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DIREITO COMERCIAL II DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS PROF. MENEZES CORDEIRO Faculdade de Direito de Lisboa DISCLAIMER Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.

Direito Comercial II

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Faculdade de Direito de Lisboa, ano lectivo 2007/2008.Professor regente: Prof. Menezes Cordeiro.Autoria: Lara Geraldes.DISCLAIMER: estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo professor regente e assistente.

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DIREITO COMERCIAL II

DIREITO DAS SOCIEDADES

COMERCIAIS

PROF. MENEZES CORDEIRO

Faculdade de Direito de Lisboa

DISCLAIMER

Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

INTRODUÇÃO

Introdução ao Direito das Sociedades Comerciais

§1: ESQUEMA LEGAL DO CSC. O CSC é composto por oito partes, das

quais constam uma Parte Geral e uma Parte Especial:

1. Parte Geral

Parte Especial:

o 2. Sociedades em nome colectivo [SNC]

o 3. Sociedades por quotas [SPQ]

o 4. Sociedades anónimas [SA]

o 5. Sociedades em comandita [SEC]:

Simples

Por acções

o 6. Sociedades coligadas

7. Disposições penais e contra-ordenacionais

8. Disposições finais e transitórias

§2: SOCIEDADES COMERCIAIS. As sociedades comerciais praticam

maioritariamente actos comerciais [art. 1º-3] e são comerciantes, ao invés das

sociedades civis sob forma comercial [art. 1º-4], que têm exclusivamente por

objecto a prática de actos não comerciais, ainda que adoptem um dos tipos

referidos no art. 1º-2.

§3: RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. O regime da responsabilidade

constitui um importante elemento de distinção entre os tipos de sociedades:

Sociedades civis: arts. 980º ss CC

o Pelas dívidas da sociedade respondem [art. 997º CC]:

1. O património social

2. O património dos sócios, solidariamente

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Fala-se, a este propósito, de um benefício da excussão prévia: os sócios

nada pagam enquanto sobejar património social que responda pelas dívidas da

sociedade.

Sociedades comerciais: poderá haver responsabilidade limitada ou

não, consoante o tipo social em causa.

o Nas SNC o sócio responde nos termos do art. 175º-1 – não há

responsabilidade limitada:

Individualmente pela sua entrada.

Subsidiariamente pelas obrigações sociais em relação à

sociedade.

Solidariamente com todos os outros sócios.

o Nas SPQ o sócio responde nos termos do art. 197º-1:

Pelas entradas:

1. O sócio responde somente pela sua entrada,

já que a responsabilidade é limitada – nunca

responde com o seu património pessoal.

2. Os outros sócios respondem solidariamente

por todas as entradas convencionadas no

contrato social, nos termos do art. 207º.

Perante os credores sociais:

1. Regra geral: só o património social responde

para com os credores pelas dívidas da

sociedade [art. 197º-3] – se, no património

social, nada sobrar, os credores sociais nada

recebem [vs art. 997º CC].

2. Pode haver responsabilidade directa dos

sócios para com os credores sociais [art. 198º].

o Nas SA o sócio responde nos termos do art. 271º:

Pelo valor das acções que subscreveu.

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Nunca responde perante os credores, face a dívidas da

sociedade, ao contrário das excepções que se verificam

nas SPQ [art. 198º], mas tão-só internamente, pela sua

entrada [vs art. 997º CC].

o Nas SEC os dois tipos de sócios respondem nos termos do art.

465º:

Sócios comanditários:

Respondem apenas pelas suas entradas nos

mesmos termos que os sócios das SA. Nunca

respondem pelas dívidas sociais [vs art. 997º

CC].

Sócios comanditados:

Respondem pelas dívidas da sociedade nos

mesmos termos que os sócios da SNC [cfr.

supra]. Não há qualquer responsabilidade

limitada.

§4: PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, CAPITAL E TRANSMISSÃO DE

PARTICIPAÇÕES. Ante o conceito de participação social, cumpre tecer

determinadas considerações preliminares.

Quanto à designação do capital social entre os sócios de cada sociedade:

SNC: “partes do capital” [art. 176º-1c]

SPQ: “quotas” [art. 197º]

SA: “acções” [art. 271º]

O capital social não é um elemento essencial do contrato de sociedade [art.

9º-1f] uma vez que não consta dos contratos das SNC em que todos os sócios

apenas contribuam com a sua indústria. Os sócios de indústria estão adstritos a

prestações de facere e, como tal, não vêem o valor das suas entradas computado

no capital social [art. 178º].

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Em termos materiais, o capital social equivale ao conjunto das entradas a

que diversos sócios se obrigam. Cumpre reter os seguintes termos:

“Subscrição” de capital: vinculação às entradas

“Realização” do capital: concretização/cumprimento das entregas

Em termos contabilísticos, o capital social exprime uma cifra ideal que

representa as entradas estatutárias. Poderá estar já dissociado com o património

real da sociedade ou com o valor de mercado da mesma.

O capital estatutário ou nominal consiste no valor que consta dos estatutos e

que traduz o conjunto das entradas dos sócios. O capital real ou financeiro, por seu

lado, é expressão dos capitais próprios ou dos valores de que a sociedade disponha,

como seus.

No caso das SA, o valor nominal mínimo do capital é € 50.000 [art. 276º-3],

dividido em acções por vários sócios. Diferentemente, nas SPQ o valor nominal

mínimo do capital é de € 5.000 [art. 201º e 202º-2], dividido em quotas.

Constituem sociedades de capitais:

SPQ

SA

SEC por acções

Constituem sociedades de pessoas:

SNC

SEC simples

Quanto à transmissão das acções nas SA, cumpre reter a seguinte distinção:

Acções ao portador [anónimas]: livremente transmissíveis, sem

qualquer consentimento da sociedade e de forma ilimitada [art. 328º-

1].

Acções nominativas [das quais consta o nome do sócio que as

subscreve]: a sua transmissão pode ser subordinada ao

consentimento da sociedade [art. 328º-2a].

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Nas SPQ a cada sócio corresponde apenas uma quota, ainda que essa possa

ser maior ou menor. Essa quota não é livremente transmissível, já que depende de

consentimento da sociedade [art. 228º-2 e 229º].

Face à distinção supra, facilmente se compreende que nas SNC, tipicamente

sociedades de pessoas, as acções sejam transmissíveis apenas mediante

consentimento unânime de todos os sócios [art. 182º-1].

§5: ÓRGÃOS COMUNS ÀS SOCIEDADES COMERCIAIS. Constituem órgãos

comuns aos quatro tipos de sociedades comerciais:

Administração:

o Gestão interna

o Representação

Assembleia-geral

Eventualmente, constará dos estatutos um órgão de fiscalização, ainda que

prescindível, face à função do Revisor Oficial de Contas [doravante, ROC].

CAPACIDADE E OBJECTO

Capacidade e Objecto

§1: CAPACIDADE. Por capacidade jurídica entende-se a concreta medida

dos direitos e deveres de que as pessoas são susceptíveis. No âmbito comercial,

essa capacidade reconduz-se à concreta medida dos direitos e das obrigações

necessárias ou convenientes à prossecução dos fins da sociedade [art. 6º-1, 1ª

parte], segundo o tradicional princípio da especialidade [com as reservas infra].

Os fins da sociedade, conforme indiciados supra, podem ser:

Mediatos: vg lucro

Imediatos: objecto da sociedade [cfr. infra §2]

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A capacidade encontra-se limitada pelos direitos e pelas obrigações

necessários ou convenientes à prossecução do seu fim mediato, o lucro, com a

seguinte ressalva:

Tradicionalmente, o objecto [a actividade desenvolvida pela sociedade, cfr.

infra §2] delimitava a capacidade da sociedade, em virtude do princípio da

especialidade: para as pessoas singulares, a capacidade jurídica seria plena; quanto

às pessoas colectivas, a sua capacidade apenas abrangeria os direitos e obrigações

necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins [art. 160º CC e 6º-1].

Hoje, esse princípio encontra-se superado, não tendo alcance dogmático: a sua

consagração legal no CC fora, todavia, tardia. A capacidade de gozo das pessoas

colectivas não é, ainda assim, idêntica à das pessoas singulares [capacidade plena],

já que pode sofrer limitações:

Ditadas pela natureza das coisas [direitos e obrigações “inseparáveis

da personalidade singular”, art. 6º-1, 2ª parte] – vg casamento e

perfilhação.

Legais [direitos e obrigações “vedados por lei à sociedade”, art. 6º-1]

– vg uso e habitação.

Estatutárias

Deliberativas

As associações e fundações foram inicialmente concebidas com fins

desinteressados, versus o escopo lucrativo das sociedades: hoje, a contraposição

não é clara, já que as pessoas colectivas tendem para a “neutralidade”. Exige-se,

tão-só, a transparência dos seus actos e a prestação de contas devidamente

publicitada.

Quanto aos actos gratuitos [exclusive donativos conformes com os usos

sociais, que não são havidos como doações - art. 940º-2 CC e, no mesmo sentido,

art. 6º-2], a prática de doações ou actuações non profit é, hoje, uma verdadeira

“indústria”, por parte de instituições lucrativas. Nenhuma razão se visualiza, por

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isso, para considerar as doações fora da capacidade de qualquer pessoa colectiva,

visto que o fim mediato pode ser o mesmo: o lucro.

Quanto à prestação de garantias a terceiros, essa prestação poderia surgir

como um “favor” e, portanto, como um acto gratuito. Pode, ainda assim, ser uma

actividade lucrativa, como àquela desenvolvida pelos bancos que prestam garantias

a troco de comissões. O art. 6º-3 proíbe, pura e simplesmente, a sociedade de

prestar garantias, salvo “justificado interesse próprio” da sociedade garante e da

sociedade em relação de domínio ou de grupo. Estas “excepções” são tão

abrangentes que acabam por consumir a regra, uma vez que o “justificado

interesse próprio” é definido pela própria sociedade, nos termos gerais do Direito

privado. MENEZES CORDEIRO conclui que esta proibição apenas funciona perante

situações escandalosas e havendo má fé dos terceiros beneficiários.

§2: OBJECTO. O objecto [art. 11º], por seu lado, designa as actividades

exercidas pela sociedade: sejam elas actividades principais, secundárias ou

acessórias. Trata-se de um dos elementos essenciais que devem constar do

contrato de sociedade [art. 9º-1d].

Numa ilustração de dois círculos concêntricos, o objecto seria o círculo mais

pequeno, dentro de um círculo maior e mais abrangente: a capacidade. Por outras

palavras, o objecto não limita a capacidade [art. 6º-4], pelo que um acto praticado

fora do âmbito das actividades a desenvolver pela sociedade [fora do objecto,

enfim] não viola a capacidade da mesma. Retomando a conclusão supra §1, a

capacidade encontra-se limitada pelo lucro, mas não pelo objecto.

Uma violação do objecto da sociedade é, por exemplo, a sociedade de

restauração que arrenda um imóvel para aí instalar uma loja de desporto: o escopo

é, ainda, lucrativo [está dentro da capacidade, enfim, ou do seu fim mediato que é

o lucro], embora viole manifestamente o objecto da mesma – a actividade de

restauração prosseguida.

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§3: ACTOS E DELIBERAÇÕES FORA DA CAPACIDADE. Os actos

[praticados por elementos do órgão de administração, vg] não se confundem com

as deliberações [necessariamente dos sócios]. A distinção é pertinente, já que

releva para os diferentes regimes aplicáveis às duas realidades:

Os actos praticados pelo órgão de administração fora da capacidade

da sociedade são nulos, nos termos do art. 280º CC, por

impossibilidade, segundo MENEZES CORDEIRO. Outros autores

solucionam a questão com recurso ao art. 294º CC, por contrariedade

à lei.

As deliberações tomadas pelos sócios fora da capacidade da

sociedade são anuláveis, segundo MENEZES CORDEIRO, nos termos

do art. 56º-1c) [veja-se a querela doutrinária quanto à ratio legis do

preceito, que estudaremos com mais detalhe infra]. Outros autores

também sustentam a anulabilidade das deliberações sociais, embora

o façam com recurso ao disposto no art. 56º-1d).

§4: ACTOS E DELIBERAÇÕES DENTRO DA CAPACIDADE, MAS FORA DO

OBJECTO. Questão diversa é aquela que se coloca quando o acto do órgão de

administração ou a deliberação dos sócios se encontra dentro da capacidade da

sociedade, embora viole o objecto [actividades prosseguidas] da mesma.

Os actos praticados pelo órgão de administração dentro da

capacidade, mas fora do objecto, são válidos, já que o objecto não

limita a capacidade [art. 6º-4]. Pergunta-se se são, todavia, eficazes:

o SNC: ineficazes, salvo confirmação unânime dos sócios [arts.

268º CC e 192º-2 e 3].

o SPQ: eficazes, salvo terceiro de má fé [desconhecimento com

culpa da violação do objecto da sociedade, pelo acto: art.

260º-2 e 3, com exigências de publicidade face à necessidade

de tutela do tráfego jurídico].

o SA: eficazes, salvo terceiro de má fé [art. 409º-2].

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As deliberações tomadas pelos sócios dentro da capacidade, mas

fora do objecto, são anuláveis nos termos da cláusula geral do art.

58º-1a), já que se trata de violação de disposições do contrato de

sociedade – art. 9ºd).

Para além destas consequências, a violação do dever de não exceder o

objecto social ou de não praticar actos que excedam esse objecto, pelos órgãos da

sociedade [art. 6º-4], acarreta responsabilidade civil dos mesmos nos termos dos

arts. 72º ss e justa causa de destituição dos administradores.

exemplo:

A Sociedade X, Lda, tem como objecto social a produção e comercialização

de pães. Achando o negócio pouco lucrativo, a sociedade iniciou um negócio de

tecnologias da informação, adquirindo um site na Internet dedicado à compra e

venda de roupa.

A capacidade das sociedades comerciais corresponde ao seu

fim mediato: o lucro [art. 6º1].

A aquisição de um site na Internet, pelos administradores, é

um acto e não uma deliberação dos sócios, e encontra-se

dentro da capacidade da sociedade, já que prossegue,

também ele, o lucro. O acto não respeita, contudo, o objecto

da sociedade, mas é, ainda assim válido: art. 6º-4, o objecto

não limita a capacidade.

Pergunta-se se o mesmo será, todavia, eficaz: face à firma “X,

Lda”, trata-se de uma SPQ, cujo regime determina que o acto

é ainda eficaz, salvo má fé de terceiro [art. 260º-2 e 3]:

desconhecimento sem culpa da violação do objecto da

sociedade, pelo acto.

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Tendo sido violado o dever de não exceder o objecto social

[art. 6º-4], os administradores são responsabilizados nos

termos dos arts. 72º ss, por responsabilidade civil, podendo

eventualmente ser destituídos desse órgão social.

exemplo:

A Sociedade X, SA, é titular de uma plataforma petrolífera há muito

desactivada, que pretende destruir e afundar. Associações ambientalistas

manifestaram-se contra a catástrofe ambiental, e iniciaram um movimento de

boicote à Sociedade X, SA. A sociedade decidiu cancelar o afundamento da

plataforma e fazer uma grande doação à associação ambientalista, que foi

largamente publicitada nos jornais.

A gratuidade de uma doação da Sociedade X a uma

associação ambientalista, poderia levar-nos a considerá-la um

acto fora da capacidade da sociedade, já que não prossegue,

aparentemente, o “fim” por excelência das sociedades

comerciais: o lucro [art. 6º-1].

Todavia, a avultada doação em causa fora celebrada, na

verdade, com o fim de repor a boa imagem da Sociedade X,

trazendo-lhe benefícios a posteriori com a divulgação do acto

gratuito nos media. Trata-se de uma doação interessada,

necessária ou conveniente, direccionada para o lucro: há

identidade valorativa entre essa doação e qualquer outro

acto lucrativo, ainda que oneroso.

Bastar-nos-ia o disposto no art. 6º-1 para concluirmos que o

acto visa o lucro, e se encontra dentro da capacidade da

Sociedade X, embora o nº 2 concretizasse esse entendimento.

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O acto é válido e não houve qualquer violação de deveres por

parte dos administradores.

O CONTRATO DE SOCIEDADE

Celebração e Conteúdo

§1: CELEBRAÇÃO. O contrato de sociedade é um contrato nominado e

típico, face à previsão legal constante dos arts. 980º ss CC e das disposições do

CSC.

Segundo o art. 7º-2, o número mínimo de partes para a celebração do

contrato de sociedade é duas partes: sublinhe-se que a contitularidade de acções

ou quotas é considerada uma única parte, e que podem ser parte quer as pessoas

singulares, quer as pessoas colectivas [maxime no caso das SGPS – Sociedades

Gestoras de Participações Sociais].

Constituem excepções a esta regra geral as SA [numero mínimo de cinco

accionistas, art. 273º] e as Sociedades Unipessoais [SU]. Pergunta-se, a este

respeito, se uma SA poderá ser uma SU: em teoria poderá sê-lo temporariamente,

se todos os sócios falecerem e apenas sobreviver um, vg.

O contrato de sociedade é um verdadeiro negócio jurídico, já que implica

liberdade de celebração e de estipulação [MENEZES CORDEIRO].

Os elementos voluntários necessários que devem constar do contrato de

sociedade são os seguintes:

Denominação ou firma

Sócios

Capital social

Partes sociais

Sede

Tipo [art. 1º-2]

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O pacto social [estatutos ou disciplina da sociedade] é parte integrante do

contrato de sociedade proprio sensu.

A celebração de um contrato de sociedade pode também decorrer de uma

oferta ao público, vg se for constituída uma SA com apelo à subscrição pública [arts.

279º ss].

§2: CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES. Segundo o

pensamento tradicional, a constituição de uma sociedade entre cônjuges poderia

pôr em causa o regime de bens estipulado para o casamento e o regime geral de

responsabilidade dos bens dos cônjuges pelas dívidas de cada um ou de ambos, já

que as regras desses regimes seriam substituídas pelas regras constantes dos

estatutos da sociedade. Para mais, e face à contextualização histórica da discussão,

o “poder marital”, conforme consagrado na versão originária do Código Civil de

1966, poderia dar lugar a esquemas de formação da vontade social, mais

igualitários e, na época, inadmissíveis.

Nesse sentido, o art. 1714º CC prevê:

#1: Princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, não

sendo permitido alterar os regimes de bens convencionados.

#2: Essa proibição abrange todos os contratos de compra e venda e

de sociedade celebrados entre os cônjuges, excepto quando

separados judicialmente

o Esta proibição seria absoluta e acarretaria a nulidade dos

contratos de sociedade eventualmente celebrados entre os

cônjuges.

#3: É lícita a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de

capitais, bem como a dação em cumprimento.

o Face a esta norma, colocou-se o problema se as SPQ seriam

sociedades de capitais. ANTUNES VARELA considerou que as

SPQ não se encontravam abrangidas nem pela letra do nº 3,

nem pelo espírito de todo o art. 1714º CC.

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Inversamente, o art. 8º do CSC [em vigor desde 1986] consagrou:

#1: É permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem

como a participação destes em sociedades, desde que apenas um

deles assuma a responsabilidade ilimitada [resíduo histórico do CSC].

o Esta norma aplica-se também às sociedades civis puras.

Nestes termos, MENEZES CORDEIRO e PEREIRA COELHO consideram que

a entrada em vigor do art. 8º-1 fez com que o art. 1714º-2 e 3 CC fosse revogado.

Mantém-se, contudo, o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais [art.

1714º-1 CC], cuja compatibilidade com o art. 8º-1 deve ser verificada caso a caso, e

contrato a contrato: será inadmissível a entrada de ambos os cônjuges para uma

sociedade com todos os seus bens, vg. Já a subscrição de pequenas quotas e de

algumas acções por ambos os cônjuges não parece desrespeitar esse princípio.

Se uma participação social for comum a ambos os cônjuges, será

considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade, nos termos

do art. 8º-2.

§3: CAPACIDADE PARA CONSTITUIÇÃO DE UMA SOCIEDADE. Os

menores podem ser partes em contratos de sociedade, desde que o celebrem

através dos pais, enquanto seus representantes legais, e com autorização bastante

do tribunal [no caso de constituição de uma SNC ou SEC, simples ou por acções –

art. 1889º-1d) CC]. Poderão fazê-lo, pessoal e livremente, sempre que o objecto da

sociedade esteja ao seu alcance [recorde-se o teor do art. 127º CC]: a denominada

“incapacidade” dos menores é aparente, segundo MENEZES CORDEIRO, face às

excepções legalmente previstas que consomem a regra.

O mesmo regime é aplicável, mutatis mutandis, ao interdito [arts. 139º ss

CC]. Quanto ao inabilitado, a capacidade para constituição de uma sociedade

depende de sentença [art. 153º-1 CC].

§4: FORMA. O contrato de sociedade é um contrato formal, nos termos do

art. 7º-1: tem que ser reduzido a escrito e as assinaturas dos subscritores carecem

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de reconhecimento presencial, salvo se forma mais solene for exigida para a

transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade. Assim, no caso

de transmissão de bem imóvel, o contrato deve ser celebrado mediante escritura

pública.

O regime comercial é distinto do regime civil, já que a celebração do

contrato de sociedade civil obedece ao princípio de liberdade de forma, tratando-se

de um contrato consensual [arts. 981º-1 e 219º CC].

§5: NATUREZA. Para uns, o “contrato” de sociedade não seria um contrato

proprio sensu e teria uma natureza específica, não-contratual:

As declarações de vontade são idênticas e confluentes, e não

contrapostas.

Os efeitos repercutem-se numa nova e terceira entidade, a

sociedade, e não nas esferas jurídicas dos intervenientes.

Admite-se a constituição de sociedade por acto unilateral, com um

único declarante.

Todavia, o CSC refere, continuamente, a expressão “contrato”. Como já

indiciámos supra §1, a natureza negocial da constituição de uma sociedade

comercial é demonstrada pela existência das duas liberdades [celebração e

estipulação]. Mas o contrato de sociedade não pode ser considerado um contrato

comum, já que tem especificidades de regime:

É dispensável nas sociedades inicialmente unipessoais [art. 270ºA-4]

– SU.

O seu regime prevê invalidades sanáveis por [meras] deliberações

maioritárias [arts. 42º-2 e 43º-3] e invalidades que não são oponíveis

erga omnes, mas apenas aos demais sócios [art. 41º-2, 2ª parte].

Face ao que foi exposto conclui-se: trata-se de um contrato, embora não

implique quaisquer prestações recíprocas. Como tal, a doutrina sugere

frequentemente os designativos de “contrato de colaboração” ou de “contrato de

organização”.

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§6: CONTEÚDO. O conteúdo do contrato de sociedade é constituído pela

regulação jurídica conforme delimitada pelas partes e pelos elementos essenciais

que depreendem o regime fixado. São elementos do contrato [art. 9º]:

Nomes ou firmas [tratando-se de pessoa colectiva] dos sócios

fundadores

Tipo

Firma [*]

Objecto

Sede [*]

Capital social

Quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio [*]

Descrição dos bens e especificação dos valores

(…)

Quanto às sociedades em especial:

SNC: art. 176º

SPQ: art. 199º

SA: art. 272º

SEC: art. 446º

Os elementos do contrato podem constar implicita ou explicitamente,

embora MENEZES CORDEIRO sublinhe a necessidade de figurarem com suficiente

clareza.

A ausência de algum dos elementos necessários supra implica a invalidade

do contrato [art. 42º-1], ainda que a mesma seja sanável por deliberação dos

sócios, nos mesmos termos prescritos para a alteração do contrato, nos casos de

falta de menção de firma, sede e valor das entradas e das prestações [art. 42º-2]. A

contrario sensu, a falta de menção do objecto, capital social e tipo de sociedade

implica nulidade insusceptível de sanação. As nulidades sanáveis encontram-se

assinaladas supra - [*].

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§7: EFEITOS. O contrato de sociedade origina, pelo registo, um ente

colectivo personalizado, pelo que produz efeitos erga omnes:

Perante os novos sócios

Perante terceiros estranhos

Perante os credores da sociedade

§8: FIRMA. Face ao disposto no art. 10º, cumpre recordar os princípios

gerais constantes do RNPC:

Autonomia privada [com os limites do art. 10º-5b]

Obrigatoriedade e normalização [art. 9º-1c]

Verdade e exclusividade [art. 10º-2 e 5a]

Estabilidade

Novidade [art. 10º-3]

A firma deve exprimir o tipo de sociedade em causa, nos termos seguintes:

SNC: “e Cª” [art. 177º]

SPQ: “Lda.” [art. 200º]

SA: “SA” [art. 275º]

SEC: “em/& comandita” [art. 467º]

§9: SEDE. A sede deve ser estabelecida em local concretamente definido

[art. 12º], por razões elementares de polícia, fiscais e comerciais.

Segundo o disposto no art. 13º constituem formas locais de representação:

Sucursais

Agências

Delegações

§10: DURAÇÃO DA SOCIEDADE. A regra que o CSC fixa supletivamente

para a duração da sociedade, é a da sua duração por tempo indeterminado [art.

15º]. As partes podem convencioná-lo por remissão para:

Termo certo: 10 anos ou até 2018, vg.

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Termo incerto: até à conclusão de uma obra, ou até ao falecimento

de um dos sócios fundadores, vg.

SOCIEDADES EM FORMAÇÃO E SOCIEDADES IRREGULARES

Sociedades em Formação

§1: PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS SOCIEDADES. O contrato de

sociedade é sempre precedido de um processo de formação tendencialmente

moroso. Nestes termos, a expressão “sociedade em formação” designa as situações

prévias à conclusão do contrato.

§2: “EMPRESA NA HORA”. O DL 111/2005 consagrou o regime especial de

constituição imediata de sociedades. Essa constituição permite, através de

atendimento presencial único, um prazo de tramitação de cerca de 24h [art. 5º DL

111/2005], facto que justifica a designação de processo de constituição de

“empresa na hora”, como apelidado pelo próprio preâmbulo do diploma.

Este regime especial só se aplica a SPQ ou a SA cujo capital seja realizado

com recurso a entradas em dinheiro [arts. 1º e 2º b DL111/2005].

A tramitação em 24h é possível graças à existência de uma bolsa de firmas

[arts. 3ºa) e 15º DL 111/2005] e de estatutos de modelo pré-aprovados [art. 3º b)

DL 111/2005].

São aplicáveis a este regime as disposições gerais sobre o contrato de

sociedade, registo comercial e publicação, conforme estudaremos infra.

§3: FASES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO. São geralmente apontadas

três fases do processo de formação das sociedades comerciais, eventualmente

antecedidas por uma outra, a que designaremos “fase zero”:

[ Fase zero: registo prévio, se apresentado o devido requerimento,

art. 18º ]

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1ª Fase: celebração do contrato de sociedade com observância da

forma legalmente prescrita [art. 7º-1]

2ª Fase: registo, definitivo se verificada a “fase zero” [art. 5º]

3ª Fase: publicações obrigatórias [art. 167º]

§4: NEGÓCIOS EVENTUAIS. Acessoriamente às fases do processo de

formação, conforme indicadas supra §3, podem as partes celebrar negócios

eventuais:

Acordos de princípios [remete para a figura da contratação mitigada]

Promessa de sociedade [as partes obrigam-se a celebrar o contrato

de sociedade]

Negócios instrumentais preparatórios [vg promessas de subscrição,

apoio logístico, etc]

Acordos de subscrição pública [art. 279º]

Acordos de funcionamento da sociedade antes da celebração do

registo definitivo [figura que remete para o estudo das sociedades

irregulares, infra].

§5: CULPA IN CONTRAHENDO. É pacífico que durante todo o processo de

formação de uma sociedade as partes devam observar as regras da boa fé, maxime

quanto ao instituto da culpa in contrahendo [art. 227º CC], por violação dos

seguintes deveres:

Deveres de segurança

Deveres de lealdade

Deveres de informação

A violação destes deveres acarreta responsabilidade obrigacional [arts. 798º

ss CC], por se tratarem de obrigações específicas e não de deveres genéricos.

Sociedades Irregulares por Incompleitude

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

§1: SITUAÇÕES PRÉ-SOCIETÁRIAS. Frequentes são as situações em que

os sócios, antes de completado o processo de constituição de uma sociedade,

iniciam a actividade visada por esta. Nestes casos, observa-se o funcionamento da

realidade societária, antes de plenamente constituída pelo registo [arts. 36º a 41º].

§2: SOCIEDADES IRREGULARES. Tradicionalmente, a terminologia

“sociedades irregulares” designava as sociedades “não-existentes” ou totalmente

nulas. Mais tarde, o termo passou a designar as sociedades sem personalidade

jurídica [plena]. Essa realidade abrangeria:

Sociedades com vício de forma

Sociedades de facto

Sociedades com vícios constitutivos

Sociedades irregulares por incompleitude

Constituem circunstâncias comuns às sociedades irregulares:

Não-conclusão do processo formativo [pressupõe acordo solene e

registo definitivo].

Efectiva presença de uma organização societária em funcionamento,

com relações actuantes entre os sócios interessados ou com

terceiros.

Conclui-se: trata-se de realidades efectivamente existentes e operantes que

não devem ser tratadas com indiferença pelo Direito.

Em sede de Direito das Sociedades, estudaremos mais aprofundadamente

as sociedades irregulares por incompleitude, infra §3 ss.

§3: SOCIEDADES IRREGULARES POR INCOMPLEITUDE. As sociedades

irregulares por incompleitude consistem em sociedades cujo processo constitutivo

não está ainda concluído, designadamente por falta de matrícula ou de inscrição no

registo. A noção “sociedade irregular” só encontra eco no CSC através da

conjugação de disposições legais como os arts. 172º, 173º-1 e 174º-1e) [“sociedade

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

irregular por falta de forma ou de registo”]. A falta de registo impede a

personalização plena, enfim.

Neste seio, podemos distinguir:

Relações anteriores à celebração do contrato de sociedade, art. 36º.

Pré-sociedade depois do contrato e antes do registo, arts. 37º a 40º:

o Relações internas [entre sócios] – art. 37º

o Relações externas [com terceiros] – arts. 38º a 40º

§4: RELAÇÕES ANTERIORES AO CONTRATO. No âmbito das sociedades

irregulares por incompleitude que celebrem relações anteriores à celebração do

contrato de sociedade [com observância da forma legalmente prescrita, art. 7º],

aplica-se o disposto no art. 36º.

Uma primeira leitura do art. 36º poderia levar-nos a concluir pela seguinte

delimitação radical:

#1: aplicar-se-ia às situações de sociedades materiais [aparência

total de sociedade], nas quais não existe qualquer acordo entre os

participantes, nem intenção de celebrar o contrato de sociedade [vg

inexistência de património comum].

o Sociedades materiais: situações que, no campo da

materialidade, correspondem a contribuições de bens ou de

serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em

comum de certa actividade económica. Essas contribuições

transcendem a mera fruição e estão orientadas à repartição

dos lucros daí resultantes [art. 980º CC]. Falta, para tais

situações, qualquer contrato ou outro título legitimador.

o A solução das restituições em espécie ou in natura, pela

pseudo-sociedade a todos os terceiros contraentes, seria, por

vezes, impossível e manifestamente injusta.

o Solução legal: responsabilidade solidária e ilimitada.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

#2: aplicar-se-ia às situações que prefigurassem já um acordo

tendente à constituição de uma sociedade comercial, embora o

contrato não tenha sido ainda celebrado com observância da forma

legalmente prescrita [existiria já uma intenção de celebrar o contrato

– vg contrato-promessa de constituição da sociedade].

o O tipo de acordo exigido pode ser simples e incipiente, já que

a lei não requer qualquer promessa de celebração do contrato

de sociedade definitivo. O essencial é que a actividade

societária tenha já iniciado.

o Solução legal: aplicação das regras das sociedades civis

art. 997º CC - pelas dívidas sociais respondem:

1º: o património da sociedade;

2º: os sócios, pessoal e solidariamente, com

benefício de excussão [nº 2].

MENEZES CORDEIRO considera que a distinção legal supra é, do ponto de

vista dos terceiros contraentes, irrelevante: em qualquer caso, os terceiros apenas

estão convictos da existência da sociedade, sendo-lhes inacessível a intenção dos

“sócios” em celebrar o contrato em falta. Para mais, a remissão para o regime das

sociedades civis, prevista para a segunda situação [nº 2], é mais adequada a

assegurar níveis superiores de tutela. Acrescem a esta remissão, todavia, os

elementos próprios da tutela da aparência ou da confiança, maxime quanto à

confiança objectivamente justificada e quanto à verificação da boa fé subjectiva

ética dos confiantes a tutelar [desconhecimento, sem culpa, da natureza

meramente aparente da sociedade, recorde-se].

Nota: os pressupostos investimento de confiança e de imputação dessa

confiança podem ser dispensados, já que nos encontramos perante uma previsão

legal expressa de tutela.

Face à solução legal prevista para o art. 36º-2, 2ª parte, a doutrina divide-se

quanto à qualificação da sociedade em causa: trata-se de uma sociedade civil

[FERRER CORREIA] ou de uma sociedade comercial [COUTINHO DE ABREU]?

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

MENEZES CORDEIRO entende que essa “sociedade” não pode ser comercial, face

à tipicidade fechada constante do art. 1º-2. A haver elementos suficientes para se

falar em sociedade proprio sensu, ela será, quanto muito, civil. Tal não impede que

sejam comerciais os actos praticados pelos intervenientes, em nome e por conta da

“sociedade”.

exemplo:

I, J e L reúnem-se e combinam constituir uma SPQ que teria por objecto a

compra e venda de antiguidades. Acordaram que a sociedade se designaria

“Antiguidades, Lda” e que a escritura pública seria celebrada em Março, quando

todos os pormenores tivessem sido acordados.

Em Fevereiro, os sócios celebraram um contrato de arrendamento com M,

em nome da sociedade, para que no imóvel funcionasse a sede da mesma.

Compraram diversos equipamentos a N, também em nome da sociedade.

Deparamo-nos com uma sociedade irregular por

incompleitude, antes da celebração do contrato de sociedade

[por escritura pública, no caso, nos termos do art. 7º-1, 2ª

parte – indiciando ter havido contribuição de bens imóveis por

um dos sócios].

Aplica-se, pois, o disposto no art. 36º, quanto às relações

anteriores à celebração do contrato de sociedade, observada

a forma legal [art. 7º].

Verificam-se os pressupostos de aplicação desse regime: dois

ou mais indivíduos, através do uso de uma firma comum [no

caso], assumiram relações contratuais antes da celebração do

contrato de sociedade. MENEZES CORDEIRO acrescenta a

estes pressupostos de aplicação os elementos próprios da

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tutela da aparência ou da confiança. Considera irrelevante a

distinção entre a falsa aparência total de sociedade [nº 1] e o

acordo tendente à constituição da sociedade [nº 2], já que os

terceiros apenas estão convictos da existência da sociedade,

sendo-lhes inacessível a intenção dos “sócios” em celebrar o

contrato em falta. Por outro lado, a remissão para o regime

das sociedades civis, prevista para a segunda situação [nº 2],

é mais adequada a assegurar níveis superiores de tutela do

que a responsabilidade solidária e ilimitada prevista no nº 1.

No caso, cremos estar subjacente um verdadeiro acordo de

constituição de uma SA, já que os sócios apenas iniciaram a

sua actividade um mês antes da celebração do contrato,

altura em que a sociedade já tinha firma e sede. De todo o

modo, o regime deve ser o mesmo para os casos de “falsa

aparência” [nº 1] e de acordo de constituição de sociedade

[nº 2], segundo propugna MENEZES CORDEIRO, pelo que a

distinção é, neste âmbito, irrelevante. O autor propõe a

harmonização das duas normas, alargando a tutela do nº 1 a

fim de responsabilizar:

o 1. O património da sociedade, em primeiro lugar [se já

existir]

o 2. Os sócios, solidariamente

Essa é, aliás, a solução consagrada no nº 2, ao remeter para

as disposições sobre sociedades civis [art. 997º CC: com

benefício de excussão prévia].

Se não existisse qualquer património comum, aplicar-se-ia o

disposto no nº 1: responsabilidade dos “sócios”, solidária e

ilimitada. Existindo um património comum, sejam as relações

resultantes de falsa aparência ou de acordo de constituição

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

de sociedade, aplica-se o disposto no nº 2, nos termos

explicitados supra.

§5: PRÉ-SOCIEDADE DEPOIS DO CONTRATO E ANTES DO REGISTO.

Havendo contrato [celebrado com observância da forma legalmente prescrita, art.

7º-1], as relações entre os sócios estão já precisadas. À sociedade falta apenas

personalidade jurídica [plena] que, nos termos do art. 5º, apenas surge com o

registo definitivo [efeito constitutivo do registo, com ressalvas infra, a que

oportunamente aludiremos]. Antes do registo, não há qualquer responsabilidade

limitada. Cumpre reter a seguinte distinção, plasmada no texto legal:

Relações internas [entre sócios] – art. 37º:

o #1: aplicam-se as regras previstas no contrato e as regras

legais correspondentes ao respectivo tipo de sociedade,

mutatis mutandis, salvo aquelas que pressuponham o contrato

definitivamente registado.

o #2: a transmissão das participações sociais por acto inter

vivos e as modificações do contrato requerem sempre o

consentimento unânime de todos os sócios.

Razões: a personalidade [plena] surge apenas com o

registo e, até lá, há um mero contrato que só por

mútuo consentimento pode ser modificado [art. 406º-1

CC] – admitir alterações por maioria poderia:

Prejudicar os sócios minoritários

Tornar de difícil precisão o momento da eficácia

das modificações

Este é, para mais, um esquema compulsório destinado

a efectivar a realização do registo.

Relações externas [com terceiros] – arts. 38º a 40º: o CSC procede a

um tratamento diferenciado, consoante o tipo de sociedade em

causa.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Sociedades de pessoas:

art. 38º: SNC – pelos negócios respondem solidária e

ilimitadamente todos os sócios, presumindo-se o

consentimento. MENEZES CORDEIRO considera que o

regime deve ser o do art. 997º CC, aliado ao benefício

da prévia excussão do património social.

art. 39º: SEC simples – pelos negócios que tenham sido

autorizados pelos sócios comanditados, respondem

pessoal e solidariamente todos os sócios, presumindo-

se o consentimento dos sócios comanditados. Não

havendo autorização, respondem pessoal e

solidariamente todos aqueles que realizaram ou

autorizaram esses negócios [nº3]. Uma vez mais, por

razões de coerência valorativa, MENEZES CORDEIRO

considera que o regime deve ser o do art. 997º CC,

aliado ao benefício da prévia excussão do património

social.

o Sociedades de capitais:

art. 40º: SA, SPQ e SEC por acções – pelos negócios

celebrados respondem ilimitada e solidariamente todos

aqueles que intervenham no negócio em representação

da pré-sociedade, bem como os sócios que o

autorizem. Os restantes sócios respondem apenas até

às importâncias das entradas a que se obrigaram. A

responsabilidade não opera se os negócios forem

expressamente condicionados ao registo da sociedade

e à assunção por esta dos respectivos efeitos [nº2].

MENEZES CORDEIRO, JOÃO LABAREDA e

COUTINHO DE ABREU consideram sistematicamente

adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

comum da sociedade, nos mesmos termos do art. 36º-

2, e com direito ao benefício da excussão prévia. Em

conclusão, deve ser a própria pré-sociedade a

responder pelas dívidas contraídas em seu nome,

seguindo o regime das sociedades civis puras. Por

outro lado, seria disfuncional interpretar literalmente o

art. 19º no sentido de:

A pré-sociedade, já formalizada em escritura

mas ainda não registada, não ficaria obrigada

pelos negócios celebrados em seu nome,

durante esse período.

O registo definitivo não só atribuiria

personalidade jurídica [plena] à sociedade,

como também permitiria que os negócios

celebrados em nome da pré-sociedade fossem

por si assumidos.

Esses negócios apenas respeitariam a quem

tivesse agido em representação da sociedade, e

não à pré-sociedade em si.

Conclui-se: a responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham

autorizado os negócios [art. 40º-1] não isenta o património social da

responsabilidade principal. Por outro lado, os representantes e sócios demandados

têm direito ao benefício da excussão prévia [art. 997º CC].

Nota: esta é a solução legal supletiva, a afastar se os negócios forem

expressamente condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta dos

efeitos [art. 40º-2], ou por convenção das partes [art. 602º CC]. Esse

condicionamento do contrato ao registo opera como uma condição, enquanto

cláusula constante no próprio contrato celebrado com terceiro [e não no contrato de

sociedade]. Verificada essa condição, os sócios não respondem.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

exemplo:

A, B e C celebraram um contrato de constituição de uma SPQ. A e B foram

designados gerentes. No dia seguinte, requereram a inscrição no registo comercial

que, dois meses mais tarde, veio a ser recusada. Durante esse período, A e B

celebraram diversos contratos, na qualidade de gerentes, com várias entidades.

O caso ilustra a celebração de negócios em nome de uma SPQ

no período compreendido entre a celebração do contrato de

sociedade e o seu registo definitivo, no âmbito das relações

externas dos sócios gerentes com terceiros [art. 40º]. Nas

relações externas, agem os representantes da sociedade, ou

os sócios que tenham poderes de representação [os

representantes das SPQ denominam-se gerentes].

A solução legal pauta-se pela responsabilidade ilimitada e

solidária de todos aqueles que, no negócio, agiram em

representação da sociedade [no caso, os dois gerentes, A e

B], bem como os sócios que tais negócios autorizaram. Os

restantes sócios respondem até às importâncias das entradas

a que se obrigaram [art. 40º-1] – seria o caso de C.

Dir-se-ia que o património social não responderia a nenhum

título. Todavia, MENEZES CORDEIRO, COUTINHO DE ABREU e

JOÃO LABAREDA, servindo-se do argumento de maioria de

razão, propõem a aplicação, uma vez mais, do disposto no

art. 36º-2, com remissão para o art. 997º CC: o património

social responde em primeiro lugar e, beneficiando de

excussão prévia, os sócios solidariamente [A, B e C].

Compreende-se esta solução: se nas relações anteriores à

celebração do contrato de sociedade deve ser essa a solução

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

[art. 36º], as relações posteriores à celebração do contrato,

mas anteriores ao registo devem, por identidade e maioria de

razão, beneficiar do mesmo regime. Não faria qualquer

sentido se, quanto mais avançássemos no processo de

formação da sociedade, menor fosse a responsabilidade da

sociedade irregular.

Assim, antes de responderem os sócios elencados no art. 40º-

1, por essa ordem, deve responder o património social.

exemplo:

A, B e C celebram um contrato de constituição de uma SPQ. B entra com um

estabelecimento comercial [trespasse], permanentemente em funcionamento, já

que o encerramento temporário do mesmo poderia resultar em perda de clientela.

Antes de inscrição no registo, os sócios celebram vários negócios com

terceiros, e inicia-se a actividade da sociedade no estabelecimento em causa.

D, credor, exige, após inscrição no registo, o pagamento de uma dívida

contraída no período compreendido entre a celebração do contrato e o registo do

mesmo.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Com o registo definitivo do contrato, a sociedade assume os

negócios celebrados no período compreendido entre o

contrato e o registo, de forma automática e por mero efeito

da lei [ope legis, art. 19º-1]. No caso, a sociedade assume de

pleno direito os direitos e obrigações resultantes da

exploração normal de um estabelecimento que constitua

objecto de uma entrada em espécie [art. 19º-1b].

Dir-se-ia aplicar-se o disposto no art. 40º, já que a dívida fora

contraída antes do registo. Todavia, como o credor só exige o

pagamento da mesma depois do registo definitivo, aplica-se o

disposto no art. 19º-1b) nos termos automáticos descritos,

com eficácia retroactiva [nº 3]. Os sócios são liberados e

apenas responde o património social, com a nuance do art.

19º-3, 2ª parte, a respeito das SPQ.

§6: CAPACIDADE DAS SOCIEDADES IRREGULARES. As pré-sociedades

dispõem de uma capacidade geral similar àquela que compete à própria sociedade

definitiva, segundo MENEZES CORDEIRO:

A actividade social pode ser iniciada antes da celebração do contrato

com observância da forma prescrita [regime das sociedades civis, art.

997º CC e 36º-2].

Podem ser realizados “negócios” por conta das SNC e das SEC

simples [arts. 38º-1 e 39º-1 e 4, respectivamente]

Podem ser realizados “negócios” em nome das sociedades de

capitais [art. 40º-1] que, antes do registo, podem distribuir lucros e

reservas.

O mesmo sucede com as sociedades civis puras, que não dependem de

forma especial nem de registo.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

§7: REPRESENTAÇÃO ORGÂNICA DA SOCIEDADE IRREGULAR. A

sociedade irregular é susceptível de representação orgânica nos seguintes termos:

Pré-sociedade anterior à celebração do contrato com observância de

forma: por qualquer um dos seus promotores [art. 36º-2].

Pré-sociedade posterior à celebração do contrato com observância de

forma, mas anterior ao registo: pelos órgãos competentes já previstos

nos seus estatutos [arts. 38º a 40º].

Face à ampla capacidade de que dispõem as sociedades irregulares,

recomenda-se a rápida conclusão do processo de registo, por razões fiscais,

bancárias e de política notarial.

§8: NATUREZA JURÍDICA. Conceberam-se diversas teorias quanto à

natureza jurídica das sociedades irregulares:

Teoria da sociedade de facto: a sociedade poderia ter, na sua origem,

a simples evidência do surgimento e do funcionamento do contrato,

no campo dos factos.

o Não procede: não explica a sua positividade jurídica, nem

determina quaisquer regras. Para mais, as próprias soluções

legais afastam qualquer pretensa “relação contratual de

facto” [veja-se os arts. 36º ss], segundo MENEZES

CORDEIRO.

Teoria dos limites da nulidade: as regras que determinam a

invalidade de um contrato de sociedade não seriam radicais [como se

a sociedade não existisse], mas antes permitiriam à sociedade

irregular exercer determinada actividade.

o Não procede: trata-se de um desvio às regras da nulidade e

aos seus efeitos, segundo MENEZES CORDEIRO.

Teoria da organização: parte da apregoada dupla natureza do

contrato de sociedade

o Relação interna: puramente obrigacional

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Relação externa: organizatória, que tende a transcender a

relação obrigacional e dá azo a um elemento de confiança que

o Direito tutela.

A solução proposta por MENEZES CORDEIRO parte da vontade das partes.

A sociedade irregular por incompleitude é uma sociedade assente na vontade das

partes:

O acordo informal do art. 36º-2 equipara-a à sociedade civil

Com a celebração do contrato, o seu teor regula os direitos das

partes [art. 37º]

Nas relações externas, tudo se passa consoante a figura adoptada

pelas partes [arts. 38º a 40º]

A falta de registo, por seu lado, apenas impede o privilégio da limitação da

responsabilidade. Nestes termos, conclui-se: a pré-sociedade é uma pessoa

colectiva erigida pela vontade das partes e assente na autonomia privada.

Repudia-se a remissão para a figura das pessoas rudimentares, já que, aqui,

o acordo de constituição possibilita uma personalidade mais ampla, aplicando-se

mesmo o regime das sociedades civis puras [art. 36º-2 e 997º CC].

Com a escritura, as sociedades assumem, de facto, personalidade colectiva.

As limitações que impendem sobre as pré-sociedades estão relacionadas com a

responsabilidade dos sócios perante terceiros, que não é efectivamente limitada.

Quanto ao resto, as pré-sociedades têm órgãos, representantes e constituem um

centro autónomo de imputação de normas jurídicas. Assentam, por seu lado, em

verdadeiros contratos de sociedade [art. 980º CC], num esquema de tutela da

aparência e de protecção da confiança que segue, por analogia, o regime negocial.

São verdadeiras e próprias sociedades, enfim, ainda que diferentes dos tipos

elencados no art. 1º-2, escapando à tipicidade comercial.

Sociedades Irregulares por Invalidade

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

§1: DIRECTRIZ COMUNITÁRIA. A 1ª Directriz das Sociedades Comerciais,

de 1968, impulsionou o legislador nacional a legislar sobre os fundamentos da

invalidade das sociedades. O legislador transcendeu, contudo, as exigências

comunitárias neste âmbito, regulando minuciosamente o tema nos arts. 41º a 52º.

A 1ª Directriz não distinguia as invalidades antes ou depois do registo: o

legislador transpôs deficientemente a directriz, pelo que o Estado Português pode,

por isso, ser responsabilizado.

§2: PRINCÍPIOS GERAIS DA INEFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS.

Nos termos gerais, o negócio jurídico que não produza [todos] os seus efeitos é

ineficaz, lato sensu:

Seja por razões extrínsecas:

o Impossibilidade

o Indeterminabilidade

o Ilicitude

o Contrariedade à lei ou aos bons costumes

Seja por razões intrínsecas:

o Vício na formação

o Vício na exteriorização

Servindo-nos de um esquema de MENEZES CORDEIRO, ilustraríamos a

matéria do seguinte modo:

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Nulidade

Invalidade Invalidades mistas

Anulabilidade

Ineficácia lato sensu

Ineficácia stricto sensu

No Direito Civil, dentro da invalidade e quando a lei não disponha de outro

modo, o vício residual é o da nulidade [arts. 280º e 294º CC].

Diferentemente, no domínio do Direito das Sociedades Comerciais, a

nulidade comprometeria pura e simplesmente todos os actos já praticados pela

sociedade em jogo, desamparando os terceiros e pondo em risco a confiança da

comunidade no fenómeno societário. Todo o regime legal das sociedades

irregulares por invalidade está marcado, por isso, por regras que minimizam a

invalidade dessas sociedades e as consequências dessa invalidade [regras favor

societatis, diz-se].

Constituem vectores do favor societatis:

Limitação dos fundamentos de nulidade [enunciando-os de forma

taxativa].

Introdução de prazos para invocação dessa nulidade [vs regime geral:

a todo o tempo, art. 286º CC].

Esquemas destinados a sanar as invalidades [vs regime geral].

Delimitação da legitimidade para invocar a nulidade [e não “qualquer

interessado”, art. 286º CC].

Limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes.

Inoponibilidade das invalidades a terceiros.

Regime especial quanto à execução das consequências da nulidade.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

O regime da acção de declaração de nulidade encontra-se regulado no art.

44º, afastando-se a aplicação dos arts. 286º ss CC. Eis os traços gerais:

A acção de declaração de nulidade pode ser interposta 90 dias após o

ónus processual de interpelação da sociedade para sanar o vício,

quando sanável [art. 44º-1, 2ª parte].

A acção deve ser interposta no prazo de três anos a contar do registo,

sob pena de caducidade, salvo intervenção do Ministério Público [art.

44º-1 e 2].

A iniciativa cabe a qualquer membro da administração, do conselho

fiscal ou do conselho geral da sociedade, ou a qualquer terceiro que

tenha um “interesse relevante e sério na procedência da acção” [art.

44º-1]. Contrapõe-se à legitimidade prevista no CC: “qualquer

interessado”, em geral [art. 286º CC]. A ratio legis desta norma é a

de prevenir a interposição gratuita e selvagem de acções contra

grandes sociedades, a fim de obter compensações destinadas a

evitar o escândalo.

A propositura da acção de declaração da nulidade deve ser

comunicada pelos membros da administração aos sócios de

responsabilidade ilimitada e aos sócios das SPQ [art. 44º-3],

independentemente de quem tenha proposto a acção [acrescenta

MENEZES CORDEIRO]. A omissão deste dever presume-se culposa

[art. 799º-1 CC] e dá azo a responsabilidade obrigacional [arts. 798º

ss CC].

Finalmente, o art. 44º aplica-se a todos os tipos de sociedades, sejam

elas sociedades de capitais ou sociedades de pessoas.

§3: INVALIDADE DO CONTRATO DE SOCIEDADE ANTES DO REGISTO.

Enquanto o contrato de sociedade não estiver definitivamente registado, a

invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas

34

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

disposições aplicáveis aos negócios nulos ou anuláveis, nos termos gerais do CC

[art. 41º-1].

Esta remissão abrange:

Causas de invalidade: vg erro ou simulação, com a ressalva do art.

41º-2, 2ª parte [a invalidade resultante de vício da vontade ou de

usura só é oponível aos demais sócios].

Legitimidade [art. 286º CC]

Tempo:

o Nulidade: art. 287º CC – invocável a todo o tempo

o Anulabilidade: art. 286º CC – invocável no ano subsequente ao

conhecimento da cessação do vício. Equivale, para MENEZES

CORDEIRO, a uma “impugnabilidade”, conferindo ao

interessado um direito potestativo temporário de anular o

negócio jurídico.

A remissão para as normas do CC não abrange, contudo, a matéria das

consequências legais da invalidade do contrato de sociedade antes do registo: o

art. 52º é a base jurídica aplicável nesse caso, e não o art. 289º CC [comum à

nulidade e a anulabilidade: efeito retroactivo e restituição do que foi prestado ou do

valor correspondente], em face da ideia de favor societatis presente no regime

legal da invalidade no CSC. Eis os traços gerais do regime do art. 52º:

A liquidação da sociedade [art. 165º] permite o acertamento das

posições patrimoniais da sociedade, já que a restituição não é, na

maior parte dos casos, possível [arts. 41º-1, 2ª parte e 52º-1].

Nota: liquidação é o conjunto de operações que, dissolvida a sociedade,

permitem o pagamento aos credores sociais e a repartição do remanescente pelos

sócios. Compreende-se que a invalidação de uma sociedade não se salde pela

restituição, nos termos gerais [art. 289º-1 CC], já que pode haver relações com

terceiros: vg credores sociais ou devedores à sociedade. Assiste-se a um

paralelismo entre o regime da liquidação e da dissolução, facto que justifica a

remissão legal [art. 141º ss]. A jurisprudência maioritária considera que perante a

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

invalidade do contrato de sociedade por vício de forma, ocorrida antes do registo

definitivo, não podem ser restituídas aos sócios o valor das prestações que fizeram

a título de entrada [art. 289º-1 CC], mas apenas têm direito a ver partilhado o

activo resultante da liquidação por todos.

A invalidade afigura-se mista, já que a eficácia dos negócios jurídicos

concluídos anteriormente não é afectada pela declaração de nulidade

ou anulação do contrato social [art. 52º-2]. MENEZES CORDEIRO

propõe uma interpretação restritiva deste preceito, com duas

ressalvas:

o O negócio anteriormente concluído não pode incorrer em

nenhum fundamento de invalidade.

o O terceiro protegido tem que estar de boa fé subjectiva ética

[desconhecimento, sem culpa, do vício que afecta a

sociedade]. Uma interpretação literal do art. 52º-3 levar-nos-ia

a concluir, erroneamente, que se a nulidade proviesse de

outros vícios que não a simulação, ilicitude do objecto, ou

violação da ordem pública ou dos bons costumes, a tutela

referida no art. 52º-2 aproveitaria mesmo a terceiros de má fé

[vg em caso de dolo de terceiro, art. 254º-2 CC]. Este

entendimento é de afastar.

As invalidades decorrentes de incapacidade são oponíveis também a

terceiros [art. 41º-2].

exemplo:

A, B e C celebraram, com observância da forma legalmente prescrita [art.

7º-1], um contrato pelo o qual constituíam a Sociedade T, Lda. Antes de efectuado

o registo, verifica-se que o notário se esqueceu de incluir no contrato a sede da

sociedade.

36

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A referência ao notário indicia a celebração de uma escritura

pública: facto que nos leva a concluir tratar-se de um

contrato de sociedade celebrado com a contribuição de um

bem imóvel [art. 7º-1, 2ª parte].

A sede é um elemento que deve constar do contrato [art. 9º-1

e) e 12º]. Na omissão da mesma, o contrato é inválido.

Tratando-se de invalidade do contrato antes do registo,

aplicam-se as disposições dos negócios jurídicos nulos ou

anuláveis, nos termos gerais [art. 41º-1]. Encontramo-nos

perante uma violação de uma norma injuntiva [o art. 9º-1e],

pelo que a nulidade daí resultante [art. 294º CC] segue as

regras gerais da legitimidade e prazos de arguição: a todo o

tempo, por qualquer interessado [art. 287º CC].

Quanto às consequências, tem aplicação o art. 52º, a respeito

da liquidação da sociedade, e não o art. 289º CC.

§4: INVALIDADE DO CONTRATO DE SOCIEDADE DEPOIS DO REGISTO.

Depois de efectuado o registo definitivo do contrato de SPQ, SA ou SEC por acções

[sociedades de capitais], o contrato só pode ser declarado nulo por algum dos vícios

taxativamente enunciados na lei [art. 42º-1]:

Nota: patente está a regra geral da redução das invalidades – a invalidade

de algumas cláusulas societárias não conduz à invalidade de todo o contrato. A

invalidade de todo o contrato só sucederá se recair sobre alguma cláusula crucial,

enunciadas infra.

a) Falta, no mínimo, de dois sócios fundadores [com as ressalvas

supra mencionadas quanto às SU: art. 7º-2].

b) Falta de menção:

o Firma [*]

o Sede [*]

37

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Objecto

o Capital social

o Valor da entrada de algum sócio [*]

o Prestações realizadas por conta da sociedade [*]

c) Menção de um objecto ilícito ou contrário à ordem pública.

d) Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação

mínima do capital social [uma quota pode ser liberada quando o

montante já pago seja suficiente para perfazer o capital social

mínimo].

e) Não observância da forma legalmente exigida para o contrato de

sociedade.

As nulidades assinaladas [*] são, todavia, sanáveis por deliberação dos

sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do

contrato [arts. 42º-2 e 44º-1, 2ª parte]. Uma vez mais, a ideia que está subjacente a

esta solução legal é o favor societatis e a protecção do tráfego jurídico.

O regime da acção de declaração de nulidade é aquele que se encontra

consagrado no art. 44º, conforme já expusemos supra §2.

Quanto às consequências, uma vez mais não colhe a aplicação do art. 289º

CC, mas sim do art. 52º:

A liquidação da sociedade permite o acertamento das posições

patrimoniais da sociedade, já que a restituição não é, na maior parte

dos casos, possível [art. 52º-1].

A invalidade afigura-se mista, já que a eficácia dos negócios jurídicos

concluídos anteriormente não é afectada pela declaração de nulidade

ou anulação do contrato social [art. 52º-2].

Em conclusão, seja ela detectada antes ou depois do registo [já que as

consequências são as mesmas: art. 52º], a sociedade irregular por invalidade não

“desaparece”: sujeita-se, “apenas”, à liquidação.

38

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

exemplo:

A, B e C celebraram, com observância da forma legalmente prescrita [art.

7º-1], um contrato pelo o qual constituíam a Sociedade T, Lda. Depois de efectuado

o registo, verifica-se que o notário se esqueceu de incluir no contrato a sede da

sociedade.

A referência ao notário indicia a celebração de uma escritura

pública: facto que nos leva a concluir tratar-se de um

contrato de sociedade com a contribuição de um bem imóvel

[art. 7º-1, 2ª parte].

Tratando-se de invalidade do contrato depois do registo,

aplica-se o disposto no art. 42º: sociedades de capitais [no

caso, uma SPQ].

A sede é um elemento que deve constar do contrato [art. 42º-

1b]. Na omissão da mesma, o contrato é nulo, embora essa

nulidade possa ser sanada nos termos do nº 2 e com as

consequências do art. 44º-1, 2ª parte. Se a nulidade não for

sanada, a acção de declaração de nulidade deve ser intentada

nos termos do art. 44º e, se procedente, atenta-se ao

disposto no art. 52º, quanto à liquidação da sociedade.

§5: VÍCIOS DA VONTADE. Padecendo de um vício da vontade [erro, dolo,

coacção e usura], o contrato de sociedade das sociedades de capitais [SPQ, SA e

SEC por acções] é, ainda assim, válido, embora o vício possa ser invocado como

justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado [art. 45º-1 e 49º-1] –

ideia de favor societatis. Para tal, exige-se que se verifiquem as circunstâncias

enunciadas no art. 287º CC: prazo de um ano desde o conhecimento da cessação

do vício. O contrato de sociedade é válido, já que os vícios da vontade não constam

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

do elenco taxativo do art. 42º-1, que comina a nulidade. Não colhe, aqui, a

aplicação das consequências do art. 52º.

Nota: a aplicação analógica deste regime a outros vícios da vontade não

elencados [simulação parcial, simulação relativa, falta da consciência da

declaração, coacção física e incapacidade acidental] deve ser apreciada caso a

caso, para que possam também constituir justa causa de exoneração, segundo

MENEZES CORDEIRO.

Cumpre reter aqui a seguinte nota terminológica:

Sócios: exoneração [por iniciativa própria – art. 185º] ou exclusão

[por iniciativa dos outros sócios – art. 186º].

Membros dos órgãos sociais: renúncia [por iniciativa própria] ou

destituição [por iniciativa dos sócios]. Mantêm o seu status de sócios.

exemplo:

D, E, F, G e H constituem, por escritura pública, uma SA. Três meses depois,

a sociedade é registada. Hoje, D revela que só se tornou sócio porque a tal fora

coagido por A e B, apenas agora tendo cessado a coacção. Pretende, por isso,

invalidar o negócio.

Estamos perante um contrato de sociedade com a

contribuição de um bem imóvel [art. 7º-1, 2ª parte], já que o

mesmo foi celebrado mediante escritura pública.

A SA é uma sociedade de capitais, pelo que se aplica o

disposto no art. 45º, a respeito dos vícios da vontade de que

padeça o contrato de sociedade.

Tendo sido realizado registo, o contrato é, ainda assim,

válido: não consta do elenco taxativo de nulidades do art.

42º-1. As normas do CC relativas à coacção moral [anulável] e

40

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

física [nula] não têm, aqui, aplicação: salvo o disposto no art.

287º CC, quanto ao prazo de um ano para o exercício do

direito de exoneração do sócio, por iniciativa própria [art.

45º-1].

Em suma, o contrato de sociedade é válido, embora haja justa

causa de exoneração daquele que foi coagido a celebrá-lo: D.

§6: INCAPACIDADE. Nas sociedades de capitais [SPQ, SA e SEC por

acções], a incapacidade de um dos contraentes torna o negócio jurídico anulável

relativamente ao incapaz [art. 45º-2, 47º e 49º-1] – ideia de favor societatis. Não

colhe, aqui, a aplicação das consequências do art. 52º. O sócio tem o direito de

reaver o que prestou e não pode ser obrigado a completar a sua entrada [art. 47º].

Recordemos as regras de capacidade para a constituição de uma sociedade

comercial, já supra mencionadas:

Os menores podem ser partes em contratos de sociedade, desde que o

celebrem através dos pais, enquanto seus representantes legais, e com autorização

bastante do tribunal [no caso de constituição de uma SNC ou SEC, simples ou por

acções – art. 1889º-1d) CC]. Poderão fazê-lo, pessoal e livremente, sempre que o

objecto da sociedade esteja ao seu alcance [recorde-se o teor do art. 127º CC]: a

denominada “incapacidade” dos menores é aparente, segundo MENEZES

CORDEIRO, face às excepções legalmente previstas, que acabam por consumir a

regra.

O mesmo regime é aplicável, mutatis mutandis, ao interdito [arts. 139º ss

CC]. Quanto ao inabilitado, a capacidade para constituição de uma sociedade

depende de sentença [art. 153º-1 CC].

O REGISTO E AS PUBLICAÇÕES

Registo das Sociedades Comerciais

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

§1: REGISTO COMERCIAL. O registo comercial assume uma função de

publicidade dos actos: dar a conhecer os actos comerciais ao público interessado.

Recordemos os princípios do registo comercial:

Princípio da instância [art. 28º CRC]

Princípio da obrigatoriedade [arts. 14º e 15º CRC]

Princípio da competência [arts. 24º ss CRC]

Princípio da legalidade [art. 47º CRC]

§2: EFEITOS DO REGISTO. Os efeitos do registo podem ser:

Efeito presuntivo [art. 11º CRC]

Efeito de prevalência do registo mais antigo [art. 12º CRC]

Efeito constitutivo [vs art. 406º-1 CC]

Efeito indutor de eficácia:

o Publicidade negativa

o Publicidade positiva

No Direito das Sociedades Comerciais o registo tem, à partida, um efeito

constitutivo [com as ressalvas infra, §3]: art. 5º. Esta norma não abrange as

constituições de sociedades comerciais que não operem por contrato [vg fusão,

cisão ou transformação], mas que ainda assim carecem de registo [arts. 112º e

120º]. Admitimos, porém, a seguinte ressalva: a pré-sociedade já é uma sociedade,

ainda que não registada.

Segundo o art. 3º CRC, os actos societários sujeitos a registo são os

seguintes:

Contrato de sociedade e respectivas modificações

Transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades

Transmissões de partes sociais ou de quotas

Designação e cessação de funções dos fiscalizadores e

administradores

Acções de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de

sociedade e de deliberações sociais [art. 9º c) e e) e art. 15º-4 CRC]

42

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

[…]

Esta disposição deve ser articulada com o disposto no art. 15º-1 CRC, acerca

dos actos sujeitos a registo obrigatório.

§3: EFEITO CONSTITUTIVO?

Para MENEZES CORDEIRO o sistema de registo de sociedades comerciais

não pode ser constitutivo, porque:

Os actos supra §2 mencionados produzem importantes efeitos antes

do registo.

Actos equivalentes àqueles [vg modificação ou transformação das

sociedades] não dependem formalmente de registo [arts. 88º e

135º].

O contrato de sociedade produz a generalidade dos seus efeitos

uma vez celebrado, seja inter partes, seja perante terceiros [arts.

37º a 40º].

A grande consequência da falta do registo está relacionada com a

não limitação da responsabilidade dos sócios, tão-só.

O registo constitutivo contraria o princípio basilar da eficácia

imediata dos contratos, no domínio real [art. 408º-1 CC].

Com base nestes argumentos, MENEZES CORDEIRO conclui pelo efeito

indutor de eficácia do registo das sociedades comerciais, já que o registo:

Não reconhece todos os efeitos a actos sujeitos a registo e não

registados [inoponibilidade a terceiros de boa fé].

Atribui efeitos a actos não efectivos, mas indevidamente registados

[inoponibilidade da nulidade do registo a terceiros de boa fé].

Os registos “constitutivos” previstos no CSC não são verdadeiras

hipóteses de registo constitutivo, já que os actos sujeitos a esse

registo produzem alguns efeitos antes e independentemente dele.

Em conclusão, o registo surge, assim, como uma condicionante da eficácia

plena dos actos praticados pelas sociedades comerciais, ligando-se ao efeito indutor

43

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

de eficácia que resulta da publicidade registal: seja essa eficácia negativa ou

positiva.

§4: REGISTO DEFINITIVO. O art. 5º associa personalidade jurídica à

sociedade comercial registada. Para MENEZES CORDEIRO este preceito perde

importância, uma vez que a sociedade devidamente constituída com observância

da forma legal [art. 7º-1] mas ainda não definitivamente registada opera já como

um centro próprio de imputação de regras, dispondo de capacidade jurídica

bastante.

Segundo o art. 19º-1, com o registo definitivo do contrato de sociedade, esta

assume de pleno direito:

a) Direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos

no art. 16º-1 [a inserir no contrato de sociedade, sob pena de se

tornarem ineficazes].

b) Direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um

estabelecimento que constitua objecto de uma entrada em espécie

ou que tenha sido adquirido por conta da sociedade.

c) Direitos e obrigações emergentes de negócios concluídos antes do

acto de constituição.

d) Direitos e obrigações decorrentes de negócios celebrados pelos

gerentes, administradores ou directores, com autorização de todos os

sócios.

Esta assunção, pela sociedade, de negócios anteriores ao registo, com o

registo definitivo, tem eficácia retroactiva e liberatória [art. 19º-3] dos

“responsáveis” segundo o art. 40º.

Quanto aos direitos e obrigações decorrentes de outros negócios celebrados

antes do registo definitivo do contrato, esses podem ser assumidos pela sociedade

mediante decisão da administração, comunicada nos 90 dias subsequentes ao

registo [art. 19º-2]. Essa assunção já não é, neste caso, “de pleno direito”

44

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

[automaticamente], embora também tenha eficácia retroactiva, segundo MENEZES

CORDEIRO.

O registo definitivo permite ainda operar os sistemas de responsabilidade

limitada [arts. 38º a 40º].

Publicações e outras Formalidades

§1: PUBLICAÇÕES OBRIGATÓRIAS. Segundo os arts. 166º e 167º, as

publicações, quando obrigatórias, devem ser feitas em site da Internet de acesso

público [art. 70º CRC].

§2: OUTRAS FORMALIDADES. Para além da publicação dos actos

praticados pelas sociedades comerciais, outras formalidades poderão também ser

requeridas [vg declarações fiscais e autorizações prévias].

A SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SÓCIOS

O Status de Sócio

§1: A SITUAÇÃO DOS SÓCIOS. A evolução progressiva da situação dos

sócios, no sentido da abstracção, partiu de uma qualidade assumida, para a

titularidade de uma posição e, finalmente, para a própria posição ou participação

social.

Neste âmbito compreende-se a delimitação entre sociedades de pessoas e

sociedades de capitais: nas primeiras o status de sócio é indissociável da qualidade

do mesmo; nas segundas, o status é independente do seu titular.

Recorre-se à técnica do “estado” do sócio, já que a posição jurídica do

mesmo é complexa: contém direitos e deveres, mutáveis pelo contrato de

45

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

sociedade, acordos parassociais e deliberações societárias. O estado de sócio, além

de complexo, prolonga-se no tempo e implica obrigações duradouras.

§2: DIREITOS E DEVERES DOS SÓCIOS. O conteúdo complexo do status

de sócio pode ser clarificado com recurso a algumas classificações:

Direitos abstractos: posição favorável que permitirá ao sócio ver

surgir um direito concreto correspondente – vg direito aos lucros

[art. 21º-1a]. Surge como uma expectativa, em relação a um bem

final futuro.

Direitos concretos: produto da concretização de uma prévia posição

favorável, que assistia ao sócio.

Direitos patrimoniais: valores patrimoniais – vg direito a “quinhorar

nos lucros” [art. 21º-1a]

Direitos participativos: valores que se prendem com o

funcionamento da sociedade. Conferem a possibilidade, aos sócios,

de ingressar no modo colectivo de gestão dos interesses – vg direito

a participar nas deliberações, a obter informações e à designação

para os órgãos sociais [art. 21º-1 b), c) e d].

Direitos pessoais: valores pessoais do sócio.

As situações passivas dos sócios serão, à partida, apenas duas [art. 20º]:

Obrigação de entrada [arts. 25º ss]

Sujeição às perdas – duplo alcance:

o Representa a frustração de contrapartidas esperadas pelas

entradas

o Traduz o funcionamento das regras de responsabilidade dos

sócios:

SEC: responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária

[art. 175º-1]

SPQ: responsabilidade limitada aos valores das

entradas, solidária e subsidiária [art. 192º-1]

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

SA: responsabilidade limitada apenas pelas entradas

próprias [art. 271º]

As SPQ e SA impõem aos sócios a obrigação de efectuar prestações

acessórias, além das entradas [arts. 209º e 287º], desde que o contrato fixe os

elementos essenciais da obrigação e especifique se as prestações devem ser

efectuadas onerosa ou gratuitamente.

As prestações suplementares [art. 210º], no âmbito das SPQ, devem ser

permitidas pelo contrato de sociedade, dependendo de deliberação dos sócios [nº

1] e têm sempre por objecto dinheiro [nº 2].

§3: DIREITOS ESPECIAIS. Os direitos especiais constam do art. 24º: são

direitos de “qualquer sócio”, inseridos no contrato de sociedade e que, salvo

disposição legal ou estipulação contratual expressa em contrário, não podem ser

suprimidos ou coarctados/limitados sem o consentimento do respectivo titular [nº 1

e nº 5].

O CSC não concretiza, todavia, que precisos tipos de direitos poderiam estar

em causa. Eis alguns exemplos jurisprudenciais:

Direito de exercer actividade concorrente com a da sociedade

Direito de dividir ou alienar a sua quota sem as autorizações exigidas

aos demais sócios

Direito de alienar quotas sem exercício da preferência pelos demais

sócios

Direito à gerência

Direito de veto em todos ou alguns assuntos

Direito de perceber quinhões mais favoráveis de lucros

Os direitos especiais são intuitu personae, estabelecidos em função de um

concreto titular. Não são transmissíveis a terceiros, em conjunto com a respectiva

quota. Quando os estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, nem sempre se

tratará de um direito especial, podendo verificar-se uma mera designação em pacto

social. Não basta, por isso, a atribuição de um direito, mas sim a atribuição especial

47

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

de um direito: recomenda-se menção expressa de que o mesmo só poderá ser

suprimido com o consentimento do seu titular.

Segundo o art. 24º-2 a 4:

SNC: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo cláusula em

contrário [personalização máxima]

SPQ: os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis; os

restantes são intransmissíveis, salvo cláusula em contrário

SA: os direitos especiais são atribuídos a categorias de acções,

transmitindo-se com estas [abstracção máxima]

Pergunta-se se os direitos especiais podem assistir a todos os sócios [com

excepção das SA, onde os direitos especiais são atribuídos a acções]. Os direitos

especiais são-no não por pertencerem apenas a um sócio, mas sim por

pressuporem um regime especial, diferente do comum. Nestes termos, todos os

sócios podem ser titulares de direitos de que só possam ser despojados com o seu

próprio assentimento.

A Obrigação de Entrada

§1: ENTRADA. A obrigação de entrada é um dever essencial dos sócios, sem

a qual a sociedade não terá meios para poder desempenhar a sua actividade.

A entrada pode consistir em diversas realidades patrimoniais:

Entradas em dinheiro: assunção de uma obrigação pecuniária

Entradas em espécie: entregas de bens diferentes de dinheiro [art.

28º-1], susceptíveis de penhora [art. 20º a]

Entradas em indústria: serviços humanos não subordinados

O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, quantitativa e

qualitativamente [art. 9º g) e h].

Cumpre reter a seguinte nota terminológica:

Subscrição das entradas: assunção da obrigação de entrada,

comprometendo-se a tal.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Realização das entradas: cumprimento efectivo da obrigação de

entrada

Estes dois momentos coincidem, quando a entrada seja em espécie.

O valor nominal da entrada é o da participação social a que corresponda:

SNC: Parte social

SPQ: quota

SA: acção

O valor nominal não pode exceder o valor real da entrada [art. 25º-1]: a

cifra, em dinheiro, em que se traduza essa entrada, quando pecuniária, ou ao valor

dos bens que implique, quando em espécie.

Ao conjunto das entradas designa-se património social, e não participação

social, já que o aumento de capital social [cifra do conjunto das participações

sociais, enfim] é uma modalidade de alteração do próprio contrato [sujeita a

deliberação dos sócios], não variando por si nem sofrendo oscilações, enquanto que

o património social é variável. O património social tem consistência real e é, assim,

o conjunto das situações jurídicas activas e passivas patrimoniais da sociedade:

Bruto: activo + passivo

Líquido: activo – passivo [capital próprio]

Na obrigação de entrada o sócio surge como devedor e a sociedade como

credora. Esta obrigação pode ser cumprida de imediato, ou diferida para momento

póstumo, consoante o tipo de sociedade.

§2: REGIME GERAL. As entradas não podem ter um valor inferior ao da

participação nominal [parte social, quota ou acção] atribuída ao sócio. Poderá,

eventualmente, ser superior [acima do par, diz-se], caso em que nos deparamos

com um “prémio de subscrição” ou “prémio de emissão” [ágio].

A emissão acima do par justifica-se porque:

Acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios

A sociedade gera expectativas de negócio que conduzem a uma

sobrevalorização de mercado

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A obrigação de entrada deve ser realizada até ao momento da celebração do

contrato, com observância da forma legalmente prescrita [art. 7º-1], salvo quando o

próprio contrato preveja o diferimento das entradas em dinheiro e a lei o permita.

São nulos os actos da administração e as deliberações dos sócios que

liberem total ou parcialmente os sócios da obrigação de entrada, salvo redução do

capital [art. 27º-1]. No caso de incumprimento desta obrigação, podem ser

estabelecidas, no contrato, cláusulas penais, juros e outras penalidades [nº 3].

§3: ENTRADAS EM DINHEIRO. As entradas em dinheiro podem ser

diferidas, nas seguintes situações:

SPQ: só pode ser diferida a efectivação de metade das entradas em

dinheiro; o quantitativo global dos pagamentos feitos por conta das

entradas em dinheiro e a soma dos valores nominais das quotas

correspondentes às entradas em espécie deve perfazer o capital

mínimo fixado por lei – € 5.000 [arts. 201º e 202º-2].

o A expressão “metade das entradas em dinheiro” admite duas

interpretações:

1. Metade das entradas em dinheiro de cada sócio,

individualmente considerado? – COUTINHO DE

ABREU: o que é fundamental é a contribuição do sócio,

já que se o mesmo se obriga, deve, pelo menos,

cumprir metade da sua obrigação de entrada.

2. Metade das entradas do total de entradas em

dinheiro? – MENEZES CORDEIRO: o sócio pode não

realizar imediatamente qualquer entrada. O âmbito é o

da autonomia privada, devendo a lei ser interpretada

no sentido mais amplo possível.

o O termo é possível [diferimento para datas certas ou factos

certos e determinados], mas não a condição [art. 203º]. Se

não for apontado termo para o diferimento, ou se o mesmo for

50

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

submetido a condição [ilícita e, consequentemente, nula – art.

294º CC], admitem-se duas soluções:

A obrigação de entrada torna-se pura, exigível a

qualquer momento [art. 777º CC] – RAUL VENTURA e

COUTINHO DE ABREU.

O prazo máximo de cinco anos do art. 203º-1, 2ª parte

funciona como prazo supletivo, volvido o qual a

obrigação de entrada pode ser exigida – MENEZES

CORDEIRO.

SA: pode ser diferida a realização de até 70% do valor nominal das

acções, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando

previsto [art. 277º-2].

Não há diferimento para as entradas em espécie, nem para as SNC.

Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada em dinheiro, nas

SPQ e SA, a soma das entradas em dinheiro já realizadas deve ser depositada em

instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa conta aberta em nome

da futura sociedade [arts. 202º-3 e 277º-3].

exemplo:

A, B e C constituíram uma SPQ com o capital social de € 30.000. A e B

realizaram imediatamente as respectivas entradas, mas C diferiu a sua para quando

a sociedade necessitasse de fundos.

C diferiu a sua obrigação de entrada numa SPQ.

A obrigação de entrada encontra-se prevista em geral no art.

20 a). No caso, presumimos terem sido realizadas em

dinheiro, já que nada nos é dito a esse respeito.

51

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A e B subscreveram e realizaram as respectivas entradas

aquando da celebração do contrato de sociedade. C apenas

subscreveu, tendo diferido a realização da mesma para

momento póstumo [art. 26º].

Tratando-se de SPQ, o diferimento das entradas é possível,

quando as mesmas sejam realizadas em dinheiro [art. 202º-

2]. Requisitos legais: só pode ser diferida a efectivação de

metade das entradas em dinheiro; o quantitativo deve

perfazer o capital mínimo de € 5.000 [art. 201º]; o termo é

possível [diferimento para datas certas ou factos certos e

determinados], mas não a condição [art. 203º].

No caso, o diferimento da obrigação de entrada está sujeito à

condição de quando a sociedade necessitasse de fundos.

Como tal, esse diferimento é ilícito e, consequentemente,

nulo [art. 294º CC]. Admitem-se duas soluções:

o A obrigação de entrada torna-se pura, exigível a

qualquer momento [art. 777º CC] – COUTINHO DE

ABREU.

o O prazo máximo de cinco anos do art. 203º-1, 2ª parte

funciona como prazo supletivo, volvido o qual a

obrigação de entrada pode ser exigida – MENEZES

CORDEIRO.

§4: ENTRADAS EM ESPÉCIE. As entradas serão em espécie quando

transfiram, para a sociedade, direitos patrimoniais susceptíveis de penhora e que

não se traduzam em dinheiro [art. 28º-1].

Exemplos:

Direito de propriedade

Direito ao uso e fruição, sem propriedade

Direitos sobre bens imateriais [patentes e know-how]

52

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

O dinheiro é de fácil avaliação, face ao princípio do nominalismo. Já as

entradas em espécie têm, necessariamente, valores subjectivos. Os bens ou

direitos em causa devem, todavia, ser objectivamente avaliados, para que o valor

exacto dos mesmos seja do conhecimento dos interessados. Por estes motivos, um

Revisor Oficial de Contas [ROC] devidamente distanciado e imparcial deve avaliar,

objectivamente, os bens em causa, explicitando os critérios utilizados nessa

avaliação e declarando formalmente se o valor dos mesmos atinge o valor nominal

indicado pelos sócios [art. 28º-3]. O relatório do ROC está sujeito a exigências de

publicidade [nº 5 e 6], já que se pretende, tão-só, a defesa de terceiros [os credores

da sociedade, futuros adquirentes e público em geral]. Tratam-se de normas

imperativas, inderrogáveis, nem mesmo por comum acordo.

§4: DIREITOS DOS CREDORES. O cumprimento da obrigação de entrada

interessa à sociedade, pelos motivos apontados, e aos credores, relevando para a

cobertura patrimonial dos seus direitos.

Por esta razão, aos credores assistem dois direitos [art. 30º-1],

concretizadores da acção sub-rogatória, nos termos do art. 606º CC. Na acção sub-

rogatória, o credor substitui-se ao devedor e tem a faculdade de exercer, contra

terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele.

A sociedade pode satisfazer os créditos em causa com juros de mora [art.

30º-2] e o pagamento pode ser feito por terceiro, nos termos gerais [art. 767º-1

CC].

exemplo:

D, E, F, G, H e I decidem constituir uma SA. Ficou acordado que:

D contribuía com € 10.000, em dinheiro, realizados integralmente no

momento do contrato. E contribuía com € 10.000, através de um cheque, cuja

entrada seria diferida em 60%, devendo ser realizada dois anos depois. F contribuía

com o direito de arrendamento de uma fracção autónoma em Lisboa, de que era

53

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

titular por um período de dez anos – avaliada por um ROC em € 20.000. G

contribuía com cinco anos de trabalho gratuito para a sociedade – avaliada por um

ROC em € 20.000. H contribuía com um direito de crédito sobre J. I contribuía com

uma patente. Um ROC avaliou ambas as contribuições de H e I em € 10.000.

Logo após a constituição da sociedade, esta adquiriu a D um quadro no valor

de € 10.000 que, no entanto, só valia € 7.000.

Nos termos do art. 273º-1 uma SA deve ser constituída por,

no mínimo, cinco sócios.

A obrigação de entrada [art. 20º a] deve ser realizada até ao

momento da celebração do contrato, salvo diferimento [art.

26º].

A respeito do diferimento das entradas numa SA, cumpre

atender ao disposto nos arts. 277º-2 e 285º-1. Não são

admitidas contribuições de indústria [277º-1] e, nas entradas

em dinheiro, só pode ser diferida a realização de até 70% do

valor nominal das acções [nº 2]. Uma vez mais, questiona-se

se a “realização de até 70% do valor nominal das acções” é

relativamente a cada sócio, individualmente considerado, ou

ao total das entradas. Tal como nas SPQ, também se proíbe o

diferimento sujeito a condição.

O valor nominal mínimo de uma SA é € 50.000 [art. 276º-3].

D: a sua obrigação de entrada foi realizada aquando da

celebração do contrato, de imediato.

E: o cheque é um título de crédito, que deve ser tratado como

dinheiro. Trata-se de uma dação em cumprimento que

extingue a obrigação de entrada em dinheiro, pelo

cumprimento da mesma. Tendo sido diferida em 60% [art.

26º], respeitou o disposto no art. 277º-2 [até 70%], embora

54

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

deva observar o prazo máximo de cinco anos para o

cumprimento do restante [art. 285º-1].

F: entrou com um direito temporário de arrendamento,

entendido enquanto contribuição em espécie. É, ainda assim,

um bem susceptível de avaliação económica, pelo que a

avaliação do ROC deve obedecer ao disposto nos arts. 25º-2 e

28º, sob pena de responsabilidade nos termos do art. 82º.

G: contribuiu com trabalho gratuito, entendido enquanto

indústria [já que a onerosidade/gratuidade dessa contribuição

é irrelevante]. As entradas em indústria não são admitidas

pelo art. 277º-1, nas SA.

H: o direito de crédito sobre J consiste numa contribuição em

espécie, pelo que o seu valor deve ser avaliado, pelo ROC,

face ao valor do crédito em si mesmo [art. 28º].

I: a entrada com uma patente consiste numa contribuição em

espécie, já que a patente é susceptível de avaliação

pecuniária.

A aquisição do quadro pela sociedade a D consiste numa

aquisição de bens a accionistas, prevista enquanto tal no art.

29º: deveria ter sido previamente aprovada por deliberação

da assembleia-geral, sob pena de ineficácia [nº 1 e nº 5],

desde que verificados os requisitos legais. O contrato deveria

ter sido reduzido a escrito, sob pena de nulidade [nº 4 e 220º

CC]. Observa-se um risco de descapitalização da sociedade, já

que D entrou com € 10.000 e a sociedade “devolveu-lhe” essa

quantia, quando lhe adquiriu o quadro. Considerando que o

quadro apenas valia € 7.000 [avaliação feita pelo ROC, nos

termos do nº 3], esta aquisição do bem corresponde a uma

fraude à lei, já que tudo se passa como se D tivesse entrado

55

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

com € 7.000 apenas. O valor nominal excede o valor real do

bem [€ 10.000 > € 7.000].

Participação nos Lucros e nas Perdas

§1: PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E NAS PERDAS. A sociedade visa o

lucro económico, repartindo-o pelos associados [art. 980º CC]. Nesse sentido,

encontramos no topo dos direitos dos sócios o direito a quinhorar nos lucros [art.

21º-1 a]. À sociedade é imposta a distribuição de uma parcela dos seus lucros pelos

sócios, com excepções quanto às SPQ e SA [arts. 217º e 294º].

Como contrapartida do lucro, temos o risco: os empreendimentos mais

lucrativos costumam ser, também, os mais arriscados.

Como regra supletiva, temos que os sócios participam nos lucros e nas

perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das suas

participações no capital. Se o contrato determinar somente a parte de cada sócio

nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas – vg 10% capital,

10% lucros [art. 22º-1 e 2].

exemplo:

A, B e C constituíram uma SPQ com o capital social de € 25.000.

A e B ficaram com uma quota de € 5.000 cada.

C ficou com uma quota de € 15.000, apesar de B também ter pago € 15.000

pela sua quota.

Os sócios deliberaram distribuir os lucros entre si, na proporção das suas

quotas.

B exige que lhe seja atribuído um valor proporcional idêntico ao de C.

56

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Nas SPQ o valor mínimo do capital social é de € 5.000 [art.

201º].

Quota de A: valor nominal de € 5.000.

Quota de B: valor nominal de € 5.000 [valor da participação],

apesar do valor real ser € 15.000 [valor de quanto pagou,

efectivamente]. O valor nominal não pode ser mais elevado

do que o valor real [art. 25º-1]. No caso, o valor real é

superior ao valor nominal, pelo que a diferença corresponde

ao ágio [€ 10.000].

Quota de C: valor nominal de € 15.000.

A participação nos lucros e nas perdas é feita segundo a

proporção dos valores nominais das respectivas participações

no capital [art. 22º]. Nada nos é dito quanto a direitos

especiais aos lucros. Conclusão:

o A: 20% de participações no capital, 20% dos lucros e

das perdas

o B: 20% de participações no capital, 20% dos lucros e

das perdas

o C: 60% de participações no capital, 60% dos lucros e

das perdas

exemplo:

E. F e G constituíram uma sociedade e acordaram, por exigência de G, que,

independentemente da sociedade ter lucros, este receberá mensalmente € 2.000.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Proíbe-se toda a estipulação pela qual deva algum sócio

receber juros ou outra importância certa [no caso] em

retribuição do seu capital ou indústria, segundo o art. 21º-2.

E, F e G violaram o princípio da conservação ou

intangibilidade do capital social das sociedades comerciais. O

património social só pode ser inferior ao capital social por

força de distribuições a terceiros [vg credores], e nunca por

distribuições aos próprios sócios.

Este princípio encontra eco noutras disposições do CSC: arts.

32º e 33º.

§2: PACTOS LEONINOS. Os pactos leoninos são proibidos pelo art. 22º-3: é

nula a cláusula que exclui o sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de

participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria

[arts. 992º-2 e 994º CC], esteja ela incluída no contrato de sociedade ou em acordo

parassocial.

A designação “pacto leonino” advém de uma fábula de ESOPO:

Um leão, um burro e uma raposa andaram à caça e capturaram uma

quantidade abundante de peças. O leão encarregou o burro de as dividir pelos três.

O burro repartiu-as em três partes iguais mas o leão, enfurecido com a divisão,

devorou-o e impôs à raposa que repartisse as peças. A raposa reuniu as três partes

numa só e entregou tudo ao leão, sem deixar nada de parte para si. O leão

perguntou-lhe: “Quem te ensinou a fazer as divisões?”, ao que a raposa respondeu:

“Ensinou-me a experiência do burro!”.

MENEZES CORDEIRO justifica esta proibição com base nos seguintes

argumentos:

O sócio que abdique de lucros vai sujeitar-se a eventuais prejuízos. O

sócio que aceite todos os prejuízos vai submeter-se, eventualmente,

aos que ocorram. Em qualquer dos casos, o sócio está a dispor, para

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o futuro, das vantagens que poderia obter e está a conceder

vantagens a outros sócios.

Esta proibição combate a tentação de se dar o que [ainda] não se

tem e de assumir, para um futuro indeterminado, obrigações.

Coerentemente:

o É nula a renúncia antecipada aos direitos facultados ao credor

nos casos de incumprimento ou mora do devedor

o A cláusula penal pode ser reduzida equitativamente pelo

tribunal

o A doação não pode respeitar a bens futuros

o A doação de móveis deve ser celebrada por escrito ou

mediante tradição

Em conclusão, a proibição dos pactos leoninos justifica-se já que envolve

uma renúncia antecipada aos direitos, aliada à doação do que [ainda] não se tem.

Verificada a nulidade do pacto, parte da doutrina reclama a aplicação do

instituto da redução: a sociedade vigoraria sem a parte viciada, salvo se se

demonstrasse que, na sua falta, as partes não teriam contratado [art. 292º CC].

Assim não entende MENEZES CORDEIRO: uma sociedade leonina não é uma

sociedade comum com uma cláusula leonina, mas sim todo um negócio distorcido e

cuja lógica de participação nos lucros e nas perdas fora destruída. Apenas a

conversão [ante a nulidade total do contrato] lhe pode valer, convertendo-se o

negócio nulo noutro de tipo ou conteúdo diferente, desde que verificados os

requisitos do art. 293º CC: vontade hipotética e ónus da prova.

exemplo:

Os sócios da Sociedade Z, Lda, combinaram que o sócio D, devido às suas

fracas possibilidades económicas, não participaria nas perdas da sociedade.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A proibição dos pactos leoninos [art. 22º-3 e 994º CC] implica

que seja nula a cláusula que isente o sócio de participar nas

perdas [e da comunhão dos lucros]. A nulidade encontra-se

prevista no art. 294º CC.

MENEZES CORDEIRO propõe a aplicação das regras da

conversão [art. 293º CC, nulidade total], sendo que a cláusula

acordada pode-se converter numa cláusula de tipo ou

conteúdo diferente, uma vez que todo o contrato de

sociedade é enformado pelo princípio da participação nos

lucros e nas perdas.

Constituição Financeira e Defesa do Capital

§1: CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA. No domínio da constituição financeira

das sociedades, cumpre distinguir:

Capitais próprios:

o Capital social [soma do valor nominal das acções subscritas]

o Reservas de ágio ou prémios de emissão [soma do sobrevalor

por que, com referência ao valor nominal, as acções tenham

sido colocadas]

o Montante de outras prestações

o Reservas livres [lucros não distribuídos]

o Reserva legal [imposta por lei]

Capitais alheios:

o Obrigações

o Opções [convertible bonds]

o Títulos de participação nos lucros e outros empréstimos

§2: DISTRIBUIÇÃO DE BENS AOS SÓCIOS. Face à separação patrimonial,

os bens da sociedade não se confundem com os dos sócios. Mas são os sócios

60

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

quem tem, afinal, o controlo da sociedade, e poderão entender que a sociedade não

necessita de determinados bens ou que melhor ficariam na esfera dos sócios.

Contrapõem-se o interesse dos credores da sociedade e a própria confiança do

público na estabilidade dos entes colectivos.

Nas sociedades de capitais, cuja responsabilidade é limitada, não é

efectivamente indiferente aos credores a consistência do património da sociedade e

os bens de que disponha. Por outro lado, cumpre acautelar a confiança

generalizada da comunidade na estabilidade das pessoas colectivas: não se

compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios.

O art. 32º tutela os credores, vedando a distribuição de bens aos sócios

quando a situação líquida desta for inferior à soma do capital e das reservas que a

lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios, ou quando a situação líquida se

torna inferior a esta soma em consequência da distribuição.

Conclui-se: apenas podem ser distribuídos aos sócios valores que,

tecnicamente, se consideram “lucros”.

Eis os traços fundamentais do regime da distribuição de bens:

A distribuição de bens depende de deliberação dos sócios [art. 31º-1]

Quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos

administradores, requerendo inquérito judicial, quando suspeitem

que [nº 2]:

o Alterações ocorridas no património social tornariam a

distribuição ilícita perante o art. 32º

o Viola o art. 33º

o Assenta em contas inadequadas

§3: LUCROS E RESERVAS NÃO DISTRIBUÍVEIS. Quanto aos lucros e

reservas não distribuíveis, dispõe o art. 33º:

Não podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que

sejam necessários para cobrir prejuízos transitados [dívidas

anteriores] ou para formar/reconstituir reservas impostas por lei ou

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

pelo contrato de sociedade [nº 1]. A contrario, cabe distribuição de

lucros quando os prejuízos transitados possam, legalmente, ser

cobertos de outra forma [vg a sociedade constitui uma reserva

facultativa destinada a enfrentar prejuízos imprevisíveis].

Proíbem-se as reservas ocultas [nº 3]: escapam ao conhecimento e

controlo dos sócios e credores e não constam da contabilidade, pelo

que põem em causa o balanço e as prestações de contas. A contrario,

podem ser distribuídas as reservas cuja existência e cujo montante

figurem, expressamente, no balanço.

A reserva imposta por lei é também denominada reserva legal: art. 295º-1.

Segundo este preceito, uma percentagem igual ou superior à 20ª parte [5%] dos

lucros da sociedade é destinada à constituição da reserva legal e à sua

reintegração, até que aquela represente a 5ª parte [20%] do capital social. Esta

percentagem é supletiva. Taxativamente, impõe o art. 296º que a reserva legal

apenas pode ser utilizada:

Para cobrir a parte do prejuízo que não possa ser coberto por outras

reservas

Para incorporação no capital

Por outras palavras:

A reserva legal advém de, pelo menos, 5% dos lucros

Até atingir 20% do capital social

Para os fins elencados no art. 296º

Determinadas reservas livres [ágios, vg] estão sujeitas ao regime da reserva

legal supra, na sua totalidade [art. 295º-2]: apenas nos limites de 20% do capital

social e apenas se essa parcela não estiver já coberta pela reserva legal.

exemplo:

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

1. A Sociedade H, Lda., foi constituída com o capital social de € 30.000. Um

ano mais tarde, perante os lucros do exercício obtidos, os sócios deliberam

distribuir integralmente essa quantia entre eles.

2. E se os sócios deliberarem não distribuir quaisquer lucros?

3. Poderão ser distribuídos lucros durante o exercício?

1.

A distribuição dos lucros tem que ter sido objecto de

deliberação dos sócios [art. 31º-1] na assembleia-geral anual,

proposta pela administração [art. 65º-1], quanto a reservas

livres ou facultativas.

Esta regra deve observar limites: quanto à distribuição de

bens [art. 32º] e quanto a lucros e reservas não distribuíveis

[no caso, art. 33º].

As reservas não distribuíveis podem ser legais [art. 218º,

quanto às SPQ, no caso] ou convencionais/estatutárias.

No caso, houve uma distribuição integral dos lucros, inválida

face aos arts. 33º-1 e 218º, que remete para o regime das SA

[arts. 295º e 296º]. A deliberação é, por isso, nula, nos

termos do art. 56º-1d [conteúdo ofensivo de preceito legal

imperativo], na medida em que os sócios não respeitaram o

limite máximo [art. 295º-1]. Está em causa o princípio de

conservação do capital social.

2.

Quanto ao limite mínimo de distribuição dos lucros [arts.

217º-1 e 294º-1], podem os sócios deliberar ou acordar, no

contrato, a distribuição de mais de metade do lucro do

exercício que seja distribuível, mas nunca valor inferior a

metade desse lucro.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

No caso, os sócios deliberaram não distribuir quaisquer

lucros, pelo que essa deliberação é anulável nos termos do

art. 58º-1 a), por violar disposições legais para as quais não

seja cominada a nulidade.

3.

Há lugar a distribuição antecipada dos lucros nos termos do

art. 297º, quanto às SA, normalmente no final do exercício.

Requisitos [nº 1]: adiantamento previsto no contrato de

sociedade, sob decisão do conselho de administração [e não

em assembleia-geral, art. 31º], precedida de um balanço

intercalar e desde que as importâncias a atribuir não

excedam metade das que sejam distribuíveis.

Não existe base legal correspondente para as SPQ, nem por

remissão. RAUL VENTURA considera tratar-se de uma lacuna

que pode ser integrada através da aplicação analógica do

disposto no art. 297º às SPQ, respeitados os requisitos supra.

§4: PERDA DE METADE DO CAPITAL SOCIAL. O art. 35º dispõe sobre a

hipóteses de perda de metade do capital social das sociedades comerciais:

#1: quando resultar das contas que metade do capital social se

encontra perdido, ou havendo fundada razão para admiti-lo, devem

os gestores convocar de imediato a assembleia-geral ou devem os

administradores requerer prontamente a convocação da mesma, a

fim de informar os sócios da situação, para que estes tomem as

medidas julgadas convenientes.

o Incumprimento deste dever gera responsabilidade civil, nos

termos do art. 523º.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

#2: considera-se estar perdida metade do capital social quando o

capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital

social.

#3: do aviso convocatório da assembleia-geral constarão os

seguintes assuntos para deliberação:

o a) Dissolução da sociedade

Pôr termo à sociedade antes que se agravem os

perigos para terceiros.

o b) Redução do capital social para montante não inferior ao

capital próprio da sociedade, com respeito do art. 96º-1

Corresponder a realidade nominal à verdadeira

situação patrimonial.

o c) A realização pelos sócios das entradas para reforço da

cobertura do capital

Reforçar os capitais da sociedade.

A entrada em vigor da versão originária do artigo ficou, durante muitos anos,

suspensa. O esquema previsto era mais severo, impondo prazos apertados para a

realização das entradas, pelo que não seria imediatamente exequível e a sua

entrada em vigor dependeria de diploma ulterior. Para mais, o seu teor transcende

a própria 2ª Directriz Comunitária.

exemplo:

A Sociedade A, SA, perante a difícil conjuntura do mercado, tem vindo a

diminuir consideravelmente as suas vendas. Perante as contas do exercício, os

administradores verificaram que o capital próprio da sociedade era inferior a

metade do capital social.

Que atitude devem tomar?

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Entende-se estar perdido metade do capital social quando o

capital próprio da sociedade é igual [ou inferior – no caso] a

metade do capital social, segundo concretiza o art. 35º-2.

No caso de perda de metade do capital social [art. 35º-1]

devem os gerentes convocar de imediato a assembleia-geral

ou devem os administradores requerer prontamente a

convocação da mesma. Nessa assembleia-geral os sócios

serão informados da situação e convidados a tomar as

medidas julgadas convenientes.

Havendo incumprimento deste dever, pode haver

responsabilidade civil nos termos do art. 523º.

Se nenhuma proposta for aprovada em sede de assembleia-

geral, o art. 35º não prevê qualquer sanção, e

sistematicamente apenas nos deparamos com uma

consequência formal, segundo o disposto nos arts. 171º-2 e

528º-2: pagamento de uma coima pela omissão de menção

em actos externos. O montante da coima deveria, de iure

condendo, ser mais elevado.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A COMPARTICIPAÇÃO DOS SÓCIOS NA VIDA SOCIETÁRIA

Acordos Parassociais

§1: ACORDOS PARASSOCIAIS. A comparticipação dos sócios na vida

societária obedece à autonomia privada e à sua livre iniciativa, pelo que se

processa no quadro da lei, dos estatutos da sociedade e de acordos celebrados

pelos sócios, nos quais se insere a categoria de acordos parassociais.

Acordos parassociais são convénios celebrados por sócios de uma sociedade

[podem intervir terceiros], nessa qualidade, visando regular relações societárias.

Distinguem-se do próprio pacto social, uma vez que apenas respeitam a alguns

sócios, aqueles que os celebrem, à margem do contrato de sociedade e sem

interferir no ente colectivo. Por outro lado, distinguem-se de quaisquer outros

acordos celebrados entre os sócios uma vez que, no seu objecto, respeitam a

verdadeiras relações societárias. Quanto à forma, a regra é o consensualismo [art.

219º CC]. Podem ser celebrados secretamente, salvo tratando-se de sociedades

abertas, nos termos do Código de Valores Mobiliários, com exigências de

transparência.

O estudo dos mesmos é pertinente, uma vez que através deste tipo de

acordos podem os sócios defraudar todas as regras societárias e os próprios

estatutos. Estes acordos traduzem, nos países latinos, esquemas de controlo de

poder ou de take over.

São genericamente admitidos pelo art. 17º:

#1: Os acordos parassociais celebrados entre todos ou alguns sócios

pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não

proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas não

justificam a impugnação de actos da sociedade ou dos sócios para

com a sociedade.

o Devem obedecer às limitações gerais constantes do art. 280º

CC: quanto à violação da lei, ordem pública e bons costumes.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o A sua eficácia é meramente obrigacional, inter partes [entre

os sócios intervenientes]: relativização dos acordos. Têm

aplicação as regras do Direito das Obrigações.

o As partes, quando pretendam atribuir uma eficácia “absoluta”

aos acordos parassociais, estabelecem pesadas cláusulas

penais, que podem ser reduzidas equitativamente pelo

tribunal, nos termos do art. 812º CC. Outras garantias são:

depósito das acções em contas de garantia [escrow accounts]

e cláusulas de rescisão, com ou sem pré-aviso.

o A execução específica de acordos parassociais não é possível

[vg o tribunal substituir-se-ia aos sócios emitindo a declaração

de vontade/voto em falta], face à esfera de liberdade que se

requer no exercício do direito de voto. A favor da execução

específica dos acordos parassociais, pronunciou-se MARIA DA

GRAÇA TRIGO.

#2: Podem respeitar ao exercício do direito de voto, mas não à

conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de

funções de administração ou de fiscalização.

o Tal equivaleria a alterações ao pacto social que, nos termos

gerais, obedecem a exigências de escritura e de registo, com

diversas instâncias de fiscalização. Admitir acordos neste

âmbito equivaleria a admitir, a latere, uma organização

diferente daquela convencionada no pacto social, pondo-se

em causa a tipicidade societária.

o Um sócio gerente pode vincular-se a votar num ou noutro

sentido, na assembleia-geral, mas não no Conselho Fiscal, vg.

Se for administrador único, o acordo é inválido.

o MENEZES CORDEIRO propõe, assim, uma interpretação

restritiva do preceito, caso a caso.

#3: São nulos os acordos pelos quais um sócio se obriga a votar:

68

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos

seus órgãos.

“Instruções da sociedade”: enquanto um todo.

“Um dos seus órgãos”: ou algum dos membros desse

órgão.

Quanto à ratio legis deste preceito, cfr. infra al b).

o b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes.

Equivaleria a uma “delegação material” de votos nos

órgãos sociais, que seria equiparável à dissociação

entre o capital e o risco: tudo se passaria como se a

sociedade detivesse acções próprias e como se a

sociedade fosse sócio.

Poria em causa, uma vez mais, o princípio de tipicidade

societária, e a “divisão de poderes” dentro da

sociedade.

MENEZES CORDEIRO propõe a interpretação

restritiva das locuções “sempre” das alíneas a) e b),

sob pena de tirar alcance prático ao preceito. Essas

locuções poderiam levar-nos a crer que a proibição

apenas se cingiria a situações com carácter de

estabilidade [RAUL VENTURA]. Mas há situações que

não têm carácter de estabilidade mas que são de

imensa importância para a sociedade [vg situações que

acontecem pontualmente], e para as quais o âmbito da

proibição deve ser estendido, com base num

argumento de identidade valorativa e teleológica

[MENEZES CORDEIRO]. A interpretação restritiva das

locuções “sempre” equivale a alargar o âmbito da

proibição.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em

contrapartida de vantagens especiais.

Proibição da chamada “compra” de votos: o sócio

poderia ser impelido a votar pela motivação da

contrapartida, e não pela deliberação em si.

Ratio legis do preceito: fazer corresponder o risco à

detenção do capital.

“Vantagens especiais” são, para RAUL VENTURA,

vantagens extra-sociais, sem qualquer conexão com a

vida social [e não vantagens de voto ou de nomeação].

Doutrinariamente, as classificações distinguem:

Acordos relativos ao regime das participações sociais:

o Proibições de alienação

o Direitos de preferência

o Direitos de opção, na compra e venda

o Subscrição de aumentos de capital

Acordos relativos ao exercício do direito de voto:

o Determinação do sentido do voto

o Concertação futura

o Reunião em separado, antes de qualquer assembleia-geral

Acordos relativos à organização da sociedade:

o Plano para a empresa

o Repartição dos órgãos societários [indicações e nomeações]

o Obrigação de investimento do capital

o Confrontação com concorrente

o Auditorias internas e externas

As classificações não são rígidas uma vez que, ao abrigo da autonomia

privada, podem as partes celebrar acordos parassociais mistos.

70

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Surgem por vezes acordos parassociais que protagonizam verdadeiros

desvios ao art. 17º:

Incluem cláusulas que nada têm a ver com a sociedade em causa

Subscritos pela própria sociedade

Quanto à intervenção de não-sócios neste tipo de acordos, essa intervenção

não põe em causa a validade do acordo, uma vez que é possível a aplicação

analógica do disposto no art. 17º a estas situações, caso a caso. Tratando-se de um

potencial sócio da sociedade, vg, há identidade valorativa entre os dois casos e

justifica-se a aplicação analógica.

exemplo:

1. A, B e C constituíram uma SPQ com um capital social de € 60.000, em

que:

A e B detinham € 10.000 cada.

C detinha € 40.000.

Na data do contrato de sociedade celebraram verbalmente um acordo nos

termos do qual A e B votariam, nas assembleias-gerais, sempre de acordo com as

instruções de C.

2. B zanga-se com C e vota diferentemente. Que pode fazer C?

3. E se as três tivessem combinado que, para aprovar assuntos estratégicos

da sociedade [orçamento, plano de negócios, nomeação dos membros da gerência],

as deliberações só pudessem ser tomadas por unanimidade?

4. No acordo fica estabelecido que B indica os gerentes, mas que estes

devem votar de acordo com a vontade de A, no seio da administração.

71

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

1.

Estamos perante um acordo parassocial, celebrado

verbalmente [liberdade de forma - art. 219º CC], e conforme

com o disposto no art. 280º CC.

Nada nos é dito quanto a C ser um membro de um órgão da

SPQ ou administrador único da mesma sociedade. O acordo

não é, literalmente, nulo, na medida em que [art. 17º-3]:

o a) Não se trata de A e B seguirem sempre as instruções

da sociedade [enquanto um todo] ou de um dos seus

órgãos [ou membro dos seus órgãos].

o b) Não se aplica.

o c) Não está em causa.

Nada obsta à validade do acordo.

2.

Os acordos parassociais têm eficácia meramente obrigacional,

inter partes, pelo que a deliberação pelo exercício do voto

diferentemente do acordado é inatacável: o incumprimento

do acordo não justifica a impugnação de actos dos sócios para

com a sociedade [art. 17º-1].

C não tem direito à execução específica, uma vez que o

tribunal não se pode substituir aos sócios na emissão do voto

e da declaração de vontade em causa. O incumprimento do

acordo parassocial é inoponível à sociedade.

Se C não estabeleceu cláusulas penais [art. 812º CC] nem

outras garantias, em caso de incumprimento, há apenas

responsabilidade obrigacional de B, nos termos dos arts. 798º

ss CC, desde que verificados os pressupostos da

responsabilidade civil [cuja prova é, na prática, de difícil

demonstração].

3.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Trata-se de um acordo parassocial relativo à organização da

sociedade com concertação futura por unanimidade,

protegendo-se os sócios minoritários. É válido, nos termos do

art. 17º, e face à liberdade contratual de que dispõem os

sócios [art. 405º CC].

4.

Quanto ao acordo parassocial de indicação e nomeação dos

gerentes + exercício do voto de acordo com a vontade de um

dos sócios, no seio da administração, cumpre estabelecer a

seguinte divisão:

o Indicação e nomeação dos gerentes: os gerentes

podem ser eleitos posteriormente ao contrato de

sociedade por deliberação dos sócios, nas SPQ, nos

termos do art. 252º-2. Trata-se de um acordo

parassocial relativo à organização da sociedade e à

repartição dos órgãos societários. Esta parte do acordo

é válida, uma vez que nada tem a ver com a conduta de

sócios no exercício de funções de administração ou de

fiscalização [art. 17º-2] – não se reporta à conduta do

gerente da SPQ.

o Exercício do voto de acordo com a vontade de um dos

sócios, no seio da administração: acordo parassocial

que respeita à conduta de pessoas no exercício de

funções de administração ou de fiscalização, proibido

pelo art. 17º-2, 2ª parte.

Direito à Informação

§1: DIREITO À INFORMAÇÃO. O direito à informação encontra-se

genericamente previsto no art. 21º-1 c): todo o sócio tem direito a obter

73

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei [do Direito, no seu todo] e

do contrato.

Quanto ao acesso, a informação pode ser:

Pública: disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não-sócios

[vg registo comercial e publicações obrigatórias – art. 167º].

Reservada: assiste aos sócios [art. 21º-1c) e 288º-1].

Qualificada: assiste apenas aos sócios que detenham posições

consideráveis no capital da sociedade [art. 214º e 291º - sob pena de

anulabilidade da deliberação, art. 291º-3].

Secreta: não pode ser disponibilizada aos sócios, já que se trata de

informação sujeita a sigilo profissional [art. 291º-4a), b) e c].

São anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do

fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação: as menções exigidas

pelo art. 377º-8 [aviso convocatório de assembleia-geral] e a colocação de

documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei

ou pelo contrato – art. 58º-1c) e nº 4 a) e b).

Face ao teor dos arts. 288º [informação intercalar] e 289º [informação

preparatória da assembleia-geral], questionou-se se a enumeração legal seria

taxativa ou não. Hoje considera-se assente: os elementos indicados pela lei como

objecto de informação são taxativos.

Constituem limites à informação qualificada nas SPQ [art. 214º - “gestão

qualificada”] os que advenham do próprio contrato ou, propõe MENEZES

CORDEIRO, da aplicação analógica dos arts. 290º-2 e 291º-4 [o último a interpretar

restritivamente]. No caso das SA [“assuntos sociais”], exige-se uma participação de

10% do capital social, para a qual se admitem agrupamentos de sócios [art. 291º].

Nas sociedades de capitais, poder-se-ia considerar que a informação aos

sócios seria dispensável, uma vez que a gestão deveria ser entregue a

especialistas. Todavia, a informação aos sócios opera:

Como pressuposto do voto em assembleia-geral

Como meio de legitimação dos investimentos e do mercado

74

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Como forma de fiscalização da administração

Como tutela das minorias

Ainda assim, o âmbito do direito de informação é menor nas SA do que nas

SNC [mais amplo], sendo intermédio no caso das SPQ.

Conclui-se: o direito à informação é irrenunciável e inderrogável [art. 809º

CC], inserindo-se na realidade patrimonial das participações societárias.

exemplo:

A, B, C, D e E constituíram uma SA, cujo objecto social era a comercialização

de tecidos, com o capital social de € 5.000. No contrato de sociedade, B é

designado administrador único. D e E desconfiam da actuação de B como

administrador e pedem-lhe que preste informações sobre a mesma. B, passados 20

dias, ainda não respondeu.

O direito à informação encontra-se previsto em termos

genéricos no art. 21º-1c) e, quanto às SA, nos arts. 288º ss –

previsto em termos mais restritivos.

Permite um controlo dos sócios sobre os administradores,

face ao distanciamento entre comitente e comissário.

No caso, encontramo-nos perante o exercício do direito

mínimo à informação, nas SA: qualquer accionista que possua

acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social

[agrupando-se a outros sócios, para o efeito] pode consultar,

desde que alegue motivo justificado, relatórios, convocatórias

e montantes globais [art. 288º-1, taxativamente].

Para mais, os sócios podem averiguar responsabilidades de

membros do conselho de administração [no caso], nos termos

do direito colectivo à informação [art. 291º-2], sem caber

75

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

recusa desses membros. No caso, não há uma recusa, mas

sim a inércia do administrador único, que nada faz: para

obstar a estas situações, o legislador ficciona uma recusa de

informação no nº 5, volvidos 15 dias e valendo como tal

[figura semelhante ao indeferimento tácito].

Pode ser requerido um inquérito judicial, nos termos do art.

292º e 1479º ss CPC, perante o qual o juiz [art. 292º-2 a), b) e

c]:

o Pode determinar que a informação seja prestada

o Pode destituir o administrador, nomeando outro em

seu lugar

o Pode ordenar a dissolução da sociedade [arts. 141º ss]

Deliberações Sociais

§1: DELIBERAÇÕES SOCIAIS. A deliberação é, para o Direito, a decisão de

um órgão colectivo, sobre uma proposta, na qual cada participante nesse órgão tem

um [ou mais] votos. O voto é, neste sentido, a recusa ou aceitação de uma proposta

de deliberação.

A vontade é um fenómeno psicológico puramente humano e individual:

ainda assim, a deliberação surge assimilada a uma vontade colectiva, mediante

esquemas abstractos que ficcionam essa mesma vontade.

As deliberações dos sócios encontram-se reguladas nos arts. 53º a 63º, para

alem dos preceitos específicos de cada tipo social:

SNC: arts. 189º ss

SPQ: arts. 246º ss

SA: arts. 373º ss

SEC: arts. 472º ss

76

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Segundo o disposto no art. 53º-1, os órgãos sociais estão sujeitos ao

princípio da tipicidade, uma vez que os sócios não podem “deliberar” foram dos

figurinos orgânicos previstos para cada tipo de sociedade.

Quanto à forma, no sentido técnico-jurídico a que nos habituámos, prevalece

a liberdade de forma [art. 219º CC]: os sócios podem deliberar como bem

entenderem [de braço levantado, de pé, por escrito, etc.].

Existem dois grandes tipos de procedimento de deliberação:

Deliberação em assembleia: actualmente, inclui mesmo

teleconferência, uma vez que não há, entre as diversas

manifestações de vontade, um lapso de tempo juridicamente

relevante [MENEZES CORDEIRO].

o Convocatória cabal: dirigida a todas as pessoas que tenham o

direito de participar na assembleia

Indicação do local, hora e ordem de trabalhos

Assinada pela pessoa com competência para a

convocação

SA: publicação obrigatória da convocatória [arts. 167º-

1 e 377º-2].

o Reunião em assembleia: presidência, secretariado, verificação

de presenças e acta [art. 63º]

o Debate

o Votação: escrutínio e proclamação do resultado

Normalmente, por maioria do capital representado

Eventualmente: maioria qualificada ou até

unanimidade

Voto: real e não pessoal – depende do capital detido ou

representado por cada votante.

o Elaboração da acta: proclamação do resultado [art. 63º]

Deliberação por escrito [art. 54º]:

o Desde de haja aprovação por unanimidade [nº1].

77

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Os sócios prescindem da troca de opiniões e de argumentos e

da obtenção de novas informações para emitirem as

respectivas declarações de vontade em separado, com a

ocorrência de lapsos de tempo relevantes entre elas.

o MENEZES CORDEIRO propõe um entendimento lato de “por

escrito”: inclui gravação ou vídeo, mas não “reunião”, ainda

que virtual [vg teleconferência, cfr. supra].

Deliberação em assembleias universais totalitárias: art. 54º

o Assembleias-gerais que reúnam sem observância de

formalidades prévias, desde que [nº1]:

Todos estejam presentes

Todos manifestem a vontade de que a assembleia se

constitua e delibere sobre determinado assunto

o Dispensa-se todo o esquema de convocatória supra: não tendo

qualquer ordem do dia, só pode deliberar sobre assuntos que

todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do

colectivo societário.

Estas formas de deliberação são comuns a todos os tipos societários.

exemplo:

Sem qualquer convocação, encontram-se todos os sócios na sede social.

Se manifestarem vontade de constituir uma assembleia,

apesar da falta do acto formal de convocação em causa,

poderão deliberar nos termos do art. 54º-1 [assembleia

universal ou totalitária, em que todos manifestam a vontade

de que a assembleia se constitua e delibere].

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Se na assembleia, apesar de não convocada [art. 56º-2, por

incompetência, vg], estivessem estado presentes ou

representados todos os sócios: não há qualquer vício, nem

nulidade do art. 56º-1a) [será uma mera irregularidade].

Distingue-se da assembleia universal ou totalitária, uma vez

que, aqui, não há qualquer intenção de que a mesma se

constitua e delibere.

exemplo:

A, B e C constituíram uma SPQ com o capital social de € 60.000, na qual

detêm quotas, respectivamente, no valor de €30.000, €10.000 e €20.000,

realizadas integralmente no momento da escritura pública. Nos termos do contrato

de sociedade, B detinha um direito de voto superior ao de A e C: 2 votos por cada

cêntimo do valor nominal da sua quota.

A gerência seria atribuída a um dos sócios por períodos de três anos: C foi

designado gerente para 2005/2007.

O direito de voto encontra-se genericamente previsto no art.

21º-1 b): direito à participação nas deliberações. Distribui-se

da seguinte forma:

SPQ: um voto por cada cêntimo do valor nominal da quota

[art. 250º-1]: princípio capitalístico. B detém um direito

especial ao voto [2 votos por cada cêntimo do valor nominal

da quota] – possível nos casos em que os dois votos por cada

cêntimo não correspondam a mais de 20% do capital social

[art. 250º-2]. A quota de B é de € 10.000, 1/6 do capital social

79

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

[€ 60.000]. Se 1/5 = 20%, 1/6 é inferior a 20%, pelo que o

direito especial foi atribuído em conformidade com a lei.

SA: a cada acção corresponde um voto [art. 384º-1].

A transmissibilidade dos direitos especiais nas SPQ encontra-

se prevista no art. 24º-3.

§2: ACTA. A acta é o documento de onde consta o relato pormenorizado do

decurso de uma reunião.

o O seu conteúdo mínimo encontra-se regulado no art. 63º-2.

o No interesse dos participantes da deliberação, deve-se fixar em

documento oficial o que se discutiu e, sobretudo, o que se decidiu: a

partir daí, só o que constar da acta é que vale para efeitos de prova.

o Tutela-se os terceiros, que podem ter um interesse legítimo em

conhecer o que foi deliberado.

o Não havendo acta, a deliberação está incompleta [falta-lhe

formalidade essencial, ad probationem], uma vez que carece de

formalização e de exteriorização. A deliberação será, assim, ineficaz

stricto sensu.

§3: DELIBERAÇÕES INEFICAZES LATO SENSU. Com recurso ao esquema

de MENEZES CORDEIRO já apresentado supra, estudaremos as deliberações

ineficazes lato sensu: inválidas e ineficazes stricto sensu.

Eis o quadro de consequências dos vícios das deliberações:

Deliberações aparentes: relevam para as regras registais da tutela da

aparência

Deliberações ineficazes lato sensu:

o Deliberações nulas [art. 56º]: têm um vício em si, que as

afecta

o Deliberações anuláveis [art. 58º]: conferem, a certos

interessados, o direito potestativo de as impugnar

80

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Deliberações ineficazes stricto sensu [art. 55º e 63º]: não

produzem efeitos até certa eventualidade

Nulidade [art. 56º - formais e

subst.]

Invalidade Invalidades mistas [art. 56º-1a) e

b) 3]

Anulabilidade [art. 58º]

Ineficácia lato sensu

das deliberações

Ineficácia stricto sensu [art. 55º, 24º e 63º]

§4: DELIBERAÇÕES INEFICAZES STRICTO SENSU. As deliberações

ineficazes em sentido estrito são aquelas que, por razões extrínsecas, não

produzem efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam a produzir.

A deliberação tomada sobre assunto para a qual a lei exige já o

consentimento de determinado sócio, é ineficaz para todos os sócios enquanto o

interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente [art. 55º] – recorde-se o

disposto no art. 24º, a respeito dos direitos especiais dos sócios.

Outro exemplo de ineficácia em sentido estrito das deliberações, já referido

[supra §2], é o da deliberação não reduzida a acta [art. 63º]. O mesmo se diga das

deliberações sujeitas a registo comercial.

§5: DELIBERAÇÕES NULAS. Uma vez que a regra, no campo do Direito das

Sociedades Comerciais, é a da anulabilidade [art. 58º-1 a], esta é de aplicação

residual, para os casos em que a lei não determine a nulidade como vício da

deliberação. Nestes termos, os casos de nulidade são taxativos, ainda que

abranjam situações de grande amplitude e de importante aplicação prática.

81

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

O vício de uma deliberação nula pode resultar de:

Vícios formais, de processo ou de procedimento [art. 56º-1 a) e b]: a

deliberação é, em si, possível, embora não tenha sido respeitado o

processo/procedimento [cfr. supra §1] previsto para a sua emissão.

o Não convocação de assembleia-geral [salvo se tiverem estado

presentes todos os sócios] – alínea a).

E se, apesar de o sócio não ter sido convocado, estar

seguro e confirmado que a sua presença não alteraria o

sentido da deliberação? – Questão irrelevante. A

deliberação é, ainda assim, nula, uma vez que respeita

um ritual legitimador: a convocação.

Sanável nos termos do nº 3 – invalidade mista.

Pode ser renovada [art. 62º-1].

o Deliberações tomadas por voto escrito sem que todos os

sócios com direito de voto tenham sido convocados a exercê-

lo [salvo se todos eles tenham dado por escrito o seu voto] –

alínea b).

Sanável nos termos do nº3 – invalidade mista.

Pode ser renovada [art. 62º-1].

Vícios substanciais ou de conteúdo [art. 56º-c) e d]: o procedimento

prescrito foi seguido, mas a própria deliberação defronta a lei ou os

estatutos.

o Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a

deliberações dos sócios – alínea c).

Insanável: a deliberação deve ser repetida, para que se

expurgue o vício de conteúdo.

Nota: várias foram as teorias que tentaram explicar a ratio legis deste

preceito:

82

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Teoria da incompetência: a alínea c) invalidaria actos estranhos à

competência da assembleia-geral [LOBO XAVIER, CARNEIRO DA

FRADA e RAUL VENTURA].

o Críticas: PINTO FURTADO entendeu que a mera

inobservância de regras internas de competência não poderia

ser tão grave que justificasse a nulidade. MENEZES

CORDEIRO reconduz os vícios de incompetência à cláusula

geral de anulabilidade [art. 58º-1a], uma vez que os terceiros

não conhecem nem têm que conhecer a divisão interna das

competências de uma sociedade. A incompetência é um

problema puramente interno. Não pode ser reconduzida à

alínea d) na medida em que não respeita ao conteúdo da

deliberação, mas sim a uma questão de facto, a divisão de

competências.

Teoria da impossibilidade: a alínea c) consideraria nulas as

deliberações fisicamente impossíveis; as deliberações legalmente

impossíveis cairiam na alínea d) [PINTO FURTADO].

o Críticas: teoria que reconstruiu o art. 280º CC – porque haveria

o legislador de 1986 [CSC] contrariar o legislador de 1966

[CC], abandonando conceitos consagrados e definindo novas

fórmulas? Cindiu as impossibilidades física e legal e rema

contra a actual corrente civil: a possibilidade deixou de ser

requisito de validade da obrigação, com a reforma do BGB de

2002.

MENEZES CORDEIRO: deliberações que, pelo seu teor, não caibam

na capacidade da pessoa colectiva [teoria da capacidade]. Escassa

importância deste vício, face à perda de alcance dogmático do

princípio da especialidade, e pouco alcance prático do mesmo. Para

outros autores, a incapacidade reconduz-se à alínea d) [LOBO

XAVIER].

83

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o Deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes

ou de preceitos legais inderrogáveis, nem sequer por vontade

unânime dos sócios – alínea d).

Insanável: a deliberação deve ser repetida, para que se

expurgue o vício de conteúdo.

Bons costumes: regras de conduta familiar e sexual e

códigos deontológicos próprios de certos sectores –

deliberações que assumam conteúdo sexual ou que

atentem contra deontologias profissionais.

Preceitos legais inderrogáveis: deliberações contrárias

a normas legais imperativas. Uma norma legal será

imperativa quando:

Integre a ordem pública [vectores constituintes

do sistema] – art. 260º-1, vg.

Concretize princípios injuntivos [civis ou

societários]

Institua ou defenda posições de terceiros

Consequências da nulidade:

Invocável a todo o tempo

Por qualquer interessado [art. 286º CC]

Deve ser dada a conhecer aos sócios pelo órgão de fiscalização, em

assembleia-geral [art. 57º-1]

§6: DELIBERAÇÕES ANULÁVEIS. A cláusula geral da invalidade das

deliberações sociais consta do art. 58º-1a): havendo violação da lei ou do contrato

de sociedade, quando não caiba nulidade, as deliberações em falta são anuláveis.

Violações da lei [do Direito, em termos amplos] e do contrato para as

quais não esteja prevista a nulidade [alínea a]: este preceito move-se

84

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

entre dois valores em permanente contradita – a justiça [fazer valer

as posições dos sócios vítimas de ilegalidades] e a segurança jurídica

[restrição das invalidades das deliberações].

o Tratando-se de vícios de forma ou de omissão de

formalidades, haverá que procurar preencher o disposto no

art. 56º [nulidade]: todas as hipóteses que não estejam

previstas nessa norma, geram anulabilidade.

Nota: em termos práticos devemos primeiro procurar preencher todas as

alíneas do art. 56º, e só depois recorrer ao art. 58º.

o Violações do contrato: normas supletivas. Ao contratar, as

partes assentaram na aplicabilidade dos estatutos, pelo que

se compreende que não possam ser surpreendidas com

deliberações maioritárias que equivalham a alterações do

contrato. Quando a norma possa ser afastada pela

unanimidade dos sócios [art. 56º-1d), 2ª parte], há

supletividade [art. 9º-3], pelo que a deliberação será

impugnável/anulável e não nula. Quando essa violação dos

estatutos seja decidida por unanimidade, nenhum dos sócios a

poderá impugnar, devendo entender-se que o órgão de

fiscalização também não o pode fazer [entendimento restritivo

de MENEZES CORDEIRO, ao contrário do disposto no art.

59º-1]. Deverá entender-se que os estatutos foram

modificados, de modo informal, pela unanimidade dos sócios.

Nota: simples violações de acordos parassociais não são causas de

anulabilidade, uma vez que a sua eficácia é meramente obrigacional [cfr. supra].

Vantagens especiais e votos abusivos [alínea b]: são anuláveis as

deliberações que satisfaçam o propósito de um dos sócios conseguir

vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da

85

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

sociedade ou de outros sócios [a menos que se prove que as

deliberações seriam tomadas mesmo sem os votos abusivos].

o Historicamente, este preceito pretendia cobrir as hipóteses de

invalidade engendradas por elementos exteriores à própria

deliberação.

o Votos abusivos: aqueles que, objectiva e subjectivamente,

acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento

da sociedade ou de terceiros ou que tenham natureza

emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios.

o Vantagens especiais: vantagens que assistam particularmente

a um sócio ou a terceiros, e não a todos os sócios ou a uma

generalidade de terceiros.

o Acto emulativo: aquele que visa provocar danos gratuitos a

outrem.

o MENEZES CORDEIRO: poder-se-ia reconduzir esta alínea ao

abuso de direito [exercício inadmissível de posições jurídicas

contrárias à boa fé], uma vez que os votos abusivos, na

vertente “vantagens especiais” traduzem uma actuação fora

da permissão jurídica em jogo. Todavia, o autor entende não

se tratar de um verdadeiro abuso do direito mas sim de falta

de direito. Os votos emulativos serão abusivos, na versão

“desequilíbrio no exercício” [vg chaminé de Colmar]. Certos

votos não podem, enfim, prosseguir finalidades “extra-

societárias”. As deliberações verdadeiramente abusivas [que

incorram em abuso do direito, nos termos gerais], contrárias à

boa fé, devem ser reconduzidas à cláusula geral da alínea a).

Deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento de

elementos mínimos de informação ao sócio [alínea c]: os “elementos

mínimos de informação” são concretizados pelo nº 4 [menções que

86

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

devem constar do aviso convocatório de assembleias em SA, e

aplicável às SPQ – art. 377º-8 e 248º-1; e a colocação de documentos

para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei

ou pelo contrato].

o Face à necessidade de unificação sistemática da matéria,

MENEZES CORDEIRO propõe que outras situações de

inobservância do direito à informação [cfr. supra] que não se

enquadrem nesta alínea, devam, ainda assim, ser

reconduzidas à mesma, e não à cláusula geral da alínea a).

Disposições sobre a acção de anulação [art. 59º]:

A legitimidade para a acção de anulação é conferida ao órgão de

fiscalização ou a qualquer sócio que não tenha votado no sentido que

fez vencimento nem, posteriormente, tenha aprovado a deliberação,

expressa ou tacitamente [nº 1].

o MENEZES CORDEIRO propõe a interpretação restritiva do

preceito: se todos os sócios aprovarem uma deliberação

anulável ou se o sócio prejudicado vier confirmá-la, o órgão de

fiscalização não pode impugná-la. A actuação do órgão de

fiscalização só se justifica quando a deliberação não tenha

sido integralmente adoptada ou confirmada.

o A intervenção de qualquer sócio, desde que não tenha votado

no sentido que fez vencimento nem, posteriormente, tenha

aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, surge

prevenindo o venire contra factum proprium.

o Havendo voto secreto [nº 6], considera-se que não votaram no

sentido que fez vencimento apenas aqueles sócios que, na

própria assembleia ou perante notário, nos cinco dias

seguintes à assembleia, tenham feito consignar que votaram

contra a deliberação tomada. Neste caso, a deliberação

87

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

tornar-se-á inimpugnável, uma vez que não foi, por algum

sócio, observado o procedimento supra.

Prazo: 30 dias, contados nos termos do nº 2

o Deliberação em assembleia: a data em que foi encerrada a

assembleia-geral.

o Deliberação por voto escrito: do 3º dia subsequente à data do

envio da acta.

o Deliberação que incida sobre assunto que não constava da

convocatória: da data em que o sócio tenha tido

conhecimento da deliberação.

o O facto de ser intentado um procedimento cautelar de

suspensão da deliberação social não impede este decurso do

prazo.

§7: DISPOSIÇÕES COMUNS À NULIDADE E À ANULABILIDADE.

Tanto a acção de nulidade como a acção de anulação devem ser propostas

contra a sociedade [art. 60º-1]: qualquer sociedade corre o risco de ser demandada

por deliberações dos seus próprios sócios. Por interpretação extensiva ou por

aplicação analógica do preceito, o mesmo se diga face às acções de ineficácia ou de

inexistência da deliberação [embora a última não deva ser considerada um vício

autónomo, segundo MENEZES CORDEIRO].

Em qualquer dos casos, impugnam-se deliberações, no seu todo, e não

simples votações, uma vez que o voto não representa, por si só, uma posição da

sociedade sobre determinado assunto. Não tem qualquer relevância societária

quando desinserido do todo que é a deliberação social.

Quanto à eficácia do caso julgado, o art. 61º-1 dispõe que a sentença que

declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios

e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou que não tenham

intervindo na acção: o caso julgado não opera, por isso, quando a causa de

invalidação seja diversa, uma vez que o preceito é claro quanto a esse sentido. O nº

88

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2 visa tutelar a confiança e a boa fé ética de terceiro, uma vez que este tipo de

acções estão sujeitas a registo comercial [art. 9º e) CRC].

A renovação da deliberação inválida permite que, perante meras suspeitas

de vício de que a deliberação padeça, a mesma seja à partida retomada sem o

ponto questionado, como cautela [art. 62º]. Pode ser renovada quando nula por

vício de procedimento grave [nº 1º e art. 56º-1 a) e b] – não se trata de qualquer

convalidação, antes ocorrendo uma segunda e própria deliberação, que visa

produzir os mesmos efeitos jurídicos da anterior. A contrario sensu, não são

susceptíveis de renovação as deliberações que inquinem em vício substantivo [art.

56º-1 c) e d], uma vez que a “nova” deliberação, válida, seria necessariamente

diferente da anterior.

A anulabilidade cessará se os sócios renovarem a deliberação anulável

mediante outra deliberação, desde que a “nova” não enferme do vício da

precedente [nº 2]: não se distinguem vícios formais ou vícios substantivos e a lógica

é a de que uma verdadeira renovação pressupõe que a segunda deliberação tenha

um conteúdo idêntico ao da primeira, sem o vício em causa.

exemplo:

Os cinco sócios da Sociedade X, Lda., encontram-se incidentalmente na sede

da mesma, decidindo, por comum acordo, deliberar sobre determinados assuntos.

B, que votou contra numa das deliberações em causa, invoca agora a nulidade da

mesma, por falta de convocação.

Trata-se de uma assembleia-geral universal ou totalitária

[art. 54º-1], a qual só pode deliberar por unanimidade, uma

vez que todos os sócios manifestaram vontade em que a

mesma se constituísse e deliberasse [“decidindo, por comum

89

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acordo, deliberar”]. Aplicam-se as regras gerais

relativamente ao funcionamento da assembleia [nº 2].

Mesmo se considerássemos tratar-se de assembleia não

convocada, nos termos gerais [art. 56º-1a], a mesma seria

válida, uma vez que todos os sócios estavam presentes.

Não tendo havido unanimidade, B não pode, ainda assim,

invocar a nulidade por falta de convocação, uma vez em que

deu o seu assentimento em que a assembleia-geral universal

deliberasse.

exemplo:

O gerente da Sociedade Y, Lda., não conseguia reunir todos os sócios, pelo

que ficou decidido que a deliberação seria por escrito: foram enviadas cartas com a

proposta de deliberação a todos os sócios menos a D, que, por isso, não votou.

D concordava inteiramente com a deliberação tomada e, por isso, deu o seu

consentimento à mesma por escrito, em momento posterior.

Estamos perante um exemplo de deliberação por voto escrito

numa SPQ [deliberação essa que não se encontra prevista no

âmbito das SA], possível desde que verificados os requisitos

do art. 247º. Este tipo de deliberação não deve ser

confundida com a deliberação unânime por voto escrito,

prevista no art. 54º.

Não tendo um dos sócios sido convocado, ainda assim não

colhe nulidade nos termos do art. 56º-1b, uma vez que a

mesma foi sanada através do assentimento, por escrito, de D

[nº 3].

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A nulidade não poderia ser invocada e a deliberação

convalida-se.

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exemplo:

Os administradores da Sociedade Z, SA, cujas acções são todas nominativas,

enviam cartas registadas com aviso de recepção a todos os accionistas. E não

compareceu e considera que as deliberações tomadas são inválidas.

Nas SA, as acções são geralmente ao portador [anónimas].

Quando todas sejam nominativas [das quais conste o nome do

sócio que as subscreve], a convocatória por publicação [art.

167º e 377º-2] pode ser substituída por cartas registadas [no

caso] ou por correio electrónico com recibo de leitura [art.

377º-3]. Esta forma de comunicação aos accionistas tem que

constar do contrato de sociedade, sob pena de se considerar

que a assembleia não fora convocada. Assim, se nada estiver

previsto e se um sócio receber uma carta registada com aviso

de convocatória, a mesma não produzirá qualquer efeito, pelo

que o sócio poderá destruí-la, guardá-la, não comparecendo a

nenhum título.

A convocação deve ser feita pelo presidente da mesa da

assembleia-geral da SA [nº 1], tendo-se por não convocada a

assembleia cujo aviso de convocatória tenha sido assinado

por quem não tenha essa competência [art. 56º-2, em

concretização do art. 56º-1a]. Temos, face a este problema,

três cenários possíveis:

o A assembleia não foi convocada, mas todos estiveram

presentes: não há nulidade, nem sequer sanação da

mesma [art. 56º-1 a].

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

o A assembleia não foi convocada, só alguns sócios

estiveram presentes mas os outros deram o seu

assentimento por escrito: há nulidade, mas sanável

[art. 56º-1 a ) e nº 3].

o NO CASO - a assembleia não foi convocada, só alguns

sócios estiveram presentes e os outros não deram o

seu assentimento por escrito: há nulidade, pelo que

pode haver renovação da deliberação [art. 56º-1 a), nº

2 e art. 62º]. Legitimidade: art. 286º CC e iniciativa:

art. 57º.

exemplo:

Os accionistas A e B pretendem, antes da realização da assembleia-geral da

Sociedade T, SA, já convocada, incluir outros assuntos na ordem do dia.

A ordem do dia deve constar do aviso de convocatória [art.

377º-5 e] e outros assuntos poderão ser incluídos nos termos

do art. 378º, com remissão para o art. 375º-2.

Pressupostos: poderão fazê-lo se possuírem acções

correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social. O

requerimento a apresentar deve ser dirigido por escrito ao

presidente de mesa e comunicado aos accionistas [arts. 378º-

2 e 3]. Os sócios que preencham estes requisitos poderão,

tão-só, “requerer” o aditamento de outros assuntos na ordem

do dia, e não enviar avisos de convocatória aos restantes

sócios. Se o fizerem, esses avisos não produzem qualquer

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

efeito e os sócios podem destruí-los, guardá-los, não

comparecendo a nenhum título.

Podem os accionistas E e F da Sociedade R, SA, promover a convocação de

uma assembleia-geral?

Podem “requerer” que a assembleia seja convocada, se

possuírem acções correspondentes a, pelo menos, 5% do

capital social, mas não convocá-la proprio sensu, uma vez que

a convocatória cabe ao presidente de mesa [art. 375º-2].

Se convocarem a assembleia, proprio sensu, a mesma tem-se

por não convocada, nos termos do art. 56º-2, por

incompetência de quem assinara o aviso de convocatória.

exemplo:

A nomeia B para o representar na assembleia-geral da SA de que ambos são

accionistas.

A representação de accionistas é possível nos termos do art.

380º-2: basta um documento escrito, com assinatura, dirigido

ao presidente de mesa.

O contrato de sociedade não pode proibir a representação de

accionistas [nº 1].

Diferentemente, nas SPQ, não é permitida a representação

voluntária nas deliberações por voto escrito [art. 249º].

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exemplo:

Na assembleia-geral da Sociedade X, Lda., convocada pelo gerente por carta

registada com aviso de recepção dirigida a todos os sócios, delibera-se sobre

assuntos não constantes do aviso convocatório, tendo todos os sócios votado por

unanimidade aprovar tais propostas.

À assembleias-gerais das SPQ [art. 248º-1] aplica-se o

disposto nos arts. 373º ss, quanto às SA. A convocação pode

ser feita por qualquer dos gerentes, mediante carta registada

[art. 248º-3].

Aplica-se o disposto no art. 377º-5 e 8 quanto ao aviso de

convocatória: se deliberarem sobre assuntos não constantes

do aviso convocatório, a deliberação é anulável nos termos da

cláusula geral do art. 58º-1 a) e c) – art. 377º-8.

A legitimidade para arguir a anulabilidade encontra-se

prevista no art. 59º-1. Se todos os sócios votaram no sentido

que fez vencimento, nenhum pode arguir a anulabilidade,

nem mesmo o órgão de fiscalização, segundo o entendimento

restritivo de MENEZES CORDEIRO.

exemplo:

Os sócios deliberaram retirar a C o direito especial aos lucros de que era

titular.

C, que votou contra, entende que a deliberação é anulável.

95

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

O direito especial aos lucros [art. 24º] não pode ser suprimido

ou coarctado sem o consentimento do seu titular [C] – nº 5.

As deliberações tomadas sobre assuntos para o qual a lei

exija o consentimento de determinado sócio são ineficazes

stricto sensu para todos se o interessado [C] não der o seu

acordo, expressa ou tacitamente [art. 55º].

Outro exemplo de ineficácia em sentido estrito é a

deliberação não reduzida a acta [art. 63º].

exemplo:

Os sócios da Sociedade Z, Lda., que se dedica à actividade de restauração,

deliberam abrir uma loja de desporto.

Supra analisámos os actos que violassem esse objecto. Agora,

cumpre recordar os efeitos das deliberações que o façam:

As deliberações tomadas pelos sócios fora da capacidade da

sociedade são anuláveis, segundo MENEZES CORDEIRO, nos

termos do art. 56º-1c) [veja-se a teoria da incapacidade, do

mesmo autor – cfr. supra]. Outros autores também sustentam

a anulabilidade das deliberações sociais, embora o façam com

recurso ao disposto no art. 56º-1d).

As deliberações tomadas pelos sócios dentro da capacidade,

mas fora do objecto, são anuláveis nos termos da cláusula

geral do art. 58º-1a), já que se trata de violação de

disposições do contrato de sociedade – art. 9ºd).

No caso, estamos perante uma deliberação que se encontra

dentro da capacidade da sociedade [lucro] mas fora do

objecto [actividade desenvolvida] da mesma – art. 6º-1.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Como tal, a mesma é anulável nos termos do art. 58º-1a),

relativamente a violações do contrato, na medida em que o

objecto está definido no contrato de sociedade [art. 9ºd].

exemplo:

A Sociedade Y, SA, delibera conceder, gratuitamente, uma fiança a G. Um

dos sócios pretende anular a deliberação, por esta violar a capacidade da

sociedade.

A fiança é uma garantia pessoal, e foi no caso concedida a

título gratuito. Segundo o art. 6º-3, considera-se contrária ao

fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a

dívidas de outras entidades, salvo se existir “justificado

interesse próprio” da sociedade garante ou se se trata de

sociedade em relação de domínio ou de grupo [arts. 486º e

488º].

A deliberação é, por isso, nula, com base na alínea c) do art.

56º-1, seguindo a teoria da incapacidade de MENEZES

CORDEIRO. O “justificado interesse próprio” é definido pela

própria sociedade, pelo que a norma perde alcance prático.

Não havendo justificado interesse, a deliberação é nula.

Outros autores reconduzem o problema à nulidade pela alínea

d).

A competência para decidir da prestação de garantias cabe ao

conselho de administração [art. 406º f) e 373º-3]. A

deliberação padece de incompetência pelo que, segundo

MENEZES CORDEIRO, a mesma é anulável [art. 58º-1 a], e não

nula [art. 56º-1c), teoria da incompetência].

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

exemplo:

Os accionistas da Sociedade X, SA, deliberam não distribuir quaisquer lucros.

O sócio A, titular de 0,5% do capital social, pretende impugnar a deliberação,

invocando o seu direito aos lucros.

O direito aos lucros encontra-se genericamente previsto no

art. 21º-1a) e, em termos especiais, nos arts. 294º-1, quanto

às SA, e art. 217º, quanto às SPQ.

Numa SA, não pode deixar de ser distribuída metade dos

lucros [art. 294º-1], apesar de esta disposição poder ser

derrogada pelos sócios [pelo que a deliberação em causa não

é nula nos termos da alínea d].

exemplo:

Os accionistas da Sociedade Z, SA, deliberam, por unanimidade, distribuir a

totalidade dos lucros do exercício, não obstante os prejuízos transitados.

A deliberação é nula [alínea d] por violar a reserva legal não

distribuível que consta do art. 33º. Pretende-se salvaguardar

terceiros credores.

exemplo:

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Os sócios de uma SA deliberaram atribuir ao administrador Z, irmão de A,

accionista detentor de 80% do capital social, uma remuneração superior à comum

nesse sector, com voto a favor de A e votos contra de todos os outros sócios.

A deliberação é anulável por votos abusivos e actos

emulativos [art. 58º-1b]: é o voto que é emulativo, e não a

deliberação em si, ou cairia na nulidade da alínea d) por

abuso de direito.

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SOCIEDADES POR QUOTAS EM ESPECIAL

PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS E PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES

Prestações Acessórias

§1: OBRIGAÇÕES DE PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS. As obrigações de

prestações acessórias estão expressamente consagradas no art. 209º:

Obrigações constantes do contrato de sociedade, que adstringem

todos ou alguns sócios a efectuar, a favor da SPQ, determinadas

prestações, além das entradas.

O contrato que as insira deve definir os elementos essenciais da

obrigação de prestação acessória, bem como especificar se as

prestações devem ser fixadas onerosa ou gratuitamente.

O conteúdo depende da autonomia das partes:

o Prestações pecuniárias [nº 2] – vg “suprimento” obrigatório,

cfr. infra

o Prestações de dare

o Prestações de facere

Podem ser:

o Instantâneas

o Duradouras

o Únicas

o Fraccionadas

o Periódicas

o Regulares

100

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

§2: REGIME LEGAL. As prestações acessórias são cláusulas acidentais

facultativas e típicas, que se pautam pelo seguinte regime supletivo:

As prestações acessórias não pecuniárias são intransmissíveis [art.

209º-2]: interdição legal de cessão de créditos, art. 577º-1 CC.

Quando se convencione a onerosidade das mesmas, a

contraprestação pode ser paga independentemente de haver lucro no

exercício [nº 3].

O incumprimento das prestações acessórias não afecta a posição do

sócio como tal [nº 4].

As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da

sociedade [nº 5] – se subsistisse, seria uma obrigação de natureza

não-societária.

Todas as restantes regras são supletivas.

exemplo:

1. Os estatutos da Sociedade F, Lda, determinavam que o sócio A, jurista,

ficava obrigado a prestar serviços jurídicos gratuitos à sociedade, e que o sócio B

ficaria obrigado a encerrar a sociedade de produção de fruta de que detinha. C, por

seu lado, ficava obrigado a pagar € 5.000 à sociedade, para além da sua entrada.

2. C não cumpre a sua obrigação.

1.

O contrato de sociedade deve definir os elementos essenciais

das prestações acessórias.

A: prestação acessória gratuita de facere.

B: prestação acessória gratuita de non facere.

C: prestação acessória pecuniária [art. 209º-2].

2.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

O incumprimento das prestações acessórias não afecta a

posição do sócio enquanto tal, salvo estipulação em

contrário. C não pode ser excluído [art. 209º-4].

exemplo:

No momento da celebração do contrato da Sociedade C, Lda, todos os sócios

acordam verbalmente que a sociedade poderia, mais tarde, deliberar exigir o

pagamento de € 5.000 a cada um deles. O sócio X não cumpre.

Trata-se de uma prestação acessória com acordo parassocial

[art. 17º]. Se o acordo for considerado válido mas não for

cumprido, gera responsabilidade obrigacional nos termos

gerais [arts. 798º ss CC]. Se for inválido e incumprido por um

dos sócios, não produz quaisquer efeitos.

Prestações Suplementares

§1: PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES. As prestações suplementares

consistem numa via de financiamento complementar das SPQ, à disposição dos

sócios. Distinguem-se das prestações acessórias pela dupla base jurídico-normativa

[art. 210º-1]:

Devem estar previstas no pacto inicial [1.], seja desde o início, seja

por alteração.

Devem ser deliberadas pelos sócios 2.].

Têm, necessariamente, natureza pecuniária [nº 2], devendo o próprio

contrato [1.] conter os seguintes elementos:

Montante global

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Sócios que ficam obrigados – na sua falta, todos ficam adstritos a

fazê-lo.

Critério de repartição entre eles – na sua falta, deve a repartição ser

proporcional à quota de cada um [nº 4].

Para além de consagradas no pacto social [1.], devem as prestações

suplementares ser deliberadas [2.]:

A deliberação terá que fixar o montante tornado exigível e o prazo da

prestação, superior a 30 dias [art. 211º-1].

A deliberação só é possível depois de interpelados todos os sócios

para liberação integral das suas quotas de capital.

As prestações suplementares não podem ser exigidas depois de

dissolvida a sociedade.

§2: REGIME LEGAL. As prestações suplementares estão próximas do dever

de entrada, e é-lhes aplicável o disposto nos arts. 204º e 205º [art. 212º-1].

O sócio que não as acate pode ser excluído, já que se trata de obrigações

assumidas no pacto social: o incumprimento justifica, em relação ao faltoso, como

que uma resolução contratual.

O legislador reforça a sua natureza pessoal através das seguintes

disposições:

Ao crédito da sociedade por prestações suplementares não pode ser

oposta compensação [nº 2].

A sociedade não pode exonerar os sócios da obrigação de as

efectuar, estejam ou não já exigidas [nº 3].

O direito de as exigir é intransmissível e nele não podem sub-rogar-se

os credores da sociedade [nº 4].

§3: RESTITUIÇÃO DAS PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES. Ainda que não

vencendo juros, podem as prestações suplementares ser restituídas [art. 210º-5],

verificados os requisitos do art. 213º:

103

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

A restituição depende de deliberação dos sócios [nº 2].

A situação líquida não pode ficar inferior à soma do capital e da

reserva legal [nº 1, 1ª parte].

O respectivo sócio já deve ter liberado a sua quota [nº 1, 2ª parte].

A restituição não é, contudo, possível depois de declarada a insolvência da

sociedade [art. 213º-3]. A restituição deve respeitar a igualdade dos sócios que as

tenham efectuado, desde que hajam liberado as quotas respectivas [nº 4].

Para o cálculo do montante da obrigação vigente de efectuar prestações

suplementares não são computadas as prestações restituídas.

exemplo:

No contrato de constituição da Sociedade S, SA, prevê-se que esta sociedade

pode, mediante deliberação, exigir aos sócios o pagamento de um valor global de €

25.000.

As prestações suplementares são permitidas pelo contrato de

sociedade e resultam de deliberação dos sócios, recaindo

apenas sobre dinheiro [arts. 210º ss].

MENEZES CORDEIRO entende que nas SA não devem ser

admitidas prestações suplementares, uma vez que o sócio

apenas responde pelas acções que subscreve [art. 271º]. O

enquadramento de novas responsabilidades seria impossível,

uma vez que a exigência de um novo esforço financeiro a

alguns, pela maioria dos sócios, iria desequilibrar o

funcionamento da SA.

Conclui-se: a cláusula é nula, contrária aos arts. 271º e 294º.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

exemplo:

Os sócios deliberam, pela maioria legal, alterar o contrato da Sociedade A,

Lda., de modo a prever que os sócios A, B e C fiquem obrigados a realizar

prestações suplementares.

Tendo a sociedade deliberado, mais tarde, exigir-lhes o pagamento da

prestação, os sócios em causa recusam-se, argumentando que nunca nela

consentiram.

As alterações ao contrato das SPQ dependem de deliberação

dos sócios [art. 246º-1h].

Se essa alteração envolver o aumento das prestações

impostas pelo contrato aos sócios, esse aumento é ineficaz

para os sócios que nele não tenham consentido [art. 86º-2]:

se A, B e C tivessem consentido na alteração, essas

prestações aplicavam-se em relação a eles.

exemplo:

Nos termos dos estatutos da Sociedade B, Lda., D estava obrigado a realizar

prestações suplementares à sociedade. No entanto, após a deliberação que lhe

exige o cumprimento da obrigação, D recusa-se a cumprir.

Ao regime das prestações suplementares nas SPQ é-lhes

aplicável o disposto nos arts. 204º e 205º, relativamente ao

dever de entrada. O sócio não efectuar a prestação em causa

fica sujeito a exclusão [art. 204º-1], uma vez que se trata de

obrigações assumidas no pacto social. O incumprimento

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

justifica, em relação ao faltoso, como que uma resolução

contratual.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

CONTRATO DE SUPRIMENTO

Contrato de Suprimento

§1: CONTRATO DE SUPRIMENTO. O contrato de suprimento é o contrato

que admite as seguintes modalidades:

Contrato pelo qual o sócio empresta à SPQ dinheiro ou outra coisa

fungível, ficando esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo

género e qualidade [art. 243º-1, 1ª parte] – equivale a um mútuo.

Contrato pelo qual o sócio convenciona com a SPQ o diferimento do

vencimento de créditos seus sobre ela desde que, em qualquer dos

casos, o crédito fique tendo carácter de permanência [nº 1, 2ª parte].

Quando uma SPQ tenha necessidade de financiamento, a solução mais fácil,

mais natural e mais flexível pauta-se pelo contrato de suprimento.

Constitui índice/presunção do carácter de permanência [nº 2 e 3]:

Articulação de um prazo de reembolso superior a um ano

Não exigência do reembolso devido pela sociedade durante um ano

Os credores sociais podem provar o carácter de permanência mesmo que o

reembolso tenha ocorrido antes de expirado um ano [nº 4, 1ª parte].

Os sócios podem ilidir a presunção de permanência demonstrando que o

diferimento corresponde a circunstâncias independentes da qualidade de sócio [nº

4, 2ª parte].

Fica ainda sujeito ao regime dos suprimentos o crédito de terceiro sobre a

sociedade, desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no momento da

aquisição se verifique alguma das circunstâncias que constituem “índice de

permanência” [nº 5].

§2: DELIMITAÇÃO. Os suprimentos não se confundem com as prestações

acessórias ou com as prestações suplementares, designadamente porque:

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

As prestações acessórias resultam do pacto social e podem envolver

dinheiro, bens ou serviços.

As prestações suplementares são permitidas pelo pacto social e

resultam de deliberação dos sócios, recaindo apenas sobre dinheiro.

Os suprimentos advêm de um contrato celebrado entre o sócio e a

sociedade, relativo a dinheiro ou a outra coisa fungível, equivalendo a

um mútuo. Distingue-se de um mútuo comum porque representa um

contributo permanente ou, pelo menos, prolongado, do sócio para

com a sociedade em que detenha uma posição. Representaria,

quanto muito, um mútuo de escopo.

§3: REGIME LEGAL. O suprimento corresponde a um especial envolvimento

do sócio na capitalização da sociedade. Não equivale a uma comum ajuda

monetária, puramente transitória, na medida em que o CSC optou pelo critério da

permanência, de RAUL VENTURA. O art. 243º-2 e 3 fixa, nestes termos, índices de

permanência que auxiliam o intérprete e aplicador do direito, associando-o a

presunções. Na falta de estabilidade não há, por isso, qualquer suprimento.

O contrato de suprimento é um mútuo especial [art. 243º-1 e 1142º CC] –

contrato real quoad constitutionem que só produz efeitos com a efectiva entrega do

dinheiro:

Não está sujeito a qualquer forma especial [nº 6].

Caso o pacto social preveja a obrigação de efectuar um suprimento,

estamos perante prestações acessórias [cfr. supra e art. 209º] e não um contrato

de suprimento. Se o suprimento for adoptado por deliberação social, só ficam

vinculados os sócios que votem favoravelmente tal deliberação [art. 244º-2].

As partes podem estipular juros mas, se nada disserem, não se deve

presumir a onerosidade, uma vez que o suprimento é um negócio “interessado”. O

crédito de suprimentos é transmissível, nos termos gerais do art. 577º-1 CC.

Este regime, por não ser excepcional, pode ser analogicamente aplicado às

SA.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

exemplo:

1. A Sociedade B, Lda., vendo a sua situação agravar-se constantemente,

celebrou verbalmente com o sócio A um contrato nos termos do qual este

emprestava à sociedade € 10.000, que esta reembolsaria no prazo de 18 meses.

B, por seu lado, acordou com a sociedade que não levantaria imediatamente

o seu quinhão nos lucros do exercício, apenas pretendendo o dinheiro dali a um

ano.

2. Decorridos 18 meses, pode A exigir a restituição com juros do capital

emprestado?

1.

O contrato de suprimento encontra-se previsto no art. 243º-1

através de duas modalidades legais:

1. Modalidade próxima do mútuo comum, com carácter de

permanência [nº 1, 1ª parte] – sócio A.

2. Modalidade de diferimento do crédito, com carácter de

permanência [nº 1, 2ª parte] – sócio B. O carácter de

permanência deve ser superior a um ano. No caso, 18 meses.

O crédito do sócio à sua parte dos lucros vence-se quando

decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros

[art. 217º-2], salvo diferimento consentido pelo sócio. O

suprimento opera como um diferimento: nesse caso,

computa-se no prazo de um ano o tempo decorrido desde a

constituição do crédito até ao negócio de diferimento [desde

a deliberação, art. 243º-2, 2ª parte e nº 3, 2ªa parte].

Presume-se suprimento se, volvido um ano, o sócio não

reclamar os lucros a que tem direito [art. 243º-2, 1ª parte].

109

Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Em qualquer dos casos, difere do mútuo comum quanto à

forma, ao carácter de permanência, aos sujeitos e aos juros.

Se for motivado pelos juros apenas, não será um contrato de

suprimento, mesmo que tenha carácter de permanência –

cumpre provar que não foi celebrado com base nessa

motivação.

O regime do contrato de suprimento é mais favorável para a

sociedade e menos favorável ao sócio, face ao disposto nos

arts. 245º-1 e 777º CC. A sociedade tem, por isso, interesse

que o contrato em causa seja qualificado como suprimento,

enquanto que o sócio procurará provar o carácter de mútuo

comum do mesmo: vg se tiver emprestado dinheiro à

sociedade não na qualidade de sócio.

No caso, os contratos foram celebrados de forma autónoma

entre os sócios e a sociedade, e não constavam do contrato

de sociedade nem foram sujeito a deliberação dos sócios.

Obedeceram à regra geral da liberdade de forma, art. 219º

CC.

2.

O suprimento presume-se oneroso, mesmo que nada tenha

sido convencionado. No caso, há um pedido de restituição

com juros não convencionados expressamente: os juros não

se presumem.

exemplo:

A Sociedade G, SA, celebrou com os accionistas C e D, detentores de

participações de 2% e de 12%, respectivamente, um contrato nos termos do qual

estes emprestavam à sociedade € 5.000, a restituir passado um ano.

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Direito Comercial II: Direito das Sociedades Comerciais - Lara Geraldes @ FDL

Convencionou-se um empréstimo a uma SA. Se se tratasse de

uma SPQ, seria um suprimento, uma vez que é um

empréstimo do sócio à sociedade que se caracteriza pelo

carácter de permanência.

Tratando-se de uma SA, questiona-se se o contrato de

suprimento é admissível nesse âmbito.

Para RAUL VENTURA, a resposta seria afirmativa se se

tratasse de um “accionista empresário” [o autor contrapõe,

com base na doutrina alemã, accionistas empresários a

accionistas investidores], efectivamente embricado/envolvido

na vida societária, de tal modo que os seus contributos

seriam tidos como uma justificação interessada. Apenas ao

accionista empresário haveria que aplicar o regime dos

suprimentos: aquele que detivesse 10% do capital social

[25%, na doutrina alemã], com base nos arts. 392º e 418º-1,

que mencionam essa cifra.

MENEZES CORDEIRO considera que esse critério, apesar de

apresentar vantagens no plano da segurança, é demasiado

rígido e fixo: e se o sócio detivesse “apenas” 9% do capital

social? Por isso, serve-se antes do argumento do accionista

médio: haverá suprimento quando a entrega do dinheiro

opere em situações nas quais o accionista ordenado, o bom

accionista, enfim, faria uma contribuição de capital

[contribuindo para a capitalização da sociedade], e não um

mero mútuo civil. Só a partir da verificação dessa analogia

iuris será legítimo aplicar os arts. 243º-2 e 3 às SA. No

mesmo sentido, COUTINHO DE ABREU.

Podemos, pois, encontrar suprimentos nas SA quando:

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o As partes o estipulem ou quando o pacto social os

preveja e regule.

o Se gere um empréstimo que, materialmente, exerça a

função de suprimento.

Certo é que o regime do suprimento não pode, por si só, ser

negado às SA. Não é um regime excepcional e a sua aplicação

analógica é possível, nas condições supra.

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