78
Universidade de Lisboa Faculdade de Direito DIREITO DA FAMILIA E DAS SUCESSÕES Volume I Introdução ao Direito da Família; Direito matrimonial e paramatrimonial Prof. Doutor Jorge Duarte Pinheiro/ Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Luís Nascimento/ João Castilho/ Vera Correia ® 2005/2006

Direito da Família - VOL.I[1]

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade de Lisboa Faculdade de Direito

DIREITO DA FAMILIA E DAS SUCESSÕES

Volume I Introdução ao Direito da Família; Direito matrimonial e paramatrimonial

Prof. Doutor Jorge Duarte Pinheiro/ Pereira Coelho e Guilherme de

Oliveira

Luís Nascimento/ João Castilho/ Vera Correia ®

2005/2006

2

INTRODUÇÃO GERAL AO DIREITO DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES . O enquadramento tradicional do Direito da Família e do Direito das Sucessões enquanto ramos do Direito Civil O Direito da Família e das Sucessões demarca-se dos demais ramos do Direito Civil, através da contraposição entre Direito Comum (Obrigações ou Reais) e Direito Institucional. Será que o Direito da Família é Direito Privado?

Para Jemolo a família «não pode ser reduzida a uma construção jurídica», reporta-se sobretudo a afectos, ou seja, é um instituto pré-jurídico, cuja essência não é susceptível de ser abarcada pela lei.

Para Carbonnier é um «não direito», dado que no âmbito familiar os indivíduos só praticam o Direito de longe em longe, quando não é possível agir de outra forma.

Para o Prof. Duarte Pinheiro estamos no campo do Direito privado, e aliás nenhuma das posições expostas nega a natureza jurídica ao Direito da Família.

Será que o Direito da Família é Direito Público?

Proliferação de normas injuntivas. Esta proliferação é motivada por razões de interesse público e circunscreve em muito a autonomia privada, princípio que é fundamental no campo do Direito Privado.

As principais situações jurídico familiares aparecem como deveres e não como direitos. Contudo, a lei alude às principais situações jurídicas emergentes do casamento e da relação de filiação como deveres e não como direitos (arts. 1672.º e 1874.º), destacando o aspecto da vinculação.

O estado intervém constantemente no momento da constituição e da extinção das relações jurídicas familiares. Tal é indispensável para efeitos de celebração e invalidação do casamento, divórcio, estabelecimento da filiação biológica, constituição do vínculo de adopção, não sendo de excluir a intervenção oficiosa do Estado em relações familiares já constituídas (arts. 1915.º, 1918.º e 1920.º CC).

Para o Prof. Duarte Pinheiro e se atendermos ao critério da posição dos sujeitos, o Direito da Família é Direito privado. Com efeito, os grupos familiares e parafamiliares não são entes públicos, e os seus membros actuam entre si destituídos de ius imperii. O regime jurídico da família, da união de facto, da convivência em economia comum e da

protecção dos menores e idosos é vasto e heterogéneo, integrando, a par das normas que estão vertidas no CC, outras que, descrevem e punem «crimes contra a família», regulam impostos de harmonia com a situação familiar ou parafamiliar dos contribuintes, atribuem direitos e benefícios aos trabalhadores e funcionários da Adm. Pública, uqe se integrem em relações familiares.

Assim, temos Direito Civil da Família e Direito não Civil da Família. . Referência ao objecto do Direito da Família e Sucessões Orientação tradicional:

Objecto do Direito da família: grupo de pessoas unidas entre si por relações jurídicas familiares. Objecto do Direito das sucessões: é a instituição, sucessão, transmissão por morte de situações

jurídicas patrimoniais.

Contudo, embora defina sucessão (art. 2024.º), o CC não define família. A doutrina tem, no entanto, definido família com base no primeiro art. do Livro IV do CC: a família é entendida como o grupo de pessoas unidas entre si por qualquer uma das relações jurídicas familiares que se extraem do art. 1576.º (o grupo constituído por duas pessoas que casaram uma com a outra relação matrimonial , por pai e filho exemplo de relação de parentesco , por sogro e genro exemplo de relação de afinidade ou adoptante e adoptado relação de adopção ).

A lei não confere personalidade jurídica nem personalidade judiciária. As fórmulas legais «bem da família» (art. 1671.º, n.º2) ou «interesses da família» (art. 1677.º-C, n.º1) não se traduzem o reconhecimento de um interesse jurídico autónomo de uma entidade colectiva.

No entanto, não estão em causa interesses individuais ou exclusivos das pessoas singulares que compõem o grupo, mas sim os interesses comuns Às pessoas singulares que integram a família. Não se

3

pretende aludir aos interesses individuais dos cônjuges (art. 1671.º, n.º2 e 1677.º-C, n.º1). Também não têm em vista os interesses individuais dos filhos. Quando alude à posição dos descendentes, o texto legal é mais preciso, usando expressões do género «interesse do filho» (arts. 1673.º, n.º1, 1776.º, n.º2, 1778.º, 1793.º, n.º1, 1878.º, n.º1).

A CRP qualifica a família como «elemento fundamental da sociedade» art. 67.º, n.º1 o que se reflecte numa constante intervenção do Estado no momento da constituição ou extinção do nexo de pertença ao grupo familiar.

Hoje o Direito da família alargou-se e não regula somente a família, mas também, as relações

parafamiliares.

Relações parafamiliares: aquelas cuja eficácia jurídica seja em larga medida idêntica àd as relações familiares ou aquelas em que, pelo menos, se verifique de facto uma vida em comum análoga à que de iure é exigida entre sujeitos de relações familiares (por exemplo, união de facto, relação entre esposados, entre ex-cônjuges, a vida em economia em comum, a relação entre tutor e tutelado, a relação entre um pessoa e outra que está a seu caro). Para além disso engloba também o que designaremos por protecção de crianças, jovens e idosos. . A autonomia científica e didáctica do Direito das Sucessões perante o Direito da Família

Prof. Leite de Campos: o Direito das sucessões é uma divisão do Direito da Família, uma parcela das normas sobre relações patrimoniais da família, não só porque a sucessão mortis causa «é familiar», mas também porque o património que se considera pertencer ao de cuius é mais familiar do que pessoal, havendo uma simples repartição dos bens entre aqueles que, muitas vezes já usufruem dos bens do de cuius.

Prof. Duarte Pinheiro: a sucessão não opera exclusivamente em benefício de familiares do de cuius; a propriedade só «é mais familiar do que pessoal» quando os bens integram o património comum dos cônjuges; e, mesmo nesta hipótese, o cônjuge sobrevivo não adquire, necessariamente por via hereditária, os bens que formavam o activo patrimonial comum. Assim, o Direito das Sucessões preocupa-se com o destino do património de uma pessoa que faleceu, ao passo que o Direito da Família ocupa-se das ligações pessoais e patrimoniais que se estabelecem entre pessoas vivas.

. O critério de relação jurídica familiar e as relações familiares nominadas A relação jurídica familiar é um conceito fulcral. A lei não apresenta uma definição. Em vez disso, o art. 1576.º CC (Livro IV), enumera aquilo que qualifica como fontes das relações familiares: casamento, parentesco, a afinidade e a adopção. Este elenco não é feliz pois o parentesco e a afinidade não são fontes ou factos constitutivos das ligações jurídicas familiares; são relações jurídicas familiares, cuja fonte são, a procriação e a conjugação do casamento-acto com a procriação. Quanto ao casamento e à adopção, podem ser entendidos ou como factos constitutivos (casamento-acto, acto de adopção) ou como relações jurídicas familiares (casamento-estado ou relação matrimonial). Assim, como fontes temos: o casamento enquanto estado ou relação matrimonial, o parentesco, a afinidade e o vínculo de adopção. A doutrina entende que não há relações jurídicas familiares para além das que se extraem do art. 1576.º CC, sendo pois taxativo. Deste modo, e como a lei qualifica certas relações familiares, e não podendo presumir-se a arbitrariedade da lei (art. 9.º, n.º3), haverá certamente um critério que presidiu à qualificação. A detecção do critério exige uma análise prévia das relações familiares nominadas.

4

. Relações familiares nominadas . Casamento O art. 1576.º define casamento. Daqui podemos extrair duas noções: Casamento-acto: contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste código. Casamento-estado: a relação matrimonial consiste no vínculo entre duas pessoas de sexo diferente que celebraram um contrato válido pelo qual se comprometeram a constituir família mediante uma plena comunhão de vida. A constituição do vínculo matrimonial faz-se por um contrato que tem de ser celebrado perante entidade com competência funcional para o acto (funcionário do registo civil, pároco ou ministro do culto) ou funcionário de facto, sob pena de inexistência (arts. 1628.º, al. a) e 1629.º CC), a não ser que se trate de casamento urgente. Carece ainda de registo civil obrigatório (art. 1651.º, n.º1 e 1669.º CC), salvo se tiver sido considerado como católico pelas autoridades eclesiásticas (arts. 1628.º, al. b) e 1264.º, n.º1, al. d) CC). Assim, temos uma plena comunhão de vida com deveres recíprocos de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art. 1672.º), e, de certa fora, num regime diferenciado em matéria de bens e dívidas (arts. 1678.º e ss). Com a morte de uma das partes, à outra cabe uma posição privilegiada na sucessão legal do de cuius (arts. 2133.º, n.º2 e 2157.º CC). A extinção do vínculo matrimonial por outro motivo que não a morte exige a intervenção de uma entidade estatal (conservador do registo civil) ou equiparada (autoridade eclesiástica). . Adopção O art. 1586.º CC define adopção (vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos arts. 1973.º e ss). à semelhança do casamento é um acto que tem de ser registado (art. 1.º, n.º1, al. c) do CRC). A extinção do vínculo de adopção só pode ter lugar por via judicial (arts. 1989.º, 1990.º, 1991.º, 1993.º, n.º1, 2002.º-B, 2002.º-C e 2202.º-D) ou por morte. Adopção: corresponde à relação que, independentemente dos laços de sangue, se estabelece entre duas pessoas, tendo como objecto situações jurídicas paternofiliais, e que é constituída por sentença judicial, decretada a pedido de uma das partes, o adoptante, na sequência de um processo próprio, o chamado processo de adopção.

A constituição do vínculo depende da vontade de uma das partes, o adoptante (arts. 1990.º, n.º1, al. a) e 1993.º, n.º1) e faz-se por sentença judicial (art. 1973.º, n.º1), que tem de ser proferida num processo próprio. Em razão dos efeitos, distingue-se: Adopção plena: é equiparada à filiação biológica e extingue normalmente as relações familiares entre o adoptado e a sua família biológica (art. 1986.º). Adopção restrita: não acarreta a extinção total das situações jurídicas familiares entre o adoptado e os seus parentes (art. 1994.º) nem uma ligação familiar entre o adoptado e os parentes do adoptante.

Comum às duas espécies de adopção é a atribuição ao adoptante do poder paternal sobre o

adoptado (art. 1997.º). Pelo exposto, a noção legal de adopção, enquanto «imitação da filiação natural», se ajusta melhor à adopção plena.

5

. Parentesco O art. 1578.º define parentesco (vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum). Trata-se de uma relação de consanguinidade e determina-se por linhas e por grau (cada geração forma um grau e a série dos graus constitui a linha de parentesco art. 1579.º). Quando uma das pessoas descende da outra, diz-se que são parentes na linha recta; quando nenhuma das pessoas descende da outra, mas ambas procederam de um progenitor comum, diz-se que são parentes em linha colateral (art. 1580.º, n.º1).

Antónia

1.º grau da linha recta (pais)

Bento Raul 2.º grau da linha colateral (irmãos)

3.º grau na linha 2.º grau na linha colateral (tios) recta (avó)

Daniel Eduarda 4.º grau da linha colateral (primos)

O parentesco na linha recta pode ser descendente ou ascendente (art. 1508.º, n.º2). Fora do âmbito do Título I do Livro IV do CC, a lei distingue entre linha paterna e materna (art. 1952.º, n.º3). A fonte do parentesco é a procriação, mas «os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida» (1797.º, n.º1). NO entanto, a filiação não legalmente estabelecida releva, excepcionalmente, nos termos do art. 1603.º. e o estabelecimento da filiação tem eficácia retroactiva (art. 1797.º, n.º2). Trata-se de um facto sujeito a registo civil obrigatório (art. 1.º, n.º1, al. b) CRC), pelo que, em regra, a eficácia do parentesco só opera havendo registo da filiação estabelecida (art. 2.º CRC). Nos termos do art. 1582.º, salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau da linha recta e até ao sexto grau da linha colateral. O direito de representação na sucessão legal em benefício dos descendentes do irmão do autor da sucessão (arts. 2024.º, 2133.º, n.º1, al. c) e 2145.º) constitui um dos raros exemplos em que o parentesco releva na linha colateral para além do sexto grau. A mais relevante espécie de relação de parentesco é a relação de filiação. Os principais efeitos específicos da relação de filiação são a vinculação recíproca dos respectivos sujeitos aos deveres de respeito, auxílio e assistência (art. 1874.º) e a sujeição dos filhos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação (arts. 1877 e ss). Temos também a relação que liga parentes em linha recta (avós) ou colateral (irmãos), as quais são protegidas contra o exercício abusivo do poder paternal (art. 1887.º-A). Entre os efeitos do parentesco que se produzem em vida de ambos os sujeitos da relação, é de destacar a obrigação de alimentos, que recai sobre os descendentes, os ascendentes, os irmãos e os tios, pela ordem indicada (art. 2009.º). Além disso, o parentesco produz efeitos no domínio matrimonial (art. 1602.º, als. a) e b) e c)). Entre os efeitos do parentesco que se produzem por morte de um dos sujeitos da relação, ou seja, os efeitos da extinção do parentesco por morte, assinale-se os que operam no campo da sucessão legal hereditária, por exemplo, os descendentes, os ascendentes, os irmãos e seus descentes e outros parentes na linha colateral até ao 4.º grau integram, respectivamente a 1.ª, a 2.ª, a 3.ª e 4.ª classes de herdeiros legítimos (art. 2133.º, n.º1). O parentesco tem relevância ainda no campo da legitimidade para requerer providências destinadas a tutelar a memória do falecido (arts. 71.º, n.º2, 73.º, 75.º, n.º2, 76.º, n.º2 e 79.º, n.º2), da atribuição do direito a indemnização dos danos não patrimoniais causados por morte da vítima (art. 496.º, n.º2) e da transmissão por morte do arrendamento para habitação (arts. 1106.º CC e ainda art. 57.º do NRAU Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro). A relação de parentesco extingue-se com a morte de um dos sujeitos ou por acção judicial.

6

. Afinidade Afinidade: é o vínculo que liga cada um dos cônjuges ao parente do outro (art. 1584.º). Depende, pois da celebração de um casamento e da existência de uma relação de parentesco entre uma pessoa e um dos cônjuges. A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco. Note-se que não há relação de afinidade de um cônjuge e os parentes do outro (por ex: compadres). Tendo como fontes o casamento e a procriação em regra, a eficácia da afinidade apenas pode ser invocada se a filiação estiver legalmente estabelecida e se este facto e o casamento tiverem sido registados. A espécie de relação de afinidade com maior importância é a afinidade na linha recta, designadamente, a que liga os sogros e noras e genros; e padrastos aos enteados (estes últimos obrigados a obrigação de alimentos relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste art. 2009.º, n.º1, al. f)). A afinidade na linha recta é um dos impedimentos dirimentes ao casamento (art. 1602.º, al. c)). O Afim na linha recta pode beneficiar da transmissão por morte do arrendamento para habitação (art. 1106.º CC e 57.º NRAU). A afinidade não corresponde a um facto designativo na sucessão hereditária legal, não confere legitimidade para requerer providências destinadas a tutelar a memória do falecido, nem fundamenta a indemnização dos danos não patrimoniais causados por morte da vítima. Por força do art. 1585.º, 2.ª parte, afinidade não cessa pela dissolução do casamento, o que significa que o vínculo subsiste após a extinção da relação conjugal. O vínculo de afinidade extingue-se ex tunc com a anulação e a nulidade do casamento, a não ser que ambos os cônjuges estivessem de boa fé ao celebrar o acto. Então, aquele vínculo produzirá efeitos até ao trânsito em julgado da sentença de anulação ou de declaração de nulidade (art. 1647.º). Extingue-se também retroactivamente nas situações de extinção retroactiva do vínculo de filiação do qual decorre o parentesco de um dos cônjuges. Por fim a afinidade extingue-se ex nunc com a morte de um dos sujeitos da relação e com a adopção plena do parente do cônjuge, salvo se o adoptado for filho do cônjuge do adoptante (art. 1986.º). Ao determinar a cessação do parentesco entre o adoptado e o cônjuge, a adopção plena elimina o vínculo de que depende a relação de afinidade. . A obrigação de alimentos enquanto efeito jurídico das relações jurídicas familiares Ao atribuir-lhe o título V do Livro IV do CC, o legislador reconheceu a especial preponderância dos alimentos no Direito da Família. A obrigação de alimentos é um efeito susceptível de se verificar em todo o tipo de relações familiares. No elenco de pessoas vinculadas à prestação legal de alimentos figuram o cônjuge, parentes e afins (art. 2009.º, n.º 1); à adopção plena aplicam-se as regras do parentesco em matéria de alimentos, por força do art. 1986.º, o vínculo de adopção constitui uma obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 2000.º; à filiação por consentimento não adoptivo aplica-se analogicamente o regime dos efeitos do parentesco, dada a semelhança juridicamente relevante que a lei admite existir, implicitamente, entre aquela modalidade de filiação e a filiação biológica (art. 1839.º, n.º3). Em reforço da importância do tema no domínio jusfamiliar, assinalemos ainda a litigiosidade que se desenrola em torno dos alimentos devidos aos filhos por pais separados ou divorciados e entre cônjuges separados ou ex-cônjuges, bem como os sinais preocupantes de uma menor disponibilidade estatal de recursos financeiros para prestações de índole social. Não obstante, a obrigação de alimentos não tem natureza jurídica familiar, podendo vincular uma pessoa perante outra sem que entre elas exista ou tenha existido qualquer laço família (art. 2009.º, n.º1, al. a)). A relação em que se inscreve os alimentos tão-pouco corresponde a uma relação parafamiliar: não há necessariamente uma vida em comum entre credor e o devedor de alimentos. Será por isso somente efeito de relações familiares ou relação acessoriamente familiar (aliás, apresenta estrutura obrigacional). Alimentos: prestações que visam prover a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário de uma pessoa, compreendendo também o que é necessário à instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (art. 2003.º).

7

A obrigação de alimentos pode ter por fonte um negócio jurídico (arts. 2014.º, n.º1, 2973.º e 2273.º) ou um facto não negocial (obrigação legal de alimentos), nomeadamente um vínculo familiar (art. 2009.º, n.º1 encontramos aqui o elenco de pessoas vinculadas a prestar alimentos). O art. 2011.º prevê a hipótese de o alimentando ter disposto de bens por doação que lhe pudessem assegurar meios de subsistência. Neste caso a obrigação de alimentos recai, no todo ou em parte, sobre o donatário ou donatários, segundo a proporção do valor dos bens doados, e não sobre as pessoas designadas nos artigos anteriores; É patente uma certa conexão entre a regulamentação da obrigação legal de alimentos e a regulamentação sucessória legal: (por exemplo: semelhança entre classes de pessoas vinculadas à obrigação de alimentos (art. 2009.º, n.º1) ou as remissões expressas para as regras da sucessão legítima (arts. 2009.º, n.º2 e 2010.º, n.º1) ou ainda no art. 2166.º, n.º1). Atendendo a isto, já se pretendeu fundar a obrigação legal de alimentos no direito à sucessão: os alimentos seriam um ónus da sucessão legal a contrapartida do direito de suceder. Todavia, a obrigação de alimentar tem as suas razões e regras próprias. Ela não constitui um ónus em sentido técnico da sucessão; quando muito, detecta-se uma «vaga correlação entre um encargo concreto, imediato, e um direito futuro e eventual»1. A medida dos alimentos é orientada pelo binómio necessidade do alimento - possibilidade do obrigado (art. 2004.º): os alimentos destinam-se prover ao que é indispensável à vida de uma pessoa que não tem bens suficientes nem consegue trabalhar o bastante para assegurar a sua própria subsistência; e hão-de ser proporcionados aos meios económicos do devedor. Há, por conseguinte, dois limites alternativos à fixação dos alimentos: a contribuição de alimentos não pode exceder nem o que é necessário ao credor nem o que é exigível, no contexto, em função da capacidade do devedor. Importa destacar as particularidades da figura dos alimentos na relação conjugal e na relação de filiação. Entre cônjuges ou entre pais e filhos, a obrigação de alimentos insere-se no dever de assistência, só adquirindo autonomia quando não haja vida em comum; se houver vida em comum, as partes estão à obrigação recíproca de contribuir para os encargos da vida familiar (arts. 1675.º, n.º1, 1676.º, n.º1, 1874.º e 2015.º), demarcando-se, assim, da obrigação de prestar alimentos em sentido restrito (implica reciprocidade e é medida das necessidades da vida em comum). Na relação entre pais e filhos sujeitos ao poder paternal, ao dever recíproco de assistência acresce o dever de sustento (arts. 1878.º, n.º1, e 1879.º) Na hipótese de extinção do vínculo matrimonial e de dissolução por morte da união de facto, é preciso ter em conta as disposições especiais constantes dos arts. 2016.º a 2020.º. O direito legal de alimentos é indisponível, impenhorável e insusceptível de se extinguir por compensação. É indispensável porque o próprio direito não pode ser renunciado ou cedido; o credor pode somente deixar de pedir os alimentos ou renunciar às prestações vencidas (art. 2008.º, n.º1). Mas a protecção específica do crédito de alimentos é muito extensa. O legislador consagrou um processo de execução especial por alimentos (arts. 1118.º a 1121.º-A CPC), integrou regras sobre meios de tornar efectiva a prestação de alimentos no processo especial de alimentos devidos a menores (art. 189.º OTM), atribuiu direitos reais de garantia ao credor de alimentos (arts. 705.º, al. d), e 737.º, n.º1, al. c)), instituiu o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro) e incriminou, dentro de certas condições, a violação da obrigação legal de alimentos (art. 250.º CP). Os alimentos taxados não são imutáveis, sendo susceptíveis de alteração quando as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem (art. 2012.º). As causas gerais de cessação da obrigação alimentar estão previstas no art. 2013.º, n.º1. No caso de morte do obrigado ou de impossibilidade superveniente de cumprimento pelo obrigado, não se extingue forçosamente o direito de alimentos: o encargo pode recair sobre outras pessoas que figurem no art. 2009.º. Para os casos de obrigação alimentícia relacionados com o casamento e com a união de facto, o art. 2019.º prevê duas causas adicionais de cessação: a celebração de casamento pelo alimentado, após a extinção do casamento anterior ou da união de facto; e o comportamento moral que torne o alimentado indigno do benefício alimentar.

1 Nazareth Lobato Guimarães.

8

. Características do Direito da Família

a) Permeabilidade à realidade social e às posições ideológicas lato sensu (visões políticas, religiosas ou concepções de vida laicas e apolíticas). Por exemplo: na versão anterior do CC de 1966, não podia dissolver-se por divórcio o casamento católico que tivesse sido celebrado a partir de 1 de Agosto de 1940 (antigo art. 1790.º); ao marido era atribuída a qualidade de chefe da família (antigo art. 1674.º).

b) Prevalência da dimensão pessoal sobre a patrimonial. Na óptica legal, a constituição da relação conjugal não é um meio de aumentar o património, destina-se a criar uma comunhão tendencialmente plena de vidas (arts. 1577.º e 1672.º CC) uma comunhão de pessoas e não de bens.

c) Recurso a conceitos indeterminados para definir os efeitos nucleares das mais relevantes relações jurídicas familiares, fenómeno que é patente nos enunciados de deveres conjugais e paternofiliais (arts. 1672.º e 1874.º). A vantagem é uma maior aptidão da lei para responder a novos desafios, a desvantagens é um maior grau de incerteza.

d) Profusão de normas injuntivas. Contudo tal elemento, embora restritivo da autonomia privada, não elimina a liberdade individual dos sujeitos da relação familiar. POR um lado, há até normas jusfamiliares injuntivas que protegem essa liberdade (art. 1672.º, quando impõe a cada um dos cônjuges o dever de respeitar o outro, ou o art. 1878.º, n.º2, quando obriga os pais a reconhecerem aos filhos menores não emancipados autonomia na organização da sua própria vida).

e) Prevalência do elemento institucional sobre os interesses individuais. Aqui tem relevo o equilíbrio entre a integração e a independência. É plenamente admissível o exercício da liberdade individual, mas um exercício que se faça de uma forma responsável, que não ameace injustificadamente a coesão familiar.

f) Grande abertura aos métodos alternativos de resolução de litígios, nomeadamente a intervenção

judicial de conciliação ou arbitragem e a mediação. Os arts. 1673.º, n.º3 e 1901.º, n.º2, prevêem situações em que o juiz e chamado a decidir sobre assuntos concretos da vida familiar mediante solicitação de qualquer uma das partes, gozando de poderes de arbitragem vinculativa, a que se somam poderes de conciliação de exercício facultativo. A mediação constitui um método extrajudicial de resolução de litígios em que um terceiro, que se vincula a agir com neutralidade, procura ajudar as partes a chegarem a um acordo relativamente àquilo que as divide. A mediação familiar é especialmente referida ao acordo dos pais no domínio do exercício do poder paternal (art. 1911.º e ss.) ou ao acordo dos cônjuges no campo do divórcio (art. 1775.º).

9

. Características das situações jurídicas familiares Situações jurídicas familiares: direitos e deveres conjugais e paternofiliais, previstos nos arts. 1672.º e 1874.º; o poder paternal e a sujeição correspondente, decorrentes do art. 1878.º.

a) Natureza estatutária: emergem de uma ligação orgânica entre o indivíduo e o grupo, cuja especial dignidade é sancionada pelo Estado. Elas cabem a uma pessoa não em si considerada mas enquanto membro de um grupo a que o Estado reconhece eminente interesse social.

b) Indisponibilidade: os sujeitos não podem, unilateralmente ou por acordo, alterar a sua disciplina

jurídica (arts. 1618.º, 1699.º, n.º1, al. b) e 1878.º, n.º1). Portanto, estas situações apresentam-se também como intransmissíveis e irrenunciáveis.

c) Durabilidade virtual: os direitos e deveres tendem a durar enquanto se mantiver o status

familiar, e a perda deste só opera com a morte de um dos sujeitos ou com um acto do Estado (enquanto não houver divórcio nem separação de pessoas e bens, os cônjuges mantêm-se vinculados à generalidade dos deveres matrimoniais, ainda que nenhum deles os respeite ou pretenda vir a respeitar).

d) Funcionalidade acentuada: as situações jurídicas familiares estão predominantemente ao

serviço de interesses que ultrapassam os interesses exclusivos dos sues titulares. O poder paternal, de que são titulares os pais, é expressamente ordenado em torno do interesse do menor (art. 1878.º, n.º1) e tem de ser exercido. Demarcam-se assim dos direitos reais, creditícios e de personalidade.

e) Oponibilidade erga omnes: a sua natureza estatutária diferencia-as das situações jurídicas

relativas comuns, justificando uma hipotética preterição de interesses individuais de terceiros. As situações jurídicas familiares estabelecem-se entre membros de uma espécie de grupo que é reputado de célula fundamental da sociedade. A existência de um registo organizado das relações familiares revela que o vínculo familiar não tem uma relevância puramente interna, a todos dizendo respeito.

f) Tipicidade: os terceiros devem estar em condições de saber com segurança quais os domínios

em que lhes é vedado interferir. Os direitos e deveres conjugais e paternofiliais são aqueles que a lei prevê, não sendo permitida a constituição de outros por via negocial (art. 1699.º, n.º1, al. b)).

g) Tutela reforçada: é comum dizer-se que os direitos familiares pessoais:

- Não comportam execução específica Genericamente pode-se dizer. Contudo, ao contrário do que é sugerido, a regra da impossibilidade de sanções reconstitutivas não é uma particularidade do Direito da Família: há deveres familiares patrimoniais, como o de assistências, que podem ser objecto de execução in natura (art. 1676.º, n.º3). - A sua violação não origina responsabilidade civil, mas apenas a aplicação exclusiva de mecanismos de Direito da Família. É comum dizer-se que uma acção de indemnização entre cônjuges ou entre pais e filhos prejudica o respectivo relacionamento. Ora, legislador não excluiu a tutela indemnizatória geral em lado algum (o anteprojecto do CC determinava que a violação dos deveres conjugais importava a aplicação de sanções especialmente previstas no CC, mas tal não passou ao texto definitivo). A família não deve ser tida como um muno à parte onde reina a impunidade (pense-se nos direitos de personalidade, até à poucos anos violados através de maus tratos e ofensas corporais entre cônjuges ou entre pais e filhos). A previsão de uma tutela especificamente familiar para hipóteses de violação de situações jurídicas familiares (arts. 1790.º-1792.º) não impede a tutela comum, desde que não se sancione duas vezes quem praticou uma só infracção. Assim, temos uma tutela reforçada, quanto aos direitos familiares pessoais e patrimoniais (por exemplo, arts. 1887, n.º2 CC, 181.º, n.º1 e 191.º-193.º OTM).

10

. O regime constitucional da família O regime jurídico-constitucional da família é formado pelas normas dos arts. 36.º, 67.º, 68.º, 72.º e de parte do art. 26.º CRP. Os arts. 36.º e 26.º consagram princípios constitucionais que são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas (art. 18.º, n.º1 CRP), os quais se agrupam em três categorias:

a) Princípios atinentes à generalidade das relações familiares: abarcam o direito de constituir família e o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

b) Princípios de Direito Matrimonial: enquadram-se o direito à celebração do casamento, a

competência da lei para regular os requisitos e os efeitos do casamento e sua dissolução, e o princípio da igualdade dos cônjuges.

c) Princípios de Direito da Filiação: direito à identidade pessoal e genética, a não discriminação dos

filhos nascidos fora do casamento, a atribuição aos pais do direito-dever de educação e manutenção de filhos, a inseparabilidade destes dos seus progenitores e a protecção da adopção. As normas dos arts. 67.º, 68.º e 72.º CRP, que revestem cariz meramente programático, fundam

princípios de protecção da família, de protecção da maternidade e paternidade, de protecção das crianças e jovens, e de protecção dos idosos.

1. Art. 36.º, n.º1, 1.ª parte CRP: reconhece a todos o direito de constituir família em condições de plena igualdade. A disposição constitucional compreende qualquer relação familiar conjugal, de parentesco, de afinidade, de adopção e de filiação por consentimento não adoptivo. No entanto, a autonomização constitucional do direito de contrair casamento e da protecção da adopção reduz o significado específico do direito de constituir família, o qual vale por se desdobrar em:

- Direito de procriar: limites intrínsecos, que correspondem ao fim deste direito que é o da formação de um grupo; Limites extrínsecos que correspondem à liberdade de não procriar da outra pessoa. - Direito de constituir um vínculo de filiação não adoptiva: assiste quer ao pai quer ao filho, embora prevaleça o interesse da criança (art. 36.º, n.º 5 e 6, 67.º, n.º2, al. d), 69.º, n.º1 e 2 direito e dever de educação e manutenção dos filhos, possibilidade de separação em caso de incumprimento e obrigação do Estado em promover o planeamento familiar).

Parte da doutrina entende que aqui cabe a união de facto, argumentando que o próprio art. 36.º, n.º1 distingue constituição de família e contracção de casamento e ainda uma concepção aberta de família. A CRP não formula expressamente uma noção de família, mas qualifica-a como «elemento fundamental da sociedade». Assim, não cabem por enquanto aqui a união de facto, formada por pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo, nem a convivência em economia comum (tais relações parafamiliares formam-se e dissolvem-se pela mera vontade das partes sem intervenção do Estado ou publicidade registal).

2. Art. 26.º, n.º1 e 2: O direito à reserva da intimidade da vida privada familiar, correspondendo a

uma situação jurídica fundamental relativa à família. Assim, a lei tem de conceder garantias efectivas contra a obtenção abusiva de informações respeitantes às famílias.

3. Art. 36.º, n.º1, 2.ª parte: direito de celebrar casamento em condições de igualdade, obstando aos

casamentos forçados e às restrições ao casamento fundadas na raça, religião ou nacionalidade. Tendo em conta o art. 18.º, n.º1 CRP é nula a cláusula de um contrato de trabalho que atribua à entidade patronal a faculdade de despedir o trabalhador que viesse a contrair casamento. Do mesmo modo os arts. 1600.º-1609.º não são inconstitucionais. Contudo, já parece ser questionável a proibição civil do casamento entre pessoas do mesmo sexo (inexistente nos termos do art. 1628.º, al. e)), atendendo ao princípio da não discriminação em razão da orientação sexual (art. 13.º, n.º2 CRP) e ao facto de o casamento civil não vincular os cônjuges ao dever de procriação. O constituinte vê no casamento: «um compromisso de união ampla, necessariamente íntima e exclusiva, entre duas pessoas» (art. 36.º, n.º3 iguais direitos e deveres dos cônjuges).

11

4. Art. 1625.º: reserva aos tribunais eclesiásticos, que aplicam Direito Canónico e não a lei portuguesa, competência para reconhecer das causas de nulidade do casamento católico, o que tem levantado dúvidas de constitucionalidade pois a regulamentação do casamento cabe à lei. Tem-se considerado este art. constitucional à luz de uma interpretação restritiva do art. 36.º, n.º2, apoiado num elemento histórico: a concordata de 1940 e mais recentemente a de 2004, assinada entre Portugal e a Santa Sé (art. 16.º que dá competência às autoridades eclesiásticas para conhecerem das causas de nulidade do casamento católico).

5. Arts. 36.º, n.º 5 e 6: direito e dever dos pais (sem distinção) à educação dos filhos, que em regra não podem ser separados dos pais. À luz deste art. e do princípio da igualdade é duvidoso a presunção legal, só ilidível judicialmente, de que a mãe tem a guarda do filho (art. 1911.º, n.º2).

6. Art. 36.º, n.º 4: princípio da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento. A

proibição de discriminação material dos filhos nascidos fora do casamento não é afectada pela existência de modos diversos de estabelecimento da paternidade, nos casos de filiação fora do casamento (art. 1796.º, n.º2 este art não é inconstitucional pois a expressão descendentes legítimos é apenas um aspecto terminológico): trata-se de uma diferenciação que resulta da natureza das coisas.

7. Art. 36.º, n.º7: regula a adopção. O alcance desta disposição deve ser circunscrito com a

previsão da inseparabildiade dos filhos dos pais (nomeadamente, biológicos).

8. Art. 67.º, n.º1 e 2: determina que «a família, como elemento fundamental da sociedade, tem Reitera-se a união de facto e a convivência em comum não

são grupos familiares. Enumera-se uma série de incumbências do Estado para a protecção da família. Realce para a al. e) que remete para a lei da procriação medicamente assistida (Lei 32/2006, de 26 de Julho).

9. Art. 68.º: princípio da protecção da família no domínio da paternidade e maternidade, como

valores sociais eminentes, com o pai e mãe a terem «direito à protecção na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos».

10. Art. 69.º: Reconhece às crianças o «direito à protecção da sociedade e do Estado», com vista «ao

seu desenvolvimento integral, contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão contra o exercício abusivo da autoridade familiar». É de crer que os jovens em perigo gozam de igual protecção.

11. Art. 72.º, n.º1: confere protecção à terceira idade, determinando que «as pessoas idosas têm

direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar». Alude-se assim a uma série de condições fundamentais à terceira idade, sendo de ligar este art. ao 63.º CRP que garante direito à segurança social na velhice.

12

TÍTULO I DIREITO MATRIMONIAL, PARAMATRIMONIAL E DA CONVIVÊNCIA EM ECONOMIA COMUM

Capítulo I A UNIÃO CONJUGAL

Secção I CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL OU O CASAMENTO COMO ACTO

Subsecção I NOÇÃO E MODALDIADE DO CASAMENTO . Noção de casamento civil O art 1577.º define casamento: este caracteriza-se por:

Contratualidade: esta característica tem sido contestada. Tem-se atribuído ao casamento natureza de acto administrativo (os nubentes tinham de manifestar a vontade de casar perante um funcionário). Apesar da intervenção de um funcionário constituir condição de existência do casamento (art. 1628.º, al. a)), é a declaração de consentimento que tem o papel principal (arts. 1628.º, als. C) e d), 1631.º, al. b), 1635.º, 1636.º, 1638.º), sendo a primeira mera observância de forma especial legalmente exigida. Também se tem caracterizado o casamento como um negócio jurídico em sentido estrito ou como a soma de dois actos jurídicos simples (por falta de liberdade de estipulação e pela amplitude existencial dos efeitos do casamento). Contudo, não obstante a fixação injuntiva dos efeitos essenciais do casamento (arts. 1618.º, 1698.º, 1699.º), as partes gozam de alguma margem de autonomia: podem decidir quando e com quem querem casar; estipulações sobre o modo de cumprimento dos deveres conjugais. Além te tudo isto, a relevância da simulação como vício do acto matrimonial (art. 1635.º, al. d)) confirma a natureza negocial do mesmo.

Diversidade de sexo das partes.

Assunção do compromisso recíproco de plena comunhão de vida: este compromisso, assente

numa cláusula geral, traduz-se em deveres particulares (art. 1672.º - respeito, fidelidade, coabitação, cooperação, assistência). As repercussões da obrigação de plena comunhão, não excluem o carácter contratual do casamento. A plena comunhão de vida não determina a eliminação da individualidade das partes, a qual se passa a exercer dentro do espaço de vida em comum.

Pessoalidade: numa das duas possíveis acepções do termo, é um contrato pessoal porque na sua

realização é indispensável a presença dos próprios contraentes (art. 1616.º, al. a)). Numa segunda acepção, porque influi no estado das pessoas, projectando-se principalmente na esfera pessoal e acessoriamente na esfera patrimonial.

Solenidade: porque a celebração está sujeita a uma forma estabelecida na lei (art. 1615.º),

visando levar as partes a reflectir antes de se vincularem (contrasta com a informalidade da constituição da união de facto).

Assim, é um contrato especial, um contrato familiar, estando marcado pelo aspecto funcional. O

casamento tem uma finalidade comunitária, que impede a aplicação da excepção de não cumprimento (art. 428.º).

13

. Modalidades de casamento O casamento civil não é a única modalidade do casamento. Há o matrimónio católico (art. 1587.º), o casamento celebrado segundo o Direito Canónico da Igreja Católica a que a lei reconhece valor e eficácia de casamento. O matrimónio católico é uma verdadeira modalidade de casamento (art. 16.º da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, de 2004, as decisões das autoridades eclesiásticas relativas à nulidade do casamento e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado podem produzir efeitos civis, as quais aplicam Direito Canónico aos requisitos de validade do matrimónio católico e incidem sobre uma causa particular da sua dissolução). Outro tratamento é dado aos demais casamentos religiosos: art. 19.º, n.º1 Lei da Liberdade da Religiosa reconhecimento de efeitos civis. Contudo estes casamentos estão sujeitos ao regime que vigora para o casamento civil, salvo aspectos de forma (arts. 19.º e 58.º da LLR). Deste modo, são apenas casamentos civis sob forma religiosa. . Sistemas de casamento

Sistema de casamento religioso obrigatório O Estado reconhece eficácia civil apenas ao casamento celebrado por forma religiosa.

Sistema de casamento civil obrigatório os casamentos religiosos não produzem efeitos civis; o

Estado só atribui relevância jurídica ao casamento civil, celebrado segundo a forma fixada na lei

Sistema de casamento civil facultativo são conferidos efeitos civis quer ao casamento celebrado por forma civil quer ao casamento celebrado por forma religiosa. Os nubentes que pretendam contrair matrimónio relevante perante o Estado podem escolher entre a forma laica e a forma civil. Comporta duas vertentes: - O Estado só reconhece um regime particular ao casamento religioso nos aspectos formais; em tudo o resto, é aplicável a lei civil. O casamento laico e o casamento religioso são apenas duas formas distintas de celebração do matrimónio. - O Estado admite a eficácia do direito da igreja ou comunidade religiosa em aspectos que não são meramente formais. O casamento laico e o casamento religioso são dois institutos ou duas modalidades diferentes.

Sistema de casamento civil subsidiário. O Estado reconhece o casamento religioso, apenas

admitindo o casamento laico para os casos em que é considerado legítimo pelo Direito da igreja ou da comunidade religiosa.

Em Portugal desde a Concordata de 1940 tem vigorado, em Portugal, o sistema de casamento

facultativo, da segunda vertente referida. Contudo, antes da LLR, o casamento laico era facultativo para os católicos, que podiam escolher livremente entre aquele e o casamento católico; para os membros de outras confissões religiosas, era obrigatória a celebração do casamento laico, pois o Estado não admitia eficácia civil aos casamentos religiosos não católicos.

O casamento civil e o casamento católico são dois institutos diferentes. Contudo o casamento religioso não católico não constitui uma modalidade autónoma, integrando-se no casamento civil, que comporta, assim, duas formas: a civil e a religiosa.

Assim pode-se escolher entre: casamento civil por forma civil; casamento civil celebrado por forma religiosa; casamento católico.

14

Subsecção II PROMESSA DE CASAMENTO . Noção e requisitos da promessa de casamento Promessa de casamento: contrato pelo qual duas pessoas de sexo diferente se comprometem a contrair matrimónio (art. 1591.º). Trata-se de um contrato promessa de casamento, pelo que, na falta de disposições específicas (arts. 1591.º-1595.º), se aplicam as regras gerais do contrato-promessa e as regras gerais dos negócios jurídicos. Deste modo, no campo dos requisitos da promessa de casamento é fundamental o art. 410.º, n.º1, que determina a aplicação ao contrato-promessa das disposições legais relativas ao contrato prometido: «exceptuadas as relativas à forma e as que, por razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa». À luz daquele preceito, a capacidade exigida para a promessa de casamento é a mesma que se requer para a celebração do casamento (arts. 1600.º e ss). A promessa de casamento está sujeita às regras gerais dos negócios jurídicos, uma vez que as regras especiais do casamento em matéria de falta ou vício da vontade se destinam a garantir a estabilidade de um matrimónio que já foi celebrado. Ao contrário do casamento, a promessa pode ser submetida a condição ou a termo (p.e., à condição de obter uma determina colocação profissional). O objecto da promessa de casamento deve ser legalmente possível (art. 280.º, n.º1). A validade da promessa não depende da observância de uma forma especial (art. 219.º) e não se impõe uma declaração expressa (art. 217.º). São exemplos de celebração do contrato-promessa de casamento o pedido de casamento, uma vez aceite, a oferta do anel de noivado à mulher, que o recebe e coloca no dedo, e a declaração para casamento proferida no processo preliminar de publicações (arts. 135.º-137.º CRC). O simples namoro não tem, em princípio, o significado de uma promessa de casamento. . Efeitos da promessa de casamento Mediante a promessa de casamento, as partes ficam vinculadas a casar uma com a outra. No entanto, a natureza da obrigação de casar obsta à execução específica da promessa (arts. 1591.º e 830.º, n.º1) No caso de incumprimento, é conferido apenas o direito às indemnizações previstas no art. 1594.º (art. 1591.º). As indemnizações previstas no art. 1594.º são devidas pelo contraente que romper a promessa sem justo motivo, que, culposamente, der lugar à retractação do outro ou que dolosamente (por si ou por representantes) contribuir para a própria incapacidade matrimonial. Os beneficiários da indemnização podem ser o esposado inocente, os pais deste ou terceiros que tenham agido em nome dos pais. A obrigação de indemnizar por incumprimento da promessa restringe-se às despesas feitas e às obrigações contraídas na previsão do casamento. Só é indemnizável uma parte dos danos patrimoniais emergentes, o que representa uma limitação à extensão da obrigação de indemnizar (que inclui todos os danos emergentes, os lucros cessantes e os danos não patrimoniais), fruto da preocupação de salvaguardar, na medida do possível, a liberdade matrimonial das partes. Além disso, a indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do n.º3 do art. 1594.º, o que introduz mais um desvio ao regime comum da responsabilidade civil (art. 494.º): ainda que haja dolo do agente, o montante da indemnização concedida poderá ser inferior ao valor das despesas feitas e das obrigações contraídas na previsão do casamento. A acção de indemnização caduca no prazo de um ano, a partir da data do rompimento da promessa (art. 1595.º). No caso de ruptura de promessa de casamento, cada um dos contraentes é obrigado a restituir os donativos que o outro ou terceiro lhe tenha feito em virtude da promessa e na expectativa do casamento, segundo os termos prescritos para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art. 1592.º, n.º1). A obrigação de restituição dos donativos, que é independente de culpa, «abrange as cartas e retratos pessoais do outro contraente, mas não as coisas que hajam sido consumidas antes da retracção ou da verificação da incapacidade» (art. 1592.º, n.º2). No caso de extinção da promessa por morte de um dos promitentes, cabe ao promitente sobrevivo optar entre conservar os donativos do falecido ou exigir aqueles que lhe tenha feito (art. 1593.º, n.º1). Certos donativos de seu cariz íntimo, têm um regime especial: o promitente sobrevivo pode reter a correspondência e os retratos pessoais do falecido e exigir a restituição das cartas e retratos pessoais que lhe tenha oferecido (art. 1593.º, n.º2 e 1595.º).

15

Subsecção III Requisitos de fundo do casamento civil A) Possibilidade legal (a inexistência do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo) . A heterossexualidae A diversidade de sexo é um dos requisitos do art. 1577.º. A consequência da inobservância deste requisito é a inexistência jurídica do casamento (art. 1628.º, al. e)). Para Capelo de Sousa o casamento de homossexuais é, pelo seu objecto, fisicamente impossível. Todavia, na actual lei civil portuguesa, que não associa ao casamento um dever de procriação conjunta, a comunhão tendencialmente plena de vida entre duas pessoas do mesmo sexo é apenas juridicamente impossível. Não é líquida a constitucionalidade da imposição da heterossexual idade como característica do casamento civil. Após a revisão de 2004, o art. 13.º CRP prevê que ninguém pode ser prejudicado ou privado de qualquer direito pela orientação sexual. Quanto ao casamento católico não se levantam problemas (art. 1055.º Código de Direito Canónico). Só que não se vislumbra conexão análoga entre o casamento civil e a procriação. Nos termos do art. 1577.º, o casamento visa a constituição de família, mas isso não significa que o instituto tenha por objecto a procriação (art. 1576.º). Das alusões que o regime dos deveres conjugais faz aos filhos (arts. 1673.º, n.º1 e 1676.º, n.º1), marcadas por um espírito de protecção, não se retira uma obrigação de procriação. E tão-pouco da presunção de paternidade do marido da mãe, consagrada no art. 1876.º: basta verificar que a presunção abrange o caso de concepção antenupcial do filho nascido após o casamento. B) Capacidade . Os impedimentos matrimoniais em geral Aparece definido no art. 1600.º e têm-na em quem não se verifique qualquer impedimento.(circunstância que de qualquer modo obsta à realização do casamento).

Estas proibições de casar estão sujeitas a um princípio de tipicidade (art. 1600.º2). A apreciação da sua existência tem como ponto de referência o momento da cerimónia do casamento. Havendo impedimentos matrimoniais, o casamento não deve ser realizado. Se, apesar disso, vier a ser celebrado, a não observância das regras sobre impedimentos pode determinar a anulabilidade do acto (art. 1631.º, al a))., a aplicação às partes de sanções especiais com carácter patrimonial (arts. 1649.º e 1650.º), e a sujeição a responsabilidade civil, penal e disciplinar do funcionário do registo civil (arts. 294.º e 297.º, als. b) e c) CRC3). São concebíveis quatro classificações de impedimentos:

Nominados Inominados Aqueles que são designados como impedimentos pela própria lei (arts. 1601.º, 1602.º e 1604.º).

Proibição do casamento civil de duas pessoas unidas entre si por matrimónio católico anterior não dissolvido, consagrado no art. 1589.º, n.º2.

Dirimentes Impedientes

Tornam o casamento anulável. Os restantes.

Susceptíveis de dispensa Não susceptíveis de dispensa Não obstam ao casamento se houver, no caso concreto, um aço de autorização de uma autoridade. Todos os dirimentes são susceptíveis de dispensa.

Não permite, a celebração do casamento, independentemente de qualquer pedido de autorização a uma autoridade. Só os impedientes do art. 1609.º, n.º1: parentesco no terceiro grau de linha colateral; vínculo de tutela, curatela ou administração de bens, se as contas já estiverem aprovadas; vínculo de adopção restrita.

2 Não estão privadas de capacidade nupcial, as pessoas inabilitadas ou interditas por causa distinta de anomalia psíquica. 3 Sendo religioso o casamento celebrado com impedimentos, o pároco ou ministro da Igreja incorre em responsabilidade civil e criminal (arts. 294.º e 296.º, n.º1, als. a) e b) CRC).

16

A dispensa compete ao conservador do registo civil e será concedida quando haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento (art. 1609.º, n.º2); se algum dos nubentes for menor será ouvido os pais ou tutor (art. 1609.º, n.º3). O processo vem regulado nos arts. 253.º e 254.º CRC. Apesar do o DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, aludir à declaração de dispensa do prazo internupcial (art. 12.º, n.º1, al c), e n.º3; art. 15.º), o prazo internupcial não é um impedimento susceptível de dispensa. A chamada dispensa de prazo internupcial permite à mulher, que apresente comprovativo da situação de não gravidez, casar desde que tenham decorrido cento e oitenta dias sobre a dissolução ou invalidade do casamento anterior. Ela continua sujeita ao impedimento do prazo internupcial; não é de observar o prazo maior, de trezentos dias (art. 1605.º, n.º1). . Impedimentos dirimentes A celebração do casamento com impedimentos dirimentes acarreta a anulabilidade (art. 1631.º, al. a)), decretada por sentença em acção especialmente intentada para esse fim (art. 1632.º). O art. 1639.º, n.º1 apresenta quem tem legitimidade para intentar ou prosseguira acção de anulação (a legitimidade do M.P. representa a protecção de interessa público). Esta acção deve ser instaurada até seis meses depois da dissolução do casamento (art. 1643.º, n.º1, al. c)). Todavia, o M.P. só pode propor a acção até à dissolução do casamento (art. 1643.º, n.º2). É admissível a convalidação do casamento contraído com impedimentos dirimentes absolutos, mas não com impedimentos dirimentes relativos (art. 1633.º, n.º1, als. a), b) e c)). O art. 1601.º enumera os impedimentos dirimentes absolutos:

A idade inferior a dezasseis anos (al. a)); Contraído por um dos nubentes quando ainda não tinha idade de dezasseis anos, aplicam-se regras especiais no que toca à legitimidade e prazo para a anulação. Além das pessoas mencionadas no art. 1639.º, n.º1, pode intentar ou prosseguir a acção o tutor do menor (art. 1639.º, n.º2). A acção de anulação, quando proposta por quem não tinha idade nupcial, deve ser instaurada até seis meses depois de ter atingido a maioridade; quando proposta por outra pessoa, deve ser instaurada dentro de três anos seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade (art. 1643.º, n.º1, al. a)). Considera-se sanada a anulabilidade se, antes de transitar em julgado a sentença de anulação, o casamento de menor não núbil for confirmado por este, perante o funcionário do registo civil e duas testemunhas, depois de atingida a maioridade (art. 1633.º, n.º1, al. a)).

A demência notória e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica (al. b));

Demência: qualquer anomalia psíquica que torne uma pessoa incapaz de reger convenientemente a sua pessoa ou/e o seu património. Para obstar ao casamento, a demência que não tenha sido reconhecido por sentença de interdição ou inabilitação tem de ser notória e habitual. É notória a demência certa, inequívoca, não duvidosa. O requisito da notoriedade não se refere à cognoscibilidade, visando-se a protecção de interesses públicos e não, como sucede no art. 257.º, n.º2, o mero interesse de protecção do declaratário ou da outra parte. Impede-se o casamento mesmo celebrado num intervalo lúcido. E só releva como impedimento a demência de facto notória que seja habitual, porque o tratamento da demência acidental, ou não permanente, cabe noutra sede, no âmbito do regime do consentimento matrimonial (art. 1635.º, al. a)). O regime da invalidade fundada no impedimento da demência é semelhança ao da que respeita ao da falta de idade nupcial. A par da legitimidade reconhecida aos sujeitos do art. 1639.º, n.º1, é conferida ao tutor ou curador do interdito ou inabilitado a prerrogativa de intentar ou prosseguir a acção de anulação (art. 1639.º, n.º2). Quando proposta pelo demente (de facto ou de direito), a acção deve ser instaurada até seis meses depois de lhe ter sido levantada a interdição ou inabilitação ou de demência de facto ter cessado; quando proposta por outra pessoa, deve ser instaurada dentro dos três seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois do levantamento da incapacidade ou da cessação da demência (art. 1643.º, n.º1, al. a)). Considera-se sanada a anulabilidade se, antes de transitar em julgado a sentença de anulação, o casamento do demente for confirmado por este, perante o funcionário do registo civil e duas testemunhas, depois de lhe ser levantada a interdição ou a inabilitação ou depois de o demente de facto fazer verificar judicialmente o seu estado de sanidade mental (art. 1633.º, n.º1, al. b)).

17

Para os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira o impedimento é justificado por razões eugénicas e sociais: «evita-se que as taras se transmitam, defendendo-se a sociedade» e «a formação de células não sãs e úteis socialmente». Prof. Duarte Pinheiro entende que a variedade de manifestações de demência, pensamos que seria, pelo menos, adequada uma alteração legal que permita àqueles que sofrem de demência de direito ou de facto notória e habitual contraírem validamente casamento, quando seja judicialmente apurado que a perturbação mental não impede a vida conjugal (hipótese de inconstitucionalidade: arts. 71.º, n.º1, 36.º, n.º1 e 18.º, n.º2 e 3 CRP).

O vínculo matrimonial anterior não dissolvido (al. c));

Destina-se a evitar a bigamia (punida pelo art. 247.º CP), obsta à celebração de casamento por uma pessoa já casada, enquanto subsistir o casamento anterior, seja este civil ou católico e tenha ou não lavrado o respectivo assento no registo civil (art. 1601.º, al. c)). O impedimento cessa com a dissolução do casamento anterior, que pode ocorrer, nomeadamente, por morte ou divórcio. Apesar da declaração de morte presumida não dissolver o casamento (art. 115.º), o art. 116.º não consagra uma excepção à proibição da bigamia: com o novo casamento dissolve-se o anterior. Na hipótese de bigamia, o primeiro cônjuge do bígamo tem legitimidade para intentar ou prosseguir a acção de anulação, ao lado das pessoas referidas no art. 1639.º, n.º1 (art. 1639.º, n.º2). Nos termos do art. 1643.º, n.º3, a acção de anulação fundada no impedimentum ligaminis não pode ser instaurada, nem prosseguir, quando estiver pendente acção de declaração de nulidade ou anulação do primeiro casamento do bígamo. E a declaração de nulidade ou anulação do primeiro casamento do bígamo convalida o segundo casamento do bígamo (art. 1633.º, n.º1, al. c)).

O art. 1602.º enuncia os impedimentos dirimentes relativos:

Parentesco na linha recta (al. a)) e no segundo grau da linha colateral (al. b));

Afinidade na linha recta (al. c));

Apesar de a adopção plena extinguir normalmente as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais, mantêm-se os impedimentos de parentesco e afinidade derivados da ligação biológica (parte final do art. 1986.º, n.º1, que ressalva o disposto nos arts. 1602.º e 1603.º).

Por força do art. 1986.º, n.º1, 1.ª parte, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste. Deste modo, há impedimentos dirimentes ao casamento do adoptado e seus descendentes com o adoptante e seus descendentes (art. 1602.º, al. a)) isto quer dizer que, havendo adopção plena, o adoptado e os seus descendentes têm de respeitar os impedimentos e parentesco e afinidade quer quanto à família biológica quer quanto à adoptiva. Ou seja, o adoptado e os seus descendentes têm de observar os impedimentos de parentesco e afinidade, quanto à família biológica, e estão sujeitos ao impedimento inominado do vínculo de adopção plena, que aplica à família adoptiva a lógica dos impedimentos de parentesco que é seguida para a família biológica.

Os impedimentos dirimentes do parentesco, da afinidade e da adopção plena asseguram a proibição do incesto, ou da prática de actos sexuais entre familiares próximos, que se funda em razões de ordem eugénica e ética social, no caso de parentesco na linha recta e no segundo grau da linha recta, e em razões só do domínio moral social, nos casos de afinidade na linha recta e adopção plena.

Nos termos do art. 1603.º, n.º1, e para os efeitos do disposto nas als. a), b) e c) do art. 1602.º, é admitida a prova da maternidade e da paternidade no processo preliminar de publicações e na acção de declaração de nulidade ou anulação do casamento. Ou seja, os impedimentos de parentesco e afinidade relevam ainda que a filiação não se encontre estabelecida, o que configura uma excepção ao princípio da atendibilidade apenas da filiação legalmente constituída (art. 1791.º, n.º1). No entanto, o parentesco que venha a ser reconhecido no processo preliminar de publicações, ou na acção de declaração de nulidade ou anulação do casamento, e que não decorra de uma relação de filiação legalmente constituída não produz efeitos fora do domínio estrito dos impedimentos matrimoniais. Não vale sequer como começo de prova em acção de investigação de paternidade ou maternidade. A solução introduz assim um desvio ao chamado princípio da indivisibilidade do Estado: uma pessoa pode ser considerada filha de outrem no que toca à celebração do casamento e já não ser considerada como tal para outros aspectos (deveres paternofiliais, sucessão legal).

18

Se a maternidade ou paternidade não estabelecida vier a ser reconhecida num processo preliminar de publicações, o art. 1603.º, n.º2 faculta aos interessados o recurso aos meios ordinários para obterem a declaração da inexistência do impedimento dirimente de parentesco ou afinidade em acção intentada contra pessoas com legitimidade para requerer a declaração de nulidade ou anulação do casamento, com base no impedimento em questão.

O art. 1603.º, n.º1 aplica-se na totalidade à filiação biológica daquele que foi adoptado plenamente. O art. 1987.º, na parte que determina que não é possível fazer prova da filiação natural, fora do processo preliminar de publicações, depois de decretada a adopção plena, tem de ser alvo de interpretação restritiva: é admissível a prova da filiação biológica do adoptado na acção de declaração de nulidade ou anulação do casamento fundada num dos impedimentos previstos nas três primeiras alíneas do art. 1602.º. Outra conclusão seria chocante: celebrado o casamento, por exemplo, entre uma pessoa

ada no processo preliminar de publicações, não poderia ser invocada para se conseguir a invalidação da constituição do vínculo matrimonial.

A condenação de um dos nubentes por homicídio doloso contra o cônjuge do outro (al. d)); Consagra o único impedimento relativo que não assenta numa relação familiar. Dá-se quando o nubente tenha sido condenado, como autor ou cúmplice por homicídio ou tentativa, ainda que o crime não tenha sido cometido com a intenção de permitir o casamento do agente com o cônjuge da vítima. Este só se produz quando já tenha transitado em julgado a sentença de condenação por homicídio; A condenação anterior por sentença que ainda não transitou em julgado desencadeia o impedimento meramente impediente vertido no art. 1604.º, al. f). Será este preceito uma sanção àquele que foi condenado por tentativa ou homicídio? Nessa leitura, ao fixar-se um impedimento, aparentemente perpétuo, a condenação de um dos nubentes por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro, suscita dúvidas de constitucionalidade (art. 30.º, n.º 1 e 4 CRP: «proíbe com carácter perpétuo ou de duração

-se na censurabilidade social e ética de um casamento celebrado por alguém com o assassino do seu cônjuge4. Não se pretende punir a prática de um crime, até porque o cônjuge da vítima é afectado pela proibição de casar mesmo que não tenha tido comparticipações no homicídio.

Os impedimentos impedientes são circunstâncias que, embora obstem ao casamento, não o tornam anulável se ele chegar a celebrar-se. Quanto muito, uma das partes sofre sanções de carácter patrimonial ( art. 1649º e 1650º). O art. 1604º indica que são impedimentos impedientes, além de outros designados em leis especiais:

1) a falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento de menores - al.a); 2) o prazo internupcial - al.b); 3) o parentesco no terceiro grau da linha colateral - al.c); 4) o vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens -al.d); 5) o vínculo de adopção restrita - al.e); 6) a pronúncia de um dos nubentes pelo crime de homicídio doloso contra o cônjuge do outro -al.f). Há porém impedimentos que estão previstos no Código Civil à margem do referido art. 1604º :

o impedimento do casamento civil de duas pessoas entre si por matrimónio católico anterior não dissolvido ( art. 1589º /2 ).

Todos os impedimentos impedientes mencionados no art. 1604º são relativos, com excepção dos dois primeiros, que são absolutos.

1) A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento de menores constitui

impedimento quando não suprida pelo conservador do registo civil ( art. 1604º, al.a). O impedimento impediente refere-se aos menores de 16 e 17 anos de idade, dado que a idade inferior a 16 anos se traduz num impedimento dirimente ( cfr.art. 1601º, al.a).

4 Antunes Varela.

19

A autorização cabe aos pais , biológicos ou adoptivos , que exerçam o poder paternal5, ou ao tutor ( art. 1612º/1) e deve ser concedida antes da celebração do casamento ou na própria cerimónia ( arts. 149º, 150º/3 e 155º, al.b) CRC)

A requerimento do menor, o conservador do registo civil pode suprir a autorização ( art. 1612º/2). O processo de suprimento de autorização para casamento de menores está regulado nos arts. 255º - 257º CRC.

Se o menor casar sem ter obtido a autorização dos pais ou do tutor, ou o respectivo suprimento, ele não fica plenamente emancipado ( cfr. art. 133º) . Nos termos do art. 1649º, os bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito são administrados pelos pais, tutor ou administrador legal, até à maioridade, e não respondem, em caso algum, pelas dívidas contraídas por um ou ambos os cônjuges durante o período de menoridade.

2) O impedimento do prazo internupcial obsta ao casamento daquele cujo matrimónio anterior

foi dissolvido, declarado nulo ou anulado, enquanto não decorrerem sobre a dissolução, declaração de nulidade ou anulação, 180 ou 300 dias, conforme se trate de homem ou mulher ( art. 1605º/1 ). Se o casamento se dissolver por morte, o prazo conta-se a partir da data do óbito.

O art. 1605º/3 rege outras situações. Cessa o impedimento do prazo internupcial se os prazos mencionados já tiverem decorrido desde

a data, fixada na sentença de divórcio, em que findou a coabitação dos cônjuges ou, nos casos de conversão da separação de pessoas e bens em divórcio e dissolução por morte de um dos cônjuges separados de pessoas e bens, desde a data em que transitou a decisão que decretou a separação ( art. 1605º/4 e 5).

Também não há impedimento do prazo internupcial para a celebração de novas núpcias do cônjuges do ausente, após a celebração de morte presumida ( cfr. art. 116º) porque o matrimónio anterior é dissolvido no preciso momento da celebração do novo casamento.

Atendendo ao disposto nos arts. 1826º, 1827º e 1798º, o filho nascido na constância do segundo matrimónio, antes de decorridos 300 dias sobre a dissolução, declaração de nulidade ou anulação do primeiro casamento, presume-se que tem como pai o primeiro marido e o segundo marido da mãe.

O prazo fica reduzido a 180 dias , desde que a mulher obtenha a declaração de dispensa do prazo internupcial ( mais longo ) ou tenha tido algum filho depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento anterior ( art. 1605º/2, 1ª parte, necessariamente conjugado com o art. 12º/1, al.c) do D.L. 272/2001 de 13 de Outubro ). A declaração de dispensa do prazo internupcial ( mais longo ), que compete à conservatória do registo civil ( art. 12º/1 , al. c) e nº 3 do D.L. 272/2001 de 13 de Outubro) pressupõe que a mulher apresente, juntamente com a declaração para casamento , atestado médico (art.15º do D.L. 272/2001 de 13 de Outubro )

Quem, homem ou mulher, contrair novo casamento sem respeitar o prazo internupcial perde todos os bens que tenha recebido por doação ou testamento do seu primeiro cônjuge ( art. 1650º/1 ).

3) O parentesco no terceiro grau da linha colateral, o vínculo da tutela curatela ou administração

legal de bens e o vínculo de adopção restrita são os únicos impedimentos susceptíveis de dispensa. Note-se que, sendo concedida a dispensa, o casamento passa a ser lícito e as partes que o contraírem não incorrem em nenhuma sanção. Na falta de dispensa, a celebração do casamento pode acarretar para um dos cônjuges uma sanção que se enquadra numa situação de indisponibilidade relativa ( art. 1650º/2 ), similar às que estão previstas nos art. 2192º a 2198º ( artigos aplicáveis às doações nos termos do art. 953º)

O parentesco no terceiro grau da linha colateral bosta ao casamento entre tios e sobrinhos. Nos termos da parte final do art. 1686º/1, que, ressalva o disposto no art. 1604º, a proibição aplica-se ao casamento daquele que foi adoptado plenamente e seus descendentes com tios e sobrinhos biológicos. Abstraindo do caso excepcional da adopção plena, este impedimento impediente só existe quando o parentesco legalmente constituído e subsistente: o princípio do art. 1797º/1 é plenamente aplicável, na falta de disposições similares às do art. 1603º ou 1986º/1. Ao abrigo do art. 1986º/1, 1ª parte, o impedimento do parentesco do terceiro grau na linha colateral, que foi pensado para a família biológica é alargado à família adoptiva.

A infracção do impedimento do parentesco do terceiro grau na linha colateral importa para o tio ou tia a incapacidade de receber da sobrinha ou sobrinho, com quem casou, qualquer benefício por doação ou testamento ( art. 1650º/2 ). Todavia, a sanção não será aplicada no caso de adopção plena, se se tratar de parentesco (natural) não detectado no processo preliminar de publicações ( cfr. art. 1987º).

5 Tratando-pertencer aos dois o exercício do poder paternal (ressalva do art.1902º/1)

20

4) O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens obsta ao casamento do incapaz com o tutor, curador ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se houver lugar à prestação delas ( art. 1608º). A violação da proibição de casar é sancionada com uma indisponibilidade relativa que implica a nulidade das liberalidades feitas a favor do tutor, curador ou administrador ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, pelo seu consorte ( cfr. art. 1650º/2 ).

5) O âmbito do impedimento do vínculo de adopção restrita é concretizado pelo art. 1607º. Não

é permitido o casamento: - do adoptante, ou seus parentes na linha recta, com o adoptado ou seus ascendentes (al.a) ,

- do adoptado com o que foi cônjuge do adoptante ( al.b), - do adoptante com o que foi cônjuge do adoptado (al.c), - dos filhos adoptivos da mesma pessoa , entre si (al. d), Esclareça-se que a al. d) , quando alude aos filhos adoptivos, abrange apenas as situações em que os cônjuges tenham sido adoptados restritamente pela mesma pessoa ( art. 1607º sempre que se refere à adopção tem em vista exclusivamente a adopção restrita ). Se ambos tiverem sido adoptados pela mesma pessoa, mas um tiver sido plenamente e o outro restritivamente, aplica-se a al. a) do art. 1607º, ex vi do art. 1986º/1, 1ª parte ( que equipara o adoptado plenamente a um parente, no 1º grau da linha recta, do adoptante). A consequência da celebração do casamento com este impedimento é a nulidade das liberalidades feitas pelo adoptado restritivamente, ou aquele que foi cônjuge do adoptado, em favor do seu cônjuge, excepto se o último tiver adoptado restritivamente pela mesma pessoa, caso em que não há sanção ( cfr. art. 1650º/2, que não cobre a hipótese da al. a) do art. 1607º)

6) Por fim, há que considerar dois impedimentos sem sanção, um previsto no art. 1604º, al.f) e outro no art. 1589º/2.

Nos termos do art. 1604º, al.f), é um impedimento impediente a pronúncia do nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que consumado, enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada em julgada.

É de entender que o impedimento existe quando haja pronúncia pelo crime ou, na ausência de solidando a acusação, marca dia para a

audiência de julgamento ( cfr. art. 312º e 313º CPP ) E o impedimento só cessa com o trânsito em julgado da sentença absolutória.

O art. 1589º/2 não permite o casamento civil de duas pessoas unidas entre si por matrimónio católico anterior não dissolvido, o que configura um impedimento impediente ( por não vir tipificado como dirimente : cfr. art. 1627º, inominado e relativo. C) Consentimento

O contrato de casamento exige o mútuo consentimento das partes que tem de ser exteriorizado no próprio acto (art. 1617º). O art. 1619º estabelece o princípio do carácter pessoal do consentimento, do qual resulta a necessidade de a vontade de contrair matrimónio ser manifestada pelos próprios nubentes. A representação só é ilícita nos termos em que a lei admite o instituto do casamento por procuração. O casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração da vontade de um ou ambos os nubentes, ou do procurador de um deles, é juridicamente inexistente (art. 1628º, al. c). O consentimento matrimonial deve ser puro e simples, como decorre do art. 1618º. A vontade de contrair casamento importa aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, excepto daqueles que podem ser objecto de convenção antenupcial (cfr. art. 1698º). As estipulações dos nubentes que pretendem modificar os efeitos injuntivos do casamento ou submete-lo a condição, a termo ou á preexistência de algum facto, são irrelevantes.

À declaração, prestada pelas partes na cerimónia de casamento, deve estar subjacente a vontade de contrair matrimónio, o que pressupõe a existência de uma vontade negocial e a coincidência entre a vontade e a declaração. Além disso, a vontade deve ser livre e esclarecida. A lei presume que à declaração de vontade, no acto de celebração, corresponde uma vontade de casar e uma vontade que não está viciada por erro ou coação ( art. 1634º ) .

O casamento por procuração constitui uma excepção ao princípio do carácter pessoal do consentimento.

21

È lícita a representação por procurador de um, e apenas um, dos nubentes na celebração do casamento ( cfr. art. 1619º e 1620º/1 ). Se ambos os nubentes se fizerem representar por procurador, o casamento é inexistente, nos termos do art. 1628º, al.c).

A procuração para casamento ou ad nuptias tem de ser outorgada por instrumento público ou por documento escrito e assinado pelo representado, com reconhecimento presencial da letra e assinatura ( cfr. art. 43º/2 CRC ). A inobservância da forma determina a nulidade da procuração ( art. 220º), que não chega a conferir quaisquer poderes de representação. O casamento celebrado com base em tal procuração é inexistente, aplicando-se, por igualdade ou maioria de razão, o disposto no art. 1628º, al.d). A procuração ad nuptias deve conter poderes especiais para o acto, a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento ( art. 1620º/2 ). A procuração que não contenha poderes especiais para o acto ou a designação expressa do outro nubente é nula, sendo inexistente o casamento que venha a ser celebrado ao abrigo da mesma ( art. 1628º, al. d). No caso de ser contraído casamento por procuração que não indique a modalidade de casamento, atendendo ao princípio da tipicidade das causas de inexistência jurídica ou de anulabilidade, constante do art. 1627º, ocorre uma mera irregularidade que não prejudica nem a existência nem a validade do casamento. Apesar da margem decisória do constituinte, que limita o papel do procurador ad nuptias, este é um verdadeiro representante e não um mero núncio. A procuração ad nuptias extingue-se pela revogação ou pela caducidade ( art. 1621º ).É inexistente o casamento contraído por intermédio de procurador, depois da revogação ou caducidade da procuração ( art. 1628º, al. d ) ). A revogação, que tem de observar uma das formas legalmente exigidas para a procuração ad nuptias ( cfr. art. 43º, 5 CRC ), pode ser feita a qualquer altura até ao momento da celebração do casamento e põe termo aos efeitos da procuração no preciso momento em que é realizada, não dependendo a sua eficácia extintiva do conhecimento da revogação pelo procurador. A procuração caduca com a morte do constituinte ou do procurador, ou com a interdição ou inabilitação de qualquer deles em consequência de anomalia psíquica.

O casamento é anulável, por falta de vontade negocial, nos casos em que falte consciência do acto ou em que a declaração de casar tenha sido extorquida por coacção física ( als. a ) e c ), respectivamente, do art. 1635º ). Qualquer causa de falta de consciência do acto é relevante para efeitos de anulação do casamento, designadamente a incapacidade acidental (expressamente prevista no art. 1635º, al. a)) e o erro na declaração que não recaia sobre a identidade física do outro contraente. O casamento é também anulável por erro acerca da identidade física do outro contraente ( art. 1635º, al, b )). Outra situação de divergência entre a vontade e a declaração que fundamenta a anulação do casamento é a simulação ( art.1635º, al. d )), a que é equiparada a reserva mental de um nubente conhecida do outro ( art. 244º, nº2, 2ª parte ). Para a divergência intencional entre a vontade e a declaração construir fundamento de anulação, é indispensável que não haja a vontade de assumir a obrigação de plena comunhão de vida. Se, p.e, os nubentes declararem casar não estarão vinculados ao dever de fidelidade, o casamento é válido; está-se perante simulação parcial a que se aplica o art. 1618º e não o art. 1635º, al. d) A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas pelo casamento ( art. 1640º, nº1 ). Nos restantes casos previstos no art. 1635º, a acção só pode ser proposta pelo cônjuge cuja a vontade faltou ou não coincidiu com a declaração; se ele falecer na pendência da causa, podem prosseguir na acção os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes ( art. 1640º, nº2 ). A acção de anulação por falta de vontade negocial ou divergência entre a vontade e a declaração só pode ser proposta dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se o casamento era ignorado do requerente ( pessoa prejudicada pelo casamento simulado ou nubente que não teve consciência do acto em que participava ), nos seis meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento ( art. 1644º ).

22

-vício e coacção moral O casamento celebrado com a vontade viciada por erro é anulável nos termos do art.1636º. Para ser relevante enquanto causa de anulabilidade, o erro tem de recair sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, tem de ser desculpável, essencial e próprio. É indiferente se o erro-vício é simples ou qualificado por dolo. O casamento celebrado sob coacção moral é anulável, desde que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente ameaçado, e justificado o receio da sua consumação ( art. 1638º, nº1 ). Os requisitos da coacção moral, no casamento, são idênticos aos estabelecidos no regime geral da coacção moral proveniente de terceiro ( cfr. art. 256º ), ainda que o acto destinado a extorquir a declaração de casar seja praticado pelo nubente e não por terceiro. De acordo com o art. 1638º, nº2, a exploração da situação de necessidade que, na parte geral, corresponde a um manifestação tipificada de negócio usurário ( crf. art. 282, nº1 ) , é equiparada à coacção moral. A anulação fundada em erro ou coacção só pode ser pedida pelo cônjuge cuja vontade foi viciada; se ele falecer na pendência da causa, podem prosseguir na acção os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes ( art. 1641º ). A acção caduca se não for instaurada dentro de seis meses subsequentes à cessação do estado de erro ou coacção ( art. 1645º ).

23

Subsecção IV Formalidades do casamento civil. Casamento urgente. Casamento de portugueses no estrangeiro e de estrangeiros em Portugal

A celebração do casamento está sujeita a formalidades estabelecidas na lei ( art. 1615º ). Mas as formalidades do casamento não se cingem à respectiva cerimónia. É usual distinguir-se entre:

- formalidades preliminares, que antecedem a cerimónia ; - as formalidades de celebração; - as formalidades subsequentes, correspondentes ao registo. As formalidades variam consoante a modalidade e a forma do casamento, bem como consoante o

local de celebração e a nacionalidade dos nubentes. Recorde-se que, quanto à modalidade: - o casamento é civil; - ou católico. O casamento civil pode ser celebrado por forma: - civil , - ou por forma religiosa. Segundo outra classificação das formas do casamento (aplicável ao casamento civil celebrado

por forma civil, ao casamento civil celebrado por forma religiosa e ao casamento católico ), este pode ser: - comum ou; - urgente. No que respeita ao local de celebração, o casamento pode ter sido celebrado: - em Portugal - ou no estrangeiro. Por fim, no campo das formalidades, é susceptível de relevar a nacionalidade dos nubentes: - ambos portugueses; - um deles português e o outro estrangeiro; - ambos estrangeiros. Na perspectiva do Direito da Família, é paradigmático o casamento civil sob a forma civil,

comum ( não urgente), celebrado em Portugal entre cidadãos portugueses.

As formalidades preliminares do casamento civil sob a forma civil, comum ( não urgente), integram o processo preliminar de publicações regulado pelos arts. 134º - 145º CRC e pelos arts. 1610º - 1614º. O casamento celebrado sem precedência do processo de publicações é válido, mas considera-se contraído sob o regime imperativo da separação de bens ( art. 1720º/1, al.a). O processo preliminar de publicações destina-se á verificação da inexistência de impedimentos (art.1610º ), é organizado pela conservatória do registo civil territorial competente ( cfr. art.134º CRC ) e tem tres fases: 1) declaração de casamento; 2) afixação de edital; 3) despacho final.

a. na declaração para casamento , que é feita pelos nubentes, pessoalmente ou por intermédio de procurador, numa conservatória do registo civil, eles comunicam a sua intenção de contrair matrimónio e requerem a instauração do processo de publicações ( art. 135º CRC ). A declaração é apresentada sob a forma de documento assinado pelos nubentes ou de auto, assinado pelo funcionário do registo civil e pelos declarantes, se souberem e puderem fazê-lo (art. 136º CRC ). A declaração para casamento deve conter os elementos indicados no art. 136º/2 CRC, e deve ser instruída com vários documentos (nomeadamente a certidão do registo de nascimento dos nubentes), nos termos dos arts. 137º - 139º CRC.

b. Uma vez apresentada a declaração para casamento, é dada publicidade à pretensão dos nubentes por meio de edital afixado á porta da conservatória organizadora do processo durante oito dias consecutivos no qual se convidam as pessoas que conheçam algum impedimento ao casamento a virem declará-lo na conservatória ( art. 140º/ 1 e 2 CRC ). Independentemente disto, o conservador tem competência para

24

proceder às diligências necessárias ao apuramento da capacidade matrimonial dos nubentes ( art. 143º/1 CRC ).

c. Findo o prazo das publicações e efectuadas as diligências eventualmente necessárias, deve o conservador, no prazo de três dias a contar da última diligência , proferir despacho final a autorizar os nubentes a celebrar o casamento ou a mandar arquivar o processo ( art. 144º/1 CRC )

A marcha do processo preliminar de publicações sofre alterações se, durante o prazo dos editais ou até à celebração do casamento, for deduzido algum impedimento ou a existência deste chegar , por qualquer forma, ao conhecimento do conservador: o andamento do processo é suspenso até que esse impedimento cesse, seja dispensado ou julgado improcedente por decisão judicial ( art. 142º/2 CRC ).

A existência de impedimentos pode ser declarada por qualquer pessoa atá ao momento da celebração do casamento, sendo a declaração obrigatória para o Ministério Público e para os funcionários do registo civil logo que tenham conhecimento do impedimento ( arts. 142º/1CRC e 1611º/1 e 2 ). A simples declaração do impedimento obsta à celebração do casamento, enquanto não for julgada improcedente ou sem efeito ( art. 245º/3 CRC ), e determina a abertura do processo de impedimento do casamento , regulado nos arts. 245º - 252º CRC. Se o impedimento for considerado procedente, o processo preliminar é arquivado. Se a declaração de impedimento ficar sem efeito , por falta de apresentação atempada dos meios de prova ( cfr. art. 246º/1 CRC ), ou for julgada improcedente, prossegue-se o processo preliminar.

Lavrado o despacho final a autorizar a realização do casamento, este deve celebrar-se dentro dos 90 dias seguintes ( art. 1614º ). As formalidades da celebração do casamento civil estão previstas nos arts. 153º - 155º CRC e 1615º - 1616º. O dia e hora da celebração são acordados entre os nubentes e o conservador ( art.153º CRC ). O local será a conservatória ou, a pedido verbal e fundado dos interessados, qualquer outro lugar a que o público tenha acesso ( art. 57º CRC ).

É indispensável para a celebração do casamento a presença dos nubentes, ou de um deles e do procurador do outro, bem como do conservador ( art. 1616º, als. a) e b). A ausência de um ou ambos os contraentes , ou o procurador de um deles, implica a inexistência do casamento ( art. 1628º, al.c). A ausência do conservador determina também a mesma consequência ( art. 1628º, al.a), a não ser que o casamento tenha sido realizado perante quem, não tendo competência funcional para o acto , exercia publicamente as respectivas funções, salvo se ambos os nubentes conheciam , no momento da celebração , a falta daquela competência ( art. 1629º ).

É obrigatória a presença de duas testemunhas sempre que a identidade de qualquer dos nubentes ou do procurador não possa ser confirmada por uma das formas previstas no art. 154º CRC (exibição do B.I.). O casamento celebrado sem a presença das testemunhas, quando obrigatória, é anulável ( art. 1631º, al. c). Mas a acção de anulação só pode ser proposta pelo Ministério Público ( art. 1642º ) dentro do ano posterior á celebração do casamento ( art. 1646º ). O casamento é convalidado se, antes de transitar em julgado a sentença de anulação , não havendo dúvidas sobre a celebração do acto, o Ministério da Justiça reconhecer que a falta de testemunhas é devida a circunstâncias atendíveis ( art. 1633º/1, al. d).

A celebração do casamento é publica ( art. 1615º ) e traduz-se numa cerimónia cujas formalidades estão reguladas no art. 155º CRC. Às pessoas que se encontram no local é concedida uma última oportunidade de denunciarem eventuais impedimentos matrimoniais. Depois de referir os direitos e deveres dos cônjuges, previstos no Código Civil, o conservador pergunta a cada um dos nubentes se aceita o outro por consorte.

Do art. 155º resulta que o contrato de casamento adopta uma forma oral particularmente solene.

As formalidades subsequentes à celebração do casamento traduzem-se no registo civil. O art. 1651º indica quais os casamentos que estão sujeitos a registo. O nº1 enumera os casamentos que têm de ser obrigatoriamente registados, entre os quais se incluem os casamentos celebrados em Portugal (comuns ou urgentes, civis ou católicos, civis sob a forma civil ou religiosa). O nº2 admite o registo de quaisquer outros casamentos que não contrariem a ordem pública internacional do Estado português, a requerimento de quem mostre legítimo interesse. O registo civil do casamento consiste no assento que é lavrado por ( art. 14º/1, al.c) CRC ):

- inscrição ou; - transcrição O assento lavrado por inscrição é um registo directo do acto de casamento. O assento lavrado

por transcrição é um registo que tem por base o assento da cerimónia feito por uma entidade que não

25

desempenha funções de registo civil . O art. 1654º enuncia os casos de casamentos lavrados por transcrição. São lavrados por inscrição os assentos de casamento civil não urgente celebrado por forma civil em território português ou realizado no estrangeiro perante um agente diplomático ou consular português ( art. 52º, al. e) CRC )

O assento de casamento civil não urgente celebrado em Portugal por forma civil deve ser lavrado, lido em voz alta pelo conservador e assinado por este, pelas partes e pelas testemunhas, logo após a celebração ( art. 180º/1 e 55º/1, al.d) CRC ). Este assento deve conter os elementos mencionados nos art. 55º e 181º CRC.

Efectuado o registo, os efeitos civis do casamento retroagem-se á data da celebração do acto (art. 1670º/1 ). O princípio da retroactividade não afecta os direitos de terceiros que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos, a não ser que, tratando-se de registo por transcrição, esta tenha sido feita dentro dos sete dias subsequentes à celebração ( art. 1670º/2).

À semelhança de qualquer outro facto sujeito a registo civil obrigatório ( cfr.art. 2º CRC ), o casamento cujo registo é obrigatório não pode ser invocado enquanto não for lavrado e respectivo assento, sem prejuízo das excepções previstas na lei. Uma das excepções à atendibilidade do casamento não registado figura no :

- art. 1601º, al. c) : o casamento cujo assento não foi lavrado no registo civil obsta á celebração de novo matrimónio. - art. 1653º/1 : no processo destinado a suprir a omissão do seu próprio registo, é admissível a invocação do casamento . A natureza do registo obrigatório de casamento é igual à do registo civil obrigatório de outros

factos ( cfr. art. 3º CRC ). Em princípio, a certidão extraída do assento de casamento é o único meio de prova legalmente

admitido do acto.

O casamento civil celebrado por forma religiosa observa as formalidades da própria religião, visíveis, nomeadamente, na cerimónia do casamento, e formalidades civis. O art. 19º da Lei da Liberdade Religiosa ( Lei nº 16/2001 de 22 de Junho ) regula as formalidades civis do casamento civil por forma religiosa, comum, celebrado em Portugal, perante o ministro do culto de uma igreja ou comunidade religiosa radicada no país. O ministro do culto deve ser nacional de Estado membro da União Europeia ou, não sendo, ter autorização de residência em Portugal (nº 1). O processo preliminar de publicações corre na conservatória do registo civil. A declaração para casamento , que o inicia, pode ser prestada na conservatória pelos nubentes, pessoalmente ou por intermédio do procurador , com indicação da forma religiosa e do ministro do culto credenciado para o acto , ou pelo ministro de culto mediante requerimento por si assinado ( art. 19º/2, da Lei nº 16/2001 ) Findo o processo preliminar de publicações, sem que se tenha verificado a existência de impedimentos, o conservador autoriza o casamento e passa o respectivo certificado, nos termos dos art. 146º e 147º CRC. O certificado para casamento deve conter menção de que os nubentes têm conhecimento do disposto nos arts. 1577º ( noção de casamento ) , art. 1600º (regra geral sobre a capacidade matrimonial ),art. 1671º ( princípio da igualdade dos cônjuges ) e 1672º ( deveres dos cônjuges ). O certificado deve conter também o nome e a credenciação do ministro do culto. O certificado é remetido oficiosamente ao ministro do culto. Se, posteriormente, o conservador tomar conhecimento de impedimentos, deve comunicar o facto ao ministro do culto ( art. 19º/ 3 da Lei nº 16/2001 ) É indispensável para a celebração a presença dos contraentes, ou de um deles e do procurador do outro ; do ministro do culto devidamente credenciado; e de duas testemunhas ( art. 19º/4 da Lei nº 16/2001 ). Ao contrário do que acontece no casamento civil sob a forma civil , é sempre obrigatória a presença de duas testemunhas. As consequências da violação das regras sobre as pessoas cuja presença é indispensável são as mesmas que estão previstas para o casamento civil sob a forma civil, aplicando-se, no caso de ausência de ministro do culto devidamente credenciado , os arts. 1628º, al.a) e 1629º, com as adequadas adaptações. O casamento civil sob a forma religiosa está subordinado ao regime que o Código Civil fixa para o casamento civil. Assim, se por exemplo o casamento civil por forma religiosa contraído com o impedimento da afinidade na linha recta ( art. 1602º, al.c) é anulável , nos termos dos arts. 1631º, al. a), 1639º/1 e 1643º/1, al.c) e nº2. A anulabilidade terá de ser reconhecida em acção especialmente intentada para esse fim ( art. 1632º ) nos tribunais do Estado português.

26

Após a celebração do casamento civil sob a forma religiosa, o ministro do culto deve lavrar imediatamente o assento em duplicado no livro de registo da igreja ou da comunidade religiosa e enviar à conservatória competente, dentro do prazo de três dias , o duplicado do assento ( art. 19º/5 da Lei nº 16/2001 ). O conservador deve transcrever o duplicado no livro de assentos de casamento dentro do prazo de dois dias, a contar da recepção , e comunicar o registo civil do casamento ao ministro do culto até ao termo do dia imediato àquele em que foi feito ( art. 19º/6 Lei nº 16/2001 ). Em contraste com o casamento católico ( art. 1657º/1, al.d), o conservador não deve recusar a transcrição do casamento civil sob a forma religiosa se, no momento da celebração , for oponível a este matrimónio algum impedimento dirimente. O casamento civil por forma religiosa é, ao invés, passível de invalidação nos tribunais do Estado português.

O casamento civil urgente sob a forma civil é aquela cuja celebração é permitida independentemente do processo preliminar de publicações e sem a intervenção do funcionário do registo civil ( cfr. art. 1622º/1 ) . Mas também é reconhecida eficácia civil ao casamento católico urgente, que é aquele que pode celebrar-se independentemente do processo preliminar de publicações e de passagem de certificado para casamento ( cfr. art. 1599º/1 ). Para identificar a espécie de casamento urgente é, importante apurar se foi celebrado com a intervenção de funcionário do registo civil, de ministro da Igreja Católica ou de ministro de outro culto. Na ausência de qualquer uma destas entidades, aplica-se, directa e analogicamente o art. 1590º : o

das partes, manifestada expressamente ou deduzida das formalidades adoptadas, das crenças dos nubentes

O casamento civil urgente celebrado em Portugal está sujeito a requisitos e formalidades, que são comuns á forma civil e religiosa. São requisitos do casamento urgente o fundado receio da morte próxima de algum dos nubentes ou iminência de parto ( art. 1622º/1). As principais especialidades são as seguintes: - Desnecessidade da precedência do processo de publicações - Na celebração do casamento urgente dispensa-se a presença do conservador do registo civil, ou

ministro de culto, e é obrigatória a presença de 4 testemunhas ( art. 156º, al.b) CRC ) - Há uma fase de formalidades subsequentes à celebração, a fase da homologação, que é prévia à do registo (definitivo).

As formalidades preliminares do casamento urgente resumem-se á proclamação oral ou escrita de que vai celebrar-se o casamento, feita, à porta da casa onde se encontram os nubentes, por qualquer das pessoas presentes ( art. 156º, al.a) CRC ). O casamento celebra-se com a declaração expressa do consentimento de cada um dos nubentes perante 4 testemunhas, duas das quais não podem ser parentes sucessíveis dos nubentes ( art. 156º, al.c) CRC ). Com base nessa acta, o conservador do registo civil lavra um assento provisório do casamento ( cfr. art. 1622º/3 ) Lavrado o assento provisório ( nos termos dos arts. 157º e 158º CRC ), o conservador decide se o casamento deve ser homologado ( art. 1623º/1 ). Se não tiver já ocorrido, o processo de publicações é organizado oficiosamente e a decisão sobre a homologação será proferida no despacho final desse processo ( cfr.arts. 159º CRC e 1623º/2 ). As causas justificativas da não homologação são referidas no art. 1624º/1. O casamento civil urgente não homologado é juridicamente inexistente ( art. 1628º, al.b). Recusada a homologação , é cancelado o registo provisório ( art. 1624º/2 ). Os cônjuges ou seus herdeiros, bem como o Ministério Público podem recorrer do despacho do conservador para o tribunal, a fim de ser declarada a validade lato sensu do casamento ( art. 1624º/3, art. 292º CRC ). O registo definitivo do casamento civil urgente homologado é lavrado por transcrição ( cfr. art.1654, al.b), com base no despacho de homologação ( cfr. arts. 1662º e 1663º/1 ). Se o casamento urgente que foi homologado e registado como civil vier a ser considerado como católico pelas autoridades eclesiásticas e, como tal, se encontrar transcrito , é cancelada a transcrição como casamento civil, sem prejuízo dos direitos de terceiro ( art. 1663º/2 ). O casamento urgente existente e válido que não tenha sido precedido do processo de publicações considera-se celebrado sob o regime imperativo da separação de bens ( art. 1720º/1, al.a).

27

O casamento contraído no estrangeiro entre dosis portugueses ou entre português e estrangeiro pode ser celebrado perante os ministros do culto católico, perante os agentes diplomáticos ou consulares portugueses, pela forma prevista na lei portuguesa , ou perante as autoridades locais competentes, pela forma estabelecida na lei do lugar da celebração ( art. 161º CRC ). O casamento é precedido do processo de publicações, excepto se dele estiver dispensado pela lei civil ( art. 162º CRC ). Conforme os casos, o processo preliminar de publicações é organizado pelos agentes diplomáticos ou consulares portugueses, pela conservatória do registo civil competente ou pela Conservatória dos Registos Centrais ( art. 162º e 163º CRC ). O art. 51º/3 estrangeiro , em harmonia com as leis canónicas, é havido como casamento católico, seja qual a forma legal da celebração O casamento no estrangeiro de dois portugueses, ou de português e estrangeiro, será registado no livro próprio do consulado português competente ( art. 184º/1 CRC ). O casamento celebrado perante o agente diplomático ou consular português é registado por inscrição ( art. 184º/2 CRC ). O casamento católico é transcrito, com base no assento paroquial ( art. 178º/1 CRC ); a transcrição pode ser recusada nas situações em que o pode ser a transcrição do casamento católico celebrado em Portugal ( art. 178º/2 CRC ). O casamento celebrado perante as autoridades estrangeiras, pela forma estabelecida na lei do lugar da celebração , é registado por transcrição do documento comprovativo do casamento , passado de harmonia com a referida lei ( art. 184º/2 CRC ). Em qualquer das hipóteses, a transcrição é subordinada á prévia organização do processo de publicações ( art. 185º/1 CRC ) e deve ser recusada se houver impedimento dirimente á celebração do casamento ( art. 185º/3 CRC ). Lavrado o assento do casamento , o duplicado é remetido à conservatória , que integra o assento nos seus livros de registo ( art. 186º e 5º CRC ). O casamento de português com estrangeiro celebrado em Portugal só pode realizar-se pelas formas ( civil não religiosa, civil religiosa e católica ) e segundo as formalidades previstas na lei portuguesa para o casamento de portugueses no país ( art. 164º CRC ). O casamento de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes, perante os respectivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual competência seja reconhecida pela mesma lei aos agentes diplomáticos e consulares portugueses ( arts. 51º/1; 165º CRC ) ou segundo as formas e formalidades previstas na lei portuguesa , para o casamento de portugueses no país ( cfr. art. 166º CRC ). Ao abrigo do art. 166º CRC, o estrangeiro que pretende casar em Portugal com português , ou com estrangeiro por qualquer das formas de casamento estabelecidas na lei portuguesa, deve instruir o processo de publicações com certificado de inexistência de impedimentos à celebração do casamento , passado pela entidade competente do país de que seja nacional. Quando não seja possível apresentar o certificado por motivo de força maior , a falta do documento pode ser suprida pelo certificado de capacidade matrimonial , passado pela conservatória competente para o processo de casamento , na sequência do processo especial regulado nos arts. 261º - 265º CRC.

28

Subsecção V Casamento Católico

Casamento católico enquanto acto identifica-se com o consentimento matrimonial, que o CDC define como o «acto da vontade pelo qual o homem e a mulher, por pacto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente, a fim de constituírem o matrimónio» (cân. 1057, 2). Casamento católico enquanto estado traduz-se no consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole (cân. 1055 1). É atribuída relevância civil ao regime de Direito Canónico do casamento católico em matérias que se não cingem à forma. Com a concordata de 2004, as decisões definitivas das autoridades eclesiásticas relativas à nulidade do casamento civil e à dispensa do casamento e não consumado continuam a ser susceptíveis de produzir efeitos civis, embora agora essa eficácia dependa da revisão e confirmação das mesmas do Estado português, o que prejudica a disciplina do art. 1626.º, cuja redacção é ainda a da aprovação do CC.

Assim, não havendo colisão dos requisitos de fundo (possibilidade legal, capacidade e consentimento), o casamento católico só ode ser tido como inválido se violar o Direito Canónico. Contudo se infringir regras civis sobre os requisitos do casamento já não será anulável.

Ao casamento católico aplica-se exclusivamente a categoria da nulidade e esta modalidade do casamento só pode ser invalidada na sequência de uma decisão das autoridades eclesiásticas.

Não se pense que no nosso ordenamento vigora duas modalidades do casamento subordinadas a

um conjunto muito diferente de requisitos. Na disciplina do vínculo matrimonial, o Direito Civil inspirou-se no Direito Canónico.

As principais discrepâncias que se vislumbram no Código de Direito Canónico são as seguintes: Idade de 14 e 15 anos, para a mulher (permitindo-se que as conferências episcopais de cada país

estabeleçam idade nupcial mínima inferior (em Portugal é 16 anos)) e o casamento civil anteriormente não dissolvido não é impedimento.

A anomalia psíquica permanente também não é impedimento, mas pode afectar a validade do consentimento, nos termos do cân. 1095.

A impotência, a disparidade de culto, as ordens sacras e o voto de castidade configuram impedimentos.

Admissibilidade da representação dos dois nubentes por procurador ad nuptias. Simulação, ou reserva mental, parcial implica a invalidade do casamento. O erro-vício simples acerca da qualidade da pessoa torna inválido o matrimónio apenas quando

Invalidade do casamento contraído por vítima de erro qualificado por dolo «acerca de uma

qualidade da outra parte, que, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal.

A coação moral acarreta a invalidade do matrimónio «celebrado por violência ou medo grave, incutido por uma causa externa, ainda que não dirigido para extorquir o consentimento».

O art. 1596.º estabelece que o casamento católico só pode ser celebrado por quem tiver a

capacidade matrimonial exigida na lei civil. Ora, na falta do instrumento da invalidade, a garantia do respeito dos impedimentos de Direito Civil na celebração do casamento católico é assegurada mediante os instrumentos gerais remanescentes de tutela dos impedimentos e, sobretudo, com base no instituto da recusa de transcrição.

Esta recusa permite assegurar a observância dos impedimentos mais importantes do Direito Civil. O casamento católico comum com um impedimento dirimente consagrado na lei civil não será transcrito (art. 1657.º, n.º1, al. d)), o que significa que não produzirá a generalidade dos efeitos civis. E a recusa da transcrição atinge o casamento católico legalmente dispensado do processo preliminar de publicações, desde que subsista um dos impedimentos dirimentes de Direito Civil que, até hoje, não tem constituído também uma proibição de casar no Direito Canónico (art. 1657.º, n.º1, al. e)).

29

Formalidades civis do casamento católico As formalidades do casamento católico são reguladas quer pelo Direito Canónico, quer pelo Direito Civil. O Direito da Família ocupa-se somente das formalidades civis, que o se referem ao momento prévio ou ao momento subsequente à celebração do matrimónio, sendo as formalidades o acto de celebração as do Direito Canónico. A generalidade dos casamentos católicos está sujeito a processo preliminar de publicações, que é organizado nas conservatórias do registo civil (art. 1597.º, n.º1). A declaração para casamento, que inicia o processo, pode ser prestada na conservatória pelos nubentes, pessoalmente ou por intermédio do procurador, com indicação da modalidade do casamento e da paróquia em que deve ser celebrado ou pelo pároco, mediante requerimento por si assinado. Verificada no despacho final do processo preliminar a inexistência de impedimento área realização do casamento, o conservador passa, dentro do prazo de três dias a contar da data do despacho ou daquela em que os nubentes manifestaram intenção de contrair casamento católico, um certificado no qual declara que os nubentes podem contrair casamento. O casamento católico não pode ser celebrado sem que ao pároco seja apresentado o aludido certificado, a não ser que se trate de casamento dispensado do processo preliminar de publicações. Se, posteriormente, o conservador tomar conhecimento de impedimentos, deve comunicar o facto ao pároco, a fim de que seja sustada a celebração do casamento. Está dispensado do processo preliminar de publicações o casamento católico urgente: o casamento in articulo mortis, na iminência de parto ou cuja celebração seja expressamente autorizada pelo ordinário próprio por grave motivo de ordem moral (art. 1599.º, n.º1). Os casamentos católicos não precedidos do processo de publicações consideram-se contraídos sob regime imperativo da separação de bens (art. 1720.º, n.º1, al. a)). Após a celebração do casamento católico, o pároco deve lavrar o assento paroquial em duplicado (arts. 167.º e 168.º CRC) e enviar à conservatória competente, dentro do prazo de três dias, o duplicado do assento (art. 169.º, n.º1 CRC). A obrigação de remessa do duplicado não existe nos casos apontados no art. 170.º CRC6. Na falta de remessa do duplicado ou da certidão do assento pelo pároco, a transcrição pode ser feita a todo o tempo, em face do documento necessário, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público (art. 1659.º, n.º2). No entanto, se o casamento não tiver sido precedido do processo de publicações, a transcrição só se efectua depois de organização o processo (art. 1658.º). A esta causa de recusa de transcrição, que perdura enquanto não correr o processo, acrescem as hipóteses previstas no art. 1657.º, n.º1, sendo de destacar as que se fundam na verificação de impedimentos dirimentes: a al. d), que se aplica aos casamentos católicos comuns, e a al. e), relativa aos casamentos urgentes. O art. 1660.º prescreve que a transcrição recusada com base em impedimento dirimentes deve ser efectuada, logo que cesse o impedimento. À luz do art. 1660.º, por razões de economia processual, há que concluir que, apesar da letra do art. 1657.º, n.º1, al. d), a recusa de transcrição do casamento católico comum, com fundamento em impedimento dirimente oponível no momento da celebração, só é lícita se o impedimento subsistir à data do registo. Qual a natureza jurídica da transcrição do c

O facto de a morte de um ou ambos os cônjuges não obstar à transcrição (art. 1657.º, n.º2) é um elemento que afasta claramente a qualificação como condição de existência ou validade do acto matrimonial em face do ordenamento estatal. A posição mais convincente é a que confere à transcrição a natureza que qualquer acto de registo tem: formalidade ad probationem (que influi na eficácia do casamento, porque o que não pode ser invocado não produz efeitos). É que o casamento católico não transcrito produz efeito civil, que se não reconduz ao domínio da prova em acções de estado ou registo: enquanto não for dissolvido, o casamento católico não transcrito obsta à celebração de casamento civil subsequente (art. 1601.º, al. c)).

POR fim, não obstante o que dispõe o art. 1654.º, al. a), nem todos os casamentos católicos celebrados em Portugal são registados por transcrição. O registo do casamento católico contraído por pessoas já ligadas entre si por casamento civil não dissolvido faz-se averbamento ao assento do casamento civil (arts. 179.º CRC e 1589.º, n.º1).

6 Na parte que estende a obrigação de remessa aos casamentos católicos urgentes, o art. 1656.º, al. al. a), foi revogado pelo CRC de 1978.

30

Secção II Efeitos do casamento: o casamento como estado EFEITOS PESSOAIS Subsecção I Generalidades

Observações prévias Os efeitos pessoais do casamento podem resumir-se assim: o casamento constitui a família, impõe aos cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. A matéria está regulada nos arts. 1671.º - 1689.º CC efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges. Regula-se assim, os efeitos pessoais do casamento e os efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens: administração de bens dos cônjuges, poderes dos cônjuges sobre os bens que integram as várias massas patrimoniais, partilha do casal. O sistema da lei explica-se pela dificuldade de estabelecer uma distinção nítida entre uns e outros (por exemplo: a obrigação de prestar alimentos, uma das obrigações compreendidas no dever de assistência, tem indiscutível conteúdo patrimonial, mas constitui, uma expressão no plano dos bens da relação pessoal entre os cônjuges).

Princípios fundamentais dos cônjuges e direcção conjunta da família O art. 1671.º enuncia os dois princípios fundamentais por que se rege a matéria dos efeitos pessoais do casamento: o princípio da igualdade dos direitos e deveres dos cônjuges e o da direcção conjunta da família. Princípio da igualdade dos cônjuges:

Art. 36.º, n.º3 CRP: aplica-se também à responsabilidade por dívidas, administração dos bens dos filhos. Está também inscrita na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 16.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 12.º). Este artigo forçou a eliminação de diversos preceitos do CC (por exemplo, o art. 1674.º, segundo o qual o marido, como chefe de família, decidia em todos os actos da vida conjugal). Princípio da direcção conjunta da família:

Art. 1671.º, n.º2 CC. Se os cônjuges são iguais, a direcção da família deve pertencer aos dois. - Preceito imperativo: a direcção da família pertence a ambos os cônjuges, pelo que seria nulo o

contrato em que estes acordassem em que essa direcção ficasse a pertencer a um deles. - Dever de «acordar sobre a orientação da vida em comum tendo em conta o bem da família e os

interesses de um e outro»: trata-se de um dever pessoal dos cônjuges. Os cônjuges podem não chegar a acordo sobre certos actos da vida conjugal, mas devem ter disponibilidade para procurarem um acordo.

- Objecto do acordo: deve versar sobre a orientação da vida em comum e só sobre ela; o poder de executar a orientação em comum acordada pertence naturalmente a qualquer dos cônjuges. Por outro lado, deve ter-se presente que a lei apenas obriga os cônjuge a acordar sobre a orientação da vida em comum (repartição de recursos, planeamento familiar, repartição de tarefas, residência da família). Fica de fora a vida pessoal da cada cônjuge (vestir-se, pentear-se clube de futebol, religião). Aqui integra-se o 1677.º-D liberdade de exercício de profissão e de exercício de actividade. Há que conjugar o 1671.º e 1677.º-D: por exemplo, o exercício de uma profissão pouco decorosa ou assunção de compromissos que impliquem proselitismo excessivo podem configurar, tendo em conta a personalidade do outro cônjuge uma violação grave dos deveres de cooperação ou de respeito. O casamento não limita os direitos de personalidade dos cônjuges, salvo o direito à liberdade sexual, pois cada um está obrigado ao «débito conjugal», assim como a não ter relações sexuais com terceiros.

- Natureza jurídica: negócios jurídico, pois os cônjuges pretendem determinados efeitos práticos e têm intenção de lhes dar tutela pelo direito, embora existam particularidades: não possibilidade de execução especifica dado o carácter pessoal da obrigação e não sujeição ao princípio geral de que os contratos só podem revogar-se ou modificar-se por mútuo acordo, podendo ser denunciados unilateralmente por exemplo: acordo sobre o número de filhos, seria intolerável que um dos cônjuges ficasse preso ao acordo porque o outro se recusasse a alterá-lo). E se houver desacordo sobre ponto fundamental, pode o juiz intervir? Em princípio, no âmbito das relações pessoais não (nas relações patrimoniais já é diferente art. 1684.º, n.º3), excepto: desacordo sobre fixação ou alteração de residência (art. 1673.º, n.º3), sobre o nome próprio ou os apelidos dos filhos (art. 1875.º, n.º2) e sobre questões de particular importância relativas ao exercício do poder paternal (art. 1901.º, n.º2).

31

Subsecção II Deveres dos cônjuges

Princípios gerais Nos termos do art. 1672.º CC, estão os cônjuges reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Trata-se de deveres recíprocos como o exige o princípio da igualdade. A violação culposa de qualquer destes deveres é causa de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, quando pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum (art. 1779.º, n.º1); mas a violação releva em si mesma, não se dilui na ruptura do casamento. Serão os deveres do art. 1672.º explícitos em contraposição a outros implícitos? Não se vêem facilmente deveres que não se reconduzem aos cinco já apresentados (dever de sinceridade é respeito, por exemplo). Como resulta dos arts. 1618.º, n.º2 2 1699.º, n.º1, al. b), o art. 1672.º é imperativo, no sentido de que não é possível excluir convencionalmente qualquer dos deveres que ele impõe aos cônjuges. Mas a lei oferece por vezes a possibilidade de estes cumprirem de modo diverso, de acordo com os seus interesses e conveniências. Por outro lado, não ode esquecer-se que, sendo o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens a «sanção» legalmente estabelecida para o incumprimento dos deveres conjugais, não há hoje causas peremptórias de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, apreciada pelo juiz em face das circunstâncias, em particular da culpa que seja imputada ao requerente e do grau de educação e de sensibilidade moral dos cônjuges (art. 779.º, n.º2). Isto significa, na prática, que o conteúdo dos deveres conjugais, ou de alguns deles, depende do modo como os cônjuges conformarem a sua relação.

Dever de respeito Dever de respeito: é um dever residual, sendo violações dele os actos ou comportamentos que não constituam violações directas de qualquer dos outros deveres mencionados no art. 1672.º. Conteúdo negativo: incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade física ou moral do outro (valores da personalidade cuja violação constitua injúria em face da «lei do divorcio de 1910»: honra, consideração pessoal, amor próprio, sensibilidade e susceptibilidade pessoal). É também dever de não praticar actos ou adoptar comportamentos que constituam «injúrias indirectas» baseado na ideia de unidade moral (condução digna da vida a nível público). Conteúdo positivo (falar com o cônjuge, interessar-se pela família).

Dever de fidelidade Dever de fidelidade: puro dever negativo, obrigando a que cada cônjuge não tenha relações com outros (adultério). Aqui não se integra a obrigação de ter relações sexuais (é antes dever de coabitação). Exige-se um elemento subjectivo (intenção ou consciência de violar) e um objectivo (violação consumada). A tentativa de adultério constitui violação deste dever, e ainda a conduta licenciosa ou desregrada de um cônjuge nas suas relações com terceiros (correspondência amorosa, por exemplo).

Dever de coabitação Divide-se em:

Comunhão de leito: débito conjugal, implicando limitação da liberdade sexual dos cônjuges. A União de facto não produz esta limitação, em face do art. 81.º CC (seria nulo, o acordo pelo qual a pessoa se obriga-se a ter relações apenas com outra pessoa). A recusa de consumar casamento ou manter relações sexuais com o cônjuge é causa de divórcio ou separação judicial de bens é violação deste dever (excepto motivos de saúde que o justifiquem).

Comunhão de mesa: vida em economia comum.

32

Comunhão de habitação: escolha por comum acordo da residência da família (local onde habitam) art. 1673.º, n.º1. A residência da família é o local do cumprimento do dever de coabitação. Escolhida a habitação passa a haver o dever de aí viver, salvo razões ponderosas em contrário (art. 1673.º, n.º2 exigências profissionais), que não representaram separação de facto dos cônjuges (art. 1781.º, als. a) e b)), se ambos tiverem o propósito de restabelecer a comunhão de vida quando isso for possível (art. 1782.º, n.º1). Os maus tratos e injúrias justificam o abandono da habitação comum. O acordo sobre a residência da família não pode ser revogado unilateralmente por qualquer dos cônjuges (art. 1673.º, n.º3). A lei permite a intervenção do tribunal para fixação da residência, a pedido de um dos cônjuges, compreendendo-se esta solução pois o abandono da residência é causa justificativa do divórcio ou separação de pessoas e bens. O juiz deve decidir tendo em conta os mesmos critérios referidos no art. 1673.º, n.º1. A lei parece pressupor que haja sempre residência de família, escolhida pelos cônjuges ou pelo juiz a requerimento de qualquer deles; mas pode não haver residência, se não existir coabitação efectiva (suponhamos que um vive em Lisboa e outro em Coimbra, ambos a estudar, residindo em pensões). Se por razões de trabalho, um dos cônjuges se ausentar, a residência continua a existir (deve o outro cumprir aí os deveres de coabitação e, o que se ausentou, quando cessem os impedimentos, também o deve fazer nessa residência).

Dever de cooperação

Dever de cooperação: importa para os cônjuges a obrigação de:

Socorro e auxílio mútuos: obriga os cônjuges a ampararem-se mutuamente nas horas boas e más, na felicidade e provação.

Assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (art. 1674.º): obriga a assunção em conjunto das responsabilidades inerentes à vida familiar. Não se trata agora de cada um ajudar o outro. Trata-se de que a família é obra dos dois, e ambos devem assumir em conjunto as inerentes responsabilidades.

Assim, o cônjuge que mostra um absoluto desinteresse pela saúde e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em relação a estes, mas também um dever em relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em conjunto com o outro as responsabilidades inerentes à vida familiar.

Dever de assistência Divide-se em:

Obrigação de prestação de alimentos: Tem relevância, em relação à segundo, quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto. Se vivem juntos é apenas obrigação de contribuir para encargos conjugais. No caso de separação de pessoas e bens, judicial, ou separação de facto, não existe vida familiar; mas a lei, em certas condições, obriga cada um dos cônjuges a prestar alimentos ao outro. Do dever de alimentos no caso de separação de pessoas e bens não tratamos agora. Apenas vamos falar desta obrigação em caso de separação de facto (art. 1675.º). - A quem incumbe:

a) Se a separação for imputável aos dois ou não for imputável a nenhum, matem-se a obrigação recíproca de prestação (art. 1675.º, n.º2). Note-se que a segunda situação não está prevista na lei, mas a lacuna deve integrar-se por aplicação analógica da al. c) do n.º1 do art. 2016.º. b) Se a separação é exclusivamente imputável a um cônjuge ou mais imputável a um, só a esse, em princípio, incumbe a obrigação de prestar alimentos; excepcionalmente, e por motivos de equidade, pode o tribunal impor ao cônjuge inocente ou menos culpado a obrigação de prestar alimentos ao outro, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha dado à economia do casal (art. 1675.º, n.º3). É ao réu que cabe o ónus da prova da culpa da separação como facto impeditivo ou extintivo do direito a alimentos (art. 342.º, n.º2).

33

- Objecto da prestação e fixação do seu montante: sujeição ao princípio do art. 2004.º (dependência das necessidades de quem pede e das possibilidades de quem os presta). Será que só se abrange o «sustento, habitação e vestuário» (2003.º) ou se ele tem direito, na medida das possibilidades do devedor, ao necessário para assegurar o mesmo padrão de vida. A nossa jurisprudência decide no último sentido, pois a separação de facto os deveras conjugais mantêm-se e, remetendo para o art. 1675.º, o art. 2015.º quererá significar que nesse caso a obrigação de alimentos tem regime próprio, diferente do estabelecido nos arts. 2016.º, e para o caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens

Obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar:

Art. 1676.º, é um dever que incumbe aos dois e pode ser cumprido, pelos dois, de duas formas: pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e através do trabalho despendido no lar.. O acordo sobre repartição de tarefas e funções é um dos mais importantes «acordos de orientação da vida em comum» a que os cônjuges estão obrigados nos termos do art. 1671.º, n.º2, trata-se de declarações negociais, normalmente tácitas, o que não impede, porém, que o acordo dos cônjuges seja revogado ou denunciado unilateralmente por qualquer um deles. Um acordo irrevogável seria nulo, pois restringia em demasia direitos pessoais dos cônjuges (por exemplo, o homem trabalha a mulher toma conta de casa e dos filhos, mas mais tarde pretende ir trabalhar). O art. 1676.º foi introduzido em 1977. não tem tido grande prática pois os cônjuges não contabilizam as contribuições de cada um para os encargos da vida familiar. Mas a intenção foi dar ao trabalho de um dos cônjuges no governo da casa e filhos um conteúdo economia materializável. A violação grave ou reiterada deste dever é causa de divórcio ou separação judicial de bens e pessoas (art. 1779.º). Realce ainda para o art. 1676.º, n.º2 (permite uma compensação por maior contribuição para o orçamento conjugal, presumindo, nos termos do art. 350.º, n.º2 que o cônjuge renuncia a esta compensação), e ainda para o art. 1676.º, n.º3, onde se aborda a hipótese de um dos cônjuges contribuir com menos do que devia (o outro cônjuge pode exigir o devido do faltoso, podendo exigi que lhe seja entregue tal importância, pelo empregador do faltoso art. 1416.º CPC seguindo depois os termos do processo para a fixação de alimentos provisórios art. 399.º-402.º e ordenando depois a sentença que a entidade pagadora entregue directamente ao requerente a respectiva importância periódica).

Secção III - Nome e nacionalidade

Os efeitos do casamento quanto ao nome patroníminico, ou seja, aos apelidos dos cônjuges estão regulados nos arts. 1677.º - 1677.º - C. A regra fundamental é a do art. 1677.º, segundo a qual cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de dois. Mantiveram-se pois soluções, tradicionais no nosso direito, de que o casamento não faz perder a qualquer dos cônjuges os seus apelidos de solteiro, e de que, por outro lado, nenhum deles tem obrigação de juntar apelidos do outro cônjuge aos seus, podendo, inclusivamente, renunciar em qualquer momento aos apelidos adoptados ( art. 104.º, n.º 2, al. d ), CregCiv ). A faculdade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus apelidos do outro costuma ser exercida na ocasião do casamento, mas a lei não impede que o seja mais tarde. A pretensão deve ser formulada em requerimento dirigido ao funcionário da conservatória detentora do assento de nascimento do cônjuge, ao qual é averbada a alteração dos apelidos ( art. 69.º, n.º 1, al. j )). Se na ocasião do casamento qualquer dos cônjugues usar da faculdade concedida pelo art. 1677.º, a indicação dos apelidos adoptados deve ficar a constar do respectivo assento. A solução expressa no art. 167.º, n.º 1, al. h ), CRegCiv relativamente ao casamento católico. Se o casamento for civil, o art.181.º não refere a indicação dos apelidos adoptados por qualquer dos nubentes entre os elementos que o assento deve conter, mas o n.º 2 do artigo anterior dispõe que a assinatura dos nubentes pode incluir os apelidos adoptados, eo modelo do livro de assentos de casamento anexo ao Código refere expressamente

art. 1677.º permite ainda aos cônjugues usar em um e outro da faculdade concedida no preceito, acrescentando cada um deles ao seu nome apelidos do outro cônjugue, embora seja insólito o resultado a que se chega se aquela faculdade for exercida nesses termos. O art. 1677.º pretende possibilitar aos cônjugues que o desejarem a adopção de um nome comum ( uma espécie

dois, a faculdade que o art. 1677.º lhes dá, é um acrescentar o apelido ou os apelidos do no fim do seu

34

nome eo outro intercalar no nome, antes dos seus próprios apelidos, o apelido ou os apelidos do outro cônjugue. Nem o art. 1677.º fim como juntar no meio, intercalar. O cônjugue que tenha adoptado apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois de segundas núpcias ( art. 1677.º - A ), não podendo neste caso, porém, acrescentar apelidos do segundo cônjugue ( art. 1677.º, n.º 2 ). Se contrair segundas núpcias e não fizer a referida declaração até à data em que as contrair, o viúvo ou viúva perde os apelidos do primeiro cônjugue, que tenha adoptado ( art. 1677.º - A, 2.ª parte, a contr. ), podendo então acrescentar apelidos do segundo cônjugue aos seus, nos termos gerais do art. 1677.º, n.º 1. O caso de separação judicial de pessoas e bens está previsto na 1ª parte do n.º 1 do art.1677.º - B, segundo o qual, decretada a separação, e tal camo no caso de viúvez, cada um dos cônjugues conserva os apelidos do outro que porventura tenha adoptado. Nada o impede, porém, de renunciar aos apelidos do outro cônjugue, nos termos gerais do art. 104.º, n.º 2, al. d ), CRegCiv. Regime diferente vale no caso de divórcio, em que , em princípio, cada um dos cônjugues perde apelidos do outro que tenha adoptado ; nos termos do art. 1677.º- B, n.º 1, 2ª parte, pode todavia conservá-los se o ex-cônjugue der o seu consentimento, por algum dos modos previstos no n.º 2 do preceito, ou for autorizado a usá-los tendo em atenção os motivos invocados. Se conservar os apelidos do ex-cônjugue e passar a segundas núpcias, não pode acrescentar-lhe apelidos do novo cônjugue ( art. 1677.º, nº 2 ). O pedido de autorização de uso dos apelidos do ex-cônjugue pode ser deduzido no processo de divórcio; mas também o pode ser, em processo próprio, mesmo depois do divórcio ter sido decretado ( art. 1677.º - B, n.º 3 ). Se for deduzido conjuntamente com o divórcio ( cfr. art. 470.º, n.º 1, CprocCiv ), o pedido de autorização de uso dos apelidos do ex-cônjugue é processado como incidente da acção, valendo a mesma solução se o pedido for formulado na pendência da acção de divórcio. Advirta-se finalmente que, falecido um dos cônjugues ou decretada a separação de pessoas e bens ou o divórcio, o cônjugue que conserve apelidos do outro pode ser privado do direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjugue ou da sua família (art. 1677.º- C, n.º 1 ). O pedido de privação do uso do nome, que seg

( art. 5.º, n.º 1, al. c ), do Decreto-lei n.º 272/2001), pode ser deduzido, no caso de divórcio ou separação de pesoas e bens, litigiosos ou por mútuo consentimento, pelo outro cônjugue ou ex-cônjugue e, no caso de viuvez, pelos descendentes, ascendentes ou irmãos do cônjugue falecido ( art. 1677.º- C, nº 2).

No que se refere aos efeitos do casamento sobre nacionalidade dos cônjugues, há a ter em conta, fundamentalmente, o preceituado nos arts. 3.º e 8.º da Lei da Nacionalidade ( Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro. Assim o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento ( art. 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade ) nos termos do n.º 2, a declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjugue que o tenha contraído de boa fé. Por outro lado, e como resulta do art. 8.º, o português que case com nacional de outro Estado não perde por esse facto a nacionalidade portuguesa, salvo se, tendo adquirido pelo casamento a nacionalidade do seu cônjugue, declarar que não quer ser português. As mencionadas declarações, de que depende a atribuição ou a perda da nacionalidade portuguesa, devem ser registadas na Conservatória dos Registos Centrais ( arts. 16.º e 18.º ) e averbadas ao assento de nascimento do interessado ( art. 19.º ).

35

EFEITOS PATRIMONIAIS

O Código Civil trata a matéria dos efeitos patrimoniais do casamento nos Caps.IX, X e XI do Titulo II do Livro do Direito da Família. Alguns desses efeitos estão regulados, conjuntamente com os

-se que os primeiros, dos por normas imperativas, enquanto os outros são regidos em princípio por normas supletivas, ainda que mesmo aqui se encontrem normas imperativas, como, por ex., o art.1720º. Secção I Efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens

Subsecção I Administração dos bens dos cônjuges

As regras sobre a administração dos bens do casal são imperativas; os nubentes não podem convencionar regras diferentes, de acordo com a sua conveniência (art. 1699º/1, al.c). Esta imperatividade não exclui que um cônjuge ceda ao outro todos ou parte dos seus poderes sobre bens próprios ou bens comuns, desde que faça por mandato, que é livremente revogável (arts. 1678º/2, al.g) e 1170º/1). O art. 1678º enuncia as regras gerais de administração dos bens do casal. Importa distinguir entre a administração dos bens próprios e a dos bens comuns. Quanto aos bens próprios, a regra enuncia-se com faciliddae: cada cônjuge administra os seus próprios bens (art. 1678º/1). Introduzem-se, porém, algumas excepções a esta regra. Assim, nos termos do nº2 do art. citado, um dos cônjuges pode administrar bens do outro:

a) quando se trate de móveis que, embora pertencentes ao outro cônjuge, são exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho pelo cônjuge administrador al.e)

b) caso de ausência ou impedimento do outro cônjuge al.f) c) quando o outro lhe confira, por mandato irrevogável, poderes de administração al.g)

Parece que nada obsta, também, a que os dois cônjuges administrem um bem próprio de

qualquer deles, desde que o dono tenha concedido poderes de administração ao seu cônjuge, por mandato. Relativemente aos bens comuns, a regra que vigora é a da administração conjunta (art. 1678º/3,

2ª parte) : ambos os cônjuges são os administradores do património comum . Constitui excepção a este princípio a concessão de poderes de administração ordinária a

qualquer dos cônjuges (art. 1678º/3, 1ª parte)7. Constituem também desvios àquela regra os casos dos bens que, embora comuns, devem ser

administrados por um dos cônjuges, quer porque tenham com esse cônjuge uma ligação priveligiada, quer porque o outro esteja ausente ou impedido de os administrar ou tenha conferido àquele, por mandato revogável, poderes de administração.

Assim, e embora se trate de bens comuns, o nº2 do art. 1678º atribui a cada um dos cônjuges a administração exclusiva:

a) Dos proventos que receba pelo trabalho (al.a), embora os bens sejam comuns por força do regime que vigora no casamento (cfr. os arts. 1724º/al.a) e 1734º)

b) Dos seus direitos de autor (al.b). vale para aqui a observação da alínea anterior tratando-se, evidentemente, dos direitos patrimoniais de autor; os direitos pessoais de autor são

(art. 1733º/1, al.c), aplicando por maioria de razão à comunhão de adquiridos.

c) Dos bens comuns que levou para o casal ou adquiriu depois do casamento a título gratuito e dos sub-rogados em lugar deles (al.c). Parece razoável incluir os rendimentos neste regime.

A sub-rogação no lugar de bens comuns vale em qualquer das suas modalidades troca directa, preço de bens alienados, troca directa e pode ser provada por qualquer meio. Não

7 Parece desviar-se desta regra de administração ordinária disjunta o caso da administração de uma quota social que seja comum do casal, por força do regime de bens do casamento.

36

há motivo para impor aqui o regime previsto no art. 1723º/al.c), que trata da sub-rogação de bens próprios e tem razões específicas.

d) Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge al.d)

e) Dos móveis comuns por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho al.e) O legislador pretende que o cônjuge utilize os instrumentos de trabalho com a liberdade

própria de um administrador de bens do casal, isto é, com legitimidade para tomar, sozinho, decisões que podem ser de administração extraordinária, e até de disposição (cfr. art. 1682º/2).

Não pode admitir-se que um cônjuge entre a administrar sozinho um bem comum, nos termos desta al.e), apenas com base numa decisão unilateral que tome sobre o exercício de certa profissão e sobre a utilização de um certo bem móvel comum que convém a este exercício.

f) De todos os bens do casal, se o outro cônjuge se encontrar ausente ou impedido de administrar (al.f).

O texto da lei refere-se apenas aos bens próprios do outro cônjuge; mas deve permitir-se igualmente, por maioria de razão, a administração exclusiva dos bens comuns.

g) De todos os bens do casal ou de parte deles, se o outro cônjuga lhe conferir, por mandato revogável, esse poder al.g).

A al.g) do nº2 do art. 1678º trata só dos bens próprios do outro cônjuge; porém, deve admitir-se, por maioria de razão, que um cõnjuge confira ao outro, por mandato revogável, os seus poderes de administração sobre bens comuns.

Não é possível ceder ao outro nubente, em convenção antenupcial, os poderes que a lei confere poderes de administrar os bens próprios e de partilhar a administração dos bens comuns. Esta cedência, em convenção antenupcial, seria unilateralmente irrevogável, careceria da colaboração do outro cônjuge.

Responsabilidade pela administração Os poderes do cônjuge administrador vão além da mera administração (cfr. o art. 1682º/2), abrangendo poderes de disposição dos móveis comuns ou próprios do cônjuge administrador. No que toca à responsabilidade pelo exercício da administração a lei distingue várioa tipos de situações que merecem tratamentos específicos. Nos casos em que o cônjuge tem o poder, por força da lei, de administrar bens que não são seus

art. 1678º/2, als. a) a f): o administrador não é obrigado a prestar contas da sua administração e só responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge (art. 1681º/1). Para além dos casos em que é a própria lei a reconhecer a um cônjuge poderes de administração exclusivos sobre bens comuns ou sobre bens próprios do outro (art. 1678º/2, als. a) a f)), os nº 2 e 3 do art. 1681º estabelecem uma responsabilidade ampla. De um modo geral pode dizer-se que o administrador de bens comuns ou de bens próprios do outro cônjuge é obrigado a prestar contas da sua administração, por aplicação das regras do mandato (art. 1681º/2 e 3 e art. 1161º/al.d). A única diferença que a lei estabeleceu resulta da parte final do nº2 do art. 1681º: o administrador só é obrigado a prestar contas e a entregar o saldo dos últimos cinco anos. O administrador responde pelos actos e pelas omissões nos termos em que um mandatário responde nos termos gerais do incumprimento das suas obrigações. E responde mesmo como um possuidor de má fé, no caso da parte final do art. 1681º/3; ou seja: responde pela perda da coisa mesmo que tenha agido sem culpa (art. 1269º), deve restituir os frutos que não colheu mas que um proprietário diligente poderia ter obtido (art. 1271º) e perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que tenha feito (art. 1275º/2). No caso de se pedir responsabilidade a um cõnjuge administrador, vai ser necessário decidir se o crédito de indemnização é próprio ou comum. Se o dano indemnizado for um dano num bem próprio, o crédito será incomunicável por força da lei (art. 1733º/1,al.d), aplicável por maioria de razão a qualquer outro regime de comunhão). Se o dano indemnizável for um dano em bens comuns, é dificil optar entre duas possibilidades: ou o crédito integral pertence ao património comum, ou o crédito corresponde a metade do dano e pertence ao cônjuge meeiro que se achou prejudicado. A primeira forma de resolver a questão reconhece ao cônjuge autor a qualidade de defensor da comunhão, protege mais o património comum como um

37

todo, restabelece o valor total do património comum como um todo, restabelece o valor do património, mas pode parecer estranho que o cônjuge lesado pague indemnização no que diz respeito ao prejuízo total e, portanto, mesmo no que diz respeito à sua metade no património comum, embora esta solução interesse bastante aos credores comuns que vêem a sua garantia restabelecida. A segunda forma de resolver são tem sentido se o cônjuge credor puder considerar o crédito (correspondente à sua metade do dano) como um bem próprio; de facto, não tem sentido considerar este crédito (de metade do dano) como um valor comum, sujeito a partilha. Também é preciso resolver qual é o momento em que se pode exigir o pagamento deum crédito destes imediatamente ou só no momento da partilha. A sugestão dada pelo regime do art. 1697º e a harmonia do sistema levarão a preferir o segundo momento. Note-se, a propósito, que a prescrição não começa nem corre entre cônjuges (art. 318º/al.a). Quando a administração seja ruinosa a ponto de o cônjuge não administrador correr o risco de perder o que é seu, dá-lhe ainda a lei a faculdade de requerer a simples separação judicial de bens, nos termos dos arts. 1767º e ss. Em face do regime vigente de responsabilidade pela má administração, que deixa de fora situações de lesão ou de perigo para o património do outro cônjuge, o cônjuge eventualmente lesado teria um legítimo interesse em assumir a direcção do estabelecimento ou em pretender nomear um terceiro como adminstrador, mas os arts 1678º/al.f) e 1679º não o permitem.

Segundo o art. 1679ºtomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardam Visam-se aqui apenas os casos de impedimento ou impossibilidade temporária, ficando o cônjuge não administrador com poderes de administração mas só para o efeito de poder requerer as providências a que se refere este artigo. Subsecção II Ilegitimidades conjugais

O casamento gera incapacidades, costuma dizer-se, mas a terminologia é inapropriada, tratando-se antes de ilegitimidades do que de incapacidades propriamente ditas. É conhecida a distinção entre estes dois preceitos. Enquanto a capacidad

Cada um dos cônjuges não pode, sem o consentimento do outro:

a) Alienar bens imóveis, próprios ou comuns (art. 1682º-A/1, al.a). este regime que não vale para bens móveis (art. 1682º/2) mostra como o Código Civil continua a dar um relevo especial à chamada riqueza imobiliária ou fiduciária.

Tem sido geralmente aceite que o simples contrato-promessa de alienação que não transmite a o direito real sobre o bem não carece do consentimento de ambos os cônjuges; diz-se que esta regra que impõe a intervenção de ambos para a alienação propriamente dita é

-promessa (art. 410º).

O contrato-promessa celebrado apenas por um dos cônjuges só vincula este cônjuge a realizar o contrato prometido. E justamente porque o outro cônjuge não se obrigou a nada, nunca estará em falta quanto à declaração de venda; assim, não deve ser obrigado a ressarcir qualquer espécie de dano que resulte, para o promitente-comprador, da não realização do contrato prometido.

Também não é possível recorrer a uma execução específica em que o tribunal se substitua ao cônjuge que não assinou, pois ele não se obrigou a fazer o contrato prometido, não pode ser considerado como contraente faltoso.

Não deve aplicar-se esta norma quando a alienação de imóveis praticadas pelo empresário, constituir o objecto da empresa; como acontece em relação às vendas de andares praticados pelo empresário da construção civil.

Só a alienação da própria empresa carece do consentimento de ambos os cônjuges.

38

b) Onerar bens imóveis, próprios ou comuns, através da constituição de direitos reais de gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento esses bens ou constituir sobre eles outros direitos pessoais de gozo (art. 1682º-A/1, al.a).

Pode constituir-se uma hipoteca judicial sobre o bem próprio de um dos cônjuges (art. 710º) para garantia de pagamento de uma dívida desse cônjuge.

c) Alienar o estabelecimento comercial, próprio ou comum (art. 1682º-A/1, al.b). Segundo a

ou mais pessoas singulares ou colectivas, ou por uma sociedade, à exploração de um certo

portanto, um bem móvel, segundo os critérios estabelecidos nos arts.204º e 205º A circunstância de se tratar de um bem móvel poderia integrá-lo no grupo de bens

importância é de tal vulto que pareceu razoável exigir-se , para a sua alienação, o consentimento dos dois cônjuges, quer o bem seja comum quer seja próprio de algum deles.

d) Onerar ou locar o estabelecimento comercial próprio ou comum (art. 1682º-A/1, al.b) e) Alienar a casa de morada de família (art. 1682º-A/2). Trata-se de defender a estabilidade da

habitação familiar no interesse dos cônjuges e eventualmente dos filhos, no decurso da vida conjugal.

f) Onerar a casa de morada de família através da constituição de direitos reais de gozo ou de garantia, e ainda dá-la de arrendamento ou constituir sobre ela outros direitos pessoais de gozo (art. 1682º-A/2)

g) Dispor do direito ao arrendamento da casa de morada de família (art. 1682º-B). Assim, não é livre o acto individual de resolução ou denúncia, de revogação por mútuo consentimento, de cessão da posição de arrendatário, de subarrendamento ou empréstimo.

Esta norma parece não impedir, porém, o acto livre de cessação dos serviços pessoais que justificam a tomada de arrendamento (art. 1068º CC na versão do RNAU)

Na hipótese de a finalidade habitacional, secundária, estar contida num arrendamento rural, Salter Cid recomenda a extensão da tutela resultante do art. 1682º- B.

h) Alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos cônjuges na vida do lar (art.1682º/3, al.a).

A utilização que se prevê deve entender-se de uma forma ampla, compreendendo tanto a utilização indispensável, como a útil ou até supérflua. Isto é: os bens móveis protegidos não são apenas os que são indispensáveis ao serviço do lar (fogão, camas, cadeiras) mas também os que são úteis porque aumentam a comodidade da casa (máquinas de lavar louça e roupa) e ainda os que ornamentam o lar (quadros e carpetes). Valerá aqui o conceito de recheio da casa definido pelo art. 2103º-C para o efeito de consagrar uma atribuição preferencial ao cônjuge sobrevivo.

i) Alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente pelos cônjuges como instrumento comum do trabalho (art. 1682º/3, al.a).

j) Alienar os seus bens móveis e os móveis comuns, se não for ele a administrá-los (art. 1682º/2 e 3, al.b).

k) Repudiar heranças ou legados (art. 1683º/2). Salvo excepções, a herança ou o legado constituem um benefício. O repúdio por um dos cônjuges significaria uma perda patrimonial equivalente a qualquer outra perda económica. E ambos os cônjuges são interessados, quer o bem se integre no património comum (art. 1732º), quer se integre no património do cônjuge chamado (art. 1722º/1, al.b); neste caso, o cônjuge do chamado participará em metade dos frutos dos bens (arts. 1728º/1 e 1733º/2).

Se o chamado pretender repudiar, com boas razões, e o seu cônjuge não der o consentimento necessário, fica na contingência de ser notificado para dizer se aceita ou repudia, sob a cominação de o silêncio valer por aceitação (art. 2049º). Convém-lhe, neste caso, usar o meio geral de suprimento do consentimento conjuga, previsto no art. 1684º do Código Civil e nos arts. 1425º e 1426º CProcCiv.

39

Em tudo o que expusemos até aqui tivermos sempre presente o caso de ser de comunhão o regime de bens do casamento. Sendo este de separação, as ilegitimidades conjugais têm muito menor amplitude, pois são aqui restritas à prática dos actos mencionados nas als.e), f),g),h),i) e j). A prática dos restantes actos nas outras alíneas, é permitida a qualquer dos cônjuges.

ta de consentimento conjugal ou do respectivo suprimento, dos actos carecidos de consentimento O consentimento conjugal para a prática dos actos que dele legalmente carecem deve ser especial para cada um desses actos (art. 1684º/1). O consentimento conjugal está sujeito à forma exigida para a procuração (art. 1684º/2), ou seja, à forma exigida para o respectivo negócio ou acto jurídico (art. 262º/2). Assim, o consentimento para a constituição de direitos reais sobre imóveis deveria ser prestado em escritura pública. O art. 117º do Código do Notariado, porém, admite que a procuração revista outras formas; esta será uma das

art. 262º/2. Normalmente, é através da intervenção simultânea dos dois cônjuges no negócio ou acto que o consentimento é prestado. A autorização do cônjuge pode ser revogada enquanto o acto para que foi concedida não estiver começado; mas , se este tiver tido começo de execução, o cônjuge só a poderá revogar reparando qualquer prejuízo de terceiro que resulte da revogação. No que se refere à forma a lei é omissa, mas parece razoável estender à revogação do consentimento conjugal as mesmas exigências de forma que os arts. 1684º/2 CC e 117ºCNot fazem quanto ao próprio consentimento. O efeito da autorização é o de validar os actos que o outro cônjuge praticar, no caso de este não ter legitimidade para eles. Quando o outro cônjuge já tinha legitimidade para praticar o acto (contrair dívidas art. 1690º/1) o efeito da autorização é o de responsabilizar o cônjuge que a concede. O art. 1684º/3, prevê a possibilidade de suprimento judicial do consentimento, quando um cônjuge não tem legitimidade para praticar sozinho, validamente, um acto jurídico que lhe pareça necessário ou conveniente. O su

art. 1425º 1 426º do CProcCiv regulam o processo especial de suprimento judicial do consentimento. Cabe ao autor não só a prova da recusa ou da impossibilidade, mas também a da vantagem ou da necessidade da realização do acto. O art. 1687º/1, considera anuláveis os actos praticados contra o disposto nos nº 1 e 3 do art. 1682º, nos arts. 1682º-A e 1682º-B e nº 2 do art. 1683º. Como anuláveis deverão considerar-se igualmente as alienações de móveis comuns feitas pelo cônjuge não administrador. Quanto ao regime da anulabilidade, nos termos do art. 1687º, a anulação pode ser pedida pelo cônjuge que não deu o consentimento ou seus herdeiros (nº1), nos seis meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração (nº2). Note-se que a anulabilidade é sanável mediante a confirmação nos termos gerais (art. 288º). Confirmação que tanto pode ser expressa como tácita. Ao lado das normas que protegem o adquirente de boa fé no caso dos actos nulos (arts. 1687º/4 e 892º), o n.º 3 procura assegurar protecção ao adquirente de boa fé nos caso de anulabilidade. A redacção do nº 4 não deixa perceber claramente quais são os casos a que se aplica a sanção legal. Na verdade, todas as hipóteses previstas no art. 1687º supõem uma alienação, por um dos cônjuges,

é que há de especial, na previsão do nº 4, que justifique a sanção mais severa da nulidade? O legislador terá previsto, neste preceito, os casos mais graves de actuação ilegítima. Quando o cônjuge aliena ou onera um bem próprio do outro, sem consentimento deste, mas tem a administração do bem, a sanção é a anulabilidade, por força do art. 1687º/1. O nº4 restringe-se aos actos de alienação e de oneração, enquanto o nº1 visa outros actos considerados ilegítimos como o arrendamento e a constituição de outros direitos pessoais de gozo.

40

Subsecção III Poderes dos cônjuges relativamente aos bens que integram as várias massa patrimoniais

Poderes de disposição inter vivos

Depois de termos visto o que os cônjuges não podem fazer, vamos ver o que eles podem fazer, quais são positivamente os seus poderes de disposição sobre os bens do casal. Distinguimos entre os poderes dos cônjuges quanto aos bens imóveis e quanto aos bens móveis; em cada um dos casos, distinguiremos ainda consoante o regime de bens do casamento é de comunhão ou de separação e conforme se trate de bens próprios, de bens comuns ou de bens próprios do outro.

A) Quanto a bens imóveis

a) Sendo o regime de comunhão Sendo o regime de comunhão, cada um dos cônjuges não pode dispor dos seus bens próprios

nem dos bens comuns sem o consentimento do outro (art. 1682º-A/1, al. a), sob pena de anulabilidade do acto (art. 1687º/1).

Também não pode dispor dos bens do outro, sendo nula a disposição que faça desses bens (art. 1687º/4).

b) No regime de separação

No regime da separação, cada um dos cônjuges pode dispor livremente dos seus bens próprios (art. 1682º-A/1, al.a), mas não pode dispor dos bens do outro sob pena de nulidade do acto (art.892º e 1687º/4)

B) Quanto a bens móveis

a) Sendo regime de comunhão Sendo o regime de comunhão, cada um dos cônjuges pode dispor livremente dos seus próprios

bens e dos bens comuns se os administrar, salvo nos casos referidos no art. 1682º/3, al.a). A alienação que um dos cônjuges faça dos seus bens móveis próprios ou dos móveis comuns que

não administre, ou dos móveis a que se refere o art. 1682º/3, al.a), é anulável, nos termos do art. 1687º/1 (aplicado directamente ou por analogia)

Não pode também cada um dos cônjuges dispor dos bens do outro, quer esteja quer não esteja na administração desses bens, sob pena, respectivamente, de anulabilidade (art. 1682º/3, al.b) e 1687º/1) ou de nulidade do acto (arts 892º e 1687º/4), a não ser que, estando na administração dos bens, o respectivo

art. 1682º/3, al.b)

b) No regime de separação Sendo o regime o da separação, cada um dos cônjuges pode dispor livremente dos seus bens

próprios se os administrar, salvo nos casos referidos na al. a) do nº 3 do art. 1682º. Mas não pode dispor dos bens do outro, sob pena de nulidade do acto (arts.892º e 1687º/4).

Poderes de disposição mortis causa

Cada um dos cônjuges só pode dispor, para depois da morte, dos seus bens próprios e da sua meação no património comum (art. 1685º). Cada cônjuge As disposições são feitas durante a vida dos cônjuges mas, por definição, só pretendem produzir os seus efeitos depois da morte do disponente; e a morte tem a consequência de dissolver o casamento. No caso em que o testador deixa um legado de coisa que só lhe pertence em parte, em princípio, o legado só vale quanto à parte que pertence ao disponente (art. 2252º). Só pode ser exigida a coisa em espécie nos casos do nº 3 deste preceito, ou seja:

a) se a coisa, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte; O momento relevente para verificar se o bem pertence exclusivamente ao disponente é o momento da sua morte e não o momento posterior em que os seus herdeiros façam as partilhas.

b) se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento.

41

A autorização tem de ser prévia ou contemporânea (dada no próprio testamento). c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro.

Subsecção IV Responsabilidade por dívidas dos cônjuges Princípios gerais

Cada um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro (art. 1690º/1), entendendo-se, para a determinação da responsabilidade dos cônjuges (p.ex., para o efeito do art. 1691º/2), que a data em que as dívidas foram contraídas é a do facto que lhes deu origem (art. 1690º/2). Pode continuar a perguntar-se se um cônjuge, contraída um dívida, deve poder pagá-la com bens que não administre, ou se o credor deve poder exigir o pagamento à custa de bens que o devedor não possa dispor livremente. A utilização, pelo devedor, de bens que não administre, para pagamento da dívida, constitui um acto da administração ilícita, contra o qual o cônjuge do devedor poderá reagir no quadro das regras do mandato tácito ou, provavelmente, no quadro das normas da posse de má fé (cfr. art. 1681º/3 CC). A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento; assim, tem de valer o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º CC, pelo que o consentimento meramente consensual é válido. O consentimento não formalizado pode suscitar, no entanto, dois problemas. Em primeiro lugar, pode ser difícil de provar, no caso de conflito entre o credor e devedor, ou entre cônjuges; o ónus da prova do consentimento caberá ao credor que pretender responsabilizar ambos os cônjuges, ou ao cônjuge devedor que quiser partilhar a responsabilidade com o outro cônjuge. Em segundo lugar, no caso de os cônjuges serem casados em regime de separação de bens, o consentimento informal do cônjuge do devedor que o credor não conheceu nem podia ter conhecido pode traduzir-se numa responsabilidade parciária pela dívida (art. 1695º/2 CC) contra a expectativa do credor, que contava com a responsabilização integral do devedor com quem contratou. Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges

São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas mencionadas nas várias alíneas no nº 1 e no nº 2 do art. 1691º:

a) Dívidas contraídas pelos dois cônjuges ou por um deles com o consentimento do outro (art. 1691º/1, al.a).

Visam-se aqui quer as dívidas anteriores quer as posteriores ao casamento, e qualquer que seja o regime de bens.

Note-se que a lei só fala das dívidas contraídas por um dos cônjuges com o consentimento do outro e não das que sejam contraídas com o respectivo suprimento judicial.

Mas a lei parece não admitir aqui o suprimento judicial previsto no art. 1684º. Quando a dívida seja contraída por um dos cônjuges nos limites dos seus poderes de administração será normalmente de responsabilidade comum, nos casos em que o suprimento seria concedido se pudesse pedir-da al. c) do nº1 do art. 1691º.

Quando a dívida seja contraída por um dos cônjuges e seja estranha ao âmbito da sua administração, é que será normalmente de responsabilidade exclusiva desse cônjuge, mesmo que contraída em proveito comum do casal, não podendo o cônjuge não administrador pedir o suprimento judicial do consentimento do outro para o efeito de o responsabilizar igualmente. Poderá, porém, invocar o princípio do art. 1679º, se se verificar o condicionalismo deste artigo.

b) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais da vida familiar (art. 1691º/1, al.b).

Trata-se das dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair.

Não interessa que as dívidas sejam contraídas antes ou depois do casamento, nem que o regime de bens seja um ou outro; a verdade é que se trata de encargos preparatórios do casamento ou derivados da vida familiar.

c) Dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal (art. 1691º/1, al.c).

42

Para se saber se certa dívida contraída por um dos cônjuges pode considerar-se de responsabilidade comum à luz desta al.c), é preciso começar por averiguar se essa dívida está conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a administração. A averiguação assentará na aplicação das normas constantes dos arts. 1678º e 1679º ao caso concreto.

Em segundo lugar, importa q

E também excede os seus poderes nitidamente aquele cônjuge que contrai uma dívida com o propósito de subscrever novas acções, reservadas a accionistas, quando as acções anteriores são um bem comum, administrado por ambos.

Quanto à noção de proveito comum há várias ideias a salientar. A primeira é que o proveito comum não se presume, excepto nos casos em que a lei o

declarar (art. 1691º/3). A segunda é que o proveito comum se afere, não pelo resultado, mas pela aplicação da

dívida, ou seja, pelo fim visado pelo devedor que a contraiu. Foi muito discutida a questão de saber se o aval ou a fiança prestados por um dos

cônjuges responsabilizavam também o outro - o aval e a fiança não satisfazem, em princípio, os requisitos da al. c),

d) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio (art. 1691º/1, al.d). art. 1691º/1, al.d), visa a tutela do comércio: alargando-se o âmbito da

garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio facilita-se a estes últimos a obtenção de crédito e, desta maneira, favorecem-se a estes últimos a obtenção de crédito e, desta maneira, favorecen-se as actividades merc

O regime completa-se com o disposto no art. 15º do Código Comercialcomerciais do cônjuge comerciante presumem-

A al.d) estabelece uma verdadeira presunção legal de proveito comum, em favor do credor. Assim, ao contrário do que se passa no regime da alínea anterior, o credor não tem de fazer a prova do proveito comum.

A presunção, todavia, não é absoluta. Também não haverá comunicabilidade se vigorar entre os cônjuges o regime da

separação. Trata-se de uma aplicação da ideia de que os cônjuges são estranhos um ao outro, do

ponto de vista patrimonial; os riscos e insucessos de um não afectam o património do outro. e) Dívidas que oneram doações, heranças ou legados, quando os respectivos bens tenham

ingressado no património comum (arts. 1691º/1, al.e) e 1693º/2) O ingresso dos bens no património comum resultará, naturalmente, de os cônjuges

terem estipulado o regime da comunhão geral ou uma cláusula de comunicabilidade de certos bens adquiridos a título gratuito.

Note-se que a responsabilidade por estas dívidas é comum ainda que o outro cônjuge não tenha dado o seu consentimento à aceitação da liberalidade. Mas o cônjuge do aceitante poderá impugnar o pagamento das dívidas com o fundamento de que o valor dos bens não é suficiente para a satisfação dos encargos (art. 1693º/2)

f) Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges em proveito comum do casal, vigorando o regime da comunhão geral de bens (art. 1691º/2)

Sendo outro o regime de bens, a dívida será da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu, não obstante ter sido aplicada em proveito comum do casal.

g) Dívidas que onerem bens comuns (art. 1694º/1). O legislador impôs o regime mesmo às dividas vencidas antes do casamento, ao contrário do que resultaria das regras gerais enunciadas.

h) Dívidas que, nos regimes de comunhão, oneram bens próprios, se tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos (art. 1694º/2).

Há pois que ver sempre se as dívidas estão relacionadas com os bens em si ou com a percepção dos rendimentos desses bens. Só neste segundo caso é que as dívidas serão de responsabilidade comum, por também serem comuns, nos regimes de comunhão, esses rendimentos (art. 1733º/2).

43

Bens que respondem pelas dívidas de responsabilidade comum Pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695º/1). O mesmo art. 1695º/1 e 2, esclarece que a responsabilidade dos cônjuges ( no caso de a dívida vir a ser paga com os bens próprios) é solidária nos regimes de comunhão e parciária no regime da separação. Mas é claro que não está aqui excluída a solidariedade convencional (cfr. os arts.512º e ss). Também deve acrescentar-se que a parte de cada cônjuge na responsabilidade não é necessariamente de 50%; ao menos quando as dívidas visaram ocorrer aos encargos normais da vida familiar, a responsabilidade de cada cônjuge deve corresponder à medida do seu dever de contribuir para os encargos, nos termos consagrados pelo art. 1676º/1, isto é, na proporção das possibilidades de cada um. Dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges

Estão mencionadas quase todas no art. 1692º:

a) Dívidas contraídas por um dos cônjuges sem o consentimento do outro (art. 1692º/al.a). Não havendo circunstâncias especiais como as que a lei refere na parte final desta alínea

circunstâncias que se prendem com o modo de vida matrimonial valem as regras gerais do direito das obrigações e cada um dos cônjuges fica responsável pelas dívidas que contrai.

A lei ressalva, porém, o caso de as dívidas terem sido contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar ou pelo cônjuge administrador em proveito comum do casal. Neste caso as dívidas são de responsabilidade comum

b) Dívidas provenientes de crimes ou outros factos imputáveis a um dos cônjuges (art. 1692º/al.b)

Considera-se aqui não só as dívidas provenientes de crimes considerados como tais, mas

imputáveis a cada um dos cônjuges. Ressalva-se, porém, o caso de esses factos, implicando responsabilidade meramente

civil, estarem abrangidos pelo disposto nos nº 1 ou 2 do art. 1691º. Será sobretudo o caso das indemnizações devidas por factos praticados pelo cônjuge administrador, dentro dos seus poderes de administração e em proveito comum do casal.

Se o facto de um dos cônjuges implicar responsabilidade criminal ou, importando responsabilidade meramente civil, não estiver abrangido pelo art. 1691º/ 1 ou 2, a responsabilidade será excluída do cônjuge autor desse facto.

c) Dívidas que onerem bens próprios de qualquer dos cônjuges (arts. 1692º/al.c) e 1694º/2). Mas se, por força do regime de bens do casamento, os rendimentos forem comuns, as dívidas que tiverem como causa a percepção dos rendimentos são da responsabilidade comum.

d) Dívidas que onerem doações, heranças ou legados, quando os respectivos bens sejam próprios (art. 1693º/1).

A incomunicabilidade da dívida subsiste ainda que a aceitação da doação, herança ou legado tenha sido efectuada com o consentimento do outro cônjuge consentimento, aliás, desnecessário (art. 1683º/1).

Bens que respondem pelas dividas de exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges

A regra geral é a do art. 1696º/1: respondem por estas dívidas os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.8 Na falta ou insuficiência de bens próprios do cônjuge devedor, podem ser imediatamente penhorados bens comuns do casal, contando que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado para requerer, querendo, a separação de bens; nos 15 dias posteriores à citação, deve o cônjuge requerer a separação ou juntar certidão comprovativa de outro processo em que aquela já

8 Responderão, porém, pelas dívidas de exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges os bens do cônjuge devedor cuja administração pertença ao outro? Responderão todos os bens próprios do cônjuge devedor , incluindo os subtraídos à sua administração. Esta solução parece ser a mais razoável, pelo menos onde se trate de bens cuja administração a lei tenha confiado ao outro cônjuge (p.ex., bens que ele utilize como exclusivo instrumento de trabalho): a ser deste modo, ao art. 1696º/1, deverá ser objecto da correspondente interpretação restritiva.

44

tenha sido requerida. Se o cônjuge do executado não requerer a separação nem juntar a mencionada certidão, a execução prossegue nos bens penhorados; apensado o requerimento ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha e tudo depende de saber a qual dos cônjuges venham a ser adjudicados os bens penhorados. Se os bens forem adjudicados na partilha ao próprio cônjuge devedor, a execução prosseguirá, naturalmente, sobre esses bens; se os bens penhorados vierem a caber ao outro cônjuge, pode o exequente nomear à penhora outros bens que tenham cabido ao próprio cônjuge devedor, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir do trânsito da sentença homologatória da partilha.São as soluções do art. 825ºCProcCiv.

De harmonia com o art. 1696º/2 respondem ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge

(al.a), (al.b) e -rogados no lugar dos referidos na alínea a) (al.c)

Embora estes bens possam ser comuns por força do regime matrimonial em vigor, e os bens comuns não respondem senão subsidiariamente por dívidas próprias, alei sacrificou neste caso o património comum do casal em favor das expectativas do credor que confiava na solvabilidade do devedor.

A expressão usada pela lei e as razões do preceito levam a concluir que o credor pode penhorar, indistintamente, bens próprios do devedor e estes bens mencionados no nº2 do art. 1696º. Não parece haver motivo para respeitar, neste âmbito, a subsidiariedade que a lei prevê no nº1.

Por outro lado, o texto não parece limitar a responsabilidade ao valor de metade dos bens penhorados; o que pode dar lugar a compensação, no momento da partilha.

Compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal

O art. 1697º/1, prevê o caso de os bens de um dos cônjuges terem respondido por dívidas de responsabilidade comum para além do que lhe competia. É indiferente que tenham respondido porque, sendo o regime de comunhão, a responsabilidade dos cônjuges era solidária, ou porque, no regime da separação, um dos cônjuges tenha pago voluntariamente uma dívida comum para além da parte que lhe tocava. Em qualquer caso, surge um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou mais que a sua parte, sobre o outro cônjuge, crédito que só é exigível, porém, no momento da partilha dos bens do casal. Podia esperar-se, neste caso, que a lei fizesse nascer, a favor do cônjuge que pagou, um crédito sobre o património comum. Se não houvesse, pura e simplesmente património comum ou se o património comum fosse insuficiente, estabelecia-se pelo contrário, um crédito do cônjuge que pagou sobre o outro, não só virá a responder a meação do devedor no património comum, quando a houver, nos termos do art. 1689º/3, mas também os seus bens próprios. O nº2 do preceito regula a hipótese inversa: a de terem respondido bens comuns por dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges; é o que se passa, p.ex., nos casos do nº2 do art. 1696º. Neste caso surge um crédito de compensação do património comum sobre o património do cônjuge devedor, a tomar em conta no momento da partilha. A lei estabeleceu um crédito do património comum pelo total pago porque, antes de pretender garantir o interesse daquele cônjuge, pretendeu restaurar o valor integral do património comum que, antes de se destinar a dividir-se entre os cônjuges, serve de garantia das dívidas comuns, em face dos credores de ambos, com prioridade sobre as outras dívidas (art. 1689º/2)

45

Subsecção V Termo das relações patrimoniais. Partilha

As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução, a declaração de nulidade ou a anulação do casamento (art. 1688º) ou com a separação de pessoas e bens (art. 1795º-A). Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (art. 1689º). Igualmente se procede à partilha no caso de ser decretada a simples separação judicial de pessoas e bens (art. 1770º), ou declarada a ausência (art. 108º) ou a falência de qualquer dos cônjuges (art. 201º/1, al.b) do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência).9 Cada cônjuge ou, no caso de dissolução do casamento por morte, os seus herdeiros receberá na partilha os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a este património (cfr.art. 1697º/2). É o que dispõe o art. 1689º/1. A partilha, numa acepção ampla, compõe-se de três operações básicas: 1) a separação de bens próprios, como operação ideal preliminar 2) a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo comum líquido,

através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges;

3) a partilha propriamente dita.

Em primeiro lugar, tem de fazer-se a separação dos bens próprios de cada cônjuge. Estes bens pertencem individualmente aos seus titulares e não carecem, em rigor, de qualquer intervenção; separam-se para que as operações subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim, carecem de divisão.

A) Relacionamento dos bens comuns O relacionamento dos bens comuns inclui os bens e os direitos qualificados como comuns pelas regras do regime de bens que vigorou durante o casamento, salvas as excepções previstas nos arts. 1719º e 1790º . B) Compensações

Durante o casamento, operam-se transferências de valores entre os patrimónios o património

comum e os dois patrimónios próprios dos cônjuges quer porque se utilizam verbas comuns para financiar obras num imóvel próprio ou para pagar uma dívida da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges. É assim que se forma uma espécie de conta corrente entre o património comum e os patrimónios próprios, uma conta que se fecha apenas no momento da partilha. No momento da partilha, pode verificar-se que os movimentos de capital não se equilibram espontaneamente e que algum património ficou enriquecido enquanto outro ficou correlativamente empobrecido. A técnica das compensações visa restabelecer as forças dos patrimónios, reconstruir o seu valor, corrigindo os desequilíbrios da conta corrente através do reconhecimento de créditos de compensação em favor de cada património empobrecido. Como exemplos de situações donde resulta um crédito do património comum sobre cada cônjuge podem mencionar-se: o financiamento, com valores comuns, da aquisição ou de benfeitorias num bem que tome a qualidade de próprio do adquirente (cfr. os arts. 1726º, 1727º e 1728º); o pagamento, pelas forças do património comum, de dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges (art. 1697º/2); a alienação, a título gratuito, por um dos cônjuges, de móveis comuns que ele administre (art. 1682º/4); a utilização abusiva, em proveito exclusivo, dos frutos de bens próprios (arts. 1728º/1 e 1733º/2). Como exemplos de situações em que o património comum é devedor de um cônjuge e do seu património próprio, mencionam-se: o financiamento, com valores próprios, da aquisição ou de benfeitorias num bem que tenha a qualidade de bem comum, por força do regime aplicável (art. 1726º); o

9 O cônjuge sobrevivo, se for herdeiro ou tiver meação em bens de casal, é o cabeça-de-casal e, como tal, o administrador da herança até à sua morte liquidação e partilha: arts.2079º e 2080º/1, al.a)

46

pagamento de dívidas comunicáveis à custa de um património próprio (art. 1697º/1); a sub-rogação indirecta sem cumprimento do requisito previsto na lei, quando este cumprimento é indispensável (art. 1723º/al.c).10 Os textos legais que se referem a este assunto não são claros. Alguns impõem expressamente que os créditos só sejam exigíveis no momento da partilha (arts. 1697º e 1726º), enquanto outros são omissos neste aspecto (arts. 1727º e 1728º/1) O regime que está em vigor é, pois, o do diferimento da exigibilidade para o momento da partilha. Outro assunto que ficou omisso foi a questão de saber se as compensações, no momento da partilha, são feitas pelo valor nominal ou pelo valor actualizado. Na falta de uma regra específica que considere as compensações como dívidas de valor, parece impor-se a regra geral do art. 550º (princípio nominalista). Pode ainda perguntar-se se o regime das compensações é imperativo, ou se pode ser afastado por acordo dos nubentes, dos cônjuges, ou por mera renúncia do titular. No ordenamento, porém, em face do limite especial do art. 1699º/1, al.b), parece duvidoso que seja admissível tal convenção; ela não significaria, afinal, uma alteração dos direitos (patrimoniais) conjugais? Será difícil aceitar que os nubentes convencionem a exigibilidade imediata dos créditos de compensação, tendo em conta o art. 1697º. Outra coisa será a renúncia, por um dos cônjuges, a uma compensação concreta. Esta renúncia poderá admitir-se nos mesmo termos em que se admitem as doações entre cônjuges livremente revogáveis e sobre bens próprios. Em rigor, a renúncia só seria possível quando o pagamento viesse a ser feito por bens próprios do devedor, como no caso do art. 1689º/3. C) Pagamento de dívidas Quanto às dívidas dos cônjuges um ao outro, são pagas em primeiro lugar pela meação do cônjuge devedor no património comum e, não havendo bens comuns ou sendo estes insuficientes, pelos bens próprios do cônjuge devedor (art. 1689º/3). Estas dívidas podem nascer, designadamente, da responsabilidade civil por administração de bens do outro cônjuge, intencionalmente prejudicial (art. 1681º/1) ou abusiva (art. 1681º/3). Ou porque o património de um cônjuge pagou dívidas que cabiam a ambos; a lei, neste caso, reconhece um crédito do cônjuge prejudicado, sobre o outro, pelo valor que o primeiro pagou além do que lhe competia (art. 1697º/1). O art. 1689º/2, dispõe acerca da satisfação do passivo relativamente a terceiros. O património comum paga em primeiro lugar as dívidas comuns e só depois as dívidas próprias. Os patrimónios próprios pagam indistintamente todas as dívidas, as próprias e as comuns, se os bens comuns não chegarem para pagar estas últimas; mas os credores comuns estão sempre em posição mais vantajosa, pois beneficiam da solidariedade legal do art. 1695º/1. Partilha

A partilha faz-se em princípio segundo o regime adoptado mas, a regra comporta as excepções dos arts. 1719º e 1790º. O art. 1719º permite aos esposados convencionar, para o caso de dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges quando haja descendentes comuns, que a partilha dos bens se faça segundo o regime da comunhão geral, embora o regime adoptado seja outro. Reveste-se também de grande interesse o art. 1790º, segundo o qual o cônjuge declarado único ou principal culpado na sentença que decretar o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Este preceito só se aplica quando o regime de bens do casamento for o de comunhão geral. Ainda quanto à partilha, interessa ter presentes as disposições dos arts. 1105º CC na versão do NRAU e art.1793º; 1731º e 2103º-A CC.

10 É costume, ainda, excluir da teoria das compensações os créditos entre os patrimónios dos cônjuges, mesmo que resultem do pagamento de uma dívida comum, feito por um só deles, em regime de separação de bens. Sendo assim, o art. 1697º/1, in fine, ao tratar das compensações no regime de separação de bens, estaria a referir-se a compensações em sentido lato e, verdadeiramente, a meros créditos entre cônjuges.

47

Quando os cônjuges vivam em casa tomada de arrendamento, o art. 1105º do CC na versão do NRAU permite-lhes acordar , obtido o divórcio ou a separação de pessoas e bens, em que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles; e, na falta de acordo, permite ao tribunal decidir, tendo em conta as circunstâncias aí referidas. O art. 1793º prevê o caso de os cônjuges divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens viverem em casa própria (não tomada de arrendamento, com na hipótese prevista no art. 1105º CC), permitindo ao tribunal dar arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum, quer própria do outro.

Os arts. 1731º e 2103º-A negociação entre os cônjuges, que conduzirá ao preenchimento da meação de cada em no património comum a própria lei reserva certos bens para um dos cônjuges, atendendo à especial ligação que esse cônjuge tem com eles.

Assim, o art. 1731º refere-se aos instrumentos de trabalho dos cônjuges que, por força do regime de bens, tenham ingressado no património comum, reconhecendo ao cônjuge que deles necessite para o exercício da sua profissão o direito de ser encabeçado nesses instrumentos de trabalho no momento da partilha, qualquer que seja a causa desta. Finalmente, no caso de dissolução do casamento por morte, o art. 2103º-A atribui ao cônjuge sobrevivo direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver. Poderá ser mais difícil admitir que estas atribuições preferenciais sejam estipuladas pelos cônjuges durante o casamento. Cremos, porém, que a estipulação de atribuições preferenciais durante o casamento satisfaz interesses legítimos dos cônjuges que poderiam não estar presentes antes do matrimónio que, por outro lago, não há modificação do valor; e que, património comum e das meações que cada cônjuge receberá ; e que por último, qualquer má utilização desta faculdade, que acabe por empobrecer um cônjuge à custa do outro, mesmo sob a aparência de uma igualdade do valor contabilístico das meações, tornará a estipulação nula por contrariar a regra imperativa que atribui a cada cônjuge, na partilha, metade do activo da comunhão (art. 1730º e 1734º) Tem-se discutido a validade do contrato-promessa de partilha, feito durante a c0onstância do casamento, em regra na pendência de um processo de divórcio, e para valer logo que transite em julgado a sentença que dissolve o matrimónio. Tudo tem andado à volta de saber se um cônjuge separado de facto ou, de qualquer modo, no curso de um processo de divórcio, estará ou não estará sujeito ao eventual ascendente psicológico do outro, de tal modo que se justifique ou não se justifique a protecção do art. 1714º, independentemente de os cônjuges se encontrarem em processo de divórcio. Ao celebrarem um contrato-promessa de partilha dos bens comuns, os cônjuges nem alteram as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modificam as normas aplicáveis à comunhão (contra o art. 1714º/1); e também não modificam o estatuto de qualquer bem concreto (contra o art. 1714º/2 e contra um entendimento amplo do princípio da imutabilidade). Depois de realizado o contrato-promessa, todos os bens comuns do casal continuam bens comuns; e todos os bens próprios de cada cônjuge continuam como dantes. Um contrato-promessa em que se promete uma divisão do património comum em partes desiguais é um contrato-promessa nulo por força do art. 1730º/1 CCparticipam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido

Estes acordos desiguais parecem esconder doações que o cônjuge prejudicado faz ao outro. Se for assim, esses acordos podem ser acusados de pretender fazer doações de bens comuns, contra o preceituado no art. 1764º/1; e também por isso serão nulos. Sendo estes acordos nulos, o cônjuge prejudicado tem o direito de invocar a nulidade a todo o tempo e apenas tem o ónus de provar, nos termos gerais, que o contrato-promessa de partilha lhe reservou uma quota inferior a metade. Encaremos a partilha sob condição suspensiva do mesmo ponto de vista. A partilha pura e simples é nula, pelas mesmas razões já mencionadas. A partilha subordinada à condição suspensiva da procedência de um divórcio é válida porque não faz terminar as relações patrimoniais antes de a lei o permitir, nem faz mudar o regime de bens. Os limites resultarão dos arts. 1730º e 1764º/1. Só é admissível uma partilha sob condição que respeite a regra da metade.

48

Subsecção VI Contratos entre os cônjuges Generalidades

A tradição da imutabilidade das convenções antenupciais e dos regimes de bens andou associada, compreesivamente, a grandes restrições da capacidade negocial dos cônjuges. A permanência dos regimes exigia que os cônjuges não tivessem o ensejo para modificar a composição das massa patrimoniais através de negócios jurídicos translativos de domínio que pudessem levar, indirectamente, ao resultado que a lei proibia. No direito português, a reforma de 1977 introduziu a regra da igualdade jurídica dos cônjuges, mas não tocou no tradicional princípio da imutabilidade. Contrato de sociedade

I Sociedades comerciais e sociedades civis sob a forma comercial O art. 8º/1 do Código das Sociedades Comerciais ( Decreto-lei nº 262/86 de 2 de Setembro) alterou os nº 2 e 3 do art. 1714º do CC, no âmbito das sociedades comerciais e das sociedades civis sob a

A proibição de constituir sociedades ou de participar em sociedades com outrem foi reduzida aos casos em que os dois cônjuges assumam responsabilidade ilimitada pelas dívidas sociais. O art. 8º/1 CSC afirmou a validade das sociedades entre cônjuges e da participação deles em sociedades com terceiro (com a ressalva da parte final do preceito). Os autores que dão um sentido muito amplo ao princípio da imutabilidade discutem es esta norma derrogou o princípio da imutabilidade no domínio das sociedades comerciais ou se, pelo contrário, é compatível coma sua vigência plena. O art. 1714º/1: apenas se pretendeu proibir a alteração de regime de bens convencionado ou fixado por lei na falta de convenção. Se assim for, não estão considerados, neste nº1, os negócios que incidem sobre bens concretos. Os negócios concretos entre os cônjuges estão regulados noutras normas, como a do nº 2 desse preceito, que proibia o contrato de sociedade entre os cônjuges, e a do nº3 que permitia, em termos certos, a participação em sociedades com outros sócios. O art. 8ºCSC revogou os nº 2 e 3 do art. 1714º, estabeleceu o regime oposto da permissão da constituição de sociedades e da participação em sociedades, com limite relativo à responsabilidade por dívidas. A interpretação no nº3 do art. 1714º dividiu a doutrina e a jurisprudência acerca do significado

atasse de uma sociedades apenas com os dois cônjuges ou que nela figurassem outros sócios; além disto, o problema que se queria resolver com a proibição e as excepções era a da responsabilidade ilimitada e solidária dos dois cônjuges pelas dívidas sociais e a solução deste problema não dependia de os cônjuges estarem sozinhos ou acompanhados na sociedade. Mas também se defendeu que era preciso distinguir a situação em que os cônjuges estão sozinhos daquela em que eles participam numa sociedade com outrem, alegando que a sociedade entre os cônjuges propicia mais as fraudes ao princípio da imutabilidade para concluir que o legislador tinha

cônjuges. Também era disputada a questão de saber se a sociedade por quotas cabia na expressão legal de

art. 1714º/3). Antunes Varela negava que a participação de ambos coubesse na autorização daquela norma. Alberto Caeiro admitia que a sociedade por quotas estivesse entre aquelas em que os cônjuges podiam participar, nos termos do art. 1714º/3.

49

II Sociedades civis O art. 1714º/2 e 3 continua a aplicar-se às sociedades civis, que não estão subordinadas ao art. 8º/1 CSC. Doações

Tal como a legislação francesa também a nossa permite as doações entre cônjuges mas as consideram livremente revogáveis como as disposições testamentárias. O nosso legislador segue igualmente esta via media que resulta do art. 1765ºCC. Quanto aos requisitos de fundo e de forma, as doações entre cônjuges não oferecem especialidades e mencionar. Valerão aqui integralmente as regras gerais, como se de vulgares doações se tratasse. Quanto à capacidade, há a notar porém que o nosso direito contém uma proibição genérica de os cônjuges fazerem doações um ao outro em todos os casos de regimes de bens imperativo (art. 1762º). Também quanto à forma as doações entre os cônjuges se regem pelos princípios das doações em geral (art. 947º), com duas especialidades. Por um lado, a doação de coisas móveis, mesmo quando acompanhadas de tradição, tem de ser reduzida a escrito (art. 1763º/1). art. 1763º/2). As razões da proibição são as mesmas que valem para a proibição de testamentos de mão comum (art. 2181º) A proibição comporta, porém uma excepção do nº3 do mesmo artigo. O caso mais vulgar é este: os pais fazem uma doação aos filhos de determinados bens comuns, com a cláusula de reserva de usufruto desses bens até à morte do último doador. As doações entre cônjuges só podem ter por objecto bens presentes, nos termos do regime geral das doações (art. 942º/1 e 1753º/2). Por outro lado, as doações entre cônjuges só podem ter por objecto bens próprios. O traço mais característico do regime das doações entre os cônjuges é a sua livre revogabilidade, com a qual, como vimos, alei julgou obviar satisfatoriamente aos inconvenientes que as mesmas doações oferecem. Segundo o art. 1765º/1

As doações entre cônjuges podem, pois, ser revogadas por qualquer motivo, que não apenas por ingratidão do donatário (art. 970º); o princípio é agora o de uma revogabilidade que não carece de ser motivada ou fundamentada. Supomos que o princípio da livre revogabilidade se aplica tanto às doações directas como às indirectas; mas, por outro lado, cremos que se aplica apenas às verdadeiras doações e não aos simples donativos, assim considerados em face dos usos e do respectivo valor económico, dadas as condições económicas dos cônjuges. Advirta-se por outro lado que o art. 1765º/1 permite a revogação a todo o tempo e portanto depois da morte do donatário, quando os bens doados já pertencem aos herdeiros deste. A faculdade de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador (art. 1765º/2). Questão de solução duvidosa é a da validade da cláusula de não retroactividade da revogação. As razões do princípio da livre revogabilidade apontam para a solução negativa. Em conclusão, pode dizer-se que as doações entre os cônjuges produzem imediatamente os seus efeitos mas estes ficam dependentes de uma condição resolutiva legal ( a revogação pelo doador), cuja verificação opera retroactivamente, de um modo geral. As doações entre os cônjuges caducam, em primeiro lugar, se o donatário falecer antes do doador, salvo se este confirmar a doação nos três meses subsequentes à morte do donatário (art. 1766º/1, al.a). Caducam também (al.b) no caso de declaração de nulidade ou anulação do casamento, mas isto sem prejuízo dos princípios do casamento putativo que já foram expostos (art. 1647º). Assim, a doação não caduca havendo boa fé de ambos os cônjuges, pois os efeitos que já produziu mantêm-se em atenção a essa boa fé; estando só um dos cônjuges de boa fé, também a doação não caduca quando feita pelo cônjuge de má fé a favor do outro cônjuge. Por último, caducam, no caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário (al.c), se este for declarado único ou principal culpado na sentença de divórcio ou separação (art. 1791º).

50

Compra e venda Conforme o art. 1714º/2 -se abrangidos pelas proibições do número anterior os

O fundamento do princípio do art. 1714º/2, é, pois, o mesmo que justifica a imutabilidade das convenções antenupciais, a proibição dos testamentos de mão comum ou a livre revogabilidade das doações entre cônjuges. Trata-se de evitar que um dos cônjuges abuse da influência ou do ascendente que exerça sobre o outro cônjuge. A proibição do art. 1714º/2, supõe que o contrato celebrado entre os cônjuges é uma verdadeira venda; e, por outro lado, que o vendedor e o comprador são casados no momento da conclusão do contrato (uma venda entre esposados é permitida, como é permitida uma venda entre ex-cônjuges). Pode dizer-se que são estes dois os pressupostos da nulidade estabelecida naquela disposição legal. O art. 1714º/2, abre, porém uma excepção para os casados separados de pessoas e bens. E uma outra hipótese em que a venda entre casados é permitida é a da venda executiva. Não é igualmente havida como v

Outros contratos

O contrato de trabalho é legítima a constituição de uma relação de trabalho subordinado entre cônjuges. Também não parece proibido o mútuo ou o comodato entre cônjuges. A locação entre cônjuges não está proibida. A abertura de contas bancárias que possam ser movimentadas por qualquer dos cônjuges as contas solidárias perturba radicalmente a aplicação típica das normas de direito patrimonial da família. Subsecção VII Doações para casamento Generalidades

É claro que não se trata aqui de negócios entre cônjuges, mas sim entre esposados; no entanto, trata-se de negócios jurídicos feitos em vista do casamento, cujos efeitos dependem do estado de casado. dos esposados ao outro ou por um terceiro a qualquer deles. Doações entre esposados

A) Noção. Natureza jurídica

As doações entre esposados são doações condicionais, cuja eficácia fica dependente da

verificação da condição legal (suspensiva) da futura celebração do casamento. A celebração do casamento é um facto incerto e do qual depende, por lei, a eficácia da doação;

mas só a eficácia, na verdade, pois a doação já está concluída antes da celebração do casamento, a doação já existe e é válida, apenas não tem efeitos.

B) Objecto

As doações entre esposados, com efeito, podem ter por objecto, não apenas bens presentes

(como na generalidade das doações: art. 942º/1), mas também em certo sentido bens futuros, no sentido de que podem ter por objecto a totalidade ou uma parte, determinada ou indeterminada, da herança do doador. Admite a lei, pois, aqui, a figura da doação mortis causa (art. 946º).

As doações entre esposados, como também as doações de terceiros aos esposados, podem ser inter vivos ou mortis causa, como o art. 1755º reconhece. E é de acordo com a sua natureza e o objecto sobre que recaem que podemos distinguir três modalidades nas doações entre esposados:

1) doações inter vivos (de bens presentes) 2) doações mortis causa de bens presentes certos e determinados 3) doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança. Às primeiras referem-se os arts. 1753º e ss; às segundas e terceiras referem-se especialmente os

arts. 1700º en ss.

51

C) Forma

O art. 1756º, dizendo que as doações para casamento só podem ser feitas na convenção antenupcial, parece ser muito limitativo e considerar nulas as doações que constem de uma qualquer escritura pública.

D) Efeitos Os efeitos das doações entre esposados variam consoante a espécie de doação de que se trate, de

modo que é necessário distinguir a este respeito as três modalidades de doações entre esposados: 1) Doações inter vivos: elas operam a transferência dos bens doados ou dos respectivos

direitos, no momento da celebração do casamento, do doador para o donatário, o qual adquire, a partir deste momento, um direito pleno sobre esses bens, de que pode dispor.

2) Nas doações mortis causa de bens presentes certos e determinados: de acordo com a

estipulação dos nubentes, só à morte do doador é que a propriedade dos bens doados passa para o donatário. Não tem, pois, este, em vida do doador, qualquer direito ou, em geral, quaisquer poderes sobre os bens doados, mas só uma expectativa, porém, fortemente tutelada. Na verdade, sendo irrevogável a doação (art. 1701º/1) não pode o doador dispor dos bens doados, nem a título gratuito nem mesmo a título oneroso; como a doação é de bens certos e determinados, qualquer alienação significaria uma revogação. Uma alienação a título oneroso só é permitida nas condições apertadas do nº2, tornando-se o donatário um mero credor pelo valor da coisa doada, com preferência sobre os demais legatários ( nº3 ).

3) Nas doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança: também só à morte do doador os bens doados se transmitem para o donatário, o qual, em vida do doador, não tem pois qualquer direito actual sobre os bens, mas só uma expectativa de os vir a receber quando o doador falecer. Em vida do doador não pode dispor dos bens doados a título gratuito, mortis causa ou mesmo inter vivos, mas pode dispor deles a título oneroso.

E) Caducidade das doações entre esposados

As causas de caducidade são duas. Em primeiro lugar, as doações entre esposados, como as

doações subordinadas à condição legal caducam se esta condição falhar, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 1760º. Em segundo lugar, também caducam no caso de pré-morte do donatário ao doador (art. 1703º/1)

Doações de terceiros aos esposados

As doações de terceiros aos esposados também são doações condicionais, cuja eficácia fica dependente da verificação da condição legal (suspensiva) da futura celebração do casamento. Além disso, também podem ter por objecto bens presentes ou bens futuros: podem ser doações inter vivos ( de bens presentes), doações mortis causa de bens presentes certos e determinados e doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança. As doações de terceiros aos esposados também têm de ser feitas em escritura pública antenupcial. Quanto aos efeitos, há que distinguir igualmente entre as três espécies de doações mencionadas. São semelhantes as causa de caducidade. Porém, o predecesso do donatário não é agora fundamento de caducidade: se o donatário tiver descendentes do casamento (que a doação visara favorecer), estes são chamados a suceder nos bens doados, em lugar do donatário (art. 1703º/2).

52

Secção II Regime de bens do casamento

Subsecção I Princípios gerais Noção de regime de bens do casamento

Chama-se regime de bens do casamento o conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o património da mulher.

Casos de regime imperativo

São apenas os das alíneas a) e b) do nº1 do art. 1720º: casamentos celebrados sem procedência do processo de publicações e por quem tenha completado 60 anos de idade. Há que considerar ainda, o preceituado no art. 1699º/2, que proíbe a estipulação do regime da comunhão geral nos casamentos celebrados por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados. A regra do art. 1720º/1, al.a), que já vinha da legislação anterior, aplica-se a todos os casamentos que se tenham celebrado sem precedência do processo preliminar de publicações, quer aos que assim se tenham celebrado legalmente, trata-se de casamentos católicos (art. 1599º) ou civis (art. 1622º), quer aos que deviam ter sido precedidos do processo de publicações mas foram celebrados, de facto, sem precedência desse processo. No caso da alínea b) do nº1 do art. 1720º a lei proíbe as doações entre casados (art. 1762º), com as quais, se fossem admitida, os cônjuges poderiam facilmente iludir a imposição do regime da separação. O art. 1720º/2 permite todavia que, em vista do seu futuro casamento, os nubentes façam doações entre si. Princípio da liberdade de regimes de bens. Os regimes-tipo

O art. 1698º xar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes

Os regimes-tipo do Código Civil são três:

1) o regime da comunhão de adquiridos (arts. 1721º-1731º) 2) o regime da comunhão geral (arts. 1732º-1734º) 3) o regime da separação (arts. 1735º-1736º) Regime supletivo

O regime supletivo, ou seja, o regime que vale na falta de convenção antenupcial ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, é o da comunhão de adquiridos (art. 1717º).

53

Subsecção II Convenções antenupciais Noção de convenção antenupcial

Convenção antenupcial diz-se o acordo entre os nubentes destinado a fixar o se regime de bens. A convenção antenupcial é um contrato acessório do casamento, cuja existência e validade supõe, podendo dizer-se que o casamento é uma condição legal de eficácia da convenção antenupcial. Princípios dominantes

Dois princípios gerais dominam a matéria do conteúdo das convenções antenupciais: o da liberalidade e o da imutabilidade. I Princípio da liberdade Os esposos podem fixar, na convenção antenupcial, dentro dos limites da lei, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos no Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver. Mas não têm apenas a liberdade de escolher o regime de bens. A própria lei mostra que é possível incluir disposições que são estranhas à conformação do regime de bens, como as que estão previstas nos arts. 1700º e ss. Pode dizer-escritura pública, tanto de natureza patrimonial como de natureza não patrimonial. Qualquer cláusula fica sujeita a uma apreciação, nos termos gerais, acerca da validade; não poderão ser consideradas válidas as estipulações que violem normas imperativas, a ordem pública, os bons costumes. art. 1698º, que constituem outras tantas restrições ao princípio da liberdade, estão enunciados no art. seguinte (art. 1699º). Não podem ser objecto de convenção antenupcial a regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges, ou de terceiro (com ressalva dos casos, previstos nos arts. 1700º - 1701º, em que a lei permite disposições por morte, quer entre os esposados ou de terceiros aos esposados, quer dos esposados a terceiros) art. 1699º/1, al.a). direitos ou deveres

al.b). Estão abrangidas nesta proibição cláusulas de conteúdo patrimonial e de conteúdo não patrimonial. Os chamados direitos e deveres paternais ou conjugais são definidos por normas imperativas, assim, não pode tentar-se uma interpretação a contrario que considere válidas as estipulações ao casamento. Proíbem-

al.c). É certo que os cônjuges têm a liberdade de alterar as regras sobre administração de bens através da celebração de contratos de mandato (art. 1678º/2, al.g) atingindo por esta via o resultado que lhes fora impossível alcançar, antes do casamento, através da convenção. Na verdade a lei proíbe a alteração em convenção mas não a proíbe por mandato. A razão desta disparidade está no facto de o mandato ser livremente revogável. A al.d) refere- art. 1733º Trata-se dos bens irredutivelmente próprios, que resistem à comunicabilidade mesmo quando se estipula o regime da comunhão geral de bens. O nº2 do art. 1699º, proíbe, nos casamentos celebrados por quem tenha filhos, a estipulação da comunhão geral ou da comunicabilidade dos bens referidos no nº1 do art. 1722º. Parece não ter sentido aplicar o art. 1699º/2, quando o filho anterior ao casamento é de ambos os nubentes, é um filho comum. Por último, advirta-se apenas que a enumeração do art. 1699º não pretende naturalmente ser taxativa. Sempre que a estipulação dos nubentes vá contra disposição legal imperativa será nula, conforme o princípio do art. 294º.

54

II Princípio da imutabilidade do regime de bens No que se refere ao princípio da imutabilidade, o art. 1714º/1 os casos previstos na lei não é permitido alterara, depois da celebração do casamento, nem as convenções

11 Em primeiro lugar, deve ter-se presente que não é só o regime de bens convencionado pelos nubentes que não pode ser modificado na constância do matrimónio, mas também o regime supletivo que, na falta de convenção, se aplica por determinação da lei nos termos do art. 1717º. O chamado princípio da imutabilidade das convenções antenupcial entende-se pois no sentido amplo que acabamos de definir. Em segundo lugar, cabe acentuar que a convenção antenupcial só é imutável a partir do momento da celebração do casamento, sendo livremente revogável ou modificável até essa data, nos termos prescritos no art. 1712º. Finalmente, deve ter-se em conta que o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais vale no nosso direito em termos muito rígidos, só comportando as excepções aludidas no art. 1715º/1, algumas das quais, de resto, só em sentido amplo e menos rigoroso poderão assim considerar-se. È possível distinguir vários sentidos para este princípio, cada vez mais amplos:

1) seria proibido modificar as cláusulas da convenção antenupcial, ou as regras do regime supletivo, que determinassem a qualificação dos bens e a sua integração no património de um dos cônjuges ou no património comum;

2) seria proibido também alterar a qualificação de um bem através da realização de um negócio concreto sobre ele, como uma venda ou uma doação, que fariam o bem concreto mudar de património;

3) seria proibido ainda alterar as regras convencionadas ou supletivas sobre matérias patrimoniais, para além das que impõem uma qualificação e integração dos bens nos vários patrimónios, como as regras acerca do modo que há-se assumir a contribuição para as despesas domésticas, o acordo de adjudicação preferencial de um bem na partilha, as cláusulas que estabeleçam presunções de propriedade de bens móveis (cfr. art. 1736º/1);

4) seria proibido, também, produzir um resultado diferente do que resultaria das regras referidas no número anterior, mas através da realização de um negócio concreto;

5) seria proibido alterar cláusulas anteriores sobre matérias não patrimoniais incluídas na convenção antenupcial.

De um modo geral, são proibidas pela regra da imutabilidade todos os negócios que por qualquer

Mas pode atribuir-se ao princípio da imutabilidade um sentido restrito. Pode dizer-se que ele

apenas pretende proibir a alteração do regime de bens convencionado ou fixado por lei na falta de convenção, de acordo com o sentido mais natural do texto do art. 1714º/1.

O nº2 do art. 1714º proibiu expressamente os contratos de compra e venda e também os contratos de sociedade entre cônjuges não separados judicialmente de pessoas e de bens.

No nosso entendimento restrito do princípio da imutabilidade, estas proibições não resultariam da regar do art. 1714º/1.

O nº 3 do art. 1714º constitui excepção ao regime do nº2. Em primeiro lugar, o legislador excluiu da proibição do nº2 a participação dos cônjuges, com outrem, em sociedades de capitais.

Em segundo lugar, previu-se expressamente a dação em cumprimento.

Requisitos de fundo Como contrato que é, a convenção antenupcial exige o consentimento dos respectivos sujeitos na convenção antenupcial típica, o consentimento dos nubentes ou os seus representantes e está sujeita às regras gerais no respeitante às divergências entre a vontade e a declaração, aos vícios, etc. Se a escritura incorporar uma doação para casamento, ou até titular exclusivamente esta doação, a convenção antenupcial requer ainda naturalmente o consentimento do doador ou do donatário (cfr. art. 1700º/1, als. a) e b).

11 O art. 1º/al.e) do CRC (cfr. também os arts. 189º e 191º

-se em conformidade com o art. 1715º/1 CC, só podendo admitir-se, portanto as alterações previstas nas várias alíneas desta disposição. As alterações são registadas por averbamento ao assento de casamento (arts.70º/1, al.h) e 190º/2 CRC).

55

Antes do Código de 1966 era muito discutida, tanto na doutrina como na prática notarial, a questão da validade da convenção sob condição ou a termo, mas o art. 1713º/1 resolveu a questão no sentido da aponibilidade dessa cláusulas. Note-se, porém, que o preenchimento da condição não tem efeito retroactivo em relação a terceiros, como dispõe o art. 1713º/2. Por outro lado, a convenção antenupcial exige capacidade dos nubentes, que em princípio, é a mesmas que se exige para o casamento. É a doutrina do art. 1708º/1. Os menores, bem como os interditos ou inabilitados, só podem todavia celebrar convenções antenupciais com autorização para casar, nos termos do art. 1612º e os interditos ou inabilitados, como sabemos, não carecem de autorização dos representantes legais para celebrar casamento. Na falta de autorização a convenção antenupcial é anulável, a requerimento do incapaz, dos seus herdeiros ou daqueles a quem competia conceder a autorização, dentro do prazo de um ano a contar da celebração do casamento; a anulabilidade, porém, considera-se sanada se o casamento vier a ser celebrado depois de cessar a incapacidade (art. 1709º). Formalidades. Registo

Nos termos do art. 1710º, as convenções antenupciais só são válidas se forem celebradas por escritura pública ou auto lavrado perante o conservador do registo civil, no processo de publicações para casamento (art. 189º CRC), não tendo qualquer valor a indicação que, contra o estipulado nestes instrumentos, conste da declaração para casamento (CRC, art. 136º/2, al.h), do certificado (art. 147º/1, al.c) e nº2) ou do assento do casamento (arts. 167º/1, al.f) e 181º/al.e). A dispensa da escritura pública só é lícita quando os nubentes pretenderem adoptar integralmente um dos regimes tipificados na lei comunhão geral ou separação de bens. Se, ao contrário pretenderem introduzir modificações em qualquer regime, ao abrigo do princípio da liberdade, terão de usar a forma mais solene e tradicional da escritura pública. Além disso, as convenções antenupciais devem ser registadas para terem efeitos em relação a terceiros (art. 1711º/1 CC e 1º/1, al.e) e 191ºCRC). Quanto à noção de terceiros, importa ter presente o nº2 do art. 1711º segundo o qual os herdeiros dos cônjuges e dos demais outorgantes da escritura (p. ex., dos autores das liberalidades que integrem a convenção antenupcial) não são considerados terceiros.12 As convenções antenupciais registam-se mediante a sua menção no texto do assento de casamento sempre que o auto seja lavrado ou a certidão da escritura seja apresentada até à celebração deste (art. 190º/1 CRC); se a certidão for apresentada mais tarde, a convenção é registada por averbamento ao assento do casamento (art. 190º/2). Deve aqui ter-se em conta o art. 191º/2 CRC, segundo o qual, se o registo da convenção antenupcial for lavrado simultaneamente com a transcrição do casamento católico, os seus efeitos se retrotraem à data da celebração do casamento se este for transcrito nos sete dias imediatos. Nos termos gerais do art. 83º/2 do CRC, se o conservador tiver conhecimento de que a escritura antenupcial está omissa no registo deve promover as diligências previstas no nº1 do mesmo artigo. Os princípios expostos aplicam-se às alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado, as quais só são possíveis nos casos previstos no art. 1715ºCC e também estão sujeitas a registo (art. 1º/1, al.e); 70º/1, al.h) e 190º/2 CRC). Conforme vimos atrás, o registo é lavrado por averbamento ao assento de casamento (art. 190º/2). Nulidade e anulabilidade

As convenções antenupciais podem ser inválidas, ou seja, nulas ou anuláveis, de acordo com as regras gerais. Só há a ressalvar o preceituado no art. 1709º que, no caso de convenção celebrada por incapaz, estabelece regime especial apara a anulabilidade decorrente da falta da autorização exigida. A questão de saber se, tendo sido aposta à convenção antenupcial alguma cláusula nula, a convenção será nula ou deverá ter-se a cláusula como não escrita deve resolver-se em harmonia com o princípio geral do art. 292º, relativo à redução do negócio jurídico.

12 Note-se que, nos termos do nº3 do art. 1711º, o registo da convenção antenupcial não dispensa o registo predial doa factos a ele sujeitos.

56

Caducidade A convenção antenupcial caduca se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, for declarado nulo ou anulado, nos termos do art. 1716º. Na verdade, a convenção antenupcial está sujeita à condição legal de eficácia. Note-se, porém, que a lei ressalva o disposto em matéria de casamento putativo se o casamento for declarado nulo ou anulado. Assim, ambos os cônjuges estavam de boa fé a convenção antenupcial produzirá os seus efeitos em relação a eles e a terceiros (art. 1647º/1); se só um deles contraiu o casamento de boa fé, e a convenção antenupcial o beneficiou, só esse poderá arrogar-se os benefícios do estado matrimonial (art. 1647º/2). Secção III Regime da comunhão de adquiridos Características gerais do regime

No regime da comunhão de adquiridos há ou pode haver bens comuns e bens próprios de cada um dos conjugues. O regime distingue-se do da comunhão geral, porque enquanto neste regime, em princípio, são comuns todos os bens dos conjugues, presentes e futuros, no regime da comunhão de adquiridos nem os bens levados para o casal nem os adquiridos a título gratuito se comunicam. Só se comunicam os bens adquiridos depois do casamento a título oneroso. É esta a ideia geral que define o regime e que corresponde, basicamente, à ideia de só tornar comum aquilo que exprime a colaboração de ambos os conjugues no esforço patrimonial do casamento. Quando vigora o regime da comunhão de adquiridos

O regime da comunhão de adquiridos vigora, como regime supletivo, na falta de convenção antenupcial ou «no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção» (art. 1717.º), relativamente aos casamentos celebrados depois de 31 de Maio de 1967; e, como regime convencional, quando tenha sido estipulado em convenção antenupcial. Claro, porém, que essa estipulação será rara, só se verificando na prática quando os nubentes pretendam adoptar regime misto, que tome por base a comunhão de adquiridos mas com determinadas alterações. Natureza jurídica da comunhão

São duas as questões fundamentais que a «natureza jurídica» da comunhão conjugal suscita:

a) Saber de quem são os chamados bens comuns: b) Relação entre o património comum e o património de cada um dos cônjuges:

O prof resume assim a sua opinião no que diz respeito a estas duas questões: os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuge, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela. Património colectivo pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. Enquanto, pois, esta é uma comunhão por quotas aquela é uma comunhão sem quotas. Os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal, radicando-se no vínculo pessoal que liga entre si os membros da colectividade e que exige que o património colectivo subsista enquanto esse vínculo perdurar. A comunhão conjugal ajusta-se fundamentalmente a este desenho da propriedade colectiva: antes de estar dissolvido o casamento ou de estar decretada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges, não podem estes dispor da sua meação nos bens comuns, assim como não lhes é permitido pedir a partilha dos mesmo bens antes da dissolução do casamento. Dissemos que os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que a lei dá certo grau de autonomia, em vista da sua especial afectação. Mas, na verdade, a autonomia dos bens comuns em face dos bens próprios de cada um dos cônjuges é uma autonomia limitada, incompleta. Sabe-se em que consiste, juridicamente, um património. O património autónomo é o património que tem dívidas próprias. Autonomia completa, total, existirá quando certa massa de bens só responda e

57

responda só ela por determinadas dívidas. Para que os bens comuns constituíssem um património autónomo, neste sentido rigoroso, seria necessário, portanto, que só respondessem e respondessem só eles pelas dívidas comuns. Ora, não é o caso:

a) Os bens comuns, não respondem só pelas dívidas comuns, mas excepcionalmente por dívidas próprias (1696.º).

b) Os bens comuns não respondem só pelas dívidas comuns, pelas quais respondem também, ainda que só subsidiariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695.º, n.º1). A afirmação de que os bens comuns constituem uma comunhão sem quotas não é porém isenta

de dúvidas. O art. 825.º CPC revela que a penhora não é do «direito à meação» mas de «bens comuns do casal»; o art. 1685.º, n.º1 CC, porém, permite a cada um dos cônjuges dispor para depois da morte «da sua meação no bens comuns», o art. 1717.º requer a simples separação judicial de bens quando esteja em risco de perder «o que é seu» pela má administração do outro, e o art. 1730.º, n.º2, fazer em favor de terceiro doações ou deixas «por conta da sua meação nos bens comuns». Expressões estas que não serão correctas se for válido o desenho que fizemos da comunhão conjugal.

Decerto que cada um dos cônjuges tem uma certa posição em face do património comum, e uma posição jurídica, que a lei tutela. Participações dos cônjuges no património comum. Regra da metade

O art. 1730.º, n.º1, atribui a cada cônjuge o direito a metade do valor do património comum, do activo e do passivo, considerando-se nulas todas as disposições em sentido diverso: a) Não se trata de cada cônjuge ter um direito a metade de cada bem concreto do património comum o que não corresponde a conceito de património colectivo que a comunhão é; a pensar de outro modo, acabaríamos por afirmar também que cada cônjuge teria de pagar metade de cada concreta divida comunicável. b) Verifica-se que a nossa lei rejeitou soluções de sistemas jurídicos conhecidos que admitem a estipulação de cláusulas de partilha desiguais. O nosso legislador deve ter entendido que a regra da emt5ade é a mais consentânea com a ideia de colaboração no esforço patrimonial do casamento. O n.º2 do mesmo art. 1730.º admite, porém, que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns. Composição das massas patrimoniais: bens próprios e bens comuns

I. Bens próprios

Das disposições dos arts 1722.º, 1723.º e 1726.º-1729.º infere-se que são próprios os seguintes bens:

a) Bens que os cônjuges levam para o casamento (art. 1722.º, n.º1, al. a)) trata-se de bens cujo título de aquisição seja anterior à data em que a comunhão se constitui. O critério é de aplicação fácil, na maioria dos casos, sobretudo quando estejam em causa bens imóveis adquiridos com formalidades esclarecedoras acerca do momento da aquisição. Pode não se assim, tão simples com bens móveis, adquiridos sem formalidades e em maiores quantidades, principalmente se o apuramento da data tiver de ser feito muito tempo depois da aquisição, porventura no momento da partilha. Temos ainda outros casos menos líquidos como compra feita antes do casamento, sob condição suspensiva que se realiza depois, ou da aquisição escalonada, antes e depois do matrimónio, de vários elementos que compõem um estabelecimento comercial.

b) Bens que advierem a cada cônjuge por sucessão ou doação (art. 1722.º, n.º1, al. b)).

Os bens adquiridos desta forma não resultam de esforço partilhado dos cônjuges que justifica a comunhão de adquiridos. Não há que distinguir se se trata de sucessão legal ou voluntária, ou se se trata de herança ou legado. Mas os bens entram na comunhão se o doador ou testador assim o tiver determinado (art. 1729.º, n.º1). isto sem prejuízo do princípio da intangibilidade da legitima (art. 2163.º): se a doação ou deixa for por conta da legitima, os bens doados ou deixados são sempre próprios, para evitar a comunicação ao outro cônjuge que significaria uma diminuição, metade, do valor deixado ou doado (art. 1729.º, n.º2).

58

c) Bens adquiridos na constância do matrimónio por direito próprio anterior (art. 1722.º, n.º1, al. c)). Visam-se aqui os bens adquiridos, como tais, depois do casamento mas em virtude de direito próprio, anterior ao matrimónio (a lista apresentada é exemplificativa não exaustiva). Temos quatro exemplos, «sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum»:

- Bens adquiridos em consequência de direito anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele. Releva aqui o direito adquirido sobre o património ilíquido, e é no momento da aquisição deste direito que se fixa o seu conteúdo; a partilha não passa de uma concretização do direito anterior, que não acrescenta nem diminui a posição jurídica que o titular já detinha. - Bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu inicio antes do casamento. A solução resulta linearmente do modo como o sistema jurídico concebe a aquisição da propriedade por usucapião: a titularidade sobre o bem retroage ao tempo do início da posse (art. 1317.º, al. c)). Deste modo, quando se completa o prazo da usucapião, o cônjuge adquirente torna-se proprietário desde uma data anterior à celebração do matrimónio. É natural que o bem novo, adquirido por esta forma, não entre na massa dos bens comuns, partilhável com o outro cônjuge. - Bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade são considerados adquiridos, por virtude de direito anterior próprio e, portanto, bens próprios. A reserva de propriedade, estabelecida para defesa do alienante sobretudo na venda a prestações, significa que o contrato não produziu, no momento da celebração, o efeito típico da transferência do domínio. Mas este efeito vai produzir-se logo que ocorrer o facto a cuja verificação as partes o condicionaram, sem necessidade de nova manifestação de vontade. - Bens adquiridos no exercício de preferência fundado em situação já existente à data do casamento tomam igualmente a categoria de bens próprios. O legislador terá entendido que o exercício do direito de preferência resultou de uma vantagens que foi conferida ao cônjuge adquirente sem que o outro tenha colaborado, porque o direito nasceu no património do adquirente antes do casamento.

A razão de ser deste artigo sugere que ele se aplique mesmo que a aquisição não mostre um exercício formal de um direito de preferência: o cônjuge inquilino compra o andar ao senhoria, ainda que não tenha havido notificação para preferir com todos os requisitos formais. Afinal, a aquisição não deixa de se basear na situação de privilégio em que se encontra o inquilino, que podia exercer a preferência se tivesse precisado de o fazer.

d) Bens sub-rogados no lugar de bens próprios, tomando o lugar e fazendo as vezes deles, por

aplicação do principio da sub-rogação real (art. 1723.º). Um principio que, seguindo a lição de Pires de Lima, tendemos a considerar de carácter geral no nosso direito, aplicando-se, pois, não só a todos os patrimónios «separados», em sentido próprio, como a todas as massas patrimoniais que tenham um regime ou destino especial, qualquer que ele seja. A sub-rogação real supõe, que um desses patrimoniais saíram determinados bens mas outros entraram nele, e houve conexão entre aquela perda e esta aquisição. Às vezes essa conexão é ostensiva pois a aquisição e a perda procedem do mesmo acto ou facto jurídico, e estes casos não suscitam dificuldades. Assim, por exemplo, um prédio próprio foi trocado por outro, expropriado por utilidade pública ou vendido; um cônjuge recebeu um bem a título de dação em pagamento de um crédito próprio. Outras vezes a aquisição e a perda procedem de actos jurídicos diferentes. Um dos cônjuges comprou com dinheiro do seu património próprio quaisquer bens (emprego). Neste caso, os bens adquiridos são próprios ou comuns. O art. 1723.º, al. c), admite a sub-rogação real nos casos de troca directa (al. a)) e de alienação de bens próprios quanto ao respectivo preço (al. b)); no que se refere aos bens adquiridos ou às benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges exige-se que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição ou em documento equivalente (por exemplo título de empreitada), com assinatura de ambos os cônjuges (al. c)). Se não for devidamente mencionada a proveniência do dinheiro ou dos valores com que foram adquiridos os bens ou efectuadas as benfeitorias, estes bens ou benfeitorias serão comuns. No que toca aos valores utilizados, é necessário que se trate de valores próprios. Não cabem nesta categoria as chamadas «economia», pois estas são geralmente constituídas por aforro de salários e estes, nos regimes de comunhão, são bens comuns.

59

E se o outro cônjuge participou com dinheiro para a aquisição? Se a colaboração foi a título de empréstimo ou de doação, terá o regime destes actos e não influi na qualificação do bem adquirido, que entrará no património do adquirente; se o outro cônjuge mobilizou valores próprios, adquiriu para si e também cumpriu os requisitos da sub-rogação, acabaremos por ver constituída uma compropriedade de ambos os cônjuges sobre o bem adquirido. Nada obsta a que os valores próprios utilizados sejam reforçados, digamos assim, por valores comuns, desde que a parcela destes não ultrapasse metade do valor da aquisição. No que se refere aos bens adquiridos, exige-se que se trate de um bem novo, isto é, um bem que não estivesse já no património do adquirente. Não preencherá este requisito, por exemplo, a aplicação de dinheiro de uma conta à ordem numa conta poupança-reformado. Resulta do texto legal que a declaração sobre a proveniência dos valores utilizados tem de ser feita no momento em que se faz a aquisição ou o acto equivalente. De facto, uma declaração feita em momento posterior não satisfaria a razão da lei. Por um lado, feita num instrumento diverso, seria menos acessível aos terceiros interessados; por outro lado mesmo que fosse conhecida desse interessados, poderia vir tarde para os terceiros que já tivessem tomado decisões, confiantes na natureza de bem comum que resultava da presunção de comunhão. A declaração sobre a proveniência do dinheiro tem que ser feita «com intervenção de ambos os cônjuges». Esta exigência de participação de ambos torna mais pacifica a declaração do que se ela fosse feita apenas pelo cônjuge adquirente, embora se pudesse sempre ressalvar a possibilidade de o outro cônjuge, ou os credores comuns, contestarem a declaração. Esta exigência de declaração conjunta suscita a eventualidade de o cônjuge do adquirente se recusar a intervir, por impossibilidade, capricho ou má fé. Nesses casos, se o adquirente persistir na aquisição, não cumpre o requisito legal e o bem entrará para o património comum. A razão desta norma, esta na protecção de terceiros que confiam na presunção de comunhão estabelecida no art. 1724.º, al. b). A MAIOR PARTE DOS CASAMENTOS FORAM CELEBRADOS NO REGIME DA COMUNHÃO GERAL, QUANDOE STE ERA O REGIME SUPLETIVO; DEPOIS DE 1966 A MAIOR PARTE DOS CASAMENTOS É CELEBRADO EM COMUNHÃOD E ADQUIRIDOS. Assim, pode dizer-se que a esmagadora maioria das pessoas vive num regime de comunhão. Neste termos, os terceiros que vêem entrar um bem novo para o casal, a título oneroso, confiam em que esse bem entrou para o património comum. Esta expectativa influencia a sua disposição de dar crédito aos cônjuges, de não exigir o cumprimento imediato de obrigações anteriores. Para que o bem adquirido a título oneroso não entre para o património comum, é necessário que os terceiros tenham um meio fidedigno de afastar a sua expectativa normal; este meio é a declaração inequívoca dos dois cônjuge, no momento do acto, acerca da proveniência dos valores mobilizados para a aquisição. Sendo uma ideia de protecção de terceiros que justifica a especial exigência do art. 1723.º, al. c), cremos que tal só deverá aceitar-se onde o interesse de terceiros o exigir. Não estando em causa o interesse de terceiros mas única e simplesmente o dos cônjuges, nada parece impedir que a conexão entre valores próprios e o bem adquirido seja provada por quaisquer meios. O cônjuge que pretenda demonstrar que os valores utilizados na aquisição de um bem provieram do seu património tem de oferecer qualquer prova capaz de afastar a qualificação do novo bem como comum qualificação que resulta da inobservância dos requisitos estabelecidos no art. 1723.º, al. c), e que assenta, em última analise, na presunção de comunhão do art. 1724.º. Talvez deva admitir-se, ainda, que um credor pessoal do cônjuge pretenda demonstrar que, apesar de não ter sido feita a menção exigida pela lei, o bem novo foi adquirido com valores provenientes do património exclusivo do seu devedor; este credor pretenderá defender-se legitimamente a garantia patrimonial o seu crédito, porventura contra uma decisão premeditada dos cônjuges no sentido de o prejudicar. Para que esta solução seja defensável, porém, é necessário que não haja credores comuns, pois que o interesse destes na qualificação do bem adquirido como comum teria de prevalecer, por respeito da presunção de comunhão e do regime do art. 1723.º, al. a). Quando os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios entrem na comunhão, por estarem em causa interesses de terceiros e não ter sido feita a menção exigida na al. c) do art. 1723.ºº, parece que o cônjuge prejudicado deve ser compensado pelo património comum. Com efeito, a falta de cumprimento das exigências previstas no art. 1.723.º, al. c), tem por consequência que bem adquirido seja considerado um bem comum do casal. Esta solução é justa para terceiros (pelos motivos já ditos) mas injusta para o cônjuge que gastou efectivamente valores próprios e não vê o seu património crescer nessa proporção. Entre os dois interesses, o

60

legislador preferiu satisfazer o dos terceiros, e fez bem. Este resultado, injusto pode ser evitado com o reconhecimento de um crédito de compensação em favor do cônjuge adquirente, sobre o património comum. A solução corresponderia à preocupação básica do nosso direito de obstar ao enriquecimento sem causa; por outro lado, poderia assentar num princípio básico de direito patrimonial da família, que encontra expressão em vários pontos da lei (arts. 1697.º (responsabilidade por dividas), 1722.º, n.º2 (bens adquiridos por virtude de direito próprio anterior), 1726.º (bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns), 1727.º (aquisição de bens indivisos já pertencentes em parte a um dos cônjuges), 1728.º (bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios)).

e) Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, se aquela for a prestação mais valiosa (art. 1726.º). Se é certo que o regime patrimonial da família já introduz algumas complicações necessárias na administração e na disposição dos bens devem ser evitadas complicações maiores e inúteis. A ausência desta regra suscitaria uma destas dificuldades, pois teríamos de afirmar que um bem poderia ser em parte comum e em parte próprio do cônjuge adquirente (respeitadas as normas sobre sub-rogação real do art. 1723.º), na proporção do valor das entradas do património comum e do património daquele cônjuge no acto da aquisição. O legislador evitou este resultado. Quando a parte mais valiosa for de dinheiro ou bens comuns, o bem adquirido acaba por ter a qualificação natural de bem comum, que corresponde às aquisições a título oneroso. Quando a parte mais valiosa for de dinheiro ou bens próprios, o bem adquirido toma a natureza de bem próprio. Esta solução, porém, não dispensa o cônjuge adquire de respeitar as normas sobre sub-rogação real. Na verdade, não faria sentido que a exigência do art. 1723.º, al. c), deixasse de ser aplicada só porque a aquisição não fora realizada só com dinheiro ou valores próprios, mas também com

cônjuge adquirente não mencionar a proveniência do dinheiro, com intervenção de ambos os cônjuges, todo o bem adquirido será comum. Na melhor hipótese, deveria reconhecer-se um crédito do património próprio sobre o património comum. A não ser que seja caso de seguir a doutrina que julgamos preferível quando não estão em causa interesses de terceiros e que permitem a prova da sub-rogação por qualquer meio. Quando as contribuições do património próprio de um dos cônjuges e a do património comum forem de igual valor, não tem aplicação a regra do art. 1726.º, que supõe o caso mais verosímil de contribuições desiguais. Não havendo regra especial, o bem adquirido será comum, aplicando-se a regra geral que manda qualificar como bens comuns todos os que sejam adquiridos na constância do casamento e não sejam exceptuadas por lei (art. 1724.º, al. b)). Haverá lugar a um crédito de compensação do património próprio sobre o património comum, nos termos gerais.

f) Bens indivisos adquiridos, em parte, por um dos cônjuges, que deles já tinha uma outra parte (art. 1727.º). O motivou que ditou este regime foi, compreensivelmente, o interesse de evitar formas complicadas de propriedade sobre bens. Na verdade, na falta deste regime a parte adquirida no bem indiviso pertenceria ao património comum, enquanto a parte que o cônjuge adquirente já detinha cabia no seu património próprio. Ora, se já são conhecidos os inconvenientes da compropriedade ainda seria pior que o domínio sobre o bem indiviso ficasse pelo património próprio de um cônjuge e pelo património comum do casal, sujeito a uma administração de contornos indefiníveis e suscitando dificuldades de partilha. Com este regime, a parte adquirida junta-se à parte que o cônjuge adquirente já detinha, simplificando-se, quando possível, a propriedade sobre o bem indiviso. A redacção final da norma restringiu intencionalmente a sua aplicação aos casos em que a aquisição é feita pelo cônjuge que já tem parte no bem indiviso excluindo as aquisições feitas pelo outro cônjuge ou pela comunhão. Considera-se feita pelo cônjuge comproprietário a aquisição feita com base num mandato, expresso ou tácito, e a aquisição feita a título de gestão de negócio, aprovada nos termos gerais. Se a aquisição da nova parte do bem indiviso for feita pelo cônjuge do comproprietário, ou pelos dois, a nova parte entra para o património comum, nos termos da regra geral do art. 1724.º, al. b); de facto, a norma do art. 1727.º não se aplica e, portanto, não há regra que exceptue o novo bem da comunhão.

61

A nova parcela será, porém, do cônjuge do comproprietário se este adquirir para si mesmo, observando as formalidades da sub-rogação (art. 1723.º, al. c)). Pressupõe-se que se trata de uma aquisição a título oneroso. Se, pelo contrário, a aquisição é gratuita, a nova parcela do bem indiviso pertencerá ao destinatário da liberalidade. No âmbito deste tipo de negócios dá-se primazia à vontade do disponente, ainda que isso tenha inconvenientes visíveis, como a frustração das isenções contidas pelo art. 1727.º; se, por exemplo, o disponente deixar a parte nova sobre o bem indiviso ao património comum, respeitar-se-á essa vontade. Mais uma vez se admite aqui, expressamente, uma compensação ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição. É bem possível que o dinheiro usado para comprar a nova parcela tenha sido adiantado por aquele património.

g) Bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios e que não possam considerar-

se como frutos destes (art. 1728.º, n.º1). Os frutos de bens próprios são considerados comuns, no regime da comunhão de adquiridos. O n.º2 do art. 1728.º dá quatro exemplos característicos de aquisição de bens por virtude da titularidade de bens próprios:

- Acessões (al. a)): serão próprios os bens que se unam com um bem próprio ou se incorporem nele (art. 1325.º). Compreendem-se aqui todas as formas de acessão natural que se verifiquem em imóveis de um cônjuge (arts. 1327.º e ss), bem como as formas de acessão industrial mobiliária (arts. 1333.º e ss) e imobiliária (como nos casos de sementeira, plantação ou obra em terreno próprio de um dos cônjuges arts. 1339.º e ss). Pode ter relevo particular o caso da acessão industrial imobiliária em que o cônjuge realiza melhoramentos em terreno seu à custa do os frutos serem bens comuns; isto é, neste caso o titular de um bem próprio faz melhoramentos no seu terreno com bens que pertencem ao património comum. De acordo com uma aplicação normal da regra do art. 1728.º, não há dúvida de que a mais valia obtida pertence ao proprietário; mas veja-se adiante a referência às compensações entre patrimónios. - Materiais resultantes da demolição ou da destruição de bens próprios também adquirem a qualidade de bens próprios (al. b)): supõe-se, evidentemente, que esses materiais têm um valor qualquer no mercado e que constituem um bem distinto do anterior, de que provieram. Trata-se, como é óbvio, de produtos extraordinários, que resultam do sacrifico do capital, por oposição aos frutos. O mero princípio da sub-rogação real justificaria a solução. - É bem comum a parte do tesouro que pertence ao cônjuge dono do terreno em que ele é encontra (al. c) e art. 1324.º): a propriedade do cônjuge titular do terreno o próprio sobre o tesouro já resultaria da regra geral acerca do conteúdo da propriedade dos imóveis que abrange, em princípio, todas as utilidades contidas no subsolo art. 1344.º, n.º1). A norma torna-se útil mais para limitar o direito do proprietário à metade que não pertence ao achador (art. 1324.º). - Prémios de amortização de títulos próprios e aos títulos ou valores novos, adquiridos por virtude de um direito de subscrição àqueles inerentes (al. d)): os bens adquiridos como prémios de amortização de títulos próprios têm uma relação íntima com estes, e entram no património próprio porque o cônjuge era dono dos títulos. Compreende-se facilmente a solução legal. Os títulos novos são adquiridos em consequência do exercício de um direito de subscrição preferencial que se reconhece ao cônjuge que já é dono de títulos anteriores; os títulos novos entram no património numa relação íntima com os títulos anterior.

A expressão usada (são dtaxativa. O n.º1, parte final deste artigo refere-se às compensações entre patrimónios expediente que serve para compensar um património prejudicado pela qualificação que foi atribuída a uma bem. Assim, por exemplo, se a demolição de um prédio próprio foi custeada por dinheiro do património comum, os materiais da demolição são próprios, mas é devida uma compensação ao património comum. O mesmo se passa quando a subscrição de novos títulos, no exercício de um direito preferencial de compra, for feita à custa de dinheiro comum, no todo ou em parte.

62

h) Bens considerados próprios por natureza, por vontade dos nubentes, ou por disposição da lei. - Bens próprios por natureza: distinções honorificas ou objectos representativos de situação profissional peculiar (diploma). - Bens próprios por vontade dos nubentes: bens que foram considerados incomunicáveis em convenção antenupcial. De facto, nada exclui que os nubentes, no uso da liberdade que lhes concede o art. 1698.º, estipulem na convenção antenupcial, como regime-base, o regime da comunhão geral, mas excluam da comunhão outros bens, não abrangidos no art. 1733.º, n.º1: o que não podem é retirar a qualidade de bens incomunicáveis aos bens que a lei considera como tais. - Bens próprios por disposição da lei: todos os bens que a lei atribui a qualidade imperativa de próprios. A norma que estabelece o elenco básico destes é o art. 1733.º. Este artigo está na comunhão geral de bens mas deve aplicar-se quando os cônjuges casarem em comunhão de adquiridos ou num regime misto ou conformado segundo o interesse particular dos nubentes. A aplicabilidade do art. 1733.º a todos os regimes de bens pode fundamentar-se na proibição geral de afastar, em qualquer caso, por meio de convenção antenupcial, a incomunicabilidade que ele prevê (art. 1699.º, n.º1, al. d)); e também num argumento de maioria de razão se os bens mencionados resistem à comunicação em comunhão geral, mais claramente devem resistir à comunhão noutro qualquer regime que será, forçosamente mais «separatista». Art. 1733.º: Al. a): bens doados ou deixados, ainda que por conta da legitima, com a cláusula de incomunicabilidade. Este regime é subordinado ao respeito pela vontade do disponente, como é típico nos negócios gratuitos.

Al. b): bens doados ou deixados com a cláusula de reversão (art. 960.º) ou com cláusula fideicomissária (art. 962.º e arts. 2286.º e ss). Estes entram no património do beneficiário mas, po sua morte, revertem para o doador ou para o fideicomissário, conforme os casos. Para que esta reversão seja possível, é necessário que o bem permaneça no património próprio do beneficiário; de facto, se o bem entrasse para o património comum do casal do primeiro beneficiário só a metade que a este competia ficaria livre para reverter para o último beneficiário; ou poderia pretender-se que o bem, enquanto comum, deveria ficar sujeito à partilha normal e, eventualmente, vir a pertencer por inteiro ao cônjuge do primeiro beneficiário. Se isto acontecesse, não se poderia cumprir a vontade do disponente expressa naquelas cláusulas. Pode dizer-se que o regime desta al. b) é apenas um corolário da aceitação, pelo nosso direito, das cláusulas de reversão e fideicomissárias. Porém, não se verifica esta necessidade de considerar o bem incomunicável quando a reversão pretendida seja em favor do cônjuge do beneficiário. Pode parecer que a incomunicabilidade não interessa no âmbito da comunhão de adquiridos porque os bens são recebidos a título gratuito (doados ou deixados) e, portanto, sempre seriam bens próprios de acordo com as regras gerais. Mas mesmo aqui o regime tem o valor de afastar toda a estipulação em contrário que os nubentes quisessem fazer em convenção antenupcial. A incomunicabilidade é imperativa. No regime da comunhão geral o regime nota-se mais porque abre uma excepção patente à regra da comunicabilidade dos bens adquiridos a título gratuito. Sempre que as cláusulas caducam, é natural que a incomunicabilidade deixe ser imposta (caducam, em principio, se o doador falecer antes do donatário art. 960.º, n.º2 ou se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a herança ou o legado arts. 2293.º, n.º2 e 2296.º). Al. c): usufruto, uso ou habitação, e demais direitos estritamente pessoais. A solução legal, quando ao usufruto, é discutível de iure condendo, pois a qualificação do usufruto como «direito estritamente pessoal» harmoniza-se mal com o disposto no art. 1444.º, que admite o trespasse a terceiro deste direito. Sobretudo se comparamos este regime com o dos direito de uso e habitação, nitidamente confinados às necessidades do usuário ou do morador usuário (arts. 1484.º e 1486.º). Um exemplo de direito estritamente pessoal será o que resulta da concessão de licenças, em função de qualidades da pessoa concreta do farmacêutico para efeitos de abertura de uma farmácia. É ainda este o caso d direito moral de autor (nota que nunca são bens próprios os «lucros da propriedade intelectual» - não percebi bem a diferença entre direito de autor e direito moral de autor).

63

Devemos ainda incluir os direitos de crédito constituídos intuitu personae a favor de um dos cônjuges (viagens gratuitas na qualidade de antigo funcionário da companhia, direito a descontos em função da idade ou profissão etc). Al. d): indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios também são bens incomunicáveis. Depois de exercido o direito à indemnização, as somas recebidas para a reparação dos danos tomam o lugar dos bens lesados pelos factos praticados contra a pessoa ou os bens próprios de um dos cônjuges, de tal modo que podemos falar de uma nítida sub-rogação. Não é pacifico que mereçam este regime as indemnizações que pretendam reparar uma incapacidade e ganho ou se meçam por uma perda de salários. Será o caso das indemnizações recebidas por acidentes de trabalho, doenças profissionais, reforma antecipada etc. nestes casos, as soas recebidas vêm substituir os salários «cessantes», que teriam a qualidade de bens comuns; as indemnizações deviam entrar para o património comum. Al. e): os seguros vencidos em favor da pessoa de um cônjuge ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios também são incomunicáveis. Al. f): Vestidos, roupas e ouros objectos de uso pessoal e exclusivo de cada um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspondência (peças de vestuário, excepto a chamada roupa de cama). Inclui-se aqui as jóias (os instrumentos de trabalho não cabem nesta línea, nem noutra, do art. 1733.º, n.º1; não são objecto de um «uso pessoal» mas apenas de um uso profissional. Assim, não são incomunicáveis por força da lei, embora se possa prever a incomunicabilidade na convenção antenupcial). Este regime impõe-se com preferência a outros. Assim, se um cônjuge adquirir um destes bens com dinheiro ou valores próprios, não precisa de cumprir as exigências da sub-rogação real para que o bem adquirido não seja comum e seja considerado próprio. E se um cônjuge usar dinheiro ou valores do património comum na aquisição, o bem adquirido não é comum apesar de ter sido adquirido a título oneroso e de vir substituir os valores comuns utilizados. Embora a ligação íntima ao beneficiário justifique a incomunicabilidade contra o resultado que se havia de apurar através da aplicação de outras normas pertinentes, sempre se reclamará alguma contenção. É necessário averiguar, por exemplo, se sob a capa de uma aquisição de roupas ou de adorno conforme com os usos sociais, não se faz um puro e simples investimento de capital. Num caso destes, parece que cessam as razões da norma em apreço para se justificar a aplicação dos regimes gerais. Al. g): recordações de família de diminuto valor económico. São tipicamente bens adquiridos a título gratuito e já seriam naturalmente bens próprios em comunhão de adquiridos. O valor da norma estará, assim, em considerá-los imperativamente próprios em comunhão de adquiridos e próprios em comunhão geral. Este regime está em sintonia com a desvalorização da família consanguínea em favor da família conjugal.

i) A lei exceptua ainda da comunhão, expressamente, o direito ao arrendamento para habitação (art. 1068º CC na versão do NRAU), os bens doados pelos cônjuges um ao outro (art. 1764.º, n.º2) e pelos esposados um ao outro, salvo estipulação em contrário (art. 1757.º).

II. Bens Comuns

São os arts. 1724.º-1726.º que, fundamentalmente, nos dizem quais são os bens comuns.

a) Produto do trabalho dos cônjuges (art. 1724.º, al. a)).

Consideram-se produto do trabalho todos os proveitos auferidos por trabalho dependente ou independente, regular ou esporádico, pago dinheiro ou géneros, bem como as prestações retribuídas com prémios de produtividade laboral e ainda os prémios ou gratificações que não resultem de pura sorte. Devem considerar-se parte integrante do património comum os bens adquiridos em substituição de salários, como as pensões de reforma, os complementos de reforma resultantes de aforros de salários.

b) Bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei (art. 1724.º, al. b)). Cabem nesta rubrica, em princípio, os bens adquiridos a título oneroso comprados, trocados sendo certo que, por vezes, os bens que resultam destas operações vêm a ser exceptuados da

64

comunhão e a ser integrados no património do adquirente, por exemplo através do mecanismo da sub-rogação real (art. 1723.). Cabem ainda nesta rubrica os bens adquiridos pelas formas de aquisição originária, designadamente por ocupação, acessão e por usucapião (desde que a posse tenha tido o seu inicio antes do matrimónio art. 1722.º, n.º2, al. b)). De facto, a lei apenas exceptua da comunhão as aquisições por sucessão e por doação. Apesar de adquiridos por sucessão ou doação, também se integram no património comum os bens doados ou deixados aos dois cônjuges (art. 1729.º). Para que os bens se possam considerar adquiridos na constância do matrimónio, é preciso que os efeitos técnicos da aquisição se produzam nesse período, designadamente, que a transmissão da propriedade para ao adquirente ocorra dentro do casamento, independentemente de quaisquer actos preliminares que tenham ocorrido antes. Por outro lado, deve considerar-se abrangida por este regime a compra sujeita a condição suspensiva que se verifique depois do casamento, cujos efeitos retroagem ao momento da celebração do negócio.

c) Frutos e rendimentos dos bens próprios e o valor das benfeitorias úteis feitas nestes bens . São tradicionalmente considerados como bens comuns (art. 1728.º, n.º1, e at. 1733.º, n.º2 aplicável ao regime da comunhão de adquiridos por analogia). Os frutos de uma coisa são «tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância» (art. 212.º, n.º1). A expressão abrange os frutos «naturais», que provêm directamente da coisa, espontaneamente ou por acção do homem, e os frutos «civis», também designados por rendimentos, como os juros de um depósito bancário, que são produzidos por intermédio de uma relação jurídica sobre a coisa (art. 212.º, n.º2). Só se considera comum, com autonomia, o valor das benfeitorias úteis. O Valor das benfeitorias necessárias incorpora-se na coisa e pertence ao titular do bem próprio. Entende-se que as benfeitorias necessárias são indispensáveis para a conservação do capital e para a sua frutificação normal e que, nessa medida, o valor delas acaba por ser reproduzido, periodicamente, através dos frutos da coisa. O património comum acaba por ir recebendo, deste modo, o valor das benfeitorias. As benfeitorias voluptuárias não aumentam, por definição, o valor da coisa; não tem sentido discutir a que massa patrimonial pertencem.

d) Os móveis, salvo prova em contrário.

Os bens móveis são próprios ou comuns, segundo as regras gerais. Porém, tratando-se de bens que se adquirem com frequência, e sem documentação, torna-se difícil saber, relativamente a todos e a cada um, se são bens comuns ou bens próprios. Os cônjuges provarão por qualquer meio a pertinência a este ou àquele património. E a lei presume que se trata de um bem comum, sempre que os cônjuges não consigam vencer as dúvidas que haja em algum caso concreto (art. 1725.º).

e) Os bens sub-rogados no lugar de bens comuns.

São bens comuns, por fim, os bens sub-rogados no lugar de bens comuns, nos termos gerais do princípio da sub-rogação real. Em regime de comunhão de adquiridos, todo o bem que entra no casal em substituição de um bem anterior presume-se comum (art. 1724.º, al. b)). Quando um bem substitui outro bem, no património comum, não há razões que impeçam que esta relação seja provada por qualquer meio. Pode haver dificuldades em saber se há, de facto, sub-rogação por entrada de outro bem diferente. Desde a simples transformação das espécies monetárias num depósito à ordem, até às modernas e sofisticadas aplicações financeiras, passando pela aquisição de títulos obrigacionistas, pode hesitar-se em dizer que há um bem novo que entra para o lugar do anterior.

f) Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra

parte, com dinheiro ou bens comuns, se esta for a prestação mais valiosa.

65

Secção IV Regime da comunhão geral Características gerais do regime

O regime da comunhão geral é caracterizado por uma comunhão geral de bens, isto é, pelo facto de o património comum ser «constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges que não sejam exceptuados na lei» (art. 1723.º). Comunhão não só de domino mas também de posse e de administração. Quando vigora o regime da comunhão geral

Vigora quando for estipulado pelos nubentes na escritura antenupcial ou no auto lavrado perante o conservador do registo civil, e só neste caso. Por força do art. 15.º do DL n.º 47 344 o regime da comunhão geral vigora ainda quanto a todos os casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967, inclusive, sempre que fosse o regime aplicado a esses casamentos, como regime supletivo ou convencional. Aplicação das disposições relativas à comunhão de adquiridos

O art. 1734.º considera «aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de adquiridos». Efectivamente, na técnica do CC só o regime de comunhão de adquiridos é que, como regime supletivo e, portanto, regime-regra, tem na lei uma regulamentação minuciosa. É a propósito desse regime que a lei enuncia, por assim dizer, as disposições gerais relativas aos regimes de comunhão, disposições aplicáveis igualmente ao regime da comunhão geral. Assim, nomeadamente, tudo o que dissemos na subsecção III sobre a natureza jurídica da comunhão e a participação dos cônjuges no património comum, sobre os bens sub-rogados no lugar de bens próprios, os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, os bens indivisos adquiridos, em parte, por um dos cônjuges que deles já tinha uma outra parte e os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, todas essas noções e princípios são inteiramente aplicáveis ao regime da comunhão geral de bens. Composição das massas patrimoniais: bens próprios e bens comuns

São comuns, no regime de comunhão geral, «todos os bens presentes e futuros dos cônjuges que não sejam exceptuados por lei» (art. 1732.º); só os bens que a lei exceptua da comunhão é que são portanto próprios, e são-no imperativamente, como vimos (art. 1699.º, al. d)). O elenco dos bens próprios, que consta fundamentalmente do art. 1733.º, n.º1, foi apreciado a propósito do regime-regra da comunhão de adquiridos. Secção V Regime da separação Características gerais do regime

Há agora uma separação absoluta e completa entre os bens dos cônjuges. Nos termos do art. 1735.º, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os bens presentes e futuros, de que pode dispor livremente. A separação não é só de bens, ,as também de administrações, mantendo os cônjuges quase uma absoluta liberdade de administração e disposição dos seus bens próprios. Não se diz que a liberdade dos cônjuges é absoluta porque a lei prevê alguns constrangimentos. Assim, na prática de actos que impliquem a privação total ou parcial da casa de morada da família carece do consentimento de ambos (art. 1682.º-A, n.º2); e o mesmo se diga quanto aos móveis utilizados conjuntamente na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho, e aos móveis pertencentes exclusivamente aos cônjuges que os não administra (art. 1682.º, n.º3). Nestes casos, ainda que o bem pertença exclusivamente a um dos cônjuges, o proprietário não pode dispor dele livremente. Quando vigora

Vigora, como regime imperativo, nos dois casos revistos no art. 1720.º, n.º1 e como regime convencional quando tenha sido estipulado pelos nubentes na escritura antenupcial ou em auto lavrado perante o conservador do registo civil.

66

Composição das massas patrimoniais: bens do marido e bens da mulher Não há aqui bens comuns, mas claro que pode haver bens que pertençam a ambos em compropriedade, e em relação aos quais, portanto, qualquer deles pode pedir a divisão a todo o tempo (art. 1412.º CC), através do processo de divisão de coisa comum (arts. 1052.º e ss CPC). Note-se que a lei presume a compropriedade dos móveis (art. 1736.º, n.º2), admitindo, porém, que os nubentes estipulem na convenção antenupcial cláusulas de presunção sobre a respectiva propriedade (art. 1736.º, n.º1), com eficácia extensiva a terceiros mas sem prejuízo de prova em contrário.

67

Capítulo III Modificação da relação matrimonial

Divisão I Simples separação judicial de bens

Noção e natureza A simples separação de bens caracteriza-se por ser uma separação restrita aos bens, que deixa imperturbados os efeitos pessoais da casamento. Quanto às pessoas a relação matrimonial não se modifica, continuando os cônjuges a ter os direitos e a estar vinculados pelos deveres previstos no Código Civil. O instituto está regulado nos arts. 1767º- 1772º CC. Trata-se de uma providência concedida ao cônjuge que se achar em perigo de perder o que for seu pela má administração do outro (art. 1767º). É claro que estamos a referir-nos à separação judicial pedida para a defesa dos interesses patrimoniais do cônjuge lesado (art. 1769º) separação judicial «autónoma». Outra coisa será a separação judicial de bens «não autónoma», decretada em processo que visa outro fim e em que a separação de4 bens é meramente reflexa; será o caso da separação de bens decretada na sequência da falência de um dos cônjuges (art. 201º/1, al. b), do Código de Processos Especiais da Recuperação da Empresa e d Falência. No que respeita à natureza da simples separação de bens, cabe notar que a separação só pode ser decretada em acção intentada por um dos cônjuges contra o outro (art. 1768º). Reveste-se assim carácter judicial, no que se distingue do divórcio e da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, são quase sempre decretados pelo conservador do registo civil, revestindo, pois, carácter «administrativo» como resulta ainda do art. 1768º, a separação tem carácter litigioso, não admitindo a lei uma simples separação judicial de bens por mútuo consentimento. Nenhum dos cônjuges pode renunciar por qualquer forma ao direito (potestativo) de requerer a simples separação judicial de bens. Pressupostos

São três os pressupostos exigidos:

a) É necessário que o cônjuge esteja de perder o que for seu. Não basta um ou outro acto isolado de má administração, senão que é necessária uma gestão sistematicamente mal conduzida e que, com grande probabilidade, vá causar o prejuízo que se receia. A simples separação de bens é fundamentalmente uma medida preventiva; supõe uma ameaça mas não a consumação dessa ameaça, consumação que justamente se destina a evitar.

b) É necessário que o requerente esteja em perigo de perder . Só pode querer referir-se aso bens próprios do requerente ou aos bens comuns de que o outro cônjuge tenha a administração, nos termos do art. 1678º.

c) É preciso que o perigo de o autor perder o que é seu resulte da má administração do outro cônjuge e não de quaisquer outras causas. Como de pode definir má administração? Este pressuposto estará preenchido sempre

o cônjuge administrador se tenha desviado, reiteradamente, daquilo que faria um administrador médio em idênticas

des intelectuais ou de outra ordem.

Processo O processo que seguem as acções de simples separação judicial de bens é o comum. A partilha subsequente ao trânsito em julgado da sentença que decrete a separação de bens será

art. 1770º. Pode fazer-se extrajudicialmente ou por inventário judicial. No primeiro caso, lavra-se termos no processo de separação ou junta-se documento autêntico; no segundo caso, o processo de inventário (arts. 1326º e ss CPC) corre por apenso ao processo de separação.

68

Efeitos Em termos gerais a simples separação de bens opera uma modificação do regime de bens do casamento. Como diz art. 1770º, o regime matrimonial, sem prejuízo do disposto em matéria de registo (cfr. arts. 1º/1, al.e), e 70º/1, al.f) CRC Resta dizer que estes efeitos são irrevogáveis. Não é permitido restabelecer o regime de comunhão anterior à separação judicial de bens, nem por convenção nem por nova decisão judicial (art. 1771º). Divisão II Separação de pessoas e bens Noção e natureza da separação de pessoas e bens. Suas modalidades

Na separação de pessoas e bens, como as palavras estão a dizer, a separação não afecta simplesmente os bens mas as próprias pessoas dos cônjuges. Separados de pessoas e bens, os cônjuges continuam não obstante a ser casados. Porque são casados, nenhum deles pode contrair novo casamento sob pena de bigamia. Além disso, vamos ver que subsistem depois da separação, no plano das pessoas, o dever de fidelidade conjugal e ainda os deveres de cooperação e respeito (art. 1795º-A). A isto e pouco mais se reduz o casamento depois de decretada a separação de pessoas e bens, e já estas notas bastarão para dar uma ideia geral do instituto, que o nosso direito regula nos arts. 1794º a 1795º- D. No direito actual, porém, em que todos os casamentos, civis ou católicos, podem dissolver-se por divórcio, a natureza da separação de pessoas e bens é uma só: a separação é, em qualquer caso, a antecâmara do divórcio, em que pode ser convertida a requerimento de ambos os cônjuges ou de um deles. A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades, a saber: separação de pessoas e bens litigiosa e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento. A primeira supõe um litígio; é portanto, pedida por um dos cônjuges contra o outro e funda-se numa determinada causa. A segunda não implica litígio algum, sendo requerida pelos dois cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedida. Por sua vez, a separação por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativa, conforme é decretada pelo tribunal ou pela conservatória do registo civil. A separação de pessoas e bens e o divórcio

São dois os remédios que a nossa lei admite, lado a lado, nos casamentos civis como nos casamentos católicos, podendo o cônjuge autor optar livremente pelo divórcio ou pela separação. A possibilidade de opção entre a separação e o divórcio pode sugerir a ideia de que o direito se desinteressa da escolha que o cônjuge faça. As coisas não devem, porém, entender-se por esta forma. O instituto da conversão mostra por si, com suficiente nitidez, que a lei prefere à separação o divórcio. Separação por mútuo consentimento: remissão

Tanto no que se refere aos requisitos como ao processo de separação por mútuo consentimento, o regime aplicável a esta modalidade de separação, administrativa ou judicial, é o mesmo do divórcio por mútuo consentimento. Separação litigiosa : remissão

Também aqui, as causas da separação litigiosa são as mesmas do divórcio litigioso, aplicando-se por força da remissão do art. 1794º os princípios expressos nos arts. 1779º e 1781º. O processo de separação litigiosa é o mesmo do divórcio litigioso, o processo especial regulado nos arts. 1407º a 1408º CPC. Só valerá a pena referir a doutrina do art. 1795º, que resolveu uma questão que poderia ser de solução duvidosa em face das regras gerais: a questão de saber se, proposta acção de divórcio, poderá o réu pedir a separação judicial de pessoas e bens em reconvenção; ou poderá deduzir pedido reconvencional de divórcio quando tenha sido intentada contra ele acção de separação judicial de pessoas e bens. O art. 1795º resolve a questão em sentido afirmativo, tutelando assim o interesse particular de cada cônjuge que pode querer pedir o divórcio ou antes a separação judicial de pessoas e bens. O nº 2 do art. 1795º dispõe que, se o pedido proceder, a sentença decretará o divórcio entre os cônjuges.

69

Efeitos da separação Se o vínculo conjugal se mantém e os cônjuges mantêm esse estado (art. 1795º- A), hão-se manter-se todos os efeitos do casamento que lhe são absolutamente essenciais, de tal forma que o casamento não possa conceber-se sem eles. Analisar os efeitos, quanto às pessoas, da separação de pessoas e bens traduz-se em ver se se mantêm ou se cessam, depois da separação os efeitos pessoais do casamento. Mantêm-se, naturalmente, o dever de fidelidade conjugal (arts. 1795º- A e 1795º - D/3) Os deveres recíprocos de respeito e cooperação também se mantêm, embora, claro, o respectivo conteúdo se modifique em consequência da separação. No que toca, por exemplo, ao dever de respeito, se se mantêm, por assim dizer, o lado negativo desse dever, como dever de non facere, já não é exigível a cada um dos cônjuges, depois da separação, o interesse pela pessoa e pela vida do outro a que se reconduz o lado positivo do dever de respeito, como dever de facere. De resto, a separação de pessoas e bens não modificará apenas o conteúdo dos deveres impostos aos cônjuges, mas será ainda uma circunstância a

art. 1779º/2) e até

para que o divórcio seja decretado (art. 1779º/1) O dever de coabitação é que cessa com a separação (art. 1795º- A). O dever de alimentos mantém-se (arts. 1794º, 1795º- A e 2016º), mas cessa o dever de contribuir para os encargos da vida familiar. Cada um dos cônjuge conserva, mesmo depois da separação os apelidos do outro que porventura tenha adoptado (art. 1677º-B/1, 1ª parte) No plano dos bens, pode dizer-se que com a separação termina o regime matrimonial em vigor,

art. 1795º-A faz perder ao cônjuge sobrevivo os seus direitos sucessórios em relação à

herança do falecido (art. 2133º/3) e o cônjuge declarado único ou principal culpado, quando o haja, não pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos (art. 1790º), perdendo ainda todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de terceiro em vista do casamento ou em consideração do estado de casado (art. 1791º). Além disso, o cônjuge declarado único ou principal culpado, e bem assim o cônjuge que tenha pedido a separação com fundamento do art. 1781º/al. c) (alteração das faculdades mentais), devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela separação decretada, devendo o pedido de indemnização ser deduzido na própria acção de separação (arts. 1792º e 1794º). Reconciliação dos cônjuges separados de pessoas e bens

A reconciliação juntamente com a conversão são as duas causas que podem por termo à separação de pessoas e bens entre os cônjuges. Refere-se à reconciliação o art. 1795º- C. Nos termos deste preceito, podem os cônjuges a todo o tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais (nº1). O processo de reconciliação de cônjuges separados de pessoas e bens está regulado nos arts. 12º e 13º do Decreto Lei nº 272/2001 de 13 de Outubro, e é de exclusiva competência das conservatórias do registo civil (art. 12º/1, al. a). Os cônjuges que pretendam reconciliar-se devem formular o pedido, devidamente fundamentado, em requerimento entregue na conservatória da residência de qualquer deles ou em outra escolhida por ambos e expressamente designada (art. 12º/2). A reconciliação, que pode ser requerida a todo o tempo (art. 1795º- C/1 CCivil), efectua-se por acordo dos cônjuges, que o conservador deve homologar se verificar que estão preenchidos os pressupostos legais, para o que pode determinar a prática de actos e a produção de prova (arts. 12º/5 e 13º/1). A decisão que homologue a reconciliação deve ser oficiosamente registada por averbamento aos assentos de nascimento (arts. 1º/1, al. l) e 69º/1, al. a) do CRC) e ao assento de casamento (art. 70º/1, al. f) CRC) ; os efeitos da reconciliação só se produzem a partir da homologação ou, em relação a terceiros, a partir do registo (art. 1795º-C/4 Ccivil). Se os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens é enviada certidão da decisão de reconciliação para ser junta ao processo de separação (art. 13º/2 do Decreto Lei nº 272/2001). Questão que pode levantar dúvidas é a do regime de bens que fica a vigorar entre os cônjuges depois da reconciliação. A reconciliação dos cônjuges repõe em vigor o mesmo regime de bens que vigorava antes da separação , conforme o princípio geral enunciado no nº1 do art. 1795º- C.

70

Conversão da separação em divórcio se no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença ou da decisão que decretou a separação os cônjuges não se reconciliarem, pode qualquer deles pedir que a separação, litigiosa ou por mútuo consentimento seja convertida em divórcio. E se a conversão for requerida por ambos os cônjuges, nem é necessário o decurso daquele prazo. São as soluções dos nºs 1 e 2 do art. 1795º-D. Quanto ao processo da conversão, há que distinguir conforme a separação de pessoas e bens for litigiosa ou por mútuo consentimento e, neste caso, conforme a separação for decretada pelo tribunal ou decidida na conservatória do registo civil. No caso de separação litigiosa, regem os arts. 1417º e 1417º-A do CPC. O requerimento de conversão é autuado por apenso ao processo de separação. Sendo a conversão requerida por ambos os cônjuges, é logo proferida a sentença. Sendo requerida só por um deles, o outro é notificado para no prazo de quinze dias deduzir oposição, a qual só fundamentar-se em reconciliação, acordada nos termos do art. 13º do Decreto- Lei n.º 272/2001; não sendo deduzida oposição é proferida sentença. Mais complexo é o caso de a conversão ser requerida por um dos cônjuges com fundamento em adultério cometido pelo outro depois da separação, nos termos do art. 1795º-D/3 CCivil, que manada aplicar neste caso as causas de exclusão do direito ao divórcio previstas no art. 1780º; aqui é necessário fazer prova dos factos invocados, pelo que, se o requerido contestar, e como dispõe o art. 1417º-A CPC se seguem à contestação os termos do processo ordinário (arts. 508º e ss). O divórcio assim proferido é para todos os efeitos legais equiparado ao divórcio litigioso, sendo a sua causa aquela mesma que deu lugar à separação. Se esta foi decretada contra um dos cônjuges, também contra ele será proferido o divórcio. Com dispõe o n.º 4 do art. 1795º-D, a sentença que converta a separação em divórcio não pode alterar o que tenha sido decidido sobre a culpa dos cônjuges, nos termos do art. 1787º, no processo de separação. No caso de separação por mútuo consentimento a solução da lei varia conforme a separação for decretada pelo tribunal ou decidida na conservatória do registo civil. A conversão em divórcio da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento decretada pelo tribunal segue os termos dos arts. 1417º e 1417º- A do CPC. Pelo contrário, à conversão em divórcio da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento decidida na conservatória do registo civil aplica-se o «procedimento tendente à formação de acordo das partes» regulada nos arts. 7º a 11º do Decreto Lei nº 272/2001 (art. 5º/al. e). Sendo a conversão pedida por um dos cônjuges , o requerimento é entregue na conservatória da residência de qualquer deles ou em outra escolhida por ambos e expressamente designada (art. 6º/1, al.c); no termos do art. 7º, o pedido deve ser fundamento de facto e de direito e indicar as provas oferecidas. O requerido é citado para se opor, querendo nos quinze dias seguintes. Não sendo apresentada oposição, e devendo considerar-se confessados os factos indicados pelo requerente, o conservador, verificado o preenchimento dos pressupostos legais, declara a procedência do pedido; havendo oposição, marca tentativa de conciliação a realizar no prazo de 15 dias. Se a tentativa não resultar as partes são notificadas para alegarem e requererem a produção de novos meios de prova e o processo é remetido ao tribunal (art. 8º); o juiz ordena a produção de prova e marca audiência de julgamento (art. 9º). Quando, pelo contrário, a conversão for pedida por ambos os cônjuges, na conservatória da residência de qualquer deles ou em outra por ambos escolhida e expressamente designada (art. 6º/1, al.c), o conservador decide de imediato (art. 11º). O efeito da conversão da separação em divórcio é o de fazer cessar todas as consequências do casamento que ainda se mantinham durante a separação. Caso particular é o previsto no n.º 3 do art. 1795º-D, em que a lei permite, excepcionalmente, que qualquer dos cônjuges peça a conversão da separação em divórcio, independentemente do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo, se o outro cometer adultério depois da separação. Note-se que se trata de conversão da separação em divórcio , e não de acção de divórcio autónoma fundada no adultério cometido depois da separação: a causa do divórcio não é este adultério, mas a mesma causa em que a separação se fundou. Note-se que o art. 1795º-D/3, in fine, manda aplicar neste caso o art. 1780º, como bem se compreende, pois se se verificar alguma das circunstâncias previstas nas duas alíneas deste artigo o adultério deixa de indicar o estado de deterioração das relações conjugais que justifica, segundo a lei, a conversão da separação em divórcio independentemente do prazo fixado no nº1 do art. 1795º-D. Questão controversa é de saber se, decretada a separação de pessoas e bens, podem os cônjuges não só requerer a conversão da separação em divórcio, nos termos dos arts. 1795º-D CCivil e 1417º CPC, ou do art. 7º do Decreto Lei nº 272/2001, mas também propor uma acção de divórcio autónoma se os respectivos requisitos se verificarem.

71

Já se tem decidido que só por via da conversão os separados de pessoas e bens podem obter o divórcio e que, pelo contrário, a lei lhes faculta uma acção de divórcio autónoma, nos termos gerais. Não se vê razão para negar aos cônjuges separados de pessoas e bens a possibilidade de recorrerem à acção de divórcio nos termos gerais dos arts. 1773º e ss do CC. A separação

art. 1795º-A), mas também mantém os restantes deveres que o art. 1672º impõe aos cônjuges; a possibilidade de os cônjuges separados de pessoas e bens intentarem acção de divórcio litigioso com fundamento em violação culposa dos deveres conjugais resulta pois claramente do art. 1779º, em conjugação com os arts. 1672º e 1795º-A. A conclusão que se extrai do conjunto das três disposições é a de que qualquer do cônjuges separados de pessoas e bens pode pedir o divórcio se o outro violar culposamente algum dos deveres conjugais que ficaram a seu cargo e estiverem preenchidos os demais requisitos expressos no art. 1779º. O art. 1775º, concede igualmente aos não separados e os separados de pessoas e bens , a faculdade de requerer o divórcio por mútuo consentimento cumpridos que estejam os requisitos respectivos. A possibilidade de os cônjuges separados de pessoas e bens requerem o divórcio por mútuo consentimento pode parecer duvidosa em face do que se dispõe no nº2 do art. 1795º- D, o qual, se a conversão for requerida por ambos os cônjuges, não exige que tenha decorrido o prazo de dois anos fixado no n.º 1. Os cônjuges podem ter interesse em seguir aquela primeira via, pois o divórcio por conversão da separação de pessoas e bens, embora a conversão seja requerida por ambos os cônjuges, continuará a ser um divórcio contra o cônjuge declarado único ou principal culpado, se o houver, na sentença de separação (art. 1795º-D/4); e os cônjuges podem querer justamente alterar a situação, divorciando-se por mútuo consentimento com as consequências daí decorrentes.

Nada nos permite atribuir ao art. 1795º-D/1, o sentido de que a separação de pessoas e bens, uma vez decretada, e salvo no caso de ambos os cônjuges requererem a sua conversão em divórcio (n.º 2) deva manter-se por um período mínimo de dois anos sejam quais forem as circunstâncias. Capítulo IV Extinção da relação matrimonial

Divisão I Princípios gerais Extinção por dissolução e extinção por invalidação

De extinção da relação matrimonial pode falar-se quando o casamento se dissolve e quando ele é declarado nulo ou anulado; a doutrina da extinção da relação matrimonial abrange, pois, a extinção por dissolução e a extinção por invalidação. Causas de dissolução: enunciado geral

As causas de dissolução do casamento admitidas, em geral, no direito português são a morte de um dos cônjuges e o divórcio entre elas. Tendo concluído, porém, que os arts. XXV da Concordata e 1625º do CCivil se mantém em vigor, o direito civil reconhecerá ainda uma forma de dissolução específica do casamento católico dispensa do casamento rato e não consumado Trata-se de uma dispensa pedida por ambos os cônjuges ou só por um deles, mesmo contra a vontade do outro, e que pode ser concedida se, não tendo havido consumação do casamento, houver para a dispensa uma justa causa. A morte como causa de dissolução da relação matrimonial. Morte presumida. Direitos do cônjuge

sobrevivo. A primeira das causas de dissolução do casamento é a morte de algum dos cônjuges; ou de ambos, pois podem morrer os dois simultaneamente. Vimos que a declaração de morte presumida não dissolve o casamento, mas o cônjuge do ausente tem a faculdade de contrair novo casamento, dissolvendo-se o primeiro pela celebração do segundo. Se o ausente, regressar ou houver notícia de que era vivo quando foram celebradas segundas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida. É este, em síntese, o regime dos arts. 115º a 116ºCC.

72

Com a morte, dissolve-se o casamento e extingue-se a relação matrimonial. Pode dizer-se que, em regra, cessam todos os efeitos do casamento, os pessoais e os patrimoniais. Mas não é uma regra absoluta. Assim, o cônjuge sobrevivo continua a poder usar os apelidos do outro que tenha adoptado e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois das segundas núpcias (art. 1677º-A); a relação de afinidade mantém-se ainda depois da dissolução do casamento (art. 1585º). O cônjuge sobrevivo tem o direito de exigir partilha se for herdeiro ou meeiro dos bens do casal (art. 2101º/1); tem direito a legítima ou a aparte dela como herdeiro legitimário do falecido (arts.2157º - 2161º) e integra a 1ª ou 2ª classe de sucessíveis como o seu herdeiro legítimo (art. 2133º); sucede no direito ao arrendamento para a habitação se não estava separado de pessoas e bens ou de facto, ocupando até ao primeiro lugar na hierarquia doa sucessíveis (art. 1068º do CC na versão do NRAU); se tiver necessidade de alimentos, tem direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido (art. 2018º); pode ter direito a pensão de sobrevivência e a subsídio por morte (art. 40º/1, al.a) do Decreto- Lei nº 142/73 de 31 de março e art. 3º/1, al.a) do Decreto Lei nº 223/95 de 8 de Setembro; art. 7º/1, al.a) do Decreto Lei nº 322/90 de 18 de Outubro). Divisão II Divórcio

Secção I Princípios gerais Noção de divórcio

Entende-se por divórcio, justamente, a dissolução do casamento decretada pelo tribunal (ou, como no CRC de 1995 veio a permitir, pelo conservador do registo civil), a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos autorizados por lei. Modalidades de divórcio

O divórcio pode revestir duas modalidades : litigioso e por mútuo consentimento. O primeiro é pedido por um dos cônjuges contra o outro e com fundamento em determinada causa; o segundo é pedido por ambos os cônjuges, de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedido. Por sua vez, o divórcio por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativo, conforme é requerido e decidido no tribunal ou na conservatória do registo civil. O art. 1773º/2 CC na sua redacção actual permitia aos cônjuges, que de comum acordo, requeressem o divórcio em qualquer conservatória do registo civil se o casal não tivesse filhos menores ou, se os houvesse, o exercício do poder paternal já estivesse judicialmente regulado. Características do direito ao divórcio

O direito ao divórcio, litigioso ou por mútuo consentimento, é um direito potestativo, pessoal e irrenunciável.

a) o direito ao divórcio é um direito potestativo, pois não se traduz no poder de exigir qualquer prestação ou comportamento de outrem mas no poder de produzir determinado efeito jurídico, a dissolução do vínculo matrimonial. Pode classificar-se como direito potestativo extintivo, pois o efeito jurídico que se destina a produzir não consiste na constituição ou modificação, mas na extinção de uma relação jurídica.

b) Em segundo lugar, o direito ao divórcio é um direito relativo ao estado das pessoas e, como

tal, um direito pessoal, que a lei atribui exclusivamente aos cônjuges ou a um deles, uma ideia que tem no regime do instituto manifestações muito importantes. Uma primeira manifestação do carácter pessoal do direito ao divórcio é a sua intransmissibilidade, quer inter vivos, quer mortis causa. Neste segundo aspecto, o da intransmissibilidade por morte, há porém a ter em conta a nova doutrina do art. 1785º/3. Se os herdeiros do cônjuge titular do direito ao divórcio não podem intentar a acção e esta não pode ser proposta contra os herdeiros do cônjuge falecido, o art. 1785º/3, permite, porém, que a acção seja continuada pelos herdeiros do autor ou contra os herdeiros do réu para efeitos patrimoniais, nomeadamente os decorrentes da declaração prevista no art. 1787º. Outra manifestação da ideia de que o direito ao divórcio á pessoal é que não é aqui admitida em princípio a representação voluntária. Só no caso de estarem ausentes do continente ou da

73

ilha onde corre o processo o autor e o réu podem fazer-se representar por mandatário com poderes especais na tentativa de conciliação em processo de divórcio litigioso (art. 1407º/1 CPC) A representação legal é porém admitida no art. 1785º/1; estando interdito, o cônjuge ofendido pode ser representado na acção de divórcio nos termos aí previstos.

c) Em terceiro lugar, é um direito irrenunciável. Irrenunciável porque a lei quer que o cônjuge

a quem pertença esse direito tenha, sempre, a faculdade de decidir, com inteira liberdade e em face das circunstâncias actuais, sobre a oportunidade do divórcio. Assim, o direito ao divórcio é insusceptível quer de renúncia antecipada quer de renúncia superveniente. É insusceptível quer de renúncia genérica, quer de renúncia específica. É insusceptível quer de renúncia total, quer de renúncia parcial.

Secção II Divórcio por mútuo consentimento Noção e espírito do instituto

O divórcio por mútuo consentimento não é pedido por um dos cônjuges contra o outro mas pelos dois, de comum acordo, e os cônjuges não têm de revelar a causa ou as causas por que pretendem o divórcio. É a modalidade de divórcio que a lei regula nos arts. 1775º a 1778º-A CC e, nos seus aspectos processuais, quanto ao divórcio judicial, nos arts. 1419º a 1422º e 1423º-A a 1424º CPC.

O divórcio por mútuo consentimento é verdadeiramente um divórcio por causa não revelada, por causa que a lei permite aos cônjuges manter secreta art. 1775º/2. Pressupostos

Se os cônjuges tivessem completado 25 anos de idade e fossem casados há mais de 2 anos estes eram os dois pressupostos, que vieram a ser retirados pela Reforma de 1977 ( eliminou o primeiro, para o qual não se via justificação suficiente) e pela Lei nº 47/98 (que suprimiu pura e simplesmente a exigência de um prazo mínimo de duração do casamento, permitindo aos cônjuges requerer o divórcio por

Assim, o único pressuposto de que depende hoje o divórcio por mútuo consentimento, para além da vontade comum dos cônjuges, é que estes estejam de acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada de família (art. 1775º/2CC). O deferimento do pedido de divórcio por mútuo consentimento fica condicionado à homologação de acordos dos cônjuges. Se a homologação de algum deles for recusada por estes interesses não ficarem suficientemente acautelados, o pedido de divórcio é indeferido (art. 1778º) A obrigação de prestação de alimentos, no caso de divórcio por mútuo consentimento, incumbe a qualquer dos cônjuges ( art. 2016º/1, al. c) CC ). O juiz ou o conservador do registo civil homologará o acordo sobre o montante dos alimentos se este for razoável, tendo em conta todas as circunstâncias atendíveis (cfr. art. 2016º/3 ): se acautelar devidamente os interesses do cônjuge que carece de alimentos e oferecer boas perspectivas de que se manterá, sem prejuízo, bem entendido, de alteração dos alimentos fixados se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem (art. 2012º). Havendo filhos menores, devem os cônjuges entender-se igualmente sobre a guarda dos filhos e o exercício do poder paternal. Por último, para se divorciarem por mútuo consentimento os cônjuges devem acordar sobre o destino da casa de morada de família. Assim, os cônjuges poderão acordar em que, sendo a casa bem comum da casal, se destine a habitação de um dos cônjuges ou, sendo propriedade de um deles se destine a habitação do outro, a título de arrendamento ou de comodato; em que, tomada a casa de arrendamento por um dos cônjuges, a posição de arrendatário fique a pertencer ao outro, nos termos do art. 1105º do CC na versão do NRAU.

74

Processo A) Divórcio administrativo O processo de divórcio por mutuo consentimento está regulado no art. 14.º do DL n.º 272/2001, de 3 de Outubro, entre os procedimentos de competência exclusiva do conservador. O processo de divórcio por mutuo consentimento é:

a) «Administrativo»: ainda que, na hipótese de haver filhos menores e o poder paternal não estar judicialmente regulado, haja lugar a intervenção do tribunal se os cônjuges não concordarem com as alterações introduzidas pelo Ministério Público no acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal. b) Judicial: só no caso de em processo de divórcio litigioso (art. 12.º, n.º1, al. b) do DL 272/2001), na tentativa de conciliação ou em qualquer outra altura do processo, os cônjuges acordarem em se divorciarem por mutuo consentimento (art. 1407.º, n.º2 e 3 CPC).

O processo é instaurado na conservatória do registo civil da área da residência de qualquer dos cônjuges ou em outra por eles designada, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou elos seus procuradores (art. 271.º, CRC e arts. 12.º, n.º2, e 14.º, n.º1 do DL n.º 272/2001); o pedido é instruído com os documentos mencionados no art. 272.º, n.º1 CRC e ainda com o acordo sobre o exercício do poder paternal se houver filhos menores e esse exercício não estiver já regulado judicialmente (art. 14.º, n.º2, do DL n.º 272/2001). Recebido o requerimento, e se não for caso de indeferimento liminar por o pedido não vir devidamente instruído, para vermos quais são os termos ulteriores do processo temos de distinguir duas hipóteses:

d) A de não haver filhos menores, ou havendo o exercício do poder paternal já estar judicialmente regulado. Nesta hipótese, o conservador deve convocar os cônjuges para uma conferência em que tente conciliá-los (art. 14.º, n.º3)13. Se conseguir conciliar os cônjuges, ou estes ou algum deles desistirem do pedido, o conservador fará consignar em acta a desistência e homologá-la-á (arts. 1421.º, n.º1 CPC e 14.º, n.º8 DL 272/2001). Se não o conseguir e os cônjuges mantiverem o propósito de se divorciar, deve verificar se estão preenchidos os «pressupostos legais» do divorcio (arts. 12.º, n.º5 e 14.º, n.º3 do DL 272/2001) e apreciar, designadamente, os acordos sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça (art. 272.º, n.º1, al. d) CRC) e o destino da casa de morada de família (al. f)); para o efeito, ode determinar a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária (art. 12.º, n.º5 do DL 272/2001). Nos termos dos arts. 1776.º, n.º2, e 1778.º-A CC, o conservador deve homologar na conferência os acordos destinados a valer na pendência do processo, podendo alterá-los, ouvidos os cônjuges, se o interesse dos filhos o exigir; e apreciar os acordos que valerão depois de decretado o divórcio, convidando os cônjuges a alterá-los se os acordos não acautelarem suficientemente os interesses de algum deles ou dos filhos. Se os cônjuges não alterarem os acordos ou, mesmo depois das alterações, os interesses de um dos cônjuges ou dos filhos não tiverem ficado suficientemente acautelados, o conservador recusa a homologação dos acordos e indefere o pedido de divórcio (art. 1778.º CC). Se verificar que as alterações introduzidas nos acordos já acautelam esses interesses e os «pressupostos legais» do divorcio estão preenchido, homologa os acordos e

13 É indispensável a presença pessoal dos cônjuges, que só podem fazer-se representar por procurador com poderes especiais no caso de ausência do continente ou da ilha em que a conferência se vai realizar ou de impossibilidade de comparência (art. 1420.º, n.º2 CPC e art. 14.º, n.º8 do DL 272/2001); se houver fundado motivo para presumir que a impossibilidade cessará dentro do prazo de 30 dias, o conservador pode todavia adiar a conferência por período não superior a esse (art. 1420.º, n.º3), assim como pode suspendê-la, também por período não superior a 30 dias, se houver fundada razão para crer que a suspensão facilite a desistência do pedido (art. 1422.º, n.º1). se algum dos cônjuges faltar à conferência, o processo aguarda que seja requerida a designação de novo dia (art. 1422.º, n.º2). Não marcando a lei prazo para a apresentação do requerimento, parece que valerá aqui o prazo geral de 10 dias do art. 153.º, sendo o processo arquivado se não for requerida nesse prazo a designação de novo dia para a conferência. Note-se ainda que, nos termos do art. 1420.º, n.º1, pode o conservador convocar para a conferência parentes ou afins dos cônjuges, ou quaisquer outras pessoas em cuja presença veja utilidades.

75

decreta o divorcio, procedendo ao respectivo registo por averbamento aos assentos de nascimento dos cônjuges e aos assento de casamento (art. 14.º, n.º3 do DL n.º 272/2001; arts. 69.º, n.º1, al. a) e 70.º, n.º1, al. b) CRC).

e) Os cônjuges terem filhos menores e ainda não estar regulado judicialmente o exercício do

poder paternal. Nesta hipótese o art. 14.º, n.º2, do DL n.º 272/2001 manda acrescentar aos documentos referidos no art. 272.º, n.º1 CRC o acordo dos cônjuges sobre o exercício do poder paternal. Neste caso, antes de marcar dia para a conferencia em que tentará conciliar os cônjuges, deve o conservador enviar o processo de casamento ao MP junto do tribunal de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória, para que o MP se pronuncie, no prazo de 30 dias sobre o acordo dos cônjuges acerca do exercício do poder paternal (art. 14.º, n.º4 DL 272/2001). Se o MP entender que o acordo não a cautela suficientemente os interesses dos menores e que lhe devem ser feitas determinadas alterações, o processo baixa à conservatória e o conservador notifica os cônjuges de que no prazo de 10 dias (arts. Do DL 272/2001 e 153 CPC) devem alterar o acordo em conformidade ou apresentar outro acordo, do qual é dada nova vista ao MP para que sobre ele se pronuncie, igualmente no prazo de 30 dias (art. 14.º, n.º5). Se o MP pôs o visto no acordo inicial, ou entendeu que o acordo alterado nos termos por ele indicado, ou o novo acordo, já acautela os interesses dos menores, o conservador marca dia para a conferência em que tenta conciliar os cônjuges (art. 14.º, n.º 6, do DL n.º 272/2001); não o conseguindo e verificando que estão preenchidos os outros «pressupostos legais» do divorcio, designadamente que os acordos dos requerentes sobre a prestação de alimentos e o destino da casa de morada de família acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, decreta o divorcio e ordena o averbamento da decisão aos assentos de nascimento e ao assento de casamento (art. 14.º, n.º 3 e 6). No caso contrário, ou seja, se os cônjuges não alterarem o acordo nos termos indicados pelo MP e mantiverem o propósito de se divorciar, o conservador deve remeter o processo ao tribunal da comarca a que pertença a conservatória (art. 14.º, n.º7). Embora o DL n.º 272/2001 não seja claro neste ponto, parece que ao tribunal cabe apenas resolver o diferendo e que o processo deve baixar à conservatória para decisão final. Se o tribunal entender, contra a opinião expressa pelo MP, que o acordo dos cônjuges acautela suficientemente os interesses dos menores, o conservador deve marcar dia para a conferencia e, verificado o preenchimento de todos os «pressupostos legais», decretar o divorcio e proceder ao respectivo averbamento aos assentos de nascimento e ao assento de casamento, nos termos expostos. Se pelo contrário o tribunal entender, com o MP, que o acordo dos cônjuges sobre o exercício do poder paternal não acautela o interesse dos menores, deve recusar a homologação do acordo e indeferir o pedido de divórcio (arts. 1778.º e 1778.º-A CC). A decisão do conservador é notificada aos requerentes e dela cabe recurso para o tribunal da Relação (art. 274.º CRC), a interpor nos 15 dias subsequentes à data da notificação (art. 288.º).

B) Divórcio judicial O divórcio por mutuo consentimento só reveste carácter judicial se em processo de divórcio litigioso os cônjuges acordarem em se divorciar por mútuo consentimento, correspondendo a iniciativa do juiz nesse sentido ou por iniciativa própria (arts. 1774.º, n.º2 CC e 1407.º, n.º 2 e 3 CPC). Ao divorcio litigioso convertido em divorcio por mutuo consentimento são aplicáveis os arts. 1775.º-1778.º-A CC e os arts. 1419.º-1424.º CPC. O art. 1407.º, n.º3, CPC dispõe que na tentativa de conciliação ou em qualquer outra altura do processo os cônjuges podem acordar no divórcio por mutuo consentimento «quando se verifiquem os necessários pressupostos»; e o n.º 4 que, estabelecido esse acordo, se seguem no próprio processo os termos dos arts. 1419.º e ss «com as necessárias adaptações», ou seja, com as adaptações resultantes do facto de já terem corrido alguns termos do processo de divórcio litigioso. Pretendendo favorecer o divorcio por mútuo consentimento, que julgou preferível ao divorcio litigioso, a lei permitiu em qualquer altura do processo a conversão do divorcio litigioso em divorcio por mutuo consentimento, conversão que, para verdadeiramente o ser, exige que não se inicie novo processo,

76

o que sempre seria permitido aos cônjuge mesmo que a lei não o dissesse, mas que se aproveitem o mais possível os actos já praticados no âmbito do processo litigioso. Assim, se a tentativa de conciliação prevista no art. 1407.º, n.º1 e 2 CPC não tiver resultado mas os cônjuges já manifestaram a vontade de se divorciarem por mútuo consentimento, não se justifica que o juiz os convoque de novo para a conferencia a que se refere o art. 1776.º, n.º1 CC. Do mesmo modo, se, nos termos do art. 1407.º, n.º2 CPC, já tiver obtido o acordo dos cônjuges quanto aos alimentos e à regulação do exercício do poder paternal, e ainda o seu acordo quanto à utilização da casa de morada da família no período da pendência do processo, não deve o juiz desconsiderar os acordos estabelecidos, ainda que não possa dispensar-se de apreciar se tais acordos acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, pois esse é um dos «pressupostos legais», do divorcio por mutuo consentimento. O processo de divorcio por mútuo consentimento judicial, na única hipótese em que a lei o admite, ou seja, no caso de os cônjuges, no âmbito de processo de divorcio litigioso, acordarem em se divorciar por mútuo consentimento, a partir do momento em que se verifique esse acordo é o previsto nos arts. 1420.º-1424.º CPC, cumprindo observar que o art. 1423.º foi revogado pelo DL n.º 272/2001, que suprimiu a «segunda conferência». Como dissemos atrás, o processo sofre porém as «adaptações» resultantes do facto de já terem corrido alguns termos do processo de divórcio litigioso e tudo depende de saber quais foram esses termos; a marcha do processo, na hipótese de divórcio litigioso convolado para divórcio por mútuo consentimento, depende de saber em que altura do processo se verificou a convolação. Se a tentativa de conciliação a que se refere o art. 1497.º, n.º2 CPC já se tinha realizado, torna-se dispensável a convocação da conferência prevista no art. 1420.º; mas se aquela tentativa ainda não tinha sido feita deve o juiz fixar o dia da conferência em que tentará conciliar os cônjuges, de que falámos quando expusemos o regime do divórcio administrativo. No caso de a conferência terminar por desistência do pedido por ambos os cônjuges ou de um deles, o juiz fará consignar em acta a desistência e homologá-la-á (art. 1421.º, n.º1; no caso contrário, será exarada em acta o acordo dos cônjuges quanto ao divorcio, bem como as decisões tomadas quanto aos acordos sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, ao destino da cada de morada da família e ao exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores, se os houver e esse exercício ainda não estiver judicialmente regulado (art. 1421.º, n.º2), acordos que os cônjuges terão de juntar ao processo se não os tinham já estabelecido no processo de divorcio litigioso, nos termos do art. 1407.º, n.º 2 e 3. Como dissemos ao estudar regime idêntico no divorcio administrativo, deve o juiz convidar os conjugues a alterar os acordos que não acautelem devidamente os interesses de alguns deles ou dos filhos (art. 1776.º, n.º2 CC), não cabendo recurso de tal convite (art. 1424.º CPC). No caso de os cônjuges alterarem os acordos e estes já acautelarem suficientemente esses interesses, o juiz homologa-os e decreta o divorcio; no caso contrário, não homologa os acordos e o pedido de divorcio é indeferido (art. 1778.º CC). Natureza jurídica

Natureza jurídica do divorcio por mutuo consentimento: supõe-se aqui um acordo dos cônjuges e homologação desse acordo pelo conservador do registo civil ou pelo juiz; e a questão da natureza jurídica do divórcio por mútuo consentimento é a de saber como se articulam estes dois elementos. Cabem aqui três posições:

a) O elemento constitutivo é o acordo. b) Os elementos constitutivos serão o acordo e a homologação. c) O acordo é simples pressuposto da homologação.

Não podemos desvalorizar a homologação até ao ponto de dizer que será simples condição legal

de eficácia do «negócio familiar» de divórcio consensual, mas também não podemos dizer que o divórcio já esteja feito antes da homologação. Assim, está bem claro que os cônjuges não são obrigados a manter o seu consentimento até que, homologados os acordos do art. 1775.º, n.º2 CC, e persistindo a intenção de divorcio, este seja decretado. Mas uma concepção privatista não explicaria a relevância da intervenção do conservador e do juiz.

Na ideia da lei o divórcio por mutuo consentimento é essencialmente «acto dos cônjuges» (basta pensar no requerimento inicial e na conferência a quês e referem os arts. 1776.º n.º 1 e 2 CC e 14.º, n.º3 DL 272/2001).

A solução parecer ser a de que este tipo de divórcio será um acto complexo u misto, integrado por dois elementos igualmente «constitutivos»: o acordo dos cônjuges (art. 1775.º, n.º2) e a homologação.

77

Acordo sobre o divórcio e acordos complementares Já vimos que os cônjuges que pretendam divorciar-se por mutuo consentimento devem estar de acordo, não só sobre o divórcio, mas também sobre três das suas mais importantes sequelas: a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada de família. Entre o acordo sobre o divórcio e estes acordos há assim uma união ou coligação negocial genética que se traduz aqui numa relação de dependência bilateral. Por um lado, os acordos previstos no n.º2 do art. 1775.º, CC caducam e ficam sem efeito se os cônjuges ou algum deles não derem o seu acordo ao divorcio por mutuo consentimento na conferencia (art. 1776.º), ou retirarem esse consentimento antes da data em que o divorcio seria decretado. Por outro lado, o acordo sobre o divórcio depende daqueles acordos e da sua homologação pelo conservador do registo civil ou pelo juiz; se, no termo do processo, os acordos previstos no n.º 2 do art. 1775.º CC não forem homologados por não acautelarem suficientemente os interesses de algum dos cônjuges ou dos filhos, o pedido de divórcio é indeferido (arts. 1778.º e 1778.º-A CPC). Claro, porem, que o acordo sobre o divorcio dica apenas dependente da celebração desses acordos e da homologação dos mesmo, e não do seu cumprimento. Por exemplo, o facto de um dos cônjuges não cumprir o acordado quanto à prestação de alimentos ou ao exercício do poder paternal não prejudica o divórcio que tenha sido decretado.

78

Secção III Divorcio litigioso Subsecção I Princípios gerais Noção de divorcio litigioso

Divorcio litigioso: é aquele pedido por um dos cônjuges contra o outro e com fundamento em determinada causa. Nisto se distingue do divorcio por mutuo consentimento, que é pedido pelos dois cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedido. Este tipo de divórcio é sempre judicial.