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5700 DIREITO À IGUALDADE E TRANSCENDÊNCIA DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES * DERECHO A LA IGUALDAD Y TRASCENDENCIA DE LOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES Antonio Moreira Maués Breno Baía Magalhães RESUMO O trabalho analisa o modelo de uniformização da jurisprudência constitucional, adotado no Brasil a partir da atribuição de efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como a controversa Teoria da Transcendência dos Fundamentos Determinantes, como resposta aos problemas causados pela divergência jurisprudencial na interpretação da Constituição. Criticando esse modelo em função das limitações por ele impostas à proteção judicial dos direitos fundamentais e visando adequar as premissas e conseqüências da citada teoria ao modelo de harmonização da jurisprudência constitucional, proposto como alternativa, o trabalho apresenta argumentos pelos quais o juiz pode afastar-se dos precedentes de modo fundamentado, indicando sua inaplicabilidade em uma determinada situação. Esse reconhecimento da importância das circunstâncias do caso para a interpretação da norma permite harmonizar a jurisprudência constitucional com base no direito à igualdade na aplicação judicial do direito e dar maior efetividade às fundamentações esposadas nas decisões do STF dotadas de efeito vinculante acerca da interpretação das normas constitucionais. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO À IGUALDADE; CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RESUMEN El trabajo analiza el modelo de uniformización de la jurisprudencia constitucional, adoptado en Brasil desde la atribución de efecto vinculante a las decisiones del Supremo Tribunal Federal, bien como la controvertida Teoría de la Trascendencia de los Fundamentos Determinantes, como respuesta a los problemas causados por la divergencia jurisprudencial en la interpretación de la Constitución. Criticando ese modelo en función de los límites por él impuestos a la protección judicial de los derechos fundamentales y objetivando adecuar las premisas y consecuencias de la citada teoría al modelo de armonización de la jurisprudencia constitucional, propuesto como alternativa, el trabajo presenta argumentos por los cuales el juez puede apartarse de los precedentes de manera fundamentada, apuntando su inaplicabilidad en una determinada situación. Ese reconocimiento de la importancia de las circunstancias del caso para la interpretación de la norma, permite armonizar la jurisprudencia constitucional con base * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

DIREITO À IGUALDADE E TRANSCENDÊNCIA DOS … · jurisprudencial constitucional. Ao final, faremos a defesa da adoção desse modelo e a forma de adequação da teoria da transcendência

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DIREITO À IGUALDADE E TRANSCENDÊNCIA DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES*

DERECHO A LA IGUALDAD Y TRASCENDENCIA DE LOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES

Antonio Moreira Maués Breno Baía Magalhães

RESUMO

O trabalho analisa o modelo de uniformização da jurisprudência constitucional, adotado no Brasil a partir da atribuição de efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como a controversa Teoria da Transcendência dos Fundamentos Determinantes, como resposta aos problemas causados pela divergência jurisprudencial na interpretação da Constituição. Criticando esse modelo em função das limitações por ele impostas à proteção judicial dos direitos fundamentais e visando adequar as premissas e conseqüências da citada teoria ao modelo de harmonização da jurisprudência constitucional, proposto como alternativa, o trabalho apresenta argumentos pelos quais o juiz pode afastar-se dos precedentes de modo fundamentado, indicando sua inaplicabilidade em uma determinada situação. Esse reconhecimento da importância das circunstâncias do caso para a interpretação da norma permite harmonizar a jurisprudência constitucional com base no direito à igualdade na aplicação judicial do direito e dar maior efetividade às fundamentações esposadas nas decisões do STF dotadas de efeito vinculante acerca da interpretação das normas constitucionais.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO À IGUALDADE; CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

RESUMEN

El trabajo analiza el modelo de uniformización de la jurisprudencia constitucional, adoptado en Brasil desde la atribución de efecto vinculante a las decisiones del Supremo Tribunal Federal, bien como la controvertida Teoría de la Trascendencia de los Fundamentos Determinantes, como respuesta a los problemas causados por la divergencia jurisprudencial en la interpretación de la Constitución. Criticando ese modelo en función de los límites por él impuestos a la protección judicial de los derechos fundamentales y objetivando adecuar las premisas y consecuencias de la citada teoría al modelo de armonización de la jurisprudencia constitucional, propuesto como alternativa, el trabajo presenta argumentos por los cuales el juez puede apartarse de los precedentes de manera fundamentada, apuntando su inaplicabilidad en una determinada situación. Ese reconocimiento de la importancia de las circunstancias del caso para la interpretación de la norma, permite armonizar la jurisprudencia constitucional con base

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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en el derecho a la igualdad en la aplicación judicial del derecho y conferir más efectividad a los fundamentos defendidos en las decisiones del STF dotadas de efecto vinculante sobre la interpretación de las normas constitucionales.

PALAVRAS-CLAVE: DERECHOS A LA IGUALDAD; CONTROL DE CONSTITUCIONALIDAD; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Introdução

A partir de 1993, com a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), um conjunto de mudanças foram implementadas no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, as quais estabeleceram uma nova articulação entre o controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade, e entre a jurisprudência constitucional do STF e a das demais instâncias do Poder Judiciário.

Tais mudanças tiveram como fio condutor a atribuição de efeito vinculante às decisões do STF. Conferido pela EC nº 3/93 às “decisões definitivas de mérito” em ADC, o efeito vinculante expandiu-se para as medidas cautelares da ADC, tal como decidiu o próprio STF na ADC nº 4, e para a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn – art. 28, parágrafo único da Lei nº 9.868/99) e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF – art. 10, § 3º da Lei nº 9.882/99). Apesar dos questionamentos sobre a constitucionalidade dessa expansão legislativa do efeito vinculante[1], o STF decidiu expressa ou implicitamente pela sua constitucionalidade[2], excluindo do efeito vinculante, no campo do controle concentrado, somente a decisão negativa de cautelar em ADIn.[3].

Mais recentemente, o STF tem aplicado a “transcendência de motivos determinantes” para estender o efeito vinculante de uma decisão em ADIn a leis de “idêntico conteúdo”, às quais se aplicam os mesmos fundamentos. Em conseqüência, quase a totalidade das decisões do STF no controle concentrado dispõe do meio expedito da reclamação para ser preservada, o que explica o crescimento exponencial do uso desse instituto nos últimos anos: em 1997 foram distribuídas 62 reclamações, número que ascendeu a 1.444 em 2009, considerando apenas os dados até agosto do ano corrente.

Fora do âmbito do controle concentrado, a adoção da súmula vinculante (EC nº 45 e Lei nº 11.417/06) estende essa técnica às decisões do STF no controle difuso de constitucionalidade. Mesmo com o estabelecimento do efeito vinculante no controle concentrado, os juízes ainda não se encontravam vinculados à jurisprudência do STF originada do controle difuso, o que se tornou possível com a criação das súmulas vinculantes, editadas após reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Paralelamente, a regulamentação da repercussão geral do recurso extraordinário (Lei nº 11.418/06) permite que a decisão do STF em um recurso estenda-se a outros “com fundamento em idêntica controvérsia”, os quais serão considerados “automaticamente não admitidos” caso a repercussão geral seja negada (art. 543-B). Por fim, encontra-se

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em discussão no STF o efeito vinculante de decisões no controle difuso, com base na idéia de que o instituto da resolução suspensiva do Senado Federal sofreu um processo de mutação constitucional[4].

Esse conjunto de institutos levou o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil a operar de uma nova maneira, ainda que sem abandonar seu caráter misto. Nos primeiros anos após a Constituição de 1988, a ausência de mecanismos de articulação entre o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade permitia julgar diversas vezes no controle difuso uma argüição de inconstitucionalidade, mesmo que o STF já houvesse se manifestado sobre a matéria no controle concentrado. Assim, tornou – se recorrente a divergência entre as decisões tomadas pelo STF e pelas demais instâncias do Judiciário, especialmente nos casos em que o Supremo Tribunal negava, em ADIn, o pedido cautelar de suspensão dos efeitos de uma norma, enquanto os juízes julgavam-na inconstitucional no exercício do controle difuso. De modo semelhante, mesmo uma questão julgada repetidas vezes, no mesmo sentido, em recurso extraordinário, poderia continuar recebendo decisões distintas nas demais instâncias do Judiciário.

Na busca de solucionar os problemas causados por essa divergência jurisprudencial sobre a interpretação da Constituição, a adoção da técnica do efeito vinculante trouxe novas características para o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, que podem ser sintetizadas da seguinte maneira (SCAFF; MAUÉS, 2005):

a) o controle difuso e o controle concentrado passam a se articular na direção do abstrato ao concreto, dado o efeito vinculante das decisões tomadas pelo STF na via direta sobre as decisões tomadas na via incidental;

b) a vinculação dos juízes à jurisprudência do STF deixa de ter um caráter meramente intelectual, baseado na força persuasiva de suas decisões, e passa a ter uma caráter dissuasivo, no qual a não observância da jurisprudência acarreta a cassação de decisões por meio do instituto da reclamação;

c) o efeito vinculante caracteriza-se como um mecanismo de prevenção da divergência sobre a interpretação constitucional, e não como um mecanismo de correção. Ele visa que os juízes se adaptem às orientações jurisprudenciais do STF, evitando que as dúvidas sobre a constitucionalidade da lei cheguem ao Tribunal e dificultando uma nova análise da questão que ensejou a divergência.

Esse conjunto de mudanças parte de um diagnóstico sobre os riscos que a incerteza e a demora dos pronunciamentos judiciais sobre determinada questão trazem para a segurança jurídica, apontando como solução a uniformização da jurisprudência constitucional na matéria, com base na orientação do STF. Apesar da validade dessa preocupação, as limitações que o novo modelo impõe ao exercício do controle difuso, ao vincular o juiz às decisões do STF, exigem uma reflexão sobre suas conseqüências para a proteção judicial dos direitos fundamentais. Como é sabido, nos sistemas concentrados o Tribunal Constitucional possui o monopólio da declaração de

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inconstitucionalidade das leis, que é efetivada mediante um processo constitucional distinto dos processos judiciais ordinários. No sistema difuso, a ausência desse monopólio permite que, em qualquer litígio, a constitucionalidade da norma a ele aplicável seja questionada pela parte, cabendo ao juiz da causa decidir sobre a compatibilidade ou incompatibilidade dessa norma com a Constituição.

No segundo caso, os órgãos judiciais dispõem de mais poder para a defesa dos direitos fundamentais, visto que a efetivam contra a lei, sem que seja necessária a manifestação do Tribunal Constitucional. Assim, enquanto no sistema concentrado a identificação da violação de um direito fundamental pela lei possibilita apenas que o juiz suspenda o processo até o julgamento da questão de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, no sistema difuso o juiz tem competência para deixar de aplicar a lei ao caso, decisão essa que valerá para as partes caso não seja reformada em instância superior.

Tendo em vista que o controle de constitucionalidade acionado incidentalmente favorece a identificação da violação de direitos nos casos concretos, o novo modelo pode vir a prejudicar a proteção judicial de outros direitos fundamentais, especialmente o direito à igualdade. Nesse campo, os problemas não decorrem apenas da existência de interpretações diferentes dos direitos fundamentais que desigualam o estatuto jurídico básico que lhes deve corresponder, pois a proteção do direito à igualdade demanda ao juiz dar um tratamento desigual a determinadas situações se as circunstâncias de fato assim o exigirem. Portanto, não se trata somente de garantir a previsibilidade das decisões judiciais, mas de fazê-lo a partir dos parâmetros estabelecidos pelo direito à igualdade.

Essa mudança de enfoque nos permite recolocar o problema da divergência jurisprudencial e propor outras alternativas para sua solução. Nas seções seguintes deste trabalho, buscaremos reconstruir os pressupostos do modelo da uniformização da jurisprudência constitucional para, a partir de sua crítica, propor um modelo alternativo para a solução desses problemas, denominando-o modelo da harmonização da jurisprudência constitucional. Em seguida, serão feitas algumas considerações acerca da teoria da transcendência dos fundamentos determinantes, assim como serão traçados alguns requisitos de sua aplicação, com base no modelo da harmonização da jurisprudencial constitucional. Ao final, faremos a defesa da adoção desse modelo e a forma de adequação da teoria da transcendência ao ordenamento constitucional com base no direito à igualdade na aplicação judicial do direito.

1 – O modelo da uniformização[5]

O modo de articulação entre o controle concentrado e o difuso acima exposto é regido pela idéia de que a jurisprudência constitucional deve ser uniforme, eliminando divergências sobre a interpretação judicial da Constituição. Esse modelo está baseado em três elementos:

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a) limitação da possibilidade do juiz afastar-se dos precedentes estabelecidos pelos tribunais superiores;

b) utilização de mecanismos para dissuadir ou vedar a não aplicação do precedente;

c) crença na possibilidade de limitar a interpretação dos textos normativos.

Como vimos acima, essas características foram sendo desenvolvidas no direito brasileiro com a adoção do efeito e da súmula vinculantes e o conseqüente uso da reclamação constitucional, das decisões monocráticas e da repercussão geral para dificultar a não aplicação do precedente firmado pelo STF.

Do ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais, o modelo da uniformização comporta várias críticas:

a) o caráter abstrato das decisões tomadas no controle concentrado dificulta a identificação das violações dos direitos fundamentais que podem ocorrer quando da aplicação da lei a casos concretos. Ao partir do abstrato para o concreto, a decisão pela permanência do texto normativo no ordenamento jurídico pode gerar situações inconstitucionais, prejudicando a proteção dos direitos fundamentais. Isso foi reconhecido pelo próprio STF no caso de proibição de liminares contra o Plano Collor e em várias das reclamações ajuizadas com base na decisão cautelar da ADC nº 4 (SCAFF; MAUÉS, 2005: 53-61). Mesmo que no caso da ADC – assim como na hipótese de ADPF para solução de controvérsia judicial – o STF tome em consideração argumentos favoráveis e contrários à constitucionalidade da norma surgidos no controle difuso, esse contraditório pré-existente não elimina todas as possibilidades futuras de divergência;

b) a súmula vinculante desestimula a apreciação das circunstâncias do caso concreto, necessária para uma aplicação do direito coerente com a Constituição. Ao conter a sistematização da parte dispositiva de um conjunto de decisões, o enunciado das súmulas não é suficiente para conhecer as razões que as fundamentaram. Isso vem dificultar o exercício correto da função judicial, tendo em vista que é impossível, sem analisar os critérios que presidiram as discriminações feitas em um caso determinado, decidir se o juiz deve aplicar o precedente a casos semelhantes. Nas súmulas editadas pelo STF após a Constituição de 1988, há enunciados que não são compatíveis com os precedentes,[6] além do próprio Tribunal deixar de aplicar a súmula a casos específicos;[7]

c) não se busca convencer o juiz por meio dos argumentos que fundamentam a decisão, a qual se impõe a partir da publicação somente da parte dispositiva do acórdão (art. 28 da Lei nº 9.868/99 e art. 10, § 2º, da Lei nº 9.882/99);

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d) baseia-se em uma visão equivocada da hermenêutica jurídica, desconsiderando que, como qualquer texto normativo, as decisões e súmulas vinculantes devem ser interpretadas, pois, também nesse caso, as normas não estão “dadas” no texto, mas resultam da intervenção do intérprete. Assim, diante das decisões e súmulas vinculantes o juiz deve realizar um juízo reflexivo sobre o conjunto normativo aplicável ao caso, considerando a individualidade da situação posta a seu julgamento.

Essa visão crítica destaca a importância de buscar outros caminhos para solucionar o problema da divergência judicial sobre a Constituição, que não coloquem em risco a proteção dos direitos fundamentais. A legislação e a jurisprudência sobre efeito e súmula vinculantes recorrem constantemente a expressões como “questão idêntica”, o que demonstra que é pressuposto da aplicação do precedente que as diferenças entre os casos não autorizem um tratamento desigual. Um exame mais acurado do caso, portanto, pode identificar circunstâncias que demandam excepcionar a decisão ou a súmula vinculantes, para evitar a violação de direitos fundamentais. Isso implica admitir um certo nível de divergência jurisprudencial, desde que essas diferentes decisões se harmonizem com o sistema constitucional.

2 – O modelo da harmonização

Partindo da idéia de que a divergência jurisprudencial na aplicação da Constituição não afeta apenas o direito à segurança, mas também o direito à igualdade, propomos um modelo alternativo que busca garantir a igualdade na aplicação judicial do direito, protegendo de modo adequado outros direitos fundamentais, como o próprio direito à segurança. As características desse modelo são as seguintes:

a) reconhecimento da possibilidade do juiz afastar-se do precedente, desde que o faça de modo fundamentado, apresentando argumentos que indiquem sua inaplicabilidade ao caso;

b) existência de mecanismos que possibilitam rever o precedente;

c) reconhecimento da importância das circunstâncias do caso para a interpretação da norma.

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Esse modelo reconhece, em princípio, a autoridade do precedente firmado pelo STF, mas possibilita que o juiz realize a interpretação do conjunto normativo aplicável ao caso e não apenas da decisão ou da súmula que se invoca como vinculante naquela lide. De modo similar à técnica do distinguishing adotada no sistema da common law, o modelo aqui proposto não implica negar validade ao precedente do STF, mas reconhecer que as circunstâncias do caso impedem sua aplicação em nome da proteção de direitos fundamentais. Portanto, uma fundamentação adequada para deixar de aplicar uma decisão ou súmula vinculante não parte da discordância do juiz com a interpretação realizada pelo STF, mas de sua inaplicabilidade àquele caso.

Sem embargo, é possível que decisões tomadas pelo STF venham demonstrar-se equivocadas em seus próprios fundamentos, o que torna necessária a existência de mecanismos de revisão do precedente. Nessa hipótese, mantém-se aberta a possibilidade de que o próprio Supremo Tribunal modifique sua jurisprudência, a partir do reconhecimento de que sua interpretação gerou violação de direitos em casos concretos.[8]

A valorização das circunstâncias do caso decorre da compreensão de que o intérprete atribui sentido à norma aplicando alguma das concepções do direito presentes na sociedade. No exercício desse papel, o intérprete tanto pode manter quanto reformar as concepções existentes, o que acentua o caráter histórico da interpretação. Onde a prática argumentativa do direito se desenvolve, os intérpretes não apenas reproduzem os sentidos que lhe são tradicionalmente atribuídos, mas também refletem sobre os valores e princípios a que o direito deve servir, propondo novas interpretações dos institutos jurídicos que venham a se ajustar a essas justificativas (DWORKIN, 1991: 66). Isso permite que, mesmo sem alteração do texto, as normas jurídicas sejam modificadas para atender àquelas exigências que, em dado momento histórico, são consideradas como o fim do direito.

Essa evolução é marcada não apenas pelo surgimento de novas interpretações gerais do direito, mas pelo aparecimento de casos cuja originalidade impõe ao intérprete refletir criticamente sobre suas concepções. Tais casos difíceis, portanto, trazem à tona os pressupostos que o intérprete utiliza na aplicação do direito, exigindo-lhe rever sua validade para a decisão do caso. Como os sentidos que o intérprete pode atribuir ao texto são construídos a partir das concepções jurídicas existentes em uma sociedade determinada, tampouco é possível interpretar qualquer texto normativo de modo puramente abstrato (OLLERO, 2005: 45; STRECK, 2006: 206). Mesmo que o intérprete não se encontre diante de um caso concreto, mas busque interpretar as palavras do texto ou elabore uma situação imaginária, as concepções jurídicas que ele assume como válidas serão mobilizadas nessa tarefa.

Por essa razão, o reconhecimento do caráter construtivo da interpretação jurídica é relevante não apenas por fornecer uma compreensão mais adequada dessa atividade, mas também pela orientação prática que oferece à aplicação do direito, particularmente à aplicação judicial. Diante de um caso concreto, o intérprete deve refletir se o sentido tradicionalmente atribuído à lei está de acordo com as circunstâncias do caso, de modo a aplicar de forma correta os princípios constitucionais. Se o intérprete é responsável pela construção do direito, não há como deixar de reconhecer a relevância do contexto em que essa construção se desenvolve

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Tal exigência decorre de uma concepção do direito adequada à Constituição democrática, na qual os direitos fundamentais são princípios que possuem aplicabilidade direta e fundamentam as decisões judiciais. Assim, o cumprimento da Constituição demanda do aplicador que desenvolva argumentos plenamente compatíveis com seus princípios, os quais fornecem a justificação última da interpretação da norma. Mesmo um enunciado legal "claro" somente pode ser aplicado corretamente quando confrontado com as normas constitucionais, pois a interpretação literal de um preceito também deve estar de acordo com a Constituição.

Como um paradigma emergente, o modelo de harmonização não pode ser exemplificado de modo sistemático no direito brasileiro, tal como o modelo anterior. No entanto, alguns institutos já presentes no ordenamento oferecem as bases de seu desenvolvimento, como, por exemplo:

a) a regulamentação constitucional da súmula vinculante prevê que a reclamação pode ser utilizada em caso de aplicação indevida da súmula. Isso significa que o juiz deve estar atento para as circunstâncias que presidem o enunciado da súmula, devendo particularizar situações quando isso for exigido. Tal possibilidade do uso da reclamação deve ser estendida a qualquer decisão dotada de efeito vinculante, pois, considerando que o fundamento do uso da reclamação nesses casos é a preservação da autoridade dos julgados do STF, essa autoridade também está sendo desrespeitada quando suas decisões são aplicadas incorretamente;

b) a ampla legitimidade para propor a revisão ou cancelamento de súmula confere agilidade ao processo de revisão do precedente nesse caso (art. 3º da Lei 11.417/06);

c) a possibilidade de que o STF julgue novamente em recurso extraordinário questão decidida no controle concentrado;[9]

d) a inexistência de efeito vinculante da decisão que indefere a cautelar em ADIn.

3- A Teoria da Transcendência dos Fundamentos Determinantes: Os Limites Objetivos do Efeito Vinculante

O efeito vinculante possui destinatários específicos, o que limita sua incidência a determinados sujeitos. Dessa forma, de acordo com a dicção do art. 102, § 2º da CF/88,

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apenas o Poder judiciário (excluído o STF) e a Administração pública Federal, Estadual e Municipal estão vinculados às decisões de mérito do STF em ADIn, ADC e ADPF. Todavia, é válido ressaltar que, tanto a CF/88, quanto as leis 9.868/99 e 9.882/99, não tratam, de forma explícita, acerca da parte da decisão que gera efeitos vinculantes. Portanto, para perquirir sobre as premissas desta teoria, é necessário delimitar a natureza do efeito vinculante, assim como sua distinção do efeito erga omnes e da coisa julgada, bem como distinguir o que seriam fundamentos determinantes e o que seriam as coisas ditas de passagem.

3.1- Breve Distinção entre Efeito Vinculante, Efeito Erga Omnes e Coisa Julgada

Para uma melhor delimitação acerca da natureza do efeito vinculante, é necessário que se tracem algumas distinções entre aquele, o efeito erga omnes e a coisa julgada. Com efeito, conforme se depreende da leitura do art. 102, § 2º da CF, o legislador constituinte reformador distinguiu o efeito vinculante do efeito erga omnes, uma vez que afirma que as decisões de mérito serão dotadas de sobreditos efeitos. Por conseguinte, e uma vez que o efeito vinculante não se confunde com a coisa julgada, podemos inferir que os três são institutos que possuem definições e funções distintas.

A coisa julgada, de acordo com Dinamarco (2005, p.326-327), é a qualidade da sentença que julgou a demanda. Trata-se de instituto de índole processual que visa gerar a segurança das relações jurídicas e prestigiar as decisões definitivas do poder judiciário em razão de sua imutabilidade. Ocorre após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando a decisão resta impassível de qualquer impugnação.

A coisa julgada possui limites objetivos, ou seja, um dos elementos da decisão judicial torna-se revestido pelo manto da imutabilidade. A doutrina se inclina em afirmar que apenas a parte dispositiva da decisão faz coisa julgada, aduzindo Dinamarco (2005, p. 313) que “somente o preceito concreto contido na parte dispositiva das sentenças de mérito fica protegido pela autoridade da coisa julgada material”.

No processo objetivo de controle de constitucionalidade, as decisões de mérito, ou seja, as que fazem coisa julgada material, não poderão ser objeto de recurso ou de ação rescisória, o que se depreende que, uma vez decidida a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma norma, tal decisão é impassível de reforma. Portanto, faz coisa julgada formal, na medida em que não poderá ser passível de impugnação no mesmo processo, bem como coisa julgada material, impedindo que a decisão seja questionada em qualquer outro processo. O que quer dizer, na linha do exposto acima, que somente a parte dispositiva do acórdão que julgou o mérito em ADIn, ADC[10] ou ADPF se revestirá do manto da imutabilidade, impedindo que uma mesma ação possa versar sobre o mesmo ato impugnado.

Quanto à sujeição à coisa julgada, ou seus limites subjetivos, podemos afirmar que, em regra, limita-se às partes que participaram da demanda (art. 472 do CPC). Contudo, o ordenamento, em leis especiais[11], determina a eficácia subjetiva da coisa julgada a todos, ou seja, até aos que não participaram da demanda. A possibilidade de atribuição a

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todos dos efeitos da decisão da coisa julgada, ou seja, da sua parte dispositiva, depende de disposição legislativa. Desta forma, a eficácia erga omnes é um dos efeitos da coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade, estendendo seus efeitos a todas as pessoas que não participaram do processo. Luis Roberto Barroso (2006, p.176) lembra que, no controle concentrado, a eficácia erga omnes da coisa julgada opera em função da legitimação extraordinária prevista pela lei, que considera os legitimados a propor à ação como substitutos processuais dos autores da demanda, que neste caso específico, seria a sociedade na defesa do ordenamento jurídico e da higidez constitucional.

Ademais, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, o Tribunal retira do ordenamento jurídico o ato normativo inconstitucional. Portanto, em se tratando de órgão do poder judiciário, os julgados do STF estão submetidos, igualmente, ao chamado regime da preclusão máxima inerente a todo ordenamento jurídico pátrio, desta forma, as decisões tomadas no controle concentrado de constitucionalidade fazem coisa julgada, seja material ou formal, e os efeitos da coisa julgada incidem para todos. Tal incidência, hodiernamente, possui guarida constitucional (art. 102, § 2º, com a redação dada pela EC nº 45/04).

Na linha do exposto, podemos acrescentar que a coisa julgada material oponível erga omnes no controle concentrado impede que qualquer legitimado a propor a ação possa questionar, novamente, o ato em uma nova ação, bem como a impossibilidade de aplicação do ato normativo expulso do ordenamento por quaisquer poderes da República.

Neste diapasão, conforme se pode depreender do disposto no art.28 da lei 9.868/99, art. 11 da lei 9.882/99 e do art. 102 , § 2º da CF/88, o legislador estabeleceu diferenças entre eficácia erga omnes e efeito vinculante, pois, conforme acentua Olavo Ferreira (2003), o efeito vinculante é mais abrangente do que erga omnes, na medida em que possibilita, no caso de descumprimento de decisão dotada de vinculatividade, a interposição de reclamação diretamente ao STF, sendo desnecessária a via do Recurso Extraordinário, o que seria impossível somente em face do efeito geral da coisa julgada.

3.2 - Ratio Decidendi e Obiter Dictum.

O efeito vinculante representa um “plus” em relação ao erga omnes, porquanto suas conseqüências são mais drásticas, uma vez que vincula os seus destinatários à observar a interpretação utilizada pelo STF para julgar constitucional ou inconstitucional determinado ato. Porém, questão complicada está em determinar qual seria essa interpretação utilizada, ou seja, em determinada decisão do STF, extrair o que viria a ser o fundamento determinante e o que foi apenas dito de passagem (obiter dictum).

Stielfman (2006, p.169), afirma que a delimitação do que seja ratio decidendi e obiter dictum constitui uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos países que adotam o efeito vinculante.

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A fundamentação é indispensável na sentença por expressa disposição constitucional (art. 93, IX da CF/88). Nesta parte da sentença ou acórdão é onde são expressos os entendimentos do juiz ou do tribunal a respeito do tema versado no processo. Caracterizando-se, desta forma, na parte do acórdão em que o julgador expressa a tese jurídica a ser adotada para o deslinde da causa, ou seja, “os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão” (DIDIER, 2007, p.233). Por outro lado, as coisas ditas de passagem são prescindíveis à resolução da demanda, mas o magistrado lança delas mão para reforçar ou salientar alguma parte de sua fundamentação.

Neste diapasão, Cruz e Tucci (2004) propõe um exercício mental para diferenciar a fundamentação das coisas ditas à margem: deve-se inverter o teor do núcleo decisório; posteriormente, se indaga se a conclusão da decisão continuaria a mesma, caso o juiz tivesse escolhido a regra invertida. Se a decisão se mantiver, então a tese não era fundamento determinante; caso contrário, a resposta será positiva (CRUZ e TUCCI, 2004, p.177).

Por fim, temos a parte dispositiva da sentença ou do acórdão, que constitui a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um preceito, concluindo acerca de uma demanda que lhe foi dirigida (DIDIER, 2007, p.239). Nesse sentido, seria o posicionamento do STF acerca da manutenção ou expurgação do ato impugnado.

3.3 – A Teoria da Transcendência dos Fundamentos Determinantes e sua Aplicação no Brasil

Consoante o exposto alhures, dentre os inúmeros mecanismos utilizados pelo STF que visam articular os controles concentrado e difuso de constitucionalidade, bem como garantir a aplicação da jurisprudência constitucional, podemos destacar a aplicação da Teoria da Transcendência dos Fundamentos Determinantes como um exemplo das conseqüências da expansão do efeito vinculante às decisões plenárias exaradas pelo Supremo Tribunal Federal.

De acordo com a referida teoria, o limite objetivo do efeito vinculante, para o ordenamento jurídico pátrio, não estaria adstrito à parte dispositiva do acórdão, mas transcenderia aos fundamentos determinantes da decisão de mérito no controle concentrado. Nesse sentido, os fundamentos determinantes em uma decisão se caracterizam como a ratio decidendi, distinguindo-se, por óbvio, das coisas ditas de passagem (obiter dicta) no julgamento de uma causa. Em síntese, a teoria visa atribuir efeito vinculante aos motivos (às razões da decisão) que determinaram o julgamento de mérito no controle concentrado de constitucionalidade (inclusive as decisões cautelares que são dotadas desse efeito).

Expostos os fundamentos da teoria, indaga-se: seria viável sua aplicação em nosso país?

Para responder essa pergunta, devemos passar por algumas questões pontuais. Em primeiro lugar, razões de conformidade processual. As razões de um julgado, via de regra, não fazem coisa julgada, portanto, não vinculam. Todavia, esta disposição

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processual deve ser interpretada adequadamente para o controle de constitucionalidade concentrado, uma vez que se trata de processos de natureza objetiva que possuem uma função político-institucional diferenciada daqueles procedimentos regulamentados pelo CPC. Nesse sentido, alguns institutos processuais típicos do processo civil comum são adaptados para as ações constitucionais que desafiam o controle concentrado do STF.

Como exemplo, podemos citar as condições da ação. Nos processos objetivos abstratos não se exige a demonstração do interesse de agir[12], justamente em razão da função de proteção da higidez constitucional inerente a estas ações, ou seja, a exigência da referida condição é mitigada em favor dos objetivos a serem alcançados pela ação. Do mesmo modo, os elementos da ação, segundo sua conformação do processo subjetivo, são redefinidos com o fito de dar concretude à defesa das normas constitucionais, pois as causas de pedir nas ações do controle concentrado não se restringem àquelas apresentadas pelo autor, sendo possível ao STF buscar outras que sejam mais consistentes e suficientes para atacar ou defender o ato impugnado[13].

Como observado, os institutos do processo civil subjetivo não devem ser interpretados de forma a que se consubstanciem em óbices ao efetivo papel a ser cumprido pelas ações constitucionais do controle concentrado, incluindo, portanto, a noção dos limites objetivos do efeito vinculante. Com efeito, as decisões do STF devem ser observadas, uma vez que o modelo da uniformização não implica em um desrespeito ao precedente do STF, bem como à interpretação do Tribunal acerca das normas constitucionais, expostas nos fundamentos aduzidos nos votos dos Ministros, pelo contrário, busca uma uniformização coerente desta interpretação tomando por base as peculiaridades de cada caso e a adoção do posicionamento oriundo das decisões plenárias do STF. Nesse sentido, a interpretação dotada de efeito vinculante pode transcender aos fundamentos, desde que estes sejam aplicáveis ao caso concreto a ser decidido pelo judiciário. O manejo da reclamação constitucional se configura como o meio viável e expedito de se garantir que o poder judiciário se atenha aos fundamentos das decisões dotadas de efeito vinculante, para efeitos de uniformização de jurisprudência e para que o direito se aplique igualitariamente a todos.

Por fim, a transcendência dos fundamentos determinantes permite um alargamento da incidência da interpretação dotada de efeito vinculante que o STF realizou em um precedente anterior. Entretanto, a fim de que esta transcendência seja consentânea ao ordenamento jurídico pátrio, algumas limitações devem ser impostas a sua aplicação, conforme será feito infra.

3.4- O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

A primeira vez que o plenário[14] do STF teve a oportunidade de se debruçar a respeito da teoria ocorreu nos autos da Rcl. 1.987-0/DF, da Relatoria do Min. Maurício Corrêa, em 01/10/2003. O caso versava sobre o seqüestro de verbas públicas destinadas à satisfação de dívidas alimentares de natureza trabalhista, em confronto com o exposto no § 2º do art. 100 da CF/88[15]. No caso, a Juíza Presidente do Tribunal Regional do

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Trabalho da 10ª Região determinou seqüestro de verbas públicas do estado membro, na medida em que houve falta de pagamento de precatórios vencidos.

Aduziu-se, na reclamação, afronta ao decidido pelo STF na ADI nº 1662-SP. Naquela ADIn, o ato atacado fora instrução normativa do TST (IN nº 11/97), que equiparava à hipóteses de preterição a não inclusão na lei orçamentária e o pagamento inidôneo do precatório devido, como capazes de possibilitar o seqüestro de verbas. O STF decidiu que, mesmo com a superveniência da Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, não houve a criação de nova modalidade de seqüestro de verbas públicas para a satisfação de precatórios concernentes a débitos alimentares, permanecendo inalterada a regra imposta pelo artigo 100, § 2º, da Carta Federal, que a autoriza somente para o caso de preterição do direito de precedência do credor, declarando, por conseguinte, a inconstitucionalidade da aludida instrução normativa do TST.

O Ministro relator da reclamação considerou que, mesmo que o ato impugnado seja diferente (no caso da ADIn paradigma, a Instrução normativa do TST; na Reclamação, decisão da Presidente do TRT da 10ª Região), a circunstância fática que o embasava era a mesma da decisão reclamada, uma vez que desobediente ao conteúdo essencial do julgado na ADIn, que possuía efeito vinculante, pois julgada no mérito. Aduziu, ainda, o eminente relator, que a regra é a exegese da norma jurídica aplicável segundo a dicção constitucional fixada pela corte, não o texto normativo em sentido estrito, daí transcender o efeito vinculante à fundamentação. Ou seja, para o ministro, a norma jurídica a ser aplicada e dotada de eficácia vinculante, é aquela extraída da interpretação que o STF realizou do texto normativo da Constituição, no sentido de impedir que fossem criadas, por via obliqua, novas possibilidades de seqüestro de verbas diferentes daquelas previstas constitucionalmente.

Com o passar dos anos, várias foram as decisões do STF, sejam em decisões monocráticas, sejam em acórdãos do plenário que, ora aceitaram a teoria[16] e ora a rejeitaram[17], porquanto ainda não houvera manifestação definitiva da corte sobre o tema[18]. Todavia, atualmente, podemos observar que, com vistas a dar fim à divergência anterior, o tribunal chegou a um consenso: afirma que o plenário ainda não se pronunciou sobre a aplicação da teoria. Vale salientar que o STF, através desse novo posicionamento, não rejeitou por inteiro a teoria, assim com não determinou sua aplicação sem que sejam determinados alguns parâmetros de aplicação.

Sem embargo de outras de igual teor[19], recente decisão monocrática, da relatoria da Min. Ellen Gracie condensa, sucintamente, as premissas da teoria, bem como resume o atual entendimento do STF em relação ao tema:

Todavia, ainda que assim não fosse, cumpre-se assinalar que melhor sorte não teria o reclamante no presente caso. É que não é cabível a aplicação da denominada “Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes”, como quer o reclamante. Nesse sentido destaco os trechos das seguintes decisões proferidas por eminentes Ministros desta Corte, verbis: “(...) 10. O Plenário deste Tribunal ainda não fixou entendimento no sentido de afirmar a transcendência das razões de decidir nas ações constitucionais. 11. Por ora persiste o entendimento, do Colegiado, segundo o qual a ausência de identidade ‘perfeita’ entre o ato impugnado e a decisão apontada como violada é circunstância que inviabiliza o conhecimento da reclamação. (...)” (Reclamação

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6.495/SP, rel. Min. Eros Grau, DJE 04.12.2008, destaquei) “(...)”, “(...) Portanto, seus efeitos vinculantes restringem-se ao objeto de cada ação (as normas impugnadas). Quero dizer, com isso, que a ‘transcendência dos motivos determinantes’ não autoriza o manejo de reclamação constitucional , mais ainda quando tal teoria não tem pacífico acolhimento neste Supremo Tribunal. (...)” (Reclamação 7.336/SP, rel. Min. Carlos Britto, DJE 03.02.2009). (STF, Rcl 5.241/AL, DJe 07/08/2009, Min. Ellen Gracie).

3.5. O Posicionamento da Doutrina.

Ainda que seja escasso e incipiente o estudo do fenômeno da transcendência no Brasil, alguns poucos doutrinadores se ocuparam do assunto, a fim de atribuir uma justificativa para sua ocorrência em nosso país. O atual presidente do STF, Min. Gilmar Mendes, foi quem primeiro tratou do assunto, logo após a criação do efeito vinculante com a EC nº 03/93. Segundo Mendes (1995), ancorado em forte doutrina alemã, o efeito vinculante não se limita à parte dispositiva da decisão e transcende aos fundamentos determinantes (trangende grunde), não alcançando, todavia, os ditos marginais do acórdão (obiter dicta).

Para fundamentar seu posicionamento, o autor utiliza o entendimento da Corte Constitucional Alemã[20], que, ao interpretar o art. 31, § 1º da Lei Orgânica do referido Tribunal, assentou que o efeito vinculante possui uma abrangência maior que a coisa julgada e a decisão não resolveria apenas o caso singular, mas conteria prescrições sobre a Constituição que poderiam ser utilizadas para o futuro. Ressalta, ainda, que esta foi a intenção do legislador ao editar a lei orgânica da Corte alemã, ao dar força vinculante aos seus entendimentos e aplicá-los a casos futuros, através do que chamou de “norma decisória concreta”. Conclui que esta deveria ser a orientação adotada no Brasil, em face do que previa a exposição de motivos da Proposta de Emenda Constitucional elaborada por Roberto Campos[21] (MENDES, 1995, p.101-104).

Outro autor que analisou a questão dos limites objetivos do efeito vinculante foi Olavo Alves Ferreira (2003, p.150-153), afirmando que (embora entenda inconstitucional a existência do efeito vinculante) o legislador optou pela transcendência dos fundamentos determinantes nas decisões em controle abstrato de constitucionalidade. Para fundamentar seu posicionamento, o autor argumenta com base no art. 28 da lei 9.868/99, que a interpretação conforme a constituição é dotada de efeito vinculante, portanto, conclui, não haveria motivos para excluir a vinculação das motivações de outras decisões que igualmente interpretem a Constituição.

O autor lembra, para complementar seus argumentos, o art. 10 da lei 9.882/99 que estatui, textualmente, que o STF fixará as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental de maneira geral e com efeito vinculante. Por conseguinte, os fundamentos utilizados para interpretar o preceito fundamental transcenderiam para alcançar outras situações que descumpram preceitos fundamentais.

Alexandre de Moraes (2004) é, também, partidário da adoção da teoria dos fundamentos determinantes no Brasil. Segundo o autor, esta teoria serviria de fundamento para impedir que o legislador edite novas normas com idêntico conteúdo daquelas anteriormente declaradas inconstitucionais, ou ainda, normas que pudessem convalidar

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os efeitos da norma anteriormente declarada inconstitucional (MORAES, 2004, p. 2.455). Para fundamentar seu entendimento, o autor relembra a problemática do Conselho Constitucional Francês, pois, como o efeito vinculante em França não se estende aos fundamentos determinantes, a decisão do Conselho é amplamente desrespeitada em sede de controle preventivo (MORAES, 2004, p. 2.459-2460)[22].

4 – O direito à igualdade na aplicação judicial do direito: aplicação do modelo da harmonização á teoria da transcendência dos fundamentos determinantes.

A consagração do direito à igualdade no Estado Liberal compreendia que era suficiente para sua proteção o estabelecimento de comandos legais genéricos e abstratos, que deveriam ser aplicados pelo juiz sem levar em consideração a particularidade das situações. Com o reconhecimento de que a subordinação do juiz à lei não significa sua aplicação automática, mas que ele a interpreta aplicando, nota-se que o texto normativo é insuficiente para garantir a igualdade perante a lei, a qual também passa a depender dos critérios utilizados pelo juiz no julgamento dos casos concretos.

Assim, o direito à igualdade vincula tanto o legislador na feitura da lei quanto o juiz na aplicação da lei, obrigando-lhe a julgar da mesma forma os casos iguais. O cumprimento desse dever impõe ao juiz um duplo papel: não discriminar as situações iguais, aplicando os precedentes, e discriminar as situações desiguais, deixando de aplicar os precedentes. A falha em cumprir com a primeira obrigação viola o direito a um tratamento igual, em que não devem ser consideradas as diferenças entre os sujeitos; a falha em cumprir com a segunda viola o direito a um tratamento desigual, em que devem ser levadas em consideração determinadas diferenças.[23]

Essa dupla dimensão do direito à igualdade destaca que sua proteção sempre depende de um juízo sobre as circunstâncias factuais e jurídicas (ALEXY, 1993: 387), o

qual não se baseia na separação entre "questões de fato" e "questões de direito", mas antes significa um juízo sobre a qualificação jurídica dos fatos (OLLERO, 2005: 26). Na medida em que mesmo casos semelhantes contêm diferenças, corresponde ao julgador discernir se elas são suficientes para justificar, com o objetivo de garantir o direito à igualdade, um tratamento desigual desses casos. A vinculação do juiz ao direito à igualdade renova a importância da exigência constitucional de fundamentação das suas decisões (art. 93, IX). O locus da sentença judicial onde devem ser explicitadas as razões para julgar situações semelhantes de modo igual ou diferente é a motivação. Nela, o juiz deve esforçar-se para apresentar como ratio decidendi o juízo de igualdade que conduziu sua decisão no caso, permitindo o controle da correção da sua sentença e o reconhecimento dos critérios que autorizam converter essa decisão em precedente para os casos futuros.

Enquanto no direito norte-americano o princípio do stare decisis impõe o conhecimento das ratio decidendi que fundam a norma jurídica, conduzindo a um constante exame das circunstâncias que justificam a aplicação do precedente ou demonstram sua inadequação ao caso (distinguishing) (MIRANDA, 2006), a adoção do efeito vinculante no Brasil

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pode desvalorizar o processo hermenêutico que forjou os precedentes. O conhecimento apenas da parte dispositiva das decisões leva a equívocos na identificação das circunstâncias que demandam sua aplicação, deixando-se de lado as discriminações que o direito à igualdade exige no exercício da função jurisdicional. Tendo em vista que as decisões do STF são interpretadas como qualquer texto normativo, a garantia da igualdade em sua aplicação demanda uma reflexão sobre a fundamentação dos precedentes. Não basta, portanto, conhecer o resultado da interpretação que foi dada a determinado conjunto normativo, mas também os casos que presidiram o desenvolvimento dessa interpretação, buscando as razões que fundamentaram a construção da norma.

É imperioso ressaltar a necessidade de se analisar, cautelosamente, as fundamentações utilizadas nas decisões tidas como paradigmas, para que se evitem aplicações incorretas do precedente estabelecido em relação aos fundamentos determinantes adotados pelo STF. Nesse contexto, Stielfamn (2006, pp.170-171) relembra a dificuldade de se estabelecer qual o fundamento determinante de determinada decisão, pois, em nosso país, onde a divergência apenas é considerada a respeito do resultado concreto da decisão, ou seja, ainda que haja divergência quanto aos fundamentos, porém convergência quanto ao resultado do julgado (constitucionalidade ou inconstitucionalidade), a decisão será considerada unânime. Para corroborar seu posicionamento, o autor cita o julgamento da ADIn nº 51-9/RJ, em que houve decisão unânime quanto a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, porém, nos votos dos ministros, a fundamentação para declaração de inconstitucionalidade foi diversa[24].

Com base nessa premissa, cumpre ao intérprete realizar um minucioso estudo dos fundamentos fáticos e jurídicos que serviram de base para a decisão dotada de efeito vinculante, a fim de aplicar, ou não, o precedente com respeito ao direito à igualdade (na dupla acepção acima mencionada), quando da aplicação da teoria da transcendência.

Aplicações desmedidas da teoria podem dar azo à flagrantes desrespeitos ao direito a ter um tratamento desigual, na medida em que a generalidade em que são postas as interpretações feitas em sede de controle concentrado impedem que o STF conceba, ainda que hipoteticamente, todas a possibilidade de incidências do precedente. Como exemplo dessa situação, salientamos o caso do julgamento da ADI nº 3.460/DF, DJ 15/06/2007, Rel. Carlos Britto, em que ficou assentada a constitucionalidade de ato administrativo que regulamentava a exigência dos 03 (três) anos de atividade jurídica prevista na EC nº 45. Desta forma, podemos extrair dos fundamentos dos votos vencedores, em especial do Min. relator, a norma a ser aplicada como precedente, qual seja: os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado "atividade jurídica" é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. Por fim, o momento da comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso e não da inscrição definitiva.

Contudo, este entendimento mesmo sendo geral, para ser aplicado, deverá levar em consideração as particularidades do caso concreto trazido perante o juiz. Como ocorreu no caso do MS nº 26.690/DF. Em julgamento que excepcionou o entendimento dotado de efeito vinculante acima descrito, o Tribunal concedeu a segurança à Promotora de Justiça do Estado do Paraná, para que a exigência dos 03 (três) anos de atividade

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jurídica não consubstanciasse óbice à habilitação da impetrante ao exercício do cargo de Procurador da República, para que, assim, tomasse posse no mesmo. No caso, o pedido de inscrição definitiva da impetrante fora indeferido por não ter sido comprovado o período de atividade jurídica exigido pela Constituição no momento da inscrição, conforme o assentado no julgamento da ADIn paradigma. O min. Eros Grau, relator, em face do fato de a impetrante ser Promotora de Justiça do Estado do Paraná, empossada desde abril de 2005, exercendo atribuições inerentes a esse cargo, inclusive algumas que também são exercidas pelo Ministério Público Federal (conforme a LC 75/93, artigos 78 e 79), concluiu caracterizar-se uma contradição injustificável a circunstância de a impetrante exercer funções delegadas do Ministério Público Federal e, concomitantemente, ser julgada inapta para habilitar-se em concurso público para o provimento de cargos de Procurador da República[25].

Observa-se no caso descrito que a norma dimanada da decisão da ADIn tida como paradigma não foi apta a abarcar a generalidade de situações que podem ocorrer cotidianamente. Ademais, como repisado, o juízo feito no controle abstrato, obsta que os ministros verifiquem as hipóteses de incidência de determinada norma e suas conseqüências. Portanto, são necessários alguns requisitos para que se aplique a teoria da transcendência, no intuito de:

a) evitar que os fundamentos determinantes utilizados anteriormente para declarar a inconstitucionalidade (ou constitucionalidade) de determinada norma paradigma sejam utilizados sem a devida interpretação do contexto normativo no qual faça parte a norma impugnada, ainda que carregue conteúdo material semelhante;

b) Possibilitar que o juiz deixe de utilizar as ratio decidendi dotadas de eficácia vinculante da decisão paradigma em um caso que não guarde total similitude fática e jurídica com aquela, bem como quando o precedente não tenha previsto a possibilidade de sua ocorrência.

Na esteira do debatido supra, bem salientou a questão da similitude fática o Min. Cezar Peluso:

“Só se torna lícito falar em afronta à eficácia vinculante da ratio decidendi de decisão proferida por esta Corte, no bojo de ADI ou ADC, nos casos em que o provimento jurisdicional ou administrativo impugnado verse a mesma questão jurídica, decidida em sentido contraditório ao teor do aresto invocado como paradigma. É preciso que a matéria de direito debatida no pronunciamento, cuja autoridade se alega ofendida, seja em tudo semelhante, senão idêntica, àquela sobre a qual se funda a decisão que teria desembocado em conclusão oposta. De outra forma, distintas as situações, não se justifica nem legitima a imposição da eficácia vinculante para além dos limites objetivos e subjetivos da ação em que se exerceu controle concentrado de constitucionalidade.[26]”

Desta forma, ainda que alegado pelo reclamante a aplicação da teoria a determinado caso, os ministros analisam se houve o desrespeito de sua decisão analisando o contexto

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fático em que foi proferido o ato divergente, sendo insuficiente a existência de precedentes para que se configure a hipótese sujeita ao questionamento pela via da reclamação, uma vez que deve ser necessário comprovar a existência de julgado específico afrontado pelo ato judicial e demonstrar a pertinência com a espécie posta em discussão[27].

Por fim, e lançando mão do que afirma Dinamarco (2002), para a utilização da reclamação no caso de decisão atentatória àquela proferida pelo STF, entendemos que deverão ser observados alguns requisitos, como, por exemplo, que o pedido ou requerimento sobre o qual o juiz inferior se manifestou haja sido formulado pela parte com apoio no mesmo fundamento rejeitado superiormente.

Considerações Finais

A adoção do modelo de harmonização da jurisprudência constitucional permite enquadrar corretamente o problema da divergência em torno da interpretação da Constituição. Enfatizando o direito à igualdade na aplicação judicial do direito, fornece critérios tanto para o afastamento do precedente quanto para sua adoção e manutenção. Nesse último campo, o direito à igualdade justifica a aplicação do efeito vinculante especialmente em duas situações: para garantir a não aplicação de lei declarada inconstitucional, seja no controle concentrado seja no controle difuso;[28] e nos casos em que a variação nas circunstâncias de fato não autoriza um tratamento desigual dentro de uma mesma categoria legal.[29]

Nesse passo, a teoria da transcendência dos motivos determinantes, sem embargo de sua adequação constitucional, deve ser aplicada de acordo com requisitos que possibilitem a vinculação às interpretações do texto constitucional feitas pelo STF, ou seja, apenas seria válido afirmar que os fundamentos de uma decisão paradigma vinculam o judiciário e a administração quando existir identidade jurídica dos fatos, em que seja impossível de se afastar do precedente, a fim de dar concretude à aplicação igualitária do direito.

Esse conjunto de razões justifica a reflexão sobre o direito à igualdade como um antídoto ao risco de diminuição da proteção dos direitos fundamentais no atual sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, possibilitando uma interpretação das decisões e súmulas vinculantes que contribua positivamente para o processo de construção judicial do direito.

Referências

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[1] O Conselho Federal da OAB ajuizou ADIns contra os referidos artigos. Vale lembrar que a EC nº 45 consolidou o efeito vinculante somente para as decisões definitivas de mérito em ADIn e ADC (art. 102, 3º), permanecendo silente quanto às cautelares e à ADPF. Quanto a questão da atribuição legislativa do efeito vinculante à ADPF, cf. os debates na ADIn nº 2.231/DF.

[2] Ver, no sentido da constitucionalidade do efeito vinculante determinado por lei infraconstitucional, a decisão plenária na Questão de Ordem no AgR na Rcl. 1.880/SP.

[3] Ver Rcl nº 2.810. Vale lembrar que tal posição não é unânime, havendo Ministros do STF que defendem a possibilidade de conceder efeito vinculante também à decisão que indefere a cautelar em ADIn, tal como transparece nos debates da reclamação acima citada

[4] Cf. os debates da Rcl nº 4.335.

[5] Esta seção e a seguinte se baseiam em Maués (2008).

[6] A Súmula 646, por exemplo, estabelece que “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”, no entanto, os precedentes referem-se somente a farmácias e drogarias, e o próprio STF reconhece a constitucionalidade dessa limitação quando se trata de postos de gasolina (RE 204.187 e 235.736). Cf. MAUÉS; FONSECA; RÊGO (2006).

[7] Por exemplo, a Súmula 691 (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”), cuja aplicação tem sido afastada pelo STF em casos de flagrante ilegalidade da prisão (HC 86.864); insignificância (HC 89.178); execução de sentença condenatória antes do trânsito em julgado, sem necessidade acauteladora (HC 90.112); ausência de requisitos da prisão preventiva (HC 90.370); ausência de motivação da decisão (HC 89.777).

[8] No caso da súmula vinculante, a exigência de maioria qualificada para sua edição estabelece um mecanismo de controle sobre a constitucionalidade das decisões do STF, tendo em vista que a existência de dúvidas razoáveis sobre a correção da posição do Tribunal dificulta sua edição. No caso das declarações de constitucionalidade com efeito vinculante, deve-se analisar com redobrada atenção os fundamentos da decisão e os votos minoritários, nos quais podem ser antevistas situações em que a aplicação da norma gera uma situação inconstitucional no caso concreto

[9] Tendo em vista o lapso temporal para que uma questão seja apreciada pelo STF na via do recurso extraordinário, é possível que, nesse intervalo, ocorra uma alteração no entendimento do Tribunal firmado no controle concentrado. Tal ocorreu no caso da

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exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade de recurso na esfera administrativa (SCAFF, 2006). Por essa razão, deve-se admitir a repercussão geral do recurso extraordinário quando, apesar de suas semelhanças com os precedentes, um novo conjunto de casos requeira um tratamento desigual.

[10] Ressalvado os entendimentos que consideram que nos julgamentos em ADC somente opera-se a formação da coisa julgada formal, ou seja, impedimento de discussão sobre o ato impugnado em um mesmo processo e aquele que compreende que a coisa julgada na ADC está submetida à cláusula Rebus Sic Stantibus. Nesse sentido, como partidário da primeira tese Streck (2002, p. 613) e Mendes (2005, pp. 363-364) da segunda.

[11] Com exemplos: a lei da Ação Civil Pública e da Ação Popular

[12] Este entendimento dever ser tomado com ressalvas. Dizer que os legitimados a propor as ações do controle concentrado estão dispensados de demonstrar qualquer interesse, bem como que sua intenção sempre seria a defesa da Constituição, sem visar benefícios próprios, seria uma afirmação vazia e nem sempre correta. Não obstante o caráter objetivo, o STF limita a possibilidade de interposição de ADIn e ADC (consecutivamente à ADPF) para determinados legitimados. O Tribunal exige a chamada “pertinência temática” aos legitimados especiais (os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Nesse sentido, Cf. ADI-MC 305/RN, DJ 06/05/1994. Ademais, alguns legitimados podem, a pretexto de resguardar a constituição, desafiar o controle concentrado para obter benefícios particulares da decisão tomada. Nesse sentido, citam-se as ponderações feitas pela Min. Ellen Gracie no voto da ADPF nº 46 e a Decisão monocrática do Min. Joaquim Barbosa na ADIn-MC nº 3.908/DF.

[13] Cf. debates na ADIn nº 2.591/DF.

[14] Há de se ressalvar a decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes na Rcl 2.126/SP, DJ 18/08/2002 em que aplicou a teoria para conceder a medida cautelar.

[15] Art. 100, § 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito

[16] Rcl–MC 2.986/SE, DJ 18/03/2005; Rcl. 2.363/PA, DJ 23/10/2003 e Rcl.-MC 3.880/SE, DJ 18/11/2005.

[17] Rcl-MC 4.614/ RS, DJ 16/10/2006 e Rcl 2.990-AgR/RN, DJE 14/09/2007. Este último acórdão é interessante, pois, ainda que não tenha sido debatida nos autos, mas apenas suscitada de forma indireta, a ementa apresenta que o plenário havia rejeitado a aplicação da teoria, ainda que em decisões posteriores alguns ministros adotarem a mesma: EMENTA: I. Reclamação. Ausência de pertinência temática entre o caso e o objeto da decisão paradigma. Seguimento negado. II. Agravo regimental. Desprovimento. Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal

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rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões de ações de controle abstrato de constitucionalidade (grifos nossos) (RCL 2475-AgR, j. 2.8.07).

[18] O posicionamento do plenário seria tomado na Rcl. 4.219/SP, contudo, em razão do falecimento da parte interessada, o processo foi extinto.

[19] Nesse sentido, ver: Rcl. 8.470/DF, DJe 26/06/09; Rcl 7.905/RN, 08/05/2009; Rcl 7.280-MC/SP, DJe 12/12/2008; Rcl 7.808/MT, DJe 12/03/09 e Rcl 7.956/RN, DJe 15/04/2009.

[20] A tese da transcendência, como denuncia Stielfman (2006, p.119), não é aceita de forma unânime pela doutrina alemã.

[21] “Além de conferir eficácia ‘erga omnes’ às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede decontrole de constitucionalidade, a presente Proposta de Emenda Constitucional introduz no Direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relação aos órgãos e agentes públicos. Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito Processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).“A declaração de nulidade de uma lei não obsta à sua reedição, ou seja, a repetição de seu conteúdo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a força de lei (eficácia erga omnes) não lograriam evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que deflui dos fundamentos determinantes (tragende Gründe) da decisão, obriga o legislador a observar estritamente a interpretação que o tribunal conferiu à Constituição. Conseqüência semelhante se tem quanto às chamadas normas paralelas. Se o tribunal declarar a inconstitucionalidade de uma lei do Estado ‘A’, o efeito vinculante terá o condão de impedir a aplicação de norma de conteúdo semelhante do Estado ‘B’ ou ‘C’ (cf. Christian Pestalozza, “Comentário ao § 31, I, da Lei do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgerichtsgesetz)”, in Direito Processual Constitucional (Verfassungsprozessrecht), 2a ed., Munique, Verlag C.H. Beck, 1982, pp. 170-171, que explica o efeito vinculante, suas conseqüências e a diferença entre ele e a eficácia seja inter partes ou ergaomnes)” (Proposta de Emenda Constitucional n. 130/92, DCN-1, 2.9.92, p. 19.956, col. 1). Vale ressaltar, como lembrado pelo próprio Gilmar Mendes (1995, p.79), que foi inspirado em pesquisa feita por ele e Ives Gandra Martins que o Deputado Roberto Campos apresentou a PEC nº 130/92, bem como sua justificativa e exposição de motivos

[22] Roger Stielfmann (2006, p. 126), com a ressalva da existência de vinculação dos fundamentos determinantes por parte do legislativo ao elaborar as leis, entende, igualmente, que a não extensão do efeito vinculante aos motivos determinantes gera problemas hermenêuticos e impede a formação de uma uniformização da jurisprudência constitucional francesa.

[23] Adaptam-se, aqui, os conceitos expostos em DWORKIN (2002: 349-350)

[24] Tal situação difere do que ocorre na Espanha, como afirma Llorente (1997, p. 486), uma vez que nesse pais são publicadas no Boletin Oficial Del Estado o texto integral das sentenças constitucionais, não apenas a parte dispositiva, afastando, desta forma, o obstáculo material da falta de publicação dos fundamentos para reconhecer-lhes eficácia

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vinculante, assim como o desconhecimento da situação fática que deu origem ao precedente.

[25] Por oportuno, transcreve-se trecho da ementa do referido acórdão: 1. A ausência de regras de transição para disciplinar situações fáticas não abrangidas pelo novo regime jurídico instituído por emenda constitucional demanda a análise de cada caso concreto à luz do direito enquanto totalidade.(...). 5. A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual os desiguais. Prestigia-se a igualdade, no sentido mencionado quando, no exame de prévia atividade jurídica em concurso público para ingresso no Ministério Público Federal, dá-se tratamento distinto àqueles que já integram o Ministério Público. Segurança concedida (STF, Pleno, MS 26.690/DF, DJ 19/12/2008, Min. Eros Grau)

[26] Rcl 3.636/PE, DJ 16/12/2005.

[27] No mesmo sentido, de indeferimento ante a ausência de similitude fática entre as decisões questionadas, conf. Rcl. 4.463/RS, DJ 12/03/2008, Rel. Ricardo Lewandowski; Rcl. 5.131/CE, DJ 22/07/2007, Rel. Eros Grau; Rcl. 5.279/SE, DJ 14/04/2008, Rel. Ricardo Lewandowski; Rcl-MC. 5.448/RS, DJ 12/09/2007, Rel. Cezar Peluso; Rcl.-MC 5.355/CE, DJ 02/08/2007, Min. Ellen Gracie; Rcl-MC. 4.527/CE, DJ 28/08/2006, Rel. Joaquim Barbosa; Rcl – MC 4.587/BA, DJ 31/08/2006, Rel. Sepúlveda Pertence; Rcl 4.300/SP, DJ 01/12/2006, Rel. Cezar Peluso; Rcl 3.291/SP, DJ 31/05/2005, Rel. Cezar Peluso e Rcl-Agr nº 3.293/SP, DJ 13/04/2007, Rel. Marco Aurélio.

[28] Podemos exemplificar essa hipótese com algumas súmulas do STF: Súmula 664: “É inconstitucional o inciso V do art. 1º da Lei 8.033/90, que instituiu a incidência de imposto nas operações de crédito, câmbio e seguros – IOF sobre saques efetuados em caderneta de poupança.”; Súmula 670: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”; Súmula 678: “São inconstitucionais os incisos I e III do art. 7º da Lei 8.162/91, que afastam, para efeito de anuênio e de licença-prêmio, a contagem do tempo de serviço regido pela CLT dos servidores que passaram a submeter-se ao Regime Jurídico Único.

[29] Tal ocorre, por exemplo, em algumas súmulas do STF referentes a servidores públicos: Súmula 681: “É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.”; Súmula 682: “Não ofende a Constituição a correção monetária no pagamento com atraso dos vencimentos dos servidores públicos.”; e a direito processual: Súmula 629: “A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.”; Súmula 630: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.”