vezes, não existe uma equipa multidisciplinar que possa lidar com a complexidade trazida pelos sem-abrigo com doenças mentais - assim, as intervenções são fragmentadas e «não alinhadas». Uma forma de preencher a lacuna entre os dois sistemas poderia ser incluir, além da psiquiatria biológica, um pensamento psiquiátrico social baseado em princípios humanísticos gerais, como o cuidado e a compreensão, realizados por todos os tipos de profissionais psiquiátricos (Brandt, P., Proposal for a social psychiatry theory based on experiences from a programme for homeless mentally ill; 1996).

Por outro lado, geralmente não há cursos de formação específicos com o objetivo de cultivar formas específicas de abordar as questões sociais e de saúde dos sem-abrigo com doenças mentais.

• Um conjunto complexo de intervenientes• Equipa multidisciplinar• Psiquiatria social

Sexo

Estima-se que cerca de 80% das pessoas sem-abrigo são homens. As mulheres são uma minoria e muitas

Mulheres sem-abrigo num Mundo de Homens: As boas mães não teriam de ir para um abrigo." "Há um julgamento moral quanto à situação de sem-abrigo, e se tiver uma criança a seu cargo, o julgamento é ainda mais duro. ”

vezes são «sem-abrigo ocultas»: asseguram um teto (surfar no sofá) mantendo um relacionamento com um homem; podem ser abusadas física e sexualmente, mas são incapazes de partir devido à falta de alternativas de alojamento. As mulheres sem-abrigo têm maior probabilidade de sofrer de doenças mentais graves, têm

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necessidades muito complexas e, por isso, precisam de apoio muito específico. As mulheres sem-abrigo têm frequentemente uma visão muito negativa de si mesmas, considerando-se pessoas falhadas, más mães, etc.

• Minoria• Negligência das questões de género • Necessidades especiais

Pessoas sem documentos

Tornou-se mais comum conhecer pessoas sem-abrigo e que dormem nas ruas, mas que não são cidadãos do país onde vivem atualmente. As pessoas sem documentos não têm acesso à maioria dos serviços e equipamentos sociais, em virtude da legislação nacional. Esta é uma barreira importante para as pessoas sem-abrigo com doença mental que se deslocam de um país para outro. Nestes casos, uma intervenção eficaz é impossível. As únicas intervenções possíveis respondem apenas a necessidades fundamentais de alimentos, roupas e, talvez no inverno, alojamento de emergência.

Podem ser cidadãos da UE ou não. Todos reconhecem que é difícil ajudar estes sem-abrigo porque as leis sociais nacionais não lhes conferem todos os direitos necessários. O último caso deste capítulo mostra a necessidade de colaboração entre assistentes sociais além das fronteiras nacionais.

• Necessidades fundamentais• Rede transeuropeia

• Trabalho conjunto transeuropeu

Estigmatização

As pessoas que se tornam sem-abrigo são muitas vezes referidas apenas pelo seu rótulo, «sem-abrigo», assumindo uma qualidade inferior à humana, que pode ter outras conotações - que são ameaçadoras ou perigosas, não produtivas e pessoalmente culpadas.

Não é fácil quebrar este estigma mas, ao mesmo tempo, é fundamental construir caminhos de integração. Reconhecer as pessoas sem-abrigo como seres humanos seus semelhantes, com igualdade de oportunidades, competências e desejos como os dos outros é, ao mesmo tempo, uma das barreiras mais significativas e um dos maiores desafios.

• As pessoas sem-abrigo são seres humanos.

Comportamento agressivo

Estar perto de uma pessoa também significa estar perto das suas emoções, alegrias e dores. Por vezes, o assistente social pode tornar-se alvo de comportamento agressivo de um sem-abrigo. A formação profissional deve permitir-lhes prever e evitar tais agressões, mas por vezes a agressão é súbita e imprevisível. Lidar com comportamentos agressivos e violentos é uma das maiores dificuldades para os profissionais da área social. Frequentemente, eles sentem-se incapazes de gerir tais situações, levando

Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância:“Recomenda que os governos dos Estados membros: [...] Respeitem os direitos humanos fundamentais dos migrantes irregularmente presentes, nomeadamente nos campos da educação, saúde, habitação, segurança social e assistência, proteção no trabalho e justiça ...”.

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Frequentemente, eles sentem-se incapazes de gerir tais situações, o que conduz a taxas elevadas de burnout e rotatividade entre os trabalhadores.

• Prevenção da agressão• Lidar com a agressividade e violência

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Melhorar os serviços para as pessoas socialmente excluídas requer estratégias para reduzir e eliminar estas barreiras da pobreza, isolamento, fragmentação de serviços e hostilidade. Como profissionais da área social e de saúde, devemos erradicar o preconceito; garantir que os nossos serviços não são discriminatórios e facilitam o acesso aos cuidados. Devemos garantir que ajudamos as pessoas a ajudarem-se a si mesmas e que nos nossos esforços para ajudar não acabamos por aumentar a falta de poder e a dependência.

Curiosidade

• A curiosidade é a atitude fundamental para a compreensão da complexidade dos sem-abrigo e da doença mental.

• Cada ser humano é o resultado de um longo processo feito de escolhas, experiências, sucessos e fracassos, e cada indivíduo é digno de respeito, apesar da sua condição social e saúde. Frequentemente, o assistente social é movido ou empurrado a intervir para responder à emergência, mas às vezes é melhor ter tempo para ouvir, conhecer e tentar compreender.

• A resposta certa pode não residir em ninguém – exceto, talvez, na própria pessoa. Por vezes, pode ser melhor ouvir com interesse, em vez de querer intervir.

Escolher um método, medir a qualidade e documentar os resultados

• O método selecionado para o trabalho social de uma organização tem de corresponder às necessidades das pessoas socialmente desfavorecidas e sem-abrigo a quem essas atividades se destinam.

• Muitas organizações construíram as suas atividades de forma pragmática – mas ainda é necessário haver uma consciencialização sobre o que tem feito e porquê. Também é possível usar um modelo baseado em teorias, como “Casas Primeiro”. Em ambos os casos, é importante estar absolutamente certo quanto à escolha do método

• Estamos a fazer trabalho social com seres humanos – o nosso trabalho deve visar continuamente a qualidade.

• Finalmente, o registo e documentação de quaisquer intervenções deve ser mantido de forma consistente e contínua.

Atitude proativa e antecipação

• Uma posição proativa faz com que as coisas aconteçam em vez de tentar adaptar-se à medida que os eventos ocorrem, com o objetivo de identificar e explorar oportunidades e tomar medidas preventivas contra possíveis problemas e ameaças. O comportamento reativo concentra-se em combater um incêndio ou resolver um problema depois de ele ocorrer. As pessoas proativas avançam continuamente, a olhar para o futuro e a fazer as coisas acontecerem. Estão ativamente envolvidas, não observando passivamente. Ser proativo é uma forma de pensar e agir.

• O indivíduo proativo tem uma visão e uma imagem do que pode ser feito e estabelece metas alinhadas com essa visão. Com uma atitude proativa, é possível antecipar os acontecimentos e organizar os recursos necessários antes que eles sejam necessários. Por exemplo, pode ser útil organizar a estadia

Boas práticas

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num centro de acolhimento e a subsequente transferência para outro serviço, mesmo que o sem-abrigo ainda não esteja pronto para o aceitar.

Comunicação e visibilidade

• O trabalho social é muitas vezes invisível e produz resultados difíceis de medir. Para resistir à pressão do alarme social, pode ser uma boa prática deixar claro que estamos envolvidos com o problema – que algo está a ser feito.

• Uma boa comunicação com o poder político pode estabelecer metas e estratégias partilhadas para combater a exclusão social de pessoas sem-abrigo com doenças mentais. Ao mesmo tempo, organizar eventos, conferências abertas e seminários pode ajudar a explicar os valores e o significado do nosso trabalho com a comunidade. Por outro lado, poder ouvir a voz e as necessidades da comunidade, dos políticos, das partes interessadas, permite a construção de novas estratégias. Muitas vezes, os resultados pretendidos são os mesmos – por exemplo, não ter pessoas a dormir na estação de comboios, mas as motivações são diferentes. Dar à estação uma aparência respeitável para os passageiros é a motivação do responsável pela estação; encontrar um lugar melhor, mais digno e saudável para as pessoas sem-abrigo é a motivação do assistente social. Se houver uma vontade comum e partilhada quanto ao resultado desejado, deve ser possível agregar um conjunto mais amplo de recursos disponíveis para o objetivo comum.

• Defender os direitos, influenciar, capacitar a comunidade, sensibilizar e consciencializar quanto às questões dos sem-abrigo devem ser tarefas fundamentais do trabalho social.

Escolher, ampliar opções

• Na rotina do dia a dia, pode ser fácil utilizar soluções previamente elaboradas para as necessidades das pessoas sem-abrigo. Durante os intercâmbios que tivemos, ficou claro que é importante permitir aos sem-abrigo a oportunidade de escolherem o que é melhor para eles. É claro que o primeiro objetivo tem de ser «preservar» a vida humana, mas, depois disso, as escolhas devem estar nas mãos dos sem-abrigo. Ter uma casa, pagar as contas, lavar a roupa não é a melhor solução para todos... Temos de disponibilizar todos os recursos e as soluções que podemos, mas deixar-lhes a dignidade de escolher por si próprios.

• Por outro lado, por vezes as pessoas podem não conseguir ver todas as oportunidades que têm. Por esta razão, é igualmente essencial tentar ampliar o leque de escolhas para a pessoa, mostrando-lhe alternativas e novas soluções. O desafio é encontrar o equilíbrio certo entre as duas atitudes diferentes.

Serviços personalizados

• Antes de desenhar a intervenção, é importante um encontro com respeito e usar o tempo para realmente conhecer o outro.

• Os serviços e equipamentos devem ser adaptados às necessidades da pessoa e devem ser capazes de responder com flexibilidade. Regras, falta de recursos, falta de tempo tornam o sistema de serviços burocrático e rígido. Por isso, as pessoas podem dar por si a ser adaptadas ao serviço, em vez de terem um serviço adaptado a elas. Tentar modificar os serviços e os equipamentos, avaliando-os com base nas necessidades efetivas do indivíduo, permite construir caminhos críveis e realizáveis.

• As pessoas sem-abrigo com doença mental raramente conseguem acompanhar as exigências dos

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serviços, o que pode resultar em múltiplos internamentos hospitalares, altas e recaídas subsequentes o síndrome da porta giratória.

• Se o sem-abrigo é estrangeiro, temos de ter em consideração se e quando alguém deve tentar ajudá-lo a regressar ao seu país de cidadania.

Relacão

• Os assistentes sociais têm a oportunidade de passar tempo com as pessoas com quem estão envolvidos. Ao contrário da maioria dos profissionais de saúde, eles podem desfrutar de continuidade do relacionamento com pessoas sem-abrigo com doença mental. Eles têm tempo para construir uma relação baseada na confiança mútua, mas também para conhecer a pessoa de uma forma mais profunda, para ouvir e entender melhor as suas necessidades e para os ajudar a recuperar a dignidade na sua abordagem à vida. Esta é talvez uma das ferramentas mais importantes que um assistente social pode ter: um relacionamento diário, momentos partilhados e reconhecimento mútuo dentro de laços cada vez mais estreitos.

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CasoCaso: Claire, Projeto Udenfor, Copenhaga.

Relatado pelo assistente social envolvido no caso:

Encontrei a Claire numa noite, já tarde, durante o meu trabalho de rua em Copenhaga. Ela estava sentada num banco de uma praça em Vesterbro, chamada Vesterbro Torv. Vestia roupas esfarrapadas e parecia muito exposta e vulnerável. Não usava sapatos e estava tão suja que era fácil de ver que não tomava banho há muito tempo.

Ela gritava e praguejava em voz alta para as pessoas que passavam, e parecia ver algo que o resto de nós não via. Ela falava com uma voz profunda, enferrujada e monótona, recitando as mesmas três ou quatro frases diversas vezes. O seu comportamento era tão evidente que chamou muita atenção, o que a deixou ainda mais vulnerável e exposta nas ruas de Copenhaga.

Eu aproximei-me dela no banco, ofereci-lhe um cigarro e o contacto foi estabelecido. Claire não desdenhou a minha tentativa de contacto, e eu fiquei um pouco surpreendida com a reação dela. Ela falava francês, pelo que tivemos alguns problemas de comunicação, mas conseguimos entender-nos com gestos e com uma pequena ajuda de tradução do Google. Ela parecia muito feliz com a minha presença e estava ansiosa por conversar.

Nos dias seguintes, visitei Claire no banco e ajudei-a com as coisas mais básicas. Por exemplo, dei-lhe um par de sapatos e um bom saco-cama. Também consegui que o nosso Mobile Cafe viesse trazer alguma comida, à noite. Depois de algum tempo, conseguimos levá-la para um café noturno para mulheres. Normalmente, é preciso ter direitos sociais dinamarqueses para lá ficar, mas o café noturno concordou em deixar a Claire ficar, se tentássemos encontrar uma solução mais permanente e sustentável. Durante sua estadia tivemos uma reunião com um intérprete, pelo que a Claire teve a oportunidade de explicar porque é que estava aqui em Copenhaga, quais os seus planos e como poderíamos ajudá-la mais. Durante essa conversa, percebemos que Claire estava muito atormentada pelos seus pensamentos e a forma como ela percecionava o mundo. Ela disse-nos que era perseguida nas ruas por homens franco-árabes e que eles não a deixavam em paz.

Além disso, contou-nos que a sua família morava na Noruega e que ela estava a caminho de lá, mas ficou presa em Copenhaga. Ela também nos disse que já tinha estado internada num hospital em Oslo. Claire desejava ir para a Noruega, morar com a família, e voltar para o seu país de origem, a França, não era uma opção.

Em resultado desta reunião, decidi, em cooperação com o empregado do café noturno, envolver uma equipa psiquiátrica de rua. A equipa teve a oportunidade de entrar em contacto com o hospital psiquiátrico na Noruega e perguntar se já tinham estado em contacto com Claire antes. Eles disseram que ela tinha estado internada anteriormente e que estava proibida de entrar na Noruega. Eles

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também disseram que ela não tinha família em Oslo, mas que a ilusão de ter parentes na Noruega era parte da sua psicose e doença mental.

Depois de os enfermeiros da equipa psiquiátrica se terem encontrado algumas vezes com Claire, resolvemos marcar uma reunião com ela, as duas enfermeiras e um psiquiatra, também da equipa psiquiátrica de rua, um funcionário do café noturno, um intérprete e eu. O resultado desta reunião foi que Claire concordou voluntariamente em ser internada num hospital psiquiátrico em Copenhaga. Assim, depois de a reunião terminar, Claire e eu fomos para a enfermaria psiquiátrica. Tivemos uma entrevista com um médico e, de seguida, Claire foi internada.

Quando estava internada há cerca de uma semana, fui contactada por uma assistente social do hospital. Marcámos uma reunião com Claire, a equipa de psiquiatria da rua, um psiquiatra do hospital, uma enfermeira e uma assistente social, também do hospital, e eu. O hospital disse que estavam prontos para lhe dar alta, mas queriam saber que planos tinham sido feitos para Claire. A equipa psiquiátrica de rua e eu defendíamos que a Claire deveria ter um internamento longo e que quando o tratamento médico começasse a fazer efeito, nós conversávamos com ela sobre o regresso a França, já que esta era a sua única opção real.

Claire ficou no hospital cerca de dois meses e meio, e eu visitei-a pelo menos uma vez por semana. Cada vez que eu a visitava ela estava melhor e, depois de dois meses, concordou em regressar à França. Enquanto Claire estava hospitalizada, a equipa psiquiátrica de rua e o hospital, com a ajuda do consulado francês em Copenhaga, descobriram que ela tinha família e um lugar para morar na parte leste de França.

Depois disso, combinámos que eu deveria viajar para Genebra com Claire, onde nos encontraríamos com dois representantes do hospital psiquiátrico de França. Claire já conhecia os dois funcionários, pelo que era evidente que ela sentia que estava em boas mãos. Eles levaram-na de volta ao hospital nos Alpes e internaram-na lá, e, quando terminasse o tratamento, iriam ajudá-la a voltar para o seu apartamento.

Questões:• Que pontos fortes e fatores de risco identifica na intervenção descrita?• Quais poderiam ser os momentos críticos no processo?• A partir da sua experiência, consegue imaginar uma intervenção diferente? Se sim, pode descrevê-

la?

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Saúde

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Os problemas de saúde mental e física estão fortemente ligados à situação de sem-abrigo. É melhor encarar as pessoas sem-abrigo não como uma categoria separada, mas como um grupo de pessoas que se encontra no extremo do espectro da exclusão social. Alguns dos mais fortes determinantes da saúde estão inseridos em condições de desigualdade social (Pickett e Wilkenson, 2009) e geralmente não são diretamente afetados por intervenções de saúde.

Tal como acontece com outros grupos socialmente excluídos, os sem-abrigo morrem mais cedo e têm uma maior prevalência de doenças mentais e físicas do que a população em geral (Fazel, 2014, Aldridge 2017). A migração, uma das principais fontes de situação de sem-abrigo, está ligada a uma série de problemas de saúde, incluindo problemas de saúde mental (EPRS, 2016). Como outros grupos na extremidade inferior da escala socioeconómica, estão provavelmente sujeitos à «lei do cuidado inverso» e, por isso, menos propensos a receber os cuidados de saúde de que precisam (Tudor Hart, 1971).

Psicose, traumatismo múltiplo e dependência são frequentemente causas de situação de sem-abrigo, enquanto o sofrimento emocional, a ansiedade e a depressão podem ser respostas à situação de sem-abrigo (Leng, 2007).

Os problemas de saúde física podem decorrer diretamente dos perigos específicos de serem sem-abrigo, da falta de um enquadramento social normalmente assumido para a saúde, ou ser agravados pela falta de acesso a tratamento. Por exemplo, se alguém sofre de diabetes, tuberculose ou outras doenças, é difícil ser sem-abrigo e cuidar da sua saúde nas ruas, porque:

• Estará mais vulnerável a temperaturas extremas, mais propenso a ficar molhado e com maior probabilidade de ser agredido.

• De uma forma geral, não terá controlo sobre a vida para estabelecer e manter as rotinas básicas de manutenção da saúde. Estas incluem uma dieta saudável, roupas limpas, descanso adequado, segurança de bens e privacidade. Isto também pode afetar a sua capacidade de tomar medicação regularmente.

• Frequentemente não conseguirá adaptar-se aos procedimentos relacionaos com clínicas – muitos serviços sociais e de saúde têm contacto limitado com essa população e não projetam os seus serviços para atender adequadamente estas necessidades.

Houve declarações de organismos europeus acerca dos cuidados de saúde para pessoas sem-abrigo ou socialmente excluídas. Em 2016, o Parlamento Europeu emitiu uma declaração sobre o direito aos serviços de saúde para refugiados ou requerentes de asilo, com ou sem documentos.

No mesmo ano, a Mental Health Europe (MHE, 2016) publicou um documento que defendia fortemente que os refugiados e requerentes de asilo tivessem pleno acesso aos serviços de saúde adequados, particularmente nos caso de problemas de trauma.

Apesar destas afirmações, o estudo PROMO (Canavan et al., 2012) demonstrou grandes problemas no acesso aos cuidados de saúde para pessoas sem-abrigo na Europa. O resumo dos seus comentários: “O contributo de profissionais de saúde mental profissionalmente qualificados foi relatado como baixo,

Introdução

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assim como os níveis de trabalho de rua ativo e a identificação de casos. A prestação de serviços fora do expediente parece inadequada e ficaram evidentes elevados níveis de critérios de exclusão de serviço. O preconceito nos serviços prestados aos sem-abrigo, a falta de coordenação entre os serviços e as dificuldades que os sem-abrigo enfrentam na obtenção de planos de saúde foram identificados como grandes barreiras à prestação de serviços.”

Além disso, há evidências de que, nos serviços de saúde, pode haver uma considerável estigmatização de certos grupos de pacientes, incluindo pessoas sem-abrigo (Jeffrey, 1979).

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Acessibilidade

O acesso direto a cuidados e recursos é crucial, especialmente para pessoas sem documentos. Os sem-abrigo tendem a ter vários problemas em simultâneo, pelo que facilmente podem ser considerados difíceis de tratar e, desta forma, tornar-se «indesejados» pelos serviços tradicionais. Ao mesmo tempo, as pessoas sem-abrigo tendem a achar difícil lidar com barreiras burocráticas, listas de espera e planos de tratamento complicados. Quanto mais rígido e complexo for um serviço, maior será a probabilidade de os sem-abrigo serem excluídos desse serviço ou de perderem o contacto com ele. Os serviços de saúde devem ter consciência de que:

• Embora as populações em geral tenham dificuldades em aderir aos planos de tratamento, as pessoas sem-abrigo têm dificuldades acrescidas em fazê-lo.

• Os serviços não devem dificultar o acesso dos pacientes – o acesso deve ser o mais fácil e rápido possível (e não apenas para pessoas sem-abrigo).

• Em virtude dos mitos dentro dos serviços em relação ao direito a esses serviços, os sem-abrigo precisam de ter conhecimento dos seus direitos em matéria de acesso aos cuidados de saúde.

• Os cuidados posteriores e o acompanhamento após a alta hospitalar constituem problemas específicos. Sem um lar físico para onde ir, ou uma rede social de apoio, é preciso considerar que um sem-abrigo pode estar a ter alta para um ambiente hostil e sem apoio. É particularmente importante que, para os sem-abrigo, seja traçado um plano claro e sólido de cuidados posteriores. Sem isso, quaisquer ganhos obtidos com a admissão hospitalar podem ser facilmente perdidos. No entanto, frequentemente este plano não é elaborado para as pessoas sem-abrigo, antes de terem alta do hospital.

Atenção aos relacionamentos

Pode acontecer que, em alguns contextos e com alguns utentes, os cuidados e o tratamento adequados possam ser prestados sem a necessidade de ter em atenção o relacionamento entre o utente/ paciente e o prestador de serviços. Isto não é absolutamente verdade quando se trata de pessoas sem-abrigo – é uma parte central e essencial do trabalho. As intervenções eficazes com pessoas sem-abrigo dependem do estabelecimento de um bom relacionamento com um indivíduo – mas também podem, às vezes, ser cultivadas num ambiente de grupo.

Um bom relacionamento e uma aliança de trabalho com o sem-abrigo é a única forma de manter o contacto com os serviços e, quando necessário, otimizar o envolvimento com o tratamento ou outras intervenções de saúde.

Prestar atenção aos aspetos interpessoais e relacionais é tão importante como as outras preocupações mais «técnicas». Embora sejam muitas vezes referidas como competências sociais (soft), podem ser aprendidas, comunicadas e medidas, pelo que devem ser vistas como competências técnicas (hard), tal como quaisquer outras competências mais obviamente físicas e técnicas.

Ideias principais

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A capacidade de criar e manter um relacionamento de apoio deve ser vista como uma preocupação técnica por si só. As intervenções em grupo também podem ser eficazes, pois promovem um sentimento de pertença e permitem a aprendizagem partilhada não hierárquica.

Trabalho de rua

O trabalho de rua assenta na noção de ir ao encontro de potenciais pacientes ou utentes, às vezes sem qualquer convite, em vez de esperar que eles venham ter consigo (“outreach”).

Dada a tradição médica quase universal de responder a uma necessidade de saúde claramente expressa por um indivíduo, como pode isso ser justificado em termos éticos? Não corremos o risco de oferecer tratamento indesejado de forma paternalista? O modelo tradicional de oferta de assistência médica baseia-se em dois pressupostos. Um é que o médico / enfermeiro está disponível; o outro é que o potencial paciente não está afetado por qualquer tipo de intoxicação ou perturbação mental. Tanto a experiência prática como a investigação sobre as populações sem-abrigo mostram que nenhuma destes pressupostos se verifica, na maior parte do tempo, no que diz respeito a muitos sem-abrigo. Eles são incapazes de aceder aos serviços adequados por razões práticas ou culturais, ou por estarem tão afetados por doenças físicas, mentais ou intoxicação, que são incapazes de aceder aos serviços aos quais têm direito.

Assim, o trabalho de rua pode ser uma estratégia para:

• Deteção de casos.• Acompanhamento e manutenção dos cuidados (existe material adicional sobre este tópico

disponível no capítulo «Trabalho de rua»).

Na saúde, é uma abordagem que pode ser aplicada à avaliação e ao tratamento de problemas de saúde mental e física.

Há uma variedade de estilos de trabalho de rua, desde abordagens proativas / assertivas até estilos mais graduais, participativos e recetivos. Estes estilos são influenciados por atitudes culturais nacionais, circunstâncias económicas, ideologias específicas de doença mental e situação de sem-abrigo – e as estruturas legais que controlam alguns aspetos do tratamento psiquiátrico.

Em resultado, não existe uma «receita» universalmente aplicável para os aspetos práticos do trabalho de rua. No entanto, existem provavelmente princípios universais que podem ser aplicados à maioria das situações – ver a secção dedicada ao trabalho de rua.

Estruturalmente, o trabalho de rua em saúde pode envolver uma diversidade de profissionais e não profissionais, incluindo:

• Clínicas móveis.• Clínicas dedicadas em estabelecimentos de saúde existentes.• Visitas clínicas em locais para sem-abrigo, como albergues, abrigos ou instalações diurnas.• A criação de consultas em organizações não médicas dirigidas aos sem-abrigo.• Visitas de profissionais de saúde individuais.• Apoio de pares, educadores de pares, a trabalhar 1:1 ou em grupos.

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A intensidade e a frequência de tais intervenções dependerão dos recursos disponíveis e da atitude da equipa – ver a secção sobre admissão hospitalar. Uma abordagem de trabalho de rua assertiva (Coldwell & Bender, 2007) mostrou ser um modelo eficaz de atendimento para pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental.

Rede de contactos

A intensidade e a frequência de tais intervenções dependerão dos recursos disponíveis e da atitude da equipa – ver a secção sobre admissão hospitalar. Uma abordagem de trabalho de rua assertiva (Coldwell & Bender, 2007) mostrou ser um modelo eficaz de atendimento para pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental.

Trabalho em rede

É essencial porque, geralmente, um sem-abrigo enfrentará simultaneamente vários problemas sociais e de saúde num momento único. Se for abordado apenas um problema de saúde, é frequente que outras questões ativas prejudiquem os ganhos obtidos com uma intervenção de saúde eficaz. E, nesta população, a comorbidade deve ser considerada a norma e não a exceção. Isto pode incluir uma série de perturbações físicas, perturbações mentais e problemas com drogas ou álcool, os quais têm de ser considerados, na sua globalidade, para cada sem-abrigo.

Assim, nenhum grupo profissional ou não profissional pode, por si só, prestar cuidados e apoio adequados quando encontra pela primeira vez um sem-abrigo. Mesmo a maioria das equipas multidisciplinares não dispõe de toda a diversidade de recursos necessários, dentro da sua equipa, para abordar a variedade de problemas possíveis. Claramente, nem todas as questões precisam de ser abordadas ao mesmo tempo– devemos orientar a nossa ação em função das prioridades do paciente e do que é prático – ou suportável – para cada paciente específico. Mas o conjunto crítico de competências e recursos pode não estar disponível quando são necessários para o paciente.

Um trabalho em rede ativo pode, de alguma forma, resolver este problema ligando os recursos dispersos de forma a que possam ser ativados / acionados quando necessário. Ao estabelecer uma rede de trabalho ativa, uma pessoa ou uma instituição que trabalha com pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental deve ser capaz de oferecer o serviço mais abrangente possível.

Equipamentos como albergues, abrigos, refeitórios sociais, centros de dia e instalações sanitárias com chuveiros devem ter a capacidade de ser envolvidas em redes de apoio ativas centradas na pessoa, usando acordos formais entre organizações e comunicações informais entre os profissionais.

Em termos de continuidade, o trabalho planeado, o trabalho em rede e a colaboração com outros profissionais e serviços são necessários para construir um plano de serviços abrangente (ou, pelo menos, multifacetado) envolvendo a satisfação de necessidades básicas e um plano exequível para o futuro.

Todos os profissionais e outras pessoas que trabalham com sem-abrigo beneficiariam de formação sobre como criar e manter redes de apoio e colaborações ativas (ver a secção sobre trabalho em rede).

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Comunicação

As comunicações telefónicas ou por e-mail são claramente vitais – mas as reuniões pessoais podem gerar um sentimento de confiança pessoal entre os serviços, o que pode fazer as coisas funcionarem com muito mais facilidade.

Acompanhamento / construção de pontes

Muitos sem-abrigo tiveram más experiências com os sistemas de saúde – tal como muitos outros grupos marginalizados – ou podem estar incapacitados por problemas mentais, analfabetismo ou dependência. Assim, a defesa dos direitos e o apoio emocional através de interações com vários sistemas sociais e de saúde desempenham um papel importante nos serviços para pessoas sem-abrigo. Pode também desempenhar um papel no estabelecimento e reforço de um relacionamento terapêutico, com um trabalhador individual ou com uma equipa.

Serviços de urgência

Os serviços de emergência (como departamentos de Acidentes e Urgência / Serviços de Urgência) são pontos de entrada no sistema de saúde cruciais para os sem-abrigo. No entanto, se um sem-abrigo tentar aceder a um serviço de urgência num hospital, pode ser visto com desconfiança, como se estivesse apenas à procura de uma refeição ou de uma cama (Jeffrey, 1979). Esse preconceito pode levar a equipa hospitalar a ignorar as reais necessidades de saúde daquela pessoa sem-abrigo.

Por outro lado, um sem-abrigo pode chegar à urgência depois de um longo período de envolvimento com os serviços comunitários e equipas de rua, que trabalharam muito para garantir esse atendimento. A equipa que trabalha nos serviços de urgência precisa de saber que estes serviços existem e priorizar a comunicação com eles.

Também precisam de saber da existência da rede de serviços que pode ser ativada e envolvida para ajudar estes utentes – o envolvimento, desde uma fase inicial, de um assistente

Informação

Um bom registo de informações sociais e clínicas é claramente necessário para a atividade clínica sustentada e coerente e para a responsabilização profissional. No entanto, também é vital poder descrever e avaliar o serviço que está a ser fornecido.

As normas profissionais habituais aplicam-se ao trabalho com pessoas sem-abrigo, pelo que todas as atividades e todos os dados sociodemográficos devem ser cuidadosamente registados. Se as interações e intervenções forem restringidas pelo ambiente, isso deve ser documentado. É claro que as situações em que se podem encontrar muitos sem-abrigo não são ideais, e que muitas vezes não se pode fazer tanto quanto seria possível num ambiente clínico.

Deve dar-se atenção à forma como as informações são partilhadas entre diferentes partes do sistema– por exemplo, entre enfermarias do hospital, serviços ambulatórios e serviços comunitários. Mais uma vez, aplicam-se às pessoas em situação de sem-abrigo os mesmos padrões de confidencialidade

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aplicáveis a qualquer outra pessoa.

Pode ser útil ter um sistema de «sinalização» ou «alerta» para assegurar que, quando um sem-abrigo dá entrada no hospital, sejam alertados todos aqueles que disso devem ter conhecimento.

Admissão hospitalar:

A maior parte do trabalho com pessoas sem-abrigo é mais eficaz através do trabalho colaborativo na comunidade. No entanto, a hospitalização pode ser necessária quando um indivíduo:

• Tem necessidades de saúde que não podem ser satisfeitas com tratamento ambulatório / trabalho de rua.

• Perdeu a capacidade de tomar decisões informadas sobre os seus cuidados de saúde e está a negligenciar o seu autocuidado ou a atenção à sua segurança.

• (Raramente) Representa um risco imediato para si ou para os outros.

Em certas circunstâncias, pode ser necessária uma admissão involuntária/compulsiva no hospital.Pode ser útil ter um protocolo-padrão para internamento, acordado entre as enfermarias de internamento, os serviços comunitários e os serviços locais dirigidos a sem-abrigo.

Para ser eficaz, e em caso de alta, o tratamento hospitalar deve ter em conta as condições que o sem-abrigo provavelmente enfrentará caso volte para a rua, de forma a permitir que continue a sua recuperação. A alta do hospital diretamente para as ruas nunca deveria acontecer.

Para conseguir isso, os serviços comunitários e os profissionais de serviços dirigidos a sem-abrigo que estiveram envolvidos com o indivíduo devem tomar a iniciativa de comunicar e partilhar informações com a equipa responsável pelos pacientes internados. Isto pode ser designado «trabalho de ligação” (”inreach”).

Nesse contexto, a alta hospitalar pode acontecer sem o trabalho conjunto com os serviços comunitários, resultando num tratamento inadequado, falta de tratamento ou alta inadequada do hospital. Uma reunião entre o paciente internado e os funcionários da comunidade deve sempre ocorrer antes de um paciente sem-abrigo receber alta do hospital.

Os serviços dirigidos a sem-abrigo precisam de estabelecer relações de trabalho com a equipa responsável pelos pacientes internados enquanto um dos seus utentes estiver no hospital.

• Para otimizar um internamento hospitalar:• Mantenha um «histórico acumulado» do paciente, que permitirá que a equipa da enfermaria

compreenda rapidamente os aspetos principais da situação dos seus utentes.• Use um protocolo de «plano de internamento» para definir sucintamente os motivos do internamento,

o que funcionou e o que não funcionou no passado e qual o resultado que se prevê obter com o internamento.

• Ter reuniões conjuntas regulares entre a equipa responsável pelos sem-abrigo e as equipas tradicionais.

• Mantenha a intensidade do seu registo durante o internamento hospitalar.• Visite os seus utentes na enfermaria no prazo de 24 horas após a admissão. Isso pode ser reconfortante

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para eles, e também pode ajudá-lo a assegurar que a equipa da enfermaria entende o caso.• Encare o internamento não apenas como uma oportunidade de salvaguarda e tratamento, mas

também como uma oportunidade de mudança.• Seja muito claro quanto à capacidade de os seus utentes tomarem decisões importantes, como

permanecer no hospital ou não, ou consentir ou recusar a medicação. A capacidade incorretamente assumida pode ser usada como motivo para dar inadequadamente alta ao paciente, ou não lhe fornecer tratamento.

Serviços ambulatórios

É essencial que o acesso a estes serviços seja fácil. Bons exemplos são os modelos «Grupo Psicoterapêutico Aberto» e «Consulta Aberta» que funcionam regularmente, todas as semanas, sem marcação, no CHPL Lisboa.

Coordenação / trabalho conjunto com os serviços sociais

A colaboração com os serviços sociais é essencial. Mesmo que o sistema esteja sobrecarregado, as pessoas sem-abrigo têm os mesmos direitos de acesso que qualquer outra pessoa. Os serviços sociais precisam, e apreciam, o trabalho colaborativo para ajudar a lidar com os seus casos mais difíceis relacionados com problemas de saúde mental. Por outro lado, os serviços de saúde mental precisam de colaborar com os serviços sociais para criar soluções adequadas após a alta hospitalar.

Coordenação com as autoridades de saúde - tratamento compulsivo

O tratamento compulsivo é sempre (ou deveria ser) um processo complexo e difícil. A colaboração proativa com as autoridades de saúde pode tornar este processo mais eficaz e mais útil para o indivíduo em causa. Uma vez que os serviços de saúde tradicionais compreendem os benefícios e a eficácia do tratamento de pacientes sem-abrigo, é provável que sejam muito mais positivos em relação ao trabalho com os serviços dirigidos às pessoas sem-abrigo.

Investigação, formação e discussão de casos

Estes aspetos precisam de ser integrados na vida normal de qualquer equipa, não devendo ser vistos apenas como eventos ocasionais. Não só permitem que os serviços dirigidos aos sem-abrigo demonstrem o que estão a fazer, mas também são gratificantes e motivadores para os membros da equipa.

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«Difícil de envolver»

Os sem-abrigo podem ser vistos pelos serviços tradicionais como difíceis de envolver, mas isso geralmente tem muito a ver com o acesso a direitos básicos, segurança social e barreiras linguísticas.

Sobreposição de problemas físicos, de saúde mental e de drogas / álcool

Os serviços tradicionais geralmente têm serviços separados e estritamente demarcados para doenças mentais e problemas com álcool / substâncias. Frequentemente, muitos sem-abrigo têm problemas em ambas as áreas, mas isto verifica-se, cada vez mais, também com a população com habitação.

Avaliações de rua

Uma avaliação de rua pode ser claramente insatisfatória em termos de confidencialidade, conforto e tranquilidade e do tempo disponível. No entanto, é absolutamente justificável quando a alternativa é não ter acesso aos serviços.

Existem dificuldades inerentes à realização de uma avaliação de saúde na rua:

• Falta de privacidade.• Falta de controlo do meio ambiente.• Dificuldade em persuadir a pessoa a ficar.• Falta de reconhecimento por outras agências (por exemplo, polícia) das necessidades de saúde

mental do indivíduo.• Dificuldades de comunicação num ambiente barulhento.• Às vezes, puro desconforto físico!

Assim, é particularmente importante que os profissionais de saúde experientes, capazes de avaliar estas situações complexas, realizem estas avaliações de rua.

Avaliações para internamento compulsivo

A avaliação mental para efeitos de internamento compulsivo é um processo difícil e complexo. Os profissionais que trabalham dentro do sistema de saúde, e aqueles que estão fora dele, muitas vezes podem ter perspetivas muito diferentes e contraditórias. Por exemplo, pode haver uma grande preocupação na comunidade sobre a situação de saúde de um sem-abrigo, mas, simultaneamente, essa pessoa pode ser vista na urgência (ou numa enfermaria de internamento) como não tendo problemas de saúde mental. Uma pessoa pode ser incapacitada pelos seus sintomas, e não estar doente de uma forma óbvia. Se o foco de uma avaliação for puramente direcionado para os sintomas, as incapacidades da pessoa podem ser negligenciadas. É, portanto, aconselhável realizar uma avaliação formal da capacidade da pessoa (Pathway, 2016) para tomar decisões importantes relativas à sua situação. Esta capacidade estará, muitas vezes, claramente danificada, mesmo quando os sintomas de doença mental não são revelados ao entrevistador.

Dificuldades

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Comunicação

Um enfoque apenas na saúde ou apenas nas necessidades sociais tende a fomentar a falta de comunicação entre profissionais, serviços oficiais e serviços de caridade / ONG. Se os médicos apenas conversarem com médicos, ou os assistentes sociais apenas com assistentes sociais, haverá mal-entendidos, falta de informações necessárias, duplicação de esforços e maus resultados. O mesmo se aplica ao domínio médico, no que diz respeito aos serviços de internamento e comunitários.

Diferenças culturais

Muitos sem-abrigo são imigrantes ou refugiados oriundos de diferentes partes do mundo. Diferentes expectativas culturais, formas de comportamento e pensamento podem complicar as avaliações, o comportamento, o tratamento e os sintomas da saúde mental.

As admissões múltiplas – ou as chamadas admissões «de porta giratória» não são necessariamente um problema, pois podem fazer parte do processo de construção do relacionamento. O elemento crucial é que as lições devem ser aprendidas em cada admissão hospitalar, para que as pessoas que cuidam e tratam possam aprender e tornar-se mais eficazes.

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Trabalho de rua

O trabalho de rua é fundamental para trabalhar com pessoas que muitas vezes evitam serviços de saúde ou com pessoas cuja experiência com esses serviços é de inacessibilidade e inutilidade. Deve atender às necessidades de saúde física, mental e social.

Acesso aos serviços principais

Ao mesmo tempo, os serviços tradicionais devem aumentar o acesso para as pessoas sem-abrigo. Os serviços de porta aberta, sem marcação ou listas de espera, são boas formas de conseguir isso.

Hospitalização

Deve haver protocolos claros, bem estabelecidos e acordados sobre internamentos compulsivos, que incluam:

• O envio da avaliação e dos relatórios sobre a pessoa antes da admissão.• A negociação ativa de uma cama para ser utilizada, não se limitando a confiar no serviço de urgência.• A equipa responsável pelos sem-abrigo deve manter contacto regular com a equipa do hospital

durante o internamento.• No final de qualquer internamento hospitalar (mental ou médico), devem ser organizadas reuniões

prévias à alta. Estas deverão envolver a equipa do hospital e a equipa responsável pelos sem-abrigo (incluindo um assistente social), para planear o alojamento futuro e organizar um plano de alta / acompanhamento.

• As equipas devem ter formação em matéria dos aspetos culturais da saúde mental, particularmente em relação à forma como os não-europeus podem encarar os problemas de saúde mental e como podem ser tratados.

Trabalhar com os nossos colegas profissionais

Defender os direitos, a boa informação e o marketing acerca dos sem-abrigo são vitais para ajudar outros profissionais a tornar-se menos desconfiados / pessimistas em relação aos sem-abrigo e, por conseguinte, mais propensos a disponibilizar os seus serviços aos sem-abrigo.

Não é necessário reunir com os nossos colegas como se estivéssemos a pedir-lhes favores; sinceramente, vemos isto (de ambos os lados) como uma forma de melhorar a vida de todos e, mais importante, a vida do paciente – um cenário em que todos ganham.

Dito isto, pode ainda existir um estigma, tanto em relação aos sem-abrigo como aos serviços especializados dirigidos a sem-abrigo, que talvez tenha de ser abordado.

Boas práticas

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Formação profissional

Oferecer aos formandos oportunidades de formação em matéria de serviços dirigidos a sem-abrigo, quer sejam médicos, relacionados com dependência, alojamento ou apoio social. A maioria dos estudantes de medicina, enfermagem ou trabalho social considera esses estágios extremamente gratificantes e provavelmente ficarão mais sensíveis às necessidades das pessoas sem-abrigo – e mais competentes para as ajudar.

Apoio à equipa

Nem todas as histórias terminam bem – o esgotamento é sempre uma possibilidade nos serviços dirigidos a sem-abrigo. O bem-estar e a eficiência da equipa não podem ser tidos como garantidos. É necessária uma supervisão planeada e cuidar dos colaboradores, para que as boas práticas sejam mantidas. (Ver a secção sobre cuidar dos colaboradores.)

Prevenção

A prevenção é geralmente descrita de três formas (OMS). O envolvimento dos serviços de saúde na prevenção da situação de sem-abrigo pode ser:

Primária“Melhorar a saúde geral da população”

A maioria dos motivos primários da situação de sem-abrigo encontra-se fora do âmbito dos serviços de saúde ou sociais, embora se possa argumentar que o trabalho desses serviços para melhorar o tratamento e acompanhamento de distúrbios mentais poderia reduzir a situação de sem-abrigo.

Secundário “Melhorar a deteção de distúrbios”

No Reino Unido, a recente Lei de Prevenção de Sem-abrigo (2017) impôs aos serviços sociais e de saúde a obrigação de tomar medidas preventivas no caso de uma pessoa que contacte os seus serviços estar em risco de ficar sem-abrigo. Por alguma razão, tal não se aplica aos serviços ambulatórios ou comunitários, mas certamente incentiva uma abordagem mais assertiva para manter o alojamento de pessoas vulneráveis. Anteriormente, alguns serviços de habitação do município local tinham acordos formais de ligação com os serviços locais de saúde mental, o que permitia um contributo adicional para as pessoas que corressem o risco de perder o seu alojamento.

Terciário“Melhorar o tratamento e a recuperação”

A prestação de serviços especializados de saúde mental para pessoas sem-abrigo pode ser vista como uma forma de reduzir o impacto de problemas de saúde que precipitaram ou continuam a perpetuar a situação de sem-abrigo, levando assim a uma resolução da situação dos sem-abrigo.

Esta é uma área mais controversa – a prevenção terciária pode ser entendida como representando um serviço contínuo para minimizar o impacto de uma condição (a situação de sem-abrigo) no bem-estar de uma pessoa, embora não vise qualquer resolução final do problema. Será que estamos realmente satisfeitos por ver os nossos serviços como uma mera ajuda aos nossos utentes / pacientes na sobrevivência à situação de sem-abrigo, e não como parte de um percurso para escapar a essa situação?

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CasoCaso: Neida (Equipa ESMES Barcelona)

Uma finlandesa de 54 anos que deixou a Finlândia em 2017, após a morte de familiares próximos, e veio sozinha para Barcelona. O seu pai, a sua meia-irmã, o seu filho e a sua filha moravam em Helsínquia, mas ela deixou de os contactar um ano antes de vir para Barcelona.

Disse que tinha sido auxiliar de enfermagem e trabalhado em França e na Suécia, mas não por muito tempo. Afirmou que falava oito idiomas e gostava de viajar, ler e ouvir música.

Problemas de saúde mental:

Esquizofrenia paranoide / transtorno esquizoafetivo com múltiplos internamentos psiquiátricos em vários países da UE nos últimos 15 anos, devido aos seus sintomas psicóticos. Transtorno mental e comportamental devido a álcool, de tipo dependência.

Abuso de substâncias no passado:

Heroína injetável entre os 17 e os 27 anos, com períodos em unidades de desintoxicação e programas com metadona e buprenorfina.

• Abuso passado de cocaína injetável entre os 15 e os 27 anos, uso corrente ocasional.• Consumo de LSD e anfetaminas na juventude.• Atualmente uma fumadora compulsiva

Outros problemas de saúde: Cor pulmonale, asma, diabetes, VHB e VHC positivos. Há alguns anos, teve crises epilépticas em contexto de neoplasia cerebral e um diagnóstico de narcolepsia.

Dezembro. 2017: Foi encaminhada de um abrigo para a nossa equipa, com ideias de automutilação, mas, antes da nossa primeira visita, teve de ser encaminhada para o serviço de urgência devido a uma overdose de opiáceos. Dos cuidados intensivos, recebeu alta novamente para o centro de acolhimento (não foi internada numa enfermaria psiquiátrica).

Do abrigo, foi internada numa enfermaria de medicina respiratória e posteriormente foi novamente enviada para o abrigo, onde continuou a ter o nosso acompanhamento.

Fevereiro de 2018: Do centro de acolhimento, foi encaminhada, sem o nosso conhecimento, para uma unidade psiquiátrica de médio prazo, devido aos planos feitos durante o seu internamento, em virtude da doença pulmonar obstrutiva crónica. Teve novamente alta, sem quaisquer planos relativos a alojamento. Tinha perdido o seu lugar na unidade de permanência média e no centro de acolhimento, pelo que teve de ser organizada a sua entrada num albergue de emergência, com a ajuda de um assistente social, depois de um encaminhamento urgente da nossa equipa.

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Março de 2018: No albergue (apesar de este ser um local inadequado para os seus problemas respiratórios).Abril de 2018: Admitida numa unidade psiquiátrica de permanência média, onde teve uma overdose de heroína, possivelmente com intenção de se matar. Foi internada numa unidade de terapia intensiva e depois numa enfermaria psiquiátrica.

Junho de 2018: Teve alta e foi colocada no mesmo albergue em que tinha estado (nenhum outro local 99quis aceitá-la). A nossa equipa começou então a trabalhar no sentido de a reenviar para a Finlândia, o seu país de origem.

Setembro de 2018: Outro internamento numa enfermaria de medicina respiratória. No momento da alta, conseguimos colocá-la numa unidade de convalescença, onde a sua condição pulmonar poderia estabilizar para a sua viagem de volta a Helsínquia.

Outubro de 2018: Regressa a Helsínquia, uma viagem organizada pela nossa equipa do ESMES.

Este é o exemplo de uma pessoa com problemas de saúde física e mental sérios, que estava disposta a aceitar ajuda, mas cujo apoio foi interrompido várias vezes em virtude da sua situação médica e psiquiátrica. A sua situação exigia uma ação urgente, mas também um plano de longo prazo para a sua recuperação, o que nem sempre foi possível.

O esforço dos colaboradores para assegurar um acompanhamento de longo prazo independente da sua colocação significava que o seu tratamento e o apoio prestado poderiam continuar, apesar das mudanças no seu alojamento.

Por outro lado, foram constantes as dificuldades e ineficiências na coordenação entre diferentes profissionais, apesar de muitos e-mails, telefonemas e reuniões.

Questões:• Que pontos fortes e fatores de risco identifica nesta utente?• Quais foram os momentos críticos no processo?• Que intervenções profissionais gostaria de sublinhar como positivas e como negativas, e quais

considera que faltaram?

Processo: Alan (Equipa START Londres)

Um inglês de 38 anos que viveu vários anos num grande albergue noturno para homens sem-abrigo, no sul de Londres. Foi-lhe alocada uma cama, mas em vez disso preferiu dormir num parapeito largo de janela, num grande dormitório no primeiro andar, utilizando trapos que trazia da rua em vez dos cobertores oferecidos pela equipa do abrigo. Ele tinha um número nacional de segurança social, pelo que era elegível para benefícios. As taxas de albergue foram pagas automaticamente pelo seu seguro, mas nunca reivindicou o direito a outros subsídios.

Nunca falou e evitou o contacto, tanto com a equipa como com os moradores. Quando não dormia

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no parapeito da janela, saia de manhã cedo, regressando de noite, bastante tarde. Usava roupas esfarrapadas, que nunca lavou. Nunca tomava banho, e a pele do rosto e das mãos estava coberta de sujidade entranhada. Nunca comeu no abrigo, e não era claro onde encontrava a sua comida. Com o passar dos anos, a equipa ficou cada vez mais preocupada com o seu isolamento social extremo, a sua aparente autonegligência e a sua perda de peso. Assim, encaminharam-no para a equipa do START, uma equipa de saúde mental de rua para pessoas sem-abrigo.

Numa manhã, cedo, fizemos a nossa primeira abordagem – a sua resposta foi levantar-se e sair do abrigo, sem falar connosco. Percebemos que, sob a sujidade, ele parecia extremamente pálido e que a sua cama estava infestada de piolhos. Tentámos mais três vezes e, de cada vez, ele levantava-se e saía do albergue.

Dada a sua extrema autonegligência e perda de peso, parecia provável que sofresse de algum tipo de perturbação mental, provavelmente uma psicose. Assim, ao abrigo da Lei de Saúde Mental, organizámos-lhe uma avaliação e ele foi internado numa enfermaria psiquiátrica. O exame físico inicial mostrou que estava coberto de picadas de insetos, presumivelmente de piolhos, e que o seu nível de hemoglobina era de 3 g/dl (comparado com o valor normal de 13 a 17 g/dl). Isto significava que ele corria o risco de ficar cego, em virtude de uma anemia extrema. Recebeu uma transfusão de sangue e foi subsequentemente tratado a uma doença psicótica, acabando por conseguir viver num alojamento com apoio.

Pontos a destacar:

• Este homem nunca pediu ajuda – na realidade, evitou-a ativamente.• A sua grave doença mental nunca tinha sido identificada, durante muitos anos.• Embora o seu isolamento social fosse extremo, a sua situação era bem conhecida da equipa da

ONG/setor voluntário que geria o abrigo noturno.• Apesar de não constituir um perigo imediato para si ou para os outros, a sua autonegligência

gerou gradualmente um perigo significativo para a sua saúde física, e a sua infestação criou um problema para outros residentes do albergue.

• Apesar de ter direito a benefícios do seu seguro, o seu estado mental deixava-o incapaz de os utilizar.

• A equipa de trabalho de rua fez várias tentativas para se envolver com ele, antes de organizar a avaliação compulsiva.

• A equipa de saúde mental trabalhou em estreita colaboração com as pessoas que melhor conheciam o Alan – a equipa do abrigo noturno.

• A ação de aproximação a este homem permitiu que ele beneficiasse de um serviço a que não tinha tido acesso nas décadas anteriores.

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Habitação

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A habitação é uma parte vital do conjunto de cuidados para qualquer pessoa em situação de sem-abrigo com necessidades de apoio em matéria de saúde mental. Há dois aspetos a considerar quando se fala de habitação.

• O primeiro, e mais óbvio, é apenas ter um teto sobre a cabeça– com as suas comodidades(temperatura adequada, água corrente, electricidade, mobília e equipamentos adequados). Uma estrutura assim assegura condições para a sobrevivência e o bem-estar físico de uma pessoa.

• O segundo aspeto diz respeito à realidade invisível de uma morada, o bem-estar geral de seu habitante. Em contraste com a ideia de uma «casa», a isto pode chamar-se «lar»», apesar de ser necessário ter uma casa para se ter um lar. «Lar» é uma «casa» com a participação do habitante. «Lar» inclui «casa» e mais. É no «lar» e através da «casa», através do sentimento de «sentir-se em casa», «na sua casa», que uma pessoa percebe a sua necessidade de pertencer, de privacidade e intimidade, de se sentir à vontade e livre. Estas necessidades estão enraizadas na dignidade de cada pessoa humana. É quando uma «casa» é elevada ao estatuto de «lar» que o espaço para segurança externa e interna, dignidade e liberdade é fornecido. Ter uma casa própria é fundamental para uma pessoa sem-abrigo e que também tem necessidades de apoio à saúde mental, tal como o é para todas as pessoas.

É quando se «tem um lar» que estão reunidas as condições essenciais para a pessoa ser capaz de recuperar de uma doença mental. Apesar de não ser uma garantia, o apoio à saúde mental geralmente pode ser mais eficaz quando uma pessoa sente que tem uma casa própria.

Introdução

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Ideias principais A habitação enquanto direito

Muitos países da UE consagraram nas suas constituições o direito ao «abrigo» e o direito a uma «casa própria». Isto, por si só, não é uma garantia de que aqueles que precisam de um lar o vão receber – as interpretações, em alguns países, são bastante limitadas na sua eficácia. No entanto, é necessário que os profissionais pensem em habitação em termos do direito de uma pessoa. Isto muda a forma como vemos o problema e galvaniza a defesa de direitos. A CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA afirma, no artigo 34.º, ponto 4:“A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais.”

A adoção de uma abordagem baseada nos direitos tem as suas implicações:

Efeito imediato. A noção de um direito a habitação desafia barreiras. As pessoas devem ser alojadas o mais rapidamente possível (mesmo que temporariamente). O alojamento deve estar disponível para pessoas que apresentem múltiplas necessidades de apoio, o que significa que o limite para o acesso a habitação deve ser o mais baixo possível. Isto pode envolver regras sobre casais ou sobre a presença de animais de estimação nas instalações ou, ainda mais importante, questões relacionadas com a redução de danos.

Opções. A pessoa que estamos a apoiar deve poder escolher. Isto é certamente verdade para o alojamento de longo prazo. Limitar-se a oferecer uma opção de «pegar ou largar», para além de não respeitar as preferências da pessoa, não irá ajudar a promover o seu bem-estar e, em particular, a sua saúde mental. Mesmo quando as opções são muito limitadas, o utilizador do serviço deve ser ajudado através de um processo em que esteja envolvido, totalmente informado e, tanto quanto possível, detenha a tomada de decisão. À pessoa também deve ser «permitido» mudar à medida que o tempo passa, pois a sua situação também pode mudar.

Exemplo de prática: O SLI Nua Apartments, operado pela Comunidade Midlands Simon, em Athlone, na Irlanda, oferece casas para pessoas que passaram por situação de sem-abrigo e que também precisam de apoio para manter os seus arrendamentos. Antes de aceder ao serviço, os utilizadores vão visitar o apartamento, com tempo para fazer perguntas, e após a visita ao apartamento dispõem de alguns dias para refletirem sobre a adequação às suas necessidades. Mesmo que o utilizador do serviço esteja a viver num albergue e não tenha outras opções realistas de uma casa, esse processo é seguido, e uma das razões porque é seguido é a convicção de que envolver o utilizador do serviço dessa forma terá um efeito positivo no seu bem-estar. Em 2018, o Primeiro-Ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar, e Mairead McGuiness, membro do Parlamento Europeu e primeira Vice-Presidente do Parlamento Europeu, visitaram um novo projeto de alojamento com apoio em Longford Town (financiado pelo Departamento de Habitação, Comunidade e Governo Local e pelo Longford County Council), em que 10 pessoas, com uma diversidade de necessidades de apoio e uma experiência de longo prazo como sem-abrigo, receberam uma casa própria; o aspeto mais importante deste modelo é o facto de as pessoas serem vistas como participantes ativas nos seus próprios cuidados, e não como recetores passivos de um serviço, e a convicção no direito à habitação constitui um importante pilar desta metodologia.

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Apoio.Não há alojamento adequado sem o apoio adequado, adaptado às necessidades da pessoa, especialmente de uma pessoa com problemas de saúde mental. Disto depende o sucesso de qualquer alojamento. O apoio deve ser baseado no plano de cuidados desenvolvido com o utilizador do serviço e operacionalizado enquanto o utilizador precisar. O apoio deve ser gerido caso a caso e incluir disciplinas diferentes relativas ao caso particular, ou seja, saúde mental, dependência, assistência social, outros profissionais de saúde, um responsável de alojamento, um advogado, etc. O apoio deve ser aberto, ou seja, flexível e adaptável às necessidades de mudança do utilizador do serviço, e não limitado no tempo. Ter a coragem de permitir que a pessoa que estamos a apoiar «defina o ritmo» é um enorme desafio. Isto significa que as etapas percorridas da rua para casa e a rapidez do processo são prerrogativas do utilizador do serviço. É um desafio adotar esta posição, especialmente quando o financiamento de serviços depende, frequentemente, do atingimento de determinados objetivos. É difícil enquadrar as metas estabelecidas pelos financiadores com o ritmo a que um utilizador do serviço pretende mudar. No entanto, para o bem-estar e para a recuperação de uma pessoa que não tem abrigo e que tem problemas de saúde mental, é vital que lhe seja dada a confiança para fazer as suas próprias escolhas, ao seu próprio ritmo.

Qualidade do alojamento. AA qualidade das casas disponibilizadas tem de estar em conformidade com os padrões adequados. Os serviços de alojamento psicologicamente informados (serviços que têm em consideração os traumas passados e os problemas psicológicos dos utilizadores) também devem ter em consideração o ambiente físico dos albergues, centros de acolhimentos, centros de dia ou domicílios. O ambiente físico da casa ou do serviço tem de transmitir acolhimento e empatia, em vez de ser funcional, frio, impessoal ou institucional. No mínimo, o alojamento oferecido não deve traumatizar novamente as pessoas que estamos a tentar apoiar. Assim, muitas vezes, quando alguém com necessidades de apoio em matéria de saúde mental se muda para a sua nova casa, deve ter um pacote de boas-vindas, mobília acolhedora e adequada, e tudo deve ser feito para transmitir cordialidade, boas-vindas e segurança.

Prevenção. A prevenção deve ter um papel importante em qualquer estratégia de alojamento, pois é, provavelmente, a forma mais eficiente de assegurar uma casa às pessoas.

Lista de verificação para utilizar uma Abordagem Baseada nos Direitos:

• Os prestadores de serviços assimilaram formalmente o valor de que as pessoas têm direito a uma casa?

• Existe um processo em que as opções de alojamento são exploradas e explicadas ao utilizador do serviço?

• Os profissionais que apoiam os utilizadores de serviços participam em formação sobre práticas anti- opressivas?

• Quando um utilizador do serviço se muda para a sua nova casa, o apoio é continuado?• As casas disponibilizadas às pessoas cumprem os padrões mínimos para aluguer?

Exemplo de prática: O Project Udenfor, em Copenhagaem como principal objectivo dar assistência com base nas necessidades individuais do momento, sem contrapartidas». Isto significa que não exigimos dos nossos utilizadores nenhum comportamento nem resultados específicos.” Preben Brandt (Fundador do Projeto Udenfor) descreve no seu livro Udenfor - Erindringer fra et liv på kanten que esta forma de trabalhar não é apenas uma intervenção respeitosa e influenciada pelos direitos, mas também conduz a mudanças sustentáveis e duradouras.

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• Existe um código de conduta de padrões profissionais ao qual as pessoas que apoiam os utilizadores do serviço são obrigadas a aderir? A casa é acolhedora e emocionalmente calorosa, ou seja, há um pacote de boas-vindas para os novos residentes?

Importância da formação dos colaboradores

A formação das equipas é um fator-chave para oferecer apoio relevante. Uma abordagem baseada nos direitos requer formação em intervenções centradas na pessoa. Para isto, a equipa deve ser capaz de demonstrar um elevado nível de empatia e capacidade de se envolver com cordialidade emocional, bem como ter uma elevada capacidade de escuta ativa. Saber quando aconselhar e dirigir quando necessário, mas sendo sempre capaz de comunicar compreensão, consideração positiva incondicional e cordialidade emocional. Essas competências também exigem uma prática reflexiva e oportunidades para reflectir, sob supervisão, com um supervisor com as competências e qualificações necessárias

Os profissionais que desejem apoiar pessoas sem-abrigo ou em risco de ficar sem-abrigo e que têm problemas de saúde mental devem participar em formação em matéria de práticas anti-opressivas. Esta formação garantiria a consciencialização sobre a forma como algumas das próprias crenças e valores podem impactar negativamente na qualidade do apoio oferecido aos utilizadores do serviço.

Lista de verificação para intervenção centrada na pessoa:

• A equipa que trabalha com utilizadores do serviço recebeu informação/formação sobre o uso de intervenções centradas na pessoa?

• A equipa tem competências básicas de escuta?• A equipa recebeu formação sobre práticas anti-opressivas?• Existe uma prática reflexiva e oportunidades para as equipas refletirem sobre esta metodologia?

A assistência a pessoas com problemas de saúde mental deve ter em conta, especificamente, os possíveis traumas por que tenham passado. É isto que muitas vezes se designa por abordagem do tratamento informado em matéria de trauma. Quando escreveu na revista FEANSTA Homeless in Europe (inverno de 2017), Peter Cockersell explicou de forma esclarecedora o trauma sentido por pessoas que vivem como sem-abrigo. Ele afirma: “Quem tenha trabalhado com pessoas que dormem há muito tempo na rua e com sem-abrigo crónicos sabe que uma grande parte deles teve vidas muito difíceis, que frequentemente começaram com experiências de abuso, negligência, separação parental, morte ou alcoolismo na infância, muitas vezes seguidos por um histórico de dificuldades escolares, talvez problemas com a polícia, com violência, ou drogas, ou álcool, ou problemas de saúde mental (muitas vezes indefinidos), e às vezes com todas estas coisas. Posteriormente, na vida adulta, enfrentam a exclusão social e os perigos e desafios de dormir na rua. Este entendimento entre os que trabalham com sem-abrigo, quanto à clara ligação entre a componente de trauma e a situação de sem-abrigo de longo prazo ou repetida, foi confirmado por uma série de estudos académicos na Grã- Bretanha, na Europa e em todo o mundo”(Maguire et al., 2009; Cockersell, 2011). Cockersell defende que os serviços dirigidos a sem-abrigo não devem patologizar ou psicologizar, mas que as pessoas que trabalham em serviços dirigidos a sem-abrigo e que apoiam pessoas com experiência de situação de sem-abrigo devem estar solidamente sensibilizadas para o impacto do trauma e obter mais informação sobre como apoiar as vítimas.

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Lista de verificação para o serviço de alojamento que opera a partir de um Modelo de Tratamento Informado em matéria de Trauma

• As equipas têm formação sobre o modelo?• As casas e os centros de acolhimento têm padrões de locação psicologicamente informados?• Os jardins de ambientes externos e as áreas comuns são mantidos de forma adequada? A

formação dirigida às equipas deve abordar:• os processos de mudança,• o impacto do trauma,• formas de motivar,• envolver e apoiar as pessoas;

Há ainda a necessidade das equipas terem sessões formais de reflexão centrada na prática, regulares (pelo menos, mensais).

Triângulo domiciliário

Existe um lado «duro» e um lado «suave» no apoio oferecido a uma pessoa. Ambos são indispensáveis, complementares e estão interligados. Existe um aspeto impessoal, objetivo e inflexível da assistência, bem como um pessoal, subjetivo, que se ajusta às circunstâncias individuais. Ambos são muito visíveis no âmbito do alojamento, e é muito importante que sejam tidos em conta quando lidamos com uma pessoa com necessidades de apoio em matéria de saúde mental. A assistência «dura» seria constituída pela arquitetura efetiva, por indicações médicas, receitas médicas, prazos, assistência social no seu aspeto oficial e documental. A assistência «suave» englobaria o espaço e as possibilidades de personalização dentro do contexto inflexível - o aspeto humano da interação entre o utilizador e o assistente social, o médico, o psiquiatra, o psicólogo, etc. Esta dimensão humana possibilita trocas significativas com o utilizador, alimenta o relacionamento mútuo, estimula o utilizador a entrar em contacto consigo mesmo, a tomar efetivamente as suas próprias decisões. A assistência «suave» induz a participação por parte do utilizador. A participação é um fator indispensável para tornar uma casa num lar. É através da participação que se começa a considerar seu o lugar onde se vive. É a apropriação do local que transforma uma casa num lar. Podemos imaginá-lo sob a forma de um «triângulo domiciliário».

Apoio Participação

Casa

A participação por parte do utilizador é, em grande medida, a função de apoio que lhe é atribuída pelos profissionais de prestação de cuidados.

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Alojamento e continuidade do tratamento

Vamos seguir as manifestações do mundo real da habitação para pessoas sem-abrigo. Apesar de a descrição progredir do simples para o mais complicado, não deve ser entendida como uma cronologia preferencial para casos individuais. Na verdade, o pressuposto básico de programas Casas Primeiro, por exemplo, é ignorar a linha do tempo. A assistência não deve ser fornecida de maneira burocrática, mas antes ser uma resposta relevante às necessidades e capacidades atuais de uma pessoa. É tarefa do técnico fazer o melhor uso dos recursos disponíveis para o benefício da pessoa em concreto

Pré-alojamento. Existem situações “de rua” em que a noção de «lar» pode ser transmitida. O facto de estas situações ainda não equivalerem a alojamento não significa que estas manifestações não sejam úteis ou significativas no processo de alojar uma pessoa. A primeira emanação de um lar pode assumir a forma de um trabalhador de rua a oferecer uma chávena de café. Uma chávena de café quente, enquanto modesto sinal de segurança e proximidade humana, invoca a segurança e a proximidade humana que constitui um lar.

Existem refeitórios sociais e centros de atendimento. Não sendo ainda uma habitação, são já espaços mais amplos que transmitem a ideia de «lar». Estão associados ao sorriso de alguém a servir comida, à qualidade própria da comida, à oportunidade de ter as roupas lavadas, de uma forma que lembra o lar (o cheiro), ao convite para uma refeição festiva no Natal, com a sua aura acolhedora, com a possibilidade de passar um tempo num canto «próprio». Estas sugestões discretas, informais e flexíveis de casa, cordialidade e boas-vindas são especialmente úteis no contacto com pessoas com problemas de saúde mental.

Alojamento de emergência. O alojamento de emergência essencialmente assegura a sobrevivência. Isto é especialmente verdade para o abrigo noturno que oferece teto durante a noite, com a obrigação de sair durante o dia. Um abrigo noturno pode, no entanto, desempenhar também o importante papel de ligar uma pessoa que vive na rua com formas mais sofisticadas de assistência, incluindo alojamento. Isto depende da variedade de serviços disponíveis na instituição (por exemplo, psiquiatra, psicólogo, assistente social), do envolvimento das equipas e dos canais de encaminhamento em funcionamento.

O alberque diurno e noturno é a primeira representação de alojamento potencialmente capaz de conter doses significativas de um elemento doméstico para os utilizadores. O albergue é muitas vezes visto como uma forma inadequada e obsoleta de lidar com a situação de sem-abrigo. Apesar de a crítica poder ser justificada com base numa prática típica, o que é realmente questionável sobre o albergue tem mais a ver com a forma como é gerido do que com a própria instituição. É certo que nenhuma forma de alojamento de emergência deve ser crónica. Mas o albergue pode desempenhar um papel importante na garantia da sobrevivência e estabilização física e psicológica de uma pessoa e tornar possível que os profissionais e o próprio utilizador avaliem o seu real estado e as opções adicionais. Idealmente, a permanência deve ser curta, mas na vida real, devido à escassez de outras possibilidades, e também às atitudes do utilizador, o adiamento da saída pode ser substancial. Deve ser mencionado que algumas pessoas parecem sair-se muito bem num abrigo. O dia estruturado, tratar de tarefas, elementos de disciplina, múltiplas interações com outras pessoas – todas as coisas que caracterizam um alberque podem existir

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em menor quantidade em alojamentos individualizados. O albergue oferece proteção contra a solidão, a pressão dos problemas quotidianos, o ambiente hostil ou prejudicial.

Há uma tendência correta para avançar em direção a padrões de vida cada vez melhores num albergue. Idealmente:

• Cada pessoa deve ter acesso a um quarto, sem ter de o partilhar;• Os lavabos e casas de banho devem ser partilhados na proporção máxima de 2:1;• Os utilizadores devem ser consultados sobre as refeições fornecidas e as suas necessidades

alimentares;• Os utilizadores devem ter permissão para aceder aos seus quartos 24 horas por dia, sete dias por

semana.

No entanto, os padrões mais elevados não devem privar os utilizadores do incentivo de viver vidas mais independentes, o que é um risco, especialmente na situação em que as opções de alojamento mais independentes e de longo prazo não são suficientes.

Alojamento de longo prazo. Em termos simples, a escolha entre as condições de alojamento com pouca privacidade e as condições de alojamento sem companhia pode ser resolvida através de formas flexíveis de alojamento apoiado. É neste ponto que o triângulo inicial pode ser aplicado de forma total e criativa para se adequar às capacidades e necessidades de um sem-abrigo com problemas de saúde mental.

Podemos ter muitas soluções baseadas num conjunto com três vertentes:

Um bloco centralizado de apartamentos para indivíduos ou casais com quartos privados, que permitam a privacidade, e espaços comuns de socialização, onde os prestadores de cuidados estejam presentes diariamente;• Grandes apartamentos individuais, normalmente dispersos dentro de uma cidade ou vila, onde cada

pessoa vive num quarto individual, com espaços sanitários comuns, cozinha e espaços sociais; estes apartamentos podem ter tamanhos diferentes e são caracterizados por uma comunidade de vida quase familiar entre os utilizadores;

• Apartamentos individuais para indivíduos ou casais.

O apoio também pode assumir três vertentes:

• Diariamente, apoio pontual dos prestadores de cuidados (mais adequado para o bloco de apartamentos, conforme descrito acima);

• Apoio de vários cuidadores relevantes (mais adequados para as «comunidades de vida»);• Apoio individualizado na gestão do processo, com o respetivo responsável e a utilização dos serviços

habitualmente disponíveis.

Claro que existem todos os tipos de combinações possíveis no que respeita à estrutura de alojamento e à estrutura de apoio. Geralmente, tanto as estruturas de alojamento como as estruturas de apoio variam entre o máximo e o mínimo apoio e controlo. O facto de a pessoa chegar ao alojamento através de um processo gradual ou de o conseguir imediatamente, sem fases prévias, é de importância secundária – depende apenas das necessidades e capacidades individuais, bem como das possibilidades e dos constrangimentos objetivos.

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Exemplo de prática: Sophia, na Irlanda, dispõe de um serviço centralizado em Dublim, onde disponibiliza casas a 18 casais que tinham uma longa história de vida como sem-abrigo. Estes casais normalmente não teriam permissão para aceder aos serviços dirigidos a sem-abrigo enquanto casais e teriam sido enviados para morar em serviços diferentes. Muitos dos casais têm dependências significativas e contínuas, e necessidades de apoio em matéria de saúde mental. É disponibilizada aos casais uma casa própria, sem condições prévias, com pessoal de apoio 24 horas no local. Até ao momento, das 36 pessoas que se mudaram para viver lá em 2015, 32 conseguiram manter as suas casas com sucesso.

Casas Primeiro. O programa Casas Primeiro é uma intervenção que propõe que as pessoas que vivem em situação de sem-abrigo devem ser apoiadas para aceder a uma casa própria o mais rapidamente possível e sem as pré-condições de terem de estar sóbrias ou em tratamento. O programa Casas Primeiro é uma alteração de paradigma segundo o qual, em vez de seguir um modelo linear, onde as pessoas progridem da rua para um albergue, para alojamentos de transição e, eventualmente, para uma casa própria, são apoiadas o mais rapidamente possível no sentido de terem uma casa própria. Em suma, as pessoas que são apoiadas por um serviço de Casas Primeiro não precisam de provar que estão prontas para o alojamento; em vez disso, a sua necessidade de alojamento é o que antecede a oferta de uma casa. O programa Casas Primeiro é especialmente relevante para pessoas com problemas de saúde mental. Naturalmente, “Casas Primeiro não é apenas casa”, como salienta o Dr. Sam Tsemberis, especialista internacional líder no programa Casas Primeiro. No seu importante trabalho Housing First: The Pathways Model to End Homelessness for People with Mental Illness and Addiction (Casas Primeiro: O Modelo de Percursos para Acabar com a Situação de Sem-Abrigo das Pessoas com Doenças Mentais e Dependências), o Dr. Tsemberis descreve detalhadamente as metodologias e intervenções necessárias para apoiar as pessoas com necessidades de apoio em matéria de saúde mental para que saiam com sucesso da condição de sem-abrigo. Existe um corpo substancial de pesquisas internacionais que apoiam o modelo como levando a resultados positivos e sustentáveis em matéria de alojamento e saúde para pessoas com problemas mentais e experiência de situação de sem-abrigo. Embora este manual não permita um tratado completo sobre o Modelo Casas Primeiro, a ética e os valores dos serviços podem ser resumidos como:

• A habitação enquanto direito básico• Respeito, Cordialidade e Compaixão• Apoiar durante o tempo que for necessário• Localização dispersa do alojamento• Serviços de locação e, subsequentemente, sublocação ao utilizador do serviço• Orientação para a recuperação • Redução de danos• A arte da visita domiciliária

A experiência dos profissionais que implementam este modelo mostra que o modelo Casas Primeiro se distingue enquanto intervenção quando há um investimento em todas as intervenções multidisciplinares necessárias, como um psiquiatra, psicólogo, enfermeiro de saúde mental, responsável de alojamento, assistentes de apoio, especialista em dependência, pares especialistas.

Algumas questões de importância

Visita domiciliária. Uma visita domiciliária é uma das principais intervenções num alojamento

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apoiado segundo o modelo de Casas Primeiro. É quando a pessoa que presta apoio se encontra com o utilizador do serviço na sua própria casa. Embora seja um ambiente casual, é focado e é uma das principais intervenções terapêuticas do modelo Casas Primeiro, bem de como qualquer alojamento apoiado.Os pontos seguintes são críticos para uma visita domiciliária bem-sucedida:

• Visita agendada com antecedência, e não de forma inesperada;• O técnico de apoio tem de chegar preparado e deve ter lido as anotações clínicas antes da

visita;• Deve ser tranquila e não apressada;• É necessário que haja um tom emocional, cordial e autêntico, comunicado de forma verbal e

não verbal.• A visita domiciliária permite que o técnico de apoio monitorize o bem-estar do utilizador.

Muitas vezes, o técnico de apoio tem de registar as suas observações e não abordar todas as observações com o utilizador do serviço.

• A visita domiciliária permite que o técnico de apoio monitorize todas as reparações e manutenções que tenham de ser efetuadas para que o utilizador do serviço continue a ter um lar confortável.

Para concluir esta secção, um resumo da visita domiciliária, pelo Dr. Sam Tsemberis: “A visita domiciliária, tanto na forma como no conteúdo, fornece uma riqueza de informações sobre o utente, as suas condições de vida, as equipas e as condições da relação de tratamento. É um microcosmo de todo o programa. A maior parte do trabalho do programa acontece durante a visita domiciliária, as equipas continuam a visitar o seu utente, e levam-lhes carinho e perguntas “Como está?”, “Como posso ajudá-lo?”… para reforçar a confiança, os membros da equipa devem transmitir aceitação e preocupação - sem julgar (Tsemberis S., 2010 P86 / 88).

Alta do hospital, saída da prisão ou de outras instituições. Este manual de boas práticas propõe o desenvolvimento de protocolos claros entre a instituição de alta e os serviços dirigidos a sem-abrigo, com vista a planear a alta e a consequente admissão nos serviços dirigidos a sem-abrigo, de forma a impedir a saída direta para a rua.

Mulheres e homens em serviços de alojamento. Há vantagens na coabitação de utilizadores de ambos os sexos, assim como há diversos níveis de défices e competências nos equipamentos para sem-abrigo, particularmente em albergues. Eles complementam-se e ajudam-se uns aos outros. A aceitação mútua elimina a estigmatização. Mas também deve existir entre as equipas um elevado nível de consciencialização das necessidades e vulnerabilidades de ambos os grupos. A vulnerabilidade das mulheres, especialmente dentro de equipamentos de emergência, e a sua experiência de violência com base no género, significa que tem de ser desenvolvido um trabalho essencial com vista a garantir que as mulheres se sintam seguras e protegidas.

Construir pontes entre os utilizadores. É importante que as dificuldades de alguns utilizadores mais problemáticos sejam apresentadas aos coabitantes do equipamento habitacional (seja um albergue ou comunidade de vida) a partir de uma base que valoriza a compreensão mútua, no sentido de facilitar relações construtivas.

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Aumento dos preços das casas: Os preços das casas aumentaram 4,3%, tanto na área do euro como na UE, no terceiro trimestre de 2018, em comparação com o mesmo período do ano anterior (Fonte: Eurostat). Este facto tem um impacto na habitação a preços acessíveis para as pessoas que vivem em situação de sem-abrigo.

A falta de casas acessíveis para alugar: Uma tendência na UE é a falta de habitação a preços acessíveis e a tendência dos governos locais para deixarem de ser atores ativos na construção de habitação social.

Além da escassez de espaços habitacionais disponíveis, algumas dificuldades típicas são os longos procedimentos burocráticos necessários e a falta de variedade de espaços disponíveis face à multiplicidade de necessidades dos futuros utilizadores. Muito provavelmente, existirão outros grupos desfavorecidos e os seus representantes a competir pelo que está disponível. É difícil realizar um trabalho centrado na pessoa quando há poucas opções para lhe oferecer.

Os processos habitacionais impõem constrangimentos de tempo. Por um lado, pode ser necessária uma longa espera; por outro, algumas coisas, em particular as relacionadas com documentos e transações legais, têm de ser concluídas atempadamente. Isto pode ser especialmente difícil para algumas das pessoas em quem nos concentramos neste manual.

Existe uma tendência para considerar o caso de uma pessoa alojada como «encerrado», ou seja, que o objectivo final foi alcançado, quando «uma pessoa sem-abrigo que já não vive na rua». Mesmo que estejamos conscientes da persistente necessidade de apoio de uma pessoa, alguns serviços podem tornar-se menos disponíveis. É um ponto de viragem delicado na situação da pessoa quando, de repente, se espera que faça muito mais por si mesma do que antes. Este momento requer atenção especial do técnico de apoio.

A possibilidade de estigmatização e rejeição por parte dos vizinhos também é um problema a ter em consideração.

Dificuldades

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Boas práticas Este manual de boas práticas propõe que o modelo ideal seja baseado no direito de um utilizador do serviço escolher se pretende uma casa para si, conforme definido pelos principais valores do modelo Casas Primeiro.

O objetivo final do alojamento é alcançar o triângulo domiciliário – colocar uma pessoa num espaço adequado – uma casa – e induzir um grau de participação que tornará este espaço no seu lar. Parece simples; na realidade, é um processo em aberto no qual o técnico de apoio não é o único a tomar decisões. Pelo contrário, o técnico de apoio é um dos atores, importante, mas que tem de ter em conta as decisões de outras pessoas (nomeadamente o utilizador, talvez outras pessoas próximas, vizinhos, outros serviços, a realidade arquitetónica, etc.). É por isso que o papel do cuidador se descreve melhor através de duas noções: equilíbrio e flexibilidade.

Primeiro, a pessoa tem de encontrar um equilíbrio entre o utilizador e a arquitetura, enquanto a arquitetura, até certo ponto, sugere o estilo de vida. Conforme descrito neste capítulo, podemos ter um bloco de apartamentos; podemos ter uma comunidade de vida dentro de apartamentos maiores, e podemos ter apartamentos individuais. Temos utilizadores potenciais com todas as características, pontos fortes e fracos, particularidades, défices, idiossincrasias. As nossas opções de alojamento efetivas são quase sempre limitadas. Mas temos de encontrar um equilíbrio! Utilize a arquitetura disponível para o maior benefício da(s) pessoa(s) que está à sua frente. Disponibilize o seu próprio apoio e/ou obtenha de outros serviços o apoio necessário. Nenhum ato de equilíbrio é fácil, o único conforto é que podemos lutar pelo ideal e alcançar apenas o possível. Uma sugestão em matéria de alojamento, sempre que as interações entre os habitantes desempenham um grande papel – especialmente nas comunidades de vida – é reunir pessoas com características diferentes. Os pontos fortes de uma pessoa ajustam-se bem aos pontos fracos de outra pessoa. As pessoas que se entendem bem tendem a cuidar mutuamente umas das outras, de muitas pequenas formas, o que é um apoio adicional significativo, para além do profissional. Tal apoio mútuo entre pares, todos os dias, é, a propósito, um ingrediente importante num lar – uma espécie de família, uma empresa –, uma necessidade comum entre os seres humanos.

Alcançar o equilíbrio noutras formas de alojamento (individual, bloco de apartamentos, etc.) não é mais fácil. Em todos os lugares se aplicam os mesmos princípios sensatos e bem conhecidos de:

Prevenção. Mais vale prevenir do que remediar. Um bom exemplo para alojamento é negociar e planear as altas de hospitais e a saída de outras instituições para que haja uma habitação pronta – mesmo que de curto prazo – para a pessoa, quando chegar o momento.

Oferecer ajuda. No alojamento isto assume principalmente a forma da visita domiciliária, mas a questão não é a forma, e sim o conteúdo. Que nível de ajuda pode ocorrer na visita domiciliária? Que nível de contacto e diálogo real?

Trabalho em rede. É bom ter parceiros quando nos empenhamos em atingir objetivos. Todos os tipos de serviços são elegíveis como parceiros de alojamento (serviços de saúde, assistência social, centro ocupacional, empregador, polícia), mas os parceiros especialmente desejáveis são os vizinhos da pessoa alojada. Uma aliança com vizinhos impede a estigmatização e a rejeição. Requer, no entanto, o contacto com os vizinhos.

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A focalização na pessoa é o núcleo da assistência significativa, tanto no alojamento como noutras situações. Em termos práticos, isto significa que entre todos os prestadores de serviços há, pelo menos, um para o utilizador do alojamento para quem ele/ela está no centro enquanto pessoa completa, um sujeito e não um objeto de assistência. A concretização formal da assistência centrada na pessoa é a gestão de casos – uma forma muito apropriada de serviço de alojamento, especialmente quando se trata de apartamentos individuais, e em particular do modelo Casas Primeiro.

Sendo muitas vezes confrontados, no domínio do alojamento, com várias restrições e escassez de soluções disponíveis, é-nos exigido que não acrescentemos a inflexibilidade do nosso pensamento à inflexibilidade da realidade que nos rodeia. Em geral, todas as boas práticas são expressões de perceção ágil, reflexão aturada e muitas vezes não ortodoxa, decisões corajosas e ações que tiram o melhor partido das circunstâncias encontradas.

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Exemplo de boa prática:

Apartamento Zero - Fundação Arrels - Barcelona

Habitação temporária com baixo nível de exigências para os sem-abrigo

O Apartamento Zero é um alojamento temporário com baixo nível de exigências para pessoas cronicamente sem-abrigo, em Barcelona. O projeto visa fornecer um percurso alternativo para garantir o acesso ao alojamento; tem capacidade para dez pessoas por noite. É um serviço deliberadamente pequeno, para respeitar a privacidade e construir relações de confiança com a Equipa da Arrels.

Um apartamento convencional foi reformado e transformado num «apartamento de rua», destinado a pessoas que rejeitaram outras opções de abrigo, os 20% de pessoas que não se adaptam ao modelo Casas Primeiro ou que não conseguem adaptar-se a algumas das regras que ele impõe, em relação ao comportamento e à vida comunitária. O apartamento foi desenhado como um ponto intermédio entre a rua e a casa. Os utilizadores do serviço podem aceder ao apartamento com cães, bebidas e os sacos e embalagens que normalmente transportam consigo.

Uma inovação que vale a pena destacar como um benefício da organização é que o apartamento se torna um espaço reversível que funciona como habitação coletiva à noite e que, durante o dia, é utilizado para dar formação a voluntários e patrocinadores da Fundação Arrels.O espaço foi adaptado para atender às necessidades daqueles que a fundação apoia; o objetivo não consiste em mudar uma pessoa para que ela se encaixe num modelo, mas antes adaptá-lo à pessoa. Alinhando-o com elementos-chave das melhores práticas, criando um serviço centrado na pessoa, que traz dignidade e segurança aos utilizadores do serviço.Links Apartamento Zero:

https://www.arrelsfundacio.org/piszero/ https://youtu.be/favwHgzwZjY https://youtu.be/_OtmYhwVdp0

Caso

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Caso Jack: Equipa START Londres

Jack era um homem de 34 anos de Newcastle, uma cidade no nordeste da Inglaterra, que desenvolveu uma grave doença psicótica nos últimos anos da sua adolescência. Viveu em Londres, nas ruas e em grandes albergues, ao longo de dez anos, antes de conhecer a nossa equipa. Mudou-se para um apartamento num dos nossos projetos de primeiro nível, melhorou muito com uma pequena dose de medicação antipsicótica e apoio, e depois mudou-se para um apartamento de apoio de longo prazo a poucos quilómetros, em Bermondsey, uma área tradicional da classe trabalhadora no sul de Londres. Parecia estar bem instalado no seu apartamento, que era um dos 12 agrupados em torno de um pátio, com uma equipa de funcionários no local, 12 horas por dia.

No entanto, um dia, quando estava a conversar com o seu técnico de referência, disse que estava a pensar voltar para Newcastle – na verdade, tinha pensado em apanhar o comboio na semana seguinte. Não tinha feito quaisquer preparativos, mas tinha a certeza de que as coisas “ficariam bem” quando voltasse para Newcastle, que ele claramente via como a sua cidade natal. Depois de alguma conversa, o seu técnico de referência persuadiu-o a não voltar sem qualquer tipo de preparação, mas começou a ajudá-lo a fazer os preparativos. Nas semanas seguintes, ele conseguiu entrar em contacto com o Departamento de Habitação de Newcastle, encontraram um apartamento para ele, arranjaram-lhe um subsídio e a equipa de saúde mental da comunidade local concordou em aceitá-lo.

Antes de tomar a decisão final, ele e a equipa concordaram que seria bom ir até ao apartamento proposto e conhecer a equipa de saúde mental de Newcastle. Assim, Jack, o seu técnico de referência e o psiquiatra foram até Newcastle. Estava tudo preparado; ele estava ansioso pela mudança.

Saímos do comboio e apanhámos um táxi para o apartamento que lhe tinha sido alocado. Estava em bom estado, mas absolutamente vazio. Jack também não parecia reconhecer a geografia da cidade. Depois fomos ter com a equipa de saúde mental, apresentámo-nos e tivemos uma reunião muito positiva. Depois do almoço no centro da cidade, apanhámos o comboio de volta a Londres. Eu tinha- me apercebido de que Jack tinha ficado bastante calado durante as várias horas que passámos na cidade e, depois de mais ou menos uma hora, o seu técnico de referência perguntou-lhe se havia algo errado. Ele respondeu: “Eu acho que não quero voltar para Newcastle”. Ele não se sentia confortável ali, porque tinha mudado muito desde que ele tinha partido. Além disso, apesar de ter tentado contactar a sua família, eles não estavam interessados em ter contacto com ele. Assim, ele não reconhecia o local do seu passado, e já não tinha relacionamentos ou contactos sociais. A visita mostrou-lhe a realidade da situação.

Assim, ele ficou no apartamento em Londres, onde podia permanecer indefinidamente. Para mim, foi muito útil ir com ele. Tinha sido investido muito tempo e energia na sua mudança, pelo que teria sido fácil para a minha equipa ter ficado irritada, ou pelo menos desapontada, pelo facto de todo aquele trabalho não ter resultado numa mudança. Mas, estando lá com ele, a sua sensação de decepção e desconforto eram muito óbvios. Claramente, aquela situação não teria resultado para ele. E assim a relação entre Jack e a equipa continuou numa base positiva.

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Caso Sr. D (equipa: Enfermeiros de rua- Bruxelas)

Conhecemos o Sr. D em Junho de 2010.

Naquela altura ele tinha 45 anos, era um sem-abrigo, vivia na rua. Estava quase sempre sob a influência de álcool e por vezes era agressivo. Demorou algum tempo para conseguir a confiança dele e conseguir que usufruísse de alguns direitos (rendimento, assistência médica,…).

Ainda assim, era muito difícil imaginar qualquer solução em termos de alojamento, já que, na maioria das vezes, ele não era aceite nos abrigos de emergência ou nos alojamentos temporários, e o projeto Casas Primeiro ainda não existia em Bruxelas, naquela altura.

Em 2015, conseguimos propor-lhe um lugar no nosso primeiro programa de alojamento, e ele ficou muito feliz quando entrou no seu primeiro apartamento, ao fim de quase uma década. Nos primeiros meses estava tudo bem; ele deixou de beber e estava a investir com entusiasmo na sua nova vida.

Mas depois começou a beber novamente, e os dois anos seguintes foram um pesadelo, tanto para ele como para nós. Ficámos muito preocupados porque o encontrávamos frequentemente embriagado em casa, quase em coma, sem qualquer vigilância. Várias vezes ele tentou deixar de beber, sozinho ou com o apoio de um programa de desintoxicação numa instituição. Os únicos pontos positivos nestes dois anos foram que a sua confiança e a relação com a nossa equipa nunca foram afetadas (pelo contrário, melhoraram); ele realmente queria continuar num apartamento, estava muito motivado; e, finalmente, ele ter escolhido, por sua iniciativa, mudar para outro apartamento, mais pequeno (do qual ele gostava mais, o outro era muito grande) e mais barato: ele estava de novo efetivamente pronto para fazer as suas escolhas.

Finalmente, depois de mais uma hospitalização, disse-nos que tinha percebido que não era bom para ele viver sozinho. Assim, propusemos-lhe uma casa de repouso, para a qual ele era demasiado jovem, mas onde foi aceite e que ele aceitou! Há dois anos que lá está, não bebe álcool e está feliz. Ele continua a progredir, porque agora está a pensar em encontrar outro projeto de alojamento coletivo onde possa estar com pessoas da sua idade.

Questões:

• Que pontos fortes e fatores de risco identifica na intervenção descrita?• Quais poderiam ser os momentos críticos no processo?• A partir da sua experiência, consegue imaginar uma intervenção diferente? Se sim, pode descrevê-

la?

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Recuperação

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As pessoas em situação de sem-abrigo de longo prazo muitas vezes passaram por um longo processo de exclusão social e multiplicidade de traumas (Cockersell, 2018).

A investigação demonstra, de forma consistente, que na infância e adolescência os sem-abrigo apresentam frequentemente indicadores de lares disfuncionais, como histórias de abuso físico e/ou sexual na infância, pais com abuso de substâncias ou doença mental, fuga de casa, lares de acolhimento e institucionalização. Na idade adulta, os sem-abrigo são frequentemente afetados pela perda de empregos, crises económicas, saúde física e mental precária, abuso de substâncias, exposição à violência física ou sexual e falta de rede de relações sociais para os apoiar ou proteger. (Munoz, Vásquez e Panadero em Levinson e Ross, 2007).

Isto significa que trabalhar com os sem-abrigo não é apenas uma questão de fornecer respostas para a falta de alojamento, tratamento ou trabalho. É também uma questão de abordar o processo de exclusão social e ajudar a recuperar um sentimento de eu estável, de lar, um local onde a pessoa se sente bem-vinda e a que pertence, um sentimento de ligação a relacionamentos estáveis e a uma rede de relações sociais, assim como um sentimento de valor pessoal, onde se sente ter algo valioso para partilhar com os outros e se sente reconhecido por isso.

Esta dimensão é tão essencial que se torna indescritível e difícil de traduzir numa palavra. «Participação»,«Recapacitação», «Reconexão», «Capacitação», «Reabilitação», «Recuperação», «Emprego» são algumas das palavras que podem surgir quando pensamos sobre isto.

«Recuperação» (“Recovery”) tem a vantagem de se relacionar com a literatura atual sobre o assunto mas, simultaneamente, não é totalmente adequada. Por um lado, evoca «doença» – uma pessoa recupera de uma doença, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, requer uma mudança de um modelo médico para um modelo social de compreensão que se concentre no bem-estar, nas forças e oportunidades, e não em défices e fraquezas.

Por outro lado, evoca a ideia de «regresso» ao estado que precedia aquele em que a pessoa está em recuperação. Mas também é importante perceber que a pessoa pode não ter vivido num estado prévio de dita “normalidade” social e económica, o que significa que não é muitas vezes uma questão de regresso, mas de tentar construir a partir do zero o que não existia antes.

Segundo Repper & Perkins (2006), a recuperação é um processo personalizado, que está ligado ao crescimento da esperança no futuro, à descoberta de um novo sentido na vida, capacitação, desenvolvimento de competências e estratégias pessoais, uma base económica e social segura, relações de apoio e integração social.

Assim, a recuperação não é algo que os profissionais fazem, mas sim uma jornada pessoal que tem de ser entendida do ponto de vista do utilizador. O papel dos profissionais pode ser mais bem entendido como um papel de apoio, de tentar proporcionar o ambiente e as oportunidades que a pessoa pode utilizar no seu percurso de recuperação, em vez de dificultar essa jornada com a imposição de soluções e planos desenvolvidos por profissionais que julgam saber o que é melhor. Tal requer a capacidades de ouvir, respeitar o direito de escolher e trabalhar colaborativamente com os utilizadores.

Introdução

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Ideias principais • Recuperação não é tratamento: Recuperação e tratamento são duas coisas diferentes. A

recuperação equivale a conquistar autogestão. De acordo com esta abordagem, uma pessoa assume riscos. Por exemplo, escolhe voltar ao trabalho; simultaneamente, conta com um forte apoio da sua família (quando existe) e dos profissionais (Chamberlin, 2005). Os utilizadores devem gerir a sua própria recuperação – trata-se de RECUPERAR POR SI PRÓPRIOS com apoio.

• A recuperação é um processo, não um estado: É um processo de mudança, através do qual os indivíduos melhoram o seu bem-estar, a sua qualidade de vida e se conduzem a mais graus de autonomia, preferencialmente com a capacidade de se sustentarem e de não dependerem de outras pessoas. Isto significa ser tratado como uma pessoa e não como um paciente.

• É uma jornada pessoal, e cada um recupera ao seu próprio ritmo. Assim, este processo deve ser apoiado – mas não gerido – por um profissional.

A primeira razão para isto está relacionada com o facto de as necessidades de uma pessoa e a opinião que um profissional tem a esse respeito poderem variar muito (Lasalvia et al., 2005; Thornicroft

& Slade, 2002). Além disso, as necessidades que foram avaliadas pelos próprios utilizadores do serviço são indicadores muito melhores para a avaliação da qualidade de vida, em comparação com as relatadas pelos profissionais (Slade, Leese, Cahill, Thornicroft, & Knipers, 2005).

A segunda razão está relacionada com o direito do indivíduo de tomar as suas próprias decisões, mesmo que se prove ter sido a escolha errada ou que as suas decisões foram prejudiciais e arriscadas. O direito de assumir riscos pessoais e recuperar o controlo da própria vida, através do livre arbítrio, enquadra-se no contexto mais amplo do conceito de recuperação e deve ser assegurado, mesmo que haja discordância ou preocupação substancial quanto aos resultados dessa escolha (Slade, 2009).

Além disso, devemos estar conscientes de que:

• O envolvimento e a tentativa de estabelecer um relacionamento confiável e significativo entre as pessoas sem-abrigo e os profissionais são fundamentais para apoiar o processo de recuperação. Esse relacionamento permite dar às pessoas escolhas e opções quanto às suas necessidades e vontade. Isto assume uma importância crítica no trabalho de rua (ver o capítulo de trabalho de rua).

• O caminho para a recuperação nunca é em linha reta, e não há um destino predefinido. Os profissionais devem estar conscientes de que não devem tentar forçar os utentes a qualquer tipo de ideal(p. ex., conseguir uma casa, conseguir um emprego, conseguir uma família), independentemente da vontade e das possibilidades dos utentes. Também devemos ter em mente que a normalidade é um conceito estatístico, mas cada um de nós tem uma abordagem subjetiva e, portanto, isso deve ser tido em consideração quando se trabalha com pessoas que foram expostas a acontecimentos de vida adversos e desenvolveram uma certa «forma pessoal» de interagir com o ambiente.

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• O papel dos profissionais que trabalham a partir de uma perspetiva de recuperação é incutir esperança e construir uma visão positiva e realista, apoiar, unir e descobrir oportunidades, bem como respeitar necessidades e escolhas, concentrando-se nas forças, autodeterminação e recursos de alguém, em vez de se focarem nos sintomas e défices. É uma abordagem holística, encarando os utilizadores como indivíduos com papéis a desempenhar e não como pacientes.

• Para alguém ganhar ou recuperar o autorrespeito, a autoconfiança e o sentido da vida, é importante sentir-se «incluído», sentir que pertence a uma comunidade e é alguém não apenas aceite, mas também valorizado como alguém digno. Todos os pontos acima podem ser conquistados, em parte, através do aumento da ligação aos outros, da participação ativa enquanto cidadão e do acesso a empregos.

• O acesso a empregos pode ser muito importante no processo de recuperação, pois pode levar ao autoapoio, à independência e ao reconhecimento. Além disso, ganhar dinheiro/um salário também pode estar relacionado com a dignidade, pois é uma forma de troca. Adicionalmente, através de um empregoaspessoassem-abrigopodemganharestruturaeumpropósitoparaasuavida. Neste sentido, para algumas pessoas, um trabalho pode definitivamente ser um passo em direção à recuperação.

• Por outro lado, é crucial sublinhar que ter um emprego não é tudo. Há pessoas para quem ter um emprego não é uma prioridade (por exemplo, pessoas mais velhas ou mais doentes), por isso devemos aceitar a diversidade e reconhecer o direito de viver com dignidade sem emprego. Se considerarmos que um trabalho é um pré-requisito para uma vida plena, podemos acabar por culpar e diminuir aqueles que já não podem trabalhar, mas que podem viver com dignidade com uma pensão ou outros benefícios sociais e encontrar um propósito na vida através de um passatempo e de outras atividades comunitárias e sociais significativas.

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• Escala temporal: Os serviços geralmente temem a dependência dos utilizadores e tendem a pressionar os profissionais no sentido de apresentarem resultados rápidos e fazerem com que os seus utentes se tornem autónomos o mais rapidamente possível. Isto contribui para uma ênfase em soluções de curto prazo e planos rígidos, em que os utilizadores são obrigados a fazer as coisas sob a ameaça de perderem o apoio se não o fizerem. Este modo defensivo pode transformar os serviços num sistema que imediatamente culpa, pune e exclui pessoas, em vez de um que se preocupa, apoia e ajuda as pessoas nas suas necessidades.

• Os profissionais costumam ter um grande volume de casos, dificultando uma abordagem centrada na pessoa e adaptada à pessoa. No entanto, lidar com pessoas que sofrem de um longo processo de exclusão social requer um foco central na relação, promovendo o desenvolvimento de um relacionamento próximo, regular e de confiança entre profissionais e utilizadores.

• O receio de atender às necessidades de longo prazo cria o paradoxo de aumentar o risco de institucionalização, em que ser utilizador de um serviço se torna um «trabalho a tempo inteiro» e as pessoas vivem permanentemente em alojamentos supostamente temporários, como abrigos, albergues e outras grandes instituições.

• Os profissionais podem não considerar as possibilidades de entrada no mercado de trabalho e tendem a utilizar um modelo de etapas em que as pessoas são solicitadas a participar primeiro em atividades ocupacionais ou cursos de formação profissional antes de tentarem o mercado de trabalho. Tal pode contribuir para aprisionar as pessoas em círculos viciosos de formação preparatória sem que haja qualquer acesso ao mercado de trabalho. Isto pode ser evitado por uma «primeira abordagem de trabalho», em que as pessoas são ajudadas a encontrar um emprego «real» e recebem apoio e formação enquanto estão nos seus postos de trabalho.

• Em virtude da crise socioeconómica, alguns países europeus enfrentam, cada vez mais, uma situação de falta de empregos, combinada com o esgotamento dos recursos familiares, bem como a redução do investimento em assistência social, deixando mais vulneráveis aqueles que precisam. Simultaneamente, enfrentamos um mercado de trabalho livre mais competitivo onde só há lugar para os mais aptos, deixando de fora muitos que poderiam trabalhar, mesmo não sendo os mais rápidos ou os mais jovens. (As empresas de estilo cooperativo social podem ser uma alternativa).

• No entanto, a questão do trabalho pode ser controversa no sentido de que o trabalho pode ser diferente de um emprego. Muito frequentemente, o trabalho é visto como uma ação inclusiva na comunidade e não como trabalho, por direito próprio. Como a ocupação/trabalho é uma forte caraterística de identidade simbólica, a ideia de como o trabalho afeta a identidade de alguém deve ser vista com muito cuidado. Se essa construção de identidade é alcançada através de um trabalho desenvolvido especialmente, direcionado para pessoas com doenças mentais e sem-abrigo, até que ponto os identificamos com a sua doença e em que medida eles se veem com essa condição e não como cidadãos com direitos e responsabilidades?

Dificuldades

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• Se não tiverem uma boa formação e um bom apoio, as equipas de instituições e serviços podem ficar frustradas com o processo de recuperação. Os estereótipos e equívocos podem levar à marginalização e discriminação constantes, especialmente daqueles com problemas de saúde mental e/ou dependências. Assim, a equipa precisa de ter as ferramentas para entender claramente que tratamento não equivale a recuperação. As equipas devem ter tempo para reflexão, abordagem em equipa, mentalidade e cultura de trabalho em rede, comunicação dentro e fora da equipa. Isto é essencial para entender que o processo de recuperação leva tempo e, durante esse processo, temos de lidar com frustrações, recuos e avanços e, simultaneamente, respeitar os recursos das pessoas. Para ser flexível, uma equipa tem de ser continuamente apoiada (ver também o próximo capítulo sobre formação de colaboradores que prestam cuidados).

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• Como estamos constantemente a enfrentar pessoas que passaram por um longo processo de exclusão social, é da máxima importância tentar construir um ambiente em que as pessoas se sintam seguras, estáveis e que tenham figuras-chave em quem tenham suficiente confiança para a elas recorrerem quando precisam de ajuda.

• A intervenção tem de ter um foco central na relação, e tentar manter a continuidade, confiança, interatividade, uma atitude de consideração positiva, respeito e responsividade. É igualmente importante uma atitude de não-retaliação, com especial atenção às dinâmicas de poder, evitando a ativação de sentimentos de vergonha, humilhação e raiva, oferecendo alternativas que a pessoa pode escolher e não soluções impostas com uma atitude de «pegar ou largar».

• É essencial que tenham acesso a gestores de caso estáveis, ao invés de verem um profissional diferente de cada vez que se dirigem aos serviços. Também é importante que os gestores de processo tenham um volume de processos que lhes permita ver os seus utentes regularmente e tratar dos assuntos em conjunto com eles.

• Uma abordagem centrada na pessoa deve ser o estilo de abordagem fundamental, pois é vital conhecer as pessoas onde elas estão, ouvir e reconhecer os seus pontos de vista, necessidades e esperanças. Simultaneamente, os colaboradores devem tentar apoiar as suas aspirações mediante o fornecimento de informações, o acesso a oportunidades e orientação através de um plano personalizado de acordo com as escolhas, o potencial e as limitações da pessoa.

• Devem fornecer níveis adequados de atenção de acordo com as necessidades do indivíduo, evitando o excesso de cuidado e tratamento, que representa um risco de dependência a longo prazo, bem como de perda gradual de autonomia e de capacitação — ao mesmo tempo, devem estar atentos à necessidade de disponibilidade e flexibilidade em situações de crises e recaídas.

• O trabalho em rede também é de vital importância, especificamente em redes centradas na pessoa, o que significa colaboração entre os diferentes serviços com base nas necessidades especiais de cada pessoa em cada momento. A complexidade dos problemas que os sem-abrigo enfrentam exige assistência progressiva e o apoio de vários profissionais dos serviços sociais, dos serviços de saúde, etc. Assim, é importante agilizar a interligação com associações formais e informais e recursos da comunidade, algo que requer um elevado nível de conhecimentos entre os profissionais, bem como flexibilidade e «pensamento fora da caixa» (ver o capítulo sobre trabalho em rede).

• A continuidade no acompanhamento é o processo através do qual a pessoa e o profissional se envolvem de forma cooperativa na gestão de cuidados contínuos, tendo em vista atingir o objetivo comum: cuidados eficazes e de alta qualidade. Também facilita os serviços, tornando possível a identificação precoce de problemas. A continuidade do acompanhamento está

Boas práticas

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enraizada numa parceria de longo prazo, na qual o profissional (ou a equipa) conhece a história da pessoa experiencialmente e pode integrar novas informações e decisões numa perspetiva da pessoa como um todo, de forma eficiente e sem uma investigação extensa ou uma análise do processo. Desta forma, reduz a fragmentaçã do atendimento e melhora a segurança e a qualidade dos cuidados prestados a cada pessoa. A continuidade do cuidado está fortemente ligada ao acompanhamento contínuo e pressupõe a existência de um trabalho em rede.

• Grupos de autoajuda mútua, especialistas em apoio de pares, programas executados por pares: grupos ou programas implementados por pessoas que sofreram de situação de sem-abrigo e, por vezes, também enfrentaram problemas de dependência ou doença mental. Através destes grupos ou programas, é encorajado o diálogo aberto, a consulta e, em alguns casos, até mesmo o debate. O apoio dos pares ocorre quando as pessoas fornecem umas às outras conhecimento, experiência, ajuda emocional, social ou prática. Um par está em posição de oferecer apoio em virtude da experiência relevante: ele ou ela «esteve lá, fez aquilo» e pode identificar-se com outros que estão agora em situação semelhante. Refere-se normalmente a uma iniciativa em que quem dá apoio recebeu formação (apesar de os pares poderem prestar apoio sem terem recebido formação).

• Cidadania ativa: Uma vasta gama de partes interessadas deve estar significativamente envolvida no desenvolvimento de políticas e na implementação, concretização e avaliação de programas. Em particular, as pessoas que viveram (ou ainda vivem) uma situação de sem-abrigo devem ser incluídas nas decisões que as afetam e devem poder ser ativas nas suas comunidades e poder utilizar os recursos da comunidade ou outros meios que reforcem os laços humanos.

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CasoExemplo de boas práticas«Red Sin Gravedad»: Um projeto de ação e participação comunitária, desenvolvido pelas seguintes associações: Rádio Nikosia, Saräu, ActivaMent e Cooperativa Aixec.

O projeto consiste na criação de uma rede de cursos práticos e/ou laboratórios de arte, cultura, bem- estar, etc. nos Centros Comunitários de Barcelona, abertos à comunidade, que visam criar um ambiente natural de oportunidades entre as pessoas com e sem problemas de saúde mental. A origem desta rede está na necessidade de gerar ambientes comunitários «leves», sem categorias de diagnóstico, com o objetivo de abrir espaços reais de interação e participação.

Para mais informações: https://redsingravedad.org/

Exemplo de boas práticas

Cooperativas Sociais de Responsabilidade Limitada (CSRL)

As Cooperativas Sociais de Responsabilidade Limitada (CSRL) são entidades de direito privado, com responsabilidade limitada dos seus membros. Têm uma natureza comercial e podem desenvolver qualquer atividade económica de apoio através de programas de formação profissional para os seus membros, bem como através de laboratórios protegidos e de emprego apoiado no âmbito das Cooperativas Sociais. Os migrantes económicos, os refugiados e os doentes mentais estão entre os grupos apoiados.

As atividades das CSRL visam:

Assegurar a viabilidade do empreendimento e a criação contínua de novos postos de trabalho;

• Manter a atividade no mercado aberto local;• Manter um equilíbrio entre a estratégia empreendedora e os objetivos sociais;• Combater e eliminar o estigma social, através da criação de um trabalho, entre outras

iniciativas;• Proporcionar aos seus membros com problemas psicossociais educação continuada e

formação profissional.

Para mais informações: http://www.socialfirmseurope.org/ https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5846108/

Lista de verificação:

Pergunte a si mesmo, em cada intervenção ou apresentação de uma proposta a um utente:

1. Para quem é isto? Que interesses estou a tentar servir? Do utente, os meus, do meu serviço, de terceiros

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2. Isto melhora a sua recuperação, o seu desenvolvimento, a sua aprendizagem?3. Permite-lhe agir ou é opressivo? Incentiva a confiança e uma interação positiva ou

contribui para a desconfiança e uma atitude defensiva mútua?4. O que diz sobre o poder? É respeitoso ou impositivo? Permite escolhas ou é uma proposta

de «pegar ou largar»?

Caso N., SSP & MH, Atenas

N. nasceu em 1967 numa ilha grega, mas quando tinha dois anos de idade, ele e a sua família foram viver para os EUA. É solteiro e não tem filhos. Tem um irmão mais novo. A sua mãe morreu há 15 anos; o seu pai casou novamente e vive nos EUA.

N. concluiu o ensino secundário e viveu nos EUA até 2014. Após a morte da mãe, de quem era muito próximo, começou a ter um comportamento estranho. Queria ficar rico e independente, pois achava que, se a sua família tivesse dinheiro, a sua mãe não teria morrido. Contudo, pouco tempo depois foi preso, por posse e uso de drogas, e condenado a quatro anos de prisão. Quando saiu da prisão, tentou encontrar um emprego no restaurante do tio, mas não ganhava o suficiente e demitiu-se. Começou novamente a fazer coisas ilegais e, consequentemente, passou mais seis anos na prisão, por roubo de automóveis e trabalho não declarado. Quando foi libertado, foi expulso do país porque não tinha cidadania americana. Não informou o pai nem o irmão sobre a situação porque estava envergonhado, e foi assim que acabou na Grécia, a dormir nas ruas.

N. visitou pela primeira vez o Centro de Dia para Sem-Abrigo (D.C.f.H.) da ONG PRAKSIS, em Pireu, em junho de 2015, e o seu pedido inicial prendeu-se com a utilização dos serviços sanitários (duche e lavagem de roupa). Naquela altura, ele dormia num albergue da UNESCO. Ele também recebia aconselhamento jurídico e apoio de uma ONG para ex-prisioneiros designada «Epanodos»(= regresso).

Sendo beneficiário no Centro de Dia para os Sem-Abrigo da ONG PRAKSIS em Pireu, visitou também o Centro de Dia para os Sem-Abrigo da mesma ONG em Atenas, apesar de isso não ser permitido. Quando a situação foi descoberta, foi convidado a sair pelo assistente social em Atenas. Ficou furioso, começou a acusar a equipa de querer prejudicá-lo e, finalmente, teve um surto violento; agrediu um utente na cabeça com uma corda e ameaçou matar toda a gente. Trancou-se num escritório e levou consigo um dos utentes, como refém. Como este não foi o único incidente violento, a equipa chamou a polícia, e ele foi levado primeiro à esquadra de polícia e depois para internamento involuntário num hospital psiquiátrico.

Durante a sua hospitalização, N. mencionou aos médicos que tinha sido levado e deixado na fronteira da Grécia por agentes do FBI. Também expressou pensamentos paranóides e agressividade. Consequentemente, foi diagnosticado com «Síndrome psicótico grave, inclinação para o uso de drogas (shisha e canábis) e comportamento agressivo, tanto verbal como físico». Desde essa altura que tem estado sob tratamento médico.

Depois de algumas semanas no hospital psiquiátrico, N. voltou para o albergue da UNESCO, para ser seguido todos os meses. Além disso, ele tinha também o apoio do Centro de Dia para Sem-Abrigo

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da ONG PRAKSIS e da POLICLÍNICA PRAKSIS. Infelizmente, logo depois teve outra explosão violenta, D.C.f.H. em Pireu.

Desta vez, com a intervenção do enfermeiro e do assistente social do Centro, foi persuadido a recorrer a hospitalização voluntária. No hospital, ele admitiu que não tinha tomado a medicação. Por conseguinte, continuava a ter alucinações auditivas e pensamentos paranóides.

Devido à sua atitude (teve alguns episódios violentos e um comportamento instável no albergue), foi expulso do albergue da UNESCO e acabou a dormir no porto de Pireu. Felizmente, ele tinha construído uma forte relação de confiança com o enfermeiro da D.C.f.H. Assim, aceitou tomar diariamente os medicamentos no D.C.f.H. e ser acompanhado pelo psiquiatra voluntário do Centro. Além disso, graças ao interesse contínuo e genuíno do enfermeiro, N. finalmente começou a sentir-se seguro e a exprimir-se.

Nesta altura, o D.C.f.H. começou a cooperar com a associação Sociedade de Psiquiatria Social e Saúde Mental (SSP & MH), tendo em vista fornecer serviços mais eficientes e integrados a pessoas sem-abrigo com problemas psicossociais. Assim, semanalmente, um psicólogo da SSP & MH estava presente no D.C.f.H.

Neste ambiente, N. passou a ter sessões semanais com o psicólogo da SSP & MH (de maio de 2017 a abril de 2019), tendo em vista o seu apoio psicológico, a sua capacitação e orientação. A sua situação clínica melhorou gradualmente, devido a uma combinação de aconselhamento e medicação. Portanto, ele tornou-se menos agressivo e paranóide, mostrando-se mais disponível para falar sobre si mesmo.

Apesar de não visitar regularmente o Centro de Dia, ele estava lá a horas para as sessões, que aguardava com ansiedade. Ele disse que era o único ponto de referência na sua vida e que o fazia sentir-se resiliente. Entretanto, com o apoio e a orientação, tanto do psicólogo como do assistente social, N. obteve um Número de Identificação Fiscal, solicitou um subsídio social e começou a ganhar algum dinheiro como pintor de rua.

A sua rota/percurso para a recuperação nunca foi fácil para ele, e muitas vezes perdeu a coragem. Nessas alturas, costumava dizer: “Estar na prisão é melhor do que ser sem-abrigo. Lá podemos dormir e comer... No entanto, a prisão afeta-nos física e mentalmente. Sentimos que estamos sob um lençol e isso mantém-nos «em baixo». «Esquecemo-nos» de que temos um corpo.”

Entretanto, N. participou numa festa de rua organizada pelo D.C.f.H., em 2018, com o apoio do município de Pireu, e durante a festa pintou em público. O seu quadro era impressionante e foi adquirido pelo município por um montante relativamente alto, o que o fez recuperar a autoconfiança e começar a ver-se como um artista, em vez de como uma pessoa sem-abrigo e sem esperança.

Atualmente, depois de muitas recaídas e recuos, N. deu passos consideráveis na sua vida. O seu subsídio social foi aprovado e ele encontrou um emprego numa cooperativa social, como empregado de limpeza. Além disso, com a intervenção do assistente social do D.C.f.H, foi novamente aceite no albergue da Unesco. Nos últimos meses, até iniciou um relacionamento com uma jovem, e está satisfeito com isso. Assim, está a tentar economizar dinheiro para realizar o seu sonho: alugar um apartamento, porque, na sua opinião: “A coisa mais valiosa da vida é ter uma chave e abrir a porta da

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Questões

- Que pontos fortes e fatores de risco identifica neste utente?- Quais foram os momentos críticos no processo de recuperação?- Que intervenções profissionais trouxeram, ou não, mais-valias ao processo de recuperação?

nossa própria casa… caso contrário, sentimo-nos perdidos. Tudo parece ser em vão.”

N. é considerado um exemplo acabado da recuperação bem-sucedida de uma pessoa quando existe uma colaboração efetiva entre os profissionais, uma abordagem centrada na pessoa, um plano feito à medida e, acima de tudo, a forte vontade da pessoa de mudar o seu destino

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Trabalho de rua

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As instituições e associações têm, ao longo de séculos, oferecido ajuda básica – comida, abrigo, roupas – a pessoas que vivem nas ruas. Mas, no passado, essa pobreza era vista como uma condição inevitável da vida. Os sem-abrigo eram vistos como exemplos infelizes de pobreza extrema, mas individual, não como consequência de défices específicos em matéria de saúde ou de apoio social.

Atualmente, a pobreza está a aumentar em toda a Europa. Mais de 22,5% da população europeia está em risco de pobreza ou exclusão social (Eurostat 2018) e mais de 4 milhões de cidadãos europeus estão sem-abrigo (estimativa FEANTSA). A situação de sem-abrigo tornou-se uma prioridade política, mesmo que apenas ao nível da retórica e não de ações concretas que exigem a alocação de recursos específicos.

Estudos na Inglaterra, Alemanha e noutros países da UE demonstraram a prevalência excessiva de perturbações mentais em pessoas sem-abrigo.

Além do número crescente de pessoas afetadas pela situação de sem-abrigo e pela doença mental, essas pessoas deparam-se com muitos problemas no acesso aos serviços adequados. Estes problemas podem ser de natureza administrativa, um resultado da doença mental, ou surgir de experiências pessoais com os serviços de apoio.

No passado, as iniciativas de trabalho de rua concentravam-se em atender as necessidades básicas, distribuindo alimentos e cobertores às pessoas que viviam nas ruas. Esses voluntários, muitas vezes, não tinham formação específica no setor social ou da saúde, apenas o desejo de se tornarem úteis. No entanto, confrontados com os desafios específicos de fazer este tipo de trabalho, durante a década de 80 muitas destas organizações reorganizaram-se e passaram a oferecer um conjunto de serviços cada vez mais profissionais e qualificados – por vezes no âmbito da ação de ONG, mas também integrados nos serviços de saúde, de habitação e sociais existentes.

Inicialmente pensava-se que tais serviços poderiam impactar significativamente o número de sem- abrigo nas ruas (1) – e durante algum tempo, assim foi. Os princípios de trabalho de rua também foram considerados eficazes em pessoas que têm uma casa para morar mas que, por qualquer razão, estão «isoladas» das outras pessoas. No entanto, a era da austeridade fomentou os recentes aumentos de pessoas sem-abrigo. Assim, em vez de se tornarem menos necessários, estes serviços tornaram-se mais essenciais do que nunca. Daí a importância deste projeto Erasmus – melhorar as competências e experiências das pessoas envolvidas na prestação de serviços aos sem-abrigo.

As propostas que se seguem baseiam-se na experiência prática e pretendem esclarecer as competências e práticas necessárias para ir ao encontro das pessoas sem-abrigo, ouvir a sua voz e compreender a sua situação, para que possam, na medida do possível, ter acesso aos seus direitos fundamentais – aos serviços sociais e de saúde, a um lar e ao apoio para ali viverem.

Introdução

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Descrição de “outreach”

A ideia de ”outreach” é utilizada para descrever programas e planos que localizam pessoas que precisam de ajuda ou aconselhamento, em vez de esperar que essas pessoas procurem ajuda. (Dicionário Collins)

Disponibilizar serviços médicos ou outros a pessoas em casa ou onde elas passam o tempo (Dic. Cambridge)

Fornecer serviços a qualquer grupo de pessoas que, de outra forma, não teriam acesso a esses serviços. Esses serviços visam conhecer aqueles que precisam dos seus serviços no local onde se encontram, em vez de esperar que eles vão a um serviço ou clínica. (Enciclopédia Wikipédia)

O trabalho de rua é mais do que um pilar específico do nosso esquema – é o elemento comum que liga os outros pilares e cria um caminho da exclusão nas ruas para a inclusão social e uma ligação com os serviços de saúde e sociais.

Diferentes definições de trabalho de rua partilham algumas ideias:

1. Encontrar, conhecer e interagir com pessoas que precisam de ajuda2. Identificar e fornecer assistência para necessidades básicas.3. Construir pontes com serviços sociais e de saúde para facilitar o acesso aos serviços e o contacto

contínuo com eles.

Não é fácil encontrar uma tradução literal exata da palavra «outreach» noutros idiomas. Por exemplo, em francês, encontramos «aller vers»... (ir até) e «aller à la rencontre» (ir ao encontro de).

No passado, as iniciativas de trabalho de rua estavam concentradas em atender as necessidades básicas, como a distribuição de alimentos e cobertores. O novo elemento no trabalho de rua é o envolvimento de pessoas com competências profissionais e conhecimento especializado – médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais – que saem do seu ambiente profissional habitual para se encontrarem com as pessoas onde elas estão.

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Ideias principais Atitude - Método - Prática

a. O trabalho de rua é uma atitude: Mais do que um método, e requer que quem a põe em prática seja:

• Aberto• Atento• Acessível

a pessoas que não têm acesso a serviços sociais e de saúde.

b. Um bom serviço de trabalho de rua é:• • Oferecido onde a pessoa vive ou passa o seu tempo – ruas, abrigos, zonas devolutas, a sua

casa – independentemente de o local ser ou não familiar ou confortável para o trabalhador.• Disponibilizado se a acessibilidade for um problema.• Aberto ao utente, sem necessidade de qualquer solicitação da sua parte.• Aberto ao utente, sem necessidade de uma referência de qualquer outro serviço.• Informal, disponibilizado no contexto de um relacionamento pessoal.• A posição do trabalhador é mais ao lado do utente do que a olhar para ele – uma abordagem

não hierárquica e baseada na relação.• Baseado numa parceria, em que o utente e o serviço trabalham juntos.• Normal – o trabalho de rua é visto como parte integrante do trabalho e não como uma

exceção.• Acessível - este aspeto é considerado mais importante do que a especialização.• A primeira prioridade é estabelecer uma relação de ajuda de pessoa para pessoa, à qual são

alocados tempo e recursos.• Disponibilizado exclusivamente para benefício da pessoa, para facilitar o seu progresso

em direção à inclusão social, e não para satisfazer objetivos políticos ou burocráticos.• Revela respeito pela dignidade do utente, pelo seu direito de ser diferente, pelo seu direito de

ser ouvido, pelo seu espaço e pelo seu tempo.• Capaz de considerar todas as possibilidades, tanto em termos individuais, como em termos

de outros atores e prestadores de serviços significativos.

c. Alterar a prática para um modelo de trabalho de rua

Nós, enquanto prestadores de serviços, estamos habituados a ambientes previsíveis, organizados (talvez confortáveis), que, em certa medida, sentimos que «possuímos». No entanto, o trabalho de rua efectivo ocorre de formas menos planeadas e mais espontâneas no espaço de outras pessoas. É colocada maior ênfase no estabelecimento de um relacionamento útil com um utente do que em fazer um diagnóstico ou recolher informações.

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O trabalho de rua requer que o trabalhador possa ouvir as preocupações de uma pessoa, estar atento à sua linguagem corporal, ser flexível o suficiente para acomodar os seus sentimentos e desejos e respeitar a sua vontade antes de agir.

Isto é característico de uma boa prática de saúde mental em qualquer lugar, mas pode ter exigências adicionais em ambientes menos convencionais, menos privados e (possivelmente) mais perigosos, como a rua.

Os sem-abrigo tendem a ter necessidades em múltiplos domínios num único momento, que se reforçam umas às outras, pelo que nenhum serviço pode atuar isoladamente de forma eficaz. Isto aplica-se a todos os sem-abrigo que vivem na rua. Assim, colaboração e coordenação são absolutamente essenciais para que um modelo de trabalho de rua funcione de forma eficaz. De forma a evitar a competição entre os serviços, ou que haja utentes que se «percam entre serviços», a colaboração e a coordenação têm de ser impostas, ao nível de direção, pelos prestadores de serviços.

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Trabalho de rua

A. Fases do trabalho de trabalho de rua:

Identificação de uma pessoa necessitada:

Você, ou um membro da sua equipa de trabalho de rua, pode ver alguém na rua que parece precisar de ajuda. Mas também pode ser informado acerca dessa pessoa por um membro da família, pela polícia, por pessoas particulares ou por um lojista do bairro.

Estabelecer contacto:

Apresente-se, diga quem é e porque está ali e peça autorização para falar com essa(s) pessoa(s). Pode então sentar-se junto deles e começar a descobrir se estão ou não dispostos a falar.

Pode ser que, no princípio, não tenha de conversar muito, mas possa simplesmente passar algum tempo com a pessoa, talvez tomar um café ou fumar um cigarro, permitindo que ambos se sinta confortáveis com a presença do outro. Se lhe disserem que não querem conversar, ou se se afastarem, tente novamente noutro dia, não encare isso de forma pessoal. Pode levar algum tempo, e pode ser solitário trabalhar sozinho com os utentes. O trabalho em pares tem algumas vantagens, mas pode ser percebido por um sem-abrigo como ameaçador.

Pode estabelecer contactos informais com outras pessoas envolvidas com o utente, talvez até com a família.

Clarificação: Conhecer a pessoa

Encontrar alguém várias vezes, mesmo que por pouco tempo, pode criar a base para estabelecer confiança e entendimento mútuos.

Essas reuniões podem ser tão curtas quanto o seu utente desejar, e realizar-se num banco, num parque, num café. Pode sentar-se e conversar, ou fumar um cigarro e tomar um café. Depois de algum tempo, pode clarificar de que tipo de ajuda a pessoa precisa.

Esta situação pode dar origem a pensamentos e sentimentos contraditórios no trabalhador. Qualquer sem-abrigo que sofra de uma doença mental grave desejará viver uma vida tão boa quanto possível, mesmo em circunstâncias difíceis. Por vezes, pode parecer que esse modo de vida foi livremente escolhido e, por isso, não queremos interferir. Mas, simultaneamente, sabemos que uma pessoa pode ficar presa na situação de sem-abrigo por sintomas de transtorno mental.

Intervenções: Estabelecer a forma correta de ajuda

Pode começar com uma oferta da forma mais simples de ajuda que será aceite. Geralmente, será algo prático, como o fornecimento de roupa, alimentos ou de um saco-cama. Ou o que está em causa pode

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ser um problema de saúde física, pelo que o colaborador pode oferecer um simples tratamento para ferimentos na pele.

Gradualmente, podem ser abordadas questões mais substanciais, como a obtenção de apoios da segurança social ou de um cartão de seguro de saúde, ou um pedido de alojamento.

Se os problemas de saúde mental foram evidentes, podem agora ser discutidos. Pode pedir autorização para entrar em contacto com o serviço de assistência social, o hospital psiquiátrico, a família ou outras organizações de apoio. Pode ser elaborado um plano abrangente, de preferência envolvendo tanto o indivíduo em questão como as instituições e organizações responsáveis.

Apoio: manter o apoio e o contacto

À medida que a pessoa sai da rua e se muda para um alojamento mais estável e adequado, as suas necessidades de apoio mudam.

As condições de défice ou conflito que primeiro contribuíram para a exclusão social podem facilmente voltar a ocorrer, pelo que, se possível, têm de ser abordadas. É importante manter o contacto para garantir a intervenção precoce, caso surjam problemas.

Conclusão:

A arte de terminar o relacionamento de ajuda no momento certo. Isto tem de levar em conta o facto de o relacionamento com o utente poder ser o único relacionamento substancial que teve em muitos anos. Assim, o fim do contacto com o utente tem de ser planeado com antecedência, dando-lhe tempo para se habituar à ideia, (talvez) lamentar a perda e ajustar-se à nova situação.Um bom final pode ajudar a garantir que o que foi conquistado com esse contacto e trabalho não seja perdido.Para alguns, pode ser necessário manter o contacto durante muitos anos, num nível de intensidade mais baixo. Por exemplo, sob a forma de visitas algumas vezes por ano ou a possibilidade de contactar a equipa por telefone.A equipa deve tentar diminuir gradualmente o apoio e as intervenções, enquanto outros assumem o controlo.

A Papel dos profissionais da saúde no trabalho de rua:

Todos aqueles que trabalham com as pessoas nas ruas devem ter consciência dos princípios do trabalho de rua e envolvimento, e estar familiarizados com as formas práticas de desenvolver um relacionamento positivo e de ajuda a um utente.

Enfermeiros:

• Podem trabalhar diretamente com aspetos como a higiene pessoal do utente, a prestação de cuidados, a motivação, a avaliação de qualquer problema médico ou a avaliação em termos de capacidade e vulnerabilidade.

• Podem funcionar como intermediários entre a pessoa e a equipa médica (hospital, médico de clínica geral), em particular para esclarecer/traduzir a linguagem médica para termos que o

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utente entenda.• Podem apoiar tratamentos de acompanhamento e consultas médicas, acompanhando e ajudando a

negociar processos burocráticos.• Encontram-se regularmente com a pessoa.

Enfermeiros de saúde mental:

• Encontram-se regularmente com a pessoa• Além do papel dos enfermeiros de cuidados gerais, os enfermeiros de saúde mental desempenham

um papel de especialistas quando desenvolvem o seu trabalho com pessoas que sofrem e/ou são afetadas por transtornos mentais, independentemente da situação em que possam estar (rua, abrigo, etc.)

• Construção de pontes para serviços de saúde através da relação de confiança mútua estabelecida com a pessoa

• As diretrizes apontam para o acompanhamento dos pedidos, desejos e necessidades da pessoa (sem objetivos preconcebidos e sem limite de tempo), utilizando uma abordagem proativa e tentando assegurar uma atenção holística e um sentimento de dignidade.

Médico (CG): Encontra-se com a pessoa na rua, para: • Melhorar o envolvimento da pessoa com todo o serviço.• Quebrar quaisquer barreiras de desconfiança que existam devido a más experiências anteriores com

serviços médicos.• Dar conselhos clínicos em casos não urgentes.

Psiquiatra: Encontra-se com a pessoa na rua, para:

• Melhorar o envolvimento da pessoa com todo o serviço.• Estabelecer uma formulação de caso e diagnóstico psiquiátrico.• Desenvolver intervenções não-urgentes e urgentes (obrigatórias), sempre que possível.• Facilitar o acesso a recursos psiquiátricos, quer no hospital quer noutro local.

Psicólogo: Encontra-se com a pessoa na rua, para:

• Ajudar a estabelecer uma relação de trabalho com o paciente.• Estabelecer uma formulação de caso e diagnóstico psicológico.• Apoiar e aconselhar a equipa em matéria dos aspetos psicológicos do seu trabalho diário com o

paciente.

Assistentes sociais: Como os enfermeiros, frequentemente funcionarão como gestores de casos e verão a pessoa regularmente, para:

• Desenvolver intervenções no âmbito do trabalho social.• Facilitar o acesso aos serviços de saúde e sociais.

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Questões a abordar no realojamento:

• Ser proativo na manutenção do contacto com os utentes.• Estar consciente dos perigos paradoxais de mudar para um alojamento fixo – por exemplo, níveis

mais baixos de atividade podem aumentar a probabilidade de trombose.

Maior risco de overdoses (álcool ou outras drogas) devido a:

• Capacidade de armazenar drogas ou álcool.• Maior privacidade (desejável na maioria dos sentidos), tornando as overdoses menos visíveis, e assim

reduzindo a possibilidade de intervenção.

Solidão em casa.

Criar, informar e apoiar uma rede de profissionais de saúde do «sistema normal» capaz de acompanhar estes pacientes e fornecer ajuda contínua e urgente, quando necessário.

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Em relação aos sem-abrigo:

a. Apagar fogos: É comum que os serviços se concentrem na necessidade imediata e urgente, sem abordar os problemas subjacentes. O perigo é que o sem-abrigo simplesmente se torne dependente do serviço, sem qualquer alteração na situação subjacente.b. Repetidas emergências sociais ou de saúde, sem qualquer resolução das causas subjacentes para o indivíduo.c. Recusa de apoio por pessoas que dormem na rua - incluindo a recusa em encontrar-se ou falar.d. «Higiene urbana»: Intervenções, geralmente desenvolvidas pela polícia ou pelos serviços de limpeza, para remover pessoas sem-abrigo de certas áreas, sem melhorar a sua situação.e. Medo e desconfiança generalizados (de pessoas sem-abrigo) em relação àqueles com qualquer tipo de autoridade.

Em relação aos profissionais:

a. Desânimo: Apesar de grandes esforços, o sem-abrigo desaparece ou morre.b. Barreiras institucionais ao acesso: - horário de funcionamento dos serviços, acessibilidade física, etc.c. Concorrência e individualismo de ONG e serviços do estado: a cultura de concurso público desencoraja a colaboração e estimula o auto-enaltecimento organizacionald. Falta de reciprocidade em dar e receber.e. O tempo, a urgência e a falta de recursos limitam as opções para soluções mais permanentes.f. A estigmatização dos sem-abrigo na rua: eles podem ser vistos como impossíveis de ajudar ou como não merecedores de ajuda.

B. Trabalho conjunto e coordenação:

A criação de redes de contactos e a cooperação são essenciais, tanto a nível organizacional como em cada caso individual. Infelizmente, o financiamento é organizado de tal forma que as agências que deveriam trabalhar juntas estão, pelo contrário, a competir umas com as outras.

Concorrência Colaboração Coordenação

Concorrência

Este é o estado «natural» das organizações, em competição pelo financiamento e por utentes. Isto pode levar a melhorias nos padrões, particularmente quando o que está em causa são padrões profissionais. No entanto, a maioria das questões que envolvem pessoas sem-abrigo não são suscetíveis de intervenção efetiva de uma organização ou equipa e, portanto, a concorrência tem o potencial de limitar a eficácia da

Dificuldades

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ajuda dada através da exclusão de outras fontes de assistência potencialmente úteis.

Colaboração

A colaboração é a resposta mais racional para problemas complexos, como os gerados por pessoas sem-abrigo e com doenças mentais. Idealmente, uma colaboração entre duas ou mais entidades (pessoas, departamentos, associações, instituições), tanto públicas como privadas, produzirá um trabalho conjunto que pode alcançar resultados que as agências individuais não conseguiriam atingir sozinhas. Uma boa colaboração produz mais qualidade, facilita a execução do projeto, melhora a eficiência da equipa, cria melhores ambientes de trabalho e faz as organizações crescerem.

Ao colaborar, as pessoas partilham competências, conhecimentos, talentos, informações e recursos para alcançar um objetivo comum.

Dado que a colaboração vai contra os instintos organizacionais normais, não se pode presumir que ocorra. Ela tem de ser formalmente reconhecida e valorizada ao mais alto nível em qualquer organização. A colaboração tem de ser planeada, bem estruturada e monitorizada, bem como focada nos resultados.

Coordenação

A coordenação das ações de diferentes agências pode concentrar a atenção, evitar a duplicação desnecessária de esforços e alcançar a complementaridade. Permite o desenvolvimento de diversas abordagens a um problema comum.

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Práticas específicas de trabalho de rua

Fases do trabalho de rua

1. Preparação (antes de se encontrar com alguém na rua)• Recolha do máximo de informação possível antes de planear qualquer intervenção ou primeiro

contacto.• A utilização de uma equipa multidisciplinar composta de (pelo menos) um coordenador,

profissionais de saúde e assistentes sociais, com profissionais assalariados e voluntários.• Planear um «programa» de intervenções.• Atribuir o «processo» a um membro da equipa que assumirá a responsabilidade permanente

pela pessoa em questão. Pode ser útil ter duas pessoas alocadas desta forma, para permitir ausências por doença, licenças, etc.

2. Planeamento da primeira reunião na rua:

• Deve ser realizada uma reunião para avaliar riscos, oportunidades e o objetivo da reunião proposta com um potencial utente.

3. Recuperação contínua: Reuniões regulares para monitorizar e planear o progresso da reintegração social e/ou de saúde.

Boas práticas no trabalho de rua

Tempo: Pode ser necessário gerir o tempo de forma diferente da utilizada ao trabalhar em sistemas mais estruturados. Em sistemas mais formais, é possível planear um trabalho dentro de um determinado horário, agendar e manter compromissos, e «usar» o tempo de forma otimizada (ou, aos olhos da organização, «eficientemente»). No trabalho de rua, há muito menos controlo sobre o tempo – na maioria das vezes, as necessidades da pessoa determinarão quanto tempo uma determinada tarefa ou intervenção demorará.

Paciência: Aproximar-se de outra pessoa pode levar semanas ou meses – podem ser alcançados resultados rápidos, mas geralmente demoram algum tempo. Mais uma vez, é importante adaptar qualquer cronograma às necessidades do utente e, na medida do possível, permitir que a outra pessoa decida o ritmo. Uma rejeição não tem de ser uma rejeição; se puder, espere e permita que a pessoa confie em si ao longo do tempo.

Reconheça e respeite as necessidades e os desejos do utente.

Confiança/credibilidade: tem de ser conquistada. As boas intenções não são suficientes para trabalhar nas ruas. As pessoas que vivem na rua encontraram, ao longo da vida, muitas pessoas bem-intencionadas (em instituições, em departamentos de serviço social, ONG, etc.) e, apesar disso, ainda estão na rua. Para alguém que sofreu uma grande perda, o processo de desenvolver a confiança nos outros pode levar muito mais tempo do que no trabalho normal de saúde ou social.

Boas práticas

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Tem de demonstrar que é pontual, confiável, honesto, pode agir com eficácia e que é uma pessoa com quem é seguro estar.

Momento certo: O momento certo para fazer o contacto é quando o sem-abrigo o deseja; o momento certo para se candidatar a uma pensão ou subsídio é quando a pessoa assim o quer. É preciso ter planos provisórios, que têm de ser ajustados de acordo com a capacidade do utente de os tolerar; geralmente, é necessário esperar até que o utente se sinta preparado.

Resiliência: Pode ter de fazer coisas desconfortáveis – como aproximar-se, várias vezes, de uma pessoa que rejeita as suas tentativas de estabelecer contacto.

Rejeitar a hierarquia: Deixar de lado qualquer estatuto profissional e relacionar-se com o utente, em primeiro lugar, como pessoa, para criar um relacionamento tão equilibrado quanto possível.

Curiosidade: Seja curioso, deseje genuinamente entender o mundo da outra pessoa.

Trabalho em equipa: Os papéis e as funções são claras, mas os funcionários são suficientemente flexíveis para partilhar tarefas e, quando necessário, trabalhar para além dos seus papéis.

Supervisão: O trabalho de rua é exigente. Pode ser solitário e pode facilmente deixar o trabalhador sem o apoio de grupo que geralmente faz parte do trabalho em conjunto. Assim, todos os projetos de rua que desenvolvam trabalho com pessoas sem-abrigo, com doenças mentais e a viver na rua, devem ter uma estrutura bem organizada de supervisão regular.

Duas práticas de trabalho de rua:

Projeto UDENFOR Copenhaga

O Projeto UDENFOR realiza um trabalho de rua a nível local e regional, em Copenhaga e noutras zonas da Dinamarca, nos seguintes campos: pessoas sem-abrigo, abuso de drogas e pessoas com doenças mentais, juntamente com outros grupos marginalizados na Dinamarca. É uma organização sem fins lucrativos registada na cidade de Copenhaga, Dinamarca, em 1999.

Os nossos objetivos são:

• Uma melhoria das condições da pessoa socialmente rejeitada pela nossa sociedade, identificando e documentando os fatores que resultam em rejeição social, de forma a evitar quaisquer efeitos posteriores.

• Difundir e disseminar o conhecimento desses fatores para evitar que as pessoas sejam rejeitadas e melhorar as condições para aqueles que já foram rejeitados.

• Desenvolver novos métodos para trabalhar com pessoas gravemente excluídas.• Tentar diretamente, através do trabalho prático, melhorar as condições das pessoas já rejeitadas

socialmente.

As atividades do Projeto UDENFOR refletem a visão de que sempre houve muitas abordagens diferentes dos profissionais, dependendo da sua formação educacional e profissional.

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Infirmiers de rue (Enfermeiros de rua).

• Uma organização médica sem fins lucrativos que trabalha na rua e no realojamento dos sem-abrigo mais vulneráveis das ruas de Bruxelas.

• A organização desenvolveu uma abordagem específica baseada principalmente em higiene, assistência médica e valorização dos recursos e do talento das pessoas.

• Equipas de dois enfermeiros vão à rua para se encontrarem com pessoas sem-abrigo, aumentar a informação sobre a importância da higiene para o bem-estar e a inclusão, e ajudam, passo a passo, no processo de recuperação da boa saúde e do autocuidado.

• Simultaneamente, respondem às necessidades de cuidados médicos, tratando as pessoas no local quando necessário, mas tentando, na medida do possível, trazê-las de volta às estruturas médicas

• «normais» e ajudando-as a ganhar confiança suficiente para voltarem por sua própria iniciativa.

• Durante os seus contactos com as pessoas, é dedicada bastante atenção à descoberta ativa dos seus talentos, recursos e desejos, de forma a promover a autoestima.

• É regularmente dada formação aos profissionais, sobre a importância de trabalhar na área da saúde e do autocuidado, como falar sobre isso e como fazê-lo. Basicamente, a formação tem por objetivo que os profissionais vejam a saúde como uma ferramenta útil ao seu trabalho e não como um obstáculo.

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A Equipa psi-med-soc de Ostello - Termini.Albergue mais próximo da Estação Termini de Roma

Contexto: Isto aconteceu durante um período de inverno de alerta de emergência municipal devido às baixas temperaturas (novembro-março). Esta situação exige o aumento do número de camas noturnas disponíveis para pessoas sem-abrigo, bem como o número de unidades móveis para trabalhar na rua.

Relatório: A polícia municipal informou o serviço social do município da presença de uma mulher de certa idade e em condições «lamentáveis», que rejeitava qualquer forma de contacto e diálogo.

Unidade móvel: A unidade móvel Coop Soc X, composta por um voluntário (motorista), um assistente social e um educador, foi enviada para avaliar a situação.

Primeiro encontro: O assistente social tentou, discretamente, estabelecer um contacto, trocar algumas palavras. A mulher estava num estado visível de autonegligência, com uma ferida infetada na perna. Ela recusou-se a falar, não respondeu à saudação e nem a qualquer pergunta. Não respondeu à oferta de uma bebida quente, pelo que esta foi deixada ao lado dela. A equipa despediu-se e disse que voltaria no dia seguinte.

Avaliação e breve relatório

As observações resultantes deste primeiro contacto sugeriram que a sua situação precisava de ser tratada com urgência. Ela não tinha dinheiro, roupas ou acomodações adequadas, tinha problemas de saúde e não estava a receber o tratamento adequado (infeção na perna), não conseguia manter-se limpa e não estava equipada para dormir na rua numa noite fria. Estas informações foram partilhadas com outros serviços noturnos que operavam principalmente na estação central, uma área frequentada pelos sem-abrigo.

Reunião da equipa no albergue, com a participação de um médico. O caso foi classificado como urgente e alocado ao assistente social. Foi acordado que o objetivo imediato seria estabelecer com esta senhora um relacionamento suficiente para tentar convencê-la a sair da rua e aceitar tratamento para a perna.

Plano: Foi proposta uma frequência para reuniões subsequentes, para permitir que o assistente social conquistasse a confiança da senhora e, eventualmente, a ajudasse a aceitar curativos para a perna, dados na enfermaria do albergue, para evitar gangrena e uma possível amputação.

Resultados e síntese: Após o encontro seguinte, ela aceitou os curativos oferecidos pela enfermaria do albergue, e depois ficou no albergue, dormindo numa cadeira. Depois mudou para um quarto com quatro camas e, ironicamente, reclamou que os outros hóspedes não

Caso

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estavam suficientemente limpos.

Assim, apesar da sua indiferença inicial para com a equipa de contacto na primeira reunião com ela, a senhora foi posteriormente capaz de aceitar tratamento médico para a sua perna e acomodação no albergue, após aproximadamente dez visitas semanais.

Conclusão O processo primário de trabalho de rua e envolvimento – reunião, escuta, prestação de cuidados, fornecimento de ajuda básica (a bebida quente) – permitiu que uma mulher alienada voltasse a envolver-se com os serviços de apoio.

Questões:• Que pontos fortes e fatores de risco identifica na intervenção descrita?• Quais poderiam ser os momentos críticos no processo?• A partir da sua experiência, consegue imaginar uma intervenção diferente? Se sim, pode descrevê- la?

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Trabalho em rede

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Na maioria dos casos, estar sem-abrigo significa ter múltiplas necessidades que exigem a coordenação de respostas diversas e que dificilmente podem ser asseguradas por uma única agência: alojamento, documentação, necessidades de trabalho, problemas de saúde física ou mental.

Além disso, a forma como a maioria dos sem-abrigo pede ajuda não é geralmente direta e explícita: muitas vezes, as necessidades surgem porque a pessoa «quebra» o frágil equilíbrio entre o contexto social e as suas exigências.

É significativo que sejam principalmente terceiros a transmitir os pedidos de ajuda: cidadãos comuns, voluntários, operadores sociais e polícias.

Ser urgente e não específica são, portanto, duas características adicionais de tais solicitações, embora a necessidade geralmente expressa esteja relacionada com a saúde ou com a manutenção da paz pública.

Complexidade

Um exemplo de caso: um cidadão vê uma pessoa com características atribuíveis a um sem-abrigo (negligência particular, falta de higiene, roupa amarrotada, presença de mochilas, sacos, caixas), em dificuldades físicas graves, possivelmente embriagado ou a sofrer de um problema de saúde mental, pelo que o seu comportamento pode ser perturbador ou perigoso.

Neste caso, a primeira instituição envolvida é, geralmente, o sistema de saúde, que, uma vez resolvida a emergência (muitas vezes um estado de intoxicação ou uma emergência psiquiátrica), tende a evitar, por várias razões, a realização de uma avaliação e a elaboração de um plano mais abrangente para a pessoa.

Outra questão pode ser a falta de alguns aspetos da prestação de cuidados. Por exemplo, quando uma pessoa é hospitalizada, as suas necessidades básicas, como roupas, mudança de roupa de cama, produtos de higiene pessoal, assim como companhia, encorajamento e apoio, normalmente são assegurados por familiares. Mas se não houver amigos e parentes, essas necessidades podem ser negligenciadas pelo pessoal formal (enfermeiros, médicos, voluntários).

As questões não diretamente relacionadas com a saúde podem ser difíceis de resolver devido a irregularidades administrativas e burocráticas. Isto tem-se tornado cada vez mais comum em resultado dos grandes fluxos migratórios que afetam a Europa nos últimos anos, e os migrantes, de facto, constituem uma parte significativa da população sem-abrigo.

Voltando ao exemplo, suponha que, em vez de chamar uma equipa de emergência de saúde para ajudar a pessoa em dificuldades, os Serviços Sociais estavam diretamente envolvidos: na melhor das hipóteses, eles forneceriam à pessoa um abrigo mais ou menos temporário até à sua recuperação, em conformidade com os requisitos legais e o estatuto legal da pessoa.

É raro, no entanto, que o problema seja resolvido ultrapassando apenas o problema do alojamento.

Introdução

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Acontece muitas vezes que as mesmas razões que levaram à consulta original voltarão a ocorrer, e surgirá uma nova crise. Este círculo vicioso constitui um elemento de profunda frustração, tanto para a pessoa em situação de necessidade como para aqueles que prestam serviços de apoio.

Atores envolvidos

Como visto acima, numa situação típica em que intervimos em nome de uma pessoa sem-abrigo, podemos precisar de a encaminhar para as seguintes agências:

• Profissionais de saúde• Polícia municipal• Autoridades legais• Assistentes sociais• Embaixadas• Voluntários

É interessante notar que nenhum destes atores é o responsável direto pela situação, e cada um deles tenderá a delegar responsabilidade nas outras instituições. O perigo é que ninguém assuma realmente a responsabilidade pela situação e que o sem-abrigo continue sem beneficiar dos serviços.

Trabalho em rede enquanto abordagem em múltiplas camadas

O trabalho em rede é um “processo que promove a troca de informações, ideias e práticas entre indivíduos ou grupos que partilham um interesse comum” (https://www.investopedia.com/terms/n/ networking.asp).

No nosso caso, a criação de uma rede de trabalho significa otimizar recursos e competências e evitar intervenções contraditórias ou sobrepostas.

Frequentemente, a criação de uma rede de trabalho:

• Permite-nos estabelecer uma compreensão mais abrangente do problema.• Ajuda-nos a projetar um melhor conjunto de intervenções.• Ajuda todas as agências relevantes a aceitar a sua quota-parte de responsabilidade e a aceitar uma

responsabilidade mais ampla, partilhada entre todas as organizações relevantes.• Apoiar a organização em quaisquer intervenções.• Apoiar a continuidade do tratamento.• Superar as limitações da organização individual.• Superar as lacunas do cronograma.• Ajudar as organizações individuais a persistirem, a «aguentar-se com firmeza» – elas não sentem que

ficaram sozinhas com o problema, pelo que se sentem mais capazes de continuar, em parceria com outras agências.

Trabalho em rede estrutural e operacional

Falar de trabalho em rede implica dois níveis diferentes: o estrutural e o operacional.

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Com o nível estrutural, toda a organização participa numa rede de forma explícita e acordada. A rede pode ser formada por instituições formais e informais, governamentais e não governamentais, públicas e privadas.

No nível operacional, a rede é composta por pessoas, pertencentes à organização (que, com outras organizações, formam a rede estrutural), que estão diretamente envolvidas na gestão de processos específicos. Esta equipa da linha da frente planeia intervenções personalizadas e segue o processo, caso a caso, no terreno.

Como dito, estes dois níveis devem estar interligados: o nível operacional deve ser um resultado do estrutural, a expressão concreta dos valores e projetos partilhados pelas partes.

Razões para estabelecer redes de apoio:

A. Razões relacionadas com o paciente:

B. Razões de contexto:

Por diversas razões, a pessoa não está numa situação de ser capaz de criar essa rede. Pode até haver problemas simples relacionados com viagens, com deslocações de um lugar para outro. Enquanto uma pessoa não puder fazer isso por si própria, pode precisar de outra pessoa para fazer as ligações entre as diferentes agências necessárias para a apoiar e responder às suas necessidades. Também podem transmitir informações, coordenar, fazer o seu encaminhamento e acompanhamento.

• Os pacientes têm múltiplas necessidades a que nenhuma instituição pode responder sozinha (de medicina geral, medicina especializada, de natureza social, psicológica, prática, de alojamento, educacionais, etc.)

• Desde o início do tratamento, os pacientes precisam de apoio em vários momentos diferentes e precisarão dele durante um período muito longo. O fardo não pode ser suportado por uma pessoa sozinha

• A situação da pessoa é frequentemente muito difícil, complicada e, por vezes, crítica, pelo que é bom que várias instituições partilhem o peso dessas situações difíceis.

• A recuperação destes pacientes leva muito tempo. Portanto, é crucial que várias instituições apoiem esse processo juntas.

• As diferentes instituições têm de fazer um esforço para poderem trabalhar juntas: - Sem fazer o mesmo trabalho duas vezes (complementaridade). - Sem fazer trabalho contraditório (coerência). - Garantindo que todas as necessidades relevantes são devidamente abordadas (suficiência).

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Ideias principais Ideias principais

O trabalho em rede enquanto oportunidade

Fazer parte de uma rede deve ser uma oportunidade para:

• Superar os sentimentos de solidão e incapacidade que muitas vezes fazem parte destas situações desfavorecidas

• Tornar-se mais consciente das missões, dos valores, das linguagens, das competências e dificuldades uns dos outros

• Sentir-se, por sua vez, reconhecido e apreciado• Alavancar elementos pró-ativos, mesmo lidando com uma realidade complexa como a

situação de sem-abrigo• Impedir a «delegação defensiva».• Reduzir o esgotamento• Evitar a recorrência e a sobreposição de intervenções (por exemplo, admissões sem

sucesso devido à falta de planeamento adequado de serviços essenciais para uma pessoa por vários operadores que trabalham em simultâneo; processos burocráticos iniciados e nunca concluídos; impossibilidade de acesso a uma válvula de segurança em caso de documentação insuficiente)

Construir uma rede

Construir uma rede não é um evento espontâneo. É um processo que exige não apenas vontade, mas esforço sustentado.

Primeiro é necessário «detetar» os nós da rede, aqueles que podem ser vistos como partilhando o mesmo «problema» connosco.

É importante:• • Conhecer o papel de cada «ator»: as suas missões, competências específicas, limitações, os

valores que os inspiram.• Respeitar profundamente a identidade e os valores de cada participante.• Reconhecer a importância dos «atores livres» – por exemplo, voluntários, cujo contributo pode

ser significativo, mas é prestado gratuitamente e fora do âmbito de qualquer organização estruturada.

• Certificar-se de que o processo deve levar a objetivos comuns partilhados e à capacidade de projetar tarefas adequadas e coordenadas.

Nesta primeira fase de construção de uma rede, frequentemente as pessoas vão sentir-se desconfiadas da outra organização, incompreendidas ou subestimadas. Haverá perguntas sobre quem receberá a maioria das obrigações e responsabilidades, e em que medida cada um perde o seu poder individual para tomar decisões unilaterais. É um momento delicado, em que o objetivo é estabelecer um sentimento de confiança mútua e construir um fórum «em que todos ganham».

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Uma abordagem «em que todos ganham» baseia-se em estratégias que envolvem: voltar às necessidades subjacentes; o reconhecimento de diferenças individuais; a abertura para adaptar a posição de uma pessoa à luz de informações e atitudes partilhadas; atacar o problema, não as pessoas. Quando ambas as pessoas ganham, ambas estão amarradas à solução: sentem-se empenhadas no plano porque realmente se adequa e lhes convém.

A. Trabalho em rede dentro da instituição:

Nem sempre é óbvio, mas pode ser difícil estabelecer um trabalho em rede dentro da mesma organização, geralmente pelas mesmas razões porque é difícil estabelecer uma rede inter-institucional. A gama de competências individuais podem ser muito específicas, pelo que as pessoas podem ver as suas próprias competências como «isoladas» e sem relação com outras atividades. Pode existir confusão quanto à extensão dos papéis profissionais e quanto aos seus limites, e até desconfiança entre as diferentes partes da organização.

Várias competências contribuem para a aptidão para estabelecer redes dentro da mesma instituição:

1. Falar em conjunto:

Deve haver um lugar onde possam ocorrer reuniões e discussões, para que não ocorram apenas nos corredores. Deve ser parte da cultura que tais conversas ocorram, e que pessoas com diferentes competências falem umas com as outras. Deve ser visto como normal, e não como uma iniciativa extraordinária tomada por um indivíduo (por exemplo: enfermeiros ou o assistente social devem poder conversar com um médico, em igualdade de condições, para discutir o caso de um paciente). Isto envolve uma atitude de respeito por outras profissões, trabalhadores não profissionais e outros graus de experiência. É preciso reconhecer que são todos parte da solução e que todos têm uma visão da situação do paciente que deve ser ouvida.

2. Estabelecer objetivos comuns para o utente:

Ambas as partes têm de concordar implícita ou explicitamente quanto aos objetivos. Estes podem ser gerais (“para os pacientes no nosso serviço, esperamos alcançar isto ou aquilo”) e muito específicos (“para este paciente, concordamos que devemos visar especificamente x, mas não iremos, no momento, tentar y).

Por vezes, temos de definir objetivos provisórios para o paciente, se ele não tiver a certeza quanto aos seus objetivos, a fim de alcançar o ponto em que o paciente possa definir os seus próprios objetivos – e decidir se eles estão ou não alinhados com os nossos objetivos.

3. Partilha de informação:

A informação necessária deve ser partilhada – não necessariamente tudo, mas certamente o que é necessário para o envolvimento com o paciente.

4. Partilha do caso

Os trabalhadores têm de reconhecer que não podem estar sempre disponíveis e, por isso,

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devem tomar providências para que outra pessoa assuma o seu papel quando não estiverem disponíveis.

5. Complementaridade:

A colaboração funciona melhor quando é bastante claro para todas as partes o que têm em comum, o que fazem de forma diferente e como é que esses aspetos diferentes podem funcionar eficazmente em conjunto.

6. Líder ou gestor de caso:

Há melhor colaboração e progresso quando existe um trabalhador individual que assume a responsabilidade pela gestão e progresso do caso.

Trabalho em rede entre instituições:

O trabalho em rede fora de uma instituição é provavelmente mais difícil e demorado. É uma tarefa do dia a dia, exige tempo e energia e pode confrontar os trabalhadores com competição, incompreensão e preconceito.

As instituições devem estar conscientes de como é útil levar essa tarefa a sério e reconhecê-la explicitamente como parte do dia a dia de trabalho. Ter uma pessoa na equipa especificamente responsável pela rede ajudará a organização a dedicar o tempo e os recursos apropriados a esta tarefa. Pode até poupar o tempo de outros trabalhadores.

Características de uma rede eficaz:

1. Informação clara sobre o que é possível: saber que parceiros podem fazer o quê, onde estão, quando trabalham e como contactá-los. Pode levar algum tempo até conhecer plenamente todas as possibilidades da rede.

2. Capacidade de partilhar informações: deve haver um acordo sobre que informações podem ser partilhadas ou não, ou se serão ou não partilhadas. Porque estamos a lidar com entidades externas, a confidencialidade pode ser um problema. Por isso, devemos sempre tentar partilhar apenas as informações necessárias para a tarefa em mãos.

3. Visão clara do trabalho de todos: Todos os envolvidos na parceria devem conhecer claramente a natureza da tarefa e o seu contributo para o tratamento do paciente.

4. Objetivo partilhado: é mais fácil coordenar esforços e ações se todos concordarem com o objetivo específico partilhado.

5. Operação em que «todos ganham»: Funciona melhor quando ambos os serviços têm um Interesse (diferente) na colaboração. Isto acontece especificamente quando há uma complementaridade clara entre os serviços. Uma abordagem em que «todos ganham» depende de:

a Voltar às necessidades subjacentesb Reconhecimento das diferenças individuaisc Abertura a adaptar a sua posição à luz de novas informações e atitudes.d Atacar o problema, não as pessoase Quando ambas as instituições ganham, ambas estão amarradas à solução: elas sentem-se empenhadas no plano porque isso realmente lhes convém.

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O trabalho em rede enquanto problema

Diversas questões podem prejudicar um trabalho em rede eficaz.

Diferentes valores, culturas e idiomas entre diferentes profissionais ou funções podem ser barreiras para partilhar um objetivo, ou para a forma como é alcançado ou acordado.

Entre organizações públicas e privadas, ou oficiais e não oficiais, podem ser sentidos desequilíbrios de poder entre as instituições, comprometendo o envolvimento efetivo de algumas partes. Em alguns casos, as pessoas que representam a organização à qual pertencem não têm, na verdade, qualquer poder de decisão, o que enfraquece a sua capacidade de trabalhar efetivamente numa rede.

O número de participantes também pode representar um problema. Serem «demasiados no barco» pode afetar a tomada de decisões, criando as condições para um fenómeno em que os papéis são pouco claros.

Um fraco fluxo de comunicação, informação limitada ou parcial e uma coordenação deficiente entre os operadores podem afetar seriamente a continuidade de qualquer plano, em particular se for de longo prazo.

A tendência de converter o papel do «facilitador» da meta-organização no único responsável pela integração de todo o processo, o único com direito a tomar decisões ou, pior ainda, o único responsável pelo resultado.

Mesmo que o trabalho em rede resulte em decisões razoáveis, podem não ocorrer as ações adequadas se não houver um gestor de caso na linha de frente, para assumir a responsabilidade de dirigir e monitorizar o processo.

Em alguns casos, a lacuna entre o referido nível estrutural e o operativo pode criar problemas. O nível estrutural deve ser um quadro englobante, que permita a capacidade de estar em condições de, graças à presença de outras instituições, superar limites que de outra forma seriam insuperáveis. Sempre que a rede estrutural prevalece através da solicitação de tarefas burocráticas, lutas pelo poder, falta de cultura colaborativa, falta de formação comum, isso pode tornar-se numa séria ameaça a todo o funcionamento da rede, podendo afetar em particular o nível operativo, cuja principal responsabilidade passará a ser uma função de nível estrutural, em vez de ser uma implementação eficiente.

A proteção de dados pessoais (Regulamento Geral de Proteção de Dados, UE 2016/679) pode ser uma questão complexa de gerir, com várias agências envolvidas e a necessidade de partilhar dados.

Dificuldades

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Evitar dificuldades

Construir uma rede tem várias etapas.

Estabelecimento de conhecimento mútuo entre as partes envolvidas. Este primeiro passo exige não apenas trocas formais de informação, mas também encontros menos formais para construir relacionamentos.

É essencial planear reuniões convidando todas as partes, organizar efetivamente estas reuniões e ser informado sobre os desenvolvimentos dos diferentes processos. Também é necessário um acompanhamento detalhado das atividades, de forma a verificar as conquistas, monitorizar os resultados, partilhar as dificuldades e implementar os planos de recuperação.

Flexibilidade - podem ser necessárias reuniões não planeadas para lidar com assuntos urgentes que possam surgir em situações imprevisíveis normais em serviços humanos.

A comunicação e o compromisso devem ocorrer livremente do topo para a base e desta para o topo.

Cada pessoa que representa uma organização deve ter a capacidade de tomar decisões em nome dessa organização.

Deveria haver um Memorando de Entendimento entre organizações. Geralmente não funcionará como um contrato obrigatório, mas sim como um documento que deixa claro, a todos os interessados, o que podem e não podem esperar uns dos outros. Isto pode levar a um processo de ajuste regular entre organizações.

O que significa, por exemplo, visitar os lugares em que cada membro das redes opera: na rua, para enfermeiros, médicos, assistentes sociais; em alguma «sala de guerra» para os coordenadores das equipas de rua; em enfermarias ou clínicas hospitalares; dentro das casas dos utentes; em algum refeitório social ou serviço de banhos; em algum escritório do governo, etc.

Formação - a formação partilhada pode fortalecer tanto os vínculos oficiais como os relacionamentos do grupo. Isto pode envolver sessões formais de formação e visitas aos locais de trabalho uns dos outros, para que os participantes possam experimentar, na vida real e em tempo real, a forma como os outros parceiros trabalham e os problemas com que lidam diariamente. Este processo pode aumentar fortemente a compreensão mútua e um esprit de corps partilhado.

Estabelecer protocolos claros - um espaço comum partilhado, no qual os contactos e a comunicação podem acontecer de forma eficiente, sem demora.

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Sugestões:

• Quando o paciente melhora, o feedback dado às agências parceiras pode reforçar o seu compromisso com a colaboração.

• Podem ser necessárias cedências entre os parceiros de rede para facilitar a colaboração, mas devem ser feitas num espírito de igualdade de estatuto.

• Responsabilidade: cada parceiro deve assumir a responsabilidade pela sua parte na colaboração.

• A coordenação do tratamento é, em última instância, para serviço do paciente ou do destinatário do serviço, e não apenas uma forma de controlar uma situação.

• Somente devem ser partilhadas as informações necessárias. • Confiança: geralmente estabelecida quando os parceiros demonstram uns aos outros

que são capazes de fazer o que prometem.• Modelo em que «todos ganham»: maximiza o envolvimento de cada parceiro.• Apresentação: reservar algum tempo para se apresentar aos diferentes parceiros numa

determinada situação particular.

Quem envolver:

Uma boa colaboração com alguns serviços empenhados é mais eficaz do que uma associação mais ampla de partes menos empenhadas, mas: • É necessária uma certa quantidade de parceiros, em virtude do risco de sobrecarregar

qualquer serviço com processos difíceis.• A diversidade é necessária - a mesma solução não será adequada a todos os pacientes.• É necessário explorar novas formas e novos serviços.

Boas práticas

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Um exemplo concreto: NPISA em Lisboa

A ideia do NPISA (Núcleo de Planeamento e Intervenção com Pessoas Sem-Abrigo) foi explicitada na Estratégia Nacional para os Sem-Abrigo, publicada em 2009 pelo Ministério da Segurança Social. Com este documento como guia, foram criados diversos NPISA em diferentes regiões do país. O NPISA de Lisboa foi criado em 2015. Foram necessários vários anos de preparação, exigindo envolvimento do Município de Lisboa, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e do Ministério da Segurança Social, em conjunto com ONG e associações que trabalham com os sem-abrigo da cidade.

O NPISA tem um edifício onde todas as organizações estão representadas e onde os sem-abrigo podem ser avaliados. O trabalho de equipas de rua de diferentes associações foi organizado e planeado em conjunto: atribuição de territórios, responsabilidades, gestores de caso. Há também uma partilha de informações e recursos.

A pessoa que se apresenta nos seus serviços sociais é bem-vinda e ouvida simultaneamente por um assistente social e por um psicólogo. Começando com esta reunião, é acordado e partilhado um plano de tratamento que assume a forma correspondente às necessidades, quer se trate de necessidades de natureza física, psíquica, habitacional ou laboral. O processo de recuperação é apoiado por todos os parceiros da rede, de acordo com as necessidades do indivíduo, e é facilitado através da capacidade dos parceiros de comunicarem diretamente e de planearem as suas intervenções em conjunto.

Ao fazê-lo, os tempos e custos operacionais são enormemente reduzidos, assim como os obstáculos burocráticos: a prestação de assistência através de uma rede de serviços torna mais provável o sucesso, e mais suportáveis os inevitáveis fracassos.

Caso: Filipe, CHPL Lisboa

Filipe era um homem de 40 anos, alto, negro e sem-abrigo, que vivia na rua há anos, no bairro de Lisboa onde crescera e onde a sua irmã e o seu irmão ainda viviam na casa da família. Os seus pais tinham morrido. A irmã era o único membro funcional da família e que trabalhava. Sozinha, cuidava de um filho adolescente e de dois irmãos, Filipe e outro irmão que estava desempregado há anos. Enquanto Filipe se recusava a ir para casa e dormia nas ruas, o seu irmão recusava-se a sair e fechou-se no seu quarto durante anos.

Filipe era uma grande preocupação para toda a comunidade do bairro. Bebia muito e era tão descuidado consigo mesmo que muitas vezes era visto a defecar enquanto caminhava! Mais tarde, foi diagnosticado como tendo uma esquizofrenia de longo prazo, com deterioração significativa.A equipa que trabalhava no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, que costumava ter

Caso

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reuniões regulares (quinzenalmente) para discutir situações difíceis, com particular destaque para os sem- abrigo com problemas de saúde mental, ouviu pela primeira vez falar de Filipe através de uma equipa externa e, por conseguinte, passou a visitar, regularmente, também esta família.

Um grupo da igreja local esteve muito envolvido no caso e tentou ajudar Filipe e a sua família. Contactaram a equipa de rua municipal, que acabou por nos pedir que avaliássemos o irmão de Filipe, já que ninguém entendia por que motivo estava isolado em casa. A nossa equipa, um psiquiatra e um psicólogo, fez uma visita à casa da família. Tivemos a oportunidade de falar com a irmã e com o irmão do Filipe. Também era um homem alto e impressionante (tinha trabalhado como segurança), apesar de falar connosco enquanto estava deitado na cama. O seu quarto exalava um forte cheiro e ele falava muito pouco, porque estava evidentemente desconfiado e tenso. A sua irmã disse-nos que ele se recusava a comer qualquer alimento preparado por ela e que não tomava banho há muito tempo. Saímos com a forte suspeita de que o irmão de Filipe estava a ter um surto psicótico e conversámos com a irmã sobre as suas opções.

Logo após esta visita, soubemos que Filipe, surpreendentemente, aceitou ir dormir num pequeno e agradável centro de acolhimento no centro da cidade, com muito boas condições e uma boa equipa. As senhoras da igreja que cuidavam dele há anos, em conjunto com uma equipa de apoio, conseguiram persuadi-lo a deixar as ruas. Estavam todos felizes e esperançados.

Mas essa alegria não durou muito tempo. Após alguns dias, Filipe tornou-se violento no centro de acolhimento, partindo muitas janelas. No meio da sua explosão de raiva, magoou-se quando caiu, tendo partido uma perna. Foi enviado para um grande hospital geral na cidade, onde foi tratado à perna e examinado psiquiatricamente. Após alguns dias, teve alta e voltou para o abrigo.

A equipa do centro de acolhimento ficou muito assustada com o regresso de Filipe ao abrigo tão rapidamente, após a entrada no hospital, e sentia que a oportunidade de lhe proporcionar tratamento psiquiátrico adequado não tinha sido utilizada. Assim, o responsável pelo centro de acolhimento telefonou ao psiquiatra que visitou a casa de Filipe, e que era também diretor de um serviço de internamento. Eles planearam que Filipe viria diretamente para o seu serviço depois de receber alta do outro hospital. Ele assim fez, e veio de táxi!

Filipe ficou internado neste serviço durante três semanas. Durante esse período, foi diagnosticado e tratado por esquizofrenia, exibindo um comportamento muito discreto e pacífico que não causou quaisquer problemas na unidade. Simultaneamente, os serviços sociais encontraram uma casa de repouso especializada em problemas de saúde mental graves. Assim, quando chegou o momento de sair do hospital, tinha sido encontrada uma boa solução. Devemos dizer que os custos desta casa de repouso eram um pouco mais elevados do que o habitual, mas os serviços sociais conseguiram obter uma autorização especial para ultrapassar um pouco o valor do orçamento regular, porque estavam conscientes de que Filipe precisava de cuidados especializados.

Algumas semanas depois, a nossa equipa visitou Filipe na casa de repouso. Ele foi mais comunicativo e cumprimentou-nos (ao seu estilo) e mostrou-nos a sua nova casa. Descobrimos que a irmã o visitava regularmente e que ele saía diariamente da residência para passear pela vizinhança, sem tentar fugir.

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Esta foi uma situação muito difícil, que durante muitos anos parecia impossível mudar. Com a cooperação de vários parceiros (família, comunidade local, equipa de rua, serviços sociais, hospital psiquiátrico, clínica de repouso), que puderam reunir os seus esforços e conhecimentos, várias intervenções diferentes agiram de forma conjugada para produzir um resultado muito melhor do que pensavam ser possível.

As reuniões regulares para discutir casos difíceis entre profissionais dos setores social e de saúde mental podem ser proveitosas e alterar situações que estão estagnadas há anos.

Ao mesmo tempo, é importante ter os meios para intervir e haver confiança entre os parceiros. Por exemplo, neste caso, a confiança de que os serviços sociais apoiariam o paciente, quando recebeu alta do hospital, permitiu que o serviço psiquiátrico abrisse as portas e o admitisse no internamento (sem o receio de não ter outra solução depois). Da mesma forma, os serviços sociais não recearam encontrar soluções pouco usuais e caras (casa de repouso) porque confiavam que a equipa de saúde mental iria continuar a dar todo o apoio necessário e sentiam que essa era uma solução adequada do ponto de vista técnico.

Cinco ideias principais do Perfil:

1. Existem casos impossíveis?

O caso apresentado permaneceu nas ruas durante anos, e muitos atores diferentes se sentiram impotentes para ajudar. Esse processo sugere que até mesmo os casos aparentemente impossíveis podem ser transformados. É útil identificar os fatores que fazem com que alguns casos pareçam impossíveis e quais são os fatores que podem dar origem a uma intervenção útil.

2. O que parece impossível pode tornar-se possível através da cooperação

Este caso reuniu uma diversidade de atores, tanto dos setores privado e público, como das áreas social e da saúde, que passaram a trabalhar juntos. Esta intervenção foi possível em virtude da confiança e da abertura para cooperar. Em vez de uma atitude “fazer isso é trabalho seu...", foi demonstrada uma atitude diferente: "se me ajudar nisto, eu poderei fazer isso". Neste caso, a hospitalização também permitiu que os serviços sociais encontrassem uma solução mais adequada (casa de repouso).

3. É útil ter reuniões regulares que reúnem profissionais dos campos da saúde social e mental para discutir casos difíceis.

As reuniões regulares entre uma equipa de proximidade que pertencia ao município, um psiquiatra e um psicólogo com experiência em atendimento aos sem-abrigo e a trabalhar num hospital psiquiátrico, mostraram ser úteis em várias situações difíceis. A partir destas reuniões surgiu a ideia de visitar Filipe, a sua irmã e o seu irmão e, em virtude deste conhecimento em primeira mão, foi muito mais fácil colaborar tendo em vista a hospitalização.

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4. É fundamental avaliar quais as situações necessitam de internamento ou consultas de saúde mental, quais as que precisam de um bom apoio social que atenda às necessidades individuais, ou ambos.

Este caso destaca a importância de uma boa avaliação e intervenção que dê resposta tanto às necessidades de saúde social como mental.

A hospitalização abriu a possibilidade de planear e encontrar uma melhor solução de alojamento.

5. Uma intervenção bem-sucedida representa o sucesso de todos

No final, todos os envolvidos no caso se sentiram vencedores, e ninguém sentiu que o sucesso se devia especialmente ao que fizera.

Questões

• Que pontos fortes e fatores de risco identifica neste utente?• Quais foram os momentos críticos no processo de desenvolvimento do trabalho em rede?• Que intervenções profissionais trouxeram, ou não, mais-valias ao processo de estabelecimento

de redes?

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Cuidar dos colaboradores

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Trabalhar com pessoas sem-abrigo pode ser exigente. Requer uma ampla diversidade de competências e pode ser emocionalmente exigente, pois os trabalhadores são frequentemente confrontados com situações traumáticas.

As pessoas sem-abrigo, e em particular as pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental e/ ou dependências, têm múltiplas necessidades. Eles experimentam não apenas a exclusão social, mas também a exclusão de serviços e/ou o estigma, mesmo da parte de profissionais. A equipa da linha da frente é repetidamente confrontada com o sofrimento e o trauma daqueles que têm necessidades em matéria de saúde mental (muitas vezes graves) e não têm casa. As pessoas com estas necessidades tendem a melhorar lentamente – isto pode ser frustrante para a equipa e dar origem a pessimismo e redução do investimento pessoal no trabalho. Além disso, o ambiente é muitas vezes imprevisível e um pouco caótico.

O trabalho especializado com pessoas sem-abrigo é muitas vezes marginalizado nos principais serviços, deixando os colaboradores especializados – e as equipas – com uma sensação de isolamento e sem apoio, e por vezes também de estigmatização. Estes problemas são ainda agravados pela falta de coordenação dos serviços e de trabalho em rede.

Existe uma responsabilidade óbvia e uma sensação de pressão contínua, na medida em que as equipas tentam satisfazer as múltiplas necessidades das pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental/ dependência. Isto pode ser agravado pela tensão adicional de tentar lidar com sistemas de saúde e de proteção social inflexíveis, fragmentados e descoordenados. Existe a probabilidade de que, a curto prazo, essas tensões angustiem a equipa, fazendo com que se distraia e não consiga manter o foco nas necessidades do utente. A longo prazo, a equipa pode sofrer um esgotamento (“burnout”), uma reação defensiva em que as equipas deixam de conseguir envolver-se efetivamente no trabalho.

Assim, há uma clara necessidade de cuidar dos colaboradores que trabalham com pessoas sem-abrigo. Os objetivos da formação e do cuidado prestado aos colaboradores são:

• Aumentar a resiliência• Manter e, se possível, melhorar o desempenho• Ajudar a equipa a lidar com o stresse e a frustração inerentes ao trabalho• Ajudar a equipa a manter um equilíbrio entre o trabalho e a qualidade de vida pessoal.

Objetivos específicos:

• Melhorar o conhecimento das múltiplas e complexas necessidades das pessoas sem-abrigo, incluindo os problemas de saúde mental e/ou de dependência ou duplo diagnóstico.

• Desenvolver as diversas competências necessárias para trabalhar com pessoas sem-abrigo com necessidades múltiplas e complexas.

• Facilitar o trabalho multidisciplinar e a consciencialização de papéis complementares numa equipa.

• Promover uma rede de trabalho colaborativa entre serviços e organizações, tentando ultrapassar as lacunas do sistema.

Introdução

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Formação

A importância do relacionamento de ajuda e de uma abordagem centrada no utente tem de ser integrada no funcionamento da equipa; não pode ser assumida.

A formação motiva, ativa e revigora as equipas. Deve ser preventiva e não reativa As organizações devem ser capazes de planear as necessidades futuras de formação das suas equipas e colocar em prática a formação, em vez de prestarem formação de forma reativa face a situações que poderiam ter previsto e planeado. Isto fornece à equipa as ferramentas para lidarem efetivamente com ocorrências e situações antes de elas acontecerem, tornando-as mais eficazes e dando-lhes um maior controlo sobre o seu trabalho.

A formação das equipas assume muitas formas, podendo essencialmente ser formal ou informal.

A formação informal é ocasional e fortuita, e geralmente não planeada. A pessoa treina e aprende em resultado da experiência enquanto faz o trabalho.

Também podem ser consideradas como formação informal as sessões de formação ministradas por membros da equipa dentro de uma organização – quando um membro da equipa, que possui grandes competências ou conhecimentos sobre determinada área, pode prestar formação específica a colegas em contexto de trabalho. Esta forma de formação pode ser particularmente eficaz, porque ocorre naturalmente no trabalho, permitindo aprender com exemplos e soluções da vida real. Também reduz o risco de falta de comunicação entre o formando e o formador. Contudo, é preciso confirmar que essa formação informal reflete os valores da organização.

A aprendizagem formal é um programa estabelecido em que as metas e os objetivos estão definidos. É estruturada e desenhada e pode resultar na emissão de um certificado formal ou numa qualificação para o formando.

A formação deve ser baseada em pontos fortes, para ajudar as equipas a desenvolver as competências que já possuem, com base nos conhecimentos e competências existentes. Tal abordagem reconhece e confirma a capacidade, as competências, o conhecimento e o potencial das equipas.

Devem ser realizadas avaliações das necessidades de formação para garantir que toda a formação é relevante para as necessidades das equipas e dos seus utentes. Trabalhar com pessoas com necessidades complexas exigirá competências e ferramentas bastante específicas, pelo que pode ser necessário encontrar formadores especializados. Além da formação básica para todos, a equipa especializada deve receber formação específica, que lhes permita lidar com as suas principais responsabilidades.

A formação deve estar em conformidade com as especificações das funções, de forma a assegurar a sua relevância.

As rotações entre cargos podem permitir à equipa experimentar outras formas de fazer as coisas.

Ideias principais

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Os especialistas em virtude da sua experiência – pessoas que são ou foram sem-abrigo e que sofreram de perturbação mental – devem ser encorajados a contribuir na qualidade de formadores.

Valores e visão

A função e o objetivo da equipa têm de ser claros e estar explicitamente definidos. Isto acarreta alguns limites e definição para o trabalho:

Valores

Qualquer equipa deve conhecer claramente os seus valores. No trabalho com pessoas sem-abrigo, estes incluem:

• Necessidades - o foco nas necessidades do utente como pessoa. A pessoa é o centro da atividade da equipa.

• Respeito - o utente enquanto indivíduo de igual valor e interesse face a qualquer outra pessoa na sociedade. Isto implica os valores de Diversidade, Dignidade e Igualdade.

• Otimismo e persistência

Papéis

A equipa tem de conhecer com clareza os seus papéis dentro de uma organização: a clareza quanto ao papel e à visão torna as organizações mais eficazes.

Cultura de equipa

Cada membro deve sentir que os seus conhecimentos e opiniões são ouvidos e levados a sério.Deve ser encorajada uma cultura de não atribuição de culpas, para que os problemas/erros possam ser partilhados sem penalizar o trabalhador individual. Os erros são excelentes ferramentas de aprendizagem, pelo que não devem ser tratados como falhas, mas sim incorporados num processo de eliminação ativa de coisas que não funcionam e de desenvolvimento de novas e mais eficazes formas de trabalhar.

Esta atitude permite que as equipas sejam apoiadas e aprendam. Além disso, esta é uma área em que as formas convencionais de trabalho se têm mostrado ineficazes. Se as equipas não cometerem erros, podem não estar a trabalhar de forma suficientemente criativa.

Função da equipa

Espaço para reflexão antes de as decisões serem tomadas.

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• Sessões regulares e planeadas, em que as equipas discutem a situação dos indivíduos e o seu acompanhamento.

• Devem ser discutidas tanto as decisões concretas como as emoções.• A equipa deve ter tempo suficiente para explorar completamente a situação e permitir que

qualquer membro da equipa se expresse e contribua com ideias.• Todos devem ser capazes de dar uma opinião com base na sua função e no seu papel na equipa,

e todos os contributos devem ser tratados como tendo valor.• Um planeamento matinal diário pode ajudar a garantir que as informações sobre os utentes sejam

trocadas livremente e em tempo útil

Formas práticas de o conseguir:

• A equipa deve sentir-se livre para expressar os seus sentimentos sobre o trabalho, os casos individuais e sobre os elementos da equipa.

• É essencial um estilo exploratório de reflexão / «pensar em conjunto» para criar soluções adequadas para os problemas complexos enfrentados neste ambiente.

• É necessário haver tempo e espaço regulares para permitir a reflexão com outros membros da equipa sobre situações ou problemas difíceis.

• Um glossário comum pode facilitar a comunicação entre diferentes profissões e apoiar uma abordagem comum, que é enriquecida pelas diferentes competências, personalidades e profissões dentro da equipa.

• Tarefas, responsabilidades, sistema de comunicação, sistema de apoio, papéis e limites, obrigações e direitos claramente definidos.

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Os recursos limitados, o tempo e até mesmo o local para ministrar formação às organizações que prestam serviços a pessoas sem-abrigo. Estas organizações são frequentemente subfinanciadas, dispondo de poucos recursos, pelo que prestar o nível necessário de apoio e formação às equipas está muitas vezes fora do seu alcance.

O tempo tem de ser programado para permitir que as equipas reservem tempo para supervisão, autocuidados e formação. No entanto, os padrões de trabalho podem dificultar o agendamento desse tempo.

Prioridade - Os cuidados e a formação dirigidos aos colaboradores podem ter uma prioridade baixa nas organizações, especialmente se resultarem de uma tradição de caridade.

O peso Organizacional - a formação pode ser vista como uma pressão excessiva sobre os recursos da organização.

A sobrecarga de casos pode limitar a capacidade da equipa de aceder à formação e limitar o tempo de que os seus elementos dispõem para cuidar adequadamente de si mesmos.

Os exemplos de formação inadequada ou irrelevante no passado pode impedir a equipa de participar na formação.

Os colaboradores podem sentir-se inseguros – se lhes disserem que precisam de formação, é porque são vistos como incompetentes – ou sentir-se incapazes de partilhar experiências por medo de consequências negativas por parte de outros membros da equipa ou da direção.

O preconceito acerca das doenças mentais dentro da organização também pode ser inibidor para a equipa e criar obstáculos à livre discussão – o que acontece a um membro da equipa se ficar deprimido, por exemplo?

Falta de empenho organizacional em cuidar dos colaboradores.

Combinar a supervisão clínica com a supervisão da gestão pode inibir a equipa de expressar livremente as preocupações.

Falta de supervisão externa para explorar quer as questões relacionadas com indivíduos, relacionamentos, quer o trabalho dentro da equipa. A reflexão, a supervisão e o apoio da equipa são particularmente necessários em casos frustrantes ou difíceis, quando a equipa se sente assustada, preocupada ou que não está «a chegar a lado nenhum» com um utente. A supervisão externa pode ajudar a equipa a descrever sentimentos e dificuldades. O acesso a essa supervisão pode ajudar a equipa a atuar de forma profissional e flexível, mesmo em situações difíceis. Estas podem incluir a morte de um utente, o envolvimento excessivo com um utente ou conflitos internos na equipa.

Formação pontual, sem sessões de acompanhamento para avaliar ou reforçar a formação, ou decidir se há necessidade de formação adicional.

Dificuldades

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A formação obrigatória pode não se aplicar ao trabalho realizado por cada membro da equipa. Em vez de ter como foco o utilizador do serviço, ou a formação e o autocuidado das equipas, é mais provável que aborde políticas gerais de saúde e segurança.

O formador/facilitador tem de ter credibilidade junto da equipa. Algumas equipas têm um forte sentido de competência, o que pode levá-las a pensar que não têm nada a aprender com os outros.

Narcisismo na equipa: Isto é mais comum em equipas desmoralizadas, cujos elementos têm uma mentalidade de «juntos venceremos», externalizando todos os problemas para outras agências e mantendo a convicção de que «nós sabemos o que estamos a fazer, os outros não».

Formação inadequada: Qualquer formação deve ser relevante, em termos práticos, para o trabalho diário da equipa.

Figura de corpo presente. A equipa está cansada, indisposta, angustiada ou fisicamente doente, é incapaz de funcionar bem, mas, ainda assim, vai trabalhar.

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Ter a equipa certa - que tem não apenas o conhecimento básico e a capacidade de ter um bom desempenho, mas também revela entusiasmo e empenho em trabalhar em serviço comunitário com pessoas sem-abrigo.

É importante confirmar que as atitudes e os valores da pessoa são consistentes com os da organização. Um bom exemplo é aderir a uma abordagem de direitos humanos que não faz juízos de valor e que incorpora os valores de dignidade e respeito, em vez de uma abordagem filantrópica/de caridade.

Compromisso com os valores de trabalho de rua e envolvimento.

Deve confirmar-se que o indivíduo possui o conjunto de competências, formação e experiência indicados para o trabalho.

Permitir que cada colaborador utilize os seus pontos fortes – para fazer as coisas em que é bom – em vez de insistir que todos façam tudo.

Uma estrutura clara, mas com capacidade de ser flexível, para que situações urgentes possam ser resolvidas rapidamente.

Uma equipa multidisciplinar, com uma diversidade de abordagens complementares. As pessoas sem-abrigo têm múltiplas necessidades e, portanto, podem precisar de várias capacidades/profissões para resolver as suas situações.

O trabalho em equipa é enfatizado, com incentivo para atuar com entusiasmo e motivação. Uma das coisas mais motivadoras é a sensação de que alguém foi eficaz, que fez algo de bom – sendo um grupo de pessoas com capacidade de autocrítica, tendemos a esquecer ou ignorar os tempos em que fomos eficazes. Assim, todos nós temos a responsabilidade de relembrar uns aos outros as vezes em que fomos eficazes. A equipa tem um papel específico, agindo enquanto «memória» destas coisas.

Fornecer recursos, ferramentas, um sistema claro de gestão e apoio (ou seja, quem chamam quando têm dificuldades) e protocolos para reagir, ou seja, quando estão em perigo, como podem proteger-se e proteger os utentes, constituem funções de apoio.

Confiança nos outros membros da equipa. Temos de diminuir os sentimentos de que as equipas podem ou devem lidar com tudo sozinhas. Os membros da equipa devem ser incentivados a confiar uns nos outros, tanto em termos de tarefas, como em termos de aprendizagem. Isto é mais provável se os elementos das equipas se sentirem aptos a partilhar informalmente uns com os outros, e se sentirem prontos para pedir a opinião/o conselho dos outros.

Exploração de problemas, em vez de os personalizar e atribuir culpas – válido tanto para as equipas como para os utilizadores dos serviços.

Reuniões de equipas multidisciplinares. Regulares, pelo menos uma vez por semana, para discussão

Boas práticas

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de casos e dificuldades, tomada de decisões, partilha de perspetivas e responsabilidades.

Todas as situações devem ser discutidas abertamente. Todos os membros devem ter o mesmo estatuto na equipa, para que se sintam capazes de expressar as suas opiniões e apresentar os seus problemas. As reuniões de equipa abertas e de reflexão são a base para o trabalho em equipa.

É essencial fornecer supervisão e apoio clínico regular, tanto à equipa como aos trabalhadores individuais. São necessários facilitadores externos. A supervisão é uma parte crucial da prática reflexiva, e parte integrante do trabalho realizado pela equipa da linha da frente. Nem todas as sessões de supervisão têm o mesmo estilo ou estrutura. Algumas organizações podem ter equipas insuficientes ou sobrecarregadas com casos, sendo incapazes de fornecer uma supervisão equilibrada. A supervisão não deve ser apenas para as equipas da linha da frente, mas sim para toda a organização, e incorporar funções administrativas, de apoio e educativas.

Fornecer supervisão institucional/organizacional e administrativa

Incentive ativamente o feedback da equipa quanto à organização e aja em conformidade!

Troca de experiências com outras equipas.

Supervisão entre equipas.

Formação conjunta com outras organizações – particulamente valiosa quando é transversal a vários setores (por exemplo, oficial/ONG). Também pode reforçar a rede de contactos.

Deve haver uma política e uma cultura de cuidado dos colaboradores. A equipa deve sentir-se valorizada e apoiada em todos os níveis da organização, com uma cultura com a qual a equipa se possa identificar e pela qual se sinta apoiada. A equipa deve ter tempo e espaço suficientes para refletir.

A equipa deve ter espaço para estar totalmente preparada para trabalhar e poder refletir sobre o trabalho que realiza. O cuidado centrado na pessoa dirigido aos utentes está relacionado com o cuidado centrado na pessoa dirigido aos colaboradores.

Avaliações regulares e construtivas ajudarão a motivar as equipas a continuar a desenvolver e melhorar o seu trabalho.

Uma compreensão clara da relação entre o trauma e a situação de sem-abrigo, para que a equipa possa entender melhor os problemas, as dificuldades e os comportamentos dos pacientes.

Práticas reflexivas e partilha de cultura.

Isto pode ser facilitado através de:

• Um grupo com facilitação externa.• Espaços de trabalho partilhados – inexistência de gabinetes individuais.• Modelagem pelos titulares de cargos superiores

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Estudo de caso 1: Cuidar dos colaboradores - Enfermeiros de rua

A ideia-chave é combinar o cuidado dos colaboradores e a formação dos colaboradores, através de trabalho em equipa, intercâmbio entre colegas e foco na reflexão. Os facilitadores externos e a supervisão são importantes.

Trabalhar com pessoas sem-abrigo pode ser difícil, por isso faz sentido reforçar os aspetos positivos (resultados do trabalho, ambiente, condições de trabalho, espírito de equipa). Se isto não for feito, a equipa pode focar-se demasiado nos aspetos negativos do seu trabalho – embora esses aspetos devam, obviamente, ser discutidos.

A equipa é multidisciplinar. Ter uma diversidade de competências significa que a equipa tem maior probabilidade de lidar com situações complexas. Por exemplo, em determinado momento, um utente pode ter tido problemas sociais, problemas de saúde mental e legais.

• A equipa tem duas reuniões semanais. Uma é dedicada aos pacientes e ao planeamento do trabalho clínico – o caso de cada paciente é discutido regularmente, independentemente de ter ou não problemas. A outra reunião é sobre a equipa e as questões organizacionais.

• É realizada uma sessão mensal para debater problemas ou situações encontradas pelas equipas no terreno. Um supervisor externo conduz a discussão, mas não oferece soluções («abre portas»). Estas reuniões mensais revelaram-se úteis e revitalizantes.

• Momento de boas notícias: Uma vez por semana, pouco antes da reunião da equipa, é dedicado um momento à partilha dos sucessos e progressos – grandes ou pequenos – alcançados pelos pacientes e pela equipa. A equipa prepara-se para isso durante a semana, inserindo tópicos no «diário das boas notícias», um vasto registo em que todos inserem notas coloridas sobre as boas notícias. Depois os colaboradores apresentam-nos e explicam-nos ao resto da equipa.

• Mais tarde, na reunião, podem ser discutidos os sentimentos negativos ou os problemas relacionados com os tópicos da equipa. Os problemas relativos aos indivíduos específicos são discutidos numa reunião específica.

• Nas reuniões de equipa, há momentos dedicados a partilhar sentimentos positivos e negativos. Tal é planeado de forma a que esses sentimentos não surjam inesperadamente, ou que não se expressem de forma insidiosa através de cinismo ou rigidez.

• Diariamente há uma altura para a equipa refletir sobre as últimas 24 horas. A equipa pode expressar sentimentos e emoções de qualquer tipo (relacionados com o trabalho ou com a vida privada). Isto permite que os membros da equipa entendam a situação emocional uns dos outros. Há mais tempo disponível para uma reunião presencial com um supervisor, se necessário.

• Encorajamos a reflexão, com pares, sobre qualquer situação, sem ter necessariamente qualquer expectativa de uma resolução.

• Uma base de dados partilhada e de fácil atualização significa que a informação é facilmente acessível, quando necessário. Os diários da equipa e os detalhes de contacto são partilhados, para que os membros da equipa possam entrar facilmente em contacto.

• Tiramos dois dias por ano para discutir e refletir sobre a forma como a equipa está a funcionar.

Caso

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Isto ajuda a motivar a equipa e a ver o trabalho de diferentes perspetivas.• Encorajamos as equipas a tirar dias de férias regularmente, em vez de os acumular.• Apoiamos os colaboradores no desenvolvimento da sua carreira, mesmo que isso implique que

saiam da nossa equipa. Após cinco anos de trabalho no terreno, há uma pausa remunerada de três meses na carreira, para permitir que as pessoas pensem livremente sobre o seu trabalho e a sua carreira.

Estudo de caso 2: Serviços de cuidado e formação dos colaboradores da Sociedade de Psiquiatria Social e Saúde Mental

Desde o início que a Sociedade de Psiquiatria Social e Saúde Mental combinou a prestação de serviços comunitários de saúde mental e a prestação de formação de alta qualidade (formação em serviço para os colaboradores e formação para outros profissionais).

No início de cada ano «académico», a Direção Científica prepara um programa comum de formação para todos os funcionários, em todos os níveis. Este programa tem por base a avaliação regular de necessidades, através de questionários preenchidos pela equipa.

Simultaneamente, cada unidade elabora um programa de formação específico, adaptado às necessidades e aos pedidos da equipa dessa unidade. Esta formação destina-se a reforçar o conhecimento e a melhorar as competências da equipa. Os utilizadores do serviço são envolvidos na qualidade de formadores, especialmente aqueles que vivem em serviços protegidos de habitação e reabilitação. Eles participam em eventos de formação específicos e em equipas de reflexão conjuntas, designadas «comunidades», que se realizam regularmente.

A ênfase é colocada na partilha da mesma visão e dos mesmos valores da organização, de forma a desenvolver um forte laço afetivo com o utilizador, ouvir e compreender as suas necessidades nos diversos níveis como um todo e desenvolver uma abordagem centrada na pessoa, um bom sistema de navegação e de trabalho em rede, a integração dos direitos humanos, a sensibilização da comunidade, a intervenção em situações de crise, e as competências de gestão.

A abordagem da organização é totalmente psicodinâmica, baseada na comunidade e centrada na pessoa. Isto permite-nos entender as necessidades e os conflitos psicológicos que levam a certos comportamentos. Mantemos uma colaboração contínua com as comunidades locais.

Paralelamente à formação contínua em serviço, organizamos seminários de formação específicos sempre que necessário (por exemplo, quando a equipa enfrenta um desafio novo e desconhecido).

Pelo menos uma vez por mês, é disponibilizada supervisão individual e da equipa. Contamos com profissionais externos nas equipas de supervisão. A ênfase é colocada no cuidado e no apoio aos colaboradores, em evitar o esgotamento e na orientação para o autocuidado.

Há equipas reflexivas regulares, uma vez por semana, discussão sobre os utentes e sobre a colaboração no seio da equipa. São incluídas orientações claras, descrições de trabalho, bem como protocolos, para que as equipas saibam como agir em qualquer circunstância (ou seja, em caso de emergência, etc.).

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O trabalho em rede, a participação dos colaboradores em projetos da UE, para intercâmbio de experiências e práticas eficazes, fazem parte da cultura da organização e do cuidado prestado aos colaboradores.

Outra ferramenta para cuidar dos colaboradores é a opção de trabalhar em diferentes unidades (ou seja, albergues, apartamentos protegidos, centros de dia, unidades móveis de saúde mental). Obviamente, tentamos encontrar um equilíbrio entre as necessidades dos colaboradores, da equipa e as necessidades organizacionais, e a necessidade de continuidade de tratamento e estabilidade nas relações terapêuticas.

A avaliação do Programa Educativo da organização foi realizada através de um questionário de autopreenchimento, criado para este fim. A análise dos dados revelou que 67% dos participantes sentiram que o programa de formação foi muito útil na parte relativa ao trabalho, 70% declararam-se satisfeitos com a organização geral do programa de formação, e 85% ficaram muito satisfeitos com os oradores, enquanto 55% sentiram que a ligação entre a teoria e a prática era muito eficaz.

Estudo de caso 3: a abordagem PIE e TIC para trabalhar com pessoas sem-abrigo.

Tratamento Informado em matéria de Trauma (TIC) e Ambientes Psicologicamente Informados (PIE)“[...] ambas as abordagens visam analisar o bem-estar psicológico das pessoas que utilizam os serviços, implementando uma estrutura na qual as suas necessidades psicológicas são consideradas.

Os ambientes psicologicamente informados (desenvolvidos no Reino Unido) e o tratamento informado em matéria de trauma (uma inovação dos EUA) também têm em consideração o bem-estar psicológico dos colaboradores que prestam o serviço. Concentram-se no desenvolvimento e no apoio dos colaboradores, em relacionamentos positivos e capacitadores e na melhoria do bem-estar através do ambiente e do apoio fornecido a utilizadores e prestadores de serviços.No entanto, nenhuma abordagem espera que a equipa de apoio seja quase-terapeuta ou que comece a investigar o histórico de trauma de alguém. Em vez disso, promovem a criação de ambientes seguros e capacitadores baseados na compreensão de experiências repetidas de trauma, que muitas vezes começaram na infância […] ”

Isto torna-se viável através da formação básica e da consciencialização da equipa que trabalha com pessoas sem-abrigo, em relação aos fatores psicológicos que estão ligados à sua situação e que talvez levem à dificuldade de se envolver em relacionamentos e ajuda. Através dessa consciencialização e formação básicas, a equipa pode gerir melhor o relacionamento com a pessoa, ser mais eficaz ao abordá-la e gerir as suas próprias emoções quanto a este papel.

Dados acima de:

http://www.homeless.org.uk/connect/blogs/2015/aug/19/do-you-know-your-tic-from-your-pie

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CURRÍCULO DE FORMAÇÃO

Proporcionar dignidade e bem--estar a pessoas sem-abrigo com

doença mental

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1. Fundamento

2. Público-alvo

3. Objetivos

Trabalhar com pessoas sem-abrigo e em situação de doença mental é um trabalho exigente para o qual, no início, ninguém está bem preparado. As múltiplas questões envolvidas (saúde, social, habitação, recuperação, trabalho de rua, trabalho em rede, cuidado dos colaboradores, etc.) tornam difícil que um único profissional, disciplina ou serviço esteja preparado para todos os desafios e necessidades desta população. É muito comum que os profissionais que começam a trabalhar com esta população sejam confrontados com os seus limites e sintam a necessidade de ir além dos seus métodos e conhecimentos habituais, desenvolvendo novas competências para se tornarem mais sensíveis às necessidades das pessoas e se relacionarem com os outros.

Uma observação recorrente é que o que se aprendeu com o currículo regular da universidade e profissional não é suficiente para enfrentar os desafios do trabalho com esta população.É de extrema importância neste campo aprender com a experiência, aprender com as experiências de outras pessoas, desenvolver uma prática reflexiva que procure soluções adaptativas para contextos únicos, em vez de copiar soluções já prontas.

Este currículo de formação visa ajudar os profissionais a desenvolver competências para melhor abordarem as necessidades desta população, demonstrando um contexto onde os futuros profissionais se podem tornar mais conscientes dos desafios e dimensões, bem como dos bons princípios, da prática de trabalho com pessoas sem-abrigo e com doença mental.

Profissionais de saúde e assistentes sociais que trabalham com sem-abrigo.

1. Fortalecer as competências dos profissionais que atuam na área social e nos campos da saúde social e mental, para compreender e responder adequadamente às necessidades dos sem-abrigo com problemas de saúde mental.

2. Melhorar a capacidade dos profissionais para ouvir e entender a voz e as necessidades dos sem-abrigo, para delinear e propor as respostas mais adequadas que aumentem o seu bem-estar físico e psíquico, bem como a sua dignidade e acesso aos direitos.

4. Metodologias de formação

Cada módulo começará com uma introdução ao tópico e com uma abordagem teórica. Para estimular a participação ativa dos participantes, a metodologia aplicada na segunda parte dos módulos utilizará atividades dinâmicas, como debates em pequenos grupos e sessões plenárias ou estudos de caso.

Cada módulo pode ser complementado com uma visita ao terreno, com uma duração mínima de duas horas.

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Módulos

Nome do Módulo Introdução Duração 2 horas

Conteúdos a abordar

- Visão geral do currículo de formação- Introdução aos sete módulos- Apresentação da estrutura e metodologia de cada sessão

Objetivos de aprendiza-gem

- Proporcionar um entendimento quanto à seleção de tópicos- Sensibilizar para o desenvolvimento e a interligação dos tópicos- Sensibilizar para o foco na prática desta formação

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Visão geral do currí-

culo de formaçãoApresentação Apresentação ppt

2. Apresentação da estrutura e metodo-logia das sessões

Apresentação Apresentação ppt

3. Porquê estes tópicos e como se interligam

Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

Materiais pedagógicos Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo SocialDuração 5 h

Conteúdos a abor-dar

- Introdução: Direitos sociais, proteção social, prevenção social, assistência social- Ideias principais: Os assistentes sociais enquanto mediadores dos serviços; direitos e

vontade individual; reconexão à rede de segurança do indivíduo- Dificuldades: Pobreza; Dificuldades na deteção; Falta de cooperação entre serviços

de saúde e serviços sociais; Sexo; Pessoas sem documentos; estigmatização; compor-tamento agressivo

- Boas práticas: Curiosidade; Escolher um método, medir a qualidade e documentar os resultados; atitude proativa e antecipação; Comunicação e visibilidade; escolher, alargar o leque de escolhas; serviços personalizados; Relacionamento

Objetivos de aprendizagem

- Sensibilizar para a importância dos fatores sociais e de proteção social relacionados com a situação de sem-abrigo

- Ficar a conhecer o papel dos profissionais da área social enquanto mediadores - Sensibilizar para a importância dos direitos e da vontade individual nas intervenções

sociais- Aprender a identificar dificuldades que contribuam para níveis mais elevados de vul-

nerabilidade- Aumentar a consciencialização sobre a atitude e os princípios sólidos de proximida-

de social e serviços personalizados

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução Apresentação e discussão em

grupo Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

2. Ideias princi-pais

Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo de tópicos após uma apresentação em ppt

3. Dificuldades Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão(As seções 3 e 4 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

5. Processo Apresentação de um processo e questões para discussão em pequenos grupos (45 min)Sessão plenária (45 min)

Discussão em grupo

Materiais pedagó-gicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Estudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo Saúde Duração 5 horas

Conteúdos a abordar

- Introdução: Necessidades em matéria de saúde mental e física de pessoas sem-- -abrigo- Ideias principais: Trabalho de rua em matéria de saúde, serviços de emergência,

inter- namento e alta hospitalar, serviços ambulatórios, tratamento obrigatório; trabalho em rede e colaboração com os serviços sociais

- Dificuldades: Dificuldades de envolvimento, avaliações de rua, avaliações obrigató- rias, comunicação e diferenças culturais

- Boas práticas: no trabalho de rua, na acessibilidade aos serviços de saúde, na hosp-ta lização, no trabalho com os colegas, na prevenção e no apoio da equipa

Objetivos deaprendizagem

- Sensibilizar para as necessidades de saúde mental e física dos sem-abrigo- Aprender sobre o papel das intervenções de saúde na rua e nos serviços- Aprender sobre o papel da colaboração e do trabalho em rede entre os serviços sociais

e de saúde- Aprender a antecipar as dificuldades e evitá-las- Identificar boas práticas de cuidados de saúde para os sem-abrigo

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução: a relação

entre problemas de saúde e a situação de sem-abrigo

Apresentação e discussão Discussão em grupo dos tópicos após uma apre-sentação em ppt

2. Principais ideias a des-tacar

Apresentação e discussão em grupo (As secções 1 e 2 podem ser agru-padas: 45 min para apresentação + 45 min para discussão)

Discussão em grupo após uma apresentação em ppt

3. Dificuldades esperadas e barreiras

Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo após uma apresentação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão em grupo (secções 3 e 4: 45 min para apre-sentação + 45 min para discus-são)

Discussão em grupo após uma apresentação em ppt

5. Processo Apresentação de um processo e questões para discussão em pe-quenos grupos (45 min)Sessão plenária (45 min)

Discussão em grupo

Materiais pedagó-gicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Estudo de caso

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo HabitaçãoDuração 5 h

Conteúdos a abordar

- Introdução: Casa; Lar- Ideias principais: Habitação enquanto direito; a importância da formação das equi-

pas; casa, apoio e participação; habitação de emergência; habitação a longo prazo; Casas Primeiro; visita domiciliária; mulheres e homens em serviços de alojamento:

- Dificuldades: Mercado de imóveis; acesso à habitação; acompanhamento- Boas práticas: Prevenção; Trabalho de rua; trabalho em rede; centralização na pessoa- Estudo de caso: Exemplos de serviços e processo

Objetivos de aprendizagem

- Aumentar a consciencialização sobre a importância da habitação e o estabelecimen-to de um lar

- Aprender como trabalhar a partir de uma perspetiva da habitação enquanto direito- Saber mais sobre o papel da habitação de emergência e de longo prazo- Aumentar a consciencialização sobre as dificuldades de acesso e adaptação ao aloja-

mento- Aprender os princípios sólidos do trabalho em matéria de habitação

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução Apresentação e discussão em

grupoDiscussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

2. Ideias princi-pais

Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discus-são)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

3. Dificuldades Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo de tópicos após uma apresentação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão(As seções 3 e 4 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discus-são)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresentação em ppt

5. Processo Apresentação de um proces-so e questões para discussão em pequenos grupos(45 min)Sessão plenária (45 min

Discussão em grupo

Materiais peda-gógicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Estudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo RECUPERAÇÃODuração 5 h

Conteúdos a abordar

- Introdução: Princípios e conceitos da recuperação- Ideias principais: O processo de recuperação - recuperação por sua própria iniciativa,

autonomia, o papel dos profissionais- Dificuldades do processo de recuperação e como geri-las- Boas práticas: gestores de processo estáveis, serviços à medida e centrados na pes-

soa; continuidade do tratamento, o papel dos grupos de pares- Estudo de caso e processo

Objetivos de aprendizagem

- Aumentar a consciencialização sobre a especificidade do processo de recuperação- Aprender as diferenças entre recuperação e tratamento;- Identificar as dificuldades do processo de recuperação e as soluções adequadas- Identificar bons princípios de práticas que promovam a recuperação

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução Apresentação e discussão em

grupoDiscussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

2. Ideias principais Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discus-são)

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

3. Dificuldades Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão(As secções 3 e 4 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discus-são)

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

5. Processo Apresentação de um proces-so e questões para discussão em pequenos grupos(45 min)Sessão plenária (45 min

Discussão em grupo

Materiais peda-gógicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Estudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo Trabalho de ruaDuração 5 h

Conteúdos a abordar

- Introdução: o conceito de trabalho de rua- Ideias principais: o trabalho de rua é uma atitude; um serviço; um modelo; fases

do trabalho de rua; papéis dos trabalhadores da saúde na rua; questões a abordar no domínio do realojamento

- Dificuldades: em relação a pessoas sem-abrigo; em relação aos trabalhadores; traba- lho conjunto e coordenação

- Boas práticas: Práticas específicas e boas práticas no trabalho de trabalho de rua- Processo

Objetivos de aprendizagem

- Aumentar a consciencialização sobre o valor do trabalho de rua na situação de sem-abrigo

- Aprender sobre o trabalho de rua enquanto atitude, serviço e modelo- Aprender sobre papéis profissionais de trabalho de rua- Identificar dificuldades no trabalho de rua- Aprender sobre as fases e as boas práticas de trabalho de rua

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução Apresentação e discussão em grupo Discussão em grupo dos

tópicos após uma apre-sentação em ppt

2. Ideias principais Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agru-padas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo de tópicos após uma apre-sentação em ppt

3. Dificuldades Apresentação e discussão em grupo Discussão em grupo dos tópicos após uma apre-sentação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão(As seções 3 e 4 podem ser agrupa-das: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apre-sentação em ppt

5. Processo Apresentação de um processo e questões para discussão em peque-nos grupos(45 min)Sessão plenária (45 min

Discussão em grupo

Materiais peda-gógicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em Power Point Estudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo Trabalho em redeDuração 5 h

Conteúdos a abor-dar

- ntrodução: complexidade; atores envolvidos; trabalho em rede enquanto abor-dagem multicamadas; rede estrutural e operacional; razões para o trabalho em rede

- Ideias principais: o trabalho em rede enquanto oportunidade; construir uma rede; trabalho em rede dentro da instituição; entre instituições

- Dificuldades: o trabalho em rede como um problema; prevenção de dificuldades- Boas práticas: Sugestões; quem envolver; estudo de caso- Processo

Objetivos de aprendizagem

- Aumentar a consciencialização sobre a importância do trabalho em rede- Aprender sobre redes estruturais e operacionais- Aprender a construir e sustentar uma rede de trabalho- Identificar boas práticas de desenvolvimento de redes de apoio-

Plano da sessão

Tema Método Atividades

1. Introdução Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

2. Ideias principais

Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

3. DificuldadesApresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

4. Boas práticas

Apresentação e discussão(As secções 3 e 4 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tó-picos após uma apresentação em ppt

5. Processo Apresentação de um proces-so e questões para discussão em pequenos grupos (45 min)Sessão plenária (45 min

Discussão em grupo

Materiais pedagó-gicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPoint Estudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

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Nome do Módulo Cuidar dos colaboradoresDuração 5 H

Conteúdos a abordar

- Introdução: o papel da formação e do cuidado dos colaboradores- Ideias principais: formação; valores e visão; função da equipa- Dificuldades em matéria de cuidados e formação dos colaboradores- Boas práticas que fomentam o apoio e o desenvolvimento das equipas- Estudos de caso

Objetivos de aprendizagem

- Sensibilizar para a importância do cuidado e da formação prestados aos colabora-dores

- Aprender sobre o papel da formação, cultura e funcionamento da equipa- Identificar dificuldades e obstáculos que se colocam a um bom apoio às equipas- Identificar boas práticas em matéria de cuidados e formação dos colaboradores

Plano da sessão

Tema Método Atividades1. Introdução Apresentação e discussão em

grupoDiscussão em grupo dos tópicos após uma apresen-tação em ppt

2. Ideias principais Apresentação e discussão(As secções 1 e 2 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresen-tação em ppt

3. Dificuldades Apresentação e discussão em grupo

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresen-tação em ppt

4. Boas práticas Apresentação e discussão(As secções 3 e 4 podem ser agrupadas: apresentação de 45 min + 45 min de discussão)

Discussão em grupo dos tópicos após uma apresen-tação em ppt

5. Estudo de caso Apresentação de um estudo de caso e questões para discussão em pequenos grupos (45 min)Sessão plenária (45 min

Discussão em grupo

Materiais peda-gógicos

Documentação de apoio (modelos, etc.) e apresentação em PowerPointEstudo de casoPerfil (ex.)

Avaliação Questionário de autoavaliação no final da sessão

5. Perfil dos formadores

Especialistas profissionais com experiência em trabalho com pessoas sem-abrigo e na área da saúde mental, e com uma licenciatura ou especialização relacionada com estas áreas de trabalho.

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Glossário

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Social

Situação de sem-abrigo: Na Europa, é mais utilizada a definição do ETHOS. As categorias do ETHOS cobrem todas as situações da vida que se traduzem em formas de sem-abrigo, como:1) Sem -teto (sem um abrigo de qualquer tipo, dormir na rua)2) Sem casa (com um lugar para dormir, mas temporário, em instituições ou abrigos)3) Morar em habitações precárias (ameaça de exclusão grave devido a arrendamentos precários, despejo, violência doméstica),4) Morar em habitações inadequadas (caravanas em acampamentos ilegais, casas inabitáveis, em situação de superlotação extrema). Neste texto, concentramo-nos apenas em pessoas sem-abrigo que dormem na rua.

Serviço social: O serviço social oferecido pelo sistema público ou por organizações não governamentais a pessoas com necessidades sociais.

Trabalho com processos: Serviço social que consiste no processamento de casos.

Doença mental: Também designada transtorno mental ou transtorno psiquiátrico, é um padrão mental ou comportamental que causa sofrimento significativo ou insuficiência do funcionamento pessoal.

Humanismo: Que o homem deve mostrar respeito pelo homem, independentemente da classe, raça ou crença é fundamental para a atitude humanista perante a vida. Entre os princípios morais fundamentais, incluiria os da liberdade, justiça, tolerância e felicidade... a atitude de que as pessoas podem viver uma vida honesta, relevante, sem seguirem uma crença religiosa formal. (Pears Cyclopaedia, 87.ª edição, 1978)

Psiquiatria social: O campo de interesse da psiquiatria social é a vida da pessoa mentalmente doente, tal como resulta do diálogo e contacto entre pessoas individuais e

entre o indivíduo e a sociedade envolvente. A psiquiatria social deve lidar com a questão de «o que é uma vida boa», e deve ser um parceiro analítico, crítico e ativo no debate público. É um complemento da psiquiatria médico-biológica e da psicoterapêutica.

Pobreza: “A pobreza é fome. Pobreza é a falta de abrigo. Pobreza é estar doente e não poder ir a um médico. Pobreza é não ter acesso à escola e não saber ler. Pobreza é não ter emprego, é recear o futuro, viver um dia de cada vez. A pobreza tem muitos rostos, mudando de lugar para lugar e ao longo do tempo, e tem sido descrita de várias formas. Na maioria das vezes, a pobreza é uma situação de que as pessoas querem fugir. Assim, a pobreza é um apelo à ação - tanto para os pobres como para os ricos -, um apelo para mudar o mundo, para que muitos mais tenham o suficiente para comer, abrigo adequado, acesso à educação e saúde, proteção contra a violência e uma voz no que acontece nas suas comunidades.” (The World Bank Organization)

Equipa multidisciplinar: Refere-se a atividades sociais que envolvem os esforços de indivíduos de várias disciplinas relevantes.

Saúde

Acessibilidade: Acesso direto a tratamento e recursos.

Trabalho em rede: Essencial em virtude dos múltiplos problemas de saúde e sociais, multimorbilidade.

Cuidados continuados: (Ver o capítulo sobre trabalho de rua)

Construção de pontes: A defesa dos direitos e o apoio emocional através de vários sistemas sociais e de saúde têm um papel importante.

Competências sociais (soft): Dar atenção aos aspetos interpessoais e relacionais.

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Trabalho de ligação (“inreach”): Os serviços e profissionais da comunidade devem tomar a iniciativa de comunicar e partilhar informações com a equipa de pacientes internados.

Plano de internamento: Definir sucintamente as razões para a admissão, o que funcionou no passado e qual poderia ser o resultado esperado do internamento.

Avaliações de rua: Avaliações realizadas na rua.

Avaliações para internamento compulsivo: Realização de uma avaliação para um possível internamento compulsivo no hospital

«Difícil de envolver»: Os sem-abrigo podem ser vistos pelos serviços tradicionais como difíceis de envolver, mas isto geralmente tem muito a ver com o acesso a direitos básicos, segurança social e barreiras linguísticas. Porta giratória: Múltiplos internamentos hospitalares

Serviços de porta aberta: Os serviços tradicionais devem aumentar o acesso das pessoas sem- abrigo, pelo que a ausência de necessidade de uma marcação ou listas de espera é uma boa formas de o conseguir.

Reuniões prévias à alta: Envolver a equipa hospitalar e a equipa responsável pelo sem-abrigo (incluindo um assistente social) para planear o alojamento futuro e organizar um plano de alta/ acompanhamento.

PrevençãoPrimária: Melhorar a saúde geral da população. Secundária: Melhorar a deteção de perturbações mentais.Terciária: Melhorar o tratamento e a recuperação.

Alojamento

Escuta ativa: É concentrar-se totalmente no que está a ser dito, em vez de se limitar a «ouvir» passivamente a mensagem do emissor. É ouvir

atentamente enquanto uma pessoa fala, repetir o que disse, sem julgamento ou conselho.

Habitação: Habitação, no que diz respeito a ser uma questão social ou um direito humano, pode ser definida como casa, habitação ou abrigo que dá segurança e calor, além de proporcionar um lugar para descansar. É um dos componentes mais importantes de uma vida segura.

Casas Primeiro: A Casas Primeiro é uma abordagem ao fenómeno sem-abrigo que se concentra em transferir uma pessoa da situação de sem-abrigo para uma casa própria, o mais rapidamente possível. É uma perspectiva orientada para a recuperação, em que o apoio e serviços adicionais são dados à medida que são necessários.

Responsável de Habitação: Gere o alojamento e os serviços relacionados em nome de associações de alojamento, autoridades locais e ONG. O seu papel envolve a gestão do alojamento e a manutenção de contacto regular com os utilizadores do serviço, tomar conta do rendimento do aluguer e lidar com reparações e problemas com vizinhos. Os Responsáveis de Habitação geralmente trabalham numa equipa que inclui agentes de apoio ao arrendamento, responsáveis de caso/ trabalhadores-chave, etc.

Intervenções: A intervenção refere-se às ações tomadas pelos serviços para dar apoio aos utilizadores do serviço no seu processo de recuperação. Estas podem ser extremamente abrangentes e muitas vezes envolvem formas menos dramáticas de ajudar um indivíduo.

Ambientes Psicologicamente Informados Os Ambientes Psicologicamente Informados são serviços desenvolvidos e prestados tendo em consideração as necessidades emocionais e psicológicas dos indivíduos que os utilizam. É uma abordagem complementar à prestação de serviços para pessoas com necessidades complexas com o Tratamento Informado em matéria de Trauma.

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Tratamento centrado na pessoa: Tratamento centrado na pessoa significa colocar os utilizadores do serviço no centro das decisões e vê-los como especialistas, a trabalhar ao lado de profissionais com vista à obtenção dos melhores resultados. Ser compassivo, ver e tomar decisões do ponto de vista de um utilizador dos serviços e ser respeitoso é importante. Os valores, circunstâncias sociais e estilo de vida de uma pessoa são tomados em consideração na tomada de decisões partilhadas com os utilizadores do serviço.

Abordagem baseada nos direitos: Uma abordagem baseada nos direitos impõe aos prestadores de serviços a obrigação de garantir que os seus serviços mantenham e promovam os padrões europeus e internacionais de direitos humanos. Tal abordagem coloca o foco no direito de um indivíduo e não na necessidade.

Sob uma abordagem baseada nos direitos, os planos, políticas e processos de desenvolvimento estão ancorados num sistema de direitos e obrigações correspondentes, estabelecidos pelo direito internacional.

Por exemplo, o Artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que: Todas as pessoas têm direito a um nível de vida adequado à sua saúde e bem-estar bem como da sua família, incluindo alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e serviços sociais necessários, além do direito à segurança em caso de desemprego, doença, incapacidade, viuvez, velhice ou outro tipo de falta de meios de subsistência, resultantes de circunstâncias que escapam ao seu controlo.

Utilizador do serviço: Um utilizador do serviço é um termo genérico para qualquer pessoa que utiliza um serviço para pessoas em situação de abrigo, de saúde ou outro serviço social.

Trauma: O trauma é uma reação emocional que alguém tem face a um evento negativo. Os efeitos do trauma podem interferir na

capacidade de um indivíduo levar uma vida normal. Alguém que sofreu um trauma pode desenvolver problemas emocionais como raiva, tristeza, ansiedade, TSPT, culpa de sobrevivente, etc. Podem desenvolver problemas contínuos com o sono, dores físicas e emocionais e têm problemas nos seus relacionamentos pessoais. As pessoas que sofreram um grande trauma são mais propensas a ter uma necessidade de apoio para a adição.

Tratamento Informado em matéria de Trauma: O Tratamento Informado em matéria de Trauma é uma abordagem que visa melhorar a consciencialização sobre o trauma e o seu impacto nos utilizadores do serviço, para garantir que os serviços prestados oferecem apoio efetivo e, acima de tudo, que não traumatizam aqueles que acedem ou trabalham nos serviços

Prática anti-opressiva: É um método e modelo para combater acções de indivíduos e instituições que têm um impacto de opressão sobre indivíduos e grupos na sociedade, em que estas acções discriminatórias são baseadas em atitudes e valores preconceituosos e inválidos.

Recovery

Construção conjunta: a prestação de serviços públicos num relacionamento equilibrado e recíproco entre profissionais, pessoas que utilizam os serviços, as suas famílias e os seus vizinhos. (Boyle e Harris, 2009).

Ligação: unir ou ligar; ligar duas coisas. Empoderamento (empowerment): assumir o controlo da sua vida, uma oportunidade para controlar a sua própria vida. Houve muito debate quanto à utilização da palavra empoderamento. O empoderamento é uma acção externa, mas também é um relacionamento de duas vias, pode levar alguém à recuperação, mas a recuperação também pode levar alguém ao empoderamento.

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Estabelecer relações: criar e manter uma ligação de confiança mútua, transparência e respeito entre um profissional e um utente (no nosso caso, um sem-abrigo com dificuldades mentais). Esta é a base para qualquer planeamento e cooperação adicional. Confidencialidade e honestidade do profissional. Uma atitude carinhosa, mas também com definição de limites.

Institucionalização: Efeitos nocivos, como apatia e perda de independência, decorrentes de passar muito tempo numa instituição.

Trabalho em rede: um grupo ou sistema de pessoas, serviços ou organizações interligadas. Interagem entre si para trocar informações e desenvolver contactos profissionais ou sociais. Pode ser formal (ver o exemplo do NPISA em Lisboa, dirigida aos sem-abrigo) ou informal.

Escolha pessoal: envolve a tomada de decisão. Pode incluir a avaliação das virtudes de várias opções e a seleção de uma ou mais dessas opções. Pode-se escolher entre opções imaginadas (“O que faria eu se...?”) ou entre opções reais seguidas pela ação correspondente. Está associada ao livre arbítrio.

Recapacitação: Facilitar a capacidade derecuperação.

Recuperação: ver as definições fornecidas no início deste capítulo.

Abordagem passo a passo: Método através do qual se faz algo com cuidado, gradualmente e numa ordem particular (Longman Dictionary).

Trabalho de rua

Utente: uma pessoa que faz uso de serviços de apoio, seja profissional ou voluntário. Outros termos utilizados para descrever utentes são, em diferentes contextos, pacientes ou utilizadores do serviço.

Lar: um local onde uma pessoa sente que pertence e onde tem o direito de estar.

Um lugar de afetos e emoções, proteção e segurança, onde uma pessoa se sente bem-vinda, reconhecida e apoiada.

Habitação: um lugar onde as pessoas podem viver calmamente.

Pessoas sem-abrigo com problemas de saúde mental: pessoas que não têm abrigo e que também têm um perturbação mental que pode ter precipitado a situação de sem-abrigo, mas que provavelmente contribui para perpetuar a situação de sem-abrigo e a exclusão social.

Institucionalização: O processo pelo qual um indivíduo se torna dependente de uma instituição, em detrimento da sua independência e capacidade de tomar decisões por si.

Desinstitucionalização psiquiátrica: Um processo cultural e científico que reconheceu que a doença mental e o sofrimento psicológico não recebem a melhor ajuda através do isolamento prolongado em instituições psiquiátricas fechadas. A alternativa é o tratamento baseado na comunidade, que envolve um investimento substancial em pessoal e serviços.

Desinstitucionalização: O encerramento de camas hospitalares. Apesar de realizada sob a aparência de desinstitucionalização «construtiva», é muitas vezes levada a cabo por razões financeiras, em vez de terapêuticas.

Tratamento de saúde compulsivo: Se o transtorno mental de uma pessoa implica que ela se torne um risco para si ou para os outros, ou simplesmente não consegue cuidar de si adequadamente, ela pode ser retida no hospital contra a sua vontade (ou, pelo menos, sem a sua autorização expressa), utilizando as leis aplicáveis naquele país em particular.

Migrante não documentado: Uma pessoa nascida num país estrangeiro, que não tenha o direito legal de estar ou permanecer num país específico, mas que tenha – como pessoa humana – os direitos básicos reconhecidos pela Declaração de direitos humanos

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fundamentais.

Trabalho de rua (“outreach”): ir para o exterior ao encontro das pessoas que precisam.

Trabalho de ligação (Inreach”): ir para “dentro” dos serviços para estabelecer ligações com os técnicos-chave.

Trabalho em rede

Complexidade: carateriza o comportamento de um sistema ou modelo cujos componentes interagem de várias formas e seguem as regras locais, o que significa que não há instruções razoáveis para definir as várias interações possíveis.(https://en.wikipedia.org/wiki/Complexity)

Facilitador: alguém que ajuda uma pessoa ou organização a fazer algo mais facilmente ou a encontrar a resposta para um problema, discutindo as coisas e sugerindo formas de as fazer. (https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/facilitator)

Meta-organização: é definida como organizações que são formadas por outras organizações e não por indivíduos.( h t t p s : // e n . w i k i p e d i a . o r g / w i k i / M e t a -organization)

Trabalho em rede: Um processo que fomenta a troca de informações, ideias e práticas entre indivíduos ou grupos que partilham um interesse comum.(https://www.investopedia.com/terms/n/ networking.asp)

Posição em que «todos ganham»: a posição em que «todos ganham» tem a ver com a mudança do conflito, de uma posição competitiva de ataque e da defesa, para a cooperação. É uma mudança de atitude poderosa que altera todo o curso da comunicação: Eu quero ganhar e quero que o outro também ganhe. (http://www.consultpivotal.com/win_win.htm)

Cuidar dos colaboradores

Colaboradores: Qualquer pessoa que concretize diretamente os projetos e programas de uma organização e para com quem uma organização tenha um dever de cuidar. Os colaboradores podem ser trabalhadores a tempo inteiro ou a tempo parcial; também podem ser voluntários ou trabalhadores externos contratados, utilizados para ajudar uma organização a cumprir a sua função.

Prestar cuidados e formação aos colaboradores: A eficácia de uma organização depende de colaboradores bem qualificados e com uma formação sólida, que tenham um bom nível de entusiasmo. A resposta simples para ter uma organização eficaz é garantir que todos os colaboradores remunerados e voluntários recebem formação suficiente para desenvolver as competências certas que lhes permitam cumprir as suas responsabilidades.

A formação dos colaboradores é realizada de várias formas, mas, na maioria das vezes, pode ser formal e informal. A formação informal é relativamente casual e acessória; consiste em treinar e aprender através da experiência no trabalho.

A aprendizagem formal é um programa definido no qual as metas e objetivos são definidos; é estruturada e desenhada e resulta numa certificação para o formando.

O cuidado dos colaboradores inclui apoio e supervisão, tanto em relação aos processos quanto à dinâmica da equipa e da organização.

Prática reflexiva - quando os profissionais refletem sobre os seus conhecimentos e experiências e expressam os seus pensamentos e sentimentos sobre eles. Não há pressão para uma resposta imediata, que pode surgir após um período de discussão e reflexão.

Tudo isto ajuda a evitar o esgotamento, um fenómeno comum, pois trabalhar com pessoas traumatizadas, como as pessoas sem-abrigo

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(com problemas de saúde mental), afeta os colaboradores.

Esgotamento (“burnout”) - “Pensa-se que o burnout profissional resulta de stresse de longo prazo, irresolúvel no trabalho. Em 1974, Herbert Freudenberger tornou-se o primeiro investigador a publicar num jornal de psicologia umartigo que usava o termo burnout. O artigo baseou- se nas suas observações do pessoal voluntário (incluindo ele mesmo) numa clínica gratuita para dependentes de drogas. [1] Ele caracterizou o burnout como um conjunto de sintomas que inclui a exaustão resultante de exigências excessivas no trabalho, bem como sintomas físicos, como dores de cabeça e insónia, “surtos de ira” e pensamento fechado. Ele observou que o trabalhador esgotado “aparenta, age e parece deprimido”

(https://en.wikipedia.org/wiki/Occupational_burnout)

h t t p s : / / w w w . r e s e a r c h g a t e . n e t /publication/232515466_Understanding_stress_and_burnout_in_shelter_workers

h t t p s : // j o u r n a l s . s a g e p u b . c o m / d o i /abs/10.1177/009365095022002001

Equipa multidisciplinar: Um grupo de pessoas que trabalham juntas numa equipa, que têm as mesmas metas e objetivos, mas que têm experiências profissionais e de vida diferentes, embora complementares.

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Referências

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Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Câmara Municipal de Lisboa; NPISA (Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo); Associação Conversa Amiga; Projeto Casas Primeiro-AEIPS; Projeto É uma Casa- Associação Crescer; C.A.S.A- SCML; Centro de Alojamento Temporário de Xabregas; Espaço Aberto ao Diálogo- Comunidade Vida e Paz; Projeto Orientar; Centro Porta Amiga- AMI; Centro de Apoio Social de S. Bento; Unidade móvel Médicos do Mundo; Unidade móvel Ares do Pinhal; NAL de Arroios;

A Direção e os colaboradores da Midlands Simon Community and Sophia Housing; Mark Cooney, Presidente da Midlands Simon Community; Denis Doherty, Presidente da Sophia; Jean Quinn D.W, Eoghan Murphy, Ministro da Habitação, Planeamento e Governo Local; Eileen Gleeson, Dublin Regional Homeless Executive; Dr. Bernie O’Donoghue Hynes, Diretor de Investigação da Dublin Regional Homeless Executive; Paul Gilligan, Administrador Delegado do St Patricks Mental Health Services, Crosscare Family Hub Drumcondra; Anna Liffey, Projeto de Droga, De Paul - Back Lane Hostel; Fundo Peter McVery - St Catherines Foyer Hostel; Conselheiro Daithi Doolan e Gabinete do Lord Mayors Office do Dublin City Council; Keiran Butler, Coordenador Regional de Serviços para Sem-abrigo de Midlands; Ciaran Cannon, Ministro da Diáspora e Desenvolvimento Internacional; Antoinette Kinsella, Coordenadora do Grupo Regional de Drogas da Midlands Regional Drugs Task Force.

Município de Florença, Coordinamento Toscano Margnalità, Università di Scienze Sociali Firenze, Conselho de Assistentes Sociais da Toscana, Departamento de Saúde Mental, Usl Centro Toscana e ASP Montedomini

Maria Stratigaki, vice-presidente da Câmara de Atenas para a Solidariedade Social, o Bem-estar e a Igualdade. Rede de Habitação Grega (especialmente a ex-presidente Ioanna Pertsinidou e o vice-presidente Spyros Psychas). Eleni Katsouli, Presidente do Abrigo para Sem-abrigo da Cidade de Atenas. ONG PRAKSIS e especialmente o Day Center for Homeless (D.C.f.H.) em Pireu. Christos Alefantis (Editora), Aimilia Douka, Dora Maslintsi, jornal de rua Shedia. Nikos Gkionakis, Associado Científico do BABEL Day Center. Dimitra Siatista, Investigadora na área da Habitação/Assessora do Ministro da Solidariedade Social, Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade Social. Todas as pessoas em situação de sem-abrigo e doença mental que partilharam as suas histórias connosco e/ou contribuíram de formas diferentes para o projeto, ou seja, durante as visitas de estudo.

Município de Barcelona, Cáritas Diocesana de Barcelona, Cooperativa Suara, Grupo Sant Pere Claver, Arrels fundació. Fundació ASSIS, Sant Joan de Déu Serviços Sociais, Serviços de Saúde Mental de Madrid, Institut Català de la Salut, Ambit Prevenció Fundació, Obra Social Santa Lluisa de Marillach, Associació Sarau, Obertament, Federação Veus, Radio NiKosia, Red sin Gravedad e Projecte Sostre

Regionens Psykiatriske Gadeplansteam, Aktivitetscentret, Sundholm, Mette Marie Hjemmet, Mændenes Hjem, Hjemløseenheden, Københavns Kommune, Gadens stemmer

Rzecznik Praw ObywatelskichOgólnopolska Federacja na rzecz Rozwiązywania Problemu Bezdomności

Este guia foi financiado com o apoio da Comissão Europeia. O apoio da Comissão Europeia à produção desta publicação não constitui um endosso do seu conteúdo, o qual apenas reflete o ponto de vista dos autores, não podendo a Comissão ser responsabilizada por qualquer utilização que possa ser feita das informações incluídas no mesmo

Agradecimentos especiais

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