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MARINHA DO BRASIL DIRETORIA DE PORTOS E COSTAS ENSINO PROFISSIONAL MARÍTIMO MÓDULO DIREITO COMERCIAL MARÍTIMO – DCM – UNIDADE DE ESTUDO AUTÔNOMO 1 a edição Rio de Janeiro 2008

Direito Comercial Maritimo

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  • MARINHA DO BRASIL DIRETORIA DE PORTOS E COSTAS ENSINO PROFISSIONAL MARTIMO

    MDULO DIREITO COMERCIAL MARTIMO

    DCM

    UNIDADE DE ESTUDO AUTNOMO

    1a edio Rio de Janeiro

    2008

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    2008 direitos reservados Diretoria de Portos e Costas

    Autor: Augusto Grieco S. Meirinho

    Reviso Pedaggica: Maria Elisa Dutra Costa Reviso Ortogrfica: Professor Luiz Fernando da Silva Diagramao: Maria da Conceio de Sousa Lima Martins

    Coordenao Geral: CMG (MSc) Luciano Filgueiras da Silva

    ______ exemplares

    Diretoria de Portos e Costas Rua Tefilo Otoni, no 4 Centro Rio de Janeiro, RJ 20090-070 http://www.dpc.mar.mil.br [email protected]

    Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto no 1825, de 20 de dezembro de 1907. IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL

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    SSUUMMRRIIOO

    APRESENTAO ............................................................................................................ 7

    METODOLOGIA Como Usar o Mdulo ......................................................................... 9

    UNIDADE 1 Responsabilidade Civil no Direito Martimo ........................................... 11 1.1 O conceito da responsabilidade civil no Cdigo Civil Brasileiro............................... 13 1.2 Pressupostos das responsabilidade civil objetiva e subjetiva.................................. 18 1.3 Os fundamentos da imputabilidade na excluso da responsabilidade civil no

    Direito Martimo....................................................................................................... 24 1.4 Acidentes e fatos da navegao e responsabilidade civil no Direito Martimo...... 29 1.5 A responsabilidade contratual extracontratual ...................................................... 31 1.6 As responsabilidade administrativas atribudas ao pessoal aquavirio, no que

    tange ao Direito Martimo ....................................................................................... 35 1.7 A responsabilidade civil por abalroamento, assistncia e salvamento .................. 55 Teste de Auto-Avaliao da Unidade 1 ............................................................................... 65 Chave de Respostas das Tarefas e do Teste de Auto-Avaliao da Unidade 1 ................ 66

    UNIDADE 2 Convenes e Acordos Internacionais .................................................. 69 2.1 Os contratos de transportes martimo envolvendo carta-partida, conhecimento

    de embarque e contrato de afretamento ............................................................... 70 2.2 A interpretao do Cdigo Comercial Brasileiro ligado ao Comrcio Martimo

    quanto natureza jurdica do navio e a classificao geral dos navios ............... 89 2.3 a questo da poluio marinha e os regimes privados: os acordos voluntrios

    TOVALOP e Cristal e atuao dos Clubes P&I .................................................... 102 2.4 Os regimes pblicos de responsabilidade: CLC, FUND, Protocolo de 84 e

    protocolo de 92 ...................................................................................................... 16 2.5 A posio do governo brasileiro quanto s convenes e acordos internacionais. 131 Teste de Auto-Avaliao da Unidade 2 ............................................................................ 143 Chave de Respostas das Tarefas e do Teste de Auto-Avaliao da Unidade 2 ................ 145

    UNIDADE 3 Seguros de Cascos .................................................................................. 149 3.1 Definio dos elementos fundamentais do contrato de seguros: aplice, prmio,

    seguradora, segurado, deveres do segurado, franquia e indenizaes................. 151

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    3.2 Os riscos bsicos de avaria particular, avaria Gross ou comum, conforme definido nas regras de York e Anturpia ............................................................... 165

    3.3 Noes bsicas de co-seguro e resseguro (O IRB-Brasil Resseguros) ................ 185 Teste de Auto-Avaliao da Unidade 3 .............................................................................. 187 Chave de Respostas das Tarefas e do Teste de Auto-Avaliao da Unidade 3 ................ 188

    UNIDADE 4 Tribunal Martimo ...................................................................................... 191 4.1 Conceito de Tribunal Martimo e sua jurisdio conforme a lei 2.180/54................ 192 4.2 A composio do colegiado do Tribunal Martimo e as suas caractersticas

    tcnicas profissionais ............................................................................................ 197 4.3 A natureza jurdica, jurisprudncia e a competncia do Tribunal Martimo............. 200 4.4 A procuradoria especial da Marinha e a sua funo frente ao Tribunal martimo. . 210 4.5 Sanes ou penalidades administrativas previstas na lei 2.180/54 ........................ 210 4.6 O processo contencioso e os recursos jurdicos no Tribunal Martimo e seus

    efeitos .................................................................................................................... 219 Teste de Auto-Avaliao da Unidade 4 ............................................................................... 224 Chave de Respostas das Tarefas e do Teste de Auto-Avaliao da Unidade 4 ................ 225

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 227

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    AA PP RR EE SS EE NN TT AA OO

    Voc j parou para refletir que a atividade de transporte uma das mais antigas desenvolvidas pelo grupo humano? Na verdade, podemos afirmar, sem receio de errarmos, que a atividade de transporte de coisas (no sentido de qualquer objeto necessrio para a sobrevivncia das pessoas) to antiga quanto a prpria existncia do ser humano. Mesmo antes de serem inventados os meios de transportes mais rudimentares (como as carroas, por exemplo), era indispensvel transportar os bens necessrios para a sobrevivncia do grupo, sobretudo quando precisavam se deslocar de uma regio para outra (no podemos esquecer que no incio os grupos humanos eram nmades, essencialmente caadores).

    Logicamente no estamos falando de transporte de mercadorias para a troca com outros grupos (o que denominamos de comrcio), o que somente viria a ocorrer mais tarde, com o desenvolvimento da civilizao e a fixao dos agrupamentos em cidades. Contudo, a necessidade de deslocar tais bens despertou na engenhosidade humana formas de facilitar o transporte, em um primeiro momento por via terrestre, depois por via aqutica. Como ser que o ser humano inventou as primeiras canoas? Voc j parou para refletir sobre esse assunto? Talvez as primeiras embarcaes tenham surgido da observao de fenmenos da natureza; possvel que a observao de um tronco de rvore cado na gua flutuando tenha levado a construo das primeiras embarcaes rudimentares, compostas de toras de madeira amarradas umas s outras.

    Desde os primrdios da civilizao, o ser humano esteve ligado ao mar, fonte de riquezas e elemento que viabilizou as grandes descobertas e o desenvolvimento do comrcio entre os povos. O transporte aquavirio de materiais e mercadorias, por sculos, foi o principal impulsionador do comrcio entre naes e regies e, sem sombra de dvidas, desempenhou papel importante no desenvolvimento e prosperidade econmica.

    Considerando que o fenmeno normativo (entendamos como Direito) acompanha a humanidade desde a formao das primeiras comunidades1, no foi diferente com a atividade martima. Assim, o Direito Martimo deita suas origens remotas ainda na antiguidade, sendo de formao lenta, contnua, calcada no costume.

    Portanto, o Direito Martimo pode ser considerado como um direito de formao consuetudinria (ou seja, com base no costume), embora ao longo dos sculos tenha ocorrido um

    1 Afinal, como costume se dizer, onde h sociedade h o direito.

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    movimento de codificao desse Direito, no sentido de positivar suas normas (torn-las normas escritas).

    A indstria do Shipping, como se costuma dizer, tambm uma das mais antigas e, talvez, a mais internacional de todas as indstrias do mundo. A indstria do transporte considerada por diversos autores como uma das foras responsveis pela passagem do mundo de um sistema essencialmente nacional para uma economia global que existe atualmente2.

    Sendo o transporte martimo uma atividade de vertente internacional, por deduo lgica se conclui que se encontra sujeita as normas e regras internacionais, ao lado da legislao de cada bandeira.

    Alm disso, considerada como uma das mais perigosas, tanto que antigamente a explorao do comrcio martimo era conhecida como aventura martima, termo ainda muito utilizado nos dias atuais.

    Reconhecendo a importncia da relao do ser humano com o mar, sob diversos enfoques, sobretudo o econmico, pode-se considerar que o setor martimo, em sentido amplo, um dos mais regulamentados setores da atividade humana.

    Diante desse fato incontestvel, a anlise da legislao martima apresenta-se como imperiosa para os profissionais que laboram no mar, sobretudo aqueles que possuem funo de gerncia e administrao das unidades (embarcaes em sentido amplo navios e plataformas).

    Quando se fala em atividade martima, h que se reconhecer, tambm, a existncia de diversos atores na indstria do transporte martimo que tm ingerncia sobre as principais questes ligadas ao desenvolvimento do setor. Os mais importantes desses atores so: construtores navais, armadores e operadores martimos, proprietrio da carga, seguradoras, sociedades classificadoras, o Estado da Bandeira, a Administrao Porturia alm da prpria Organizao Martima Internacional (OMI ou IMO utilizando-se a sigla em ingls) e a Organizao Internacional do Trabalho (OIT).

    Os oceanos so indubitavelmente de enorme valor para a economia mundial. Como visto pouco acima, foi atravs do comrcio martimo de mercadorias e bens que se passou de um sistema basicamente nacional para um sistema global. Por sua vez, dos mares provem-nos alimentos, gua, recursos minerais, bem como energia. Segundo a Organizao das Naes Unidas, o valor combinado dos recursos marinhos e uso dos oceanos gira em torno de sete trilhes de dlares por ano. Pesca e minerais, incluindo leo e gs, esto entre os recursos marinhos de maior relevncia, enquanto que os principais usos dos oceanos incluem a indstria da recreao, transporte, comunicao e depsito de dejetos.

    Apenas em relao aos recursos minerais, incluindo os hidrocarbonetos, estima-se em 1 trilho de dlares gerados ao ano, conforme dados da ONU.

    2 Martin Stopford, Maritime Economics, p. 2.

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    DIREITO DO MAR

    Law of the Sea

    Direito Internacional

    Pblico

    DIREITO MARTIMO

    Maritime Law ou Admiralty Law

    Direito Comercial

    Portanto, diante de sua relevncia para a vida humana e a economia mundial, a sua utilizao tanto pelos Estados quanto pelas pessoas, fsicas ou jurdicas, deve ser objeto de regulao, o que se d no plano interno e internacional.

    Outro ponto importante a ser destacado, ainda nessas primeiras linhas introdutrias, o significado das expresses Direito do Mar e Direito Martimo. Ser que significam a mesma coisa? Poderamos utiliz-las como sinnimos? Certamente que no!

    Topograficamente, o Direito do Mar parte integrante do Direito Internacional Pblico. o ramo do Direito responsvel pela regulamentao de um dos domnios pblicos mais significativos, quais sejam, os oceanos.

    Com relao terminologia, hoje prefervel o termo Direito do Mar (em ingls usa-se a expresso Law of the Sea). Conforme deixa consignado a doutrina especializada, deve-se evitar utilizar a denominao Direito Martimo para tratar as questes afetas disciplina dos espaos martimos. A expresso Direito Martimo deve ser reservada para os setores relacionados s atividades de transporte martimo de natureza mercantil (nos pases anglo-saxes, utilizam-se as expresso Maritime Law ou Admiralty Law).

    Como bem lembra o Professor J. F. Rezek3, o Direito do Mar parte importante do Direito Internacional Pblico, sendo que suas normas, durante muito tempo, foram basicamente costumeiras.

    Arriscando um conceito rpido de Direito do Mar, podemos entender o mesmo como o conjunto de princpios e normas jurdicas que tem como objetivo disciplinar os espaos martimos.

    Esquematizando, teramos:

    Voc est preparado para comear os estudos sobre o Direito Martimo Comercial? Ento, mos obra!

    3 J. F. Rezek, Direito Internacional Pblico, p. 294.

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    CCOOMMOO UUSSAARR OO MMDDUULLOO

    II QQuuaall oo oobbjjeettiivvoo ddeessttee mmdduulloo?? Proporcionar ao aluno conhecimentos bsicos sobre o Direito Martimo Comercial.

    IIII QQuuaaiiss ooss oobbjjeettiivvooss eessppeeccffiiccooss ddeessttee mmdduulloo?? O seu objetivo especfico fornecer ao Oficial da Marinha Mercante os conhecimentos

    bsicos sobre o Direito Martimo Comercial considerando ser a atividade comercial a finalidade precpua da empresa de navegao. Desta forma, concebe-se uma abordagem terica, fundada nos principais institutos e conceitos ligados matria, no descuidando do enfoque prtico.

    IIIIII CCoommoo eesstt oorrggaanniizzaaddoo oo mmdduulloo??

    O mdulo de Direito Martimo Comercial foi estruturado em quatro unidades seqenciais de estudo. Os contedos obedecem a uma seqncia lgica e, ao trmino de cada unidade, o aluno far uma auto-avaliao.

    IIVV CCoommoo vvoocc ddeevvee eessttuuddaarr ccaaddaa uunniiddaaddee??

    Ler a viso geral da unidade.

    Estudar os conceitos da unidade.

    Responder s questes para reflexo.

    Realizar a auto-avaliao.

    Comparar a chave de respostas do teste de avaliao.

    1. Viso geral da unidade

    A viso geral do assunto apresenta os objetivos especficos da unidade, mostrando um panorama do assunto a ser desenvolvido.

    2. Contedos da unidade

    Leia com ateno o contedo, procurando entender e fixar os conceitos por meio dos exemplos utilizados. Se voc no entender, refaa a leitura. muito importante que voc entenda e domine os conceitos.

    3. Questes para reflexo

    So questes que ressaltam a idia principal do texto, levando-o a refletir sobre os temas mais

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    importantes deste material.

    4. Auto-avaliao

    So testes que o ajudaro a se auto-avaliar, evidenciando o seu progresso. Realize-os medida que apaream e, se houver qualquer dvida, volte ao contedo e estude-o novamente.

    5. Tarefa

    D a oportunidade para voc colocar em prtica o que j foi ensinado, testando o seu desempenho de aprendizagem.

    6. Respostas dos testes de auto-avaliao

    D a oportunidade de voc verificar o seu desempenho, comparando as respostas com o gabarito que se encontra no fim da apostila.

    VV OObbjjeettiivvooss ddaass uunniiddaaddeess

    UU nn ii ddaa ddee 11 :: RR EESS PP OO NNSSAABB IILL II DDAADD EE CC IIVV IILL NN OO DDII RREEII TTOO MMAARR TTII MMOO Nessa unidade se prope uma anlise do conceito de responsabilidade civil no Direito

    Brasileiro, destacando os pressupostos da responsabilidade civil objetiva e subjetiva, bem como os fundamentos da imputabilidade como forma de identificar a sua excluso no Direito Martimo. Apresenta os conceitos de responsabilidade civil contratual e extracontratual de acordo com o Direito Martimo. Tambm se prope a analisar a responsabilidade administrativa atribuda ao pessoal aquavirio, bem como a responsabilidade civil por abalroamento, na assistncia e no salvamento.

    UU nn ii ddaa ddee 22 :: CC OONN VV EE NN EESS EE AACC OORR DD OOSS IINN TTEE RRNN AACC IIOO NNAAII SS Apresenta os contratos de transporte martimo sob as modalidades Carta-Partida e de

    afretamento, destacando-se os principais documentos envolvidos no comrcio martimo, como o conhecimento de embarque. Apresenta a natureza jurdica do navio segundo o Direito Martimo, bem como a classificao das embarcaes ligada atividade comercial Tambm se prope a fazer uma anlise do problema da poluio marinha proveniente de navios, segundo o dever de reparao do dano causado ao meio ambiente, sob os regimes privados TOVALOP, CRISTAL e a atuao dos Clubes P&I, bem como sob os regimes pblicos CLC 69, FUND 71 e seus principais protocolos. Adicionalmente, analisa a posio do governo brasileiro em relao s convenes e acordos internacionais.

    UU nn ii ddaa ddee 33 :: SS EEGGUU RR OOSS DDEE CCAASS CC OOSS

    Apresenta os conceitos de aplice, prmio, segurador,, segurado, indenizao, sinistro, interesse segurado, franquia, bem como os deveres e direitos do segurado e do segurador. Faz-se um estudo das espcies de avarias, simples e grossa, segundo o Direito Martimo brasileiro e as

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    Regras de York e Anturpia. Tambm se prope a analisar os institutos do co-seguro e do resseguro sob o enfoque do Direito Martimo.

    UU nn ii ddaa ddee 44 :: TTRRII BB UUNN AALL MM AARR TTIIMMOO Apresenta o Tribunal Martimo segundo a Lei n 2.180/54, analisando a sua composio e

    suas caractersticas tcnicas e profissionais. Define-se a natureza jurdica, a jurisprudncia e a competncia do Tribunal Martimo segundo a legislao de regncia. Apresenta a Procuradoria Especial da Marinha destacando a sua funo e composio. Tambm se prope a fazer um estudo das sanes e penalidades administrativas aplicadas pelo Tribunal, bem como dos recursos e seus efeitos.

    VVII AAvvaalliiaaoo ddoo mmdduulloo

    Aps estudar todas as Unidades de Estudo Autnomo (UEA) deste mdulo, voc estar apto a realizar uma avaliao da aprendizagem.

    VVIIII SSmmbboollooss uuttiilliizzaaddooss

    Existem alguns smbolos no manual para gui-lo em seus estudos. Observe o que cada um quer dizer ou significa.

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee hh uummaa vviissoo ggeerraall ddaa uunniiddaaddee ee ddoo qquuee eellaa ttrraattaa..

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee hh,, nnoo tteexxttoo,, uummaa ppeerrgguunnttaa ppaarraa vvoocc ppeennssaarr ee rreessppoonnddeerr aa rreessppeeiittoo ddoo aassssuunnttoo..

    EEssttee llhhee ddiizz ppaarraa aannoottaarr oouu lleemmbbrraarr--ssee ddee uumm ppoonnttoo iimmppoorrttaannttee..

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee hh uummaa ttaarreeffaa aa sseerr ffeeiittaa ppoorr eessccrriittoo..

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee hh uumm eexxeerrcccciioo rreessoollvviiddoo..

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee hh uumm tteessttee ddee aauuttoo--aavvaalliiaaoo ppaarraa vvoocc ffaazzeerr..

    EEssttee llhhee ddiizz qquuee eessttaa aa cchhaavvee ddaass rreessppoossttaass ppaarraa ooss tteesstteess ddee aauuttoo--aavvaalliiaaoo..

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    UUNNIIDDAADDEE 11

    RREESSPPOONNSSAABBIILL IIDDAADDEE CCIIVVIILL NNOO DDIIRREEIITTOO MM AARRTTIIMMOO

    NN ee ss tt aa uu nn iidd aa dd ee ,, vvoocc vvaa ii aa pp rr eenn dd eerr ss oobb rree ::

    A responsabilidade civil no Direito Brasileiro e a sua relao com a atividade martima;

    Pressupostos da responsabilidade civil objetiva e subjetiva;

    Os fundamentos da imputabilidade na excluso da responsabilidade civil no direito martimo;

    Acidentes e fatos da navegao e a responsabilidade civil no direito martimo;

    A responsabilidade contratual e extracontratual de acordo com o direito martimo;

    A responsabilidade da tripulao de um navio em relao a eventos diversos e as conseqncias administrativas da decorrentes;

    A responsabilidade civil por abalroamento, assistncia e salvamento.

    Iniciaremos este estudo com uma pergunta, que certamente, ser respondida nesta unidade.

    Vejamos!

    11..11 OO CC OONNCC EEII TTOO DD AA RREE SS PP OO NNSS AABB IILL IIDD AADD EE CC IIVV IILL NNOO CC DDII GGOO CC IIVV IILL BBRRAASS IILL EE II RROO

    OO qq uu ee rr ee ss pp oo nn ss aa bb ii ll ii dd aa dd ee cc ii vv ii ll ??

    A noo de responsabilidade civil, de uma forma bem simplificada, encontra-se ligada ao dever de indenizar os prejuzos causados a terceiros em virtude de condutas dos participantes do comrcio martimo. Como princpio bsico do Direito, aquele que causar a algum um dano tem o

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    dever de indenizar por esse dano. A responsabilidade civil, no mbito do Direito Martimo, no se encontra restrita, como se poderia pensar, apenas aos casos de prejuzos gerados pela atuao de tripulantes dos navios; mas, certamente, esse aspecto relevante para ns martimos j que as nossas condutas a bordo podem acarretar o dever de indenizar atribudo ao armador. Assim, parece justificado o incio de nossa abordagem do Direito Comercial Martimo por esse tema.

    Como voc pode ver, o assunto revela-se importante porque pode gerar o dever de indenizar os prejuzos causados a terceiros em decorrncia de condutas da tripulao, o que certamente no desejo do armador. Inclusive, dependendo da gravidade da conduta do tripulante causador do dano indenizvel, pode este ser dispensado por justa causa. Assim, o entendimento desse assunto revela-se como fundamental tanto para o sucesso das relaes comerciais que gravitam em torno do transporte martimo quanto sob o aspecto pessoal do tripulante.

    O problema da responsabilidade inerente vida em sociedade e est relacionada a toda atividade humana. Esse instituto (a responsabilidade civil) est ligado a um princpio bsico de direito e tambm de convivncia em sociedade: o dever de reparar o dano causado. intuitivo que a pessoa que sofre um dano tem o direito de ser ressarcida pelo causador desse dano. A prpria convivncia social impe a observncia desse princpio elementar. Imagine se no houvesse esse dever de indenizar os prejuzos causados! Certamente haveria uma crescente insegurana jurdica potencialmente geradora de conflitos entre as pessoas. As pessoas iriam querer impor a vontade de serem ressarcidas pelo uso da fora. Isso seria inaceitvel do ponto de vista de uma sociedade desenvolvida.

    Dessa noo preliminar, podemos afirmar que a responsabilidade civil a obrigao de reparar os prejuzos sofridos por algum em decorrncia dos danos provocados por outra pessoa.

    AAssssiimm,, ddeevveemmooss eessttaabbeelleecceerr uummaa pprreemmiissssaa bbssiiccaa ppaarraa ccoonnttiinnuuaarrmmooss oo nnoossssoo eessttuuddoo ssoobbrree aa rreessppoonnssaabbiilliiddaaddee cciivviill:: aa eexxiissttnncciiaa ddee uumm ddaannoo ccaauussaaddoo ppeellaa ccoonndduuttaa ddee uumm aaggeennttee,, ccoommoo ffuunnddaammeennttoo ddoo ddeevveerr ddee iinnddeenniizzaarr..

    Desta forma, caso um tripulante do navio, por uma conduta indevida (deixou de fazer a medio da temperatura de um grupo de contineres frigorficos, por exemplo) venha a causar algum dano carga (a carga contida dentro do continer estragou em decorrncia da elevao da temperatura), o armador tem o dever de indenizar os prejuzos causados ao proprietrio da carga. Logicamente, nesse caso, o armador poder apurar a responsabilidade do tripulante para futuros efeitos de ressarcimento, mas no poder se escusar de ressarcir os prejuzos advindos da conduta de seu tripulante. No pode o armador dizer que no tem responsabilidade porque no se encontrava a bordo do navio ou que a culpa pelo ocorrido foi exclusivamente do tripulante.

    Vejamos um exemplo da vida diria para melhor entendermos o assunto: imaginemos que uma pessoa saiu com seu automvel em uma manh de segunda-feira e, estando atrasada para levar seu filho para a escola, ultrapassou um sinal de trnsito que se encontrava vermelho. Como

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    o sinal estava aberto para os veculos vindo da outra rua, essa pessoa acabou abalroando outro carro. Pergunto a voc: o motorista que avanou o sinal foi culpado pelo acidente de trnsito? Ter que pagar pelos prejuzos causados no outro automvel? A resposta a ambas as perguntas somente pode ser positiva. O motorista infrator causou um dano por no ter observado as regras de trnsito e, portanto, ter que ressarcir os prejuzos causados no outro veculo. Agiu com culpa e, por causa da conduta negligente, ter que indenizar os prejuzos acarretados ao proprietrio do outro veculo.

    Pois bem, passemos agora para uma situao que pode ocorrer durante uma operao de carregamento de um navio mercante:

    um operador de guindaste, durante o manuseio de um continer a ser estivado na popa, se assusta com o toque de seu celular e causa um dano baleeira do navio. Perguntamos novamente a voc: o operador do guindaste foi o responsvel pelo dano causado? Ele agiu com culpa? O armador ter direito a ser ressarcido do dano causado baleeira de seu navio? A resposta s trs perguntas ser positiva: o operador do guindaste foi o responsvel pelo dano causado; ele agiu com culpa; e o armador ter direito a ser ressarcido pelos prejuzos causados baleeira. Via de regra, em casos como esse, o dever de indenizar ser do operador porturio.

    Que tal uma parada para verificar o que aprendeu?

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 11

    Com base no que voc estudou at agora, responda, o que responsabilidade civil? _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    De forma geral, a responsabilidade civil pode ter vrias origens: no descumprimento de uma obrigao, na inobservncia de uma regra contida em um contrato, bem como no descumprimento das regras que regulam a vida em sociedade. Tambm importante destacar que a responsabilidade civil surge sempre que uma pessoa sofre alguma espcie de dano que deva ser ressarcido pelo responsvel.

    Como a atividade martima envolve uma srie de riscos, a possibilidade de ocorrerem danos encontra-se presente. Os danos podem incidir sobre a carga, sobre as pessoas, sobre o navio, bem como atingir terceiros localizados em outra embarcao ou at mesmo em terra. Ainda h que se considerar o dano ambiental, sobretudo nos dias atuais em que o Meio Ambiente objeto de proteo especial da comunidade internacional, bem como dos diversos pases.

    Diante da importncia do assunto, a responsabilidade civil foi tratada no Cdigo Civil, j que este diploma legal regula os principais aspectos da vida em sociedade. O Cdigo Civil de 1916 tratava da responsabilidade civil em seu art. 159 nos seguintes termos: aquele que, por ao ou

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    omisso voluntria, negligncia, ou imprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

    Observa-se que essa responsabilidade advm de uma conduta reprovvel do agente causador do dano pois gerada pela ao ou omisso voluntria (dolo) ou pela negligncia ou imprudncia (culpa). Mais adiante vamos estudar de forma mais detalhada essa espcie de responsabilidade civil, que denominada de responsabilidade civil subjetiva.

    O Cdigo Civil de 2.002 (que revogou o Cdigo Civil de 1916) tambm tem um artigo semelhante, que o art. 186 e que, pela importncia para o nosso estudo, transcrevemos a seguir:

    Art. 186. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.

    Nesse artigo h a definio de ato ilcito, no fazendo referncia ao dever de reparar o dano. Cabe ressaltar que o conceito de ato ilcito no se confunde com a violao de uma norma penal (ou seja, com a prtica de uma conduta definida na legislao como infrao penal crime ou contraveno). Na verdade, o ato ilcito toda conduta contrria a uma norma jurdica. Portanto, toda vez que algum pratica uma conduta contrria ao Direito, estar cometendo um ato ilcito. Logo, o ato ilcito gnero do qual so espcies o ilcito penal (que gera o direito do Estado aplicar uma pena), o ilcito civil (gerador do dever de indenizar o dano), do ilcito administrativo (que pode gerar a incidncia de uma multa).

    Voltando ao conceito de ato ilcito, verificamos que, mais adiante, no art. 927, o Cdigo Civil de 2.002 prescreve que o causador do dano, por ato ilcito, fica obrigado a repar-lo. Percebe-se, por conseguinte, que a definio de ato ilcito, no Novo Cdigo Civil, encontra-se nos art. 186 e 187, sendo que a responsabilidade civil tratada nos artigos 927 e seguintes.

    Nesse ponto podemos concluir que a responsabilidade civil no se confunde com o ato ilcito: na verdade, a responsabilidade civil uma das conseqncias possveis do ato ilcito. Quando algum pratica uma conduta, por exemplo, sem observar o dever de diligncia, de cuidado, estar violando uma regra que lhe imposta pelo Direito e, na eventualidade de causar um dano a uma outra pessoa, estar obrigado a indeniz-la.

    Aps toda essa explicao, possvel que voc tenha entendido o que a responsabilidade civil.

    CCoommoo ppooddeerr aammooss ccoonncc ee ii ttuuaarr rreessppoonnssaabb ii ll iiddaaddee cc iivv ii ll ddoo ppoonn ttoo ddee vv iiss ttaa ddoo oorrddeennaammeennttoo jjuurr dd iicc oo bbrraass ii llee ii rroo?? SSeerr qquuee oo CCdd iiggoo CCiivv ii ll nnooss ff oo rr nn eecc ee uu mmaa dd ee ff ii nn ii oo ff oo rr mmaa ll dd aa rr eess ppoonn ss aa bb ii ll ii ddaaddee cc iivv ii ll ??

    Analisando esses dispositivos do Cdigo Civil, no possvel reconhecer neles uma definio de responsabilidade civil j que os mesmos se referem, a grosso modo, aos seus pressupostos. Quando a legislao no conceitua um instituto jurdico, at porque essa no a sua funo principal, cabe-nos recorrer aos ensinamentos dos estudiosos da matria. Como no

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    poderia deixar de ser, vamos buscar subsdios para conceituarmos a responsabilidade civil nos grandes estudiosos dos temas martimos em nosso Pas. Assim, Carlos Rubens Caminha Gomes e Haroldo dos Anjos, citando Savatier, conceituam a responsabilidade civil como a obrigao que incumbe a algum de reparar o prejuzo causado a outrem, pela atuao ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes4.

    Vamos dar mais uma parada para fazer uma tarefa?

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 22

    Com base no que foi exposto at agora, responda. O armador tem o dever de indenizar terceiros pelos prejuzos que a tripulao de seu navio, nessa condio, causar? _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    Por esse conceito, verificamos duas situaes distintas: em primeiro lugar, o dever do agente causador do dano, por ato prprio, reparar o dano gerado por sua conduta; na parte final de seu conceito, a situao de haver uma relao entre aquele que tem o dever de reparar os prejuzos causados a algum e o sujeito causador dos danos. Nessa segunda hiptese, temos o caso, por exemplo, da relao jurdica formada entre o tripulante, que cause dano a terceiros, e o armador do navio ao qual advm o dever de reparar os prejuzos causados por esse tripulante.

    Nem sempre o causador do dano ter o dever direto de indenizar os prejuzos gerados por sua conduta. Melhor explicando: ser que o proprietrio da carga avariada, avaliada em milhares de dlares vai ter interesse de pleitear o ressarcimento de seus prejuzos diretamente do tripulante que, com a sua conduta, causou-lhe os prejuzos? Ou, ao contrrio, vai preferir obter a indenizao diretamente do armador do navio? Parece que a segunda alternativa muito mais vivel, j que dificilmente o tripulante do navio vai ter condies financeiras de pagar pelos prejuzos. Assim, diante da relao de emprego que une o tripulante ao armador, cabe a este indenizar pelos prejuzos causados ao proprietrio da carga pela conduta do profissional.

    Srgio Cavalieri Filho5, importante estudioso da matria, constri o seu conceito de responsabilidade civil a partir da idia de dever jurdico. Para esse jurista brasileiro, caso uma pessoa viole um dever que lhe imposto observar6, cometendo um ato ilcito, e da cause dano a algum, nasce para aquele o dever jurdico de reparar esse dano.

    4 J. Haroldo dos Anjos & Carlos Rubens Caminha Gomes, Curso de Direito Martimo, p. 227.

    5 Srgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, p. 24.

    6 Por exemplo, o direito impe que o motorista deve dirigir seu automvel com diligncia, com cuidado; a arte marinheira,

    bem como as regras advindas do contrato de transporte martimo, impe o dever do responsvel pela estiva da carga no poro de um navio observe a melhor tcnica.

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    Conduta de uma pessoa que viola

    um dever que lhe imposto pelo ordenamento

    jurdico

    Dever jurdico de reparar os danos

    causados Causando dano a algum

    RESPONSABILIDADE CIVIL

    Espero que voc tenha assimilado essa noo bsica sobre a responsabilidade civil. Caso ainda persista alguma dvida, sugiro que voc leia mais uma vez os exemplos utilizados, bem como observe o esquema acima.

    No prximo tpico dessa primeira unidade vamos estudar os pressupostos da responsabilidade civil, tanto a objetiva quanto a subjetiva.

    Podemos ir adiante?

    Ento, vamos l!

    11 .. 22 PP RREE SS SS UUPP OOSS TTOO SS DD AA RR EESSPP OONNSS AABB IILL II DD AADD EE CC II VVII LL OOBB JJ EE TTIIVV AA EE SS UUBB JJ EETTII VV AA

    Conceituamos a responsabilidade civil como sendo a obrigao de reparar os prejuzos sofridos por algum em decorrncia de danos provocados.

    A partir desse conceito, e cotejando com os artigos do Cdigo Civil que transcrevemos acima, identificamos os seguintes elementos como pressupostos para a configurao do dever de indenizar:

    ao ou omisso do agente;

    dolo ou culpa (sendo esta identificada por uma das seguintes manifestaes: negligncia, impercia ou imprudncia);

    dano; e

    relao de causalidade (nexo de causalidade) entre a conduta e o dano.

  • 19 DCM

    A presena simultnea desses quatro elementos fundamental para a existncia da responsabilidade civil na viso clssica do instituto. Essa responsabilidade civil denominada subjetiva j que se encontra amparada no elemento volitivo do agente (vontade), seja a culpa ou o dolo.

    possvel exist ir a responsabilidade de reparar o dano em relao a algum que no tenha agido com culpa ou dolo?

    Esse questionamento, nos dias de hoje, importante j que se reconhece hipteses de responsabilidade civil sem a existncia de culpa (ou dolo) do agente causador do dano, qualificada como objetiva.

    Passamos, a partir desse momento, a tratar especificamente dessa questo, ou seja, da classificao da responsabilidade civil em objetiva e subjetiva.

    Primeira questo a ser vista: os conceitos de culpa e de dolo.

    A noo de culpa est diretamente ligada idia de falta de cuidado. Do mesmo modo a falta de previso (previsibilidade) da conseqncia de uma conduta tambm se integra ao conceito de culpa.

    Em teoria, a culpa pode ser estuda sob dois aspectos: em sentido amplo ou em sentido estrito. A culpa em sentido amplo (tambm denominada culpa lato sensu) abrange o dolo. Dolo, por sua vez, pode ser entendido como a vontade do agente em produzir o resultado (ele quer que o resultado acontea) ou quando, com sua conduta, aceita o risco de produzi-lo (ele no se importa que o resultado acontea). Portanto, dolo o elemento subjetivo da conduta do agente no sentido em produzir determinado resultado ou de assumir o risco de que este mesmo resultado ocorra. Por exemplo, quando o Comandante de um navio que se encontra sob mau tempo, com risco real de naufragar determina que a tripulao lance ao mar a carga estivada no convs para melhorar as condies de estabilidade, estar agindo intencionalmente. No h dvidas que ele quer o resultado de a carga ser lanada efetivamente ao mar. A sua conduta de alijar a carga , portanto, dolosa. Esse tipo de dolo denominado de dolo direto. Ao contrrio, quando ele no quer efetivamente o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, estaremos diante do dolo eventual.

    Diz-se que a culpa em sentido estrito quando o agente age com negligncia, impercia ou imprudncia.

    A negligncia a ausncia de precauo em relao ao ato praticado. Por exemplo, o marinheiro de mquinas deixa um trapo embebido em leo sobre um motor aquecido e, de sua conduta, h a ecloso de um incndio na praa de mquinas do navio.

    O marinheiro sabia, ou deveria saber, que no se deve deixar trapos com leo sobre superfcies aquecidas j que o risco de incndio evidente. Sua conduta, portanto, foi culposa

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    (sob a modalidade negligncia). A impercia a falta de aptido, de conhecimentos tcnicos, para o exerccio de arte ou

    profisso. a falta ou insuficincia de habilidade tcnica no exerccio de profisso que exige conhecimentos tcnicos. o caso, por exemplo, de um marinheiro que, sem ter o conhecimento de manobra do navio, se prope a atracar a embarcao em um bero do cais e causa uma avaria no costado. A sua conduta foi culposa, sob a modalidade impercia, j que no detinha os conhecimentos tcnicos de manobrabilidade do navio.

    Outro exemplo que pode ser lembrado a manobra realizada pelo oficial de mquinas que, estando no passadio do navio, observa a aproximao de outra embarcao e, ante a ausncia do piloto, tenta realizar a manobra e guina para o bordo contrrio. Sua conduta tambm foi culposa sob a modalidade impercia j que o oficial de mquinas no tinha o conhecimento tcnico dos procedimentos constantes do Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (RIPEAM).

    A imprudncia a prtica de um fato perigoso, atuando o agente com precipitao, sem a cautela devida. Podemos citar o exemplo do oficial de nutica que, ao se aproximar do Estrito de Gibraltar, deixa o radar do navio desligado confiando em seus conhecimentos tcnicos e sua capacidade de desviar dos demais navios. Outro exemplo que pode ser dado a conduta do oficial de mquinas que, sem fazer a medio do nvel de gases inflamveis em um espao confinado, entra no espao com uma lanterna imprpria e causa uma exploso.

    Lembrando, a culpa se manifesta sob trs modalidades: negligncia, impercia e imprudncia. No se esquea disso, pois muito importante.

    Vamos fixar esses conceitos fundamentais!

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 33

    Para isso, faa o que se pede nos itens abaixo.

    1.3.1) Estabelea a diferena entre dolo e culpa: _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

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    1.3.2) Cite as formas pelas quais a culpa pode se manifestar: _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    1.3.3) Estabelece a diferena entre as espcies de culpa que voc citou acima: _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    No campo da responsabilidade civil, h duas teorias que fundamentam o dever de reparar o dano. A primeira teoria, mais antiga no Direito, a teoria da culpa, que investiga a responsabilidade pessoal do causador do dano, ligada responsabilidade civil subjetiva; a segunda teoria, teoria do risco, de formao mais recente, diz que o dever de indenizar independe da culpa do causador do dano, sendo esta teoria ligada responsabilidade civil objetiva.

    A teoria da culpa, tradicionalmente individualista, evoluiu com a sociedade moderna, dando origem a um sistema de solidariedade na reparao do dano. Melhor explicando: considerando que os avanos tecnolgicos advindos da industrializao trouxeram atividades potencialmente geradoras de riscos, sendo essas atividades necessrias para toda a sociedade, os danos eventualmente causados devem ser suportados por quem gera essas situaes de risco, independente da existncia de culpa, j que a sociedade como um todo se beneficia dessas atividades, no sendo razovel que o indivduo atingido arque sozinho com os seus prejuzos. Assim, o causador do dano, mesmo que no tenha agido com culpa, tem o dever de indeniz-lo.

    Pode-se dizer que houve uma mudana na forma de entender o fenmeno da responsabilidade civil. Transfere-se o enfoque da anlise da culpa para a noo de dano. Assim, modernamente, o dano ocupa posio central na responsabilidade civil, como se ver mais adiante.

    De uma maneira geral, o dever de reparar o dano somente atribudo quele que o causou por ter agido, pelo menos, com culpa. Porm, a sociedade moderna reconhece algumas hipteses de responsabilidade civil que independem da culpa do causador do dano. Melhor esclarecendo: existem algumas situaes que o Direito impe o dever de indenizar os prejuzos causados a outra pessoa mesmo que o agente causador do dano no tenha agido com culpa. So hipteses expressamente estabelecidas na legislao, como se ver a seguir.

    Feitas essas consideraes, vamos analisar a responsabilidade civil subjetiva e a objetiva. A responsabilidade civil subjetiva aquela em que se investiga a culpa do causador do

    dano. Nessa espcie de responsabilidade civil, somente haver o dever de indenizar caso se demonstre que o causador do dano tenha agido com culpa. Como visto acima, a culpa pode ser entendida em um sentido amplo e em um sentido estrito. A Culpa, em sentido amplo, inclui o dolo,

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    Culpa (sentido amplo)

    Dolo

    Culpa (sentido estrito)

    Negligncia

    Impercia

    Imprudncia

    isto , a vontade de causar o dano, portanto, intencionalmente. A culpa, em sentido estrito, se manifesta de trs formas: negligncia, impercia e imprudncia.

    Esquematizando o que foi dito, podemos elaborar a seguinte chave para facilitar a compreenso.

    A responsabilidade civil subjetiva, como visto acima, aquela fundada na culpa. Segundo a teoria da responsabilidade civil esta modalidade comporta basicamente duas espcies: a responsabilidade civil subjetiva contratual e a responsabilidade civil subjetiva extracontratual (conhecida como responsabilidade aquiliana). Essa classificao ser analisada em um item prprio ainda dentro desta unidade.

    So elementos constitutivos da responsabilidade civil subjetiva (pressupostos da responsabilidade civil):

    a) ao ou omisso; b) dano; c) nexo de causalidade entre a conduta e o dano; e d) culpa. Para a configurao da responsabilidade subjetiva, na viso clssica, h necessidade da

    presena simultnea desses quatro elementos.

    A responsabilidade civil objetiva aquela que independe de culpa do causador do dano. O dever de indenizar advm da conduta do causador do dano independentemente dele ter agido com dolo ou com culpa. Diz-se objetiva a responsabilidade civil quando, ao agente causador do dano, independentemente desse haver concorrido com culpa, imputa-se o dever de indenizar por imposio legal. o caso, por exemplo, dos danos causados ao meio ambiente, fundado na teoria do risco. Assim se manifestou Edis Milar: com a Carta de 1988, a responsabilidade civil objetiva do poluidor foi constitucionalizada, com o que mais a mais se fortaleceu a materializao do

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    princpio poluidor-pagador, que faz recair sobre o autor do dano o nus decorrente dos custos sociais de sua atividade7.

    Veja o que diz o art. 21 da Lei n 9.966, de 28 de abril de 2000 (conhecida como Lei do leo):

    Art. 21. As circunstncias em que a descarga, em guas sob jurisdio nacional, de leo e substncias nocivas ou perigosas, ou misturas que os contenham, de gua de lastro e de outros resduos poluentes for autorizada no desobrigam o responsvel de reparar os danos causados ao meio ambiente e de indenizar as atividades econmicas e o patrimnio pblico e privado pelos prejuzos decorrentes dessa descarga.

    Portanto, independentemente das circunstncias em que se deu a descarga de substncia poluente, ocorrendo dano ao meio ambiente, h o dever de indenizar, mesmo que no haja culpa ou, ao reverso, que exista uma causa justificativa do ato. Portanto, o alijamento de carga para salvar a embarcao e as vidas das pessoas a bordo, levado em considerao para afastar a aplicao da sano penal (no h crime), mas no elimina o dever de indenizar os prejuzos causados pela ao que, repita-se, justificante mas no excludente da responsabilidade civil. o que diz o art. 19 da lei do leo:

    Art. 19. A descarga de leo, misturas oleosas, substncias nocivas ou perigosas de qualquer categoria, e lixo, em guas sob jurisdio nacional, poder ser excepcionalmente tolerada para salvaguarda de vidas humanas, pesquisa ou segurana de navio, nos termos do regulamento.

    So elementos constitutivos da responsabilidade civil objetiva: a) ao ou omisso; b) dano; c) nexo de causalidade entre a conduta e o dano; e d) previso legal. Para a configurao da responsabilidade objetiva, tambm devem estar presentes esses

    quatro pressupostos.

    Uma ltima observao importante!

    SSoommeennttee hhaavveerr oo ddeevveerr ddee iinnddeenniizzaarr ssee hhoouuvveerr aa ooccoorrrrnncciiaa ddoo ddaannoo.. NNoo hh rreessssaarrcciimmeennttoo sseemm eexxiissttnncciiaa ddee ddaannoo aa sseerr ssuuppoorrttaaddoo ppoorr aallgguumm ((mmeessmmoo qquuee ddee ffoorrmmaa ddiiffuussaa,, ccoommoo oo ccaassoo ddoo ddaannoo aammbbiieennttaall,, eemm qquuee ttooddaa aa ssoocciieeddaaddee aattiinnggiiddaa,, mmeessmmoo qquuee ddee ffoorrmmaa iinnddiirreettaa))..

    Conclumos esse item dizendo que, na atualidade, a responsabilidade civil, ou seja, o dever de reparar um dano causado, no mais se restringe s hipteses em que o causador do dano tenha agido com culpa. O foco central da anlise a busca por um equilbrio social no qual a pessoa que atingida por um ato que venha a lhe causar prejuzos seja efetivamente indenizada.

    7 Edis Milar, Direito do Ambiente, p. 429.

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    Voc acabou de estudar importante classificao da responsabilidade civil. Portanto, voc est apto a responder a pergunta abaixo.

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 44

    Qual a importncia da responsabilidade civil objetiva na atividade martima, sob o ponto de vista da obrigao de indenizar os danos causados? _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    _______________________________________________________________________________

    Contudo, existem alguns acontecimentos que podem excluir a responsabilidade de indenizar os prejuzos, o que ser analisado na prxima subunidade.

    11 .. 33 OO SS FF UUNN DDAAMM EENN TTOOSS DD AA II MMPP UU TT AABB IILL IIDD AADD EE NN AA EE XX CC LL UUSS OO DDAA RREE SS PPOONN SS AABB IILL IIDD AADDEE CC IIVV IILL NN OO DD IIRR EEII TTOO MM AARR TT IIMMOO

    Ao analisarmos os pressupostos da responsabilidade civil, verificamos que o dever de indenizar surge quando h uma relao de causalidade entre a conduta do agente causador do dano e o prejuzo gerado dessa conduta. No h dever de indenizar sem a ocorrncia do dano, como tambm dever ser demonstrada a relao entre a conduta do agente e o dano causado.

    Logicamente voc se lembra que existe o dever do armador, do transportador, do operador do navio, em indenizar, por exemplo, o proprietrio da carga pelos prejuzos causados mesma em decorrncia das condutas de seus tripulantes. Aqui no h qualquer conduta, em princpio, do armador do navio, mas mesmo assim ele tem o dever de indenizar os danos causados pela ao ou omisso de algum tripulante do navio. Esse dever, como vimos acima, advm da relao de emprego existente entre o armador e o martimo. Contudo, deve ser demonstrado que o dano foi causado pela conduta (ao ou omisso) do tripulante, ou seja, que h o nexo de causalidade entre a conduta do martimo e o dano causado carga para que o armador tenha o dever de indenizar aquele que sofreu os prejuzos.

    Feita essa observao importante, fica claro que nem sempre quem pratica a conduta ser o responsvel pela indenizao dos prejuzos causados. Porm, para a atribuio do dever de indenizar ao responsvel, como o caso do armador pela conduta de seus tripulantes, deve ser demonstrado que seus agentes causaram os prejuzos pelas suas condutas, sejam elas positivas (ao) sejam elas negativas (omisso).

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    Relembrando o que consta do Cdigo Civil, vimos que o art. 186 estabelece que aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, causar dano a outrem, comete ato ilcito e, por via de conseqncia, surge o dever de indenizar (art. 927 do Cdigo Civil).

    Essa relao recebe o nome de nexo de causalidade. Veja o esquema que se segue:

    Matusalm Gonalves Pimenta8 ensina com propriedade que a relao de causalidade, entre o ato ilcito e o dano experimentado pela vtima, elemento indispensvel para fazer nascer a obrigao de indenizar.

    Mesmo no caso da responsabilidade civil objetiva que, como vimos, independe de culpa ou dolo do causador do dano, h necessidade da relao de causalidade entre a conduta do agente e o dano. Para facilitar o entendimento, vamos destacar essa noo:

    Responsabilidade subjetiva: o nexo de causalidade formado pela conduta culposa ou dolosa e o resultado.

    Responsabilidade objetiva: o nexo de causalidade formado pela conduta, independentemente da existncia ou no de culpa em sentido amplo, e a previso legal de responsabilizao sem culpa.

    O q u e s e r ia , e n t o , a i mp u t a b i l id a d e c i v i l ?

    A imputabilidade civil justamente a possibilidade de se atribuir, de se imputar ao agente causador do dano a responsabilidade pela indenizao. Ela advm da relao entre a sua conduta no plano real e o dano causado por essa mesma conduta. Imputa-se, portanto, o dever de indenizar os prejuzos gerados pelo dano a quem deu causa a este mesmo dano.

    Como a responsabilidade de indenizar os danos pode ser atribuda a quem no praticou a conduta diretamente, ficamos com os ensinamentos de J. Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha Gomes que explicam ser a relao de causalidade o vnculo jurdico direto ou indireto, entre o agente causador do dano, a vtima e o fato, para efeito de imputabilidade da responsabilidade civil9.

    8 Matusalm Gonalves Pimenta, Responsabilidade Civil do Prtico, pp. 24-25.

    9 J. Haroldo dos Anjos & Carlos Rubens Caminha Gomes, Curso de Direito Martimo, p. 229.

    Conduta de uma pessoa ao ou

    omisso Nexo de causalidade

    Dano causado ao bem jurdico tutelado

    pelo Direito

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    NN eess ss ee mm oommeenn ttoo ,, cc aa bb ee -- nn ooss pp ee rrgg uu nn ttaa rr aa vv oocc oo ss ee gguu ii nn ttee :: ss eerr qq uuee ttoo dd aa cc oonn dduu ttaa qquuee cc aauuss ee aa ll gguu mm ddaannoo aa oouu tt rr aa pp eess ss ooaa ddeevv ee gg ee rr aa rr oo dd eevv ee rr dd ee ii nn dd eenn ii zz aa rr ?? OO qq uu ee vv oocc pp eennss aa aa rr eess ppee ii tt oo ??

    Como voc deve ter imaginado, h causas que podem justificar a conduta do agente e levar a excluso do dever de indenizar. Essas causas recebem a denominao de causas excludentes da responsabilidade civil e, por via de conseqncia, do dever de indenizar.

    Excludentes da responsabilidade so, em uma anlise mais tcnica, fatos que impedem a concretizao do nexo de causalidade e, desta forma, eliminam o dever de indenizar pelos prejuzos causados.

    11 .. 33 ..11 CCaauussaass ddee eexxcclluussoo ddaa rreessppoonnssaabbii ll iiddaaddee cc iivvii ll ddoo tt rraannssppoorr ttaaddoorr mmaarr tt iimmoo

    Como ressalta Eliana M. Octaviano Martins, em regra, a responsabilidade civil do transportador do tipo objetiva10. Como reconhecido pelos tribunais, a responsabilidade do transportador independe de culpa e decorre do risco por ele assumido no contrato de transporte. Contudo, provando o transportador martimo a ocorrncia de algumas das causas de excluso da responsabilidade poder se eximir de indenizar os prejuzos gerados.

    A percepo da existncia dessas causas de excluso da responsabilidade de extrema importncia justamente pelo fato de, demonstradas pelo interessado, exclurem o dever de indenizar os danos causados.

    Portanto, dependendo das circunstncias do caso concreto, existem algumas hipteses de excluso da responsabilidade, como as que se seguem:

    a) ausncia do nexo de causalidade como ns vimos acima, a ausncia da relao de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano ocorrido exclui a responsabilidade de indenizar esse dano.

    b) culpa exclusiva da vtima a demonstrao da culpa exclusiva da vtima causa excludente da responsabilidade no transporte martimo. Imaginemos a situao de o embarcador ter ovado um continer sem se preocupar com a peao e o escoramento da carga em seu interior. Como o transportador recebe o continer lacrado, havendo avaria por corrimento da carga dentro do continer, o armador est isento do dever de indenizar j que a avaria pode ser atribuda exclusivamente vtima. Devemos destacar que a culpa da vtima, para excluir a responsabilidade civil do transportador, deve ser exclusiva. Se a culpa for concorrente, ou seja, se o transportador tiver contribudo para a ocorrncia do dano, no haver a excluso da responsabilidade civil do armador. Porm, haver uma reduo proporcional no montante a ser indenizado justamente pela concorrncia da vtima na ocorrncia do dano.

    10 Eliana M. Octaviano Martins, Curso de Direito Martimo, vol. II, p. 548.

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    c) fato exclusivo de terceiro do mesmo modo, a demonstrao de que o evento danoso ocorreu em decorrncia exclusiva da atuao de um terceiro que no o transportador ou seus prepostos, bem como da vtima, tambm exclui a responsabilidade do transportador martimo de indenizar os danos. Podemos citar, como exemplo, um ataque terrorista a um terminal de carregamento, tendo a tripulao do navio cumprido com preciso as regras constantes do ISPS Code. Atingido o navio e avariando a carga, como no pode imputar tripulao do navio qualquer responsabilidade pelo evento ocorrido, no nasce para o transportador martimo o dever de indenizar.

    d) caso fortuito ou fora maior alguns autores consideram essas expresses como sinnimas, enquanto que outros fazem uma diferenciao, embora os efeitos sejam os mesmos. Podemos defini-los como fatos necessrios, cujos efeitos no eram possveis de se evitar ou impedir. Os autores que diferenciam caso fortuito de fora maior dizem que, enquanto que o caso fortuito decorre de acontecimento derivado da fora da natureza, a fora maior advm de acontecimento derivado da ao humana. Entretanto, como os efeitos so os mesmos, qual seja, a excluso da responsabilidade civil, no h qualquer prejuzo se os tratarmos como sinnimos, como o fazem diversos autores que escrevem sobre Direito Martimo.

    De uma forma geral, esses eventos devem ser inevitveis, tornando o cumprimento das obrigaes advindas do contrato de transporte martimo invivel ou impossvel. Normalmente so conhecidos como acts of God (atos de Deus) ou perils of the sea (perigos do mar). O Cdigo Civil brasileiro prescreve em seu art. 393 que o devedor no responde pelos prejuzos resultantes de caso fortuito ou fora maior, se expressamente no se houver por eles responsabilizado. Como as condies de tempo e de mar adversos no podem ser reputadas como fatos incomuns em uma viagem martima, a demonstrao da configurao do caso fortuito ou da fora maior depender de exame preciso em cada caso concreto. Podemos arriscar como exemplo de caso fortuito ou fora maior o furaco Katrina que varreu o Golfo do Mxico e atingiu a cidade norte-americana de Nova Orleans.

    Os danos eventualmente causados a carga estivada no convs de um navio atracado no porto de Nova Orleans no seriam indenizveis pelo transportador martimo se no ficasse demonstrado que este contribuiu para os danos causados.

    e) vcio prprio trata-se de todo evento danoso, previsvel ou imprevisvel, resultante da prpria natureza da carga sem que o transportador martimo tenha contribudo para a sua ocorrncia excluir sua responsabilidade pela indenizao. Eliana M. Octaviano Martins define vcio prprio como sendo a propriedade intrnseca da mercadoria que tende a se autodestruir ou auto-avariar11. Temos como exemplo a inadequabilidade da embalagem de acordo com os usos, costumes e recomendaes oficiais j que esta se equipara a vcio prprio da mercadoria por expressa disposio legal (Decreto n 64.387/69).

    Embora no tenham muito interesse para o direito martimo, sobretudo pelas obrigaes geradas pelo contrato de transporte, tambm so causas de excluso da responsabilidade a legtima defesa, o estado de necessidade e o exerccio regular de direito. Exclui-se a responsabilidade civil justamente porque essas condutas no so consideradas como atos ilcitos pelo Cdigo Civil.

    11 Eliana M. Octaviano Martins, Curso de Direito Martimo, vol. II, p. 554.

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    11 .. 33 ..22 CC ll uu ss uu llaa ss dd ee ll iimm ii tt aa oo dd ee rr eesspp oo nn ssaa bbii ll ii ddaadd ee

    Em primeiro lugar, devemos fazer uma diferenciao entre a clusula de no indenizao e a clusula de limitao de responsabilidade. A clusula de no indenizao, ou de exonerao de responsabilidade, constante nos contratos de transporte martimo isentando o transportador por danos causados carga embarcada, como regra geral, no aceita pelo Direito brasileiro. tida como no escrita. Entretanto, para ser eficaz, deve ser demonstrada a ocorrncia de algumas das excludentes acima referidas, dependendo, portanto, de investigao caso a caso.

    Por outro lado, a limitao da responsabilidade do transportador, que no se confunde com a excluso de responsabilidade, uma das caractersticas do prprio Direito Martimo, estando consagrada em diversas convenes internacionais (Regras de Haia, Haia-Visby, Hamburgo e Cogsa).

    As peculiaridades e os riscos que envolvem a atividade de transporte martimo fizeram com que o direito convencional internacional estabelecesse essas clusulas limitadoras de responsabilidade.

    Normalmente, essas clusulas que limitam a responsabilidade do transportador so aceitas pelo nosso Direito. Assim dispe o art. 750 do Cdigo Civil brasileiro:

    Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, comea no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando entregue ao destinatrio, ou depositada em juzo, se aquele no for encontrado.

    Ainda podemos encontrar outras clusulas de limitao de responsabilidade do transportador por negligncia do comandante do navio ou de sua tripulao, referentes a caso fortuito ou fora maior, e por a afora.

    A limitao da responsabilidade do proprietrio da embarcao (ou do transportador ou armador) diz respeito ao montante da indenizao. Este limite ser composto pelo valor da embarcao (incluindo as mquinas e os demais acessrios do navio), e pelo valor do frete (mesmo que ainda no tenha sido pago ao transportador).

    Estabelecido pela legislao, o proprietrio da embarcao somente responde at a concorrncia do valor desta, dos acessrios e do frete:

    a) pelas indenizaes devidas a terceiros em virtude de prejuzos causados em terra ou no mar por faltas do Comandante, da tripulao, do Prtico ou de qualquer outra pessoa a servio da embarcao;

    b) pelas indenizaes devidas em virtude de prejuzos causados tanto carga entregue ao Comandante para ser transportada, como a todos os bens e objetos que se acharem a bordo; c) pelas obrigaes resultantes do conhecimento; d) pelas indenizaes devidas em virtude de uma falta nutica cometida na execuo de um contrato; e) pela obrigao de remover uma embarcao afundada e pelas obrigaes que com ela tenham relao; f) pelas remuneraes de assistncia e salvamento;

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    g) pela cota de contribuio que incumbe ao proprietrio nas avarias comuns; h) pelas obrigaes resultantes de contratos celebrados ou das operaes efetuadas pelo Comandante em virtude de seus poderes legais, fora do porto de registro da embarcao, para as necessidades reais da conservao da embarcao ou da continuao da viagem, desde que essas necessidades no provenham nem de insuficincia nem de defeito do equipamento ou do aproveitamento no comeo da viagem.

    Na prxima subunidade vamos exemplificar algumas hipteses de excluso da responsabilidade por acidentes e fatos da navegao.

    11 ..44 AACCIIDDEENNTTEE SS EE FF AATTOOSS DDAA NNAAVV EEGGAAOO EE AA RREESSPPOONNSS AABBIILL IIDDAADDEE CC IIVVIILL NNOO DD IIRREEIITTOO MMAARRTTIIMMOO

    Carssimo navegador, passamos agora a estudar os acidentes e fatos da navegao e a sua relao com a responsabilidade civil do armador. Em primeiro lugar, precisamos saber o que so considerados acidentes e fatos da navegao.

    As relaes dos eventos que so considerados acidentes e fatos da navegao encontram-se nos artigos. 14 e 15 da Lei n. 2.180, de 05 de fevereiro de 1954, que trata do Tribunal Martimo. Assim, para o legislador brasileiro, consideram-se acidentes da navegao:

    a) naufrgio, encalhe, coliso, abalroao, gua aberta, exploso, incndio, varao, arribada e alijamento;

    b) avaria ou defeito no navio, nas suas instalaes, que ponha em risco a embarcao, as vidas e fazendas de bordo.

    Por sua vez, so fatos da navegao:

    a) o mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcao para o servio em que utilizada e a deficincia da equipagem;

    b) a alterao da rota; c) a m estivao da carga, que sujeite a risco a segurana da expedio; d) a recusa injustificada de socorro embarcao em perigo; e) todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurana da

    embarcao, as vidas e fazendas de bordo;

    f) o emprego da embarcao, no todo ou em parte, na prtica de atos ilcitos, previstos em lei como crime ou contraveno penal, ou lesivos Fazenda Nacional.

    Como vamos estudar na prxima subunidade, a responsabilidade civil pode ser classificada em responsabilidade contratual e extracontratual. Na primeira, o dever de indenizar tem como fundamento a existncia de um contrato, enquanto que na segunda espcie inexiste qualquer negcio jurdico entre o responsvel pela indenizao e a pessoa atingida pelo dano.

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    Pois bem, no caso da responsabilidade civil advinda de acidentes e fatos da navegao, podemos ter tanto a responsabilidade contratual quanto a responsabilidade extracontratual. De forma geral, a responsabilidade civil decorrente de acidentes e fatos da navegao se situa no mbito da responsabilidade extracontratual quando a vtima que sofre danos um terceiro, outras embarcaes, a estrutura porturia, o meio ambiente. Por sua vez, no que se refere a avarias ocorridas na carga embarcada no navio, mesmo que resultante de acidentes e fatos da navegao, o entendimento majoritrio que, se o transportador martimo concorreu para a ocorrncia do acidente ou fato da navegao, a sua responsabilidade ser contratual.

    Assim, em relao a terceiros, a responsabilidade ser subjetiva por ser extracontratual, devendo ser demonstrada a culpa, em sentido amplo, da tripulao do navio ou a concorrncia do armador para a ecloso do evento que gera o dano (seja no caso de acidente ou fato da navegao). No sendo demonstrada a culpa ou incidindo qualquer causa de excluso de responsabilidade, como visto acima, no h que se falar em responsabilidade civil e, por conseqente, em dever de indenizar. Vamos dar dois exemplos para facilitar o entendimento: o primeiro com a configurao do dever de indenizar e o segundo com a excluso desse dever.

    Verifique seus conhecimentos. Responda a tarefa abaixo.

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 55

    Durante a viagem entre os portos do Rio de Janeiro e Salvador, o navio no qual voc trabalha perdeu o hlice e, em decorrncia da perda da governabilidade, abalroou uma embarcao de pesca que apresentou algumas avarias. Diante dessa situao, o armador ter o dever de indenizar a embarcao pesqueira? Qual a defesa que poder utilizar para se eximir da responsabilizao pelos danos causados na outra embarcao? A responsabilidade do armador frente ao proprietrio da embarcao de pesca da espcie contratual ou extracontratual? _______________________________________________________________________________

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    Imaginemos a seguinte situao: um navio navegando prximo costa perde o seu leme porque colidiu com um obstculo submerso no demarcado nas cartas nuticas. Em decorrncia da perda de sua capacidade de manobrabilidade, abalroa uma outra embarcao causando danos a essa. Pergunta-se: o armador do navio que perdeu o leme tem o dever de indenizar os danos causados ao outro navio? Respondemos da seguinte forma: depende! Se o comandante do navio avariado tinha condies de evitar o abalroamento em decorrncia da execuo de uma srie de

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    procedimentos tais como parar a mquina, sinalizar segundo o CIS, solicitar assistncia pelo VHF, etc., e no o fez, teramos, em tese, o dever de indenizao, pois o acidente pode ser reputado conduta culposa do comandante do navio avariado, mesmo que a origem do acidente da navegao tenha sido um caso fortuito (a coliso com o objeto sinalizado). Por outro lado, se o comandante do navio adotou todos os procedimentos cabveis e possveis para evitar o abalroamento e, mesmo assim, no foi possvel evitar o acidente em decorrncia, por exemplo, da proximidade do outro navio e o espao restrito para manobra (um canal de navegao, por exemplo) a teramos a excluso da responsabilidade civil. Perguntamos a voc, perspicaz leitor: o proprietrio do navio que foi abalroado ficar com seu prejuzo? Entendemos que no pois poder entrar com uma ao em face do Estado que deveria identificar e sinalizar os perigos navegao e no o fez.

    Vamos para o segundo exemplo: imaginemos que o chefe de mquinas de um navio tenha identificado um problema no eixo propulsor que poderia causar um grave problema na manobrabilidade do navio, tendo de pronto comunicado ao comandante do navio o ocorrido. Esse, preocupado com a situao, entrou em contato via Inmarsat com a empresa armadora requerendo o concerto no primeiro porto de escala do navio. A empresa, por sua vez, no tomou nenhuma providncia em nenhum dos portos de escala que o navio veio a operar nos meses seguintes, sendo que em diversas oportunidades foi contatada pelo Comandante do navio do agravamento das condies da embarcao. Ao entrar demandar a barra, o eixo do navio quebra e este abalroa outro navio, causando srias avarias em se costado.

    Pergunto a voc: o armador do navio responsvel pelo abalroamento ter que indenizar os prejuzos causados na outra embarcao? A resposta positiva. Voc poderia indagar se no seria caso fortuito ou fora maior j que houve um problema de ordem mecnica com a propulso do navio. Entretanto, diante do prvio conhecimento do armador das condies das mquinas do navio informadas pelo Comandante e a omisso do mesmo em reparar de pronto o problema, trouxe para si a responsabilidade pelos eventos danosos que viesse ocorrer pela sua culpa.

    Em relao ao embarcador ou proprietrio da carga, a responsabilidade ser contratual, substanciada no contrato de transporte martimo, no caso do acidente ou fato da navegao ter ocorrido por culpa do prprio transportador ou, ainda, na hiptese de culpa concorrente. Assim configurada, basta demonstrar o nexo de causalidade entre o acidente ou o fato da navegao e as avarias na carga para gerar o dever de indenizar por parte do transportador.

    Na subunidade vice vai estudar a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual com mais detalhes.

    11 .. 55 AA RREE SS PP OONN SS AABB IILL IIDD AADD EE CCOO NNTTRR AATTUU AALL EE EEXX TTRR AACC OO NN TTRR AATTUU AALL DDEE AACC OORRDD OO CCOO MM OO DD II RREE IITTOO MM AARR TT IIMM OO

    A atividade martima, por sua complexidade, apresenta a participao de diversos atores

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    intervenientes. Para estabelecer as obrigaes de cada uma dessas pessoas, so celebrados diversos tipos de contratos Portanto, o Direito Martimo Comercial reconhece diversas espcies de contratos os quais regulam as relaes recprocas em cada rea de atuao. Como conseqncia dessa multiplicidade de pessoas atuantes na atividade comercial internacional, h tambm diferentes tipos de responsabilidade civil prprias de cada setor da atividade. Por exemplo, h a responsabilidade civil contratual atinente ao contrato de fretamento, do contrato de transporte martimo, dos contratos de trabalho celebrados pela tripulao e a empresa de navegao, do contrato de reboque, do contrato de reparo celebrado com estaleiros, a responsabilidade civil do prtico, da agncia martima, dos operadores porturios.

    Em virtude do objeto especfico de nosso estudo, vamos dedicar maior ateno ao contrato de transporte martimo e a responsabilidade da empresa de navegao em relao aos bens que so transportados pelo navio. Mais adiante, em outra unidade, vamos analisar com mais profundidade a responsabilidade civil do armador por danos causados ao meio ambiente pela operao do navio.

    VVoocc eenntt eenndd ee qq uuee aa rree ss ppoonn ss aa bb ii ll iidd aa dd ee dd oo aa rr mmaadd oo rr ppee rr aanntt ee oo pp rr oo pprr iiee tt rr ii oo dd aa cc aarr gg aa ee mmbb aa rrccaa dd aa ccoo nntt rr aatt uu aa ll??

    Como visto at aqui, em geral, a responsabilidade decorre do no cumprimento de obrigaes contratuais ou advm de acontecimentos aleatrios em decorrncia de danos por acidentes ou fatos da navegao. No primeiro caso, temos o descumprimento de clusulas contratuais nos contratos de afretamentos, transportes, seguros etc., e, no segundo caso, as colises, os abalroamentos, poluio, avarias, ou qualquer outro tipo de sinistro.

    Comearemos nossa anlise do tema ora proposto pela diviso clssica feita pelos estudiosos, os quais dividem a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Essa forma de dividir o estudo da responsabilidade civil se relaciona com a origem do dever jurdico que violado pelo agente causador do dano.

    Como vimos acima, a responsabilidade civil pode advir do descumprimento de uma obrigao, da inobservncia de uma regra contida em um contrato, bem como do descumprimento de deveres que nos so impostos pela prpria sociedade atravs do Direito.

    A responsabilidade civil pode ter sua origem no descumprimento de um contrato, bem como em condutas que independem da existncia de qualquer negcio jurdico entre as partes envolvidas. No primeiro caso, temos a responsabilidade civil contratual; no segundo, a responsabilidade civil extracontratual12.

    A responsabilidade civil contratual tem origem em um vnculo obrigacional, gerado por um contrato entre as partes, que liga o causador do dano (agente) pessoa que o sofre (vtima). Havendo um negcio jurdico entre as partes (um contrato de transporte martimo, por exemplo),

    12 A responsabilidade civil extracontratual tambm conhecida como responsabilidade civil aquiliana.

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    os prejuzos causados pelo descumprimento desse contrato (ou de alguma de suas clusulas), gera o dever de indenizar ao causador do dano, sendo essa responsabilidade civil classificada como contratual.

    O Cdigo Civil de 2002 trata da responsabilidade civil contratual em seu art. 389 e seguintes:

    Art. 389. No cumprida a obrigao, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualizao monetria segundo ndices oficiais regularmente estabelecidos, e honorrios de advogado.

    No Direito Martimo, o no cumprimento de obrigaes impostas pelos diversos contratos que so celebrados tambm gera o dever de indenizar eventuais danos causados ao outro contratante.

    Em relao utilizao direta do navio no comrcio internacional, os principais contratos podem ser divididos em dois grupos:

    a) contratos de cesso de uso do navio, que so exemplos o contrato de locao, afretamento a casco nu, arrendamento, etc.;

    b) contratos de transporte de cargas, que podemos citar o fretamento time charter, total ou parcial, o fretamento por viagem, fretamento por tempo determinado, o fretamento por conhecimento, bem como o contrato de transporte por volume.

    Ressaltam Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha Gomes13 que nos contratos de cesso de uso e de transportes de cargas, relacionados com as embarcaes em geral, o critrio de aferio da responsabilidade civil do armador ou do transportador, para fins de indenizao dos danos ou prejuzos causados aos usurios do srvio, aplica-se em regra a teoria da responsabilidade objetiva, em decorrncia do risco profissional atribudo queles que exploram as atividades perigosas.

    A indenizao, portanto, independe de prova de culpa do armador ou do transportador feita pelo usurio do servio, no caso de descumprimento contratual. No quer dizer que, pelo simples fato de a responsabilidade contratual independer de demonstrao de culpa do armador ou transportador que haver o pagamento da indenizao ao afetado. Caso o armador seja demandado judicialmente para ressarcir os prejuzos sofridos pelo proprietrio da carga, ele pode fazer prova da existncia de uma das excludentes de responsabilidade j estudadas anteriormente (caso fortuito, fora maior, vcio prprio, culpa exclusiva da vtima ou de terceiro, etc.).

    Assim, na eventualidade do proprietrio da carga, ao receb-la no porto de destino constatar que a mesma se encontra avariada no interior do continer, no precisar demonstrar a culpa do armador na ocorrncia do dano. Contudo, se ficar comprovado por meio de percia que a estiva dentro do continer (ova) no seguiu a melhor tcnica ou ento que as embalagens eram imprprias para o transporte daquela carga, quebra-se o nexo de causalidade da conduta do armador e o dano, advindo a culpa exclusiva de terceiros. Assim, o armador nada dever a ttulo de indenizao. No mximo o recebedor da carga poder demandar em juzo o responsvel pela

    13 J. Haroldo dos Anjos & Carlos Rubens Caminha Gomes, Curso de Direito Martimo, p. 236.

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    ova do continer para que esse pague pelos prejuzos causados pela estiva errada da carga no interior do continer.

    V-se, portanto, que mesmo sendo a responsabilidade contratual do tipo objetiva, ou seja, no havendo a necessidade de demonstrao da culpa do transportador ou do armador, este pode fazer prova de que o dano adveio de um fato que independia de sua conduta, demonstrando a quebra do nexo de causalidade.

    A responsabilidade civil extracontratual, grosso modo, tem origem no ato ilcito extracontratual, ou seja, que no tem suporte em um contrato entre as partes. Como vimos acima, no art. 927 do Cdigo Civil de 2002, aquele que, por ato ilcito, causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo. Portanto, para existir o dever do causador do dano indenizar os prejuzos advindos de sua conduta, no h necessidade da existncia de um contrato celebrado entre as partes envolvidas. Pelo simples fato de o agente ter praticado um ato ilcito, conforme definio do Cdigo Civil, surge para este o dever de indenizar os prejuzos causados.

    Conclui-se que a responsabilidade civil extracontratual aquela que gera o dever de indenizar a quem tenha agido com culpa em sentido amplo (dolo ou culpo em sentido estrito manifestada por uma das condutas que a qualificam: negligncia, impercia ou imprudncia) causando dano a outra pessoa. denominada extracontratual justamente porque inexiste qualquer relao contratual entre o causador do dano e a vtima que o sofre.

    OOss pprreessssuuppoossttooss ddaa rreessppoonnssaabbiilliiddaaddee eexxttrraaccoonnttrraattuuaall,, ccoonnffoorrmmee jj vviissttoo,, ssoo:: aa aaoo oouu oommiissssoo ccuullppoossaa ddoo aaggeennttee,, oo ddaannoo eexxppeerriimmeennttaaddoo ppeellaa vvttiimmaa,, ee aa rreellaaoo ddee ccaassuuaalliiddaaddee ((nneexxoo ddee ccaauussaalliiddaaddee)) eennttrree aa ccoonndduuttaa ee oo aannoo..

    Podemos citar como exemplo de responsabilidade civil extracontratual o caso de abalroamento ocorrido entre duas embarcaes em que se apure responsabilidade da tripulao de um dos navios, gerando o dever de indenizar o proprietrio do outro navio pelos prejuzos sofridos. Pela ausncia de uma relao contratual entre os proprietrios dos navios envolvidos no abalroamento, a responsabilidade civil ser extracontratual.

    Para encerrar esse tpico, destacamos que, enquanto na responsabilidade contratual cabe ao imputado o nus de provar a ausncia de culpa, pela incidncia de alguma causa excludente de responsabilidade, na responsabilidade extracontratual cabe a quem suporta o dano o nus de provar a culpa do infrator.

    Antes, entretanto, verifique seus conhecimentos respondendo a tarefa abaixo.

    TT aa rr ee ff aa 11 .. 66

    Considere que foi embarcada no navio que voc trabalha carga frigorificada em contineres e que, durante a viagem, os mecanismos de refrigerao da alguns contineres frigorficos apresentaram

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    defeito os quais no foram identificados pela tripulao por falta de inspeo rotineira. Diante dessa situao, o armador ter o dever de indenizar a carga avariada? Poder responsabilizar os tripulantes com atribuio de cuidado com a carga? A responsabilidade do armador frente ao proprietrio da carga contratual ou extracontratual? E a responsabilidade do tripulante frente ao armador? _______________________________________________________________________________

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    11..66 AASS RREESSPPOONNSSAABBIILLIIDDAADDEESS AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAASS AATTRRIIBBUUDDAASS AAOO PPEESSSSOOAALL AAQQUUAAVVIIRRIIOO,, NNOO QQUUEE TTAANNGGEE AAOO DDIIRREEIITTOO MMAARRTTIIMMOO

    A responsabilidade administrativa um assunto ligado ao Direito Administrativo, ou seja, com o ramo do Direito que regula a atuao da Administrao Pblica, seja de forma interna (na estrutura hierrquica da prpria Administrao), seja de forma externa, em relao aos administrados.

    Em uma diviso mais compartimentada do Direito Martimo, a professora Eliane M. Octaviano Martins14 reconhece que o direito martimo pblico pode ser dividido em internacional e interno. Faz parte do primeiro o Direito do Mar, que j mencionamos acima (ramo do direito que disciplina os espaos martimos); na segunda subdiviso, a professora coloca o direito martimo penal, o direito martimo processual, o direito martimo tributrio, entre outros.

    Destaca, porm, o direito martimo administrativo, definindo-o como sendo o conjunto de normas relativas administrao e a autoridade martima, inspeo naval, s funes e atividades dos rgos da administrao, criadas no mbito do interesse pblico.

    Nesse contexto, o Estado intervm diretamente na organizao dos transportes aquavirios, com destaque para a segurana da navegao, condio social do pessoal de bordo, Marinha Mercante, polcia dos portos, organizao e funcionamento do Tribunal Martimo, atividade de inspeo naval e controle do estado do porto, e por a afora.

    A atuao do Estado brasileiro na disciplina do transporte aquavirio intensa, havendo um nmero significativo de diplomas legais tratando da matria. Alm da prpria Constituio da Repblica de 1988, temos leis ordinrios, complementares, decretos, decretos legislativos,

    14 Eliane M. Octaviano Martins, Curso de Direito Martimo, vol. I, p. 14.

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    portarias, instrues normativas, todas elas integrando o que podemos denominar de ordenamento jurdico martimo.

    Por exemplo, a Lei no 9.432, de 08 de janeiro de 1997, dispe sobre a ordenao do transporte aquavirio e d outras providncias. Nos termos de seu art 1, essa Lei se aplica aos armadores, s empresas de navegao e as embarcaes brasileiras; s embarcaes estrangeiras afretadas por armadores brasileiros; aos armadores, s empresas de navegao e s embarcaes estrangeiras, quando amparados por acordos firmados pela Unio. Exclui-se de seu mbito de incidncia, por expressa disposio contida no pargrafo nico do mesmo art. 1, os navios de guerra e de Estado que no estejam empregados em atividades comerciais, as embarcaes de esporte e recreio, as embarcaes de turismo, as embarcaes de pesca e as embarcaes de pesquisa.

    Um exemplo de norma de natureza impositiva, eminentemente administrativa a contida em seu art. 4, segundo a qual nas embarcaes de bandeira brasileira sero necessariamente brasileiros o comandante, o chefe de mquinas e dois teros da tripulao. Trata-se de uma norma cogente de observncia obrigatria.

    Outra lei de extrema importncia em nosso ordenamento jurdico a Lei n 9.537, de 11 de dezembro de 1997 (Lesta), que dispe sobre a segurana do trfego aquavirio em guas sob jurisdio nacional e d outras providncias.

    11 .. 66 ..11 CC oo nn ccee ii tt oo dd ee gg uuaa ss jj uurr iissdd iicc iioo nn aa iiss bbrr aass ii llee ii rr aass

    Para termos uma real noo da incidncia das normas administrativas martimas devemos compreender o que significam guas jurisdicionais brasileiras. Encontramos a definio de guas jurisdicionais brasileiras (AJB) na NORMAM 0415, nos seguintes termos:

    a) as guas martimas abrangidas por uma faixa de doze milhas martimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, tal como indicada nas cartas nuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil, e que constituem o Mar Territorial (MT);

    b) as guas martimas abrangidas por uma faixa que se estende das doze s duzentas milhas martimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir o Mar Territorial, que constituem a Zona Econmica Exclusiva (ZEE);

    c) as guas sobrejacentes Plataforma Continental quando esta ultrapassar os limites da Zona Econmica Exclusiva; e

    d) as guas interiores, compostas das hidrovias interiores, assim consideradas rios, lagos, canais, lagoas, baas, angras e reas martimas consideradas abrigadas.

    15 A NORMAM 04 a norma da Autoridade Martima Autoridade Martima para Operao de Embarcaes Estrangeiras

    em guas Jurisdicionais Brasileiras

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    Portanto, verificamos que os conceitos de guas sob jurisdio nacional encontram-se harmonizadas com as regras da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar de 1982. Lembre-se, a Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar uma das mais importantes convenes internacionais da Organizao das Naes Unidas, sendo uma de suas maiores finalidades a disciplina dos espaos martimos, bem como a utilizao dos recursos do mar de forma sustentvel e em proveito da humanidade.

    11 .. 66 ..22 CC oo nncc ee ii tt oo dd ee AAuu tt oo rr iidd aa dd ee MM aa rr tt ii mmaa ee ss uuaass aa tt rr iibbuu ii eess ee dd ee llee gg aa tt rr iioo ss

    Antes de analisarmos as normas administrativas referentes aos aquavirios, parece importante estabelecermos o conceito de Autoridade Martima.

    SSee aallgguumm ppeerrgguunnttaarr aa vvoocc qquueemm aa AAuuttoorriiddaaddee MMaarrttiimmaa nnoo BBrraassiill oo qquuee vvoocc rreessppoonnddeerriiaa?? OO DDiirreettoorr ddee PPoorrttooss ee CCoossttaass oouu oo CCoommaannddaannttee ddaa MMaarriinnhhaa??

    Caso voc tenha respondido que a Autoridade Martima exercida pelo Comandante da Marinha, ento voc acertou.

    Veja o que diz a Lei Complementar n 97, de 09 de junho de 1999, que dispe sobre as normas gerais para a organizao, o preparo e o emprego das Foras Armadas, especificamente em seu art. 17 que trata das atribuies subsidirias da Marinha do Brasil16, nos seguintes termos:

    Art. 17. Cabe Marinha, como atribuies subsidirias particulares: I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa defesa nacional; II - prover a segurana da navegao aquaviria; III - contribuir para a formulao e conduo de polticas nacionais que digam respeito ao mar; IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas guas interiores, em coordenao com outros rgos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessria, em razo de competncias especficas. Pargrafo nico. Pela especificidade dessas atribuies, da competncia do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Martima", para esse fim. V cooperar com os rgos federais, quando se fizer necessrio, na represso aos delitos de repercusso nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, guas interiores e de reas porturias, na forma de apoio logstico, de inteligncia, de comunicaes e de instruo.

    Verifica-se, portanto, no destaque que fizemos no texto transcrito acima, que a Autoridade Martima atribuio conferida ao Comandante da Marinha.

    Todavia, o mesmo delega o seu exerccio aos denominados representantes da Autoridade Martima, nos termos da Portaria n, 156/MB, de 03 de junho de 2004, expedida pelo Exm Sr.

    16 So atribuies subsidirias todas aquelas conferidas Marinha do Brasil por norma legal e que no sejam

    relacionadas com a defesa da Ptria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, como estabelecido na Constituio Federal.

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    Comandante da Marinha, que estabelece a estrutura da Autoridade Martima e delega competncias para o exerccio das atividades especificadas.

    Assim, o Comandante da Marinha, no uso das atribuies que lhe so conferidas pelos art. 4, 17, pargrafo nico, e 19 da Lei Complementar n 97, delega competncias, concernentes Autoridade Martima, aos Titulares dos rgos de Direo Geral, de Direo Setorial e de outras Organizaes Militares.

    As autoridades militares que receberam a delegao para o exerccio das atividades atribudas Autoridade Martima so as seguintes:

    Chefe do Estado Maior da Armada (CEMA), Comandante de Operaes Navais (ComOpNav), Diretor Geral de Navegao (DGN), Diretor de Portos e Costas (DPC), Diretor de Hidrografia e Navegao (DHN) e Comandantes dos Distritos Navais (ComDN) e ao Comandante Naval da Amaznia Ocidental (CNAO).

    O Chefe do Estado-Maior da Armada designado como Assessor da Autoridade martima sendo responsvel pelo assessoramento ao Comandante da Marinha nos assuntos concernentes Autoridade Martima.

    Nos termos do art. 1, 2, do Anexo B da referida Portaria do Comandante da Marinha, so Representantes da Autoridade Martima:

    I - Representantes da Autoridade Martima para a Segurana da Navegao e o Meio Ambiente - responsveis pelos assuntos concernentes segurana da navegao, salvaguarda da vida humana no mar aberto e hidrovias interiores e preveno da poluio ambiental por parte de embarcaes, plataformas ou suas instalaes de apoio. Para o exerccio dessas atividades foram designados o Comandante de Operaes Navais e o Diretor-Geral de Navegao.

    So subordinados a eles o Representa