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DINÂMICAS E IMPACTOS DA EXPANSÃO DO TURISMO NO ARQUIPÉLAGO DOS BIJAGÓS GUINÉ-BISSAU

Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Quem beneficiará do desenvolvimento do turismo na Área Marítima Protegida Comunitária de Urok? Quem sairá prejudicado? Porquê, como e em que condições? Este Estudo procura desvendar estas e outras questões, colocando em evidência que o turismo nem sempre é sinónimo de riqueza e desenvolvimento para os países do sul. Partindo da análise à Área Marinha Protegida Comunitária de Urok este documento apresenta uma visão consciente e necessária que coloca em primeiro plano a sustentabilidade do planeta e a democratização da ordem turística mundial. Uma edição conjunta entre o IMVF e a Tiniguena da autoria do CETRI - Centre Tricontinental.

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DINÂMICAS E IMPACTOS DAEXPANSÃO DO TURISMONO ARQUIPÉLAGO DOS BIJAGÓS

G U I N É - B I S S A U

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Ficha Técnica

Edição: IMVF e TiniguenaAutoria: Francois Polet (Centre Tricontinental – Bélgica)

Colaboração: Miguel Barros (Tiniguena) e Emanuel Ramos (Instituto Marquês de Valle Flôr)Tradução: Paula Serra

Conceção Gráfica: by Reg’ [www.designbyreg.dphoto.com]

Depósito Legal: 347651/12 ISBN: 978-989-97279-4-6

Impressão: Lidergraf - Artes Gráficas, S.A. Tiragem: 300 exemplares

Novembro de 2011

Co-financiamento: Comissão EuropeiaApoio: Cooperação Portuguesa

Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia.O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade

do Instituto Marquês de Valle Flôre da Tiniguena e não pode, em

caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

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DINÂMICAS E IMPACTOS DAEXPANSÃO DO TURISMONO ARQUIPELÁGO DOS BIJAGÓS

G U I N É - B I S S A U

FRANÇOIS POLET

L I Ç Õ E S P A R A A A M P C

UROK

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PREFÁCIO 4INTRODUÇÃO 14CONTEXTO: O TURISMO NOS BIJAGÓS 18

1. O ARQUIPÉLAGO DOS BIJAGÓS 191.1 O ambiente 191.2 Os Bijagós 201.3 A Reserva de biosfera e os parques marinhos 221.4 A Área Marinha Protegida Comunitária de Urok 24

2. "CRIAR TURISMO" NOS BIJAGÓS 252.1 Uma oferta reduzida 252.2 Desenvolvimento descontrolado e política do facto consumado 29

2.2.1. Défice da planificação do turismo 292.2.2. Défice da regulação do turismo 33

OCUPAÇÃO DAS TERRAS E CONFLITOS FUNDIÁRIOS 361. O NÃO RESPEITO PELO PRINCÍPIO DO "ACORDO LIVRE,

PRÉ-ESTABELECIDO E INFORMADO" 382. CONFLITOS EM CASCATA E PRESSÃO FUNDIÁRIA 40

2.1 Conflitos entre proprietários e proprietários tradicionais e investidores 402.2 Divisões no seio das comunidades bijagos 412.3 Conflitos entre administradores e habitantes 44

IMPACTOS SÓCIO–ECONÓMICOS: UMA OPERAÇÃO GANHADOR-PERDEDOR 461. IMPACTOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO LOCAL 48

1.1 Benefícios limitados e não-sustentáveis 491.2 Perdas incalculáveis e dificilmente reversíveis 511.3 "A ilusão do desenvolvimento" e o crescimento das dependências 52

2. IMPACTOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO NACIONAL 54

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IMPACTOS CULTURAIS: ENTRE MERCANTILIZAÇÃOE DESVALORIZAÇÃO DA CULTURA BIJAGÓ 56

IMPACTOS AMBIENTAIS : COMPORTEMENTOS AMBIGOS 621. IMPACTOS DIRETOS 652. IMPACTOS INDIRETOS 67

CONCLUSÕES: NOS ANTIPODAS DE UM TURISMO SUSTENTÁVEL 70

É POSSÍVEL OUTRO TURISMO NOS BIJAGÓS? 761. A AGENDA DO ECOTURISMO 772. ORANGO PARQUE HOTEL: FUNDAMENTOS E LIMITES DE UM CASO DE ESTUDO 783. AS CONDIÇÕES PARA UMA CONVERSÃO AO ECOTURISMO 80

3.1 A opção da auto-regulação 803.2 A opção da regulamentação 81

O CASO PARTICULAR DA AMPC DE UROK 861. É POSSÍVEL UM DESENVOLVIMENTO SEM TURISMO 872. PARA UM INSTRUMENTO DE NEGOCIAÇÃO DE UMA INICIATIVA TURÍSTICA EXTERNA 90

LISTA DE ACRÓNIMOS E DE ABREVIATURAS 94BIBLIOGRAFIA 96

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LÓGICA E IMPACTOSDO TURISMO INTERNACIONALCOMO QUADRO DESTE ESTUDODE CASO

Uma evidência não é mais do que uma ideiaque se impõe. Há meio-século que a maiorparte das instituições internacionais e o conjuntodos operadores turísticos transnacionais insistemno mesmo: “o turismo é fortuna inesperadapara os países do sul, dado que produz ‘des-envolvimento’, riqueza, infraestruturas e em-pregos”. Radicalmente em contracorrente destepressuposto, os resultados do estudo “Dinâmicae impactos da expansão do turismo”, levado acabo no Arquipélago dos Bijagós (Guiné-Bissau),pelo Centre Tricontinental (CETRI), em colabo-ração com a ONG Tiniguena e o InstitutoMarquês Valle Flor, têm enorme mérito emquestionar a equidade da repartição dos custose dos benefícios gerados pelo turismo em ma-téria económica, social, cultural e ambiental.Quem beneficiará do desenvolvimento do tu-rismo na Área Marítima Protegida Comunitáriade Urok? Quem sairá prejudicado? Porquê,como e em que condições?

Enquadremos este estudo. Se as abordagensteóricas do turismo internacional se modificamao longo do tempo, os principais desafioscolocados pelo fenómeno têm, pelo contrário,evoluído pouco nas últimas décadas: adimensão do setor, a sua expansão contínua, oslaços íntimos com a mundialização (da qual épor seu turno alavanca e consequência), o

PREFÁCIO

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paradoxo da sua democratização, tanto maciçacomo relativa, a estratificação social e as suaspráticas e, certamente, a questão semprecontroversa dos seus impactos reais nas regiõesvisitadas, particularmente nos países onde ageneralidade da população não tem, elaprópria, acesso aos prazeres de uma viageminternacional consentida…

INJUNÇÕES MODERNIZADORASE LIBERAIS

Desde o fim dos “Trinta Anos Gloriosos”1 (1945-1975), quadros e contextos teóricos, ideológicos,económicos e normativos evoluíram. Às abor-dagens modernizadoras dos anos 1950 e 1960(“o desenvolvimento do turismo gera cresci-mento, emprego e trocas”) contrapuseram-se,desde os anos 1970, diversas perspetivas críticas(“o turismo aumenta as dependências, dispari-dades e aculturação”), propostas alternativas(“a pequena escala, endógena, ecológica eparticipativa, o turismo pode ser benéfico”) e,mais recentemente, na viragem dos anos 1990,leituras qualificadas de “pós-estruturalistas” ou“pós-desenvolvimentistas” (“nem anjo nem de-mónio, o turismo é um todo complexo no seiodo qual as capacidades de ação, de instrumen-talização, de apropriação e de resistência dosvisitados não devem ser subestimadas”).Acrescente-se que as correntes modernizadorasiniciais, largamente dominantes entre os pro-motores do setor, também souberamadaptar-se, integrar e evoluir para fazer doturismo internacional contemporâneo a ponta

de lança de uma mundialização “de rostohumano” visando, no entanto, oficialmente, orespeito das culturas e do ambiente, a reduçãoda pobreza (Pro-Poor Tourism), sustentado maisdo que nunca na liberalização das trocas e noenfraquecimento dos ‘travões’ – fiscais, sociaise ambientais… - pelo bom desenvolvimentode todos os azimutes do mercado turístico (Hall,2007).O “facto turístico internacional” não sobreviveunem se ampliou num vazio de orientação legiti-madora. A argumentação económica direcionavaos países do sul, no final da época da coloniza-ção, no sentido de tirarem proveito das suas“vantagens comparativas” (mão de obrabarata, quadros naturais e culturais atrativos,mercado imobiliário pouco oneroso, novidadedo produto…) e desta forma fazer do turismoum “motor de desenvolvimento do terceiromundo, da paz natureza entre os povos e dapreservação da natureza”. Assim, ancorava-sede forma permanente a justeza da ideia do des-envolvimento “pelo” e “para” o turismo.O “Código Mundial de Ética no Turismo”, apre-sentado pela Organização Mundial do Turismo(OMT) em 1999, chancela o projeto (uma“ordem turística com equidade, responsável edurável”) e confirma as vias da sua realização(“um contexto de economia internacionalaberto e liberalizado”). Mais precisamente, “osimpostos e taxas específicas penalizando aindústria turística e atentando à sua competiti-vidade, devem ser progressivamenteeliminados ou corrigidos.” Portanto, não sãoincluídos mecanismos de redistribuição ou deregulação, por uma expansão sem entraves.

1 Corresponde ao que Jean Fourastié designou de “trente glorieuses”, expressão francesa, mundialmente conhecida, que se reportaaos anos de importante crescimento económico que se iniciaram em 1945 e terminaram em 1975.

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de políticas sociais e de longos períodos decrescimento económico, abriram-se as portasaos prazeres das férias a um número cada vezmaior de pessoas.Conjugadas com a redução das distâncias reaise virtuais resultantes da explosão dascomunicações, o aumento do nível e daqualidade de vida vai também consagrar ademocratização do turismo internacional noseio das camadas médias dos países ricos. Aliberalização do mercado das companhiasaéreas precipitará, num segundo momento, asua massificação e a sua expansão planetária.Antes reservada às explorações e aos viajantesaristocratas saídos de uma minoria privilegiada,o luxo da viagem de lazer estendeu-se empoucas décadas a dois terços da população daEuropa e da América do Norte, e nestas últimasdécadas, com a ajuda do crescimento dospaíses emergentes, a novas classes médias dosoutros continentes.De 1950 aos nossos dias, o setor registou umaprogressão constante (6,5% de aumento médioanual), mais rápida ainda do que a das trocasinternacionais. De 10 a 20 milhões de saídasturísticas para fora das próprias fronteirasnacionais, na época pós guerra, passou-se acerca de 200 milhões de turistas internacionaisem 1975 e a cerca de mil milhões em 2010. AEuropa e a América do Norte, principais paísesde origem dos turistas (70% do total mundial),registam também a maioria das entradas (61%),mas a percentagem relativa aos outroscontinentes cresce (Ásia e Pacífico: 22%; Médio-Oriente: 6%; América-Latina: 6%; África: 5%).

Mas é o artigo 9 deste mesmo Código quemelhor resume os traços do humanismo liberalda agência da ONU: “Fator insubstituível desolidariedade no desenvolvimento e dedinamismo nas trocas internacionais, asempresas multinacionais da indústria turísticanão devem abusar de situações de posiçãodominante que por vezes detêm; devem evitartornar-se o vetor de modelos culturais e sociaisartificialmente impostos às comunidades deacolhimento; em troca da liberdade de investire de operar comercialmente, que lhes deve serplenamente reconhecida, elas devem implicar-se no desenvolvimento local, evitando, pelorepatriamento excessivo dos seus benefícios oupelas importações induzidas, reduzir acontribuição que trazem às economias ondeelas estão implantadas.” Uma obra-prima deautossugestão e de ambivalência.

EXPANSÃO CONTÍNUA DE UMSETOR MUNDIALIZADO

Mas retome-se, pela sua ordem, os principaisdesafios colocados ao fenómeno, a começarpela dimensão do turismo internacional, o seucrescimento contínuo, os seus laços estreitoscom a mundialização. O turismo moderno en-contra a sua origem no Ocidente no contextosócio-económico após a Segunda Guerra Mun-dial e toma verdadeiramente as suas proporçõesglobalizadoras nos anos 1970. O aumento dopoder de compra e a duração do tempo delazer dos trabalhadores desempenhou natural-mente um papel determinante. Fruto das lutas,

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A evolução das receitas do setor segue amesma tendência em alta: de cerca de 300 milmilhões de dólares em 1990, atingematualmente 920 mil milhões. Em primeiro lugardo comércio mundial, superando o setorautomóvel e dos hidrocarbonetos, o turismocontinua a crescer 1,3 vezes mais rapidamentedo que o produto bruto mundial, constituindoatualmente mais de um décimo do seu valortotal: 12% (OMT, 2009). Criadora de riquezas efornecedora de serviços e de lazer para umaparte crescente da humanidade, a indústriaturística fornece igualmente cerca de 250milhões de empregos no mundo.Trata-se portanto de um grande fenómeno dassociedades contemporâneas, não apenasenquanto facto económico de primeiro plano,mas também como realidade sociocultural deenvergadura mundial. Tanto quanto aocrescimento dos seus fluxos e desenvolvimentodas “técnicas de comercialização e de gestão àdistância”, quanto ao seu caráter polifuncional,global e reticular da sua indústria, assim comopela mobilidade dos seus clientes e capitais, aatividade turística supranacional, subavaliadapor muito tempo, impõe-se como uma dasalavancas mais poderosas da mundialização” eassume “um papel central e decisivo” naevolução da economia internacional e dos laçosnorte-sul (Lanfant, 2004).

DEMOCRATIZAÇÃO ‘TROMPE-L’OEIL’ (ILUSÓRIA)

Uma outra faceta do fenómeno turístico, evocadono início do prefácio, merece voltar à nossa re-flexão: os limites da democratização do setor.Este último, bem como a massificação que daídecorre, ocultam com efeito um duplo paradoxo.O primeiro, evidente, confirma a gravidade dadesigualdade Norte-Sul: relativamente acessívelno Ocidente (para 60% da população), a viagemde recreio continua inacessível noutros conti-nentes (para 80 a 90% da população dependendodos países). De facto massificado, o turismomantém-se como apanágio dos privilegiados:menos de um sétimo da humanidade encon-tra-se em posição económica, cultural e políticapara visitar os outros seis sétimos. “Acordos demigração” e “migrações de desacordo” cru-zam-se nas fronteiras, libertadoras para uns,aprisionadoras para outros, do primeiro e doterceiro mundo.O segundo paradoxo reside no efeito em cascatada massificação, o “bom turista”, distanciando-se sempre ‘do mau” que acaba por imitá-lo…Oprimeiro procura a calma e novas experiências,o segundo frequenta os períodos e os locaismais populosos. Estratificado socialmente e cul-turalmente, o mundo dos turistas não escapa àprocura da distinção, da diferenciação, à qualresponde a diversidade da oferta, quando nãoé esta última que toma a iniciativa de “descobrir”canteiros ainda não construídos ou de colocarno mercado novos must – mais “exóticos”, mais“iniciáticos”, mais “autênticos”, mais “memo-ráveis”… - rentáveis a curto ou médio prazo.

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atração, de desenvolvimento de infraestruturas,de diversidade de produtos, etc.Segundo a OMT, o turismo constitui atualmentea principalmente fonte de divisas estrangeiraspara a maioria dos 49 Países Menos Avançados(PMA). Em alguns pequenos países, nomeada-mente insulares, a contribuição do setor para orendimento nacional ultrapassa os 50%. Por seuturno, o maná turístico e o número de visitantescontinuam distribuídos de forma desigual:registaram-se mais de 60% de turistasinternacionais a escolher um destino europeuou norte-americano, enquanto o resto dospaíses disputam menos de 40% do turismomundial. A causa, segundo todas as evidências,assenta em primeiro lugar na diferença deinfraestruturas de acolhimento e de acesso,estreitamente ligada à força das economiasnacionais respetivas e à dimensão da procurainterna, e em seguida aos sentimento deinsegurança (sanitária, alimentar, política eclimatérica …), que justificam ou não a escolhados viajantes no que toca aos destinos turísticoslongínquos ou exóticos.Para terminar, em todos os países emdesenvolvimento, no seu conjunto, o setor nãocessa de crescer em proporções mais líquidasdo que no Norte, particularmente naseconomias emergentes da Ásia do Leste, ondea China se destaca. A maior parte dos estadosdo Sul, encorajados pelas instituiçõesinternacionais do setor, contam assim –arriscando uma forte dependência – com estagalinha dos ovos de ouro, grande fornecedorade empregos e supostamente capaz de lhesproporcionar divisas fortes. Mas a realidade é

Assim, de acordo com o perfil do cliente queviaja, mais ou menos habilitado para sedeslocar, o operador deverá tanto disfarçarcomo realçar o simulacro da imersão na própriarealidade das terras estrangeiras. Igualmente,os anfitriões – a decoração humana – sãoconvidados a aprofundar ou, pelo contrário, alimar as suas asperezas exóticas, mais ou menosatrativas, tranquilizadoras ou dissuasivas…

CONCENTRAÇÃODOS FLUXOS E LUCROS

Que repercussões resultam desta“mercantilização do exotismo” sobre os“visitados”, em particular nos países do Sul? Aquestão não se coloca exatamente como háquarenta anos. Então promessa de crescimentoou opção de desenvolvimento a eleger entreoutras, o turismo mundial é hoje considerado,acima de tudo, como um fator maior,irreversível, em contínua expansão, em fase detocar todos os países ou quase todos, incluindoos mais desfavorecidos, que verãoinexoravelmente o seu número de “visitantes”aumentar.Para poder lucrar de uma tal “oportunidade decrescimento económico”, para estar à medidade existir ou de ver aumentar a sua parte nomercado altamente concorrencial dos destinosturísticos, acontece desde logo que cabe aospaíses anfitriões, ou em vias de se tornarem,adaptar-se, publicitar as característicasnecessárias, oferecer um certo número decondições de base, regras de segurança, de

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menos evidente e se as situações divergemconsoante o contexto, as tendências registadassão frequentemente mais problemáticas, senãodramáticas, para as populações locais.Atualmente ainda mais do que no passado,devido à concentração crescente do setor(integração vertical e horizontal de cadeiashoteleiras internacionais, de lazer e de viagens),o essencial dos fluxos financeiros do turismo écaptado por operadores transnacionais, cujasede principal está situada na Europa ou naAmérica do Norte. O impulso das vendas demúltiplos serviços – o all inclusive, o package –aumentam esta tendência de concentração,bem como a importação de equipamentos e deprodutos alimentares “continentais” efetuadospelos operadores nacionais ou estrangeiros, ocusto das campanhas de promoção, orepatriamento de lucros pelas multinacionais,etc. A envergadura mundial das empresas quecontrolam o setor também beneficiou da subidaem força dos sistemas de reservasinformatizadas (Global Distribution Systems)que, de facto, reforça o domínio dos processosde comercialização.É verdade que a definição e o cálculo rigorosodas fugas (leakages), de dividendos queescapam aos países visitados e, maisglobalmente, da distribuição mundial dasreceitas geradas pelo turismo continuamenvolvidos em controvérsia (Mitchell e Ashley,2007), mas os números mais rigorososconfirmam a assimetria, para não dizer mesmoo hold up. Menos de 20% dos lucros geradospelo turismo em África ficam in loco. NaÁmerica central, no Belize, 90% do complexo

turístico costeiro, verdadeiramente “umimplante” artificial neste pequeno país tropical,pertencem a investidores norte-americanos.Não surpreende assim que no topo daclassificação (realizada pelo Banco Mundial) osprincipais países beneficiários do turismo, porhabitante, apareça …o Luxemburgo e outrosparaísos fiscais!

MERCANTILIZAÇÃO DOSLUGARES E DOSCOMPORTAMENTOS

As repercussões da expansão do turismo emtermos de emprego nas economias dos paísesdo Sul prestam-se também a debate. Se o setoré efetivamente um importante fornecedor depostos de trabalho, a qualidade dos empregosgerados varia. Frequentemente precários ousazonais, eles dirigem-se antes de mais a umapopulação sub-qualificada, sem proteção social,quando não estão mesmo em causa as criançasque, estima-se, representem cerca de 20milhões a nível mundial a trabalhar no setor. Osrendimentos individuais que a população localpode “retirar” dos turistas internacionaispodem ser de tal forma desfasados dos saláriosda economia local que as consequências sociaisgeradas por este enviesamento estruturalpodem, também elas, ser muito pesadas.Vemos assim setores informais constituir-se emtorno de enclaves turísticos, em detrimento deatividades agrícolas ou de saberes tradicionais,reforçando a dependência alimentar do

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de outras marcas para as populações locaispara além das do consumismo desenfreado.A marca ambiental da indústria turística coloca,também, múltiplos problemas em cadeia. Osexemplos abundam, nomeadamente quando aconstrução de um complexo hoteleiro, umcampo de golfe ou uma estação balnear serealizam à custa do deslocamento compulsivode populações locais, no seguimento deaquisições mais ou menos legais ou ainda casosde privatização de recursos básicos dos quaisos autóctones pouco ou nada beneficiam. OPrograma das Nações Unidas para o ambientecita diversos casos de edifícios turísticosparticulares que consomem só em água e emeletricidade, o equivalente ao consumo devárias dezenas de milhares de lares nas regiõesem causa.A indecência do desenvolvimento “através” ou“para” o turismo reside, também, nosdesgastes ambientais irreversíveis, produzidospela sua implantação, não sendo um factomenor a degradação do litoral, em curso emdiversos países. Desgastes que se acrescentamà vulnerabilidade ecológica e social dascomunidades locais. A pressão sobre osecossistemas e sobre o património cultural –sendo a “capacidade de carga” muitas vezessuplantada pelo incentivo ao lucro a curto prazodos operadores – hipoteca até a viabilidade dosdestinos turísticos, que acabam por periclitarface a outros projetos concorrentes. Mesmo oecoturismo, assim como os safaris, o trekking eoutras “aventuras – descobertas” residemmuitas vezes em modelos de gestão doambiente de vistas curtas e de uma apropriação

exterior, em numerosas ilhas, regiões ou países.Se a distância entre o nível de vida local e abolsa de visitantes de passagem desconstrói,frequentemente, a economia (sem mesmo falardas pressões inflacionistas), também podedesestruturar em profundidade uma sociedade.No momento em que uma gorjeta, uma viagemde táxi ou um “serviço sexual” atingem níveissuperiores a um salário mensal local, o paísanfitrião não está protegido de nenhum risco.Para o provar, não basta apenas ter em conta aquantidade de profissionais (do setor educativoou médico, por exemplo) que se reconvertemem pequenos empresários de serviços, mastambém o desenvolvimento maciço daprostituição, do turismo sexual (mais de doismilhões de menores no mundo), mercadosnegros, tráficos diversos e outras redes mafiosaslocais…Os choques culturais concomitantes não sãomenos devastadores. “A troca” entre modos devida e de consumo contrastantes mostram-seraramente proveitosos para as duas partes.Ávido ou não de estereótipos, de clichés ou de“autenticidade”, o turista, mais ou menos ludi-briado, participa de facto na mercantilizaçãodas culturais locais, e assim na sua “encenação”e folclorização comercial. Na melhor das hipó-teses, o autóctone adapta-se para daí retirarlucro; no pior dos casos, ele mesmo é instru-mentalizado por outros interesses, como nas“povoações indígenas”, transformadas emparques que visitamos, com a máquina de foto-grafar ao ombro, tal como quando se visita umjardim zoológico. No sentido inverso, a pene-tração turística raramente se revela portadora

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dos lugares em detrimento dos habitantes(Sarrasin e Ramahatra, 2006).

LÓGICA DOMINANTE PRIVATIVA

Fundamentalmente, devemos entender que nabase deste tipo de balanço “globalmente ne-gativo” das repercussões das migrações turísticassobre as populações do Sul, a lógica dominanteé a expansão da “ordem turística” atual queimporta questionar. Intimamente associada àmundialização do modelo de desenvolvimentoneoliberal promovido pelas grandes potências,e ainda mais pelos grandes conglomeradostransnacionais privados das indústrias da pro-dução e dos serviços, a explosão do turismoparticipa ou beneficia, nas suas orientaçõesprincipais, desta mercantilização generalizadados lugares e dos comportamentos, destas po-líticas de abertura das fronteiras ao comérciomundializado e de privatização do patrimónioe dos bens públicos, deste “movimento espe-tacular de concentração do aparelho capitalistainternacional” da viagem e do lazer (Cazes eCourade, 2004).O tratamento que o turismo recebe no seio daAGCS (Acordo Geral sobre o Comércio de Ser-viços, discutido no quadro da OMC) está emvias de tornar ilegal toda a regulação, nacionalou local, que limite de qualquer forma o acessodas multinacionais ao setor dos mercados na-cionais (Equations, 2005). Todo o esforço regu-lador visando subordinar os interesses dos in-vestidores aos dos habitantes locais, às geraçõesfuturas e ao seu meio ambiente seria desdelogo votado ao fracasso.

Pelo contrário, como o analisam ironicamenteCazes e Courade, aos estados nacionais restaserem convidados a ganhar o estatuto de“turisticidade” para as suas regiões, pelanecessidade de continuarem a endividar-se.“Mesmo dispondo de vantagens naturais eculturais para se tornar turístico, um país ou umaregião não o podem fazer a não ser que o nívelde insegurança seja suportável para os turistas,exista um acolhimento favorável dos visitantes,suficiente nível de conforto e, sobretudo, umambiente favorável e reduzida tributação aocapital estrangeiro. O regime político poucoimporta se assegurar a estabilidade e o nãorespeito pelos direitos humanos não representaqualquer obstáculo” (Cazes e Courade, 2004).

UMA OUTRA RELAÇÃOCUSTOS/BENEFÍCIOS É POSSÍVEL?

Os únicos efeitos sobre as populações locais eos ecossistemas do “novo nomadismomoderno” – elevadas “dependências estrutu-rais para os países de acolhimento” (Bastanier,2006) – justificam, pelo menos, um questiona-mento das lógicas políticas e económicasliberais que o orientam. Uma grande variedadede associações internacionais e de movimentoslocais partilham esta conclusão e fazem dela asua razão de mobilização para a promoção deum turismo que respeite as pessoas e oambiente.Turismo equitativo, durável, de proximidade,integrado, ecológico, familiar, ético, alternativo,solidário… os rótulos pululam, mas todos

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aparelhos de regulação negociados econtrolados, as políticas públicas coordenadaspoderiam contribuir para alterar a atual relaçãode custos/benefícios do setor e assim, participarefetivamente no “desenvolvimento” dos paísesdo Sul.“Se se pode pensar que nos situamos na utopiaem face das relações de força e de práticasturísticas reais”, podemos também dizer, ao leras exigências virtuosas contidas nas cartas daOrganização Mundial do Turismo, que estaúltima nos dá “as armas para que nosbatamos”, dado as normas jurídicas e aspráticas democráticas que ela promete oferecerà sociedade civil internacional : ”um quadropara avaliar e contestar” as forças desabridas epredadoras do “turismo de classe” atual (Cazese Courade, 2004). Mais do que o futuro dasatisfação das nossas transumâncias, osverdadeiros desafios deste questionamentoglobal e capital são, nem mais nem menos, ademocratização da ordem (turística) mundial ea viabilidade do planeta.

Bernard Duterme

reenviam, segundo as diversas modalidades,para responsabilidade do turismo internacionalpara com o bem-estar das populações visitadas.Se existem múltiplas experiências positivas,essencialmente a nível local, é preciso constatar,a uma escala mais global, que a tendência, semverdadeiramente pesar sobre as orientaçõesdominantes do turismo mundial, tem de fazertambém face aos seus próprios limites. Outraquestão é que ela continua extremamentesituada socialmente, ou seja, elitista – reporta-se de facto a um turista com um capital social ecultural elevado. Esta “oferta alternativa” tendetambém a inscrever-se num mercado no qual “aautorrotulação” e a recuperação publicitária do“toque ético” pelos grandes viajantes nãoconstituem o menor dos perigos.Em que condições a expansão do turismointernacional poderia então induzir outra coisaque não “uma nova utilização ocidental domundo”? Uma vez que “é inegavelmenteverdade que se a população dos países pobresse movimentasse tanto quanto a dos paísesricos, a circulação aérea tornar-se-ia umproblema impossível de ser resolvido”, comoevitar não ver no turismo mais do que “umaempresa de subordinação do planeta aomodelo catastrófico do desenvolvimentoocidental?” (Bastenier, 2006). Para além dasiniciativas cívicas, a resposta reside sem dúvidanas capacidades de canalização e deregulamentação das quais os Estados são, eramou deveriam ser dotados, e na implicação daspopulações na definição dos projetos e dapartilha de vantagens. Sob a égide deorganismos internacionais democráticos e de

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Obras citadas

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14

INTRODUÇÃO

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Situado ao largo da Guiné-Bissau, o Arquipélago dos Bijagós apresenta

características excecionais no plano do património natural e cultural que lhe

valeram o estatuto de Reserva de Biosfera da UNESCO. A sua riqueza em

matéria de diversidade biológica é indissociável do equilíbrio, que tem

prevalecido ao longo do tempo, entre os seus habitantes e o meio natural.

Este equilíbrio tradicional encontra-se atualmente ameaçado dada a abertura progressiva

do Arquipélago e a chegada de novos utilizadores, atraídos pelo potencial económico das

suas qualidades naturais e paisagísticas.

Os promotores turísticos fazem parte destes novos exploradores. Dada a situação de

instabilidade política do país e a precariedade das suas infraestruturas, o seu número ficou

relativamente reduzido e as estruturas que exploram são de pequena escala. As conse-

quências da sua presença na vida social e cultural dos Bijagós não são, contudo, menos

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problemáticas, a ponto dos responsáveis da Reserva de Biosfera e dos três parques nacio-

nais que a integram, defenderem que a expansão do turismo, tal como ela se faz sentir

desde há vinte anos, exige o objetivo maior de harmonização dos imperativos de conser-

vação e de desenvolvimento sócio-económico no Arquipélago.

Uma coexistência difícil que poderia ainda degradar-se na sequência da decisão recente

do governo da Guiné-Bissau de elevar o turismo à lista do “quarto setor prioritário produtor

de crescimento2”, mesmo sendo os instrumentos de planificação da atividade turística ainda

inexistentes.

Este estudo foi realizado a pedido da ONG Tiniguena (Guiné-Bissau) e do seu parceiro, o

Instituto Marquês de Valle Flor (Portugal). Ele encontra a sua origem nas preocupações

expressas pela população e pelos atores institucionais implicados no processo de gestão

participativa da Área Marinha Protegida Comunitária (AMPC) de Urok, uma das três áreas

protegidas da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama Bijagós (RBABB). O objetivo

deste estudo é fazer a avaliação da pertinência da atividade turística no contexto da AMPC,

cuja dinâmica de gestão comunitária do território está em curso desde 2005 e analisar os

impactos potenciais das diferentes opções turísticas, fornecendo à AMPC um instrumento

que lhe permitirá discutir propostas futuras neste domínio.

O presente documento propõe, por isso, uma avaliação dos locais da dinâmica da expansão

turística na RBABB e uma análise dos seus impactos sócio-económicos, ambientais e

culturais. A questão transversal assenta na repartição dos custos e dos benefícios diversos,

gerados pela atividade turística. Tem como objetivo, igualmente, analisar as condições

sociais, institucionais e políticas do desenvolvimento de um turismo sustentável – ou

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ecoturismo –, no Arquipélago. O caso particular da AMPC Urok é analisado de seguida,

bem como as perspetivas, promissoras, de um desenvolvimento “sem turismo”, conforme

posto em evidência. O relatório termina com uma proposta de instrumento de avaliação

de eventuais propostas externas de implantação turística em Urok. Este instrumento sugere

uma lista de regras às quais o operador exterior deverá obedecer para minimizar as suas

interferências com o processo comunitário de gestão, em curso, dos recursos naturais.

A missão de estudo da qual este trabalho é fruto foi realizada entre 16 e 25 de maio de

2011. A abordagem do consultor consistiu em reunir e escutar o conjunto das partes envol-

vidas na problemática do turismo na RBABB e na AMPC Urok: em Bissau, onde num

primeiro momento pode recolher os pontos de vista dos representantes do Estado (Secre-

tário de Estado do Turismo, Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas), de ONG

e de investigadores; e no Arquipélago, onde visitou cinco ilhas para recolher os testemun-

hos e as preocupações dos operadores turísticos, dos seus funcionários, dos

administradores locais, dos responsáveis associativos e religiosos, bem como dos próprios

habitantes3. O consultor beneficiou ainda do acompanhamento permanente de um mem-

bro da ONG Tiniguena (Miguel Barros) e de um membro do Instituto Marquês de Valle Flor

(Emanuel Ramos), cuja assistência foi determinante quer para a recolha quer para a análise

dos dados do inquérito.

2 Orientação adotada no segundo documento de estratégia nacional de redução da pobreza - DENARP II (2011-2015) (Repúblicada Guiné Bissau, 2011).

3 Ver lista das pessoas entrevistadas em anexo.

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CONTEXTO:O TURISMONOS BIJAGÓS

1

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19

Situado a cerca de vinte quilómetros aolargo da parte continental da Guiné-Bissau, o Arquipélago dos Bijagós é

composto por mais de oitenta ilhas e ilhotasnuma zona de delta de 10 270 km2. A situaçãodo Arquipélago – confluência de estuárioscontinentais e de correntes costeiras do Sul edo Norte – e a existência de um estreitoarenoso submerso e de uma enorme superfíciede mangal (37 000 ha) favoreceram odesenvolvimento de uma fauna rica e variada,apresentando um grande interesse patrimonial:peixes, crustáceos, aves limícolas, tartarugas do mar, hipopótamos, peixes-boi, golfinhoscorcundas, etc.

Cinquenta por cento da superfície terrestre doArquipélago é composta por palmeirais, sendoo resto essencialmente ocupado por savanassecas e húmidas. O isolamento relativo destasilhas, bem como o modo de gestão durável dosrecursos pelas comunidades locais, explicam oestado de conservação dos ecossistemas doArquipélago.

1 /// O ARQUIPÉLAGODOS BIJAGÓS

1.1 O AMBIENTE

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A etnia bijagó constitui a população maioritáriado Arquipélago (entre 80 a 90% dos seus 34 000habitantes). As outras etnias presentes são osPapéis, os Mandingas e os Fulas da Guiné-Bissau continental, bem como os Nhomincas,originários do Senegal.

Apesar das crescentes influências externas, aorganização da vida sócio-política, cultural eeconómica dos Bijagós continua fortemente(ainda em que em graus diferentes de uma ilhapara outra), condicionada pelas regras tradicio-nais, hierarquização da sociedade em faixasetárias, pertença clânica4 e divisão de espaço edo trabalho entre os géneros. O princípio degerontocracia e a organização em faixas etáriasjogam um papel decisivo e regulador no seioda comunidade Bijagó. Os mitos, os valores, asnormas e as interdições controladas pelos maisvelhos regulam o acesso aos espaços e aos seusrecursos, impedindo assim a sua degradação.

O sistema de produção dos Bijagós éessencialmente baseado na agroflorestação. Oarroz, o principal produto agrícola, é cultivadode uma forma itinerante (“m’pampam”) sob aspalmeiras, o que leva os habitantes a acampardurante longos meses, dado que as zonascultivadas se situam longe da tabanca (aldeia).A palmeira fornece uma larga gama de serviços

1.2 OS BIJAGÓS

4 A população bijagó divide-se em quatro clãs: Oracuma,Ogubane, Oraga et Ominca.

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aos habitantes: o óleo extraído é destinado àconfeção de alimentos ou para venda, a seiva éutilizada para vinho de palma, o tronco para aconstrução de infraestruturas, as raízes para afarmacopeia tradicional, etc. Depois do arroz, ofeijão é a segunda cultura de subsistência maisimportante para os habitantes locais. Estasculturas tradicionais perdem, contudo, terrenoface à expansão do caju, a principal cultura deexportação da Guiné-Bissau.5

O pastoreio, outra atividade importante nasilhas, é praticado de forma intensiva, quer sejade gado bovino, porcino ou de aves.6 Mas sãoos moluscos que constituem a base de proteínasanimais do regime alimentar local. As regras degestão das diferentes espécies de moluscosestão, todavia, subordinadas ao seu usotradicional para fins cerimoniais. Quanto àpesca, trata-se essencialmente de uma pesca desubsistência, bastante rudimentar e destinadaao consumo imediato. As estratégias desubsistência dos Bijagós estão, assim,intimamente ligadas à exploração sustentáveldo conjunto dos recursos marinhos, costeiros eterrestres do Arquipélago. As pressões sobre osrecursos aumentaram, contudo, nos últimos 50anos. Por um lado pressões internas mastambém, e sobretudo, pressões externas nasequência da chegada e da implantação denovos utilizadores que praticam uma exploraçãomais intensiva dos recursos do Arquipélago.

Excetuando a Ilha de Bubaque, capital econó-mica e turística do Arquipélago, a sociedadebijagó mantém-se pouco monetarizada. O tra-balho assalariado é praticamente inexistente, oque explica o baixo nível de diferenciação socialinterna e a principal interação comercial com omundo exterior é a venda ou a troca, uma vezpor ano, da castanha de cajú por arroz e outrosprodutos de primeira necessidade transportadosa partir do continente pelos comerciantes (Saide Abreu, 2011).

Região isolada de um dos países mais pobresdo mundo, o Arquipélago apresenta índices dedesenvolvimento baixos. Em causa está a poucaprodutividade da agricultura e da pesca e a pre-cariedade dos serviços sociais (saúde,educação, água, eletricidade, etc.), dada a faltade investimento público e a fraca presença deONG. O grau de infraestruturas das aldeiasvaria de ilha para ilha. O nível muito baixo dedesenvolvimento económico da população é,no entanto, compensado por mecanismos desolidariedade comunitária e redistribuiçãointerna, bem como regras apertadas de gestãodos recursos naturais, preciosos para a segu-rança alimentar (Said e Abreu, 2011). Estesmecanismos tradicionais estão, no entanto, sobpressão, à medida que o Arquipélago se inte-gra no espaço nacional e internacional(multiplicação dos contactos com Bissau e oresto do país, migração dos jovens, intrusão depescadores externos e operadores turísticos).

5 A produção da noz de caju na Guiné-Bissau iniciou-se apenas na década de 1970. Desde essa altura que tem registado um cres-cimento fulgurante, em detrimento das culturas alimentares de base. 85% das famílias do país trabalham neste setor, que contacorresponde a mais de 80% das receitas de exportação. O “apoio ao desenvolvimento e à valorização da noz de caju” é o setoreconómico prioritário segundo o DENARP II (República da Guiné Bissau, 2011).

6 Para os Bijagós, a posse de animais funciona também como uma reserva de valor : podem ser convertidos em dinheiro em casode necessidade (Said e Abreu, 2011).

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1.3 A RESERVA DE BIOSFERA E OS

PARQUES MARINHOSA pedido do Governo da Guiné-Bissau e daUnião Internacional para a Conservação daNatureza (UICN), o estatuto de Reserva deBiosfera foi atribuído ao Arquipélago dosBijagós, em 1996, pela UNESCO, dadas as suascaracterísticas bio- ecológicas e sócio-culturaisexcecionais. Os quatro objetivos prioritários da“Reserva de Biosfera do Arquipélago deBolama-Bijagós” (RBABB) são:

A proteção da diversidade biológica e dosprocessos ecológicos associados, valorizando-sea gestão tradicional dos espaços e dos recursos e a cultura Bijagó;

O aperfeiçoamento das condições de vida da população através de um modelo dedesenvolvimento que dê prioridade à exploração racional e sustentável dos recursos naturais;

O aperfeiçoamento dos conhecimentos cien-tíficos da região e a proposta de alternativaspara o desenvolvimento sustentável;

A aplicação de uma estrutura de gestão participativa.

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O instrumento principal da Reserva é azonagem, efetuada pelo Gabinete dePlanificação Costeira, em colaboração com oshabitantes do Arquipélago, e que permitiudistinguir as zonas centrais, tampão e atransição, que correspondem, respetivamente,a zonas de preservação, de desenvolvimentosustentável e de equilíbrio ecológico (INEP,2007). Três espaços no seio das zonas centraisbeneficiam atualmente de um estatuto deproteção especial: trata-se do Parque Nacionaldas ilhas de Orango (PNO), do Parque Nacionalmarinho das ilhas João Vieira e Poilão (PNMJVP)e a Área Marinha Protegida Comunitária (AMPC)das ilhas Urok (Formosa, Nago e Chediã).

A gestão destas áreas protegidas é da respon-sabilidade do Instituto da Biodiversidade e dasÁreas Protegidas (IBAP). Cada parque estádotado de um conselho de gestão no qual par-ticipam os representantes das tabancas (aldeias)das ilhas envolvidas. Estes três parques estãointegrados desde 2007 na “rede das ÁreasMarinhas Protegidas Oeste-africanas” (RAM-PAO), no programa financiado por diversosorganismos internacionais, nomeadamenteUICN, WWF, Wetlands International e FIBA.

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A dimensão participativa na gestão dadiversidade biológica ganhou uma importânciaparticular com a criação da AMPC de Urok. Nocomplexo de Urok, a definição das regras deutilização dos recursos marinhos e costeiros fez--se sob a ação dos próprios habitantes, noseguimento do processo de “desenvolvimentoparticipativo” da ilha de Formosa, iniciadodesde 1993 com o apoio da ONG nacionalTiniguena. Um processo de concertação devários anos que nasceu de um consenso entreos habitantes das três ilhas (membros das etniasBijagó, mas também Papéis e Nhominkas),sobre a evolução dos recursos e a coerência dossistemas de produção destes três grupos deutilizadores com as formas de gestão econservação do meio natural tradicionais. Como apoio dos parceiros (Tiniguena, FIBA, IBAP),esta dinâmica resultou na adoção de um plano

de gestão de recursos marinhos e costeirosvalidado oficialmente em 2005 na altura doreconhecimento da AMPC pelo Governo (IBAPe al., 2003).

Seis anos após a sua criação, a AMPC Urokpode ser considerada como uma experiênciade sucesso, ainda que frágil, de conciliação dosimperativos de conservação, de desenvolvi-mento e de valorização das tradições locais. Osméritos e os sucessos da experiência no planoambiental, sócio-cultural e sócio-económicoforam postos em evidência em 2008, através deuma avaliação externa (Renard, 2008), depoisvalidados em 2009 no quadro de um inquéritoatravés de questionário efetuado aos residentesda AMPC (Brenier, Ramos e Henriques, 2009). AAMPC de Urok constitui, desta feita, um exem-plo raro de apropriação das regras de gestãode uma área protegida pelos seus habitantes,um objetivo promovido pelas instituições inter-nacionais de conservação há uma dezena deanos7, que é dificilmente traduzível na prática(Cormier Salem, 2005). Esta apropriaçãoexplica-se pelo caráter “endógeno” do pro-cesso de patrimonialização da biodiversidade,característica desta área marinha protegida,uma dinâmica oposta a modalidades “santuaris-tas” de patrimonialização da biodiversidadedo Sul.

1.4 A ÁREA MARINHAPROTEGIDACOMUNITÁRIADE UROK

7 O Plano de Ação de Durban para as áreas protegidas, ado-tado em 2003 pelo UICN, marca um ponto de viragem naconceção da gestão das áreas protegidas, integrando entreos seus principais objetivos o desenvolvimento local e a par-ticipação dos habitantes na gestão. (UICN, 2004).

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O potencial “turístico” do Arquipélago dosBijagós é sublinhado regularmente pelas auto-ridades locais, consultores e profissionais dosetor. Este potencial baseia-se na insularidadee isolamento do Arquipélago, na existência deespécies patrimoniais emblemáticas e em viasde extinção (tartarugas marinhas, manatins, etc.)na presença de uma grande variedade de habi-tats e ecosistemas e de uma abundânciarelativa de recursos haliêuticos (Bernatets,2009). O rótulo de “Reserva de Biosfera” atri-buído pela UNESCO constitui também, umforte fator de atração para o ecoturismo, emgeral e para o turismo dos parques naturais, emparticular, uma categoria de turismo em plenaexpansão à escala mundial.

Em dissonância com este potencial, o desenvol-vimento do turismo do Arquipélago é“vegetativo”: a frequência ronda os 1.000 visi-tantes por ano (Bernatets 2009), um númerovárias centenas de vezes inferior ao dos Arqui-pélago tropicais mais oferecidos nos catálogosturísticos. Um turismo “confidencial”, para reto-

“CRIAR TURISMO“ NOS BIJAGÓS

2.1 UMA OFERTA REDUZIDA

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mar a expressão do guia de viagens Petit futé,um “recanto” apenas conhecido de “algunsaventureiros e pescadores fanáticos” (2007).

Nada de dísticos da indústria turística ou deum grande hotel no Arquipélago: a atividadeturística é realizada por pequenos empresáriosindependentes, que gerem os seus negóciosde forma familiar. Dezasseis operadores partilhamentre si as 230 camas que o Arquipélago oferece,ou seja, uma média de apenas 14 camas porestabelecimento (ver tabela na página seguinte).Apenas um estabelecimento oferece mais de20 camas.8 A atividade turística nos Bijagós émonopólio de “pioneiros”estrangeiros9, essen-cialmente franceses (11 estabelecimentos em16), que concebem o Arquipélago como umaextensão de Casamance (Senegal) “rica empeixe e preservada do turismo de massas”.

O setor turístico está limitado no plano da ofertade atividades: a maioria dos estabelecimentos(10 em 16) centra-se na pesca desportiva, sendoos clubes de pesca detidos pelos operadoresfranceses. Os seus pacotes “all inclusive” sãovendidos na Europa através de agências de via-gem especializadas na pesca e na caça (SafariWorld, Voyages GP Chasse et Pêche, etc.) Estesclubes são regularmente capa das revistas depesca europeias e norte-americanas. A nívelinternacional, esta mono-especialização faz dosBijagós um Arquipélago mais conhecido dospescadores desportivos do que dos adeptos doecoturismo.

O mercado das estadias curtas (dois a três dias)é o segundo motor turístico nos Bijagós. Visauma clientela residente em Bissau – uma eliteguineense e de cooperantes – desejosa de fugirda humidade da capital durante um fim desemana. Os estabelecimentos na ilha deBubaque, em especial, (10 em 16) beneficiamdeste turismo de fim de semana. Os alberguese os hotéis que não oferecem atividades depesca desportiva dependem quase exclusiva-mente desta frequência local. A atração para asestadias curtas em Bubaque reside nomeada-mente na calma e frescura da ilha, dosrestaurantes e da existência, no Sul, de uma ilhade praia de areia fina, ladeada de coqueiros, a“praia de Bruce”.

Paradoxalmente, dada a riqueza natural doArquipélago e o seu rótulo de “Reserva daBiosfera da UNESCO”, o setor do ecoturismoestá pouco desenvolvido. Apenas um operadorfaz dele o cerne da sua atividade: o OrangoParque Hotel, na ilha de Orango. Pode-seacrescentar, a este, o acampamento de pescada ilhota de Quéré, que se propõe fazer umaoferta neste setor ainda pouco assente,contudo, nos valores do ecoturismo. Os outrosoperadores limitam-se a oferecer saídas para ailhota de Poilão (lugar de reprodução das tarta-rugas marinhas) ou para a ilha de Orango(habitat dos hipopótamos do mar). O turismode mochila, virado para a natureza, desenvolve-se, contudo, lentamente. Atrai essencialmenteos cooperantes, normalmente jovens, resi-dentes em Bissau, desejosos de descobrir eobservar a natureza. Os circuitos e outros trek-

8 O Hotel Lodge Ponta Anchaca na ilha de Rubane (42 camas) (ver tabela).9 Apenas um dos16 empreendimentos é gerido por autóctones : O Orango Parque Hotel (ilha de Orango).

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Empreendimento Chez Sibila Chez Titi Chez Mama Le Calypso Chez Dora Maiana Village Les Dauphins Kasa AfricanaIlha Bubaque Bubaque Bubaque Bubaque Bubaque Bubaque Bubaque BubaqueNacionalidade Francês Senegalês Senegalês Francês Português Francês Francês FrancêsNúmero de camas 7 8 4 20 14 10 15 8Perfil Estalagem Estalagem Estalagem Clube de pesca Estalagem Clube de pesca Clube de pesca Clube de pesca

Empreendimento Cruz Pontes Cadjoco Hotel PontaAnchaca

M'îles vaguesde déc.

Acunda Atlantic

Fishing ClubBijagos Chez Claude Orango

Parque Hotel

Ilha Bubaque Bubaque Rubane Quéré Ancurai Galo João Vieira OrangoNacionalidade Português Francês Francês Francês Francês Francês Francês GBNúmero de camas 8 7 42 20 12 18 16 14Perfil Estalagem Clube de pesca Hotel Clube de pesca Clube de pesca Clube de pesca Clube de pesca Hotel

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kings através das ilhas poderão da mesmaforma desenvolver-se a longo prazo (Deheu-ninck, 2005).

Diversos operadores esforçam-se, paralela-mente, para tirar proveito de um outro nicho deturismo sustentável em plena expansão a nívelmundial: o turismo cultural, “a autenticidade ea tradição” (Hamon e Dano, 2005). Por detrásdeste rótulo, existe uma oferta relativamentepobre: a exibição de trajes e de danças tradicio-nais e visitas a aldeias tradicionais, nas quais ooperador financia geralmente uma ou outraobra social. Apenas o Orango Parque Hotelpropõe uma introdução educacional e pedagó-gica da história e da cultura das comunidadeslocais.

A pobreza da oferta turística face às possibili-dades potenciais dos Bijagós no mercadoturístico mundial encontra a sua explicação nocontexto natural da Guiné-Bissau. O país estáclassificado como “zona de risco” onde, por umlado, existem carências múltiplas em matéria deinfraestruturas no Arquipélago (transportes, sis-tema sanitário, acesso a água e eletricidade,saneamento básico, telecomunicações) e, poroutro lado, existe uma instabilidade política cró-nica. A guerra civil de 1998-1999 criou enormesfalências no seio dos operadores instalados noArquipélago. Dez anos mais tarde (março de2009), o assassinato do presidente Nino Vieira ea revelação de ligações entre os traficantescolombianos de cocaína e de algumas altasesferas do Estado comprometeram os esforçosde reabilitação da imagem internacional dopaís e mantêm a maioria dos investidores inter-

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O contexto político conturbado dos últimos 15anos e a situação de falta de financiamento cró-nico do Estado da Guiné-Bissau contrariaram oenquadramento institucional da atividade turís-tica no país. À semelhança de outros setores dafunção pública, a falta de meios e a rotaçãorápida do pessoal promovem uma gestão“semanal” do setor. Este desenvolve-se, assim,de forma “indisciplinada”, sem enquadramentonem visão, sem política nem estratégia dedesenvolvimento (Cantusam, 2007).

2.2.1. Défice da planificação do turismo

A gestão do turismo está sob a responsabili-dade da Secretaria de Estado do Turismo, quedepende do ministério do Comércio, da Indús-tria, do Turismo e do Artesanato. Para além deuma “lista de ações principais”, relativamentegenérica, a Secretaria não dispõe de “plano”nem de “estratégia” oficial de desenvolvimentodo turismo à escala dos Bijagós nem, aliás, deoutra qualquer região à escala nacional. Umaestratégia global de desenvolvimento doturismo na Guiné-Bissau foi, todavia, adotadaem 2000, identificando uma série de interven-ções que visavam remover os obstáculos aodesenvolvimento do setor: acessos aos lugaresde interesse turístico, renovação de infraestru-turas, reforço das capacidades institucionais,atração de investimentos e acesso aos financia-mentos – mas nenhuma delas foi aplicada(English, 2009).

2.2 DESENVOLVIMENTODESCONTROLADO EPOLÍTICA DO FACTO

CONSUMADO

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Esta ausência de Plano Diretor do turismo foiagravada pela debilidade e fragmentação dasInstituições do Estado no Arquipélago dosBijagós. O Estado está virtualmente ausentena maior parte do Arquipélago. As raras açõesdas autoridades territoriais, como as da Secre-taria de Estado do Turismo, consistem emrecuperar os benefícios, atribuídos de temposa tempos e relativos a licenças de exploraçãoou de terrenos aos agentes turísticos. Estaforma de gestão, oportunista, ditada pelanecessidade de rendimentos imediatos, favo-receu um desenvolvimento errático do turismono Arquipélago e a escolhas de investimentoobedecendo apenas às estratégias de apro-priação do meio ambiente pelos operadoresindividuais.

Se os primeiros empreendimentos se estabele-ceram na ilha de Bubaque, “capital” doArquipélago em vias de urbanização, a tendên-cia, desde finais de 1990, tende para adispersão pelos quatro cantos do Arquipélago,com cada operador querendo obter a sua “ilhadeserta”, o seu perímetro individual longe daconcorrência. O mapa que se segue dá umaboa ideia desta tendência de dispersão10. Mascomo observa Pierre Campredon, conselheirodo UICN Bissau, existe uma relação de forçaentre os setores (IBAP, CAIA, alguns ministros)

no seio do Estado que se opõem a esta tendên-cia em nome do respeito do espírito e da zonade Reserva de Biosfera, por um lado, e inte-resses políticos e económicos “escondidos”,por outro. Com o apoio de atores internacio-nais, o IBAP e a Célula de Avaliação de ImpactoAmbiental (CAIA) conseguem, todavia, blo-quear algumas vezes os novos projetos deimplantação (nomeadamente no últimos anos,nas ilhas de Papagaio, Meio e Orango).Contudo, “estas conquistas são frágeis, tempo-rárias e sistematicamente postas à prova, decada vez que ocorre uma mudança política, emfunção dos interesses dos eleitos e das suasligações com os investidores potenciais”,segundo Miguel Barros da ONG Tiniguena.

10 Mapa realizado pelo autor do presente relatório com base nummapa de Bernatets (2009).

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3

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2

3

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ESTRUTURAS OPERACIONAIS1. Dez hotéis e dez estalagens no Norte da Olha de Bubaque 2. Hotel « Ponta Anchaca », na ilha sagrada de Rubane3. Clube de pesca « Chez Claude », na ilha sagrada de João Vieira (Área protegida)4. Orango Hotel, na ilha de Orango (Área protegida)5. Clube de pesca « M’îles vagues de découverte », na ilhota sagrada de Quéré 6. Clube de pesca « Acunda Atlantic Evasion », na ilhota sagrada de Ancurai

ESTRUTURAS ABANDONADAS1. Hôtel « de maio », ilha de Tchedia2. Clube de pesca « Les Carangues », na ilha sagrada de João Vieira (Área protegida)3. Clube de pesca « Acaja Club », ilha sagrada de Rubane.4. Hotel « Ambacana », île de Galinha.5. Hotel da praia de Brusse a sul da ilha de Bubaque

TENTATIVAS DE INSTALAÇÃO FALHADAS1. Ilha de Meio: Investidor espanhol (por volta de 1995)2. Ilha de Meio: Investidor francês (2011)3. Ilhota de Papagaio: Investidor « See Master »4. Ilha d'Orango: investidor francês

ORANGO GRANDE

UNO

URACANE

BUBAQUE

TCHEDIA MAIO

FORMOSA

GALINHAS

BOLAMA

SOGAENU

CARACHE

CARAVELA

UNOCOMOZINHO

UNOCOMONHO

CANOGO

ORANGOZINHO

CAVALOS MEIO

JOAO VIEIRA

POILAO

MENEQUE

CANIABAQUE

ORANGO GRANDE

UNO

URACANE

BUBAQUE

TCHEDIA MAIO

FORMOSA

GALINHAS

BOLAMA

SOGAENU

CARACHE

CARAVELA

UNOCOMOZINHO

UNOCOMONHO

CANOGO

ORANGOZINHO

CAVALOS MEIO

JOAO VIEIRA

POILAO

MENEQUE

CANIABAQUE

31

ESTABELECIMENTOS ATUAIS E PASSADOS E TENTATIVAS DE NOVAS IMPLEMENTAÇÕES

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A Reserva de Biosfera Bolama-Bijagós possuium “Plano de Gestão”, adotado em 1996 erenovado em 2006, que prevê um turismo “vol-tado para a valorização do grande potencialecológico e cultural do Arquipélago” e que“sirva os interesses das populações”. Exclui aszonas centrais, assim como as ilhas habitadas.Um documento no entanto ignorado pelos res-ponsáveis da Secretaria de Estado do Turismoe pela administração territorial (INEP, 2007). Omesmo se passa com os planos de gestão dastrês áreas protegidas da RBABB (PNO, PNMJVPe AMPC Urok). Em rigor, segundo Filipe Car-doso (Casa da Cultura de Bubaque/RBABB),“estes instrumentos são considerados comoobstáculos incomodativos pelos políticos e fun-cionários envolvidos na expansão do turismo,que querem proteger a sua galinha dos ovosde ouro”. Note-se que os responsáveis da Casada Cultura (RBABB), os membros do IBAP, daUICN Bissau, bem como de diversas ONG,conduzem um trabalho de sensibilização juntodas altas instâncias do Estado para que umPlano Diretor do turismo seja adotado, em res-peito dos princípios da Reserva de Biosfera.

Desde há alguns anos, que existem sinais porparte do Estado de um aumento da vontade degerir o setor turístico. O turismo foi eleito oquarto “setor gerador de crescimento” nosegundo Documento de estratégia nacional paraa redução da pobreza 2011-2015 (DENARP II). Aelaboração e a adoção de uma visão estratégicade desenvolvimento do setor “integrando oprogresso económico e a preservação dosrecursos naturais” é apresentada, no docu-

mento, como a primeira das prioridades estraté-gicas. Resta saber se os recursos institucionais ea vontade política colocarão este tema na ordemdo dia, para que as intenções possam ir paraalém de “wishfull thinking” nesta matéria.

2.2.2. Défice de regulação do turismo

Um certo número de dispositivos regulamen-tares enquadra teoricamente a atividade dosoperadores turísticos sedeados nos Bijagós.

- No plano imobiliário, a “Lei da Terra”, de1998, que reconhece “o usufruto consuetudi-nário da terra” e dá uma série de garantias àscomunidades locais para a fruição dos seusdireitos imobiliários, é considerada “conformeos padrões internacionais a quase todos osníveis” (Bernatets, 2009).

- No plano social, a “Lei do Trabalho” (1997),ainda que imperfeita, garante aos trabalha-dores os seus direitos elementares.

- No plano ambiental, a “Lei-quadro das Áreasprotegidas” foi adotada em 1997, sendo oIBAP responsável pela sua aplicação desde2000. A legislação ambiental referente aoconjunto do território nacional é bem maisrecente, com a adoção em 2010 da “Lei deavaliação do impacto ambiental” e a “Lei debase do ambiente”.

- A legalização de uma empresa turística nosBijagós exige, teoricamente, que um proprie-

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tário obtenha licenças ou autorizações dasautoridades administrativas, do Turismo, doCadastro, do Gabinete de Planificação cos-teira e do IBAP, seguindo uma ordemdeterminada.

Tal como na generalidade dos países africanos,a debilidade do enquadramento regulamentarna Guiné-Bissau não reside tanto nos limites dalegislação, ainda que estes existam, mas nofraco grau de aplicação das mesmas:

- Défice de informação das novas leis, falta deconhecimento das novas leis por parte dosfuncionários, confusão ao nível dos procedi-mentos a respeitar;

- Numerosos procedimentos, confusos e lentose muitos complexos, por vezes, para os inves-tidores externos;

- Défice de coordenação entre os diversos ser-viços e entre os diferentes níveis hierárquicos(local, regional, central) das administrações;

- Os serviços responsáveis por controlar o cum-primento do quadro regulamentar pelosoperadores turísticos (DG turismo, administra-ção territorial, CAIA, IBAP, FISCAP) têm umaenorme falta de pessoal, de capacidade e demeios, nomeadamente em matéria de trans-porte, para executar com êxito a sua missão;

- A nível central e a nível local da administração,o investidor turístico potencial é, em primeirolugar, considerado como uma potencial fonte

de ganhos financeiros e políticos pessoais, aosquais é preciso facilitar a atividade;

- A extrema falta de representação ministerial anível local torna os menos escrupulosos, alvosfáceis da corrupção por parte dos operadoresturísticos; o controlo dos agentes não visatanto aplicar as multas aos prevaricadores,mas sobretudo obter uma “contrapartida” emtroca da sua complacência.

- Existe uma relação de força, no interior doEstado, entre os serviços que fazem dependera autorização de licenças pelo respeito dos cri-térios (IBAP, CAIA) e os que procuram, antesde mais, retirar benefícios económicos dointeresse dos investidores pelo Arquipélago;

- Na ocasião em que pareceres negativos sobreos investidores são emitidos pelos serviçosmais envolvidos (IBAP, CAIA), estes são blo-queados nos níveis hierárquicos superiores,dada a existência de relações entre investi-dores e políticos.

Excetuando as três áreas protegidas (PNO,PNMJVP, AMPC Urok), nas quais o IBAP e osseus parceiros se opõem de forma geral a qual-quer novo empreendimento, a expansão doturismo no Arquipélago dos Bijagós e os seusimpactos sociais e ambientais não estão sob odomínio dos poderes públicos do país. Pior:como reconhece um funcionário do Secretariade Estado do turismo: “os investidores inves-tem onde querem e como querem, e o Estadoestá envolvido nesta irregularidade.”

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Conclusões

Devido à confusão de procedimentos, à falta estrutu-

ral de capacidades institucionais e à tendência dos

proprietários a tirarem proveito das fraquezas da

administração do país, a maioria dos acolhimentos

turísticos nos Bijagós não cumprem suas obrigações

legais, ignorando procedimentos ou ultrapassando

as proibições.

Por outras palavras, os empreendimentos desenvol-

veram-se conscientemente “fora da lei”, jogando

com a inércia da administração e a política do facto

consumado. O reforço anunciado, sob o plano jurí-

dico e financeiro de certos órgãos de controlo (IBAP

e CAIA, em particular), deveriam contribuir para a

evolução da situação. Mas até que ponto?

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OCUPAÇÃO DAS TERRAS ECONFLITOSFUNDIÁRIOS

2

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Oproblema mais sensível gerado pela ex-pansão do turismo no Arquipélago dosBijagós reside no modo de apropriação

das terras pelos candidatos ao investimento eem todo o tipo de tensões que isso gera. Sãofrequentes os terrenos cobiçados, situados nasilhas desabitadas ou nas praias de ilhas habita-das. Ora, estes espaços isolados constituem umlugar crucial na vida social dos Bijagós: por umlado, têm uma função produtiva – as ilhotas sãocultivadas todos os quinze vinte anos, no quadroda cultura de arroz itinerante, enquanto as praiassão lugares para a circulação do gado – e, poroutro lado, uma função cultural enquanto lu-gares sagrados, nos quais se desenrolam as prin-cipais cerimónias que estruturam a organizaçãointerna das comunidades. Contrariamente àsaparências, o menor pedaço de terra emergenteno Arquipélago, pode “pertencer” a uma ta-banca (aldeia) das ilhas vizinhas, o que cria porseu turno um sentimento de forte pertença ede identificação.

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1) O candidato ao investimento identifica,sozinho ou com a ajuda de um representantedo Estado que o passeia pelo Arquipélago, oespaço que lhe parece mais apropriado aotipo de projeto que deseja criar. A este nível,os procedimentos são raramente respeitadosjá que os operadores combinam com frequên-cia, diretamente e em exclusivo, com osadministradores do setor ou os funcionáriosda DG Turismo quando, na verdade, o pro-cesso de concessão é normalmente daresponsabilidade das autoridades regionais ecentrais da administração territorial, devendocumprir um procedimento preciso que inclua,nomeadamente, uma audiência pública e umanúncio emitido pelo IBAP.

2) Os operadores são então convidados pelasautoridades a obter um acordo da comuni-dade proprietária tradicional, que possua osterrenos. A modalidade privilegiada pelosoperadores consiste em comprar o acordo dochefe tradicional, identificado como o “chefeda terra”.11 O pagamento é feito através debens de consumo, destinados quer aosanciãos – seja aguardente de cana, tabaco,vestuário –, quer ao conjunto da comunidade– telhados de zinco para substituir os depalha, canoas motorizadas, escolas ou centrosde saúde. Empregos para os jovens databanca também são prometidos às famílias.

Apesar do cuidado com que os investidores seencarregam de apresentar a sua transação àcomunidade, como uma operação transparentee equitativa, ela é desequilibrada, sob várias

1 /// O NÃORESPEITO PELO

PRINCIPIO DO“ACORDO LIVRE,

PRÉ-ESTABELECIDOE INFORMADO”

É no seio deste território, de dinâmicas estreitase complexas de apropriação dos espaços, queos operadores irrompem para fazer as aquisi-ções do “seu quinhão de paraíso” e para aídesenvolverem as suas atividades. O processode aquisição de terras desenrola-se, normal-mente, da seguinte forma:

11 Chefe da « tabanca » (aldeia) cuja linhagem é proprietária da ilha.

12 « Os Estados consultam os povos autóctones em questão ecooperarão com eles de boa fé, através da intermediaçãodas suas próprias instituições representativas, com vista aobter o consentimento deles, dado livremente e emconsciência , antes da aprovação de qualquer projeto quetenha incidência nas suas terras ou territórios e outros recur-sos, nomeadamente no que toca ao questionamento do seuvalor, utilização ou a exploração dos seus recursos minerais,hídricos ou outros.” Artigo 32 da Declaração das Nações Uni-das sobre os direitos dos povos autóctones.

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perspetivas. Ela coloca face a face os opera-dores - dotados de meios económicos, deapoios políticos e hábeis nas negociaçõescomerciais - e as comunidades enfraquecidas epressionadas por necessidades económicas,mal informadas quanto às implicações a longoprazo sobre as concessões que outorgam, ecrédulas face aos discursos externos.

Nos casos em que as comunidades mostramresistências perante o que elas concebemcomo uma perda de controlo de um territóriogeralmente sagrado e produtivo, as exigênciasdos investidores são apoiadas pelos responsá-veis políticos, que visitam as tabancas paraconvencer os mais renitentes de que “o turismotrará o desenvolvimento”. Se necessário, umtrabalho de persuasão é conduzido paralela-mente junto dos mais jovens da aldeia,convencendo-os de que têm tudo a ganharnesta operação, e levando-os a mobilizarem-secontra a decisão dos mais velhos.

No final, mesmo quando o investidor consegueum acordo escrito pelo chefe da terra, o princípiointernacional reconhecido de “consentimentolivre, pré-estabelecido e esclarecido” não érespeitado na sua essência.12 Qual é o grau deliberdade deste acordo quando um trabalhode persuasão dirigido e pernicioso interferecom os processos de decisão da comunidade?Qual é o grau de informação real da comunidadequando não existe nenhum mecanismo paraverificar a concretização das promessas e a ade-quação entre o discurso ex ante e o projeto tu-rístico dos investidores ex post?

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Estes surgem dado o não cumprimento daspromessas feitas à comunidade pelos promo-tores: compras de pirogas a motor, perfuraçãode poços ou emprego dos jovens das ilhas. Maso seu número e natureza sistemática explicam--se, também, pela diferença de conceção dapropriedade imobiliária entre os operadores eos proprietários tradicionais. Segundo oconceito dos Bijagós tradicionais, a proprie-dade coletiva das terras não é transferível atítulo definitivo. Os terrenos são postos regular-mente à disposição das outras tabancas por umdeterminado período de tempo e em contra-partida de uma retribuição determinadas masos direitos tradicionais de propriedade são ina-lienáveis.

2 /// CONFLITOSEM CASCATA E

PRESSÃOFUNDIÁRIA

Esta inscrição do turismo no território bijagó éfonte de inúmeros conflitos no interior dascomunidades bem como entre elas, os recém-chegados e os administradores locais. A pontode Felipe Cardoso, da Casa de Ambiente e Cul-tura em Bubaque, estimar que “nenhumprojeto turístico conseguiu erguer-se sem gerarconflitos.”

“nenhum projetoturístico conseguiuerguer-se sem gerarconflitos.”

2.1 CONFLITOSENTRE PROPRIETÁRIOSTRADICIONAIS EINVESTIDORES

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Pelo contrário, para o investidor estrangeiro, aterra muda de mãos desde que um papel sejaassinado e que uma contrapartida material sejaconsentida. Ávidos de tirar lucro das riquezasde um recém-chegado, as autoridades doEstado nada fazem para dissipar os mal enten-didos. Ao fim de algum tempo, logo que asofertas do investidor deixam de existir e assimque a comunidade percebe que as promessasnão se concretizarão, ou que ela entende que oinvestidor já retirou lucros suficientes da ativi-dade gerada nas “suas” terras, a comunidadejulga que o direito de utilização do operadorterminou. Espera, por isso, que este forneçanovas contrapartidas ou que a comunidadelocal recupere legitimamente os seus direitosde utilização dos espaços e dos recursos natu-rais cedidos. Daqui resultam tensõesextremamente violentas entre os operadores eos proprietários tradicionais.

Estas tensões são dificilmente evitáveis, dada anatureza expansionista da atividade turística: ocrescimento do volume da atividade e a diver-sificação da oferta exigem dos operadores queeles aumentem as suas infraestruturas e querenovem regularmente o seu cardápio de ativi-dades, propondo novas ilhotas a visitar (depreferência as mesmas oferecidas pelo opera-dor vizinho), novos circuitos de trekking, águasmenos exploradas para prática de pesca des-portiva, em suma, expandindo-se sempre cadavez mais nos territórios que constituem a baseda vida económica e cultural dos Bijagós.

As contrapartidas concedidas pelos promotoressão raramente feitas de forma transparente einclusiva. A estratégia dos investidores consistefrequentemente na aproximação ao chefe dasterras ou aos anciãos, subornando-os paraobter o seu envolvimento por escrito. Os mem-bros das outras famílias sentem-se entãolesados e denunciam esta concessão, que ape-nas beneficia os chefes e as suas famílias. Comojá foi referido, os promotores não hesitam emdividir as aldeias, colocando os que são maisfavoráveis contra os mais renitentes ao projeto.

A um outro nível, diversas ilhotas desabitadasdo Arquipélago dos Bijagós são objeto de umaforma de gestão tradicional, que envolve mais

2.2 DIVISÕES NOINTERIOR DASCOMUNIDADESBIJAGÓS

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do que uma tabanca: a propriedade da ilha épartilhada por diversas tabancas, ou umatabanca proprietária de uma ilha empresta-a aoutra para que esta aí realize qualquer atividadeprodutiva. A perspetiva de obter um ganhomaterial rápido leva algumas famílias a apro-priarem-se unilateralmente de terrenos e avendê-los sem consultar as outras tabancas.Estas últimas, trate-se de proprietárias tradicio-nais, coproprietárias ou utilizadoras, assim quedescobrem a existência da transação, reclamama sua parte da “contrapartida”, ou exigem aanulação da concessão. Seguem-se entãoconflitos sem fim entre famílias, tabancas e clãspara determinar quem tem o direito legítimo àsterras ocupadas pelo projeto turístico.

RUBANE :

PARAÍSOTROPICAL E …PARADIGMADO TURISMOCONFLITUAL

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Situada no centro do Arquipélago dos Bijagós, em frente à ilha de Bubaque, a ilha de Rubaneé uma ilha sagrada pertencente aos habitantes da tabanca de Bijante, situada na ilha deBubaque, membros do clã Oracuma. Parcelas da ilha são também utilizadas tradicionalmentepara fins de cultivo de arroz itinerante por habitantes de outras aldeias da ilha de Bubaque,

membros de outros três clãs do Arquipélago (Ogubane, Oraga e Ominca). A mesma ilha de Rubanetambém possui importantes trunfos turísticos: em primeiro lugar, a sua localização - apenas a algumascentenas de metros do porto de Bubaque (o único local do Arquipélago que dispõe de uma ligaçãomarítima com Bissau) – mas também o seu caráter “aparentemente” desabitado - dado que não exis-tem aldeias permanentes – e ainda as suas praias de areia fina – que fazem desta ilha o sonho doturista ocidental. A ilha despertou, como é natural, muito cedo, a cobiça dos operadores turísticos.

Desde os anos 80, que os empreendimentos turísticos se estabeleceram na ilha de Rubane: “O Tuba-rão” e “O Acaja”. O proprietário de O Tubarão, Gilles Malvielle, de nacionalidade francesa, teráprometido à tabanca de Enene (Bubaque), tradicional utilizadora da zona onde ele instalou o seuhotel, o fornecimento de uma certa quantidade de arroz. Contudo, ele não manteve as suas promes-sas. Após vários anos, Malvielle decidiu vender o seu hotel. A população de Enene opôs-se,afirmando que a venda não poderia ocorrer até que Malvielle saldasse a sua dívida. A este conflitoentre o operador e os habitantes da tabanca de Enene juntou-se um outro, entre estes últimos e oshabitantes da tabanca de Bijante, pois estes defendem que a totalidade da ilha de Rubane lhes per-tence, e que nenhuma outra tabanca pode selar um acordo sem o seu consentimento.

A situação não se resolveu com o operador francês, denominado “Solange”, a quem Malvielle ven-deu o seu espaço no início dos anos 2000. Aquela operadora fez grandes investimentos visandooferecer uma infraestrutura de “standing”: o Hotel Lodge Pont Anchaca. O investidor concluiu umnovo acordo com a tabanca de Enene para ocupar até 80 hectares da ilha de Rubane, a troco do for-necimento de telhados de zinco e o pagamento de carpinteiros. Os telhados foram efetivamentefornecidos, mas isso apenas contribuiu para redobrar as tensões entre Enene e Bijante, já que estaúltima afirma que o acordo deveria ter-lhe igualmente rendido benefícios.

Paralelamente, as outras aldeias de Bubaque que exploram parcelas em Rubane deixaram de teracesso direto às suas terras, perante a extensão da propriedade de “Solange”. Entraram assim emconflito com Solange, depois com os habitantes de Enene, que permitiram a extensão da proprie-dade. A tensão aumentou ainda mais de tom em 2010, quando circulou o boato de que Solangetencionava vender a investidores estrangeiros os bungalows que havia construído.

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A uma escala mais global, a aquisição de terraspelos operadores turísticos contribui para odesenvolvimento de uma competição “porantecipação”, entre as comunidades em voltadas terras que são mais suscetíveis de interessaraos investidores turísticos. Esta competição tra-duz-se por lógicas de apropriação oportunistadas terras (a pretexto que “pertencem aos seusantepassados”), apenas com o objetivo de asrevender a posteriori. Na ilha de Bubaque,onde se concentra a maioria das exploraçõesturísticas, a dinâmica da urbanização associadaà atividade turística traduz-se num forteaumento da pressão imobiliária e uma inflaçãodo preço dos terrenos. Como prova o relatóriode uma missão efetuada in loco, pela inspeção--geral da administração territorial, as tensõesem torno dos direitos de propriedade de terrassão extremamente frequentes (República daGuiné Bissau, 2010).

Além disso, à medida que esta pressão imobi-liária ganha intensidade e se estende àtotalidade do Arquipélago, constitui também ofermento de tensões étnicas potenciais não sóentre as comunidades dos Bijagós, mas tam-bém entre estes últimos e outras etniasresidentes no Arquipélago.

A valorização dos terrenos e a multiplicação doscandidatos à sua aquisição incitam os adminis-tradores do setor a ceder terras sem sequerconsultar os proprietários tradicionais, para seaçambarcarem da totalidade dos lucros da atri-buição da concessão. Em Bubaque, diversasfamílias afirmam ter sido espoliadas pelo admi-nistrador sectorial (República da Guiné Bissau,2010). Refira-se que este comportamento pre-datório dos administradores resulta, em grandeparte, do facto destes não terem recursos e sesentirem abandonados pelo Estado.

Um dos impactos negativos imediatos destasituação traduz-se, por um lado, no aumento dofosso entre as comunidades locais e as autori-dades administrativas do setor e das região, eacentuando, por outro, o descrédito das autori-dades públicas no seio dos habitantes das ilhas.

2.3 CONFLITOS ENTREADMINISTRADORES E HABITANTES

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Conclusão

As operações de aquisição das terras pelos opera-

dores turísticos nos Bijagós não seguem, na prática,

o princípio do “consentimento livre, pré-estabelecido

e esclarecido” promovido à escala internacional.

A maior parte dos operadores joga com as necessi-

dades locais de todo o género e a ingenuidade dos

habitantes para atingir os seus fins, aproveitando-se

da fragilidade dos direitos locais de propriedade e de

usufruto das terras. Por um lado, conflitos interminá-

veis ocorrem no seio das comunidades – entre

famílias, tabancas e clãs - e, por outro, entre habi-

tantes e operadores. A mercantilização das terras

associada ao turismo cria uma dinâmica de competi-

ção pelas terras produtivas, o que constitui um vetor

de conflitos potenciais a médio prazo.

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IMPACTOSSÓCIO-ECONÓMICOS:UMA OPERAÇÃOGANHADOR-PERDEDOR

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Odesenvolvimento do turismo éconsiderado pelos governos eorganizações internacionais como

uma via ideal de desenvolvimento eco-nómico para os países pobres, atraindo,dizem, investimentos, gerando empregos,atividades em cascata e entrada de divisasestrangeiras mediante investimentos re-lativamente ligeiros. Com o aumento daimportância das questões éticas asso-ciadas ao turismo, o discurso internacionalabsorveu progressivamente uma sériede nuances: os retornos socioeconomicospositivos do turismo não são automáticos,dependem do tipo de inserção da em-presa turística no tecido social e econó-mico local.

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Nos Bijagós, tanto os operadores como ospolíticos locais apresentam a implantação dosnovos empreendimentos turísticos como umaoperação de “ganhos para ambas as partes”,da qual as comunidades locais são globalmentebeneficiárias. Além de bens de consumo, acomunidade que cede o terreno numa praia ounuma ilhota desabitada irá beneficiar daatribuição de empregos para os jovens databanca, financiamento para certos serviçossociais, a prestação de uma série de serviçosgratuitos pelo operador (transporte de doentes,etc.), possibilidade de vender artesanato eprodutos alimentares. Esta forma de apresentara situação exerce uma forte atração em muitoshabitantes locais.

O exame crítico das experiências de turismodesenvolvidas nos últimos 15 anos no Arquipé-lago convidam a questionar este balanço,aparentemente positivo para as comunidadeslocais.

1 /// IMPACTOSSOBRE ODESENVOLVI-MENTO LOCAL

O QUE A COMUNIDADE GANHA

Geralmente✸ bens materiais : canoa a motor, placas de

zinco, medicamentos, casca de cana, ta-baco;

✸ um certo número de postos de trabalho (ma-rinheiros, jardineiros, mulheres de limpeza).

Nalguns casos✸ dinheiro em espécies;✸ equipamentos coletivos : poços, escola,

centros de saúde;✸ serviços diversos : transporte de doentes,

visitas médicas; ✸ ganhos monetários em consequência da

venda de artesanato, de legumes e pe-queno gado.

O QUE A COMUNIDADE PERDE

✸ controlo sobre as terras garante da independência económica e cultura dascomunidades;

✸ coesão social indispensável à gestão daprodução como à das estruturas coletivas;

✸ interesse dos jovens pelas atividades produtivas tradicionais;

✸ solidariedade e coesão comunitárias, fatores determinantes para o equilíbrio coletivo e individual na sociedade Bijagó;

✸ sistema tradicional de solidariedade socialbaseado na responsabilidade partilhadaentre as classes existentes nas sociedadestradicionais Bijagós.

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Os aspetos que retivemos para avaliar a contri-buição do turismo no desenvolvimento doArquipélago dos Bijagós cobrem a lista dossete mecanismos elaborados pela OrganizaçãoMundial do Turismo no quadro do programa“Tourism and Poverty Alleviation: Recommen-dations for Action”. Estes mecanismos nãocorrespondem, contudo, a tentativas progres-sistas “ambiciosas”, mas a normas mínimas,consensuais a nível internacional.14

1. Nenhum proprietário ou gerente bijagóAntes de mais, recorde-se que nenhuma explo-ração turística é detida ou gerida por habitantesdo Arquipélago.

2. Promessas não cumpridasEm numerosos casos, as promessas de contra-partidas em bens materiais ou em empregos,feitas pelo operador, não foram cumpridas ouforam-no apenas parcial ou temporariamente.A frequência desta situação de abuso deconfiança nos Bijagós é favorecida pela ausên-cia de mecanismos institucionais imparciais de

fiscalização do respeito pelo contrato realizadoentre o operador e a comunidade.

3. Bens materiais não duráveisOs bens materiais atribuídos pelos operadorestêm uma durabilidade limitada: três a cincoanos no que se refere às folhas de zinco, dois atrês anos para o motor de uma canoa. A espe-rança de vida dos motores das canoas torna-semais curta até porque não existe nenhumaestrutura para reparar a mesma in loco.

4. Projetos sociais mal concebidosAlguns operadores financiam obras de solida-riedade nas tabancas vizinhas – escola, centrode saúde, poços. A eficácia destes “projetos”deve ser vista com precaução. A grande maioriaé implementada de forma assistencialista e visa,antes de mais, a obtenção da adesão da popu-lação local à implantação turística. Ora, aconstrução de uma escola ou de um centro desaúde não se improvisa, exige um trabalho depreparação e de responsabilização das comuni-dades beneficiárias que não existe nestes

1.1 BENEFÍCIOSLIMITADOS E NÃOSUSTENTÁVEIS13

13 O Hotel Orango escapa grandemente ao perfil de operadorturístico típico que é descrito nesta parte do estudo. Para maisinformações sobre o projeto Orango, ver parte VII.2.

14 Estes sete mecanismos são os seguintes : 1) Emprego dos pobres nas empresas turísticas 2) Distribuição de bens e serviços às empresas turísticas pelos pobres3) Venda direta de bens e serviços aos turistas pelos pobres

(economia informal)4) Estabelecimento e gestão de empresas turísticas pelos pobres5) Fiscalidade sobre a atividade turística que gere vantagens

para os pobres

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b) Os empregos atribuídos aos Bijagós desti-nam-se sobretudo a lugares subalternos:jardineiros, mulheres de limpeza, seguranças.Os escalões mais altos são monopolizadospelos estrangeiros, a maior parte francesesou senegaleses: guias, cozinheiros, marinhei-ros, mecânicos, gerentes, rececionistas, etc.

c) Os salários recebidos pelos autóctones dosBijagós são extremamente baixos: entre15 000 FCFA (23 euros) e 20 000 FCFA (30euros) por mês. Acrescente-se que os contra-tos, quando existem, são sazonais, cobrindoos seis a sete meses de duração da épocaturística. Os trabalhadores não têm qualquersegurança de voltar a ser contratados naépoca seguinte. A assimetria da relação detrabalho é reforçada pela ausência de qual-quer forma de organização entre ostrabalhadores.

d) Excetuando o Orango Parque Hotel, nenhumpromotor investiu na formação de emprega-dos Bijagós.

6. Retornos económicos indiretos limitadosUm certo número de profissões e de atividadesnasceu ou desenvolveu-se graças aos produtosoferecidos pelos empreendimentos turísticos ea presença de turistas: nomeadamente guias,tradutores, artesãos (esculturas), carvoeiros,pescadores, fazendeiros, locatários de bicicletasde montanha. Segundo Bernatets (2009), estesretornos económicos indiretos são, contudo,limitados porque por um lado “a maioria dos

“presentes” de interesse. No final, a maiorparte dos equipamentos coletivos oferecidospelos operadores funcionam de forma defei-tuosa, dada a falta de pessoal qualificado e aausência de estruturas de gestão. Quando nãoestão totalmente desfasadas em relação à cul-tura local, como é o caso do orfanato financiadopelo operador turístico da ilha de Quéré.

5. Empregos diretos pouconumerosos e precários

A criação de empregos locais diretos é, regular-mente, anunciada pelos operadores, como aprova tangível da sua contribuição para o desen-volvimento económico do Arquipélago dosBijagós. O facto é que a atividade turística geracerca de 250 empregos diretos nos Bijagós.15

Mas de que empregos e de que tipo de empre-gos se trata precisamente?

a) Antes de tudo, só uma parte dos empregoscriada diretamente pelos operadores é atri-buída às comunidades Bijagós. A únicainvestigadora a realizar um inquérito de ter-reno sistemático sobre este assunto, ClaireBernatets, avaliou esse número em cerca de50% em Bubaque. Se extrapolarmos a esti-mativa à escala do Arquipélago, estaconstitui 125 empregos para uma populaçãoque ronda os 30 000 habitantes. No caso deBubaque, a ilha onde a dinâmica social émais perturbada pela expansão do turismo,isto representa 75 empregos diretos porcerca de 8 000 habitantes, ou seja, umemprego por cada 110 pessoas.

15 Avaliação do consultor a partir de bases de dados de Bernatets (2009) e Deheuninck (2005).

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produtos manufaturados alimentares vêm dacapital (Bissau),“exceção feita a alguns produ-tos frescos (peixes, legumes) que são objeto decontrato negociado no início da época turísticaentre hoteleiros e produtores/as. Por outro lado“os serviços são reduzidos dado que os turistaspermanecem em geral no interior da estruturahoteleira escolhida e saem pouco do circuitopré-definido”.

1. Perda de património imobiliárioAs terras que as tabancas cedem aos opera-dores turísticos têm funções precisas nasestratégias tradicionais de subsistência dos Bija-gós. No quadro do cultivo de arroz itinerante,as terras são cultivadas a intervalos regulares,incluindo nas ilhas desabitadas. A perda destasterras reduz a superfície de terras exploráveis eaumenta assim a pressão agrícola sobre as res-tantes, provocando uma redução do tempo depousio e uma diminuição da fertilidade dossolos. A médio prazo, a capacidade de produ-ção de arroz, já muito reduzida pela expansãoda produção de caju, entrará em declínio. Daíresulta uma diminuição da taxa de autossufi-ciência alimentar dos Bijagós.

2. Perda de coesão socialA coesão interna das tabancas é a primeiracondição para um desenvolvimento sócio-eco-nómico local equilibrado. As tensões e adesconfiança mútuas, resultantes da venda deterras, minam a organização interna das ativi-dades produtivas (repartição de terras, tarefas

1.2 PERDASINCALCULÁVEIS E

DIFICILMENTE REVERSÍVEIS

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52

coletivas, gestão de recursos, etc.). Além disso,comprometem a perenidade dos projetossociais e económicos, sendo que a boa condu-ção dos mesmos exige a implantação in loco deuma estrutura de gestão coletiva (cooperativade produção/comercialização, poços, escolas,centros de saúde, etc.).

3. Mudanças nas relações de trabalhoTrabalhar apenas uma época afasta os jovensda atividade agrícola. Este processo de aban-dono do trabalho agrícola não seriaproblemático se o setor do turismo oferecesseuma alternativa económica viável para ummaior número de pessoas. O que não é o caso.

A longo prazo, o balanço económico da expan-são do turismo para a população local revela-seglobalmente negativo. O discurso disseminadopelos funcionários do Estado, anunciando que“o turismo cria empregos, escolas, cuidados desaúde, em resumo, desenvolvimento” é fala-cioso. O turismo, tal como se tem desenvolvidono Arquipélago, assemelha-se, antes de tudo, auma “ilusão do desenvolvimento”: a maiorparte do tempo os benefícios sócio-económi-cos que se apregoam às comunidades não seconcretizam (promessas não cumpridas), sãoefémeros (motores, telhados de zinco) ou pre-cários (empregos). Em muitos casos, ao fim dealguns anos, entre os habitantes apenas sub-siste a discórdia e a impressão amarga de teremsido enganados.

Os retornos monetários, que surgem de algunsdos empregos eventuais no setor turístico, nãocompensam a perda de terras e de coesãointerna. Por um lado, estes empregos estãoreservados a uma minoria, e por outro, ao tro-

1.3 “A ILUSÃO DODESENVOLVIMENTO”E O CRESCIMENTODAS DEPENDÊNCIAS

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53

carem terras produtivas por um salário, ascomunidades colocam-se numa situação dedupla dependência face a mercados particular-mente incertos:

- O mercado turístico. Por razões já evocadas, aatividade turística nos Bijagós é altamente ins-tável. Esta desabou completamente duranteos conflitos político-militares de 1998-1999 edemorou alguns anos a recuperar. Atualmente,diversos empreendimentos estão à venda e ouà beira da falência, dada a recessão econó-mica nos países industrializados e o aumentodos preços do petróleo. Exemplos de outrospaíses mostram que os ex-trabalhadores doturismo têm enormes dificuldades em voltar aencontrar trabalho no seio de atividades eco-nómicas tradicionais.

- O mercado alimentar. Ceder terras implicaproduzir menos arroz e assim comprar, poroutro lado, arroz importado. Ora, o preço doarroz nos mercados internacionais está em altadesde há alguns anos, diminuindo substancial-mente a quantidade que um “pequeno”salário permite comprar.

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2 /// IMPACTOS SOBRE ODESENVOLVIMENTO NACIONAL

• A articulação do setor turístico dos Bijagós notecido económico nacional é extremamenteténue. Como os setores industrial e agroin-dustrial são quase inexistentes naGuiné-Bissau, isso implica que a maior partedo equipamento utilizado e dos bens consu-midos nos empreendimentos turísticos sejamimportados, incluindo uma boa parte dos pro-dutos alimentares (arroz, farinha, açúcar, óleo,etc.). Este facto tem um reduzido efeito nodesenvolvimento da economia local, dada acompra de produtos importados, mas tam-bém o repatriamento dos lucros para ospaíses de origem dos investidores (as socie-dades são quase todas detidas poroperadores estrangeiros).

• A participação do setor turístico nas receitasdo Estado é praticamente insignificante. Teo-ricamente, as taxas aplicáveis às empresas deturismo (18, 21% ou 23% de acordo com o tipode empresa) são canalizadas para um “fundodo turismo”. Vinte por cento é distribuído aofisco, 25% financia os custos de pessoal da DGde turismo e 50% destina-se ao desenvolvi-mento do setor. O sistema de cobertura dosimpostos tem um funcionamento de tal modofraco, que este fundo é virtualmente inexis-tente (English e al., 2009). É bem evidente queuma parte substancial, ainda que difícil de ava-liar, de taxas e de impostos pagos pelosoperadores não reverta para os cofres doEstado. Uma situação que resulta da ausênciade uma política fiscal coordenada.

A contribuição dos operadores turísticos para o desenvolvimento nacional é igualmente discutível.

Page 57: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

Conclusões

O desenvolvimento do turismo nos Bijagós não é um

bom negócio, nem para as comunidades locais, nem

para o país no seu conjunto. Precárias ou reservadas

a uma minoria, as vantagens monetárias e materiais

que ele gera não compensam o enfraquecimento de

dois pilares do desenvolvimento endógeno: a coesão

social e a soberania sobre os territórios, indispensá-

veis à segurança alimentar local. A longo prazo, a

volatilidade do setor turístico coloca as comunidades

numa situação de dependência altamente arriscada.

Por seu turno, os operadores, longe de se

comprometerem de forma verdadeiramente favorável

ao desenvolvimento local, jogam com a informalidade

local e as pressões económicas a que os autóctones

estão sujeitos, para desenvolver os seus negócios a

menor custo (mão de obra barata, fiscalidade

deficiente, etc.). O recurso maciço a produtos de

importação torna o impacto desta atividade sobre a

economia nacional negligenciável.

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IMPACTOSCULTURAIS: ENTREMERCANTILIZAÇÃOE DESVALORIZAÇÃODA CULTURABIJAGÓ

4

Page 59: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Acultura e o património ocupam um lugarcrescente no seio do discurso internacio-nal no âmbito do turismo. Em reação ao

turismo de massas e à sua oferta padronizada,a dimensão “cultural” da procura turística estámobilizada, o que pressupõe a descoberta dadiferença, a procura da autenticidade, o “verda-deiro” encontro com a população local. Aorientação conservacionista do novo discursoda Organização Mundial do Turismo (OMT) nãose refere apenas à natureza, mas também àsidentidades culturais. O turismo já não podedestruir as diferenças mas, pelo contrário, devecontribuir para a sua preservação.

Como referido anteriormente, a originalidadedo património cultural bijagó e o seu grau depreservação, associado ao isolamento das ilhas,corresponde a este novo código mundializadodo turismo e às expectativas dos viajantes.Operadores e peritos do turismo, que cedofizeram desta tipicidade um argumento paravender o produto a nível internacional, tendema sobredimensionar as componentes “isolada”e “virgem” das comunidades Bijagós, o seulado “rude” (Petit futé, 2007), “inexplorado”,“exótico” (operador turístico), ou a “autentici-dade misteriosa dos costumes locais” (Hau eal., 2008).

Os folhetos turísticos e os locais anunciadosmostram claramente esse cenário: a identidadecultural bijagó é um trunfo de marketing, aindaque seja enunciada após a pesca, os hipopóta-mos, as praias e … as massagens e tratamentosde beleza.

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Em 1996, a sociedade italiana Arquitur construiu, apedido do Ministério do Turismo, um complexohoteleiro de grande dimensão numa praia da ilha demaio, no norte do Arquipélago. O “Hotel demaio”invadiu, contudo, uma ponta fanado, umlugar sagrado tradicionalmente ocupado por ritosde iniciação pela tabanca vizinha de Botai. As ceri-mónias iniciáticas de passagem (mudança de idade)já não puderam ocorrer nesse local, perturbando adinâmica da vida interna da aldeia. As frustraçõesentre os jovens degeneraram numa recriminaçãoaos mais velhos que aceitaram demasiadamentedepressa ceder as terras ao investidor italiano.Desta forma, o conjunto do sistema de direitos edeveres entre gerações foi posto em causa.

HOTEL DE MAIO

O TURISMOCOMO

OBSTÁCULODIRETO À

REPRODUÇÃO DAORGANIZAÇÃOSOCIAL BIJAGÓ

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A encenação turística da cultura bijagódesemboca no descrito por Duterme (2008): acultura local é filtrada e adaptada pelo operadorpara responder às expectativas dos turistas,visando corresponder aos clichés ocidentais do“primitivo”. Preferir-se-ão as aldeias de tetos depalha às de telhados de pano, os trajestradicionais (atualmente quase só reservados àscerimónias tradicionais) aos ocidentais. Arecuperação mercantil da identidade bijagóatinge o seu pleno no Hotel Ponta Anchaca,onde se evoca recorrentemente o carátersagrado dos lugares visando criar umaatmosfera pseudo – mística destinada aencantar o visitante.

A valorização financeira pelo operador turísticode uma cultura bijagó fantasiada está em totalcontradição com a desvalorização social dacultura bijagó real na qual desemboca aatividade turística. Com efeito, os lugares maispromovidos –ilhas desabitadas e praias desertas– são geralmente lugares sagrados. A suaocupação pelos estrangeiros não é trivial, gera

fortes repercussões na vida sociocultural Bijagó,dado que a sacralidade é um processo deorganização do espaço e um fator de unificaçãoe de coesão sociais que permitem amanutenção do grupo, das suas característicasculturais, religiosa e simbólicas (Bernatets,2009). Ao corromper os feiticeiros e os anciãos,convencendo-os a dessacralizar um local emtroca de um motor de canoa ou algumasgarrafas de rum, em despromover um lugarsagrado a uma estação de lazer, o investidordestrói um pilar estruturante dasrepresentações dos Bijagós e alimenta conflitosentre famílias, gerações e tabancas.

Mais globalmente, a apropriação do territóriorealizada pelos atores turísticos, que consisteem certa medida numa desflorestação doslugares “mais selvagens”, “os maispreservados”, “os menos frequentados”,parece dificilmente compatível com aapropriação estritamente codificada e reguladado território segundo os padrões dos atoresBijagós. A utilização dos espaços pelo turista écomandada pela sede ilimitada de descobertas,de aventuras, de novos estímulo. A dos Bijagósobedece a preceitos religiosos traçando limites,fronteiras, restrições: alguns bosques, algumaspraias, algumas ilhas apenas são acessíveis acertas gerações, quer se trate de homens ou demulheres, apenas em certas alturas do ano, paraaí se realizarem determinadas cerimónias. Acosmogonia bijagó está enraizada na gestão doterritório, a colonização turística provoca umaprofunda perturbação nas suas referênciasculturais.

Page 62: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Não que esteja em causa considerar a culturabijagó como uma cultura que funciona emcírculo fechado, da qual se deveria conservar ostraços. Ela está em permanente mutação etransforma-se cada vez mais rapidamentedesde há cerca de 20 anos, na sequência doreforço das trocas com a capital, das migrações,da disseminação da rádio, da chegada dasONG, etc. O turismo não é mais do que umvetor entre outros desta aculturação em curso,ou seja, da renegociação dos valores e regrasinternas sob a influência de modelos externos àsociedade bijagó. O problema do turismodescontrolado é que ao minar a coesão social eo controlo do território, impede a sociedadebijagó de fazer uma transição cultural semperder a sua identidade. Ironia da história,frisada por Pierre Campredon (conselheiro daUICN-Bissau): “este turismo promove adestruição daquilo que os operadoresapresentam como um trunfo maior do seuproduto turístico.”Nos Bijagós, à semelhança de outros países doSul, o “contacto” entre visitantes e osautóctones gera por seu turno um conjunto deefeitos perversos. A tendência, dissimulada oubem intencionada, dos turistas de daremprendas nas aldeias que visitam promove odesenvolvimento de uma atitude assistencialistado exterior. Em Bubaque, pólo de atração paraos jovens do Arquipélago insatisfeitos com avida nas aldeias, a presença dos turistascombinada com a fraca capacidade deabsorção do setor turístico contribuem para o desenvolvimento de comportamentosdesviantes tais como o roubo, a mendicidade,

a prostituição, o tráfico de drogas. Estes efeitosperversos, ainda relativamente limitados,poderão crescer com o tempo e com oaumento do fluxo de turistas.

A valorização financeira pelo operador turísticode uma cultura bijagó fantasiada está em totalcontradição com a desvalorização social dacultura bijagó real na qual desemboca aatividade turística. Com efeito, os lugares maispromovidos –ilhas desabitadas e praias desertas– são geralmente lugares sagrados. A suaocupação pelos estrangeiros não é trivial, gerafortes repercussões na vida sociocultural Bijagó,dado que a sacralidade é um processo deorganização do espaço e um fator de unificaçãoe de coesão sociais que permitem amanutenção do grupo, das suas característicasculturais, religiosa e simbólicas (Bernatets,2009). Ao corromper os feiticeiros e os anciãos,convencendo-os a dessacralizar um local emtroca de um motor de canoa ou algumasgarrafas de rum, em despromover um lugarsagrado a uma estação de lazer, o investidordestrói um pilar estruturante dasrepresentações dos Bijagós e alimenta conflitosentre famílias, gerações e tabancas.

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Conclusões

A cultura dos Bijagós não só é instrumentalizada mas

também desestruturada pelos operadores turísticos.

Por um lado, a ênfase dada às “tradições autênticas

das populações locais” (sem consulta a estas últimas)

visa seduzir o turista ocidental que busca a autentici-

dade e, por outro lado, estas mesmas tradições são

corrompidas assim que os chefes locais são incitados

a vender os espaços mais sagrados das suas comuni-

dades. A lógica de apropriação dos espaços pelo

turista, guiado pelos seus “sonhos” e “sede” de

“descobertas” é dificilmente compatível com a dos

locais, ritmada pelos interditos e tabus de uma cultura

profundamente associada à sacralização do território.

A desapropriação territorial e cultural que se lhe

segue abala por longo tempo as estruturas internas

da sociedade bijagó e mina a sua capacidade de gerir

coletivamente a mudança social em curso.

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IMPACTOSAMBIENTAIS:COMPORTAMENTOSAMBÍGUOS

5

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Oreduzido número de habitantes dos Bi-jagós e a rara predominância de estru-turas de acolhimento turístico permitiram

até agora preservar o Arquipélago da degrada-ção ambiental maciça, ao contrário do que seconstata em países como o Senegal, que optoupela via do turismo de massas: destruição dostarrafes, desmatamento, esgotamento dos re-cursos naturais, poluição a grande escala, de-gradação da paisagem, etc. As principais amea-ças ambientais que pesam atualmente sobre oArquipélago não estão associadas ao turismomas às práticas piscatórias artesanais estrangeiras(senegalesas, guineenses, serra-leonesas), quepraticam uma remoção em massa e indiscrimi-nada das reservas pesqueiras e estabelecemacampamentos em algumas ilhas onde exploramde forma abusiva os tarrafes.

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Os operadores afirmam que “sendo o caráterpreservado do Arquipélago o nosso principaltrunfo no mercado turístico, é do nossointeresse comercial contribuir para esse fim.”Lógica à primeira vista, esta afirmação mereceser analisada. Antes de mais os operadoresinscrevem-se numa lógica de rentabilidade acurto prazo, ditada nomeadamente pelaprecariedade da sua situação legal. Osimpactos de longo prazo das suas atividadessobre os ecossistemas têm uma importânciareduzida.16 Constata-se, na sequência disso,uma forma de seletividade nas precauçõestomadas pelos operadores: os aspetosambientais importantes para a sua atividade – apopulação pesqueira, as paisagens -, recebemantes de tudo mais a sua atenção, mesmo queoutros aspetos menos vitais para o seu negóciopossam ser, contudo, essenciais para osprocessos ecológicos locais.

O plano de gestão da Reserva de Biosfera éclaro: “muitas práticas dos operadores da zonaestão em contradição com os objetivosprincipais da Reserva” (INEP, 2007). Ironia dasituação, o rótulo de “Reserva de Biosfera” dosBijagós é valorizado comercialmente por estesmesmos operadores para atrair clientes

16 No plano da relação ambiental, o 'Hotel Orango distingue-se,mais uma vez, claramente dos outros operadores instaladosno Arquipélago. Para mais informações sobre o projetoOrango ver parte VII.2.

Page 67: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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1) Implementação de estruturas turísticas emzonas ambientais sensíveis, geralmenteilhotas (Quéré, Ancurai, Acunda, JoãoVieira, Galo)

- Arranque de uma parte mais ou menosextensa da vegetação original;

- Intervenções na estrutura dos locais naturais,o que tem um impacto negativo sobre a vidadas espécies que os utilizam como lugar derefúgio e de reprodução;

- Incumprimento dos procedimentos legais noplano ambiental: ausência de estudos deimpacto ambiental;

- numerosas estruturas turísticas abandonadasdevido a falências (ver mapa) parte não des-manteladas, degradando-se progressivamente;

2) Poluição e perturbação dos ecossistemas

- derrame de efluentes diretamente no mar;

- derrame de dejetos nos depósitos “ilegais”,por vezes perto do mar (Bubaque);

- derrame de alguns dejetos (garrafas de vidroroubadas) diretamente no mar;

- Para onde são destinados os resíduos da eva-cuação / tratamento dos dejetos mais po-luentes: óleo de esvaziamento, ácidos de ba-terias, produtos químicos, sacos de plástico,etc?

- Vedetas geralmente equipadas com motor dealta potência (2x60CV, 2x75 CV), o que inevita-velmente tem um impacto sobre a faunamarinha.

3) Ambiguidade relativamente às ÁreasMarinhas protegidas

Os pescadores desportivos são particularmenteatraídos pelas três Áreas Marinhas Protegidas,uma vez que as suas águas possuem as maioresquantidades de peixe do Arquipélago, estandoo seu acesso interdito aos pescadores comer-ciais.

1 /// IMPACTOS DIRETOS

Page 68: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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- Os pescadores desportivos têm, contudo, deadquirir uma licença de entrada (1000 FFA/porpessoa, dia) e uma licença de pesca (5000FCFA/por barco, dia). Contudo, os montantessão reduzidos face aos custos da gestãodestes parques, bem como face ao volume denegócios dos clubes. O que não impede quealguns operadores fujam, ainda assim, aopagamento.

- Uma parte dos pescadores desportivos (difícilde quantificar) não respeita verdadeiramenteas regras em matéria de pesca desportiva nasAMP e penetra na zona nº1 que lhes está nor-malmente interdita.

- Alguns pescadores desportivos contribuempara o controlo das áreas marinhas preve-nindo os funcionários do IBAP quando ospescadores comerciais penetram na zona.

- Segundo Pierre Campredon (UICN) “constata-se, contudo, alguns sinais de evolução doscomportamentos por parte de alguns opera-dores: a generalização da pesca de no kill (osespécimes capturados são devolvidos aomar), o equipamento utilizado é de motor de4 tempos”.

4) No plano institucional, duas evoluçõesimportantes poderiam alterar este cenário

- O reforço previsto dos meios do IBAP deveriapermitir melhorar o controlo da pesca despor-tiva nas AMP.

- Desde 2010 aquando da adoção da Lei daavaliação do impacto ambiental, que todos osnovos projetos de infraestruturas hoteleirasestão subordinados à realização de um Estudode impacto ambiental. Os estabelecimentos jáoperacionais devem por seu turno realizaruma avaliação de impacto ambiental. A jovemequipa da CAIA (Célula de avaliação dosimpactos ambientais) parece determinada asubmeter o conjunto dos empreendimentosdo Arquipélago a esta regra e a recomendar oencerramento daqueles que não satisfazem oscritérios ambientais.

A CAIA deveria ser transformada em Agêncianacional de avaliação ambiental (ANAA),dotada de um poder jurídico reforçado. Seriasuficiente para vencer a cobertura de que mui-tos operadores beneficiam no seio das altasesferas?

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Nas comunidades Bijagós, o limite da utilizaçãode algumas reservas e de alguns espaços parafins religiosos preservam estes recursos ao per-mitir que se renovem. Em graus variáveis de ilhapara ilha, estas regras estão sob ameaça desdealgumas décadas, dadas as pressões externas einternas, cada vez mais fortes no seio de umaexploração descontrolada. Ao negociarem aocupação de ilhotas sagradas nas quais decor-rem algumas das cerimónias mais importantesda vida religiosa local, os operadores turísticosdestabilizam a vida cultural local e contribuempor esta forma para o enfraquecimento dasregras que moderam a utilização dos recursoscosteiros, marinhos e terrestres.

2 /// IMPACTOSINDIRETOS

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Pacientemente negociado através de um processo de concertação entre a população local, ONG,a entidade gestora das áreas protegidas (IBAP) e outras instituições do Estado, o plano de ges-tão da AMP Urok regula precisamente o acesso dos residentes e não residentes aos recursos

marítimos e costeiros. A sua originalidade reside no facto de reabilitar um certo número de normasde utilização tradicionais. A delimitação de zonas, no plano de gestão, divide a AMP em zonas cen-trais, tampão e de solidariedade. O acesso aos recursos da zona central está reservadoexclusivamente aos residentes para fins alimentares e cerimoniais, sem redes e sem motor. Sendouma zona frágil, produtiva e próxima das tabancas (aldeias), a zona central possui assim um elevadointeresse estratégico, dada a sua capacidade em garantir simultaneamente a segurança alimentar,cultural e a segurança ambiental das ilhas Urok e da sua população. Os cuidados disponibilizadospelos habitantes na manutenção da sua produtividade protegem simultaneamente o povoamentode espécies entre as mais emblemáticas do património nacional e internacional (IBAP e al., 2003).Este esforço de proteção por parte dos residentes beneficia antes de mais estes mesmos residentes,que são os únicos a dispor do direito de explorar comercialmente a zona tampão, mas também ospescadores artesanais e desportivos, que têm acesso à zona de solidariedade (cujo stock de recursospesqueiros é alimentado pelas zonas central e de tampão da AMPC).

Desde há alguns anos que o gestor do Clube de pesca “Mîles vagues de découverte”, na ilhota deQuéré, reivindica o acesso dos seus barcos de pesca a esta zona central da AMPC Urok. Argumentaque as outras duas áreas protegidas (Orango e João Vieira – Poilão) estão abertas à pesca desportivamas que se encontram muito distantes, e que a sua empresa “funciona como um ator económicoimportante no setor de Formosa”, recrutando maioritariamente o seu pessoal localmente. Adiantaainda que “seria muito penalizador para o seu negócio e para o setor Formosa, Carache, Caravela,que a área marítima protegida de Urok se mantenha interdita”. Ora, não só as idas e vindas das suasembarcações perturbariam o ambiente, um dos mais preservados do Arquipélago, como esta ativi-dade não controlada pelas comunidades arriscar-se-ia a minar o frágil consenso entre os habitantes,quanto à parcimónia necessária na utilização dos recursos desta zona central. Além de mais, segundoPierre Campredon (UICN), “tal autorização seria contraditória com o mesmo princípio dos direitosde usufruto exclusivo e abriria ipso facto a porta a outros empreendimentos de pesca desportiva,bem como às reivindicações dos pescadores comerciais”.

Ironia da situação, o operador de Quéré vende o “ecoturismo” e defende que a pesca desportiva é“a solução” para valorizar as áreas protegidas…

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ECOTURISMOCONTRA

A GESTÃOCOMUNITÁRIADE UMA ÁREA

MARINHAPROTEGIDA

Conclusão

O turismo, tal como ele se desen-

volve nos Bijagós, não responde

aos objetivos da Reserva de Bios-

fera. Ainda que seja necessário

fazer uma distinção entre os ope-

radores, um grande número de

normas elementares em matéria

de preservação é pouco ou nada

respeitado. Da mesma forma, as

regras de gestão das Áreas ma-

rinhas protegidas são regular-

mente infringidas. A contribuição

financeira do setor para a gestão

das AMP, irrisória face ao volume

de negócios do turismo, não com-

pensa o sobrecusto que impõe

às agências de controlo destas

mesmas AMP.

Page 72: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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CONCLUSÕES: NOS ANTÍPODASDE UM TURISMOSUSTENTÁVEL

6

Page 73: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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RESUMO DOSELEMENTOS DOCONTACTO ENTRE O ARQUIPÉLAGO E O TURISMO

- Exploração das fraquezas da governaçãoimobiliária e ambiental, corrupção e políticado facto consumado;

- Exploração das fraquezas organizacionais dascomunidades locais: estas não são consulta-das com transparência, assistem comoespectadores ou ato da instalação da ativi-dade turística;

- Exploração das necessidades sociais e econó-micas mais urgentes das comunidades;

- Insuficiente respeito pelas regras do jogomesmo quando elas estão estabelecidas(nomeadamente as regras das AMP).

Exploração das fraquezas da governação nos Bijagós

Page 74: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Instrumentalização dos patrimónios cultural e natural

✸ Folclorização e transformação em argumento de marketing das tradições dos Bijagós;

✸ Recuperação de rótulos ambientais da reserva e das AMP;

✸ O aproveitamento desenfreado daquilo que a população local (e progressivamente as instituiçõesnacionais) conseguiu historicamente preservar a custo de uma autodisciplina no uso dos recursos:paisagens preservadas, recursos haliêuticos abundantes, uma fauna extremamente rica, etc.

Benefícios limitados para as comunidades e para o ambiente

✸ Contrapartidas materiais e financeiras não sustentáveis para as comunidades;

✸ Projetos sociais concebidos sob forma assistencialista;

✸ Baixa taxa de recrutamento local, que sobretudo têm acesso a empregos como subalternos;

✸ Ausência de investimento na formação de pessoal local;

✸ Reduzida contribuição para o financiamento das áreas protegidas;

✸ Contribuição não quantificável para as receitas do Estado.

Page 75: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Custos exorbitantes para as comunidades

✸ Desapropriação ou perda de controlo sobre os territórios que têm uma função crucial na vidaeconómica e sociocultural das comunidades;

✸ Diminuição do nível de autossuficiência alimentar local, aumento da dependência face aos mercados do turismo e de alimentação;

✸ Pressões sobre as terras;

✸ Criação de desigualdades e multiplicação de conflitos que minam a coesão social e enfraquecemas capacidades organizativas locais nos planos económico, social e político;

✸ Aparecimento de efeitos perversos com a expansão do turismo: mendicidade, prostituição, tráficos.

Custos não negligenciáveis para o ambiente

✸ Perturbação dos ambientes terrestres, costeiros e marinhos sensíveis em termos de reproduçãodas espécies;

✸ Reduzido respeito pelas normas básicas em matéria de gestão dos lixos;

✸ Enfraquecimento das regras comunitárias de gestão dos recursos naturais;

✸ As medidas ou soluções propostas para minimizar estes efeitos negativos não se mostram eficazes;

Apesar da ausência de grandes infraestruturas típicas do turismo de massas e da fraco fluxo turístico o turismo, tal como se está a desenvolver nos Bijagós, só satisfaz,e de forma muito imperfeita, as expectativas das definiçõesmais consensuais do turismo “sustentável”.

Page 76: Dinâmicas e Impactos da expansão do Turismo no Arquipélago dos Bijagós - Guiné-Bissau

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Para a Organização mundial do turismo (OMT),o turismo pode ser considerado sustentávelquando segue os três princípios seguintes:

“Otimizar a utilização dos recursos

ambientais que constituem um

elemento chave no desenvolvi-

mento do turismo, mantendo os

processos ecológicos essenciais e

ajudando a preservar os recursos

naturais e da biodiversidade.”

Ainda que seja necessário diferenciar os opera-dores entre si, a maioria não é inocente nesteplano. A prática do retorno à agua dos espé-cimes pescados aumenta nos clubes de pesca,mas a implantação de estruturas nas ilhotasdesabitadas, que servem de refúgio às espé-cies, o despejo de dejetos ou o reduzidorespeito pelas regras das Áreas marinhas prote-gidas, reflete um respeito “seletivo” para como ambiente. Mais grave, as consequências emcascata da pressão sobre as terras, provocadapela expansão turística, constitui uma pesadaameaça na salvaguarda dos recursos naturais eda biodiversidade.

“Respeitar a autenticidade sócio-

cultural das comunidades de acol-

himento, conservar o património

cultural antigo e atual e os seus

valores tradicionais e contribuir

para a convivência e a tolerância

intercultural.”

A dispersão da atividade turística pelos quatrocantos do Arquipélago perturba profunda-mente a vida sociocultural local. Ao levar oschefes locais a vender ilhas sagradas nas quaisse realizam cerimónias essenciais, os opera-dores minimizam os valores tradicionais dosBijagós e estimulam os conflitos no seio dascomunidades, entre as famílias, por um lado, eentre estas últimas e as autoridades tradicionaispor outro. Se a isso se acrescentar a multiplica-ção de conflitos entre operadores eproprietários tradicionais, a introdução doturismo na sociedade Bijagó funciona exata-mente como o oposto de uma contribuiçãopara a “boa convivência e para a tolerânciainterculturais”.

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75

“Assegurar uma atividade viável a

longo prazo oferecendo a todas

as partes envolvidas vantagens

socioeconomicas equitativamente

repartidas, nomeadamente empre-

gos estáveis, possibilidades de be-

nefícios e de serviços sociais para

as comunidades locais, contribuindo

assim para a redução da pobreza.”

As ofertas dos operadores aos proprietários tra-dicionais não podem ser consideradas idênticasa uma repartição equitativa de vantagenssocioeconómicas. São efémeras e apenasgeram ganhos para uma parte dos utilizadoresdos terrenos concedidos. Pelo menos metadedos empregos criados destina-se aos estrangei-ros. Os empregos que são oferecidos aos locaissão temporários e mal pagos. Os serviçossociais fornecidos pelos operadores funcionamdeficientemente. Ao monopolizarem as terrascultivadas, as estruturas turísticas acentuam a

Em conclusão, para retomar as palavras dePierre Campredon (UICN): com base em argu-mentos contraditórios com as práticas reais,vende-se o Arquipélago para benefício dos ope-radores, dos turistas estrangeiros e de algunsfuncionários da administração em detrimentodas comunidades locais. Excetuando o OrangoParque Hotel, o qual pratica os princípios doecoturismo, a maior parte dos investimentos tra-duz-se num balanço negativo quer para aspopulações quer para o Estado: em termos doimpacto ambiental, da degradação socioculturale dos recursos haliêuticos, etc.

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É POSSÍVEL OUTRO TURISMO NOSBIJAGÓS?

7

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Constata-se neste estudo que o resultadodo turismo “realmente existente” noArquipélago é evidente: o balanço é

globalmente negativo tanto para a populaçãocomo para o ambiente. Esta constatação épartilhada pelos atores governamentais e nãogovernamentais que estão mais envolvidos nagestão das áreas protegidas e na Reserva debiosfera: IBAP, CAIA, UICN, Tiniguena, ONGAção para o Desenvolvimento.

Estas organizações trabalham coletivamentepara o aparecimento de um outro tipo deturismo nos Bijagós, uma forma de turismo “dequalidade”, “que respeite a biodiversidade e acultura”, para retomar as palavras de AlfredoSimão da Silva, diretor do IBAP. Os promotoresdesta “agenda do ecoturismo” visam como“primeira escolha” uma estratégia “ofensiva”de desenvolvimento ligada às potencialidadesturísticas da região mas, como um “mal menor”,defendem também uma estratégia “defensiva”visando conter as externalidades negativas daexpansão turística, atual e pressentida,submetendo-a aos critérios do ecoturismo.

1 ///A AGENDADO ECOTURISMO

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O turismo tal como é concebido pelos atoreslocais evocados submeter-se-ia aos quatrosobjetivos principais da RBABB (ver parte 1.1.3).O IBAP desenvolve há vários anos uma expe-riência visando pôr em prática os preceitos doecoturismo em aplicação e provar que esteoutro turismo é possível nos Bijagós: trata-se doprojeto Orango Parque Hotel.

O Orango Parque Hotel está localizado na ilhade Orango, a ilha principal do Parque Nacionalde Orango, situado a sul do Arquipélago dosBijagós. Construído em 1997 por um investidoritaliano, ele foi abandonado durante a guerracivil e depois posto à venda, em 2000, ano dacriação do Parque Nacional de Orango. A estru-tura voltou a ser comprada pela fundaçãoMava, que a legou em seguida ao IBAP para sergerida “a favor das comunidades”. Não tendovocação para dinamizar diretamente projetosde desenvolvimento comunitário, o IBAPconfiou a gestão do hotel à ONG espanholaCDB Habitat.

Diversas características distinguem radical-mente o Orango Parque Hotel de outrasestruturas turísticas do Arquipélago:

✸ Todos os trabalhadores são jovens da ta-banca vizinha de Eticoga, na ilha de Orango;

✸ O pessoal foi formado para assumir lugaresde responsabilidade: cozinha, contabilidade,guias de ecoturismo;

✸ Os salários são duas a quatro vezes super-iores aos que recebem os habitantes dos Bi-jagós que trabalham em empregossubalternos em Bubaque;

2 /// ORANGOPARQUE HOTEL:FUNDAMENTOS

E LIMITES DE UMCASO DE ESTUDO

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✸ Os benefícios expectáveis gerados pelohotel destinam-se a ser reinvestidos em pro-jetos sociais locais (renovação e dotação decentros de saúde, financiamento do pessoal,rádios comunitárias), visando nomeada-mente melhorar a coexistência com as espé-cies raras locais (cobertura elétricaalimentada por paneis solares para protegeros arrozais de incursões dos hipópotamos);

✸ A atividade do “ecoturismo” está enqua-drada pelo IBAP e pela UICN que definiramos itinerários de visita no parque e elabora-ram um código de conduta;

✸ Os guias do hotel, formados pela ONG CDBHabitat contribuem para o trabalho de iden-tificação/seguimento das espécies.

A experiência do Orango Parque Hotel é umexemplo relativamente conseguido, subordi-nado aos imperativos de conservação doambiente e do desenvolvimento das popula-ções locais. Apesar disso, a experiênciacomporta um sério limite, que reside na adesãosuperficial dos habitantes ao eixo conservacio-nista do ecoturismo e do parque em geral. Aabordagem das comunidades exprime-se antesde mais em termos económicos: “o que rece-bemos disto?”, tendo como corolário aemergência de estratégias concorrenciais emtorno da “rendibilidade do ecoturismo”: invejaentre as tabancas, tentativas de aceitar ou melhor de atrair novos operadores turísticospara multiplicar as suas fontes de ganhos económicos, etc.

A importância deste efeito social colateral nãodeve ser subestimada: ao minar a coesão e aconfiança mútuas, este facto constitui um sérioobstáculo à emergência de dinâmicas comuni-tárias participativas.

Para além do resultado do projeto, inegável,este é limitado pela singularidade do perfil dosseus operadores. O Orango Parque Hotel nãoé gerido por um operador turístico, mas pororganizações especificamente votadas àconservação do ambiente (o IBAP) e ao desen-volvimento comunitário (a ONG CDB Habitat).O objetivo comercial está presente e teste-munha disso é a qualidade do serviço, mas esteé secundário. Atualmente, o hotel não é rentá-vel no plano financeiro. As perdas são cobertasatravés de financiamentos atribuídos à ONGCDB Habitat para desenvolver este projeto des-tinado a prazo a tornar-se rentável.

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Como passar da atual situação para um turismode qualidade, respeitador da população, doambiente e das regras? Como transformar asatuais estruturas turísticas nos Bijagós no sentidode adotarem a filosofia do Orango Parque Hotele converterem-se às práticas do ecoturismo?

O progresso que a ecocertificação pode trazerà situação do turismo no Arquipélago parece,no máximo, marginal.

Antes de mais, frise-se que estes dispositivos decertificação residem numa iniciativa voluntáriada parte dos operadores. Eles resultam de umcálculo custo/benefício individual: apenasaqueles que defendem que o retorno em ter-mos de visibilidade e de atração compensa oinvestimento financeiro são favoráveis a esta ini-ciativa. Ora, uma grande parte dos clientes dosempreendimentos turísticos são pescadoresdesportivos movidos por preocupações (levaruma foto de uma “grande presa”) bem alheiasàs do visitante que seleciona o seu estabeleci-mento na base de critérios ambientais.

3 /// AS CONDIÇÕES PARA UMACONVERSÃO AO ECOTURISMO

3.1 A OPÇÃO DAAUTO-REGULAÇÃO

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Note-se, em seguida, que o mercado de classi-ficação do turismo é ainda pouco fiável. Nosúltimos anos, pode-se constatar a existência deuma multiplicidade de cartas e de códigos quecomprometem muito pouco aqueles que osassinam: certas designações apoiam-se fre-quentemente em dados fornecidos pelospróprios operadores (Ringot, 2007). Acrescente--se que se torna difícil de esclarecer/escolher,claramente, entre os sistemas existentes, os queatribuem um certificado na base do compro-misso do operador para melhorar as suaspráticas e os sistemas que exigem a satisfaçãodos critérios antes da concessão deste certifi-cado. E os abusos cometidos pelos operadoressão numerosos. Os Bijagós são um bom exem-plo disso: refira-se o caso do empreendimento(Hotel Ponta Anchara) que criou de livre von-tade o rótulo IBAP e se auto atribuiu essemesmo rótulo.

Finalmente refira-se, tal como Bernard Schéou(2009), que a quase totalidade dos 60 sistemasde certificação internacionais no setor doturismo põem a ênfase nos aspetos ambientaise interessam-se pouco pelos aspetos sociais ede acesso à terra. E ainda, que estes programasfuncionam com o auxílio de grelhas de critériose indicadores “universais” apresentando umamuito fraca sensibilidade quanto à especifici-dade das situações locais. Ora, as dinâmicasculturais, sociais e imobiliárias no Arquipélagodos Bijagós apresentam uma grande complexi-dade. Trata-se de um “mundo à parte”impossível de descodificar por um perito estran-geiro no quadro de uma visita “relâmpago”.

Apesar da fragilidade das instituições do país,esta opção parece ser a mais capaz de promo-ver uma mudança substancial das práticasturísticas a médio e a longo prazo no Arquipé-lago.

1) “Regras do jogo”Plano Diretor e carta do turismo

A reflexão em torno da definição de “regras dojogo”, devendo ser endossadas pelo conjuntodos atores do campo turístico, está em cursodesde há vários anos no seio do grupo da“agenda do ecoturismo” evocada anterior-mente. É neste espírito que diversas propostasforam avançadas pelo IBAP e pelos seus parcei-ros no quadro da elaboração do Plano de Ação2011 da Reserva de Biosfera (em avaliação naaltura da missão do consultor). O enquadra-mento referido neste documento proporcionaum resumo dos principais elementos. Note-seque estas propostas convergem com os esfor-ços realizados noutras Áreas Marinhasprotegidas por parte do mundo mais desenvol-vido em matéria de enquadramento daatividade turística (Clément e al., 2010).

3.2 A OPÇÃO DAREGULAMENTAÇÃO

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Aprincipal prioridade deste grupo deatores é a elaboração de um Plano Dire-tor destinado a promover um modelo de

desenvolvimento específico para o Arquipélagodos Bijagós. Este Plano Diretor identificará, emprimeiro lugar, os sítios, as condições e os pro-cedimentos segundo os quais será possíveldesenvolver o turismo. No que respeita aoslugares, propõe-se que apenas as ilhas habita-das possam ser objeto de proposta para ainstalação de novos empreendimentos, comexceção daquelas incluídas no seio dos parquesnacionais, que deverão ser objeto de um exameparticular e da AMPC Urok, cujo atual plano degestão não autoriza o desenvolvimento destaatividade. As ilhas e locais sagrados de inte-resse estratégico para as comunidades e para abiodiversidade não devem ser alvo de interven-ção.

Dado o valor excecional e a sensibilidade dopatrimónio natural e cultural, é recomendadoassociar ao Plano Diretor uma Carta do Turismodefinindo critérios ambientais e sociais mínimospara o estabelecimento de todas as novas ins-talações, que deverão, neste sentido, ser objetode um estudo de impacto sistemático. Deacordo com esta perspetiva, o setor do turismodeverá ser considerado como um aliado obje-tivo da Reserva de Biosfera, um aliado queprotege os recursos, as paisagens e a culturaem benefício próprio. A experiência do OrangoParque Hotel, assim como a de outrosempreendimentos (que praticam por exemploa pesca no kill) deverá, assim, ser valorizada.

Os outros eixos que deverão orientar a reformado setor do turismo nos Bijagós são osseguintes:

- Pedir e participar na realização de um inven-tário da situação atual do setor;

- Promover e associar-se à elaboração de umPlano Diretor e de uma Carta para o Turismona Reserva da Biosfera;

- Defender a avaliação, a atualização e a aplica-ção estrita das regras e procedimentos deacesso à terra referente ao setor do turismono RBABB;

- Organizar encontros anuais entre o Secreta-riado do RBABB, as AMP e os operadores deturismo;

- Formar os marinheiros dos clubes de pescadesportiva das regras e zonas das AMP’s (for-mação nominativa e condicional ao direito deacesso);

- Atualizar os regulamentos e as sanções emrelação à pesca desportiva nas AMP’s;

- Promover o ecoturismo e a valorização deboas experiências em curso;

- Comunicar regularmente com a Secretaria deEstado do Turismo.

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O problema da terra é sem dúvida o mais deli-cado de gerir.17 A venda ou a concessão deterras não pode depender mais tempo dosacordos entre os operadores, administradoreslocais e proprietários tradicionais, mas deve darlugar a procedimentos claros, envolvendo osníveis regionais e centrais da administração ter-ritorial, bem como o IBAP, garantindo que ascomunidades sejam verdadeiramente informa-das da natureza das atividades e de que ascontrapartidas sejam negociadas, de formatransparente, equitativa e sustentável. A ideiade um “fundo social” ao qual o operador doa-ria, todos os anos, uma parte dos seus ganhospara financiar projetos sociais locais pode serequacionada. Este “fundo” poderia ser admi-nistrado coletivamente pelo operador, osrepresentantes das tabancas, os serviços doEstado e as ONG eventualmente ativas na ilhaem questão.

2) Tornar as regras do jogo efetivamenteobrigatórias

Por melhor concebidas e difundidas que sejam,na ausência de constrangimentos externosdignos deste nome, normas e diretivas apenasterão um impacto superficial nas lógicas queestão em marcha no campo turístico. Observou--se isso mesmo no ponto 2.2. da parte I, com

Note-se a este respeito que o Parlamento aprovou em 2011a suspensão das vendas de terras nas zonas turísticas, em par-ticular nos Bijagós. Se esta medida for aprovada, as grandesconcessões de terras deverão ter o aval do Parlamento. Masparadoxalmente, o governo está a estudar, paralelamente,com a ajuda do Banco Mundial, a possibilidade de apresentaruma proposta ao parlamento para a criação de lugares prio-ritários para turismo no quadro do DENARP-II.

17

PROPOSTASDO IBAP E DOS SEUS

PARCEIROS

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muitos operadores a jogarem com a fragilidadedas instituições do país para contornar asregras, que consideram prejudiciais para o seuinteresse comercial a curto prazo.

Trata-se portanto de pôr em prática as condi-ções institucionais para uma aplicação dasregras do jogo, não apenas por parte dos ope-radores, mas também dos representantes doEstado. Sejamos realistas, a conversão verda-deira do conjunto das administrações em causaàs regras do jogo do ecoturismo não é expectá-vel a médio prazo. Com novas “regras do jogo”ou não, muitos dos responsáveis continuarão aver no apetite dos operadores pelo Arquipé-lago e pelas suas riquezas naturais uma fontede benefícios políticos e financeiros pessoais.

É necessário, por isso, jogar com o reforço dosrecursos e do poder das instituições mais dedi-cadas ao respeito das regras do jogo,sobretudo do IBAP e da CAIA:

✸ Reforçar os recursos materiais e humanos, demodo a que a sua presença no Arquipélago ea sua capacidade de controlo sejam reforça-das. Deste ponto de vista, uma adaptação dafiscalidade deveria ser implementada paraque uma parte dos impostos pagos pelosoperadores possa alimentar o orçamento doIBAP. Uma contribuição totalmente lógica, seo IBAP passar a consagrar mais tempo emeios para controlar os operadores. Umaopção, equacionada pelo plano de gestão doRBABB, é a criação de um órgão de controloe de vigilância das atividades dos operadoresturísticos no Arquipélago.

✸ Reforçar o poder de sanção para que os avi-sos feitos pelas instituições tenham uma di-mensão constrangedora e não dependammais da boa vontade dos funcionários da DGTurismo ou da administração territorial. Queo não cumprimento destes avisos seja se-guido de efeitos que possam implicar o can-celamento da licença e o encerramento deestabelecimentos. Independentemente da ar-quitetura institucional privilegiada, o objetivoa atingir culminará com o fim do clima de im-punidade no Arquipélago.

No essencial, a concretização deste reforço ins-titucional dependerá da evolução da correlaçãode forças políticas na Guiné-Bissau entre as ins-tituições partidárias da “agenda do ecoturismo”das forças interessadas em manter e em fazerprevalecer o estado de anarquia no Arquipé-lago.

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O CASOPARTICULARDA AMPC UROK

8

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Observámos que um processo de gestãoparticipativa de um alcance inédito estáem curso, desde 2005, na AMPC Urok

(ver ponto 1.1.4). Em oposição aos projetosconservacionistas convencionais, que conside-ram as práticas produtivas tradicionais doshabitantes como obstáculos, a AMPC estádotada de um plano de gestão dos recursosmarinhos e costeiros que recupera e adapta asregras tradicionais de conservação dos recursosnaturais. As regras estão em crise na maior partedas outras ilhas do Arquipélago. Na AMPC Urok,a cultura local, os objetivos de desenvolvimentoe os objetivos de conservação reforçam-semutuamente (IBAP e al., 2003; Renard, 2008;Brenier, Ramos e Henriques, 2009).

Neste estádio de desenvolvimento, acontinuação da experiência ficaria gravementehipotecada se fosse implantada uma estruturaturística numa das três ilhas de Urok. Mesmoque animada pela melhor das intenções ecomprometendo-se a entrar num acordo comos habitantes, respeitando o plano de gestão,a delimitação de zonas, a cultura local e apartilha dos benefícios, o recém-chegado criaria

1 /// É POSSIVEL UMDESENVOLVIMENTOSEM TURISMO

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uma brecha no regulamento, o que fragilizariao conjunto do edifício, além de abrir umprecedente para futuros candidatos. O projetoda AMPC Urok está intimamente ligado à ideiade integridade do território e do controlointegral dos seus recursos naturais pelos seushabitantes. Além disso, o exemplo de Orangorevela que as tensões e as desconfianças serevelariam desiguais para os habitantes face aosganhos, contrapartidas e ofertas diversas queesta presença criaria, tensões que minariam acoesão social e o frágil consenso em torno dosobjetivos da AMP.

A implantação do hotel Arquitur, um complexoturístico que funcionou na ilha de Chediã em1997-1998, demonstrou aos habitantes opotencial de conflitos gerado pelas iniciativasturísticas externas. Uma experiência chocante,que arrefeceu durante algum tempo os ânimosdas comunidades locais em matéria de turismoe permitiu inscrever no primeiro plano degestão “que nenhuma atividade turística seriaencorajada nas ilhas de Urok”.

Da mesma forma que a instalação de parquesnaturais nos Bijagós não visa estabelecer“santuários” isolados do resto do Arquipélagomas garantir refúgios no seio dos quais asespécies podem reproduzir-se, para em seguidairrigar e regenerar as regiões periféricassubmetidas a uma exploração intensiva, aAMPC Urok não visa isolar os habitantes doresto do mundo, mas prosseguir uma estratégiade desenvolvimento no seio da qual a mudançasocioeconómica e o acesso à modernidade não

exijam negociar o essencial da cultura Bijagó.Espera-se que esta estratégia de conservaçãodo coração da cultura bijagó possa, emseguida, alastrar-se do resto do Arquipélago,sujeito a um processo de aculturação.

A experiência da AMPC Urok também temo interesse de demonstrar às outrascomunidades da região que o turismo não é avia incontornável do desenvolvimentosocioeconomico do Arquipélago. É possível, edesejável, um outro desenvolvimento, que nãoimplique nem perda de soberania sobre oterritório, nem que crie a dependência face aosmercados externos voláteis.

A existência de uma experiência que aliaconservação e desenvolvimento é, além disso,um trunfo sobre o “mercado dedesenvolvimento”, que suscita o interesse e oapoio de parceiros externos. Em Urok, ofinanciamento de equipamentos coletivos(poços, escolas, centros de saúde) pelosdoadores internacionais, e a partilha deresponsabilidades no funcionamento destasestruturas permitiu construir uma gestãoeficiente, equitativa e sustentável destesequipamentos, ao invés dos equipamentosdoados “como oferta” pelos operadoresturísticos.

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Autores de um estudo de campo sistemático ede qualidade sobre a “dinâmica, os constrangi-mentos e as potencialidades” da economialocal da AMPC Urok (Said e Abreu, 2011) - pro-põem uma intervenção a vários níveis, tendoem vista derrubar os obstáculos que permitirãoo melhoramento das condições de vida doshabitantes. O apoio à produção agrícola ali-mentar constitui a base da estratégia defendidapelos autores, dado que a maioria dos habi-tantes são produtores agrícolas, cuja primeirapreocupação é a satisfação das necessidadesalimentares das suas respetivas famílias. Emseguida, assinalam-se algumas iniciativas apon-tadas pelo estudo, por domínio de produção.Estas fornecem uma ideia da diversidade deoportunidades de modernização económicaexistente “excluindo o turismo”.

1) Produção agrícola: introdução de novas cul-turas (milho, batatas, banana, etc.), inovaçãode técnicas agrícolas e /ou alguns fatores deintensificação (irrigação, material vegetalmais produtivo, adubos orgânicos, tratamen-tos fitossanitários adaptados e pequenamecanização);

2) Produção animal: evolução das técnicas depastoreio e da saúde animal, campanhascontra as principais doenças, utilização datorta do caju e do palmiste para enriquecer aalimentação animal;

3) Apoio à transformação local do caju: o quepermitiria por seu turno diminuir a pressão docaju nas florestas naturais e aumentar o ren-dimento das famílias;

4) Fileira de óleo de palma: reorganização agro-técnica das zonas de produção, introduçãode novas técnicas de transformação, organi-zação de circuitos de comercialização para omercado nacional, nomeadamente sob aforma de um “produto emblema” de Urok,reforçando as capacidades organizacionaisdos produtores;

5) Produtos do mar: valorização dos excedentesirregulares (secagem de peixe), melhora-mento das técnicas de cultura da ostra;

6) Sal: vulgarização do método “sal solar”, maisecológico e de melhor qualidade que a técni-ca tradicional (cozedura);

7) Formação técnico-profissional: formação debase para a produção agrária, formação arti-culada com as necessidades do projeto“Urok Osheni!” e formação para satisfaçãode outras exigências/procura local (técnicasde construção, construção e reparação deembarcações).

UMA ESTRATÉGIA DEDESENVOLVIMENTO SEM TURISMO

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Se a implantação de uma estrutura turística nasilhas do complexo de Urok não é desejável, oshabitantes e os animadores do processo (Tini-guena e IBAP) não possuem atualmente poderpara se opor à instalação de um operador queobtivesse as licenças administrativas e quebeneficiasse de apoios políticos. As instânciasda AMPC Urok devem, assim, antecipar estaeventualidade e dotar-se de um instrumentoque lhes permita discutir possíveis propostasfuturas, para limitar, ao máximo, as consequên-cias negativas desta intrusão na dinâmicacomunitária em curso. A aposta reside em desen-volver a atividade turística submetendo-a aosprocessos participativos e regras de gestõeslocais e não o oposto.

Este instrumento assumiria a forma de uma listade regras e critérios cobrindo os aspetos maissensíveis para o bom funcionamento da AMPCUrok. O projeto do candidato investidor seriaavaliado segundo a sua capacidade e vontadede respeitar os habitantes e as instâncias deacompanhamento (IBAP, Tiniguena), aptidão edeterminação em respeitar estas regras, e com-prometer-se-ia a assinar um acordo decompromisso. Este documento serviria decontrato entre o investidor, as comunidades eas instâncias de acompanhamento de Urok(IBAP e Tiniguena) e deveria ser validado porum representante da administração territorial eum representante da DG Turismo.

2 /// POR UMINSTRUMENTO

DE NEGOCIAÇÃODE UMA

INICIATIVATURÍSTICAEXTERNA

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Propomos em seguida um esboço de lista das regras:

1) Reconhecimento dos órgãos de gestão de Urok;a) O interlocutor do operador para tudo que se relaciona com os seus direitos e deveres é o Comité

de Gestão de Urok (CGU);b) A integridade do processo de decisão de Urok deve ser escrupulosamente respeitada,

- Fora de questão está a possibilidade do operador procurar ultrapassar os seus interlocutores e negociar diretamente com os representantes de uma tabanca ou um grupo de anciãos;

- Fora de questão está a possibilidade do operador procurar influenciar os habitantes, em particular os jovens.

2) Escolha do lugar de implantação do estabelecimentoa) Exclusão de praias e de outros lugares sagrados usados como local para a realização de cerimónias;b) Indispensável obter o aval do Conselho dos Anciãos;c) Exclusão, na medida do possível, dos espaços que têm uma função produtiva importante (cultura

de arroz, criação de gado, etc.)d) Distância suficiente entre as tabancas mais próximas para que não perturbem a vida comunitária;e) Aval indispensável do Comité técnico Urok (CTU) para garantir a conciliação com os objetivos de

conservação dos espaços e dos recursos naturais.

3) Limitação das dimensões dos empreendimentos e do seu número por ilhaa) Limitar ao máximo o número de hectares ocupado por estabelecimento (máximo 1 hectare);b) Limitar o número de camas a 14 para limitar a marca ambiental e social do estabelecimento.

4) Realização de um estudo de impacto ambientala) Aplicação rigorosa do Plano de Gestão Ambiental (PGA).b) Conservação dos ecossistemas naturais existentesc) Adoção de sistemas de tratamento de dejetos e de reciclagem de certos resíduosd) Evacuação dos resíduos não recicláveis e não degradáveis particularmente dos mais poluentes

(óleos degradados e produtos tóxicos).e) Utilização de vedetas equipadas com motores a 4 tempos de 40 CV no máximo.f) Envolvimento do CTU no controlo do respeito do PGA.

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5) Concessão da zona e contrapartidaa) Obtenção da autorização e das licenças legalmente obrigatórias nas administrações envolvidas

(Turismo, Território, Cadastro, Ambiente).b) Criação de um fundo alimentado anualmente pelo operador (montante a determinar) para finan-

ciar equipamentos coletivos nas ilhas. Este fundo será administrado pelo operador, umrepresentante de cada ilha e um membro de Tiniguena e visará suportar os projetos decididos noquadro do processo participativo de Urok. Deverá ser encontrado m mínimo de equidade entreas três ilhas.

c) Paralelamente, será concluído um acordo entre o operador, o CGU e o IBAP, estabelecendo ummontante (fixo ou uma percentagem) que o operador doará todos os anos à AMP.

d) Os operadores e os clientes deverão ser impedidos de oferecer bens materiais ou dinheiro, aoshabitantes, e de solicitar a realização de cerimónias.

6) Estrito respeito da delimitação de zonas do território de Uroka) Interdição de retirar recursos naturais na zona de conservaçãob) Interdição de utilizar motorizados na zona conhecida como “barriga das ilhas”c) Interdição de pescar, mesmo que se utilize a técnica No Kill, na zona 2d) Interdição de caçar, ferir, matar, capturar as espécies mencionadas no ponto 7.3.1.2. do plano de

gestão

7) Deslocação de clientes no interior da ilhaa) Obrigação de acompanhamento por um guia local.b) Obrigação de percorrer itinerários precisos definidos no preâmbulo pelo CTU e pelos represen-

tantes dos Anciãos.c) Respeito das zonas sagradas e das restrições de acessos diversos.d) Interdição de penetrar nas tabancas, interdição de fotografar /filmar os habitantes.

8) Pessoala) Obrigação de empregar pessoal das ilhas Urok para todos os lugares para os quais existam as

competências nas ilhas.b) O princípio será moderado pela regra de equidade entre as ilhas e as tabancas. É preferível que

alguns postos de trabalho sejam ocupados por pessoas externas às ilhas do que ter uma distribui-ção desigual de trabalho entre as mesmas.

c) Respeitar o conjunto de disposições legais em matéria de relações de trabalho (número de horasde trabalho, salário, contrato, etc.)

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9) Aprovisionamento e laços com a economia locala) O aprovisionamento de eventuais unidades turísticas em Urok, devem ser adquiridos preferencial-

mente bens alimentares locais, de forma a dinamizar a economia das ilhas.

10) Regulamento, vigilância e sançõesa) Este esboço de regulamentos será adaptado pelos membros do CGUb) Revista esta proposta de regulamento, ela será apresentada e discutida por um representante do

CGU durante as três assembleias insularesc) Esta proposta de regulamento da CGU será discutida e validada durante uma AGd) O respeito do regulamento pelo operador e pelos habitantes será avaliado anualmente pelo CGUe) As infrações do operador e dos seus clientes ao regulamento serão reportados pelos habitantes

aos representantes do CGUf) Várias infrações graves conduziriam a um aviso ao operador. Diversos avisos conduziriam à rutura

do contrato e à partida do investidor.

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AMPÁrea Marinha Protegida

AMPCÁrea Marinha Protegida Comunitária

APCÁrea Protegida Comunitária

CAIACélula de Avaliação do Impacto Ambiental

CIPACentro de Investigação Pesqueira Aplicada

CGUComité de Gestão Urok

CTUComité Técnico Urok

FBGBFundação para a Biodiversidade da Guiné-Bissau

FEMFundo para o Ambiente Mundial

FIBAFundação Internacional do Banco de Arguin

FISCAPCentro de Fiscalização das Atividades de Pesca

GCPGabinete de Planificação Costeira

GEFGlobal Environment Facility

IBAPInstituto de Biodiversidade e das Áreas Protegidas

IMPACInternational Marine Protected Area Congress

IMVFInstituto Marquês de Valle Flor

INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas

NOVIBNederlandse Organisatie voor Internationale Bijstand

ONGOrganização Não Governamental

PRCMProgramme Régional de Conservation de la ZoneCotière et Marine de l’Afrique de l’Ouest

RAMAORenforcement des Capacités des Aires ProtegéesMarines

RBABBReserva de Biosfera do Arquipélago de Bolama –Bijagós

UICNUnião Internacional para a Conservação da Natureza

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LISTADOSACRÓNIMOSE ABREVIATURAS

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Nome Instituição Função

Alfredo Simão da Silva IBAP Diretor geralJustino Biai IBAP Responsável de programaAbilio Rachid Said Ministério da Economia,do Conselheiro para o desenvolvimento regional

Plano e da Integração regional Víctor Monteiro Secretaria de Estado do Turismo Diretor do Gabinete de Estudos Mário Biague CAIA – células de avaliação Coordenador

do impacto ambiental Felipe Cardoso Casa da Cultura/RBABB- Diretor

Bubaque e Radio Djan-DjanFernando Domingos Alves Ministério do Interior Administrador de Bubaque

Nome Instituição Função

Augusta Henriques ONG Tiniguena DiretoraNelson Gomes Dias UICN – Bissau Chefe de programaPierre Campredon UICN – Bissau ConselheiroRaúl Fernandes INEP Investigador – antropólogoJorge Antonio Igreja protestante - –Bubaque Pastor

INSTITUIÇÕES DO ESTADO

ONG / UNIVERSITÁRIOS / IGREJA

Nome Empresa Localidade

Laurent Durris Clube de pesca Ilhota de Quéré« M'îles vagues de découverte »

Tomé Mereck « Orango Parque Hotel » Ilha d'OrangoDora Hotel « Chez Dora » Ilha de BubaqueSolange Hotel « Ponta Anchaca » Ilha de Rubane

PROPRIETÁRIOS / GERENTES DE ESTABELECIMENTOS TURÍSTICOS

Nome Empresa Localidade

Ricardo de Pina Orango Parque Hotel Ilha d'Orango

EMPREGADOS DE ESTABELECIMENTOS TURÍSTICOS

Nome Função Localidade

Sadja Camará Membros do CGT Urok Aldeia de Abu, Iha de FormosaAmisão João Paulo Aldeia de Ancadeque, Ilha de FormosaAugusto Fernandes Pereira Régulo (poder tradicional) Aldeia de Eticoga, Ilha de Orango

HABITANTES DO ARQUIPÉLAGO DOS BIJAGÓS

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ANEXO:LISTA DASPESSOAS/INSTITUIÇÕESENTREVISTAS

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CONTACTOSPortugal [sede]

Rua de São Nicolau, 105 - 1100-548 Lisboatel.:[+351] 213 256 300 // fax: [-351] 213 471 904

[email protected] // www.imvf.org

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