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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CESAR AUGUSTO CROVADOR SIEFERT DINÂMICA DO AQUÍFERO RASO E FONTES DE CARBONO ORGÂNICO DISSOLVIDO EM UMA BACIA HIDROGRÁFICA DE CABECEIRA CURITIBA 2016

DINÂMICA DO AQUÍFERO RASO E FONTES DE CARBONO … · Com amor, dedico. AGRADECIMENTOS Ao professor Dr. Irani dos Santos, pela amizade e orientação a este trabalho. Além disso,

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    CESAR AUGUSTO CROVADOR SIEFERT

    DINMICA DO AQUFERO RASO E FONTES DE CARBONO ORGNICO

    DISSOLVIDO EM UMA BACIA HIDROGRFICA DE CABECEIRA

    CURITIBA 2016

  • CESAR AUGUSTO CROVADOR SIEFERT

    DINMICA DO AQUFERO RASO E FONTES DE CARBONO ORGNICO

    DISSOLVIDO EM UMA BACIA HIDROGRFICA DE CABECEIRA

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor em Geografia, no Curso de Ps-Graduao em Geografia, Setor de Cincias da Terra, Universidade Federal do Paran. Orientador: Prof. Dr. Irani dos Santos

    CURITIBA 2016

  • Para Vania. Com amor, dedico.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao professor Dr. Irani dos Santos, pela amizade e orientao a este trabalho.

    Alm disso, agradeo por ter acompanhado e contribudo para minha formao desde

    os tempos da graduao at a concluso do Doutorado.

    Aos professores Dr. Leonardo Jos Cordeiro Santos (DGEOG - UFPR), Dr.

    Masato Kobiyama (IPH UFRGS); Dr. Sandro Jos Froehner (DEA - UFPR) e Dr.

    Silvio Frosini de Barros Ferraz (ESALQ - USP) pelas valiosas contribuies na banca

    de defesa desta tese.

    Aos grandes amigos e parceiros do Laboratrio de Hidrogeomorfologia

    (LHG/UFPR), que proporcionaram memorveis discusses cientficas e imensurvel

    contribuio intelectual e braal no campo e laboratrio, em especial a: Daniel Ribeiro

    Lange, Fernando Helmuth Syring Marangon, Gilson Bauer Schultz e Rodrigo

    Bradasch Osternack. Sem o vosso apoio nas atividades de campo, nas discusses e

    compartilhamento de idias e sugestes, este trabalho no seria possvel. Agradeo

    tambm aos bolsistas Gustavo de Carvalho Hulyk e Marcelo Ng Wei Ban Hung pela

    ajuda no preparo das amostras e anlises em laboratrio.

    Ao grande amigo, Prof. Dr. Roberto Fabris Goerl (UFSC), pelas idias

    compartilhadas, crticas e sugestes a este trabalho.

    Aos funcionrios da secretaria do Programa de Ps-Graduao em Geografia

    UFPR, Luiz Carlos Zem e Adriana Cristina Oliveira, pela amizade, boa vontade,

    dedicao e extrema competncia em auxiliar os alunos.

    A Universidade Federal do Paran e ao Programa de Ps-Graduao em

    Geografia, que proporcionaram um ensino de qualidade e todo o suporte necessrio

    desde o incio da Graduao at o findar do curso de Doutorado.

    Ao Departamento de Hidrulica e Saneamento (DHS/UFPR) pelo apoio

    logstico para realizao deste trabalho, em especial a: Prof. Dr Maria Cristina Borba

    Braga, coordenadora do LABEAM/UFPR, por disponibilizar o analisador de TOC;

    laboratorista Luciane Lemos do Prado, Prof. Dr Heloise Garcia Knapik e Dr Carla

    Cristina Bem, pela pacincia, dicas e auxlios dispendidos durante as anlises; Prof.

    Dr. Cristvo Vicente Scapulatempo Fernandes pelo apoio e disponibilizao da

    Kombi para diversas atividades de campo durante o perodo de desenvolvimento do

  • trabalho; Prof. Dr. Srgio Michelloto Braga e MSc. Arthur Sass Braga pelo auxlio na

    construo dos sensores de nvel.

    A minha esposa, Vania Gomes Celso, pelo amor, apoio incondicional, pacincia

    e compreenso nos momentos de ausncia (que foram muitos!), por dividir comigo os

    momentos de alegrias e angstias durante a elaborao deste trabalho e por fazer

    desta uma vida infinitamente melhor do que eu poderia ter imaginado.

    A minha famlia, em especial a minha me, Maria do Rocio Crovador, a minha

    irm, Tatiana Crovador Siefert e a minha av, Noely de Oliveira Siefert, pelo apoio,

    carinho e torcida desde sempre.

    A CAPES, pela bolsa de estudos que permitiu dedicao exclusiva a este

    trabalho.

  • When you walk through a storm, hold your head up high and dont be afraid of the dark

    At the end of the storm, theres a golden sky and the sweet, silver song of a lark

    Walk on through the wind Walk on through the rain

    Though your dreams be tossed and blown

    Walk on, walk on With hope in your heart

    And youll never walk alone Youll never walk alone

    (Richard Rodgers & Oscar Hammerstein II)

  • RESUMO

    DINMICA DO AQUFERO RASO E FONTES DE CARBONO ORGNICO

    DISSOLVIDO EM UMA BACIA HIDROGRFICA DE CABECEIRA

    Os processos de armazenamento e transferncia de carbono orgnico dissolvido (DOC) na paisagem so governados por interaes entre processos hidrolgicos e biogeoqumicos. Entretanto, a relao explcita no enriquecimento da gua armazenada na bacia dada a interao de fontes de DOC, teores de carbono orgnico no solo (SOC) e a dinmica do aqufero raso ainda parcialmente compreendida e descrita. Neste estudo, o aqufero raso foi monitorado em uma rede de 12 poos implementados na encosta e nas zonas riprias da bacia hidrogrfica do rio Sagui (0,24 km), localizada na regio sul-brasileira. A concentrao de DOC no aqufero raso foi quantificada assim como o teor de SOC, associados com o monitoramento hidrolgico do aqufero raso e canal e anlises estatsticas para avaliao da relao entre o funcionamento hidrolgico da bacia e a variabilidade espao-temporal da concentrao de DOC no aqufero raso. Os poos monitorados exibiram comportamentos distintos com relao aos nveis do aqufero raso, teor de SOC e concentrao de DOC, indicando ainda um controle sazonal na produo e armazenamento de DOC. Observou-se uma rea de saturao dinmica na encosta associada ao aqufero raso mais prximo da superfcie (50% do tempo com nvel fretico menor que 0,5 m), rpida ascenso e lentos rebaixamentos. A relao entre a concentrao de DOC e nvel do aqufero raso assume um decaimento exponencial varivel em profundidade para a seo de encosta influenciada pela ocorrncia de solos com menores teores de SOC em profundidade, com limite mximo quando o aqufero raso se encontra prximo a superfcie (nvel fretico menor que 0,1 m). Em condies de menor umidade, estes locais apresentam ainda as maiores concentraes de DOC na bacia dada a rpida dinmica de ascenso e lento rebaixamento do aqufero raso prximo da superfcie e do enriquecimento da gua devido ao elevado teor de SOC nos horizontes superficiais do solo. Nas zonas riprias, o aqufero raso apresenta rpidas ascenses e recesses durante a ocorrncia de eventos associados a um dficit reduzido de armazenamento no perfil do solo. Nestes locais, observou-se ainda os maiores teores de SOC no perfil o solo, sem decaimento definido com a profundidade. Em perodos de maior armazenamento de gua na bacia, as zonas riprias apresentam as maiores concentraes de DOC em comparao a encosta. Nestes perodos as zonas riprias e encostas apresentam reduzido dficit de saturao e uma situao de conectividade quasi-permanente onde as fraes de DOC produzidas entre eventos so mobilizadas continuamente das reas saturadas da encosta para a zona ripria. Este estudo indica que, em bacias hidrogrficas de cabeceira em condies subtropicais, a dinmica das reas fontes de carbono orgnico dissolvido esto relacionadas ao comportamento do aqufero raso e os mecanismos de gerao de escoamento.

    Palavras-chave: carbono orgnico dissolvido, aqufero raso, mecanismos de gerao

    de escoamento, hidrologia de encosta.

  • ABSTRACT

    SHALLOW GROUNDWATER DYNAMICS AND DISSOLVED ORGANIC CARBON

    SOURCES IN A HEADWATER CATCHMENT

    Storage and fluxes of dissolved organic carbon (DOC) are governed by interactions between hydrological and biogeochemical processes in landscape. However, the relationship of DOC enrichment in catchment water storage are poorly described due uncertainties on the interaction of shallow groundwater dynamics and soil organic carbon. We monitored a network of 12 shallow groundwater wells on hillslopes and riparian zone in a 0.24 km catchment in southern Brazil. We used DOC analysis and soil organic carbon measurements together with groundwater and stream gauging and statistical analyses to evaluate relationships between catchment functioning and the spatiotemporal variability of DOC concentration. Riparian zone and hillslopes had a contrasting behaviour in relation of groundwater level, SOC content and DOC concentration showing a marked seasonality on DOC yield and storage. We observed a highly dynamic saturation area (50% with water table level below 0,5 m) in the lower foot slopes where groundwater was characterised by a rapidly rising and a slowly decaying during storm events. In the hillslopes, the relationship between DOC concentration and GW level follows an exponential function with depth and highly affected by soils with lower SOC contents in depth and higher DOC concentrations when GW shows a water table level within 0,1 m of the soil surface. During the driest period, the lower foot slopes shows higher DOC concentrations due the persistence of GW at or very near saturation and the water enrichment due the highest SOC content on superficial layers of soil. In the riparian zone, GW shows quickly rising and falling limb on the hydrograph during rainfall events associated with a reduced water storage deficit. Riparian zone soils were characterized with the highest SOC contents with no explicit relation between depth and decaying. During the wettest period, the riparian zones showed highest DOC concentration than hillslopes. In these periods, both riparian zone and hillslopes showed a reduced water storage deficit and a quasi-permanent hydrological connectivity where DOC production between rainfall events are transported continuously from saturated areas on hillslopes to riparian zones. This study demonstrated that DOC spatial sources in headwater systems in subtropical environments are linked with streamflow generation processes and GW dynamics. Keywords: dissolved organic carbon, shallow groundwater, streamflow generation processes, hillslope hydrology.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Diagrama conceitual do comportamento hidrolgico de encostas e zonas

    riprias em relao a variabilidade temporal da concentrao de DOC no canal. .... 18

    Figura 2 - Mecanismos de gerao de escoamento e condicionantes naturais. ...... 21

    Figura 3 - Representao esquemtica de uma seo Encosta - Zona Ripria - Canal,

    apresentando (a) unidades de paisagem com gerao de escoamento e

    evapotranspirao similares (hidrtopos), (b) diferentes componentes e

    subcomponentes que influenciam os mecanismos de gerao de vazo. ................ 22

    Figura 4 Vias de fluxo de Carbono no ecossistema terrestre. ............................... 27

    Figura 5 Ciclagem do carbono orgnico em bacias hidrogrficas e processos

    hidrolgicos atuantes. ............................................................................................... 29

    Figura 6 Bacia hidrogrfica do rio Sagui (curvas de nvel representadas com

    equidistncia de 5 metros). ....................................................................................... 38

    Figura 7 a) Modelo Digital do Terreno; b) Declividade; c) ndice Topogrfico e d)

    Fator LS da bacia hidrogrfica do rio Sagui (curvas de nvel representadas com

    equidistncia de 5 metros). ....................................................................................... 42

    Figura 8 Croqui de localizao dos pontos de monitoramento na bacia hidrogrfica

    do rio Sagui. Em azul claro est a rea mxima saturada e em azul escuro a rea

    permanentemente saturada para a bacia do rio Sagui. ............................................. 43

    Figura 9 a) Localizao da seo de poos; b) e c) transecto dos poos na seo

    de monitoramento em poro das encostas da bacia do rio Sagui (nas Figuras b) e c)

    a linha pontilhada verde representa o perfil da superfcie do terreno enquanto que a

    linha marrom representa o perfil da camada rochosa). ............................................. 44

    Figura 10 a) Localizao da seo de poos; b) e c) transecto dos poos na seo

    de monitoramento nas proximidades da nascente do rio Sagui (nas Figuras b) e c) a

    linha pontilhada verde representa o perfil da superfcie do terreno enquanto que a linha

    marrom representa o perfil da camada rochosa). ...................................................... 45

    Figura 11 - Esboo do projeto do sensor de nvel LHG-SN003-10m. ....................... 47

    Figura 12 Comparativo entre os ajustes obtidos para um mesmo transdutor de

    presso durante as calibraes com 2 e 14 pontos de controle................................ 47

  • Figura 13 Precipitao e vazo na nascente para o perodo entre 03/03/2015 a

    21/12/2015. ............................................................................................................... 52

    Figura 14 Dinmica do aqufero raso nos locais de monitoramento do aqufero raso

    (03/03/2015 a 21/12/2015). ....................................................................................... 54

    Figura 15 Variabilidade das condies de umidade antecedente na bacia do rio

    Sagui (API7) entre 03/03/2015 a 21/12/2015. A linha cinza indica a tendncia positiva

    da srie. .................................................................................................................... 56

    Figura 16 Intervalos de leitura do nvel do aqufero raso entre 03/03/2015 a

    21/12/2015 por seo de poos de acordo com sua posio na paisagem, sendo a)

    poro da encosta e b) zona ripria, nas proximidades da nascente do rio Sagui. As

    caixas determinam o 25 e 75 percentil, a linha pontilhada indica o 10 e 90 percentil,

    a linha horizontal no interior da caixa representa a mediana e os marcadores indicam

    os outliers da srie. ................................................................................................... 57

    Figura 17 Curvas de permanncia para o perodo entre 03/03/2015 a 21/12/2015

    por seo de monitoramento na a) poro da encosta e b) zona ripria, nas

    proximidades da nascente do rio Sagui. ................................................................... 59

    Figura 18 Dendograma resultante da anlise hierrquica de agrupamentos baseada

    nas caractersticas da paisagem e dos poos monitorados. ..................................... 64

    Figura 19 Agrupamento dos poos para a bacia do rio Sagui pela anlise hierrquica

    de agrupamentos baseada nas caractersticas da paisagem e dos poos monitorados

    plotados sobre o ndice topogrfico (em azul claro est a rea mxima saturada e em

    azul escuro a rea permanentemente saturada para a bacia do rio Sagui). ............. 65

    Figura 20 Perfil terico de distribuio vertical do teor de carbono orgnico no perfil

    do solo nas sees de monitoramento. A linhas pontilhadas horizontais em preto e

    cinza e a linha amarela representam, respectivamente, a mdia, a mediana e a

    permanncia do nvel do aqufero raso, representado apenas no intervalo 0 100 cm

    de profundidade. ....................................................................................................... 68

    Figura 21 Variao do teor de carbono orgnico no solo (0 30cm) com as variveis

    explicativas: a) mdia do nvel do aqufero raso; b) mediana do nvel do aqufero raso;

    c) ndice topogrfico; d) fator LS. .............................................................................. 71

    Figura 22 Distribuio de frequncia das amostras de DOC coletadas no canal. . 73

    Figura 23 Correlaes entre a vazo (L.s-1) no rio Sagui e a) concentrao de DOC

    (mg.L-1); b) tDOC (mg.s-1). ........................................................................................ 74

  • Figura 24 Distribuio de frequncia da concentrao de DOC nas amostras

    coletadas nos agrupamentos a) HCA1 (n= 25); b) HCA2 (n= 25) e c) HCA3 (n= 23).

    .................................................................................................................................. 76

    Figura 25 Intervalo das concentraes de DOC (mg.L-1) no aqufero raso. .......... 77

    Figura 26 Concentrao de DOC em relao ao nvel do aqufero raso observado

    no momento da amostragem por cluster. .................................................................. 79

    Figura 27 Concentrao de DOC em relao ao nvel do aqufero raso para trs

    campanhas realizadas na seo encosta: a) 24/08/2014; b) 15/05/2014; c)

    30/07/2014; d) histrico de coletas nos poos P1, P2 e P7 (DOC x nvel do aqufero

    raso). ......................................................................................................................... 81

    Figura 28 Concentrao de DOC nas amostras e Antecedent Precipitation Index

    para os 7 dias anteriores nos poos dos clusters a) HCA1 e b) HCA2 e HCA3. ....... 82

    Figura 29 Modelos de regresso linear obtidos para os locais de moniotramento

    com base na variao da concentrao mdia de DOC com as variveis explicativas:

    a) mdia do nvel do aqufero raso; b) mediana do nvel do aqufero raso; c) ndice

    topogrfico; d) fator LS; e) SOC. ............................................................................... 84

    Figura 30 Intervalo das concentraes de DOC (mg.L-1) nas unidades de paisagem

    da bacia do rio Sagui. ................................................................................................ 86

    Figura 31 Comparao relativa das concentraes mnimas (barras azul clara),

    mdias (barras azul) e mximas (barras azul escuro) de DOC nos poos e canal para

    a bacia do rio Sagui. .................................................................................................. 87

    Figura 32 Variao temporal das concentraes mdias de DOC nas unidades de

    paisagem durante as campanhas de coleta. ............................................................. 89

    Figura 33 Diagrama conceitual do controle das condies de umidade do

    comportamento hidrolgico na produo de DOC na paisagem em perodo de maior

    (esquerda) e menor (direita) condies de umidade na bacia do rio Sagui. ............. 92

    Figura 34 Dendograma resultante da anlise hierrquica de agrupamentos baseada

    nos dados do monitoramento do nvel do aqufero raso nos poos (mdia e mediana

    do nvel de gua), concentraes mnimas, mdias e mximas de DOC e teor total de

    SOC (0 30cm). ....................................................................................................... 93

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Reservatrios principais de carbono no planeta. ..................................... 26

    Tabela 2 Caractersticas dos poos monitorados na bacia hidrogrfica do rio Sagui.

    .................................................................................................................................. 46

    Tabela 3 Frao do tempo (%) em que o nvel do aqufero raso permanece em

    determinados horizontes do solo. .............................................................................. 60

    Tabela 4 Caractersticas da paisagem e dos poos monitorados na bacia

    hidrogrfica do rio Sagui. .......................................................................................... 62

    Tabela 5 Correlao de Pearson entre as caractersticas da paisagem e dos poos

    monitorados na bacia hidrogrfica do rio Sagui. ....................................................... 63

    Tabela 6 Mdia e desvio padro de carbono orgnico por profundidade amostrada

    por cluster.................................................................................................................. 66

    Tabela 7 Concentrao de DOC nas amostras de gua do rio Sagui (n= 18). ...... 72

    Tabela 8 Concentrao de DOC nas amostras de gua do aqufero raso na bacia

    hidrogrfica do rio Sagui por cluster. ......................................................................... 75

    Tabela 9 Concentrao de DOC nas amostras de gua para cada local de coleta.

    .................................................................................................................................. 78

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    a - rea de contribuio a montante

    ABNT - Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    ACO - Analisador de Carbono Orgnico

    API - Antecedent Precipitation Index

    CI - Carbono Inorgnico

    COrg - Carbono Orgnico

    DIC - Carbono Inorgnico Dissolvido

    DOC - Carbono Orgnico Dissolvido

    Gt - Gigatonelada

    HAND - Heigh Above the Nearest Drainage

    HCA - Hierarchical cluster analysis

    IT - ndice Topogrfico

    LS - Fator topogrfico

    MDT - Modelo Digital do Terreno

    NDIR - Non-dispersive Infrared Sensor

    NEP - Net Ecossystem Production

    POC - Carbono Orgnico Particulado

    QSup - Vazo gerada por escoamento superificial

    QSub - Vazo gerada por escoamento subsuperificial

    Qt - Vazo total

    SOC - Carbono Orgnico no Solo

    tDOC - Transporte instantneo de DOC

    TOC - Carbono Orgnico Total

    USLE - Universal Soil Loss Equation

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ...................................................................................................... 16

    2. OBJETIVOS E HIPTESE ................................................................................... 19

    2.1 Objetivo Principal ................................................................................................ 19

    2.2 Objetivos Especficos .......................................................................................... 19

    2.3 Hiptese .............................................................................................................. 19

    3. REVISO BIBLIOGRFICA ................................................................................. 20

    3.1 Heterogeneidade espacial de processos hidrolgicos na escala da bacia

    hidrogrfica................................................................................................................ 20

    3.2 Ciclo Global do Carbono ..................................................................................... 24

    3.2.1 Carbono Orgnico na Bacia Hidrogrfica: processos e interao entre gua

    e solo.................................................................................................................. 27

    4. MATERIAL E MTODOS ..................................................................................... 38

    4.1 rea de estudo .................................................................................................... 38

    4.1.1 Levantamento Topogrfico ........................................................................ 39

    4.1.2 Caracterizao morfomtrica da bacia hidrogrfica do rio Sagui .............. 40

    4.2 Monitoramento hidrolgico e delineamento experimental ................................... 41

    4.2.1 Antecedent Precipitation Index .................................................................. 48

    4.3 Amostragem de gua no canal e aqufero raso e procedimentos analticos:

    determinao da concentrao de DOC em amostras lquidas ................................ 48

    4.4 Amostragem de solo e procedimentos analticos: determinao do teor de COrg

    em amostras slidas ................................................................................................. 49

    4.5. Anlise estatstica .............................................................................................. 50

    5. RESULTADOS E DISCUSSO ............................................................................ 52

    5.1 Dinmica do aqufero raso e mecanismos de gerao de vazo na bacia do Rio

    Sagui ......................................................................................................................... 52

    5.1.1 Heterogeneidade espacial e temporal do aqufero raso ............................ 52

  • 5.1.2 Principais mecanismos de controle do comportamento do aqufero raso . 61

    5.2 Distribuio espacial e vertical do teor de carbono orgnico no solo .................. 65

    5.3 Dinmica espao-temporal da concentrao de DOC no contexto Encosta Zona

    Ripria Canal Fluvial .............................................................................................. 72

    5.3.1 DOC no canal fluvial .................................................................................. 72

    5.3.2 DOC no aqufero raso ............................................................................... 75

    5.4 Anlise integrada da paisagem e dinmica de DOC: produo, armazenamento e

    transferncia de DOC na escala da bacia hidrogrfica ............................................. 85

    6. CONCLUSES E RECOMENDAES ............................................................... 94

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 98

  • 16

    1. INTRODUO

    Recentemente, tem-se notado um interesse crescente na identificao de

    fontes e descrio dos mecanismos de transporte de nutrientes do solo e aporte em

    canais fluviais. O incremento de CO2 na atmosfera observado no sculo passado

    trouxe tona um interesse cientfico em compreender o ciclo do carbono em

    ambientes terrestres, atmosfricos e aquticos (Gregorich et al., 1998; Lal, 2004;

    Ritchie et al., 2007) e a potencialidade inerente de ambientes agrcolas e florestais em

    promover o sequestro de carbono.

    Estudos clssicos evidenciam o papel da matria orgnica na estabilizao dos

    agregados do solo, propriedades fsico-qumicas do solo e qualidade do solo (p.ex.

    Tisdall & Oades, 1982; Doran & Parkin, 1994), entretanto os mecanismos de

    desestabilizao ainda so parcialmente descritos e compreendidos (Schmidt et al.,

    2011). Enquanto as emisses de formas gasosas de carbono receberam grande

    interesse da comunidade cientfica nos ltimos anos devido a explcita relao com

    aquecimento global e efeito estufa (Lal, 2004), ainda existem diversas lacunas na

    descrio das perdas de matria orgnica na frao dissolvida e sua relao com

    processos hidrolgicos.

    Neste sentido, a concentrao de carbono orgnico dissolvido (DOC, do ingls

    Dissolved Organic Carbon) nos canais fluviais um dos elementos chaves na

    descrio da interao entre os ambientes terrestres e aquticos associados ao ciclo

    global do carbono. Entretanto, algumas incertezas ainda permanecem quanto as suas

    fontes, dinmicas e aporte em rios de primeira ordem (Chaplot & Ribolzi, 2014).

    Enquanto os padres de volume de carbono orgnico nos solos permitem

    estabelecer relaes empricas sobre a variabilidade temporal da concentrao de

    DOC no canal, em geral os padres de conectividade hidrolgica com o canal e

    comportamento das reas fontes (i.e. finitas ou infinitas) no so conhecidas. Desta

    maneira, surgem diversas lacunas na descrio dos processos hidrolgicos que

    controlam o armazenamento e dinmica de DOC na escala de bacia.

    A relao estabelecida entre encostas e zonas riprias em uma bacia

    hidrogrfica e a dinmica dos mecanismos de produo, armazenamento e

    transferncia de carbono orgnico permanecem parcialmente compreendidas.

    Encostas e zonas riprias apresentam comportamento distintos com relao aos

  • 17

    processos de gerao de escoamento dominantes, dinmica do aqufero raso,

    topografia, solos, vegetao e ambientes biogeoqumicos (McGlynn & Seibert, 2003).

    Parte-se ento do pressuposto que ao reconhecer que as encostas e as zonas riprias

    possuem caractersticas que proporcionam a ocorrncia de processos hidrolgicos e

    biogeoqumicos distintos, admite-se comportamentos no similares em bacias de

    cabeceira com relao aos mecanismos de gerao de escoamento e produo e

    armazenamento de DOC.

    Neste contexto, compreender a dinmica do DOC torna-se essencial para

    elucidar os mecanismos de armazenamento e transporte na escala da bacia

    hidrogrfica por, ao menos, trs razes principais: (i) grande quantidade de DOC

    exportado dos solos para os canais ocorrem durante os eventos pluviomtricos; (ii)

    variaes da concentrao de DOC em pequena escala temporal podem gerar

    aproximaes de como o DOC transferido aos canais e (iii) determinar os padres

    espaciais das reas fontes e relacionar a dinmica de DOC aos mecanismos de

    gerao de escoamento em bacias.

    Visando contribuir para a problemtica apresentada foi desenvolvido um estudo

    experimental em uma bacia hidrogrfica de cabeceira (0,24 km), com cobertura

    predominante de florestas e em condies subtropicais. Parte-se da hiptese de que

    a variao espao-temporal dos mecanismos de gerao de escoamento e promova

    a existncia de uma rea parcial e dinmica de contribuio de gua e nutrientes para

    o canal fluvial (Figura 1). Inserido nesta prerrogativa, tem-se que a compreenso dos

    padres espaciais de carbono orgnico na bacia e seu posterior deslocamento em

    direo aos canais enquanto frao dissolvida possui relao intrnseca a dinmica

    dos mecanismos de gerao de escoamento atuantes nas encostas e zona ripria.

    Com base no exposto, este trabalho possui dois questionamentos principais

    que balizaro o seu desenvolvimento:

    (I) Como a dinmica do aqufero raso atua no armazenamento e transferncia

    de carbono orgnico dissolvido na paisagem?

    (II) Como a distribuio espacial do teor de carbono orgnico no solo e os

    mecanismos de gerao de escoamento atuam na variabilidade espao-temporal da

    concentrao de carbono orgnico dissolvido em encostas, zonas riprias e no canal

    fluvial?

  • 18

    Figura 1 Diagrama conceitual do comportamento hidrolgico de encostas e zonas

    riprias em relao a variabilidade temporal da concentrao de DOC no canal.

    Produo, armazenamento

    e perda de DOC(SOC DOC DIC)

    EVreal

    Precipitao e EVpot

    Encostas

    n.a.

    Produo, armazenamento

    e perda de DOC(SOC DOC DIC)

    EVreal

    Precipitao e EVpot

    Zona Ripria

    n.a.

    Contribuio no linear

    Qsat + DOCsat

    Escoamento subsuperficial

    (QsubZR + DOCsubZR)

    Escoamento subsuperficial

    (QsubE + DOCsubE)

    rea Varivel de Afluncia

    Canal

    (Qt + DOCt)

    Qsup.

  • 19

    2. OBJETIVOS E HIPTESE

    2.1 Objetivo Principal

    Investigar os mecanismos de produo e armazenamento de Carbono

    Orgnico Dissolvido associados a dinmica do aqufero raso em encostas e zonas

    riprias em uma bacia hidrogrfica de cabeceira.

    2.2 Objetivos Especficos

    - Avaliar o comportamento do aqufero raso na encosta e na zona ripria por

    meio de monitoramento automatizado a partir do desenvolvimento de sensores de

    baixo custo;

    - Estimar o teor de carbono orgnico no solo na bacia hidrogrfica do rio Sagui;

    - Compreender padres espaciais e temporais da concentrao de DOC em

    unidades de paisagem da bacia hidrogrfica do rio Sagui;

    - Descrever a relao entre os mecanismos de gerao de escoamento e a

    dinmica de DOC na escala de bacia.

    2.3 Hiptese

    A distribuio espacial do DOC no aqufero raso condicionada pela

    distribuio espacial do estoque de carbono orgnico no solo e pela dinmica do

    aqufero raso nas encostas e na zona ripria. Desta maneira, a dinmica de produo

    e armazenamento de DOC na bacia apresenta heterogeneidade espacial e

    variabilidade temporal mediada pela ocorrncia dos mecanismos de gerao de

    escoamento na bacia.

  • 20

    3. REVISO BIBLIOGRFICA

    3.1 Heterogeneidade espacial de processos hidrolgicos na escala da bacia

    hidrogrfica

    A observao e interpretao dos padres espaciais so fundamentais em

    diversas reas das cincias da terra. Na Hidrologia, considera-se que historicamente

    existe um interesse maior em compreender os padres temporais das variveis

    hidrolgicas, em especial da vazo (Grayson & Blschl, 2001). Alguns estudos

    clssicos consideram a heterogeneidade espacial dos processos dentro da escala da

    bacia hidrogrfica, como por exemplo, a teoria da rea parcial de afluncia (Betson,

    1964) e rea varivel de afluncia (Hewllet & Hibbert, 1967; Dunne & Black, 1970).

    Recentemente, algumas abordagens incipientes buscam dar conta da relao

    processos hidrolgicos e padres espaciais, dentre elas citam-se os conceitos de

    unidade de resposta hidrolgica (Flgel, 1995) e as reas hidrologicamente sensveis

    (Walter et al., 2001).

    A heterogeneidade espacial de processos na escala da bacia hidrogrfica pode

    ser compreendida a partir do (I) estabelecimento terico das relaes entre as

    unidades da paisagem (II) observao (monitoramento) e descrio emprica

    (modelagem) dos padres espaciais e (III) possibilidade de mapeamento dos

    processos (Seyfried & Wilcox, 1995). Neste sentido, reconhece-se que os padres

    espaciais da paisagem, sejam eles superficiais e/ou subsuperficiais (i.e. propriedades

    dos solos, topografia e cobertura vegetal) so elementos controladores da dinmica

    dos processos hidrolgicos em diversas escalas, tornando o seu reconhecimento

    elemento-chave para a descrio do comportamento de bacias hidrogrficas (Schulz

    et al., 2006).

    Um dos exemplos clssicos da busca pela compreenso da heterogeneidade

    espacial de processos o modelo conceitual proposto por Dunne (1978) para

    ocorrncia dos mecanismos de gerao de vazo. Com o intuito de explicar a

    ocorrncia destes mecanismos a partir da integrao das caractersticas naturais das

    bacias hidrogrficas, Dunne (1978) props um modelo (Figura 2) representando a

    estrutura paradigmtica dos estudos sobre escoamento superficial desenvolvidos at

    o momento. Neste sentido, observa-se que a ocorrncia de um determinado

  • 21

    mecanismo estaria atrelada a uma associao entre clima, vegetao, uso do solo,

    topografia e tipo de solo refletindo na dinmica e heterogeneidade espacial do

    processo na escala da bacia hidrogrfica.

    Figura 2 - Mecanismos de gerao de escoamento e condicionantes naturais.

    Fonte: Dunne (1978).

    Dentro desta perspectiva, Becker (2005) (Figura 3) cita que a paisagem pode

    ser discretizada em unidades conceituais a partir de combinaes similares de clima,

    solos e vegetao, possuindo similaridades no comportamento hidrolgico e balano

    hdrico. Estas unidades so chamadas de hidrtopos, sendo assumido que uma

    paisagem composta de uma srie de hidrtopos, cujo mosaico heterogneo denota

    uma complexa heterogeneidade espacial no comportamento hidrolgico da prpria

    paisagem nas escalas temporais e espaciais. Considerando que estas unidades de

    resposta hidrolgica, espacialmente estanques, nem sempre apresentam evidente

    conexo via processos hidrolgicos, o conhecimento da heterogeneidade espacial

    ganha importncia no conceito de conectividade hidrolgica (Santos, 2009).

    Com uma abordagem similar a proposta de Becker (2005), Sidle (2004) e Sidle

    et al., (2004) afirmam a possibilidade de avaliao do comportamento hidrolgico em

    bacias hidrogrficas a partir de unidades de paisagem geomorfologicamente similares,

    ou seja, a partir da formulao de um modelo conceitual hidrogeomorfolgico de

    paisagem. Ainda nesta linha de raciocnio Lin (2003), ao propor as bases cientficas

    para a consolidao da Hidropedologia, tomou por base o fato de que a

    heterogeneidade espacial no resultante de padres e processos randmicos, mas

  • 22

    surge como consequncia de comportamentos distintos que regularo os fluxos de

    matria e energia no sistema.

    Figura 3 - Representao esquemtica de uma seo Encosta - Zona Ripria - Canal,

    apresentando (a) unidades de paisagem com gerao de escoamento e

    evapotranspirao similares (hidrtopos), (b) diferentes componentes e

    subcomponentes que influenciam os mecanismos de gerao de vazo.

    onde: (a) AG (reas permeveis com nvel fretico profundo, abaixo da zona vadosa); AN (reas midas, com nvel fretico

    prximo da superfcie); AW (superfcies lquidas); ASL (reas de encosta com potencial de gerao de escoamento superficial

    e subsuperficial); AIMP (reas impermeveis ou com baixa permeabilidade); (b) RO (Escoamento Superficial); ROHor

    (Escoamento Superficial Hortoniano); ROImp (Escoamento Superficial em reas impermeveis); ROSat (Escoamento Superficial

    por Saturao, via reas variveis de afluncia); RI (Escoamento Subsuperificial); RISi (Escoamento superficial por caminhos

    preferenciais); RITr (Translao de "onda de presso" atravs de horizontes do solo temporariamente saturado); RIPi (Fluxo

    de pisto). RN (Escoamento Subsuperficial direto para o sistema de canais, provocado pela elevao temporria do nvel

    fretico); RG (Escoamento Subterrneo).

    Fonte: Becker (2005) adaptado por Santos (2009).

    Neste sentido, a bacia hidrogrfica pode ser subdividida em unidades similares

    que possuem respostas hidrolgicas idnticas, como por exemplo: bacias de zero-

    ordem, zonas riprias e segmentos cncavos/convexos/retilneos em encostas.

  • 23

    Citam-se os exemplos de trabalhos que analisam a ocorrncia de processos

    hidrolgicos como gerao de escoamento superficial e subsuperficial e produo de

    sedimentos considerando a variabilidade espacial e conectividade hidrolgica dentro

    do transecto Encosta Zona Ripria Canal (p.ex.: McGlynn & Seibert, 2003;

    McGlynn & McDonnell, 2003a; Jencso et al., 2009).

    A elaborao de Modelos Digitais do Terreno (MDT) e sua fcil manipulao

    em ambiente SIG permitiram a integrao da abordagem espacial no contexto do

    estudo de processos hidrolgicos na escala da bacia hidrogrfica (Grayson & Blschl,

    2001). A disponibilidade de dados topogrficos em escalas adequadas tornou possvel

    o estabelecimento de relaes espaciais no contexto da bacia hidrogrfica a partir da

    derivao de diversos ndices morfomtricos, como por exemplo, o ndice topogrfico

    (Beven & Kirkby, 1979) e suas diversas variaes e o descritor HAND (Heigh Above

    the Nearest Drainage) (Nobre et al., 2011), ou ainda variveis descritoras do relevo

    relacionadas ao comportamento hidrogeomorfolgico de bacias hidrogrficas, como

    por exemplo, rea de contribuio, curvatura das vertentes e direo de fluxo (Moore

    et al., 1991).

    Alm disso, a utilizao destes ndices e variveis morfomtricos permitem

    ainda a estimativa de forma indireta e distribuda de diversas variveis e parmetros

    hidrolgicos, pedolgicos e geomorfolgicos (i.e. Moore et al., 1991; Moore et al.,

    1993; Gallant & Dowling, 2003; Summerell et al., 2005; Ziadat, 2005; Jencso et al.,

    2009; Pei et al., 2010; Schwanghart & Jarmer, 2011).

    Assim, surge a possibilidade de explorao do potencial de modelos

    distribudos a partir da incorporao da topografia e ndices derivados do MDT, alm

    do mapeamento de solos e vegetao (Seyfried & Wilcox, 1995).

    Entretanto, essa possibilidade trouxe a tona uma maior dificuldade de

    parametrizao, validao e representao dos processos hidrolgicos, resultantes

    de um alto grau de variabilidade espacial e temporal dos parmetros de entrada

    (Seyfried & Wilcox, 1995). Porm, a compreenso e descrio da heterogeneidade

    espacial dos processos so assumidas como sendo o grande diferencial para a

    utilizao da modelagem distribuda (Bathurst & O'Connell, 1992).

    A descrio dos padres espaciais dos processos inerente a organizao

    espacial e escalar dos processos hidrolgicos envolvidos na dinmica da bacia

    hidrogrfica (Grayson & Blschl, 2001) Assim, como a influncia desta

  • 24

    heterogeneidade espacial reconhecida desde os anos 60 (p.ex.: Cappus, 1960;

    Tsukamoto, 1963), alguns estudos incipientes sobre os efeitos na escala na resposta

    hidrolgica de bacias e sua importncia para a compreenso do processo chuva-

    vazo tambm advm desta poca (p.ex.:Amorocho, 1961). A medida em que se

    diminui a escala espacial de anlise, a bacia tende a atenuar os processos mais

    complexos, como por exemplo, os mecanismos de gerao de escoamento (Wood et

    al., 1988; Santos et al., 2013). Neste sentido, o processo de transformao dos inputs

    de chuva em vazo torna-se governado por caractersticas hidrolgicas em

    macroescala, diminuindo os efeitos de processos em micro escala no comportamento

    do hidrograma.

    A maneira em que ocorre este arranjo espacial na escala da bacia hidrogrfica

    estritamente dependente das variveis hidrogeomorfolgicas envolvidas (p.ex.:

    processos hidrolgicos e variabilidade do relevo, caractersticas pedolgicas e

    geolgicas). Desta forma, a compreenso dos padres espaciais importante para

    estruturar uma estratgia adequada de monitoramento, realizar a interpretao correta

    dos dados, elaborar ou aplicar modelos para simular a dinmica hidrolgica e,

    consequentemente, utilizar estes dados obtidos para prever o comportamento

    hidrolgico da bacia (Grayson & Blschl, 2001).

    3.2 Ciclo Global do Carbono

    O carbono um elemento presente em grande parte do material que compe

    o planeta, seja nas massas fluidas (oceanos, guas interiores e atmosfera) ou slidas

    (rochas e solos), alm de ser o elemento-base do qual se constituem todas as

    molculas orgnicas (Houghton, 1995). Desta forma, em uma escala global o carbono

    circula por 5 reservatrios (pools) principais: aqutico, atmosfrico, geolgico, solo e

    biota, considerando um estoque aproximado de 46.820 Gt, distribudos na paisagem

    (Tabela 1). Alm destes, existe ainda um volume de aproximadamente 8,3 Gt

    estocados juntamente com os combustveis fsseis (carvo mineral, petrleo, gs

    natural e peatlands1) (Falkowski et al., 2000).

    1 Solos orgnicos, caractersticos de ambientes em condies de saturao permanente, geralmente em regies temperadas, nos quais observado a acumulao de detritos orgnicos na superfcie (>30 a 40cm, de acordo com a definio legal para cada pas) devido as condies anxicas e de baixas

  • 25

    De forma simplificada, a representao do ciclo global do carbono envolve

    apenas 3 reservatrios: sendo 2 deles biologicamente ativos, ocenico e terrestre

    (solo e vegetao), conectados a atmosfera via fluxos gasosos (Siegenthaler &

    Sarmiento, 1993; Falkowski et al., 2000). Todos os reservatrios so interconectados,

    ocorrendo a circulao do carbono entre eles (Lal, 2004) mediante a ocorrncia de

    processos de origem hidro-bio-geoqumicos. Desta forma, as alteraes na

    concentrao do C nos diferentes pools dependem, no apenas das atividades

    humanas, mas tambm dos processos biogeoqumicos e climticos e suas interaes

    com o ciclo do carbono (Falkowski et al., 2000).

    Estima-se que de 1850 at o final do sculo XX foram emitidos

    aproximadamente 270 Gt a partir da queima de combustveis fsseis e sendo que

    destes, cerca de 180 Gt foi absorvido pela atmosfera e o restante pelos oceanos e

    sumidouros terrestres. Para o mesmo perodo, Houghton (1995) estima que as

    emisses devido a alteraes de qualquer natureza no uso do solo promoveram um

    incremento na ordem de 136 Gt de carbono no sistema.

    Considerando apenas os compartimentos terrestres (solo, biota e atmosfera),

    o solo possui o maior estoque disponvel de carbono, sobretudo ao considerar que

    dos 2.500 Gt disponveis no solo, aproximadamente 1.550 Gt so referentes ao

    carbono orgnico (COrg), estocado sob a forma de matria orgnica. A concentrao

    de COrg extremamente varivel em solos de acordo com as condies climticas,

    sendo baixa em solos de regies ridas, alto em zonas temperadas e extremamente

    alto em solos de origem orgnica em zonas tropicais (Lal, 2004).

    Em escala global, embora a transferncia de C mediante fluxos entre as

    superfcies continentais e a atmosfera sejam superiores aos mecanismos associados

    as guas superficiais (Lafleur et al., 2003; Billet et al., 2006), as taxas de aporte e

    transporte de DOC em canais inseridos em bacias hidrogrficas com a presena de

    solos orgnicos podem ser comparveis as taxas de sequestro de C no contexto solo

    - planta (Hope et al., 2004). Cole et al., (2007) afirmam ainda que a transferncia de

    C terrestre para as guas interiores consideravelmente maior que o volume de

    temperaturas que fazem com que as taxas de decomposio da matria orgnica sejam extremamente lentas (Gorham, 1991).

  • 26

    carbono que exportado para os oceanos e aproximadamente similar a produo

    lquida do ecossistema (NEP, do ingls Net Ecossystem Production2).

    Tabela 1 - Reservatrios principais de carbono no planeta.

    Reservatrio Capacidade (Gt)

    Atmosfera 760,00

    Biota 560,00

    Geolgico 5.000,00

    Oceano e guas

    interiores 38.000,00

    Solos 2.500,00

    Total 46.830,00

    Fonte: Lal, 2004.

    Os volumes de carbono orgnico dissolvido exportados das guas interiores

    em direo aos oceanos varivel, entre 11 a 16 Gt/ano (Falkowski et al., 2000),

    sendo que deste montante, cerca de 10% mineralizado no sedimento, 40% retorna

    a atmosfera devido a trocas gasosas e o restante exportado para os oceanos,

    divididos igualmente entre as fraes orgnicas e inorgnicas (Cole et al., 2007).

    Embora o volume exportado seja significativo, dificilmente os modelos de ambiente

    aqutico consideram explicitamente o papel das guas interiores no ciclo global e

    regional do carbono (Cole et al., 2007).

    Na escala da bacia hidrogrfica, o carbono armazenado em diversos pools

    (p.ex: biomassa da parte area da vegetao, razes, solo, vegetao herbcea e

    liteira) de tamanhos e distribuio variveis de acordo com as caractersticas

    climticas, manejo do solo, perturbao e nvel de degradao (Eglin et al., 2008).

    Entretanto, considerando a necessidade de compreender com maiores

    detalhes a escala global do carbono, diversas lacunas ainda existem na quantificao

    e nos processos que envolvem a (I) processos erosivos envolvendo o transporte de

    carbono orgnico, (II) sua distribuio espacial pela paisagem e (III) quantificao do

    aporte de carbono orgnico nos sistemas fluviais (Chaplot et al., 2005), sendo ainda

    2 Parcela disponvel de carbono orgnico no sistema, sendo resultado da diferena entre a produo primria bruta (GPP, do ingls Gross Primary Production) e os processos de respirao autotrfica e o volume de carbono orgnico convertido em carbono inorgnico devido a processos respiratrios.

  • 27

    evidenciada uma dificuldade na descrio e modelagem dos processos de transporte

    de DOC via processos hidrolgicos superficiais e subsuperficiais (Mei et al., 2012).

    3.2.1 Carbono Orgnico na Bacia Hidrogrfica: processos e interao

    entre gua e solo

    amplamente reconhecido que o transporte de compostos orgnicos pela gua

    em ambientes florestais estabelece um importante meio de ligao entre os

    ecossistemas aquticos e terrestres (Dokssey & Bertsch, 1994).

    De maneira simplificada, o ciclo do Carbono pode ser conceitualmente descrito

    a partir de trs compartimentos de origem (I) terrestre (solo e vegetao), (II)

    atmosfrica e (III) ocenica (Janzen, 2004), sendo que o ecossistema terrestre abarca

    os processos fsicos e biogeoqumicos oriundos da interao entre as caractersticas

    biogeoqumicas entre solos, vegetao e gua na escala da bacia hidrogrfica (Figura

    4).

    Figura 4 Vias de fluxo de Carbono no ecossistema terrestre.

    Onde: Carbono Orgnico Dissolvido (DOC), Carbono Orgnico Particulado (POC),

    Carbono Inorgnico Dissolvido (DIC), Carbono Inorgnico Particulado (PIC).

    Fonte: Sorribas (2011).

  • 28

    Neste sentido, caractersticas de origem climtica, geolgica, associadas a

    prticas de uso e manejo em distintas unidades pedolgicas e vegetao tem sido

    identificadas como os principais fatores que atuam nos controles iniciais do volume de

    carbono estocado no compartimento terrestre (Yoo et al., 2006; Dawson & Smith,

    2007). Conforme Lal (2004), o estoque global de carbono orgnico no solo (0 - 1m)

    de cerca de 1.550 Gt (Batjes, 1996; Jobbagy & Jackson, 2000), armazenado em forma

    de matria orgnica, cerca de 3x superior ao estoque na atmosfera (Davidson &

    Janssens, 2006) e 4,5x superior ao estoque na biota, estando em equilbrio dinmico

    com o ambiente (Lal, 2005).

    Desta maneira, compreender os padres e processos envolvidos na

    redistribuio do SOC (Soil Organic Carbon) em ambientes florestais e agrcolas

    torna-se elemento chave para estimar o potencial de sequestro de carbono nestes

    sistemas, bem como fornecer subsdios para ao desenvolvimento de modelos que

    possam predizer o padro espacial e os mecanismos de transferncia de COrg na

    paisagem (Ritchie et al., 2007).

    Em geral, o ciclo do carbono em ambiente terrestres intimamente associado

    ao ciclo hidrolgico (Figura 5) e considera-se ainda que os processos hidrolgicos

    atuem como mecanismos de controle primrio na transferncia e redistribuio de

    matria orgnica e nutrientes na paisagem, sobretudo o carbono orgnico nas fraes

    dissolvidas e adsorvidas (Boyer et al., 1996; Hinton et al., 1998; Frank et al., 2000;

    McGlynn & McDonnell, 2003a; Dalzell et al., 2007; Temnerud et al., 2007; Lambert et

    al., 2011; Lambert et al., 2013), sugerindo que a inerente variabilidade dos processos

    hidrolgicos que ir produzir diferentes padres temporais e espaciais na dinmica

    dos nutrientes nas encostas, zona ripria e canal (Stieglitz et al., 2003; van Verseveld

    et al., 2009).

    De forma geral, o COrg fonte de energia para os ecossistemas aquticos

    (Wetzel, 1992) e, quimicamente, ainda participa dos mecanismos de transporte e

    disponibilidade de ons, nutrientes, metais pesados e poluentes orgnicos (Boyer et

    al., 1996). E, do ponto de vista biogeoqumico, o fato da concentrao e da

    caracterizao qumica do carbono orgnico total (TOC, Total Organic Carbon) ser

    varivel, denota ainda que as fraes dissolvida (DOC, Dissolved Organic Carbon) e

    particulada (POC, Particulate Organic Carbon) so variveis durante eventos

  • 29

    pluviomtricos, indicando que a contribuio e aporte no canal oriunda de diversas

    fontes (Hood et al., 2006).

    Figura 5 Ciclagem do carbono orgnico em bacias hidrogrficas e processos

    hidrolgicos atuantes3.

    Fonte: adaptado de Lal (2004).

    No contexto da bacia hidrogrfica, a concentrao de DOC em canais oriunda

    do ambiente terrestre como resultado das transformaes qumicas do carbono do

    solo como carbono orgnico slido a partir da decomposio de materiais hmicos

    (SOC), emisso de CO2, DOC e DIC (Lennon, 2004; Birkel et al., 2014).

    Diversos estudos evidenciam que cerca de 30% a 50% do volume total anual

    de DOC exportado pelos canais devido a rpidas alteraes devido a eventos

    pluviomtricos com pequena durao e grandes intensidades que ocupam de 4% a

    24% do tempo. Por outro lado, em alguns casos, cerca de 30% a 60% da carga anual

    de DOC exportada oriunda de apenas um evento pluviomtrico (Clark et al., 2007).

    Sendo assim, estima-se que em geral, o DOC em pequenos canais oriundo de

    lixiviao de solos (dessoro SOC DOC) e plantas, sendo constitudo de protenas,

    carboidratos, lipdios e compostos hmicos, enquanto que o POC possui origem

    autctone sendo sua concentrao relacionada com a eroso do solo em ambientes

    sedimentares (Meybeck, 1993; Swarzenski & Campbell 2005).

    Canais de primeira e segunda ordem apresentam uma grande variabilidade

    espacial entre si (Temnerud & Bishop, 2005) e temporal (Buffam et al., 2007) das

    3 Em condies anaerbicas, podem ser observadas perdas de C do sistema via emisso de CH4.

  • 30

    propriedades qumicas da gua, de forma que a descrio e compreenso desta

    dinmica torna-se um desafio uma vez que dificilmente tem-se a coleta de dados de

    forma representativa e sistemtica para esta escala de anlise (Temnerud et al.,

    2010). Neste sentido para descrever os canais de primeira e segunda ordem, Bishop

    et al., (2008) cunha o termo Aqua Incognita, oriundo desta dificuldade de

    monitoramento e descrio dos processos biogeoqumicos nestes ambientes.

    As concentraes de DOC e POC em canais remetem as suas origens em

    ambientes pedolgicos, dado o estoque de carbono e percentual de solos orgnicos

    na bacia hidrogrfica (Aitkenhead et al., 1999; Dawson et al., 2004). Em longo prazo,

    as concentraes de DOC e POC apresentam comportamento distinto no canal, por

    exemplo, em climas temperados enquanto o DOC apresenta um padro sazonal, com

    uma elevada concentrao durante o vero e picos durante o outono cuja tendncia

    alterada em virtude de eventos pluviomtricos, o POC apresenta uma dinmica

    relacionada somente a eventos e maiores concentraes em virtude dos picos de

    vazo devido ao incremento do aporte de sedimentos no canal via escoamento

    superficial ao promover a remoo e transporte dos agregados do solo (Dawson et al.,

    2004). De maneira geral, em pequenas bacias hidrogrficas (< 5 km) como a

    heterogeneidade espacial de processos hidrolgicos e variveis morfomtricas

    acentuada, so observadas fortes correlaes entre diversas variveis e a dinmica

    de COrg no canal (Hope et al., 1997; Dawson et al., 2004). Aitkenhead et al., (1999),

    ao investigar a relao espacial entre a concentrao de DOC no canal e os

    reservatrios de carbono orgnico no solo, indica que as maiores correlaes

    estatsticas entre estas duas variveis so observadas em bacias hidrogrficas com

    rea de drenagem inferior a 5 km.

    Considerando os aspectos relativos a qualidade da gua, o DOC um

    importante elemento biogeoqumico no canal (McGlynn & McDonnell, 2003a) uma vez

    que proporciona uma significativa contribuio para a acidez das guas a partir da

    formao de complexos orgnicos (Eschleman & Hemond, 1985) afetando a

    disponibilidade de nutrientes e a atividade biolgica a partir da adsoro das

    molculas (McGlynn & McDonnell, 2003a). J em relao ao transporte de carbono

    essencialmente nos canais, Dawson et al., (2004), ao analisar trs pontos de

    amostragem no canal principal de uma bacia hidrogrfica (1,3 km) dominada por

    solos orgnicos e embutida no rio Dee (Reino Unido), afirma que o transporte de

  • 31

    carbono orgnico governado, primariamente, por processos abiticos e fsicos

    (desgaseificao, deposio e re-suspenso das partculas) e das condies de

    mistura via processos hidrolgicos.

    A concentrao de DOC em canais varivel de acordo com o seu tamanho,

    condies climticas e uso do solo na bacia hidrogrfica, apresentando uma

    concentrao mdia entre 1 - 60 mg/L (Thurman, 1985), dependendo sobretudo do

    uso do solo e grau de contaminao de suas guas. Em geral, os canais transportam

    uma carga de carbono orgnico dissolvido 6 a 10 vezes superior que a carga

    particulada (Thurman, 1985). A variao na concentrao de DOC no canal pode ser

    explicada ainda pela relao sinrgica de diversos fatores, dentre eles as unidades

    pedolgicas que ditaro as taxas de produo de DOC em solos orgnicos, adsoro

    de DOC em solos minerais (Aitkenhead et al., 1999) e os caminhos preferenciais de

    escoamento atravs dos diferentes horizontes do solo (Hinton et al., 1998; Lambert et

    al., 2011; Lambert et al., 2013). Desta maneira, espera-se que a extenso, localizao

    espacial e conectividade das encostas, reas midas e zonas riprias iro influenciar

    os padres temporais de concentrao de DOC em canais (Inamdar & Mitchell, 2006).

    Birkel et al., (2014) ao descrever os processos de produo de DOC na bacia

    considera que a produo conceitualizada como sendo dependente da temperatura

    do ar e da umidade do solo, alm da produo especfica e armazenamento de DOC

    nas encostas e zona ripria.

    A variabilidade temporal e espacial dos padres de umidade do solo so

    elementos-chave para compreenso da contribuio das reas fontes de escoamento,

    nutrientes e sedimentos nos canais (Genevive et al., 2014). E, desta forma, um dos

    principais fatores fsicos que ir influenciar a variao espacial e temporal da dinmica

    de nutrientes e matria orgnica no perfil do solo a quantidade de precipitao

    associada a condies antecedentes de umidade (Stieglitz et al., 2003).

    Neste sentido, enquanto a gua promove o efeito de lixiviao dos nutrientes

    (movimento vertical e horizontal) e alterao nos padres de umidade do solo, que

    afetar o volume de oxignio no perfil do solo e a degradao microbiana, os caminhos

    preferenciais de escoamento e a distribuio espacial da gua residual no perfil do

    solo na bacia tambm sero importantes para a elucidao do transporte de nutrientes

    como solutos (Frank et al., 2000). De maneira geral, van Verseveld et al., (2008)

    categorizam as explicaes para o fluxo subsuperficial de nutrientes e consequente

  • 32

    aporte em canais em trs abordagens principais: (1) ascenso do nvel fretico em

    horizontes superficiais do solo com elevadas concentraes de nutrientes, (2)

    transporte vertical de nutrientes via caminhos preferenciais no solo para a interface

    solo - manto rochoso com consequente fluxos laterais no sentido de jusante e (3)

    transporte vertical de nutrientes e lateral no perfil do solo. Assim, torna-se evidente a

    relao entre a heterogeneidade espacial (vertical e horizontal) do SOC em solos e a

    variabilidade temporal de DOC nos canais (Lambert et al., 2011), sendo que em geral,

    assume-se que durante eventos pluviomtricos o suprimento de nutrientes (p.ex.:

    DOC e DON) quasi-infinto (McGlynn & McDonnell, 2003a; Bishop et al., 2004).

    O primeiro estgio de perda de carbono orgnico do solo para guas

    superficiais o movimento de matria orgnica, e consequentemente de DOC pela

    gua retida no perfil do solo. Neste sentido, o material orgnico que compes a liteira

    torna-se uma importante fonte de DOC em bacias hidrogrficas florestadas a partir da

    infiltrao e percolao da gua passando por compostos orgnicos com elevadas

    taxas de concentrao de COrg adicionados ao solo (Hongve, 1999). J o transporte

    lateral de solutos no perfil do solo ocorre pelos caminhos preferenciais de escoamento

    e enriquecido pela movimentao da gua nos horizontes minerais e/ou orgnicos

    em direo ao aqufero e canais (Dawson & Smith, 2007).

    Considerando a ideia de que a heterogeneidade espacial da paisagem um

    dos mecanismos que controlam a concentrao de DOC no canal, Laudon et al.,

    (2011) apresentaram um modelo simplificado para estimar a dinmica de DOC no

    canal a partir da proporo de unidades de paisagem relacionadas ao uso do solo (i.e.

    florestas e peatlands) e sua contribuio relativa ao hidrograma. Desta forma,

    pressupe-se que a variabilidade temporal da concentrao de DOC no canal est

    relacionada a conectividade estabelecida entre os solos de cada unidade da paisagem

    e a rede de canais, sendo temporalmente dinmica e susceptvel a perturbaes de

    natureza diversa.

    Dada a distribuio no uniforme da concentrao de carbono orgnico no perfil

    do solo, esperado que o volume de gua contida nos horizontes superficiais

    apresente elevadas concentraes de DOC (2 - 30 mg/L) devido a solubilizao de

    material orgnico da liteira (Thurman, 1985), logo a dinmica da gua subsuperficial

    e consequente saturao do perfil, atrelada a lixiviao do DOC estocado no solo ir

    promover o incremento na concentrao de carbono orgnico no canal (Hinton et al.,

  • 33

    1998; McGlynn & McDonnell, 2003a; Lambert et al., 2011; Lambert et al., 2013).

    Assim, espera-se ainda que a expanso e contrao das reas variveis de afluncia,

    (i.e. Tsukamoto, 1963; Hewllet & Hibbert, 1967) em resposta a perodos de seca e

    incrementos de precipitao modificam de forma significativa o regime e fluxos de

    escoamento subsuperficial, afetando assim a capacidade de decomposio e

    mineralizao da matria orgnica e consequente concentrao de DOC no canal

    (Inamdar & Mitchell, 2006; Tiwari et al., 2014), e fluxos de nutrientes no solo (Dietrich

    & Anderson, 1998).

    Em ambientes florestais, as fontes primrias de DOC durante eventos so

    alctones (Fisher & Likens, 1973; Vannote et al., 1980; Fiebig et al., 1990; Sorribas et

    al., 2012) e relacionados a disponibilidade de matria orgnica superficial (Hope et al.,

    1997; Hinton et al., 1998; Palmer et al., 2001; Hood et al., 2006; Lambert et al., 2011;

    Lambert et al., 2013). Para a escala da bacia hidrogrfica, a integrao do

    comportamento hidrolgico, relacionados a transferncia de DOC, e a prpria variao

    sazonal de DOC em solos torna-se essencial para descrever as relaes entre

    armazenamento e transferncia de carbono para os canais (Dawson et al., 2008;

    Eimers et al., 2008). Ao analisarem 17 bacias hidrogrficas, com reas de drenagem

    entre 73 km a 1.844 km, Hope et al., (1997) indicam que as variaes de

    armazenamento e o estoque de carbono orgnico no perfil do solo explicam 91% das

    variaes anuais da concentrao de DOC no canal.

    Os processos erosivos atuam como principais agentes no transporte e

    deposio superficial do carbono orgnico na paisagem (Starr et al., 2006; Ritchie et

    al., 2007; Schwanghart & Jarmer, 2011), promovendo ainda a remoo seletiva dos

    agregados do solo (Gregorich et al., 1998; Thomaz & Vestena, 2012). Considerando

    a desagregao primria de partculas com dimetros reduzidos e baixa densidade

    (Lal, 1995), os sedimentos so usualmente enriquecidos no apenas com as

    partculas de silte e argila transportadas em conjunto com as formas estveis de

    carbono orgnico presentes no solo (Baldock & Skjemstad, 2000), mas tambm de

    matria orgnica particulada de fcil decomposio (Chaplot et al., 2005).

    Morel et al., (2009), a partir da separao do hidrograma em 4 componentes, a

    saber: (I) precipitao, (II) aqufero profundo (profundidade > 3m), (III) gua no perfil

    do solo e (IV) gua estocada nas encostas (entre 1m a 3m de profundidade), estimam

    que apenas os dois ltimos componentes contribuem de forma significativa para a

  • 34

    variao de DOC no canal. Neste sentido, o escoamento de base atua como um

    continuum hidrolgico e biogeoqumico permanente entre a encosta e o canal,

    enquanto que o escoamento superficial propicia um rpido incremento de carbono

    orgnico em direo aos canais (Fiebig et al., 1990), sobretudo em eventos de grande

    magnitude, capazes de superar os thresholds superficiais para gerao de

    escoamento. Neste sentido, McGlynn & McDonnell (2003b) e Sanderman et al., (2009)

    concluem que o escoamento subsuperficial o maior contribuinte de DOC nos canais,

    considerando que as maiores concentraes ocorrem na ascenso do hidrograma em

    virtude da disponibilidade e facilidade de transporte das fraes lbeis de carbono no

    solo durante eventos pluviomtricos.

    Dawson et al., (2008) ao avaliar os padres de concentrao de DOC em trs

    bacias hidrogrficas (0,44km - 10km) no Reino Unido, indicam a existncia de

    controles sazonais que explicariam a variabilidade temporal no canal. No vero, o

    dficit de gua no perfil do solo suprimido por precipitaes com altas intensidades,

    resultado em aportes significativos de DOC ao canal, se comparado com vazes

    similares no inverno (Scott et al., 1998; Dawson et al., 2008). A liberao de DOC do

    solo em direo aos canais durante o outono influenciada pela magnitude do evento

    e o tempo de estiagem, que implicar no tempo em que ocorreu a lixiviao do perfil

    do solo e a diminuio do dficit de saturao dos horizontes orgnicos superficiais.

    Desta forma, estes fatores que iro afetar a liberao de DOC esto relacionados

    diretamente com as condies de umidade do solo e a atividade biolgica associada.

    Entretanto, o DOC permanece armazenado no perfil do solo (ou mineralizado na

    condio de CO2), at que seja novamente lixiviado via processos hidrolgicos

    subsuperficiais, cuja intensidade est relacionada magnitude dos eventos

    pluviomtricos (Dawson et al., 2008).

    Diversos estudos evidenciam que as perdas de nutrientes e carbono ocorrem

    em eventos pluviomtricos (Boyer et al., 1997; McGlynn & McDonnell,2003a; Wagner

    et al., 2008; Lambert et al., 2011) e como os caminhos preferenciais interferem nas

    alteraes biogeoqumicas do canal durante os eventos (Wagner et al., 2008;

    Temnerud et al., 2010), entretanto diversas incertezas e lacunas na descrio dos

    mecanismos de armazenamento e transferncia do carbono orgnico dissolvido dos

    solos aos canais (Wagner et al., 2008; Mei et al., 2012). Por exemplo, devido ao

    padro histertico da resposta da variao da concentrao de DOC no canal pode-

  • 35

    se observar a ocorrncia do pico de DOC antes (Boyer et al., 1997) ou depois do pico

    de vazo na bacia hidrogrfica (Hangen et al., 2001). Desta maneira, a diferena entre

    os picos mximos de vazo e da concentrao de DOC no canal sugere que os

    mecanismos que controlam o armazenamento e a transferncia de DOC aos canais

    so espacial e temporalmente dinmicos (Wagner et al., 2008).

    Conceitualmente, em uma escala temporal mais rpida, o reservatrio de DOC

    no solo reestabelecido durante perodos de vazes mnimas (i.e. pela lixiviao de

    compostos orgnicos do horizonte superficial do solo e pela atividade microbiolgica),

    sendo que a dinmica do aqufero raso impulsionada pela ocorrncia de eventos

    pluviomtricos promover a lixiviao destes compostos via escoamento

    subsuperficial, enriquecido pelo acrscimo da concentrao de DOC no sentido

    Encosta - Zona ripria, com posterior contribuio ao canal (Boyer et al., 1996;

    McGlynn & McDonnell, 2003a). Diversos estudos afirmam ainda que a saturao

    prolongada do perfil do solo, sobretudo em zonas riprias, atua como fonte primria

    de DOC em bacias hidrogrficas (Dosskey & Bertsch, 1994; Hinton et al., 1998;

    McGlynn & McDonnell, 2003a; Laudon et al., 2004; Morel et al., 2009; Lambert et al.,

    2011; Lambert et al., 2013), devido a liberao e desagregao de DOC dos

    agregados do solo, sobretudo em funo da dissoluo dos xidos de ferro (Lambert

    et al., 2013).

    Em geral, nos horizontes subsuperficiais do solo, especialmente nos que

    contm baixa concentrao de carbono orgnico e altas concentraes de alumnio e

    ferro, observa-se um potencial de adsoro de DOC considerando a movimentao

    lateral e horizontal de gua pelo solo, resultando em baixas concentraes de DOC

    (Liu & Sheu, 2003). Assim, afirma-se que subsuperficialmente no existe uma

    sazonalidade definida na concentrao de DOC no solo, ao contrrio da variao

    temporal da concentrao em horizontes superficiais (Liu & Sheu, 2003), cuja

    sazonalidade definida pela disponibilidade de matria orgnica, temperatura e o

    grau de umidade do solo.

    A constituio qumica dos solos e o uso associado, geralmente, atuam como

    as principais influncias na variao espacial de DOC, cuja variabilidade ocorre devido

    aos distintos arranjos em diferentes bacias hidrogrficas (Dawson & Smith, 2007).

    Sendo que as caractersticas pedolgicas so importantes para compreenso da

  • 36

    dinmica do carbono em bacias onde o DOC originrio da matria orgnica terrestre

    (Brooks et al., 1999).

    Utilizando tcnicas de anlises de istopos estveis e datao de compostos

    orgnicos via istopos estveis e 14C em uma bacia hidrogrfica (1,3 km) em clima

    temperado (Brocky Burn, Reino Unido), Palmer et al., (2001) indicam que a

    concentrao de DOC na soluo do solo , geralmente, recente em virtude do

    enriquecimento da gua a partir de sua interao com as fontes de carbono orgnico

    superficiais no perfil do solo. Assim, estima-se que o aporte de DOC no canal tambm

    de origem recente, uma vez que as fontes primrias de DOC esto relacionadas ao

    horizonte orgnico superficial do solo (Clymo & Pearce, 1995; Schiff et al., 1997; Schiff

    et al., 1998; Palmer et al., 2001).

    A relao entre a disponibilidade de DOC na gua residual do solo e a

    temperatura do perfil diretamente proporcional, uma vez que a taxa de

    decomposio/oxidao do carbono orgnico reconhecida por ser limitada por

    baixas temperaturas e pela umidade do solo (Kalbitz et al., 2000), sendo

    potencializada em perodos secos e quentes (Billet et al., 2006). O aumento na

    temperatura do solo pode ser identificado como um fator que contribui para o

    incremento de liberao de DOC em direo aos canais devido ao catalizadora

    nos processos de decomposio e mineralizao de matria orgnica (Evans et al.,

    2006; Dawson & Smith, 2007; Winterdahl et al., 2011), potencializando a mobilizao

    de carbono orgnico (Dawson et al., 2008).

    Integrar a relao entre o volume de escoamento e concentraes qumicas

    nos solos das zonas riprias pode ser utilizado para estimar a variabilidade qumica

    da gua nos canais (Bishop et al., 2004). O movimento subsuperficial, em escala

    temporal de horas a dias, faz com que a gua adquira as caractersticas qumicas do

    perfil do solo (em escalas temporais maiores, esta relao tende a tornar-se inversa).

    Assim, com a evoluo e enriquecimento qumico da gua nos caminhos preferenciais

    de fluxo determinados pela constituio qumica do solo, o volume de gua que ir

    atingir o canal trar caractersticas qumicas das encostas e, sobretudo, das zonas

    riprias, uma vez que os solos riprios so os ltimos a terem contato com a gua

    antes do aporte no canal (Bishop et al., 2004).

    Com um resultado ligeiramente diferenciado ao visar compreender a variao

    da concentrao e fluxos de DOC no canal a partir da separao de hidrograma em 3

  • 37

    componentes (escoamento superficial, gua no solo + escoamento subsuperficial e

    aqufero profundo) em uma encosta sem a presena de zona ripria (bacia

    hidrogrfica do rio Thukela, frica do Sul), Chaplot & Ribolzi (2014) indicam que ocorre

    a decomposio e estabilizao da matria orgnica transportada via DOC ao longo

    de uma encosta. Embora inesperada (Chaplot & Ribolzi, 2014), esta perda via

    emisso para atmosfera ou estabilizao no solo corresponderia a uma taxa de

    aproximadamente 80% da concentrao de DOC obtido no tero superior da encosta

    em relao ao tero inferior. Desta maneira, estima-se que parte do DOC mobilizado

    durante eventos fica armazenado na encosta, em virtude da desconectividade

    temporria com o canal.

    Entretanto, diversos estudos identificaram os processos hidrolgicos originrios

    na zona ripria como mecanismos de controle da variabilidade biogeoqumica nos

    canais em bacias florestadas (Fiebig et al., 1990; Dosskey & Bertsch, 1994; Hinton et

    al., 1998; McDonnell et al., 1998; Bishop et al., 2004; Lambert et al., 2011). Logo, as

    caractersticas qumicas da zona ripria promovem uma assinatura qumica na gua

    em funo das caractersticas distintas do perfil de solos a montante do local de

    amostragem, por exemplo, o incremento nas concentraes de Ca, DOC e Cl da gua

    escoada subsuperficialmente a partir das condies de mistura com a gua residual

    do perfil do solo (old water) (Bishop et al, 1995, Bishop et al., 2004).

    Em funo disso, a concentrao de DOC em diversas fontes e no canal pode

    ainda ser utilizada como elemento traador para separao dos componentes do

    hidrograma (Brown et al., 1999; McGlynn & McDonnell, 2003b; Casper et al., 2003;

    Carey & Quinton, 2005; Hood et al., 2006; Trcek et al., 2006; Inamdar & Mitchell, 2006;

    James & Roulet, 2009; Chaplot & Ribolzi, 2014) devido a possibilidade de

    caracterizao da qualidade (Hood et al., 2006) e concentrao do elemento traador.

    Neste sentido, considerando que o tempo de transferncia da gua da encosta e solo

    durante eventos raramente excede algumas horas, a concentrao de DOC pode ser

    considerada como um soluto com carter quasi-conservativo at o aporte no canal

    (Casper et al., 2003). Assim, a caracterizao do comportamento e contribuio de

    DOC no canal pode auxiliar a determinao no somente das reas fontes, mas

    tambm de caractersticas qumicas associadas a prpria ciclagem do carbono

    orgnico (Hood et al., 2006), como por exemplo, processos qumicos de reduo de

    ferro no perfil do solo (Lambert et al., 2013).

  • 38

    4. MATERIAL E MTODOS

    4.1 rea de estudo

    A bacia hidrogrfica experimental do rio Sagui localiza-se no Planalto Norte do

    estado de Santa Catarina, inserida no municpio de Rio Negrinho, nas proximidades

    da divisa como estado do Paran (Figura 6). Drenando uma rea total de 0,24 km a

    bacia do rio Sagui est embutida na bacia hidrogrfica do Alto rio Negro, afluente da

    margem esquerda do rio Iguau.

    Figura 6 Bacia hidrogrfica do rio Sagui (curvas de nvel representadas com

    equidistncia de 5 metros).

    O clima da regio classificado como do tipo Cfb na classificao de Kppen

    (1948), com veres frescos, constantemente mido e sem estao seca definida. A

    temperatura mdia anual varia de 15,5 C a 17,0 C e a precipitao pluviomtrica

  • 39

    total mdia histrica entre 1.360 a 1.670 mm/ano, com o total anual de dias de chuva

    entre 138 e 164 dias.

    A rea da bacia hidrogrfica do rio Sagui predominantemente recoberta com

    florestas, sendo que nas encostas ocorre o predomnio de floresta plantada de Pinus

    taeda spp., com idade aproximada de 5 anos. Nas zonas riprias, ocorre a presena

    de mata nativa em processo de regenerao natural iniciado em conjunto com o

    plantio realizado nas encostas. Anteriormente, a bacia tambm apresentava

    reflorestamento de Pinus taeda spp., sendo que o mesmo foi cortado com cerca de

    30 anos de idade e imediatamente substitudo pelo plantio atual. Desta forma, apesar

    do reflorestamento atual estar em estgio inicial, a bacia pode ser considerada como

    florestal, principalmente pelas caractersticas conferidas ao solo.

    Os solos predominantes na regio de estudo so Cambissolos, derivados de

    rochas sedimentares, possuindo baixa fertilidade e elevados teores de matria

    orgnica, com horizonte B incipiente, definido pelo baixo gradiente textural, pela mdia

    e alta relao silte/argila ou pela presena de minerais primrios de fcil

    decomposio, no sendo hidromrficos, porm podem apresentar carter gleico

    (Dalagnol, 2001).

    Relativo aos aspectos hidrolgicos do solo, a bacia hidrogrfica experimental

    do rio Sagui pode ser subdividida em duas unidades pedolgicas principais, de acordo

    com a permanncia da posio do nvel fretico em relao a superfcie: (i) solos bem

    drenados, geralmente associados a um padro de caminhos preferenciais de forma

    vertical, onde o nvel fretico encontra-se geralmente a alguns metros abaixo da

    superfcie, coincidindo com as encostas e (ii) reas onde o solo apresenta

    caractersticas hidromrficas, possuindo um horizonte superficial orgnico de

    profundidade varivel, localizados na zona ripria e em reas planas e com grande

    acumulao de fluxo, com um reduzido dficit de saturao no perfil do solo, em que

    os caminhos preferenciais de fluxo ocorrem tanto de forma vertical quanto horizontal.

    4.1.1 Levantamento Topogrfico

    Devido a inexistncia de uma base cartogrfica em escala adequada aos

    objetivos deste trabalho e da representao do relevo compatvel com estudos de

  • 40

    hidrologia de encosta foi realizado um levantamento topogrfico detalhado da bacia

    hidrogrfica do rio Sagui (Siefert et al., 2014).

    Inicialmente foi materializado um ponto de referncia no interior da bacia, sendo

    sua coordenada determinada com equipamento GPS (Global Positioning System)

    modelo Trimble GeoExplorer XT.

    Aps coleta da coordenada em campo, foi realizado o ps-processamento com

    auxlio do software GPS Pathfinder Office 4.0, utilizando dados da estao de

    referncia Curitiba-PR disponibilizadas no sistema SCNET Santiago & Cintra. Este

    ponto foi definido considerando a sua localizao, fcil acesso e visibilidade para a

    continuidade do levantamento topogrfico, sendo definido como a primeira ocupao

    do levantamento realizado.

    O levantamento topogrfico foi realizado com estao total modelo Leica

    Flexline TS02. O caminhamento para irradiao dos pontos foi realizado com o

    objetivo de obter linhas representativas do perfil das encostas, talvegues e divisores

    da bacia, buscando-se, quando possvel, manter um intervalo regular de 10 metros

    entre os pontos coletados. No total, em 11 dias de campo, foram levantados 1.773

    pontos, considerando ocupaes e os pontos irradiados, com densidade mdia de

    73,8 pontos / hectare (10.000 m), caracterizando um levantamento topogrfico na

    escala 1:500, conforme NBR 13.133 (ABNT, 1994).

    4.1.2 Caracterizao morfomtrica da bacia hidrogrfica do rio Sagui

    Como forma de caracterizar a bacia hidrogrfica do rio Sagui, a partir do

    levantamento topogrfico foram obtidos atributos topogrficos descritores do relevo

    para formulao de modelos qualitativos de paisagem, como por exemplo: altimetria

    (Figura 7a), declividade (Figura 7b), ndice topogrfico (Figura 7c) (Beven & Kirkby,

    1979) e fator LS (Figura 7d) (Moore & Burch, 1986). Os atributos foram calculados

    considerando uma resoluo espacial de 1m, em escala 1:500.

    O ndice topogrfico (adimensional) funo da declividade, estando sujeito a

    seguinte restrio: 0 < < 90. Logo, quando os valores de declividade so prximos

    a 0, o bloco da bacia poder apresentar um valor alto de IT, quando este relevo plano

    estiver combinado com uma grande rea de contribuio de montante. Sendo que o

    inverso, ou seja, elevadas declividades e pequenas reas de contribuio, ir

  • 41

    condicionar a ocorrncia valores baixos de IT. Assim, quanto maior o valor do IT

    comparativamente em uma bacia hidrogrfica, maior ser a sua propenso a atingir o

    estado de saturao e apresentar um maior ndice de umidade no solo.

    O ndice topogrfico obtido conforme a equao:

    tan

    a lnIT = (1)

    onde IT o ndice topogrfico, a a rea especfica de contribuio a montante do

    pixel (m) e declividade local.

    De maneira geral, o ndice topogrfico ir representar a propenso de

    saturao de um pixel da bacia hidrogrfica e utilizado em diversos modelos

    hidrolgicos como descritor do relevo para simulao do processo de rea varivel de

    afluncia e identificao de reas midas. Desta forma, a anlise da distribuio

    espacial do IT na bacia do rio Sagui indica uma maior propenso a saturao do solo

    em trs reas principais a montante da nascente, em pequenos vales que apresentam

    saturao temporria, conforme evidncias empricas, com predomnio de baixas

    declividades e maiores reas de contribuio.

    O fator LS (adimensional) a varivel topogrfica utilizada nos modelos da

    famlia USLE (Universal Soil Loss Equation) para determinar o potencial de perda de

    solo, apresentando-se como um atributo que integra caractersticas de declividade e

    comprimento da encosta, sendo obtido a partir da equao desenvolvida em Moore &

    Burch (1986). Na bacia hidrogrfica do rio Sagui observam-se os maiores valores de

    LS nas proximidades do tero mdio do canal, onde nota-se uma quebra de relevo

    mais evidenciada nas margens deste trecho.

    4.2 Monitoramento hidrolgico e delineamento experimental

    A estao hidrossedimentolgica do rio Sagui, instalada no exutrio da referida

    bacia hidrogrfica, encontra-se em operao desde Janeiro de 2007. As variveis cota

    (sensor de nvel GE - Druck PTX 1030, acoplado a um data logger modelo Waterlog

    H500XL) e turbidez so medidas e registradas em intervalos de 10 minutos. No

  • 42

    mesmo local de monitoramento, na margem direita do canal, est instalado um lance

    de rgua liminimtrica (amplitude 0 - 1m) para leitura convencional.

    Figura 7 a) Modelo Digital do Terreno; b) Declividade; c) ndice Topogrfico e d)

    Fator LS da bacia hidrogrfica do rio Sagui (curvas de nvel representadas com

    equidistncia de 5 metros).

    A estao conta ainda com uma estrutura de monitoramento composta por

    vertedor triangular + calha Parshall + vertedor retangular. Esta estrutura mista permite

    medir com preciso uma ampla faixa de variao de vazes com um nico sensor de

    nvel (Santos, 2009), instalado a aproximadamente 50 cm a montante da estrutura na

    a) b)

    c) d)

  • 43

    margem esquerda do canal. Considerando que uma estrutura mista igual a esta est

    em operao na bacia experimental do rio Saci (anloga a bacia do rio Sagui), a curva

    chave adotada para este estudo a mesma utilizada em Santos (2009), sendo

    extrapolada at a cota correspondente altura da calha (100 cm).

    A bacia conta ainda com uma seo de monitoramento na nascente do rio

    Sagui, drenando uma rea de 0,15 km. Na nascente do rio Sagui est instalado um

    vertedor triangular, com sensor de nvel acoplado a um data logger para

    monitoramento e registro das vazes (10 minutos) na seo.

    A Figura 8 apresenta a viso geral dos pontos de monitoramento da bacia

    hidrogrfica do rio Sagui.

    Figura 8 Croqui de localizao dos pontos de monitoramento na bacia hidrogrfica

    do rio Sagui. Em azul claro est a rea mxima saturada e em azul escuro a rea

    permanentemente saturada para a bacia do rio Sagui4.

    4 As reas saturadas mximas e mnimas da bacia hidrogrfica do rio Sagui foram obtidas a partir da aplicao do modelo hidrolgico TOPMODEL (Beven & Kirkby, 1979), sendo este resultado apresentado no Relatrio Final para o projeto - MCT/CNPq N 014/2011 Monitoramento e modelagem de reas hidrologicamente sensveis em microbacia escola.

  • 44

    Foram instalados poos com monitoramento do nvel do aqufero raso

    automatizado em duas sees: uma localizada imediatamente a montante da

    nascente e outra em uma poro das encostas da bacia. No total, 12 poos foram

    instrumentados na bacia do rio Sagui, sendo 7 em reas de encosta passveis de

    saturao do perfil do solo (poos P1 a P7) e 5 em rea de zona ripria, nas

    proximidades da nascente (poos P8 a P12) (Figura 8).

    As Figura 9 e 10 apresentam os perfis transversais dos poos considerando a

    distncia relativa ao divisor da bacia e profundidade at a camada rochosa em cada

    local monitorado.

    a)

    b)

    c)

    Figura 9 a) Localizao da seo de poos; b) e c) transecto dos poos na seo

    de monitoramento em poro das encostas da bacia do rio Sagui (nas Figuras b) e c)

    a linha pontilhada verde representa o perfil da superfcie do terreno enquanto que a

    linha marrom representa o perfil da camada rochosa).

    P2

    P1

    P7

    956

    958

    960

    962

    964

    100 150 200 250

    Altitu

    de

    (m

    .a.n

    .m)

    Distncia do Divisor (m) Seo A - B

    P6P5

    P1

    P3

    P4

    957

    959

    961

    963

    965

    100 150 200 250

    Altitu

    de

    (m

    .a.n

    .m)

    Distncia do Divisor (m) Seo C - D

    Pro

    f. p

    o

    o

  • 45

    a)

    b)

    c)

    Figura 10 a) Localizao da seo de poos; b) e c) transecto dos poos na seo

    de monitoramento nas proximidades da nascente do rio Sagui (nas Figuras b) e c) a

    linha pontilhada verde representa o perfil da superfcie do terreno enquanto que a linha

    marrom representa o perfil da camada rochosa).

    A Tabela 2 apresenta um resumo das caractersticas dos poos monitorados

    na bacia do rio Sagui considerando a profundidade at a camada impermevel,

    condutividade hidrulica saturada, IT, altitude, LS e declividade.

    Os poos foram instrumentados com data logger Global Water multicanal

    modelo GL-500 7-2 acoplados a sensores de nvel LHG-SN003-10m, construdos a

    partir da adaptao do modelo LHG-SN001-10m (Santos, 2009), visando a leitura e

    registro automtico (resoluo temporal de 10 minutos) do nvel da gua.

    P11

    P10

    P9P8

    948

    950

    952

    954

    135 150 165 180

    Altitu

    de

    (m

    .a.n

    .m)

    Distncia do Divisor (m) Seo A - B

    Pro

    f. p

    o

    o

    P12

    P8

    rio Sagui

    946

    948

    950

    952

    440 460 480 500 520 540

    Altitu

    de

    (m

    .a.n

    .m)

    Distncia do Divisor (m) Seo C - D

    Pro

    f. p

    o

    o

  • 46

    Tabela 2 Caractersticas dos poos monitorados na bacia hidrogrfica do rio Sagui.

    Poo Prof.1 Ks IT Altitude LS Decl.

    - [cm] [m/d] [-] [m.a.n.m] [-] [%]

    P1 300 22,9 12,89 960,8 0,40 1,5

    P2 350 15,1 11,63 961,8 1,11 2,7

    P3 270 6,0 7,93 961,3 1,28 5,2

    P4 440 2,4 7,05 961,9 1,06 4,8

    P5 300 10,2 6,04 962,0 0,33 3,2

    P6 330 3,5 6,72 962,9 1,27 6,5

    P7 265 19,9 12,56 959,9 0,75 2,0

    P8 90 9,4 9,18 949,6 0,36 2,4

    P9 100 124,8 7,21 950,0 0,55 3,4

    P10 150 2,6 7,21 950,6 1,54 7,8

    P11 185 2,6 5,67 951,6 1,91 9,5

    P12 120 131,6 10,5 950,2 1,35 2,7

    1 Profundidade do solo + horizonte C.

    A estrutura fsica do sensor de nvel foi montada em uma base (alongador) de

    ao inoxidvel, um plug roscvel de PVC e dois caps roscveis em PVC compondo

    uma estrutura estanque, cabos de alimentao e sistema de tubo capilar para

    compensao da presso atmosfrica (Figura 11).

    O sensor composto ainda de um transdutor de presso (modelo

    MPXV5100GC6U, Freescale Semiconductor, Inc.) compatvel com a amplitude

    esperada de variao do nvel de gua e profundidade dos poos, sendo calibrado em

    mesa de aferio de presso com leituras em um multmetro de preciso

    considerando um ajuste linear entre a presso mnima equivalente a 0 m.c.a (metros

    de coluna de gua) e mxima equivalente a 10 m.c.a. Os sensores foram construdos

    e calibrados no Laboratrio de Hidrogeomorfologia da UFPR.

    Para efeitos de comprovao da linearidade da resposta dos sensores e

    obteno das equaes correspondentes para converso de presso em coluna da

    gua, realizou-se a calibrao em um transdutor de presso. Considerou-se a

    obteno de leituras com presso equivalente a exercida pela coluna de gua com as

    seguintes alturas: 0, 0,25, 0,50, 0,75, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 m