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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS 1 DIREITO ADMINISTRATIVO SUMÁRIO 1. Evolução Histórica do Direito Administrativo............................................................................... 02 2. Princípios do Direito Administrativo e Princípios Constitucionais da Administração Pública (Direito Constitucional Administrativo) ............................................................................................ 05 3. Estrutura Administrativa ............................................................................................................... 22 4. Controle da Administração Pública .............................................................................................. 31 5. Administração Pública e Probidade Administrativa – a Lei 8.429/92 ......................................... 39 6. Responsabilidade Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública – a Lei 12.846/13 ......................................................................................... 50 7. Regime Jurídico-Administrativo ................................................................................................... 56 8. Poderes Administrativos ............................................................................................................... 69 9. Atos Administrativos ..................................................................................................................... 80 10. Processo e Procedimento Administrativo ........................................................................... 96 11. Contratos Administrativos ............................................................................................... 108 12. Licitação e assento Constitucional ......................................................................................... 125 13. Agentes Públicos ....................................................................................................................... 143 14. Serviços Públicos ....................................................................................................................... 154 15. Intervenção do Estado na Ordem Econômica .................................................................... 173 16. Bens Públicos ............................................................................................................................. 176 17. Responsabilidade Extracontratual do Estado .......................................................................... 187 18. Prestação de Serviços Sociais pelo Estado ............................................................................... 196 19. Atividade Financeira da Defensoria Pública ............................................................................ 200

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DIREITO ADMINISTRATIVO

SUMÁRIO

1. Evolução Histórica do Direito Administrativo ............................................................................... 02

2. Princípios do Direito Administrativo e Princípios Constitucionais da Administração Pública

(Direito Constitucional Administrativo) ............................................................................................ 05

3. Estrutura Administrativa ............................................................................................................... 22

4. Controle da Administração Pública .............................................................................................. 31

5. Administração Pública e Probidade Administrativa – a Lei 8.429/92 ......................................... 39

6. Responsabilidade Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas pela prática de atos contra a

Administração Pública – a Lei 12.846/13 ......................................................................................... 50

7. Regime Jurídico-Administrativo ................................................................................................... 56

8. Poderes Administrativos ............................................................................................................... 69

9. Atos Administrativos ..................................................................................................................... 80

10. Processo e Procedimento Administrativo ........................................................................... 96

11. Contratos Administrativos ............................................................................................... 108

12. Licitação e assento Constitucional ......................................................................................... 125

13. Agentes Públicos ....................................................................................................................... 143

14. Serviços Públicos ....................................................................................................................... 154

15. Intervenção do Estado na Ordem Econômica .................................................................... 173

16. Bens Públicos ............................................................................................................................. 176

17. Responsabilidade Extracontratual do Estado .......................................................................... 187

18. Prestação de Serviços Sociais pelo Estado ............................................................................... 196

19. Atividade Financeira da Defensoria Pública ............................................................................ 200

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O estudo da evolução histórica do Direito Administrativo pátrio importa compreender melhor a essência dos institutos atinentes a esse ramo do direito. Mais do que isso, revisitar determinadas origens implica em entender a razão de ser de alguns diplomas normativos editados no âmbito do ordenamento pátrio.

Na seara administrativista, a realidade brasileira conta com fortes influências de países europeus (sabidamente, França, Alemanha, Itália e Inglaterra) e dos Estados Unidos. Além disso, verifica-se que a evolução, ao longo do tempo, culminou na chamada codificação do direito administrativo. Nisso, passou-se a ser possível verificar que, a despeito dessa tendência de superar como fonte a doutrina e a jurisprudência, a matéria administrativa esteve muito ligada ao papel dos princípios na consolidação e no direcionamento dos regramentos de direito administrativo.

1.1 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS E SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

A Administração Pública possui uma série de prerrogativas e de limitações que lhe são próprias. O regime jurídico-administrativo baseia-se em dois aspectos centrais: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado, o que confere as referidas prerrogativas à Administração; e a indisponibilidade do interesse público, que traz limitações a fim de que o administrador não abra mão do interesse público para buscar interesses individuais.

Essas peculiaridades, principalmente no que tange àquelas que conferem direitos e prerrogativas próprias ao Poder Público ensejam a possibilidade de burla da busca pelo interesse público pelo administrador. Essa constatação enseja a criação de mecanismos que se prestem à atividade de controle de tais atos.

Nesse sentido, o conceito de Sistema Administrativo está relacionado ao regime adotado pelo Estado para o controle de atos administrativos praticados pelo Poder Público, nas diversas esferas e no âmbito dos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário). Isso significa que toda atividade administrativa é sujeita alguns mecanismos que permitem controlá-la.

Historicamente, os sistemas administrativos dividem-se em duas acepções, com raízes em diferentes países:

1.1.1 CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO: O SISTEMA FRANCÊS

É o sistema administrativo utilizado na França até os dias atuais. No âmbito desse sistema, a tripartição de Poderes vigora de forma absoluta. Assim, cabe ao Poder Judiciário julgar todas as controvérsias que estejam presentes no ordenamento, exceto aquelas em que a Administração Pública seja parte. A separação dos Poderes é absoluta – só a Administração pode julgar a própria Administração, em tribunais de natureza administrativa, com plena jurisdição em matéria administrativa.

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Em relação à organização, existem duas ordens jurisdicionais: a justiça comum e o contencioso administrativo, representado pelo Conselho de Estado Francês. Referido Conselho é o órgão administrativo com a função de julgar demandas que tenham como parte a Administração Pública. As decisões dele advindas não são sujeitas a controle judicial.

A crítica recorrente a esse sistema repousa no fato de ele pecar pela imparcialidade.

1.1.2 JURISDIÇÃO ÚNICA: O SISTEMA INGLÊS

No sistema inglês, a jurisdição é única. Isso significa que existe esfera administrativa; no entanto, as decisões administrativas não têm caráter absoluto; assim, não há formação de coisa julgada material.

A decisão administrativa, nesse caso, forma apenas a coisa julgada formal. Sendo assim, pode ser submetida à apreciação do Poder Judiciário. Todos os litígios, sejam eles administrativos ou exclusivamente privados, podem ser levados ao Poder Judiciário.

É importante atentar que referido sistema não implica vedação à solução de litígios no âmbito administrativo. Da mesma forma, não tem o condão de impedir que a própria Administração Pública venha a realizar o controle de legalidade dos atos por si praticados, pois isso constitui um dever do Poder Público, consubstanciado pela autotutela administrativa.

1.1.3 SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema inglês de jurisdição única. Conforme o tópico antecedente, no âmbito esse sistema, todos os conflitos são resolvidos, em caráter definitivo, pelo Poder Judiciário.

No Brasil, o art. 5º, XXXV, CF dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O princípio da inafastabilidade da jurisdição foi consagrado como garantia individual, cláusula pétrea na Constituição.

A adoção do sistema de jurisdição única pelo ordenamento brasileiro não impede a existência de sistema que resulte na prolação de decisões administrativas. Da mesma forma, não impede que a própria Administração controle seus próprios atos.

A grande diferença é que as decisões dos órgãos administrativos não são dotadas da força e da definitividade próprias das decisões exaradas pelo Poder Judiciário, isto é, não fazem coisa julgada material, estando sujeitas à revisão do Poder Judiciário, sempre mediante provocação.

Embora essa seja a regra geral, é necessário atentar para a existência de três situações onde seja exigido o exaurimento ou, pelo menos, o acionamento prévio da via administrativa:

- nas lides submetidas à Justiça Desportiva – art. 217, § 1º, CF: “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva”. Nesse contexto, “justiça desportiva” é aquela integrada por órgãos administrativos.

- o uso da reclamação ao Supremo Tribunal Federal contra ato administrativo, ou omissão da Administração Pública que contrarie súmula vinculante só pode ocorrer depois de esgotadas as vias administrativas – art. 7º, § 1º, Lei 11.417/06.

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- no habeas data, porquanto “a prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data; sem que se configure situação prévia de pretensão, há carência da ação constitucional do habeas data” (STF, HD 22/DF, 1991).

1.2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo tem origem concomitante ao Constitucionalismo. Em seu desenvolvimento, a disciplina administrativa nunca se afastou do direito constitucional, nem do sistema europeu-constitucional, nem no sistema do common law. No ordenamento pátrio, é na Constituição que se encontram os fundamentos dos principais institutos de direito administrativo1.

O ordenamento jurídico pátrio sempre primou pela constitucionalização do direito administrativo, especialmente a partir da Constituição de 1934, que previu alguns institutos como a desapropriação, a responsabilidade civil do Estado e os writs constitucionais. As Constituições posteriores mantiveram a mesma sistemática, que foi acentuada na Constituição de 1988 e exacerbada com as modificações ao texto original produzidas pelas Emendas à Constituição2.

De acordo com Di Pietro3, as seguintes matérias foram tratadas pela Constituição, guardando relação com o direito administrativo:

- introdução de um capítulo específico sobre Administração Pública, com a previsão de princípios regentes no caput do art. 37;

- ampliação das normas concernentes a servidores públicos, inclusive sobre vencimentos, proventos e pensão;

- introdução de normas sobre o regime próprio de previdência social do servidor público;

- previsão de exigência de licitação para a celebração de contratos administrativos;

- ampliação do âmbito de abrangência da função social da propriedade, que agora passou a incluir a área urbana, para além da rural, incrementando as hipóteses de desapropriação com caráter sancionatório, até chegar a uma hipótese de desapropriação sem indenização;

- extensão da regra da responsabilidade civil objetiva às entidades privadas prestadoras de serviço público;

- precisão de órgãos reguladores da exploração de atividades de telecomunicações e de petróleo;

- previsão do contrato de gestão;

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo – Reflexos sobre o princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. In: Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ‐ OAB. Belo Horizonte, ano 2, n. 2, jan. / jun. 2012, p. 4. 2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo – Reflexos sobre o princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. In: Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ‐ OAB. Belo Horizonte, ano 2, n. 2, jan. / jun. 2012, p. 6. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo – Reflexos sobre o princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. In: Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ‐ OAB. Belo Horizonte, ano 2, n. 2, jan. / jun. 2012, p. 6.

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- inclusão da norma sobre a gestão associada de serviços públicos, com possibilidade de constituição de consórcios públicos ou convênios, para essa finalidade;

- definição dos bens do domínio da União e dos Estados;

- normas sobre a proteção do patrimônio cultural;

- ampliação das medidas judiciais de controle da Administração Pública, especialmente para proteção de interesses difusos e coletivos (ações coletivas, ação civil pública, mandado de segurança coletivo).

Pode-se afirmar que a constitucionalização do direito administrativo produziu reflexos intensos sobre o princípio da legalidade, que resultou consideravelmente ampliado, e discricionariedade, que resultou consideravelmente reduzida. O processo de constitucionalização dos valores e princípios, que passaram a orientar a atuação dos três Poderes do Estado: no que se refere ao Legislativo, o seu descumprimento pode levar à declaração de inconstitucionalidade de leis que os contrariem; no Executivo, também têm caráter vinculante, limitando a discricionariedade não só pela lei (legalidade em sentido estrito, mas por todos os valores e princípios consagrados na Constituição (legalidade em sentido amplo); igualmente, são obrigatórios para o Poder Judiciário, que pode ampliar seu controle sobre leis e atos administrativos, a partir da interpretação de valores que são adotados como dogmas do ordenamento4.

PRINCÍPIOS DO DIREITO DMINISTRATIVO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (DIREITO CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO)

Em termos conceituais, o Direito Administrativo pode ser entendido como o conjunto de princípios e normas escritas de Direito Público, destinadas a regulamentar a instituição e o funcionamento da Administração Pública, norteando, também, seu consequente controle jurisdicional. Nesse sentido, o termo Administração Pública abrange não apenas o Poder Executivo, mas também os Poderes Legislativo e Judiciário, quando praticam atos próprios de administração, tais quais realizar contratação por meio de procedimento licitatório, contratar ou dispensar pessoal através do provimento ou da vacância de cargos, e assim por diante.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello5, o Direito Administrativo é “o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que o exercem”. Maria Sylvia Zanella Di Pietro6 define o Direito Administrativo como sendo o “ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”.

4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Da constitucionalização do direito administrativo – Reflexos sobre o princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa. In: Atualidades Jurídicas: Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ‐ OAB. Belo Horizonte, ano 2, n. 2, jan. / jun. 2012, p. 6. 5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 37. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 48.

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Por outro lado, o conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para Hely Lopes Meirelles7, sintetiza-se no “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.

Para bem compreender o conceito de Hely Lopes Meirelles, importante que dissequemos sua lição e analisemos separadamente seus elementos:

Por “Conjunto harmônico de princípios jurídicos...” devemos entender que o Direito Administrativo é a sistematização de normas jurídicas – e não campo de atuação da política ou da ação social; Seguindo, a expressão “...que regem os órgãos, os agentes...” indica que o Direito Administrativo ordena e regula a estrutura institucional e o pessoal do serviço público; Por “...e as atividades públicas...” devemos entender que isso refere que o Direito Administrativo regula, também, os atos praticados pela Administração Pública, nessa qualidade;

Já no que se refere a “...tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”, temos que aí estão a caracterização e a delimitação do objeto do Direito Administrativo. Este trecho ainda afasta a ingerência desse ramo do Direito na atividade estatal abstrata – que se consubstancia na legislativa –, na atividade indireta, que é a judicial, e, por fim, na atividade mediata, que se traduz na ação social do Estado.

As últimas expressões da definição “...fins desejados pelo Estado” estão a indicar que ao Direito Administrativo não compete dizer quais são os fins do Estado. Outras ciências se incumbirão disto, dentre as quais a Ciência Política e o Direito Constitucional.

Os princípios podem ser conceituados como normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção8. De outro lado, as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos9.

No que tange à aplicabilidade prática, tem-se que os princípios funcionam como mandamento nuclear do sistema. A violação de um princípio, nesse aspecto, torna-se mais grave do que a transgressão de uma norma. Caracteriza-se como a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais10.

Em sua correlação específica com o Direito Administrativo, tem-se que os princípios são regras gerais de observância permanente e obrigatória para o bom administrador. Verifica-se que existem algumas controvérsias entre os doutrinadores no que tange aos aspectos quantitativos e qualitativos dos princípios – isto é, em termos mais práticos, quantos e quais são os princípios aplicáveis. No entanto, também pode ser percebido algum consenso quanto àqueles que passarão a ser abordados adiante.

7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 8 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª ed., revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 85. 9 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª ed., revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 85. 10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 408-409.

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De acordo com Hely Lopes Meirelles11, os princípios básicos da Administração Pública são aqueles expressamente descritos na Constituição Federal de 1988, em seu art. 37 e na Lei 9.784/99, em seu art. 2º.

Assim, temos que os princípios clássicos tradicionalmente atribuídos à regência da Administração Pública estão explícitos no caput do art. 37, CF/88 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência), no dispositivo responsável por firmar as bases constitucionais da Administração Pública, na seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (...).

Além desses, outros princípios vêm estabelecidos no art. 2º, da Lei 9.784/99, que vem assim redigido:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Existem ainda princípios aplicáveis à Administração Pública. Um princípio pode se expressar explicita ou implicitamente. Os explícitos já estão incorporados textualmente ao ordenamento jurídico. Os implícitos, apesar de não expressos textualmente, são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como extraídos da lógica do sistema jurídico. Saliente-se que tanto os princípios explícitos quanto os implícitos estão expressos no ordenamento, daí a sua força normativa. A diferença é que os explícitos estão expressos textualmente, ao passo que os implícitos não aparecem literalmente no texto, mas dele se extraem por interpretação do sistema jurídico.

A partir disso, passaremos a abordar brevemente as nuances de cada princípio, conforme segue:

2.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

O regime jurídico de direito administrativo constrói-se sobre dois pressupostos básicos: (i) a supremacia do interesse público sobre o particular e (ii) a indisponibilidade do interesse público pela Administração Pública. Esses dois pressupostos revelam-se como verdadeiros axiomas do Direito Administrativo, a partir dos quais decorrem todos os demais princípios que lhes são subordinados. Analisaremos brevemente esses dois princípios citados:

2.1.1 A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a norma básica que leva o Poder Público a adotar medidas impositivas de sujeições aos particulares em favor de toda a coletividade. Não obstante a possibilidade dessas medidas, a Constituição Federal não fez menção expressa a esse princípio, embora possam ser encontradas diversas manifestações concretas dele no texto constitucional, a exemplo dos institutos da desapropriação e da requisição da propriedade particular (art. 5.º, XXIV e XXV, CF). Com efeito, com isso, é possível afirmar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular encontra-se implícito na Constituição Federal12.

11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 12 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 171.

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Todo e qualquer condicionamento das liberdades individuais encontra nesse princípio o seu fundamento originário, extraído implicitamente do sistema constitucional pátrio. Nesse sentido, a Constituição previu alguns valores, tais como a função social da propriedade, a proteção do meio ambiente, a intervenção na ordem econômica, dentre outros.

Assim, ainda que submetida a normas jurídicas, cumprindo com uma das características fundamentais do Estado de Direito, a Administração goza de certos poderes e prerrogativas que a colocam numa posição de superioridade em relação aos particulares. A única justificativa aceitável para esse tratamento desigual respaldado na lei está no fato de que a atuação da Administração tem por finalidade precípua a satisfação do interesse público, pois é exatamente isso que autoriza o Estado a algumas condutas, como desapropriar bens privados, proibir condutas socialmente nocivas, adotar políticas de controle da ordem econômica, restringir o uso da propriedade privada, e assim por diante.

Não se pode esquecer que esse tipo de situação, embora demonstre a supremacia do interesse público enseja concomitantemente o estabelecimento de direitos e garantias fundamentais que protegem interesses individuais em face da atuação do Estado.

Assim, em síntese, o axioma da supremacia do interesse público pode ser caracterizado pelos seguintes aspectos centrais13:

- princípio implícito na Constituição Federal;

- conhecido também por princípio da finalidade pública;

- consiste na primazia do interesse público primário (coletivo) sobre o interesse privado (individual);

- inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação;

- dá origem a certas prerrogativas da Administração Pública;

- dela decorre o caráter instrumental da Administração Pública;

- não constitui princípio absoluto, devendo conviver harmonicamente com os demais princípios constitucionais e com as garantias e direitos fundamentais;

- não se aplica às relações da Administração regidas pelo direito privado.

2.1.2 A INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

Esse princípio traduz-se no mandamento de que a finalidade primária da função administrativa deverá estar sempre na satisfação dos interesses primários da sociedade, em todos os setores em que a Administração venha a atuar. Essa é uma finalidade vinculada, não se admitindo desvio, pois o administrador não cuida de interesse patrimonial próprio ou da pessoa do Estado, mas sim, do interesse público, que possui caráter transindividual. O princípio da indisponibilidade do interesse público está implícito na Constituição Federal.

Qualquer transigência ou renúncia envolvendo assuntos da administração pública somente é possível se com fulcro na Constituição ou na lei, sempre com vistas a alcançar o interesse público.

13 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 172.

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Ao administrador cabe adotar todas as medidas adequadas e necessárias à proteção da coisa pública. Com efeito, a Administração não pode abrir mão da busca incessante da satisfação do interesse público primário (bem comum) nem da conservação do patrimônio público (interesse público secundário)14.

Em síntese, o pressuposto da indisponibilidade do interesse público é caracterizado pelos aspectos centrais que seguem15:

- princípio implícito na Constituição Federal;

- impõe uma série de restrições (sujeições) à conduta administrativa;

- conteúdo: a Administração Pública não pode abrir mão de alcançar o bem comum (interesse público primário) nem de conservar o patrimônio público (interesse público secundário);

- consequências práticas: proibição de alienar bens públicos enquanto afetados a finalidade pública, restrições à alienação de bens públicos, necessidade de concurso público para admissão de pessoal; necessidade de licitação para celebração de contratos administrativos; proibição de renúncia de receita, salvo autorização legal, etc;

- a indisponibilidade do interesse público aplica-se à Administração Pública – e não ao Parlamento no exercício da função legislativa;

- a indisponibilidade do interesse público gera como consequência lógica a submissão da Administração Pública a uma série de outros princípios (legalidade, continuidade do serviço público, igualdade dos administrados, controle da atuação administrativa, publicidade, etc).

2.2 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Tendo por base os dois axiomas já explicitados que respaldam o regime jurídico de Direito Administrativo, o ordenamento brasileiro consagra outras normas-princípio com forte conteúdo normativo. Algumas delas estão expressas na Constituição de 1988 e outras em texto infraconstitucional. Passaremos a análise dos 5 clássicos princípios da Administração Pública explícitos no art. 37, caput, CF e, em seguida, aqueles explícitos em diplomas infralegais e implícitos no ordenamento jurídico brasileiro:

2.2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A acepção do Princípio da legalidade no âmbito do Direito Administrativo tem estrita ligação com a subordinação da Administração Pública à lei. Só existe atuação estatal se houver previsão legal para sua atuação. Nesse sentido, aplica-se a máxima “à Administração Pública só é dado fazer o que estiver expressamente previsto ou autorizado por lei”. Diferentemente do regramento direcionado ao particular, que poderá atuar livremente no âmbito de sua autonomia privada, com exceção nos casos em que houver expressa vedação legal para tanto.

Essa diferenciação é fundamental para o entendimento do regime jurídico-administrativo. Isso porque, conforme destacado, enquanto a particulares é permitido fazer tudo o que a Lei não proíbe, na Administração Pública só é possível fazer aquilo que a Lei expressamente prevê ou

14 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 173. 15 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 175.

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permite. De acordo com essa premissa, não existirá qualquer tipo de ação estatal sem uma determinação ou autorização legal.

Nesse sentido, o princípio da legalidade não traz reflexos apenas no âmbito interno da Administração Pública, no que tange à organização do serviço púbico e dos servidores públicos, mas também em relação aos particulares. Nesse ponto em específico, tem-se a exigência de que direitos, deveres, proibições ou restrições somente poderão ser criados por meio de lei. Em outras palavras, o particular deve observância à lei e pode ter seu âmbito de atuação restringido por ela. Essa premissa encontra-se expressa no o art. 5º, II, da CF/88, ao elencar como garantia fundamental do cidadão a premissa de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei.

A título exemplificativo, como regra geral, um direito, como a concessão de novo benefício previdenciário, ou um dever, como a criação de um novo imposto, ou uma proibição ou restrição serão criados por meio de ato administrativo. Esse tipo de interferência na esfera privada do particular só é admitida ordinariamente por meio de lei. Nesse sentido, inclusive, o E. STF já editou, inclusive, súmulas de jurisprudência determinando a aplicação direta do princípio da legalidade em relação a algumas situações:

Súmula 339/STF: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.

Súmula 686/STF: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

Aliás, o ato administrativo normativo (a exemplo dos decretos) que, de alguma forma, infringir o princípio da legalidade, poderá ser sustado (suspenso) pela mesa diretora do Congresso Nacional por meio de decreto legislativo, conforme disposto no art. 49, V, da Constituição Federal.

Embora a observância ao princípio da legalidade constitua a regra geral, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello16, esse mandamento admite 3 exceções, ou seja, três situações em que a exigência de legislação poderá ser relativizada. São elas:

- Medidas Provisórias: conforme disposto no art. 62, da Constituição Federal, trata-se a medida provisória de providência excepcional colocada à disposição do Presidente da República para disciplinar certos assuntos em condições específicas;

- Estado de Defesa: estabelecido pelo art. 136 da Constituição Federal, pode ser decretado pelo Presidente da República para preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Entre as medidas possíveis de serem adotadas no estado de defesa, constam na CF as de restrição aos direitos de: (i) reunião, ainda que exercida no seio das associações; (ii) sigilo de correspondência; (iii) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

- Estado de Sítio: previsto pelo art. 137 da Constituição Federal, o Estado de Sítio poderá ser decretado em função de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, ou ainda quando da declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. No estado de sítio podem ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas restritivas de direitos individuais: (i) obrigação de permanência em localidade determinada; (ii) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; (iii) restrições relativas à inviolabilidade da

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 106.

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correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; (iv) suspensão da liberdade de reunião, etc.

2.2.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

O princípio da impessoalidade conta com três acepções distintas: (i) a finalidade pública; (ii) a isonomia; (iii) a imputação ao órgão ou entidade administrativa dos atos praticados pelos seus servidores17.

Hely Lopes Meirelles18 já entende ser esse o clássico princípio da finalidade pública, em referência à primeira acepção, sendo, inclusive, reconhecido como correspondente àquele previsto no art. 2º, da Lei 9.784/99.

No que se refere a essa faceta, referido princípio impõe ao administrador que somente pratique o ato para o seu fim legal, qual seja, o atingimento do interesse público previsto em lei, de forma expressa ou implícita, excluindo-se, então, a possibilidade do exercício de qualquer atividade administrativa motivada por interesses pessoais ou individuais. A verificação de um ato administrativo praticado sem interesse público, visando unicamente a satisfazer interesse privado, é maculado pelo desvio de finalidade, que fere gravemente sua validade.

Já para Celso Antonio Bandeira de Mello19 nada mais é que o princípio da isonomia ou igualdade, em homenagem à segunda acepção destacada. Por decorrência do princípio da impessoalidade, proíbe-se qualquer forma de discriminação em relação aos administrados. A atuação será a mesma, independentemente de quem for o destinatário. O desempenho da atividade estatal em relação aos particulares deverá ocorrer com base em critérios objetivos.

Nesse sentido, a doutrina costuma reconhecer o princípio da impessoalidade como homenagem à isonomia em 3 exemplos de mandamentos constitucionais aplicáveis à Administração Pública, quais sejam: (i) aquela descrita pelo art. 37, II, da CF/88, que traz a exigência de realização de concursos para o provimento de cargos e empregos públicos; (ii) a constante no art. 37, XXI, da CF/88, que determina a obrigatoriedade da realização de licitação para a contratação de obras, produtos e serviços; e (iii) aquela determinada pelo art. 100, CF/88, que impõe o pagamento de credores judiciais por meio de precatórios, em ordem cronológica.

Outrossim, no plano infraconstitucional, pertinente referir o disposto no art. 2º, § único, III, Lei 9.784/99, segundo o qual nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades.

Ainda no intento de exemplificar a aplicação prática desse princípio, temos a vedação ao nepotismo, explicitada pela súmula vinculante 13, do STF, nos seguintes termos: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

17 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 181. 18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 93. 19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 114.

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Finalmente, a interpretação do princípio da impessoalidade sob a terceira acepção referida importa em reconhecer que, quanto à aplicabilidade, referido princípio pode se dar tanto em relação aos administrados como em relação à própria Administração. José Afonso da Silva20 atenta que, no que se refere à primeira forma de impessoalidade, ela se dá no sentido de não discriminação da atividade pública, independentemente do seu objeto e de seus destinatários. Já a segunda forma destina-se à óptica do agente, significando que a responsabilidade pelos atos praticados não deve ser direcionada ao agente que o praticou, mas sim à pessoa jurídica a que ele pertence, por força da denominada “Teoria do Órgão”.

Assim, sob a óptica do agente público, não se considera a pessoa do agente público atuando, mas sim, o Estado agindo por meio dele, seja em seu benefício (em termos práticos, cita-se o regime de responsabilidade civil objetiva do Estado, que só permite acionar o agente público nos casos em que se verifique a presença do elemento subjetivo – dolo ou culpa) ou prejuízo (consistente, por exemplo, na vedação de o político se valer de obra pública para promoção pessoal).

Além disso, o princípio da impessoalidade veda a promoção pessoal de agentes e autoridades realizados com base em feitos, obras ou serviços públicos. Neste sentido, importante mencionar o disposto no art. 37, § 1º, da CF/88, que dispõe:

Art. 37 (...) § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Outra consequência do reconhecimento desse princípio refere-se ao reconhecimento da validade dos atos praticados por funcionário irregularmente investido em cargo ou função. Isso porque, ao adotar a impessoalidade, tem-se que, quem pratica o ato, em verdade, é o órgão/entidade ao qual o sujeito está vinculado – e não a pessoa do agente.

2.2.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE

O princípio da moralidade está diretamente relacionado à moralidade jurídica. Tem ligação com os conceitos de honestidade, de ética, de boa-fé de conduta, com a vedação à corrupção e com lealdade no trato para com as instituições públicas.

Referido princípio é de difícil conceituação, mas guarda grandes intersecções com a relação entre direito e moral. Cumprir a lei na frieza de seu texto não basta. De acordo com o entendimento prevalecente na doutrina moderna e na jurisprudência, a imoralidade é vista como uma forma de ilegalidade, e, portanto, sujeita, portanto, ao controle do Poder Judiciário.

O controle jurisdicional, como se sabe, se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo – excluindo daí a análise do mérito, caso ele esteja incluído na zona de razoabilidade, não perpetrando evidentes abusos ou graves violações –, abrangendo análise não apenas da conformação do ato com os termos da lei, em sentido estrito, mas também com os princípios regentes, a moral administrativa e o interesse coletivo.

No entendimento da doutrina, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro21, em se tratando de matéria administrativa, sempre que se verificar um comportamento que, ainda que em consonância com a lei, ofenda a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, a ideia

20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 648. 21 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 79.

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comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa e, portanto, passível de controle jurisdicional.

É necessário atentar ainda para a distinção feita por Hely Lopes Meirelles22, para quem a “moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum; ela é composta por regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção de Bem e Mal, mas também pela ideia geral de administração e pela ideia de função administrativa”.

A moral administrativa é aquela que determina a observância a princípios éticos extraídos da disciplina interna da administração. É um conceito jurídico indeterminado, que deve ser observado tanto pelos agentes públicos quanto pelos particulares que se relacionam com a Administração Pública23.

A moralidade consubstancia-se em requisito de validade do ato administrativo, podendo resultar, quando não observada, na invalidação do ato. Essa nulidade poderá ser decretada pela própria Administração Pública, no exercício de sua autotutela, quanto pelo Poder Judiciário, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV, CF).

Como forma de instrumento para verificação do controle, existem 2 ações judiciais para o controle da moralidade: (i) a ação popular e (ii) a ação de improbidade administrativa.

A ação popular está prevista no art. 5º, LXXIII, CF/88, nos seguintes termos: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”, dispositivo que dispõe expressamente que a moralidade administrativa constitui motivação para a proposição de ação popular, regida pela Lei 4.717/65.

Além disso, o ordenamento jurídico pátrio prevê que não basta ser honesto, é preciso também que o gestor público seja zeloso, diligente, responsável e bom administrador. Com vias de tutelar essa premissa, o art. 10, da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estabelece que os atos de improbidade que importam em lesão ao erário podem ser praticados de maneira culposa e de maneira não intencional. Ademais, referido diploma prevê expressamente a possibilidade de sanção por ato de improbidade administrativa que viole princípios regentes da administração, tais como a moralidade.

2.2.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O princípio da publicidade aparece como sinônimo de transparência. É inerente ao próprio conceito de democracia e estabelece dever de transparência nos negócios realizados pelo Poder Público, possibilitando um sistema de controle e eficácia dos atos administrativos. A existência desse princípio obriga que os atos praticados pela Administração Pública sejam públicos e, quando a lei exigir, publicados.

Com base na definição trazida, tem-se que o princípio da publicidade não estabelece uma necessidade geral de obrigatoriedade de publicação dos atos administrativos. Em outras palavras, nem todos os atos deverão ser publicados oficialmente, mas serão públicos, isto é, deverão estar ao alcance dos cidadãos.

22 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 93. 23 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 185.

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Com efeito, se não houver norma determinando a publicação, os atos administrativos que não gerem efeitos externos à Administração não precisam ser publicados, ficando atendido o princípio da publicidade mediante a comunicação aos interessados (procedimento que ocorre, normalmente, mediante o recebimento de cópia do ato). Adotado esse raciocínio, podemos afirmar que o dever de publicação somente recai sobre os atos que gerem efeitos externos à Administração ou quando haja norma legal determinando a publicação24.

Nesse particular, a publicação, quando exigida por lei, é condição de eficácia do ato administrativa – e não de sua validade. Isso significa que a publicidade não é elemento formativo do ato administrativo; assim, a não publicação de ato administração não faz ilegítimo o ato e nem impõe sua anulação, mas tão somente impede que sejam sentidos seus efeitos.

Existe uma previsão constitucional ao princípio da publicidade, contida em um grande número de dispositivos constitucionais e legais, tais como art. 5º, XXXIII e XXXIV; art. 37, § 1º e art. 93, IX, da CF/88. No plano infraconstitucional, temos o art. 2º, § único, V e o art. 14, ambos da Lei 9.784/99, entre outros.

A exceção a esse princípio refere-se à necessidade de manutenção do sigilo das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, da CF/88 e Lei 11.111/05) e as que digam respeito à intimidade e à privacidade da pessoa humana (art. 37, V, da CF/88).

Em relação ao entendimento jurisprudencial, o STF já exarou entendimento no sentido de que mesmo a privacidade da pessoa humana pode ser relativizada em face do interesse público, conforme disposto no seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL. PUBLICAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO MANTIDO PELO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, DO NOME DE SEUS SERVIDORES E DO VALOR DOS CORRESPONDENTES VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. 1. É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(STF, ARE 652777/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015).

No entanto, em relação a essa mesma problemática, o E. STF já se posicionou no sentido de que, a despeito da exigência legal da publicação de tais dados ser constitucional, não é possível a divulgação de endereço residencial e dos números de seu CPF e carteira de identidade do servidor, para amenizar possíveis riscos à sua segurança física (STF, Plenário, SS 3.902, j. 09.06.2011).

Visando a garantir a aplicação efetiva do princípio da publicidade e a consecução do mandamento constitucional do art. 5, XXXIII, do art. 37, § 3º, II e do art. 216, todos da CF, o legislador ordinário editou a Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação). E é acerca desse diploma legal que trataremos no tópico que segue.

2.2.4.1 LEI FEDERAL Nº 12.527/11 (LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO)

O direito de acesso à informação é um direito humano fundamental e está diretamente vinculado à noção de democracia. Em um sentido amplo, o direito à informação está associado ao direito que toda pessoa tem de pedir e receber informações que estão sob a guarda de órgãos e

24 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 188.

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entidades públicas. Dessa forma, para que o livre fluxo de ideias e informações sejam garantidos, é extremamente importante que os órgãos públicos facilitem aos cidadãos o acesso a informações de interesse público.

Visando a essa finalidade, a Lei 12.527/11 foi editada para estabelecer procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações. No Brasil, a transparência e o acesso à informação constituem direitos do cidadão e deveres da Administração Pública. Cabe ao Estado o dever de informar os cidadãos sobre seus direitos e estabelecer que o acesso à informação pública é a regra e o sigilo, a exceção.

A lei de acesso à informação aplica-se aos seguintes:

- aos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;

- às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

- às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.

Em relação a essas últimas, a publicidade a que estão submetidas as entidades citadas refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas.

O art. 3º, Lei 12.527/11 traz uma série de princípios que devem ser observados no acesso à informação:

- observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;

- divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

- utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;

- fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;

- desenvolvimento do controle social da administração pública.

É necessário conhecer alguns termos trazidos pelo referido diploma legal, para sua melhor compreensão:

Informação Dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato.

Documento Unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato.

Informação Sigilosa Aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a

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segurança da sociedade e do Estado.

Informação Pessoal Aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável.

Tratamento da Informação Conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação.

Disponibilidade Qualidade da informação que pode ser conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou sistemas autorizados.

Autenticidade Qualidade da informação que tenha sido produzida, expedida, recebida ou modificada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema.

Integridade Qualidade da informação não modificada, inclusive quanto à origem, trânsito e destino.

Primariedade Qualidade da informação coletada na fonte, com o máximo de detalhamento possível, sem modificações.

A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.

A classificação da informação em determinado grau de sigilo, deverá ocorrer, observando-se o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados: (i) a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e (ii) o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final.

Nesse sentido, tem-se que os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme referida classificação, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:

- informação ultrassecreta: 25 anos;

- informação secreta: 15 anos; e

- informação reservada: 5 anos.

Alternativamente a esses prazos, poderá ser estabelecida como termo final de restrição de acesso a ocorrência de determinado evento, desde que este ocorra antes do transcurso do prazo máximo de classificação.

No que se refere às informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos, tem-se que elas serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.

Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o seu termo final, a informação será de acesso público, de forma automática.

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No que se refere ao procedimento de acesso, tem-se que qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades submetidas à lei de acesso à informação, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. Importante ressaltar, nesse ponto, que a identificação do requerente não poderá conter exigências que inviabilizem a solicitação.

A legislação veda quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação de informações de interesse público.

Não sendo possível conceder o acesso imediato, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá, em prazo não superior a 20 dias (prorrogáveis por mais 10 dias, mediante justificativa expressa):

- comunicar a data, local e modo para se realizar a consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão;

- indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido; ou

- comunicar que não possui a informação, indicar, se for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a detém, ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interessado da remessa de seu pedido de informação.

No caso de indeferimento de acesso a informações ou às razões da negativa do acesso, poderá o interessado interpor recurso contra a decisão no prazo de 10 dias, a contar da sua ciência. O recurso será dirigido à autoridade hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que deverá se manifestar no prazo de 5 dias.

Caso seja negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à Controladoria-Geral da União (CGU), que deliberará no prazo de 5 dias se: (i) o acesso à informação não classificada como sigilosa for negado; (ii) a decisão de negativa de acesso à informação total ou parcialmente classificada como sigilosa não indicar a autoridade classificadora ou a hierarquicamente superior a quem possa ser dirigido pedido de acesso ou desclassificação; (iii) os procedimentos de classificação de informação sigilosa estabelecidos em lei não tiverem sido observados; e (iv) estiverem sendo descumpridos prazos ou outros procedimentos previstos nesta Lei.

Importante observar aí que o recurso à CGU somente poderá ser dirigido a esse órgão depois de submetido à apreciação de pelo menos uma autoridade hierarquicamente superior àquela que exarou a decisão impugnada, que deliberará no prazo de 5 dias.

2.2.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência tem previsão expressa no art. 37, caput, da CF/88, desde a edição da Emenda Constitucional 19/98. De acordo com referido princípio, a Administração Pública deve pautar sua atividade em critérios de agilidade, precisão, versatilidade e economicidade. A ideia geral é produzir muito gastando pouco.

Em outras palavras, a eficiência consubstancia-se na busca pela melhor qualidade na prestação do serviço público prestado, a partir do menor custo. Busca, por assim, otimização, rapidez e aperfeiçoamento dos resultados com o menor desperdício de recursos possíveis.

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Ainda que somente a partir de 1998 esse princípio tenha passado a estar expressamente previsto no caput do art. 37, da CF/88, ele já era previsto na própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 74, II, no art. 144, § 7º e até mesmo em legislação esparsa, como no decreto-lei 200/67, art. 26, III e na Lei 8.987/95, em seu art. 6º, § 1º.

Nesse sentido, é possível afirmar que a EC 19/98 não apenas consagrou constitucionalmente o Princípio da Eficiência, como também incorporou à Constituição inúmeros mecanismos tendentes a proporcionar mais eficiência no modo como gerida a coisa pública, dentro daquilo que foi chamado de “reforma gerencial da Administração Pública”. Essas modificações refletiram-se na própria concepção do princípio da eficiência, que deixou de ser fluido para ter aplicabilidade direta.

Como exemplos dessa reforma, é possível citar a inserção, na Constituição, pela EC 19/98, de alguns institutos:

- da avaliação especial de desempenho, condição para a aquisição da estabilidade (art. 41, § 4º);

- da avaliação periódica de desempenho de servidores (art. 41, § 1º, III);

- da criação e manutenção de escolas de governo (art. 39, § 2º);

- da determinação que a remuneração se daria por subsídio (art. 39, § 4º);

- da possibilidade de se firmar contratos de gestão (art. 39, § 8º).

Além disso, o conceito de eficiência está relacionado ao custo-benefício25 que deve presidir todas as ações públicas. A palavra liga à ideia de serviço rápido e preciso. Exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, rendimento e busca da perfeição.

Por fim, como instrumento que visa a dar consecução prática ao princípio da eficiência, temos que a infração a esse princípio, quando trouxer prejuízo a particular, poderá ensejar a responsabilização civil do Estado, por decorrência da aplicação da teoria da culpa administrativa (culpa anônima do serviço).

2.2.6 PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

Os princípios da ampla defesa e do contraditório estão expressamente previstos no art. 5º, LV, da CF, que dispõe que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A ampla defesa e o contraditório referem-se ao direito do administrado de tomar conhecimento daquilo que está acontecendo em um processo e de se manifestar sobre isso.

Todas as prerrogativas inerentes à ampla defesa podem ser aplicadas ao Direito Administrativo. Assim, por exemplo, tem aplicação a defesa prévia, traduzida na possibilidade de o particular se manifestar antes que seja decidida a questão em tela no caso concreto. Além disso, tem relação com a defesa técnica, que se relaciona à possibilidade de o particular se defender por meio de advogado em processo administrativo, embora não haja obrigatoriedade para tanto. Finalmente, também guarda relação com o duplo grau de julgamento, que assegura ao particular o direito a recurso na via administrativa.

25 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 22.

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Em outras palavras, assegura aos litigantes em processos administrativos, sejam eles disciplinares ou não, a possibilidade de expor seus argumentos através de ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes. Ou seja, garante aos administrados o direito de refutar alegações, produzir provas próprias, desde que lícitas, e recorrer de decisões que ameacem ou lesem direito seu.

O E. Supremo Tribunal Federal editou algumas súmulas de jurisprudência relativas à temática, abaixo colacionadas:

Súmula 20/STF: É necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso.

Súmula 21/STF: Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.

Súmula Vinculante 05/STF: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição.

Súmula Vinculante 21/STF: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

2.2.7 PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão previstos no art. 2º, Lei 9.784/99. Ainda que esse diploma legal, no dispositivo referido, coloque os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em separado, como sendo princípios diversos, na realidade, ambos podem ser analisados em conjunto, pois um decorre do outro.

É nesse sentido, inclusive, que se posiciona a doutrina. Para Maria Sylvia Di Pietro, a proporcionalidade constitui um dos aspectos contidos na ideia de razoabilidade. Celso Antônio Bandeira de Mello, de modo semelhante, leciona que o princípio da proporcionalidade é, senão, uma faceta do princípio da razoabilidade.

O princípio razoabilidade limita e define a discricionariedade administrativa, impondo o respeito aos padrões admitidos dentro de uma sociedade. Significa a proibição de excesso, do exagero e do absurdo. Na mesma linha, a proporcionalidade tem por objetivo garantir compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar ações ou restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública. Relaciona-se, assim, com a intensidade, a extensão e a moderação.

Esses princípios estão implícitos no art. 2º, § único, VI, Lei 9.784/99, que estabelece como critério a ser observado nos processos administrativos a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.

Possuem papel de relevo na limitação do mérito administrativo, isto é, como forma de limitação da discricionariedade administrativa. Assim, caberá ao Poder Judiciário declarar ilegal uma ação administrativa considerada não razoável. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, uma providência desarrazoada não pode ser tida como comportada pela lei, o que impõe esse dever de controle.

2.2.8 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

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O princípio da segurança jurídica não tem expressa previsão constitucional ou legal, em termos que o definam de forma genérica. É considerado, por muitos, princípio geral do direito, diante da sua magnitude e influência nas relações jurídicas. Sua existência decorre da exigência de estabilidade nas situações jurídicas, mesmo daquelas que, porventura, apresentam vícios de legalidade em sua origem.

Assim, tem-se que, em alguns casos, o interesse público prevalecerá sobre eventual vício que acometido ato administrativo, mas que, mesmo viciado, tenha atendido seus objetivos, ou que, pelo decurso de tempo, observou-se ser mais prejudicial sua invalidação do que sua manutenção.

Além disso, em termos mais práticos, verificamos que o princípio da segurança jurídica se manifesta em duas circunstâncias bem claras, traduzidas por alguns dispositivos: (i) o art. 2º, § único, XIII, da Lei 9.784/99, que prevê a impossibilidade de aplicação retroativa de nova interpretação legal e (ii) o art. 54, da Lei 9.784/99, que determina a fixação de prazo decadencial para a anulação de atos administrativos que gerem efeitos favoráveis a particulares.

Acrescida a essas duas situações, o princípio da segurança jurídica encontra forte aplicação quando da análise das vacilações jurisprudenciais, seja no exame de decisões proferidas no âmbito do contencioso administrativo ou judicial, culminando na busca por critérios que permitam certa uniformidade nas decisões26.

O ordenamento jurídico brasileiro resguarda algumas situações da ação do tempo e da possibilidade de modificação por situações supervenientes. Nesse sentido, destacam-se as garantias da irretroatividade de leis, como regra geral, da preservação do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF). Finalmente, deve-se ressaltar que o princípio da segurança jurídica deve ser interpretado conjuntamente com os princípios da boa-fé e da proteção da confiança.

2.2.9 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

O conceito de motivação está estritamente relacionado à fundamentação, explicação. Nessa linha, motivar é fundamentar, explicar, expor os motivos que levam à prática do ato. Assim, por princípio, as decisões administrativas devem ser motivadas formalmente, ou seja, a parte dispositiva deverá vir precedida de uma fundamentação em que sejam elencados os pressupostos de fato e de direito que culminaram na conclusão da decisão.

No plano legal, encontra-se explícito no art. 2º, § único, VII, Lei 9.784/99, que estabelece que será critério a ser observado nos processos administrativos federais a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão.

Pode-se afirmar que a motivação dos atos administrativos tem origem na acepção de Estado Democrático de Direito. Vem se impondo dia a dia como uma exigência do Direito Público e da legalidade governamental. No âmbito do Estado de Direito, onde impera a vontade das normas jurídicas estabelecidas por representantes do povo, existe a necessidade de que sejam expostos os motivos que levam à pratica do ato, a fim de, inclusive, fornecer subsídios para que eles venham a ser questionados.

Pela incidência da motivação, como regra geral, o administrador público deve respaldar sua ação administrativa, em pressupostos fáticos, indicando os fatos que ensejam o ato, e os

26 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

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pressupostos de direito que extraem do ordenamento jurídico os elementos autorizadores para sua prática.

Ainda que a motivação seja a regra geral, ela não é absoluta. Em alguns casos decorrentes da atuação do poder discricionário da Administração será dispensada a motivação, sendo suficiente evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse púbico. É o que ocorre no caso da nomeação ou da exoneração de servidor público comissionado, conforme disposto no art. 37, II, da CF/88.

O E. STF editou súmula sobre a matéria, entendendo inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público (súmula 684/STF).

2.2.10 PRINCÍPIO DO CONTROLE OU DA TUTELA

O princípio do controle ou da tutela foi estabelecido para assegurar a efetividade da possibilidade de especialidade por meio de descentralização da Administração Pública. A Administração Pública central (Direta) fiscaliza e controla as atividades das entidades da Administração indireta, com o objetivo de garantir o atendimento de suas finalidades institucionais.

É importante distinguir aí que o princípio aqui abordado, isto é, da tutela, com aquele da autotutela: no primeiro (tutela), o controle é exercido por uma entidade em relação a outra, enquanto que na autotutela o controle é exercido internamente, pela pessoa jurídica em relação aos atos praticados por ela mesma.

Na análise desse princípio, é relevante lembrar que as entidades da Administração Indireta são autônomas em relação à entidade da Administração Direta que a instituiu, de forma que o controle por parte do Poder Central é a exceção à regra, sendo sempre exercido nos termos e limites definidos em lei.

2.2.11 PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA

O princípio da autotutela relaciona-se ao poder de a Administração Pública rever seus próprios atos, mesmo que não seja provocada. Está diretamente ligado ao princípio da legalidade, na lógica: se está a Administração submetida à lei, deve, pois, ela própria protagonizar o controle de suas atividades para assegurar a conformidade com os termos da lei.

A autotutela impõe o poder-dever de as entidades da Administração Pública, internamente, poderem rever os seus próprios atos, anulando-os quando ilegais, revogando-os quando inconvenientes ou inoportunos, ou convalidando-os, quando eivados de irregularidades sanáveis. O princípio da autotutela não impede que o prejudicado busque o Poder Judiciário para rever seus atos.

No plano legal, está consagrado no art. 53, da Lei 9.784/99, que determina que a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

Além disso, o E. STF já se posicionou a respeito da aplicação do referido princípio, na edição da súmula 346, do STF, que dispõe que “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos” e na súmula 473, do STF, que determina que “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;

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ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA

A compreensão do conceito de Administração Pública faz urgente a análise do significado do vocábulo “administração”. Maria Sylvia Zanella Di Pietro27, refere que a Administração é a atividade daquele que não é senhor absoluto. Em outros termos, administrar é diferente de ser dono, proprietário ou detentor do Poder Político. Nesse sentido, os atos de administração dependem de uma vontade externa, superior, e abrangem os atos de guarda, conservação e percepção dos frutos dos bens administrados, mas jamais os atos de alienação ou venda, que são exclusivos do proprietário, ou seja, daquele que detém o poder político.

Hely Lopes Meirelles28, por exemplo, define a Administração Pública como sendo “todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, cujo objetivo é a satisfação das necessidades coletivas”. Prossegue o autor referindo que “a Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do governo”. Ou seja, Administração corresponde ao instrumental de que dispõe o Estado, não se confundindo, então, com o próprio Estado. O conceito de Estado tem relação com um grupo de pessoas orientado para determinada atividade, isto é, orientado a prestações para o fim de alcançar o interesse público.

Para melhor compreender a expressão Administração Pública, pertinente atentar para sentidos diversos os quais podem ser utilizados para sua interpretação, ou para diferentes pontos de vista sob os quais se pode analisar a Administração Pública. A Administração Pública ser analisada sob dois pontos de vista distintos: (i) formal, subjetivo ou orgânico, ou (ii) objetivo, material ou funcional.

- Sentido subjetivo, formal ou orgânico: refere-se ao conjunto de pessoas jurídicas, órgãos, entidades e agentes públicos que têm a incumbência de executar as atividades administrativas. Seguindo orientação doutrinária29 neste sentido, o conceito de “Administração Pública” deve estar sempre com as iniciais maiúsculas. É a junção da Administração Pública Direta com a Indireta.

- Sentido objetivo, material ou funcional: relaciona-se à própria atividade administrativa. Designa a natureza da atividade desempenhada pelo Estado para alcançar os objetivos traçados na Constituição Federal. Neste sentido, administração pública (com letras minúsculas) designa a função ou atividade administrativa desempenhada pelo Estado, que incumbe precipuamente ao Poder Executivo.

3.1 ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

O direito administrativo tem por objeto de estudo o exercício da função administrativa. Existem algumas correntes que buscam caracterizar essa função. Passaremos a abordar, brevemente, as principais correntes que, ao longo do tempo, procuram conceituar a atividade administrativa:

27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 48. 28 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35º ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 62 e 63. 29 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 65.

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- Escola Francesa (Escola do Serviço Público): conceitua função administrativa como toda a atuação do Estado na prestação do serviço público. O objeto do Direito Administrativo, assim, é a prestação de serviços públicos para a sociedade.

A crítica a essa escola refere-se ao fato de que o Direito Administrativo não se limita à prestação do serviço, já que, por exemplo, relaciona-se a atividades como o exercício do poder de polícia, a intervenção do Estado na ordem econômica com finalidade pública, etc. Além disso, outros ramos do direito também se preocupam com a prestação de serviço público, como o direito tributário.

- Escola do Poder Executivo: essa escola estabelece que o Direito Administrativo tem como objeto de estudo o Poder Executivo. Assim, toda a atuação do Estado seria objeto do Direito Administrativo. É uma escola mais simplista, pois, nesse caso, o Direito Administrativo seria, acima de tudo, a base do Poder Executivo, que regularia todos os órgãos e funções desse Poder, inclusive as atividades de polícia e de governo, bem como as legislativas e jurisdicionais exercidas no âmbito do Poder Executivo.

A crítica a essa escola reside no fato de que, ao limitar a atuação do Direito Administrativo à atuação do Poder Executivo, se esquece que outros Poderes também exercem a função administrativa atipicamente e, por isso, merecem tratamento pelo Direito Administrativo (por exemplo, a organização de licitação por entidade integrante do Poder Legislativo, a realização de concurso público no âmbito do Poder Judiciário, etc). Além disso, a adoção dessa Escola implica em esquecer que o Poder Executivo também atua atipicamente, exercendo outras funções (como o caso da função legislativa exercida quando da edição de lei delegada).

- Escola das Relações Jurídicas: estabelece que o Direito Administrativo tem como objeto regulamentar as relações jurídicas travadas entre o Estado e o particular.

A crítica a essa escola refere-se ao fato de que o Direito Administrativo também se preocupa com normas internas (organização dos órgãos), mesmo não havendo relação direta com o particular. Além disso, nem toda relação jurídica travada entre o Estado e o particular é regida pelo Direito Administrativo. A título exemplificativo, o Estado pode atuar como ente privado figurando em contrato de locação.

- Escola Teleológica: essa Escola determina que o Direito Administrativo tem como objeto toda atividade do Estado voltada à finalidade pública, isto é, de garantir as necessidades coletivas.

Esse critério não é suficiente para definir a função administrativa. Isso porque outros ramos do direito público (ambiental, tributário, constitucional, por exemplo) visam à finalidade pública do Estado. Logo, não há justificativa para a delimitação do Direito Administrativo.

- Escola Residual: por base nesse critério, estabelece-se que toda a atividade do Estado que não seja função legislativa nem jurisdicional nem política seriam objeto do Direito Administrativo. Assim, o Direito Administrativo verificar-se-ia no estudo da função administrativa (que não é a função legislativa nem a função jurisdicional nem a função política).

O critério residual não basta para a definição da atividade administrativa, pois não se pode conceituar uma matéria (ramo do direito) por aquilo que ela não é – mas sim, por alguma definição mais efetiva.

- Escola da Administração Pública: a Escola da Administração Pública refere-se a um conjunto harmônico de princípios que regem os órgãos e agentes da Administração Pública para a realização dos fins almejados pelo Estado de forma concreta, direta e imediata. Por conjunto harmônico de

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princípios deve-se entender o regime jurídico-administrativo; assim, os princípios, conjuntamente analisados, formam a lógica do Direito Administrativo. No que se refere à busca pela realização dos fins do Estado, temos que o Direito Administrativo tem por objeto a realização das finalidades almejadas pelo Estado. Por fim, a forma concreta, direta e imediata difere, por exemplo, da função legislativa, que é geral e abstrata; da função jurisdicional, que é indireta, isto é, depende de provocação do particular. Nesse sentido, a função administrativa é direta (pode ser exercida de ofício) e imediata (objeto direto da atuação).

3.2 PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

Os poderes da Administração Pública, exercidos pelo gestor público, têm por objetivo conferir-lhe uma série de prerrogativas para a atuação na busca do interesse público, tendo por base o supraprincípio da supremacia do interesse público. Por outro lado, os deveres do administrador decorrem diretamente da extensão desses poderes que lhes são atribuídos; assim, é necessária a observância de algumas exigências a serem cumpridas pelo administrador, para que seja cumprida a indisponibilidade do interesse público.

3.2.1 PODERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

Os poderes administrativos consubstanciam-se em instrumentos necessários para alcançar o interesse público. Isso porque a Administração deve sempre atuar em prol dessa finalidade, contando com prerrogativas que lhe são próprias para alcançá-la. Trata-se de verdadeiro poder-dever: isto é, esses poderes deverão ser utilizados na consecução do interesse público.

3.2.1.1 PODER VINCULADO E PODER DISCRICIONÁRIO

Vinculação e discricionariedade, em verdade, são formas de exercício dos Poderes – e não poderes em si. Toda atuação estatal está, de alguma forma, vinculada à lei. O que muda é a forma como a lei prevê a prática do ato administrativo.

Em algumas situações, a lei prevê todos os requisitos do ato de forma objetivamente vinculada, sem conferir ao agente público qualquer margem de escolha. Nesses casos em que não há margem de escolha do agente, há a vinculação. A título exemplificativo, a lei nº 8.112/90 estabelece que configura hipótese de demissão por abandono de cargo a ausência do servidor por mais de 30 dias. Nesse caso, verifica-se que, pela letra da lei, caso o servidor não compareça, injustificadamente, à repartição por 30 dias, não há falar em abandono de cargo. No entanto, caso ele falte por 31 dias seguidos, ele deverá ser demitido, a priori, pois preenchido o critério objetivo ensejador da demissão.

Em outros casos, se houver, no ato administrativo, qualquer elemento que envolva margem de escolha do agente administrativo, então se estará diante de hipótese de poder discricionário. A título exemplificativo, a lei nº 8.666/93 estabelece que, para alienar bem adquirido por decisão judicial ou por dação em pagamento, isso poderá ocorrer mediante concorrência ou leilão. O agente público é quem irá decidir qual a modalidade mais benéfica em cada caso. A lei, por ser geral e abstrata, não consegue descer às minúcias de cada caso. A margem de escolha é uma margem de liberdade dentro dos limites da lei. Os critérios utilizados para escolher serão os de conveniência-oportunidade para o ente público.

Além dessas situações, em que se confere ao administrador público a possibilidade de escolha entre as opões previstas em lei, o poder discricionário aplica-se em relação a conceitos

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jurídicos indeterminados/vagos, que ensejam a necessidade de valoração pelo agente público. Assim, quando ele faz essa valoração, realiza dentro de seu esquema de raciocínio, sobre a matéria, dentro de seu entendimento em relação àquela situação, utilizando valores próprios.

Nesses caos de conceitos jurídicos indeterminados, ao Poder Judiciário não é dado intervir no mérito do ato administrativo discricionário. Isso não significa, no entanto, que não possa haver controle jurisdicional referente aos aspectos de legalidade do ato administrativo. Competirá ao juiz o controle dos limites do mérito, o qual está definido em lei. Assim, se o administrador público extrapolar os limites do mérito, o Poder Judiciário poderá intervir, pois isso está dentro do controle de legalidade.

Essa verificação é fácil quando os limites do mérito constam da lei. No entanto, quando se trata de conceitos jurídicos indeterminados, deve-se lançar mão do princípio da razoabilidade, que estabelece uma zona de razoabilidade. Nessa linha, o administrador não pode extrapolar os limites da razoabilidade quando da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados. Há uma zona de discricionariedade dentro da qual se faculta ao agente público a ação, que está situada entre a zona de certeza do sim e a zona de certeza do não.

Portanto, a classificação dos poderes em vinculado e discricionário não lhes confere autonomia; em verdade, essa distinção se presta a estabelecer o grau de liberdade desfrutado pelos agentes públicos no exercício das atividades que lhes são atribuídas por lei.

3.2.1.2 PODERES ADMINISTRATIVOS EM ESPÉCIE

A doutrina majoritária destaca a existência de 4 poderes administrativos: (i) poder regulamentar; (ii) poder hierárquico; (iii) poder disciplinar e (iv) poder de polícia. Passaremos a examinar brevemente cada um deles:

- Poder Regulamentar (Normativo)

É o poder que a Administração tem para a expedição de normas gerais e abstratas, isto é, atos administrativos normativos. Na aplicação desse poder, os atos normativos são expedidos dentro dos limites da lei, e lhe são hierarquicamente inferiores. Não há inovação no ordenamento jurídico, criando direitos ou estabelecendo obrigações, ainda que acabe por estender/ampliar direitos e criando algumas restrições, já que minudencia a lei.

Na prática, tradicionalmente, sempre se afirmou que o regulamento é o ato e a forma de expedição desse regulamento é o decreto, ato privativo do chefe do Poder Executivo. No entanto, a expressão poder regulamentar nos remete a apenas uma das espécies normativas que podem ser expedidas pela Administração Pública. O poder normativo é mais amplo: assim, tem-se que a classificação mais acertada é aquela que coloca o poder normativo como gênero e o poder regulamentar como espécie.

Na análise do poder normativo, cabe diferenciar duas espécies de regulamento:

REGULAMENTO EXECUTIVO – DECRETO EXECUTIVO

REGULAMENTO AUTÔNOMO – DECRETO

AUTÔNOMO

- É aquele expedido para fiel execução da lei; tem como objetivo detalhar de

- Independem de lei; dispõem sobre matéria ainda não regulada por lei e que,

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maneira ainda mais precisa o conteúdo uma determinada Lei e, assim, torná-la exequível; - Nem toda lei exige regulamento, mas toda lei pode ser regulamentada, se a Administração entender conveniente; - Facilita o entendimento da lei ou minudencia aspectos práticos para sua execução.

portanto, inova na ordem jurídica. A doutrina aceita sua existência para suprir a omissão do legislador, desde que não invadam a esfera da lei, nas estritas hipóteses previstas pela CF; - São expedidos para substituir a lei; - A previsão do instituto consta do art. 84, VI, CF, que determina que compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos Importante: O Congresso Nacional tem competência para sustar, por meio de Decreto Legislativo expedido por sua mesa diretora, atos normativos do Executivo que exorbitem o Poder Regulamentar (CF, art. 49, V).

- Poder Hierárquico

O Poder Hierárquico aparece como manifestação interna do poder. É a distribuição de competência internamente, estruturando a atividade interna da Administração. Pode se manifestar por vínculos estatutários ou empregatícios na administração. Nesse sentido, é importante referir que não existe hierarquia externa, isto é, entre entes da Administração Direta que controlam entes da Administração Indireta.

É um poder que se manifesta mediante órgãos e agentes da mesma pessoa jurídica, isto é, estruturação interna, escalonamento de órgãos e agentes da mesma pessoa jurídica. Em termos práticos, verificamos sua aplicação em duas esferas: (i) atos de coordenação, que traduzem o poder hierárquico horizontal, isto é, tem atuação em órgãos que estão dentro do mesmo patamar hierárquico e (ii) atos de subordinação, que decorrem do poder hierárquico vertical, entre órgãos inferiores e superiores. Essa subordinação permite, por exemplo, que um agente que está em posição de superioridade anule atos de outro, que é inferior.

Com fulcro na hierarquia, temos ainda a possibilidade de delegação e avocação de competência. A delegação relaciona-se à extensão da competência. Por meio dela, agente público estende sua competência para outro igual, de mesma ou inferior hierarquia. Já a avocação relaciona-se à busca de competência de um agente público em relação a outro. Na avocação, a autoridade competente busca para si a competência. Ela só pode ocorrer em relação a agente que lhe seja subordinado.

O ordenamento jurídico pátrio impõe algumas vedações à delegação e avocação de competências, tais como em relação às atividades de (1) edição de atos normativos; (2) decisão de recurso hierárquico e (3) competência exclusiva (art. 13, lei nº 9.784/99).

- Poder Disciplinar

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O Poder Disciplinar é um poder interno, que não se manifesta em relação a particulares em geral. É um poder sancionatório: a Administração Pública pode aplicar penalidades, inclusive no âmbito de outros Poderes. No entanto, é necessário atentar ao fato de que nem toda sanção aplicada pelo Poder Público configura manifestação do poder disciplinar.

O poder disciplinar deriva de vínculo especial entre o Estado e o sujeito que está sendo punido. Por vínculo especial, existem 2 espécies de vínculos: (i) vínculo hierárquico; e (ii) vínculo contratual, que decorre de contrato administrativo.

Assim, por exemplo, diretora de escola pública poderá aplicar penalidade em alunos matriculados, pois, no momento da matrícula, criaram vínculo especial com a Administração Pública. Quando o vínculo especial decorrer de hierarquia, temos algumas sanções previstas pela lei nº 8.112/90, aplicáveis aos servidores públicos federais, tais como a demissão, a suspensão por até 90 das e a advertência. Em relação a cargos e funções em comissão, a sanção atribuída é a destituição. No que tange àquelas condutas puníveis com a sanção de demissão, mas nos casos em que o servidor já esteja aposentado ou em disponibilidade, temos como sanção decorrente da aplicação do poder disciplinar a cassação da aposentadoria ou da disponibilidade.

Por outro lado, quando o vínculo especial decorrer de contrato administrativo, o poder disciplinar estará regulamentado no contrato, de acordo com os parâmetros legais da lei nº 8.666/93, consubstanciando-se nas sanções de advertência, de multa (sanção pecuniária), de suspensão de contratar com o poder público (até 2 anos) e de declaração de inidoneidade da empresa (até 2 anos).

Todas as hipóteses de aplicação do poder disciplinar restringem a esfera jurídica do particular. Por essa razão, devem estar previstas em lei e observar o devido processo legal, englobando o contraditório e a ampla defesa.

- Poder de Polícia

O poder de polícia caracteriza-se por ser um poder externo; não há exigência de vínculo especial com a Administração Pública para que seja aplicado. Decorre da supremacia do interesse público: advém do Estado em direção à sociedade.

Na análise do poder de polícia, é relevante a distinção entre polícia judiciária e polícia administrativa. Enquanto que a primeira tem papel de prevenção e repressão à prática de ilícitos penais; refere-se à matéria de processo penal, incidindo sobre pessoas. De outra banda, a polícia administrativa incide sobre bens e direitos. Sua descrição consta do art. 78, CTN e sua atuação poderá ensejar a cobrança de taxas. A polícia administrativa poderá ensejar a restrição de (i) liberdade ou (ii) propriedade para a garantia do interesse público.

O poder de polícia está relacionado à segunda acepção de polícia descrita, isto é à administrativa. Poderá manifestar-se preventiva ou repressivamente, a depender da situação. Ademais, poderá se dar por atos gerais, impondo restrições a todos, ou individuais, em caso de descumprimento das restrições estabelecidas.

Como regra geral, é um poder discricionário. No entanto, sua manifestação também poderá se dar de forma vinculada, em alguns casos. Exemplo disso é a concessão de licença administrativa: quem cumpre os requisitos legais tem direito à obtenção de licença.

Em relação à caracterização, os atributos do poder de polícia são os seguintes:

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- Imperatividade: refere-se ao poder de a Administração impor exigências unilateralmente ao particular. Por exemplo, o Poder Público poderá determinar que o particular não possa estacionar em determiada área.

- Exigibilidade/Coercibilidade: tem relação com o poder de a Administração exigir o cumprimento do ato imposto, visando a fazer o particular obedecer ao cumprimento do ato. A título exemplificativo, a multa é um dos meios indiretos de coerção, em caso de descumprimento pelo particular.

- Autoexecutoriedade: é o poder de a Administração executar o ato diretamente, ainda que seja em uma situação que se espera que o particular atue. O reboque de carro que estaciona em frente de área proibida é um exemplo da autoexecutoriedade. Essa prerrogativa não está presente em todos os atos administrativos. Para que exista tal atributo, deve-se verificar a existência de (i) lei autorizadora ou de (ii) situação de urgência que o permita. A autoexecutoriedade afasta a tutela jurisdicional prévia – a posterior não!

É importante referir ainda que, de acordo com o posicionamento do E. STF30, o poder de polícia não pode ser delegado a particulares. Por isso, de acordo com esse entendimento, os conselhos profissionais têm natureza jurídica de autarquia (pessoa jurídica de direito público), pois desempenham atividade fiscalizatória típica do Estado. Isso não exclui, no entanto, a possibilidade de delegação de atividades meramente materiais/de execução do poder de polícia.

De regra, o poder de polícia estabelece obrigações (i) de fazer e (ii) de tolerância. No entanto, modernamente, admite-se que o poder de polícia estabeleça obrigações de fazer a particulares. Exemplo disso é aquele trazido pela lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que impõe que o imóvel urbano deva cumprir a função do plano urbano da cidade. Nessa linha, o proprietário é notificado para que dê a função social da propriedade.

3.2.2 DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

De acordo com Hely Lopes Meirelles31, existem 4 deveres principais cujo cumprimento é exigido das autoridades públicas. São eles: (i) dever de agir; (ii) dever de eficiência; (iii) dever de prestar contas; (iv) dever de probidade.

3.2.2.1 DEVER DE AGIR

O dever de agir insere-se como verdadeira obrigação à Administração Pública. Enquanto isso, ao particular, a ação é tida como uma faculdade. Em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, a autoridade investida em poderes administrativos, verificada a situação que lhe exige uma ação, não pode se omitir e deixar de praticar atos de sua competência legal32.

30 DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos parágrafos 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (STF, ADI nº 1.717/DF, Plenário, j. em 07.11.2002). 31 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 107-112. 32 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 247.

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Nesse sentido, existem diversas hipóteses em que o dever de agir do administrador é vinculado. Exemplos recorrentes são aqueles em que há certo dever de fiscalização. Nessas situações, o administrador não pode omitir-se no dever de autuação por decorrência de interesses particulares ou de verificação de vínculo pessoal com o autuado. Em situações dessa monta, eventual omissão do agente diante dos casos em que se tem o dever de agir poderá ensejar a responsabilização da Administração Pública e do próprio agente omisso.

3.2.2.2 DEVER DE EFICIÊNCIA

O dever de eficiência está diretamente relacionado à boa gestão pública. Impõe ao agente público o dever de realizar suas atribuições de administração com presteza, perfeição e rendimento funcional. Nesse sentido, o princípio da eficiência, de alto significado para o serviço público em geral, deve ser aplicado em todos níveis da administração brasileira.

Conforme já abordado, a EC nº 19/98 erigiu a eficiência como princípio constitucional regente da Administração Pública (art. 37, caput, CF). Como exemplos da aplicação prática desse dever de atuação do gestor público, é possível citar a inserção, na Constituição, de alguns institutos:

- da avaliação especial de desempenho, condição para a aquisição da estabilidade (art. 41, §4º);

- da avaliação periódica de desempenho de servidores (art. 41, §1º, inc. III);

- da criação e manutenção de escolas de governo (art. 39, §2º);

- da determinação que a remuneração se daria por subsídio (art. 39, § 4º);

- da possibilidade de se firmar contratos de gestão (art. 39, § 8º).

Finalmente, como instrumento que visa a dar consecução prática ao temos que a infração a esse princípio, quando trouxer prejuízo a particular, poderá ensejar a responsabilização civil do Estado, por decorrência da aplicação da teoria da culpa administrativa (culpa anônima do serviço).

3.2.2.3 DEVER DE PRESTAR CONTAS

O dever de prestar contas decorre do encargo de gestão da coisa pública, isto é, de bens e interesses alheios. Nessa linha, cabe a todo administrador público prestar contas de sua gestão administrativa. Referido dever está expressamente previsto na Constituição, no art. 70, § ún.: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

O mandamento é universal, aplicando-se a todos aqueles que realizem a gestão do dinheiro público ou administrem bens ou interesses públicos, que deverão submeter suas contas aos órgãos competentes. Ainda, como forma de resguardar o cumprimento dessa regra, a Constituição elencou o dever de prestar contas como princípio constitucional sensível, prevendo, em seu art. 34, inc. VII, al. ‘d’, que a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais, como a prestação de contas da administração pública, direta e indireta. Além disso, previu-se, no art. 35, inc. II, que o Estado não intervirá em seus

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Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando não forem prestadas contas devidas, na forma da lei.

3.2.2.4 DEVER DE PROBIDADE

O dever de probidade impõe ao administrador público a atuação honesta, proba, que observe os princípios da lealdade e da boa-fé. Alei Maior erigiu ao patamar constitucional o mandamento de imposição de sanção aos atos de improbidade administrativa, que importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, § 4º, CF). A regulamentação desse dispositivo, que prevê a punição para agentes que perpetrem atos de improbidade, está na lei nº 8.429/92.

3.3 USO E ABUSO DE PODER

O agente público tem como prerrogativa o uso dos poderes que lhe são conferidos para buscar concretizar o interesse público. O uso corriqueiro do poder, segundo Hely Lopes Meirelles 33, refere-se ao seu emprego segundo as normas legais, a moral, o interesse público, de forma razoável e proporcional, dentro dos limites que a lei traçou, em suma, seu uso para ser legal deve ser normal.

Em outras palavras, o uso dos poderes só será legítimo enquanto necessário à busca pelo interesse público e no limite necessário a se alcançar o interesse público. A teoria do abuso de poder insere-se, nesse contexto, com a finalidade de vedar o exercício do poder conferido à Administração para além dos Poderes dados pela lei. Essa teoria teve origem na França, mas, no Brasil, foi desdobrada e aperfeiçoada em duas linhas:

EXCESSO DE PODER DESVIO DE PODER (DE FINALIDADE) - Vício de competência; - O agente público que pratica o ato é competente, mas extrapola sua competência legal, tornando o ato arbitrário, ilícito e nulo; Ex.: o Prefeito tem a competência para autorizar despesas, desde que dentro dos limites de valor estabelecidos na Lei Orçamentária Anual. Porém, se ele autorizar despesas em valor superior ao autorizada pela LOA, excede a sua competência, pratica uma violação frontal à lei, e atua com excesso de poder.

- Vício de finalidade; - O agente público pratica o ato dentro de sua esfera de competência legal, mas visando a finalidade diversa daquela prevista em lei; Ex.: a utilização do instituto da remoção de servidor público como forma de punição é tida como prática de ato visando à finalidade diversa da prevista na regra de competência, o que acarreta vício insanável ao ato.

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

33 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 112.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

Em virtude do sistema de jurisdição única adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, em que a regra geral é a não exclusão de nenhuma ameaça ou lesão a direito da apreciação pelo Poder Judiciário (art. 5º, inc. XXXV, CF) e, também, em razão da adoção de um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, que são harmônicos e independentes entre si, temos que a Administração Pública controle e é controlada.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o controle da Administração aparece como o “poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico”.34 Acrescenta que “embora o controle seja atribuição estatal, o administrado participa dele à medida que pode e deve provocar o procedimento de controle, não apenas na defesa de seus interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo”.35

Nesse particular, o controle poderá ser classificado em relação a alguns critérios, conforme expostos a seguir:

- Quanto à pessoa que o exerce: o controle da Administração Pública poderá ser efetivado por órgãos relacionados a diferentes poderes:

(i) Poder Executivo (Administração): nesse caso, mesmo que ocorrido entre pessoas jurídicas diversas, trata-se de controle interno, pois ocorre no âmbito do mesmo Poder;

(ii) Poder Legislativo: trata-se de controle externo, pois ocorre entre Poderes distintos;

(iii) Poder Judiciário: trata-se de controle externo, pois ocorre entre Poderes distintos.

- Quanto ao âmbito da Administração: aplica-se ao controle interno, decorrendo dele as seguintes categorias:

(i) Por Hierarquia: controle entre órgãos e agentes da mesma pessoa jurídica, no âmbito do controle hierárquico. Baseia-se na desconcentração;

(ii) Por Vinculação: refere-se à tutela administrativa, à supervisão ministerial (âmbito federal). É feito entre a Administração Direta e a Administração Indireta. Embora seja realizado entre pessoas jurídicas diferentes, é efetivado no âmbito da Administração.

- Quando à natureza:

(i) Legalidade: verifica somente os aspectos da conformidade da atuação administrativa em relação às disposições legais atinentes à matéria. Adequação da conduta administrativa à lei. O órgão controlador é mero aplicador da lei;

(ii) Mérito: não há aplicação direta da lei, mas sim, análise baseada na interpretação, com a finalidade do interesse público. Analisa-se o interesse público, se a conduta praticada pela Administração atende a critérios de oportunidade/conveniência, se atende ao interesse público ou não.

- Quanto à oportunidade:

34 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

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(i) Prévio: anterior ao aperfeiçoamento do ato; antes de o ato começar a produzir efeitos;

(ii) Concomitante: hoje, considera-se controle concomitante também o período de formação do ato, quando ele ainda não produz efeitos;

(iii) Posterior: após a formação do ato, quando ele passa a produzir efeitos.

- Quanto à iniciativa:

(i) De ofício: por iniciativa do órgão controlador;

(ii) Provocado: qualquer particular interessado pode exigir a realização desse controle.

4.1 CONTROLES INTERNOS E EXTERNOS

Conforme ressaltado, o controle poderá ainda ser interno (autocontrole), quando executado por órgãos da própria Administração controlada, ou externo (heterocontrole), quando executado por órgãos pertencentes a outras estruturas administrativas, sejam eles integrantes de um mesmo Poder (uma espécie de controle interno externo) ou de Poderes diversos (controle externo propriamente dito).

Esses controles têm por objeto o desempenho da função administrativa, alcançando qualquer órgão ou entidade que execute atividades tipicamente administrativas, sejam órgãos da administra direta, da administração indireta ou, em certos casos, até mesmo particulares, pessoas físicas ou jurídicas que atuem por delegação do Poder Público ou manuseando recursos públicos.

O controle interno é decorrência da prerrogativa que tem a Administração de anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade (conforme a súmula nº 473, STF).

Assim, todos os órgãos da administração direta e indireta devem ter mecanismos de controle interno, o qual assume basicamente duas feições:

- por hierarquia: quando executado no bojo de uma mesma estrutura funcional (autotutela administrativa). Referida fiscalização “é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e agentes. É inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa, e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do Executivo. São características da fiscalização hierárquica a permanência e a automaticidade, visto que se exercita perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou de solicitação especial. É um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional”.36

- por vinculação: quando exercido em relação a entes da Administração indireta vinculados a determinado órgão da Administração direta (tutela administrativa). Também chamado de supervisão ministerial, “é um meio atenuado de controle administrativo geralmente aplicável nas entidades da Administração indireta vinculadas a um Ministério (decreto-lei nº 200/67, arts. 19 e ss.). É importante ressaltar aí que supervisão não é subordinação, pois que esta decorre do poder hierárquico e aquela resulta do sistema legal imposto às autarquias e entidades paraestatais,

36 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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sujeitas, apenas, ao controle finalístico da Administração que as instituiu. A subordinação admite o controle pleno do órgão superior sobre o inferior; a supervisão é limitada aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira das entidades vinculadas à Administração central”.37

Em síntese, temos que o controle interno é, por excelência, controle hierárquico, mas pode se dar também sob o regime de supervisão ministerial, hipótese em que se configura uma espécie de duplo controle interno ou um controle interno externo.

Um exemplo prático da aplicação desse mecanismo se verifica no art. 74, CF, que dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno relacionado à fiscalização orçamentária, financeira e contábil.

De outra banda, o controle externo, por sua vez, é aquele exercido por agentes políticos que não integram o Poder do qual emanou o ato fiscalizado, compreendendo o controle parlamentar direto, que é realizado pelo próprio Parlamento e se encontra esparso na CF e o controle pelo Tribunal de Contas, que é órgão auxiliar do Poder Legislativo (arts. 71 e ss., CF) (Poder Legislativo) e o controle jurisdicional (Poder Judiciário).

4.2 CONTROLES ADMINISTRATIVO, LEGISLATIVO E JURISDICIONAL

4.2.1 CONTROLE ADMINISTRATIVO

Controle administrativo constitui a atividade da Administração de fiscalizar e corrigir seus próprios atos ou atos das entidades vinculadas ao Poder Público. Por um lado, quando o controle incide sobre os atos de órgãos e agentes do próprio Poder Executivo, há o controle administrativo interno. Por outro, se o controle recai sobre as entidades da Administração Indireta, há o controle administrativo interno externo, já que referidas entidades gozam de personalidade jurídica própria38.

O controle administrativo corresponde ao controle interno, por excelência, pois se dá no âmbito do próprio Poder Executivo. Conforme ressaltado quando da abordagem do controle interno, ele se dá por 2 formas principais:

- por hierarquia: ocorre quando executado no âmbito da mesma estrutura funcional (autotutela administrativa). Corresponde à fiscalização entre órgãos e agentes da mesma pessoa jurídica. Poderá resultar na revogação do ato (por controle do mérito) ou na anulação dele, decorrente do controle de legalidade.

- por vinculação: refere-se ao controle exercido em relação a órgãos e entidades da Administração indireta vinculados a determinado órgão ou entidade da Administração direta (tutela administrativa). Também é conhecido pela expressão supervisão ministerial. A amplitude do controle dependerá do que a lei dispuser.

O controle administrativo poderá ser prévio ao ato ou posterior. Além disso, poderá se tratar de controle de legalidade, em homenagem ao poder-dever de observância do princípio de mesmo nome ou de apreciação do mérito (conveniência e oportunidade), em razão do poder de autotutela administrativa, visando ao interesse público. Além disso, referido controle poderá se dar de ofício ou mediante provocação, pois decorre do direito de petição (art. 5º, inc. XXXIV, CF).

37 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 38 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 651.

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Quanto às formas de concretização do referido controle, existem alguns instrumentos próprios, tais como (i) a representação, que denuncia irregularidades, condutas lesivas ao interesse público e abusivas; (ii) a reclamação, por meio da qual se postula a revisão de ato que prejudica o próprio recorrente; e (iii) a reconsideração, que permite pleitear à autoridade administrativa que reconsidere, não mantendo a decisão proferida no âmbito de representação nem de reclamação.

Nessa linha, em relação aos recursos administrativos, tem-se que eles contam com efeito devolutivo automático, já que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Existem casos de concessão de efeito suspensivo, em relação ao caso concreto, a título excepcional. É importante referir aí que não há vedação da reformatio in pejus em recurso administrativo. Nessa linha, pode-se dividir, ainda, a classificação dos recursos hierárquicos em (i) próprios, que são aqueles que decorrem da hierarquia, efetivamente; e (ii) impróprios, que são aqueles que decorrem da tutela, da supervisão ministerial, mas não da hierarquia, pois entre pessoas jurídicas distintas.

O E. STF já reconheceu expressamente a existência e as hipóteses de aplicabilidade do controle interno, na edição de duas súmulas de jurisprudência, com os seguintes teores: súmula nº 346, STF, que determina que “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”. E súmula nº 473, STF, que dispõe que “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

4.2.2 CONTROLE LEGISLATIVO

O controle legislativo é espécie de controle externo. Sendo assim, depende de previsão constitucional, pois interfere diretamente no princípio da separação dos Poderes: é o controle, por parte do Poder Legislativo, dos atos da Administração Pública.

Essa modalidade de controle pode se dar de ofício ou mediante provocação. Ainda, poderá ser prévio ou posterior ao ato. Além disso, o controle exercido pelo Poder Legislativo poderá ser de legalidade ou de mérito (conveniência e oportunidade), nas situações previstas na lei.

Nesse particular, ao Legislativo não caberá intervir no mérito a todo tempo, mas apenas nas situações previstas na Constituição. Assim, no caso de haver necessidade de aprovação do Poder Legislativo de determinado ato, por exemplo, não há limitação da atuação desse Poder. Permite que se adentre aspectos de conveniência e de oportunidade.

O controle legislativo poderá se dar por (i) controle parlamentar direto; ou por meio da atuação do (ii) Tribunal de Contas. Na sequência, passaremos a abordar o controle legislativo por meio do controle parlamentar direto. O controle estabelecido pelo Tribunal de Contas será abordado em tópico específico.

Assim, o controle parlamentar direto é também denominado controle político, sendo efetuado, no âmbito federal, pelo Congresso Nacional e suas respectivas Casas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), nas seguintes hipóteses:

- Autorizações ou aprovações do Congresso necessárias para os atos concretos do Executivo, citando-se, por exemplo, a resolução definitiva sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, I, CF), a autorização para que o Presidente da República declare guerra, celebre a paz ou permita o trânsito de forças estrangeiras no território nacional (art. 49, II, CF), a autorização para que o Presidente ou o Vice-

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Presidente da República se ausentem do território nacional (art. 49, III, CF), a aprovação do estado de defesa e intervenção federal, a autorização do estado de sítio (art. 49, IV, CF), sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V, CF);

- Julgamento das contas apresentadas pelo Presidente da República (art. 49, IX, CF);

- Fiscalização e controle, diretamente pelo Congresso Nacional, ou por qualquer de suas Casas, dos atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração Indireta, por meio do pedido de sustação de atos e contratos do Executivo (art. 49, X, CF);

- Convocação de Ministros e requerimentos de informações; recebimento de petições, queixas e representações dos administrados e convocação de qualquer autoridade ou pessoa para depor (art. 50, CF);

- Suspensão e processo e julgamento (“impeachment”) do Presidente da República ou de Ministros, por crimes de responsabilidade, da competência privativa do Senado Federal (art. 52, I, CF).

- Poderes controladores privativos do Senado, como, por exemplo, dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno (art. 52, VIII, CF), estabelecer limites e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 52, IX, CF);

- A instituição de Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, §3º, CF).

4.2.3 CONTROLE JURISDICIONAL

O controle jurisdicional refere-se ao controle efetuado pelo Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, em relação aos atos da Administração. A previsão desse controle encontra-se no art. 5º, XXXV, CF, que dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Ao contrário dos anteriores, o controle jurisdicional é sempre provocado, seja pelo particular ou por qualquer interessado. Restringe-se, ainda, ao controle de legalidade, pois o Poder Judiciário não pode fazer o controle de mérito dos atos administrativos. Nesse aspecto, a lei limita o mérito administrativo. O administrador tem uma margem de escolha – e não ampla liberdade de atuação. A margem de escolha é limitada pela lei. O Poder Judiciário controla o mérito do ato administrativo; não pode substituir a conveniência/oportunidade do administrador pela sua.

Ainda, o controle jurisdicional poderá ser prévio ou posterior, pois a Constituição salvaguarda a lesão e a ameaça de lesão a direito. São diversos os mecanismos de provocação do Poder Judiciário para fins de controle da Administração Pública. São eles o habeas corpus, o mandado de segurança, individual ou coletivo, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão.

Além disso, esses instrumentos de controle jurisdicional da Administração Pública ganharam reforço com a edição da lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), que classificou como atos de improbidade administrativa aqueles que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da administração. Outro diploma legal que reforçou esses instrumentos foi a LC nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que dispõe especificamente sobre normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão

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financeira e patrimonial da administração direta e indireta, como previsto no art. 165, § 9º, II, e 169 da CF. Essas leis possuem caráter nacional, obrigando tanto a União quanto os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas entidades administrativas, bem como todas as pessoas privadas que exerçam funções públicas ou lidem com recursos públicos.

4.3 TRIBUNAL DE CONTAS (COMPOSIÇÃO, COMPETÊNCIAS, ATUAÇÃO)

O controle efetuado pelo Tribunal de Contas insere-se dentro do controle legislativo, só que, dessa vez, em relação ao controle financeiro. O Tribunal de Contas relaciona-se especificamente com a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, ao lado do controle interno específico previsto no art. 74 e conforme arts. 71, 73 e 75, da CF. Dá-se sob quatro aspectos: fiscalização da legalidade, fiscalização financeira, fiscalização da legitimidade e fiscalização da economicidade.

O Tribunal de Contas da União, no âmbito federal, é composto por 9 ministros, que serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: (i) mais de 35 e menos de 65 anos de idade; (ii) idoneidade moral e reputação ilibada; (iii) notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; (iv) mais de 10 anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional relacionada às áreas de conhecimento destacadas no item anterior.

Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos na proporção de um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; e na de dois terços pelo Congresso Nacional.

Além disso, os ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

O Tribunal de Contas da União tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional.

Em relação às atribuições do Tribunal de Contas da União, temos as seguintes, arroladas no art. 71, CF:

- apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento;

- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

- apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

- realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,

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orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no segundo item;

- fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

- fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

- prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

- aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

- assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

- sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

- representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

Em que pese a atribuição de julgar as contas dos administradores públicos (art. 72, II, CF) e possuir jurisdição em todo território nacional (art. 73, CF), as decisões definitivas do Tribunal de Contas, em auxílio ao Poder Legislativo no controle externo, detêm natureza administrativa e não jurisdicional. Isso significa que elas não fazem coisa julgada material, de modo que são ainda passíveis de controle pelo Poder Judiciário.

Já no que se refere ao âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o controle externo é exercido pela respectiva Assembléia Legislativa, com auxílio do respectivo Tribunal de Contas do Estado. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por 7 Conselheiros (art. 75, CF).

No âmbito dos Municípios, o controle externo será exercido pela respectiva Câmara Municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art. 31, §1º, CF).

Saliente-se ainda que a Constituição manteve a vedação introduzida pela EC nº 01/69 quanto à criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais (art. 31, §4º, CF), tendo permanecido apenas os já existentes à época, quais sejam os Tribunais de Contas dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro.

4.4 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (COMPOSIÇÃO, COMPETÊNCIAS, ATUAÇÃO)

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O Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP é composto por 14 membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. O mandato desses membros será de 2 anos, admitida uma recondução.

Assim, são membros do CNMP:

- o Procurador-Geral da República, que o preside;

- 4 membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras;

- 3 membros do Ministério Público dos Estados;

- 2 juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça;

- 2 advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

- 2 dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelos respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei. O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiará junto ao Conselho.

Ao Conselho Nacional do Ministério Público compete o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Suas atribuições principais são as seguintes:

- zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

- zelar pela observância do art. 37, CF e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;

- receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

- rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de 1 ano;

- elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI, CF.

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Além disso, o CNMP escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução. Ao Corregedor caberá o exercício das seguintes atribuições, além de outras que lhe sejam correlatas, nos termos da lei: (i) receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; (ii) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; (iii) requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.

No âmbito estadual, leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PROBIDADE ADMINISTRATIVA – A LEI Nº 8.429/92

A lei de improbidade administrativa foi editada no contexto da valorização da moralidade. A ideia de probidade como princípio confunde-se com a de moralidade. Nesse sentido, a moralidade aqui referida é a jurídica, que deve estar presente no trato da atividade pública. Tem relação direta com a boa-fé, com a honestidade do agente público que atua em nome do Estado. Busca estabelecer como padrão a atuação dentro dos padrões que a sociedade considera honestos, isto é, em homenagem a não corrupção. O interesse tutelado deve ser, por assim, o coletivo, e não o particular. Embute a ideia de lealdade às instituições públicas.

Embora a lei nº 8.429/92 tenha forte ligação com a moralidade, não se pode confundir esse conceito com o de improbidade. Isso porque a improbidade não é, necessariamente, uma violação ao princípio da moralidade. Toda violação ao princípio da moralidade constitui ato de improbidade, mas a improbidade vai além do princípio da moralidade. Sendo assim, existem, inclusive, atos de improbidade que não configuram violação à moralidade.

A improbidade é uma preocupação da Constituição desde a sua edição. O próprio art. 37, § 4º, CF define a exigência da edição de lei que definirá infrações e sanções para atos de improbidade. O próprio texto constitucional arrola algumas sanções para a prática de improbidade, em seu art. 37, § 4º: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A edição da lei nº 8.429/92 suscitou certa discussão doutrinária acerca da inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Primeiramente, houve a discussão acerca de possível inconstitucionalidade formal no âmbito do procedimento de sua edição. Isso porque a LIA foi proposta no âmbito da Câmara dos Deputados. Após, no âmbito do procedimento legislativo, foi remetida ao Senado Federal, que criou um projeto de lei substitutivo. Esse projeto retornou à apreciação da Câmara dos Deputados, que acabou por não acatar todas as propostas de substituição feitas pelo Senado Federal. Mesmo assim, a partir daí, encaminhou o projeto de lei à sanção. Parte da doutrina acabou pendendo pela inconstitucionalidade ocorrida no procedimento: assim, quando a Câmara dos Deputados não acatou o substitutivo, ela deveria ter retornado o

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projeto de lei ao Senado Federal, e não simplesmente encaminhado à sanção, sob pena de violação ao Bicameralismo. A despeito dessa ocorrência, o E. STF, ao se pronunciar sobre a questão na ADI nº 2.182, entendeu que o substitutivo do Senado Federal não era um novo projeto de lei. Ademais, não teria havido violação ao Bicameralismo, pois o projeto tramitou pelas duas Casas Legislativas.

Em seguida, outra ameaça a essa lei refere-se às suposta inconstitucionalidade material da LIA. Isso porque o art. 37, § 4º, CF define um rol de sanções a serem aplicadas por ato de improbidade. E a lei nº 8.429/92 amplia esse rol. Nessa linha, a CF prevê como sanções a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. A LIA ampliou esse rol, para fins de prever, além daquelas sanções constantes da CF, a multa e a proibição de contratar com o Poder Público. A crítica refere-se ao fato de que o legislador infraconstitucional não poderia aumentar o rol previsto na CF, sob pena de extrapolar sua competência. No entanto, esse argumento não prosperou, pois o entendimento que prevaleceu foi o de que o rol previsto na CF não se caracterizaria apenas como exemplificativo, mas também, como o mínimo que deveria estar previsto pela legislação regulamentadora.

Outro ponto que merece referência foi a alegada inconstitucionalidade referente à abrangência da LIA. Quando da edição do referido diploma legal, alguns doutrinadores dispuseram que não haveria competência da União para editar lei aplicável à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Nesse sentido, parte da doutrina advogava pela aplicação da LIA apenas ao âmbito federal. Isso porque entendiam que a aplicação desse tipo de sanção seria competência comum de todos os entes federativos. Assim, a lei nº 8.429/92 seria inconstitucional no que extrapola o âmbito da União, isto é, em relação à sua aplicação para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No entanto, essa alegação não prosperou. Isso porque a LIA estabelece sanções de natureza civil, não só a agentes públicos, mas também a particulares que concorram/induzam ou se beneficiem de atos de improbidade, e não sanções de caráter administrativo a servidores. Nesse sentido, sendo a competência para legislar sobre direito civil privativa da União, não há falar em vício por usurpação de competência dos demais entes.

5.1 CONTROLE DA PROBIDADE

O controle da probidade administrativa ganhou importante instrumento com a edição da lei nº 8.429/92, que estabelece sanções de natureza civil cominadas à prática de atos de improbidade.

No que se refere à legitimidade ativa para a proposição de ação por improbidade administrativa (AIP), tem-se que ela é mais restrita do que a prevista na regra geral da ação civil pública (ACP). O art. 17, lei nº 8.429/92 restringe a sua propositura ao Ministério Público e à pessoa jurídica interessada, entendida esta apenas como a entidade administrativa diretamente afetada pelo ato de improbidade. Dessa forma, os demais legitimados para a ACP, ainda que possam ajuizar ação coletiva buscando desconstituir o ato de improbidade, não podem pleitear a aplicação das sanções específicas na Lei 8.429/92. Ressalte-se, aí, que poderá sofrer o ato de improbidade, sendo tutelado por esse diploma legal, tanto (i) ente da Administração Direta quanto (ii) ente da Administração Indireta, incluindo-se aí empresas públicas e sociedades de economia mista, mesmo que exploradoras de atividade econômica, além de (iii) empresas incorporadas pelo patrimônio público e (iv) entidades privadas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual que recebem subsídios públicos. Nesse particular, em relação àquelas entidades em que o subsídio público concorre com mais de 50% do capital ou do patrimônio, elas são equiparadas a ente da Administração Pública para fins de improbidade. Isso significa que toda a entidade é protegida. Já no que se refere à entidade que receba subvenção/benefício/incentivo (fiscal ou creditício) de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio

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ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Já no pólo passivo, segundo a lei nº 8.429/92, a AIP pode ser proposta contra qualquer agente público, servidor ou não. Isso significa que poderão figurar no pólo passivo da demanda particulares que concorram, induzam e ou se beneficiem do ato de improbidade. Reputa-se agente público, para fins de improbidade administrativa, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Envolve, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Nesse sentido, o STF tem precedentes39 afirmando que o Ministério Público detém legitimidade para o ajuizamento da AIP com o fito de obter condenação de agente público ao ressarcimento de alegados prejuízos que sua atuação teria causado ao erário, ainda que a pessoa jurídica diretamente interessada não tenha proposto, em seu nome próprio, a competente ação de ressarcimento.

Além disso, segundo o STF, o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos, não admitindo a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei 8.429/92) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei 1.079/50). Assim, os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF/88, art. 102, I, "c"; Lei 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), competindo exclusivamente ao STF processar e julgar os delitos político-administrativos a eles imputados.40 Por outro lado, este entendimento foi afastado em relação a agentes políticos sem prerrogativa de foro prevista diretamente na Constituição Federal, como é o caso dos Prefeitos e Secretários Municipais, que continuam, portanto, respondendo normalmente na via da ação de improbidade administrativa, tendo o STF declarado a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º, do art. 84, do CPP, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/02, atribuindo foro especial na ação de improbidade (ADIN 2.797/DF).41 Nesse sentido vem se posicionando também o STJ42.

Finalmente, saliente-se que, consoante entendimento jurisprudencial pacífico, para a configuração da conduta de improbidade administrativa, faz-se necessário examinar o elemento volitivo do agente público e de terceiros (dolo ou culpa), não sendo suficiente a irregularidade ou a ilegalidade do ato. Isso porque "não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente"43.

5.2 ATOS DE IMPROBIDADE

A configuração das diversas modalidades de atos de improbidade administrativa está prevista nos arts. 9º, 10 e 11, da lei nº 8.429/92. Esses dispositivos dividem os referidos atos em 3 categorias: (i) atos de improbidade por enriquecimento ilícito; (ii) atos de improbidade por lesão ao erário; e (iii) atos de improbidade por violação a princípios da administração.

39 STF, RE 225777 / MG, rel. Min. Eros Grau, rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, julg. 24/02/2011. 40 STF, Rcl 2138 / DF, rel. Min. Nelson Jobim, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julg. 13/06/2007. 41 STF, Rcl 6034 MC-AgR / SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. 25/06/2008. 42 STJ, REsp 1282046/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 27/02/2012. 43 STJ, REsp 827.445-SP, rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 08/03/2010.

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O rol de infrações descritos em lei por cada um desses dispositivos é meramente exemplificativo. Em outras palavras, embora aí conste uma lista de condutas que possam ser classificadas como atos de improbidade, abre-se espaço para a caracterização de outras situações que possam ser inseridas como violadoras de princípios, que ocasionem lesão ao Erário ou que gerem enriquecimento ilícito.

Assim, são atos de improbidade por enriquecimento ilícito, não excluindo outros aferíveis na prática:

- receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

- perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades tuteladas pela LIA, por preço superior ao valor de mercado;

- perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

- utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades tuteladas pela LIA, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

- receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

- receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades tuteladas pela LIA;

- adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

- aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

- perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

- receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

- incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades tuteladas pela LIA;

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- usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades tuteladas pela LIA.

Constituem atos de improbidade que ensejam dano ao erário, não excluindo outros:

- facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades tuteladas pela LIA;

- permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades tuteladas pela LIA, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

- doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades tuteladas pela LIA, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

- permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades tuteladas pela LIA, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

- permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

- realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

- conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

- frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente;

- ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

- agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

- liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

- permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

- permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades tuteladas pela LIA, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

- celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

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- celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

- facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

- permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

- celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

- agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;

- liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.

- liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.

E, finalmente, atos de improbidade que importam violação aos princípios da Administração, sem impedir que outros assim sejam caracterizados:

- praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

- retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

- revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

- negar publicidade aos atos oficiais;

- frustrar a licitude de concurso público;

- deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

- revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço;

- descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;

- deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.

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Nesse particular, temos que a configuração de ato de improbidade independe de dano patrimonial efetivo ao Erário. Também independe a rejeição de contas pelo Tribunal de Contas. Isso significa que poderá ser interposta ação de improbidade administrativa mesmo que as contas relativas ao agente em questão sejam aprovadas pelo respectivo Tribunal de Contas competente.

Além disso, para a configuração de atos de improbidade, exige-se a presença do elemento subjetivo da conduta do agente, não bastando a verificação da ilegalidade ou irregularidade do ato. Nesse aspecto, no que tange à interpretação da lei, verifica-se que, quando a legislação visa à punição a título de dolo e culpa, ela o fez expressamente, assim como ocorre nos casos de improbidade administrativa por dano ao erário – art. 10. Do contrário, só se pode punir a título de dolo, como nos casos de enriquecimento ilícito (art. 9º) e de atentado contra os princípios regentes da Administração Pública (art. 11).

5.3 SANÇÕES

A aplicação das sanções pela prática dos atos de improbidade relativas às diferentes modalidades de atos constam da tabela abaixo:

Sanções por Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92

SANÇÃO ENRIQUECIMENTO

ILÍCITO (ART. 9º) LESÃO AO ERÁRIO

(ART. 10)

VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA

ADMINISTRAÇÃO (ART. 11)

Ressarcimento integral do dano

Sim, quando houver Sim Sim, quando houver

Perda de bens ou valores acrescidos

ilicitamente Sim Sim, quando houver --

Perda da função pública

Sim Sim Sim

Suspensão dos direitos políticos

De 8 a 10 anos De 5 a 8 anos De 3 a 5 anos

Multa Até 3x o valor do enriquecimento

ilícito

Até 2x o valor do dano

Até 100x o valor da remuneração

Proibição de contratar com o Poder Público ou

receber incentivos fiscais ou creditícios

10 anos 5 anos 3 anos

Na aplicação dessas penalidades no âmbito da AIP, o juiz decidirá, fundamentadamente, quais sanções devem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade da infração.

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O ressarcimento integral do dano não constitui, propriamente, uma penalidade. Por outro lado, é uma garantia de que o dinheiro público irá retornar aos cofres do Erário. Assim, não caberá ao juiz dispor da aplicação dessa penalidade.

Já a perda da função pública incide sobre a função que o sujeito esteja exercendo no momento da aplicação da penalidade. Essa aplicação difere de casos da seara criminal, em que a perda do cargo não é sanção propriamente, mas acessória da pena criminal. Nesse caso, a perda do cargo fica vinculada àquele cargo de que se valeu o agente para a prática do crime. Caso o agente já se encontre aposentado e, só após, a aposentadoria se descobre a prática de ato de improbidade deve-se aplicar o princípio da adequação punitiva, isto é, deve-se adequar a penalidade às situações pessoais do agente. Nesse caso, estando o sujeito aposentado, a pena de perda da função pode ser convertida em cassação da aposentadoria.

A sanção de suspensão dos direitos políticos comporta certa margem de valoração pelo magistrado, que poderá fixar o prazo, dentro daquele intervalo estabelecido pela lei. Se a sentença for omissa em relação ao prazo aplicado, aplica-se o menor prazo para a referida sanção.

No que tange à penalidade de multa, há certa margem para discussão. Isso porque nem todos os agentes públicos aos quais a LIA se dirige são remunerados. Assim, o entendimento prevalecente, no âmbito dos Tribunais Superiores, é aquele que prevê que, quando se tratar de agente público não remunerado, a multa é calculada com base em salários mínimos, até o patamar de 100 salários mínimos. Essa restrição não vale para o particular. Isso porque ele sempre pratica o ato concorrendo com agente público. Assim, a multa será calculada com base na remuneração do agente público.

5.4 PROCEDIMENTO JUDICIAL E MEDIDAS CAUTELARES

Existe um procedimento especial previsto para o trâmite de ação de improbidade administrativa, que conta com algumas peculiaridades que devem ser observadas.

Compondo o pólo ativo, é possível que tanto o Ministério Público como a pessoa jurídica lesada (ente da Administração Direta, Indireta ou até entidade privada) aí figurem. Caso a ação venha a ser proposta pelo Ministério Público, a pessoa jurídica lesada será intimada para, querendo, atuar como litisconsorte. A provocação, nesse caso, é obrigatória, sob pena de nulidade. No entanto, caso a entidade não tenha interesse na lide, sua intervenção não tem cunho obrigatório.

De outra banda, caso a ação seja proposta pela pessoa jurídica lesada, o Ministério Público atuará como fiscal da lei. Assim, podemos concluir que a atuação do Ministério Público é indispensável na ação de responsabilização por improbidade administrativa, seja como parte ou como fiscal da lei.

Como réu, figurará o sujeito que praticou o ato, seja ele agente público ou particular, em concurso com agente, que concorra, induza ou se beneficie da prática do ato. Nessa hipótese, teremos um caso de litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e o particular.

A proposição de AIP poderá ocorrer tanto já Justiça Estadual como na Federal, nos casos previstos no art. 109, CF, sempre perante o juiz singular. Nesse ponto, é importante referir que a posição majoritária da doutrina é pela impossibilidade de aplicação do foro por prerrogativa de função. Isso porque a ação para responsabilização de atos por improbidade administrativa tem natureza civil. E não existe previsão constitucional de foro privilegiado para essa modalidade de ação. Assim, patente seria a inconstitucionalidade da previsão de foro por prerrogativa por uma via transversa, motivo pelo qual ele não é aplicado.

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O procedimento da ação por improbidade administrativa prevê que após a interposição da exordial, antes de o juiz proferir despacho deferindo ou não a petição inicial, o magistrado deverá notificar o acusado, para que apresente defesa prévia no prazo de 15 dias, sob pena de nulidade. A legislação prevê ainda que, caso convencido da inadequação da via eleita, o julgador poderá rejeitar a inicial, de plano. Assim, o objetivo da notificação ao acusado é que ele tente convencer o juiz da inadequação da via eleita.

Isso porque a mera propositura de ação por improbidade administrativa já tem o condão de macular a imagem do acusado. Por isso, caso convencido da inadequação da via eleita, o juiz poderá impedir a formação da relação processual, por meio da rejeição da inicial.

Assim, no âmbito do processo civil, o indeferimento da petição inicial é caso de recurso de apelação. Do contrário, caso seja deferida a inicial, por meio de despacho, essa decisão é irrecorrível. Já no âmbito da LIA, se houver indeferimento da exordial, será caso de propositura de recurso de apelação. Em sendo deferida, isso ocorrerá por decisão e, então, caberá a interposição de agravo de instrumento.

Na sequência, caso seja admitida a inicia, o réu será citado para apresentação de defesa. A partir daí, a ação de improbidade administrativa segue o rito ordinário regido pelo processo civil.

Existe, no entanto, uma peculiaridade relativa a esse procedimento: não se admite acordo, transação ou conciliação, por vedação legal expressa. Assim necessariamente, o processo terminará por sentença, seja ela condenatória ou absolutória. Nessa linha, iniciado o inquérito civil para verificação da ocorrência de atos de improbidade, se verificada a ocorrência dos atos, mesmo antes da propositura da ação cabível (AIP), não se vislumbra qualquer possibilidade legal de se firmar acordo, nem mesmo no âmbito extrajudicial.

Além disso, quando a lei nº 8.429/92 foi editada, houve uma preocupação do legislador com a previsão de medidas cautelares (preparatórias ou incidentais), desde que demonstrados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora (presumido em situações como, por exemplo, aquelas que visam à indisponibilidade de bens).

As cautelares aí previstas podem ser de cunho preparatório ou incidental. Em relação às primeiras, referem-se a ação autônoma que tem como objetivo o deferimento de medida cautelar própria. O mérito da ação é a concessão da cautelar. Assim, deferida a medida, o interessado terá 30 dias para propor a ação principal. Passado esse período, se a ação principal não tiver sido proposta, a cautelar perderá sua eficácia.

Já no que se refere às cautelares incidentais, temos que a ação de improbidade administrativa já estará proposta. Em seu bojo, será requerida medida cautelar incidental. Ordinariamente, será concedida liminarmente, antes da citação do réu.

No âmbito da LIA, podemos destacar algumas cautelares de maior destaque, conforme seguem brevemente descritas, embora não excluam a utilização de outras:

- afastamento preventivo/provisório: não há prazo expressamente definido em lei para o afastamento preventivo/provisório, mas vigora a garantia da razoável duração do processo. O fundamento é a ideia de que a manutenção do servidor no cargo para atrapalhar o andamento do processo/a instrução/proporcionar a continuidade delitiva. Presta-se para acautelar o andamento do processo. Ocorre com a manutenção da remuneração. Referido afastamento é, pois diverso do afastamento previsto para ocorrer no âmbito de processo administrativo disciplinar, que é determinado pela autoridade administrativa no bojo do procedimento

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administrativo regulado pela lei nº 8.112/90, possuindo prazo determinado de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 (art. 147, lei nº 8.112/90);

- indisponibilidade de bens: nesse quesito, a indisponibilidade de bens não se refere à sanção prevista como penalidade para a prática de ato de improbidade administrativa. É medida cautelar que visa a assegurar o resultado prático de eventual sanção de perda de bens. No que tange à jurisprudência, o E. STJ já se posicionou no sentido de que podem ser declarados indisponíveis bens adquiridos pelo agente público inclusive anteriormente ao cometimento da infração;

- sequestro: a medida cautelar de sequestro segue as disposições concernentes ao direito processual civil (NCPC);

- bloqueio de contas: pode se referir a contas existentes no território nacional ou no exterior. É uma medida cautelar que visa assegurar a efetividade de posterior penhora online de dinheiro (BACEN-JUD).

5.4.1 PRESCRIÇÃO

A contagem da prescrição para fins de responsabilização por ato de improbidade administrativa será dependente, em matéria de prazo e de início do termo a quo, do réu da ação. Sendo assim, podem ser destacadas 3 situações: (i) contagem em relação a detentores de mandato, função ou cargo em comissão; (ii) contagem em relação a servidores efetivos; e (iii) contagem em relação a particulares. Passaremos a sintetizar os principais aspectos concernentes a cada uma delas:

Primeiramente, no que se refere à contagem em relação a detentores de mandato, função ou cargo em comissão, temos que a prazo prescricional é de 5 anos, a contar do término do mandato, do cargo ou da função. Em caso de reeleição, de acordo com o entendimento do E. STJ, em uma interpretação teleológica da lei, deve-se buscar compreender a finalidade da lei quando de sua edição. Isso porque, quando ela foi editada, o foi com o objetivo de prevenir que o mandato, cargo ou função do agente facilite a ocultação de seus atos ímprobos, resultando em impunidade. Assim, prevalece o entendimento de que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do término do segundo mandato.

Em relação a efetivos, ocupantes de cargo ou emprego públicos, o prazo prescricional para a interposição de ação por improbidade administrativa é o mesmo previsto no estatuto do servidor para as infrações puníveis com a pena de demissão. Nesse caso, haverá coincidência de prazos prescricionais nas esferas cível e administrativa. Isso porque, no âmbito da lei nº 8.112/90, é previsto o prazo de 5 anos para aplicação da sanção de demissão, a partir da data do conhecimento do fato ensejador pela Administração Pública (art. 142, inc. I, lei nº 8.112/90). No que tange aos particulares, diante da omissão da LIA, prevalece o entendimento doutrinário que entende que, como o particular ocupa o polo passivo a ação juntamente com o agente público, o prazo de prescrição aplicável ao particular é o mesmo aplicado ao agente público que concorreu à prática do ato. E, na hipótese, de existir mais de um agente público envolvido, aplica-se o prazo mais benéfico ao particular.

Finalmente, no que se refere aos prazos prescricionais, temos que esses prazos não se aplicam à ação de ressarcimento ao Erário – que, nos termos do art. 37, § 5º, CF, é imprescritível. Além disso, as sanções patrimoniais a serem aplicadas ao agente público se estendem aos sucessores do servidor falecido, nos limites da herança transferida.

Abaixo, um quadro-resumo com os principais aspectos concernentes à ação de improbidade administrativa:

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NATUREZA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE

Natureza cível. É considerada uma modalidade de ação civil pública. Por isso, são aplicáveis, subsidiariamente e na ausência de norma expressa na lei nº 8.429/92, as disposições das leis nº 7.347/85 e 8.078/90 e o CPC.

COMPETÊNCIA PARA PROCESSO E JULGAMENTO

Juízo de primeira instância do local onde ocorreu ou deveria ocorrer o dano (aplicação do art. 2º, lei nº 7.347/85, na omissão da lei nº 8.429/92) STF (ADin nº 2.797): julgou inconstitucional a redação dada ao art. 84 e parágrafos do CPP pela lei nº 10.628/02, que estabelecia foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade propostas contra determinadas autoridades.

LEGITIMIDADE ATIVA

- Ministério Público; - Pessoa jurídica lesada parte da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território; - Empresa incorporada ao patrimônio público - Entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual; - Entidade que receba subvenção/benefício/incentivo (fiscal ou creditício) de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSIÇÃO

A legitimidade do MP para propor ação judicial para responsabilização por improbidade administrativa é: - Extraordinária: vai a juízo tutelar direito alheio em nome próprio; - Concorrente: já que vários legitimados podem propor - Disjuntiva: pois a legitimidade de cada um deles independe da dos demais.

LEGITIMIDADE PASSIVA

- Agente público (servidor ou não) que praticou o ato; - Quem induziu ou concorreu para sua prática; - Beneficiários diretos ou indiretos do ato Litisconsórcio necessário entre agente público e/ou agente privado, este último necessariamente em concurso com o primeiro, quando demandar a situação fática

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ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

1) Caso a demanda tenha sido ajuizada pela pessoa jurídica interessada (lesada), caberá ao MP intervir como fiscal da lei; 2) Se a ação tiver sido proposta pelo MP, a pessoa jurídica interessada poderá integrar o pólo ativo, figurando em litisconsórcio ativo originário com o próprio Ministério Público. Em resumo: o MP sempre atuará

PROPOSITURA SIMULTÂNEA DE AÇÕES DE IMPROBIDADE PELO MP E OUTRO CO-

LEGITIMADO VERSANDO SOBRE O MESMO ATO DE IMPROBIDADE

Nesse caso, a despeito de não haver identidade subjetiva, por se tratar de uma demanda coletiva (relevância do interesse em questão), tem-se que resta caracterizado o instituto da litispendência - ainda que sejam diversos os sujeitos que formalmente figuram no processo

CRITÉRIO PARA DETERMINAÇÃO DA PREVENÇÃO EM SENDO UMA DAS

DEMANDAS AÇÃO DE IMPROBIDADE

A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto (art. 17, § 5º, LIA)

NOTIFICAÇÃO PRÉVIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE

Prevista em relação a todos os réus. Recebida a inicial, o juiz ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de 15 dias (art. 17, § 7º, LIA)

RECORRIBILIDADE DE DECISÃO QUE RECEBE (OU NÃO) A PETIÇÃO INICIAL

Decisão que recebe petição inicial Agravo de Instrumento Decisão que não recebe petição inicial Apelação

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS PELA PRÁTICA DE ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – A LEI Nº 12.846/13

A lei nº 12.846/13, também conhecida como lei anticorrupção, foi editada visando à apuração da responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas, em atos conta a Administração Pública nacional ou estrangeira. Algumas infrações nela previstas ensejam, ao mesmo tempo, sanções administrativas e civis, sem prejuízo da aplicação de sanções penais cabíveis.

6.1 DESTINATÁRIOS

A aplicação da lei anticorrupção não afasta a aplicação das leis nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) e 8.666/93, pois elas possuem objetos e/ou destinatários distintos. Em

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relação aos sujeitos destinatários dos regramentos previstos na lei, considera-se pessoa jurídica potencialmente infratora, para fins de aplicação das sanções ali constantes, as sociedades empresárias e as sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

A responsabilidade dessas pessoas jurídicas por atos praticados contra a Fazenda Pública, seja administrativa ou civil, é de cunho objetivo. Isso significa que, para configuração do dever de indenizar, não se faz necessária a análise do elemento subjetivo (dolo ou culpa).

Ainda no que tange à análise dos sujeitos destinatários da legislação em comento, temos que a sanção por improbidade administrativa se mantém em caso de fusão/incorporação/cisão/al-teração do quadro societário. Isso porque a sanção incide sobre a pessoa jurídica. Assim, nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas na lei nº 12.846/13, decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação. A exceção se dá no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. Aí a responsabilidade será direcionada à sucessora, mesmo que se verifique que ultrapasse o patrimônio transferido.

De outro lado, em relação às sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos na lei nº 12.846/13, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

Em relação às entidades lesadas, em termos gerais, esse diploma visa a tutelar toda a sociedade. Em termos mais específicos, visa à proteção de órgãos/entidades da Administração Pública nacional ou estrangeira, incluindo aí representações diplomáticas de organismos estrangeiros e organismos públicos internacionais que, a despeito de não serem pessoas jurídicas, são equiparados a órgãos/entidades estrangeiras, para fins da lei nº 12.846/13.

6.2 ATOS LESIVOS PUNÍVEIS

Em relação às condutas puníveis, a lei anticorrupção determina que constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas destinatárias desse diploma legal, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos como:

- prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

- comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na lei nº 12.846/13;

- comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

- no tocante a licitações e contratos, em rol exemplificativo:

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a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

- dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

6.3 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

A responsabilização administrativa de pessoas jurídicas por atos lesivos previstos na lei anticorrupção poderá culminar na aplicação das seguintes sanções:

1) multa, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e

(Nesse caso, se não for possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00)

2) publicação extraordinária da decisão condenatória, que ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na Internet.

A aplicação dessas sanções será precedida, obrigatoriamente, da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.

As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações. Além disso, a

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aplicação dessas sanções administrativas não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.

Na aplicação das sanções, serão considerados, pelo julgador, os seguintes aspectos: (i) a gravidade da infração; (ii) a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; (iii) a consumação ou não da infração; (iv) o grau de lesão ou perigo de lesão; (v) o efeito negativo produzido pela infração; (vi) a situação econômica do infrator; (vii) a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; (viii) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e (ix) o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.

No que se refere ao procedimento, sua instauração deverá se dar perante a autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa, admitida a delegação para autoridade de hierarquia inferior.

Assim, de acordo com a súmula nº 510, do STF, em eventual necessidade de interposição de mandado de segurança, praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Em termos procedimentais, o processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 ou mais servidores estáveis. O ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, ou equivalente, a pedido da comissão processante, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão.

Além disso, a comissão processante poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato, processo ou contrato objeto da investigação.

No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de 30 dias para defesa, contados a partir da intimação. Depois disso, o processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora para julgamento.

Como instrumento que visa a efetivar a responsabilização das pessoas jurídicas infratoras dos dispositivos previstos pela lei anticorrupção, a personalidade jurídica da envolvida poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

O prazo para que a comissão conclua o processo será de 180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias, justificadamente, contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.

A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais crimes perpetrados pela pessoa jurídica. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.

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6.4 RESPONSABILIDADE CIVIL

A ação de responsabilização civil de pessoas jurídicas, no âmbito da lei anticorrupção, tem natureza jurídica de ação civil pública. Assim, aplicam-se a ela, no que couber, as disposições constantes da lei nº 7.347/85. Eventual condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.

No âmbito judicial civil, a prática de atos lesivos vedados pela lei anticorrupção enseja a possibilidade de cominação das seguintes sanções, após o ajuizamento de ação pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público:

- perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

- suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

- dissolução compulsória da pessoa jurídica, que será determinada quando comprovado ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos ou ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

- proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos.

É importante ressaltar que referidas sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Eventual pactuação de acordo de leniência poderá ter o condão de afastar apenas a penalidade prevista no último item, qual seja, a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos.

O prazo prescricional para a propositura da ação de responsabilização civil é de 5 anos.

6.5 ACORDOS DE LENIÊNCIA

A previsão de pactuação de acordos de leniência no âmbito da lei nº 12.846/13 insere-se na possibilidade aberta às pessoas jurídicas de colaborar com a identificação dos demais envolvidos e com a localização de documentos comprobatórios dos ilícitos. A colaboração da pessoa jurídica deverá resultar na identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Os requisitos cumulativos para a celebração do acordo de leniência são:

- a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

- a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

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DIREITO ADMINISTRATIVO

- a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

Como efeitos, a celebração do acordo de leniência acarretará os seguintes, à pessoa jurídica e às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas:

- isentará a pessoa jurídica da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6o, inc. II) e da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos (art. 19, inc. IV), além de reduzir, em até 2/3, o valor da multa aplicável;

- interromperá o prazo prescricional para a aplicação de quaisquer sanções civis ou administrativas;

- isentará ou atenuará as sanções previstas na lei de licitações (arts. 86 a 88, lei nº 8.666/93).

O acordo de leniência não eximirá a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. Além disso, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

A publicidade do acordo de leniência somente ocorrerá após a assinatura de seus termos, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. É importante atentar aí que não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

Na hipótese de ser firmado o acordo e ter ele sido descumprido, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

6.6 CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS

A lei anticorrupção inovou, ao criar, no âmbito do Poder Executivo federal, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP. Referido cadastro se presta a reunir e dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo às pessoas jurídicas impedidas de participar de determinadas atividades no âmbito público.

O CNEP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: (i) razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ; (ii) tipo de sanção; e (iii) data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso. Os órgãos e entidades responsáveis pela manutenção do cadastro deverão informar e manter atualizados, no CNEP, os dados relativos às sanções por eles aplicadas.

A celebração de acordo de leniência, após sua efetivação, deverá ensejar a inserção e a respectiva atualização de informações no CNEP, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, deverá ser incluída no CNEP referência ao respectivo descumprimento.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

A exclusão dos registros das sanções e dos acordos de leniência ocorrerá depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora.

Finalmente, os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo, responsáveis pelo CNEP, deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666/93.

REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

O regime jurídico-administrativo tem referência às peculiaridades que individualizam a atuação da administração pública, quando em comparação com a atuação dos particulares. Esse regime estabelece a relação entre a Administração e o particular, ou seja, estabelece quais são os poderes da Administração Pública, assim como seus limites (instrumentos de que o cidadão pode se valer para conter o arbítrio da Administração).

Esse conceito aqui estudado diferencia-se daquele de regime jurídico da Administração, nos seguintes aspectos:

Regime jurídico-administrativo Regime jurídico da Administração Composto exclusivamente pelas regras, normas, princípios de Direito Público aplicáveis à Administração pública - Coloca a Administração Pública em posição de superioridade em relação aos particulares (prerrogativas, poderes, competências exclusivas da Administração Pública) - Compreende apenas regras de Direito Público

Compreende todas as normas, regras, leis, princípios que regem a atividade da Administração Pública, sejam elas de Direito Público ou de Direito Privado. - Atentar para o fato de que à Administração também se aplicam regras de Direito Privado

Assim, temos que a expressão regime jurídico-administrativo tem sentido restrito, designando o conjunto de normas de direito público que trazem as especificidades do Direito Administrativo, estabelecendo uma série de prerrogativas que colocam a Administração Pública em posição privilegiada nas suas relações com os particulares e também restrições que buscam evitar que ela se afaste da perseguição do interesse público44.

É nesse contexto que se insere a constatação de dois supraprincípios do Direito Administrativo, quais sejam: (i) a supremacia do interesse público, que justifica a concessão de prerrogativas e (ii) a indisponibilidade do interesse público, que impõe a estipulação de restrições (sujeições) à atuação administrativa.

44 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 168.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

No âmbito da organização administrativa do Estado, existem serviços que são prestados diretamente pelo Poder Público, pelos entes da Administração Direta (centralizada). Outros são prestados por entes pertencentes à Administração Indireta ou por particulares. Em tese, tal especialização aumenta a qualidade de prestação do serviço. É sobre esse tipo de fenômeno que passaremos a discorrer a seguir.

7.1 DESCONCENTRAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO

Os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), para exercitar os poderes que lhe são conferidos pela Constituição Federal, expressa ou implicitamente, podem se organizar de forma centralizada, descentralizada (por outorga ou por delegação) ou desconcentrada.

Nessa linha, no que se refere à prestação dos serviços pela Administração Pública, podemos reconhecer três fenômenos distintos, que passaremos a abordar:

7.1.1 CENTRALIZAÇÃO OU CONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA

A centralização/concentração administrativa ocorre quando o Estado atua em nome próprio, por meio de órgãos públicos não internamente divididos em repartições ou departamentos. Alexandre Mazza45 chega a mencionar que a concentração administrativa é “situação raríssima, pois pressupõe a ausência completa de distribuição de tarefas”. E, de fato, essa situação é de raríssima ocorrência, praticamente não se verificando, na prática.

7.1.2 DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA

A desconcentração administrativa ocorre com a distribuição interna de atribuições e responsabilidades a órgãos, podendo ocorrer tanto na Administração Direta como na Indireta. A definição de órgão tem relação com unidades administrativas não-dotadas de personalidade jurídica própria e, portanto, subordinadas aos órgãos superiores, mantendo-se uma relação de hierarquia entre uns órgãos e outros. Por não terem personalidade jurídica, os órgãos públicos não são titulares de direitos e obrigações.

Pela lógica da desconcentração administrativa, por exemplo, os ministérios serão constituídos para auxiliar a Presidência da República e a ela serão subordinados. Por sua vez, as secretarias serão criadas para auxiliar os ministérios e a eles serão subordinados e, assim, sucessivamente com outros órgãos.

Percebe-se, então, que da desconcentração administrativa resulta um escalonamento vertical de competências e atribuições e, portanto, uma relação de hierarquia entre órgãos subordinantes e subordinados.

7.1.3 DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Descentralização administrativa é a distribuição externa de atribuições e responsabilidades a “entidades”, isto é, a unidades de atuação dotadas de personalidade jurídica própria. Assim, o Estado age indiretamente a partir da “Administração Indireta” ou ainda da prestação de serviços públicos por particulares.

45 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Saraiva. 2013. p. 145.

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As entidades descentralizadas, por possuírem personalidade jurídica própria, contam com liberdade de ação e atuam de forma autônoma em relação ao poder central. Em função disso, inexiste relação de subordinação entre um e outro, mas de mera vinculação funcional entre o Ministério responsável e a entidade descentralizada.

Nessa linha, a título exemplificativo, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) não é subordinado ao Ministério da Previdência, mas meramente vinculado. De mesma forma, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) não é subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, mas, tão somente, vinculado.

A descentralização poderá ocorrer de duas formas distintas: (i) outorga e (ii) delegação. Ocorrerá a descentralização por outorga quando o Poder Central constituir uma entidade da Administração Indireta, seja ela autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista, exclusivamente para a prestação de um serviço.

Por outro lado, ocorrerá a descentralização por delegação quando a Administração Pública concede ou permite que empresa privada explore determinado serviço público (art. 175, CF e Lei n. 8.987/95).

7.3 ÓRGÃOS PÚBLICOS

O conceito de órgão público está diretamente relacionado à existência de um centro de competências, fontes abstratas e simples de repartições de atribuições. Os órgãos comporão tanto a Administração Direta quanto a Indireta. Eles não possuem patrimônio nem personalidade jurídica própria. De regra, também não possuem capacidade processual. Embora os órgãos públicos não possuam personalidade jurídica, alguns deles possuem capacidade postulatória, podendo figurar no pólo ativo da demanda judicial por eles proposta.

Especificamente por serem os órgãos unidades abstratas, eles precisam da atuação de pessoas físicas para concretizar as atribuições que lhes são destinadas por lei. Essas pessoas são os agentes públicos. Nesse particular, os atos praticados por esses agentes são considerados atos do próprio órgão e, portanto, imputáveis à entidade a que ele pertencem – e não à pessoa física. A essa constatação se dá o nome de Teoria do Órgão.

Assim, a manifestação de vontade do órgão explica-se pelo vínculo existente entre o agente e o Estado: o de imputação. Isso porque a conduta do agente público confunde-se com a do próprio órgão, do próprio Estado, em virtude da lei. Assim, o ato do agente é imputado diretamente ao órgão ao qual está ligado, e o ato do órgão é imputado diretamente à entidade à que ele é integrante. Essa é a teoria prevalecente para explicar a vontade do órgão púbico, embora se tenha notícia de outras (teoria da representação – o agente público agiria como se fosse representante de incapazes; assim, quando ele atua, é como se quem tivesse praticado o ato fosse o ente público; e teoria do mandato – o agente público atuaria como mandatário do Estado) que, no entanto, não prevalecem.

7.3.1 CARACTERÍSTICAS DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

Da definição de órgão público podem ser extraídas algumas características, conforme seguem:

- não possuem personalidade jurídica própria: significa que um órgão não possui vontade própria, tampouco capacidade de agir juridicamente, não sendo titulares de direitos nem de obrigações.

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Essa regra geral, todavia, deve ser interpretada com cautela. Isso porque doutrina e jurisprudência reconhecem a possibilidade de órgãos públicos firmarem “contratos de gestão” junto à própria Administração Pública, sendo esta uma exceção à regra da impossibilidade de firmar contratos (art. 37, § 8º, da CF/88). De mesma forma, também doutrina e jurisprudência são uniformes em reconhecer a possibilidade de certos órgãos (não todos) impetrarem Mandado de Segurança (não para ações judiciais comuns) exclusivamente em defesa de suas prerrogativas funcionais, em face de outros órgãos ou entidades públicas (MS 21.239/STF).

- integram a estrutura de uma pessoa jurídica: isso significa que o órgão é sempre parte de uma entidade dotada de personalidade jurídica própria.

- alguns deles possuem autonomia gerencial, orçamentária e financeira: via de regra, temos que os órgãos não possuem autonomia, sequer para gerir seus próprios recursos, eis que estão sujeitos a regime de hierarquia e subordinação. No entanto, alguns possuem capacidade de dispor sobre sua própria organização interna. São tipicamente os órgãos classificados como autônomos, conforme a categorização que veremos abaixo.

- não possuem patrimônio próprio: decorre da inexistência de personalidade jurídica própria dos órgãos. Assim, aqueles bens utilizados pelos órgãos públicos, em verdade, são de propriedade da pessoa jurídica da qual fazem parte.

7.3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

Os órgãos públicos, enquanto centros de competência administrativa, podem ser divididos e classificados de três maneiras distintas.

- Quanto à esfera

a) Órgãos centrais: exercem competência/têm atribuição em toda a extensão da pessoa jurídica que integra. Ex.: Presidência da República.

b) Órgãos locais: restringem sua competência/atribuição a determinado ponto da pessoa jurídica que integra. Ex.: TRF4ª Região (competência nos estados do RS, do SC e do PR).

- Quanto à estrutura:

a) Órgãos simples: constituídos por um único centro de competência, não sendo subdivididos em sua estrutura interna. Não importa o número de cargos que componham o órgão, mas apenas a inexistência de subdivisões internas. Ex.: Presidência da República.

b) Órgãos compostos: têm sua estrutura subdividida em inúmeros outros órgãos menores e inferiores hierarquicamente, sendo estes, resultado de desconcentração administrativa. Ex.: Receita Federal, que é dividida em Superintendências da Receita Federal, que são divididas em Delegacias da Receita Federal, que são subdivididas por Seções da Receita Federal.

- Quanto à atuação funcional

a) Órgão singulares: são compostos por um único agente manifestador de vontade. Ex.: Presidência da República.

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b) Órgãos colegiados: são compostos por mais de uma pessoa, que manifesta sua vontade por um grupo/por uma comissão. Ex.: Tribunais de Justiça; Congresso Nacional.

- Quanto à posição estatal

a) Órgãos Independentes: são órgãos de Estado, expressamente previstos pela Constituição Federal de 1988 e estão no topo da estrutura hierárquica. São soberanos e, portanto, não se submetem a qualquer hierarquia ou subordinação. Podem, inclusive, gozar de capacidade postulatória. As atribuições destes órgãos são exercidas por agentes políticos. Ex.: Presidência da República, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional, etc.

b) Órgãos Autônomos: situam-se na cúpula da Administração Pública, porém não são independentes. Possuem vinculação hierárquica a algum outro órgão ou Poder (normalmente os órgãos independentes), mas gozam de grande autonomia para o exercício de suas atribuições e participam das decisões governamentais. Podem, inclusive, gozar de capacidade postulatória. Ex.: Ministérios, secretarias de estado e de município.

c) Órgãos Superiores: são órgãos que não possuem independência, nem autonomia, mas que possuem atribuições de direção, controle e decisão. Estão subordinados aos dois tipos de órgãos citados acima, mas possuem certo poder de decisão. Ex.: Secretaria da Receita Federal (vinculado ao Ministério da Fazenda).

d) Órgãos Subalternos: exercem meras atividades de execução das determinações advindas de seus superiores. Não possuem poder decisório. Estão sempre subordinados às 3 classes de órgãos anteriores. Ex.: coordenadoria de recursos humanos vinculada à Secretaria da Receita Federal.

- Quanto às funções

a) Órgãos Ativos: executam atividade pública diretamente (serviços públicos, poder de polícia, etc.).

b) Órgãos Consultivos: manifestam opinião da Administração Pública acerca de determinada situação. Não geram efeitos imediatos.

c) Órgãos de Controle: o administrador público não é titular da atividade público; por isso, há necessidade de controle sobre os órgãos públicos.

- Internos: inserem-se dentro do poder de autotutela da Administração; dentro da estrutura orgânica que executa a atividade, faz o controle.

- Externos: controlam a atividade administrativa, mas não integram a Administração. Controle de um Poder sobre outro.

7.4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA

A Administração Pública brasileira, conforme expressamente disposto no art. 4º, do Decreto-Lei nº 200/67, é dividida em duas modalidades: Direta e Indireta. Referido dispositivo vem assim redigido:

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Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Emprêsas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.

O dispositivo acima transcrito faz referência expressa à Administração Pública federal, o que poderia levar à crença de que seu teor se aplicaria com exclusividade à União Federal. Todavia, é entendimento unânime de que tal Decreto-Lei se aplica indistintamente a todos os níveis da Administração Pública (local, regional e nacional).

7.4.1 ADMINISTRAÇÃO DIRETA

O conceito de Administração Direta, ou Administração Central, refere-se ao conjunto de órgãos que integram as pessoas políticas do Estado, confundindo-se com os próprios entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) (art. 4º, I, Decreto-Lei nº 200/67).

No âmbito federal, a Administração Direta da União está regulamentada pela Lei nº 10.683/03, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos ministérios, estabelecendo quais são os órgãos de assessoramento da Presidência da República, dentre outras disposições.

7.4.2 ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

A doutrina46 conceitua a Administração Indireta como o conjunto de pessoas jurídicas (ou entidades) vinculadas às respectivas Administrações Diretas, com o objetivo de melhor desempenhar as atividades administrativas. Sua existência permite que o Estado execute algumas de suas funções de forma descentralizada. A Administração Indireta refere-se ao conjunto de entidades autônomas, dotadas de personalidade jurídica própria, criadas pelo Poder Público centralizado justamente para o exercício de tarefas específicas com mais agilidade, dinamismo, economicidade e precisão.

Por serem pessoas jurídicas autônomas, possuem certa independência gerencial e administrativa, não obstante sejam controladas ou fiscalizadas pela Administração Pública Direta que a criou (art. 37, XIX, CF). Além disso, segundo dispõe o art. 4º, II, do Decreto-Lei nº 200/67, a Administração Indireta é composta pelas entidades dotadas de personalidade jurídica própria, a saber: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e as fundações públicas. Hodiernamente, este rol de entidades da Administração Indireta serve apenas a título exemplificativo, tendo em vista o maior número, em espécie, de entidades da Administração Indireta que podem ser criadas pela Administração Direta, como as associações públicas ou fundações privadas, por exemplo.

46 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 430.

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Assim, enquanto que a Administração Direta é composta por órgãos da pessoa política, a Administração Indireta compõe-se de pessoas políticas concebidas pelo ente político. A criação de entidades da Administração Indireta submete-se ao princípio da reserva legal. Como cada pessoa política possui autonomia para editar as suas próprias leis, é possível a existência da Administração Indireta no âmbito de todos os entes federados47.

Todas as entidades da Administração Indireta, conforme veremos a seguir, possuem necessariamente e em comum as seguintes características:

- possuem personalidade jurídica própria: a personalidade jurídica de cada um desses entes é de direito público ou privado, sendo, portanto, autônomas em relação ao Poder Central, podendo ser titulares de direitos e obrigações, possuindo pessoal próprio, etc.;

- possuem patrimônio próprio;

- sua criação ou extinção deve ser feita por lei específica ou por autorização legal;

- suas finalidades devem ser públicas;

- têm capacidade meramente administrativa e, portanto, estão vinculadas a algum órgão da Administração Direta (controle finalístico, que não se confunde com hierarquia nem subordinação, já que se tratam de entidades distintas);

- não possuem capacidade legiferante, pois não têm autonomia política;

- estão submetidas ao controle pelo Tribunal de Contas.

7.4.2.1 AUTARQUIAS

As autarquias estão previstas no art. 5º, I do Decreto-Lei nº 200/67. Nesse instrumento, autarquias são conceituadas como o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. As autarquias possuem regime de Fazenda Pública; isso significa que o regime jurídico-administrativo é aplicável a elas.

Como principais características que diferenciam as autarquias dos demais entes da Administração Indireta temos:

- têm personalidade jurídica de direito público: por isso, elas possuem todas as prerrogativas e se submetem às sujeições que formam o regime jurídico de direito público;

- criadas por lei específica: as autarquias submetem-se ao princípio da legalidade; sendo assim, também serão organizadas e extintas, se for o caso, por lei;

- sujeitas à tutela (controle finalístico ou supervisão ministerial): por meio desse controle, o ente da Administração Direta verifica se a entidade está cumprindo as finalidades definidas em lei;

- possuem autonomia administrativa e financeira;

47 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 78.

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- os atos e contratos são administrativos, logo suas contratações estão sujeitas à lei de licitações nº 8.666/93 e controle pelo Tribunal de Contas;

- são dotadas de patrimônio próprio transferido do ente que a criou. Seus bens são considerados bens públicos, usufruindo dos mesmos privilégios conferidos à Administração Direta;

- possuem dirigentes próprios, podendo haver a participação do Poder Legislativo na escolha, art. 52, III, al. ‘d’ e ‘f’, da CF);

- executam serviços administrativos típicos do Estado;

- seus agentes são agentes públicos estatutários – servidores públicos;

- o regime de responsabilização civil é objetivo, pois decorre da aplicação do art. 37, §6º, da CF;

- possuem os mesmo privilégios processuais conferidos à Fazenda Pública;

- gozam de imunidade tributária recíproca, referente ao seu patrimônio, renda ou serviços vinculados à sua finalidade (art. 150, §2º, da CF); Existem diversas modalidades de autarquias no Brasil. Passaremos a discorrer brevemente

acerca dos principais pontos relativos a cada modalidade:

a) Autarquias de controle/corporativas/profissionais: são os conselhos de classe (de profissão). Exercem o poder de polícia sobre determinado grupo de profissionais (fiscalização). Gozam de parafiscalidade, isto é, podem cobrar tributos, característica decorrente da transferência de capacidade tributária. Aí se inserem todos os conselhos profissionais (CREA, CRM, etc.), com exceção da OAB, entendida pelo STF como prestadora de um serviço público independente (ADI nº 3.026/DF), uma entidade sui generis, e por isso, não se enquadraria nas regras dos Conselhos fiscalizadores de profissões (Autarquias).

b) Autarquias em regime especial: as autarquias em regime especial são aquelas instituídas por lei, exatamente como as demais autarquias tradicionais, porém com uma diferença: a lei que a institui, além de lhe conceder o status de “autarquia em regime especial”, lhe concede também privilégios específicos, bem como maior autonomia, em comparação à autonomia que possuem outras autarquias. De acordo com Hely Lopes Meirelles, “o que posiciona a autarquia como em regime especial são as regalias que a Lei criadora lhe confere para o pleno desenvolvimento de suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais”. Sendo assim, são entidades cuja criação decorre da descentralização administrativa e que, portanto, integram a Administração Indireta.

A seguir, destacaremos alguns exemplos emblemáticos das autarquias em regime especial:

- Universidades públicas: as universidades públicas gozam de autonomia pedagógica, que confere maior liberdade de atuação do que conferida a outras entidades da Administração Indireta.. Isso se manifesta, inclusive, pela forma de escolha dos dirigentes. Eles não são livremente escolhidos e destituídos, mas sim, indicados por votação do corpo docente/discente. A garantia é do mandato certo, que assegura que o dirigente não perderá seu mandato por qualquer motivo. Essa garantia confere, por consequência, maior independência à autarquia.

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- Agências reguladoras: as agências reguladoras surgem no contexto do enxugamento da máquina pública, transferindo atividades do Estado aos particulares. Assim, surgiu a necessidade de regulamentar e, de certa forma, fiscalizar as atividades desenvolvidas pelos particulares. Os pontos de especialidade dessas agências residem no fato de que elas (i) possuem poder normativo, podendo editar normas gerais e abstratas, direcionadas aos prestadores de serviço, dentro dos limites da lei; e de que (ii) seus dirigentes não são de livre nomeação/exoneração, devendo cumprir mandato certo, determinado pela lei de cada agência. O dirigente somente poderá perder seu cargo mediante processo administrativo em que lhe seja assegurado o devido processo legal ou mediante renúncia expressa. Essa característica confere maior liberdade ao agente.

Exemplos: conselhos fiscalizadores de profissões como CREA, CRM, etc. (Autarquias de Controle), salvo a OAB entendida pelo STF como prestadora de um serviço público independente (ADI nº 3.026/DF), uma entidade sui generis, e por isso, não se enquadraria nas regras dos Conselhos fiscalizadores de profissões (Autarquias). Outra espécie que há de Autarquias são as Autarquias Territorias que seriam nada mais que os Territórios, previstos no art. 18, §2º, CF.

7.4.2.2 FUNDAÇÕES

Inicialmente, cumpre ressaltar a existência de dois tipos de fundações: (i) as fundações não-governamentais, que são criadas e mantidas pela iniciativa privada e (ii) as fundações governamentais, que são criadas e mantidas pelas pessoas políticas. Contudo, em ambas, a finalidade é sempre social – e nunca lucrativa.

Além disso, no que se refere à natureza jurídica das fundações, temos que elas poderão ter natureza jurídica de direito público ou com natureza jurídica de direito privado, conforme a lei que a cria, ou autoriza sua criação.

Nesse sentido temos a seguinte diferenciação:

Fundações com personalidade jurídica de direito público

Fundações com personalidade jurídica de direito privado

- Pessoas jurídicas de direito público;

- São verdadeiras autarquias;

- Denominadas de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais;

- Instituídas diretamente por lei específica;

- Sujeitam-se às normas de direito público;

- Contam com prerrogativas processuais e imunidade tributária;

- Bens são públicos;

- Agentes públicos estatutários, admitidos por concurso público.

Exemplos: Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a FUNASA

- Pessoa jurídica de direito privado;

- Possuem regime híbrido (ora incidindo normas de direito público ora incidindo normas de direito privado)

- Instituição é autorizada por lei específica, mas sua constituição depende do registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas;

- A definição das áreas de atuação se dá por Lei Complementar;

- Bens são considerados privados;

- Não possui as prerrogativas processuais, imunidade tributária;

- Agentes públicos celetistas (ainda que prestem concurso público).

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(Fundação Nacional da Saúde), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), dentre outras.

7.4.2.3 EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Existem muitas semelhanças as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista. Os pontos comuns a essas duas entidades componentes da Administração Indireta são os seguintes:

- possuem personalidade jurídica de direito privado;

- sua criação é autorizada por lei, passado a existir, somente, com o respectivo registro na Junta Comercial, conforme prevê o art. 45, CC/02;

- podem prestar serviço público (neste caso prevalecem as normas de direito público como imunidade tributária, as características dos bens públicos como imprescritível, impenhorável e não-onerável, responsabilidade civil objetiva do art. 37, §6º, da CF, etc.) ou explorar atividade econômica (neste caso prevalecem as normas de direito privado, art. 173, §1º, II, da CF);

- bens são submetidos ao regime jurídico privado, salvo se direcionados a prestação de serviço público, caso em que incidiram as características de direito público;

- admite-se a exploração direta de atividade econômica pelo Estado somente quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173, da CF);

- sujeitas ao controle Estatal, inclusive pelo Tribunal de Contas;

- realizam concurso público para admissão, mas seus agentes são empregados públicos (celetistas) e não estatutários (servidores públicos);

- não gozam de prerrogativas do regime de Fazenda Pública;

- seguem o mesmo regime das empresas privadas no que tange às obrigações fiscais (não poderão usufruir de nenhum benefício fiscal que não seja extensível às empresas privadas);

- seguem o mesmo regime das empresas privadas no que tange às obrigações trabalhistas (celetistas);

- seguem o mesmo regime das empresas privadas no que tange às obrigações civis (contratos firmados não têm cláusulas exorbitantes, etc.);

- seguem o mesmo regime das empresas privadas no que tange às obrigações processuais (não há extensão de prazo, remessa necessária, pagamento por precatórios, etc.);

- realizam licitação pública, para as atividades meio, ainda que de forma simplificada.

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Por outro lado, existem algumas diferenças que permitem distinguir empresas públicas de sociedades de economia mista. Vejamos as principais:

Empresas Públicas Sociedades de Economia Mista

- Capital decisório é exclusivamente público;

- Podem ser constituídas sob qualquer forma societária;

- O foro competente para dirimir conflitos é a justiça federal (art. 109, I, CF);

Ex.: Caixa Econômica Federal, Correios.

- Capital público e privado, desde que a maioria do capital votante pertença ao Poder Público;

- Devem ser constituídas sob a forma de sociedade anônima S/A;

- O foro competente para dirimir conflitos é a justiça estadual (súmulas 42, STJ e 517 e 556, STF), salvo se a União ingressar no feito;

Ex.: Banco do Brasil, Petrobrás.

7.4.2.4 AGÊNCIAS EXECUTIVAS

As Agências Executivas caracterizam-se por serem autarquias comuns ineficientes, isto é, que não estão conseguindo cumprir suas metas. Estão previstas no art. 37, §8º, CF, que dispõe que a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre (i) o prazo de duração do contrato; (ii) os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; e (iii) a remuneração do pessoal.

São instituídas sob a forma de autarquias ou fundações e correspondem, em verdade, a uma qualificação, um título conferido à autarquia que celebre contrato de gestão (lei nº 9.649/98, arts. 51 e 52 e decretos nº 2.487/98 e nº 2.488/98), conferindo maior autonomia de gestão (art. 24, § ún., da lei nº 8.666/93), e que tenha cumprido os seguintes requisitos:

- ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento e

- ter celebrado um contrato de gestão.

Contrato de gestão pode ser conceituado como um instrumento por meio do qual se ampliam as autonomias gerencial, financeira e orçamentária de órgãos ou entidades da Administração Pública direta e indireta, fixando metas de desempenho e resultados através de um programa de atos coordenados, tendo por fim sempre a eficiência da gestão pública. A entidade celebra, com o ministério supervisor, um contrato de gestão. Não há, nesse caso, subordinação, mas mera vinculação;

A celebração de contrato de gestão não altera a natureza jurídica da entidade. Sendo assim, não há falar em criação de nova pessoa jurídica. A partir da celebração do contrato de gestão, a entidade ganha mais orçamento, maior grau de autonomia administrativa. Ainda, terá dispensa de licitação em dobro, equivalente ao patamar de 20% do valor do convite. Em contrapartida, essas entidades deverão cumprir metas contidas no plano estratégico de reestruturação.

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Como exemplo de agência executiva podemos citar o INMETRO.

7.4.2.5 AGÊNCIAS REGULADORAS

As Agências Reguladoras são classificadas como autarquias em regime especial. Essas entidades possuem as prerrogativas de dirigentes com mandato fixo, insuscetível de extinção por ato do Chefe do Executivo, com maior autonomia econômica e administrativa perante o Poder Executivo e amplo poder normativo (quase legislativo), decisório (quase jurisdicional) e fiscalizador.

Conforme referido, uma das principais características das agências reguladoras reside no fato de seus dirigentes possuírem mandato fixo, isto é, que não seja de livre nomeação e exoneração. Nesse particular, no âmbito federal, os dirigentes são escolhidos pelo Presidente da República (nomeação) e pelo Senado Federal (aprovação, que é um ato discricionário). Assim, há mandato certo determinado, que deve ser cumprido pelo gestor de cada agência.

O dirigente de uma agência reguladora só poderá perder seu cargo mediante processo administrativo, em que sejam asseguradas a ampla defesa e o contraditório ou mediante renúncia expressa. Ele poderá atuar mediante suas convicções, buscando a melhor prestação da atividade objeto de regulação. Ao deixar o cargo, deverá cumprir quarentena, isto é, período dentro do qual não poderá exercer atividade profissional relacionada à área de atuação da agência em que ocupava cargo de gestão. A lei geral das agências reguladoras prevê que esse prazo seja de 4 meses, embora esse intervalo de tempo possa variar de acordo com a lei regente de cada agência.

Phillip Gil França48 aponta como principais características das Agências Reguladoras a independência política, administrativa, financeira e técnica; a estruturação peculiar de seu quadro gerencial, tendo seus diretores tratamentos diferenciados quanto aos mandatos específicos;a capacidade normativa técnica e capacidade sancionatória e de dirimir conflitos – via mediação e arbitragem entre particulares, Estado e concessionárias.

São exemplos de agências reguladoras o BACEN, ANATEL, ANTT, ANA, ANEEL, ANAC, ANVISA, entre outros.

7.5 ENTIDADES PARAESTATAIS E TERCEIRO SETOR

Entidades paraestatais, entes de cooperação ou terceiro setor são expressões sinônimas que designam pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que não integram a Administração Indireta, mas que com a Administração Pública Direta cooperam (colaboram). Essas entidades caminham paralelamente ao Estado, executando alguma atividade social de utilidade pública. São como terceiro setor (pois o primeiro setor é o Estado, o segundo é o mercado e o terceiro é a sociedade).

Podemos citar como entidades paraestatais, principalmente:

Serviços Sociais Autônomos: são as entidades componentes do chamado “Sistema S” (SESC, SENAI, SESI, SENAC). São pessoas jurídicas instituídas por lei, vinculadas a certas categorias profissionais com o fim de fomentar a assistência ou o ensino, sendo mantidas por dotações orçamentárias do Poder Público (por isso submetido ao controle do Tribunal de Contas) e

48 FRANÇA, Phillip Gil. O controle da Administração Pública: tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 135-6.

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contribuições parafiscais. Submetem-se ao princípio da legalidade; sendo assim, dependem de lei para que sua criação seja autorizada. Seus empregados estão sujeitos às leis trabalhistas (são empregados celetistas), não gozam de qualquer privilégio processual ou tributário e não se subordinam à lei de licitações.

Entidades de Apoio: são pessoas Jurídicas instituídas por servidores públicos em nome próprio, sob forma de fundação, associação ou cooperativa, que prestam serviços sociais não exclusivos do Estado, vinculando-se a este por meio de convênio (vontades convergentes). Geralmente, estão vinculadas a hospitais e universidades. Submetem-se a procedimento simplificado para a contratação, não tão rígido quanto aquele previsto pela lei de licitações, mas que garanta a imparcialidade.

Organizações Sociais (lei nº 9.637/98): são pessoas jurídicas criadas por particulares, sem fins lucrativos, que se habilitam perante a Administração Pública para obter a qualificação de Organização Social para desempenhar atividades nas áreas de ensino, pesquisa cientifica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde (serviços públicos não exclusivos, sem a necessidade de delegação). O Poder Público abre mão da atividade e a transfere à Organização Social através de um contrato de gestão. O contrato de gestão envolvendo Organização Social configura verdadeiro acordo administrativo de colaboração (com natureza jurídica de convênio, tendo em vista a convergência das vontades), que disciplina relações para a consecução conjunta de serviços sociais não-exclusivos do Estado (como saúde, educação, meio ambiente, etc.). Não há necessidade de realização de licitação para a celebração de contrato de gestão com entidade que quer se qualificar como OS. Além disso, o art. 24, XXIV, lei nº 8.666/93 traz uma hipótese de dispensa de licitação entre OS e particulares. As Organizações Sociais ainda poderão receber cessão de bens e servidores públicos.

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (lei nº 9.790/99): da mesma forma que as Organizações Sociais, as OSCIPs também são pessoas jurídicas instituídas por particulares que se qualificam perante o Estado para desempenhar serviços sociais não exclusivos deste. Entretanto, aqui, o Estado não abre mão do serviço, mas o realiza mediante termo de parceria. Por receber recursos públicos, os Tribunais de Contas podem apurar as despesas realizadas. Discorre o art. 71, VI, da CF: “fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município”. O termo de parceria é menos generoso do que o contrato de gestão. Não há previsão de cessão de bens nem de funcionários; só há destinação da verba orçamentária. Na mesma linha, não há dispensa de licitação para OSCIPs. Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público:

- as sociedades comerciais;

- os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;

- as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;

- as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;

- as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios;

- as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;

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- as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;

- as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;

- as organizações sociais;

- as cooperativas;

- as fundações públicas;

- as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas;

- as organizações creditícias que tenham quaisquer tipos de vinculação com o sistema financeiro nacional.

Organização da Sociedade Civil (lei nº 13.019/14): são as novas entidades do terceiro setor. Referem-se a entidades privadas sem finalidade lucrativa que prestam serviços públicos não exclusivos. O vínculo com a Administração Pública pode se dar por 2 formas:

- Termo de Cooperação: a Administração elabora o plano de trabalho para prestação de algum serviço público não exclusivo e o particular decide colaborar, nos termos do plano.

- Termo de Fomento: a própria entidade privada apresenta plano de trabalho para, após a celebração do termo de fomento, atuar em mútua cooperação com o Poder Público na execução dessa atividade.

Sempre que houver mais de um interessado na celebração de termo de cooperação/termo de fomento, não haverá licitação, mas procedimento simplificado: o chamamento público, previsto no âmbito da lei nº 13.019/14. Há a definição de critérios impessoais para a escolha do particular que celebrará termo com o Poder Público.

PODERES ADMINISTRATIVOS

A fim de bem atender aos interesses públicos, a Administração Pública, assim como seus agentes, é dotado de poderes, de prerrogativas que lhe são exclusivas. São os chamados “Poderes Administrativos”.

8.1 PODERES ADMINISTRATIVOS E PODERES POLÍTICOS

Os poderes administrativos são sempre definidos por lei. Daí a estrita relação com o princípio da legalidade, segundo o qual a Administração Pública somente poderá fazer o que estiver expressamente previsto ou autorizado por lei. Sendo assim, não haverá, em hipótese alguma, poder administrativo não estabelecido previamente na legislação.

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Se o Poder Executivo é aquele que detém, como função típica, a de administrar, ele é, portanto, quem preferencialmente detém os Poderes Administrativos. No entanto, não se pode afirmar que apenas o Poder Executivo goza dos poderes administrativos. Isso porque os demais poderes, obviamente, dentro de suas funções administrativas, também podem se valer de tais poderes.

Os poderes administrativos aqui tratados tem uma acepção de poder instrumental, servindo, propriamente, como mecanismos para a atuação Estatal – e não poderes políticos, estruturais ou também denominados de orgânicos, que compõem a estrutura do Estado (Poder Judiciário, Poder Legislativo, Poder Executivo). Esses poderes instrumentais manifestam-se sob diversas acepções, na prática.

No entanto, conforme lição de Hely Lopes Meirelles, tais prerrogativas serão divididas em 6 (seis) categorias, as quais são chamadas de Poderes Administrativos, sendo eles: vinculado, discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia.

8.2 PODER VINCULADO

O poder vinculado também é conhecido como poder regrado: é aquele ao qual a lei confere uma única solução jurídica válida para a prática de um ato. Nesse sentido, a execução de determinado ato administrativo encontra-se inteiramente definida na lei, sendo validamente possível somente uma forma de proceder.

Quando verificado seu âmbito de atuação, não há falar em disponibilização, ao administrador público, de qualquer margem de opção. A título exemplificativo, a lei nº 8.112/90 estabelece que configura hipótese de demissão por abandono de cargo a ausência do servidor por mais de 30 dias. Nesse caso, verifica-se que, pela letra da lei, caso o servidor não compareça, injustificadamente, à repartição por 30 dias, não há falar em abandono de cargo. No entanto, caso ele falte por 31 dias seguidos, ele deverá ser demitido, a priori, pois preenchido o critério objetivo ensejador da demissão.

Outro exemplo é trazido pelo art. 48, da lei nº 9.784/99, que estabelece o dever da Administração de explicitamente emitir decisões nos processos administrativos, e o art. 50 desta mesma lei onde há a exigência de motivação dos atos administrativos, dentre outros. Nesses casos, não poderá o agente público, por exemplo, optar por não emitir decisões no âmbito de processos administrativos ou não motivar os atos administrativos. Isso porque ele está vinculado à realização dessas atividades, por expressa disposição legal.

No poder vinculado, não há faculdade de opção do administrador: não há que se falar em mérito administrativo, pois toda atuação do administrador se resume no atendimento das imposições legais. Pela falta de possibilidade de escolha, se diz que, diante do poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a adoção de determinado ato, sob pena de o agente público, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.

Verificado o âmbito de exercício do poder vinculado, todos os elementos dos atos administrativos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto) serão invariavelmente definidos pela lei em suas minúcias, não havendo qualquer espaço para o mérito administrativo.

8.3 PODER DISCRICIONÁRIO

Ao poder discricionário confere-se determinado âmbito de atuação em decorrência da riqueza e da complexidade das situações fáticas cotidianas: a lei não pode descer às minúcias para prever, com precisão, a melhor opção para determinada situação. No exercício do poder discricionário, a

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Administração Pública, por sua posição mais favorável, conta com a possibilidade de valer-se daquilo que se convencionou chamar de mérito administrativo para decidir, no caso concreto, a melhor maneira de satisfazer a finalidade da lei, levando em conta critérios de conveniência e oportunidade.

Assim, em uma análise comparativa, no poder discricionário, contrariamente ao poder vinculado, a lei outorga certa liberdade de escolha ao agente público. Assim, diante de uma hipótese legal expressa, ao administrador é permitido eleger uma dentre as várias alternativas possíveis, segundo critérios de oportunidade e conveniência (equivalem à noção de mérito administrativo).

Nessa linha, temos que o Poder Discricionário de três pressupostos básicos, sendo eles: (i) a intenção deliberada do legislador em dotar a autoridade administrativa de certa liberdade para decidir, diante do caso concreto, a melhor maneira de realização da finalidade legal; (ii) a impossibilidade material de o administrador prever todas as situações fáticas, fazendo com que a regulação seja mais flexível para possibilitar a maior e melhor solução dos acontecimentos fáticos; e (iii) a Inviabilidade jurídica imposta pelo sistema tripartido, segundo o qual a Administração Pública deve ser realizada pelo Poder Executivo. Exigir estrita e permanente subordinação da Administração à lei seria suprimir o Poder Executivo e colocá-lo em posição de inferioridade em face do Poder Legislativo.

A discricionariedade, no entanto, não confere total grau de liberdade à autoridade pública. Isso porque, no exercício do poder discricionário, os atos encontram-se vinculados às seguintes condições: serem praticados por agente competente; atenderem à forma legal estabelecida em lei e terem por finalidade o atendimento do interesse público. Em outras palavras, isso significa que, dos 5 elementos dos atos administrativos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto), os três primeiros (competência, forma e finalidade) serão invariavelmente determinados pela lei, enquanto que os dois últimos (motivo e objeto) poderão ser determinados pelo mérito administrativo.

O poder discricionário encontra seu espaço de liberdade no mérito administrativo que, em uma definição mais acertada, constitui o conjunto de critérios subjetivos, notadamente de conveniência e oportunidade, de que se vale a autoridade administrativa para a definição dos motivos e do objeto quando da prática de atos discricionários. Na lição de Alexandre Mazza49, é “a margem de liberdade que os atos discricionários recebem da lei para permitir aos agentes públicos escolher, diante da situação concreta, qual a melhor maneira de atender ao interesse público. Trata-se de um juízo de conveniência e oportunidade que constitui o núcleo da função típica do Poder Executivo, razão pela qual é vedado ao Poder judiciário controlar o mérito do ato administrativo”.

Nessa mesma linha conceitual, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo50, mérito administrativo é “o poder conferido pela lei ao administrador para que ele, nos atos discricionários, decida sobre a oportunidade e conveniência de sua prática”. Finalmente, de forma mais sintética, Maria Sylvia Zanella Di Pietro51 refere que mérito “é o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência e oportunidade; só existe nos atos discricionários”.

A atuação do poder discricionário pode se dar em duas situações emblemáticas precípuas: (i) existência de margem de escolha relativa a duas ou mais opões previstas em lei e (ii) existência de conceitos jurídicos indeterminados/vagos, que ensejam a necessidade de valoração pelo agente público. Em relação à primeira situação, a título exemplificativo, a lei nº 8.666/93 estabelece que, para alienar bem adquirido por decisão judicial ou por dação em pagamento, isso poderá ocorrer

49 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Saraiva. 2014. p. 246. 50 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008, p. 415. 51 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 226.

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mediante concorrência ou leilão. O agente público é quem irá decidir qual a modalidade mais benéfica em cada caso. Já no que tange à segunda hipótese, os limites da atuação do agente público são mais nebulosos, pois não há opções expressamente previstas.

Assim, nesses casos de conceitos jurídicos indeterminados, ao Poder Judiciário não é dado intervir no mérito do ato administrativo discricionário. Isso não significa, no entanto, que não possa haver controle jurisdicional referente aos aspectos de legalidade do ato administrativo. Competirá ao juiz o controle dos limites do mérito, o qual está definido em lei. Assim, se o administrador público extrapolar os limites do mérito, o Poder Judiciário poderá intervir, pois isso está dentro do controle de legalidade.

Quando se trata de conceitos jurídicos indeterminados, deve-se lançar mão do princípio da razoabilidade, que estabelece uma zona de razoabilidade. Nessa linha, o administrador não pode extrapolar os limites da razoabilidade quando da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados. Há uma zona de discricionariedade dentro da qual se faculta ao agente público a ação, que está situada entre a zona de certeza do sim e a zona de certeza do não.

Nesse particular, uma distinção importante que deve ser feita refere-se à diferenciação entre discricionariedade e arbitrariedade: a arbitrariedade se dá à margem da lei, contrária à lei, de forma abusiva. Por isso, um ato arbitrário será sempre ilegítimo e ilegal. Do contrário, a discricionariedade é praticada dentro dos limites e nos termos impostos pela própria lei.

O poder discricionário, entretanto, mesmo nesses casos de valoração de conceitos jurídicos indeterminados, não significa liberdade absoluta, já que encontra limites na própria legislação, e também nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da moralidade, que, por sua vez, não se encontram na noção de mérito administrativo, mas sim no conceito de legalidade. Assim, um ato desproporcional, desarrazoado ou imoral será considerado ilegal. Além desses limites, a discricionariedade administrativa também esbarra na competência, na forma e na finalidade do ato, uma vez que estes sempre são impostos pela lei.

8.4 PODER HIERÁRQUICO

Poder Hierárquico é o poder que a Administração Pública possui para fins de se organizar, de se estruturar, de distribuir funções entre os diversos órgãos que a compõem. O poder hierárquico, segundo Hely Lopes Meirelles, é o de que dispõe o Poder Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.

Ainda em uma análise doutrinária, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro52, o estabelecimento da hierarquia é instituído por uma relação de coordenação e subordinação entre os órgãos. A submissão hierárquica retira do inferior a possibilidade de ação política, ou seja, o despe de ação de comando e possui os seguintes objetivos: (i) ordenação, que é a repartição e o escalonamento vertical das funções entre os agentes públicos, para maior eficiência no exercício das atividades estatais; (ii) coordenação, que é a conjugação das funções, com o objetivo de obter harmonia na sua efetivação, resulta na perfeita execução dos serviços pertinentes a determinado órgão; (iii) controle, que consiste na fiscalização dos subordinados pelos superiores, para que seja assegurado o cumprimento das leis e instrução, inclusive do comportamento e da conduta de cada um deles; (iv) correção, que significa que os erros administrativos são corrigidos pela ação revisora dos superiores sobre os atos dos subalternos.

52 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 92.

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Da verificação da atuação do poder hierárquico, nascem diversas faculdades implícitas à autoridade ou ao órgão em posição de superioridade. São, então, decorrências do poder hierárquico53:

- Dar ordens (art. 116, lei nº 8.112/90): consiste em determinar aos subordinados os atos a serem praticados e a conduta a seguir em cada caso concreto. Implica também no dever de obediência para estes últimos, ressalvadas as ordens manifestamente ilegais;

- Fiscalizar (art. 53, lei nº 9.784/99): trata-se da atividade dos agentes ou órgãos inferiores, para examinar a legalidade de seus atos e o cumprimento de suas obrigações, podendo anular os atos ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex officio, seja mediante provocação dos interessados, por meios de recursos hierárquicos;

- Avocar (art. 15, lei nº 9.784/99): significa chamar para si atribuições que sejam de seus subordinados. No entanto, tal prática só poderia ocorrer na existência de razões que a justifiquem, posto que a avocação, além de desprestigiar um servidor, provoca desorganização do funcionamento normal do serviço. Não pode ser avocada atribuição que a lei expressamente atribui como exclusiva a órgão ou agente, mesmo que inferior. Nesse sentido, nos termos do art. 13, lei nº 9.784/99, não podem não podem ser objeto de delegação nem de avocação: (i) a edição de atos de caráter normativo; (ii) a decisão de recursos administrativos; (iii) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

- Delegar (arts. 11 a 14, lei nº 9.784/99): consiste em atribuir temporariamente competências e responsabilidades que sejam suas, porém não lhe sejam exclusivas. As delegações são admissíveis sempre, desde o inferior delegado esteja em condições de exercê-los e que a lei que atribua a competência não diga em contrário, sendo esta delegação revogável a qualquer tempo. Nesse sentido, nos termos do art. 13, lei nº 9.784/99, não podem não podem ser objeto de delegação nem de avocação: (i) a edição de atos de caráter normativo; (ii) a decisão de recursos administrativos; (iii) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. As decisões e os atos praticados por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. Isso quer dizer que o agente recebeu a delegação será considerado como o praticante do ato, devendo responder por todos os efeitos que dele provierem. Nesse sentido, a súmula nº 510, STF, que dispõe que “praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”.

- Rever (art. 53 da lei nº 9.784/99): é a atividade de apreciar os atos dos inferiores em todos os seus aspectos (competência, objeto, oportunidade, conveniência, justiça, finalidade e forma), para mantê-los ou invalidá-los, de ofício, ou mediante provocação de interessado. Nessa atividade, deve-se ter em conta que a revisão hierárquica se mostra possível enquanto o ato não se tornou definitivo para o particular, ou seja, não gerou um direito adquirido para quem a ele se relacionar.

8.5 PODER DISCIPLINAR

Em uma primeira análise do poder disciplinar, é importante iniciar por referir que poder hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos54. Em outras palavras, poder hierárquico e poder disciplinar são poderes diferentes entre si, em sua essência, mas estão intrinsecamente ligados um ao outro, não sendo exagero que um seja considerado como decorrente do outro e, por isso andam lado a lado invariavelmente.

53 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 116. 54 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 120.

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O Poder Disciplinar é um poder interno, que não se manifesta em relação a particulares em geral. É um poder sancionatório: a Administração Pública pode aplicar penalidades, inclusive no âmbito de outros Poderes. O poder disciplinar é aquela faculdade conferida à Administração Pública de apurar internamente infrações disciplinares e impor penalidades aos seus próprios agentes e às demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa55. Não deve, portanto, ser confundido com o poder punitivo do Estado (jus puniendi), que é exercido através do Poder Judiciário tendo em vista o cometimento de infração penal (crimes e contravenções).

Em termos práticos, por exemplo, a demissão de um servidor público por força de ordem judicial, nos autos de ação criminal ou de improbidade administrativa, não pode ser considerada como manifestação do poder disciplinar, mas sim do poder punitivo do Estado.

O poder disciplinar se aplica, então, exclusivamente a agentes públicos submetidos a vínculo de subordinação (servidores, empregados, temporários, etc), além de outros sujeitos a regime especial de disciplina, tais como estudantes de escolas e universidades públicas e empresas contratadas pelo Poder Público. Nessa linha, pode-se dizer que ele deriva de vínculo especial entre o Estado e o sujeito que está sendo punido. Por vínculo especial, existem 2 espécies de vínculos: (i) vínculo hierárquico; e (ii) vínculo contratual, que decorre de contrato administrativo.

Assim, por exemplo, diretora de escola pública poderá aplicar penalidade em alunos matriculados, pois, no momento da matrícula, criaram vínculo especial com a Administração Pública. Quando o vínculo especial decorrer de hierarquia, temos algumas sanções previstas pela lei nº 8.112/90, aplicáveis aos servidores públicos federais, tais como a demissão, a suspensão por até 90 das e a advertência. Em relação a cargos e funções em comissão, a sanção atribuída é a destituição. No que tange àquelas condutas puníveis com a sanção de demissão, mas nos casos em que o servidor já esteja aposentado ou em disponibilidade, temos como sanção decorrente da aplicação do poder disciplinar a cassação da aposentadoria ou da disponibilidade.

Por outro lado, quando o vínculo especial decorrer de contrato administrativo, o poder disciplinar estará regulamentado no contrato, de acordo com os parâmetros legais da lei nº 8.666/93, consubstanciando-se nas sanções de advertência, de multa (sanção pecuniária), de suspensão de contratar com o poder público (até 2 anos) e de declaração de inidoneidade da empresa (até 2 anos).

Todas as hipóteses de aplicação do poder disciplinar restringem a esfera jurídica do particular. Por essa razão, devem estar previstas em lei e observar o devido processo legal, englobando o contraditório e a ampla defesa.

8.6 PODER NORMATIVO OU REGULAMENTAR

O poder normativo ou regulamentar é aquele com o qual conta a Administração para a expedição de normas gerais e abstratas, isto é, atos administrativos normativos. Na aplicação desse poder, os atos normativos são expedidos dentro dos limites da lei, e lhe são hierarquicamente inferiores. Não há inovação no ordenamento jurídico, criando direitos ou estabelecendo obrigações, ainda que acabe por estender/ampliar direitos e criando algumas restrições, já que minudencia a lei.

Na prática, tradicionalmente, sempre se afirmou que o regulamento é o ato e a forma de expedição desse regulamento é o decreto, ato privativo do chefe do Poder Executivo. No entanto, a expressão poder regulamentar nos remete a apenas uma das espécies normativas que podem ser expedidas pela Administração Pública. O poder normativo é mais amplo: assim, tem-se que a

55 SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 39.

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classificação mais acertada é aquela que coloca o poder normativo como gênero e o poder regulamentar como espécie.

No entanto, a despeito dessa advertência, muitas vezes, na prática, poder regulamentar e poder normativo são tratados como sinônimos pela doutrina. Vejamos algumas posições a respeito:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro,56 por exemplo, lembra que “normalmente, fala-se em poder regulamentar; preferimos falar e poder normativo, já que aquele não esgota toda a competência normativa da Administração Pública; é apenas uma de suas formas de expressão, coexistindo com outras, conforme se verá”. Mais adiante, a mesma autora conclui: além do decreto regulamentar, o poder normativo da Administração ainda se expressa por meio de resoluções, portarias, deliberações, instruções editadas por autoridades que não o Chefe do Executivo.

Também distinguindo o poder regulamentar do normativo, Odete Medauar57 ensina que o poder regulamentar configura um dos modos de exercício do poder normativo no âmbito do Poder Executivo. Do ponto de vista lógico, é melhor dizer que há um poder normativo geral que se consubstancia na possibilidade de a Administração Pública expedir normas de diversas categorias, tais como decretos, resoluções, provimentos, instruções normativas, etc. Deste poder normativo, o poder regulamentar se apresenta, então, como espécie.

Porém, admitindo que poder normativo e regulamentar possam ser sinônimos, tem-se esse poder como sendo a possibilidade de o Poder Executivo expedir normas, regras e regulamentos acerca de matérias não exclusivas do Poder Legislativo. Na lição de Hely Lopes Meirelles58, “a faculdade normativa, embora caiba predominantemente ao legislativo, nele não se exaure, remanescendo boa parte para o Executivo”, o que ocorre dentro do que se convencionou chamar de Poder Normativo.

Em termos mais simples, o poder normativo ou regulamentar, se tratadas as expressões como sinônimos, confere poder aos chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) para expedirem decretos e regulamentos destinados a oferecer fiel execução à lei (art. 84, IV, da CF), ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei (art. 84, VI, CF).

Diante da explicação acima posta, percebemos dois tipos de decretos, os quais podem ser expedidos no exercício do poder normativo:

Regulamento Executivo – Decreto Executivo

Regulamento Autônomo – Decreto Autônomo

- É aquele expedido para fiel execução da lei; tem como objetivo detalhar de maneira ainda mais precisa o conteúdo uma determinada Lei e, assim, torná-la exequível;

- Nem toda lei exige regulamento, mas toda lei pode ser regulamentada, se a Administração entender conveniente;

- Facilita o entendimento da lei ou

- Independem de lei; dispõem sobre matéria ainda não regulada por lei e que, portanto, inova na ordem jurídica. A doutrina aceita sua existência para suprir a omissão do legislador, desde que não invadam a esfera da lei, nas estritas hipóteses previstas pela CF;

- São expedidos para substituir a lei;

- A previsão do instituto consta do art.

56 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 89-92. 57 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 114-5. 58 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 124.

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minudencia aspectos práticos para sua execução.

84, VI, CF, que determina que compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos

Importante: O Congresso Nacional tem competência para sustar, por meio de Decreto Legislativo expedido por sua mesa diretora, atos normativos do Executivo que exorbitem o Poder Regulamentar (CF, art. 49, V).

8.7 PODER DE POLÍCIA

De acordo com a doutrina59, poder de polícia “é a faculdade de que dispõe o Poder Público para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. Esse poder decorre da necessidade de se impor limites, freios, restrições ao exercício de direitos individuais, condicionando-os, em prol do bem estar coletivo e do próprio Estado. Possui por fundamento o princípio da predominância do interesse público sobre o interesse particular.

O poder de polícia caracteriza-se por ser um poder externo; não há exigência de vínculo especial com a Administração Pública para que seja aplicado. Decorre da supremacia do interesse público: advém do Estado em direção à sociedade.

Para conceituar poder de polícia, em termos legais, busca-se fundamento no art. 78, do Código Tributário Nacional, segundo o qual “considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

Em termos de ordem prática, temos como exemplos do exercício do poder de polícia a proibição de determinadas construções em certas regiões de uma cidade, a imposição de limites de velocidade nas vias públicas, a interdição de estabelecimentos comerciais por questões de higiene ou segurança, a determinação de demolição de imóvel construído de forma irregular, a aplicação de multas diversas, etc.

Não se pode confundir, no entanto, poder de polícia com o poder disciplinar, já aqui mencionado. O poder disciplinar tem natureza interna, diz respeito ao controle por parte da

59 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 127.

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Administração Pública da conduta perpetrada por seus próprios agentes ou pessoas submetidas a seu regime disciplinar próprio.

Assim, não são exemplos de poder de polícia, ainda que também restrinjam a liberdade individual, ato que impõe funcionário público a utilizar uniforme, a obrigatoriedade de concessionária de ônibus a colocar determinados dizeres, a penalidade disciplinar aplicada a um servidor, a multa aplicada a uma empresa contratada pelo Poder Público, etc.

Na análise do poder de polícia, é relevante a distinção entre polícia judiciária, polícia administrativa e a polícia que visa à manutenção da ordem pública. A primeira tem papel de prevenção e repressão à prática de ilícitos penais; refere-se à matéria de processo penal, incidindo sobre pessoas. Tem por objetivo punir infratores da lei penal (ocorre após o delito praticado) e possui como âmbito de atuação a função jurisdicional.

De outra banda, a polícia administrativa incide sobre bens e direitos. Sua descrição consta do art. 78, CTN e sua atuação poderá ensejar a cobrança de taxas. A polícia administrativa poderá ensejar a restrição de (i) liberdade ou (ii) propriedade para a garantia do interesse público. Notadamente preventiva (podendo em alguns casos se dar de forma repressiva, como por exemplo, no caso de aplicação de multa), incide sobre bens, direitos e atividades, tem por objetivo impedir ações anti-sociais (ocorre antes do delito), e possui como âmbito de atuação a função administrativa.

Já a terceira, que visa à manutenção da ordem pública, é notadamente preventiva. Atua sobre pessoas por meio das polícias militares, com o objetivo de que elas não venham a cometer crimes. Exerce função de patrulhamento ostensivo de vias públicas e demais locais de acesso público, com o objetivo precípuo de evitar atos atentatórios à ordem.

O poder de polícia aqui estudado está relacionado à segunda acepção de polícia descrita, isto é à administrativa. Poderá manifestar-se preventiva ou repressivamente, a depender da situação. Ademais, poderá se dar por atos gerais, impondo restrições a todos, ou individuais, em caso de descumprimento das restrições estabelecidas.

Como regra geral, é um poder discricionário. No entanto, sua manifestação também poderá se dar de forma vinculada, em alguns casos, quando a lei determinar. Exemplo disso é a concessão de licença administrativa: quem cumpre os requisitos legais tem direito à obtenção de licença. É o caso também da aplicação de multa ao motorista que cometer infração de trânsito, ou da apreensão de madeira ilegalmente derrubada. Nestes casos, a aplicação de penas aos infratores está vinculada aos termos da lei, não cabendo ao fiscal ponderar quanto à sua aplicação.

Dentro desta discricionariedade, a Administração poderá escolher a forma como exercerá o poder de polícia, as medidas preventivas ou repressivas mais adequadas para cada caso concreto e a dimensão das penas aplicadas, nos limites definidos por lei.

Em relação à caracterização, os atributos do poder de polícia são os seguintes:

- Imperatividade: refere-se ao poder de a Administração impor exigências unilateralmente ao particular. As medidas impostas independem (ou até mesmo podem ser contrárias) da vontade do administrado. Por exemplo, o Poder Público poderá determinar que o particular não possa estacionar em determiada área.

- Exigibilidade/Coercibilidade: tem relação com o poder de a Administração exigir o cumprimento do ato imposto, visando a fazer o particular obedecer ao cumprimento do ato. Todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para o seu destinatário), admitindo até o

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emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. A aceitação ou não da medida adotada pelo particular é irrelevante, podendo inclusive a Administração utilizar-se de força pública para o seu cumprimento. A título exemplificativo, a multa é um dos meios indiretos de coerção, em caso de descumprimento pelo particular.

- Autoexecutoriedade: é o poder de a Administração executar o ato diretamente, por seus próprios meios, ainda que seja em uma situação que se espera que o particular atue. Nesses casos, não há necessidade de autorização judicial para a ação da Administração. O reboque de carro que estaciona em frente de área proibida é um exemplo da autoexecutoriedade. Essa prerrogativa não está presente em todos os atos administrativos. Para que exista tal atributo, deve-se verificar a existência de (i) lei autorizadora ou de (ii) situação de urgência que o permita. Todavia, não se há que confundir autoexecutoriedade com execução sumária e sem direito de defesa. Isso porque o atributo da autoexecutoriedade afasta a tutela jurisdicional prévia – a posterior não!

Em matéria de poder de polícia, temos 2 súmulas aplicáveis ao tema, editadas pelo E. STF:

Súmula nº 419, STF: Os Municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas.

Súmula nº 645, STF: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

É importante referir ainda que, de acordo com o posicionamento do E. STF60, o poder de polícia não pode ser delegado a particulares (entidades de direito privado), mesmo que integrantes da Administração Pública. Por isso, de acordo com esse entendimento, os conselhos profissionais têm natureza jurídica de autarquia (pessoa jurídica de direito público), pois desempenham atividade fiscalizatória típica do Estado. Essa conclusão advém do entendimento do STF que, nos autos da ADIn nº 1.717-6, declarou a inconstitucionalidade do art. 58, da lei nº 9.649/98, que estabelecia serem as entidades de classe, que tratam da fiscalização das profissões regulamentadas, tais como o CREA, CRM, etc., pessoas jurídicas de direito privado, atuando por meio de delegação do Poder Público.

Os atos jurídicos expressivos de Poder Público, isto é, de autoridade pública, e, portando, os de polícia administrativa, certamente não poderiam, ao menos em princípio, e salvo circunstâncias excepcionais ou hipóteses muito específicas, ser delegados a particulares ou ser por eles praticados.

Segundo a doutrina, a restrição à atribuição de atos de polícia a particulares é correta e funda-se no entendimento de que não se lhes pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos. Todavia, deve-se diferenciar atos de decisão, que consubstanciam o exercício do poder de polícia propriamente dito, dos atos materiais tendentes à execução ou concretização das decisões tomadas no exercício do poder de polícia.

Os atos materiais que precedem os atos decisórios de polícia, tais como a fiscalização de estacionamentos rotativos, assim como os atos materiais que sucedem os atos decisórios de polícia, tendentes a concretizá-los, como a demolição de um imóvel irregular, podem ser delegados a entidades privadas.

60 DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos parágrafos 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (STF, ADI nº 1.717/DF, Plenário, j. em 07.11.2002).

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De maneira semelhante vem o entendimento manifestado pelo STJ (REsp 817.534/MG), no sentido de que as atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupos: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. Segundo o E. STJ, somente os atos relativos a consentimento e fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público, sendo, pois, indelegáveis.

De regra, o poder de polícia estabelece obrigações (i) de fazer e (ii) de tolerância. No entanto, modernamente, admite-se que o poder de polícia estabeleça obrigações de fazer a particulares. Exemplo disso é aquele trazido pela lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que impõe que o imóvel urbano deva cumprir a função do plano urbano da cidade. Nessa linha, o proprietário é notificado para que dê a função social da propriedade.

A polícia administrativa, própria do poder de polícia, atua prioritariamente – mas não exclusivamente –, de maneira preventiva, agindo através de ordens, proibições e, sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas. Para Celso Antônio Bandeira de Mello61, “a polícia administrativa manifesta-se tanto através de atos normativos e de alcance geral quanto de atos concretos e específicos”.

Nesse sentido, atos normativos seriam os decretos, os provimentos, as resoluções, dentre outras espécies. Por outro lado, ações concretas seriam as fiscalizações, a aplicação de multas de trânsito, o fechamento de estabelecimentos comerciais por questões de higiene, o guinchamento de veículos, etc.

Hely Lopes Meirelles tem entendimento semelhante ao de Celso Antônio Bandeira de Mello, e dá ênfase especial aos alvarás, concedidos no exercício do poder de polícia. Segundo Hely Lopes Meirelles62, alvará é o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. Trata-se do consentimento formal da Administração à pretensão do administrado, quando manifestada em forma legal. Segundo Hely Lopes Meirelles, pode o alvará ser definitivo (de licença) ou precário (de autorização):

- Alvará de licença: de concessão vinculada, será definitivo e decorrente de um direito subjetivo do requerente. Atendidos os requisitos previstos em lei, a autoridade administrativa é vinculada à sua concessão. Trata-se de direito subjetivo do administrado. O alvará de licença não pode ser invalidado por mera discricionariedade da Administração, só admitindo revogação por interesse público superveniente e justificado, mediante o pagamento de correspondente indenização. É definitivo, o que não significa que seja perpétuo, pois subsiste enquanto permanecerem os requisitos que ensejaram a sua concessão. Exemplos: Carteira Nacional de Habilitação (CNH), alvará de habitação (“Habite-se”), carteira profissional (OAB, CREA, CRM, etc.), etc.

- Alvará de autorização: de concessão discricionária, será precário, ou seja, a Administração o concede por liberalidade, desde que não haja impedimento legal para sua expedição, como é o alvará de porte de arma ou de uso especial de um bem público. Deriva de liberalidade da autoridade. O alvará de autorização pode ser revogado sumariamente, a qualquer tempo, sem indenização.

61 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 822. 62 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 134.

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ATOS ADMINISTRATIVOS

O conceito de “ato” está diretamente relacionado aos termos ação, atitude, ou ao verbo agir. Portanto, atos são ações, condutas ou, ainda, tudo o que se faz ou se pode fazer. Decorrem da conduta voluntária. Por outro lado, “fatos” nada mais seriam do que meros acontecimentos, ocorrências ou, então, eventos alheios à vontade humana.

9.1 CONCEITO

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, ou de quem lhe faça as vezes, que produz efeitos jurídicos, no exercício de suas prerrogativas, com o fim de atender o interesse público63. Atos administrativos são aqueles praticados (i) no exercício da função administrativa; (ii) sob o regime de Direito Público; e (iii) ensejando manifestação de vontade do Estado ou de quem lhe faça as vezes, no caso de agentes privados, que são delegados.

9.1.1 ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Administração Pública pratica inúmeros atos no exercício de suas atividades e para o cumprimento das incumbências que lhe foram atribuídas por lei, os quais são chamados atos da administração, ou atos administrativos lato sensu. Todo e qualquer ato praticado no exercício da função administrativa por agente da Administração Pública ou por quem atue em seu nome será um ato da administração.

O conceito de ato da administração é bastante amplo, abrangendo uma grande gama de ações praticadas pela Administração Pública. Assim, os atos praticados pela Administração Pública, em sua amplitude toda, poderão ser classificados em 4 categorias diferentes, principalmente. Nessa linha, destaca-se que os atos administrativos são apenas uma das categorias de atos da administração, que podem ser ainda:

- Atos políticos: são atos praticados no exercício da função política. Não se sujeitam ao controle jurisdicional em abstrato. A Administração goza de ampla discricionariedade para praticá-los. Esses atos estão previstos pela Constituição Federal e, portanto, não estão sujeitos às regras que compõem o Direito Administrativo, mas fazem parte do regime jurídico constitucional, tais como a declaração de guerra ou celebração de paz (art. 21, II, CF), a convocação extraordinária do Congresso Nacional (art. 57, § 6º, CF), a assinatura ou ratificação de um tratado internacional (art. 84, VIII, CF), a proposição de projeto de lei (art. 84, III, CF), a intervenção federal em um estado-membro (art. 84, X, CF), etc.

- Atos de direito privado: são aqueles atos praticados pela Administração Pública de acordo com o direito privado, ou seja, conforme a legislação aplicável aos particulares. Nesse caso, a Administração Pública atua sob o regime privado, abrindo mão das prerrogativas públicas. Ex.: doação, permuta (ambas regidas pelo Código Civil), assinatura de cheque por um prefeito municipal para o pagamento de um fornecedor, o qual é regrado pela Lei do Cheque.

63 SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 59.

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- Atos materiais: constituem verdadeiros fatos administrativos, ensejando mera execução de determinada atividade. São aqueles que não contêm nenhuma manifestação de vontade da Administração Pública, mas que são resultado de uma manifestação e que podem ser materialmente analisados por quem quer que os presencie. Eles são atos da Administração, mas não configuram atos administrativos típicos64. Ex: o atendimento por um médico do SUS; a varredura de uma calçada por um gari, o fechamento de um estabelecimento por servidores da vigilância sanitária.

- Atos administrativos propriamente ditos: são aqueles atos praticados pela Administração Pública e regidos por regras de Direito Público, razão pela qual são atos cuja prática é exclusiva da própria Administração ou de quem atue em seu nome. Ex.: imposição de limitações ao uso da propriedade privada pelo Poder Público, como a desapropriação de um imóvel; a imposição de sanção disciplinar a um servidor público; multa aplicada pela fiscalização tributária.

9.1.2 ATOS ADMINISTRATIVOS

Feita a distinção entre as diversas hipóteses de atos da Administração, temos que os atos administrativos são classificados, precipuamente, como uma espécie do gênero “atos da administração”. No plano constitucional e infraconstitucional, inexiste lei ou norma que defina ou conceitue o que sejam os atos administrativos. Daí a razão pela qual existem tantas definições de atos administrativos quantos são os doutrinadores que se dedicam ao seu estudo.

Sendo assim, temos que os atos Administrativos podem ser conceituados como os atos previstos pela legislação administrativa, para serem praticados com exclusividade pela Administração Pública, no gozo de prerrogativas que só à Administração cabem, com o objetivo de atender aos interesses da coletividade. Para Celso Antônio Bandeira de Mello65, ato administrativo é a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro66, define ato administrativo como sendo “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”. Para essa autora, o que distingue os atos administrativos dos atos comuns é a “presença de potesdade pública”. Nessa linha, seriam atos administrativos apenas aqueles que Administração pratica no gozo de prerrogativas próprias do Poder Público. Ainda, para Di Pietro, apenas são atos administrativos aqueles que produzem efeitos imediatos, não se incluindo nesta definição, então, os atos de natureza normativa (decretos, resoluções, provimentos, etc.). Isso porque, segundo a autora, só integram a categoria de atos administrativos aqueles que produzem efeitos concretos, excluindo os atos normativos do Poder Executivo, em especial, os regulamentos, que, assim como a lei, produzem efeitos gerais e abstratos67.

Nessa mesma linha, Alexandra Mazza68, de maneira bastante didática e simples conceitua ato administrativo como sendo “o ato jurídico típico do Direito Administrativo, diferenciando-se das demais categorias de atos por seu peculiar regime jurídico”.

64 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 99. 65 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 378. 66 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 378. 67 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 100. 68 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Saraiva. 2013. p. 200.

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Em síntese, pode-s afirmar que atos administrativos são aqueles atos que só a Administração Pública tem competência para praticar, sendo realizados sob o regime de direito público, ensejando manifestação da vontade do Estado ou de quem lhe faça as vezes, no caso de agentes privados atuando como delegatários do Poder Público.

9.1.3 FATOS ADMINISTRATIVOS

O conceito de fato administrativo está intrinsecamente relacionado aos acontecimentos, aos eventos ou às ocorrências alheias à vontade humana, previstos na legislação administrativa e que, em razão disso, trazem consequências no âmbito do Direito Administrativo. Fatos administrativos são situações fáticas que, independentemente de qualquer manifestação de vontade, se apresentam aptas a ensejar a produção de efeitos jurídicos.

A título exemplificativo, como forma de ilustrar o conceito, temos aquele que se dá com a morte de um servidor público, que tem como efeitos a vacância de cargo público e a concessão de pensão aos dependentes do servidor falecido (art. 33, IX, da lei nº 8.112/90).

Além disso, também podem ser entendidos como fatos administrativos os atos materiais praticados pela Administração Pública. Nessa linha, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo69, fatos administrativos “consubstanciam o exercício material da atividade administrativa em si. Decorrem de um ato administrativo, de uma decisão ou determinação administrativa, mas com esta não se confundem”. Por isso, afirmam que os fatos administrativos não têm por fim a produção de efeitos jurídicos. Eles se caracterizam por ser apenas implementação material de atos administrativos, decisões ou determinações administrativas – por isso os fatos administrativos são também chamados de atos materiais.

Portanto, temos que os fatos administrativos, tais quais os atos materiais, também são aquelas realizações materiais da Administração Pública, que concretizam manifestação de vontade prévia.

9.2 REQUISITOS, ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS

Os atos administrativos contam com alguns requisitos, elementos ou pressupostos que lhes dão forma. Assim, o exame do ato administrativo revela a existência de 5 requisitos necessários à sua formação, a saber: (i) competência, (ii) finalidade, (iii) forma, (iv) motivo e (v) objeto. Referidos pressupostos constituem verdadeira infraestrutura do ato administrativo.

No plano legal, os requisitos, elementos ou pressupostos dos atos administrativos estão previstos pelo art. 2º, da lei da Ação Popular (lei nº 4.717/65), que destaca os vícios de invalidade de um ato administrativo, destacando-se que podem ser eles invalidados nos casos de: incompetência (caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou); vício de forma (consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato); ilegalidade do objeto (ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo); inexistência dos motivos (verifica-se quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido); e desvio de finalidade (verifica-se quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência).

(i) Competência: o ato administrativo deve ser praticado por agente público ao qual a lei tenha conferido competência para a prática. Nesse sentido, a competência constitui condição de sua

69 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008, p. 400.

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validade, sendo elemento vinculado do ato. A competência administrativa é o poder atribuído por lei a um órgão ou agente público para o desempenho específico de suas funções, sendo, portanto, irrenunciável e intransferível pela vontade dos interessados. No entanto, a competência pode ser delegada ou avocada nos casos legalmente admitidos. (art. nº 11, lei nº 9.784/99). Um órgão

administrativo e seu titular poderão, a seu critério e se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados. Importante referir aí que delegação não é renúncia, não é transferência: é ampliação/extensão da competência. Ambas são vedadas em três hipóteses: (i) edição de atos normativos; (ii) decisão de recursos hierárquicos; e (iii) competência

exclusiva assim definida em lei. Nenhum ato será realizado sem que o agente disponha de poder legal para tanto, sendo inconcebível, por exemplo, que um particular pratique um ato de competência de um agente público, ou que um delegado de polícia exerça uma competência atribuída a um fiscal da vigilância sanitária. Assim, a competência reveste-se das seguintes características:

- É irrenunciável: o agente público não pode abrir mão da competência legal;

- É imprescritível: não se perde pelo deuso, ainda que o agente não a exerça;

- É improrrogável: não se adquire pelo uso, ainda que se permitam casos de delegação e de avocação. (ii) Finalidade: é aquilo que o ato administrativo busca. Todo ato administrativo é praticado

para determinada finalidade prevista por lei, sendo elemento, de regra, vinculado, pois inadmissível ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica. Nesse sentido, como finalidade genérica, temos que todo ato administrativo busca, de uma forma ou de outra, cumprir com o interesse público, seja de maneira direta ou indireta. E, como finalidade específica, aquela prevista em lei, indicada explícita ou implicitamente como sendo o objetivo legal do ato administrativo. Assim, não cabe a uma autoridade descumprir a lei sob o argumento de que está atendendo ao interesse público, por mais que efetivamente o estivesse. Ao se descumprir a lei, também se está violando a finalidade específica do ato, razão pela qual o ato deverá ser invalidado. A finalidade pública, portanto, não pode ser suscitada para o descumprimento da lei, até porque a finalidade de cada ato administrativo está na lei estabelecida. A doutrina costuma dizer que, em relação à finalidade genérica, temo suma finalidade discricionária, por se tratar de conceito jurídico indeterminado (interesse público). No entanto, quando se fala em finalidade específica, daí ela será vinculada.

Não se compreende ato administrativo sem finalidade pública, até porque é isso o que determina os princípios da impessoalidade (art. 37, CF/88) e da finalidade (art. 2º, lei nº 9.784/99). Se a lei determina uma finalidade, não cabe ao administrador escolher outra. A título exemplificativo, a finalidade da demissão de servidor público tem caráter punitivo. Do contrário, a exoneração de servidor não possui caráter punitivo. A alteração da finalidade expressa na norma legal ou implícita no ordenamento da Administração caracteriza o desvio de poder, o que dá motivo para a invalidação do ato.

(iii) Forma: a forma relaciona-se com a exteriorização do ato administrativo. A ideia é de que, em regra, seja requisito vinculado, isto é, estabelecido exclusivamente pela lei, e imprescindível à sua perfeição. Todo ato administrativo é, em princípio, formal. Caso a lei não preveja, considera-se que a forma seja elemento discricionário. Nessa análise, não se pode confundir, entretanto, simples defeito material na forma com a relegação da própria forma. Mero defeito material quanto à forma é corrigível e, portanto, não exige, em qualquer caso, a anulação do ato. A forma normal do ato de administração é a escrita, embora existam atos na forma de ordens verbais dadas por uma autoridade ao seu subordinado, ou na forma de sinais convencionais, como os gestos realizados por um guarda de trânsito. De acordo com a doutrina dominante, quanto à análise da forma, tem-se que a grande

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maioria dos atos administrativos tem forma escrita. Todavia, não se pode afirmar que todos tenham tal espécie de forma. Com efeito, existe a possibilidade de que o ato administrativo tenha forma diversa da escrita (ex.: verbal, mímica, sonora, eletromecânica etc.). Convém adverter que só se admite o ato administrativo não escrito quando a lei assim definir, ou, então, em casos de urgência, de transitoriedade da manifestação da vontade administrativa ou de pouca relevância do assunto para a Administração. Nas demais hipóteses, é de rigor o ato escrito em forma legal, sem o que se exporá à invalidade. Ainda, na análise da forma, devemos destacar a possibilidade de incidência da teoria da instrumentalidade das formas, aí aplicável. Nessa linha, a forma é vista como instrumento por meio do qual a lei alcança interesse público. Não haverá nulidade se, mesmo havendo vício de forma, o vício administrativo for consertável/sanável e, mesmo assim, haja possibilidade de se alcançar o interesse público.

(iv) Motivo: são as razões (situações de fato e de direito) que justificam o ato, determinando, impondo, autorizando ou facultando a realização do ato administrativo. Trata-se de típico caso de subsunção do fato à norma. Pode vir expresso em lei ou ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, será elemento discricionário. Nessa análise, devemos ter em mente que os motivos, enquanto elementos dos atos administrativos, não podem ser confundidos com a motivação:

Motivos Motivação

- Pressupostos de fato e de direito que levam à prática do ato pressupostos de fato e de direito que levam à prática do ato.

- Expressa indicação destes pressupostos de fato e de direito que levaram à prática do ato; é a fundamentação;

Por incidência do art. 50, lei nº 9.784, e em face dos princípios do acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV, CF) e da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF), a motivação (indicação dos motivos) é, em regra, obrigatória, atuando como expressão prática de um dos princípios da Administração. Ordinariamente, no que se refere à obrigatoriedade da motivação, temos que, nas situações (i) em que a lei obrigar à motivação; e (ii) em que a lei for omissa quanto à motivação, ela será obrigatória. Do contrário, quando a lei expressamente dispensar a motivação, ela será facultativa.

Assim, em determinadas situações, temos que a lei ou a própria Constituição dispensam a motivação. É o que ocorre, por exemplo, no caso de nomeação e exoneração de cargos em comissão, que são livres (art. 37, II, CF). Nesse caso, embora não haja necessidade de motivar o ato, caso essa motivação venha a incidir, mesmo que desnecessária, ela passará a integrar o ato administrativo. Se for falsa ou viciada, o ato estará viciado, pode decorrência da aplicação da teoria dos motivos determinantes.

Ainda no que se refere à motivação, o ordenamento jurídico pátrio, em regra, admite a motivação aliunde/alheia, isto é, a remissão à motivação de outro ato. Por exemplo, caso determinada entidade profira parecer no sentido da anulação de um ato administrativo, a autoridade julgadora poderá utilizar essa motivação para sua decisão, fazendo referência ao parecer. Nesse caso, o ato que formou a motivação passará a integrar o ato decisório que faz referência a ele. Essa hipótese é expressamente prevista pelo art. 50, lei nº 9.784.

(v) Objeto: é a disposição principal do ato; o efeito principal do ato no mundo jurídico. Todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas relativas a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Assim, o objeto identifica-se

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com o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes. É a consequência direta do ato no mundo jurídico. Como todo ato administrativo é ato no mundo jurídico, o objeto desse ato deverá ser lícito, possível e determinado ou determinado. Por exemplo, a desapropriação de um imóvel pelo Poder Público tem por objeto a perda do bem pelo particular. A aplicação de uma multa de trânsito tem por objeto a punição de um motorista e a criação de seu dever de pagar o valor correspondente à multa. Nos atos discricionários, o objeto é dependente da escolha do Poder Público, constituindo essa liberdade opcional o mérito administrativo. Porém, é importante que o objeto do ato administrativo cumpra com os requisitos gerais de qualquer ato, conforme exposto.

Além do efeito principal que um ato administrativo pode gerar no mundo jurídico (objeto do ato administrativo), há efeitos acessórios:

- Efeito prodrômico: é o efeito que o ato tem de exigir a prática de segundo ato pela Administração Pública;

- Efeito reflexo: é o efeito que o ato tem de atingir terceiro não especificado no ato. Por exemplo: em caso de demissão de servidor público A de determinado cargo X, se a demissão vier a ser anulada, haverá a reintegração de referido servidor A. No entanto, se, nesse meio tempo, o cargo X tiver sido ocupado pelo servidor público B, então esse servidor B será reconduzido ao seu cargo de origem, por conta de efeito reflexo.

Em linhas gerais, temos que, dos requisitos expostos, os 3 primeiros são sempre vinculados, isto é, especificados em minúcias pela lei. Já em relação aos 2 últimos, temos que eles não necessariamente o são, e acabam por serem os elementos que tornam o ato vinculado (se também previstos em lei) ou discricionário (quando deixam margem de escolha para o administrador – avaliação da conveniência e oportunidade –, o que equivale ao mérito administrativo).

Além destes componentes, merecem apreciação, pelas implicações com a eficácia de certos atos, o mérito administrativo e o procedimento administrativo, elementos que, embora não integrem sua contextura, concorrem para sua formação e validade.

9.3 ATRIBUTOS

Atributos podem ser conceituados como as peculiaridades referentes a determinado ser ou coisa. São, assim, características que distinguem esse determinado ser ou essa coisa em relação aos demais, atuando verdadeiros como fatores distintivos. Os atos administrativos, enquanto oriundos da Administração Pública, no gozo das prerrogativas que lhe são exclusivas (poderes administrativos), vêm dotados de certos atributos, ou, como poderíamos dizer, de características que os diferenciam e outros atos ordinários e que permitem que os classifiquemos como tal. Passaremos a abordar os atributos dos atos administrativos a seguir:

(i) Presunção de legitimidade e de veracidade: esse atributo pode ser concebido na ideia de que todos os atos administrativos são legais e legítimos, bem como que as alegações feitas para sua prática são verdadeiras, até que se prove o contrário.

A presunção de veracidade diz respeito a fatos; consubstancia-se na chamada “fé pública”. No momento em que o ato é publicado, todos os fatos apresentados são presumivelmente verdadeiros. Admite-se prova em contrário, pois aí opera uma presunção juris tantum. Isso significa que podem os atos administrativos serem contestados administrativa ou judicialmente, conforme a circunstância.

A presunção de legitimidade relaciona-se ao fato de que todo ato administrativo presume-se lícito. Isso porque todo ato administrativo passa por processo administrativo próprio, que enseja o

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respeito a diversos trâmites anteriores. Sendo assim, esse procedimento prévio permite deduzir que o ato tenha sido formado de modo legal. É também uma presunção relativa, juris tantum, admitindo-se prova em contrário.

A presunção de legitimidade e de veracidade das alegações é o atributo que autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos. Enquanto não sobrevier o pronunciamento de nulidade, os atos administrativos são tidos e considerados como válidos e operantes, para todos os efeitos.

Depreende-se, então, que tal presunção pode ser afastada mediante a comprovação de irregularidade do ato ou de inexistência material dos motivos alegados para sua prática. Ou seja, a presunção de legitimidade e veracidade das alegações não é absoluta, mas relativa ou juris tantum. Isso significa que podem os atos administrativos serem contestados administrativa ou judicialmente, conforme a circunstância.

Uma das consequências decorrentes deste atributo é a inversão do ônus da prova a quem se insurge contra o ato administrativo, de forma que, ao alegar sua invalidade, o particular deverá comprovar os vícios que o acometem. Cabe ao contestante, então, provar que o ato administrativo não está correto.

Finalmente, deve-se destacar que se admite, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de ordem judicial, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado.

(ii) Imperatividade: esse atributo permite ao Poder Público impor, unilateralmente, uma obrigação, dentro dos limites da lei. Decorre da caracterização dos atos administrativos, que são unilaterais, dispensam concordância ou aquiescência por parte do particular que venha a ser afetado. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro70, “é o atributo segundo o qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância”. De maneira semelhante, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo71, imperatividade “traduz a possibilidade que tem a Administração de criar obrigações ou impor restrições, unilateralmente, aos administrados”.

A imperatividade tem lugar porque os atos administrativos nascem, em regra, com a força impositiva própria da Administração Pública, que tem o condão de obrigar destinatários e terceiros ao seu acatamento. Em ouras palavras, o Poder Público pode impor restrições aos particulares, que deverão obedecê-la, a menos que logrem comprovar que a Administração esteja agindo ilegalmente.

Referido atributo ainda se relaciona com aquilo que a doutrina denomina “poder extroverso”, que é um poder que deixa que a Administração Pública edite atos que exacerbem a esfera jurídica da pessoa emitente, ou seja, que interfiram na esfera jurídica de terceiros, constituindo-as, unilateralmente, em obrigações.

Deve-se destacar, no entanto, que o atributo da imperatividade não se encontra presente em todos os administrativos. É facilmente verificável em atos restritivos, por exemplo. Neste sentido, refere Di Pietro que: “A imperatividade não existe em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que impõem obrigações; quando se trata de ato que confere direitos solicitados pelos administrados (como na licença, autorização, permissão, admissão) ou de ato apenas enunciativo (certidão, atestado, parecer), este atributo inexiste”. Esse tipo de ato dispensa tal atributo por

70 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 189. 71 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008. P. 418.

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desnecessário à sua operatividade, uma vez que os efeitos jurídicos podem depender exclusivamente do interesse do particular na sua utilização.

(iii) Exigibilidade/Coercibilidade: esse atributo permite ao Poder Público exigir o cumprimento de determinada imposição por meios indiretos. Na prática, pode-se verificar a atuação desse atributo quando não há a observância de determinada prescrição emanada da Administração Pública pelo particular. Assim, por exemplo, decorrendo da vedação ao estacionamento em determinado local, se o particular vier a descumprir essa imposição e imobilizar seu veículo nesse perímetro, poderá vir a ser multado pela fiscalização de trânsito, como medida que visa a salvaguardar o interesse público, por meio do cumprimento da imposição.

É importante referir que o atributo da exigibilidade difere do seguinte, da autoexecutoriedade. No caso da exigibilidade, a administração se utiliza de meios indiretos de coerção, como multa ou outras penalidades administrativas impostas em caso de descumprimento do ato. Na executoriedade, a Administração emprega meios diretos de coerção, compelindo materialmente o administrado a obedecer sua determinação, utilizando-se, inclusive, da força.

(iv) Autoexecutoriedade: referido atributo consiste na possibilidade de a Administração Pública executar imediata e diretamente suas próprias decisões, independentemente de ordem judicial prévia. De acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo72, “o atributo da autoexecutoriedade é que autoriza a ação imediata e direta da Administração Pública naquelas situações que exigem medida urgente, a fim de evitar-se prejuízo maior para toda a coletividade”.

Tem respaldo no primeiro atributo estudado, o da presunção de legitimidade e veracidade das alegações dos atos administrativos e também no fato de que a Administração necessita, para bem desempenhar sua missão de dos interesses coletivos, de autonomia para a prática de seus próprios atos, sem que precise recorrer ao Judiciário para fazer valer suas decisões.

Além disso, submeter o Executivo ao crivo do Judiciário, em exames prévios dos atos que os órgãos administrativos desejassem executar infringiria o princípio constitucional da independência e da harmonia dos Poderes. Isso não significa, no entanto, que aqui haja uma exceção completa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). Garante-se ao particular que se sentir ameaçado ou lesado pela execução do ato administrativo, o direito de petição, ao Poder Judiciário, a fim de obstar à atividade da Administração contrária aos seus interesses, ou para haver da Fazenda Pública os eventuais prejuízos que tenha injustamente suportado.

A autoexecutoriedade não está presente em todos os atos administrativos, mas apenas em 2 situações: (i) quando expressamente prevista em lei; ou (ii) quando se tratar de caso de urgência, quando houver risco de prejuízo maior para a coletividade. Nesse último caso, o contraditório é diferido para momento posterior.

(v) Tipicidade: o atributo da tipicidade refere-se ao fato de que toda conduta do Estado corresponde a um tipo previamente definido em lei. Tem estrita relação com a subordinação dos atos administrativos à lei. Conforme leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro73, “é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar, existe um ato definido em lei”.

72 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008, p. 419. 73 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 190.

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É atributo que decorre do princípio da legalidade, que proíbe que a Administração pratique atos não descritos, previstos ou autorizados por lei. Importante atentar que a tipicidade só existe em relação aos atos unilaterais, não alcançando os atos bilaterais, ou os contratos administrativos.

9.4 CLASSIFICAÇÕES

A classificação dos atos administrativos pode se dar por diversos critérios. Nesse sentido, destacam-se os seguintes como aqueles mais recorrentes na doutrina e em provas de concurso:

- Quanto ao grau de liberdade conferido ao Poder Público: os atos podem ser classificados como vinculados ou discricionários.

1) Vinculados: são os atos regrados, isto é, aqueles que os agentes praticam sem qualquer margem de escolha para decisão. Possui todos os seus elementos objetivamente vinculados por lei. O administrador público atua como aplicador direto da lei, não havendo margem de escolha em que possa atuar;

2) Discricionários: a Administração pratica o ato com certa margem de liberdade, segundo critérios de conveniência e oportunidade. A margem de liberdade do agente público pode estar (i) expressa na lei, de acordo com opções prontas; (ii) expressa em conceitos jurídicos indeterminados, hipótese que proporciona a possibilidade de valoração pelo agente público, tendo como critério norteador a razoabilidade.

- Quanto à formação/composição da vontade: os atos podem ser classificados como simples, complexos ou compostos.

1) Simples: correspondem a atos perfeitos e acabados com única e simples manifestação de vontade, de um único órgão (unipessoal ou colegiado). Ex.: nomeação de servidor público mediante portaria.

2) Complexo: é o ato que se forma da conjugação de 2 ou mais órgãos, ou seja, mais de uma vontade para a formação de um único ato. As vontades, nesse caso, somam-se e são independentes. Ex.: nomeação de Procurador da Fazenda Nacional (ato principal), que depende de manifestação do Ministério da Fazenda e de manifestação da Advocacia-Geral da União. São vontades independentes que, somadas, resultam em portaria que dá forma ao ato. A aprovação, por exemplo, é ato de vontade independente. Assim, o ato que depende de aprovação é complexo, pois depende de2 manifestações de vontade independentes. Nessa linha, outro exemplo prático de ato complexo, segundo o STF, é a aposentadoria de servidor público, que depende da manifestação do órgão ao qual está vinculado e da aprovação do Tribunal de Contas. Caso o Tribunal de Contas não aprove o ato, ele estará impedindo que o ato se forme. Assim, temos que o ato do Tribunal de Contas não tem como requisitos o contraditório e a ampla defesa, à observância do teor da súmula vinculante nº 03, STF. Se passarem 5 anos e o Tribunal de Contas não se manifesta sobre a aposentadoria, considera-se que o servidor está aposentado (tacitamente).

3) Composto: os atos resultam da manifestação de 2 ou mais órgãos, onde a vontade de um órgão é ato acessório (pressuposto ou instrumento) em relação à vontade do outro que edita o ato principal. Exemplos de atos compostos são aqueles em que é necessário visto, homologação. A título de exemplo prático, é possível citar o ato emitido por determinado órgão, autorizando o exercício de alguma atividade particular, cuja exequibilidade dependa da

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emissão de visto de outra autoridade. Nessa hipótese, a autorização é o ato principal e o visto é o ato acessório74.

- Quanto ao destinatário: os atos podem ser classificados como gerais ou individuais.

1) Individuais: especifica/individualiza as pessoas que serão atingidas por ele. Serão, ainda, (i) singulares quando destinarem-se a um único sujeito determinado; e (ii) será plúrimos quando for dirigido a uma pluralidade de sujeitos determinados. A título exemplificativo da primeira situação, temos a nomeação de um único servidor. No que tange à segunda, temos a nomeação de diversos servidores, em forma de lista, mediante única portaria.

2) Gerais: são os atos que descrevem determinada situação fática e, nesse caso, todos os que se adequarem a essa situação deverão obedecer/adequar-se ao ato. Exemplo dessa modalidade de ato é o regulamento do imposto de renda.

- Quando às prerrogativas da Administração: nesse caso, o ato poderá ser de império, de gestão ou de expediente.

1) De império: são atos por meios dos quais a Administração Pública atua lançando mão da sua supremacia sobre o interesse particular, utilizando-se das prerrogativas e privilégios que a lei lhe atribuiu. São exemplos concretos a desapropriação de uma propriedade privada, a interdição de uma atividade nociva à sociedade, que não venha seguindo os padrões impostos pelo Poder Público.

2) De gestão: são os atos praticados em situação de igualdade com os particulares sem qualquer imposição coercitiva. Nesse caso, a Administração abre mão das prerrogativas que lhe são atriuídas e atua em pé de igualdade com os particulares. A título exemplificativo, podemos citar a locação de um imóvel, a assinatura de um contrato, a alienação de um bem, etc.

3) De expediente: são os atos de rotina interna praticados pela Administração, que se destinam a dar seguimento à atividade administrativa. Como exemplo, temos o cadastramento de um processo no sistema informatizado e o encaminhamento de um processo.

- Quanto ao âmbito de atuação dos efeitos: classificam-se em atos ampliativos e atos constitutivos.

1) Ampliativos: são aqueles que criam direitos/vantagens ao particular, ampliando a esfera jurídica do particular destinatário do ato. Como exemplo, podemos citar os atos administrativos de licença e de autorização.

2) Restritivos: são atos que restringem a esfera jurídica dos atingidos, pois impõem restrições, aplicam penalidades, etc.

- Quanto à estrutura: classificam-se em abstratos ou concretos.

1) Abstratos ou normativos: prevêem reiteradas aplicações, sem o seu esgotamento. É o caso de um regulamento, por exemplo.

2) Concretos: esgotam-se em uma única aplicação. Como exemplo, temos a exoneração de um funcionário, a declaração de utilidade pública de determinado bem, etc.

74 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 387.

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- Quanto à exequibilidade: os atos, quanto à exequibilidade, podem ser classificados como perfeitos, imperfeitos, pendentes ou consumados.

1) Perfeito: diz-se do ato que já percorreu todo seu ciclo de formação e está apto a produzir seus efeitos (ato eficaz). Diz respeito ao processo de sua elaboração: ato precedido de processo administrativo regular que enseja a perfeição do ato.

2) Imperfeito: é aquele que ainda não completou seu ciclo de formação. Assim, um ato em formação, por exemplo, é um ato imperfeito: falta a publicação, a homologação, a assinatura, etc. A prescrição administrativa ou judicial não começa a correr enquanto o ato não se tornar perfeito.

3) Pendente: embora perfeito em sua formação, está sujeito à condição (evento futuro e incerto) ou termo (evento futuro e certo), o que impede a produção de seus efeitos, logo o ato pendente pressupõe que o ato esteja perfeito. É sinônimo de ato ineficaz.

4) Consumado: é o ato que exauriu seus efeitos, o que o torna irretratável, definitivo e imodificável. A autorização para realizar uma passeata que, por sua vez, já ocorreu, a concessão de férias já gozadas.

9.5 ESPÉCIES

Os atos administrativos são divididos pela doutrina em espécies, cujos critérios ordenadores tem relação com o objeto do ato. Assim, temos:

- Atos normativos: a Administração Pública expede normas gerais e abstratas por meio desse tipo de ato. São comandos impessoais análogos às leis (em sentido material, e não formal), aplicáveis a todos os administrados. São alguns deles:

(i) regulamentos (decretos): o ato administrativo é o regulamento, que é expedido por meio de decreto. São atos privativos do chefe do Poder Executivo (presidente da república, governador, prefeito). Dividem-se em regulamento executivo, que é expedido para fiel execução da lei e regulamento autônomo, que substitui a lei, nas hipóteses do art. 84, VI, CF; (ii) avisos/avisos ministeriais, que são atos da chefia auxiliar direta do chefe do Executivo (Ministérios e Secretarias); (iii) instruções normativas, que são atos normativos emanados de outras autoridades públicas, que não sejam o chefe do Poder Executivo nem de seus auxiliares diretos, definindo padrões de atuação; (iv) resoluções e deliberações, que são os atos normativos de órgãos colegiados, expedidos por agências reguladoras (órgão colegiado diretivo é quem dirige agência reguladora).

- Atos ordinatórios: são atos internos, que regulam o funcionamento, disciplinam a conduta interna da Administração. Decorrem do poder hierárquico; não há manifestação de vontade entre as pessoas jurídicas envolvidas. São alguns exemplos:

(i) portarias, como atos individuais internos, que se destinam a indivíduos específicos. Exemplos disso são portarias que designam posse, férias, vacância de cargos públicos; (ii) circulares, que se referem a ato administrativo para expedir normas internas uniformes. Descreve situação fática e, nesse caso, todos que se enquadrarem na situação descrita, lhe devem obediência (no campo prático, circular que determina o horário de funcionamento das garagens de determinada repartição pública); (iii) ordens de serviço, que constituem atos internos de ordenação da atividade, isto é, a distribuição interna da atividade correlata; (iv) memorandos, que são atos de comunicação interna de agentes públicos do mesmo órgão; (v)

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ofícios, que são atos de comunicação de um agente público em relação a outro semelhante ou de agente público em relação a particular; (vi) instruções.

- Atos negociais: são manifestações de vontade da Administração coincidentes com a pretensão do particular, buscando a realização de um negócio jurídico. A Administração concede ao particular aquilo que ele pleiteou: o particular requer e o Estado concede. Mas cuidado, pois esse tipo de ato administrativo não é contrato! Trata-se de manifestação unilateral da Administração. Não há uso da coercibilidade, própria da Administração Pública. Os principais atos negociais são (i) licenças, que são atos negociais por meio dos quais a Administração consente ao particular o exercício de atividade material fiscalizada pelo Poder Público. Em regra, as licenças são vinculadas: os critérios objetivos para a concessão estão previstos em lei. Se há cumprimento, o particular tem direito subjetivo à concessão; (ii) autorizações, que são atos administrativos precários (isto é, e regra, não se geram direito adquirido ao particular; podem ser desfeitos a qualquer tempo, sem direito à indenização) e discricionários; (iii) permissões; que se subdividem em 2 acepções: (iii.1) permissão de uso de bem público, que é ato administrativo unilateral, discricionário e precário; e (iii.2) permissão de serviço público, que é contrato administrativo (bilateral), vinculado e precário75.

- Atos enunciativos: são aqueles que atestam fatos ou emitem opiniões, referindo-se a situações já existentes. São exemplos, no que tange àqueles que atestam fatos: (i) atestados, por meio dos quais a Administração verifica situação de fato e, depois, atesta aquilo que verificou; (ii) certidões, que espelham registro acerca de fato constante nos registros da Administração, constituindo apresentação de informação previamente atestado nos registros; (iii) apostilas/averbações, que são atos por meio dos quais se acrescentam informação em determinado registro público, isto é, acrescem-se informações ao registro. No que se refere a atos que emitem opiniões, temos: (i) pareceres, que constituem meio pelo qual se emitem opiniões acerca de determinada situação fática; não geram consequências jurídicas diretamente, em regra. Dividem-se, ainda, em (i.1) facultativos, se a lei não exige a emissão de parecer para determinado processo; e (i.2) obrigatórios, se a lei exigi-los. Sua ausência provocará vício procedimental. Os pareceres obrigatórios subdividem-se em 2 classes: (i.2.1) vinculantes, que ocorrem como exceção, exigidos por lei – sua fundamentação e conclusão obrigam a decisão da autoridade à qual se dirigem; (i.2.2) opinativos, que não vinculam a autoridade à qual se dirigem. Sendo assim, a autoridade poderá ou não, fundamentadamente, seguir a opinião ali expressa.

- Atos punitivos: são aqueles atos que contém uma sanção imposta aos infratores de normas administrativas, servidores ou administrados. É a aplicação conjunta do poder de polícia (sanção aos administrados) e do poder disciplinar (punição aos seus próprios agentes). São atos punitivos de atuação externa (sanção aplicada pelo Poder Público aos administrados): (i) a multa, que é sanção pecuniária imposta ao administrado em razão da prática de alguma infração; (ii) a interdição de atividade, que constitui ato administrativo pelo qual a Administração proíbe a prática de alguma atividade, tendo como fundamento o exercício do poder de polícia administrativa; (iii) a destruição de coisa, ato também fundamentado no exercício do poder de polícia administrativa, pelo qual a Administração inutiliza alimentos, substâncias, objetos imprestáveis ou nocivos ao consumo humano, ou ainda, que sejam de uso proibido por lei76. Já os atos punitivos de atuação interna (punição aplicada pela Administração aos seus próprios agentes), temos a advertência, a suspensão, a demissão e a destituição de cargo em comissão (lei 8.112/90).

9.6 TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

A teoria dos motivos determinantes está diretamente relacionada à regular prática de atos administrativos. Sua essência impõe que, uma vez declarado o motivo do ato, este deve ser

75 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 398. 76 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 401.

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respeitado.

A indicação dos motivos dos atos administrativos atua como exigência de Direito Público e da legalidade governamental. O Estado de Direito faz com que a vontade das normas jurídicas estabelecidas por representantes do povo impere diante do arbítrio estatal. No Direito Público, a vontade individual do administrador, bem como seus interesses particulares devem ser, ao menos em tese, irrelevantes à sua atuação em busca do interesse público. É por isso que seus desejos, suas ambições, seus programas e seus atos não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados no Direito e na Lei.

A importância dos motivos, nesse sentido, se dá com a atuação do administrador público, como elemento justificador de sua ação administrativa, indicando pressupostos de fato que ensejam o ato e os pressupostos de direito que autorizam sua prática. Em certos atos administrativos oriundos do poder discricionário, a justificação será dispensável, bastando apenas evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse público, que é pressuposto de toda atividade administrativa.

No entanto, por força da teoria dos motivos determinantes, o motivo determina a validade dos atos administrativos. Reza tal teoria que os motivos alegados devem guardar compatibilidade com a situação fática que o gerou. Quando a Administração declara (ainda que não seja necessário, no caso concreto) o motivo para a prática de um ato, este motivo fica vinculado ao ato, devendo ser congruente com a realidade. Caso os motivos expostos sejam falsos ou até mesmo inexistentes, o ato administrativo restará nulo, ainda que deles prescindisse.

Assim, quando a Administração Pública motiva um ato, mesmo que a lei não exija tal motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros, reais. Por óbvio, se a lei exigir a motivação, esta deverá ser exarada em conformidade com a realidade, art. 50, §1º da lei nº 9.784/99. Nesse particular, temos que não é somente o erro de direito que autoriza a anulação do ato pelo Poder Judiciário; o erro de fato também.

9.7 EXTINÇÃO, REVOGAÇÃO E INVALIDAÇÃO

Existem diversas causas que determinam a exclusão de atos de atos administrativos do ordenamento jurídico pátrio. Veremos, a seguir, as principais:

9.7.1 EXTINÇÃO

As hipóteses de extinção de atos administrativos são as seguintes: (i) cumprimento dos efeitos/advento do termo (extinção natural); (ii) desaparecimento da pessoa (extinção subjetiva) ou coisa (extinção objetiva); (iii) retirada; (iv) renúncia. Passaremos a abordar brevemente cada uma delas:

9.7.1.1 CUMPRIMENTO DOS EFEITOS/ADVENTO DO TERMO (EXTINÇÃO NATURAL)

A extinção por essa modalidade se dá pelo cumprimento dos efeitos ao qual o ato administrativo se destina ou pelo advento de seu termo. O cumprimento dos efeitos do ato administrativo pode acontecer pelas seguintes razões77:

77 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 403.

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- esgotamento do conteúdo jurídico do ato: é o que ocorre, por exemplo, quando se esgota o prazo de gozo de autorização para porte de armas por 5 anos, a título exemplificativo;

- execução material: acontece quando se dá uma ordem e ela é cumprida. Exemplo disso é a licença para construir; terminada a construção, o ato será extinto;

- implemento de condição resolutiva (ou resolutória) ou termo final: a condição resolutiva é um evento futuro e incerto, que, uma vez ocorrido, extingue a relação jurídica. Por sua vez, o termo final é um evento futuro e certo, mas pode ser determinado (quando se estabelece a data certa) ou indeterminado (quando se tem certeza de que o evento irá acontecer, mas não se sabe quando).

9.7.1.2 DESAPARECIMENTO DA PESSOA (EXTINÇÃO SUBJETIVA) OU DO BEM (EXTINÇÃO OBJETIVA)

Todo ato administrativo se refere a uma pessoa ou a uma coisa. Em relação à extinção subjetiva, por exemplo, temos que a nomeação de servidor público que, logo em seguida, falece, enseja a extinção do ato. Já no que tange à extinção objetiva, o tombamento sobre determinado bem imóvel que, posteriormente, desaba faz extinguir o ato.

9.7.1.3 RETIRADA PELO PODER PÚBLICO

As hipóteses de retirada referem-se àquelas situações de extinção precoce do ato administrativo, em que ele é excluído do ordenamento jurídico antes do que se esperava/antes da previsão. Nesses casos, o Poder Público emite novo ato que tem efeito extintivo sobre o ato anterior, o que pode ocorrer nas seguintes hipóteses:

- Revogação: ocorre quando o ato é extinto por razões de conveniência e oportunidade (mérito administrativo). É a retirada de ato válido e eficaz (sem vícios), mas que acabou por se tornar inoportuno ou inconveniente. A revogação tem efeitos ex nunc, operando efeitos somente a partir da sua ocorrência.

- Anulação/Invalidação: decorre das hipóteses de nulidade. Ocorre quando o ato é praticado em desconformidade com a lei, ou seja, há vício de legalidade. A anulação pode ser feita tanto pela própria Administração Pública como pelo Poder Judiciário. A invalidação tem efeitos ex tunc, isto é, os efeitos retroagem à data de origem do ato.

- Cassação: na cassação o ato administrativo, que nasceu válido, transforma-se em inválido por culpa do beneficiário. É a retirada do ato pela cassação se dá quando o destinatário descumpre condições ou requisitos que lhe cabiam, para continuar desfrutando do benefício concedido. Na origem, o beneficiário cumpria todos os requisitos para a edição do ato, mas, com o tempo, passa a não mais cumprir, Opera efeito ex nunc, isto é, não retroage.

- Caducidade: a caducidade refere-se à ilegalidade superveniente que decorre de lei nova. O ato, na origem, estava em conformidade com a lei. No entanto, após a edição de novo regramento geral e abstrato, não mais coaduna com o padrão de validade. Em outras palavras, se dá quando nova legislação impede ou inadmite situação que norma anterior consentia. Opera efeito ex nunc, isto é, não retroage.

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- Contraposição/Derrubada: é a extinção do ato por outro com efeitos contrapostos, isto é, novo ato que tem como efeito principal extinguir os efeitos do primeiro ato. Exemplo de contraposição é a exoneração frente à nomeação.

9.7.2 REVOGAÇÃO

Conforme referido, a revogação é hipótese de retirada dos atos administrativos válidos. Nesse caso, o ato administrativo produzido é válido, mas o Poder Público, por motivos de mérito (conveniência-oportunidade) resolve retirá-lo do ordenamento jurídico. Não há mais interesse público em sua manutenção.

Se o ato não está viciado na origem, temos que, nesse caso, todos os efeitos produzidos por ele até a decisão do Poder Público de extirpá-lo do ordenamento permanecem válidos. Assim, temos que a revogação tem efeitos ex nunc, isto é, não retroativos.

É de se ressaltar que somente a autoridade que produziu o ato pode revogá-lo. De regra, somente a Administração Pública pode revogar atos. Não cabe ao Poder Judiciário a revogação, pois decorrente de critérios de conveniência-oportunidade. Nesse particular, o Poder Judiciário só poderá revogar os atos inconvenientes ou inoportunos se tiver sido o emissor deste ato, no exercício atípico da função administrativa. Não pode, entretanto, revogar atos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.

Não podem ser revogados:

1) Atos consumados, isto é, aqueles que já tenham produzido todos os efeitos aos quais se destinam;

2) Atos vinculados, porque prescinde dos elementos conveniência e oportunidade. Nesse particular, é importante destacar que a doutrina admite que a licença para construir, embora seja ato vinculado, possa ser revogada. Assim, excepcionalmente, embasada em interesse público, mantidas as situações acobertadas pelo direito adquirido, indenizados os prejuízos causados, a Administração poderá revogar licença para construção e reforma;

3) Atos que geram direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI, da CF);

4) Atos meramente enunciativos (ou meros atos administrativos ou declaratórios), porque seus efeitos são estabelecidos em lei.

9.7.3 INVALIDAÇÃO

A anulação ou invalidação decorre de vícios de legalidade. Não se anulam (ou se invalidam) atos válidos. O ato é inválido desde a origem e a Administração Pública só verifica esse vício posteriormente. A anulação pode ser feita tanto pela própria Administração Pública (nesse sentido, súmula nº 346, STF: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”; e súmula nº 473, STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”), como pelo Poder Judiciário. No plano legal, esse mandamento é encontrado no art. 53, lei nº 9.784/99, que dispõe que a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

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O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54, lei nº 9.784/99).

A anulação de atos administrativos pelo Poder Público pode se dar (i) de ofício, no exercício da autotutela administrativa, no exercício do poder-dever da Administração pública; ou (ii) mediante provocação. Já na invalidação feita pelo Poder Judiciário, temos que ela somente poderá ocorrer mediante provocação, em decorrência do princípio da inércia do Judiciário e da inafastabilidade da jurisdição. O Poder Judiciário somente poderá apreciar aspectos de legalidade na invalidação de atos administrativos. Para isso, o interessado na anulação poderá se valer de 5 ações básicas: habeas data, mandado de segurança, ação ordinária, ação popular e ação civil pública.

No que se refere aos efeitos, por ser um ato ilegal, temos que eles retroagem ao momento da prática do ato (efeito ex tunc): aí, há o impedimento de efeitos futuros e a aniquilação de efeitos anteriores. Logo, a regra é que atos nulos não possam gerar direitos ou obrigações, até mesmo porque todos os efeitos gerados acabam sendo desfeitos pela anulação78.

Nesse particular, é importante referir que até mesmo os atos discricionários podem ser objeto de 5 por parte do Poder Judiciário. Isso se deve porque mesmo nestes atos, 3 dos cinco elementos são sempre definidos em lei: a competência, a forma e a finalidade, além da possibilidade de anulação por força da teoria dos motivos determinantes.

9.7.3.1 CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Conforme visto acima, especificamente no que se refere aos termos empregados na súmula n° 473, do STF, temos que a Administração Pública tem a faculdade de anular seus atos administrativos quando eivados de irregularidade. De acordo com esse texto, a anulação dos atos administrativos ilegais é mera faculdade da Administração. Isso porque os atos administrativos, mesmo quando ilegais, podem ser convalidados e, a partir de então, tornarem-se perfeitos para todos os efeitos.

Convalidar significa corrigir, tornar perfeito e definitivo. A partir da convalidação, o ato administrativo que eventualmente contenha alguma falha, ilegalidade ou irregularidade torna-se perfeito e, portanto, não mais passível de anulação. A convalidação dos atos administrativos vem regulada pela lei n° 9.784/99, que dispõe sobre os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, mais especificamente nos artigos 54 e 55, que contemplam duas modalidades distintas. Vamos a elas:

- Convalidação Tácita: a convalidação tácita dos atos administrativos decorre única e tão somente da inércia da Administração Pública em anular ato administrativo ilegal, mesmo que esta ilegalidade seja insanável e venha a proporcionar prejuízo ao erário público ou a terceiros. É como se a Administração Pública consentisse com o ato ilegal, não se manifestasse com relação a tal ilegalidade, razão pela qual sua convalidação é tácita, não expressa.

De acordo com os termos do art. 54, lei n° 9.784/99, o prazo decadencial para a anulação dos atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários é de 5 anos. Findo referido prazo, não mais será possível sua anulação, razão pela qual fica perfectibilizado o ato administrativo, mesmo quando irregular e lesivo ao Erário.

78 Há, porém, entendimento no sentido de atribuir-se efeito ex nunc à anulação. Neste sentido o STJ no REsp nº 488.905/RS e no REsp nº 663.831/DF

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- Convalidação Expressa: a convalidação expressa é aquela que a Administração realiza de maneira expressa e espontânea, ao corrigir irregularidade sanável e que não traga prejuízo nem ao Erário, nem a terceiros.

A convalidação expressa dos atos administrativos vem explicada pelo art. 55, da lei n° 9.784/99, que dispõe que, em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração. Ocorre a convalidação expressa, então, quando a Administração manifesta expressamente o desejo de corrigir e tornar perfeito ato que, até então, era considerado ilegal.

PROCESSO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

No desempenho das diversas atividades estatais, a Administração pratica uma série de atos administrativos, emitindo declarações das mais variadas, constituindo, modificando ou desconstituindo direitos e obrigações, aplicando sanções, dentre outros, seja em sua relação com os particulares ou ainda entre seus próprios órgãos e entes.

Existem atos administrativos que são praticados ordinariamente, sem maiores formalidades, sobretudo quando não atingem a esfera de interesses de terceiros ou ainda quando o interesse público justifica a possibilidade de execução instantânea do ato. No entanto, como na maioria das vezes a Administração pratica atos que interferem no patrimônio jurídico de administrados ou de seus agentes, ou, ainda, atos sujeitos a instâncias de controle, o Poder Público deve se valer necessariamente de um mecanismo formal prévio antes de tomar a decisão.

Nesse caso, temos “hipóteses em que os resultados pretendidos são alcançados por via de um conjunto de atos encadeados em sucessão itinerária até desembocarem no ato final”79. Esse conjunto de atos pode ser traduzido na realização de vistorias ou inspeções, na prestação de informações, na elaboração de pareceres, intimações, oitiva de testemunhas, dentre outras diligências que a lei reputar necessárias, a depender da situação.

É justamente daí que decorre a noção de processo administrativo como um conjunto de atos ordenados, cronologicamente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa questão de natureza administrativa80. Em outras palavras, é o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades compartilhadas pelo Estado e pelos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração.

Nesse sentido foi editada a lei nº 9.784/99, no âmbito federal, como diploma geral regente do processo administrativo. Assim, em relação à União, sempre que houver lei específica disciplinando processo administrativo, a lei nº 9.784/99 é utilizada subsidiariamente, no que a específica for silente. Se não houver lei específica para o processo administrativo, a lei nº 9.784/99 é aplicada de forma integral.

79 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 80 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Nesse particular, é importante referir que todos os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios) detêm competência para legislar sobre normas de processo administrativo, já que é por meio destas normas que se estabelecem os parâmetros de atuação de toda a administração pública brasileira, o que leva a que cada entidade federativa possa tratar da matéria no âmbito de suas respectivas competências administrativas. Cuida-se, portanto, de competência legislativa privativa de cada ente político.

Em síntese, em se tratando de matéria de processo administrativo, todos os entes podem legislar, salvo naquilo que a própria Constituição tenha excepcionado como sendo de competência privativa da União – como acontece com a edição de normas gerais sobre licitações e contratos, cuja legislação compete à União, em caráter nacional, como previsto no art. 22, XXVII, da CF/88.

10.1 SUJEITOS

Como visto, o processo administrativo desenvolve-se como garantia conferida ao particular em face do Poder Público. Nesse âmbito, como sujeitos de uma relação processual, os administrados têm direitos e deveres perante a Administração Pública. Dentre os direitos, a lei nº 9.784/99 prevê os seguintes (art. 3º): (i) ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; (ii) ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas; (iii) formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; (iv) fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Dentre os deveres (art. 4º), estão: (i) expor os fatos conforme a verdade; (ii) proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; (iii) não agir de modo temerário; (iv) prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Nessa linha, dispondo sobre quem poderá participar de um processo administrativo, formulando requerimento ou se defendendo perante a Administração Pública, a lei nº 9.784/99 reputa como legitimados:

– pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

– aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;

– as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;

– as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

Estabelece, ainda, que são capazes, para fins de processo administrativo, os maiores de 18 anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.

10.2 COMPETÊNCIA

O diploma legal em comento contém ainda regras gerais sobre a competência administrativa. O conceito de

competência está diretamente relacionado ao conjunto de atribuições fixadas para um agente, órgão ou entidade públicos. Ela é, ainda, irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.

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Nesse particular, temos que, na delegação, “as competências recebidas são atribuídas a outrem, geralmente um subordinado, com o objetivo de assegurar maior rapidez e eficiência às decisões, colocando-se, desse modo, na proximidade dos fatos o agente competente para dar o necessário atendimento”81. A doutrina clássica sempre arrolou como pressuposto da delegação a existência de um sistema hierarquizado em que inseridos o delegante e o delegado.

No entanto, atualmente, já se fala em delegação mesmo fora de uma estrutura hierárquica. Nesse sentido, a lei nº 9.784/99 estabeleceu que um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhes sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial (art. 12).

Ainda que se admita essa possibilidade, por expressa previsão legal, não poderão ser objeto de delegação: (i) a edição de atos de caráter normativo; (ii) a decisão de recursos administrativos; (iii) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial, especificando-se as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. É revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante, sendo que as decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

Indo além da delegação, a lei nº 9.784/99 permite, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência. A avocação ocorre quando a autoridade superior chama para si funções atribuídas ao seu subordinado. "Essa prática, apesar de legal, não deve ser abusiva, dados os inconvenientes que podem trazer a exemplo da deslocação, da diminuição e da extinção dos níveis ou graus dos recursos administrativos e o fato de desprestigiar o subordinado”82.

Em síntese, para se aferir, em cada caso, qual a autoridade competente para praticar determinado ato administrativo, deve-se primeiro examinar se existe lei atribuindo competência específica e se existe algum ato de delegação ou avocação de atribuições. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.

Apesar de todas estas regras previstas na lei nº 9.784/99, tanto o tema da delegação quanto o da avocação estão tratados na lei de modo um tanto ambíguo. Com efeito, é possível verificar que, por força da redação do art. 11, tem-se de depreender que tanto a delegação quanto a avocação só podem ter lugar, como dito, nos casos legalmente admitidos. Por outro lado, no art. 12 consta instrução diversa, qual seja, a de que um órgão administrativo e seu titular poderão delegar parte de sua competência se não houver impedimento legal, o que é muito diferente de só poder delegar havendo permissão legal. Quanto à avocação, no art. 15 está previsto que, em caráter excepcional e por motivos relevantes, poderá ser temporariamente avocada a competência do órgão hierarquicamente inferior. Se, em relação a ela, só foi mencionada sua possibilidade nos casos admitidos em lei, não faz sentido a menção ao “caráter excepcional e por motivos relevante”, pois esta seria questão já resolvida no nível legal83.

10.3 ATOS PROCESSUAIS

81 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 82 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 83 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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A lei regente do processo administrativo federal prevê ainda que os atos processuais devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de 5 dias, salvo motivo de força maior. Esse prazo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação. Devem realizar-se preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro for o local de realização.

Como também previsto no diploma regente em comento, o órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências, observando-se a antecedência mínima de 3 dias úteis quanto à data de comparecimento. A intimação pode ser efetuada (i) por ciência no processo, (ii) por via postal com aviso de recebimento, (iii) por telegrama ou (iv) por outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial. As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

No que se refere à contagem dos prazos, temos que eles começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento. Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal. Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo. Os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês. E, salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem.

10.4 PRINCÍPIOS

Passaremos a destacar os princípios centrais regentes do processo administrativo:

- Princípio da Legalidade: é um princípio da Administração consagrado expressamente no art. 37, caput, CF e no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. O processo administrativo deve obediência aos ditames legais, pois a legalidade revela-se como norteadora de toda a atuação do Poder Público. Em termos práticos, enquanto que o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, a Administração Pública tem sua atuação limitada pelas hipóteses previstas nos diplomas componentes do ordenamento pátrio.

- Princípio da Finalidade: previsto no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. Esse princípio pode ser traduzido no fato de que a aplicação e a interpretação de uma norma jurídica devem sempre levar em consideração o fim público a que ela se destina84.

- Princípio da Motivação: previsto no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. Decorre também de expressa previsão pelo art. 50, lei nº 9.784, e em face dos princípios do acesso ao Judiciário (art. 5º,

84 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 722.

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XXXV, CF) e da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF). A motivação (indicação dos motivos) é, em regra, obrigatória, atuando como expressão prática de um dos princípios da Administração. Decorre do Estado Democrático de Direito, no qual se confere, ao particular, a possibilidade de avaliação dos pressupostos fáticos e jurídicos que ensejaram a prática do ato. Ordinariamente, no que se refere à obrigatoriedade da motivação, temos que, nas situações (i) em que a lei obrigar à motivação; e (ii) em que a lei for omissa quanto à motivação, ela será obrigatória. Do contrário, quando a lei expressamente dispensar a motivação, ela será facultativa.

- Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade: previsto no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. O princípio da razoabilidade exige do administrador atuação coerente, racional, com bom senso, de modo racional. O cumprimento do referido princípio demanda a existência de 3 requisitos: necessidade, adequação/eficácia e proporcionalidade. Com efeito, diante de determinado conflito de interesses que precise ser solucionado (necessidade), a autoridade deve procurar providência eficaz (adequação ou eficácia), sem que tal providência acabe por gerar restrições exageradas ou crie problemas maiores que aquele a ser solucionado (proporcionalidade)85. Assim, o princípio da proporcionalidade decorre da necessidade de adequação entre meios e fins da atuação administrativa.

- Princípio da Moralidade: é um princípio da Administração consagrado expressamente no art. 37, caput, CF e no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. Significa o dever de agir com probidade, com boa-fé, com uma conduta alinhada aos valores sociais vigentes.

- Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa: decorre de previsão expressa no art. 5º, LV, CF, e do art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. É o direito do particular de saber o que acontece no processo administrativo e de se manifestar sobre isso. Abarca, de regra, os seguintes aspectos:

(i) o direito à defesa prévia (previamente à defesa administrativa): em outras palavras, vislumbra-se aí o direito do demandado de se manifestar previamente à formação do conhecimento do administrador. Em situações emergenciais, é possível que a Administração pratique os atos previamente à manifestação do particular, a fim de garantir o interesse público. Esse tipo de situação afasta somente o contraditório prévio – e nunca o posterior. Assim, nessas situações de urgência, devidamente justificadas, o contraditório pode ser diferido (o Poder Público pratica o ato e, posteriormente, abre espaço para o particular);

(ii) o direito à defesa técnica: defesa técnica significa defesa por advogado legalmente constituído. Embora não se discuta a existência desse direito, não há obrigatoriedade de que ela tome lugar. Em outras palavras, nos termos da súmula vinculante nº 05, STF, a ausência de defesa técnica por vontade do interessado não gera nulidade no processo administrativo;

(iii) o direito ao duplo grau de julgamento: o direito ao duplo grau de julgamento refere-se ao direito de o administrado conhecer o teor da decisão administrativa e o direito a interpor recurso de tal decisão. De acordo com a súmula vinculante nº 21, STF, é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo, pois essa exigência limitaria a ampla defesa.

- Princípio da Segurança Jurídica: é um princípio consagrado expressamente no art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. Referido princípio está diretamente relacionado à proteção ao direito adquirido, ao

85 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 723.

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ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Visa à consolidação de situações no tempo, assegurando a estabilidade e a confiança nas relações jurídicas.

- Princípio do Interesse Público: consta do art. 2º, caput, lei nº 9.784/99. Embora o alcance do interesse público seja a finalidade última de todo o sistema de direito administrativo, no âmbito do processo administrativo, ele ganha relevância. Isso porque, em comparação com o processo civil, temos que aí, a despeito da existência do interesse público, o que prepondera é o interesse das partes na resolução do conflito. É por isso que a instauração do processo administrativo pode se dar de ofício, sem que haja provocação das partes. Daí também decorre a gratuidade do processo administrativo, que tem fundamento nessa preponderância.

- Princípio da Oficialidade/do Impulso Oficial: uma vez iniciado o processo administrativo, todos os atos subsequentes a esse processo serão praticados, sem necessidade de provocação. A lei estabelece série concatenada de atos que se ligam para a realização de um procedimento. O princípio da oficialidade guarda estrita relação com o princípio da legalidade. Diferentemente do processo civil, em que a instauração do processo só se dá mediante provocação, sendo, após, desenvolvido por impulso oficial, sem necessidade de nova provocação, o processo administrativo poderá ser iniciado por vontade da Administração, sem necessidade de ser provocado.

- Princípio da Instrumentalidade das Formas: a forma de um processo administrativo é um instrumento necessário a se garantir o interesse público. É um princípio instrumental: a lei define que a forma será o meio pelo qual o agente público irá perseguir o interesse público. Por essa razão, os vícios de forma são sanáveis, desde que se consiga alcançar o fim maior, que é o interesse público, apesar da verificação dessas irregularidades.

- Princípio do Formalismo Necessário/Informalismo: esse princípio refere-se ao fato de que os atos do processo administrativo independem de forma determinada, a menos que a lei expressamente o exija (art. 22), sendo esta uma característica que o diferencia do processo judicial, que é preso ao formalismo legal86. Nesse sentido, o processo administrativo é formal para a Administração Pública e informal para o particular. Não se pode exigir formalismo pelo simples formalismo do particular: a forma só existe se for indispensável à garantia dos direitos do particular interessado. Assim, os atos do processo administrativo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade. A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo. O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o informalismo não significa a ausência total de forma. Isso porque o processo administrativo é formal no sentido de que deve ser reduzido a escrito e conter documentado tudo o que ocorre no seu desenvolvimento; é informal no sentido de que não está sujeito a formas rígidas87.

- Princípio da Verdade Real: a verdade real contrapõe-se à ideia de verdade formal, classicamente utilizada no direito processual civil. Tem relação com o fato de que o administrador público deve buscar compreender a realidade dos fatos, buscando aquilo que realmente ocorreu – e não se restringindo, de forma absoluta, aos termos do processo. Exemplos práticos da aplicação desse princípio, na seara processual administrativa, se dão com a admissão da produção e juntada de provas mesmo após o término da fase de instrução e com a admissão de qualquer tipo de prova, inclusiva a emprestada. A verdade real tem como limite a celeridade. A busca pela verdade real não

86 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 729. 87 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 702.

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pode incompatibilizar-se com a razoável duração do processo. Assim, não viola a busca pela verdade real a negativa referente a pedido de produção de provas meramente protelatórias, em nome da celeridade.

- Princípio da Gratuidade: no processo administrativo, não há cobrança de custas/emolumentos do particular. Isso porque, antes de interessar a qualquer particular, o processo administrativo interessa à própria Administração. Por tal razão, a Administração custeia o processo administrativo.

10.5 FASES

A doutrina em geral aponta quatro fases do processo administrativo: (i) a fase de instauração; (ii) a fase de instrução; (iii) a fase de relatório e (iv) a fase de julgamento. Caso se trate de procedimento acusatório ou punitivo, deverá haver também uma outra fase, chamada fase de defesa, geralmente situada entre a instrução e o relatório. Passaremos a discorrer brevemente sobre os principais aspectos de cada uma delas:

10.5.1 FASE DE INSTAURAÇÃO

A fase de instauração, denominada também de fase de iniciativa ou fase propulsória, se dá com a abertura do procedimento administrativo. É importante lembrar, nesse aspecto, que a instauração do procedimento administrativo pode se dar ofício pela própria Administração Pública (no exercício do poder-dever de zelar pela legalidade de seus atos), seja por iniciativa do administrado interessado, conforme dispõe o art. 5º, da lei nº 9.784/99.

Salvo casos em que for admitida solicitação oral, o requerimento inicial do interessado deve ser formulado por escrito, contendo a indicação do órgão ou autoridade administrativa a que se dirige, a identificação do interessado ou de quem o represente, o domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações, a formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos, data e assinatura do requerente ou de seu representante (art. 6º, da lei nº 9.784/99). É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas, cabendo elaborar modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes. Quando os pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único requerimento, salvo preceito legal em contrário. Uma vez instaurado o processo administrativo, será o mesmo autuado e numerado. Em certos casos, notadamente nas reclamações disciplinares propostas contra determinadas autoridades, a lei oportuniza o contraditório antes mesmo da instauração do processo (defesa prévia), evitando com isso a abertura de procedimentos temerários, sem o mínimo de indícios contra o agente público.

10.5.2 FASE DE INSTRUÇÃO

Na fase de instrução, também conhecida como preparatória, tem lugar a apuração dos fatos que são objeto do processo, o que se dá por meio de exame de documentos e coleta de novas provas (depoimentos dos interessados, inquirição de testemunhas, elaboração de perícia, inspeções, etc.). As atividades de instrução destinam-se a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão no processo administrativo.

Como também disposto na lei nº 9.784/99, a instrução do processo cabe primordialmente à Administração (princípio do impulso oficial), sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados

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necessários à decisão do processo. Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes. A instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando tudo o que deveria ser produzido para o convencimento e prolação da decisão da Administração Pública foi efetivamente realizado”.88 Não se deve, porém, estender demasiadamente a instrução, perpetuando o procedimento, sob pena de ofensa à celeridade processual.

A lei regente do processo administrativo federal prevê ainda que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo administrativo. Por outro lado, somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Admite-se a prova emprestada, ou seja, aquela produzida em processo anterior, a fim de que não seja necessária produzi-la novamente, em observância ao princípio da economia processual. Para tanto, faz-se necessário que a prova tenha sido produzida regularmente, com respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, bem como verse sobre situação análoga a que se pretende provar no processo atual.

No âmbito de processos administrativos punitivos, a doutrina contemporânea tem repudiado a tradicional teoria da verdade sabida, que leva em conta o conhecimento pessoal e direto do fato pela autoridade como suficiente à aplicação da sanção administrativa. Por força do art. 5o, LV, da CF, que assegura sempre o respeito ao devido processo legal (englobando aí o contraditório e a ampla defesa), a aplicação de sanção ao administrado deve sempre preceder um procedimento em que se produzam as provas, nas quais a autoridade embasará a sua decisão e motivará o ato sancionador.

Nos casos em que a decisão envolver a assuntos de interesse geral da coletividade, a legislação regente prevê a possibilidade de serem realizadas prévias consultas públicas, audiências públicas ou outros meios de participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas. Quando necessária à instrução do processo, poderá haver audiência de outros órgãos ou entidades administrativas, a ser realizada em reunião conjunta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada aos autos.

Ainda conforme o texto legal, quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de 15 dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo. O parecer, mesmo quando obrigatório, nem sempre é vinculante, caso em que se deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento. Mas se a lei considerar o parecer como vinculante, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.

10.5.3 FASE DE DEFESA

A fase de defesa tem cunho obrigatório naqueles procedimentos acusatórios ou punitivos por meio dos quais se busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público). Ordinariamente, essa fase vem, em termos lógicos, em seguida à instrução, com a conclusão da produção de provas. Portanto, a ampla defesa é exercitada difusamente ao longo da instrução, através do contraditório, já que ao acusado se propicia a participação na produção das provas e dos demais atos instrutórios, bem como concentradamente na fase de alegações finais (quando então, com vistas aos fatos elucidados na instrução, apresenta a sua defesa escrita).

No âmbito federal, prevê a lei nº 9.784/99 que, uma vez encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de 10 dias, salvo se outro prazo for legalmente

88 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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fixado. Em termos procedimentais, temos que a lei nº 9.784/99 facultou que o administrado se faça assistir por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei específica. Logo, a regra é a facultatividade da defesa técnica. Não obstante, há quem sustente a necessidade da defesa técnica, “sempre que a extrema complexidade da causa impeça o administrado de exercer sua ampla defesa”89, bem como nos processos sancionatórios ou disciplinares90. Referida questão também levou o E. STJ a editar a sua súmula nº 343, que previa a necessidade de advogado nos processos disciplinares. Poucos dias depois da edição, todavia, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal defesa técnica, nos termos da súmula vinculante nº 05, STF: “A falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não ofende a Constituição”. Destarte, a presença de advogado somente é obrigatória se houver lei específica assim dispondo.

10.5.4 FASE DO RELATÓRIO

Na fase do relatório, a autoridade ou a comissão processante elabora o relatório. Nesse sentido, o conceito de relatório relaciona-se à “síntese de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos levantados, das informações, do direito desatendido conforme a natureza do processo (punitivo, controle, outorga) e proposta conclusiva para orientar a decisão da autoridade competente. O relatório é peça informativo-opinativa que, salvo previsão legal, não é vinculante para a Administração Pública ou para os demais interessados no processo administrativo. Por esse motivo, a autoridade competente pode divergir da conclusão ou sugestão oferecida e decidir de modo diferente, bastando que fundamente sua decisão”91.

O relatório deverá, ainda, considerar os elementos probatórios constantes do processo administrativo (art. 38, § 1º, lei nº 9.784/99).

10.5.5 FASE DO JULGAMENTO

A fase de julgamento também é denominada de dispositiva. A autoridade administrativa competente é obrigada a decidir sobre o objeto do processo (art. 49, lei nº 9.784/99). A Constituição Federal de 1988 assegura a todos o direito de petição perante o Poder Público (art. 5º, XXXIV, CF), daí decorrendo, para Administração, o correlato dever de decidir, de modo que o silêncio administrativo ou a demora desarrazoada configuram abuso de poder.

A lei nº 9.784/99 dispõe que cabe à Administração explicitamente emitir decisões e dar resposta sobre solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, sendo que, uma vez concluída a instrução nos processos administrativos, a Administração tem o prazo de até 30 dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. Assim, quando as leis específicas não fixarem prazos para a conclusão dos processos, caberá à autoridade cuidar de fazê-lo em cada caso concreto, com vistas aos princípios que regem a atividade administrativa (legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade etc.), bem como o referido prazo limite de trinta dias. Eventual demora no processo pode ser justificada em razão da complexidade do seu objeto, ensejando eventuais prorrogações do prazo eventualmente estabelecido pela autoridade. Saliente-se que, por força da lei nº 12.008/09, foram incluídos novos dispositivos estabelecendo prioridades de tramitação em razão da idade, deficiência ou algumas doenças.

10.5.6 FASE DE COMUNICAÇÃO

89 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 90 FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo, Malheiros, 2008. 91 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Finalmente, na fase de comunicação, procede-se à intimação dos interessados para que tenham ciência da decisão proferida pela Administração, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposição de eventual recurso administrativo.

10.5.7 FASE RECURSAL

Das decisões proferidas no âmbito de processo administrativo cabe recurso, em face das razões de legalidade e de mérito (art. 56, da lei nº 9.784/99). Com a interposição do recurso, dá-se início à fase recursal, sendo inicialmente dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de 5 dias, encaminhará o recurso à autoridade superior. O recurso administrativo tramitará no máximo por 3 instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

De acordo com Hely Lopes Meirelles92, os recursos administrativos, em sentido amplo, compreendem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito, abrangem os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Passaremos a abordar brevemente cada uma dessas modalidades, com as suas particularidades:

- Representação administrativa: "é a denúncia formal e assinada de irregularidades internas ou de abuso de poder na prática de atos da Administração, feita por quem quer que seja à autoridade competente para conhecer e coibir a ilegalidade apontada. O direito de representar tem assento constitucional e é incondicionado, imprescindível e independe do pagamento de taxas (art. 5o, XXXIV, al. ‘a’, CF)".93

- Reclamação administrativa: "é a oposição expressa a atos da Administração que afetem direitos ou interesses legítimos do administrado. O direito de reclamar é amplo e se estende a toda pessoa física ou jurídica que se sentir lesada ou ameaça de lesão pessoal ou patrimonial por atos ou fatos administrativos".94

- Pedido de reconsideração: "é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente, Deferido ou indeferido, total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova modificação pela autoridade que já reapreciou o ato"95.

- Recursos hierárquicos: "são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior da própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus aspectos. Podem ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra; o efeito excepcional suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou no despacho de recebimento do recurso. Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador, classificam-se em próprios e impróprios:

- Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato recorrido.

- Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como

92 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 93 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 94 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento. (...) Vão se tornando comuns esses recursos na instância final das autarquias e entidades paraestatais, em que a autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que a entidade se acha vinculada (não subordinada)".96

- Revisão do processo: "é o meio previsto para o reexame da punição imposta ao servidor, a pedido ou de ofício, quando se aduzir fato novo ou circunstância suscetível de justificar sua inocência ou a inadequação da penalidade aplicada”.97 Desde pedido de revisão não poderá resultar agravamento da penalidade.

Em termos gerais, não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, aplica-se a norma geral da lei nº 9.784/99, que prevê o prazo de 10 dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. O órgão competente para dele conhecer deverá então intimar os demais interessados para que, no prazo de 5 dias úteis, apresentem alegações.

De acordo com o art. 58, da lei nº 9.784/99, têm legitimidade para interpor recurso administrativo: I - os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida; III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo, mas havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

O recurso não será conhecido quando interposto: (i) fora do prazo; (ii) perante órgão incompetente; (iii) por quem não seja legitimado; (iv) após exaurida a esfera administrativa. Na hipótese de recurso interposto perante órgão incompetente, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso. O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.

Ainda no que se refere à interposição de recursos, a lei nº 9.784/99 dispõe que, salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução (art. 56, §2º). Logo, pela dicção do texto, extrai-se que uma lei específica poderia vir a prever algum tipo de garantia prévia ou depósito recursal. A questão foi amplamente discutida perante os nossos tribunais. O STF adota o entendimento de que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como condição à admissibilidade de recurso administrativo98.

Quando lei especial não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de 30 dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. Este prazo poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida,

96 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 97 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 98 STF, ADI 1976/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 05/06/2007.

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se a matéria for de sua competência. Se disso decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

Registre-se que, salvo disposição legal específica, não se aplica na via recursal administrativa a proibição do non reformatio in pejus, típica do processo judicial. Isso significa que, no processo administrativo, o julgamento do recurso pode vir a piorar ainda mais a situação do recorrente. Trata-se de uma decorrência do princípio da verdade real, segundo o qual a Administração, em qualquer de suas instâncias, deve sempre investigar a real verdade dos fatos com vistas ao cumprimento objetivo da lei.

Isso não vale, contudo, no caso de revisão do processo, que, como previsto na lei nº 9.784/99, pode ser feita a qualquer tempo (a pedido ou de ofício, desde que surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada) e não poderá resultar em agravamento da sanção aplicada ao administrado. Em síntese, a proibição do non reformatio in pejus não vigora na via administrativa, exceto para o pedido de revisão.

10.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS SUMÁRIOS

Existem outras figuras de procedimentos que se desenvolvem a nível administrativo que merecem atenção. Essas outras modalidades inserem-se na gama de instrumentos para controle da Administração Pública, constituindo, igualmente, garantias ao particular que ocupa o outro polo na relação. Vejamos algumas dessas figuras:

- Procedimento Administrativo Disciplinar: é o instrumento formal destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. A apuração da infração supostamente cometida, nesse caso, constitui garantia para o servidor e também para a Administração Pública. O objeto do processo administrativo disciplinar é a averiguação da existência de alguma infração funcional por parte dos servidores públicos, qualquer que seja o nível de gravidade99. Em termos de regramentos, temos que cada ente federativo, por decorrência da autonomia que lhe é conferida, tem competência para editar suas próprias leis relativas ao assunto. No âmbito federal, cabe à lei 8.112/90 regulamentar o processo administrativo disciplinar.

- Sindicância: “a sindicância é o procedimento administrativo que visa a permitir uma apuração preliminar sobre a existência de ilícito funcional. É através da sindicância que se colhem indícios sobre: a) a existência da infração funcional; b) sua autoria; e c) o elemento subjetivo com que se conduziu o responsável. Reveste-se de caráter inquisitório, porque é processo não litigioso; como consequência, não incide o princípio da ampla defesa e do contraditório. Caracteriza-se por ser um procedimento preparatório, porque objetiva a instauração de um processo principal, quando for o caso, obviamente. Por esse motivo, o princípio da publicidade é aqui atenuado, porque o papel da Administração é o de proceder a mera apuração preliminar, sem fazer qualquer acusação a ninguém. Decorre daí que a autoridade que presidir o procedimento não tem poderes para intimar terceiros a prestar depoimento, porque tais poderes são próprios das autoridades judiciais ou policiais, por força da lei”100.

- Inquérito Administrativo: a expressão inquérito administrativo indica a natureza jurídica de um processo administrativo – e não a sua denominação. Existem 3 sentidos para a expressão inquérito administrativo:

99 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1000. 100 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1001.

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1) “É aquele que traduz a natureza jurídica da sindicância. Em outras palavras, pode-se dizer que a sindicância, em sua concepção tradicional e técnica, tem a natureza jurídica de um inquérito administrativo. O sentido aqui leva em conta a noção de inquérito, de inquirição, de interrogatório”101.

2) “Tem sido empregado como indicativo do processo administrativo disciplinar principal, o que já retrata uma distorção de seu sentido técnico”102.

3) “Finalmente, pode o inquérito significar uma das fases do processo disciplinar principal, ou seja, aquela em que a prova é produzida. É exatamente esse o sentido adotado pela lei nº 8.112/90, o Estatuto federal, ao dispor que o processo disciplinar se desenvolve em 3 fases: a) instauração; b) inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; e c) julgamento”103.

Sendo assim, o sentido da expressão dependerá do contexto em que ela for empregada.

- Meios Sumários: instrumentos céleres e informais para a apuração de infrações funcionais e para a aplicação de sanções. De acordo com Hely Lopes Meirelles, haveria 3 meios sumários de penalização: a sindicância, a verdade sabida e o termo de declarações. “Pela sindicância, haveria rápida apuração e apenação. A verdade sabida é a hipótese em que a autoridade toma conhecimento pessoal da infração (como insubordinação do servidor), ou quando a infração é de conhecimento público (por exemplo, a notícia na imprensa). E o termo declarações se traduz pelo depoimento do servidor, que, confessando a prática da infração, se sujeita à aplicação de sanção”104.

Com o advento da Constituição, no entanto, essas formas não mais se compatibilizam com o ordenamento pátrio. Caso previstas em estatutos de servidores, tem-se que essas normas não foram recepcionadas pela CF/88, que foi categórica ao assegurar a ampla defesa e o contraditório em processos onde houvesse litígio, bem como naqueles em que alguém estivesse na situação de acusado. No que se refere à sindicância sumária, temos que tal processo não pode gerar punição – pois, caso gere, não se classifica como sindicância, mas como processo disciplinar principal. Nessa linha, a verdade sabida e o termo de declarações também não dão ensejo a que o servidor exerça seu amplo direito de defesa. Assim, não prosperam mais no ordenamento pátrio105.

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Contratos administrativos podem ser conceituados como sendo o acordo firmado entre a Administração Pública e um particular sob a prevalência de regras de direito público, fixadas pela própria Administração e buscando a concretização do interesse público106. Os contratos

101 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1003. 102 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1003. 103 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1003. 104 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1011. 105 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1012. 106 SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 106.

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administrativos são revestidos de algumas características especiais, que decorrem do regime público de contratação. Nesses contratos, não há isonomia; o Estado atua em supremacia.

Sendo assim, passaremos a analisar as principais peculiaridades dos contratos administrativos.

11.1 CARACTERÍSTICAS

Os contratos administrativos constituem espécie do gênero contratos da Administração. Contratos da Administração são aqueles em que o Poder Público é parte. Podem ser contratos regidos sob o regime público ou sob o regime privado (como, por exemplo, em casos de locação, compra e venda, etc.). Nos contratos administrativos, por outro lado, o regime é público. Não há igualdade entre as partes, já que o Estado atua em supremacia.

Nesse sentido, podemos destacar algumas características principais, presentes em todos os contratos:

- Todo contrato administrativo é consensual: contrato consensual é aquele simples e acabado com o simples consenso das partes. A entrega do objeto contratual é mera consequência; assim, referidos contratos não são classificados como reais;

- Todo contrato administrativo é comutativo: isso significa que os direitos e as obrigações são pré-determinados. Não se admite que os direitos/obrigações, no âmbito dos contratos administrativos, estejam sujeitos a risco; não há a possibilidade de celebração de contrato administrativo aleatório;

- Todo contrato administrativo é adesivo: a adesividade refere-se ao fato de que uma das partes impõe as cláusulas contratuais, não sendo possível sua rediscussão. Em outras palavras, ocorre a adesão prévia: o particular já adere às cláusulas unilateralmente estabelecidas pela Administração (art. 55 da Lei nº 8.666/93) ao participar da licitação;

- Todo contrato administrativo é formal: isso significa que os contratos administrativos possuem forma própria definida em lei, que é indispensável à regularização do contrato. Existem diversas formalidades que devem ser seguidas como, por exemplo, a publicação resumida do contrato na imprensa oficial como condição de sua eficácia;

- Todo contrato administrativo visa à finalidade pública: a Administração Pública deve ter por fim sempre o alcance do interesse público;

- Todo contrato administrativo possui prerrogativas públicas: essa característica refere-se à presença das cláusulas exorbitantes que colocam a Administração Pública num patamar de supremacia frente o contratado. Estão previstas no art. 58 e em outras regras esparsas da lei nº 8.666/93. São as cláusulas que conferem vantagens à Administração Pública.

11.2 FORMALIZAÇÃO

O contrato administrativo deve ser celebrado com aquele que comprovou ter a melhor proposta para Administração na licitação realizada, ou seja, leva em consideração as condições pessoais do contratado. A título exemplificativo, o art. 78, VI, da lei nº 8.666/93 veda a subcontratação total ou parcial, sendo aceita, entretanto, sempre que a Administração assim permitir, de acordo com o art. 72, da lei mencionada. Já o art. 13, §3º, da lei de licitações veda absolutamente a subcontratação.

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Identificado o vencedor da licitação, os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, que deverão manter arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem. A minuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatório da licitação.

É permitido a qualquer licitante o conhecimento dos termos do contrato e do respectivo processo licitatório e, a qualquer interessado, a obtenção de cópia autenticada, mediante o pagamento dos emolumentos devidos.

A Administração convocará o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas em lei. O prazo para referida convocação poderá ser prorrogado uma vez, por igual período.

É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório.

Decorridos 60 dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos.

Em termos práticos, todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.

O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação. Será facultativo nos demais casos, em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.

Nesse sentido, é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% do limite do valor da licitação realizada na modalidade convite, para bens e serviços (R$ 80.000,00), feitas em regime de adiantamento.

O "termo de contrato" é dispensável, a critério da Administração e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica.

Como formalidade essencial à eficácia do contrato, deverá ocorrer publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial. Referida publicação deverá ser providenciada pela Administração até o 5º dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de 20 dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26, lei nº 8.666/93.

11.3 GARANTIAS

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No que se refere à concessão de garantias, temos que, no âmbito dos contratos administrativo, a critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

Essa garantia não excederá a 5% do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições do contrato. No entanto, para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até 10% do valor do contrato.

Nesse particular, caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

1) caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;

2) seguro-garantia;

3) fiança bancária.

Naqueles casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens. A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente.

11.4 CLÁUSULAS ESSENCIAIS E EXORBITANTES

Os contratos administrativos possuem cláusulas que necessariamente devem nele constar, por exigência expressa da legislação regente. Assim, de acordo com o art. 55, da lei nº 8.666/93, são cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

- o objeto e seus elementos característicos;

- o regime de execução ou a forma de fornecimento;

- o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;

- os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso;

- o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;

- as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;

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- os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;

- os casos de rescisão;

- o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa;

- as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;

- a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;

- a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos;

- a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

Além dessas disposições, que se classificam como o conteúdo mínimo dos contratos administrativos, devemos conferir destaque àquelas cláusulas que conferem à Administração a prerrogativa de atuar em grau de supremacia. São as chamadas cláusulas exorbitantes, que aparecem quando a Administração Pública está sob as prerrogativas de direito público.

A nomenclatura das referidas cláusulas já faz menção à sua caracterização. Isso porque elas exorbitam/extrapolam a órbita do Direito Civil; assim, se estivessem previstas em contratos privados, seriam declaradas exorbitantes/abusivas.

É importante referir que as cláusulas exorbitantes não se encontram expressas nos contratos administrativos. Sendo assim, não são cláusulas necessárias, mas operam efeitos em todo e qualquer contrato administrativo.

Passaremos a discorrer brevemente acerca do conteúdo dessas cláusulas:

- Alteração Unilateral do Contrato (art. 58, I, lei nº 8.666/93): essa prerrogativa confere à Administração a possibilidade de alterar unilateralmente o contrato, a fim de melhor adequá-lo às finalidades de interesse público. Ressalte-se que, nesse caso, o Poder Público poderá fazê-lo independentemente da vontade do particular, respeitando, contudo, os direitos do contratado. O art. 65, lei nº 8.666/93 refere que a Administração poderá alterar unilateralmente o contrato em 2 situações:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

Não é possível, no entanto, que o Poder Público altere unilateralmente o contrato a fim de substituir seu objeto. Da mesma forma, não é possível que a Administração Pública altere unilateralmente o contrato de forma a importar aumento dos encargos do contratado, devendo, sempre que isso ocorrer, restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato (art. 65, §6º).

Assim, é possível que o objeto do contrato seja alterado (i) no que tange ao projeto; (ii) no que se refere ao valor (aumentar ou reduzir a quantidade do contrato). Nesse último caso, o contratado fica

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obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.

As alterações permitidas, relativas ao projeto ou às quantidades (acréscimos ou supressões) geram um dever de a Administração Pública reajustar o preço, na proporção inicialmente pactuada, a FM de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que é inatingível/imodificável/inalterável pelo Poder Público. O Poder Público não pode alterar a margem de lucro inicialmente pactuada. Isso porque o particular tem direito a manter a margem de lucro ajustada, mas não o valor nominal.

No entanto, se o particular demonstrar que já tinha o material, caso a Administração diminua a quantidade, o valor dos gastos que o particular teve deverá ser reembolsado nos termos da nota fiscal, mediante a entrega do material para a Administração contratante. Não pode haver o enriquecimento sem causa, mas também o particular não pode sair prejudicado.

- Rescisão Unilateral do Contrato (art. 58, II, lei nº 8.666/93): a Administração poderá terminar o contrato sem a necessidade de concordância do particular nem de decisão judicial autorizadora. A rescisão poderá se dar por 2 modalidades:

a) Caducidade: ocorre quando há o inadimplemento do contratado. O particular descumpre regras contratuais e, em virtude disso, a Administração rescinde o contrato.

b) Encampação: ocorre quando a Administração demonstra que não há mais interesse público e, por isso, rescinde o contrato unilateralmente.

Em ambos os casos, a Administração deve informar antes para que o particular exerça o direito de contraditório e ampla defesa. Quando o particular não tiver dado causa à rescisão, ele deverá ser indenizado.

O art. 78, lei nº 8.666/93 expõe as possibilidades de rescisão unilateral do contrato:

- o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;

- o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;

- a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;

- o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;

- a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;

- a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

- o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;

- o cometimento reiterado de faltas na sua execução;

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- a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;

- a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;

- a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;

- razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;

- a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

- Fiscalização e Controle do Contrato (art. 58, III, lei nº 8.666/93): é um poder-dever. Normalmente, designa-se, por portaria, o agente público responsável pela fiscalização de cada contrato. A Administração Pública não pode deixar de fiscalizar o contrato. Caso a ausência de fiscalização venha a ensejar dano, o Estado responderá por essa omissão.

No que se refere especificamente às obrigações trabalhistas, existe polêmica em relação ao regime de responsabilização. Isso porque, nos termos do art. 71, § 1º, lei nº 8.666/93, o contratado pela Administração seria responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. Em outras palavras, referido dispositivo exclui do Estado a responsabilidade por débitos trabalhistas de empresas por ele contratadas.

No entanto, o E. TST editou a súmula nº 331, que, em sua redação original, previa que os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta responderiam subsidiariamente no cumprimento das obrigações da lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorreria de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

A despeito desse entendimento sumulado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que atribui responsabilidade subsidiária ao Poder Público no adimplemento de obrigações trabalhistas, em caso de culpa na fiscalização, o E. STF proferiu entendimento no sentido de que o art. 71, § 1º, lei nº 8.666/93 seria constitucional107. Assim, prevaleceu a tese de que a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas, em caso de contratação pelo Poder Público, não ensejaria a automática responsabilização subsidiária da Administração.

Nisso, a súmula nº 331, do TST ganhou nova redação, a fim de fazer prevalecer o entendimento de que o Estado responderia subsidiariamente pelos débitos trabalhistas das empresas por ele contratadas, desde que demonstrada culpa do Poder Público. Assim, pode-se concluir que a responsabilidade do Estado pelas obrigações trabalhistas das empresas contratadas ocorre pela omissão no dever de fiscalização.

- Aplicação de Sanções motivadas pela Inexecução Total ou Parcial (art. 58, IV, lei nº 8.666/93): a lei nº 8.666/93 prevê penalidades para o descumprimento total ou parcial do ajuste pelo contratado. Podem ser encontrados 2 grupos de sanções extracontratuais. O primeiro deles gera um fato administrativo e o segundo redunda na prática de um ato administrativo. Vejamos:

107 STF, ADC 16, Plenário, 24.11.2010.

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Primeiro grupo (fato administrativo): “ocupação e utilização do local, das instalações, dos equipamentos, do material e do pessoal empregados na execução do contrato; a tomada de direção, pelo órgãos administrativos, do objeto do contrato; a execução da garantia contratual, com vistas a indenizar a Administração pelas multas e prejuízos causados; e a retenção dos créditos do particular inadimplente, até o limite dos prejuízos causados ao Poder Público”108.

Segundo grupo (ato administrativo):

1) Advertência: é a sanção mais leve, feita por escrito. Não gera consequências posteriores, mas é uma penalidade.

2) Multa: é uma pena pecuniária aplicada ao particular contratado. Pode ser aplicada cumulativamente com outras sanções ou de forma isolada.

3) Suspensão temporária para licitar ou contratar com o Poder Público: a suspensão de contratar com o Poder Público pode durar por até 2 anos.

4) Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública: a declaração de inidoneidade poderá ter efeitos até 2 anos, em tese. No entanto, é possível que uma empresa seja classificada como inidônea por prazo superior a esse. Isso porque ela deverá se reabilitar para fazer cessar os efeitos da inidoneidade.

Em síntese, temos a seguinte distinção109:

SUSPENSÃO TEMPORÁRIA PARA LICITAR OU CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR OU CONTRATAR COM A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

- O prazo é estabelecido pela autoridade que aplicar a sanção, não podendo ultrapassar 2 anos.

- Efeito ex nunc (STJ)

- Efeito extensivo (STJ)

- Aplicável a qualquer dos participantes do certame.

- O Estatuto das Licitações e Contratos não prevê a competência exclusiva para a aplicação dessa penalidade.

- É aplicada por prazo indeterminado, perdurando até que seja promovida a reabilitação perante a autoridade que aplicou a penalidade. A reabilitação depende de dois requisitos:

1) ser requerida após 2 anos da declaração de inidoneidade; e

2) o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos que causar.

- Efeito ex nunc (STJ)

- Efeito extensivo (STJ)

- Aplicável a qualquer dos participantes do certame.

- A aplicação dessa penalidade é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso.

108 FILHO, José Carvalho dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 199. 109 Extraído de: DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 437.

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- Ocupação Temporária dos Bens da Contratada (art. 58, V, lei nº 8.666/93): nos casos de serviços essenciais, a Administração Pública tem a prerrogativa de ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. Essa possibilidade visa a garantir a continuidade do serviço público já que, ao Poder Público, cabe manter a disponibilidade do serviço público ofertado. Caso haja dano aos bens da contratada, a Administração deverá indenizá-la.

11.5 DURAÇÃO E PRORROGAÇÃO CONTRATUAL

É vedado contrato administrativo por prazo indeterminado (art. 57, §3º, da lei nº 8.666/93), ficando inclusive sua duração adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, salvo nos seguintes casos (art. 57, da lei nº 8.666/93):

- Aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

- À prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a 60 meses;

- Ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de 48 meses após o início da vigência do contrato.

- Às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 meses, caso haja interesse da administração.

Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação (justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente), mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

• Alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

• Superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

• Interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

• Aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

• Impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

• Omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

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Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato. Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de 60 meses para a prestação de serviços a serem executados de forma contínua, poderá ser prorrogado por até doze meses.

11.6 PAGAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO CONTRATADO, REVISÃO E TEORIA DA IMPREVISÃO

Além do valor pactuado no contrato, também são previstos pagamentos acessórios, que visam à garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste:

1) Correção monetária: e lei n 8.666/93 prevê que a Administração mantenha o valor real da margem de lucro contratada. Assim, a correção monetária é mera recomposição de preços, devendo ocorrer por índices oficiais previstos no contrato;

2) Reajustamento de preços: o reajustamento de preços visa a fazer frente ao aumento do preço dos insumos. Não basta corrigir monetariamente o valor pago; deve-se também corrigir monetariamente o valor pago pelos insumos, adequando os custos desse contrato.

3) Recomposição (Revisão) de preços: decorre de situações excepcionais que oneram demais o contrato. O reajuste de preço previamente estipulado não consegue fazer face ao real aumento nos custos (preço dos insumos). Visa a garantir o equilíbrio econômico-financeiro em situações que extrapolam a relação entre as partes.

Essas situações inesperadas, não previstas e que desequilibram o contrato são regidas pela Teoria da Imprevisão. Sempre que o retardo ou não cumprimento do contrato vier a ocorrer por fatos supervenientes à sua celebração, de eventos extraordinários, imprevistos ou imprevisíveis (ou até mesmo previsíveis, porém de consequências incalculáveis), causando desequilíbrio econômico-financeiro muito grande, libera-se o inadimplente das sanções legais e contratuais em razão da denominada Teoria da Imprevisão (prevista nos arts. 478 e 479 do CC/02). Nada mais é que a aplicação da clausula rebus sic standibus. Abaixo, listaremos brevemente algumas situações nas quais essa teoria é aplicada:

- Caso Fortuito e Força Maior: trata-se de situações imprevisíveis ou, caso previsíveis, inevitáveis, que desequilibram. Assim, o retardamento ou inexecução do contrato pode ainda se dar por eventos decorrentes da natureza, como ciclones, tufões, terremotos, ou por alguma atividade humana estranha ao contrato, como greve ou paralisações, denominados de caso fortuito e força maior. Tanto um quanto o outro também autorizam a aplicação da Teoria da Imprevisão.

- Interferências Imprevistas/Sujeições Imprevistas: são situações preexistentes ao contrato, mas que vêm à tona durante a execução do contrato, e acabam por desequilibrá-lo. Por exemplo, temos aí a hipótese de construção de obra sobre terreno impróprio; no entanto, apenas depois do começo da obra é que se descobre sua impropriedade;

- Fato da Administração e Fato do Príncipe: essas situações ocorrem quando o próprio ente público contratante desequilibra a relação contratual.

No Fato da Administração, o Poder Público desequilibra o contrato dentro dele, enquanto contratante. São atos da Administração que incidem específica e diretamente sobre um determinado

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contrato, retardando ou impedindo a sua execução. A título exemplificativo, podemos citar a ausência de desapropriação, pela Administração, de terreno sobre o qual irá se desenvolver o objeto do contrato.

Já no Fato do Príncipe, atuando fora do contrato administrativo, o Poder Público acaba afetando o contrato indiretamente. Todo ato geral da Administração, positivo ou negativo, imprevisto ou imprevisível, que incida indireta ou reflexamente nos contratos onerando-os substancialmente denomina-se fato do príncipe. É o que ocorre, por exemplo, quando a União contrata empresa para transporte. No entanto, após a pactuação, a própria União eleva a carga de tributos incidente sobre o combustível. Essa conduta atinge o contrato indiretamente. Outro exemplo é a elevação substancial de um tributo de importação (pode gerar uma revisão contratual) ou a proibição do produto objeto do contrato (pode ensejar a rescisão do contrato). São manifestações que o Poder Público emite como autoridade pública, e não como parte no contrato. Atente-se aqui que o fato do príncipe só poderá ocorrer no âmbito do mesmo ente federativo. Em se tratando de ente diverso, o instituto aplicável será o da força maior.

A Teoria da Imprevisão pode ensejar a revisão do contrato assim como a sua rescisão, estando implícita em todos os contratos de execução prolongada (art. 65, II, d, da lei nº 8.666/93).

11.7 EXECUÇÃO E EXTINÇÃO CONTRATUAIS

Nesse tópico, abordaremos sinteticamente os principais institutos correlatos à execução e a extinção dos contratos administrativos.

11.7.1 RESTRIÇÃO AO USO DA CLÁUSULA DE EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO (EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS)

No direito privado, caso uma das partes não cumpra a sua obrigação no contrato, a outra também não está obrigada a cumprir a sua (art. 476, do CC/01). Porém, nos contratos tipicamente administrativos, e em decorrência do princípio da continuidade do serviço público, esta cláusula tem seu uso restringido. Isto quer dizer que, caso a Administração Pública não cumpra o que o contrato lhe obriga, ao contratado impõe-se o deve de continuar executando o contrato, não podendo fazer assim o uso da cláusula excpetio non adimpleti contractus.

Esta restrição imposta ao contratado está atenuada conforme se verifica no art. 78, XV, da lei nº 8.666/93, pois exige que sejam ultrapassados mais de 90 dias sem que haja pagamento por parte da Administração para o contratado poder suspender ou rescindir o contrato.

11.7.2 EXTINÇÃO CONTRATUAL

No que se refere às modalidades, temos que a extinção do contrato administrativo pode se dar das seguintes formas:

- Extinção Natural: a extinção natural se dá pela forma normal ou ordinária, isto é (i) pelo término do prazo de vigência contratual, quando as obrigações derivadas do instrumento perdurarem por determinado lapso de tempo; (ii) pelo cumprimento de seu objeto, operando aí a extinção de pleno direito. Nesse caso, quando o objeto do contrato for a entrega de uma coisa

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(obra), o término do contrato se dá com a sua entrega. Se a entrega ocorrer antes do prazo estipulado, o contrato é igualmente extinto.

- Anulação: poderá operar efeitos naqueles contratos com algum vício originário de ilegalidade. Depende da análise de 2 elementos: (i) o vício no procedimento licitatório induz o vício no contrato, assim como a ausência de licitação, nos casos em que ela deveria ter ocorrido; (ii) mesmo que o contrato seja viciado desde a sua origem e os serviços tenham sido prestados de boa-fé pelo particular até a data em que for declarada a nulidade do contrato, esses serviços serão contraprestacionados. Do contrário, poder-se-á cogitar em enriquecimento sem causa da Administração. É dever da Administração de responsabilizar aqueles que deram causa à nulidade do contrato administrativo e provocaram prejuízo ao Erário.

- Desaparecimento do contratado: os contratos administrativos são personalíssimos (intuito personae). Assim, havendo o desaparecimento do contratado (falecimento, falência, dissolução, etc.), extingue-se o contrato.

- Rescisão: a rescisão pode ocorrer de 4 formas:

1) Unilateral ou Administrativa: é a rescisão por iniciativa da Administração. Pode ocorrer por motivo de inadimplemento ou por interesse público, nas hipóteses do art. 78, I a XII e XVII, lei nº 8.666/93.

2) Amigável/Bilateral/Distrato: decorrente de um acordo entre as partes, podendo ocorrer desde que haja conveniência para a Administração. Deve ser formalizado por termo no processo de licitação e precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente.

3) Judicial: é a rescisão determinada judicialmente. A única modalidade de rescisão que o contratado pode adotar unilateralmente contra a Administração, quando esta descumpre alguma obrigação, mas nada impede que a Administração também faça uso dela.

4) De Pleno Direito: ocorre quando o contrato é rescindido por situação alheia à vontade das partes. Exemplificativamente, se há a contratação, pelo Poder Público, para serviço de limpeza em escola pública e essa escola é destruída por catástrofe natural, extingue-se o contrato de pleno direito.

A extinção do contrato pode decorrer pela culpa (ou dolo) de alguma das partes (inexecução culposa), impondo-se ao infrator responsabilidade administrativa, civil e penal, mas também pode ocorrer sem que qualquer contratante tenha incorrido em culpa (negligência, imprudência ou imperícia – inexecução sem culpa). A inexecução sem culpa existe quando uma das partes não cumpre sua parte pactuada, não por sua vontade, mas sim por fatos estranhos, supervenientes à celebração do contrato. Estes acontecimentos podem gerar tanto o retardamento quanto a inexecução do contrato.

No que se refere aos efeitos da rescisão, temos que, verificando-se a existência de culpa do contratado pela rescisão contratual, as consequências são as seguintes (art. 80, I a IV, da lei nº 8.666/93):

1) assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;

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2) ocupação e utilização provisória do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, que deverá ser precedida de autorização expressa do Ministro de Estado competente, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso (art. 80, § 3.º);

3) execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;

4) retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.

A aplicação das medidas estabelecidas nos itens 1 e 2 fica a critério da Administração, que poderá dar continuidade à obra ou ao serviço por execução direta ou indireta (art. 80, § 1º, lei nº 8.666/93).

Por outro lado, se a rescisão ocorrer sem culpa do contratado, quer seja por motivo de interesse público, ou decorrente de caso fortuito ou força maior ou do descumprimento contratual pela Administração, a lei estabelece que o contratado terá os seguintes direitos (art. 79, § 2º, I, II e III, lei nº 8.666/93):

1) devolução de garantia;

2) pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;

3) pagamento do custo da desmobilização.

11.8 PRINCIPAIS CONTRATOS

Existem algumas espécies contratuais que merecem destaque. Vejamos algumas delas:

11.8.1 CONTRATO DE OBRA PÚBLICA

Contrato de obra pública é aquele cujo objeto consiste na construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta (art. 6º, I, lei nº 8.666/93).

A execução direta é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos próprios meios. Já a execução indireta é a que o órgão ou entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes:

a) Empreitada por preço global: quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total;

b) Empreitada por preço unitário: quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas;

c) Tarefa: quando se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais;

d) Empreitada integral: quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em

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operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada.

11.8.2 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Nos termos da lei nº 8.666/93, serviço é toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais (art. 6º, II). O rol de atividades aí descrito é exemplificativo, ou seja, comporta a inserção de outras modalidades, tal qual se extrai da menção à expressão “tais como”.

No que se refere à classificação dos serviços, temos que alguns são considerados de natureza comum porque não requerem habilitação legal específica. Por outro lado, outros demandam referida habilitação específica, sendo reputados serviços técnicos profissionais. A lei enumerou, de forma taxativa, que devem ser considerados serviços técnicos profissionais especializados os seguintes (art. 13, I a VII)110:

- estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;

- pareceres, perícias e avaliações em geral;

- assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

- fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

- patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

- treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

- restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

De acordo com o mesmo diploma legal em comento, alguns desses serviços podem ser contratados mediante inexigibilidade de licitação, desde que de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação (art. 25, I). Além disso, para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

11.8.3 CONTRATO DE FORNECIMENTO (COMPRAS)

O contrato de fornecimento refere-se a toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente. Esse contrato só apresenta características de contrato administrativo quando se tratar de fornecimento contínuo, parcelado ou quando o fornecimento for

110 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 461.

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integral, porém para entrega futura, situações em que a Administração apareceria na relação contratual em posição de supremacia, com privilégios assegurados por cláusulas exorbitantes111.

Ao contrário disso, quando o contrato for referente a compras para entrega imediata e pagamento à vista, não há falar em contrato administrativo de fornecimento, uma vez que este em nada diferiria da compra e venda, a não ser pela exigência de prévia licitação112.

11.9 CONVÊNIOS

Os convênios podem ser definidos como os ajustes entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas, em que se estabelecem a previsão de colaboração mútua, visando à realização de objetivos de interesse comum113.

Nos convênios, os interesses das partes são comuns; já nos contratos administrativos tradicionais, classicamente, temos que os interesses são distintos. Por isso a distinção na nomenclatura: enquanto que, nos contratos, existem partes, nos convênios, temos partícipes.

No que se refere ao regramento legal, temos que, por força do art. 116, lei nº 8.666/93, aplicam-se as disposições de referido diploma legal, no que couber, aos convênios celebrados por órgãos e entidades da Administração.

A celebração de convênio depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:

I - identificação do objeto a ser executado;

II - metas a serem atingidas;

III - etapas ou fases de execução;

IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;

V - cronograma de desembolso;

VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;

VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.

Em termos formais, assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva. Essa comunicação ocorre com a finalidade de controle externo a posteriori do Poder Legislativo, dado que o STF114 entende ser inconstitucional norma que exige autorização legislativa para o Poder Executivo firmar convênio, sob o argumento de que isso fere a independência dos Poderes115.

Nesse sentido, as parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes:

111 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 349. 112 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 349. 113 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 464. 114 STF, ADI/DF 1.166-9, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.11.2002. 115 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 465.

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- quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida, na forma da legislação aplicável, inclusive mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão competente do sistema de controle interno da Administração Pública;

- quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas, práticas atentatórias aos princípios fundamentais de Administração Pública nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais básicas;

- quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas pelo partícipe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo sistema de controle interno.

Obrigatoriamente, enquanto não utilizados, se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, os saldos de convênio serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.

11.10 CONSÓRCIO PÚBLICO

Os consórcios públicos constituem figura prevista para a realização de objetivos de interesse comum. Não possuem natureza jurídica de contrato, pois as vontades são convergentes. Trata-se de gestão associada de pessoas – entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que executam a mesma atividade. Regem-se pela lei nº 11.107/05.

Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado.

Eles poderão outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público, que deverá indicar de forma específica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as condições a que deverá atender, observada a legislação de normas gerais em vigor.

A celebração de consórcio público dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções. O consórcio público ganha personalidade jurídica apartada dos entes federativos. É nova pessoa jurídica, com patrimônio e pessoal próprios, sendo titular de direitos e obrigações. Constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.

Sendo associação pública, terá personalidade jurídica de direito público. A associação pública é uma espécie de autarquia, constituindo autarquia associativa, integrante da Administração Indireta de cada ente que forma o consórcio público. No conceito de autarquia está incluído o de associação pública. Nesse sentido, vale a regra aplicável às autarquias: lei específica cria autarquias; lei específica autoriza a criação de fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. A associação pública segue o regime regente das autarquias: sujeita-se à supervisão ministerial, possui imunidade tributária e conta com prerrogativas processuais.

Classificada como associação privada, o consórcio terá personalidade jurídica de direito privado. Seguirá, nesse caso, um regime híbrido: não gozará das prerrogativas inerentes ao regime

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especial de Direito Administrativo, mas se submeterá a limitações públicas, tais como as decorrentes do controle por Tribunais de Contas, dever de licitar, etc.

A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados. Assim, por exemplo, consórcio entre a União, o Estado do Rio grande do Sul e o Município de Porto Alegre poderá ocorrer. No entanto, caso ele se restrinja à participação da União e do Município de Porto Alegre, não estará em conformidade com os regramentos legais.

Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio. O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos.

É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito. Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.

O consórcio poderá, ainda, celebrar contrato de concessão com o Poder Concedente, transmitindo a prestação de determinados serviços públicos a particulares. Quando o consórcio atua como Poder Concedente, poderá executar a desapropriação. Não poderão declarar a utilidade pública para desapropriação, pois essa é prerrogativa exclusiva dos entes federativos.

Qualquer que seja a natureza da personalidade jurídica da pessoa jurídica constituída, o consórcio estará obrigado a licitar. No entanto, a legislação prevê que a regra geral de dispensa para realização de licitações seja dobrada, em relação aos consórcios. Assim, temos que será dispensada a licitação no caso de obras na monta de até R$ 30.000.00 e, em relação a bens e serviços, no valor de até R$ 16.000,00, isto é, o dobro dos patamares de valores admitidos para o convite. Nesse sentido, temos que os patamares de valores para as modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços e convite) duplicam-se, se o consórcio for formado por até 3 entes federativos. Caso o consórcio seja formado por mais de 3 entes federativos, os valores das modalidades licitatórias da lei nº 8.666/93 são triplicados.

A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato formal de seu representante na assembléia geral, na forma previamente disciplinada por lei. Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação. A retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.

11.11 CONTRATOS DE GESTÃO ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

O contrato de gestão, também conhecido por acordo-programa, é uma espécie de ajuste feito entre, de um lado, a Administração Direta e, de outro, órgãos da própria Administração Direta ou entidades da Administração Indireta ou, ainda, entidades do chamado Terceiro Setor. O objetivo do

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contrato de gestão é o atingimento de determinadas metas de desempenho pelos órgãos ou entidades em troca de determinado benefício concedido pelo Poder Público116.

Essa modalidade contratual está prevista na lei nº 9.637/98, que trata da qualificação das organizações sociais. Nesse caso, o contrato de gestão serve para disciplinar a parceria entre o Poder Público e as entidades qualificadas como organizações sociais, cujo objetivo é fomentar a prestação de serviços nas áreas de ensino, de pesquisa científica, de desenvolvimento tecnológico, da proteção e preservação do meio ambiente, da cultura e da saúde. Assim, por meio do contrato de gestão o Poder Público fixa metas de desempenho a serem alcançadas pelas organizações sociais e em troca as auxilia de diversas formas, por exemplo, cedendo-lhes bens e servidores públicos e transferindo-lhes recursos orçamentários117.

O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. Ele deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos: (i) especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade; (ii) a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.

A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada. Referida entidade apresentará ao órgão ou entidade do Poder Público supervisora signatária do contrato, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, conforme recomende o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.

No que se refere aos resultados decorrentes da execução do contrato de gestão, tem-se que eles devem ser analisados, periodicamente, por comissão de avaliação, indicada pela autoridade supervisora da área correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação. Referida comissão deve encaminhar à autoridade supervisora relatório conclusivo sobre a avaliação procedida.

Além disso, como forma de controle, os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato de gestão, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por organização social, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

LICITAÇÃO E ASSENTO CONSTITUCIONAL 116 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 124. 117 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 124.

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Licitação é um procedimento administrativo vinculado, de observância obrigatória, salvo exceções legalmente previstas, por meio do qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa dentre as apresentadas pelos interessados para a provável celebração de um contrato que atenda aos interesses públicos. Possui também um caráter instrumental, pois serve como meio para o alcance de um fim: a realização de um contrato118.

Em termos de previsão legislativa, a licitação aparece, na Constituição, nos arts. 22, XXVII; 37, XXI; 173, §1º, III e 175. Nesse sentido, compete à União legislar privativamente sobre as normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades (art. 22, XXVII, CF). A lei geral disciplinadora das licitações é a lei nº 8.666/93 (Lei Geral das Licitações) e a lei nº 10.520/02 (que regulou a licitação na modalidade de pregão). Tem por objeto, além da seleção da melhor proposta para a Administração, a contratação de obras, serviços (inclusive de publicidade), compra, alienação, concessões, permissões e locações quando realizada com terceiros.

São obrigados a licitar, além dos órgãos da administração direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios), os integrantes da administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, consórcios públicos), os fundos especiais e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ademais, as obras, serviços, compras e alienações realizados pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Tribunal de Contas também regem-se pelas normas da lei nº 8.666/93, no que couber, nas três esferas administrativas.

A exigência de procedimento licitatório destina-se (i) a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, isto é, qualquer pessoa que queira poderá contratar com o Estado, diante da ausência de interesse pessoal da Administração; (ii) a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, que decorre do supra princípio da indisponibilidade do interesse público, no sentido de que, se o Poder Público pode contar com a proposta mais vantajosa, ele terá; e (iii) a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

12.1 PRINCÍPIOS

Todos os princípios regentes do Direito Administrativo e da Administração Pública aplicam-se ao instituto das licitações. No entanto, temos alguns princípios específicos, que lhes são destinados especificamente. Vejamos:

12.1.1 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO

Em regra, o instrumento convocatório de uma licitação é o edital, que estabelece todas as regras da licitação. Daí a máxima: “o edital é lei entre as partes”. Sendo assim, ele obrigará tanto os licitantes quanto o Poder Público.

De acordo com o art. 41, da lei nº 8.666/93, a Administração Pública não pode descumprir as normas e condições estabelecidas no edital (ou carta convite) ao qual se acha estritamente vinculada. Assim o instrumento convocatório (edital ou carta convite) vincula não só os administrados, mas também a própria Administração, aos quais devem cumprir fielmente as regras traçadas.

118 SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. 2ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 117.

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12.1.2 PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO

O instrumento convocatório deverá estabelecer qual o critério de julgamento que será utilizado para as propostas. O julgamento das propostas deve ser objetivo, ou seja, deve ocorrer em conformidade com o tipo de licitação (art. 45, da lei nº 8.666/93) previsto no ato convocatório. Não pode haver surpresa: os critérios para julgamento são objetivamente determinados. Esse princípio visa afastar critérios subjetivos no julgamento das propostas, ainda que na modalidade do concurso, e no tipo melhor técnica, a subjetividade tenha presença marcante.

Nesse sentido, os critérios de julgamento referem-se ao tipo de licitação. São critérios previstos na lei nº 8.666/93:

- Menor preço: quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;

- Melhor técnica: o edital prevê objetivamente a melhor técnica para o serviço;

- Melhor técnica e menor preço: a princípio, a lei estabelece que o critério a ser adotado deve ser o de menor preço. O critério melhor técnica ou melhor técnica e melhor preço deverão ser adotados para serviços de natureza intelectual, produtos e serviços de informática;

- Maior lance: ocorre em caso de alienação de bens.

Nesse sentido, o critério definido no edital deverá ser observado durante todo o procedimento. Não se admite a mudança das regras no meio da realização da licitação.

12.1.3 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A publicidade significa transparência. Nesse sentido, não se admitem procedimento licitatórios sigilosos no âmbito da Administração. Existem relativizações nessa exigência.

Nesse sentido, publicidade é diferente de publicação em diário oficial. A publicação é apenas uma das formas de se realizar a publicidade. Isso porque nem todas as modalidades licitatórias realizam a publicidade por publicação, fato esse que não constitui, necessariamente, violação ao referido princípio.

12.1.4 PRINCÍPIO DO SIGILO DAS PROPOSTAS

Apesar da aparente contradição entre o princípio da publicidade e o princípio do sigilo das propostas, ela não existe. Isso porque referido princípio relaciona-se ao fato de que as propostas são sigilosas até a data marcada para que elas sejam abertas pelo Poder Público.

12.1.5 PRINCÍPIO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA

Não vem explícito no art. 3º, da lei nº 8.666/93, mas por este princípio a Administração não pode, após concluído o certame licitatório, atribuir a outrem o objeto da licitação que não ao seu vencedor. O princípio da adjudicação compulsória não significa que o vencedor da licitação tenha direito subjetivo à celebração do contrato. Apenas expõe que se a Administração for firmar contrato relativo ao objeto licitado, o fará com o vencedor do certame.

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12.2 MODALIDADES DE LICITAÇÃO

A Lei nº 8.666/93, em seu art. 22, prevê 5 modalidades de licitação: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.

Cumpre anotar que o art. 22, §8º, CF veda a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas, o que não impediu, porém, a publicação da lei nº 10.520/02 que criou mais uma modalidade de licitação: o pregão. Em verdade, como cabe à União a edição das normas gerais de licitação (art. 22, XXVII, da CF/88) e tratando-se o pregão de modalidade (norma geral) aplicável a todos os entes, a sua criação é constitucional, ainda que em sua origem, por via de sucessivas medidas provisórias aplicadas exclusivamente à União, não o fosse.

- Concorrência: é modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. Caso o interessado não possua os requisitos para habilitação, será desclassificado, mas o fato é que ele ingressou na licitação. Destina-se a negociações de grande vulto, permitindo a ampla concorrência, sendo adequada para contratações de grande vulto, que exigem maior rigor em sua formalidade e ampla divulgação (art. 22, §1º, da lei nº 8.666/93).

Essa modalidade de licitação será determinada em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

1) para obras e serviços de engenharia, acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

2) para compras e serviços não referidos na hipótese anterior, acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

São exceções à regra de valor, sendo a concorrência obrigatória para os seguintes contratos:

1) Concessão de serviço público (lei nº 8.987/95), com exceção dos serviços constantes no Programa Nacional de Desestatização – PND;

2) Concessão de direito real de uso de bem público (decreto nº 271/67);

3) Aquisição e alienação de imóveis, com a exceção de alienação de imóveis adquiridos por (i) decisão judicial ou (ii) dação em pagamento, pois, nesses casos, a alienação poderá se dar mediante concorrência ou leilão;

4) Empreitada integral: é o contrato por meio do qual a Administração contrata uma empresa para executar a obra e essa empresa fica responsável por todas as etapas da obra, devendo entregá-la pronta para o Estado;

5) Licitação internacional.

- Tomada de preços: é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação (art. 22, §2º, da lei nº 8.666/93).

Essa modalidade de licitação será determinada em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

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1) para obras e serviços de engenharia, até de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

2) para compras e serviços não referidos na hipótese anterior, até de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

- Convite: com conceito previsto no art. 22, §3º, da lei nº 8.666/93, o convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 horas da apresentação das propostas. Se o licitante não for convidado, mas quiser participar, deve cumprir com 2 requisitos: (i) ser cadastrado no órgão; (ii) demonstrar interesse por escrito em participar do convite com, pelo menos, 24h de antecedência da data marcada para a abertura dos envelopes. Nessa modalidade, não há edital. O instrumento convocatório é chamado de carta convite, que é mais simples, não sendo publicada. Isso não significa que não haja respeito ao princípio da publicidade. A forma da publicidade é o envio da carta-convite aos convidados e a posterior afixação no átrio da repartição em local visível ou público. Referida modalidade restringe a publicidade, mas não a dispensa.

Essa modalidade de licitação será determinada em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

1) para obras e serviços de engenharia, de até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);

2) para compras e serviços não referidos na hipótese anterior, de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

- Concurso: segundo o art. 22, §4º, da lei nº 8.666/93, concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico (art. 13, §1º, da lei nº 8.666/93) mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial, com antecedência mínima de 45 dias.

Com natureza diversa das demais modalidades estudadas, o concurso visa à escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, como por exemplo, a escolha de um projeto arquitetônico para a cidade, o que demonstra o seu inevitável subjetivismo como já apontado. Note-se também que, ao concurso, não se aplica nenhum tipo de licitação estipulado no art. 45, da lei nº 8.666/93, pois aqui o vencedor receberá um prêmio ou remuneração.

A lei regente não prevê nenhum procedimento para o concurso, fixando apenas o prazo mínimo para recebimento das propostas, que é de 45 dias. O art. 52, por sua vez, salienta que deva ter regulamento próprio que indicará: (i) a qualificação exigida dos participantes; (ii) as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho; (iii) as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos.

- Leilão: é a modalidade de licitação prevista no art. 22, §5º, entre quaisquer interessados que tem por objetivo: (i) a venda de bens móveis inservíveis para a administração; (ii) a venda de produtos legalmente apreendidos ou penhorados; ou (iii) a alienação de bens imóveis, prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.

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Assim como no que se refere à modalidade concurso, a lei nº 8.666/93 não estabelece um procedimento específico, prevendo somente que o leilão possa ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.

- Pregão: é a modalidade prevista na lei nº 10.520/02 para qualquer ente da Federação, O pregão é utilizado qualquer que seja o valor da contratação para a aquisição de bens e serviços comuns (aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado) tendo como tipo de licitação que será sempre o menor preço.

O Decreto nº 3.555/00 teve por finalidade regulamentar o pregão na forma presencial. Isso porque o art. 2º, §1º, da lei nº 10.520/02 possibilitou a realização do pregão na forma eletrônica, isto é, utilizando recursos de tecnologia da informação, que foi objeto de regulamentação novamente no âmbito da União, pelo Decreto nº 5.450/05, onde inclusive em seu art. 4º determinou como obrigatória a modalidade de pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, sendo preferencial a utilização na forma eletrônica (no mesmo sentido expôs o art. 1º, §1º, do Decreto nº 5.504/05).

- Consulta: a modalidade de licitação consulta, de constitucionalidade questionável (pois cabe à União estabelecer normas gerais de licitação, art. 22, XXVII, da CRFB/88), surgiu em nossa legislação por advento da lei nº 9.472/97, arts. 55 e 58, aplicável somente à ANATEL, sendo posteriormente ampliada para todas as Agências Reguladoras na lei nº 9.986/00, pelo art. 37.

12.3 OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO

A regra geral no ordenamento pátrio é a realização da licitação, sendo obrigatória a observância de seu procedimento. Entretanto, em alguns casos, o legislador autorizou a contratação direta pela Administração sem respeitar todo o procedimento licitatório, tal qual previsto em lei. São os casos de inexigibilidade e dispensa de licitação.

12.4 DISPENSA DE LICITAÇÃO

A dispensa, assim como a inexigibilidade, é uma exceção à obrigatoriedade de licitar. No entanto, nesse caso, diversamente da inexigibilidade, existe a possibilidade jurídica de ocorrer a competição, que por alguma razão deixa de ser realizada por prevalência de algum outro interesse público. Desta forma, a dispensa de licitação consiste na possibilidade legal da Administração Pública deixar de realizar a licitação, por alguma hipótese taxativamente prevista, contratando diretamente com o terceiro. A doutrina normalmente costuma diferenciar a licitação dispensada da dispensável. A licitação dispensada seria a dispensa dada pelo art. 17, I e II, da lei nº 8.666/93 (hipóteses em que a lei declarou-a como tal, não havendo margem para discricionariedade administrativa) e a licitação dispensável seriam aqueles casos previstos no art. 24, da lei nº 8.666/93 (onde deliberaria o administrador pela sua realização ou não)119. A lei estabelece de forma taxativa as hipóteses de dispensa de licitação. Vejamos o seguinte quadro, que arrola os principais casos de licitação dispensada120:

BENS IMÓVEIS (ART. 17, I) BENS MÓVEIS (ART. 17, II)

“a) dação em pagamento; “a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após

119 CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 435. 120 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 491.

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b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i;

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

d) investidura;

e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;

f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;

g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei n. 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição;

h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;

i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500 ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais.”

avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;

b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;

c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;

d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;

e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades;

f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.”

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Além dos casos anteriores, a licitação também será dispensada para a concessão de título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, quando o uso destinar-se (art. 17, § 2º, I e II):

– a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel;

– a pessoa natural que, nos termos da lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural situada na Amazônia Legal, superior a 1 módulo fiscal e limitada a 15 módulos fiscais, desde que não exceda 1.500 ha121.

De acordo com o § 4º do art. 17 da lei 8.666/93, “a doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado”. Conclui-se a partir da leitura do dispositivo legal anterior que a doação com encargo deve em regra ser precedida de licitação. Todavia, a lei possibilita a dispensa se houver interesse público devidamente justificado122.

Nessa linha, a licitação é dispensável nos seguintes casos (art. 24, lei nº 8.666/93):

- para obras e serviços de engenharia de valor até 10% do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior (R$ 15.000,00 para obras) desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

- para outros serviços e compras de valor até 10% do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior (R$ 8.000,00 para bens e serviços) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

- nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem;

- nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

- quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;

- quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento;

- quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais

121 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 492. 122 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 492.

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competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços;

- para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

- quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;

- para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

- na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

- nas compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, realizadas diretamente com base no preço do dia;

- na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;

- para a aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público;

- para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.

- para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;

- para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;

- nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder

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comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do inciso II do art. 23 da lei nº 8.666/93;

- para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;

- na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

- para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento, limitada, no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea “b” do inciso I do caput do art. 23 (R$ 300.000,00);

- na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;

- na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

- para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão;

- na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica - ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida;

- na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação;

- na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública;

- para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão;

- na aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior, necessariamente justificadas quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante e ratificadas pelo Comandante da Força;

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- na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal;

- nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3o, 4o, 5o e 20 da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes;

- na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde - SUS, no âmbito da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica;

- na contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água;

- para a aquisição por pessoa jurídica de direito público interno de insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do inciso XXXII deste artigo, e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

Tanto as dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, (todos da Lei nº 8.666/93) devem, necessariamente ser justificadas, e ser comunicados, dentro de 3 dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 dias, como condição para a eficácia dos atos.

O processo de dispensa, de inexigibilidade, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: (i) caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; (ii) razão da escolha do fornecedor ou executante; (iii) justificativa do preço; (iv) documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

12.5 INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

Exposto de forma exemplificativa no art. 25, da lei nº 8.666/93, a inexigibilidade se verifica sempre que há uma impossibilidade jurídica de competição. Deve, para tanto, ser observada a exigência do art. 26 que expõe ser necessária a justificativa e comunicada à autoridade superior em 3 dias, cabendo a esta ratificar e publicar na imprensa oficial a justificativa no prazo de 5 dias, com o objetivo de obter a eficácia dos atos.

De acordo com o art. 25, da lei nº 8.666/93, é inexigível a licitação quando não for viável a competição, em especial:

- para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca,

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devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

- para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, da lei nº 8.666/93, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

- para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

12.6 PROCEDIMENTO DA LEI Nº 8.666/93

Estas fases correspondem à fase externa (executória). Isto porque o procedimento de licitação inicia-se com a abertura do processo administrativo (fase interna ou preparatória), conforme mostram o art. 38, da lei nº 8.666/93, o art. 3º, da lei nº 10.520/02, o art. 8º do decreto nº 3.555/00 e o art. 9º, do decreto nº 5.450/05.

12.6.1 ATO CONVOCATÓRIO

A publicação resumida do edital (art. 21, da lei nº 8.666/93) é o ato deflagrador da fase externa de algumas modalidades de licitação. Assim, os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez, em um diário oficial, a depender do ente federativo que a organiza; e em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição.

O edital é, para alguns, a lei interna da licitação, por força do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Na modalidade de convite, a convocação dos interessados é feita por carta-convite e não edital.

Publicado o edital e respeitado o prazo do intervalo mínimo, a Administração já poderá marcar data para a abertura dos envelopes de habilitação e proposta. Entre a publicação do edital e a abertura dos envelopes, é possível impugnar o edital, administrativamente. Caso não haja impugnação administrativa ou judicial por cidadãos/licitantes, a Administração poderá alterar o edital por conta própria, em decorrência do princípio da autotutela (súmula nº 473, STF).

Caso haja alteração do edital, por qualquer que seja ela, deverá ocorrer nova publicação da parte alterada, nos mesmos moldes da originária. Se referida alteração, além de modificar os termos do edital, modificar também o conteúdo das propostas, caberá ao Poder Público reabrir o prazo do intervalo mínimo concedido.

Até a publicação do edital, qualquer pessoa pode compor ou desistir da licitação. Após a abertura dos envelopes contendo a documentação dos licitantes, o sujeito só poderá desistir da licitação se tiver justificativa plausível acatada pelo órgão licitante. A partir da habilitação, não se pode desistir infundadamente.

12.6.2 HABILITAÇÃO

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DIREITO ADMINISTRATIVO

Na habilitação, procede-se à abertura dos envelopes contendo a documentação exigida no edital e a análise destes documentos. Os critérios de habilitação são aqueles definidos em lei e que são indispensáveis à execução do contrato. Não se pode exigir nenhum requisito que não esteja definido em lei e que não seja indispensável à execução do contrato.

Em outras palavras, a Administração não deve fazer exigências impertinentes ao objeto licitado, sendo que deve unicamente exigir qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, conforme dispõe o art. 37, XXI, da CF. É vedado ao Poder Público estabelecer mais requisitos do que o necessário à execução do contrato. O art. 27, da lei nº 8.666/93, indica os documentação exigidos:

- habilitação jurídica: refere-se à necessidade da existência de direito – e não só de fato da pessoa participante;

- qualificação técnica: não se pode exigir mais nem menos técnica do que o necessário à celebração do contrato. A técnica deve ser suficiente e necessária ao cumprimento do contrato;

- qualificação econômico-financeira: é aquela feita por meio da apresentação de balanços patrimoniais da empresa e demais demonstrações contábeis correlatas. Comprova que o sujeito tem dinheiro para a execução do contrato;

- regularidade fiscal e trabalhista: a regularidade fiscal deverá abranger todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), em relação aos tributos de competência de cada um. É comprovada por meio de certidão negativa de débitos ou por certidão positiva de débitos com efeitos de negativa. Já no que concerne à regularidade trabalhista, ela se refere à quitação das obrigações trabalhistas, comprovada pela Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT);

- cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º, da CF: referido dispositivo determina a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos;

A ausência de qualquer um desses requisitos inabilita a empresa. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição.

No entanto, caso se trate de microempresa ou de empresa de pequeno porte, a LC 123/06 determina que, havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 5 dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da administração pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa. Referido benefício só se aplica ao requisito a regularidade fiscal, tendo essas empresas que comprovar os demais requisitos legais.

Quando nenhum licitante for habilitado (ou todas as propostas forem desclassificadas) a licitação será considerada fracassada ou frustrada, podendo (poder-dever) ser aberto o prazo de 8 dias úteis para apresentação de nova documentação (para o convite poderá ser de 3 dias úteis).

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Diferente é o conceito de licitação deserta, aquela em que não comparece nenhum interessado à licitação. Em ambos os casos, na falta de tempo para se proceder a nova licitação ou disponibilizar prazo para a apresentação de nova documentação, apresenta-se a hipótese de dispensa constante no art. 24, V e VII da lei nº 8.666/93.

Ultrapassada a fase de habilitação e abertas as propostas, não cabe mais desclassificação por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento (art. 43, §6º, da lei nº 8.666/93).

Na modalidade concorrência, ao final dessa fase, caberá recurso a ser interposto pelos licitantes no prazo de 5 dias úteis, com efeito suspensivo automático. Na modalidade convite, o prazo recursal será de 2 dias úteis, igualmente cabendo efeito suspensivo.

12.6.3 CLASSIFICAÇÃO E JULGAMENTO DAS PROPOSTAS

Depois da abertura dos envelopes contendo os documentos de habilitação, procede-se à abertura dos envelopes contendo a proposta dos habilitados. Os critérios são aqueles previstos no edital. É nesta fase que a comissão de licitação realiza o julgamento das propostas e as classifica, observando o tipo de licitação estabelecido no edital.

No julgamento das propostas, a comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou carta-convite, os quais não devem contrariar as regras e princípios previamente estabelecidos (art. 44, da lei nº 8.666/93). O tipo de licitação define os critérios de classificação e julgamento. Os tipos de licitação, exceto na modalidade de concurso, são (art. 45, da lei nº 8.666/93): menor preço; melhor técnica; técnica e preço e maior lance ou oferta. Aplica-se o critério pré-definido para se encontrar o vencedor.

É ato vinculado, o que a impede de celebrar contrato com preterição da ordem de classificação das propostas referente ao objeto da licitação (art. 50, da lei nº 8.666/93). O licitante fica obrigado a manter o compromisso assumido na proposta até 60 dias da entrega da mesma, ficando após este período, sem a convocação para a assinatura do contrato, liberado do compromisso (art. 64, §3º, da lei nº 8.666/93).

Existe uma possibilidade legal de concessão de preferência. De acordo com o art. 3º, § 8º, lei nº 8.666/93, poderá ser estabelecida uma margem de preferência de até 25% sobre o preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros a (i) produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras; e (ii) bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação. Além disso, desde que estabelecido previamente, é possível ainda estabelecer uma margem de preferência de até 25% a produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País. A soma dessas duas preferências não pode ultrapassar o patamar total de 25%.

Essa possibilidade trata-se de faculdade da Administração Pública, que deverá ser estabelecida previamente no edital. Nesse caso, teremos a consecução de terceira finalidade à licitação: a garantia do desenvolvimento nacional.

Na modalidade concorrência, ao final dessa fase, caberá recurso a ser interposto pelos licitantes no prazo de 5 dias úteis, com efeito suspensivo automático. Caso sejam todos desclassificados a Administração poderá conceder prazo de 8 dias úteis para que os licitantes

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apresentem novas propostas e se adéquem ao edital. Na modalidade convite, o prazo recursal será de 2 dias úteis, igualmente cabendo efeito suspensivo. Se forem todos os licitantes desclassificados, o prazo dado pelo Poder Público será de 3 dias úteis, para que renovem as propostas e se adéquem ao edital.

12.6.4 HOMOLOGAÇÃO

A autoridade máxima do órgão concorda/chancela o resultado da licitação. Prevista no art. 43, VI, 1ª parte, da lei nº 8.666/93, a homologação é a fase na qual a autoridade superior à comissão aprova ou não o procedimento, verificando os requisitos de validade da licitação. Com isso, concluímos que o trabalho da comissão encerra-se com a divulgação do resultado do julgamento e classificação das propostas. Assim, a autoridade poderá homologar o resultado, anular o certame por ilegalidade, revogar ou, ainda, sanar eventuais vícios ou irregularidades que não afetem o resultado nem a legalidade do certame, homologando o mesmo.

Na modalidade concorrência, ao final dessa fase, caberá recurso a ser interposto pelos licitantes no prazo de 5 dias úteis, com efeito suspensivo automático. Na modalidade convite, o prazo recursal será de 2 dias úteis, igualmente cabendo efeito suspensivo.

12.6.5 ADJUDICAÇÃO

A adjudicação é praticamente uma consequência jurídica da homologação. Trata-se de ato vinculado pelo qual a autoridade superior atribui ao licitante vencedor o objeto da licitação. Está exposto no art. 43, VI, 2ª parte, da lei nº 8.666/93.

Nesse ponto, é importante referir que a Administração não está obrigada a contratar. A existência de interesse público superveniente pode fazer com que a Administração não mais tenha interesse em celebrar o contrato. Assim, a adjudicação deve ser compreendida no sentido de que, se a Administração resolver contratar, só poderá fazê-lo com o vencedor do procedimento. De outro lado, o vencedor (proponente) é obrigado a cumprir a proposta que ofereceu, no prazo de 60 duas contados da abertura das propostas.

A lei ainda estabelece que, caso o vencedor não celebre o contrato com a Administração, por qualquer motivo, o Poder Público convocará o segundo colocado, para celebrar o contrato na proposta do primeiro. E assim sucessivamente, até que algum classificado cumpra a proposta do primeiro colocado.

12.6.6 ESPECIFICIDADES DOS PROCEDIMENTOS ATINENTES ÀS MODALIDADES LICITATÓRIAS

No que se refere à tomada de preços, o procedimento licitatório é praticamente idêntico. Não há fase de habilitação, pois todos os licitantes já se encontram previamente cadastrados no órgão.

No que concerne ao convite, tem-se que também não há fase de publicação do edital, já que a publicidade, nesse caso, é feita pelo envio de convites e pela sua afixação no átrio da repartição. Igualmente, não há fase de habilitação, por estarem os licitantes já cadastrados no órgão.

12.7 ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DA LICITAÇÃO

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Já foi objeto de afirmação que à autoridade superior cabe homologar a licitação. Entretanto, caso seja verificada alguma ilegalidade no certame, deverá ela anulá-lo, de ofício ou por provocação de terceiro, com parecer escrito e devidamente fundamentado (art. 49, 1ª parte, da lei nº 8.666/93). A anulação produz efeito ex tunc.

A anulação do procedimento licitatório não gera dever de indenizar (art. 49, §1º, da lei nº 8.666/93), mas induz a nulidade do contrato, se por ventura este já tiver sido firmado (art. 59, da lei nº 8.666/93).

A revogação, por sua vez, se dá por razões de interesse público, decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, conforme preceitua o art. 49, 2ª parte, da lei nº 8.666/93. Trata-se em verdade de uma revogação condicionada, com efeito ex nunc.

O art. 38, IX, da lei nº 8.666/93 prevê a necessidade de fundamentar circunstanciadamente tanto a anulação quanto a revogação. Estas ações que pode tomar a autoridade superior demonstram que o licitante vencedor tem mera expectativa de direito na celebração do contrato.

Tanto a anulação quanto a revogação geram aos interessados o direito de contraditório e ampla defesa (art. 49, §3º, da lei nº 8.666/93), mesmo que somente após praticado o ato de anulação ou revogação123. Da decisão que anula ou revoga a licitação cabe recurso hierárquico no prazo de 5 dias úteis, conforme prevê o art. 109, I, al. ‘c ‘, da lei nº 8.666/93.

12.8 SANÇÕES PENAIS

As ilegalidades em procedimentos licitatórios podem configurar ilícitos administrativos, civis e penais. A conduta penal é autônoma em relação às condutas administrativas. Às condutas classificadas como crimes pela lei nº 8.666/93 cominam-se severas sanções penais no caso do cometimento dos delitos124.

Os tipos previstos pela lei geral de licitações somente são puníveis a título de dolo. O dolo aí exigido é o genérico, que traduz a intenção do agente sem a finalidade especial do ato. Os crimes previstos nesse diploma não são formais ou de mera conduta; assim, a autoridade que assim decide, com lastro em parecer jurídico por ela solicitado, não pode, em princípio, ser considerada como impelida por dolo para a prática da infração penal, tudo isso somado ao fato de que inexista prejuízo ao Erário125.

Vejamos os principais tipos penais previstos na lei:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

123 STF, RMS nº 24.188/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 14/09/2007. 124 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 307. 125 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 307.

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Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 95. Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.

Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços;

II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

III - entregando uma mercadoria por outra;

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

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Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.

Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.

§ 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.

§ 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.

12.9 PROCEDIMENTO DA LEI Nº 10.520/02

O pregão é modalidade de licitação adotada para aquisição de bens e serviços comuns. Nesse particular, temos que o pregão não é modalidade de uso obrigatório pelos órgãos públicos. Trata-se de atuação discricionária, na qual a Administração terá a faculdade de adotar o pregão, nas hipóteses cabíveis. A despeito da faculdade conferida à Administração, é preciso levar em consideração a finalidade dessa nova modalidade, que é a de propiciar maior celeridade e eficiência no processo de seleção de futuros contratados. A União, sensível a essa finalidade, tornou obrigatória a adoção da modalidade de pregão para a aquisição de bem e serviços comuns, estabelecendo, ainda, que a preferência deverá recair sobre a modalidade na forma eletrônica (art. 4º, decreto nº 5.450/05)126.

No que se refere ao procedimento, o do pregão aparece regulado nos arts. 3º (fase preparatória ou interna) e 4º (fase externa ou de execução) da lei nº 10.520/02.

Além do prazo fixado para apresentação das propostas, não inferior a 8 dias úteis a partir da publicação do aviso do edital, a lei nº 10.520/02 estabelece prazo diferenciado para apresentações das razões e contrarrazões de recurso da decisão que declara o vencedor do certame. Isso porque entre as fases do pregão não há recurso. Assim, declarado o vencedor do certame, qualquer licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de 3 dias úteis para a apresentação das razões do recurso (art. 4º, XVIII, da lei nº 10.520/02).

Uma das mais marcantes alterações trazidas pela lei que disciplinou o pregão foi a inversão das fases de habilitação e julgamento, vindo esta antes daquela. Isso proporcionou maior celeridade ao trâmite licitatório. Assim, de acordo com o art. 4º, VII, XI e XII, da lei nº 10.520/02, o pregoeiro (e não a comissão de licitação como é no procedimento da lei nº 8.666/93) primeiro procede à abertura dos envelopes contendo as propostas, e somente depois de definir quem é o licitante classificado em primeiro lugar abrirá o envelope contendo os documentos de habilitação.

126 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 310.

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A modalidade de licitação pregão não se contenta com as propostas apresentas nos envelopes. Vai além. Isso porque após a abertura dos envelopes contendo as propostas e uma (pré)classificação vem uma nova fase que é a de lances verbais e sucessivos. Na fase dos lances verbais, os licitantes vão diminuindo, no que puderem, suas propostas. Chega-se ao menor lance possível. A partir daí, passa-se a verificar a habilitação do licitante. Caso o vencedor não esteja habilitado (a despeito da declaração prestada pelos licitantes confirmando as condições de habilitação, para que participem dos lances orais), passa-se para o segundo colocado, para negociar o preço.

Depois disso, o próprio pregoeiro adjudica. Somente após a adjudicação ele encaminha para que a autoridade do órgão homologue.

12.10 O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES

O Regime Diferenciado de Contratações (RDC) foi instituído pela lei nº 12.462/11 para reger, originalmente, licitações e contratos administrativos necessários à realização da Copa das Confederações, da Copa do Mundo, das Olimpíadas e das Paraolimpíadas. No entanto, com a edição de outras leis correlatas, atualmente, o RDC também é aplicável:

- Às ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);

- Às obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS;

- Às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo;

- Às ações no âmbito da segurança pública;

- Às das obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística;

- Aos contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração;

- Às ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação.

A lei nº 12.462/11 não segue, nem subsidiariamente, a lei nº 8.666/93. Afasta-se completamente a regência da lei geral das licitações, para incidir a lei do RDC.

Existem algumas particularidades no RDC. Por exemplo, há a possibilidade de indicação de marca pelo edital, quando (i) houver a necessidade de padronização; (ii) quando a marca for a única capaz de atender às necessidades do contrato; (iii) quando sua indicação for necessária à identificação do objeto.

Além disso, os critérios para seleção da proposta mudam. No RDC, são previstos: menor técnica ou maior desconto; técnica e preço; melhor técnica ou melhor conteúdo artístico; maior oferta de preço; maior retorno econômico (pelo objeto; pela obra a ser entregue). Referidos critérios de julgamento estão previamente definidos no edital.

Outra particularidade do RDC é a possibilidade de contratação integrada. É possível que a Administração Pública estabeleça, em único procedimento licitatório, a contratação de único sujeito

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para o projeto básico, o projeto executivo e a execução da obra. Caberá ao Poder Público realizar apenas o anteprojeto definindo o valor que está disposto a pagar.

Há também a admissão ao parcelamento do objeto. Nesse caso, parcelando-se o objeto da licitação, torna-se possível entregá-lo a diversas empresas. Isso, em tese, permite um acréscimo na celeridade da execução, pois cada empresa destaca-se para executar uma parte. Nesse particular, mesmo que não haja o parcelamento do objeto, é possível, nos termos da lei do RDC, que mais de uma empresa contrate o mesmo objeto. O objetivo é claro: a união de esforços em prol de uma finalidade comum.

AGENTES PÚBLICOS

O conceito de agente público está relacionado a todas as pessoas físicas, legalmente

investidas, que de algum modo exercem a função pública, de maneira definitiva ou transitória, independentemente do vínculo que possuem com o Estado. Assim, a expressão “agentes públicos” é utilizada de forma genérica a todos que exercem a função pública. Podemos encontrar algumas normas que conceituam o que seja agentes públicos, como o art. 2º da Lei 8.429/92 e o art. 327 do Código Penal, dentre outras, que definem:

Lei de Improbidade Administrativa

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

- Toda pessoa física que desempenhe qualquer tipo de atividade pública é considerada agente público.

Código Penal

Funcionário público

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

- Entidade paraestatal é entidade que atua ao lado do Poder Público. Ex.: ONGs, OS, OSCIP, serviços sociais autônomos.

- Funcionário de empresa de telecomunicações, de empresa de distribuição de energia elétrica é considerado agente público.

Nessa linha conceitual, podemos definir agentes de fato como as pessoas que desempenham alguma função pública, isto é, no interesse público, sem estar regularmente investidas, levadas por

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erro (jamais por dolo ou malícia). No desempenho, ainda que ilícito, desta função, os agentes de fato poderiam ser divididos em mais duas categorias: agente putativo, conceito que se relaciona à pessoa que, embora investida na função pública, o foi com violação do ordenamento jurídico desempenhando-a, no entanto, como se regularmente tivesse sido sua investidura; e agente necessário o qual assume o encargo público diante de um estado de necessidade pública127.

Ademais, distinta é a figura do usurpador que se apodera da função pública por fraude ou violência para satisfação de interesses privados, sendo inclusive caracterizado como crime: usurpar o exercício de função pública: pena de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa (art. 328 do Código Penal).

13.1 CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS

Os agentes públicos podem ser classificados como: - Agentes políticos - Agentes administrativos - Particulares em colaboração com o Estado

13.1.1 AGENTES POLÍTICOS

Os agentes políticos são as pessoas que exercem as funções políticas do Estado, titulares de cargos que fazem parte da organização política do País, gozando de ampla liberdade funcional, representando os poderes do Estado. Tem prerrogativa atribuída pela Constituição para se pronunciarem em nome de um Poder (Legislativo, Executivo e Judiciário). Ocupam cargos públicos que permitem escolha de políticas públicas. São agentes políticos o Presidente da República, Governadores, Prefeitos, e seus respectivos vices, Vereadores, Senadores, Deputados, Ministros, Secretários.

Podemos incluir também como agentes políticos os membros do Poder Judiciário, como Juízes e Desembargadores, membros do Ministério Público, como Promotores e Procuradores de Justiça, Membros dos Tribunais de Contas, como Auditores e Conselheiros, membros do Conselho Nacional de Justiça e Ministério Público e Defensores Públicos128. Alguns autores entendem que essas figuras sejam agentes políticos, pois responsáveis pela manifestação do poder de decisão de um Poder. Outra parte da doutrina129 não inclui os juízes e promotores como agentes políticos, mas sim como servidores especiais dentro da categoria de servidores públicos. Isso porque eles têm um vínculo profissional com o Estado.

13.1.2 AGENTES ADMINISTRATIVOS

Os agentes administrativos possuem um vínculo profissional para com o Poder Público. Trabalham em troca de contraprestação. São encarregados de executar as decisões decorrentes do poder político. Seu papel é dar exequibilidade às normas, regras, decisões, orientações emanadas do poder político. Existem 3 categorias de agentes administrativos:

1) Estatutários: são agentes sujeitos ao regime estatuário, ocupantes de cargo público. Regime estatutário é aquele próprio para a Administração Pública; é o conjunto de regras que estabelece a

127 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 323. 128 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 418. 129 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28º ed. São Paulo: Saraiva, p. 557.

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relação entre o Poder Público e aqueles que lhes são vinculados. É um regime unilateral, típico de Direito Público. Na União, os estatutários são regidos pela lei nº 8.112/90.

Em síntese são as principais características do regime estatutário:

- Aplicável a pessoas jurídicas de direito público;

- É um regime legal (criado por lei, já que a lei estabelece as atribuições do cargo, a remuneração, etc);

- A investidura se dá com a posse;

- É um regime unilateral (regime jurídico único);

- Temos os servidores públicos, que ocupam cargos públicos;

- Perceberão vencimento.

2) Temporários: são aqueles contratados por tempo determinado, em caráter excepcional, com a função de atender necessidades temporárias (art. 37, IX, da CF, que dispõe que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público). São ocupantes de função pública. De acordo com a decisão do STF proferida na ADI nº 3.068/DF, a contratação de servidor temporário pode ser sem concurso público, mas, salienta-se, como forma de exceção. A lei nº 8.745/93, por exemplo, em seu art. 3º, exige processo seletivo simplificado. As ações judiciais envolvendo servidores temporários contratados após a promulgação Constituição Federal de 1988, devem tramitar perante a Justiça Comum, e não na Justiça do Trabalho.

3) Servidor militar: possuem vínculo estatutário próprio especial (art. 42, caput e §1º; art. 142, caput e §3º, X da CF). São os membros das Forças Armadas, Polícias Militares, Corpo de Bombeiros Militares, etc.

4) Celetistas (empregados públicos): são as pessoas físicas que prestam concurso público, mas são contratadas pelo regime celetista (trabalhista); são ocupantes de emprego público. A contratação de pessoal nas entidades da Administração Indireta de natureza privada (Banco do Brasil e Petrobrás, por exemplo) se dá por este regime. As ações judiciais envolvendo empregados públicos são julgadas na Justiça do Trabalho, e segundo entendimento do TST para a demissão de empregados públicos não é necessária nem motivação nem processo administrativo, ainda que contratado mediante concurso público.

Em síntese são as principais características do regime celetista:

- Aplicável a pessoas jurídicas de direito privado;

- É um regime contratual;

- O início da relação se dá com a assinatura do contrato de trabalho;

- É uma relação bilateral (ainda que os contratos da Administração sejam de adesão), regida pela CLT;

- Temos os empregados públicos, que ocupam empregos públicos;

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- Perceberão salário.

13.1.3 PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM O ESTADO

São pessoas que prestam algum serviço para o Estado, gratuito ou oneroso, mas com ele não possuem vínculo específico. Subdividem-se em:

1) Designados/Por Requisição/Por Compulsão: são aqueles convocados pelo Poder Público para exercer função administrativa. Também conhecidos com agentes honoríficos. A título exemplificativo, temos os jurados, os mesários eleitorais, os recrutados para serviço militar obrigatório, etc.

2) Voluntários/Por animus próprio: são aqueles que podem atuar em situação de calamidade pública. Também denominados de gestores de negócio, ou colaboradores por vontade própria, são as pessoas que espontaneamente assumem uma função pública em momentos de emergência, calamidade, epidemias, catástrofes, etc. Outra situação em que atuam os voluntários é aquela em que a Administração Pública abre programas de voluntariado (por exemplo, o “Amigos da Escola”).

3) Delegados: são os agentes que atuam por delegação de serviço público. No momento da prestação, os agentes de concessionárias e permissionárias de serviço público são agentes públicos. Também é o caso de titulares de serventias notariais e de registro, leiloeiros, tradutores e intérpretes, peritos, depositário judicial, etc. São conhecidos como agentes delegados ou agentes colaboradores por concordância.

4) Credenciados: atuam em nome do Poder Público em razão de convênios firmados. Como exemplo, temos médicos privados atuando em convênio com o SUS. Nesse caso, ele é considerado um agente público, ao atuar nessas condições.

13.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CARGOS PÚBLICOS QUANTO AO PROVIMENTO

O conceito de provimento está relacionado ao ato administrativo que investe o agente público no cargo, emprego ou função. É o preenchimento do cargo público. A investidura em cargo público ocorre na posse e é considerada ato complexo, constituída de atos do Estado e do particular. Os cargos podem ser providos:

- De forma comissionada (cargo de provimento em comissão): de livre nomeação e exoneração. Admitem provimento sem concurso público e têm caráter provisório (art. 37, II, 2ª parte, da CF). Destinados apenas às atribuições de direção, chefia ou assessoramento, não devem desempenhar funções técnicas, burocráticas e de caráter permanente.

- De forma efetiva (cargo de provimento efetivo): são os cargos dependentes de concurso público, adequados aos funcionários públicos, que possuem estabilidade após o período de 3 anos de efetivo exercício (art. 41, da CF).

- De forma vitalícia (cargo de provimento vitalício): são os cargos que asseguram vitaliciedade

aos seus ocupantes. Conferido aos integrantes do Poder Judiciário (cargo de juiz, desembargador ou ministro, art. 95, I, da CF), Ministério Público (cargo de promotor ou procurador, art. 128, §5º, I, a, da CF) e Tribunais de Contas (cargo de ministro ou conselheiro).

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O estágio probatório é o período em que se avalia a aptidão do servidor para o exercício do cargo. Logo, a cada novo concurso público realizado, o servidor é cometido a um novo período de estágio.

13.3 ACESSIBILIDADE A CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS

De acordo com o art. 37, I, da CF, os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros (natos ou naturalizados, art. 13, §2º, da CF) que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.

Está consagrado pela regra constitucional o acesso universal, cabendo tão-somente à lei estabelecer os requisitos de acesso, não podendo, porém, restringir a determinados grupos ou categorias. Prova desta afirmação encontra-se na própria Constituição Federal que em seu art. 207, § 1º faculta às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei, bem como o art. 5º, § 3º da Lei 8.112/90.

Da mesma forma, a súmula 14, do STF proíbe a restrição em razão da idade de inscrição em concurso público, por ato administrativo, dispondo que não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo público.

Disso, é possível extrair facilmente que a restrição ao ingresso na carreira pública somente pode ser feita mediante lei, e não simplesmente por editais. Não foi diferente o STF ao editar as Súmulas 683 e 686 que dispõem, respectivamente: o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido; só a lei pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato em cargo público (ainda STF no RE nº 182.432/RS e no RE nº 188.234/DF). O Estatuto do Idoso (art. 27 da Lei 10.741/03) estabelece, no mesmo sentido que: na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.

13.3.1 EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO

De acordo com o que já foi abordado, temos que a lei poderá estabelecer requisitos de acesso aos cargos públicos, desde que não incorra de modo desarrazoado, desproporcional ou discriminatório. A exigência de concurso público é a concretização dos princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e igualdade (STF na ADI 3.522/RS, no RE 365.368/SC; STJ no REsp 772.241/MG).

Conforme preceitua o art. 37, II, da CF, o ingresso em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme previsão legal. Excluem-se desta ordem os agentes que ingressam na Administração para cargos eletivos (como Senador, Deputados, Presidente da República, Governador, Prefeito e seus vices, dentre outros).

A própria Constituição, em alguns casos, não esperou a edição de lei exigindo concurso público e estabelecendo seus requisitos. Assim, a Constituição Federal passou a exigir concurso público para o ingresso nas carreiras constantes nos arts. 93, I (cargo de Juiz); 129, § 3º (cargo de Promotor); 131, §2º (carreira da Advocacia Geral da União); 132 (Procurador do Estado); 134, § 1º (Defensor Público da União, Estados e Distrito Federal) e 236, § 3º (ingresso na atividade notarial e de registro).

Em sentido oposto, a Carta Magna possibilitou em algumas hipóteses excepcionais a contratação independentemente de concurso, como nos cargos em comissão de livre nomeação e

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exoneração (art. 37, II, última parte, da CF), para o exercício de funções de confiança, art. 37, V ou temporária, art. 37, IX, da CF.

Há ainda o caso de admissão, pelo Sistema Único de Saúde, de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público (e não concurso público), de acordo com a natureza e complexidade das atribuições e requisitos específicos para a atuação, art. 198, § 4º (regulado pela Lei 11.350/06, que, por sua vez, acabou submetendo a contratação desses agentes à CLT, e processo seletivo de provas ou de provas e títulos).

O prazo de validade do concurso público é de até 2 anos (contados da sua homologação) prorrogável uma vez, por igual período, devendo as nomeações seguir a ordem de classificação. Ainda, de acordo com a Constituição (art. 37, IV), durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre os novos concursados para assumir cargo ou emprego.

13.4 FORMAS DE PROVIMENTO DE CARGOS PÚBLICOS

13.4.1 ORIGINÁRIO

O provimento originário dá início à relação jurídica entre pessoa e Estado. Corresponde ao primeiro provimento do sujeito na carreira. Pode ocorrer tanto pela nomeação (nos casos de cargo efetivo ou vitalício ou cargo em comissão) quanto pela contratação (nos casos de empregos públicos). Os candidatos aprovados dentro do número de vagas estabelecidos no edital têm direito subjetivo à nomeação no prazo de duração do concurso.

13.4.2 DERIVADO

O provimento derivado pressupõe o provimento originário. Decorre de um vínculo anterior do agente com o Estado. Não existe provimento derivado entre carreiras distintas. Nesse sentido, só é possível sair de uma carreira para ingressar em outra por meio de concurso público. Pode ocorrer por provimento vertical, horizontal ou por reingresso.

13.4.2.1 DERIVADO VERTICAL

No caso de provimento derivado vertical, há elevação funcional do servidor. - Promoção: promoção é a elevação de um servidor de uma classe para outra dentro da

mesma carreira. A lei de cada carreira definirá os critérios para promoção. Não se confunde com progressão que é a elevação do padrão de vencimento dentro da mesma

classe. - Transposição ou ascensão funcional: era a passagem de uma carreira para outra sem

concurso público (ou por concurso público interno). Não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. É matéria sumulada pelo STF no verbete 685: é inconstitucional toda a modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

13.4.2.2 DERIVADO HORIZONTAL

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O provimento derivado horizontal não implica em elevação funcional. - Transferência: a transferência também não foi recepcionada pela Constituição Federal de

1988 (STF na ADI nº 231/RJ). Constituía a passagem de servidor estável de cargo efetivo para outro de igual denominação pertencente a quadro de pessoal diverso, de órgão ou instituição do mesmo Poder.

- Readaptação: é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica. O sujeito, nesse caso, tem direito a ser readaptado ainda que não haja cargo vago compatível com ele. Ele passará a exercer o cargo como excedente, caso não haja cargo vago. Na carreira, deve haver um cargo compatível com as suas limitações. Se não houver, ele será aposentado por invalidez. A readaptação enseja a garantia de manutenção de vencimentos, mesmo que o sujeito esteja exercendo cargo com padrão remuneratório diferente. O servidor não poderá sofrer modificação em sua remuneração, nem para mais, nem para menos, em decorrência da readaptação.

13.4.2.3 DERIVADO POR REINGRESSO

O provimento derivado por reingresso ocorre quando o servidor que estava desligado do serviço público ativo retorna por:

- Reversão: é o retorno à atividade de servidor aposentado, quando junta médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria por invalidez ou no interesse da Administração. No primeiro caso, relativo à aposentadoria por invalidez, quando o servidor deixa de estar inválido, ele reverte ao cargo público. Nesse caso, não há prazo, podendo ocorrer a qualquer tempo. O servidor voltará ainda que não houver, no momento, cargo vago. Nesse caso, ele ficará exercendo as funções como excedente.

Na segunda hipótese, concernente à aposentadoria voluntária, o retorno do servidor, no

interesse do Poder Público, é caso controverso. Isso porque os Tribunais Superiores entendem que a aposentadoria voluntária quebra o vínculo do sujeito com a Administração. Assim, seu retorno ao serviço público seria inconstitucional. No entanto, caso se admita a possibilidade de ocorrência dessa hipótese, faz-se necessário o cumprimento dos seguintes requisitos: (i) aposentadoria voluntária; (ii) interesse da Administração para que o sujeito reverta ao cargo público; (iii) concordância do sujeito para que ele reverta ao cargo público; (iv) aposentadoria há, no máximo, 5 anos; (v) estabilidade, no momento da aposentadoria; (vi) existência de cargo vago para que o servidor retorne (art. 25 da Lei nº 8.112/90).

- Aproveitamento: é o reingresso de servidor estável, que se encontrava em disponibilidade,

em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado. De acordo com o artigo 41, § 3º, da CF, se extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. Não existe prazo máximo definido para o aproveitamento. A garantia do servidor é de que, surgindo cargo vago compatível, ele será, obrigatoriamente, aproveitado. É uma via de mão dupla: tanto o servidor é obrigado a retornar quanto a Administração não poderá chamar novos servidores enquanto existirem antigos em disponibilidade.

- Reintegração: é a reinvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão (art. 41, § 2º, da CF). Referida anulação poderá ser feita tanto pela Administração quando pelo Poder Judiciário.

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Possui efeitos retroativos (ex tunc). Nesse caso, o servidor retorna ao cargo e é indenizado pelos prejuízos.

- Recondução: é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado por motivo de inabilitação em estágio probatório relativo a outro cargo ou reintegração do anterior ocupante ao cargo. Nesse caso, não há direito à indenização. No caso de encontrar-se provido o cargo de origem, o servidor será aproveitado em outro ou posto em disponibilidade (41, § 2º, da CF)130. Poderá ocorrer em 2 hipóteses: (i) quando há a reintegração do anterior ocupante do cargo; (ii) se o sujeito passar em concurso público para outro cargo (ex.: era técnico judiciário e virou analista judiciário); nesse caso, terá direito a retornar ao cargo anterior (técnico judiciário), caso não seja aprovado no estágio probatório de analista judiciário. Na hipótese de não haver cargo de técnico vago, ele ocupará outro cargo compatível ao anterior. Caso não haja cargo compatível ao anterior, ele será colocado em disponibilidade remunerada. É uma via de mão dupla: dentro do período de estágio probatório, tanto o sujeito poderá requerer a recondução quanto a Administração poderá determiná-la. E não há direito à indenização.

13.5 POSSE E EXERCÍCIO

A posse ocorre pela assinatura do respectivo termo de provimento. É o ato que investe o agente de suas atribuições, prerrogativas e responsabilidades. Também é o ato que completa a investidura. A posse deve ocorrer até 30 dias da publicação do ato de provimento (art. 13, da Lei 8.112/90). A posse se dá pela assinatura do termo de provimento.

Já o exercício é o efetivo desempenho das funções atribuídas ao cargo ou função. O servidor

que não entrar em exercício no prazo estabelecido será exonerado do cargo. O exercício se dá pelo efetivo desempenho das funções atribuídas ao cargo.

13.6 FORMAS DE VACÂNCIA DE CARGOS PÚBLICOS Vacância é o ato ou fato administrativo que rompe a ligação entre o Estado e o servidor

público, desaparecendo o vínculo anteriormente existente. O cargo público que estava ocupado passa a ser vago. São formas de vacância:

- Falecimento - Posse em cargo inacumulável: nesse caso, necessariamente, o sujeito irá vagar o cargo que

ocupava antes. A Constituição Federal veda expressamente a acumulação de cargos/empregos públicos. Essa vedação abrange celetistas e estatutários. A jurisprudência ainda inclui, nessa lista, os temporários. Estende-se a cargos/empregos na Administração Direta ou na Administração Indireta, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As exceções de acumulação previstas na Constituição se dão nos seguintes casos:

a) Acumulação de 2 cargos de professor, no máximo; b) Acumulação de 2 cargos de profissionais de saúde, com profissão regulamentada; c) Acumulação de 1 cargo técnico/científico com 1 cargo de professor;

130 Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

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d) Acumulação de 1 cargo efetivo com 1 cargo de vereador. Para que a acumulação seja válida, é necessário demonstrar, em qualquer hipótese, a

compatibilidade de horários. Além da compatibilidade de horários, é necessário demonstrar, ainda, que essa acumulação respeita o teto remuneratório (art. 37, XI, CF).

Além de acumulação dos cargos, em regra, veda-se a acumulação de proventos de

aposentadoria de regime próprio de previdência com a remuneração da atividade. Existem algumas exceções a essa regra, que permitem a acumulação de proventos de regime próprio de aposentadoria com a remuneração da atividade, conforme passaremos a destacar:

1) se os cargos forem acumuláveis na atividade (conforme previsão constitucional); 2) cargos em comissão: detentores de cargos em comissão vinculam-se ao regime geral de

previdência social. Por isso, podem acumular aposentadoria do regime próprio, por exemplo, com provento da atividade de cargo em comissão.

3) cargo eletivo, de qualquer espécie: pode acumular proventos de aposentadoria de regime

próprio com remuneração de cargo eletivo. Em todos os casos, deve-se respeitar o teto da remuneração do serviço público. No âmbito federal, quando a Administração toma conhecimento de acumulação ilícita de

cargos, ela notifica o servidor para que ele faça uma opção, no prazo de 10 dias. Se ele fizer a opção dentro desse prazo de 10 dias, considera-se que ele estava de boa-fé, e o servidor é exonerado de um dos cargos. Caso ele não faça a opção, instaura-se um processo administrativo sumário (art. 133, Lei 8.112/90).

A comissão desse procedimento será composta por 2 servidores estáveis. A materialidade do

fato é comprovada mediante a apresentação de documentos simples. O sujeito será chamado para defesa no prazo de 5 dias. Nesse caso, a lei estabelece que, se o servidor fizer a opção por um dos cargos que ele está acumulando ilicitamente até o último dia da defesa, presume-se a sua boa-fé. Caso ele não faça a escolha, o processo segue. Se for julgada ilícita a acumulação, aplicar-se-á a pena de demissão relativa a todos os cargos ocupados.

- Promoção: ao mesmo tempo, é uma forma de provimento derivado vertical e de vacância de

cargos públicos. - Readaptação: ao mesmo tempo, é uma forma de provimento derivado vertical e de vacância

de cargos públicos. - Exoneração: é o simples desligamento, sem caráter punitivo, do servidor do quadro da

Administração Pública. Pode dar-se a pedido do servidor (em qualquer caso) ou de ofício. Quando se tratar de cargo efetivo, a exoneração de ofício dar-se-á quando não satisfeitas as condições do estágio probatório ou quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido – atos vinculados. Porém, quando tratar-se de cargo em comissão ou função de confiança a exoneração/destituição de ofício dar-se-á a juízo da autoridade competente – ato discricionário.

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Existe ainda outra hipótese de exoneração prevista na CF, que poderá se dar em virtude do excesso de despesa com pessoal (art. 169, §§ 3º e 4º, CF). Essa extinção do vínculo ocorre quando não cumpridos os limites com despesa de pessoal ativo e inativo.

Nesse caso, os entes políticos devem, primeiramente, exonerar 20% dos ocupantes de cargos

em comissão. Após, devem exonerar servidores não estáveis. Mesmo assim, persistindo a insuficiência da medida, devem ser exonerados servidores estáveis, que contarão com 2 garantias: (i) o cargo dele será extinto, não se podendo criar outro, igual ou similar, pelo prazo de, no mínimo, 4 anos; (ii) deverá receber indenização correspondente a 1 mês da remuneração para cada ano de serviço prestado.

De acordo com o art. 33 da EC nº 19/98, considera-se servidor não estável para fins deste

artigo (art. 169, § 3º, II da CRFB/88) os agentes admitidos na administração direta, autárquica e fundacional sem concurso público de provas e de provas e títulos após 5 de outubro de 1983. Esta afirmação é de fundamental importância porque, de acordo com o art. 19 do ADCT, os servidores públicos admitidos há pelo menos 5 anos continuados, sem a prestação de concurso público previsto na forma do art. 37 da CF, e em exercício na data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988) são considerados estáveis no serviço público; logo se enquadram na possibilidade do art. 169, § 4º da CF para fins de perda de vínculo em virtude de excesso de despesa com pessoal.

- Demissão: é uma penalidade imposta ao servidor decorrente de processo administrativo disciplinar, de sentença judicial transitada em julgado ou mediante avaliação periódica de desempenho:

1) Sentença judicial transitada em julgado: são os casos de condenações em processos, por

exemplo, de natureza penal (art. 92, do CP) ou civil (art. 12, Lei 8.429/92). Previsto na Constituição Federal no art. 41, § 1º, I, da CF.

2) Mediante processo administrativo assegurada ampla defesa: aplicada como pena apurada

em processo administrativo disciplinar (art. 41, § 1º, II, da CF). 3) Por procedimento de avaliação periódica de desempenho: inspirada no princípio da

eficiência, a Constituição Federal de 1988 passou a prever a perda do cargo de servidor estável considerado ineficiente, assegurada ampla defesa e contraditório (art. 41, III, da CF). Carecedora ainda de lei complementar regulamentando.

- Aposentadoria: é a transferência para a inatividade remunerada, assegurada ao servidor nos

casos de invalidez, idade ou a pedido (voluntariamente). Foram inúmeras as mudanças nas regras de cunho previdenciário que ocorreram na Constituição Federal de 1988 nos últimos anos, principalmente em 1998 e 2003 (EC nº 19/98 e EC nº 41/03). Há dois regimes previdenciários previstos na Constituição Federal de 1988:

- Regime Geral de Previdência Social (RGPS): aplicável a todos os trabalhadores da iniciativa

privada de caráter contributivo e filiação obrigatória (art. 201 da CF). É o regime aplicável aos empregados públicos, detentores de cargos comissionados, servidores temporários e titulares de mandato eletivo.

- Regime Próprio de Previdência Social (RPPS): aplicável aos servidores públicos titulares de

cargos efetivos e cargos vitalícios de caráter contributivo e solidário (arts. 40; 93, VI; 129, § 4º e 73, § 3º, da CF). Solidário porque tem como fonte de custeio contribuições do ente público, servidores ativos e inativos (julgado constitucional pelo STF a contribuição pelos inativos nas ADIs nº 3.105/DF e

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3.128/DF). Aos demais agentes ocupantes de cargo em comissão, temporário e emprego público aplica-se o RGPS.

13.6.1 MODALIDADES DE APOSENTADORIA Existem na Constituição Federal (EC nº 41/03) três modalidades de aposentadoria:

- Compulsória: com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 anos de idade, ou aos 75 anos de idade, na forma de lei complementar 152/15, que dispõe que serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, (i) os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações; (ii) os membros do Poder Judiciário; (iii) os membros do Ministério Público; (iv) os membros das Defensorias Públicas; (v) os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.

- Por invalidez permanente: se dá quando o servidor é considerado inválido

permanentemente, hipótese na qual os proventos são proporcionais ao tempo de contribuição. A exceção se verifica nos casos de a invalidez decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei (art. 40, § 1º, I), hipóteses em que a aposentadoria será com proventos integrais. Neste último caso, os servidores ingressados até o dia 31.12.2003 (data da publicação da EC nº 41/2003, no texto da qual foram inseridas as mudanças decorrentes da EC nº 70/2012) têm o direito à paridade; os demais terão apenas o direito ao reajuste dos benefícios, em caráter permanente, com o objetivo de preservar-lhes o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei (CF, art. 40, § 8º)131.

- Voluntária: é necessário que tenha cumprido tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício

no serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, e, além disso, que seja observada uma das seguintes condições (art. 40, § 1.º, III, “a” e “b”):

a) 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher; b) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Além disso, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das

funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, os requisitos de idade e contribuição previstos no art. 40, § 1.º, III, “a”, da CF serão reduzidos em 5 anos (art. 40, § 5º). É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores (art. 40, § 4.º): (i) portadores de deficiência; (ii) que exerçam atividades de risco; (iii) cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física132.

131 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 304. 132 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 305.

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13.7 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E CRIMINAL DO SERVIDOR PÚBLICO Por uma única infração, o servidor poderá sofrer 3 sanções: criminal, cível e administrativa,

concomitantemente. A regra geral é que as sanções desses três âmbitos sejam independentes entre si. Em outras palavras, ordinariamente, as decisões das diferentes instâncias não se comunicam.

Na esfera penal, são penalizadas as condutas classificadas como crime ou contravenção. Já no

âmbito cível, penaliza-se a ocorrência de danos (ao Erário ou a terceiros). Por fim, administrativamente, o servidor poderá ser penalizado, no âmbito federal, em relação à Lei 8.112/90. Nos outros âmbitos (estadual/municipal), o regime disciplinar estará previsto no respectivo estatuto de regência.

A exceção se dá se o sujeito vier a ser absolvido na esfera penal (i) por inexistência do fato ou

(ii) por negativa de autoria. Nesses casos, obrigatoriamente ele será absolvido na esfera cível e na administrativa. Essas hipóteses revelam casos em que a independência das instâncias é relativizada.

SERVIÇOS PÚBLICOS

Para a doutrina tradicional, o serviço público é toda a atividade do Estado praticada na busca do interesse público. Essa vertente tem forte relação com a Escola Francesa da Administração Pública, que define a Administração com base na prestação de serviços públicos. Tal doutrina é bastante criticada, tendo em vista a existência de outras atividades praticadas pelo Estado, como as decorrentes do poder de polícia, a consecução de obras públicas, etc. Assim, veremos a seguir, inicialmente, como a doutrina moderna conceitua o serviço público:

14.1 CONCEITO

A conceituação de serviço público é um ponto que gera polêmica na doutrina. São inúmeras as teorias para explicar o que de fato são os serviços públicos, muitas vezes sendo tais teorias diametralmente opostas umas às outras.

Assim, Rafael Maffini reconhece essa dificuldade de definição e chega a afirmar que se tratam os serviços públicos de um “daqueles institutos cujo conceito pode ser 'sentido', mas não tem uma singela expressão verbal”133. Para melhor compreender o que sejam os serviços públicos, pertinente, então, que sejam tais serviços públicos defrontados e distinguidos em relação aos serviços “não públicos”, ou seja, em relação aos serviços que fazem parte do denominado “domínio econômico”.

Nossa Constituição Federal estabeleceu de maneira clara uma linha a dividir os serviços públicos (arts. 175 e 176) daquilo que se concebe como sendo o domínio econômico (arts. 170 a 174). Os serviços públicos são aqueles cuja lei atribui sua prestação ao Poder Público, sendo a máquina pública, portanto a responsável por sua prestação. Todavia, isso não significa que apenas o Poder Público poderá prestar serviços públicos. Empresas privadas poderão fazê-lo, no entanto, sempre mediante a delegação e o controle do Poder Público.

133 MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. Vol. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 181.

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O domínio econômico, por outro lado, é composto por atividades típicas de particulares, as quais podem ser livremente desenvolvidas por estes, independentemente de delegação de Poder Público. Todavia, também não se pode dizer que o Estado é proibido do exercício de atividades tipicamente privadas. O Estado pode atuar neste âmbito, porém, se recomenda que o Estado atue nestas áreas apenas quando sua interferência se fizer necessária.

Justamente por essa aparente confusão, pela possibilidade de empresas privadas prestarem serviços públicos e de o Poder Público desenvolver atividades privadas, pode se dizer que é bastante difícil traçar uma definição precisa acerca do que afinal sejam “serviços públicos”.

Muito embora tais dificuldades, definir é preciso. Para conceituar serviços públicos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro134 refere que serviço público é: “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente ás necessidades coletivas, sob regime total ou parcialmente de direito público”

Rafael Maffini135, por sua vez, adota a definição trazida por Paulo Modesto, perceptivelmente semelhante à de Celso Antonio Bandeira de Mello, para definir serviço público, dizendo que: “é a atividade de prestação administrativa material, direta e imediatamente a cargo do Estado ou de seus delegados, posta concretamente à disposição de usuários determinados ou indeterminados, sob regime de direito público, em caráter obrigatório, igualitário e contínuo, com vistas a satisfazer necessidades coletivas, sob a titularidade do Poder Público”.

Por outro lado, Celso Antônio Bandeira de Mello136, se dispondo a mencionar também quanto à essência do serviço público, leciona que serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de direito público, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

Dessas noções apresentadas, percebe-se que a definição de serviços públicos apresenta alguns elementos que o caracterizam, algumas características que lhe são próprias e que, portanto, nos ajudarão a reconhecê-lo, conforme abordaremos em tópico seguinte.

14.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Existem diversos princípios aplicáveis aos serviços públicos, que são específicos à abordagem dos serviços públicos. Passaremos a abordar sucintamente os principais:

14.2.1 PRINCÍPIO DA MODICIDADE DAS TARIFAS

O princípio da modicidade das tarifas impõe que os serviços públicos sejam remunerados a preços módicos, suficientes para contraprestacionar o pelo serviço. A remuneração pelo serviço deve ser compatível com o poder aquisitivo de seus usuários. Caso ele seja muito caro, ficará restrito a algumas camadas da população.

A modicidade pode ser, inclusive, se prevista no edital, critério de escolha do vencedor em contratos de concessão. A manutenção do equilíbrio econômico-financeira é indispensável.

134 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 100. 135 MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. Vol. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 181. 136 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Não se pode, em nome da modicidade, deixar que o concessionário saia no prejuízo, pois o objetivo do particular é o lucro.

Expressamente previsto no art. 6º, §1º, da lei nº 8.987/95, é por força deste princípio que deve a prestadora do serviço público criar fontes de receita alternativas, complementares ou acessórias, tudo visando o barateamento dos valores cobrados (arts. 9º a 13, da lei nº 8.987/95). É por esse princípio, também, que se utiliza dos mecanismos de reajuste (decorrente de circunstâncias ordinárias, previsíveis, como a atualização monetária) e revisão (decorrente de situações imprevistas, extraordinárias), ambos com a finalidade de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Referente ao tema tarifas existe a súmula nº 545, do STF, que dispõe que os preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu; e outra do STJ, de nº 670, que determina que o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.

14.2.2 PRINCÍPIO DA GENERALIDADE/DA UNIVERSALIDADE

Os serviços públicos devem ser prestados tendo a maior amplitude possível, ou seja, abrangendo o maior número de usuários possível. Da mesma forma que devem ser prestados de forma isonômica, igualitária: sem discriminação entre os usuários.

No entanto, deve-se ter em conta que as necessidades são ilimitadas, mas os recursos são limitados. Assim, dentro da reserva do possível, o Estado deve buscar atingir a universalidade das pessoas.

14.2.3 PRINCÍPIO DO DEVER DE PRESTAÇÃO PELO ESTADO

O Estado é responsável pela prestação do serviço público, seja essa prestação realizada de forma direta ou indireta. Caso o Poder Público não preste o serviço diretamente e o particular que o faz seja responsabilizado, não tendo como arcar com a reparação do dano, o Estado responderá subsidiariamente.

Além disso, em decorrência desse princípio, mesmo se não houver nenhum particular interessado, o Estado tem o dever de garantir que o serviço seja prestado, por decorrência do interesse público.

14.2.4 PRINCÍPIO DA ADAPTABILIDADE/DA ATUALIDADE

O serviço público deve ser prestado de acordo com as mais modernas técnicas de prestação possíveis. Não se exige que seja o meio mais moderno, na área, mas deve-se garantir que ele não seja prestado por meios obsoletos. Está diretamente relacionado ao princípio geral da Administração Pública da eficiência: em tese, a técnica mais moderna é a mais eficiente. A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

14.2.5 PRINCÍPIO DA CORTESIA

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Nesse caso, há relação direta com a educação. A cortesia refere-se com trato do usuário na prestação do serviço. Isso porque o usuário do serviço público, antes de mais nada, é consumidor desse serviço.

14.2.6 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O princípio da isonomia está muito em voga. Significa a garantia da igualdade, na lei e perante ela, entre os usuários. É preciso respeitar as desigualdades existentes no mundo fático e tentar igualar aqueles que são desiguais faticamente. Como exemplo prático da aplicabilidade desse princípio, temos as ações afirmativas referentes ao ingresso em universidades públicas. Nesse caso, a lei determina que seja reservado determinado percentual de vagas para minorias em ensino público superior, que é serviço público.

14.2.7 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

O princípio da continuidade refere-se ao fato de que a prestação de sérvios públicos deva ser contínua, isto é, sem interrupções.

Como exceções a esse princípio, relativas a situações fáticas que ensejam a descontinuidade, temos (i) o exercício do direito de greve; (ii) a exceção de contrato não cumprido, que possibilita que a prestação do serviço público seja suspensa após 90 dias de inadimplemento pela Administração Pública em relação ao pagamento do contatado (art. 78, XV, lei nº 8.666/93).

A legislação prevê ainda, como garantia da continuidade do serviço público, a possibilidade de ocupação temporária de bens pelo Poder Público, em caso de rescisão contratual (art. 80, XV, lei nº 8.666/93).

Além disso, de acordo com o art. 6º, § 3o, da lei nº 8.987/95, não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

- motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e

- por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

14.3 CLASSIFICAÇÃO

Existem diversas classificações que podem ser feitas pelo serviço público:

- Serviços Gerais (uti universi) e Serviços Singulares (uti singoli): essa classificação diz respeito à fruição dos serviços públicos.

Nesse sentido, os serviços gerais são prestados a toda a sociedade e usufruídos simultaneamente por toda a coletividade. Referidos serviços são custeados por meio da receita geral decorrente de impostos. É o caso de serviços de segurança pública, iluminação, etc. No contrário, os serviços singulares são prestados a toda a sociedade, mas a Administração tem como medir a utilização individual de cada um, isto é, o quanto cada pessoa usufrui do serviço. A remuneração por essa modalidade de serviço é feita por meio da cobrança de taxas, revelando a função veritativa da base de cálculo desse tributo. Por exemplo, enquadram-se nessa modalidade os serviços de energia elétrica, de telefonia, etc.

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- Serviço Público Exclusivo Indelegável, Serviço Público de Delegação Obrigatória, Serviço Público Exclusivo com a Possibilidade de Delegação e Serviço Não Exclusivo: essa classificação diz respeito à prestação dos serviços públicos.

Nessa linha, serviço público exclusivo indelegável, também classificado como serviço público próprio, a Administração tem o dever de prestá-lo e só fazê-lo diretamente. Não se admite delegação a particulares. A título exemplificativo dessa modalidade, podemos citar o serviço postal e correio aéreo nacional. Nesse último caso, explica-se o regime de Fazenda Pública atribuído à EBCT. É possível a delegação da entrega de encomendas/impressos, apenas. Outros exemplos referem-se a serviços como a administração de tributos e a organização judiciária.

Em referência a serviço público de delegação obrigatória, também classificado como serviço público próprio, tem-se que eles são prestados pelo Estado de forma direta, mas ele tem também o dever de delegá-los a particulares, não podendo ser o único a prestar esses serviços. Como exemplos, temos o serviço de televisão e de rádio. Não se admite o monopólio do Estado.

Já no que concerne ao serviço público exclusivo com a possibilidade de delegação, também classificado como serviço público próprio, temos serviços públicos exclusivos delegáveis, isto é, aqueles em que há a possibilidade de delegação. Nesses casos, o Estado poderá prestar diretamente ou pode delegar a particular, que o prestará mediante promoção do Poder Público. A título exemplificativo, podemos citar o transporte público, o serviço de energia elétrica e de telefonia.

Finalmente, no que tange ao serviço público não exclusivo, também classificado como serviço público impróprio, tem-se que o Estado tem o dever de prestá-lo, enquanto que o particular tem o poder de prestá-lo, independentemente de delegação, por iniciativa própria. São exemplos a saúde e a educação. A autorização, nesse caso, decorre do exercício do poder de polícia pelo Poder Público, em atividade fiscalizatória. No entanto, nesse caso, a prestação pelo particular não desonera o Estado do dever de prestá-los. Nessa linha, temos corrente doutrinária e jurisprudencial que defende que, quando serviço público não exclusivo é prestado por particular, não se trata, na realidade, de serviço público. Isso porque lhe falta o requisito do elemento subjetivo. Aí a nomenclatura mais acertada seria serviço de utilidade pública/serviço de relevância pública/serviço público impróprio.

- Serviço Próprio/Serviço Impróprio: essa classificação diz respeito ao elemento subjetivo na prestação dos serviços públicos.

Nessa linha, serviço público próprio diz respeito à presença do Estado na prestação do serviço, seja de forma direta ou indireta. Nesse caso, haverá desoneração do Estado, pois ele já está prestando o serviço. Já no serviço público impróprio não é o Estado que está prestando o serviço público, mas sim, o particular, por sua conta e risco. Não há delegação nem desoneração do Estado.

14.4 SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O art. 175, CF prevê que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. A lei regulamentadora desse dispositivo é a lei nº 8.987/95.

Para que melhor compreendamos o que afinal sejam os serviços públicos, pertinente que atentemos às características de tais serviços. Aqui, nos inspiraremos na lição de Alexandre Mazza137, que elenca as seguintes características dos serviços públicos:

1) Substrato material: o serviço público é uma tarefa concreta, não uma atividade meramente intelectual ou normativa, cuja titularidade é do Estado. Serviços públicos são, então, o oferecimento de utilidades ou comodidades materialmente fruíveis, como o transporte coletivo, distribuição de água, energia elétrica, etc.

137 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Saraiva. 2013. p. 662 e 663.

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2) Possui natureza ampliativa: o serviço público não se consubstancia numa atividade de

restrição ou limitação imposta a particular (como ocorre com o poder de polícia). Ao contrário, consiste no oferecimento de vantagens, comodidades ou utilidades aos cidadãos. Assim, os serviços públicos vêm sempre para beneficiar e ajudar os cidadãos.

3) Substrato material (prestada pelo Poder Público ou por meio de delegação): o serviço

público será sempre de titularidade de uma entidade da Administração Direta. Esta é, portanto, responsável por sua entrega à sociedade. Porém, sua prestação poderá ser outorgada a entidades da Administração Indireta ou delegada a particulares, por meio de contratos de concessão ou permissão (as regras para esta delegação estão previstas na lei 8.987/95). Fique claro que apenas a prestação do serviço é delegada a particulares, permanecendo sempre o Poder Público como o titular de tal serviço.

4) Elemento subjetivo (sob regime de direito público): os serviços públicos são aqueles

estabelecidos por lei como sendo públicos. Assim, a prestação dos serviços públicos se dá com base em princípios e regras do direito público, ou seja, da legislação administrativa. Todavia, aos serviços públicos, se admite a incidência de algumas regras de direito privado, tais como o Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/90).

5) Com vistas à satisfação de necessidades primárias ou secundárias da coletividade: em

regra, os serviços públicos virão para proporcionar suprir necessidades vitais, ou para trazer comodidades não fundamentais aos cidadãos e à coletividade. A relevância social não é, então, condição única para determinar se um serviço é público ou não. O que caracteriza um serviço público é, propriamente, a vontade do legislador ao estabelecer uma determinada atividade como sendo de competência do Poder Público.

14.5 REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE

A exigência do gerenciamento eficiente de atividades trouxe consigo o advento de novas fórmulas de gestão do Estado. Para enfrentar as vicissitudes decorrentes da adequação aos novos modelos exigidos para a melhor execução de suas atividades, algumas providências têm sido adotadas e outros rumos têm sido tomados, visando à qualificação do Estado como organismo qualificado para o atendimento das necessidades da coletividade138.

Uma das formas de implementar essa finalidade foi a desestatização, transferindo à iniciativa privada atividades que o Estado exercia de forma dispendiosa e indevida. O afastamento do Poder Público dessas atividades passou a exigir a instituição de órgãos reguladores, como passou a constar no art. 21, XI, da CF, com a redação da EC nº 08/95, e do art. 177, §2º, III, com a redação da EC nº 09/95. Pela função da natureza da função a ser exercida, foram então criadas, sob a forma de autarquias (agências autárquicas ou governamentais), as denominadas agências reguladoras, entidades com típica função de controle.

A essas autarquias reguladoras foi atribuída a principal função de controlar, em toda a sua extensão, a prestação de serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passam a executá-los. Em outras palavras, cabe às agências reguladoras a função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime da concessão139.

São exemplos de agências reguladoras as seguintes, que tem atuação relativa à atividade que visam a regular:

138 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 355. 139 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 495.

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- ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica): lei nº 9.427/96;

- ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações): lei nº 9.472/97;

- ANP (Agência Nacional do Petróleo): lei nº 9.478/97;

- ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária): lei nº 9.782/99;

- ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar): lei nº 9.961/00;

- ANA (Agência Nacional de Águas): lei nº 9.984/00;

- ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres): lei nº 10.233/01;

- ANTAq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários): lei nº 10.233/01;

- ANCINE (Agência Nacional de Cinema): medida provisória nº 2.228-1, de 06.09.2001;

- ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil): lei nº 11.182/05.

14.6 FORMAS DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E DELEGAÇÃO E OUTORGA

Conforme já referimos antes, de acordo com o disposto no art. 175, da CF, a titularidade do serviço público será sempre do Poder Público (União, Estados Distrito Federal e Municípios).

No entanto, também como já vimos anteriormente, o fato de o Estado ser titular de serviços públicos não significa que deva necessariamente prestá-los diretamente, já que poderá delegar sua prestação a outras entidades estranhas ao aparelho estatal (empresas privadas).

A delegação de serviços públicos à iniciativa privada está disciplinada pela lei nº 8.987/95, que concebeu os mecanismos chamados “concessão” e “permissão”. Os serviços públicos, conforme já citado, são invariavelmente de titularidade do Poder Público. Este, no entanto, não necessariamente se encarregará de sua prestação, pois a prestação poderá se dar de maneira direta ou indireta:

14.6.1 PRESTAÇÃO DIRETA

Ocorre quando o serviço é prestado diretamente pelo próprio Estado, que assume para si a prestação de serviço cuja titularidade já havia lhe sido conferida por lei. A prestação direta de serviços públicos pode se dar (i) a partir do próprio Estado; ou (ii) por terceirização, com o auxílio de particulares.

No primeiro caso, o serviço é prestado diretamente pelo próprio Estado quando ele próprio, por meio de seus próprios servidores, presta o serviço à coletividade. Não existe a intervenção ou a contratação de nenhum terceiro ou particular para a sua prestação. Podemos citar, como exemplo, a manutenção de ruas e canteiros de uma região urbana, quando realizados pelas próprias equipes de servidores de um município.

Já na segunda hipótese, o serviço será prestado por terceirização, com auxílio de particulares, quando o Poder Público contrata e ele mesmo remunera uma empresa privada para a prestação de um serviço. Aqui não é o usuário do serviço quem diretamente paga pelo serviço prestado, mas sim o próprio Poder Público, por meio de recursos captados com os impostos. Nesse caso, tomemos como exemplo a contratação de uma empresa para fazer a coleta de lixo das ruas, ou para fazer a limpeza de um prédio público.

Saliente-se que a terceirização não pode ser confundida com uma hipótese de delegação (concessão ou permissão). Conforme veremos a seguir, na delegação de um serviço público, seja por concessão ou por permissão, o Estado permite que empresa privada explore economicamente o serviço público, mediante cobrança de tarifa por parte dos usuários.

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14.6.2 PRESTAÇÃO INDIRETA OU DESCENTRALIZADA

Haverá a prestação indireta ou descentralizada de serviço público quando o Poder Público constituir entidade da Administração Indireta especificamente para este fim, ou quando delegar sua prestação a empresa privada, mediante processo precedido de licitação.

Nesse sentido, a prestação indireta (ou descentralizada) se dará por outorga sempre que for criada uma entidade da administração indireta (autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista) para esse fim.

Conforme refere Alexandre Mazza140 que “a remuneração paga pelo usuário à entidade descentralizada prestadora do serviço tem natureza de taxa”. Taxas, conforme estabelecido pelo art. 77, do Código Tributário Nacional, são tributos que têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

A responsabilidade pela reparação de eventuais danos decorrentes da prestação de serviços outorgados é objetiva (independe de dolo ou culpa – art. 37, § 6º, da CF) e cabe à entidade descentralizada outorgada, e não à entidade da administração direta outorgante. Porém, a administração direta poderá responder subsidiariamente pelo valor da indenização na hipótese de o orçamento da entidade descentralizada não serem suficientes para suportar o montante indenizatório.

Podemos citar como exemplos de serviços públicos prestados indiretamente por outorga o serviço postal, exercido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT, e o serviço de saneamento básico prestado pela Companhia Riograndense de Saneamento - CORSAN.

Por outro lado, a prestação indireta (ou descentralizada) por delegação se dá mediante a firmação de contrato de concessão ou permissão junto a empresas privadas, após regular processo de licitação. Aqui, o Poder Público consente que empresa particular preste serviço, mediante o pagamento de tarifa por parte dos usuários.

É de extrema importância que se tenha bem clara a distinção entre serviço terceirizado e serviço delegado. Na terceirização, como vimos antes, a remuneração da empresa terceirizada é toda paga pelo Poder Público.

Ao contrário, na delegação, não há qualquer tipo de contraprestação paga pelo Estado. A remuneração da empresa delegada é composta exclusivamente pelos valores pagos pelos usuários. Justamente por esse motivo, somente os serviços considerados uti singuli poderão ser delegados a particulares.

A responsabilidade por danos causados a usuários ou terceiros em razão da prestação do serviço é objetiva do concessionário ou permissionário, respondendo o Estado, portanto, somente de maneira subsidiária. São exemplos de serviços prestados por delegação o transporte aeroviário, telecomunicações e distribuição de energia elétrica.

14.7 CONCESSÃO

Conforme conta no art. 2º, II, da lei nº 8.987/95, concessão é “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

140 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Saraiva. 2013, p. 671.

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As concessões são formalizadas junto a pessoas jurídicas, ou consórcios de empresas (jamais pessoas físicas), por meio de contrato (bilateral, formal, oneroso, comutativo e intuito personae), sempre precedido de licitação na modalidade concorrência.

Quanto à essência do instituto, no entender de Celso Antônio Bandeira de Mello141, concessão é aquele segundo o qual o Poder Público delega o exercício de um serviço público à empresa que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de equilíbrio econômico-financeiro, remunerado pela própria prestação dos serviços, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.

Podemos, pois, reconhecer algumas características ínsitas à concessão de serviço público:

- Como partes da concessão, temos, de um lado, (i) o concedente, como o Poder Público; e (ii) a concessionária, que poderá ser uma pessoa jurídica ou um consórcio de empresas, mesmo que o consórcio ainda não esteja firmado. Basta termo que comprometa as empresas a firmarem o contrato, caso sejam vencedoras da licitação. Se vierem a vencer a licitação, deverão firmar o consórcio antes do contrato de concessão. A concessão jamais poderá ser celebrada com pessoas físicas.

- Há exigência de formalização da concessão por meio de contrato, que deverá ser sempre precedido de licitação na modalidade concorrência, independentemente do valor do contrato. Além disso, na concessão, os critérios de escolha do vencedor poderão ser outros que não os critérios previstos na lei nº 8.666/93. O edital de licitação para concessão de serviço público poderá prever uma inversão das fases de habilitação e classificação – nesse caso, não é a lei de concessão que prevê, mas faculta ao edital que inverta.

- O contrato de concessão seguirá as regras atinentes aos contratos administrativo e terá as condições de prestação são fixadas pelo Poder Público e poderão ser por ele alteradas unilateralmente;

- O serviço é prestado por conta e risco da empresa concessionária, que aufere sozinha seus lucros, mas também arca com eventuais prejuízos;

- O contrato de concessão, assim como os contratos administrativos, em geral, deverá prever cláusulas garantidoras do equilíbrio econômico. Assim, caso as alterações unilateralmente postas pelo Poder Público venham a onerar ou desonerar a prestação dos serviços, tais mudanças deverão ser repassadas ao preço da tarifa;

- É firmado mediante prazo determinado embora não seja o mesmo daquele previsto no art. 57, lei nº 8.666/93;

- A remuneração da concessão é feita basicamente pela exploração do serviço concedido, a partir da cobrança de tarifa. Todavia, ressalte-se: o fato de a remuneração decorrer principalmente de do valor das tarifas não exclui a possibilidade de que sejam também previstas outras fontes de recursos para compor-lhe a remuneração (art. 11, da lei nº 8.987/95).

14.8 PERMISSÃO

A definição de permissão demanda um maior aprofundamento teórico e um esmiuçamento mais aprofundado. Isso porque a lei nº 8.987/95 é tecnicamente confusa e passível de inúmeras interpretações distintas. De acordo com o art. 2º, IV, da lei nº 8.987/95, permissão é a “a delegação,

141 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 690.

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a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco”.

Além do contido no dispositivo acima, as permissões também são mencionadas no art. 40, da lei nº 8.987/95, a qual refere que a permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos do referido diploma, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.

De acordo com o que se extrai dos dispositivos acima mencionados, as permissões poderão ser formalizadas junto a pessoas físicas ou jurídicas, mediante contrato de adesão, precedido sempre de licitação de qualquer modalidade (concorrência, tomada de preços, convite ou pregão).

No entanto, o que verdadeiramente parece diferenciar a permissão enquanto modalidade de delegação de serviços públicos, conforme a lei nº 8.987/95, é o fato de ter natureza precária, ou seja, de poder ser desconstituída a qualquer tempo pela Administração Pública, com base em meros critérios de conveniência e oportunidade.

A despeito da previsão legal, devemos ter em mente as características gerais dos contratos administrativos. Isso porque a regra regente prevê que contrato administrativo não pode ser precário. Caso ele venha a ser rescindido unilateralmente, por exemplo, caberá, ao Poder Público, o dever de indenizar.

Assim, prevalece o entendimento na doutrina de que a natureza contratual da permissão se sobrepõe sobre a precariedade. A despeito de existirem posições contrárias em outra parte da doutrina, deve ser considerado o disposto na Constituição. Assim, sendo a permissão um contrato administrativo, não pode ela ser precária. Como todo contrato administrativo, ela deverá ocorrer mediante licitação e por prazo determinado.

Em síntese, temos as seguintes características da permissão:

- Admite-se celebração de permissão com pessoas físicas ou jurídicas;

- A formalização da concessão ocorrerá mediante contrato de adesão, sempre precedido de licitação sob qualquer modalidade;

- Deverão ser previstas cláusulas garantidoras do equilíbrio econômico no próprio contrato de permissão;

- O serviço é prestado por conta e risco da empresa permissionária, que aufere sozinha seus lucros, mas também arca com eventuais prejuízos;

- As condições de prestação do serviço permitido são fixadas pelo Poder Público e poderão ser por ele alteradas unilateralmente.

14.9 FORMAÇÃO DE EXTINÇÃO DAS CONCESSÕES E DAS PERMISSÕES

Várias são as formas de extinção das concessões e das permissões expostas no art. 35, da lei nº 8.987/95, as quais serão objeto de breve comentário.

Em relação aos efeitos, é importante referir que, havendo a extinção da concessão, deverão retornar ao Poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário, conforme previsto no edital e estabelecido no contrato. Em outras palavras, haverá, nesse caso, a transferência da propriedade ao Estado mediante indenização ao concessionário.

Além disso, em virtude da extinção da concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

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14.9.1 ADVENTO DO TERMO CONTRATUAL

O advento do termo contratual é a forma convencional de extinção da concessão ou da permissão. O esgotamento do prazo da concessão implica no retorno do serviço ao poder concedente, bem como dos bens reversíveis, direitos e privilégios, bem como com a assunção imediata do serviço pelo poder concedente (art. 35, I e §§1º, 2º e 3º, da lei nº 8.987/95).

Referida forma de extinção difere das demais porque elas dar-se-ão durante o prazo contratual da mesma.

14.9.2 ENCAMPAÇÃO

A encampação pode ser conceituada como o encerramento da concessão por ato unilateral e discricionário do concedente, ainda durante o transcurso do prazo inicialmente fixado, por motivo interesse público, relacionado a critérios de conveniência e oportunidade (mérito), independentemente do cometimento de qualquer irregularidade por parte da empresa concessionária.

Em termos de previsão legal, encontra-se descrita nos arts. 35, II, e 37, da lei nº 8.987/95. Nesse caso, não há qualquer inadimplência por parte da concessionária, mas sim, interesse do Poder Público na retomada do serviço concedido.

Essa modalidade de extinção de contrato de concessão/permissão é também chamada de resgate e se dará mediante o atendimento de 2 requisitos básicos: (i) lei autorizativa e (ii) prévio pagamento de indenização, correspondente aos investimentos vinculados e bens reversíveis ainda não amortizado.

14.9.3 CADUCIDADE

Prevista nos arts. 35, III, e 38, da lei nº 8.987/95, a caducidade pode ser declarada unilateralmente pelo poder concedente/permitente sempre que houver o descumprimento de cláusulas contratuais ou normas legais por parte da concessionária, por inadimplemento ou por adimplemento defeituoso.

Para declarar a caducidade, o Poder concedente/permitente deverá instaurar um processo administrativo, assegurando o direito à ampla defesa e ao contraditório, com o intuito de comprovar a inadimplência do concessionário, até chegar à declaração de caducidade. Referida declaração será formalizada por decreto do poder concedente/permitente, independentemente de prévia indenização. Importante atentar aí que a indenização pela caducidade é devida, nos mesmos moldes da encampação, com a ressalva de que não é prévia.

Sempre que houver a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária ou permissionária sem prévia anuência do poder concedente, haverá a caducidade prevista no art. 27, da lei nº 8.987/95, decretada obrigatoriamente. Nesse caso, para fins de obtenção da referida anuência, o pretendente deverá: (i) atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e (ii) comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

14.9.4 RESCISÃO

A rescisão contratual é a única forma, prevista em lei, que a concessionária tem de extinguir uma concessão por sua iniciativa. Está fundada no descumprimento das normas contratuais pelo Poder concedente. Somente poderá ocorrer mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. A despeito dessa previsão, os serviços não poderão deixar de ser prestados (interrompidos

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ou paralisados) pela concessionária até o trânsito em julgado da decisão. É a aplicação do princípio da continuidade do serviço público, e vedação da alegação da exceptio non adimpleti contractus (art. 39, da lei nº 8.987/95).

14.9.5 ANULAÇÃO

A anulação será declarada quando houver vício de legalidade na licitação ou no contrato de concessão ou permissão. Assim, poderá ser declarada pela Administração Pública, no exercício da autotutela, ou mesmo pelo Poder Judiciário, no exercício de atividade jurisdicional.

Os efeitos produzidos serão, nesse caso, ex tunc, isto é, retroativos, possuindo o mesmo sentido da anulação estudada no tocante aos atos administrativos.

14.9.6 FALÊNCIA OU EXTINÇÃO DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA E FALECIMENTO OU INCAPACIDADE DO TITULAR, NO CASO DE EMPRESA INDIVIDUAL

A decretação da falência do concessionário ou do permissionário acarretará automaticamente a extinção da concessão, por ser declaração manifesta de que o concessionário não está em condições de exercer suas atividades.

Ademais, a morte do permissionário pessoa física opera extinção da permissão por razões idênticas.

14.10 AUTORIZAÇÃO

A autorização tem natureza jurídica de ato administrativo discricionário, precário, pelo qual o Poder Público outorga a alguém o exercício de certa atividade. São exemplos práticos corriqueiros da autorização o exercício profissional como taxista, serviços de saúde, de segurança provada privada, etc.

Os casos de autorização de serviço não são precedidos procedimento licitatório e independem da celebração de contrato, pois são atos administrativos (unilaterais). São, assim, modalidades de serviço adequadas às atividades que não exigem execução direta pela Administração, nem mesmo grande especialização.

Os serviços autorizados não se beneficiam das prerrogativas das atividades públicas. Ademais, eles só auferem as vantagens que lhes forem expressamente deferidas no ato da autorização, e sempre sujeitas à modificação ou supressão sumária, dada a precariedade ínsita desse ato.

A doutrina refere que, na verdade, os serviços autorizados, não podem ser classificados como serviços públicos propriamente ditos, mas sim, como serviços privados que exigem, para sua prestação, a aquiescência do Poder Público. Caracterizam-se por serem serviços em que o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis ou emergência transitória.

A contratação desses serviços com o usuário é sempre uma relação de Direito Privado, sem participação ou responsabilidade do Poder Público. Com efeito, os executores desses serviços não são agentes públicos; não praticam atos administrativos. Do contrário, prestam, apenas, um serviço de interesse da comunidade.

14.11 PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

A lei nº 11.079/04 instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPP) no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aplica-se aos

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órgãos da Administração Pública direta dos Poderes Executivo e Legislativo, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Nesse particular, é importante destacar que a natureza da lei nº 11.079/04 é mista, uma vez que parte de suas regras é aplicável a todos os entes da federação (configurando lei nacional), enquanto as disposições contidas nos arts. 14 a 22 somente são aplicáveis à União (constituindo-se em lei federal) 142.

A figura das PPPs foi concebida com o objetivo de atrair investimentos do setor privado para projetos de infraestrutura que demandam capital de grande vulto, constituindo nova forma de participação do setor privado na gestão pública. As parcerias público-privadas também são chamadas de concessão especial pela doutrina, como forma de diferenciá-las da concessão comum já abordada143.

Deve-se ressaltar ainda que existem 2 modalidades de concessão especial: a concessão patrocinada, modalidade na qual, além de ser remunerada pelo usuário, a empresa concedente também é patrocinada pelo Estado. A finalidade é a manutenção da modicidade das tarifas, justamente por haver 2 fontes de renda: aquela que decorre da tarifa paga pelo usuário e a do Poder Público. De acordo com a lei, de regra, a empresa concessionária não poderá receber do Estado mais de 70% de sua contraprestação; ao menos 30% deve ser recebido por meio da remuneração paga pelo usuário.

Já na concessão administrativa a própria Administração é usuária direta ou indireta do serviço público, ficando responsável pelo pagamento de 100% das tarifas. Nesse caso, o Poder Público paga as tarifas referentes à prestação do serviço.

No que tange às regras aplicáveis às PPPs, qualquer que seja a modalidade adotada, temos algumas vedações temporais, de valor e relativas ao objeto. No primeiro caso, temos que o prazo mínimo para estabelecimento das PPPs é de 5 anos; e o máximo, de 35 anos. Seguindo, essa modalidade de contratação ainda exige que o valor mínimo do investimento seja de R$ 20 milhões. Finalmente, no que tange ao objeto, é vedada a celebração de parceria público-privada que tenha como objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2.º, § 4.º, III).

Além disso, em relação às formalidades para a contratação, temos que a pactuação de PPP deve ser sempre precedida de licitação na modalidade concorrência. Nesse caso, o edital poderá prever a inversão das fases de habilitação e de classificação. Além disso, poderá ser prevista a formulação de lances verbais. Outro ponto de especificidade refere-se à possibilidade de exigência de prestação de garantia da Administração ao particular. Nesse ponto, as obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:

– vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167, da CF;

– instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;

– contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;

– garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;

– garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;

142 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 590-591. 143 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 590-591.

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– outros mecanismos admitidos em lei.

A lei veda que tal garantia seja prestada na forma de cessão de crédito tributário, pois, nesse caso, haveria a exigência de lei complementar. Referida garantia não exclui a prestação de garantia por parte do particular à Administração Pública.

Aplica-se, nos contratos de PPP, o compartilhamento de riscos decorrentes da prestação de serviços, isto é, a responsabilidade solidária entre o parceiro público e o privado. Assim, o Estado acaba por também assumir o risco do negócio. Essa previsão implica na diminuição dos custos. No momento em que a Administração Pública lastreia o contrato, o Estado vira garantidor do instrumento, o que possibilita o alcance de melhores condições financeiras, por exemplo. Além disso, a lei também determina que deve haver o compartilhamento dos ganhos decorrentes da redução dos riscos.

As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da lei no 8.987/95 (cláusulas essenciais do contrato de concessão), no que couber, devendo também prever:

– o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5, nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação;

– as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;

– a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;

– as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais;

– os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;

– os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia;

– os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado;

– a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da lei no 8.666/93, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da lei no 8.987/95;

– o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;

– a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.

– o cronograma e os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços, sempre que verificada a hipótese do § 2o do art. 6o, da lei nº 11.079/04.

Além disso, o contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa.

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No que tange à gestão dos contratos de PPP, a lei estabelece que deve ser criada sociedade de propósito específico (SPE), isto é, sociedade na qual o Estado e os particulares são sócios. Referida sociedade irá gerir o contrato de PPP, operando na divisão dos custos, dos ganhos, etc. Poderá ser constituída sob a forma de companhia de capital aberto. A sociedade deverá ser criada ao final da licitação, mas antes da celebração do contrato. Ao final do contrato, ela estará automaticamente extinta. A legislação ainda veda que o parceiro público tenha o controle acionário da sociedade de propósito específico, detendo a maioria do capital votante das sociedades de propósito específico.

Existem algumas normas previstas na lei nº 11.079/04 que são aplicáveis apenas à União. Nesse sentido, há a previsão da criação, pela União, de órgão gestor de parcerias público-privadas federais, mediante decreto, e de fundo garantidor.

Assim, no âmbito da União, houve a criação do Comitê Gestor das PPPs, que se destina, inclusive à fiscalização, instituindo regras e definindo metas. Assim, são competências do referido Comitê Gestor:

- propor ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime;

- disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações;

- autorizar a abertura de procedimentos licitatórios e aprovar os instrumentos convocatórios e de contratos e suas alterações;

- apreciar e aprovar os relatórios semestrais de execução de contratos de parceria público-privada, enviados pelos Ministérios e Agências Reguladoras, em suas áreas de competência;

- elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União relatório anual de desempenho de contratos de parceria público-privada e disponibilizar, por meio de sítio na rede mundial de computadores (Internet), as informações nele constantes, ressalvadas aquelas classificadas como sigilosas;

- aprovar o Plano de Parcerias Público-Privada - PLP, acompanhar e avaliar a sua execução;

- estabelecer os procedimentos e requisitos dos projetos de parceria público-privada e dos respectivos editais de licitação, submetidos à sua análise pelos Ministérios e Agências Reguladoras;

- estabelecer modelos de editais de licitação e de contratos de parceria público-privada, bem como os requisitos técnicos mínimos para sua aprovação;

- estabelecer os procedimentos básicos para acompanhamento e avaliação periódicos dos contratos de parceria público-privada;

- elaborar seu regimento interno; e

- expedir resoluções necessárias ao exercício de sua competência.

Ademais, há a previsão da criação de Fundo Garantidor das PPPs, que é uma entidade privada, constituída sob a personalidade jurídica de direito privado, formada pela junção das pessoas (entes) da Administração Pública Federal: União, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista. Esse Fundo destina-se a garantir todos os contratos de PPPs no âmbito federal. Caberá aos entes federativos integralizar as cotas, que tem valor global de R$ 6 bilhões, tendo por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais.

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A despeito da existência do Fundo Garantidor, temos que ele não poderá ser utilizado a qualquer tempo. É preciso que o parceiro privado demonstre o inadimplemento reiterado para que o Fundo seja acionado, a fim de que ele receba o valor referente aos prejuízos causados.

14.12 CONVÊNIOS

Os convênios podem ser definidos como os ajustes entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas, em que se estabelecem a previsão de colaboração mútua, visando à realização de objetivos de interesse comum144.

Nos convênios, os interesses das partes são comuns; já nos contratos administrativos tradicionais, classicamente, temos que os interesses são distintos. Por isso a distinção na nomenclatura: enquanto que, nos contratos, existem partes, nos convênios, temos partícipes.

No que se refere ao regramento legal, temos que, por força do art. 116, lei nº 8.666/93, aplicam-se as disposições de referido diploma legal, no que couber, aos convênios celebrados por órgãos e entidades da Administração.

A celebração de convênio depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:

I - identificação do objeto a ser executado;

II - metas a serem atingidas;

III - etapas ou fases de execução;

IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;

V - cronograma de desembolso;

VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;

VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.

Em termos formais, assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva. Essa comunicação ocorre com a finalidade de controle externo a posteriori do Poder Legislativo, dado que o STF145 entende ser inconstitucional norma que exige autorização legislativa para o Poder Executivo firmar convênio, sob o argumento de que isso fere a independência dos Poderes146.

Nesse sentido, as parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes:

- quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida, na forma da legislação aplicável, inclusive mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão competente do sistema de controle interno da Administração Pública;

- quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas, práticas atentatórias aos princípios fundamentais

144 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 464. 145 STF, ADI nº 1.166-9, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.11.2002. 146 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 465.

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de Administração Pública nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais básicas;

- quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas pelo partícipe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo sistema de controle interno.

Obrigatoriamente, enquanto não utilizados, se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, os saldos de convênio serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.

14.13 CONSÓRCIOS

Os consórcios públicos constituem figura prevista para a realização de objetivos de interesse comum. Não possuem natureza jurídica de contrato, pois as vontades são convergentes. Trata-se de gestão associada de pessoas – entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que executam a mesma atividade. Regem-se pela lei nº 11.107/05.

Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado.

Eles poderão outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público, que deverá indicar de forma específica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as condições a que deverá atender, observada a legislação de normas gerais em vigor.

A celebração de consórcio público dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções. O consórcio público ganha personalidade jurídica apartada dos entes federativos. É nova pessoa jurídica, com patrimônio e pessoal próprios, sendo titular de direitos e obrigações. Constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.

Sendo associação pública, terá personalidade jurídica de direito público. A associação pública é uma espécie de autarquia, constituindo autarquia associativa, integrante da Administração Indireta de cada ente que forma o consórcio público. No conceito de autarquia está incluído o de associação pública. Nesse sentido, vale a regra aplicável às autarquias: lei específica cria autarquias; lei específica autoriza a criação de fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. A associação pública segue o regime regente das autarquias: sujeita-se à supervisão ministerial, possui imunidade tributária e conta com prerrogativas processuais.

Classificada como associação privada, o consórcio terá personalidade jurídica de direito privado. Seguirá, nesse caso, um regime híbrido: não gozará das prerrogativas inerentes ao regime especial de Direito Administrativo, mas se submeterá a limitações públicas, tais como as decorrentes do controle por Tribunais de Contas, dever de licitar, etc.

A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados. Assim, por exemplo, consórcio entre a União, o Estado do Rio grande do Sul e o Município de Porto Alegre poderá ocorrer. No entanto, caso ele se restrinja à participação da União e do Município de Porto Alegre, não estará em conformidade com os regramentos legais.

Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio. O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por

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objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos.

É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito. Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.

O consórcio poderá, ainda, celebrar contrato de concessão com o Poder Concedente, transmitindo a prestação de determinados serviços públicos a particulares. Quando o consórcio atua como Poder Concedente, poderá executar a desapropriação. Não poderão declarar a utilidade pública para desapropriação, pois essa é prerrogativa exclusiva dos entes federativos.

Qualquer que seja a natureza da personalidade jurídica da pessoa jurídica constituída, o consórcio estará obrigado a licitar. No entanto, a legislação prevê que a regra geral de dispensa para realização de licitações seja dobrada, em relação aos consórcios. Assim, temos que será dispensada a licitação no caso de obras na monta de até R$ 30.000.00 e, em relação a bens e serviços, no valor de até R$ 16.000,00, isto é, o dobro dos patamares de valores admitidos para o convite. Nesse sentido, temos que os patamares de valores para as modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços e convite) duplicam-se, se o consórcio for formado por até 3 entes federativos. Caso o consórcio seja formado por mais de 3 entes federativos, os valores das modalidades licitatórias da lei nº 8.666/93 são triplicados. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato formal de seu representante na assembléia geral, na forma previamente disciplinada por lei. Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação. A retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

Para abordar a temática da intervenção do Estado na Ordem Econômica, precisamos realizar uma distinção necessária entre os campos de atuação do Poder Público:

- Primeiro Setor: é o campo próprio de atuação do Estado (setor público).

- Segundo Setor: é o campo próprio da iniciativa privada (setor privado), que visa ao lucro. Via de regra, o Estado não atua propriamente nessa área, mas nela desempenha atividades de intervenção direta ou indireta, regulando as liberdades individuais e a propriedade privada em prol da coletividade. Nesse caso, dentro da atuação estatal tomada em sentido amplo, essas atividades são conceituadas como intervenção, termo utilizado para designar as situações em que o Estado interfere no setor privado (Segundo Setor), pois nesse caso está atuando em área de outrem.

- Terceiro Setor (setor público não estatal): é composto por organizações de natureza privada, sem objetivo de lucro, que, embora não integrem a Administração Pública, dedicam-se à consecução de objetivos sociais ou públicos. Essas entidades são também chamadas de públicas não estatais. São públicas porque prestam serviço de interesse público; são “não estatais” porque não integram a

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Administração Pública direta ou indireta. Em razão de atuarem ao lado do Estado, colaborando na prestação de serviços de interesse público, recebem ainda a denominação de entes de cooperação ou entidades paraestatais (que atuam ao lado do Estado)147. É importante referir aqui uma distinção importante, que se refere ao fato que "o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal. (...) Intervenção indica, em sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularidade do setor privado"148. Assim, temos que, quando o Estado sai de seu campo próprio (1º setor) para atuar na seara própria da iniciativa privada (2º setor), há uma interferência, o que o Poder Público faz por meio de modalidades interventivas, que podem se enquadrar em alguma das seguintes situações:

- Intervenção direta no domínio econômico: é a atuação por meio de empresas criadas pelo Estado para desempenharem atividades econômicas, na forma do art. 173, da CF. Tal intervenção, segundo Eros Grau, se dará por absorção (caso a empresa estatal atue em regime de monopólio) ou por participação (caso a empresa atue em regime de concorrência com a iniciativa privada)149.

- Intervenção indireta sobre o domínio econômico: é a atuação por meio de regulação e exercício de poder de polícia, ordenando, consentindo e fiscalizando as atividades desempenhadas pelas empresas privadas, bem como mediante incentivos que levem o setor empresarial privado a praticar condutas socialmente relevantes (fomento público). No primeiro caso (regulação), Eros Grau fala em intervenção por direção; no segundo (fomento), em intervenção por indução150.

A doutrina151 ainda divide a interferência do Estado na ordem econômica em 3 modos, a saber:

(i) através do seu poder de polícia, isto é, mediante a edição de leis e atos administrativos expedidos para executá-las, como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, caso no qual exercerá suas funções de “fiscalização” e em que o “planejamento” que conceber será meramente indicativo para o setor privado e determinante para o setor público, tudo conforme prevê o art. 174;

(ii) por meio da atuação própria do Estado empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e

(iii) mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido.

No âmbito da intervenção direta do Estado no domínio econômico tem-se então a chamada Administração indireta empresarial, expressão cunhada em sentido amplo, para fins de designar a atuação do Estado como empresário do setor econômico. Nesse caso, está-se referindo a um conjunto de entidades estatais, formal e substancialmente distintas daquelas que integram a Administração indireta autárquica ou fundacional. Essa situação demanda cautela especial do aluno, a fim de não confundir o uso de dois termos aparentemente paradoxais: mesmo que a intervenção que se dê, nesse caso, seja direta, no sentido de que é o Estado desempenhando atividade

147 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 126. 148 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 149 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 150 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 151 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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econômica, ela será exercida pela Administração Indireta, considerando a estrutura da máquina estatal.

A constatação da existência do Estado empresário é um fenômeno recente na história do direito administrativo. Somente com o advento do modelo social, em meados do século passado, passou-se a adotar uma opção política de atuação estatal mais incisiva na ordem econômica. Daí começou a surgir a necessidade de serem criadas entidades administrativas com características especiais que possibilitassem ao Estado agir como verdadeiro empresário, portanto, sob predomínio do regime de direito privado, despindo-se de grande parte das prerrogativas atribuídas ao Poder Público. No Brasil, houve o surgimento de entidades estatais qualificadas sob o gênero empresas estatais, expressão que abrange as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as empresas subsidiárias, bem como outras empresas em que o Estado detenha o controle acionário, ainda que não participe efetivamente da sua gestão.

A expressão empresa estatal ou empresa governamental designa “todas as sociedades, civis ou comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição faz referência, em vários dispositivos, como categoria à parte (arts.71, II, 165, §5º, III, 173, §1º)”152.

A despeito de sofrer alguma influência das normas de direito público, o regime das empresas estatais é predominantemente o de direito privado. Nesse particular, enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito público) são criadas diretamente por lei e independente de registro, as empresas estatais (pessoas jurídicas de direito privado) têm a sua criação autorizada por lei (art. 37, XIX, da CF/88), que indicará a respectiva área de atuação da estatal, não podendo os seus administradores dispor de modo contrário. Além disso, dependem de registro na Junta Comercial, como ato que perfectibiliza sua instituição. Assim, tem-se que essa instituição é um ato complexo, formado a partir da autorização legal, seguida da elaboração do documento de constituição (estatuto), que é então depositado no registro público.

Ordinariamente, a empresa estatal será criada de modo originário, mediante aporte orçamentário, de bens e recursos humanos que a integrarão. Mas pode acontecer de a lei autorizar a aquisição, pelo Estado, de uma empresa privada já existente (estatização), que passará então a integrar a Administração Indireta do respectivo ente político, devendo adaptar-se gradualmente ao regime jurídico próprio das empresas estatais até o final do exercício subsequente ao da aquisição. É possível até mesmo que a lei autorize a transformação de órgão ou de autarquia em empresa estatal, passando com isso a ter personalidade jurídica de direito privado, tal aconteceu, por exemplo, com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e com a Casa da Moeda do Brasil, ambas as empresas públicas criadas mediante transformação de antigas autarquias federais.

15.1 FOMENTO DAS ATIVIDADES PRIVADAS NO INTERESSE PÚBLICO

Tendo em mente a dificuldade advinda da constatação de uma variável grande de carências estatais e a necessidade do atendimento de crescentes necessidades sociais, evidencia-se a aplicação de uma política-regulatória distinta daquela praticada antes do advento do Estado de Bem-Estar Social. Nessa linha, outras formas diferenciadas de interação entre setor público e privado passam a ser valorizadas.

152 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

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Os deveres constitucionais de realização de políticas públicas imputam ao Estado não apenas a atribuição de aplicar os seus recursos na promoção direta de atividades necessárias e úteis à realização dos valores prezados pelo ordenamento jurídico pátrio, mas também a incumbência de exercitar as suas competências de modo a incentivar os particulares a adotar as escolhas mais compatíveis com tais valores. Em suma, todas as competências estatais devem ser exercitadas de modo harmônico para a realização das políticas públicas escolhidas153.

É nesse contexto que ganha espaço a figura do contrato de fomento, importante instrumento de intervenção estatal no domínio econômico. Não se trata de mero contrato administrativo, de “colaboração” ou de “delegação”. Corresponde a instrumento de implantação de uma política pública. Os encargos imputados às partes são distintos daqueles previstos nos contratos comuns, e os vínculos por ele produzidos são muito mais tênues154.

Nessa linha, o contrato de fomento deve ser interpretado como uma técnica de intervenção estatal no domínio econômico, constituindo instrumento de que dispõe o Poder Público para a realização das finalidades sociais que lhe cabem na estrutura constitucional. No contrato de fomento,

No âmbito do contrato de fomento, através da contratação, o Poder Público não busca uma utilidade a ser diretamente fruível para si ou para a coletividade. O fomento consiste em incentivar setores da iniciativa privada que desempenhem atividades que o governo considere convenientes de acordo com as políticas públicas que formulou155. O objetivo visado pelo Poder Público não é, por exemplo, a prestação de um serviço específico ou a produção de um bem objetivamente caracterizável. Um exemplo bastante corriqueiro é o da concessão de financiamentos para determinadas atividades por bancos de fomento, como o BNDES.

BENS PÚBLICOS

O conceito de bens públicos está contido no Código Civil (art. 98, CC/02). Referido dispositivo dispõe que são bens públicos do domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Tradicionalmente, nem sempre foi assim. O diploma civilista anterior determinava que bens públicos eram os bens das pessoas jurídicas de direito público acrescidos dos bens de pessoas jurídicas de direito privado vinculados ao serviço público.

Deve-se diferenciar, ainda, o conceito de domínio público. Nessa linha, domínio público em sentido amplo é sinônimo de domínio eminente. Traduz-se no poder que o Estado tem sobre todos os bens no território nacional. Decorre da soberania do Estado e do supra princípio da Administração Pública da supremacia do interesse público sobre o privado. Relaciona-se, assim, à possibilidade de imposição de restrições a bens privados situados na faixa de fronteira, à faculdade do Poder Público de

153 FILHO, Marçal Justen; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de atividades privadas de interesse coletivo. In: Revista Internacional de Contratos Públicos. Nº 01, fev./2013, p. VI -1 a VI-20. Disponível em:http://www.direitodoestado.com/revista/06_RICP-01-MARCAL-JUSTEN-EDUARDO-JORDAO.pdf 154 FILHO, Marçal Justen; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de atividades privadas de interesse coletivo. In: Revista Internacional de Contratos Públicos. Nº 01, fev./2013, p. VI -1 a VI-20. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/06_RICP-01-MARCAL-JUSTEN-EDUARDO-JORDAO.pdf 155 DEUS, Ricardo Alexandre João de. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 53.

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impor limitações ao uso da propriedade, etc. Já domínio estrito, também conhecido e, muitas vezes, referido apenas como domínio público, corresponde ao tratamento conferido aos bens de propriedade do Estado.

Como já se ressaltou, os bens públicos são conceituados, atualmente, em decorrência de sua titularidade. Assim, é importante referir que prevalece o entendimento de que bens de pessoas jurídicas de direito privado, mesmo que atrelados à prestação de serviço público, gozam de garantias inerentes aos bens públicos, mas continuam sendo classificados como bens privados.

A despeito da prevalência, há outras formas classificatórias. Há autores que consideram bens públicos àqueles pertencentes às pessoas jurídicas da Administração Direta e Indireta, independentemente da personalidade jurídica assumida. Por fim, também há doutrina no sentido de considerar bens públicos aqueles destinados à prestação de serviço público, independentemente da personalidade jurídica assumida pela empresa estatal.

No que se refere à classificação dos bens públicos, quanto à destinação (art. 99, do Código Civil) os bens públicos podem ser considerados:

1) Bens de uso comum do povo: aqueles destinados ao uso da coletividade em igualdade de condições, pela sociedade, em geral. São os bens destinados a utilização geral pelos indivíduos, normalmente gratuita (art. 103, do CC/02). Nessa linha, normalmente, a utilização ordinária/comum pelo cidadão não depende, a princípio, de consentimento estatal. Bens de uso comum do povo são afeados. São exemplos dessa modalidade: mares, praias, ruas, praças, rios, estradas, o meio ambiente.

2) Bens de uso especial: são bens atrelados a uma finalidade específica dada pelo Estado. Normalmente, visam à execução dos serviços públicos. Os bens de uso especial são afetados. Subdividem-se em:

2.1 Bens de uso especial direto: fazem parte da máquina do Estado/da estrutura administrativa. São exemplos: prédio de repartição pública, automóvel utilizado para a entrega de mandados por oficial de justiça, etc.

2.2 Bens de uso especial indireto: o Estado não utiliza diretamente, mas conserva com finalidade específica. Impede a utilização normal pelas pessoas. São exemplos: terras indígenas, alguns dos espaços ambientais especialmente protegidos, etc.

3) Bens dominicais ou dominiais: diferentemente dos demais, não possuem destinação pública específica, e por isso, podem ser utilizados de qualquer forma, ou até, alienados pela Administração (art. 101, do CC/02). Recebem também a denominação de bens do patrimônio disponível. Os bens dominicais são desafetados. Exemplos dessa modalidade são os prédios desativados, bens móveis inservíveis, as terras devolutas (ressalvadas as do art. 225 §5º, da CF).

Bens que não possuem finalidade pública podem vir a ter, por meio dos institutos da afetação/consagração. Por outro lado, bens que possuem finalidade pública podem deixar de tê-la, por meio da desafetação.

Ainda em relação a esses institutos, temos que a afetação pode se dar por meio de lei, de ato administrativo ou pelo simples uso. Não há necessidade de cumprimento de formalidades, para que a afetação ganhe corpo. Do contrário, a desafetação só pode se dar por lei ou por ato administrativo. Exige-se, assim, formalidade para que o bem seja desafetado.

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Além disso, é preciso destacar que os bens de uso especial podem, ainda, ser desafetados por fato da natureza, desde que a utilização do bem fique impossibilitada para tal. Temos, por assim, que a mudança de classe, de bem de uso comum para bem de uso dominical pode ocorrer por meio de lei ou de ato administrativo. Já a modificação de classe de bem de uso especial para uso dominical pode ocorrer por meio de lei, de ato administrativo ou de fato da natureza.

16.1 REGIME JURÍDICO: IMPRESCRITIBILIDADE, IMPENHORA-BILIDADE, NÃO ONERABILIDADE E ALIENABILIDADE CONDICIONADA

O regime jurídico dos bens públicos faz decorrer algumas características, garantias e privilégios especialmente destinados a referidos bens. Passaremos a destacar as principais, abordando-as sucintamente:

1) Imprescritibilidade os bens públicos (mesmo os dominicais ou dominiais) são insuscetíveis de aquisição por usucapião. A posse mansa e pacífica não enseja a aquisição de propriedade. Nesse sentido, os arts. 183, §3º (“Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”) e 191, §ún. (“Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”), CF; o art. 102, CC (“Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”) e, ainda, a súmula nº 340, do STF, que dispõe que “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

Os Tribunais Superiores tem entendimento no sentido de que a utilização contínua, pelo particular, sequer induz posse – é mera detenção. Sendo assim, não há direito à indenização por benfeitorias, não há direito à retenção, etc.

2) Impenhorabilidade: traduz-se na vedação à constrição judicial sobre os bens públicos; assim, sobre eles, não pode recair penhora. Isso porque, não há necessidade: o Poder Público é solvente, garante o juízo com o próprio orçamento. No mesmo sentido, o art. 832, do Código de Processo Civil afirma que os bens inalienáveis são impenhoráveis.

3) Não onerabilidade: refere-se à impossibilidade de constrição extrajudicial. Os bens públicos não podem ser gravados, ou seja, não podem ser oferecidos como garantia (penhor, hipoteca) para eventual credor. O art. 1.420, CC/02 dispõe que só podem ser objeto de penhor, hipoteca ou anticrese os bens passíveis de alienação – e os bens públicos não o são. É possível, no entanto, a concessão de direito real de uso, de usufruto, de enfiteuse, etc. sobre bens públicos.

4) Alienabilidade Condicionada: o administrador público não dispõe livremente dos bens públicos. Ao administrador cabe o dever de guardá-los e conservá-los (art. 23, I, da CF). A regra geral é que os bens públicos não possam ser vendidos, doados, permutados. Assim, a princípio, não são alienáveis, exceto em determinadas condições previstas em lei. Entretanto, esta inalienabilidade não é absoluta, pois poderão ser objeto de alienação os bens, desde que cumpridas algumas condições:

- Desafetação prévia, já que bens públicos de uso comum/uso especial afetados são inalienáveis;

- Declaração de interesse público, justificando a necessidade/o interesse;

- Avaliação prévia;

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- Licitação, que deverá ocorrer pela modalidade leilão, no caso de bens móveis, e por concorrência, no caso de bens imóveis, com exceção daqueles adquiridos por dação em pagamento ou por decisão judicial, que poderão ser alienados pelas modalidades concorrência ou leilão.

- Autorização legislativa, se o bem for imóvel;

- Autorização presidencial, se o bem for imóvel da União.

16.2 AQUISIÇÃO E ALIENAÇÃO

Além das formas tradicionalmente privatísticas do Direito Privado (como a compra e venda, a adjudicação, o usucapião, o testamento, a doação, a dação em pagamento, etc.), há formas específicas de aquisição de propriedade pelo Poder Público, como é o caso da desapropriação, do confisco ou do perdimento de bens, previsto nos arts. 5º, XLVI e 243, § ún., da CF; no art. 91, I e II do Código Penal; no art. 24, da lei nº 9.605/98; no art. 12, da lei nº 8.429/92; o registro de parcelamento de solo (art. 22, lei nº 6.766/79).

De acordo como art. 24, X, da lei nº 8.666/93 é dispensável a licitação para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.

Em termos conceituais, alienação é a transferência da propriedade, podendo ela ser remunerada ou gratuita. Pode ocorrer por institutos de natureza privada, como dação em pagamento, doação, permuta, bem como por institutos de natureza pública como investidura (art. 17, §3º, da lei nº 8.666/93), retrocessão, legitimação de posse, etc. Para que seja procedida a alienação de bens públicos o primeiro requisito que deve haver é a verificação de interesse público.

Os bens públicos são inalienáveis, enquanto conservarem a sua afetação (destinação pública). Para que seja procedida a alienação, outro requisito que se faz necessário é desafetação dos bens de uso comum do povo e dos bens de uso especial, pois os bens dominicais já são desafetados (bem como os bens constantes no art. 19, da Lei nº 8.666/93). Deve-se obedecer, ainda, ao que preceitua o art. 17, da lei nº 8.666/93.

Assim, temos que os bens públicos poderão ser objeto de alienação, desde que cumpridas algumas condições:

- Desafetação prévia, já que bens públicos de uso comum/uso especial afetados são inalienáveis;

- Declaração de interesse público, justificando a necessidade/o interesse;

- Avaliação prévia;

- Licitação, que deverá ocorrer pela modalidade leilão, no caso de bens móveis, e por concorrência, no caso de bens imóveis, com exceção daqueles adquiridos por dação em pagamento ou por decisão judicial, que poderão ser alienados pelas modalidades concorrência ou leilão.

- Autorização legislativa, se o bem for imóvel;

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- Autorização presidencial, se o bem for imóvel da União.

16.3 AFETAÇÃO E DESAFETAÇÃO

Referida classificação diz respeito à finalidade pública dada aos bens públicos. Afetação é a atribuição explícita (por lei, por ato administrativo) ou implícita, pelo uso (o Poder Público simplesmente passa a utilizar um bem, conferindo-lhe finalidade pública, sem que haja manifestação formal) de uma destinação específica de um bem público. Por outro lado, desafetado é o bem que não possui qualquer fim público. Enquanto possuírem destinação específica ou afetação, os bens públicos não podem ser alienados, por serem considerados bens fora do comércio.

16.4 FORMAS DE USO DOS BENS PÚBLICOS

Existem algumas formas de utilização dos bens públicos que dependem do consentimento do Poder Público. São elas:

- Autorização de uso: é ato unilateral, discricionário e precário, independentemente de licitação ou autorização legislativa, pelo qual a Administração Pública no interesse do particular, transfere o uso de bem público por um período de curta duração, em situação episódica. São exemplos: a autorização para utilização de uma praia para a promoção de festa de aniversário, a área municipal para instalação de um circo, etc.

- Permissão de uso: é ato unilateral, discricionário, precário, gratuito ou oneroso, por prazo determinado ou não, pelo qual a Administração Pública, no interesse da coletividade, transfere o uso de bem público, mediante certas condições ou não. Independe de autorização legislativa, mas deve ocorrer procedimento licitatório quando houver mais de um interessado, para assegurar o tratamento isonômico entre os interessados. É exemplo a permissão para instalação de bancas de jornal em uma calçada.

- Concessão de uso: é contrato administrativo no qual o Poder Público transfere a particular o uso exclusivo de um bem para que este explore segundo sua destinação, nos termos e condições previamente estabelecidas. É dependente, em regra, de autorização legislativa e de procedimento licitatório, podendo ser de forma gratuita ou onerosa. É o caso da instalação de restaurantes universitários em universidades, de restaurantes em aeroportos, etc.

- Cessão de uso: é a transferência gratuita do uso de certo bem público de um órgão para outro, mediante termo de cessão, por prazo determinado ou não. É em verdade uma colaboração entre órgãos. É, por exemplo, o caso do Poder Judiciário Estadual ceder uma sala para funcionamento da Defensoria Pública; ou ainda o Estado ceder um imóvel para um Município ali instalar um órgão municipal, etc.

16.5 LIMITES AO DIREITO DE PROPRIEDADE

A intervenção estatal é verdadeiro poder de império que restringe o caráter absoluto ao direito de propriedade, em atenção às prerrogativas decorrentes do supra princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. Só se justifica quando tem por objetivo o interesse da coletividade, em adequar o uso da propriedade particular a este interesse coletivo (função social da propriedade).

É competência privativa da União legislar sobre o direito de propriedade, desapropriação e requisições (art. 22, I, II e III, da CF), o que não impede que os demais entes políticos não possam

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legislar sobre eventuais restrições e condicionamentos ao uso da propriedade, com fulcro no art. 24, I, VI, VII e VIII, art. 30 I e II, CF.

A intervenção do estatal na propriedade privada pode se manifestar sob 2 formas:

- Restritiva: restringem o exercício do direito de propriedade. O bem continua nas mãos do particular, mas fica sujeito a limitações impostas pelo Estado. Normalmente, decorre do poder de polícia, que se consubstancia na restrição, por parte do Estado, do uso/gozo da propriedade privada. Como exemplos, temos as requisições administrativas, as servidões administrativas, as ocupações temporárias, o tombamento e as servidões.

- Supressiva: suprime, retira o direito de propriedade das mãos do particular. O exemplo clássico é o da desapropriação, que é forma originária de aquisição da propriedade (o bem sai das mãos do particular e chega às mãos do Estado livre e desembaraçado). Todos os direitos anteriormente atrelados ao bem ficam sub-rogados no valor da indenização. Nesse caso o registro é ato meramente declaratório. A desapropriação, em si, já confere a propriedade ao Estado.

Passaremos, nos tópicos seguintes, a ver algumas modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada.

16.6 DESAPROPRIAÇÃO

A desapropriação é modalidade supressiva de intervenção do Estado na propriedade. Constitui procedimento administrativo pelo qual o Poder Público transfere para si compulsoriamente a propriedade de terceiro, por razões de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, geralmente mediante justa e prévia indenização em dinheiro. É meio de aquisição originário de propriedade. É a modalidade de intervenção na propriedade mais gravosa, pois o antigo proprietário é despojado de seu bem pelo Poder Público, não se limitando a condicionar o seu uso como nas modalidades anteriores.

O instituto da desapropriação está previsto no art. 5º, XXIV, da CF, sendo que a competência para legislar sobre desapropriação é privativa da União conforme art. 22, II, da CF, que assim procedeu ao editar o Decreto-Lei nº 3.365/41, a lei nº 4.132/62, a lei nº 8.629/93 e a lei complementar nº 73/93. No entanto, muitos dos dispositivos do Decreto-Lei nº 3.365/41 e da lei nº 4.132/62 não foram recepcionados pela Constituição. Outras normas constitucionais que contemplam matéria envolvendo desapropriação como o art. 182, §4º, III, o art. 184 e o art. 243.

Em relação à legitimidade, ainda que a competência legislativa para editar mandamentos gerais e abstratos sobre desapropriação seja da União, a competência declaratória estende-se, para além da União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Além deles, o DNIT e a ANEEL também possuem referida competência declaratória, com pertinência temática. No que se refere à competência executória, não são somente os entes políticos que podem promover desapropriações. Concessionárias, permissionárias de serviço público, Administração Pública Indireta prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica, também o podem, desde que expressamente autorizadas por lei ou contrato (arts. 3º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 e art. 31, VI, da lei nº 8.987/95; art. 8º, VIII, da lei nº 9.478/97).

No que concerne ao objeto, o bem desapropriável poderá ser móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, ressalvados a moeda corrente e os chamados direitos personalíssimos, como a honra, a moral, a vida, a liberdade, dentre outros. Além disso, bens públicos também podem ser objeto de

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desapropriação, desde que haja autorização legislativa e observada a hierarquia política entre as entidades como a União desapropriando bens dos Estados, os Estados bens dos Municípios, a União dos Municípios (art. 2º, §2º, do DL nº 3.365/41, e as súmulas nº 157 e 479 do STF).

16.6.1 ESPÉCIES DE DESAPROPRIAÇÃO

Existem algumas espécies de desapropriação que devem ser especificadas:

16.6.1.1 DESAPROPRIAÇÃO COMUM OU ORDINÁRIA

A desapropriação comum/ordinária será realizada mediante justa e prévia indenização paga em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF), podendo recair sobre qualquer imóvel, e ser efetivada por qualquer ente da Federação. Possui esta denominação porque não tem caráter punitivo.

- Por Necessidade Pública: dá-se quando o bem é indispensável. Quando a Administração está diante de uma situação anormal, inadiável, de emergência e cuja solução exija a desapropriação do bem. A desapropriação visa à utilização pelo Poder Público. São os casos constantes no art. 5º, do DL nº 3.365/41, al. ‘a’ a ‘d’, ainda que o decreto lhe tenha dado o nome de utilidade pública.

- Por Utilidade Pública: são situações normais que mesmo não havendo a indispensabilidade do bem, sua desapropriação é conveniente, traz algum benefício para a Administração. São os demais casos presentes no art. 5º, do DL nº 3.365/41.

- Por Interesse Social: regulada pela lei nº 4.132/62, são as hipóteses que se impõe a desapropriação para melhor aproveitamento da propriedade, para justa distribuição em prol da coletividade. A utilização do bem se dará pelo Estado ou por terceiros. Os casos desta espécie de desapropriação estão previstos no art. 2º da referida lei.

16.6.1.2 DESAPROPRIAÇÃO EXTRAORDINÁRIA/ESPECIAL

A desapropriação extraordinária é realizada mediante justa indenização, mas paga com títulos da dívida agrária ou pública (art. 182, §4º, III e 184 a 186, da CF), devendo recair sobre bens que não estejam cumprindo sua função social e somente realizada pela União para fins de reforma agrária, e pelos Municípios ou Distrito Federal para fins de urbanização. Tem esta nomenclatura porque possui nítido caráter de punição.

- Para fins de reforma agrária/Especial Rural: é modalidade de desapropriação privativa da União, realizada pelo INCRA, com fundamento constitucional nos arts. 184 a 186, incidindo sobre imóveis que não estejam cumprindo sua função social. É regulada pela LC nº 76/93 e Lei nº 8.629/93. É a desapropriado para fins de reforma agrária (a destinação é vinculada, não se admitindo tredestinação lícita). O pagamento ocorre por títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano da emissão. Nesse caso, as benfeitorias úteis e necessárias serão pagas em dinheiro. O art. 185, CF dispõe que seja vedada a desapropriação especial rural sobre (i) pequena/média propriedade que seja a única do sujeito; e (ii) propriedade produtiva.

- Para fins de reforma urbana/Especial Urbana: desapropriação privativa dos Municípios ou do Distrito Federal, com fundamento no art. 182, §4º, III, CF incidindo sobre imóveis urbanos que não estejam cumprindo sua função social de acordo com o Plano Diretor da cidade. Está disciplinada na lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Assim, a partir do momento em que se verifica que o imóvel não está cumprindo sua função social, toma-se uma série de

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providências: (i) notificação do proprietário para que ele faça o parcelamento compulsório/a edificação compulsória do terreno, no exercício do poder de polícia. O prazo para tanto é de até 1 ano para apresentar o projeto, contato da notificação, e 2 anos para dar início às obras, contados da apresentação do projeto; (ii) instituição de IPTU progressivo: vai-se aumentando a alíquota do IPTU incidente como forma de coação, a fim de que o particular dê função social ao imóvel; (iii) desapropriação, que tem caráter sancionatório. A desapropriação não é paga em dinheiro, mas em títulos da dívida pública, resgatáveis em até 10 anos, a partir da emissão.

- Confisco/Expropriação: que na verdade não se trata de uma desapropriação, mas sim de verdadeiro confisco, ou expropriação, porque não é realizada qualquer indenização. De competência privativa da União, esta expropriação ocorre em propriedades onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (lei nº 8.257/91) e onde for encontrada exploração do trabalho escravo. Possui acentuado grau punitivo. No caso de bens rurais,o bem confiscado será destinado á reforma agrária. Em se tratando de bens urbanos, a finalidade será a habitação popular.

16.6.1.3 DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

A desapropriação indireta equivale ao esbulho possessório. Nesse caso, o Estado invade o bem do particular sem qualquer procedimento expropriatório. É o fato administrativo por meio da qual o Poder Público se apropria de bem particular, sem observar os requisitos da declaração e de indenização prévia.

Em termos de previsão legislativa, vem descrito no art. 35, do DL nº 3.365/41, denominado de fato consumado. Isso porque, uma vez incorporado ao patrimônio público, no momento em que o Poder Público dá utilidade pública ao bem, passa a operar a supremacia do interesse público sobre o bem. Assim, resta ao proprietário exigir indenização por perdas e danos, pelo valor real e atualizado do imóvel, ainda que nulo o processo de desapropriação, por meio da Ação de Indenização por Desapropriação Indireta/Ação de Indenização por Apossamento Administrativo.

A desapropriação indireta possui natureza de direito real, pois fundada na perda da propriedade e enquanto não se configure o prazo prescricional de 10 anos. Referido prazo decorre da leitura combinada as súmula nº 119, do STJ, com o art. 1.238, CC, que, em seu § ún., dispõe que o prazo para usucapião é de 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Nessa hipótese, a doutrina determina que o interesse público é a função social.

16.6.1.4 DIREITO DE EXTENSÃO

O direito de extensão ocorre quando o Estado desapropria parcialmente e deixa uma parte do terreno que, isoladamente, é inaproveitável. Surge, para o particular expropriado, o direito de exigir que a desapropriação (inicialmente parcial) alcance a totalidade do bem, com o pagamento da respectiva indenização, quando o remanescente resultar esvaziado de seu conteúdo econômico (art. 19, §1º, da lei nº 4.504/64 e art. 4º, da LC nº 76/93). Nesse caso, o Poder Público leva tudo e paga por tudo. Em termos procedimentais, o direito de extensão deve ser pleiteado na contestação da ação de desapropriação.

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16.6.1.5 RETROCESSÃO E TREDESTINAÇÃO

O conceito de tredestinação relaciona-se ao desvio de finalidade no ato de desapropriação. A destinação originária do bem é alterada. Nesse caso, o bem é empregado para outro fim, que não o estabelecido no ato expropriatório. Em relação às modalidades, a tredestinação pode ser:

- Lícita: a finalidade dada ao bem, ainda que diferente da inicialmente planejada, continua sendo de interesse público. É um desvio de finalidade autorizado em lei. Modifica-se a destinação do bem, mas, ainda assim, é uma destinação no interesse público. Não enseja a possibilidade de anulação do ato administrativo. Esse mandamento não vale para atos que tenham, em seu bojo, destinação vinculada. Nesses casos, não se pode dar outra finalidade ao bem, mesmo que em busca do interesse público.

- Ilícita: não se dá destinação pública ao bem. Diante da ausência de interesse público em relação ao bem, o Estado o aliena a terceiro. É também denominada de adestinação. O tredestinação ilícita/adestinação gera, ao ex-proprietário do bem, o direito de retrocessão.

Com previsão legal no art. 519 do Código Civil Brasileiro, a retrocessão se dá quando a coisa expropriada não é utilizada para o fim originariamente previsto, nem para qualquer obra ou serviço público. É um direito de preferência que o antigo proprietário tem em readquirir (de re-compra) pelo preço atual da coisa. Somente a tredestinação ilícita enseja direito à retrocessão.

No que se refere à natureza jurídica, a letra da lei do art. 519, CC dispõe que retrocessão é direito pessoal de preferência. Assim, se o Estado não há a preferência, caberá ao particular pleitear perdas e danos. Em sentido oposto, a doutrina e a jurisprudência majoritárias posicionam-se no sentido de ser a retrocessão direito real. Assim, seria faculdade do particular reaver o bem inerente ao direito de propriedade. Uma vez não dada finalidade pública ao bem, há direito de ele reaver o bem na mão de terceiro.

16.7 SERVIDÃO ADMINISTRATIVA

Servidão administrativa é direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel de forma a permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo. É direito real sobre imóvel que incide bens imóveis específicos. O funcionamento, em termos práticos, é semelhante à servidão civil: há o servente (bem privado sobre o qual se institui a servidão) e o dominante, que é o Poder Público. Trata-se de suportar a presença física do Estado. Coloca-se o bem privado como serviente da necessidade pública.

Principais características:

- Pode ser instituída por acordo administrativo, sentença judicial ou lei;

- Deve ser levada a registro no Registro de Imóveis;

- Possui caráter perpétuo, isto é, não tem prazo determinado, pois pode deixar de haver interesse público;

- Havendo dano, é indenizável, sendo a indenização prévia e condicionada;

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- Pode ser desfeita em 3 hipóteses: (i) não havendo mais interesse público na utilização do bem; (ii) caso o bem desapareça; e (iii) se houver consolidação, isto é, se o Poder Público adquirir o bem, já que a servidão caracteriza-se por ser direito real na coisa alheia.

A título exemplificativo, temos a colocação dos nomes de ruas em prédios e casas e de ganchos ara sustentar fios da rede elétrica, a implantação de gasodutos e oleodutos, a passagem de redes elétricas, telefônicas e cabos ópticos, entre outros.

16.8 REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA

No caso de requisição administrativa, o Estado requisita o bem do particular para resolver situação de perigo. Com fundamento constitucional no art. 5º, XXV e legislativo no art. 1.228, §3º, do CC; Decreto-Lei nº 4.812/42; art. 15, XIII, da lei nº 8.080/90,; art. 25, da lei nº 4.771/65, é o meio de intervenção estatal na qual o Estado nas situações de perigo iminente utiliza bens móveis, imóveis ou, ainda, serviços particulares.

A requisição pode ser tanto civil como em inundações, incêndio, comoção social, catástrofes, sonegação de gêneros de primeira necessidade, quanto militar como nos casos de manutenção da segurança interna, da soberania nacional, conflito armado, etc. Como principais características, pode-se destacar:

- Possui natureza jurídica de direito pessoal;

- Pode incidir sobre bens móveis, imóveis e serviços;

- Possui caráter transitório (enquanto perdurar o perigo público);

- Caberá indenização posterior, caso haja dano.

16.9 TOMBAMENTO E REGISTRO

O tombamento (decreto-Lei nº 25/37) é modalidade de intervenção restritiva no uso da propriedade. É utilizado também como instrumento de preservação do patrimônio cultural brasileiro, com fundamento no art. 216, §1º, CF. O tombamento se presta, como finalidade primordial, à proteção do meio ambiente cultural, nele compreendido os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico.

Essa modalidade restritiva à propriedade privada pode incidir sobre bens móveis ou imóveis. Poderá ser compulsório (ou ex officio) ou voluntário (quando o proprietário consente no tombamento do bem, seja a pedido ou por aceitação), provisório (enquanto estiver em curso o processo de tombamento) ou definitivo, com a respectiva inscrição do tombamento.

Nesse sentido, cabe a seguinte distinção:

TOMBAMENTO PROVISÓRIO TOMBAMENTO DEFINITIVO

Medida cautelar de natureza administrativa que visa a proteger o bem até o tombamento definitivo, equiparado a este, salvo para efeito de registro, surtindo os demais efeitos a partir da notificação do proprietário.

Ato administrativo acabado consistente na inscrição do bem do Livro do Tombo. Na esfera federal, são 4: a) Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; b) Histórico; c) Belas Artes; d) Artes Aplicadas.

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O ato de tombamento não transfere a propriedade do bem ao Estado, permanecendo com o respectivo dono a sua posse e propriedade, devendo, entretanto, o ato ser averbado junto à matrícula do imóvel. O tombamento não impede o particular de alienar o bem, desde que respeitado o direito de preferência do Poder Público, ou gravar o bem por meio de penhor, anticrese ou hipoteca. Os imóveis vizinhos acabam também por sofrer restrição por via reflexa, pois não poderão realizar construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar cartazes ou anúncios.

Por outro lado, o registro é um instrumento com o objetivo de proteger bens imateriais que integram o patrimônio cultural brasileiro. Essa salvaguarda considera os modos de vida e representações de mundo de coletividades humanas e o princípio do relativismo cultural de respeito às diferentes configurações culturais e aos valores e referências, que devem ser compreendidos a partir de seus contextos. Por outro lado, também é pautada no reconhecimento da diversidade cultural como definidora da identidade cultural brasileira e procura incluir as referências significativas dessa diversidade.

Na esfera federal, esse registro se fará em um dos seguintes livros, elencados no art. 1º, § 1º, decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, cujo rol é exemplificativo:

- Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

- Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

- Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;

- Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

Poderão ser criados novos livros, no âmbito da autonomia administrativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O critério para a inscrição num dos livros de registro será a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.

São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro, na esfera federal: (i) o Ministro de Estado da Cultura; (ii) instituições vinculadas ao Ministério da Cultura; (iii) Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal; (iv) sociedades ou associações civis.

Ainda, o bem registrado terá a seguinte proteção jurídica:

- documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo.

- ampla divulgação e promoção.

O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".

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16.10 OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA

A ocupação temporária funciona como o instituto da requisição administrativa, sem, no entanto, situação de perigo iminente. Trata-se da utilização transitória, remunerada ou gratuita, de imóveis particulares não edificados como apoio à execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público. Tem fundamento no art. 5º, XXV, CF, bem como no art. 36, do Decreto-Lei nº 3.365/41. Principais características:

- É direito pessoal;

- Possui caráter transitório;

- Caberá indenização posteriormente, se houver dano.

A título exemplificativo, são exemplos práticos do instituto a ocupação de terrenos vizinhos à obra como depósito de equipamentos e materiais, a instalação de barracas de vacinação em clubes ou escolas, etc.

16.11 LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS

A limitação administrativa é modalidade de intervenção na propriedade privada, em caráter geral e abstrato, unilateral e gratuito. Não incide sobre um determinado bem, mas sim, sobre todos aqueles que estejam na mesma situação jurídica. Por meio das limitações administrativas, o Poder Público condiciona direitos dos proprietários de bens imóveis a obrigações positivas, negativas ou permissivas objetivando o atendimento da função social.

Condiciona o uso da propriedade em prol da coletividade para que atenda sua função social, derivando do poder de polícia. Pode decorrer tanto de lei quanto de regulamento, alcançando uma quantidade indeterminada de propriedades. Não se trata de modalidade de intervenção indenizável, pois não há a produção de dano específico. Além disso, há a produção de efeitos ex nunc, isto é, prospectivos, não retroativos. As principais características são:

- Decorre de ato legislativo ou administrativo que tenha caráter geral;

- Possui caráter de definitividade;

- Motivada por interesses públicos abstratos;

Configuram exemplos práticos de limitações administrativas: a proibição de construir além de determinada altura, a proibição de desmatamento florestal em áreas especialmente protegidas, o recuo de calçada nas construções a imposição de limpeza de terrenos, parcelamento ou edificação compulsória de terrenos (art. 182, §4º, da CF), dentre outros.

RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

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Algumas condutas e atividades estatais, derivadas de opções políticas ou do cumprimento dos estritos termos da lei, seja de forma omissiva ou comissiva, material ou jurídica, lícita ou ilícita podem ser causadoras de dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Nestes casos, o Estado será obrigado a reparar o dano causado, seja ele patrimonial ou moral. A norma que regula a responsabilidade civil do Estado vem prevista no art. 37, §6º, CF enquanto a norma geral que trata a responsabilidade civil está insculpida nos arts. 186 e 927 do CC.

Assim, em termos conceituais, a responsabilidade civil do Estado constitui o dever que tem o próprio Estado, enquanto pessoa jurídica, tem de ressarcir os particulares por danos sofridos em função da atuação do próprio Estado ou de seus agentes. Nesse sentido, importante atentarmos para as definições trazidas pelos principais doutrinadores acerca da matéria.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro156, ensina a que “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”. Nessa mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello157 conceitua a responsabilidade civil do Estado como sendo, “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.

Já Hely Lopes Meirelles158 é mais conciso, preciso e vai direto ao ponto, quando refere que responsabilidade civil do Estado “é a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”.

17.1 TEORIAS

Para compreendermos o atual estágio da responsabilidade civil do Estado, devemos realizar uma análise das etapas de evolução desse instituto.

Assim, desde os primórdios das organizações nacionais, caracterizadas pelo absolutismo, até a moderna ideia de Estado Democrático de Direito, inúmeras teorias foram criadas para definir ou explicar como se daria a responsabilidade do Estado (ou a falta dela) por atos ou omissões que causem prejuízo aos particulares. Dentre elas, destacam-se 5: (i) teoria da irresponsabilidade do Estado; (ii) teoria da responsabilidade com culpa civil comum do Estado (teoria privatista ou teoria da culpa individual); (iii) teoria da culpa administrativa do Estado (teoria da culpa anônima); (iv) teoria do risco administrativo do Estado; (v) teoria do risco integral do Estado.

Tais teorias podem ser explicadas da seguinte forma:

- Teoria da Irresponsabilidade do Estado: a teoria da irresponsabilidade do Estado foi muito comum nos estados absolutistas. Tem por base a ideia de que o Estado dispõe de autoridade incontestável perante seus súditos (particulares). Em função disso, nenhum administrado poderia agir para pleitear indenização, mesmo que tivesse sido flagrante e incontestavelmente prejudicado pelo Estado.

156 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. 157 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 158 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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Nesses casos, prepondera que o interesse público seria superior ao direito de um indivíduo e, portanto, a Administração não precisaria se reportar a apenas esse prejudicado. Além disso, nesses estados totalitários onde vigora a tese da irresponsabilidade estatal, prepondera a ideia de que o rei, enquanto figura divinizada, é soberano e infalível. Referido pensamento fez nascer, inclusive, o ditado “the king can do not wrong” (o rei não pode errar).

Os últimos estados ocidentais e democráticos a sustentarem a tese da irresponsabilidade da administração foram a Inglaterra (até 1947) e os Estados Unidos (até 1946).

- Teoria da responsabilidade com culpa civil comum do Estado (teoria da culpa individual ou teoria privatista): essa teoria é a primeira que reconhece a possibilidade de o Estado ter de responder por danos causados a particulares.

A despeito da constatação da necessidade de o Estado indenizar, seria necessária a comprovação do dolo ou da culpa por parte de um agente público quando da prática de ato. Trata-se, então, de uma teoria baseada no regime civilista geral, de responsabilidade subjetiva do Estado.

Os elementos necessários à configuração do dever de indenizar seriam uma conduta positiva (uma ação), dolosa ou culposa, atribuível individualmente a um agente público ou a um grupo deles. Por esta teoria, consideram-se passíveis de ensejar o dever de indenizar apenas atos pontuais praticados individualmente por agentes públicos, não abrangendo falhas intitucionais da Administração Pública, razão pela qual leva também a alcunha de “teoria da culpa individual”, ou “teoria privatista”.

- Teoria da culpa administrativa (Teoria da culpa anônima): essa teoria baseia-se no pressuposto de que a responsabilidade da Administração não deriva única e tão somente da culpa individual de um agente ou de um grupo de agentes, mas também de uma falha institucional da Administração Pública.

Assim, essa teoria busca responsabilizar uma falha do próprio Estado. E é justamente por isso que é denominada de “Teoria da Culpa Anônima”, já que a culpa não é atribuível a este ou àquele agente, mas sim a todo o Estado. Trata-se, portanto, de uma evolução em relação à teoria anterior, porque que reconhece a possibilidade de não apenas o agente público falhar, mas também o próprio Estado enquanto instituição, o que geraria, por conseguinte, dever de indenizar. Temos, então, um alargamento das hipóteses onde haverá a responsabilização estatal.

Nesse caso, de acordo com esta teoria, na doutrina francesa, a responsabilização ocorrerá quando houver “faute du service”. A “faute du service” (frase que pode ser traduzida como “falta do serviço”, “falha do serviço” ou “culpa do serviço”) pode ser caracterizada em três circunstâncias, quais sejam:

- Inexistência do serviço quando deveria existir. Ex.: cidadão sofre danos pelo fato de um posto de saúde pública estar fechado ou de não ter médicos ou atendentes durante seu horário de funcionamento normal.

- Mau funcionamento do serviço. Ex.: cidadão sofre prejuízos em função de não ter sido corretamente atendido dentro de um posto de saúde pública ou

- Retardamento na prestação do serviço. Ex.: cidadão é lesado pela demora no atendimento dentro de um posto de saúde pública.

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Para a configuração da responsabilidade do Estado, não basta que se comprove a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu funcionamento tardio. É necessário também que se demonstre a antijuridicidade de tal omissão, inadequação ou atraso. Ou seja, deve ser comprovado que o Estado tinha condições de prestar um serviço de maneira adequada e em tempo hábil e não o fez. Adicionalmente, é preciso vislumbrar ainda um elemento dolo ou culpa, tipificadores da responsabilidade subjetiva.

Assim, se o dano ao particular é causado pelo fato de a Administração Pública se omitir quando deveria agir, não vigiar, quando teria que vigiar ou de não atender quando deveria atender, caberá ao lesado comprovar o dolo ou a culpa (negligência, imprudência ou imperícia) no procedimento (ou na falta do procedimento) para que adquira direito à indenização por parte Estado.

Em termos de ordenamento pátrio, a teoria da culpa administrativa é acolhida pela doutrina e jurisprudência brasileiras, sendo aplicável em algumas situações, principalmente naquelas onde se vislumbrar omissões estatais, danos oriundos de atos de terceiros ou intempéries da natureza.

- Teoria do risco administrativo: no entender dessa teoria, para que surja a responsabilidade civil do Estado, basta um simples ato lesivo e injusto causado a particular por parte do Estado. Não se exige, nesse caso, falta do serviço, culpa ou dolo do agente.

Assim, para a configuração do dever de indenizar, exige-se apenas a demonstração de que o Estado tenha causado dano a particular, independentemente de qualquer ilicitude ou antijuridicidade. Trata-se, pois, de uma modalidade de responsabilidade objetiva, que dispensa a prova de dolo ou culpa para a sua ocorrência.

A própria denominação da teoria já traz a ideia de que o Estado deva assumir os riscos que, ordinária ou extraordinariamente, sua atividade causa a terceiros. A teoria do risco administrativo funda-se na impossibilidade de que apenas um administrado arque com um custo não suportado pelos demais. Em outras palavras, se todos os administrados serão beneficiados pelo serviço público prestado pelo Estado, é justo que todos juntos suportem quaisquer danos que daí sejam oriundos.

Como forma de compensar a “injustiça” de um eventual prejuízo sofrido por um particular, deverão todos os demais particulares contribuir solidariamente e ressarcir os prejuízos do lesado, no que se conhece por “princípio da solidariedade”.

A teoria do risco administrativo é acolhida pela doutrina e jurisprudência do país como aquela aplicável, regra geral, quando se fala em responsabilidade civil do Estado.

- Teoria do risco integral: a teoria do risco integral acarreta uma ideia de exacerbação da responsabilidade objetiva do Estado.

Nesse caso, basta que haja um fato danoso para que surja o dever de a Administração indenizar. Mesmo que o ato tenha ocorrido por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e mesmo que o Estado nada pudesse fazer para evitar tal dano, deverá ainda assim indenizar o particular lesado.

Referida teoria é aceita, no ordenamento jurídico pátrio, em algumas situações:

- Dano nuclear: os danos decorrentes dessa atividade são muito mais prejudiciais ao particular do que aqueles advindos de qualquer outra;

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- Dano ambiental: parte da doutrina ambientalista posiciona-se nesse sentido;

- Terrorismo/Cometimento de crimes dentro de aeronaves.

17.2 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

A responsabilidade civil do Estado no direito brasileiro encontra regência constitucional básica no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que dispõe que “As pessoas jurídicas de direito público e as de

direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

O dispositivo acima consagra 3 teorias como sendo aplicáveis quando o tema é responsabilidade civil do Estado: (i) a teoria do risco administrativo, (ii) a teoria da culpa administrativa e (iii) a teoria do risco integral.

Em termos gerias, predomina a ideia de que a Administração deverá indenizar os danos causados por seus agentes, independentemente de dolo ou culpa. Ou seja, está consolidada a idéia de responsabilidade objetiva da Administração, a partir da “teoria do risco administrativo”, para o caso de danos causados pela ação de seus agentes, isto é, os prejuízos causados por atos praticados por agentes públicos.

Observe-se, no entanto, que a teoria do risco administrativo será aplicada apenas quando tivermos danos oriundos de atos comissivos (positivos) praticados pelos agentes públicos. São exemplos de atos comissivos (positivos), uma prisão efetuada por policiais, a interdição de um estabelecimento por fiscais da vigilância sanitária ou uma colisão causada pro um motorista de uma entidade pública.

Nessa linha, ressalte-se o trecho do dispositivo constitucional em análise, segundo o qual as entidades da Administração Pública “responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros“. Essa disposição determina que a responsabilidade civil do Estado é objetiva apenas no que se refere aos danos causados pelos agentes públicos.

Por outro lado, nos casos de danos decorrentes de omissão do Estado, fenômenos da natureza ou conduta de terceiros (situações em que o dano não é decorrente de um ato praticado por um agente público), é preciso que se comprove a culpa ou dolo do Estado para que haja o dever de indenizar. Aplica-se aí, então, a “teoria da culpa administrativa”, segundo a qual caberá ao particular lesado provar que a atuação regular da Administração seria suficiente para evitar o dano por ele sofrido.

A título exemplificativo, se algum cidadão vier a falecer por falta de tratamento de saúde, não temos aí um dano provocado por este ou aquele agente público, mas sim um dano provocado por uma falha no serviço de saúde como um todo.

No entanto, não se pode conceber que as famílias de todos aqueles que morrem sem atendimento médico têm direito à indenização. Terão direito á indenização apenas as famílias daqueles que podiam ter sido atendidos, mas não foram, ou foram atendidos com atraso, ou foram mal atendidos.

Sendo assim, a família do cidadão falecido, para pleitear indenização, deverá comprovar que efetivamente houve essa falha no serviço de saúde. Deverá demonstrar que a incompetência pública foi determinante para o falecimento, demonstrando, por exemplo, que o posto de saúde onde

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deveria ter sido atendido o cidadão estava fechado quando deveria estar aberto, o que deixaria evidente a antijuridicidade de tal omissão.

Não se trata, então, de uma hipótese de responsabilidade objetiva, eis que nestes casos, é preciso que se comprove a existência de culpa do Estado (teoria da culpa administrativa ou culpa anônima) para que haja sua responsabilização.

Além disso, existem casos em que a responsabilidade civil do Estado é objetiva e não há a possibilidade de reconhecimento de excludentes. Nessas hipóteses, em qualquer situação, o Estado responderá objetivamente, pois é garantidor universal. Trata-se, aí, da teoria do risco integral. Configurado o dano, nascerá o dever de indenizar.

A aplicabilidade dessa última teoria é bastante restrita no ordenamento pátrio. Existem 3 situações em que se reconhece a sua aplicabilidade, quais sejam, em caso de dano nuclear, em caso de dano ambiental e em caso de dano decorrente de terrorismo ou de crimes cometidos dentro de aeronaves.

Conclui-se, então, que no direito brasileiro estão contempladas 3 teorias como norteadoras da responsabilidade civil do Estado: a teoria do risco administrativo (para danos provocados por atos dos agentes públicos), a teoria da culpa administrativa (para danos decorrentes de outras situações, que não envolvam atos positivos praticados pelos agentes públicos) e a teoria do risco integral (situações específicas previstas em lei).

17.2.1 SUJEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O estudo da responsabilidade civil do Estado, conforme delineada pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, demanda o conhecimento de 3 sujeitos distintos, os quais serão diretamente afetados, de uma forma ou outra, por este dispositivo:

1) As “pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos”. Esse termo refere-se os sujeitos responsabilizáveis, que poderão ser responsabilizados em função da aplicação do art. 37, § 6º, da CF.

Nesse sentido, as pessoas jurídicas de direito público referem-se às entidades da administração direta (União Federal, estados, Distrito Federal e municípios), bem como as autarquias e fundações públicas.

Por outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos são as empresas públicas, as sociedades de economia mista (não todas, apenas as que prestem serviços públicos, excluídas as que explorem atividade econômica), bem como as empresas privadas concessionárias de serviços públicos, como as distribuidoras de energia elétrica, companhias telefônicas e empresas de transporte coletivo. Nesse particular, importante reiterar o que já foi mencionado em outro item. As empresas públicas e sociedades de economia mista são divididas em dois tipos: I – as que prestam serviços públicos e II – as que exploram atividade econômica. Em termos de responsabilização, aplica-se o disposto no art. 37, §6º, da CF exclusivamente às primeiras, ou seja, às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos. Às segundas, empresas estatais que explorem atividade econômica, não se aplica o disposto neste dispositivo constitucional, eis que, mesmo que integrantes da estrutura da Administração Pública, têm sua responsabilidade civil regulada pelo Código Civil, pelo Código de Defesa do Consumidor e por outras leis que lhe sejam aplicáveis, como se empresas privadas fossem.

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2) Os “agentes”. Agentes são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado ou às entidades da Administração Indireta, mesmo que de maneira transitória e sem remuneração.

Existia profunda polêmica na doutrina acerca da composição do polo passivo em eventual ação indenizatória, pelo particular, pairando na escolha entre o próprio agente público causador do dano ou contra o Estado.

Dirimindo a polêmica, o E. STF159 pacificou entendimento no sentido de que o art. 37, § 6º da CF/88 trouxe consigo uma proteção ao agente público, de forma que este somente poderá ser demandado pelo próprio Estado em ação regressiva, nunca pelo próprio particular lesado de maneira direta. Em outras palavras, o particular que se sentir lesado por ato praticado por um agente público no exercício de suas atribuições deverá acionar a entidade a que se vincula esse agente, para que ela, então, exerça em relação ao agente o que se conhece por “direito de regresso”.

O direito de regresso consiste exatamente na possibilidade de o Poder Público buscar junto ao agente causador de dano, por meio de ação regressiva, o valor que despendeu para seu ressarcimento.

3) Os “terceiros lesados”. São as pessoas físicas ou jurídicas que sejam prejudicadas pela atuação do Estado.

17.3 CAUSAS EXCLUDENTES E ATENUANTES DE RESPONSABILIDADE

Ordinariamente, a configuração da responsabilidade civil do Estado demanda a existência concomitante de 3 elementos, quais sejam: (i) conduta comissiva ou omissiva praticada pelo Estado ou por seus agentes; (ii) dano e (iii) nexo de causalidade entre o ato e respectivo dano.

Ou seja, nem todos os danos sofridos pelos particulares, mesmo que relacionados a atos praticados por agentes públicos levarão à responsabilidade civil do Estado. Assim, possível que sejam concebidas algumas causas excludentes ou atenuantes da responsabilidade civil do Estado.

Nessa linha, podem ser destacadas como causas que excluem a responsabilidade civil do Estado:

- Força maior: é um acontecimento imprevisível, irresistível, inevitável, alheio a qualquer vontade ou conduta das partes. São exemplos clássicos a ocorrência de fenômenos naturais (tempestades, terremotos, etc.) ou causados pelo homem (como por exemplo uma guerra).

Se o dano sofrido pelo particular for decorrente de alguma dessas situações, não se pode responsabilizar o Estado, porque aí não há conduta imputável à Administração. Não há também qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano a que se submeteu o particular. Inexiste, então, responsabilidade civil do Estado nessas hipóteses.

No entanto, persistirá a responsabilidade do estado se a “força maior” vier acompanhada de uma omissão ou culpa estatal na realização de um serviço essencial. Imaginemos, nesse caso, que uma forte chuva tenha atingido determinada cidade e esta ficou alagada, não apenas em função das fortes chuvas, mas também do fato de os bueiros estarem todos entupidos. Pois bem, se for comprovado que a simples limpeza dos bueiros seria suficiente para impedir o alagamento, poderá o Estado ser condenado a indenizar os danos sofridos pelo particular, eis que aí houve uma omissão.

159 STF, RE nº 327.904/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8/9/06.

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Ressalte-se, no entanto, que temos aí uma típica hipótese de responsabilidade subjetiva, eis que é necessária a comprovação da culpa do Estado, que foi negligente em proceder à limpeza dos bueiros.

Nesse particular, não se deve confundir “força maior” com “caso fortuito”, pois eles abordam institutos distintos. Caso fortuito é um imprevisto oriundo da própria ação estatal, como a ruptura de um dique durante a construção de uma barragem, ou a falha numa máquina quando da prestação de um serviço público. Neste caso, de “caso fortuito”, haverá a responsabilização estatal, a qual ocorrerá de maneira objetiva, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Não importa se o dique da represa estourou por problema estruturais ou em razão de uma forte chuva, o dever de indenizar ainda assim estará configurado.

- Culpa de Terceiros: no caso de danos causados por terceiros, alheios ao Estado, vislumbra-se a mesma regra acima colocada. É excluída a responsabilidade civil do Estado quando os prejuízos forem causados por estranhos, como por exemplo, uma multidão na saída de um estádio de futebol, uma quadrilha de assaltantes ou um grupo de manifestantes em protesto.

No entanto, repitam-se as ponderações acima feitas. Quando verificada omissão ou culpa do Estado no evento danoso, é cabível, sim, sua responsabilização pelos danos daí oriundos. Assim, se o Estado se omitiu em controlar o distúrbio da multidão, ou se agiu de forma a contribuir para que tal distúrbio ganhasse maiores proporções e acarretasse danos, temos como sendo possível sua responsabilização. Sem dúvida, temos aí uma hipótese de responsabilidade subjetiva, eis que exige comprovação de culpa estatal.

- Culpa Exclusiva da Vítima: no caso de culpa da vítima, devemos distinguir se sua culpa é exclusiva ou se é concorrente, ou seja, se a vítima é a única culpada ou se ela e o Estado tiveram culpa pelo fato. Se a culpa for exclusiva da vítima, o Estado não responderá por qualquer dano daí oriundo.

Ao aprofundarmos o estudo relativo às causas excludentes de responsabilidade civil do Estado, pertinente notar que todas as hipóteses excludentes da responsabilidade civil do Estado podem ser resumidas numa só: a inexistência de nexo causal entre a conduta estatal e o dano.

Explica-se por meio de exemplos práticos: se o dano sofrido pelo particular for causado por motivo de força maior, por terceiros ou ainda por culpa exclusiva da vítima, não se vislumbra aí qualquer nexo de causalidade entre a ação do Estado e referido dano, razão pela qual não há de existir qualquer dever de o Poder Público ressarcir mencionados prejuízos.

Por outro lado, é causa que atenua a responsabilidade civil do Estado:

- Culpa concorrente da vítima: verificada a culpa concorrente da vítima, atenua-se a responsabilidade do Estado, que se reparte com a da vítima. Verifica-se a hipótese de culpa concorrente quando a culpa pela ocorrência do dano pode ser atribuída ao Estado e também ao particular lesado.

Tal premissa, que antes já era adotada pela jurisprudência, está expressamente prevista pelo art. 945 do Código Civil, segundo o qual: “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com o autor do dano”.

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17.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E ATOS EMANADOS DO PODER LEGISLATIVO E DO PODER JUDICIÁRIO

A responsabilidade civil abrange não apenas os danos causados por atos administrativos, praticados pela Administração Pública em sentido estrito, mas alcança também todo e qualquer ato danoso praticado pelo Estado, incluindo-se aí os atos típicos praticados pelos poderes Legislativo e Judiciário. Nesse caso, temos a possibilidade de responsabilização do Estado por atos legislativos ou normativos (leis e normas) e judiciários (sentenças e decisões judiciais).

Os atos legislativos podem causar danos a particulares, situação em que fará nascer, a partir de então, responsabilidade de o Estado ressarci-lo. Porém, tal responsabilização somente ocorrerá nos seguintes casos:

a) Leis inconstitucionais: declarada uma lei inválida ou inconstitucional por decisão judicial, nasce o direito do lesado à reparação material. Podemos tomar como exemplo um imposto que venha a ser criado por lei posteriormente declarada inconstitucional. Um dos efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade é o dever de o Estado ressarcir os valores cobrados indevidamente em virtude desta lei. Vislumbra-se aí a responsabilidade civil do Estado.

b) Atos normativos inconstitucionais ou ilegais: o mesmo fundamento adotado

em relação às leis inconstitucionais pode ser adotado para justificar a responsabilidade civil do Estado em função de danos cometidos por atos normativos declarados inconstitucionais ou ilegais.

c) Leis de efeitos concretos: sejam referidas leis constitucionais ou

inconstitucionais. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo com observância ao processo de elaboração de leis previsto pela Constituição Federal, constitui-se num verdadeiro ato administrativo, no que toca ao seu conteúdo.

Assim, aceita-se a responsabilidade civil do Estado em função de danos causados por lei de efeitos concretos, mesmo que esta seja perfeitamente constitucional. Podemos tomar como exemplo uma lei que crie uma reserva florestal e que afete o direito de propriedade daqueles que possuem terras na região. Ou então uma lei que autorize a encampação pelo Poder Público de um serviço público delegado a empresa privada (art. 37, da lei nº 8.987/95).

Nestes casos, por tratarem-se de leis de efeito concreto, a responsabilidade civil do Estado será semelhante à responsabilidade civil por atos administrativos, sendo esta, inclusive, uma modalidade de responsabilidade objetiva, norteada pela teoria do risco administrativo.

d) Omissão legal ou normativa: já decidiu o STF no sentido de que a omissão da

norma poderá ensejar a responsabilidade civil do Estado. Nos autos do Mandado de Injunção nº 283-DF, o Supremo decidiu no sentido de reconhecer a responsabilidade do Congresso Nacional, ou seja, da União Federal, por danos decorrentes de omissão legislativa.

Em síntese, é possível afirmar que a responsabilidade civil por atos legislativos ou omissivos é do tipo subjetiva, salvo nos casos de leis de efeitos concretos, hipótese em que a responsabilidade será do tipo objetiva.

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Por outro lado, a responsabilidade civil do Estado por danos oriundos de atos jurisdicionais, no que se refere à jurisdição criminal, não se extrai do art. 37,§ 6º, mas sim do art. 5°, LXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “o Estado indenizará o condenado por erros judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Neste item específico, temos como pressupostos para a responsabilização do Estado a existência de erro judiciário ou de erro na execução da pena aplicada pelo Judiciário. Ou seja, trata-se de uma hipótese de responsabilidade subjetiva, eis que para sua configuração não basta a ocorrência do dano, exigindo-se, também a comprovação de erro, seja na prolação da sentença condenatória, seja na sua execução.

Nos demais casos, ou seja, nas demais jurisdições (cível, trabalhista, militar, eleitoral, etc.), a responsabilidade do Estado somente poderia aparecer quando caracterizados dolo, fraude ou má-fé. Tal responsabilidade, a qual se concebe como sendo “subjetiva qualificada”, eis que exige a intenção de lesar, estaria estabelecida pelo artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35/79) e pelo art. 143 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS PELO ESTADO

O Estado Brasileiro experimenta desde a década de 90 uma reforma da Administração Pública, acompanhando o movimento da globalização e os imperativos da chamada política neoliberal, em que diante de uma situação de crise chegou-se à constatação da impossibilidade e ineficiência do poder público no cumprimento de todas as competências traçadas pela Constituição Federal Brasileira de 1988, especialmente no atendimento aos serviços públicos sociais (saúde, educação, previdência social, moradia, etc), o que levou o Estado a buscar novas formas de realizar tais objetivos, reduzindo, por meio de novos instrumentos, seu aparelhamento administrativo. Nesse contexto político-social surgem as parcerias entre o setor público e o privado na consecução dos fins de interesse público, que podem relacionar-se por diversas formas, como adiante veremos, entre elas pela redescoberta da atividade de fomento, que em decorrência do princípio da subsidiariedade, o Estado não deve desenvolver atividades que possam ser desempenhadas a contento pelos particulares. Nesse caso, o Estado deve apenas auxiliá-los, com recursos, a desempenhar essas atividades. É o chamado Estado Subsidiário.

No Brasil, buscou-se por meio da proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborada pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE (1995),

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transformar a Administração Pública até então burocrática em Administração Pública gerencial, voltada ao atendimento eficiente do cidadão.

No Plano Diretor foram considerados quatro setores de atuação do Estado:

a) núcleo estratégico, correspondente aos órgãos de governo em sentido lato;

b) atividades exclusivas que só o Estado pode prestar;

c) serviços não-exclusivos, que correspondem ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações privadas ou públicas não-estatais;

d) setor de produção de bens e serviços para o mercado, desempenhadas pelas empresas, abrangendo atividades econômicas voltadas para o lucro.

Nesse contexto da Reforma do Estado surgiram as denominadas Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

As Organizações Sociais são um novo tipo de entidade, disciplinadas na esfera federal pela Lei nº 9.637/98. Estas entidades atuam na área de ensino, pesquisa científica e tecnológica, proteção do meio ambiente, cultura e saúde.

Por sua vez, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 9.790/99. Trata-se de qualificação a ser atribuída à pessoa jurídica de direito privado, desprovida de finalidade lucrativa, instituída para atender necessidades coletivas. São exemplos de atividades desempenhadas pelas OSCIPs, a promoção da assistência social; promoção da cultura; defesa e preservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; desenvolvimento de tecnologias alternativas, dentre outras. Para tanto, estão habilitadas a receber recursos ou bens públicos a serem utilizados em suas atividades, por meio do instrumento denominado "termo de parceria".

Ainda é a escassa bibliografia sobre os aspectos jurídicos e os desdobramentos teóricos e práticos do chamado Terceiro Setor, assim definido como aquele grupo de entidades compreendidas entre o Estado (primeiro setor) e o mercado (segundo setor). Analisaremos o tema do Terceiro Setor sob a ótica da gestão dos serviços públicos sociais realizados por suas entidades (OS, OSCIP, entre outras), serviços estes considerados não-exclusivos, que "correspondem ao grupo de atividades que o Estado exerce simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas, dada a relevância dessas atividades, via de regra relacionadas a direitos humanos fundamentais, como educação e saúde. São exemplos deste setor as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus."

Segundo o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: "As 'organizações sociais' e as 'organizações da sociedade civil de interesse público', ressalte-se, não são pessoas da Administração indireta, pois, como além se esclarece, são organizações particulares alheias a estrutura governamental, mas com as quais o Poder Público (que as concebeu normativamente) se dispõe a manter 'parcerias' – para usar a expressão em voga – com a finalidade de desenvolver atividades valiosas para a coletividade e que são livres à atuação da iniciativa privada”.

Não são apenas essas duas figuras da iniciativa privada que compõem o chamado Terceiro Setor. Além delas podemos mencionar também as entidades sem fins lucrativos, declaradas de utilidade pública, bem como, de acordo com Boaventura de Souza Santos, são integrantes dele (Terceiro Setor) todo o "conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam a fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, políticos ou coletivos, não são estatais."

18.1 SERVIÇOS PÚBLICOS EXCLUSIVOS E NÃO EXCLUSIVOS DO ESTADO

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A Constituição Federal qualificou o Poder Público como titular do serviço público, que poderá ser prestado por particulares por meio de delegação, ou seja, através do instituto da concessão ou da permissão, em que apenas o exercício da atividade é desenvolvido pelo particular, mantendo-se a sua titularidade ao Estado que pode retomar a atividade a qualquer tempo. Nessa perspectiva, a doutrina divide os serviços públicos em:

i) Serviços públicos exclusivos do Estado: Correspondem àquela parcela de atividades cuja titularidade pertence exclusivamente ao Poder Público e somente podem ser prestados pelos particulares por meio de concessão ou permissão.

ii) Serviços públicos não exclusivos do Estado: têm como titular tanto o Poder Público como os particulares, que independem de delegação estatal para a prestação do serviço, mas estão sujeitos pela natureza desses serviços ao poder de polícia do Estado e são desenvolvidos muitas vezes sob o regime de fomento administrativo, como adiante veremos. Os serviços sociais correspondem àquela parcela de serviços denominados "não exclusivos" ou "não privativos" do Estado, em que tanto o Poder Público como a iniciativa privada podem prestar independentemente de concessão ou permissão, diferenciando-se dos serviços públicos privativos do Estado, tais como os referidos no art. 21, XI e XII, da CF, e todos aqueles que devem ser prestados diretamente pelo Estado ou mediante concessão ou permissão. A Constituição Federal dispõe quatro espécies de serviços sob os quais o Poder Público não possui a titularidade exclusiva, autorizando a prestação concomitante pela iniciativa privada. São eles:

▪ Serviços de saúde (arts. 196, 197 e 199);

▪ Educação (arts. 205, 208, 209, 211 e 213);

▪ Previdência social (arts. 201 e 202)

▪ Assistência social (arts. 203 e 204).

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello os serviços não privativos do Estado, ficam todos submetidos a um tratamento normativo mais estrito do que o aplicável ao conjunto das atividades privadas. Assim, o Poder Público, dada a grande relevância social que possuem, os disciplina com um rigor especial. Grande celeuma se coloca na doutrina quanto à natureza jurídica dos serviços não exclusivos quando prestados por particulares. Isto porque, para grande parte dos doutrinadores, tais serviços são públicos quando prestados diretamente pelo Estado e privados quando desempenhados por particulares, configurando-se exploração de atividade econômica. Seguindo esse entendimento, Carlos Ari Sundfeld distingue os serviços públicos dos serviços sociais, sendo estes últimos aqueles sob os quais o Estado não detêm a titularidade, cujo desenvolvimento pelos particulares independe de delegação estatal e, portanto, prestados sob o regime de direito privado. Para este autor, os serviços sociais "são, à semelhança dos serviços públicos, atividades cuja realização gera utilidades ou comodidades que os particulares fruem direta e individualmente". E continua: "Os particulares exploram os serviços sociais independentemente de qualquer delegação estatal. Tais serviços se desenvolvem, portanto, em setores não reservados ao Estado, mas livres aos particulares. Daí uma importante consequência: quando prestados pelo Poder Público, submetem-se ao regime de direito público; quando prestados pelos particulares, sujeitam-se ao regime de direito privado. Tal dualidade se justifica, porquanto os serviços sociais são, ao mesmo tempo, atividade estatal e atividade dos particulares." Na mesma linha Dinorá Grotti, para quem os serviços públicos não privativos do Estado "não serão serviços públicos quando desempenhados pelos particulares em contexto de exploração de atividade econômica, tendo em conta que a Lei Maior não limitou a prestação deles ao Estado ou a quem lhe faça as vezes." Referida autora afirma, porém, que tais atividades desenvolvidas pelos particulares "podem submeter-se apenas aos condicionantes e fiscalizações inerentes às normas públicas expressivas do chamado 'poder de polícia' do Estado".

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Tarso Cabral Violin destaca que apenas os serviços sociais exercidos pelo Estado podem receber a denominação de "serviços públicos sociais", pois são prestados sob o regime de direito público, ainda que não possam ser caracterizados como privativos do Estado, já que "tanto o mercado quanto o 'terceiro setor' poderão prestá-los, independentemente de concessão ou permissão, bastando em alguns casos uma autorização do Poder Público, que exercerá controle via poder de polícia." Quando prestados pela iniciativa privada serão denominados apenas de "serviços sociais" e prestados sob o regime de direito privado, ressaltando o autor que "pela grande relevância social estes serviços terão um tratamento normativo mais restrito do que as demais atividades econômicas, por mais que sejam exercidos sob regime de Direito privado."

Maria Sylvia Zanella Di Pietro divide em três os serviços públicos: administrativos, comerciais ou industriais e sociais. Os serviços públicos sociais, por sua vez, correspondem aos serviços que objetivam o atendimento de necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, sendo possível a convivência com a iniciativa privada, na consecução do atendimento aos direitos sociais, encartados no art. 6º, da Constituição Federal. Esta autora subdivide ainda os serviços em exclusivos e não-exclusivos, este último como aqueles concernentes à ordem social, em que se admite sejam prestados tanto pelo Estado ou pelos particulares, mediante autorização, no exercício do poder de polícia do Estado, denominados serviços públicos impróprios: "Com relação a esses serviços não-exclusivos do Estado, pode-se dizer que são considerados serviços públicos próprios, quando prestados pelo Estado; e podem ser considerados serviços públicos impróprios, quando prestados por particulares, porque, neste caso, ficam sujeitos a autorização e controle do Estado, com base em seu poder de polícia. São considerados serviços públicos, porque atendem a necessidades coletivas; mas impropriamente públicos, porque falta um dos elementos do conceito de serviços público, que é a gestão, direta ou indireta, pelo Estado." Sob a óptica do elemento subjetivo e com base no dispositivo constitucional referido, apenas os serviços titularizados pelo Estado e passíveis de prestação por particulares por meio de concessão ou permissão podem ser denominados "serviços públicos", o que excluiria os serviços sociais prestados por particulares da denominação "público", já que são exercidos pelos particulares não por delegação do Poder Público, mas por injunção constitucional que lhes confere a titularidade concomitantemente com o Estado, daí porque serem chamados de serviços públicos não-exclusivos do Estado. Faz-se imperioso, portanto, estabelecer neste ponto uma diferenciação entre a prestação de serviços sociais por particulares no desempenho de uma atividade econômica, em que se objetiva perseguir o lucro como finalidade propulsora da sua atividade e, portanto, será regida pelos princípios do direito privado e, por outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado que compõem o chamado terceiro setor, mais especificamente aquelas qualificadas com títulos públicos e que mantém vínculo jurídico de parceria com o Estado por meio da atividade de fomento (convênio, termo de parceria e contrato de gestão) em que a prestação dos serviços sociais por tais entidades objetiva o benefício da coletividade sem qualquer intuito lucrativo. Tais entidades do terceiro setor não podem ser alocadas no mesmo conjunto de pessoas jurídicas de direito privado que buscam o lucro no desempenho de suas atividades, notadamente na prestação dos serviços sociais, não sendo conveniente a simples conclusão de que aplica-se o mesmo regime jurídico de direito privado na prestação de serviços sociais tanto nas pessoas jurídicas que visam lucro e as entidades sem fins lucrativos que compõem o terceiro setor acima mencionadas, sob pena de verificar-se uma burla ao regime jurídico administrativo ao se entregar a gestão de serviços públicos sociais às entidades do terceiro setor aplicando-se as regras de direito privado. Isto porque a prestação de serviços sociais pelas entidades do terceiro setor parceiras do Estado, embora não se configure como delegação estatal - por tratar-se de serviços não-exclusivos -, está condicionada pelos princípios constitucionais específicos da ordem social e pelas limitações administrativas impostas à gestão e à prestação desses serviços sociais, dada a relevância coletiva dos serviços prestados. Desse modo, o elemento objetivo material consubstanciado na prestação de utilidade ou comodidade material para os administrados também é encontrado na prestação de serviços sociais pelas

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entidades do terceiro setor, podendo-se caracterizar, uma vez mais, esses serviços como "serviços públicos sociais".

Pelo elemento objetivo formal são aplicáveis aos serviços públicos o regime jurídico especial, informado pelas normas jurídicas que ficam nas órbitas dos princípios da prevalência do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público pela Administração, compondo o regime jurídico administrativo devendo permear toda gestão e realização dessas atividades. Os princípios do regime jurídico do serviço público são: obrigatoriedade, continuidade, regularidade, igualdade, universalidade, mutabilidade, modicidade das tarifas, eficiência e controle. A admissão de que o mesmo regime jurídico, qual seja, direito privado, deva ser aplicado tanto às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços sociais com fins lucrativos, como às entidades do terceiro setor que o prestam sem fins lucrativos, excluiria desta última a observância aos princípios do serviço público o que, indubitavelmente, acarretaria num desvirtuamento da importância constitucional que lhes foi conferido.

AATTIIVVIIDDAADDEE FFIINNAANNCCEEIIRRAA DDAA DDEEFFEENNSSOORRIIAA

PPÚÚBBLLIICCAA

A Emenda 45/2004 (chamada de “Reforma do Judiciário”), quanto à Defensoria Pública Estadual, trouxe as seguintes previsões:

“Art. 134 (...)

(...) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”. “Art. 168 – Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”.

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19.1 A AUTONOMIA FINANCEIRA DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL

As regras da Reforma do Judiciário sobre a Defensoria Pública Estadual visaram, essencial e especificamente, dar condições ao órgão de ser mais eficiente na prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da CF/88).

A literatura jurídica recente, interpretando o que é claro, tem revelado, quanto às novidades da Emenda de que se fala, “a previsão do real cumprimento do princípio de acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a Justiça Itinerante e a sua descentralização, como a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Estadual” (PEDRO LENZA, “Reforma do Judiciário”, jus.com.br). No mesmo sentido: “Às Defensorias Públicas Estaduais são agora asseguradas autonomia funcional, administrativa e financeira e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, §2°, devendo os recursos e as dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares, ser-lhes entregues, igualmente como ao Judiciário e Ministério Público, até o dia 20 de cada mês, em duodécimos na forma de Lei Complementar, conforme art.168” (AGAPITO MACHADO, “A nova reforma do Poder Judiciário”, jus.com.br).

Esta conclusão decorre da interpretação conjunta das novidades jurídicas sob comento (§ 2º do art. 134, c/c art. 168). Garantiu o Constituinte Derivado, é certo, autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública, além da autonomia financeira, decorrente das menções expressas à iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária e à entrega mensal de seu duodécimo, da mesma forma como ocorre com o Legislativo, com o Judiciário e com o Ministério Público.

Aqui é de lembrar, sempre e sempre respeitosamente, que quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente. Se a Constituição passou a falar em iniciativa para elaboração de proposta orçamentária e em entrega mensal do duodécimo à Defensoria Pública, é necessário extrair dessas noções jurídicas que o órgão, efetivamente, passou a gozar também de autonomia financeira.

Para embasar melhor o tópico, eis as importantes considerações do Juiz Federal DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR:

“Ora, como de conhecimento convencional, é por meio das Defensorias Públicas que o Estado cumpre o seu dever constitucional de garantir o acesso à Justiça das pessoas desprovidas de recursos financeiros para fazer frente às despesas com advogado e custas do processo. Nesse contexto, as Defensorias Públicas revelam-se como um dos mais importantes e fundamentais instrumentos de afirmação judicial dos direitos humanos e, consectariamente, de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, vez porque atua como veículo das reivindicações dos segmentos mais carentes da sociedade junto ao Poder Judiciário, na efetivação e concretização dos direitos fundamentais. Avanço inigualável e inédito no sistema constitucional brasileiro, e sem paralelo no direito comparado, a Democracia Brasileira atinge o que talvez seja o seu ápice de amadurecimento e expansão, com a concessão às Defensorias Públicas Estaduais, órgãos imprescindíveis para a afirmação da dignidade humana e, em consequência, para a cidadania, de independência funcional, administrativa e financeira, permitindo a iniciativa de sua proposta

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orçamentária dentro dos limites fixados na lei de diretrizes orçamentárias. Com isso, passam as Defensorias Públicas Estaduais a titularizar a prerrogativa constitucional, irrecusável e indisponível, de elaborar as propostas de orçamento do órgão para fazer frente às despesas de pessoal, estrutura e funcionamento, de modo a melhorar e eficientemente garantir o acesso à Justiça dos economicamente deficientes, subordinando-se, tão somente, aos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, em tudo semelhante ao que já ocorre com os Poderes Legislativo e Judiciário e com o Ministério Público. E para que tal autonomia não permaneça no vazio e no plano abstrato das aspirações, a EC nº 45/04 deu nova redação ao art. 168, para determinar que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos da Defensoria Pública, lhes sejam entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, em situação idêntica da que já se verifica com os órgãos do Poder Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. O propósito axiomático da EC 45/04, ao garantir a autonomia funcional, administrativa e financeira às Defensorias Públicas Estaduais, foi prover esses órgãos de defesa da cidadania de melhorias com pessoal e estrutura, para o seu bom funcionamento, conferindo-lhes a liberdade para, quando da elaboração de suas propostas orçamentárias, contemplarem os subsídios dos Defensores Públicos e a remuneração de seus Servidores, condignos e compatíveis com a nobreza e elevada relevância, agora mais do que merecidamente reconhecida, das funções que lhes foram constitucionalmente concedidas”.

19.2 A INICIATIVA RESERVADA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE LEIS

O Constituinte Reformador, apesar de ter garantido a autonomia funcional, administrativa e financeira à Defensoria Pública, não adaptou a Constituição Federal quanto à regra da necessária iniciativa reservada para apresentação de projetos de leis que tratem de assuntos internos do órgão (criação e extinção de cargos e fixação da remuneração de seus membros), porque não se alterou a redação do art. 61 da CF/88.

A Defensoria Pública tem autonomia, porque tem orçamento próprio, não podendo gastar mais do que está à disposição no orçamento, como é regra tradicional no direito brasileiro (art. 157 da Constituição Estadual). Mas toda vez que precisar criar novos cargos ou fixar e majorar remuneração de seus membros, o que sempre se dá por lei, precisará solicitar ao Governador que apresente o projeto à Assembleia Legislativa.

Novamente recorremos ao bem fundamentado estudo do Doutor em Direito Constitucional DIRLEY DA CUNHA JUNIOR:

“E é a partir dessa perspectiva – autonomia financeira para elaboração de sua proposta orçamentária que defina, entre as melhorias institucionais, e atendidos tão-somente os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, os recursos suficientes para pagamento dos seus membros e servidores – que se deve reconhecer às Defensorias Públicas Estaduais a iniciativa privativa de propor às Assembléias Legislativas a fixação dos subsídios e da remuneração de seu pessoal, dentro dos limites da previsão orçamentária e observados, obviamente, os respectivos

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sub-tetos (subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, para os Defensores Públicos; e o subsídio do Governador do Estado, para os servidores do órgão). Essa interpretação se impõe, não só porque é a única que confere maior efetividade ao § 2º inserido ao art. 134 da CF/88 (que assegura a autonomia financeira), como também porque é a que melhor compatibiliza e conforma o citado parágrafo ao texto constitucional, em especial com os direitos fundamentais”.

19.3 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS

Desde seus primórdios, a instituição orçamentária foi cercada de uma série de regras com a finalidade de aumentar-lhe a consistência no cumprimento de sua principal finalidade: auxiliar o controle parlamentar sobre os Executivos. Essas regras ou princípios receberam grande ênfase na fase que os orçamentos possuíam grande conotação jurídica, chegando alguns incorporados na corrente legislação: basicamente na Constituição, na Lei 4.320/64 e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs). Os princípios orçamentários são premissas a serem observadas na concepção da proposta orçamentária.

Unidade

O orçamento deve ser uno, ou seja, deve existir apenas um orçamento para dado exercício financeiro. Dessa forma integrado, é possível obter eficazmente um retrato geral das finanças públicas e, o mais importante, permite-se ao Poder Legislativo o controle racional e direto das operações financeiras de responsabilidade do Executivo.

São evidências do cumprimento deste princípio, o fato de que apenas um único orçamento é examinado, aprovado e homologado. Além disso, tem-se um caixa único e uma única contabilidade.

O princípio da unidade é respaldado legalmente por meio do Art. 2º da Lei 4.320/64 e pelo § 5º do art. 165 da CF 88.

Mas mesmo assim, o princípio clássico da unidade não estava, na verdade, sendo observado. As dificuldades começaram antes da Constituição de 88 em razão da própria evolução do sistema orçamentário brasileiro. Na década de 80, havia um convívio simultâneo com três orçamentos distintos: o orçamento fiscal, o orçamento monetário e o orçamento das estatais. Não ocorria nenhuma consolidação entre os mesmos.

Na verdade, o art.62, da Constituição de 1967, emendada, limitava o alcance de sua aplicação, ao excluir expressamente do orçamento anual as entidades que não recebessem subvenções ou transferências à conta do orçamento (exemplo: Banco do Brasil - exceto se houver integralização de capital pela União).

No seu § 1º, estabelecia que a inclusão, no orçamento anual, da despesa e da receita dos órgãos da administração indireta será feita em dotações globais e não lhes prejudicará a autonomia na gestão legal dos seus recursos.

O orçamento Fiscal era sempre equilibrado e era aprovado pelo Legislativo. O orçamento monetário e o das Empresas Estatais eram deficitários e sem controle e, além do mais, não eram votados. Ora, como o déficit público e os subsídios mais importantes estavam no orçamento monetário, o Legislativo encontrava-se, praticamente, alijado das decisões mais relevantes em relação à política fiscal e monetária da Nação.

Totalidade

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Coube à doutrina tratar de reconceituar o princípio da unidade de forma que abrangesse as novas situações. Surgiu, então, o princípio da totalidade, que possibilitava a coexistência de múltiplos orçamentos que, entretanto, devem sofrer consolidação, de forma a permitir uma visão geral do conjunto das finanças públicas.

A Constituição de 1988 trouxe melhor entendimento para a questão ao precisar a composição do orçamento anual que passará a ser integrado pelas seguintes partes: a) orçamento fiscal; b) orçamento da seguridade social e c) orçamento de investimentos das estatais. Este modelo, em linhas gerais segue o princípio da totalidade.

Universalidade

Princípio pelo qual o orçamento deve conter todas as receitas e todas as despesas do Estado. Indispensável para o controle parlamentar, pois possibilita : a) conhecer a priori todas as receitas e despesas do governo e dar prévia autorização para respectiva arrecadação e realização; b) impedir ao Executivo a realização de qualquer operação de receita e de despesa sem prévia autorização Legislativa; c) conhecer o exato volume global das despesas projetadas pelo governo, a fim de autorizar a cobrança de tributos estritamente necessários para atendê-las.

Na Lei 4.320/64, o cumprimento da regra é exigido nos seguintes dispositivos:

▪ Art.2º A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e da despesa, de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade.

▪ Art.3º A Lei do Orçamento compreenderá todas as receitas, inclusive as operações de crédito autorizadas em lei.

A Emenda Constitucional n.º 1/69 consagra essa regra de forma peculiar: "O orçamento anual compreenderá obrigatoriamente as despesas e receitas relativas a todos os Poderes, órgãos, fundos, tanto da administração direta quanto da indireta, excluídas apenas as entidades que não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento.

Observa-se, claramente, que houve um mal entendimento entre a condição de auto-suficiência ou não da entidade com a questão, que é fundamental, da utilização ou não de recursos públicos.

Somente a partir de 1988 as operações de crédito foram incluídas no orçamento. Além disso, as empresas estatais e de economia mista, bem como as agências oficiais de fomento (BNDES, CEF, Banco da Amazônia, BNB) e os Fundos Constitucionais (FINAM, FINOR, PIN/PROTERRA) não têm a obrigatoriedade de integrar suas despesas e receitas operacionais ao orçamento público. Esses orçamentos são organizados e acompanhados com a participação do Ministério do Planejamento (MPO), ou seja, não são apreciados pelo Legislativo. A inclusão de seus investimentos no Orçamento da União é justificada na medida que tais aplicações contam com o apoio do orçamento fiscal e até mesmo da seguridade.

Anualidade ou Periodicidade

O orçamento deve ser elaborado e autorizado para um determinado período de tempo, geralmente um ano. A exceção se dá nos créditos especiais e extraordinário autorizados nos últimos quatro meses do exercício, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício subsequente.

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Este princípio tem origem na questão surgida na Idade Média sobre a anualidade do imposto. E aí se encontra a principal consequência positiva em relação a este princípio, pois dessa forma exige-se autorização periódica do Parlamento. No Brasil, o exercício financeiro coincide com o ano civil, como sói acontecer na maioria dos países. Mas isso não é regra geral. Na Itália e na Suécia o exercício financeiro começa em 1/7 e termina em 30/6. Na Inglaterra, no Japão e na Alemanha o exercício financeiro vai de 1/4 a 31/3. Nos Estados Unidos começa em 1/10, prolongando-se até 30/9.

O § 5º do art. 165 da CF 88 dá respaldo legal a este princípio quando dispõe que: "A lei orçamentária anual compreenderá:"

O cumprimento deste princípio torna-se evidente nas ementas das Leis Orçamentárias, como por exemplo, a da Lei 10.837/2004: "Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2004."

Observe-se, finalmente, que a programação financeira, trimestral na Lei 4.320/64 e mensal nos Decretos de Contingenciamento, limitando a faculdade de os órgãos empenhar despesas, não mais ao montante das dotações anuais, pode ser entendido como um abandono parcial do princípio da anualidade.

Exclusividade

A lei orçamentária deverá conter apenas matéria orçamentária ou financeira. Ou seja, dela deve ser excluído qualquer dispositivo estranha à estimativa de receita e à fixação de despesa. O objetivo deste princípio é evitar a presença de "caldas e rabilongos"

Não se inclui na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita.

Este princípio encontra-se expresso no art. 165, § 8º da CF de 88: "A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa ..."

Especificação, Especialização ou Discriminação

As receitas e as despesas devem aparecer de forma discriminada, de tal forma que se possa saber, pormenorizadamente, as origens dos recursos e sua aplicação. Como regra clássica tinha o objetivo de facilitar a função de acompanhamento e controle do gasto público, pois inibe a concessão de autorizações genéricas (comumente chamadas de emendas curinga ou "rachadinhas") que propiciam demasiada flexibilidade e arbítrio ao Poder Executivo, dando mais segurança ao contribuinte e ao Legislativo.

A Lei nº 4.320/64 incorpora o princípio no seu art. 5º: "A Lei de Orçamento não consignará dotações globais para atender indiferentemente as despesas…, "

O art. 15 da referida Lei exige também um nível mínimo de detalhamento: "...a discriminação da despesa far-se-á, no mínimo, por elementos".

Como evidência de cumprimento deste princípio pode-se citar a Atividade 4775, cujo título é "Capacitação de agentes atuantes nas culturas de oleaginosas". Mas, também, existem vários exemplos do não cumprimento como, por exemplo, a Ação 0620 "Apoio a projetos municipais de infraestrutura e serviços em agricultura familiar’, ou o subtítulo "Ações de Saneamento Básico em pequenas cidades da Região Sul"

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Não Vinculação ou Não Afetação das Receitas

Nenhuma parcela da receita geral poderá ser reservada ou comprometida para atender a certos casos ou a determinado gasto. Ou seja, a receita não pode ter vinculações. Essas reduzem o grau de liberdade do gestor e engessa o planejamento de longo, médio e curto prazos.

Este princípio encontra-se claramente expresso no inciso IV do art. 167 da CF de 88, mas aplica-se somente às receitas de impostos.

"São vedados "a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212), prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º".

As evidências de receitas afetadas são abundantes:

▪ Taxas, contribuições: servem para custear certos serviços prestados;

▪ Empréstimos: comprometidos para determinadas finalidades;

▪ Fundos: receitas vinculadas.

Observe-se ainda que as vinculações foram eliminadas no governo Figueiredo, mas, infelizmente, ressuscitadas na Constituição de 1988. O ministro Palocci recoloca essa ideia na ordem do dia.

Orçamento Bruto

Este princípio clássico surgiu juntamente com o da universalidade, visando ao mesmo objetivo. Todas as parcelas da receita e da despesa devem aparecer no orçamento em seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução.

A intenção é a de impedir a inclusão de valores líquidos ou de saldos resultantes do confronto entre receitas e as despesas de determinado serviço público.

Lei 4.320/64 consagra este princípio em seu art. 6º: "Todas as receitas e despesas constarão da Lei do Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções. Reforçando este princípio, o § 1º do mesmo artigo estabelece o mecanismo de transferência entre unidades governamentais "

Dessa forma, as cotas de receita que uma entidade pública deva transferir a outra incluir-se-ão, como despesa, no orçamento da entidade obrigada à transferência e, como receita, no orçamento da que as deva receber. Como exemplo desse procedimento pode-se citar o caso da Arrecadação do Imposto Territorial Rural, que se constitui numa receita prevista no orçamento da União para 2004 com o valor de R$ 309,4 milhões. No mesmo orçamento, fixa-se uma despesa relativa à Transferência para Municípios (UO 73108-Transferências Constitucionais) no valor de R$ 154,7 milhões.

Ou seja, se o Orçamento registrasse apenas uma entrada líquida para a União de apenas R$ 154,7 milhões, parte da história estaria perdida.

Equilíbrio

Princípio clássico que tem merecido maior atenção, mesmo fora do âmbito específico do orçamento, pautado nos ideais liberais dos economistas clássicos (Smith, Say, Ricardo). O keynesianismo (a partir dos anos 30) tornou-se uma contraposição ao princípio do orçamento equilibrado, justificando a intervenção do governo nos períodos de recessão. Admitia-se o déficit (dívida) e seu financiamento. Economicamente haveria compensação, pois a utilização de recursos

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ociosos geraria mais emprego, mais renda, mais receita para o Governo e, finalmente, recolocaria a economia na sua rota de crescimento. No Brasil, as últimas Constituições têm tratado essa questão ora de maneira explícita ora de forma indireta. A Constituição de 1967 dispunha que : "O montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não poderá ser superior ao total de receitas estimadas para o mesmo período."

Observa-se a existência de dificuldades estruturais para o cumprimento desse princípio, principalmente em fases de crescimento da economia, pois as despesas públicas normalmente crescem mais que as receitas públicas quando há crescimento da renda interna .

De qualquer forma, ex-ante, o equilíbrio orçamentário é respeitado, conforme pode ser verificado nos Arts. 2º e 3º da Lei 10.837/2003, onde: A Receita Total é estimada em R$ 1.469.087.336,00, e a Despesa Total é fixada em R$ 1.469.087.336,00.

Entretanto, nas cifras acima encontra-se um tremendo déficit, devidamente financiado por empréstimos. O déficit aparece embutido nas chamadas Operações de Crédito que classificam tanto os financiamentos de longo prazo contratados para obras, as operações de curto prazo de recomposição de caixa e que se transformam em longo prazo pela permanente rolagem e a receita com a colocação de títulos e obrigações emitidas pelo Tesouro.

A CF 88 adotou uma postura mais realista. Propôs o equilíbrio entre operações de crédito e as despesas de capital. O art. 167, inciso III, veda: "a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital ....";

Qual a mensagem que se encontra vinculada a esse dispositivo? Claramente a de que o endividamento só pode ser admitido para a realização de investimento ou abatimento da dívida. Ou seja, deve-se evitar tomar dinheiro emprestado para gastar com despesa corrente, mas pode pegar emprestado para cobrir despesa de capital (o déficit aqui é permitido ). Essa é uma norma lógica e de grande importância para as finanças públicas do País. Na verdade, é a Regra de Ouro reforçada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, art. 12, § 2º): "O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária."

Essa Regra também significa, por outro lado, que a receita corrente deve cobrir as despesas correntes (não pode haver déficit corrente). A Regra de Ouro vem sendo adequadamente cumprida nos últimos orçamentos, exceto nos dois últimos (2003 e 2004). Para o exercício de 2004, o valor das operações de crédito dos orçamentos fiscal e da seguridade é de R$ 629,7 bilhões. Se somado a esse, o valor corresponde ao Orçamento de Investimento das Estatais (R$ 5,9 milhões) chega-se ao total de R$ 635,6 milhões.

Já as despesas de capital dos orçamentos fiscal e da seguridade social somam R$ 612,7 milhões. Com R$ 23,8 do OIE, chega-se ao total de R$ 636,5 milhões. Ou seja, só se cumpre a regra de ouro se se considera na contabilização os dados relativos ao Orçamento das Estatais.

Ainda com relação ao princípio do equilíbrio, um terceiro conceito surge a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal &mdash o chamado Equilíbrio Fiscal. Na verdade, exige-se mais que o equilíbrio, exige-se um superávit (fiscal), ou seja, a receita (primária) deve superar a despesa (primária) de forma que o saldo possa ser utilizado para pagamento do serviço da dívida pública.

Essa variação do princípio do equilíbrio faz parte das orientações orçamentárias constantes das leis de diretrizes orçamentárias. O art. 15 da Lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003 (LDO 2004) dispõe, por exemplo, que: "Art. 15. A elaboração do projeto da lei orçamentária de 2004, a aprovação e a execução da respectiva lei deverão levar em conta a obtenção de superávit primário em percentual do Produto Interno Bruto - PIB, conforme discriminado no Anexo de Metas Fiscais, constante do Anexo III desta Lei."

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Legalidade

Historicamente, sempre se procurou dar um cunho jurídico ao orçamento, ou seja, para ser legal, tanto as receitas e as despesas precisam estar previstas a Lei Orçamentária Anual, ou seja, a aprovação do orçamento deve observar processo legislativo porque trata-se de um dispositivo de grande interesse da sociedade.

O respaldo a este princípio pode ser encontrado nos art. 37 166 da CF de 1988. O Art. 166 dispõe que: "Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum."

A evidência de seu cumprimento encontra-se na própria ementa das leis orçamentárias, como por exemplo, a da Lei nº 10.837/2003: "O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:"

Publicidade

O conteúdo orçamentário deve ser divulgado (publicado) nos veículos oficiais de comunicação para conhecimento do público e para eficácia de sua validade. Este princípio é consagrado no art. 37 da CF de 88: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ..."

Clareza ou Objetividade

O orçamento público deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas pessoas que, por força do ofício ou interesse, precisam manipulá-lo. Difícil de ser empregado em razão da facilidade de a burocracia se expressar em linguagem complexa. Observe-se, por exemplo, o título da ação nº 0373 do orçamento para 2004: "Equalização de Juros e Bônus de Adimplência no Alongamento de Dívidas Originárias do Crédito Rural".

Exatidão

De acordo com esse princípio as estimativas devem ser tão exatas quanto possível, de forma a garantir à peça orçamentária um mínimo de consistência para que possa ser empregado como instrumento de programação, gerência e controle. Indiretamente, os autores especializados em matéria orçamentária apontam os arts. 7º e 16 do Decreto-Lei nº 200/67 como respaldo ao mesmo.

19.4 DUODÉCIMO ORÇAMENTÁRIO

A expressão duodécimo orçamentário remete para a Lei Orçamentária Anual do Legislativo, e é calculado de acordo com o valor da receita corrente líquida anual do Estado em questão.

O repasse desse duodécimo é obrigatório ao poder Legislativo, Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Este repasse está mencionado na Constituição Federal, no artigo 168 que diz:

“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia

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20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.”