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CAPÍTULO 3 Dimensã o processual do princípio do devido processo constitucional Alexandre Freitas Câmara 1 SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DEVIDO PROCESSO LEGAL OU DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL?; 3. O DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS; 4. DEVIDO PROCESSO E PAR TICIPAÇÃO: O PAPEL DO CONTRADITÓRIO NA CONSTRUÇÃO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL; 5. CONCLUSÃO. 1. INTRODUÇÃO A Constituição brasileira estabelece, em seu art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Integra, pois, o ordenamento jurídico brasileiro o princípio conhecido como devido pro- cesso legal, o qual tem origem na cláusula anglo-saxônica do due process of law . Trata-se de princípio que está expressamente constitucionalizado em diversos outros ordenamentos, 2  sendo certo que em alguns deles a garantia é consa- grada não obstante não se use a expressão que a Constituição da República brasileira utiliza. 3 No Brasil, a garantia do devido processo legal foi vista como “um conceito aberto [, i]nstituto de teor inexato, vago, indefinido”. 4  O que se busca com este 1. Professor Emérito de direito processual civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Ja- neiro). Membro da International Association of Procedural Law, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 2. Como se dá, por exemplo, n os Estados Unidos da América (em cuja Constituição a cláusula due process of law foi inserida pela Quinta Emenda, por força da qual ninguém será privado da vida, liberdade ou propriedade sem tal garantia) e no Equador, cuja Constituição de 2008 estabelece, em seu art. 76, que “em todo processo em que se determinem direitos e obrigações de qualquer ordem, se assegurará o direito ao devido processo” (tradução livre). 3. É o caso, por exemplo, da Constituição italiana, cujo art. 111 fala em uma garantia de giusto processo (“A jurisdição se atua mediante o processo justo regulado pela lei”, em tradução livre). A doutrina ita- liana, porém, não tem dúvida em afirmar que a garantia constitucional do giusto processo corresponde, substancialmente, ao due process of law (assim, por exemplo, Vicenzo Vigoriti, Ancora a proposito della superabile crisi del processo civile, ensaio publicado em meio eletrônico in http:/ /www.judicium.it/ad min/ saggi/279/VigoritiIII.pdf, acesso em 17/10/2014). 4. Paula Sarno Braga, Aplicação do devido processo legal nas relações privadas. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 180. Livro 1.indb 245 15/08/2015 20:59:00

Dimensão Processual Do Princípio Do Devido Processo Constitucional

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C A P Iacute T U L O 3

Dimensatildeo processual do princiacutepiodo devido processo constitucional

Alexandre Freitas Cacircmara1

SUMAacuteRIO 1 INTRODUCcedilAtildeO 2 DEVIDO PROCESSO LEGAL OU DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL 3 ODEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS 4 DEVIDO PROCESSO E PAR983085TICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NA CONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

5 CONCLUSAtildeO

1 INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo brasileira estabelece em seu art 5ordm LIV que ldquoningueacutem seraacuteprivado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legalrdquo Integrapois o ordenamento juriacutedico brasileiro o princiacutepio conhecido como devido pro-

cesso legal o qual tem origem na claacuteusula anglo-saxocircnica do due process of law Trata-se de princiacutepio que estaacute expressamente constitucionalizado em diversosoutros ordenamentos2 sendo certo que em alguns deles a garantia eacute consa-

grada natildeo obstante natildeo se use a expressatildeo que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicabrasileira utiliza3

No Brasil a garantia do devido processo legal foi vista como ldquoum conceitoaberto [ i]nstituto de teor inexato vago indefinidordquo4 O que se busca com este

1 Professor Emeacuterito de direito processual civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Ja-neiro) Membro da International Association of Procedural Law do Instituto Ibero-Americano de DireitoProcessual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual Desembargador no Tribunal de Justiccedila do Estadodo Rio de Janeiro

2 Como se daacute por exemplo nos Estados Unidos da Ameacuterica (em cuja Constituiccedilatildeo a claacuteusula due process

of law foi inserida pela Quinta Emenda por forccedila da qual ningueacutem seraacute privado da vida liberdade oupropriedade sem tal garantia) e no Equador cuja Constituiccedilatildeo de 2008 estabelece em seu art 76 queldquoem todo processo em que se determinem direitos e obrigaccedilotildees de qualquer ordem se asseguraraacute odireito ao devido processordquo (traduccedilatildeo livre)

3 Eacute o caso por exemplo da Constituiccedilatildeo italiana cujo art 111 fala em uma garantia de giusto processo(ldquoA jurisdiccedilatildeo se atua mediante o processo justo regulado pela leirdquo em traduccedilatildeo livre) A doutrina ita-liana poreacutem natildeo tem duacutevida em afirmar que a garantia constitucional do giusto processo correspondesubstancialmente ao due process of law (assim por exemplo Vicenzo Vigoriti Ancora a proposito dellasuperabile crisi del processo civile ensaio publicado em meio eletrocircnico in httpwwwjudiciumitadminsaggi279VigoritiIIIpdf acesso em 17102014)

4 Paula Sarno Braga Aplicaccedilatildeo do devido processo legal nas relaccedilotildees privadas Salvador Juspodivm 2008p 180

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breve ensaio poreacutem eacute mostrar que a garantia do devido processo legal temum conteuacutedo definido jaacute que visa a assegurar que o processo judicial se de-senvolva de acordo com o modelo constitucional de processo sendo pois umaverdadeira garantia de que haveraacute um devido processo constitucional

Para isso buscar-se-aacute em primeiro lugar demonstrar que a terminologiamais adequada para designar o aludido princiacutepio eacute devido processo constitucio-nal (e natildeo ldquodevido processo legalrdquo) Em seguida se demonstraraacute como o devidoprocesso constitucional pode ndash e deve ndash ser visto como um mecanismo de as-seguraccedilatildeo do respeito agraves garantias constitucionais do processo dedicando-seespecial atenccedilatildeo agrave garantia de participaccedilatildeo que afinal resulta do princiacutepio docontraditoacuterio apresentando-se ao final algumas breves conclusotildees

Fica este estudo poreacutem limitado ao exame da dimensatildeo processual do prin-

ciacutepio (a que se costuma chamar de procedural due process) Haacute uma dimensatildeosubstancial (substantive due process) responsaacutevel por estabelecer limites ao exer-ciacutecio do poder estatal5 que aqui natildeo seraacute examinada mas que deve ser compre-endido como mecanismo de controle material do conteuacutedo das decisotildees judiciais6

2 DEVIDO PROCESSO LEGAL OU DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Embora o texto constitucional brasileiro fale expressamente em ldquodevidoprocesso legalrdquo natildeo se pode ver neste princiacutepio uma garantia de que se obser-varaacute o devido processo da lei7 O devido processo que o ordenamento juriacutedico

brasileiro assegura eacute o devido processo constitucional8

Isto se afirma como consequecircncia do fenocircmeno conhecido como consti-tucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que foi capaz de alterar profundamenteo modo como o Direito eacute pensado especialmente na Europa Continental apartir de meados do seacuteculo XX (apoacutes o fim da Segunda Guerra Mundial) 9 Estemovimento chegou ao Brasil tardiamente a partir do final da deacutecada de 1980conduzido pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198810 e permitiu que se passasse

5 Dierle Nunes Alexandre Bahia Bernardo Ribeiro Cacircmara e Carlos Henrique Soares Curso de direito pro-

cessual civil Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 756 Idem p 807 Autores haacute que usam como sinocircnima da expressatildeo constitucional esta outra ldquodevido processo de leirdquo

(como por exemplo Nagib Slaibi Filho Direito constitucional Rio de Janeiro Forense 2004 p 402)8 Expressatildeo que se encontra por exemplo na obra de Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo consti-

tucional e Estado Democraacutetico de Direito Belo Horizonte Del Rey 2ordf ed 2012 p 1279 Daniel Sarmento ldquoO Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidadesrdquo in Daniel Sarmento Por um

constitucionalismo inclusivo Histoacuteria constitucional brasileira teoria da Constituiccedilatildeo e direitos fundamen-tais Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 236

10 Luiacutes Roberto Barroso ldquoNeoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do Direito (o triunfo tardio do DireitoConstitucional do Brasil)rdquo in Claacuteudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (coord) A constitucionali-zaccedilatildeo do Direito ndash fundamentos teoacutericos e aplicaccedilotildees especiacuteficas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 207Vale transcrever pequeno trecho do artigo citado cujo autor integra hoje o Supremo Tribunal Federal

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a pensar todo o Direito (inclusive o direito processual civil) a partir de umaoacutetica constitucional

Incorporou-se assim ao pensamento juriacutedico brasileiro a concepccedilatildeo deum modelo constitucional de processo civil11 a qual encontra seu embriatildeo naobra de Andolina e Vignera12

A visatildeo constitucional do processo vem cada vez mais se universalizandoE como afirma Freacutedeacuterique Ferrand (em traduccedilatildeo livre)13

ldquoEm nosso mundo de sempre crescente complexidade princiacutepiose direitos processuais fundamentais ndash frequentemente de origeme natureza constitucional ndash ganharam um papel de lideranccedila des-de que eles satildeo uma condiccedilatildeo tatildeo essencial e necessaacuteria para oexerciacutecio de outros direitos fundamentais Sua crescente natureza

constitucional eou fundamental pode ser apreendida com satis-faccedilatildeo Processo tornou-se uma lsquotema nobrersquordquo

Pois a partir de um pensamento constitucional acerca do processo im-pende considerar que o princiacutepio do ldquodevido processo legalrdquo eacute na verdade oprinciacutepio responsaacutevel por assegurar que os processos (de qualquer naturezamas para o que a este texto interessa especialmente os processos civis) de-senvolvam-se conforme o modelo constitucional de processo

Assim deve-se entender que o princiacutepio do devido processo constitucionalassegura que o resultado final do processo (seja ele cognitivo ou executivo) se

produza ldquosob inarredaacutevel disciplina constitucional principioloacutegicardquo14

ldquoSob a Constituiccedilatildeo de 1988 o direito constitucional no Brasil passou da desimportacircncia ao apogeu emmenos de uma geraccedilatildeo Uma Constituiccedilatildeo natildeo eacute soacute teacutecnica Tem de haver por traacutes dela a capacidadede simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginaacuterio das pessoas para novos avanccedilos O surgimento deum sentimento constitucional no Paiacutes eacute algo que merece ser celebrado Trata-se de um sentimento aindatiacutemido mas real e sincero de maior respeito pela Lei Maior a despeito da volubilidade de seu texto Eacuteum grande progresso Superamos a crocircnica indiferenccedila que historicamente se manteve em relaccedilatildeo agraveConstituiccedilatildeo E para os que sabem eacute a indiferenccedila natildeo o oacutedio o contraacuterio do amorrdquo

11 E natildeo soacute de processo civil mas tambeacutem de um modelo constitucional de processo penal de processoadministrativo de processo trabalhista etc Assim expressamente Flaviane de Magalhatildees Barros ldquoNuli-

dades e Modelo Constitucional de Processordquo in Fredie Didier Juacutenior (org) Teoria do Processo PanoramaDoutrinaacuterio Mundial Segunda Seacuterie Salvador Juspodivm 2010 p 245 que afirma ser legiacutetimo expandir--se o modelo constitucional de processo para todos os tipos de processos natildeo soacute jurisdicionais mastambeacutem ao processo legislativo administrativo arbitral e de mediaccedilatildeo

12 Italo Andolina e Giuseppe Vignera Il modello costituzionale del processo civile italiano Turim G Giappi-chelli 1990 passim

13 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurein International Association of Procedural Law Seoul Conference 2014 Seul IAPL 2014 p 58 No originalldquoIn our world of ever-growing complexity fundamental procedural principles and rights ndash often of cons-titutional origin and nature ndash have gained a leading role since they are such an essential and necessarycondition for the exercise of other fundamental rights Their growing constitutional andor fundamentalnature can be acknowledged with satisfaction Procedure has become a lsquonoble subject matterrsquordquo

14 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 128

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Resulta daiacute portanto que o processo civil precisa ser um processo absolu-tamente afinado com as garantias resultantes dos princiacutepios constitucionais quecompotildeem o modelo constitucional de processo Em outros termos o processocivil deve ser (ao menos no que diz respeito ao modelo constitucional brasilei-ro de processo) um processo isonocircmico que se desenvolve em contraditoacuterioperante o juiacutezo natural que proferiraacute decisotildees fundamentadas alcanccedilando-seseu resultado final em tempo razoaacutevel E tudo isso inspirado pelo princiacutepio doacesso agrave justiccedila

3 O DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITU983085CIONAIS

O devido processo constitucional como visto eacute um processo que observa asgarantias constitucionais do processo E no modelo constitucional brasileiro haacuteuma plecirciade de garantias expressamente previstas Natildeo eacute este evidentementeo lugar adequado para um exame profundo e exauriente de todas elas Eacute pre-ciso poreacutem dar de cada uma dessas garantias uma breve notiacutecia

Em primeiro lugar o devido processo constitucional eacute um processo isonocircmi-

co (Constituiccedilatildeo do Brasil art 5ordm caput ) Exige-se pois que no processo haja umequiliacutebrio de forccedilas entre os diversos atores processuais todos igualmente im-portantes para a produccedilatildeo do resultado final Essa isonomia eacute substancial (quecostuma ser descrita atraveacutes da maacutexima segundo a qual devem ser tratados

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais nos limites da desigualdade)Assim justifica-se a existecircncia no sistema processual de situaccedilotildees de tratamen-to diferenciado para as partes (como se daacute no caso de serem duplicados os pra-zos processuais para os assistidos da Defensoria Puacuteblica assim como a inversatildeodo ocircnus da prova em favor do consumidor em determinadas situaccedilotildees) o quese apresenta como mecanismo de construccedilatildeo de um processo equilibrado emque natildeo se permitiraacute que o resultado final favoreccedila a parte mais forte simples-mente por ser ela a mais forte O processo deve produzir a decisatildeo correta parao caso concreto15 dando-se razatildeo a quem efetivamente a tenha16

Elemento necessariamente integrante de um devido processo constitucio-nal que se apresente como um processo isonocircmico eacute a construccedilatildeo de uma

15 Entendida aqui a ldquoresposta corretardquo como ldquoresposta constitucionalmente adequadardquo (a propoacutesito doponto Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo ensaio publicado em meio eletrocircnico em httpwwwanima-opetcombrprimeira_edicaoarti-go_Lenio_Luiz_Streck_hermeneuticapdf p 8

16 Afinal como ensina Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias ldquoo juiz natildeo cria (ou inventa) direito algum no pro-cesso que possa ser considerado democraacuteticordquo (Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direitocit p 92)

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teacutecnica de padronizaccedilatildeo decisoacuteria fundada em precedentes Evidentementeisto deve ser feito de modo a respeitar o princiacutepio da isonomia de modo queldquose preserva a igualdade quando diante de situaccedilotildees idecircnticas haacute decisotildeesidecircnticas Entretanto viola-se o mesmo princiacutepio da igualdade quando em hi-poacuteteses de situaccedilotildees lsquosemelhantesrsquo aplica-se sem mais uma lsquotesersquo anterior-mente definida (sem consideraccedilotildees quanto agraves questotildees proacuteprias do caso a serdecidido e o paradigma) aiacute haacute tambeacutem violaccedilatildeo agrave igualdade nesse segundosentido como direito constitucional agrave diferenccedila e agrave singularidaderdquo17

Em outros termos a padronizaccedilatildeo decisoacuteria que se deve buscar atraveacutesde uma teacutecnica de julgamentos fundada em precedentes tem por fim assegurarque casos idecircnticos recebam decisotildees idecircnticas (e pelos mesmos motivos ca-sos diferentes devem ser julgados de modo a respeitar as diferenccedilas existentes

entre eles)O devido processo constitucional eacute aleacutem de isonocircmico um processo que

se desenvolve perante o juiacutezo natural entendido este como o juiacutezo cuja compe-tecircncia constitucional eacute prefixada18

Haacute uma importante ligaccedilatildeo entre o princiacutepio do juiacutezo natural e o da iso-nomia que se manifesta na busca de uma padronizaccedilatildeo decisoacuteria para as cau-sas idecircnticas Eacute que se deve reconhecer no sistema constitucional a previsatildeoda existecircncia de tribunais competentes para a determinaccedilatildeo da interpretaccedilatildeocorreta das normas juriacutedicas Assim eacute que no sistema brasileiro o juiacutezo natural

para determinar a interpretaccedilatildeo correta das normas constitucionais eacute o Supre-mo Tribunal Federal o juiacutezo natural da fixaccedilatildeo da interpretaccedilatildeo das normasfederais infraconstitucionais eacute o Superior Tribunal de Justiccedila e o juiacutezo naturalda fixaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo das normas infraconstitucionais locais (es-taduais ndash aiacute incluiacutedas a que resultem da interpretaccedilatildeo das Constituiccedilotildees Esta-duais ndash distritais ndash no que diz respeito ao direito local do Distrito Federal ndash emunicipais) satildeo os Tribunais de Justiccedila

Disso resulta que um sistema de vinculaccedilatildeo a precedentes deveraacute obser-var essas competecircncias constitucionais de modo que por exemplo havendouma divergecircncia acerca da interpretaccedilatildeo da lei federal entre o STF e o STJ

17 Dierle Nunes ldquoProcessualismo constitucional democraacutetico e o dimensionamento de teacutecnicas para a liti-giosidade repetitivardquo in Revista de Processo vol 199 Satildeo Paulo RT set 2011 p 70

18 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit pp 115-118 Leonardo Joseacute Carneiro da Cunha afirma que ldquoa garantia do juiz natural conteacutem trecircs significados anecessidade de o julgador ser preacute-constituiacutedo e natildeo constituiacutedo post factum a inderrogabilidade e in-disponibilidade da competecircncia e a proibiccedilatildeo de juiacutezes extraordinaacuterios e especiais Em outras palavraso alcance do juiz natural desdobra-se em trecircs garantias que consistem na proibiccedilatildeo (a) do poder decomissatildeo (b) do poder de evocaccedilatildeo e (c) do poder de atribuiccedilatildeordquo (Leonardo Joseacute Carneiro da CunhaJurisdiccedilatildeo e competecircncia Satildeo Paulo RT 2008 p 62)

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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breve ensaio poreacutem eacute mostrar que a garantia do devido processo legal temum conteuacutedo definido jaacute que visa a assegurar que o processo judicial se de-senvolva de acordo com o modelo constitucional de processo sendo pois umaverdadeira garantia de que haveraacute um devido processo constitucional

Para isso buscar-se-aacute em primeiro lugar demonstrar que a terminologiamais adequada para designar o aludido princiacutepio eacute devido processo constitucio-nal (e natildeo ldquodevido processo legalrdquo) Em seguida se demonstraraacute como o devidoprocesso constitucional pode ndash e deve ndash ser visto como um mecanismo de as-seguraccedilatildeo do respeito agraves garantias constitucionais do processo dedicando-seespecial atenccedilatildeo agrave garantia de participaccedilatildeo que afinal resulta do princiacutepio docontraditoacuterio apresentando-se ao final algumas breves conclusotildees

Fica este estudo poreacutem limitado ao exame da dimensatildeo processual do prin-

ciacutepio (a que se costuma chamar de procedural due process) Haacute uma dimensatildeosubstancial (substantive due process) responsaacutevel por estabelecer limites ao exer-ciacutecio do poder estatal5 que aqui natildeo seraacute examinada mas que deve ser compre-endido como mecanismo de controle material do conteuacutedo das decisotildees judiciais6

2 DEVIDO PROCESSO LEGAL OU DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Embora o texto constitucional brasileiro fale expressamente em ldquodevidoprocesso legalrdquo natildeo se pode ver neste princiacutepio uma garantia de que se obser-varaacute o devido processo da lei7 O devido processo que o ordenamento juriacutedico

brasileiro assegura eacute o devido processo constitucional8

Isto se afirma como consequecircncia do fenocircmeno conhecido como consti-tucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que foi capaz de alterar profundamenteo modo como o Direito eacute pensado especialmente na Europa Continental apartir de meados do seacuteculo XX (apoacutes o fim da Segunda Guerra Mundial) 9 Estemovimento chegou ao Brasil tardiamente a partir do final da deacutecada de 1980conduzido pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198810 e permitiu que se passasse

5 Dierle Nunes Alexandre Bahia Bernardo Ribeiro Cacircmara e Carlos Henrique Soares Curso de direito pro-

cessual civil Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 756 Idem p 807 Autores haacute que usam como sinocircnima da expressatildeo constitucional esta outra ldquodevido processo de leirdquo

(como por exemplo Nagib Slaibi Filho Direito constitucional Rio de Janeiro Forense 2004 p 402)8 Expressatildeo que se encontra por exemplo na obra de Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo consti-

tucional e Estado Democraacutetico de Direito Belo Horizonte Del Rey 2ordf ed 2012 p 1279 Daniel Sarmento ldquoO Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidadesrdquo in Daniel Sarmento Por um

constitucionalismo inclusivo Histoacuteria constitucional brasileira teoria da Constituiccedilatildeo e direitos fundamen-tais Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 236

10 Luiacutes Roberto Barroso ldquoNeoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do Direito (o triunfo tardio do DireitoConstitucional do Brasil)rdquo in Claacuteudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (coord) A constitucionali-zaccedilatildeo do Direito ndash fundamentos teoacutericos e aplicaccedilotildees especiacuteficas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 207Vale transcrever pequeno trecho do artigo citado cujo autor integra hoje o Supremo Tribunal Federal

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a pensar todo o Direito (inclusive o direito processual civil) a partir de umaoacutetica constitucional

Incorporou-se assim ao pensamento juriacutedico brasileiro a concepccedilatildeo deum modelo constitucional de processo civil11 a qual encontra seu embriatildeo naobra de Andolina e Vignera12

A visatildeo constitucional do processo vem cada vez mais se universalizandoE como afirma Freacutedeacuterique Ferrand (em traduccedilatildeo livre)13

ldquoEm nosso mundo de sempre crescente complexidade princiacutepiose direitos processuais fundamentais ndash frequentemente de origeme natureza constitucional ndash ganharam um papel de lideranccedila des-de que eles satildeo uma condiccedilatildeo tatildeo essencial e necessaacuteria para oexerciacutecio de outros direitos fundamentais Sua crescente natureza

constitucional eou fundamental pode ser apreendida com satis-faccedilatildeo Processo tornou-se uma lsquotema nobrersquordquo

Pois a partir de um pensamento constitucional acerca do processo im-pende considerar que o princiacutepio do ldquodevido processo legalrdquo eacute na verdade oprinciacutepio responsaacutevel por assegurar que os processos (de qualquer naturezamas para o que a este texto interessa especialmente os processos civis) de-senvolvam-se conforme o modelo constitucional de processo

Assim deve-se entender que o princiacutepio do devido processo constitucionalassegura que o resultado final do processo (seja ele cognitivo ou executivo) se

produza ldquosob inarredaacutevel disciplina constitucional principioloacutegicardquo14

ldquoSob a Constituiccedilatildeo de 1988 o direito constitucional no Brasil passou da desimportacircncia ao apogeu emmenos de uma geraccedilatildeo Uma Constituiccedilatildeo natildeo eacute soacute teacutecnica Tem de haver por traacutes dela a capacidadede simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginaacuterio das pessoas para novos avanccedilos O surgimento deum sentimento constitucional no Paiacutes eacute algo que merece ser celebrado Trata-se de um sentimento aindatiacutemido mas real e sincero de maior respeito pela Lei Maior a despeito da volubilidade de seu texto Eacuteum grande progresso Superamos a crocircnica indiferenccedila que historicamente se manteve em relaccedilatildeo agraveConstituiccedilatildeo E para os que sabem eacute a indiferenccedila natildeo o oacutedio o contraacuterio do amorrdquo

11 E natildeo soacute de processo civil mas tambeacutem de um modelo constitucional de processo penal de processoadministrativo de processo trabalhista etc Assim expressamente Flaviane de Magalhatildees Barros ldquoNuli-

dades e Modelo Constitucional de Processordquo in Fredie Didier Juacutenior (org) Teoria do Processo PanoramaDoutrinaacuterio Mundial Segunda Seacuterie Salvador Juspodivm 2010 p 245 que afirma ser legiacutetimo expandir--se o modelo constitucional de processo para todos os tipos de processos natildeo soacute jurisdicionais mastambeacutem ao processo legislativo administrativo arbitral e de mediaccedilatildeo

12 Italo Andolina e Giuseppe Vignera Il modello costituzionale del processo civile italiano Turim G Giappi-chelli 1990 passim

13 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurein International Association of Procedural Law Seoul Conference 2014 Seul IAPL 2014 p 58 No originalldquoIn our world of ever-growing complexity fundamental procedural principles and rights ndash often of cons-titutional origin and nature ndash have gained a leading role since they are such an essential and necessarycondition for the exercise of other fundamental rights Their growing constitutional andor fundamentalnature can be acknowledged with satisfaction Procedure has become a lsquonoble subject matterrsquordquo

14 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 128

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Resulta daiacute portanto que o processo civil precisa ser um processo absolu-tamente afinado com as garantias resultantes dos princiacutepios constitucionais quecompotildeem o modelo constitucional de processo Em outros termos o processocivil deve ser (ao menos no que diz respeito ao modelo constitucional brasilei-ro de processo) um processo isonocircmico que se desenvolve em contraditoacuterioperante o juiacutezo natural que proferiraacute decisotildees fundamentadas alcanccedilando-seseu resultado final em tempo razoaacutevel E tudo isso inspirado pelo princiacutepio doacesso agrave justiccedila

3 O DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITU983085CIONAIS

O devido processo constitucional como visto eacute um processo que observa asgarantias constitucionais do processo E no modelo constitucional brasileiro haacuteuma plecirciade de garantias expressamente previstas Natildeo eacute este evidentementeo lugar adequado para um exame profundo e exauriente de todas elas Eacute pre-ciso poreacutem dar de cada uma dessas garantias uma breve notiacutecia

Em primeiro lugar o devido processo constitucional eacute um processo isonocircmi-

co (Constituiccedilatildeo do Brasil art 5ordm caput ) Exige-se pois que no processo haja umequiliacutebrio de forccedilas entre os diversos atores processuais todos igualmente im-portantes para a produccedilatildeo do resultado final Essa isonomia eacute substancial (quecostuma ser descrita atraveacutes da maacutexima segundo a qual devem ser tratados

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais nos limites da desigualdade)Assim justifica-se a existecircncia no sistema processual de situaccedilotildees de tratamen-to diferenciado para as partes (como se daacute no caso de serem duplicados os pra-zos processuais para os assistidos da Defensoria Puacuteblica assim como a inversatildeodo ocircnus da prova em favor do consumidor em determinadas situaccedilotildees) o quese apresenta como mecanismo de construccedilatildeo de um processo equilibrado emque natildeo se permitiraacute que o resultado final favoreccedila a parte mais forte simples-mente por ser ela a mais forte O processo deve produzir a decisatildeo correta parao caso concreto15 dando-se razatildeo a quem efetivamente a tenha16

Elemento necessariamente integrante de um devido processo constitucio-nal que se apresente como um processo isonocircmico eacute a construccedilatildeo de uma

15 Entendida aqui a ldquoresposta corretardquo como ldquoresposta constitucionalmente adequadardquo (a propoacutesito doponto Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo ensaio publicado em meio eletrocircnico em httpwwwanima-opetcombrprimeira_edicaoarti-go_Lenio_Luiz_Streck_hermeneuticapdf p 8

16 Afinal como ensina Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias ldquoo juiz natildeo cria (ou inventa) direito algum no pro-cesso que possa ser considerado democraacuteticordquo (Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direitocit p 92)

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teacutecnica de padronizaccedilatildeo decisoacuteria fundada em precedentes Evidentementeisto deve ser feito de modo a respeitar o princiacutepio da isonomia de modo queldquose preserva a igualdade quando diante de situaccedilotildees idecircnticas haacute decisotildeesidecircnticas Entretanto viola-se o mesmo princiacutepio da igualdade quando em hi-poacuteteses de situaccedilotildees lsquosemelhantesrsquo aplica-se sem mais uma lsquotesersquo anterior-mente definida (sem consideraccedilotildees quanto agraves questotildees proacuteprias do caso a serdecidido e o paradigma) aiacute haacute tambeacutem violaccedilatildeo agrave igualdade nesse segundosentido como direito constitucional agrave diferenccedila e agrave singularidaderdquo17

Em outros termos a padronizaccedilatildeo decisoacuteria que se deve buscar atraveacutesde uma teacutecnica de julgamentos fundada em precedentes tem por fim assegurarque casos idecircnticos recebam decisotildees idecircnticas (e pelos mesmos motivos ca-sos diferentes devem ser julgados de modo a respeitar as diferenccedilas existentes

entre eles)O devido processo constitucional eacute aleacutem de isonocircmico um processo que

se desenvolve perante o juiacutezo natural entendido este como o juiacutezo cuja compe-tecircncia constitucional eacute prefixada18

Haacute uma importante ligaccedilatildeo entre o princiacutepio do juiacutezo natural e o da iso-nomia que se manifesta na busca de uma padronizaccedilatildeo decisoacuteria para as cau-sas idecircnticas Eacute que se deve reconhecer no sistema constitucional a previsatildeoda existecircncia de tribunais competentes para a determinaccedilatildeo da interpretaccedilatildeocorreta das normas juriacutedicas Assim eacute que no sistema brasileiro o juiacutezo natural

para determinar a interpretaccedilatildeo correta das normas constitucionais eacute o Supre-mo Tribunal Federal o juiacutezo natural da fixaccedilatildeo da interpretaccedilatildeo das normasfederais infraconstitucionais eacute o Superior Tribunal de Justiccedila e o juiacutezo naturalda fixaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo das normas infraconstitucionais locais (es-taduais ndash aiacute incluiacutedas a que resultem da interpretaccedilatildeo das Constituiccedilotildees Esta-duais ndash distritais ndash no que diz respeito ao direito local do Distrito Federal ndash emunicipais) satildeo os Tribunais de Justiccedila

Disso resulta que um sistema de vinculaccedilatildeo a precedentes deveraacute obser-var essas competecircncias constitucionais de modo que por exemplo havendouma divergecircncia acerca da interpretaccedilatildeo da lei federal entre o STF e o STJ

17 Dierle Nunes ldquoProcessualismo constitucional democraacutetico e o dimensionamento de teacutecnicas para a liti-giosidade repetitivardquo in Revista de Processo vol 199 Satildeo Paulo RT set 2011 p 70

18 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit pp 115-118 Leonardo Joseacute Carneiro da Cunha afirma que ldquoa garantia do juiz natural conteacutem trecircs significados anecessidade de o julgador ser preacute-constituiacutedo e natildeo constituiacutedo post factum a inderrogabilidade e in-disponibilidade da competecircncia e a proibiccedilatildeo de juiacutezes extraordinaacuterios e especiais Em outras palavraso alcance do juiz natural desdobra-se em trecircs garantias que consistem na proibiccedilatildeo (a) do poder decomissatildeo (b) do poder de evocaccedilatildeo e (c) do poder de atribuiccedilatildeordquo (Leonardo Joseacute Carneiro da CunhaJurisdiccedilatildeo e competecircncia Satildeo Paulo RT 2008 p 62)

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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a pensar todo o Direito (inclusive o direito processual civil) a partir de umaoacutetica constitucional

Incorporou-se assim ao pensamento juriacutedico brasileiro a concepccedilatildeo deum modelo constitucional de processo civil11 a qual encontra seu embriatildeo naobra de Andolina e Vignera12

A visatildeo constitucional do processo vem cada vez mais se universalizandoE como afirma Freacutedeacuterique Ferrand (em traduccedilatildeo livre)13

ldquoEm nosso mundo de sempre crescente complexidade princiacutepiose direitos processuais fundamentais ndash frequentemente de origeme natureza constitucional ndash ganharam um papel de lideranccedila des-de que eles satildeo uma condiccedilatildeo tatildeo essencial e necessaacuteria para oexerciacutecio de outros direitos fundamentais Sua crescente natureza

constitucional eou fundamental pode ser apreendida com satis-faccedilatildeo Processo tornou-se uma lsquotema nobrersquordquo

Pois a partir de um pensamento constitucional acerca do processo im-pende considerar que o princiacutepio do ldquodevido processo legalrdquo eacute na verdade oprinciacutepio responsaacutevel por assegurar que os processos (de qualquer naturezamas para o que a este texto interessa especialmente os processos civis) de-senvolvam-se conforme o modelo constitucional de processo

Assim deve-se entender que o princiacutepio do devido processo constitucionalassegura que o resultado final do processo (seja ele cognitivo ou executivo) se

produza ldquosob inarredaacutevel disciplina constitucional principioloacutegicardquo14

ldquoSob a Constituiccedilatildeo de 1988 o direito constitucional no Brasil passou da desimportacircncia ao apogeu emmenos de uma geraccedilatildeo Uma Constituiccedilatildeo natildeo eacute soacute teacutecnica Tem de haver por traacutes dela a capacidadede simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginaacuterio das pessoas para novos avanccedilos O surgimento deum sentimento constitucional no Paiacutes eacute algo que merece ser celebrado Trata-se de um sentimento aindatiacutemido mas real e sincero de maior respeito pela Lei Maior a despeito da volubilidade de seu texto Eacuteum grande progresso Superamos a crocircnica indiferenccedila que historicamente se manteve em relaccedilatildeo agraveConstituiccedilatildeo E para os que sabem eacute a indiferenccedila natildeo o oacutedio o contraacuterio do amorrdquo

11 E natildeo soacute de processo civil mas tambeacutem de um modelo constitucional de processo penal de processoadministrativo de processo trabalhista etc Assim expressamente Flaviane de Magalhatildees Barros ldquoNuli-

dades e Modelo Constitucional de Processordquo in Fredie Didier Juacutenior (org) Teoria do Processo PanoramaDoutrinaacuterio Mundial Segunda Seacuterie Salvador Juspodivm 2010 p 245 que afirma ser legiacutetimo expandir--se o modelo constitucional de processo para todos os tipos de processos natildeo soacute jurisdicionais mastambeacutem ao processo legislativo administrativo arbitral e de mediaccedilatildeo

12 Italo Andolina e Giuseppe Vignera Il modello costituzionale del processo civile italiano Turim G Giappi-chelli 1990 passim

13 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurein International Association of Procedural Law Seoul Conference 2014 Seul IAPL 2014 p 58 No originalldquoIn our world of ever-growing complexity fundamental procedural principles and rights ndash often of cons-titutional origin and nature ndash have gained a leading role since they are such an essential and necessarycondition for the exercise of other fundamental rights Their growing constitutional andor fundamentalnature can be acknowledged with satisfaction Procedure has become a lsquonoble subject matterrsquordquo

14 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 128

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Resulta daiacute portanto que o processo civil precisa ser um processo absolu-tamente afinado com as garantias resultantes dos princiacutepios constitucionais quecompotildeem o modelo constitucional de processo Em outros termos o processocivil deve ser (ao menos no que diz respeito ao modelo constitucional brasilei-ro de processo) um processo isonocircmico que se desenvolve em contraditoacuterioperante o juiacutezo natural que proferiraacute decisotildees fundamentadas alcanccedilando-seseu resultado final em tempo razoaacutevel E tudo isso inspirado pelo princiacutepio doacesso agrave justiccedila

3 O DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITU983085CIONAIS

O devido processo constitucional como visto eacute um processo que observa asgarantias constitucionais do processo E no modelo constitucional brasileiro haacuteuma plecirciade de garantias expressamente previstas Natildeo eacute este evidentementeo lugar adequado para um exame profundo e exauriente de todas elas Eacute pre-ciso poreacutem dar de cada uma dessas garantias uma breve notiacutecia

Em primeiro lugar o devido processo constitucional eacute um processo isonocircmi-

co (Constituiccedilatildeo do Brasil art 5ordm caput ) Exige-se pois que no processo haja umequiliacutebrio de forccedilas entre os diversos atores processuais todos igualmente im-portantes para a produccedilatildeo do resultado final Essa isonomia eacute substancial (quecostuma ser descrita atraveacutes da maacutexima segundo a qual devem ser tratados

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais nos limites da desigualdade)Assim justifica-se a existecircncia no sistema processual de situaccedilotildees de tratamen-to diferenciado para as partes (como se daacute no caso de serem duplicados os pra-zos processuais para os assistidos da Defensoria Puacuteblica assim como a inversatildeodo ocircnus da prova em favor do consumidor em determinadas situaccedilotildees) o quese apresenta como mecanismo de construccedilatildeo de um processo equilibrado emque natildeo se permitiraacute que o resultado final favoreccedila a parte mais forte simples-mente por ser ela a mais forte O processo deve produzir a decisatildeo correta parao caso concreto15 dando-se razatildeo a quem efetivamente a tenha16

Elemento necessariamente integrante de um devido processo constitucio-nal que se apresente como um processo isonocircmico eacute a construccedilatildeo de uma

15 Entendida aqui a ldquoresposta corretardquo como ldquoresposta constitucionalmente adequadardquo (a propoacutesito doponto Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo ensaio publicado em meio eletrocircnico em httpwwwanima-opetcombrprimeira_edicaoarti-go_Lenio_Luiz_Streck_hermeneuticapdf p 8

16 Afinal como ensina Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias ldquoo juiz natildeo cria (ou inventa) direito algum no pro-cesso que possa ser considerado democraacuteticordquo (Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direitocit p 92)

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teacutecnica de padronizaccedilatildeo decisoacuteria fundada em precedentes Evidentementeisto deve ser feito de modo a respeitar o princiacutepio da isonomia de modo queldquose preserva a igualdade quando diante de situaccedilotildees idecircnticas haacute decisotildeesidecircnticas Entretanto viola-se o mesmo princiacutepio da igualdade quando em hi-poacuteteses de situaccedilotildees lsquosemelhantesrsquo aplica-se sem mais uma lsquotesersquo anterior-mente definida (sem consideraccedilotildees quanto agraves questotildees proacuteprias do caso a serdecidido e o paradigma) aiacute haacute tambeacutem violaccedilatildeo agrave igualdade nesse segundosentido como direito constitucional agrave diferenccedila e agrave singularidaderdquo17

Em outros termos a padronizaccedilatildeo decisoacuteria que se deve buscar atraveacutesde uma teacutecnica de julgamentos fundada em precedentes tem por fim assegurarque casos idecircnticos recebam decisotildees idecircnticas (e pelos mesmos motivos ca-sos diferentes devem ser julgados de modo a respeitar as diferenccedilas existentes

entre eles)O devido processo constitucional eacute aleacutem de isonocircmico um processo que

se desenvolve perante o juiacutezo natural entendido este como o juiacutezo cuja compe-tecircncia constitucional eacute prefixada18

Haacute uma importante ligaccedilatildeo entre o princiacutepio do juiacutezo natural e o da iso-nomia que se manifesta na busca de uma padronizaccedilatildeo decisoacuteria para as cau-sas idecircnticas Eacute que se deve reconhecer no sistema constitucional a previsatildeoda existecircncia de tribunais competentes para a determinaccedilatildeo da interpretaccedilatildeocorreta das normas juriacutedicas Assim eacute que no sistema brasileiro o juiacutezo natural

para determinar a interpretaccedilatildeo correta das normas constitucionais eacute o Supre-mo Tribunal Federal o juiacutezo natural da fixaccedilatildeo da interpretaccedilatildeo das normasfederais infraconstitucionais eacute o Superior Tribunal de Justiccedila e o juiacutezo naturalda fixaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo das normas infraconstitucionais locais (es-taduais ndash aiacute incluiacutedas a que resultem da interpretaccedilatildeo das Constituiccedilotildees Esta-duais ndash distritais ndash no que diz respeito ao direito local do Distrito Federal ndash emunicipais) satildeo os Tribunais de Justiccedila

Disso resulta que um sistema de vinculaccedilatildeo a precedentes deveraacute obser-var essas competecircncias constitucionais de modo que por exemplo havendouma divergecircncia acerca da interpretaccedilatildeo da lei federal entre o STF e o STJ

17 Dierle Nunes ldquoProcessualismo constitucional democraacutetico e o dimensionamento de teacutecnicas para a liti-giosidade repetitivardquo in Revista de Processo vol 199 Satildeo Paulo RT set 2011 p 70

18 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit pp 115-118 Leonardo Joseacute Carneiro da Cunha afirma que ldquoa garantia do juiz natural conteacutem trecircs significados anecessidade de o julgador ser preacute-constituiacutedo e natildeo constituiacutedo post factum a inderrogabilidade e in-disponibilidade da competecircncia e a proibiccedilatildeo de juiacutezes extraordinaacuterios e especiais Em outras palavraso alcance do juiz natural desdobra-se em trecircs garantias que consistem na proibiccedilatildeo (a) do poder decomissatildeo (b) do poder de evocaccedilatildeo e (c) do poder de atribuiccedilatildeordquo (Leonardo Joseacute Carneiro da CunhaJurisdiccedilatildeo e competecircncia Satildeo Paulo RT 2008 p 62)

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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Resulta daiacute portanto que o processo civil precisa ser um processo absolu-tamente afinado com as garantias resultantes dos princiacutepios constitucionais quecompotildeem o modelo constitucional de processo Em outros termos o processocivil deve ser (ao menos no que diz respeito ao modelo constitucional brasilei-ro de processo) um processo isonocircmico que se desenvolve em contraditoacuterioperante o juiacutezo natural que proferiraacute decisotildees fundamentadas alcanccedilando-seseu resultado final em tempo razoaacutevel E tudo isso inspirado pelo princiacutepio doacesso agrave justiccedila

3 O DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL E AS GARANTIAS CONSTITU983085CIONAIS

O devido processo constitucional como visto eacute um processo que observa asgarantias constitucionais do processo E no modelo constitucional brasileiro haacuteuma plecirciade de garantias expressamente previstas Natildeo eacute este evidentementeo lugar adequado para um exame profundo e exauriente de todas elas Eacute pre-ciso poreacutem dar de cada uma dessas garantias uma breve notiacutecia

Em primeiro lugar o devido processo constitucional eacute um processo isonocircmi-

co (Constituiccedilatildeo do Brasil art 5ordm caput ) Exige-se pois que no processo haja umequiliacutebrio de forccedilas entre os diversos atores processuais todos igualmente im-portantes para a produccedilatildeo do resultado final Essa isonomia eacute substancial (quecostuma ser descrita atraveacutes da maacutexima segundo a qual devem ser tratados

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais nos limites da desigualdade)Assim justifica-se a existecircncia no sistema processual de situaccedilotildees de tratamen-to diferenciado para as partes (como se daacute no caso de serem duplicados os pra-zos processuais para os assistidos da Defensoria Puacuteblica assim como a inversatildeodo ocircnus da prova em favor do consumidor em determinadas situaccedilotildees) o quese apresenta como mecanismo de construccedilatildeo de um processo equilibrado emque natildeo se permitiraacute que o resultado final favoreccedila a parte mais forte simples-mente por ser ela a mais forte O processo deve produzir a decisatildeo correta parao caso concreto15 dando-se razatildeo a quem efetivamente a tenha16

Elemento necessariamente integrante de um devido processo constitucio-nal que se apresente como um processo isonocircmico eacute a construccedilatildeo de uma

15 Entendida aqui a ldquoresposta corretardquo como ldquoresposta constitucionalmente adequadardquo (a propoacutesito doponto Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo ensaio publicado em meio eletrocircnico em httpwwwanima-opetcombrprimeira_edicaoarti-go_Lenio_Luiz_Streck_hermeneuticapdf p 8

16 Afinal como ensina Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias ldquoo juiz natildeo cria (ou inventa) direito algum no pro-cesso que possa ser considerado democraacuteticordquo (Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direitocit p 92)

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teacutecnica de padronizaccedilatildeo decisoacuteria fundada em precedentes Evidentementeisto deve ser feito de modo a respeitar o princiacutepio da isonomia de modo queldquose preserva a igualdade quando diante de situaccedilotildees idecircnticas haacute decisotildeesidecircnticas Entretanto viola-se o mesmo princiacutepio da igualdade quando em hi-poacuteteses de situaccedilotildees lsquosemelhantesrsquo aplica-se sem mais uma lsquotesersquo anterior-mente definida (sem consideraccedilotildees quanto agraves questotildees proacuteprias do caso a serdecidido e o paradigma) aiacute haacute tambeacutem violaccedilatildeo agrave igualdade nesse segundosentido como direito constitucional agrave diferenccedila e agrave singularidaderdquo17

Em outros termos a padronizaccedilatildeo decisoacuteria que se deve buscar atraveacutesde uma teacutecnica de julgamentos fundada em precedentes tem por fim assegurarque casos idecircnticos recebam decisotildees idecircnticas (e pelos mesmos motivos ca-sos diferentes devem ser julgados de modo a respeitar as diferenccedilas existentes

entre eles)O devido processo constitucional eacute aleacutem de isonocircmico um processo que

se desenvolve perante o juiacutezo natural entendido este como o juiacutezo cuja compe-tecircncia constitucional eacute prefixada18

Haacute uma importante ligaccedilatildeo entre o princiacutepio do juiacutezo natural e o da iso-nomia que se manifesta na busca de uma padronizaccedilatildeo decisoacuteria para as cau-sas idecircnticas Eacute que se deve reconhecer no sistema constitucional a previsatildeoda existecircncia de tribunais competentes para a determinaccedilatildeo da interpretaccedilatildeocorreta das normas juriacutedicas Assim eacute que no sistema brasileiro o juiacutezo natural

para determinar a interpretaccedilatildeo correta das normas constitucionais eacute o Supre-mo Tribunal Federal o juiacutezo natural da fixaccedilatildeo da interpretaccedilatildeo das normasfederais infraconstitucionais eacute o Superior Tribunal de Justiccedila e o juiacutezo naturalda fixaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo das normas infraconstitucionais locais (es-taduais ndash aiacute incluiacutedas a que resultem da interpretaccedilatildeo das Constituiccedilotildees Esta-duais ndash distritais ndash no que diz respeito ao direito local do Distrito Federal ndash emunicipais) satildeo os Tribunais de Justiccedila

Disso resulta que um sistema de vinculaccedilatildeo a precedentes deveraacute obser-var essas competecircncias constitucionais de modo que por exemplo havendouma divergecircncia acerca da interpretaccedilatildeo da lei federal entre o STF e o STJ

17 Dierle Nunes ldquoProcessualismo constitucional democraacutetico e o dimensionamento de teacutecnicas para a liti-giosidade repetitivardquo in Revista de Processo vol 199 Satildeo Paulo RT set 2011 p 70

18 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit pp 115-118 Leonardo Joseacute Carneiro da Cunha afirma que ldquoa garantia do juiz natural conteacutem trecircs significados anecessidade de o julgador ser preacute-constituiacutedo e natildeo constituiacutedo post factum a inderrogabilidade e in-disponibilidade da competecircncia e a proibiccedilatildeo de juiacutezes extraordinaacuterios e especiais Em outras palavraso alcance do juiz natural desdobra-se em trecircs garantias que consistem na proibiccedilatildeo (a) do poder decomissatildeo (b) do poder de evocaccedilatildeo e (c) do poder de atribuiccedilatildeordquo (Leonardo Joseacute Carneiro da CunhaJurisdiccedilatildeo e competecircncia Satildeo Paulo RT 2008 p 62)

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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teacutecnica de padronizaccedilatildeo decisoacuteria fundada em precedentes Evidentementeisto deve ser feito de modo a respeitar o princiacutepio da isonomia de modo queldquose preserva a igualdade quando diante de situaccedilotildees idecircnticas haacute decisotildeesidecircnticas Entretanto viola-se o mesmo princiacutepio da igualdade quando em hi-poacuteteses de situaccedilotildees lsquosemelhantesrsquo aplica-se sem mais uma lsquotesersquo anterior-mente definida (sem consideraccedilotildees quanto agraves questotildees proacuteprias do caso a serdecidido e o paradigma) aiacute haacute tambeacutem violaccedilatildeo agrave igualdade nesse segundosentido como direito constitucional agrave diferenccedila e agrave singularidaderdquo17

Em outros termos a padronizaccedilatildeo decisoacuteria que se deve buscar atraveacutesde uma teacutecnica de julgamentos fundada em precedentes tem por fim assegurarque casos idecircnticos recebam decisotildees idecircnticas (e pelos mesmos motivos ca-sos diferentes devem ser julgados de modo a respeitar as diferenccedilas existentes

entre eles)O devido processo constitucional eacute aleacutem de isonocircmico um processo que

se desenvolve perante o juiacutezo natural entendido este como o juiacutezo cuja compe-tecircncia constitucional eacute prefixada18

Haacute uma importante ligaccedilatildeo entre o princiacutepio do juiacutezo natural e o da iso-nomia que se manifesta na busca de uma padronizaccedilatildeo decisoacuteria para as cau-sas idecircnticas Eacute que se deve reconhecer no sistema constitucional a previsatildeoda existecircncia de tribunais competentes para a determinaccedilatildeo da interpretaccedilatildeocorreta das normas juriacutedicas Assim eacute que no sistema brasileiro o juiacutezo natural

para determinar a interpretaccedilatildeo correta das normas constitucionais eacute o Supre-mo Tribunal Federal o juiacutezo natural da fixaccedilatildeo da interpretaccedilatildeo das normasfederais infraconstitucionais eacute o Superior Tribunal de Justiccedila e o juiacutezo naturalda fixaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo das normas infraconstitucionais locais (es-taduais ndash aiacute incluiacutedas a que resultem da interpretaccedilatildeo das Constituiccedilotildees Esta-duais ndash distritais ndash no que diz respeito ao direito local do Distrito Federal ndash emunicipais) satildeo os Tribunais de Justiccedila

Disso resulta que um sistema de vinculaccedilatildeo a precedentes deveraacute obser-var essas competecircncias constitucionais de modo que por exemplo havendouma divergecircncia acerca da interpretaccedilatildeo da lei federal entre o STF e o STJ

17 Dierle Nunes ldquoProcessualismo constitucional democraacutetico e o dimensionamento de teacutecnicas para a liti-giosidade repetitivardquo in Revista de Processo vol 199 Satildeo Paulo RT set 2011 p 70

18 Ronaldo Brecirctas de Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit pp 115-118 Leonardo Joseacute Carneiro da Cunha afirma que ldquoa garantia do juiz natural conteacutem trecircs significados anecessidade de o julgador ser preacute-constituiacutedo e natildeo constituiacutedo post factum a inderrogabilidade e in-disponibilidade da competecircncia e a proibiccedilatildeo de juiacutezes extraordinaacuterios e especiais Em outras palavraso alcance do juiz natural desdobra-se em trecircs garantias que consistem na proibiccedilatildeo (a) do poder decomissatildeo (b) do poder de evocaccedilatildeo e (c) do poder de atribuiccedilatildeordquo (Leonardo Joseacute Carneiro da CunhaJurisdiccedilatildeo e competecircncia Satildeo Paulo RT 2008 p 62)

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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deveratildeo os oacutergatildeos jurisdicionais decidir observando a orientaccedilatildeo do SuperiorTribunal de Justiccedila (e natildeo do STF)19 Natildeo eacute por outra razatildeo aliaacutes que o textodo novo Coacutedigo de Processo Civil estabelece em seu art 927 que os juiacutezos etribunais observaratildeo ldquoos enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federalem mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infracons-

titucionalrdquo (inciso IV)

Do teor desse dispositivo se percebe a exigecircncia de respeito ao juiacutezo na-

tural para determinaccedilatildeo da correta interpretaccedilatildeo da norma juriacutedica conformesua natureza

Outro princiacutepio componente do modelo constitucional de processo civilbrasileiro ndash e por isso integrante da garantia do devido processo constitucio-nal ndash eacute o princiacutepio do contraditoacuterio Sobre este se falaraacute melhor adiante emtoacutepico especiacutefico (v n 4 deste trabalho) mas natildeo se pode deixar de afirmardesde logo que o princiacutepio constitucional do contraditoacuterio deve ser compreen-dido como uma garantia de participaccedilatildeo com influecircncia e de natildeo-surpresa20

Diretamente ligado ao princiacutepio do contraditoacuterio eacute o da fundamentaccedilatildeodas decisotildees judiciais (art 93 IX da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica) 21 E este entre-laccedilamento dos dois princiacutepios eacute decorrecircncia direta do devido processo consti-

tucional22

O princiacutepio da fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais eacute exigecircncia direta danecessidade de que no Estado Democraacutetico de Direito haja meios eficazes de

controle do conteuacutedo dos atos de poder aiacute incluiacutedos por oacutebvio os pronuncia-mentos jurisdicionais

Eacute exatamente esta a percepccedilatildeo de Michele Taruffo (em traduccedilatildeo livre)23

19 Veja-se por exemplo o que acontece no que concerne agrave interpretaccedilatildeo do art 495 do Coacutedigo de ProcessoCivil brasileiro O Superior Tribunal de Justiccedila tem entendimento firme (consolidado no enunciado 401 daSuacutemula da Jurisprudecircncia Dominante daquela Corte) no sentido de que ldquo[o] prazo decadencial da accedilatildeorescisoacuteria soacute se inicia quando natildeo for cabiacutevel qualquer recurso do uacuteltimo pronunciamento judicialrdquo Desua vez o STF tem reiteradamente decidido em processos de accedilotildees rescisoacuterias de sua competecircnciaoriginaacuteria que o termo inicial do prazo a que se refere o aludido dispositivo legal eacute o momento do tracircn-

sito em julgado da decisatildeo rescindenda o qual natildeo eacute protraiacutedo no tempo pela interposiccedilatildeo de recursosinadmissiacuteveis os quais natildeo obstam a formaccedilatildeo da coisa julgada (assim por exemplo STF AR 2337 AgRDF rel Min Celso de Mello j em 2032013) Como se trata na hipoacutetese de interpretaccedilatildeo de lei federaldeveratildeo os juiacutezos de primeira instacircncia e os tribunais de segunda instacircncia seguir a orientaccedilatildeo do STJ enatildeo a do STF

20 Por todos Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico Curitiba Juruaacute 2008 pp 224-23121 Aponta para esta conexatildeo entre os princiacutepios da fundamentaccedilatildeo e do contraditoacuterio Ronaldo Brecirctas de

Carvalho Dias Processo constitucional e Estado Democraacutetico de Direito cit p 13722 Idem p 13323 Michele Taruffo La motivazione della sentenza civile Paacutedua Cedam 1975 p 405 No original ldquoNel suo

significato piuacute profondo Il principio in esame esprime lrsquoesigenza generale e costante di controllabilitagravesul modo in cui gli organi statuali esercitano Il potere Che lrsquoordinamento conferisce loro e sotto questo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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ldquoNo seu significado mais profundo o princiacutepio em exame exprimea exigecircncia geral e constante de controlabilidade sobre o modocomo os oacutergatildeos estatais exercitam o poder que o ordenamento

lhes confere e sob este perfil a obrigatoriedade de motivaccedilatildeo dasentenccedila eacute uma manifestaccedilatildeo especiacutefica de um mais geral lsquoprin-ciacutepio de controlabilidadersquo que parece essencial agrave noccedilatildeo modernado Estado de direito e que produz consequecircncias anaacutelogas tam-beacutem em campos diversos daquele da jurisdiccedilatildeordquo

Impotildee-se assim que todas as decisotildees judiciais produzidas no devido pro-cesso constitucional sejam justificadas24 E essa fundamentaccedilatildeojustificaccedilatildeo dadecisatildeo judicial deve ser substancial Em outros termos eacute incompatiacutevel com odevido processo constitucional ndash jaacute que inviabiliza o controle do conteuacutedo dadecisatildeo ndash a emissatildeo de pronunciamentos judiciais apenas formalmente funda-

mentados como se daacute por exemplo naqueles casos em que se afirma algocomo ldquopresentes os requisitos defere-se a medida postuladardquo (ou ao contraacute-rio ldquoausentes os requisitos indefere-se a medida pleiteadardquo) Eacute em busca daconstruccedilatildeo de uma ldquocultura da fundamentaccedilatildeo substancialrdquo aliaacutes que o novoCoacutedigo de Processo Civil brasileiro estabelece em seu art 489 sect 1ordm que ldquo[n]atildeose considera fundamentada qualquer decisatildeo judicial seja ela interlocutoacuteriasentenccedila ou acoacuterdatildeo que I ndash se limitar agrave indicaccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ou agrave paraacutefrasede ato normativo sem explicar sua relaccedilatildeo com a causa ou a questatildeo decididaII ndash empregar conceitos juriacutedicos indeterminados sem explicar o motivo concretode sua incidecircncia no caso III ndash invocar motivos que se prestariam a justificar

qualquer outra decisatildeo IV ndash natildeo enfrentar todos os argumentos deduzidos noprocesso capazes de em tese infirmar a conclusatildeo adotada pelo julgador V ndash selimitar a invocar precedente ou enunciado de suacutemula sem identificar seus fun-damentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajustaagravequeles fundamentos VI ndash deixar de seguir enunciado de suacutemula jurisprudecircnciaou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeono caso em julgamento ou a superaccedilatildeo do entendimentordquo

Impotildee-se pois uma fundamentaccedilatildeo substancial das decisotildees judiciais emque estas sejam verdadeiramente justificadas a fim de que se demonstre sualegitimidade constitucional

profilo lrsquoobbligatorietagrave della motivazione della sentenza egrave una specifica manifestazione di un piuacute genera-le lsquoprincipio do controllabilitagraversquo che appare essenziale alla nozione moderna dello Stato di diritto e cheproduce conseguenze analoghe anche in campi diversi da quelli della giurisdizionerdquo

24 Como afirma Lenio Luiz Streck a exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo implica a obrigaccedilatildeo de jus-tificar (Lenio Luiz Streck Hermenecircutica neoconstitucionalismo e lsquoo problema da discricionariedade dos

juiacutezesrsquo cit p 26) Tambeacutem liga as ideias de fundamentaccedilatildeo e justificaccedilatildeo Luiz Guilherme Marinoni Cursode processo civil vol 1 Teoria geral do processo Satildeo Paulo RT 2006 p 104 onde se lecirc que eacute ldquoimpres-cindiacutevel a [fundamentaccedilatildeo da decisatildeo] pois o juiz como agente do poder natildeo legitimado pelo voto natildeopode deixar de justificar as decisotildees que emiterdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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O resultado do processo deve ser alcanccedilado em tempo razoaacutevel O incisoLXXVIII do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil expressamente afirmaessa garantia a qual eacute reconhecida tambeacutem em importantes documentos inter-nacionais de que eacute exemplo mais importante a Convenccedilatildeo Americana de Direi-tos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica) cujo art 8ordm 1 estabelece queldquo[t]oda pessoa teraacute o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentrode um prazo razoaacutevel por um juiz ou Tribunal competente independente e im-parcial estabelecido anteriormente por lei na apuraccedilatildeo de qualquer acusaccedilatildeopenal formulada contra ela ou na determinaccedilatildeo de seus direitos e obrigaccedilotildeesde caraacuteter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra naturezardquo 25

Destaque-se desde logo algo que estaacute expresso no texto do Pacto de SatildeoJoseacute da Costa Rica o direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo natildeo implica muito

ao contraacuterio abrir matildeo das ldquodevidas garantiasrdquo Daiacute se extrai portanto a perfei-ta harmonia entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do processo e o princiacutepio dodevido processo constitucional Extrai-se daiacute que o princiacutepio da duraccedilatildeo razoaacuteveldo processo deve ser compreendido agrave luz da ideia de eficiecircncia que pode serentendida como ldquoa razatildeo entre um resultado desejado e os custos necessaacuteriospara sua produccedilatildeordquo26 Evidentemente no processo civil natildeo satildeo apenas os custoseconocircmicos mas todo e qualquer dispecircndio de tempo e energias necessaacuteriopara a produccedilatildeo dos resultados que dele satildeo esperados27 Isto significa dizer emoutros termos que o assim chamado princiacutepio da eficiecircncia processual nada maiseacute do que aquilo que tradicionalmente se chamou de economia processual28

Falar de eficiecircncia eacute fazer referecircncia como se tem visto na doutrina doDireito Administrativo agrave qualidade do serviccedilo29 e com base nesta ideia se pode

25 Disposiccedilatildeo equivalente pode ser encontrada no art 6ordm 1 da Convenccedilatildeo Europeia de Direitos Humanos(Convenccedilatildeo para a Proteccedilatildeo dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) adotada emRoma em 1950 cujo teor eacute o seguinte ldquoQualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoaacutevel por um tribunal independente e imparcial estabelecidopela lei o qual decidiraacute quer sobre a determinaccedilatildeo dos seus direitos e obrigaccedilotildees de caraacuteter civil quersobre o fundamento de qualquer acusaccedilatildeo em mateacuteria penal dirigida contra ela O julgamento deve serpuacuteblico mas o acesso agrave sala de audiecircncias pode ser proibido agrave imprensa ou ao puacuteblico durante a tota-lidade ou parte do processo quando a bem da moralidade da ordem puacuteblica ou da seguranccedila nacionalnuma sociedade democraacutetica quando os interesses de menores ou a proteccedilatildeo da vida privada daspartes no processo o exigirem ou na medida julgada estritamente necessaacuteria pelo tribunal quando emcircunstacircncias especiais a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiccedilardquo

26 Valentinas Mikeleacutenas ldquoEfficiency of civil procedure mission (im)possiblerdquo in Vytatutas Nekrošyus (co-ord) Recent trends in economy and efficiency of civil procedure Vilnius Vilnius University 2013 p 142No original ldquoratio between a desired effect and the costs necessary for its productionrdquo

27 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo inRevista de Processo vol 223 Satildeo Paulo RT set 2013 p 42

28 Assim expressamente Tadeusz Ereciński e Pawel Grzegorczyk ldquoEffective protection of diverse interests

in civil proceedings on the example of Polish act on group actionrdquo in Vytatutas Nekrošyus (coord) Recenttrends in economy and efficiency of civil procedure cit p 23

29 Joseacute dos Santos Carvalho Filho Manual de direito administrativo Satildeo Paulo Atlas 25ordf ed 2012 p 29

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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afirmar que o sistema de prestaccedilatildeo jurisdicional soacute seraacute eficiente se produ-zir resultados que seratildeo constitucionalmente legiacutetimos se forem qualitativa-mente bons30 Natildeo haacute pois um ldquoembaterdquo entre celeridade e qualidade doresultado Natildeo se trata de escolher entre um processo ceacutelere e um processocapaz de produzir resultados qualitativamente bons O devido processoconstitucional eacute capaz de produzir resultados qualitativamente bons (porqueconstitucionalmente legiacutetimos) em tempo razoaacutevel

Dito de outro modo ldquoo processo deveraacute durar o miacutenimo mas tambeacutemtodo o tempo necessaacuterio para que natildeo haja violaccedilatildeo da qualidade na pres-taccedilatildeo jurisdicionalrdquo31 Em outras palavras por forccedila da garantia de duraccedilatildeorazoaacutevel o processo natildeo pode demorar nem um dia a mais e nem um dia amenos do que o tempo necessaacuterio para produzir um resultado constitucional-

mente legiacutetimo32

Pois haacute uma intensa ligaccedilatildeo entre a garantia de duraccedilatildeo razoaacutevel do pro-cesso e especialmente nos casos de demandas repetitivas seriais a fixaccedilatildeo deteacutecnicas de padronizaccedilatildeo decisoacuteria que leva a que casos iguais sejam decididosde forma igual Daiacute a importacircncia de mecanismos como o julgamento por amos-tragem de recursos repetitivos (jaacute utilizado no Direito brasileiro desde 2008) edo incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (previsto no novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) Atraveacutes de tais institutos podem ser fixados padrotildeesdecisoacuterios que corretamente aplicados permitiratildeo uma uniformizaccedilatildeo da apli-caccedilatildeo das normas capaz de evitar essa verdadeira cacofonia jurisprudencial emque a praacutetica forense brasileira se encontra imersa E isso certamente contri-buiraacute para a duraccedilatildeo razoaacutevel do processo uma vez que evitaraacute que casos aosquais se devem aplicar interpretaccedilotildees jaacute consolidadas nos mais altos tribunaiscontinuem a receber decisotildees fundadas em interpretaccedilotildees divergentes o queimpotildee agrave parte prejudicada que interponha recursos ateacute chegar agraves instacircnciasexcepcionais onde aquele entendimento jaacute consolidado acabaraacute por prevale-cer (reformando-se decisotildees de oacutergatildeos inferiores que se negaram a aplicar a jurisprudecircncia firme dos oacutergatildeos superiores)

Todos estes princiacutepios formadores do devido processo constitucional satildeo

inspirados pelo princiacutepio do acesso agrave justiccedila Este no Estado Democraacutetico deDireito deve ser compreendido como ldquouma proposta reconstrutiva das noccedilotildeesde direitos de Jurisdiccedilatildeo de processo jaacute inconciliaacutevel com um acesso agrave justiccedila

30 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo citp 43

31 Andreacute Ramos Tavares Reforma do Judiciaacuterio no Brasil poacutes-88 Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 3132 Alexandre Freitas Cacircmara ldquoO direito agrave duraccedilatildeo razoaacutevel do processo entre eficiecircncia e garantiasrdquo cit

p 44

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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erguido sobre bases socializantesrdquo33 Em outras palavras o princiacutepio do acessoagrave Justiccedila (que natildeo se confunde com a garantia de amplo acesso ao Judiciaacuterioconsagrada no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica do Brasil) deve sercompreendido como uma exigecircncia de que os atores do processo (partes eseus advogados juiz Ministeacuterio Puacuteblico auxiliares da justiccedila etc) atuem juntos ndash cooperem (no sentido de ldquoco-operarrdquo isto eacute trabalhar juntos) ndash para quecomo uma verdadeira comunidade de trabalho produzam um resultado proces-sual constitucionalmente legiacutetimo E esta ideia deve ser levada em consideraccedilatildeona construccedilatildeo de um devido processo constitucional o qual eacute vocacionado agraveproduccedilatildeo de decisotildees constitucionalmente corretas

4 DEVIDO PROCESSO E PARTICIPACcedilAtildeO O PAPEL DO CONTRADITOacuteRIO NACONSTRUCcedilAtildeO DE UM DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

Atenccedilatildeo toda especial deve ser dedicada ao princiacutepio do contraditoacuterioexpressamente previsto no inciso LV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblicaassim redigido ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aosacusados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com osmeios e recursos a ela inerentesrdquo Essa especial atenccedilatildeo deriva do fato de queo contraditoacuterio eacute a caracteriacutestica proacutepria do processo34 a partir da qual o proacute-prio conceito de processo deve ser construiacutedo

Explique-se melhor este ponto desde meados do seacuteculo XIX com a conhe-cida construccedilatildeo teoacuterica desenvolvida a partir da obra de Buumllow tem-se afirma-do que o processo eacute (ou conteacutem) uma relaccedilatildeo juriacutedica conhecida como relaccedilatildeoprocessual35 Esta concepccedilatildeo poreacutem estaacute ligada a uma visatildeo de processo emque haacute um exagerado (e para os dias de hoje ultrapassado) fortalecimento dafigura do juiz representativo de uma concepccedilatildeo do processo como mecanismodestinado a realizar os escopos do Estado

Natildeo eacute por outra razatildeo que desde a origem dessa concepccedilatildeo do processocomo relaccedilatildeo juriacutedica se afirmou que ldquoagraves partes se toma em conta unicamenteno aspecto de sua vinculaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo com a atividade judicialrdquo 36 E foi

este pensamento que levou a afirmar-se mais modernamente que o que daacuteidentidade proacutepria agrave relaccedilatildeo processual e a distingue da relaccedilatildeo material ldquonatildeoeacute soacute a mera presenccedila do Estado-juiz mas sobretudo sua presenccedila na condiccedilatildeo

33 Dierle Nunes e Ludmila Teixeira Acesso agrave justiccedila democraacutetico Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2013 p 6834 Elio Fazzalari Istituzioni di diritto processuale Paacutedua Cedam 8ordf ed 1996 p 7635 Oskar Von Buumllow La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales Trad esp de

Miguel Angel Rosas Lichstchein Buenos Aires EJEA 1964 pp 1-236 Idem p 2

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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D IM ENSAtildeO PROCES SUA L DO PR INC Iacute P I O DO DEV I DO PROCES SO CONS T I TUC I ONA L

judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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de sujeito exercente do poder (jurisdiccedilatildeo) Correlativamente as partes figuramna relaccedilatildeo processual em situaccedilatildeo de sujeiccedilatildeo ao juizrdquo37

Ocorre que esta concepccedilatildeo do processo que potildee o juiz (aqui compreen-dido como Estado-juiz) em posiccedilatildeo de proeminecircncia tendo-se as partes comosujeitos ocupantes de posiccedilotildees inferiores eacute incompatiacutevel com as mais mo-dernas concepccedilotildees de um Estado Constitucional Democraacutetico de Direito Istoleva a uma crise do conceito de relaccedilatildeo processual jaacute percebida por diversossetores da doutrina38 de onde se retira a necessidade de uma nova concepccedilatildeode processo de matiz cooperativo e policecircntrico o que leva a defini-lo comoprocedimento em contraditoacuterio39 O princiacutepio do contraditoacuterio entatildeo eacute elementointegrante do proacuteprio conceito de processo e portanto onde natildeo houver con-traditoacuterio natildeo haveraacute verdadeiro processo mas mero procedimento40

Deve-se dar ao princiacutepio do contraditoacuterio uma dimensatildeo substancial (enatildeo meramente formal) de modo a ser ele capaz de assegurar a efetiva par-ticipaccedilatildeo das partes no processo com influecircncia na formaccedilatildeo do resultadoQuer-se com isto afirmar que o contraditoacuterio natildeo pode ser visto como meragarantia formal de que agraves partes se daraacute ao longo do processo a possibilida-de de falar de se manifestar O contraditoacuterio eacute muito mais do que o ldquodireitode falarrdquo o direito de ser ouvido impondo-se deste modo ao juiz o dever deouvir o que as partes tecircm a dizer levando em consideraccedilatildeo seus argumentosao proferir a decisatildeo

Natildeo vai aqui qualquer novidade Jaacute haacute quase meio seacuteculo que se afir-mou em respeitada sede doutrinaacuteria que o contraditoacuterio deve ser entendi-do como possibilidade de as partes influiacuterem na decisatildeo atraveacutes do exerciacuteciode adequados instrumentos processuais em igualdade de condiccedilotildees41 Pois o

37 Antonio Carlos de Arauacutejo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cacircndido Rangel Dinamarco Teoria geral doprocesso Satildeo Paulo Malheiros 22ordf ed 2006 pp 304-305

38 Assim por exemplo Luiz Guilherme Marinoni Teoria geral do processo cit p 398 onde se lecirc que ldquoo con-ceito de relaccedilatildeo juriacutedica processual eacute avesso ao de legitimidade seja de legitimidade pela participaccedilatildeono procedimento de legitimidade do procedimento e de legitimidade da decisatildeordquo No Brasil sem duacutevida

foi pioneira a criacutetica agrave teoria da relaccedilatildeo processual feita por Aroldo Pliacutenio Gonccedilalves Teacutecnica processual eteoria do processo Rio de Janeiro Aide 1992 p 100 onde se lecirc que ldquo[i]nexistindo viacutenculo entre sujeitospelo qual atos possam ser exigidos pelo qual condutas possam ser impostas entre as partes e o juiznatildeo haacute como se aplicar ao processo a figura da relaccedilatildeo juriacutedica que [construiacuteda] no seacuteculo [XIX] fruto doindividualismo juriacutedico jaacute natildeo encontra terreno propiacutecio para continuar vicejando no Direitordquo

39 Trata-se aqui de acolher a ideia central exposta por Elio Fazzalari Istituzione di diritto processuale citp 8 Faccedila-se poreacutem o registro de que esta concepccedilatildeo fazzalariana de processo deve modernamentereceber os bons fluidos da constitucionalizaccedilatildeo do Direito o que se faz atraveacutes da percepccedilatildeo de que oprocesso deve ser um devido processo constitucional

40 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 20641 Luigi Paolo Comoglio La garanzia costituzionale dellrsquoazione ed Il processo civile Paacutedua Cedam 1970 p

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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contraditoacuterio consiste precisamente em uma garantia de participaccedilatildeo com in- fluecircncia42

Significa isto pois nas palavras de Ferrand que agraves partes ldquodeve tambeacutemser garantida a oportunidade de se expressarem perante o oacutergatildeo jurisdicionale este deve levar em consideraccedilatildeo os argumentos das partesrdquo43

Contraria o princiacutepio do contraditoacuterio (e pois o devido processo constitu-cional) portanto qualquer decisatildeo que tenha sido proferida sem que seja elao resultado de um processo desenvolvido segundo um contraditoacuterio efetivosubstancial em que as partes vejam respeitado de forma substancial seu direi-to de serem ouvidas (right to be heard) Eacute pois incompatiacutevel com os princiacutepiosdo contraditoacuterio e do devido processo legal o juiz solipsista que constroacutei sozi-nho a decisatildeo sem levar em conta os fundamentos debatidos pelas partes e

julgando unicamente a partir de seu proacuteprio modo de ver as questotildees suscita-das na causa Eacute que como afirma Dierle Nunes a ldquoimpossibilidade de anaacutelisessolipsistas pelo juiz leva obrigatoriamente agrave percepccedilatildeo de uma perspectivaintersubjetiva e comparticipativa do processo jurisdicionalrdquo44

Resultam daiacute dois pontos o primeiro eacute a obrigatoriedade de que o juizexamine na decisatildeo que profira todos os fundamentos suscitados pela parte eque sejam em tese capazes de lhe assegurar resultado favoraacutevel no processo(exatamente nos termos do que consta do art 489 sect 1ordm IV do novo Coacutedigo deProcesso Civil brasileiro) o segundo eacute a vedaccedilatildeo das ldquodecisotildees-surpresardquo

Natildeo se pode aceitar portanto que o oacutergatildeo jurisdicional deixe de examinar

algum fundamento relevante suscitado pela parte em defesa de seus interes-ses Admiti-lo seria estabelecer um sistema processual em que o contraditoacuterioeacute assegurado apenas do ponto de vista formal garantindo-se agraves partes o di-reito de falar mas natildeo lhes assegurando o direito de serem ouvidas Eacute poisinaceitaacutevel o entendimento ndash hoje assente nos tribunais brasileiros ndash segundo oqual o oacutergatildeo jurisdicional natildeo estaacute obrigado a examinar todos os fundamentossuscitados pelas partes45

De outro lado afrontam o princiacutepio do contraditoacuterio e por conseguinte odevido processo constitucional as ldquodecisotildees-surpresardquo isto eacute pronunciamentos

42 Dierle Nunes Processo jurisdicional democraacutetico cit p 227 onde se lecirc que se impotildee ldquoa leitura do con-traditoacuterio como garantia de influecircncia no desenvolvimento e resultado do processordquo

43 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedurecit p 48 No original ldquothey must also be granted the opportunity to express themselves before courtand the court must take into account the partiesrsquo submissionsrdquo

44 Dierle Nunes ldquoTeoria do processo contemporacircneo por um processualismo constitucional democraacuteticordquoin Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas Ediccedilatildeo especial 2008 p 26

45 Tendecircncia que pode ser vista por exemplo na decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal de Justiccedila no julgamento do AgRg no AREsp 549852RJ rel Min Humberto Martins j em 07102014 onde se lecirc que ldquo[eacute]sabido que o juiz natildeo fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaccedilotildees das partes nem a ater-seaos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos quando jaacuteencontrou motivo suficiente para fundamentar a decisatildeordquo

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httpslidepdfcomreaderfulldimensao-processual-do-principio-do-devido-processo-constitucional 1314

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D IM ENSAtildeO PROCES SUA L DO PR INC Iacute P I O DO DEV I DO PROCES SO CONS T I TUC I ONA L

judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

Livro 1indb 257 15082015 205901

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A L EXANDRE FRE I TA S CAcircMARA

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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D IM ENSAtildeO PROCES SUA L DO PR INC Iacute P I O DO DEV I DO PROCES SO CONS T I TUC I ONA L

judiciais que se apoiam em fundamentos que natildeo tenham sido previamente de-batidos pelas partes Em outras palavras nenhum fundamento natildeo submetidoao contraditoacuterio pode ser validamente empregado para justificar uma decisatildeo judicial sob pena de se ter uma decisatildeo que natildeo eacute o resultado de um procedi-mento em contraditoacuterio

O contraditoacuterio compreendido como garantia de natildeo-surpresa eacute incompa-tiacutevel com o modo como sempre se interpretou a maacutexima iura novit cuacuteria porforccedila da qual sempre se afirmou que eacute o oacutergatildeo jurisdicional que conhece oDireito (e que levava inexoravelmente a outra maacutexima da mihi factum dabotibi ius ndash daacute-me os fatos que te darei o direito ndash por forccedila da qual sempre seconsiderou que cabia agraves partes tatildeo somente narrar os fatos sendo incumbecircnciado juiz aplicar o Direito aos fatos demonstrados no processo) O princiacutepio docontraditoacuterio exige que natildeo obstante o conhecimento que tenha o juiz acercado Direito ndash e se reconhecendo que pode ele suscitar fundamentos juriacutedicos queas partes natildeo tenham apresentado ndash tem ele o dever de submeter tais funda-mentos ao debate antes de neles se apoiar para proferir uma decisatildeo Natildeo eacutepor outra razatildeo que jaacute nos anos 1970 Fritz Baur afirmava que46

ldquoa dicccedilatildeo iura novit curia natildeo signica que o Tribunal disponha

do monopoacutelio da aplicaccedilatildeo do direito desconhecendo oudesprezando as conclusotildees das partes tendo em vista as normas

juriacutedicas invocadas pelos litigantesrdquo

Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves questotildees de ordem puacuteblica (isto eacute aquelas ques-

totildees que o juiz estaacute autorizado a conhecer ex officio) como satildeo as relativas aospressupostos processuais ou agrave existecircncia de litispendecircncia ou coisa julgada oprinciacutepio do contraditoacuterio exige o debate preacutevio Perceba-se autorizaccedilatildeo paraconhecer de ofiacutecio natildeo eacute o mesmo que autorizaccedilatildeo para decidir sem respeitaro contraditoacuterio Incumbe ao juiz que suscitar uma questatildeo de ordem puacuteblica deofiacutecio submetecirc-la agraves partes abrindo prazo para que sobre elas se manifestemsoacute entatildeo decidindo (e evidentemente levando em conta as alegaccedilotildees das par-tes na construccedilatildeo da decisatildeo)47

O oacutergatildeo jurisdicional deve portanto esclarecer previamente quais satildeo ospontos (de fato e de direito) relevantes para a decisatildeo (proibiccedilatildeo das deci-

sotildees-surpresa)48

Tambeacutem este eacute ponto que ainda natildeo ingressou na cultura forense brasilei-ra Por aqui eacute frequente encontrar processos em que o juiz profere sentenccedila

46 Fritz Baur ldquoDa importacircncia da dicccedilatildeo lsquoiuria novit curiarsquordquo in Revista de Processo vol 3 Trad bras deArruda Alvim Satildeo Paulo RT jul-set 1976 p 177

47 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire priveacute Paris Litec 5ordf ed 2006 pp 327-32848 Freacutedeacuterique Ferrand Ideological background of the Constitution Constitutional rules and civil procedure

cit p 48 onde fala a autora em ldquoprohibition of so-called surprise decisions)rdquo

Livro 1indb 257 15082015 205901

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo

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com base em fundamentos que suscita de ofiacutecio (especialmente mas natildeo ape-nas no que diz respeito agraves causas de extinccedilatildeo do processo sem resoluccedilatildeo domeacuterito)49 Espera-se que tambeacutem esta deficiecircncia democraacutetica seja superada

com a vigecircncia do novo Coacutedigo de Processo Civil cujo art 10 estabelece queldquo[o] juiz natildeo pode decidir em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo com base em funda-mento a respeito do qual natildeo se tenha dado agraves partes a oportunidade de semanifestar ainda que se trate de mateacuteria sobre a qual deva decidir de ofiacuteciordquo

Deve pois haver contraditoacuterio forte dinacircmico substancial para que hajaum processo jurisdicional democraacutetico compatiacutevel com o Estado Democraacuteticode Direito Como visto sem contraditoacuterio natildeo haacute processo Anal ldquoo processoeacute contraditoacuteriordquo50 O contraditoacuterio eacute portanto o mais relevante (do ponto devista da teacutecnica processual) dentre todos os princiacutepios que compotildeem o modeloconstitucional de processo civil pois eacute ele que estabelece a essecircncia do proces-so caracterizando-o e por isso mesmo viabilizando sua existecircncia

5 CONCLUSAtildeO

A constitucionalizaccedilatildeo do Direito movimento que fez a Constituiccedilatildeo passara exercer um papel central na compreensatildeo dos fenocircmenos juriacutedicos exigindoque todos os institutos sejam objeto de uma filtragem constitucional eacute responsaacute-vel por exigir que a prestaccedilatildeo jurisdicional se decirc mediante um devido processoconstitucional A produccedilatildeo de resultados jurisdicionais que natildeo sejam o frutodesse devido processo compromete a legitimidade democraacutetica do processo edo proacuteprio Judiciaacuterio Natildeo basta agrave sociedade poreacutem que haja respeito ao EstadoDemocraacutetico no Executivo e no Legislativo Tambeacutem o Judiciaacuterio parte integrantedo Estado que eacute precisa desenvolver suas atividades de forma democraacutetica E oprocesso meacutetodo de que o Judiciaacuterio se vale para ndash junto com as partes ndash cons-truir de forma comparticipativa tais resultados precisa se democratizar A natildeoser assim ter-se-aacute atividade jurisdicional autoritaacuteria em um Estado Democraacuteticode Direito E isto eacute a proacutepria negaccedilatildeo da Democracia Augura-se pois que cadavez mais se desenvolva uma cultura democraacutetica e constitucional do processo afim de que seus resultados sejam cada vez mais legiacutetimos

49 Veja-se por exemplo decisatildeo proferida pela eminente Desembargadora Monica Tolledo de Oliveirado Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro na apelaccedilatildeo ciacutevel n 0004376-6520058190061 emcuja ementa se lecirc que ldquo[o] reconhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo eacute ato que independe da oitiva daspartes natildeo ensejando violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuteriordquo Curioso notar que na fundamentaccedilatildeo dadecisatildeo encontra-se uma verdadeira peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que ali se afirma textualmente que ldquoo re-conhecimento lsquoex officiorsquo da prescriccedilatildeo natildeo enseja violaccedilatildeo ao princiacutepio do contraditoacuterio eis que eacute atoque independe da oitiva das partesrdquo Fica a impressatildeo (para dizer o miacutenimo) que ali se afirmou apenasque natildeo haacute violaccedilatildeo do contraditoacuterio simplesmente por natildeo haver necessidade de contraditoacuterio Masnatildeo se diz por que natildeo haveria Natildeo havendo substancial justificaccedilatildeo da decisatildeo data venia o pronun-ciamento jurisdicional natildeo atende agrave exigecircncia constitucional de fundamentaccedilatildeo das decisotildees judiciais

50 Loiumlc Cadiet e Emmanuel Jeuland Droit judiciaire prive cit p 321 No original ldquoLe procegraves est contradictionrdquo