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Direito ao planejamento familiiar do casal. JurisWay Sala dos Doutrinadores Artigos Jurídicos Direito de Família Indique este texto a seus amigos Autoria: Autora: Dra. Adriana Artemizia De Souza Wanderley. Adriana Artemizia de S. Wanderley, Advogada formada pela Universidade Estácio de Sá FAP Belém-Para. Pós-graduanda em direito Tributário pela Escola Paulista de Direito. Membro da Integração Social da OAB/SP. Atua no setor jurídico do TCU. Endereço: Greenville I, 80000 - Mangueirão Bairro: Parque Verde Belém - PA envie um e-mail para este autor Outros artigos do mesmo autor A EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PELA PRESCRIÇÃO Direito Tributário O AVANÇO DA ENGENHARIA GENÉTICA X O DIREITO DA PROCRIAÇÃO DE CASAIS INFÉRTEIS. Direito de Família A reprodução humana assistida sob o enfoque das normas constitucionais brasileiras. Direito das Sucessões O Status de Filho Concebido Post Mortem Perante o Direito Sucessório na Legislação Vigente. Direito das Sucessões O AVANÇO DA ENGENHARIA GENÉTICA X O DIREITO DA PROCRIAÇÃO DE CASAIS INFÉRTEIS. Direito de Família

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Autora: Dra. Adriana Artemizia De Souza Wanderley.

Adriana Artemizia de S. Wanderley, Advogada formada pela Universidade Estácio de Sá FAP Belém-Para. Pós-graduanda em direito Tributário pela Escola Paulista de Direito. Membro da Integração Social da OAB/SP. Atua no setor jurídico do TCU. Endereço: Greenville I, 80000 - MangueirãoBairro: Parque VerdeBelém - PA

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Resumo:

A crescente demanda de pessoas que lutam contra a infertilidade em nosso país, ou que simplesmente buscam exercitar o direito de exercer o planejamento familiar previsto constitucionalmente.

Texto enviado ao JurisWay em 07/12/2011.

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O ESTADO ATUAL DO BIODIREITO, A INDENTIDADE GENÉTICA E O DIREITO AO

PLANEJAMENTO FAMILIIAR DO CASAL.

AUTORA: ADRIANA ARTEMIZIA DE SOUZA WANDERLEY.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, o número de crianças concebidas por meio das técnicas de Reprodução

Humana Assistida é cada vez maior. A utilização dessas novas técnicas dá origem ao polêmico

conflito entre o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material

genético. Dessa forma, surge no ordenamento jurídico a necessidade de solucionar o referido

conflito, regulamentando-se assim as novas relações sociais constituídas a partir da prática de

Reprodução Medicamente Assistida.

Para discutirmos as questões inerentes às técnicas de Reprodução Humana Assistida,

devemos primeiramente conhecer quais são os seus principais tipos e como ocorrem os

procedimentos para sua realização. É essencial também, analisá-la sob dois aspectos: como

objeto de estudo da Bioética e como objeto de estudo do Biodireito.

Em virtude da crescente utilização das técnicas de Reprodução Humana Assistida, a

doutrina já demonstra claramente a necessidade de criar-se uma legislação específica que

regulamente estas técnicas, solucionando por sua vez, problemas como o conflito entre o

direito ao anonimato do doador e o direito à identidade genética. Na realidade, a solução deste

conflito é de extrema e urgente importância, uma vez que envolve dois direitos fundamentais

oriundos do inviolável princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se do direito

fundamental à intimidade, no que tange à preservação do anonimato do doador de material

genético e o direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética, como forma de

garantir o direito à personalidade e em casos particulares garantir o direito à vida.

Vários questionamentos surgem deste conflito como, por exemplo, o fato do ser

concebido por técnicas de Reprodução Humana Assistida possuir ou não o direito de conhecer

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a sua ascendência genética. Nesse sentido, surge a dúvida se este conhecimento fere o direito

à intimidade, já que, o anonimato do doador deve ser resguardado. Além disso, há ainda as

dúvidas pertinentes aos casos em que o direito à vida, previsto constitucionalmente, é

ameaçado, quando o filho gerado possuir alguma doença letal que só tenha cura com a doação

do material genético proveniente do doador. Desta situação, surge a dúvida que reside na

quebra ou não do sigilo da identidade do ascendente.

Nas hipóteses em que a revelação da identidade do doador se fizer necessária para a

preservação da vida do receptor ou para se evitar a formação de vínculos parentais em

desacordo com as normas do Código Civil é incontestável que o direito ao conhecimento da

ascendência genética é o que deve prevalecer, já que, o direito do ser humano gerado por

meio de reprodução humana assistida de conhecer a identidade do doador de material genético

é personalíssimo e impassível de violação. Todavia, há quem defenda que este direito só

poderá se sobrepor ao direito ao anonimato do doador de material genético, se o receptor

comprovar a necessidade dessa revelação.

No entanto, nem sempre será tão fácil analisar qual dos dois direitos deve prevalecer,

uma vez que o conflito entre o direito ao anonimato do doador e o direito à identidade genética

demonstra claramente a colisão entre dois direitos fundamentais, os quais não só servem de

alicerce para o princípio da dignidade da pessoa humana como são cláusulas pétreas, logo não

podemos falar na exclusão de um deles, nos cabendo apenas analisar em cada caso concreto,

à luz do princípio da unidade da Constituição e da concordância prática, do princípio da

proporcionalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana, qual deles deve prevalecer.

Por fim, indicaremos a solução para dirimir o conflito entre o direito ao anonimato do

doador e o direito à identidade genética, apontando qual seria a ação cabível para proteger os

interesses dos envolvidos, bem como quais os efeitos que esta deverá produzir.

1. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

A Reprodução Humana Assistida é o conjunto de operações que tem o objetivo de unir,

de forma artificial, os gametas femininos e masculinos, dando origem a um ser humano. Esta

prática tem como finalidade auxiliar a fertilização, colocando espermatozóides e óvulos em

contato próximo.

Tecnicamente, a Reprodução Humana Assistida ou simplesmente Inseminação

Artificial, dar-se-á através de quatro tipos: a inseminação artificial propriamente dita, a

transferência intratubária de gametas ou método GIFT, a transferência intratubária de zigotos

ou método ZIFT e a fertilização in vitro com a transferência de embriões (FIVETE).

A primeira tentativa de Reprodução Artificial comprovada historicamente, envolvendo

um ser humano, data de 1790. Neste ano, o médico inglês John Hunter realizou uma

inseminação artificial em uma certa mulher com o sêmen de seu marido, porém não obteve

êxito. Muitas tentativas foram feitas após esta data, sendo que o primeiro experimento de

sucesso ocorreu em 1838, com a introdução de líquido seminal no canal cervical da mulher,

experiência esta realizada pelo Dr. Jaime Marion Sims (ginecologista francês). Por todo o

século XIX, a prática foi amplamente difundida e o próprio Dr. Marion Sims obteve sucesso em

pelo menos outras 6 mulheres nos EUA. Além dele, Girault, outro médico francês e geneticista,

realizou várias tentativas de fertilização por Inseminação Artificial em Paris, conseguindo

sucesso em pelo menos 9 casos, durante 30 anos. Em 1884, o médico inglês Pancoast

realizou a primeira Inseminação Artificial Heteróloga.

Em 1910, Elie Ivanov descobriu uma nova possibilidade de conservação do líquido

seminal através de seu resfriamento, dando origem aos bancos de sêmen, os quais surgem

como a solução para os casais que têm dificuldade para ter filhos.

Page 5: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Em 1978, tem-se o primeiro fato renomado envolvendo a Reprodução Humana

Assistida, principalmente pela repercussão que gerou. Trata-se do nascimento na Inglaterra,

em 25 de julho, de Louise Brown, primeiro "bebê de proveta" (test tube baby) do mundo, ou

seja, o primeiro ser humano originado de uma concepção concretizada fora do corpo humano,

alcançada graças às pesquisas dos médicos, Robert Edwards e Patrick Steptoe. A mesma

técnica só alcançou o sucesso no Brasil em 1984, quando nasceu pelo mesmo método Ana

Paula Caldeira, em 07 de outubro daquele ano.

Ainda ao longo do ano de 1978, além do nascimento de Louise Brown, outra técnica foi

desenvolvida, dessa vez pelos irmãos médicos Randolph W. Seed e Richard W. Seed, que

consiste no transplante do embrião proveniente de uma mulher para outra, que passou a ser

chamada de mãe substituta ou "mãe de aluguel". Em 1984, outro grande avanço foi registrado

na área da biogenética, com o nascimento do primeiro bebê (Zoe Leyland), gerado a partir de

embrião criopreservado na Austrália, em 1984.

No Brasil, desde a década de 80, mais de 100 clínicas especializadas em Reprodução

Humana já participaram da geração de quase 50.000 bebês. Na realidade, as técnicas de

Reprodução Artificial começaram a ser divulgadas e concretizadas no Brasil na década de 50 e

evoluíram até os dias atuais. Atualmente, cerca de 6.000 mulheres recorrem às técnicas de

Reprodução Assistida por ano, para vencerem o obstáculo da infertilidade e alcançarem o

sonho e o direito da maternidade.

2. A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA COMO OBJETO DE ESTUDO DA

BIOÉTICA E DO BIODIREITO

Etimologicamente, Bioética é um neologismo, onde "bíos", relaciona-se à vida e "éthos"

ao costume, comportamento, significando, assim, ética da vida. O termo "Bioética" foi criado

em 1971 pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter, estabelecendo uma

ligação entre os valores éticos e os fatos biológicos.

A princípio, a Bioética resumia-se ao juramento hipocrático, o qual é pronunciado pelos

graduandos em Medicina e recebeu esse nome em homenagem ao médico grego, Hipócrates,

conhecido como o "pai da medicina". Com o passar dos anos, a Bioética impôs-se como uma

resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde e da vida. Desta

forma, surgindo a partir da ética nas ciências biológicas, a Bioética é hoje, também, uma

disciplina voltada para o Biodireito e para a legislação, com a finalidade de garantir mais

humanismo nas ações e relações médico-científicas.

O conceito atual de Bioética deve ser interpretado como o estudo sistemático da

conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos

valores e princípios morais. A Bioética seria, assim, o encontro da ética com as ciências

biomédicas, estruturando os códigos de conduta dos profissionais da saúde.

A relação da Bioética com o Direito, mais especificamente com o Biodireito, surge da

necessidade do jurista obter instrumentos eficientes para propor soluções para os problemas

que a sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio de desenvolvimento.

Desta forma, surge o Biodireito como o ramo do Direito Público que tem por escopo

analisar de forma ampla as teorias, a legislação e a jurisprudência relativa à regulamentação da

conduta humana, essencialmente no que diz respeito aos avanços tecnológicos conectados à

Medicina e à Biotecnologia.

A Bioética e o Biodireito fundamentam-se especialmente em 3 (três) princípios, quais

sejam: o princípio da autonomia, o princípio da beneficência e o princípio da justiça.

O princípio da autonomia estabelece que cada ser humano tem o direito de escolha e

decisão sobre sua própria vida, bem como sobre as atividades que impliquem alterações em

Page 6: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

sua condição de saúde física ou mental. Refere-se, ainda, à capacidade de autogoverno do

homem para tomar suas próprias decisões e à capacidade do cientista de ponderar, avaliar e

decidir sobre qual método deve ser utilizado em cada caso, determinando que o centro das

decisões deva deixar de ser apenas o médico, e passar a ser o médico e o paciente.

Este é o mais importante princípio da Bioética e do Biodireito, uma vez que os outros

princípios encontram-se a ele vinculados. Por sua vez, o princípio da autonomia encontra-se

diretamente ligado ao livre consentimento do paciente; porém, para que esta liberdade seja

plena, o paciente terá que ter conhecimento das informações relevantes sobre o tratamento ou

pesquisa a ser realizado, garantindo-se, assim, que o consentimento seja realmente livre e

consciente.

O princípio da beneficência visa a melhoria da sociedade e de cada ser humano,

norteando a conduta dos profissionais da saúde quanto à ponderação entre riscos e benefícios,

tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos, devendo estes comprometerem-se com o

máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos. Em outras palavras, visa proibir que tais

profissionais exerçam condutas que, embora possam resultar em novos conhecimentos, sejam

também capazes de ameaçar a vida, a integridade física ou psíquica do paciente.

Tal princípio, também chamado de princípio da não-maleficência, encontra-se

intimamente ligado ao juramento de Hipócrates, o qual afirma: "aplicarei os regimes para o bem

dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer o mal a

quem quer que seja".

O princípio da justiça revela a obrigatoriedade de garantia da distribuição dos bens e

serviços da medicina ou da área da saúde, de forma justa e universal, afirmando que a

sociedade, através do Estado, deve exercer os mecanismos de controle das ações, para que

as mesmas sejam justas.

Este princípio determina que todos os membros da sociedade devem arcar, de forma

igualitária e de acordo com sua situação econômica, com o ônus da manutenção das

pesquisas e da aplicação dos resultados, com o fim de garantir uma distribuição justa e

eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde,

devendo a ciência ser aplicada de forma igual para todos e não devendo existir qualquer

espécie de distinção em função de capacidade econômica ou classe social daquele que

necessita de tratamento médico.

3. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA

X DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR

A ausência de uma legislação específica que regulamente as técnicas de Reprodução

Humana Assistida dá origem a um cenário de grande instabilidade, em virtude das celeumas

jurídicas que se erguem com a utilização dessas técnicas de Reprodução Assistida, merecendo

destaque especial, o conflito entre o direito ao anonimato do doador e o direito à identidade

genética.

O direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material genético

são vertentes de dois direitos fundamentais, quais sejam, o direito à personalidade e o direito à

intimidade. Neste sentido, para que possamos indicar a melhor solução para o conflito existente

entre esses dois direitos, devemos primeiramente, demonstrar como solucionar conflitos

envolvendo direitos fundamentais.

Partindo-se da premissa de que os direitos fundamentais em questão baseiam-se no

princípio da dignidade da pessoa humana, deve-se aplicar a mesma forma de solução utilizada

quando o conflito em questão envolve princípios. Embora os direitos fundamentais não sejam

princípios, são direitos destinados a preservar a vida humana dentro dos valores de liberdade e

Page 7: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

dignidade, não sendo possível a exclusão de nenhum destes direitos, em caso de conflito, uma

vez que inexiste qualquer espécie de hierarquia entre eles.

Desta forma, havendo colisão entre dois ou mais direitos fundamentais é imprescindível

que se busque sempre o sacrifício mínimo dos direitos envolvidos, uma vez que os mesmos

não poderão ser excluídos, já que esta colisão não indica que estes direitos são contrários uns

aos outros, sendo apenas opostos quando analisados em casos concretos.

Neste sentido, diante da impossibilidade de exclusão de um dos direitos fundamentais

conflitantes, pode-se recorrer à 4 (quatro) princípios como instrumentos para a solução do

conflito, quais sejam: o princípio da unidade da Constituição, o princípio da proporcionalidade, o

princípio da razoabilidade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da unidade da Constituição exige a coordenação e combinação dos bens

jurídicos em conflito com o escopo de evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.

Para tanto, utiliza-se de um juízo de ponderação, o qual, ao ser aplicado, visa alcançar uma

interpretação harmônica da Constituição para indicar qual dos direitos fundamentais em conflito

deve prevalecer.

O princípio da proporcionalidade, utilizado como um instrumento para se estabelecer os

limites de cada bem jurídico constitucionalmente tutelado, permite a ponderação e a

harmonização destes bens, definindo qual dos direitos fundamentais em questão deve

prevalecer. Para tanto, deve-se analisar no caso concreto, quais os princípios que orientam os

direitos conflitantes em questão, mensurando-os, no sentido de indicar qual dos direitos

conflitantes é o mais adequado.

O princípio da razoabilidade é uma diretriz de senso comum ou, mais exatamente, de

bom-senso, aplicada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz essencial diante do conflito

entre direitos fundamentais, uma vez que, em virtude da impossibilidade de exclusão de um

deles, é necessário que o intérprete, baseando-se no bom-senso comum, pondere qual deles

deve prevalecer no caso concreto.

O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade não estão previstos expressamente

na Constituição Federal, contudo, isso não lhes retira a característica de serem princípios

reguladores dos conflitos entre os demais princípios e garantias fundamentais, tanto que os

mesmo vêm sendo freqüentemente citados pelos Tribunais, já que viabilizam a observância do

devido processo legal, permitindo o funcionamento do Estado Democrático de Direito e

preservando os direitos e garantias fundamentais.

No entanto, a jurisprudência e a doutrina utilizam os termos razoabilidade e

proporcionalidade indistintamente. Essa imprecisão terminológica pode trazer certo prejuízo ao

rigoroso mundo acadêmico, porém é importante destacar que em todas as oportunidades em

que se têm feito alusão aos ditos princípios, estes têm estado em consonância com seus

objetivos e conteúdo, que, de uma forma ou de outra, procuram garantir direitos ao cidadão em

face de eventual arbítrio do poder estatal.

Diante da impossibilidade de solucionar o conflito entre direitos fundamentais, através

da aplicação dos princípios retro mencionados, deve-se recorrer ao princípio da dignidade da

pessoa humana, já que os direitos fundamentais têm por objetivo a proteção da dignidade da

pessoa humana.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana ao

patamar de fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, III,

estabelecendo que as relações humanas sejam regidas sob a égide deste princípio, impondo-o

como referência para os demais valores proclamados pela Carta Magna.

Page 8: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Quando a esfera de direitos de um indivíduo invade a de outro, já se tendo recorrido

aos dois princípios retro mencionados, deve-se aplicar o princípio da dignidade da pessoa

humana, para que, através da análise do caso concreto, se estabeleça qual o direito

fundamental conflitante deve prevalecer..

A dignidade da pessoa humana constitui a fonte jurídico-positiva dos direitos

fundamentais e é, na verdade, um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos

fundamentais do homem, podendo ser considerada, ainda, como uma cláusula aberta com o

escopo de respaldar o surgimento de novos direitos não expressos na Constituição de 1988,

ainda que nela encontrem-se implicitamente.

O direito ao anonimato do doador na reprodução humana assistida, adotado pela

Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1.358/92, consiste na vedação de revelar-se

a identidade civil do doador de material genético, impossibilitando que o ser concebido por seu

gameta, através das técnicas de Reprodução Humana Assistida, venha a conhecê-lo,

admitindo apenas o repasse das informações sobre os doadores, em situações especiais e

exclusivamente para médicos.

O direito ao anonimato fundamenta-se na proteção do doador de material genético, no

sentido de proteger o seu direito à intimidade, previsto no art. 5º, X da CF/88.

A legislação pátria infraconstitucional só terá validade se estiver em plena consonância

com os princípios constitucionais. Desta forma, é necessário que se faça uma leitura

sistemática da resolução do CFM nº 1.358/92, a qual estabeleceu o direito ao anonimato, que

tem sido visto como preceito absoluto, em virtude da carência de legislação específica sobre o

assunto.

O direito à intimidade consiste na proibição de qualquer forma de divulgação dos dados

de nossa existência sem a devida autorização da pessoa, no sentido de que todos têm o direito

à reserva sobre o conhecimento de sua vida íntima. Em outras palavras, a intimidade é a

autonomia inerente ao ser humano de preservar os aspectos íntimos de sua vida, e tanto o

direito à intimidade, quanto à vida privada, referem-se à liberdade de que deve gozar o

indivíduo. Assim sendo, não poderia haver entendimento diverso nos casos de Reprodução

Humana Assistida, nos quais o doador de material genético tem o direito de manter em segredo

a sua identidade, preservando a sua intimidade.

O direito à identidade genética, assim como o direito à intimidade, é corolário do

princípio da dignidade da pessoa humana, sendo um direito personalíssimo, irrenunciável e

imprescritível, já que é fundado no direito de personalidade, garantindo que toda a pessoa

tenha o direito de conhecer sua origem genética, pois se trata de um direito fundamental. Como

reflexo de seu direito da personalidade, o direito do indivíduo a conhecer a sua ascendência

genética é um assunto bastante delicado, já que o remete às suas origens e, assim, aos seus

pais biológicos.

A personalidade não é apenas um conjunto de direitos subjetivos, devendo ser

entendida de forma ampla, uma vez que a tutela da integridade física e moral da pessoa

humana deve ser o objetivo final de todo ordenamento jurídico, visando atender ao dogma

absoluto de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, o direito à identidade genética apresenta-se como reflexo do direito do

ser concebido conhecer sua ascendência biológica, como decorrência da inviolabilidade de sua

integridade moral, sendo tal direito essencial e básico para o desenvolvimento da

personalidade.

A identidade genética é conceituada de acordo com três acepções: a primeira

corresponde ao genoma de cada ser humano, sendo considerada como fundamento biológico,

Page 9: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

pertinente a cada um; a segunda utiliza o termo para designar características genéticas entre

dois ou mais indivíduos; a terceira compreende a identidade genética como base fundamental

da identidade pessoal.

A identidade pessoal abrange uma pluralidade de valores, já que, além da identidade

genética, ela compreende a identidade cultural, política, sexual e moral, estando ligada, às

características subjetivas de cada ser humano, manifestando-se no nome, nas impressões

digitais e nos demais traços que lhes são peculiares, individualizando-os.

4. DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR X DIREITO À ORIGEM GENÉTICA

Para solucionar o conflito existente entre o direito ao anonimato do doador e o direito à

origem genética, precisamos apreciar as particularidades de cada situação de conflito,

identificando qual o direito fundamental em questão garantirá uma maior proteção da dignidade

da pessoa humana, a qual, somente estará assegurada, quando for possível a fruição dos

direitos fundamentais.

Por um lado, é reservado ao ser humano gerado por meio de Reprodução Humana

Assistida, o direito de conhecer a identidade do doador de material genético, como vertente do

direito à personalidade, já que o direito à identidade é personalíssimo e impassível de violação.

Todavia, há quem defenda que este direito só poderá se sobrepor ao direito ao anonimato do

doador de material genético, como vertente do direito à intimidade, se o receptor comprovar a

necessidade dessa revelação. Além disso, há ainda as dúvidas pertinentes aos casos em que o

direito à vida, previsto constitucionalmente, é ameaçado, quando o filho gerado possuir alguma

doença letal, que só tenha cura com a doação do material genético proveniente do doador.

Contudo, observamos que na prática, indicar qual dos direitos conflituosos em questão

deve sobressair em detrimento do outro é uma tarefa árdua. Isso ocorre, porque neste conflito,

há uma colisão de direitos fundamentais que não podem ser excluídos, mesmo que estejam em

confronto, já que, derivam do princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, é

apenas com a análise particular de cada caso concreto que poderemos entender qual dos dois

direitos em questão deve prevalecer. Para tanto, devemos recorrer ao princípio da unidade da

constituição e da concordância prática, ao princípio da proporcionalidade, ao princípio da

razoabilidade e, logicamente, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Considerando que a solução do conflito entre o direito ao anonimato do doador de

material genético e o direito ao conhecimento da origem genética depende da análise de cada

caso concreto, a nosso ver, os principais motivos que poderiam levar a criança a desejar

conhecer a sua ascendência genética seriam: a necessidade psicológica de conhecer a origem

genética, o conhecimento de possíveis impedimentos do casamento e a preservação da sua

saúde e vida nas graves doenças genéticas.

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana não admite a existência de

um sigilo que venha prejudicar a formação psicológica e social da criança, gerada por meio das

técnicas de reprodução humana assistida, uma vez que, ao negar-lhe o direito de conhecer sua

origem genética, estaria restringindo-lhe a descoberta de fatores essenciais para a formação de

sua personalidade e que influenciariam na sua autodeterminação.

Neste sentido, ao possibilitar ao filho o conhecimento de sua verdadeira ascendência

genética, estamos garantindo-lhe o exercício pleno de seu direito de personalidade e a

oportunidade de encontrar nos pais biológicos, as explicações para os questionamentos acerca

de suas características fenotípica, da índole e do comportamento social.

A revelação da origem genética, com o intuito de se conhecer possíveis impedimentos

para o casamento, evitaria a formação de vínculos parentais que afrontem a moral, os

costumes e até mesmo o ordenamento jurídico, ou seja, o acesso dos filhos aos dados

Page 10: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

biológicos do doador de material genético garantiria a descoberta de possíveis impedimentos

matrimoniais.

O anonimato absoluto iria de encontro à dignidade da pessoa humana, pois estaria

expondo os envolvidos a relações incestuosas, constituídas pelos filhos nascidos de material

pertencente ao mesmo doador ou mesmo pelo próprio doador e uma filha, que poderiam vir a

contrair casamento por absoluta ignorância de suas verdadeiras origens.

Quanto à necessidade da criança conhecer o ascendente para a preservação de sua

saúde e vida, nos casos de graves doenças genéticas, é inegável que o direito ao

conhecimento da origem genética deve prevalecer, em detrimento do direito ao anonimato do

doador de material genético.

A intimidade de uma pessoa não pode ter um valor maior que a vida de outra, uma vez

que a vida é o maior bem da pessoa, merecendo uma proteção mais ampla pelo ordenamento.

Comportamento diverso estaria ferindo gravemente o princípio da dignidade da pessoa

humana.

Devemos destacar que o direito ao conhecimento da origem genética não deve originar

a desconstituição da filiação jurídica ou socioafetiva, devendo funcionar somente, como um

instrumento que garante ao ser gerado através das técnicas de reprodução assistida

heteróloga, a certeza de sua ancestralidade.

Além disso, não se pode olvidar que o direito ao conhecimento da ascendência

genética não é um dever, e sim, como o próprio nome já diz, é um direito da criança que venha

a sentir a necessidade de conhecer suas origens, não se podendo obrigá-la a conhecê-las se

não for do seu interesse. Em outras palavras, o indivíduo não pode ser obrigado a conhecer

sua ascendência biológica, embora seja garantido aos filhos direito de conhecê-la, se assim

desejarem, independente da natureza de seus vínculos familiares (adoção tradicional, recurso

às técnicas de reprodução medicamente assistida, entre outros.).

Neste sentido, posiciona-se Silmara Chinelato:

"...o direito à identidade genética não significa a desconstituição da paternidade dos

pais sócio afetivos. Hoje, enfatiza-se a importância da paternidade sócio afetiva e a

denominada "desbiologização" da paternidade. E o filho só conheceria os pais biológicos se

quisesse. O que não se pode é negar o direito da personalidade à identidade e fazê-lo crescer

sob uma mentira, como alertam os psicólogos. Um simples exame do tipo sanguíneo pode

destruir toda a fantasia de que a criança é filha biológica de um casal." [1]

Assim, o filho gerado através das técnicas de reprodução humana assistida tem o

direito indisponível, personalíssimo e constitucional, de conhecer a sua origem genética, o qual

está incluso no direito de personalidade e nos princípios da cidadania e da dignidade da

pessoa humana.

Desta forma, nas hipóteses mencionadas é inconteste que o direito da criança de

conhecer sua origem genética deve prevalecer em relação ao direito à intimidade, uma vez que

a diminuição da proteção à intimidade, na maioria dos casos concretos, pode gerar apenas

poucos embaraços, enquanto o desconhecimento da ascendência genética pode interferir na

vida do indivíduo, gerando-lhe graves seqüelas morais.

A grande maioria dos projetos de lei em tramitação nas casas legislativas nacionais

posicionam-se de forma favorável ao anonimato do doador de material genético, embora

admitam a possibilidade da quebra de tal sigilo, em virtude da manifestação expressa da

criança. No entanto, cada projeto de lei apresenta seus próprios critérios para admitir ou não a

revelação da identidade do doador de material genético.

Page 11: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Há quem defenda o Habeas Data, como o meio adequado para o conhecimento da

identidade genética. Dentre os atuais projetos de lei, somente o projeto nº. 120/03 indica a

Ação Investigatória de Paternidade, como o instrumento processual competente para se obter o

conhecimento da origem genética.

O Habeas Data encontra previsão legal no art. 5º, LXXII, da Constituição Federal de

1988, tem por escopo levar ao conhecimento do impetrante dados referentes a sua pessoa,

que sejam constantes de arquivos, cujo órgão responsável tenha se recusado a fornecer.

Além disso, este remédio constitucional não é cabível apenas perante a Administração

Pública, uma vez que pode atingir entidades que possuam bancos de dados de caráter público.

Seriam os casos das casas de saúde, dos bancos de sêmen e de embriões e os profissionais

que se responsabilizaram pelo procedimento médico concernente à procriação assistida

heteróloga.

Cumpre ressaltar que, atualmente, o tratamento de Reprodução Humana Assistida só

pode ser realizado por intermédio de clínicas particulares. No entanto, o ministro da Saúde,

José Gomes Temporão, afirmou que, a partir de 2009, o Sistema Único de Saúde (SUS)

passará a oferecer, gratuitamente, tal tratamento.

Ocorre que, nos casos de conhecimento de ascendência genética, o Habeas Data não

pode ser considerado como a ação competente. Ao analisarmos o inciso LXXII do art.5º da

Constituição Federal, ficam claros os motivos desta impropriedade, a qual se torna evidente

com a interpretação de dois pontos principais deste dispositivo constitucional.

O primeiro ponto que merece destaque é a expressão extraída da primeira parte da

alínea "a": "informações relativas à pessoa do impetrante", uma vez que, por mais que as

informações referentes à origem genética sejam relativas ao impetrante, com a sua busca,

obtêm-se também, informações relativas à pessoa do doador, sendo que estas não podem ser

obtidas através do Habeas Data, uma vez que tal instrumento possui caráter personalíssimo,

não sendo admitida revelação de informações de terceiros. O art. 6º do Código de Processo

Civil vem ratificar este entendimento.

O caráter personalíssimo do Habeas Data faz-se necessário, em virtude da amplitude

do direito por ele defendido, podendo a falta de limitação do seu objeto às informações do

impetrante transgredir a intimidade de terceiros. O direito de conhecer e alterar dados próprios,

que estejam arquivados em entidades de caráter público, é abrangente, devendo ser

restringido aos seus titulares.

O segundo ponto importante, previsto na segunda parte da alínea "a" do mesmo

dispositivo constitucional, é a exigência de que estes arquivos façam parte "de registros ou

bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público". Tal determinação exclui

totalmente a propositura do Habeas Data nos casos em que as técnicas de Reprodução

Medicamente Assistida ocorram em clínicas particulares.

Desta forma, observamos que a propositura do Habeas Data com objetivo de se obter

a Origem Genética é inadequada, já que, as informações almejadas também referem-se à

pessoa do doador de material genético e não somente a do impetrante, bem como pela

exclusão das clínicas de caráter privado, uma vez que o dispositivo refere-se apenas às

entidades de caráter público.

A doutrina majoritária posiciona-se no sentido de reconhecer a Ação de Investigação

de Paternidade, prevista na Lei 8.560/1992, como o meio apropriado a ser utilizado em busca

do direito ao conhecimento da ascendência biológica. Todavia, este posicionamento não pode

ser considerado absoluto, tendo em vista que alguns doutrinadores apresentam fortes

Page 12: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

argumentos negando a admissibilidade da referida ação para a obtenção do conhecimento da

origem genética.

Neste sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo posiciona-se de forma contrária à utilização da

Ação de Investigação de Paternidade:

"Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar

sua origem biológica [...] Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação de

paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independente de origem (biológica ou

não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga,

autorizada pelo marido [...]. Nesse caso, o filho pode vindicar os dados genéticos do doador

anônimo de sêmen que conste nos arquivos da instituição que o armazenou, para fins de

direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade.

Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim."

[2]

Tal argumento é um dos mais fortes para negar a utilização da Ação de Investigação

de Paternidade, uma vez que, a identidade genética não deve ser confundida com a identidade

da filiação, a qual deriva diretamente das relações sócio afetivas, construídas pelo ser humano

no âmbito familiar. Sendo assim, devemos ter sempre em mente que a paternidade, bem como

a maternidade, derivam do estado de filiação, a qual não pode ser apenas considerada em seu

âmbito biológico, mas principalmente em dimensões culturais, sociais e afetivas.

Tecnicamente, a filiação é comprovada através da certidão de nascimento, sendo que,

nos casos de reprodução humana artificial, os pais serão os beneficiários do procedimento.

Cumpre ressaltar que, registrados os pais, não se poderá modificar o estado de filiação, salvo

por erro ou falsidade do registro.

Sendo assim, de acordo com o art. 2º da Lei nº 8560 de 1992, a qual disciplina a Ação

Investigatória de Paternidade, torna-se evidente que esta ação só será cabível na ausência da

paternidade no registro de nascimento.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente não impõe qualquer restrição

quanto a propositura da Ação Investigatória de Paternidade quando tratar-se de indivíduo que

possui pais juridicamente estabelecidos. No entanto, tal ação não deverá ter efeitos próprios da

investigação de paternidade, uma vez que esta já foi estabelecida, não existindo motivos para

desconstituí-la, em especial quando ficar evidente à paternidade socioafetiva. Com isso, a ação

deverá ter efeitos limitados ao conhecimento da ascendência genética.

Outro caso em que a ação deve ter seus efeitos limitados é o da mulher solteira

beneficiária da técnica de reprodução humana assistida, uma vez que o doador não deve ser

obrigado a arcar com os efeitos do reconhecimento, visto que ela optou por constituir uma

família monoparental, sendo a criança concebida de sua inteira responsabilidade.

Além da Lei nº 8.560/1992, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.616, também se

manifesta no sentido de impor limites aos efeitos da Ação de Investigação de Paternidade,

procurando não ultrapassar a real finalidade buscada.

Dessa forma, observamos que a sentença que julgar procedente a Ação de

Investigação de Paternidade gera os mesmos efeitos do reconhecimento. No entanto, na

segunda parte do dispositivo retro mencionado, admite-se a necessidade de imposição de

limites ao alcance destes efeitos, que podem ser tanto de cunho moral, quanto patrimonial.

Neste sentido, identificamos como o principal efeito moral a submissão dos filhos menores ao

poder familiar, cujo exercício tem os seus direitos e deveres elencados no art.1634 do Código

Civil de 2002.

Page 13: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Portanto, é nítido que a Ação de Investigação de Paternidade não se mostra como o

instrumento mais adequado para a busca da ascendência genética nos casos de reprodução

humana assistida, em especial por passar a idéia errônea de que a origem genética confunde-

se com o instituto da paternidade e também por não possibilitar sua propositura para a

investigação da doadora de óvulos. Ademais, apesar do limite previsto pelo art. 1616 do Código

Civil, o reconhecimento de paternidade dá ensejo à possibilidade da desconstituição do vínculo

parental já estabelecido, o que diverge do fim desejado, qual seja a identificação de sua

ascendência genética, como forma de exercício do Direito da Personalidade.

Em virtude da ausência de previsão legal estipulando qual seria a ação competente

para o alcance do conhecimento da origem genética e da falta de restrições do Estatuto da

Criança e do Adolescente para a propositura da Ação de Investigação de Paternidade, utiliza-

se na prática esta última, como o instrumento para obter a ascendência genética, sendo uma

tendência jurisprudencial concedê-la com efeitos limitados.

Desta forma, é incontestável que nenhuma das ações retro mencionadas é adequada

para garantir o exercício do direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética, não

existindo no ordenamento jurídico brasileiro uma ação própria para concretizar este direito, o

que demonstra a necessidade do poder legislativo criar esta ação.

Tal ação deverá conter limitações quanto à possibilidade de sua propositura, sendo

importante limitar o conhecimento da origem genética aos casos em que este direito

fundamental prevaleça ao direito à intimidade do doador, e não em todos os casos

indistintamente.

Atualmente, em nosso país, o princípio do anonimato do doador de material genético

tem sido encarado como dogma absoluto. No entanto, esta assertiva deriva da Resolução nº

1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, não por força de lei, uma vez que nosso

ordenamento jurídico ainda é omisso sobre o tema.

O inciso IV, alínea 3, da Resolução do CFM, estabelece que obrigatoriamente será

mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos

receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica,

podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do

doador.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, veio a tona uma nova ordem

constitucional marcada por uma série de princípios humanizantes, tendo como sua principal

característica a preocupação com a dignidade da pessoa humana em todos os ramos do

direito. Assim sendo, o constitucionalismo de princípios refletiu-se especialmente no Direito de

Família, e neste contexto na garantia do melhor interesse da criança e na efetivação da

paternidade responsável.

Os posicionamentos doutrinários em apoio ao anonimato do doador de material

genético encontram resistência em questões práticas, oriundas dos casos concretos

apresentados ao Poder Judiciário em busca de uma solução satisfatória para ambas as partes,

como, por exemplo, a prevenção de casamentos consangüíneos.

Desta forma, a possibilidade do conhecimento da ascendência genética solucionaria

não somente esta questão, como as outras mencionadas anteriormente, já que tal

conhecimento é essencial para o desenvolvimento psicológico e moral de cada indivíduo, como

forma de exercício de seu direito indisponível de personalidade, o que reafirma a necessidade

imprescindível de se apresentar à sociedade uma ação própria. A Ação de Conhecimento da

Origem Genética seria a ação competente para ser utilizada como instrumento apto para

obtenção de acesso a esses dados, porém com certas limitações legais quanto a seus efeitos.

Page 14: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Assim, podemos classificar os efeitos decorrentes da procedência da Ação de

Conhecimento da Origem Genética em pessoais e patrimoniais. Dentre os efeitos pessoais

podemos elencar: o direito de conhecer a origem genética, a não constituição dos vínculos

paterno-materno-fiilais e os impedimentos matrimoniais. Dentre os efeitos patrimoniais,

podemos apontar: o direito aos alimentos e o direito à sucessão hereditária.

O anonimato absoluto fere a dignidade da pessoa humana, pois estaria privando a

criança de saber a origem de suas características fenotípicas, de índole e personalidade, além

de expor os envolvidos ao incesto e até mesmo ao perigo de vida, nos casos de graves

doenças genéticas.

O objeto principal da ação é apenas o acesso aos dados do doador de material

genético e conseqüentemente o conhecimento da ancestralidade familiar do requerente, não

devendo acarretar de forma alguma na desconstituição do vínculo paterno-filial já estabelecido

com a família beneficiada pelas técnicas de reprodução humana assistida.

A utilização das técnicas de reprodução assistida faz com que nos deparemos com um

cenário de intenso confronto entre a filiação biológica e a afetiva. Ao analisarmos a evolução

histórica de nosso ordenamento jurídico, observamos que tal conflito sempre seguiu uma forte

tendência para se resolver pela prevalência da filiação biológica, em virtude dos aspectos

históricos, religiosos e ideológicos que acompanharam o desenvolvimento de nossa sociedade,

sustentando a concepção de família, sob uma visão tradicionalista, patriarcal e matrimonial,

prova disto é a preconceituosa distinção feita pelo Código Civil de 1916 entre os filhos legítimos

e ilegítimos.

Tal comportamento comprova-se através da supervalorização concedida pelos juízes e

tribunais à prova pericial, no caso em tela o exame de DNA, o qual é encarado como prova

inequívoca da existência do vínculo parental, superando-se, inclusive, o sistema de filiação

presumida, oriundo do matrimônio.

A tendência atual de nosso ordenamento jurídico é pela perda da relevância da filiação

biológica, a qual tornou-se apenas uma espécie do gênero filiação, ao lado da filiação não

biológica, na qual os laços afetivos prevalecem perante os laços consangüíneos,

caracterizando-se assim, a valorização do vínculo afetivo em detrimento do vínculo biológico,

dando origem a desbiologização da paternidade.

Infelizmente, podemos observar que os tribunais ainda confundem os conceitos de

Estado de filiação e de origem biológica. Da mesma forma, esta incompetência também é

evidente ao analisarmos os projetos de lei sobre a matéria, que por também desconhecerem a

distinção entre os referidos conceitos acabam por transgredir o Direito à Identidade Genética.

Tal distinção faz-se imprescindível para que, ao analisarmos o conflito entre os direitos

fundamentais da intimidade do doador de material genético e da personalidade do ser oriundo

das técnicas de reprodução humana assistida, possamos identificar, no caso concreto, qual

deles deve prevalecer, observando-se sempre o princípio da dignidade da pessoa humana e o

princípio da razoabilidade.

Ao reconhecermos que a origem biológica da filiação não é mais o dado essencial para

o estabelecimento do vínculo familiar, admitimos também que o direito ao seu conhecimento

não atinge o estado de filiação reconhecido. Desta forma, ao falarmos em garantir o direito ao

conhecimento da origem genética não queremos nem mesmo abalar a relação paterno-filial

constituída, em virtude do vínculo civil derivado da reprodução assistida, buscando-se apenas

efetivação do direito protegido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002,

qual seja, o direito à identidade.

Page 15: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

Quanto aos impedimentos matrimoniais entre o doador de material genético e o ser

concebido por Reprodução Assistida, deve-se interpretar o disposto no art. 41 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, juntamente com o art. 1.626 do Código Civil.

Desta forma, mesmo não sendo estabelecidos vínculos parentais, surgem

impedimentos matrimoniais entre os envolvidos, bem como entre os parentes e afins do doador

e o ser concebido, evitando a ocorrência do risco de uniões incestuosas, biológicas ou

eugênicas, como forma de proteção a moral e aos bons costumes da sociedade e, em sentido

estrito, como forma de preservação da prole de possíveis deformidades.

O direito a alimentos, oriundo da impossibilidade de mantença dos menores, em virtude

de sua pouca idade, dá origem ao dever dos pais em fornecer-lhes o imprescindível à

satisfação de suas necessidades. Tal obrigação surge com o reconhecimento da paternidade.

A Ação de Conhecimento da Origem Genética não visa estabelecer a paternidade do

doador em relação à criança concebida, prova disso é que esta ação não tem o condão de

desconstituição do vínculo familiar anteriormente constituído, entre a criança e os beneficiários

das técnicas de Reprodução Humana Assistida, não havendo como sustentar a existência de

direitos e deveres entre o doador de material genético e esta criança, pois não há entre estes a

configuração do poder familiar, que é característica exclusiva do vínculo paterno-filial.

Conforme afirmamos anteriormente, o reconhecimento da origem genética não deve

ser confundido com o reconhecimento da paternidade, o qual de fato tem seu efeito refletido no

direito sucessório, sendo tal direito característica típica do vínculo paterno-materno-filial.

Desta forma, considerando que não há vínculo paternal ou patrimonial entre o doador

de material genético e a criança concebida, não podemos falar também em direitos

sucessórios, uma vez que o conhecimento da origem genética não modifica em nada as

relações jurídico-familiares que tal indivíduo possui com seus pais e sua família afetiva.

CONCLUSÃO

A crescente demanda de pessoas que lutam contra a infertilidade em nosso país, ou

que simplesmente buscam exercitar o direito de exercer o planejamento familiar previsto

constitucionalmente determina a relevância social do tema abordado, demonstrando

claramente a necessidade de sua regulamentação, uma vez que em virtude da falta de

legislação, surgem dificuldades na solução de problemas oriundos ao exercício do direito à

identidade genética do ser concebido por meio das técnicas de reprodução humana assistida,

em detrimento à preservação do direito à intimidade do doador.

Além disso, o direito ao conhecimento da ascendência genética deve ser garantido por

inúmeras razões, tanto de natureza biológica, com o intuito de prevenir doenças, quanto de

natureza moral, para evitar as uniões incestuosas e ainda as de natureza psico-social,

referentes à garantia de um bom desenvolvimento psicológico da criança. Cumpre ressaltar

que a possibilidade de conhecimento da origem genética jamais implicará na dissolução do

vínculo parental anteriormente estabelecido com a família afetiva, merecendo tal relação ser

protegida a todo custo.

Atualmente, a tendência doutrinária e jurisprudencial é de considerar como pais

aqueles que mantêm uma relação socioafetiva com o filho, tornando a paternidade biológica

menos relevante. Este fenômeno contribui para a idéia de que o doador de material genético

não está obrigado a arcar com o sustento da criança concebida e tampouco a apoiá-la

emocionalmente.

Espera-se que os trabalhos do Poder Legislativo direcionem-se no sentido de garantir,

por intermédio da criação da Ação de Conhecimento da Origem Genética, o direito da pessoa

nascida por meio das técnicas de Reprodução Humana conhecer sua origem genética, bem

Page 16: Direito Ao Planejamento Familiiar Do Casal

como que determine a preservação do parentesco deste indivíduo com seus pais jurídicos,

marcado pelos laços de afeto e carinho construídos ao longo de seus anos de vida.

Portanto, o principal objetivo deste trabalho foi demonstrar a urgente necessidade de

se regular essas novas relações paterno-materno-filiais, defendendo-se a criação da Ação de

Conhecimento da Origem Genética como instrumento adequado para atender aos interesses

dos envolvidos e as peculiaridades dessas relações, garantindo acima de tudo, o resguardo do

princípio da dignidade da pessoa humana. 

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