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Código ISSN: 2358-0690 ANO 03 NOVEMBRO 15 Alex W. Antonio Palludeto | Célio Hiratuka | João Saboia | José Carlos Braga | Marcelo Pereira da Cunha | Paulo Sérgio Fracalanza | Rosana Icassatti Corazza REVISTA 24 A construção novamente interrompida? Dimensões estratégicas do desenvolvimento brasileiro:

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Código ISSN: 2358-0690

ANO 03 NOVEMBRO 15

Alex W. Antonio Palludeto | Célio Hiratuka | João Saboia | José Carlos Braga | Marcelo Pereira da Cunha | Paulo Sérgio Fracalanza | Rosana Icassatti Corazza

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24A construção novamente interrompida?

Dimensões estratégicas dodesenvolvimento brasileiro:

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Revista eletrônica idealizada e produzida pela rede Plataforma Política Social que reúne cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

plataformapoliticasocial.com

EDITOR Eduardo Fagnani

EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

JORNALISTA RESPONSÁVEL Davi Carvalho

REVISÃO Caia Fittipaldi

PROJETO GRÁFICO Renata Alcantara Design

CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

André Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

Erminia Maricato USP

Lena Lavinas UFRJ

revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

CÓDIGO ISSN: 2358-0690

APOIO

www.fes.org.br

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Índice

14 Mudanças na estrutura produtiva global e a inserção brasileira: desafios no cenário pós-crise

Celio Hiratuka

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Mercado de trabalho, políticas sociais e distribuição de renda: performance recente e perspectivas

João Saboia

25Padrão do crescimento brasileiro pós-Plano Real: uma abordagem estrutural a partir

da Análise de Insumo-ProdutoMarcelo Pereira da Cunha

Elementos demográficos, da estrutura ocupacional e da desigualdade no mundo do trabalho: notas para

uma análise das mudanças recentes no BrasilPaulo Sérgio Fracalanza

Rosana Icassatti Corazza

07A construção novamente interrompida? Dilemas da

economia brasileira no período recente (2004-2014)José Carlos Braga

Alex Wilhans Antonio Palludeto

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D I M E N S Õ E S E S T R AT É G I C A S D O D E S E N V O LV I M E N T O B R A S I L E I R O : A C O N S T R U Ç Ã O N O VA M E N T E I N T E R R O M P I D A ?

Os ar tigos aqui reunidos são todos baseados em estudos realizados ao longo de 2014, no âmbito do programa de trabalho do Centro de Altos Estudos Brasil do Século XXI, por professores dos Institutos de Economia da UFRJ e da Unicamp, instituições idealizadoras e fundadoras do Centro. Nesta edição da Revista Política Social e Desenvol-vimento, parte essas contribuições são oferecidas em versão resumida. A íntegra dos estudos será apresentada nos volumes 4 e 5 da série “Dimensões Estratégicas do Desenvolvimento Brasileiro”, produzida pelo Centro de Altos Estudos, e estará

Eduardo Fagnani Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social (www.plataformapoliticasocial.com).

Fernando SartiDiretor do Instituto de Economia da Unicamp e Diretor Pro-Tem-pore do Centro de Altos Estudos do Brasil do Século XXI

José Eduardo CassiolatoProfessor do Instituto de Economia da UFRJ Diretor Pro-Tempore do Centro de Altos Estudos do Brasil do Século XXI

Apresentação

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disponível em breve na página da insti-tuição na internet (http://www.altoses-tudosbrasilxxi.org.br/)

O objetivo da publicação é aprofundar a caracterização e compreensão dos problemas estruturais, potencialidades e opções estratégicas de desenvolvimento do Brasil, incluindo dilemas e desafios frente à crise global, a inserção econô-mica e geopolítica internacional do país.

São múltiplas as abordagens e leituras possíveis sobre o tema do desenvolvi-mento nacional, sendo também nume-rosos os recortes possíveis.

A matriz conceitual em torno da qual se estrutura a publicação tem como elemento constitutivo a visão do desenvolvimento como um processo que combina, simul-taneamente, (i) crescimento econômico e transformação das bases técnicas do sistema produtivo, e (ii) redistribuição da renda e redução das desigualdades sociais e regionais, sustentabilidade ambiental, aperfeiçoamento da democracia e afir-mação dos interesses estratégicos nacio-nais e da soberania do Estado brasileiro.

Esta visão de desenvolvimento é parti-lhada no Brasil por muitos especialistas, intelectuais e acadêmicos, mas não é hege-mônica, concentrando-se seus estudos em algumas universidades e centros de pesquisa mais abertas ao pensamento crítico, progressista e heterodoxo. Foi buscando ampliar esse debate que surgiu a ideia de elaborar e publicar duas edições da Revista Política Social e Desenvolvi-mento (# 23 e #24 ), apresentando versões

resumidas dos artigos.

Em “A construção novamente interrom-pida? Dilemas da economia brasileira no período recente (2004-2014)”, José Carlos Braga e Alex Wilhans Antonio Palludeto apontam evidências de que o Brasil ainda carece de um padrão de desenvolvimento. Os autores sublinham evidências na história econômica recente que se apre-sentam como limites ao desenvolvimento socioeconômico. Diante desse quadro, explicitam eixos fundamentais para que se tenha efetivamente um padrão de desenvolvimento que enfrente os dilemas estruturais que ainda persistem.

Analisando os desafios futuros da indús-tria nacional (“Mudanças na estrutura produtiva global e a inserção brasileira: desafios no cenário pós-crise”), Célio Hiratuka sublinha os grandes desafios atuais relacionados às mudanças no cenário global e às alterações na dinâmica interna. No cenário internacional, destaca o acirramento competitivo, exacerbado pela situação de estagnação na economia mundial no período pós-crise.

No cenário interno, aponta que os desdo-bramentos pós-crise evidenciaram as fragilidades acumuladas pela estrutura produtiva e que o breve ciclo de inves-timentos não foi capaz de reverter. O conjunto de transformações concorrenciais, produtivas e patrimoniais na economia global tem sido de grande magnitude, difi-cultando a análise dos desafios colocados para a estrutura produtiva brasileira, sem que se avance um pouco mais no entendi-mento dessas transformações.

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Aprofundando o tema da indústria, Marcelo Pereira da Cunha (“Padrão do crescimento brasileiro pós-Plano Real: uma abordagem estrutural a partir da Análise de Insumo-Produto”), apresenta uma análise das mudanças ocorridas no padrão de crescimento da economia brasi-leira no período 1995-2009, em termos do aumento da demanda final, bem como da mudança do padrão das transações inter-setoriais ao longo das cadeias produtivas. Os resultados evidenciam os distintos padrões de crescimento nos setores da economia brasileira.

Os dois artigos seguintes abordam as transformações no mercado de trabalho e na questão social ocorridas nos últimos anos. Em “Mercado de trabalho, políticas sociais e distribuição de renda: perfor-mance recente e perspectivas”, João Saboia procura entender as razões para a melhoria da distribuição de renda a partir do desempenho do mercado de trabalho e das políticas sociais. Além da análise retrospectiva, são discutidas as perspectivas para a continuidade dessa melhora no futuro próximo, mostrando as dificuldades a serem superadas.

Na mesma perspectiva, Paulo Sérgio Fracalanza e Rosana Icassatti Corazza (“Elementos demográficos, da estrutura ocupacional e da desigualdade no mundo do trabalho: notas para uma análise das mudanças recentes no Brasil”) ressaltam que a ponderada avaliação de um conjunto de indicadores do mercado de trabalho no Brasil, desde o início do primeiro governo Lula, sugere uma perspectiva de signi-ficativas e desejáveis transformações.

Entre os anos de 2003 a 2014, a despeito das flutuações do nível de atividade econômica, o Brasil viveu um período caracterizado, entre outros fatores por: aumentos importantes do salário mínimo real; ampliação da formalização das rela-ções de trabalho; redução dos níveis de desemprego; evolução positiva da estra-tificação dos ocupados; e diminuição das desigualdades dos rendimentos do trabalho. Entretanto, para os autores, todas essas conquistas ainda são, por um lado, muito tímidas frente à dimensão estrutural dos problemas que marcam o mercado de trabalho no Brasil e, por outro, muito frágeis que não possam ser revertidas em breve tempo.

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A partir de 2004, a conjuntura econô-mica favorável que permitiu boa parte das conquistas socioeconômicas recentes parecia indicar, ainda que de forma incipiente, que uma nova fase se abria à economia brasileira. No entanto, a crise internacional de 2007-2009 parece ter demonstrado a inexistência no país de um padrão de desenvolvimento1. Nesse sentido, cabe perguntar se há evidências de que o país carece de um padrão de desenvolvimento.

A construção novamente interrompida?

Dilemas da economia brasileira no período recente (2004-2014)

José Carlos BragaProfessor Titular do Instituto de Economia da Unicamp. Pós-Doutorado pela Universidade da Califórnia, Berkeley.

Alex Wilhans Antonio PalludetoDoutorando do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador assistente do Centro de Estudos de Relações Econômicas Inter-nacionais (Ceri) na mesma instituição.

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Foto: CCO/ pixabay

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Certos fatos estilizados, no nível macroe-conômico, quanto à dimensão externa e interna, sobressaem da história econô-mica recente do Brasil e se apresentam como limites a o desenvolv imento socioeconômico.

Quanto à dimensão externa, observa-se uma deterioração do saldo comercial a partir de 2008, acompanhada de uma piora na qualidade das exportações, quando se considera a tecnologia a elas incorporada, com redução da participação dos bens de alta e média tecnologia, ao mesmo tempo em que a crescente parcela dos produtos industriais na pauta importadora brasileira

indica perda de dinamismo da estrutura produtiva em operação no país. Ademais, movimento semelhante se observa na Balança de Serviços e Rendas, sobretudo em virtude das Viagens Internacionais e do Aluguel de Equipamentos – que indica, uma vez mais, a debilidade da estrutura industrial brasileira, sobretudo por não fornecer suficientes meios de produção que garantam a própria reprodução. A evolução delineada acima se expressou em défi-cits crescentes no Balanço de Transações Correntes a partir de 2008, atingindo apro-ximadamente 3,6% do PIB em 2013 e 3,7% em 2014 no período de janeiro a setembro.

Foto: CCO/ pixabay

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Par te expressiva do financiamento externo nesse período foi coberta pelo volume médio mais elevado do Investi-mento Estrangeiro Direto (IED) entre 2008-2014. Destes investimentos, parcela relevante corresponde a participações no capital – que não resulta diretamente em ampliação da capacidade produtiva (green-field), uma vez que pode estar associado a processos de Fusões e Aquisições (F&A), que não se traduzem em maiores taxas de investimento, além de implicar uma pressão adicional às contas externas no futuro (remessa de lucros, dividendos, salários, etc.) sem qualquer garantia de que, ao mesmo tempo, implique maior capacidade de geração de receitas pela exportação. Todo esse movimento encontra como contrapartida a maior Necessidade de Financiamento Externo a partir de 2008 frente às sucessivas rodadas de apreciação do Real frente ao Dólar desde 2004.

No mesmo período, verificou-se um aumento substantivo das Reservas Inter-nacionais, o que confere maior segurança às contas externas – a despeito de seu custo fiscal não desprezível – e uma queda da relação Dívida Externa Líquida/PIB, o que tornou o país “credor” internacional a partir de 2008.

No entanto, esses fenômenos não signi-ficam diretamente que o país está em uma posição de todo confortável frente ao cenário internacional. De fato, ao se considerar um indicador mais amplo, como o Passivo Externo Líquido (PEL), medido pela Posição Internacional de Investi-mentos Líquida, nota-se que ocorreu uma elevação substantiva no período recente,

ainda que a parcela do PEL denominada em moeda doméstica tenha-se expandido.

Quanto à dimensão interna, dois segmentos se destacam: as contas públicas e o sistema financeiro.

Em relação ao setor público, ainda que a parcela correspondente ao gasto com juros tenha sido, em média, menor no período 2008-2014, que nos anos 2004-2007, o déficit nominal atinge 3,3% do PIB em 2013 e 4,9% em 2014. Esse fenômeno resulta do menor superávit primário médio a partir de 2008. A importância desse indicador não pode ser negligenciada, dado que aponta para a menor capacidade do setor público para sustentar políticas de crescimento mediante gasto público – particularmente em uma conjuntura político-econômica que novamente parece tender para um vigoroso ajuste fiscal, que já demonstrou sua inadequação no passado recente. Ao mesmo tempo, a continuidade dos projetos de investimento público não somente se vê ameaçada pela deterioração fiscal, como também pela piora da situação econômica das empresas estatais. Nota-se que a partir de 2008 os resultados nominal e primário foram, com exceção do ano de 2010, negativos, apontando para um cenário de redução no ritmo dos investimentos.

De modo geral, verifica-se, portanto, uma trajetória de redução da capacidade de gasto do setor público brasileiro nos últimos anos; precisamente em uma conjuntura na qual se coloca a necessi-dade de contrabalançar o menor ritmo dos gastos privados e em que se tornam ainda mais visíveis as históricas carências

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do país quanto a obras de infraestrutura. A predominância da busca do superávit primário ou nominal como eixo decisivo da gestão fiscal tem imposto limites aos avanços estruturantes do gasto público para um padrão de desenvolvimento.

O recente desempenho do sistema finan-ceiro coloca também elementos impor-tantes para o debate acerca do padrão de desenvolvimento no Brasil, com destaque para o vigoroso processo de expansão do crédito. Com efeito, o crédito total passou de 25,7% do PIB em 2004 para 57,3% em outubro de 2014. Contudo, enquanto entre 2004-2008 o crédito concedido por insti-tuições privadas e públicas cresceu relati-vamente no mesmo ritmo, a partir de 2008, o crédito oriundo de instituições privadas permaneceu estagnado em torno de 26% do PIB. Dessa forma, a expansão do crédito entre os anos de 2008 e 2014 é resultado da explícita orientação das autoridades domésticas para fomentar o crescimento frente à eclosão da crise internacional por meio dos bancos públicos.

Ao mesmo tempo em que o sistema de bancos públicos tornou-se proeminente na concessão de crédito, o exame dos destinos para os quais o crédito foi cana-lizado também revela uma mudança de percurso nos anos recentes, em relação ao período 2004-2008. A participação do crédito no PIB para a indústria, que apre-sentou crescimento acelerado até 2008, se elevou, desde então, menos de 1% do PIB até outubro de 2014.

Esse movimento indica o menor dina-mismo industrial dos últimos anos e,

simultaneamente, sugere que a retomada do setor não está no horizonte visível, na ausência de políticas que se mostrem efetivas para o segmento. O único cresci-mento expressivo se encontra no crédito

para habitação, que, de aproximadamente 1% do PIB em 2004, saltou para 9,5% em outubro de 2014.

Além do menor ritmo do crescimento do crédito de forma geral – com exceção daquele destinado à habitação, como visto acima –, é conveniente destacar a ausência de mecanismos de financia-mento de longo prazo privados, sobretudo quanto ao mercado de capitais. Em relação aos títulos privados, observa-se um peso relativamente grande daqueles de origem bancária: crédito de depósito bancário (CDB) e letras financeiras (LF). Nesse sentido, o mercado de títulos corporativos, como as debêntures, ainda se demonstra muito tímido frente às exigências que se colocam ao crescimento da economia brasileira.

Esse movimento indica o menor dinamismo industrial

dos últimos anos e, simultaneamente, sugere

que a retomada do setor não está no horizonte visível,

na ausência de políticas que se mostrem efetivas

para o segmento.

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Diante desse quadro, é oportuno explicitar nas condições do Brasil atual quais eixos são fundamentais para que se tenha efeti-vamente um padrão de desenvolvimento que enfrente os dilemas do subdesenvol-vimento que ainda persistem:

I) Desde logo, o Brasil necessita de um padrão de desenvolvimento no qual as políticas estruturantes e a política macroe-conômica (fiscal, cambial e monetária) estejam em relação de complementari-dade e contemplem de forma articulada e interdependente a questão econômica e a questão social.

II) A política cambial sintonizada com o desenvolvimento não pode ser cúmplice da apreciação cambial que sabidamente tem sido um dos fatores da desindustrialização, ainda que esta tenha outros determinantes tão ou mais incisivos. De todo modo, é condição necessária ao desenvolvimento, ainda que não suficiente.

III) A política monetária é descompromis-sada com o desenvolvimento, na medida em que a taxa básica de juros se mantenha sistematicamente elevada em termos nominais e reais, a despeito de flutuações.

IV) A ir r esp o n sabi lida de f i s c al é

Foto: CCO/ pixabay

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inadmissível. É também inadmissível para a exequibilidade do desenvolvimento de um país de porte continental como o Brasil e suas correspondentes carências, um Estado cuja configuração tributária e fiscal não viabilize um Orçamento de Investimentos que resolva as deficiências da infraestrutura econômica e social.

V) O controle da inflação solidário ao desenvolvimento não pode estar baseado em elevações das taxas de juros, a não ser em conjunturas específicas em que a demanda agregada esteja acelerada.

VI) Políticas estruturantes (industriais, de inovação tecnológica, agrícolas, e as destinadas especificamente à elevação da qualidade de vida, dentre outras) que sejam voltadas à reorganização estratégica de eixos fundamentais para a configuração do padrão de desenvolvimento tais como:

1- Fomentar adequada e duradoura articulação público-privada, institucional-mente fundamentada, para investir signifi-cativamente nos setores de infraestrutura;

2- Redinamizar a indústria por meio de uma robusta política industrial que realisticamente defina prioridades técni-co-produtivas e modalidades de interação, inclusive em joint ventures, nas cadeias internacionalizadas de produção;

3- Seguir avançando no agronegócio e na utilização de recursos naturais com o propósito de articulá-los ao dinamismo industrial, no que o pré-sal pode ser “paradigmático”;

4- Através de uma política financeira, organizar complementaridades entre os sistemas financeiros público e privado para o funding de investimentos via operações de crédito e de mercado de capitais;

5- Enfrentar politicamente, de modo tecnicamente apropriado, a questão fundiária, tendo em conta as dimensões sociais e econômicas correspondentes;

6- Aprofundar a distribuição de renda e de riqueza que tenha sido conquistada nos últimos tempos, inserindo-as na estrutura e dinâmica do padrão de desenvolvimento;

7- Promover uma inserção interna-cional soberana – sem xenofobia – na dinâ-mica econômico-financeira da globalização a partir do desenvolvimento configurado como objetivo do país;

8- Retomar a prática do planejamento econômico nas distintas esferas públicas, abandonada há décadas, abandono que se expressa emblematicamente no fato de que o Ministério do Planejamento e as even-tualmente ainda existentes Secretarias de Planejamento dos governos subnacionais transformaram-se em órgãos dedicados apenas às práticas orçamentárias.

NOTA

1 Em termos gerais, um padrão de desenvolvimento representa um conjunto de relações entre os agentes socioeconômicos – o Estado, os capitalistas e os trabalhadores – cuja compatibilidade garante, ao longo do tempo, a manutenção do processo de acumulação de capital combinado à melhoria das condições de reprodução material de parcela relevante da população, tendo como referências a evolução do sistema capitalista internacional e a forma com que se articula a uma dada economia nacional.

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Sinopse

A estrutura produtiva brasileira está enfrentando grandes desafios. Estes desa-fios dizem respeito tanto a mudanças no cenário global, quanto a alterações na própria dinâmica interna. No cenário internacional, observa-se um acirramento competitivo, exacerbado pela situação de estagnação na economia mundial no

Mudanças na estrutura produtiva global

e a inserção brasileira:

Célio HiratukaProfessor do Instituto de Economia da Unicamp

Desafios no cenário pós-crise

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Foto: CCO Public Domain @pixalbay

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período pós-crise. No cenário interno, apesar do maior crescimento e dos resul-tados positivos da indústria entre 2003 e 2008, os desdobramentos pós-crise eviden-ciaram as fragilidades acumuladas pela estrutura produtiva e que o breve ciclo de investimentos não foi capaz de reverter.

O conjunto de transformações concor-renciais, produtivas e patrimoniais na economia global tem sido de grande magni-tude, dificultando a análise dos desafios colocados para a estrutura produtiva brasi-leira, sem que se avance um pouco mais no entendimento dessas transformações.

Cenário Global

Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que a intensa desverticalização com fragmen-tação de atividades, acompanhada por uma grande transferência internacional de etapas produtivas, foi um elemento que condicionou fortemente a inserção dos países em desenvolvimento no comércio e na produção mundial. No bojo desse processo, a produção mundial passou a ocorrer crescentemente sob a forma de uma rede internacional, integrando diferentes países e diferentes empresas, realizando etapas da cadeia de valor sob a coordenação das grandes corporações. Dentro deste contexto, é possível entender melhor o intenso deslocamento da ativi-dade industrial em direção aos Países em Desenvolvimento (PED) e a emergência da região asiática, em especial a China,

como grande centro mundial produtor e exportador de manufaturas.

Apesar de a crescente internacionalização, mensurada por dados de comércio, investi-mento e produção manufatureira, mostrar claros sinais de elevação e de crescente participação de países em desenvolvi-mento, as informações sobre a capacidade de comandar as cadeias de valor mediante o domínio de ativos tecnológicos, pelas grandes corporações globais, apontam para um processo de maior concentração e centralização.

Em relação a este último aspecto, vale destacar que os gastos em pesquisa permanecem muito concentrados nos países desenvolvidos e dominados por um grupo reduzido de ETN. Considerando as informações das 1.500 maiores empresas em termos de gastos em P&D, elas foram responsáveis por cerca de 45% dos gastos mundiais (inclusive o realizado fora do setor privado) em 2011. Considerando apenas as 100 maiores, estas represen-taram cerca de ¼ do total global e quase 60% das 1.500 maiores. Os dados sobre patentes também mostram um elevado grau de concentração nas empresas dos países avançados. Entre 2000 e 20091, considerando o conjunto das empresas sediadas nos países desenvolvidos, o total chega a mais de 94,5% do total de patentes depositadas no European Patent Office.

Além disso, vale destacar a tendência observada no período pós-crise, em vários países, de reforçar e revitalizar suas ativi-dades produtivas mediante um conjunto de medidas de estímulo à produção e à inovação.

M U D A N Ç A S N A E S T R U T U R A P R O D U T I VA G L O B A L E A I N S E R Ç Ã O B R A S I L E I R A : D E S A F I O S N O C E N Á R I O P Ó S - C R I S E

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O caso mais notório é o dos Estados Unidos,

país onde tradicionalmente as políticas de apoio a setores considerados estraté-gicos, embora fortemente presentes, são menos explícitas (BLOCK, 2011 e WADE, 2014). Como reação à crise, o American Recovery and Reinvestment Act anunciou recursos de US$ 800 bilhões para serem dispendidos no período 2009-2019, não apenas para combater os efeitos imediatos da crise, mas também para financiar a reestruturação industrial e tecnológica de longo prazo, para recuperar a compe-titividade das empresas estadunidenses. No caso da União Europeia, verifica-se a

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Além disso, vale destacar a tendência observada

no período pós-crise, em vários países, de reforçar e revitalizar

suas atividades produtivas mediante um conjunto de medidas de estímulo à produção e à inovação.

Foto: CC0 Public Domain @Pixabay

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mesma preocupação em apoiar a ativi-dade industrial, explícita por exemplo no Comunicado da Comissão Europeia sobre Política Industrial (2012) e em Veugelers (2013). Em 2013, a Comissão Europeia adotou o programa Horizon 2020, voltado para fomentar a inovação em tecnologias habilitadoras chaves, como as TICs, nano-tecnologia, materiais avançados, manu-fatura avançada e biotecnologia, além de apoiar ações para tecnologias limpas e voltadas para eficiência energética.

Finalmente, é importante destacar que a China também tem avançado rápido na direção de endogenizar capacidade inovativa e aumentar o peso das atividades intensivas em conhecimento, consubs-tanciada em seu Plano de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (2006-2020) e no 12º. Plano Quinquenal (2011-2015) (LAZZONICK e LI, 2012).

Além disso, com a crise internacional, a estagnação da demanda global acirrou a disputa por mercados. A desaceleração da economia mundial exerceu fortes impactos sobre os fluxos de comércio. Considerando o período entre 2003 e 2007, a taxa de crescimento médio anual das exporta-ções globais foi de 16,6%, e as exportações de manufaturas cresceram a uma taxa de 14,8%. O ano de 2009 foi marcado por redução drástica no patamar de exportação

Com a crise internacional, a estagnação da demanda global acirrou a disputa por mercados.

A desaceleração da economia mundial exerceu fortes

impactos sobre os fluxos de comércio.

Tabela 1 – Volume do Comércio Trimestral – 2º. Trimestre de 2014 em relação ao 3º. Trimestre de 2008. Exportações Importações Mundo 8,7% 8,1% América do Norte 13,0% 5,9%

Estados Unidos 14,4% 3,8% Canadá 2,2% 7,7%

América do Sul e Central -0,4% 20,8% Brasil 1,7% 32,1%

Europa 1,0% -6,4% Total 0,4% -7,4% Intra-UE -6,5% -7,3% Extra-UE 14,7% -7,7%

Ásia 25,5% 27,6% Japão -10,4% 7,1% China 45,2% 59,2% Coréia do Sul 49,5% 17,3%

Outros -2,1% 17,0%

Fonte: OMC

TABELA 1 – VOLUME DO COMÉRCIO TRIMESTRAL – 2º. TRIMESTRE DE 2014 EM RELAÇÃO AO 3º TRIMESTRE DE 2008. Fonte: OMC

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mundial, seguida de recuperação até 2011. Em 2012 e 2013, porém, a recuperação perdeu ímpeto, e o crescimento foi ínfimo. Considerando o período 2009 a 2013, o crescimento médio reduziu-se para 3,1% ao ano para o comércio total e 2,6% para o comércio de manufaturas.

Observando de maneira mais detalhada o período pós crise, é possível perceber como o desempenho comercial tem sido muito diferente entre as várias regiões do globo. Quando se consideram as exportações, as informações sobre o quantum exportado e importado (Tabela 1) mostram como a Ásia, em especial China e Coréia, manti-veram taxa expressiva de crescimento comercial. No entanto, a China manteve crescimento das importações acima das exportações; e a Coréia claramente adotou estratégia de buscar mercados externos em ritmo superior às importações como forma de enfrentar a crise. Já o Japão apresentou queda nas exportações e cres-cimento pouco abaixo da média mundial nas importações.

Também fica evidente o esforço exportador dos Estados Unidos e dos países da Europa, como forma de ajustar seu setor produtivo frente à crise, com taxas de crescimento muito acima das importações. No caso dos Estados Unidos, o volume exportado no segundo trimestre de 2014 foi 14,4% supe-rior ao observado no terceiro trimestre de 2008. Já as importações foram apenas 3,8% maiores. Na Europa, apesar da retração do comércio intraeuropeu, o comércio extraeuropeu também aponta a busca de mercados externos como reação à crise, combinada com redução da absorção de

importações do resto do mundo.

A América do Sul e Central, por outro lado, fizeram ajuste inverso, e tiveram o papel de absorver importações do resto do mundo. Quando se observam os dados do Brasil, as informações são preocupantes. As exportações foram apenas 1,7% supe-riores na comparação dos dois períodos, e as importações foram 32% superiores. Ou seja, grande parte dos países do mundo reforçaram a busca por mercados externos consolidando o cenário de competição acir-rada no período pós-crise.

Os dados para o período pós-crise revelam como a estagnação da demanda e na produção global provocada pela crise, em especial nos países avançados, inverteu de maneira brusca o contexto de forte crescimento observado no período ante-rior. Esse contexto de forte crescimento atenuava as tensões concorrenciais que já estavam postas, dadas as mudanças no cenário global descritas acima. O advento da crise tornou explícitas essas tensões e aprofundou a busca por mercados externos como válvula de escape para a estagnação dos mercados domésticos, ao mesmo tempo em que precipitou novas políticas de apoio à competitividade industrial, exacerbando a disputa por mercados. Neste contexto, observou-se que o Brasil acabou sem conseguir utilizar o mercado externo como saída para estagnação da produção doméstica; e, além disso, em situação em que permitiu que seu mercado interno auxiliasse no ajustamento do resto do mundo. As consequências deste processo serão detalhadas na seção seguinte.

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Desempenho industrial brasileiro no período recente

A indústria foi o motor do crescimento econômico brasileiro no período 1950-1980, quando o país constituiu uma estrutura industrial relativamente diver-sificada, integrada e impulsionada pelo mercado doméstico. A partir de 1980, com as mudanças nos condicionantes internos e externos e a opção pela adoção de suces-sivas políticas econômicas restritivas ao desenvolvimento industrial, observou-se uma perda relativa de dinamismo da indústria e do processo de convergência das estruturas produtivas, distanciando o Brasil das economias avançadas e mesmo

de outros países em desenvolvimento.

A partir de 2003, a economia passou a apre-sentar taxas maiores de crescimento. Se num primeiro momento o setor externo puxou o crescimento no início do ciclo, posteriormente a dinâmica do mercado interno também passou a ser crescente-mente favorável. Embora as exportações tenham exercido papel fundamental no acúmulo de reservas e no afastamento da vulnerabilidade externa, a demanda interna cumpriu o papel determinante no ciclo de crescimento, que passou a ser liderado pela retomada do consumo, que, por sua vez, acabou estimulando o cresci-mento dos investimentos.

A produção industrial passou a responder

GRÁFICO 1 – ÍNDICE DE PRODUÇÃO FÍSICA DA INDÚSTRIA, COM AJUSTE SAZONAL. JANEIRO DE 2002 = 100. 2002 A 2013 Fonte: IBGE: PIM/PF. Elaboração NEIT-IE-Unicamp

Gráfico 1 – Índice de Produção Física da Indústria, com ajuste sazonal. Janeiro de 2002 = 100. 2002 a 2013

90

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3

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a esse novo contexto, apresentando forte crescimento. O crescimento seguiu forte, inclusive com aceleração a partir de 2006, até ser atingido pela crise em setembro de 2008. As políticas anticíclicas tiveram o poder de estimular uma recuperação relativamente rápida, porém com sinais de esgotamento a partir de 2010. Desde então, a produção industrial não foi capaz de recuperar o ritmo.

A estagnação na produção industrial está diretamente relacionada ao acirramento da concorrência internacional observada no período pós-crise e destacado na seção anterior. Com o prolongamento de seus efeitos nos países centrais, em especial na União Europeia, a disputa no cenário inter-nacional se tornou feroz, com estratégias

agressivas por todos os exportadores de manufaturados para penetrar em mercados que conseguiram manter certo dinamismo em termos de demanda.

Como pode ser visto no Gráfico 2, antes da crise, embora as importações esti-vessem aumentando em ritmo acelerado, a produção industrial acompanhava em grande medida o crescimento do consumo doméstico. Os sinais contraditórios encon-trados por autores que analisam o processo de desindustrialização brasileiro estão associados a este cenário de crescimento da produção e do emprego industrial, seguido por aumento dos investimentos, combi-nado com elevação das importações e em alguns setores com aumento do coeficiente de importações e do conteúdo importado.

GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DOS COMPONENTES DO PIB E DO PIB DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO. ÍNDI-CES TRIMESTRAIS COM AJUSTE SAZONAL (1º. TRIMESTRE DE 2000 = 100). 2000 A 2013.. Fonte: IBGE/SCN

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No período posterior à crise, por outro lado, é possível ver claramente o desco-lamento que separa o consumo das famí-lias e a produção industrial, ao mesmo tempo em que se acelera o crescimento das importações.

A luta para ocupar a capacidade ociosa criada pela crise internacional tornou a disputa por mercados muito mais feroz. A ocupação do mercado doméstico por importações, que até então vinha sendo complementar à produção brasileira, acabou por deslocar a produção doméstica.

O ciclo de crescimento da demanda, estimulando a produção industrial teve dificuldades para se manter no período pós-crise. Apesar de a demanda interna ter-se recuperado de maneira relativa-mente rápida, o ambiente de concor-rência mais acirrada passou a significar deslocamento da produção doméstica, refletido no crescimento acelerado das importações e no reforço das estratégias de complementação da linha de produtos com importados. Ao longo de 2011 e 2012, essa estratégia permitiu manter o ritmo de crescimento das receitas, embora as margens operacionais tenham sofrido alguma queda. Vale destacar também que, neste período, começou a verificar-se o esgotamento da expansão do consumo de duráveis, ao mesmo tempo em que os investimentos também passaram a ter dificuldades para se expandir. Ou seja, o círculo virtuoso que se montou no período pré-crise foi mostrando sinais de esgota-mento frente ao novo cenário pós-crise. O curto período de dinamismo industrial, embora importante, não foi capaz de

reverter as deficiências acumuladas no longo período de estagnação anterior, fato que exigiria um ciclo de investimentos em modernização e inovação bastante mais prolongado e a transição para um novo padrão de crescimento, com maior prota-gonismo dos investimentos.

Considerando este contexto, pode se dizer que, de fato, os desafios colocados para manter uma estrutura produtiva robusta, e, mais do que isto, para avançar em direção a uma indústria que consiga incorporar de maneira mais efetiva avanços tecnológicos e capacidades inovativas importantes, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, são enormes.

De imediato, é fundamental reconhecer que, embora importante, a demanda externa não poderá exercer papel de vetor

Apesar de a demanda interna ter-se recuperado de maneira

relativamente rápida, o ambiente de concorrência

mais acirrada passou a significar deslocamento

da produção doméstica, refletido no crescimento

acelerado das importações e no reforço das estratégias

de complementação da linha de produtos com importados.

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de dinamismo, enquanto a economia global não indicar uma retomada mais firme de crescimento. Muitas vezes, soluções simples ou simplistas sobre a inserção nas cadeias globais de valor têm sido apresentadas como forma de recuperar dinamismo nas exportações e a compe-titividade industrial. Essa avaliação vem acompanhada da ideia de que o caminho para uma inserção virtuosa nas cadeias globais passaria pela ampliação de aber-tura comercial com redução de barreiras tarifárias e não tarifárias e maior ênfase em medidas de facilitação comercial, além de políticas favoráveis para a proteção ao investimento direto estrangeiro e aos direitos de propriedade intelectual.2 Porém, também se reconhece que essas medidas não garantem automaticamente os benefícios de uma melhor inserção nas cadeias globais, e que elas têm que ser articuladas com uma política mais ampla de desenvolvimento que garanta a apropriação de ganhos mediante a geração de renda e emprego em segmentos mais dinâmicos da cadeia.3

Por outro lado, o crescimento atrelado à demanda interna teria que priorizar os vetores de expansão que poderiam articular a expansão industrial com investimento em modernização e incor-poração de inovação. Esse caminho coloca desafios complexos para a instituciona-lidade presente da política industrial e tecnológica.

Como destacam Bielschowsky (2012) e Coutinho (2014), os desdobramentos nos anos recentes descortinaram oportuni-dades e frentes de expansão potenciais

para a economia brasileira que permitem vislumbrar fatores importantes para enfrentar os desafios ressaltados anterior-mente: um mercado de bens de consumo de massa que ainda não esgotou sua capaci-dade de expansão, a enorme demanda por bens de consumo sociais, como habitação, saúde e educação, grandes oportunidades de investimentos em infraestrutura em diversas áreas, como energia, telecomuni-cações, transportes, os investimentos no Pré-Sal e na cadeia de recursos naturais e agronegócios.

Em todos estes setores existem demandas potenciais que podem dinamizar amplas cadeias produtivas industriais e de serviços e fomentar a busca por incorporar capaci-tações tecnológicas e avançar em direção a processos, produtos e serviços mais inovadores. Além disso, poderia contribuir para viabilizar o acesso de grande parte da população a serviços fundamentais, como saúde, saneamento, habitação e trans-porte. No entanto, a mobilização desta articulação exigiria um esforço redobrado de coordenação dos vários instrumentos já existente em torno desses eixos mobi-lizadores. Os últimos anos assistiram a uma busca por reconstruir um conjunto importante de instrumentos de apoio ao desenvolvimento produtivo e tecnológico, desmobilizados durante os anos 1990. No entanto, seria necessário reforçar esses instrumentos e a capacidade de coorde-nação e articulação entre setor público e setor privado, e entre as várias instân-cias dentro das instituições responsáveis pela política industrial e tecnológica, em especial naquelas áreas onde a capacidade de organizar a expansão dos mercados

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estivesse sob controle público.

A coordenação seria vital para que as frentes de expansão pudessem de fato ser aproveitadas pela produção nacional e mais do que isso, pra que elas fossem articuladas com um processo de reestruturação que pudesse criar uma estrutura produtiva e tecnológica mais competitiva, capaz de navegar pelas turbulências dos próximos anos e de atingir um patamar mais elevado de capacitações para enfrentar o cenário global e fomentar o desenvolvimento de longo prazo.

NOTAS

1 Para captar as atividades de patenteamento associadast às ETNs, foi feito um filtro para eliminar patentes depositadas por pessoas físicas, institutos de pesquisa, universidades e agências governamentais.

2 Ver por exemplo o documento conjunto WTO/OCDE/Unctad (2013), em especial a parte I.

3 Ver o mesmo documento, parte II.

REFERÊNCIAS

BIELSCHOWSKY, R. (2012). Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Especial, p. 729-747, dez. http://www.scielo.br/pdf/ecos/v21nspe/v21nspea02.pdf

BLOCK, F. e KELLER, M.R. (2011). State of Innovation: The U.S.Government’s Role in Technology Policy, Londres: Paradigm Publishers, 2011.

COUTINHO, L. A crise e as múltiplias oportunidades de retomada do desenvolvimento industrial do Brasil. In MONTEIRO FILHA, D. PRADO, L.C., LASTRES, H.M.M. Estratégias de Desenvolvimento, Política Industrial e Inovação: ensaios em memória de Fábio Erber. Rio de Janeiro: BNDES. 2014.

EUROPEAN COMISSION (2012). Industrial Policy Communication 2012. A Stronger European Industry for Growth and Economic Recovery. Disponível lem http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52012DC0582&from=EN

LAZZONICK, W. e LI, Y. (2012) China’s Path to Indigenous Innovation. Cambridge: Sase Conference Paper .

MIRANDA, P. C. (2014) A internacionalização das atividades tecnológicas e a inserção dos países em desenvolvimento: uma análise baseada em dados de patentes. Tese de Doutorado. IE/UNICAMP.

OECD, WTO e UNCTAD. (2013) Implications of Global Value Chains for trade, investment, development and job. Paper prepared for the G-20 Leader Summit. Disponível em http://www.oecd.org/trade/G20-Global-Value-Chains-2013.pdf

VEUGELERS, R. (2013) Manufacturing Europe’s Future. Bruxelas: Bruegel Blueprint 21. 2013

Wade R (2014). The paradox of US industrial policy: The developmental state in disguise. I n: Salazar- Xirinachs JM, Nübler I and Kozul-Wright R, eds. Transforming Economies. Making Industrial Policy Work for Growth, Jobs and Development. Geneva, ILO : 379–400.

Foto: CCO/ pixabay

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Introdução

A economia brasileira passou por mudanças estruturais profundas ao longo das últimas cinco décadas. Estas mudanças, dentre outros aspectos, podem ser percebidas em termos das variações de algumas variáveis macroeconômicas, como a inflação e a taxa de crescimento real do PIB; a tabela a seguir (Tabela 1) mostra as diferenças nos

Padrão do crescimento brasileiro pós-Plano Real:

Uma abordagem estrutural a partir da Análise de Insumo-Produto

Marcelo Pereira da CunhaProfessor do Instituto de Economia da Unicamp

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Foto: CCO/ pixabay

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padrões destas variações para três períodos selecionados entre 1968 e 2013.

Particularmente em relação ao ritmo de crescimento real da economia, a figura a seguir (Gráfico 1) exibe, as variações, de 1995 a 2013, desta taxa em torno da média,

que foi de 3,0% ao ano. Importante destacar que, a partir das informações das Tabelas de Recursos e Usos (IBGE), o aumento da produtividade agregada do fator trabalho entre 1994 e 2009 foi, em média, somente 0,6% ao ano.Tabela 1 – Crescimento e inflação no Brasil entre 1968 e 2013

PeríodoCrescimento real do PIB -

média anual1Inflação média anual -

IPC (FIPE)2

1968 a 1979 8,9% 29,8%

1980 a 1994 2,3% 429,6%

1995 a 2013 3,0% 6,4%

TABELA 1 – CRESCIMENTO E INFLAÇÃO NO BRASIL ENTRE 1968 E 2013Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do (1) Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual) e da (2) Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Gráfico 1 - Crescimento real do PIB no Brasil

-1,0%

0,0%

1,0%

2,0%

3,0%

4,0%

5,0%

6,0%

7,0%

8,0%

1.995 1.997 1.999 2.001 2.003 2.005 2.007 2.009 2.011 2.013

Crescimento real do PIB Média

GRÁFICO 1 - CRESCIMENTO REAL DO PIB NO BRASILFonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)

PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO

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Este artigo apresenta uma análise preli-minar das mudanças ocorridas no padrão de crescimento da economia brasileira entre os anos de 1995 a 2009.1 As transfor-mações neste período de 14 anos são anali-sadas em termos do aumento da demanda final (consumo das famílias, consumo do governo, exportações e formação bruta de capital), bem como da mudança do padrão das transações intersetoriais ao longo das cadeias produtivas. A metodologia empre-gada no estudo está apoiada na Análise de Insumo-Produto, cuja técnica permite capturar os efeitos diretos e indiretos entre todos os setores produtivos para atender a demanda final. A análise do padrão de crescimento é avaliada em termos de variáveis socioeconômicas como o nível da produção de cada setor, a composição

do valor adicionado e a produtividade rela-tiva ao fator trabalho. Os resultados são apresentados a seguir.

Produtividade do fator trabalho

Entre 1995 e 2009, o aumento da produti-vidade agregada de todas as atividades da economia brasileira em relação ao fator trabalho foi de somente 11,5%; entretanto, o padrão de aumento foi muito distinto entre os setores. Os maiores aumentos foram encontrados, respectivamente, nos setores extrativo (com destaque para a extração de petróleo e gás natural), agropecuário e Tabela 2 – Variações na produtividade do fator trabalho entre 1995 e 2009

Variação  da  produtividade  do  fator  trabalho

1 Agropecuária 62,6%2 Extrativo 89,2%3 Indústria  da  transformação 1,9%

4Serviços  industriais  de  utilidade  pública

53,1%

5Construção  

civil-­‐10,8%

6 Comércio 8,0%7 Transporte 5,8%8 Serviços -­‐4,7%

Total 11,5%

Setor

TABELA 2 – VARIAÇÕES NA PRODUTIVIDADE DO FATOR TRABALHO ENTRE 1995 E 2009Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)

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serviços industriais de utilidade pública, com 89,2%, 62,6% e 53,1%, respectivamente.

Com relação à indústria da transformação, o aumento, em seu agregado, foi somente de 1,9%; a construção civil apresentou queda de 10,8%. A Tabela 2 apresenta estes resultados para a economia agregada em oito setores.

Remuneração dos fatores de produção

A participação da remuneração do fator capital em relação a capital mais trabalho foi de 36,0% em 1995, em toda a economia, passando para 39,1% em 2009; este aspecto

é função da combinação de ganhos de produtividade (em relação ao fator capital) e de aumentos expressivos nos preços em algumas atividades. A análise dos oito setores mostra que só não houve aumento desta participação nos setores da indústria da transformação (46,4% em 1995 e 41,0% em 2009) e da construção civil (praticamente constante – 38,8% em 1995 e 38,5% em 2009); a Tabela 3 apresenta estes resultados para a economia agregada em oito setores.

Aumento da produção setorial

O crescimento do valor da produção nestes Tabela 3 – Participação da remuneração do fator capital em relação a capital mais trabalho

1.995 2.0091 Agropecuária 18,6% 21,7%2 Extrativo 52,5% 58,0%3 Indústria  da  transformação 46,4% 41,0%

4Serviços  industriais  de  utilidade  pública

51,9% 74,9%

5Construção  

civil38,8% 38,5%

6 Comércio 35,7% 38,8%7 Transporte 24,0% 33,5%8 Serviços 34,1% 38,1%

Total 36,0% 39,1%

Setor

TABELA 3 – PARTICIPAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DO FATOR CAPITAL EM RELAÇÃO A CAPITAL MAIS TRABALHOFonte: Elaborada pelo autor a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN 2000 anual)

PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO

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Gráfico 2 – Aumento real da produção setorial entre 1995 e 2009

55,9%

72,0%

24,2%

57,8%

36,1%

48,2%

48,4%

56,1%

43,4%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

Agropecuária

Extrativo

Indústria  da  transformação

Serviços  industriaisde  utilidade  pública

Construçãocivil

Comércio

Transporte

Serviços

Total

14 anos para toda a economia, em termos reais, foi de 43,4%, próximo do aumento real do PIB de 46,5%. Novamente, a indústria da transformação e a construção civil tiveram aumento abaixo da média nacional, com 24,2% e 36,1%, respectivamente; o Gráfico 2 apresenta estes resultados para a economia agregada em oito setores.

Decomposição do aumento da produção setorial

A Análise de Decomposição Estrutural

mostra que o crescimento apresentado na produção de todos os setores é explicado, essencialmente, pelo aumento da demanda final (efeito escala); isto significa que, de modo agregado, a mudança tecnológica teve pouca importância naquele aumento. De fato, o efeito escala explica 106,2% do aumento, enquanto a mudança tecnológica explica queda de 6,2% do aumento (ou seja, a mudança tecnológica traria uma pequena redução na produção setorial). Das oito atividades, a indústria da transformação foi a principal responsável pela redução observada na mudança tecnológica; o Gráfico 3 apresenta estes resultados para a economia agregada em oito setores.

GRÁFICO 2 – AUMENTO REAL DA PRODUÇÃO SETORIAL ENTRE 1995 E 2009Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos resultados obtidos nesta pesquisa

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Gráfico 3 – Participações relativas do efeito escala e da mudança tecnológica

-­‐100% -­‐50% 0% 50% 100% 150% 200%

Agropecuária

Extrativo

Indústria  da  transformação

Serviços  industriais…

Construção…

Comércio

Transporte

Serviços

Total

Mudança  de  tecnologia Efeito  escala

PADRÃO DO CRESCIMENTO BRASILEIRO PÓS-PLANO REAL: UMA ABORDAGEM ESTRUTURAL A PARTIR DA ANÁLISE DE INSUMO-PRODUTO

GRÁFICO 3 – PARTICIPAÇÕES RELATIVAS DO EFEITO ESCALA E DA MUDANÇA TECNOLÓGICAFonte: Elaborado pelo autor a partir dos resultados obtidos nesta pesquisa

Conclusão

Os resultados apresentados evidenciam os distintos padrões de crescimento nos setores da economia brasileira, aqui mostrados entre 1995 e 2009. Especifica-mente com relação ao agregado da indús-tria da transformação, a redução devida à mudança tecnológica sugere que ter sido causado por dois aspectos, incluindo-se, até, a combinação de ambos: ganhos de produtividade em relação a todos os fatores de produção (o que parece ser mais impro-vável, em geral) e redução da importância da indústria doméstica pelo aumento de insumos importados.

Fazem-se necessários estudos mais apro-fundados, para buscar explicar, com maior propriedade, as diferentes razões para os padrões distintos observados em cada cadeia de produtividade, com a análise de seus desdobramentos. Especificamente, sugere-se a elaboração de um projeto mais amplo para avaliar a situação das atividades que compõem a indústria da transformação.

NOTA

1 Até a elaboração deste estudo, construído a partir das Tabelas de Recursos e Usos, o IBGE só divulgara dados disponíveis até 2009.

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1. Introdução

Ao longo dos últimos anos ocorreu no país uma combinação de resultados econômicos até certo ponto surpreendentes. Se por um lado a performance do Produto Interno Bruto (PIB) não foi brilhante, por outro houve avanços consideráveis em certas áreas, mais especificamente, no mercado de trabalho e na distribuição de renda.

Mercado de trabalho, políticas sociais

e distribuição de rendaPerformance recente e perspectivas

João SaboiaProfessor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).

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Foto: CCO

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É comum o questionamento sobre como poderia o mercado de trabalho estar comportando-se tão bem, com aumento da renda, maior formalização do emprego e redução do desemprego, se a economia vinha crescendo pouco, especialmente a partir de 2011.

O objetivo do artigo é procurar entender as razões para a melhoria da distribuição de renda no passado recente, a partir da performance do mercado de trabalho e das políticas sociais do período. Por outro lado, o comportamento do mercado de trabalho é analisado mostrando sua evolução e seu importante papel na melhoria da distri-buição de renda.

Além da análise retrospectiva, são discu-tidas as perspectivas para a continuidade da melhora na distribuição de renda no futuro próximo, mostrando as dificuldades a serem superadas.

Inicialmente, são apresentados os dados que comprovam a melhora da distribuição de renda nos últimos anos. Em seguida são apontadas as principais causas para o avanço observado. Há uma seção sobre um dos maiores desafios atualmente no mercado de trabalho do país que é o baixo nível da produtividade do trabalho. Finalmente, são mostrados os desafios e perspectivas para a continuidade do movimento de melhoria da distribuição de renda.

2. Evidência empírica dos avanços na distribuição de renda

Para ilustrar a melhora da distribuição pessoal da renda utilizaremos dados da renda domiciliar per capita. Tal melhora pode ser comprovada pela forte queda do índice de Gini, que representa o indicador mais utilizado em estudos da distribuição pessoal da renda.

O índice de Gini da distribuição da renda domiciliar per capita caiu de 0,596 em 2001, para 0,527 em 2013. Trata-se de um resultado que deve ser comemorado, dado que não há registro de período tão longo de melhora acentuada e contínua da distri-buição de renda no país.

Apesar da forte queda, índices superiores a 0,5 são considerados extremamente elevados, quando comparados com o padrão internacional. Assim, embora o país tenha melhorado bastante sua situação distribu-tiva no período, ainda continua localizado entre aqueles com as piores distribuições de renda.

A distribuição de renda pode também ser analisada sob o enfoque funcional da renda, que mostra como os rendimentos distri-buem-se segundo os ganhos do capital e do trabalho. A distribuição funcional da renda

Trata-se de um resultado que deve ser comemorado,

dado que não há registro de período tão longo de melhora

acentuada e contínua da distribuição de renda no país.

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no Brasil também é bastante desigual para os padrões internacionais. Seguindo os avanços da distribuição pessoal da renda, a partir de 2005 ela tem melhorado, com elevação da parcela da remuneração dos trabalhadores.

3. Principais causas para a melhoria da distribuição de renda

Há um consenso entre os especialistas brasileiros, segundo o qual a redução das desigualdades de rendimento está associada, principalmente, à melhora no

mercado de trabalho. Adicionalmente, há que ser considerado o excepcional aumento do salário mínimo, que contribui não apenas no mercado de trabalho, mas indiretamente na previdência e na assis-tência social, pelo fato de a grande maioria das pensões e aposentadorias oficiais estar fixada ao valor de um salário mínimo.

Cabe também destacar o importante papel dos programas de transferência de renda criados no país, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, que embora voltados para a redução da pobreza, também contribuem para a melhoria da distribuição de renda.1

a) Melhora do mercado de trabalhoCom relação ao mercado de trabalho, cabe mencionar a forte geração de empregos

Foto: CCO/ pixabay

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nos últimos anos, cujo resultado mais palpável tem sido a redução da taxa de desemprego. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), em 2003 a taxa média de desemprego nas seis principais regiões do país era da ordem de 12%; em 2014, flutuava em torno de 5%.

Um fato notável que merece ser mencio-nado é que a geração de emprego no período ocorreu ao mesmo tempo em que houve recuo do setor informal da economia. Em termos relativos, emprego formal com carteira assinada passou de 44% para 55% do total de pessoas ocupadas no período 2003-2013, segundo os dados da PME.

Os números são impressionantes, quando se analisa a quantidade de empregos gerados nos últimos anos. Tomando-se,

por exemplo, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Minis-tério do Trabalho e Emprego (Caged), que informa a criação líquida de empregos formais no país, observa-se que nos dez anos que vão de 2004 a 2013 foram gerados 13,4 milhões de empregos.

Apesar dos excepcionais resultados em termos de geração de empregos formais, é preciso salientar que nos últimos anos os novos empregos gerados estiveram concen-trados nos menores níveis salariais até o valor de dois salários mínimos (SM).

Entre os dados positivos cabe ainda regis-trar o aumento da escolaridade dos traba-lhadores. Considerando-se, por exemplo, aqueles que possuem ao menos o curso médio completo, houve aumento de 46%

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Foto: CCO/ pixabay

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para 64% do total de ocupados no período 2003-2013, segundo a PME. O aumento da escolaridade favoreceu o crescimento dos rendimentos do trabalho no período, com efeitos sobre a distribuição de renda.b) Crescimento do salário mínimo O salário mínimo (SM) já vinha crescendo desde a segunda metade dos anos 1990, por conta do final da hiperinflação obtido com o Plano Real. Seu forte crescimento, entre-tanto, passa a ocorrer somente a partir de 2004, quando a conjuntura política e econômica do país favoreceu a obtenção de reajustes mais generosos.

As discussões no Congresso por ocasião dos reajustes anuais acabaram desem-bocando numa regra aplicada a partir de 2009 segundo a qual, além da correção pela inflação (INPC), passou a ser conce-dido ao SM o aumento do PIB de dois anos anteriores. A legislação que define tal regra termina em 2015, quando deverá ser reno-vada ou definida outra fórmula para os

futuros reajustes para o SM. No período entre 2003 e 2013, o SM cresceu 74% em termos reais.

Tendo em vista a importância do SM na determinação dos menores salários, tanto no setor formal quanto no informal, não causa surpresa verificar que o nível médio de remuneração no mercado de trabalho também cresceu bastante no período. Segundo os dados da PME, houve aumento de 30% do salário médio em termos reais entre 2003 e 2013.

O efeito do salário mínimo sobre a distribuição de renda dá-se não apenas pelo mercado de trabalho, mas também mediante as pensões e aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e da assistência social mediante o Benefício de Prestação Continuada (BPC).c) Programas de transferência de rendaA importância dos programas de transfe-rência de renda para a melhoria das condi-ções de vida da população é inegável. No caso do Programa Bolsa Família (PBF), há mais de 14 milhões de famílias bene-ficiadas, cobrindo cerca de 50 milhões de pessoas. O número de famílias beneficiadas pelo Programa mais do que dobrou entre 2004 e 2012

No BPC, são aproximadamente 4 milhões de famílias pobres com idosos acima de 65 anos ou pessoas com deficiências. Em outras palavras, mais de um quarto das famílias brasileiras são beneficiadas pelo PBF e pelo BPC.

Apesar dos excepcionais resultados em termos

de geração de empregos formais, é preciso salientar

que nos últimos anos os novos empregos gerados estiveram concentrados nos menores

níveis salariais até o valor de dois salários mínimos (SM).

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Quando considerada a distribuição de renda, entretanto, os efeitos de tais programas são bastante limitados, tendo em vista o volume relativamente baixo de recursos transferidos aos beneficiários de tais programas. O gasto do PBF representa cerca de 0,5% do PIB e o do BPC atinge 0,7%, mostrando que o volume de recursos é muito pequeno, se comparado com a massa de rendimentos do trabalho.

4. A questão da baixa produtividade do trabalho

Partindo do diagnóstico de que os avanços ocorridos na distribuição de renda no

passado recente estão intimamente ligados à melhora do mercado de trabalho, nossa análise sobre as perspectivas para o futuro parte das dificuldades a serem enfrentadas no mercado de trabalho.

De acordo com os dados do Caged, no triênio 2011-2013, três de cada quatro empregos gerados no setor formal da economia brasileira foram localizados no setor terciário, sendo dois em serviços e um no comércio. O padrão típico do terciário tem sido a criação de empregos de baixos salários e produtividade.

Os dados relativos ao nível de produtivi-dade da economia brasileira são bastante desfavoráveis. Em primeiro lugar, a produ-tividade do trabalho vem crescendo em

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ritmo muito lento nos últimos anos. Entre 2000 e 2013, o crescimento foi de apenas 12%, ou seja, menos de 1% ao ano.

Por outro lado, a comparação com os demais países da América Latina mostra que a produtividade do trabalho no Brasil supera apenas a encontrada na Bolívia. Em 2013, ela correspondia a 47% da produtivi-dade do trabalho do Chile, 53% do México e 59% da Argentina.

Com a forte transição demográfica que vem ocorrendo no país, a PEA está enve-lhecendo rapidamente.2 Mantido o atual nível de produtividade do trabalho, ou mesmo se houver pequeno crescimento, no futuro poderá faltar mão de obra até mesmo de baixa qualificação. Dessa forma, a questão do aumento da produtividade se coloca como um dos requisitos principais para o bom comportamento do mercado de trabalho nos próximos anos.

Não se trata aqui de apenas dar conti-nuidade ao aumento da escolaridade dos trabalhadores, até porque tal política já vem ocorrendo e não tem produzido efeitos palpáveis sobre a produtividade do trabalho. É necessário, antes de mais nada, aumentar a qualidade do ensino público e privado em seus diversos níveis. Além disso, a ênfase no ensino médio técnico pode ser uma boa alternativa ao atual ensino médio genérico. Nessa linha de raciocínio, o Pronatec parece ter sido uma boa iniciativa do governo e deve ser fortalecido.

Como o aumento da produtividade não depende apenas dos trabalhadores, seu

crescimento passa pela retomada dos investimentos. Há consenso de que a taxa de investimentos do país, da ordem de 17 a 18% do PIB, encontra-se em nível bastante baixo e precisa ser elevado. Portanto, seria desejável o aumento tanto do investimento público quanto do privado. Para isso, além de enfrentar a questão do financiamento aos investimentos, é preciso criar um ambiente favorável que incentive os inves-timentos privados.

5. Os desafios para a continuidade da melhora da distribuição de renda no futuro

Como o aumento da produtividade não depende

apenas dos trabalhadores, seu crescimento passa pela

retomada dos investimentos. Há consenso de que a taxa de investimentos do país,

da ordem de 17 a 18% do PIB, encontra-se em nível bastante

baixo e precisa ser elevado. Portanto, seria desejável

o aumento tanto do investimento público

quanto do privado.

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Atualmente, há fortes críticas pelos espe-cialistas quanto à política de aumento real do salário mínimo, especialmente por conta de seu impacto sobre as contas públicas. As críticas são de vários tipos. Alguns acreditam que o valor do salário mínimo já é bastante alto, comparati-vamente ao nível de produtividade do trabalho. Outros questionam seu efeito sobre a previdência social, cujo piso das pensões e aposentadorias é fixado em um salário mínimo. Há ainda críticas ao fato de que as pessoas que recebem o salário mínimo não estão obrigatoriamente na base da pirâmide de rendimentos, mas em geral nas faixas intermediárias.3

De qualquer forma, aparentemente, a questão do salário mínimo parece resolvida, e a legislação atual deve ser

preservada para os próximos anos. Dado o baixo crescimento da economia desde 2011, e provavelmente até pelo menos 2016, a manutenção das regras atuais para o reajuste do salário mínimo representará crescimento muito pequeno para seu valor real, até 2018.

Independentemente do que será feito com o salário mínimo, a questão que se coloca quando se pensa na continuidade da melhora da distribuição de renda no futuro, é que os menores salários deveriam crescer mais que os maiores níveis, de forma a reduzir o enorme fosso existente entre os maiores e os menores salários no Brasil. Mas ao mesmo tempo, não podem crescer muito acima do aumento da produtividade do trabalho. Nesse sentido, o crescimento da produtividade tem papel central na

Foto: CCO/ pixabay

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melhoria da distribuição de renda no país.

Passando-se à questão dos programas de transferência de rendimentos, estudos realizados têm mostrado que a focalização do PBF é muito boa, transferindo renda efetivamente aos mais pobres. Por outro lado, não há evidências de que o PBF teria reduzido a oferta de trabalho, que seria uma das críticas feitas ao Programa.4 Assim, para que o PBF possa continuar a favo-recer a redução da pobreza e melhoria da distribuição de renda no futuro, o caminho natural seria ampliar a população benefi-ciária e/ou aumentar o valor dos benefícios, como feito pelo Plano Brasil sem Miséria. Mas conforme discutido anteriormente, seu efeito sobre a distribuição de renda é secundário frente à importância do mercado de trabalho.

O pouco crescimento econômico desde 2011 e a atual recessão já começam a se refletir sobre o mercado de trabalho, que se encontra em franca desaceleração. Assim, a manutenção de condições favoráveis do mercado de trabalho e a continuidade da melhoria da distribuição de renda vão depender da retomada do crescimento da economia nos próximos anos.

Finalizando, é preciso deixar bem claro que houve inegáveis avanços na questão distri-butiva no Brasil nos últimos anos, mas que a situação ainda é muito precária, deixando o país numa condição bastante desfavo-rável frente aos demais países, inclusive nossos vizinhos sul-americanos. Apesar da redução dos índices de desigualdade, o país continua a apresentar uma das piores distribuições de renda do mundo. Portanto,

é fundamental que essa questão continue sendo uma das prioridades no futuro, para que novos avanços sejam alcançados.

NOTAS

1 Sobre as causas para a melhoria da distribuição de renda ver, por exemplo, a coletânea Barros, Foguel, Ulyssea (2007).

2 Sobre a transição demográfica no Brasil ver Brito (2007) e Alves (2013).

3 Ver, por exemplo, Giambiagi (2014) e Menezes Filho (2014).

4 Sobre a questão da focalização do PBF, ver Soares (2009) e Souza (2013).

REFERÊNCIAS

ALVES, J. E. D., O Bônus Demográfico no Brasil, Jornal dos Economistas, n. 292, Corecon-RJ e Sindecon-RJ, Rio de Janeiro, Novembro de 2013.

BARROS, R. P., FOGUEL, M. N. e ULYSSEA, G. (orgs.), Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente, v. 1 e 2, IPEA, Brasília, 2007

BRITO, F., A Transição Demográfica no Brasil: As possibilidades e desafios para a economia e a sociedade, Texto para Discussão 318, Cedeplar, UFMG, Belo Horizonte, 2007.

GIAMBIAGI, F., A Questão do Salário Mínimo, Valor Econômico, São Paulo, 11/6/2014.

MENEZES Filho, N., Salário Mínimo e Desigualdade, Valor Econômico, São Paulo, 20/6/2014.

SOARES, S. et alii, Focalização e Cobertura do Programa Bolsa Família, Qual o Significado dos 11 Milhões de Famílias?, Texto para Discussão 1396, IPEA, Brasília, Março de 2009.

SOUZA, A. P. et alii, Uma Investigação sobre a Focalização do Programa Bolsa Família e seus Efeitos Imediatos, Working Paper 13/2013, FGV-EESP, Novembro de 2013.

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A ponderada avaliação de um conjunto de indicadores do mercado de trabalho no Brasil, desde o início do primeiro governo Lula em 2003, sugere uma perspectiva de significativas e desejáveis transformações.

Entre os anos de 2003 a 2014, a despeito das flutuações do nível de atividade econômica, o Brasil viveu um período caracterizado, dentre outros fatores por: i) aumentos importantes do salário mínimo real; ii) ampliação da formalização das relações

Notas para uma análise das mudanças recentes no Brasil

Elementos demográficos, da estrutura ocupacional

e da desigualdade no mundo do trabalho:

Paulo Sérgio Fracalanza Professor do Instituto de Economia da Unicamp. Coordenador Geral dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Economia da Unicamp. Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp).

Rosana Icassatti CorazzaProfessora do Instituto de Geociências da Unicamp no Departa-mento de Política Científica e Tecnológica (DPCT).

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Foto: CCO Public Domain @pixalbay

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de trabalho; iii) redução dos níveis de desemprego; iv) evolução positiva da estra-tificação dos ocupados; e v) diminuição das desigualdades dos rendimentos do trabalho.

Entretanto, a nosso juízo, todas essas conquistas ainda são, por um lado, muito tímidas frente à dimensão estrutural dos problemas que marcam o mercado de trabalho no Brasil; e, por outro, muito frágeis, podendo ser revertidas em breve tempo.

Assim, para melhor apreciação das mudanças que se verificaram nos últimos anos, dispomo-nos a tratá-las em dife-rentes dimensões.

Num primeiro momento, é útil avaliar a dinâmica do emprego no período de análise, observando indicadores sobre a criação líquida de postos de trabalho, a evolução do estoque de ocupados em empregos formais e as taxas de desemprego.

Assim, a partir do estoque total de empregos formais em 2002, de quase 28,7 milhões de empregos, a criação líquida de 20,3 milhões de novos postos de trabalho entre 2003 e 2013 significou crescimento de 70,7%, ou seja, taxa média anual de crescimento de 5,0% do volume de emprego. Esse resul-tado é ainda mais impressionante, quando se calcula a taxa média de crescimento da População Economicamente Ativa no mesmo período, de 1,4% ao ano.

Outro importante indicador é a taxa média anual de desocupação nas regiões metro-politanas do Brasil, entre 2003 e 2014,

a partir dos dados da PME do IBGE. O comportamento desta série apresenta uma redução das taxas de desocupação quase monotônica, passando em 2003, de um patamar de 12,3%, para uma taxa de 4,9% de janeiro a abril de 2014, o que significa uma redução de 60,2% no período.

Finalmente, é útil observar os resultados da decomposição das taxas de desemprego com base nas mudanças nos contingentes populacionais da PIA, PEA e dos ocupados: a cuidadosa análise destes anos robustece a apreciação de que a queda do desemprego deveu-se sobremaneira ao crescimento dos ocupados no mercado de trabalho.

No que respeita os rendimentos do trabalho aponta-se que ao longo do período de análise, o crescimento do salário mínimo, de 76%, superou amplamente o crescimento dos rendimentos medianos, de 42%, e o dos rendimentos médios, de 31%.

Alternativamente, esse mesmo fenômeno pode ser observado a partir dos dados da evolução dos rendimentos, médio e mediano, em comparação com os valores do salário mínimo, a valores reais de agosto de 2014. Assim, em 2003, com um salário mínimo de R$ 416, o salário dos ocupados na posição mediana era de R$ 862, ou seja 107,2% maior, enquanto o salário médio atingia o valor de R$ 1.560, ou seja, 275,0% maior que o salário mínimo. Já em 2014, com um salário mínimo de R$ 733, o salário mediano atingia o patamar de R$ 1.223, ou seja, 66,8% maior, enquanto o salário médio, no patamar de R$ 2.050, passa a ser 179,7% maior do que o salário mínimo. Portanto, o que se constata é uma

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ELEMENTOS DEMOGRÁFICOS, DA ESTRUTURA OCUPACIONAL E DA DESIGUALDADE NO MUNDO DO TRABALHO: NOTAS PARA UMA ANÁLISE DAS MUDANÇAS RECENTES NO BRASIL

redução da distância relativa das medidas de tendência central – a média e a mediana dos salários dos ocupados – dos valores do salário mínimo.

Sem dúvida, tal fenômeno resulta, ao menos em parte, do vigoroso crescimento dos salários mínimos no período, que não teria sido acompanhado por reajustes da mesma ordem nos salários dos ocupados com rendimentos superiores a um salário mínimo. Sabe-se que a distribuição dos ocupados no Brasil segundo as classes de rendimentos é bastante assimétrica, com uma parcela muito ponderável dos trabalhadores concentrados nos estratos de menor remuneração. Nesse mesmo sentido, é possível constatar que no período de 2003 a 2013 houve um expres-sivo crescimento do saldo líquido de

empregos para os ocupados nos segmentos de mais baixos salários.

A seguir, é importante voltar-se para a análise de alguns indicadores selecio-nados sobre a evolução da formalização

Nesse mesmo sentido, é possível constatar

que no período de 2003 a 2013 houve um expressivo crescimento do saldo líquido

de empregos para os ocupados nos segmentos de mais baixos salários.

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das relações de trabalho no Brasil, segundo a posição na ocupação e principais setores de atividade.

Num estudo recente e meticuloso, Krein e Manzano (2014) reúnem um conjunto de estatísticas que evidenciam a inequívoca redução da informalidade nas relações de trabalho no Brasil de 2003 a 2012, no sentido inverso ao que se produz em um conjunto de países desenvolvidos, presas de ajustes recessivos, de medidas de flexi-bilização e de precarização das relações laborais.

Destaca-se que os resultados da taxa de formalidade agregada apresentam um comportamento crescente monotônico. Se tomarmos o ano de 2002 como base,

veremos que a taxa de formalidade, que em 2002 era de 42,7%, passa para 56,6% em 2013, ou seja, um crescimento de 13,9 pontos percentuais.

Entre todas as posições na ocupação repre-sentadas, os comportamentos de maior destaque sucedem no segmento dos empre-gados com carteira e dos trabalhadores por conta própria.

No que tange aos resultados da formali-zação em seu aspecto setorial, os dados permitem concluir que ao tomarmos o ano de 2012 como referência, a indústria apresentava taxas de formalidade de 78,9%, superiores em 13,6 pontos percentuais às dos serviços (65,3%) e impressionantes 38,1% superiores à taxa apresentada pelas

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ocupações agrícolas (40,8%). De qualquer forma, ao longo do período de análise, é mister constatar que em todos os setores de atividade o crescimento da formali-zação em termos de pontos percentuais foi da mesma ordem de grandeza: 10,3% na indústria, 10,0% nos serviços e 11,4% na agricultura.

Um fenômeno de grande importância atravessa as transformações recentes no domínio da demografia: o período recente presenciou uma expressiva redução do ritmo do crescimento populacional, em razão da queda das taxas de fertilidade e de natalidade e do aumento da esperança de vida no Brasil. Ademais, ganha relevo a rápida mudança no perfil etário da popu-lação que proporciona transitoriamente o que se convencionou chamar de “bônus demográfico”, com importantes desafios

às políticas públicas.

Assim, se no caso brasileiro vivemos um período de redução da razão total de depen-dência que alcançará seu patamar mínimo em 2020, não se pode descurar do fato de que esse “dividendo demográfico” constitui um fenômeno transitório, oferecendo a oportunidade para a melhoria da qualidade de vida, da redução dos níveis de pobreza e de desigualdade.

O envelhecimento populacional, contudo, compõe uma face particular da tran-sição demográfica: com sua progressão, o “bônus” ou “dividendo” demográfico vai-se esvaindo. Portanto, é quase intuitivo extrair daí implicações as mais fundamen-tais em termos de saúde pública e de previ-dência. Sem entrar no detalhamento dessas implicações, pode-se dizer que seremos um país envelhecido com necessidades que constituirão rubricas progressivamente mais pesadas tanto nos orçamentos das famílias como no do Estado. Por isso, se sugere que tirar proveito desse bônus, antes que esse processo avance, é tarefa que recai sobretudo sobre os poderes públicos.

Finalmente, deve-se destacar o fenômeno, ao longo dos anos de análise, da redução das desigualdades, especialmente no que diz respeito à transformação da estrutura socioeconômica brasileira, com a expres-siva redução do contingente populacional vivendo na condição de miséria, a dimi-nuição das desigualdades de rendimento do trabalho e mudanças no perfil ocupa-cional que se apresentaram significativas no período em questão.

Assim, se no caso brasileiro vivemos um período de redução

da razão total de dependência que alcançará seu patamar

mínimo em 2020, não se pode descurar do fato de que esse

“dividendo demográfico” constitui um fenômeno transitório, oferecendo

a oportunidade para a melhoria da qualidade de vida,

da redução dos níveis de pobreza e de desigualdade.

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Ao longo dos últimos vinte anos, a confluência de uma série de ações de polí-ticas públicas e das conjunturas macroe-conômicas e setoriais permitiram ao Brasil assistir a um fenômeno singular de ascensão de dezenas de milhões de pessoas das condições mais degradantes da miséria para patamares de padrões de vida mais dignos.

Assim, voltamos a reiterar nossa impressão de que, se não se pode negar que são alvis-sareiras as recentes transformações, é mister reconhecer a insuficiência delas ante a brutal dimensão dos problemas estruturais e das desigualdades que ainda marcam o mercado de trabalho no Brasil; e, por outro lado, a fragilidade das mesmas transformações. Para evitar o risco de uma

reversão dessas tendências recentes, é preciso aprofundar e consolidar políticas sociais inclusivas, além do fortalecimento do mercado de trabalho e de medidas redistributivas.

Finalmente, propomos que o que se deve ter em mente e o que deve nortear a ação da pesquisa econômica sobre esses aspectos fundamentais do desenvolvimento é o reconhecimento de que ainda estamos diante de uma oportunidade – demográ-fica, econômica e política – para se deter-minar o “projeto de futuro” que queremos para o Brasil. É mais do que tempo de ousar.

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