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1 DIREITO DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL: CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA INFRAÇÃO PENAL 1 Roberta Werlang Coelho INTRODUÇÃO O presente estudo pretende abordar, principalmente, o direito de resistência e a desobediência civil como causas supralegais de exclusão da infração penal no resgate dos direitos dos apenados frente aos constantes abusos do poder público nas instituições penitenciárias. Considerando-se o tema central, far-se-á um exame do sistema prisional e dos direitos e garantias dos presos constantes, tanto na Lei de Execução Penal quanto na Constituição Federal de 1988 e uma análise do direito de resistência como possibilidade de contenção da violência estatal. O primeiro ponto destina-se à apresentação do sistema prisional, com as funções, objetivos e justificativas da pena de prisão, bem como à análise das reformas penais ocorridas em 1984 e seus reflexos na execução da pena. Diante disso, registram-se os direitos e garantias dos apenados previstos na Lei de Execução Penal e na Constituição Federal de 1988, para se fazer uma análise crítica da ineficiência do sistema de execução da pena frente aos conflitos carcerários. Em seguida, dedica-se um capítulo ao estudo do direito de resistência e da desobediência civil, com seus conceitos, características e fundamentos. Neste ponto, também se faz uma análise de pessoas consideradas desobedientes civis, a fim de melhor compreender os institutos que são temas centrais do trabalho. Por fim, o terceiro ponto reserva-se à análise do direito de resistência como causa supralegal de exclusão da ilicitude nos casos dos conflitos transindividuais. Com o intuito de legitimar os conflitos carcerários, primeiramente serão apresentadas as causas legais de exclusão de ilicitude, detendo-se aos institutos da legítima defesa e do estado de necessidade. Após, procurar-se-á demonstrar as aproximações e diferenças desses institutos com o direito de resistência. 1 A INEFICIÊNCIA DOS PRECEITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS FRENTE AOS CONTEMPORÂNEOS CONFLITOS CARCERÁRIOS 1.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA PRISIONAL As sociedades pré-modernas, estruturadas com base no teocentrismo, organizavam-se no sentido de atender aos desígnios de Deus. A Igreja Católica, neste contexto, exercia forte influência sobre o homem feudal e detinha o domínio sobre as propriedades. Assim, por meio do direito canônico, determinava o que eram heresias 2 – assim eram chamadas as práticas que se opunham aos dogmas e verdades instituídas pela Igreja – e quem eram os considerados heréticos 3 . 1 Artigo baseado na monografia elaborada sob a orientação do Prof. Me. Alexandre Wunderlich, e apresentada à banca examinadora composta pelas professoras Lenora Azevedo de Oliveira, Clarice Beatriz da C. Sohngen e Alexandre Wunderlich, na data de 07/12/07. 2 O instrumental normativo de definição do desvio é construído com a coligação entre as noções de direito e moral, perfazendo uma estrutura híbrida de ilícito parcialmente civil (terreno) e parcialmente

DIREITO DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL: 1 criminosos permanecem estáveis, com o aumento da detenção e a conseqüente reincidência”18. 1.2 REFORMAS PENAIS DE 1984 1.2.1

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DIREITO DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL: CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA INFRAÇÃO PENAL1

Roberta Werlang Coelho

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende abordar, principalmente, o direito de resistência e a desobediência civil como causas supralegais de exclusão da infração penal no resgate dos direitos dos apenados frente aos constantes abusos do poder público nas instituições penitenciárias. Considerando-se o tema central, far-se-á um exame do sistema prisional e dos direitos e garantias dos presos constantes, tanto na Lei de Execução Penal quanto na Constituição Federal de 1988 e uma análise do direito de resistência como possibilidade de contenção da violência estatal.

O primeiro ponto destina-se à apresentação do sistema prisional, com as funções, objetivos e justificativas da pena de prisão, bem como à análise das reformas penais ocorridas em 1984 e seus reflexos na execução da pena. Diante disso, registram-se os direitos e garantias dos apenados previstos na Lei de Execução Penal e na Constituição Federal de 1988, para se fazer uma análise crítica da ineficiência do sistema de execução da pena frente aos conflitos carcerários.

Em seguida, dedica-se um capítulo ao estudo do direito de resistência e da desobediência civil, com seus conceitos, características e fundamentos. Neste ponto, também se faz uma análise de pessoas consideradas desobedientes civis, a fim de melhor compreender os institutos que são temas centrais do trabalho.

Por fim, o terceiro ponto reserva-se à análise do direito de resistência como causa supralegal de exclusão da ilicitude nos casos dos conflitos transindividuais. Com o intuito de legitimar os conflitos carcerários, primeiramente serão apresentadas as causas legais de exclusão de ilicitude, detendo-se aos institutos da legítima defesa e do estado de necessidade. Após, procurar-se-á demonstrar as aproximações e diferenças desses institutos com o direito de resistência.

1 A INEFICIÊNCIA DOS PRECEITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS FRENTE AOS CONTEMPORÂNEOS CONFLITOS CARCERÁRIOS

1.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA PRISIONAL As sociedades pré-modernas, estruturadas com base no teocentrismo,

organizavam-se no sentido de atender aos desígnios de Deus. A Igreja Católica, neste contexto, exercia forte influência sobre o homem feudal e detinha o domínio sobre as propriedades. Assim, por meio do direito canônico, determinava o que eram heresias2 – assim eram chamadas as práticas que se opunham aos dogmas e verdades instituídas pela Igreja – e quem eram os considerados heréticos3.

1 Artigo baseado na monografia elaborada sob a orientação do Prof. Me. Alexandre Wunderlich, e apresentada à banca examinadora composta pelas professoras Lenora Azevedo de Oliveira, Clarice Beatriz da C. Sohngen e Alexandre Wunderlich, na data de 07/12/07. 2 “O instrumental normativo de definição do desvio é construído com a coligação entre as noções de direito e moral, perfazendo uma estrutura híbrida de ilícito parcialmente civil (terreno) e parcialmente

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O controle social estruturou-se sob um modelo jurídico penal inquisitivo por meio das Bulas Papais4, como uma resposta defensivista “a popularização de doutrinas pagãs e do calvinismo e luteranismo, maximizando a persecução daqueles que contrariavam o ‘modus vivendi’ católico”5.

Na modernidade6, a partir da explosão demográfica do séc XVIII e do sistema produtivo, institucionalizaram-se formas de convivência e controle social, formando uma estrutura jurídico-político codificada que estabeleceu dispositivos disciplinares7 de controle e vigilância, compreendendo, inclusive, o sistema prisional. “As disciplinas substituem o velho princípio ‘retirada-violência’ que regia a economia do poder pelo princípio ‘suavidade-produção-lucro’”8.

Desse modo, mudam-se os paradigmas, tanto na esfera jurídica quanto nas ciências em geral, especificamente na filosofia e na política, substitui-se o paradigma teleológico pelo paradigma antropológico, que “descentralizou, descobriu e ‘humanizou’ o homem”9.

A disciplina passa a ter, na modernidade, uma importância no controle social, pois tem o objetivo de tornar todos os elementos do sistema dóceis e úteis.

Segundo Foucault, o momento histórico das disciplinas é aquele em que nasce uma arte do corpo humano, com o intuito de torná-lo, por meio do mesmo mecanismo, tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente10, e é aí que se estruturam as polícias e o sistema prisional.

As prisões modernas foram idealizadas como espaço de vigilância permanente, como dispositivo disciplinar moderno associado ao projeto panóptico11.

eclesiástico, cuja ofensa manifesta-se simultaneamente contra Deus e o Príncipe. Desta natureza ‘mista’ do desvio punível obtém-se o tipo de lesa majestade divina. A classificação do desviante como herege indica a tendência de criminalização do ser do Outro que se recusa a repetir o discurso da verdade. Assim, o herege passa a ser fundalmentalmente um opositor de consciência, um divulgador de verdades inadmissíveis, pois geradas fora da concepção teocêntrica e monoteísta.” CARVALHO, Salo de. Pena e garantias, 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 15. 3 DORIGO, Gianpaolo; MARONE, Gilberto Tibério. História geral. Livro II. São Paulo: Editora Anglo, 1991. p. 35. 4 “ A Bula Vergentis in senium (1199), de Inocêncio III, propicia o início das modificações processuais. Seu papado (1198-1216 é marcado pelo militarismo e dedicação às Cruzadas, sendo durante seu mandato que a repressão canônica prepara a equiparação das heresias aos crimes de lesa majestade.” e a Bula Ad Extirpanda, de Inocêncio IV, que consolidou o Tribunal da Inquisição. CARVALHO, Salo de. Pena e garantias, 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 10. 5 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 12. 6 “De um ponto de vista geral poderíamos designar como modernidade o conceito que expressa a ruptura com o mundo feudal. A constituição da modernidade, porém, não é um fato instantâneo, mas um longo processo histórico”, importando em uma ruptura da continuidade histórica. MARTIN, Luis Garcia. Prolegômenos para a luta pela modernização e expansão do direito penal e para a crítica do discurso de resistência. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 2005. p. 37. 7 “Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indívíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos – isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar” FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 163. 8 FOUCAULT, Michel, Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 180. 9 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 4. 10 FOUCAULT, Michel, Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 119. 11 Sobre o Panóptico de Bentham, assevera Foucault: “O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada de largas janelas que se arem sobre a face

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Originalmente, possuíam como objetivo “punir os sujeitos que violaram os preceitos éticos comuns que harmonizam o corpo social” e “corrigir, disciplinar e reabilitar os mesmos”12, possibilitando-lhes a reintegração ao convívio social.

“Entre as instituições disciplinadoras da modernidade, as prisões consistiram na forma mais acabada do modelo panóptico’”. Atualmente, as instituições prisionais, encaminham-se para uma “ressignificação da sua função originária”13, centrando-se na imobilização e exclusão dos setores indesejáveis da população, levando em consideração os valores que norteiam a contemporaneidade: a mobilidade, a livre escolha e a flexibilidade. “A existência atual estende-se ao longo da hierarquia do global e do local, com a liberdade global de movimentos indicando promoção social, progresso e sucesso, e a imobilidade exalando o odor repugnante da derrota, da vida fracassada e do atraso”14.

Atualmente, cresce o número de pessoas nas prisões, os gastos orçamentários em efetivos policiais e os serviços penitenciários em todo planeta15, assinalando “que muitos governos alimentam a pressuposição, que goza de amplo apoio na opinião pública, segundo a qual há uma crescente necessidade de disciplinar importantes grupos e segmentos populacionais”16. O que indica que há setores da população visados por uma razão ou por outra como uma ameaça à ordem social, e que o encarceramento, como uma forma de expulsão da sociedade e de imobilizar o sujeito, seria um método eficiente para “neutralizar a ameaça ou acalmar a ansiedade pública provocada por essa ameaça”17.

As críticas das prisões modernas e de seus métodos baseiam-se em formulações que se repetem contemporaneamente, sem mudanças expressivas. Permanecem as máximas: “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade, antes as multiplica, aumenta-as ou transforma-as”; “a quantidade de crimes e de

interna do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre, outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. (...) organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente”. FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 165-166. Pavarini anuindo com o pensamento de Foucault percebeu o panoptismo como um “dispositivo que permite a poucos não vistos observar, investigar minuciosamente, analisar permanentemente uma coletividade eternamente exposta”. Realizando-se, assim, “a condição essencial para que os poucos se transformem em cientistas, os muitos em objetos, em cobaias, e o cárcere em laboratório”. MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica - as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 214-215. 12 FREIRE, Christine Russomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo: o caso RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 53. 13 FREIRE, Christine Russomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo: o caso RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). São Paulo: IBCCRIM, 2005 p. 55-56. 14 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 129. 15 “Em 1981, registram-se 2,9 milhões de delitos penais na Inglaterra e no Pais de Gales. Em 1993, 5,5, milhões. Nos últimos três anos, a população carcerária subiu de 40.606 para 51.243. Entre 1971 e 1993, os gastos públicos com a polícia subiram de 2,8 bilhões de libras para 7,7 bilhões de libras. De 1984 a 1994, o total de advogados elevou-se de 4.837 para 63.628 e o de advogados forenses de 5.203 para 8.093”. BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 49. 16 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 122. 17 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 122-123.

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criminosos permanecem estáveis, com o aumento da detenção e a conseqüente reincidência”18.

1.2 REFORMAS PENAIS DE 1984

1.2.1 Jurisdicionalização da Lei de Execução Penal

Se partir-se da máxima descrita por Salo de Carvalho, quando afirma que o direito penitenciário é autônomo, diferente do direito e do processo penal, representando, em última análise um conjunto de normas que regulamentam a organização carcerária, direcionando-se, essencialmente, para a determinação de regras disciplinares capazes de ordenar a vida do apenado durante o cumprimento de pena19, pode-se afirmar que a execução é basicamente de cunho administrativo, já que exercida pelos órgãos penitenciários sem estar diretamente atrelado ao juízo de execução e ao Ministério Público, limitando-se a atuação estatal ao momento processual de prolação da sentença penal20.

Na intenção de diminuir tais violações aos direitos fundamentais dos apenados, tornar efetivo o princípio da legalidade (Exposição de motivos da Lei de Execução Penal nº. 19) e limitar as atividades da administração (que está baseada nos princípios da disciplina e ordem), a execução da pena foi jurisdicionalizada pela Lei nº. 7.210/1984. “Esta verdadeira evolução da retrógrada administracionalização para a jurisdicionalização constou em diversos itens da exposição de Motivos da Lei de Execução Penal21”.

Na Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal nº. 10, fica estabelecida uma autonomia da execução penal, não tendo natureza administrativa e não estando submissa aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal. E “é nesta complexidade e autonomia que estão tensionadas jurisdição e administração22”, da mesma forma que constantemente estão tensionados os sistemas processuais inquisitivo e acusatório23.

Os resquícios administrativos (sistema inquisitivo) permanecem na execução da pena quando os artigos 59 e 60 da Lei de Execução Penal estabelecem a “possibilidade de o procedimento para apuração de infrações disciplinares ser instaurado pela autoridade administrativa, com possibilidade, inclusive, de decretação de isolamento preventivo dos faltosos”24. Deste modo, o direito à liberdade do detento estaria nas mãos do administrador do estabelecimento prisional, que decidiria como base em um procedimento administrativo, sem qualquer garantia ou direito ao apenado. Bem como quando o juiz, independente de

18 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 221. 19 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 168. 20 “Exemplos desses sistemas são os fornecidos pela França (com tendência à mitigação), Inglaterra e Estados Unidos e a quase totalidade da América Latina” BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 17. 21 WUNDERLICH, Alexandre. Proposta de projeto para “Administracionalizar os benefícios da execução penal” - movimento antiterror (Parecer). Revista de Estudos Criminais. nº. 22. Porto Alegre: ITEC, 2006. p. 213. 22 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 170. 23 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 172. 24 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, deveres e disciplina na execução penal. in CARVALHO, Salo de (org). Crítica à Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 220.

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provocação (ex officio), deve determinar o início da execução da pena25, consignando “o não-acolhimento, pelo legislador de 1984, do princípio da inércia jurisdicional, ou seja, o juiz em razão da necessária imparcialidade a que estaria sujeito ao julgar, só poderia atuar quando provocado pelas partes legitimadas”26.

Outra questão que ressalta a feição inquisitorial da execução penal é a mutabilidade das decisões, tendo em vista que a sentença penal pode ser alterada, “até mesmo in pejus, em decorrência de condições futuras conforme a gradual ‘ressocialização’ e ‘reinserção’ do condenado na sociedade, ou seja, conforme a eficácia terapêutica do tratamento penitenciário”27.

Dessa forma ter-se-ia uma execução penal mista, o que leva a fazer-se uma avaliação quanto à tutela do condenado frente ao poder administrativo, visto que a execução está vinculada à sentença penal. Então, toda e qualquer atividade restritiva além do determinado pelo Estado-juiz, constituiria lesão. Assim, da mesma forma que o Estado utiliza-se do processo penal como instrumento de resposta ao delito, deve atuar na execução, no controle dos atos administrativos, a fim de resguardar a dignidade e a humanidade dos apenados28.

Apesar de sustentado por alguns autores29, a natureza mista da execução não pode subsistir. Como assinala Salo de Carvalho:

Imprescindível notar, preliminarmente, a impossibilidade de existência de um sistema jurídico híbrido ou misto, seja ele processual, penal ou penalógico, como inúmeros autores postulam. A característica dos sistemas, como a dos paradigmas e dos tipos ideiais, é a as identificação a partir de alguns rígidos princípios unificadores. Deles apenas se aproximam tendências opostas, sendo impossível fusão sistemática ou paradigmática. O modelo jurídico é garantista ou antigarantista. O sistema processual é acusatório ou inquisitório. O sistema executivo é jurisdicional ou administrativo. Claro que se pode visualizar no interior de um modelo normativo garantista (acusatório) práticas ou regras antigarantistas (inquisitoriais). Todavia, estas não descaracterizam a atriz original, apenas a maculam30.

Contudo, a simples jurisdicionalização (formal) da execução penal, apesar de

ter representado um avanço quanto às garantias, em contraposição ao modelo anterior administrativo, não é suficiente para atingir todas garantias a que os presos têm direito31 se a execução não for moldada por um mecanismo processual 25 Artigo 105 da Lei de Execução Penal. 26 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, deveres e disciplina na execução penal. in CARVALHO, Salo de (org). Crítica à Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 220. 27 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 176. 28 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 171. 29 Sustentando a natureza mista da execução: “a execução penal é de natureza mista, complexa e eclética, no sentido de que certas normas da execução pertencem ao direito processual, (...), enquanto outras que regulam a execução propriamente dita pertencem ao direito administrativo”. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 5-6; e “Na verdade, não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo”. GRINOVER, Ada Pelegrini. Execução penal. São Paulo: Max Limonad, 1987. p. 7. 30 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p 172. 31 A Lei de execução penal enumerou em dois dispositivos os direitos dos presos, no art 40, que dispõe: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”, e no art. 41, quando em quinze incisos elencou quais seriam os direitos dos presos: “Constituem direitos do preso: I- alimentação suficiente e vestuário; II – atribuição de trabalho e sua remuneração; III – previdência social; IV – constituição do pecúlio; V – proporcionalidade na distribuição do tempo para trabalho, o descanso e a recreação; VI – exercício das atividades

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acusatório, com direito à ampla defesa e ao contraditório. Até mesmo porque os direitos dos presos são lesados, principalmente nos incidentes que ainda hoje são definidos administrativamente32.

1.2.2 Ressocialização

A reforma penal de 1984, seguindo os rumos do movimento da Nova Defesa

Social33, a fim de conferir aparência humanista à pena privativa de liberdade, “encontrou na pedagogia ressocializadora e na concepção meritocrática os signos ideais para a edificação legislativa”, “consagrando a ressocialização do condenado como principal objetivo da pena” 34,

O movimento da nova defesa social, idealizado por Marc Ancel, seria uma reação contra a noção unicamente retributiva da pena, atribuindo ao Estado a responsabilidade pelo tratamento dos delinqüentes e pela prevenção do crime, visando com isso, à defesa positiva da sociedade.

Para a satisfação desses ideais disciplinadores e reabilitadores, defende a adoção de uma política criminal que leve em conta a personalidade do delinqüente, que seria avaliada por meio de um exame científico (tais como laudos e pareceres criminológicos implantados na fase de execução penal)35.

A política de ressocialização foi estruturante na reforma dos códigos pois influenciou na inclusão de avaliações sobre a personalidade do delinqüente e na organização de um sistema reeducativo na execução penal36,introduzindo e otimizando, nas instituições prisionais brasileiras, elementos de controle social disciplinar37.

O paradigma ressocializador vem mascarado pela sua finalidade humanitária, como atenuante para a punição e servindo aos fins da defesa da sociedade. Em um Estado Democrático de Direito laico, como o previsto pela Constituição pátria, que tem como cerne a proteção dos direitos fundamentais, dentre eles a liberdade de consciência e religião, não poderia o Estado interferir no eu do mais fraco da relação

profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com advogado; X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de responsabilização da autoridade judiciária competente”. BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 36. 32 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 172. 33 Ver ANCEL, Marc. A nova defesa social. 34 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 179. 35 FREIRE, Christine Russomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo: o caso RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 83. 36 CARVALHO, Salo de Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 179. 37 Segundo o art. 44 da Lei de Execuções Penais, a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações e seus agentes no desempenho do trabalho.

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(no caso, o apenado), impondo-lhe uma moral religiosa, intentando atingir sua alma, pois viola o principio da dignidade humana38.

A ressocialização está prevista na Lei de Execução Penal, tanto na sua exposição de motivos quanto no artigo 1º, quando determina que a execução tem por objetivo, além de efetivar as disposições da sentença, proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Além da ressocialização39, a Lei de Execução Penal consagrou, em outros institutos, a política de ‘prevenção do crime e tratamento do delinqüente’, quais sejam, os modelos de classificação e observação dos condenados, no sistema de sanções e recompensas disciplinares40, no modelo de progressão de regime41, concessões de saída temporária42, livramento condicional43, na substituição da pena no curso da execução44 e na execução das medidas de segurança4546.

O discurso ressocializador ingressou na esfera jurídico-penal com a crise do Estado Liberal e a sua gradual transformação em Estado Social (Estado Providência)47. “Todavia, com a crise do Estado providência, desde a gradual predominância da razão mercadológica em detrimento das garantias sociais, o discurso (oficial) sobre a segurança pública, e nele o carcerário, é novamente alterado”48.

Como alternativa ao Estado providência, passamos a ter o ‘Estado penitência’, configurando a máxima: Estado social mínimo, Estado penal máximo49, no qual a resposta do Estado à preservação da ordem e da segurança é o encarceramento, neutralizando, excluindo os ‘inconvenientes’50.

No momento em que o ideal de ressocialização e tratamento dos sujeitos, por meio da privação da liberdade, está sendo substituído pela noção de contenção, exclusão dos inconvenientes, dos indesejáveis, há um processo de incremento punitivo e enrijecimento dos dispositivos disciplinares como resposta imediata ao ‘pânico coletivizado’ imposto pelas ‘campanhas midiáticas de espetacularização da violência’51. 38 PINZON, Natalia Gimenes. O discurso ressocializador e o princípio da dignidade da pessoa humana, in CARVALHO, SAlo de (org).Leituras Constitucionais Contemporâneas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 285. 39 Artigo 1º da Lei de Execução Penal. 40 Artigo 53 ao 56,da Lei de Execução Penal. 41 Artigo 112 da Lei de Execução Penal. 42 Artigo 120 ao 125 da Lei de Execução Penal. 43 Artigo 131 ao 146 da Lei de Execução Penal. 44 Artigo 180 da Lei de Execução Penal. 45 Artigo 171 ao 174 da Lei de Execução Penal. 46 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 180. 47 Sobre o Estado Social, Bauman afirma, “o estado de bem estar social foi, originalmente, concebido como um instrumento manejado pelo estado a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendo-os do medo de perder a aptidão no meio do processo. Os dispositivos da previdência eram então considerados uma rede de segurança, estendida pela comunidade como um todo, sob cada um dos seus membros.” BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 51. 48 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 216 49 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 218. 50 “Nas atuais circunstâncias, o confinamento é antes uma alternativa de emprego, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerável da população que não é necessária à produção e para a qual não há trabalho ‘ao qual se reintegrar’” BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 119-120. 51 FREIRE, Christine Russomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo: o caso RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 119-122.

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No campo normativo, surgem diversas leis, as Leis nº. 8.072/1990, que estabeleceu algumas condutas como sendo hediondas, a Lei nº. 7.960/1989, que reestrutura a prisão cautelar, as Leis nºs 7.716/1989, 8.072/1990, 9.034/1995, 9.455/1997, que estabeleceram novas espécies de inafiançabilidade a vedação da liberdade provisória, a Lei nº. 8.038/1990, que prevê a modalidade de execução sem trânsito em julgado e a Lei nº. 10.792/2003, que incorporou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) à ordem jurídica nacional.

A imposição dessas inúmeras leis especiais, que resultam normalmente da luta entre poder público e grupos de pressão de certas camadas da sociedade, torna “antiga e nostálgica a sensação de que o mundo dos códigos foi o mundo da segurança”52.

Portanto, essa reação punitiva demonstra a postura adotada pelo Poder Executivo, que oscila entre omissão e comissão diante dos problemas estruturais do sistema prisional (superlotação, condições mínimas de sobrevivência, falta de recursos humanos especializados). Na verdade, as crises penitenciárias não resultam da falta de leis, mas da desobediência por parte do poder público em torná-las efetivas53. 1.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS PRESOS

A positivação de grande parte da cadeia principiológica garantista ocorre a

partir da carta da ONU, de 1948, quando são colocados no plano jurídico interno, notadamente a teoria da validade das leis, instrumentos de avaliação da legitimidade da norma54.

Assim, no momento em que os direitos fundamentais55 são elevados à categoria de norma, deixando de ser meros princípios informadores constitucionais, adquirem caráter vinculante, ‘são o(s) limite(s) e o objeto do direito’56, condicionando a validade jurídica da atividade do Estado.

Essa incorporação dos princípios trata-se de uma legalidade externa – ‘que provém de fora’57, ou seja, o ordenamento estaria condicionado às normas jurídicas supra-estatais (supraconstitucionais).

O ordenamento jurídico penal brasileiro está baseado no princípio da legalidade (art. 5º, inciso XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal), princípio este que “adstringe a existência de uma infração penal e de uma pena à previsão legal específica”58, limitando o poder de aplicar e de executar a lei penal, a fim de garantir o cidadão frente ao poder punitivo.

52 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 167. 53 DOTTI, René Ariel. Movimento antiterror e a missão da magistratura. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2005. p. 48. 54 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 87. 55 Para Ferrajoli, direitos fundamentais seriam “todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos em cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas com capacidade de obrar, (...) la libertad personal, la libertad de pensamiento, los derechos políticos, los derechos sociales y similares”. FERRAJOLI, Luigi. Derechos e garantias: La ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999. p. 37-38. 56 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 107. 57 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 87. 58 Schmidt, Andrei Zenkner. A Crise da legalidade na execução penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 213

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Essa garantia surge com o pensamento iluminista59, com a idéia de não permitir as arbitrariedades estatais, de evitar os abusos do absolutismo. Quando nasce também a concepção de Estado de Direito, que traduz, basicamente, essa noção de limitação do poder60.

O Estado de Direito pressupõe um modelo de organização social em que certos direitos dos cidadãos, tidos como indispensáveis à própria existência e ao desenvolvimento da personalidade humana, representam verdadeiras fronteiras que não podem ser ultrapassadas no desempenho das funções estatais61.

Desse modo, no Estado de direito, a mais relevante garantia62 contra o poder

é a legalidade, pois “a estrita observância da lei limita claramente a atuação dos poderes Executivo e Judiciário e também, em certa medida, do próprio Legislativo, que não pode editar leis que estejam em desacordo com o texto fundamental”63.

No sentido material do princípio da legalidade, somente o Poder Legislativo tem competência, por meio de um processo legislativo constitucional64, para estabelecer os elementos de uma infração penal. Portanto, atinge, as normas incriminadoras, limitadoras do iun puniedi, mas não as normas protetivas dos direitos e das liberdades fundamentais. Estando, assim, justificado o reconhecimento de causas supralegais de exclusão da tipicidade, ilicitude ou de culpabilidade65.

O principio da legalidade sob a ótica garantista pode sofrer um flexibilização via interpretação material, não ficando atrelada à legalidade formal, no entanto somente no que tange “à ampliação do direito à liberdade do sujeito cuja conduta recebeu a (dês)coloração da lei penal”66.

Sendo assim, independente de ter cometido algum delito ou não, todo cidadão deve ter assegurada a sua dignidade, que está prevista constitucionalmente, quando estabelecido como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoal humana67. “A Constituição de 1988, introduziu expressamente direitos ao preso, rompendo com a

59 “O princípio da legalidade surgiu para evitar os abusos do absolutismo, com a revolução burguesa, na época da ilustração, como postulado orientador do movimento codificador do direito continental, e como ‘ um imperativo do Direito Penal liberal’.” GIACOMOLLI, Nereu José. O Princípio da legalidade como limite do ius puniendi e proteção dos direitos fundamentais. In Revista de Estudos Criminais, nº. 23. Porto Alegre: ITEC, 2006. p. 156. 60 FILHO, Antônio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 23. 61 FILHO, Antônio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 24. 62 Antônio Magalhães de Gomes Filho faz uma distinção “entre garantias gerais (ou políticas, em sentido amplo), que são as “instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes e, assim, visam a impedir o arbítrio, e as garantias especiais, assim entendidos aqueles mecanismos de proteção aos direitos individuais” FILHO, Antônio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 26. 63 FILHO, Antônio Magalhães Gomes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.p. 24. 64 Artigo 59 da Constituição Federal 65 GIACOMOLLI, Nereu José. O Princípio da legalidade como limite do ius puniendi e proteção dos direitos fundamentais. In Revista de Estudos Criminais, nº. . 23. Porto Alegre: ITEC, 2006. p. 159-169. 66 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 89. 67 Artigo 1º da Constituição Federal.

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lógica belicista que tornava o sujeito condenado mero objeto nas mãos da administração pública“68.

No tocante à esfera penal-penitenciária, a Constituição de 1988 limitou a espécie de sanção e o sujeito a ser sancionado, restringindo determinados tipos de pena69; limitando os destinatários70 e taxando as possibilidades de sanção7172. E também, previu ampla proteção aos direitos e garantias fundamentais dos apenados, “assegurando direitos inalienáveis e indisponíveis os quais o Estado não pode restringir, pois versam sobre a integridade física e moral daquele sujeito temporariamente limitado em sua liberdade de ir e vir”73 quando em seu artigo 5º, inciso III determina que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”, e quando, no mesmo artigo, inciso XLIX, “declara que é assegurado aos presos os respeito à integridade física e moral”.

Entretanto, em relação aos direitos políticos, o texto constitucional determinou que, enquanto durar a pena, o condenado perde o direito ao voto, impossibilitando-o, de certa forma, de exercer o seu direito de cidadão, de participar das decisões políticas, “destituindo-lhe formalmente a cidadania e consolidando aquele estigma de apátrida”74.

O que se tem que ter presente é que:

Os criminosos condenados e os suspeitos criminais não perdem seus direitos humanos quando perdem a liberdade. Têm direito a não sofrer espancamentos, tortura ou maus tratos da parte de policiais e guardas. Têm direito a assistência médica adequada quando necessário. Têm direito a representação legal para preparar sua defesa e garantir um julgamento imparcial Têm direito a condições decentes de detenção, tais como espaço suficiente para deitar e dormir, água limpa nas celas para beber e cuidar da higiene, ar fresco, luz natural e instalações sanitárias livres de entupimento por detritos 75.

A violação aos direitos humanos nos locais de detenção são atribuídos à má

administração, à superlotação e à infra-estrutura deficiente do sistema penitenciário, à insuficiência e à baixa qualidade de recursos humanos, bem como da corrupção, dos longos períodos de encarceramento e da falta de assistência jurídica76.

68 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.156. 69 Artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal. 70 Artigo 5º, XLV da Constituição Federal. 71 Artigo 5º, XLVI da Constituição Federal. 72 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 161. 73 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 161. 74 “A condição de apátrida não estaria apenas vinculada à clássica distinção entre nacionais e estrangeiros, mas sim ao fato de provocar em algumas pessoas situação de perda dos elementos mínimos de conexão com a ordem jurídica interna dos Estados destituindo-os da legalidade e da jurisdição. Tal condição retiraria o status de cidadania do homem, estabelecendo-lhe uma ‘morte civil’. Declarada formalmente, provoca a perda da condição civil, a desterritorialização e a incapacidade de reivindicação dos direitos, transformando sujeitos em objetos descartáveis” LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 146-166. 75 ANISTIA Internacional BRASIL:“Aqui ninguém dorme sossegado”-Violação dos direitos humanos contra detentos, Índice AI AMR 19/09/99. p. 3. 76 ANISTIA Internacional BRASIL:“Aqui ninguém dorme sossegado”-Violação dos direitos humanos contra detentos, Índice AI AMR 19/09/99. p. 3-10.

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Pode-se dizer que o sistema carcerário está em crise, e os protestos, fugas e tomada de reféns acabam ocorrendo em resposta ao tratamento indigno e degradante, despendido aos apenados, visto que o sujeito ativo da violação/infração é próprio Estado. Assim, ‘a massa carcerária’ encontra nessas condutas ilícitas (fugas, rebeliões e motins) a única maneira de ultrapassar a barreira dos muros prisionais. Essas manifestações geram o fenômeno da conflitividade carcerária77

O Estado Brasileiro tem o dever de garantir a integridade física e o bem-estar das pessoas sob sua custódia, protegendo-os contra a violência e os maus tratos, sejam eles cometidos pelos próprios entes da administração ou por outros presos. No entanto, o que se percebe nas instituições prisionais brasileiras é a desconsideração dos preceitos constitucionais de garantia, visto que os condenados estão submetidos a um ambiente insalubre, indigno e precário, no qual são privados de qualquer condição mínima de higiene e de assistência médica, ficando sujeitos a maus tratos e torturas por parte dos policiais, como forma de punição arbitrária.

A conflitividade carcerária, cuja expressão mais comum e genuína é o motim, tem origem em vários fatores, sendo provavelmente a falta de condições materiais o mais relevante78. Tendo sido a causa principal que desencadeou os motins carcerários na França em 1972-1974, na Itália em 1972 e o “massacre do Carandiru” no Brasil em 199279. Outros fatores que “convertem a prisão em um castigo desumano”80, seriam a superlotação, a alimentação deficiente, o mau estado das instalações, pessoal técnico despreparado e a falta de orçamento.

Os motins carcerários são os fatos que mais dramaticamente evidenciam as deficiências da pena privativa de liberdade. É o acontecimento que causa maior impacto e o que permite à sociedade tomar consciência, infelizmente por pouco tempo, das condições desumanas em que a vida carcerária se desenvolve. O motim, uma erupção de violência e agressividade, que comove os cidadãos, serve para lembrar à comunidade que o encarceramento do delinqüente apenas posterga o problema. Ele rompe o muro do silêncio que a sociedade levanta ao redor do cárcere. Infelizmente, pouco depois de desaparecido o conflito carcerário, a sociedade volta a construir o muro de silêncio e de indiferença, que se manterá até que outro acontecimento dramático comova, transitoriamente, a consciência social81.

Percebe-se que os apenados vêem nas rebeliões, nos motins a única forma de manifestar-se contra a constante lesão aos seus direitos fundamentais, contra a violação da legalidade estatal por parte das agências formais de controle82, implicando, no entanto, sanções administrativas e penais que tornam mais penosa a permanência na prisão.

Para evitar fugas e desordens, a fim de manter a disciplina e a ordem da penitenciária, os agentes penitenciários, a polícia e as autoridades judiciárias

77 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 225. 78 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 227. 79 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 231. 80 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 231. 81 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 227. 82 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 225.

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entendem ser a opressão e a repressão com violência desmesurada o meio mais eficaz de atingir esses objetivos, ignorando a dignidade dos presos como detentores de garantias e direitos fundamentais.

Alguns exemplos são: o caso ocorrido em Osasco, São Paulo, quando 400 presos foram retirados de suas celas e submetidos a oito horas de violência e humilhação, sobre o pretexto de uma revista de celas. Operação esta, autorizada por um juiz; o motim ocorrido na casa de Detenção de São Paulo em 1992, quando Tropas de Choque da Polícia Militar invadiram a prisão para tentar por fim à rebelião, resultando em 111 mortos, chacinados a sangue frio, e 108 feridos que foram obrigados a se despir e passar pelo corredor polonês formado pelos policiais83.

E o ‘massacre do Carandiru’ quando, “no dia 02 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinqüenta, contados os que saíram feridos e nunca retornaram. (...) não houve morte entre os policiais militares”84. Em reposta às rebeliões no pavilhão Nove, oficiais da Polícia Militar, acompanhados de autoridades judiciárias, assumiram o comando do Carandiru.

Diante desse contexto, os presos vêem nas rebeliões e nas fugas o único meio de protesto para que a sociedade tome consciência das constantes violações dos seus direitos e garantias e, da indiferença do poder público frente às condições desumanas em que a vida carcerária desenvolve-se. 2. O DIREITO DE RESISTÊNCIA E A DESOBEDIÊNCIA CIVIL: POSSIBILIDADES

DE CONTENÇÃO DO PODER DE PUNIR DO ESTADO

2.1 O CONTRATO SOCIAL E OS FUNDAMENTOS DO DIREITO DE RESISTÊNCIA

Acerca do teocentrismo e da mudança da cosmovisão, que acabou por alterar também a forma como o homem posta-se e se vê em sociedade, operados pelas descobertas de Copérnico que desmitificaram a idéia de que a Terra era o centro do universo e o homem centro de todas as coisas, assim como pela comprovação da teoria heliocêntrica por Colombo, frutos das experiências do Novo Mundo - da descoberta das Índias e das Américas -, revela-se a existência de culturas que possuíam um modus vivendi “alheios à servidão tirânica imposta pela ordem medieval (...) povos em pleno ‘estado de natureza’”85.

Na redescoberta do homem como medida de todas as coisas, com o ingresso do ‘Novo Mundo’ no cenário histórico, e com a visualização de um novo estado de coisas no qual liberdade e igualdade se opõe à servidão, o impulso da laicização das ciências torna o processo secularizador inevitável. Da exclusão do diverso nasce a idéia de tolerância, da barbárie inquisitiva afloram teorias civilizatórias. Surge o racionalismo, e a capacidade crítica do homem é revelada86.

83 ANISTIA Internacional BRASIL: “Aqui ninguém dorme sossegado”-Violação dos direitos humanos contra detentos, Índice AI AMR 19/09/99. p. 01-10. 84 VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 24. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 295. 85 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 23. 86 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 24.

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Se o homem, posto como parâmetro, não mais permite a sustentação de uma filosofia teocênrica, a velha estrutura de controle do medievo é posta em discussão, e a “liberdade, valor inato ao homem deveria ser recuperada e tutelada contra qualquer forma de violação irracional, pública ou privada”87.

Desde este ponto de partida, as primeiras manifestações contra os regimes de controle autoritários podem ser percebidas nos escritos de Etienne la Boètie, na sua obra O DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA ou O CONTRA UM88.

Entre os principais pontos de discussão propostos pelo autor, está a idéia de liberdade natural do homem, tida como “revolucionária e propulsora dos movimentos iluministas”89. Para ele, o homem nasceria para viver livremente e somente após um ‘desencontro’ com o Estado perderia tal estado natural.

Entende Boétie que a razão para a servidão voluntária do homem ao governo seria o costume, “pois nascem servos e são criados com tais”90. Assim, não reagiriam ao governo tirano, já que em busca de sua liberdade natural por outra razão que provém desta, “as pessoas facilmente se tornam, sob os tiranos, covardes e efeminados”91.

Diferentemente de Boétie, Locke, não aceita a tese do ‘desencontro’ para a formação do Estado92. Para Locke, conforme pontua Paupério, o estado de natureza deve ser entendido como um estado regido por uma lei que obriga a todos: a lei da razão. Os homens estariam em liberdade, agindo conforme entendessem conveniente, sem pedir permissão ou depender da vontade do outro. Os conflitos seriam resolvidos pelos próprios indivíduos, sem auxílio das leis civis. “Nesse pretenso estado de natureza, de liberdade e igualdade primitivas, teriam os homens a noção do justo e do injusto, de que se teria derivado uma regra imperativa, proibindo destruir ou prejudicar o semelhante”93. Distinto, entretanto, do estado de guerra, no qual os homens não estão subordinados à lei da razão, em que as regras que existem são a da força e da violência94.

Entretanto, o estado de natureza, “acabaria resultando em um estado de guerra pois, devido à falta de poder hierarquicamente postado, às lesões dos bens da vida caberia ao indivíduo que assume o papel de juiz em causa própria.”95, ou seja, o estado de natureza não se confundiria com o estado de guerra, já que este surgiria em resposta à violação às leis naturais. Esta forma, a solução para evitar a passagem do estado de natureza para o estado de guerra, seria a criação do estado civil96.

A transferência do estado de natureza para o estado civil representa a opção pela sociedade civil, deixando de lado a barbárie, transferindo o poder privado para

87 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 28. 88 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 25. 89 CARVALHO , Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 25. 90 BOÉTIE, Étienne. Discurso sobre a servidão voluntária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 39. 91 BOÉTIE, Étienne. Discurso sobre a servidão voluntária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 39. 92 CARVALHO , Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 29. 93 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 172. 94. CARVALHO , Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 28-32. 95 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 30. 96 Hobbes, ao contrário de Locke, entende que o estado dos homens fora da sociedade civil é o estado de guerra, no qual ninguém está sujeito à ninguém, não há nenhuma lei além da lei divina. GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 118.

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o poder público. Com isso, o Estado assume a posição de garantidor da dignidade e das propriedades do homem, trazendo para si o poder de punir e de resolver eventuais conflitos entre os homens. Nesse escopo de renúncia das próprias razões “exsurge o pensamento iluminista consagrado no consenso, sepultando o velho paradigma do medievo”97.

No entanto, essa passagem não significa, para Locke, a renúncia total aos direitos naturais e sim uma forma de garantia desses direitos, principalmente na esfera da liberdade individual. “Ao pactuar, o indivíduo não aliena todos os seus direitos à entidade garante, mas mantém uma esfera de liberdade na qual a interferência do Estado é ilegítima: a esfera da liberdade de pensamento e de consciência”98. É uma esfera dos bens indisponíveis – a liberdade de consciência, a liberdade de locomoção (ir, vir e permanecer) e a vida - de serem pactuados pelo cidadão, visto que não há vantagem alguma dispor desses bens em relação às vantagens que ele já possuía no estado de natureza. “Assim, deslegitimadas na esfera penal as sanções cruéis, dado ao fato de que não há disposição por parte do cidadão, de seus bens fundamentais”99.

Assim, o contrato social estrutura-se de uma maneira em que haja direitos e deveres recíprocos. Enquanto de um lado há um dever de obediência às leis por parte dos cidadãos, por outro, há o dever do estado, como garantidor, de preservar pela segurança dos bens daqueles.

Desta forma, o limite do poder estatal estaria no consenso, “vinculado-o ao principio da legalidade e garantindo ao cidadão direitos supra estatais”100. Assim, o Estado tem o dever de punir aquele que violar os direitos de um cidadão. Em contrapartida, a violação desses direitos por um dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), deslegitima a ‘entidade garantidora, “nascendo novos direitos e obrigações sob pena de retorno ao estado de natureza”101.

Para Locke, o rompimento do contrato com o retorno ao estado de natureza ocorreria em três casos: a usurpação, a tirania e a dissolução do governo. “A usurpação (tirania ex defectu tituli) consistiria numa conquista injusta desde dentro do Estado, uma alteração interna decorrente de um golpe ou revolução”102. A tirania seria o uso do poder pelo governante, “não para o bem dos súditos, mas apenas para sua individual e particular vantagem”103. E a dissolução do governo dar-se-ia no caso do Príncipe chamar para si a elaboração das leis ou obstruir sua execução, ou se o legislativo criasse leis que restringissem “direitos aos quais não lhe é lícito intervir”104.

Nesses casos, entende Locke que seria legítima a resistência dos governados contra o poder abusivo, criando duas categorias de resistência não opostas: a resistência e a desobediência. “A resistência implicaria uma conduta comissiva de manifestação contra o poder, ao passo que a desobediência caracterizar-se-ia por uma atitude passiva, um não fazer”105.

97 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 32. 98 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 33. 99 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 34. 100 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 34. 101 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 34. 102 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 37. 103 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 173. 104 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 37. 105 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 38.

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Leciona Paupério que essa leitura do contrato social de Locke, em que “os direitos individuais, em vez de ser alienados, são fortificados e garantidos”106, não é a mesma leitura de Hobbes sobre o contrato. Para Hobbes, em virtude da instituição da sociedade civil derivar “de uma alienação de soberania de cada um e não uma delegação, os governantes gozam de autoridade absoluta”107. Assim, já que os governados querem segurança, devem obedecer cegamente ao soberano, não dando margens para admitir o direito de resistência108.

A mesma leitura é feita por Hannah Arendt, que diferencia a teoria do contrato

social de Hobbes e Locke, entendendo ser a variante de Hobbes uma versão vertical do contrato social, em que o indivíduo celebra um acordo com a autoridade apenas para garantir sua segurança, renunciando a todos os direitos e poderes; enquanto a variante de Locke denominada de versão horizontal do contrato social, na qual, depois de todos os indivíduos estarem comprometidos mutuamente, fazem um contrato com o governo, sendo que tal contrato limita o poder individual do cidadão, mas não altera o poder da sociedade109.

Se a sociedade é fundada em um pacto artificial, e a autonomia e a liberdade são inerentes à teoria do contrato social sustentada pelos “teóricos dos setecentos e oitocentos”110, pode o homem questionar a validade desse contrato a qualquer instante.

Assim, “estabelecidas as regras de convivência social e os papéis (direitos e deveres) das partes (cidadão e estado), a norma penal é externamente limitada, de forma negativa (excludente), pela moral”111, ou seja, não cabe ao Estado interferir na esfera interior do indivíduo.

Desse modo, como conseqüência da laicização, o crime corresponde a uma transgressão advinda de manifestação consciente e livre do indivíduo, não mais sendo punido por violar a esfera do divino, mas recebendo penalidade retributiva decorrente do descumprimento da norma112.

Os fundamentos do direito penal moderno são lançados em bloco pela Ilustração, tendo em vista a coerência de suas proposições: a lei penal – geral, anterior, taxativa e abstrata (legalidade) – advém de contrato social (jusnaturalismo antropológico), livre e consciente aderido por pessoa capaz (culpabilidade/livre arbítrio), que se submete à penalidade (retributiva) em decorrência da violação do pacto por atividade externamente perceptível e danosa (direito penal do fato), reconstituída e provada em processo contraditório e público, orientado pela presunção de inocência, com atividade imparcial de magistrado que valora livremente a prova (sistema acusatório)113.

106 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 170. 107 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 169. 108 Segundo Paupério: assim como Hobbes, Bossuet, Espinoza e Pascal são unânimes em condenar a insurreição. PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 169. 109 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 77. 110 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 42. 111 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 43. 112 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 42 e ss. 113 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 43.

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Portanto, a intervenção penal é limitada e centralizada na tutela dos direitos individuais contra às violências públicas e/ou privadas. Contra à violência privada, tem o cidadão o direito à legitima defesa no caso de não-cumprimento do Estado de sua função tutelar. Enquanto que, nos casos de violência pública ilegítima, ou seja, em que o sujeito ativo é o poder estatal, teria o cidadão o direito de resistir, amparado “por nova descriminante genérica: o ius resistentiae”114.

Sob a perspectiva de Jean Paul Marat de que a plenitude das garantias individuais seria assegurada pela inércia do Estado, enquanto que as garantias sociais seriam efetivadas com a intervenção do Estado através da prestação de serviços, a fim de reduzir a desigualdade social, ou seja, inclui como direitos fundamentais os direitos sociais115, se a sociedade, obrigada pelo contrato social, não assegura ao indivíduo os meios indispensáveis para a sua sobrevivência, é lícita a violação à lei por parte desse. Se no plano individual o autor adota a atitude de admitir como lícita a violação a lei, tendo em vista que o Estado não cumpre suas obrigações perante seus membros; no plano coletivo, a conseqüência desse pensamento é admitir o direito de resistência116.

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA

2.2.1 Conceito e classificação

A insuficiência das sanções jurídicas institucionalizadas contra o abuso do

poder, reconhecendo-se aos governados a possibilidade de recusa da obediência às normas seria, na concepção Paupério, uma conceituação válida sobre o tema. Entretanto, esta recusa, para o autor, dever ser analisada sobre três aspectos: a oposição às leis injustas, a resistência à opressão e a revolução117.

Por oposição às leis injusta, entende que “concretiza-se a repulsa de um preceito particular ou de um conjunto de prescrições em discordância com a lei moral”, sendo essa resistência individual ou de um grupo limitado. (desobediência civil)118. Já por resistência à opressão, explica ser “a revolta contra a violação pelos governantes da idéia de direito de que procede o Poder cujas prerrogativas exercem”119.

Enquanto que, pela revolução, “concretiza-se a vontade de estabelecer uma ordem nova, em face da falta de eco da ordem vigente na consciência jurídica dos membros da coletividade”120.

114 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 44. 115 CARVALHO, Salo de. Os princípios da co-culpabilidade e de vulnerabilidade: notas sobre a (co)responsabilidade do estado no delito. In: RUBIO, David Sánchez, FLORES, Joaquín Herrera, CARVALHO, Salo de (Cord.). Anuário Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001/2002). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 214. 116 CARVALHO, Salo de. Os princípios da co-culpabilidade e de vulnerabilidade: notas sobre a (co)responsabilidade do estado no delito. In: RUBIO, David Sánchez, FLORES, Joaquín Herrera, CARVALHO, Salo de (Cord.). Anuário Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001/2002). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 215. 117 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 11. 118 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 12. 119 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 12. 120 PAUPÉRIO, A. Machado. O direito político de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 12.

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Salo de Carvalho classifica como gênero o direito de resistência e como espécies destes a objeção de consciência e a desobediência civil. Seriam, portanto, resistentes às condutas, sejam elas violentas ou pacíficas, que contestam determinada ordem a fim de transgredi-la, para estabelecer nova prática política ou reestruturar pretérita. Sendo que, necessariamente, o ato contrariado deve “lesar direitos, restringindo o status de cidadão e o ideal democrático”121.

Quanto ao direito de resistência à opressão, a análise parte do pressuposto de que há uma reciprocidade de direitos e deveres entre governo e governados, ou seja, exigindo-se dos governados o cumprimento de seus deveres, têm os mesmos, o direito de exigir serem governados por leis justas122.

Segundo Norberto Bobbio, “a resistência compreende todo comportamento de ruptura contra a ordem constituída, que ponha em crise o sistema pelo simples fato de produzir-se como ocorre num tumulto, num motim, numa rebelião, numa insurreição, até o caso limite da revolução”123.

Meirelles Teixeira assinala que o direito de resistência “é um direito de caráter e conteúdo não somente jurídico, mas também ético, moral, devendo, portanto, exercer-se sempre no sentido do bem comum e da defesa dos direitos fundamentais do homem, dos seus direitos políticos e da dignidade essencial da pessoa humana”124. Já Canotilho coloca o direito de resistência entre os meios de defesa não-jurisdicionais, entendendo-o como ultima ratio daquele cidadão que se vê ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, seja por atos do poder público ou por atos de entidades privadas125.

Como ensina Salo de Carvalho, “mais do que um ‘direito’, a resistência à opressão é um mecanismo tipicamente garantista, pois sua natureza reflete instrumentalidade à satisfação dos direitos humanos individuais, sociais e/ou transindividuais“126. Deste modo, o direito de resistência seria um direito do cidadão de garantir seus direitos fundamentais frente às violações praticadas pelo Estado.

2.3 ALGUNS ASPECTOS ACERCA DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

2.3.1 Conceito e características

Segundo Hannah Arendt, a desobediência civil seria uma resposta à crise de

participação da sociedade nas decisões políticas: fenômeno que aparece no período pós-Segunda Guerra Mundial como uma forma reivindicação da sociedade civil à política, no momento em que há uma profunda crise da lei e dos meios tradicionais de comunicação entre cidadão e governo127. Entende que, embora seja, atualmente,

121 CARVALHO , Salo de. Pena e parantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 243. 122 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 188. 123 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 16. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 144. 124 TEIXEIRA, Meirelles J. H. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 223 e ss. 125 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 676-677. 126 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 243. 127 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed Perspectiva, 1972. p. 68.

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um fenômeno mundial, a desobediência civil é “primordialmente norte americana em origem e substância”128.

Estevez Araújo caracteriza-a como “una actuación ilegal, pública y no violenta llevada a cabo com el objetivo de cambiar uma ley política gubernamenal”129.

John Rawls determina ser a desobediência civil “um ato ilegal público, não violento, de consciência, mas de caráter político, realizado com o fim de provocar uma mudança na legislação ou na política governamental”130.

Da definição de Rawls, depreende-se as características da desobediência civil: o caráter público, pacífico e coletivo, com a finalidade de reivindicar modificações ou a manutenção de direitos.

Desse modo, pode-se perceber, com Salo de Carvalho, que as principais características da desobediência civil seriam “a politicidade, publicidade e coletividade, utilizadas pacificamente como último recurso, sujeitando os desobedientes à sanções”131. A desobediência civil como uma resistência baseada na não-violência está em contraposição à resistência à opressão, que admite o uso da violência132.

Considerando que a desobediência civil e criminosa, “tornou-se um fenômeno de massa nos últimos anos, não somente nos Estados Unidos, mas em muitas outras partes do mundo”133, sendo a contestação e o desprezo pela autoridade sinais gerais da contemporaneidade, do ponto de vista de alguns juristas, a lei é violada tanto pelo criminoso como pelo contestador civil, a despeito dos argumentos contrários, visto que “não é apenas insuficiente mas inexistente qualquer evidência para demonstrar que atos de desobediência civil (...) levam a (...) uma propensão para o crime.”134. Pois, enquanto a desobediência civil pode demonstrar uma perda considerável da autoridade da lei, a desobediência criminosa é conseqüência da erosão da competência e do poder policial135.

Assim, a desobediência civil serve tanto para mudanças necessárias e desejadas como para restaurar ou preservar o status quo: a preservação dos direitos fundamentais ou restauração do equilíbrio e harmonia dos poderes governamentais, ameaçado pelos avanços do Poder Executivo e pelo crescimento do poder federal em detrimento dos direitos dos Estados. Contudo não pode ser comparada à desobediência criminosa136.

Faz-se necessário, também, diferenciar o objetor de consciência do contestador civil. Para Rawls,

128 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 75. 129 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 22. 130 RAWLS, John, Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 364. 131 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 244. 132 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 199. 133 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 64. 134 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 67. 135 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p 68. 136 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p 69.

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a objeção de consciência não se baseia necessariamente em princípios políticos; pode fundar-se em princípios religiosos ou de outro caráter, desconformes com o ordenamento constitucional. A desobediência civil é a invocação de uma concepção comunitária de justiça, enquanto que a objeção de consciência pode ter outros fundamentos137.

Sendo assim, a diferença entre desobediência civil e a objeção de

consciência está no fato da última ser ato individual. Além do mais, “o objetor de consciência, além de atuar em nome próprio, não teria o intuito de modificar a lei em questão, simplesmente deseja não cumpri-la devido a imperativos éticos personalíssimos”138.

Logo, a desobediência civil pode ser direta ou indireta, “la desobediência civil directa es aquélla que consiste em la violación de las normas que constituyen el objeto de la protesta”139. Enquanto a desobediência civil indireta “se daria cuando las normas violadas fuesen diferentes de las que constituyen el objeto de la protesta. Suele añadirse, además, que las normas efectivamente desobedecidas no tienen nada recriminable desde el punto de vista de los desobedientes”140. Contudo, Hannah Arendt conceitua a desobediência indireta como aquela onde “o contestador viola leis (por exemplo, regulamentos de trânsito) sem as achar passíveis de objeção em si, mas para protestar contra regulamentos injustos ou decretos e política de governo”141.

Para melhor compreender e identificar as características da desobediência civil e ilustrar o referido instituto, analisar-se-ão as condutas de pessoas consideradas desobedientes civis, em especial daqueles considerados os precursores do fenômeno: Henry David Thoreau, Mohandas Gandhi e Martin Luther King.

Henry David Thoreau foi um cidadão norte-americano que se negou a pagar seus impostos a um governo que permitia a escravidão, sendo preso, por tal motivo, no ano de 1846. Passou uma noite na cadeia quando, na manhã seguinte, deixou que sua tia pagasse os impostos devidos.

Sua ação foi um protesto contra a guerra entre Estados Unidos e México142 e contra a política escravista do Estado de Massachussetts.

Thoreau explicou as razões da sua desobediência em uma conferência que ocorreu em Massachusetts em 1848. O título original da sua exposição era “Acerca da relação do indivíduo com o Estado”, sendo que nenhuma vez mencionou o termo desobediência civil. No entanto, posteriormente, Thoreau em uma outra versão deu

137 RAWLS, John, Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 369. 138 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 245. 139 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 32. 140 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 32. 141 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 55. 142 Refere-se à guerra entre o EUA e o México, em 1846-1848 Tropas norte americanas invadiram o México, só acabando a guerra depois de assinado um tratado no qual foi reconhecida pelo México a soberania dos EUA sobre o território que hoje compõe a maior parte dos Estados do Texas, Novo México e Califórnia. THOREAU, Henry Davis. A desobediência civil e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 14.

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o título de “Desobediência Civil”, o que permite assinalá-lo como a pessoa que cunhou o termo ‘desobediência civil’143.

Nessa obra Thoreau critica o conformismo do indivíduo, afirmando sua capacidade de mudar as coisas através da infração deliberada das leis injustas. Ele não debate a causa da desobediência civil “no campo da moral do cidadão em relação a lei, mas no campo da consciência individual e do compromisso moral da consciência”144. Entende-a como o cumprimento de um dever ético do cidadão.

A posição de Thoreau é a de um homem que não está disposto a cooperar com as injustiças que comete seu governo e se essa não-cooperação resultar em uma pena prisão, o desobediente deve aceitar com orgulho145.

Ghandi foi um indiano educado na Inglaterra. Em meados dos anos 90 viajou ao sul da África para exercer sua profissão de advogado em uma colônia índia que ali existia. Logo que chegou, experimentou os efeitos da discriminação, sendo objeto de desprezo a que não estava acostumado146.

O objetivo da campanha de resistência não-violenta, que liderou posteriormente, foi justamente contra as injustiças e os preconceitos implementados contra os índios, para que fosse abolida a legislação discriminatória contra esses, especialmente na colônia de Natal147.

Contra essas normas discriminatórias Gandhi liderou uma campanha de resistência não violenta, na qual se realizaram atos de desobediência civil, como por exemplo, os índios se negaram a portar os certificados de identificação que deviam levar sempre consigo, realizando uma queima simbólica dos mesmos148.

Atingido seus objetivos, Gandhi retornou à Índia depois de vinte anos. Lá, seu primeiro ato de desobediência foi quando as autoridades ordenaram que ele abandonasse o terreno no qual havia um conflito entre cultivadores e os proprietários das mesmas, sendo detido e levado a juízo por isso149.

Uma das campanhas mais conhecidas foi a chamada ‘marcha do sal’, que foi uma manifestação de desobediência civil contra o domínio inglês na Índia. Esse ato consistiu em uma marcha até o mar, de mais de cem quilômetros; chegando lá, Gandhi obteve uma pequena quantidade de sal evaporando água do mar, rompendo o monopólio inglês, tendo em vista que os ingleses detinham o monopólio da obtenção e comercialização do sal150.

A essa campanha seguiram-se várias outras, culminando em 1948 na independência da Índia. No entanto, o outro objetivo de Gandhi não foi atingido, que era os índios muçulmanos e hindus conviverem na mesma unidade política, pois a independência resultou em uma divisão da índia em dois Estados, uma de

143 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil.. Madrid: Editorial Trta, 1994. p. 13. 144 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 57. 145 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 14. 146 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 14-15. 147 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 15. 148 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 14 e ss. 149 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trta, 1994. p. 15 e ss. 150 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 14 e ss.

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população predominantemente hindu e outra com população predominantemente muçulmana. Gandhi tentou mediar os conflitos entre essa duas comunidades que se formaram, no entanto foi vítima da violência, sendo assassinado no mesmo ano que conseguiu a independência do seu país151.

A sua estratégia de resistência não-violenta, Gandhi deu o nome de Satyagraha, que significa a sustentação da verdade frente à injustiça152.

Martin Luther King foi outro desobediente que tentou combater a hostilidade existente entre duas comunidades de uma mesma unidade política; ele foi um dos líderes do movimento em favor dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos nas décadas de cinqüenta e sessenta do século XX153.

Nos anos cinqüenta e sessenta do século XX estava vigente em muitos dos Estados do sul uma legislação que estabelecia como obrigatória a segregação em escola, parques, transportes públicos e restaurantes. Estas práticas segregatórias anticonstitucionais, mantidas durante um século – tendo em vista que os Estados do Sul perderam a guerra da Secessão em 1865 – deveram-se ao fato de que os abolicionistas não eram necessariamente integracionistas, ou seja, o fato dos homens considerarem que os seres humanos são naturalmente livres e iguais não significa que negros e brancos possam integrar uma única nação154.

Esta situação permite compreender a doutrina dos ‘iguais mas separados’, também conhecida como doutrina Plessy, pela qual, negros e brancos teriam direitos iguais, no entanto deveriam exercer separadamente, formulada em 1896 pelo Tribunal Supremo norte-americano155.Até que outra sentença do Tribunal Supremo, em 1954, declarou inconstitucional a segregação nas escolas, a doutrina Plessy não havia sido questionada. Esta sentença significou o fim da segregação somente nas escolas. No entanto, pouco tempo depois, o Tribunal reconheceu a constitucionalidade de uma lei que previa a distribuição dos alunos nas escolas de acordo com a sua procedência familiar, habilidades particulares e outros critérios similares. O que de uma forma indireta matinha com a segregação entre negros e brancos156.

Nesse contexto é que Martin Luther King, inspirado em Thoreau e Gandhi, organizou um movimento de resistência não-violenta contra a discriminação dos negros. Dentre as suas campanhas mais conhecidas estão a de Montgomery e Birmingham, que tinham o objetivo de abolir a segregação e tornar efetivas as legislações integradoras157.

3. O DIREITO DE RESISTÊNCIA E A DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO DESCRIMINANTES SUPRALEGAIS: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS COM O

ESTADO DE NECESSIDADE E A LEGÍTIMA DEFESA 151 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 14 e ss. 152 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 20. 153 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 17-22. 154 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 17-22. 155 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 17-22. 156 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 17-22. 157 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 17-22.

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3.1 ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DAS CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE - ESTADO DE NECESSIDADE E LEGÍTIMA DEFESA

Na tipicidade de um fato, se tem um indício de antijuridicidade, uma vez que

cada tipo descreve uma conduta que o vincula ao preceito implícito no enunciado, assim, por ser típica, a ação pressupõe-se ilícita158.

Na lição de Figueiredo Dias, “o tipo incriminador não é um primeiro degrau valorativo do facto penal independente da ilicitude, mas é já o portador de um sentido de ilicitude que o precede e ilumina”159

No entanto, o ordenamento jurídico prevê situações especiais em que, mesmo o fato sendo típico, a ação do agente é lícita. São situações excepcionais que constituem as chamadas clausulas de exclusão da ilicitude.

Desta forma, Zaffaroni e Pierangeli assinalam que a “a tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem normativa, mas não implica a antijuridicidade (a contrariedade com a ordem jurídica), porque pode haver uma causa de justificação (um preceito permissivo) que ampare a conduta”160

Assim, a tipicidade atuaria como um indício da antijuridicidade, que deve se configurar ou se alterar mediante a comprovação das causas de justificação161.

Em que pese o Código Penal Brasileiro prever como causas de exclusão da ilicitude, na parte geral, a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito162, e na parte especial, o aborto necessário e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro163, entre outras, as condições que podem conduzir à licitude excepcional não se esgotam nessas hipóteses tipificadas164. São as já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência como “causas supralegais de exclusão”, englobando os princípios da insignificância, da adequação social e consentimento do ofendido.

No caso dos fatos penalmente ilícitos, o limite está na definição dos tipos legais, em especial o princípio da legalidade dos delitos e das penas. Entretanto, nos casos de licitude, não há essa restrição às figuras estabelecidas pelo legislador165.

Na lição de Aníbal Bruno:

Podemos transpor as hipóteses previstas e ir procurar na realidade total do Direito, em preceitos de outro ramo do sistema jurídico, no costume, no recurso à analogia, nos princípios gerais, a razão da licitude de determinadas ações típicas“166.

Partindo dos ensinamentos de René Ariel Dotti, de que “as cláusulas de

exclusão da ilicitude devem ser consideradas como cláusulas de garantia social e

158 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 365. 159 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 385. 160 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 437. 161 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 437. 162 Artigo 23 do Código Penal. 163 Artigo 128, incisos I e II, do Código Penal. 164 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 365. 165 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 369. 166 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 369.

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individual.”, quem pratica uma causa de exclusão está não só protegendo um direito individual, mas também um interesse coletivo, pois a sociedade reprova os comportamentos ilícitos167.

No presente estudo optou-se somente pela análise das excludentes legitima defesa e estado de necessidade, devido ao fato de serem excludentes mais amplas, que surgem de uma situação de necessidade de defesa de um direito ou de um bem jurídico168. Enquanto o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito, excludentes mais específicas a determinadas situações que impõe exame da própria lei. A primeira por ser uma excludente de natureza compulsória, irrecusável, não podendo a ação ser típica ou antijurídica, pois realizada com o ânimo de atender ao comando da lei169. Já a segunda, por se tratar de conduta lícita a prática de um direito, pois não seria concebível que ordenamento jurídico, por um lado, confira um direito, e pelo outro, torne ilícita a ação que corresponde ao exercício de tal direito170.

3.1.1 Estado de Necessidade O art. 24 do Código Penal declara: “Considera-se em estado de necessidade

quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”

Deste modo, só se configura o estado de necessidade se todos os seus requisitos estiverem presentes no momento do fato, quais sejam: 1º) a existência de um perigo certo e atual; 2º) que esse perigo não tenha sido provocado pelo agente: perigo ‘que não provocou’; e 3º) dano inevitável, a não ser pelo comportamento lesivo, ou seja, ‘nem podia de outro modo evitar’171.

No estado de necessidade há um conflito entre bens e interesse juridicamente tutelados, que pode resultar de situações perigosas provocadas pela ação humana, por fato animal ou da natureza, como por exemplo, inundação, naufrágio, incêndio, fome, doença e muitas outras hipóteses de perigo individual ou coletivo172.

Fragoso assinala que “o que justifica a ação é a necessidade que impõe o sacrifício de um bem em situação de conflito ou colisão, diante da qual o ordenamento jurídico permite o sacrifício do bem de menor valor”173 Não bastando somente a situação de perigo. É preciso que este perigo seja atual, esteja acontecendo. Em contrapartida, não constitui perigo “a possibilidade de dano futuro não iminente nem o perigo passado, ou seja, o fenômeno que já se deu ou cuja possibilidade de causar dano haja desaparecido”174.

167 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 385. 168 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 550-553. 169 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 173. 170 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 234-235. 171 REALE Jr., Miguel. Teoria do Delito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 224. 172 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 390. 173 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 231. 174 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1. p. 163-164.

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Outro requisito do estado de necessidade é a não provocação do perigo pelo próprio agente. Assim, a lei não favorece aquele que deu causa à situação de perigo em que se encontra. Trata-se de aplicar um principio geral do direito segundo o qual o agente não pode tirar proveito da conduta irregular por ele provocada175.

A doutrina brasileira adotou a teoria da vonluntariedade (intencionalidade) do perigo. Através dela, entende-se que, provocado o perigo, o agente deve arcar com as conseqüências, pois não seria certo que, em detrimento de terceiro inocente, se beneficiasse aquele que voluntariamente deu causa à situação perigosa176.

Cumpre, entretanto, questionar se provocado o perigo em que se encontre o agente por ele mesmo, excluir-se-ia o estado de necessidade quando atuasse para salvar bem de maior valor.

Entende Miguel Reale que:

O requisito da não provocação tem como escopo coibir que, por vontade do agente, bens sejam postos em perigo. Na situação de necessidade o agente evita o dano, mas deve antes, através da diligência evitar provocar o perigo. Se provoca o perigo a direito seu voluntariamente, que apenas pode proteger causando mal a terceiro inocente, mesmo que seja inferior ao mal evitado, não deixou por isso de causar um mal, razão porque entendo na busca de Justiça concreta que se admita excepcionalmente a excludente apenas no caso de salvar bem consideravelmente superior ao prejudicado, mesmo tendo-se criado o perigo voluntariamente177.

Assim sendo, excepcionalmente, quando o bem a ser protegido for

consideravelmente de maior valor que o bem lesado, admite-se a exclusão da ilicitude pelo estado de necessidade nos casos de provocação voluntária do perigo.

O outro requisito do tipo permissivo é a inevitabilidade da situação de perigo. “A situação de inevitabilidade deve ser identificada pelo critério objetivo, i.e, em face das circunstâncias do caso concreto e não somente me face da alegação do sujeito”178. Não cabe ao sujeito a escolha do meio mais conveniente em virtude de achar-se na iminência de sofrer um dano, cabe ao direito que determina que o meio deve ser ou não prejudicial, havendo somente meios prejudiciais deve ser o que menos é179.

A inevitabilidade refere-se ao meio e não ao comportamento, ou seja, não se refere ao “poder do agente de evitar o comportamento sofrendo do dano”180. Sendo assim, deve-se reconhecer a exclusão da ilicitude se o sujeito não pode, de outra maneira, resolver a situação perigosa.

Para a caracterização do estado de necessidade é necessário, também, que no caso concreto, não seja razoável exigir sacrifício do bem ameaçado. “Por exemplo: a destruição de um obstáculo material ou humano pelo sujeito que procura

175 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 390. 176 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 164. 177 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 164. 178 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 390. 179. REALE Jr, Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1.p. 166. 180 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 166.

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salvar-se do incêndio por ele não provocado, e que gerou uma situação de pânico no interior do cinema”181.

Portanto, o requisito analisado diz respeito à proporcionalidade do perigo que ameaça direito de terceiro ou do sujeito e a gravidade da afronta causada para resolver a situação de perigo.

3.1.2 Legítima Defesa A outra excludente da ilicitude, pendente de análise, é a legítima defesa, que

se configura na repulsa a injusta agressão, atual ou iminente a direito seu ou de outrem, usando moderadamente dos meios necessários182.

A licitude de uma conduta praticada em legítima defesa decorre de uma análise cuidadosa dos requisitos exigidos pela lei, para concluir se o agente não menosprezou o bem jurídico atingido, mas em razão de outro valor igualmente tutelado.

Esses requisitos a serem analisados para que se configure a legítima defesa são: a) agressão injusta; b) atualidade ou iminência da agressão; c) meios necessários para a reação; e d) uso moderado dos meios183.

Considera-se agressão injusta “aquela ofensa não autorizada pelo Direito”, quando há um ataque dirigido a ofender um bem jurídico do agredido ou de terceiro, sendo que essa agressão pode decorrer por meio de gestos ou de palavras, sejam orais ou escritas184.

Guilherme de Souza Nucci entende que injusto equivale a ilícito ou antijurídico185, diferentemente de Miguel Reale, para quem uma agressão pode ser injusta mas não antijurídica, pois a injustiça da agressão deve ser analisada sobre o ponto de vista do ofendido e não do agressor186.

Assim, a agressão pode ser lícita, mas injusta, objetivamente injusta e subjetivamente injusta pela perspectiva do ofendido187.

Para Zaffaroni e Pierangeli, a agressão é uma conduta que deve ser antijurídica e intencional, não se admitindo a agressão culposa. Além do mais, “a autoria da agressão antijurídica é que dá o caráter de sujeito passivo da ação de defesa, porque esta não pode ser dirigida contra outra pessoa que não seja o próprio agressor”188

Outrossim, a injustiça (antijuridicidade) da agressão não se exclui pela provocação. Entretanto, é possível que por meio da provocação, o agente procure criar um pretexto para a prática do crime, inexistindo, portanto, a legítima defesa. Não há, também, a legítima defesa, se a provocação constituir verdadeira

181 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.. p. 392. 182 Artigo 25 do Código Penal. 183 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 394 e ss. 184 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 394. 185 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 177. 186 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1. p. 156. 187 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1. p. 156-157. 188 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 552.

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agressão189, pois “o caráter antijurídico da agressão exclui a possibilidade de uma legítima defesa contra uma legítima defesa”190

A agressão deve ser real e não suposta, visto que o perigo decorrente da agressão não se limita pelo temor do suposto agredido, mas pelo perigo objetivamente constatado191.

Além de injusta, a agressão dever ser atual ou iminente. Atual “é a agressão que está ocorrendo” e iminente “é a agressão que está prestes a ocorrer, em via de efetivação imediata”192.

Atual se in fieri, ou seja, iniciada e transcorrendo, sendo atual enquanto não cessar, pois a ofensa que o agredido pretende impedir ainda foi debelada. Iminente é o que está para suceder, em vias de ocorrer, devendo o perigo imediato ao bem jurídico ser impedido de se concretizar193.

Assim, atual é o presente, o que está acontecendo, enquanto que iminência é

um futuro imediato, o que está prestes acontecer. Não se admitindo uma legitima defesa de fato futuro ou de fato passado, o que configuraria o retorno ao modelo de vingança privada.

O terceiro requisito da excludente é o uso de meios necessários, entendidos como aqueles que são “eficazes e suficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor dano possível ao atacante”194.

Quanto ao requisito da moderação da defesa, Zaffaroni e Pierangeli referem que “não pode haver uma desproporção muito grande entre a conduta defensiva e a do agressor, de maneira que a primeira cause um mal imensamente superior ao que teria produzido a agressão”195.

Portanto, a natureza da legítima defesa é constituída pela possibilidade de reação do agredido a fim de proteger um direito, tendo em vista a impossibilidade de o Estado intervir naquele momento. Ou seja, a legítima defesa é um tipo sanção imposta ao agressor pelo ofendido a fim de evitar a agressão a um bem196.

Entretanto, há um limite para a legítima defesa. Requer-se proporção entre as circunstâncias da agressão e a forma do revide, para que se proteja o agressor de um rebate desmedido e desproporcional à agressão197.

189 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 228. 190 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 552. 191 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 157. 192 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 394. 193 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1. p. 158. 194 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 175. 195 PIRANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual do direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 555. 196 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 161. 197 REALE Jr, Miguel. Instituições de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1.p. 161.

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3.2 LEGÍTIMA DEFESA, ESTADO DE NECESSIDADE E DIREITO DE RESISTÊNCIA: APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS

Nos dois primeiros pontos, procurou-se analisar o sistema prisional e a

execução penal, o fenômeno da violência carcerária, caracterizada pelo desrespeito aos direitos e garantias fundamentais dos apenados previstos constitucionalmente, as sanções administrativas para as únicas formas de reação (fugas, rebeliões e/ou motins) contra a brutalidade do sistema e, no que consiste de forma geral o direito de resistência.

Os tipos penais motins e evasão mediante violência contra pessoa, independentemente da finalidade ou da motivação que levou à prática destas condutas, descartam qualquer hipótese de justificação de acordo com as normas penitenciárias, com a jurisprudência e dogmática198.

No contexto do injusto penal, a inexeqüibilidade de justificação destes tipos normativos, decorre da falta de previsão normativa de um tipo descaracterizador e “pela inexistência de teoria que possibilite a construção de causas descriminantes para os referidos conflitos, refletindo o desinteresse da dogmática jurídico-penal tradicional em apreender a complexidade social”199.

O tipo é essencialmente uma fórmula descritiva do fato punível e a este aspecto é que fazemos referência quando falamos geralmente de tipo ou de tipicidade. A fórmula a que se deve ajustar o fato para constituir crime. Mas a expressão com que a lei constrói o tipo contém implicitamente a norma, cuja violação ela define nos elementos constitutivos do fato punível. Essa expressão se transforma, assim, no meio pelo qual se manifesta o ilícito penalmente sancionado, e a fórmula do tipo junta ao seu aspecto descritivo a sua função de forma necessária de expressão do ilícito penal. Serve-lhe de expressão e delimita-o: fora do tipo, não existe antijuridicidade penalmente relevante200.

A falta de critérios valorativos na estrutura formal da norma penal exclui

qualquer possibilidade de desconstrução da tipicidade. Ao contrário dos artigos agregados pelo elemento ‘justa causa’, os tipos de evasão e motim201 não possuem esse elemento, não podendo, assim, justificarem-se quando praticados em defesa de um direito pela falta de cumprimento das obrigações do Estado202: “muito embora determinados atos sejam considerados típicos, descritos negativamente e subsumidos à norma jurídico-penal, não existe relação necessária, desde a concepção tripartida do delito, entre sua tipicidade e a sua ilicitude”203.

Assim, mesmo a conduta sendo típica, que se realize o tipo penal, será lícita devido às circunstâncias do caso concreto, pois existem situações em que o cidadão está legitimado a usar da violência contra bens devidamente tutelados.

Apesar do paradigma da modernidade estar fundado no monopólio da violência pelo Estado, em relação aos direitos individuais, é possível a autotutela do cidadão, como previsto legalmente e supralegalmente nos casos de exclusão da ilicitude204.

198 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 245. 199 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.. p. 246. 200 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 349-350. 201 Artigos 352 e 354 do Código Penal. 202 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 246. 203 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 246. 204 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 247.

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Aníbal Bruno assinala que nestas causas excludentes encontram-se:

Ssituações de necessidade, em que se incluem o estado de necessidade propriamente dito e a legítima defesa; casos de atuação do Direito por cumprimento de dever legal ou exercício de direito ou faculdade legítima; ou conjunturas em que deixa de existir interesse na proteção do bem, porque o seu titular consente na lesão 205.

Entretanto, as excludentes estão condicionadas a requisitos rígidos que não

possibilitam a sua utilização nos casos de conflitividade transindividual, como é o caso dos conflitos carcerários, das ocupações de terras, apropriação de prédios públicos ou privados, pois a legítima defesa e o estado de necessidade estão estruturados em uma concepção individual, inexistindo a possibilidade de reação coletiva “contra ato que coloca em perigo ou que agride bens transpessoais”206.

De acordo com o analisado anteriormente, a diferença entre estado de necessidade e legítima defesa é que na legítima defesa há uma agressão, uma lesão ou ameaça de lesão a um bem, enquanto que no estado de necessidade o bem é colocado em perigo, há um conflito entre bens. Nas duas a ação decorre de uma conduta humana, salvo nos casos de estado de necessidade em que a situação perigosa pode ser gerada por fato animal ou da natureza. Então, “inadmissível ser o Estado incitador do ato que requer garantia (sujeito ativo da lesão)”207.

Nos casos em que há descumprimento aos direitos dos presos, não há uma situação de perigo que caracterizasse o estado de necessidade ou uma agressão injusta que justificasse a legítima defesa, pois se está diante de uma “situação permanente de violência e lesão constante de direitos”208 Além do mais, o sujeito ativo da violação ao direito dos presos é o próprio Estado, não admitindo, a reação contra essa violação, a legítima defesa e o estado de necessidade209.

Assim, a possibilidade de resolução da problemática dos conflitos carcerários estaria na elevação do direito de resistência como causa supralegal de exclusão da ilicitude.

Igualmente, além da situação de permanente violência o caso das lesões aos direitos dos presos, outra diferença entre a as excludentes legais e o direito de resistência é fato de que o sujeito passivo é um grupo de pessoas, a massa carcerária, que deveria ser percebida como um sujeito de direitos210.

Acontece que, mesmo com a jurisdicionalização da execução a partir da reforma penal de 1984, visto que permanece uma concepção administrativa, e mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, os presos ainda são vistos como objetos da execução. Assim, conforme Salo de Carvalho, “a dogmática jurídica (...) enquanto não visualiza formas de normatizar os conflitos prisionais motivados por justas reivindicações, urge recepcionar o ius resistentiae como discriminante supralegal de ordem transindividual”211, da mesma forma como recepcionados os princípio da insignificância, adequação social, consentimento do ofendido e inexigibilidade de conduta diversa como causas supralegais de exclusão do delito.

205 BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 349-365. 206 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 247. 207 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 248. 208 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.. p. 249. 209 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 249. 210 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 249. 211 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 241-249.

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Sendo assim, como uma discriminante transindividual, o direito de resistência permitiria uma ação política reivindicatória dirigida à administração pública, a fim de que sejam cumpridas as garantias constitucionais dos presos, sendo respeitadas sua integridade física e moral212.

Portanto, o motim, a evasão e as rebeliões não poderiam ser classificadas como infrações penais, considerando-se o direito de resistência como causa supralegal de exclusão do delito, pois realizados conscientemente contra situações injustas e degradantes a que estão submetidos os presos.

Andrei Schmidt afirma:

A resistência é um direito do preso. Se o poder judiciário está sendo moroso em apreciar um pedido de progressão de regime ou de livramento condiciona, (...), é direito do preso, p. ex. entrar em greve de fome contra tal omissão, não podendo por esse motivo, ser punido disciplinarmente. Da mesma forma, se os presos amotinados reivindicam melhorias na alimentação, no espaço de celas etc. – que é o que geralmente ocorre, das as condições desumanas dos estabelecimentos prisionais brasileiros -, não podem eles ser punidos por tais condutas, ainda que decorram danos toleráveis do protesto213.

Dotti assinala que configuram atos de desobediência civil “reivindicações de

interesse coletivo como ocorre com as manifestações (...) de presidiários que se rebelam contra a falta de atendimento de seus direitos humanos”214.

Portanto, se a qualquer cidadão é conferido o direito de autotutela quando sofrer injusta agressão ou estiver em perigo, nas condições atuais das penitenciárias brasileiras (superlotação, falta de assistência material e humana), em que não são cumpridas as garantias constitucionais e legais a que os presos têm direito, as reivindicações dos mesmos não podem ser qualificadas como delitos, pois abrangidas pela excludente supralegal da resistência.

3.3 A SUPRA LEGALIDADE DOS CONFLITOS CARCERÁRIOS COMO CONDICIONANTES DA LICITUDE DA RESISTÊNCIA

Sob pena de legitimação de condutas bárbaras, faz-se necessária a

formulação dos pressupostos da ação de resistência, considerando que as “as particularidades da situação existente no interior das instituições totais inviabilizam, e por conseqüência descartam alguns dos pressupostos tidos como necessários pelos doutrinadores do direito de resistência”215.

Deste modo, necessária a análise de dois requisitos: a publicidade e o caráter não-violento da conduta de resistência.

Estevez Araújo refere-se ao caráter público como “inherente a toda estrategia de resistencia no-violenta”216, sendo “uno de los rasgos definitorios de la desobediência civil que deriva directamente de la filosofia que subyace a esta forma

212 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 241. 213 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, deveres e disciplina na execução penal. in CARVALHO, Salo de (org). Crítica à Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 238. 214 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 428. 215 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 250. 216 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 27.

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de protesa”217 Entretanto, esse requisito resta prejudicado, tendo em vista que se trata de uma instituição total, que tem como pressuposto o isolamento e a não-visibilidade, não sendo possível o ato reivindicatório público218.

Salo de Carvalho leciona que o pressuposto da publicidade refere-se “à negativa de ocultação do fato e de sua autoria”, assim, no caso prisional, relativiza-se o requisito, pois “a ocultação decorre da ação do próprio sujeito violador”219.

O outro requisito é a não-violência, que segundo Hannah Arendt “daí decorre que a desobediência civil não é revolução”220.

Para Salo de Carvalho, a violência é a anulação da humanidade. Anularia a civilidade da conduta, perdendo a legitimidade atos não pacíficos221. Entretanto, anota Nelson Nery Costa que a utilização da violência não deve ameaçar as pessoas, principalmente terceiros que não estão envolvidos no ato reivindicatório, pois perderia a sua legitimidade, mas em relação às propriedades é possível o uso da violência222.

Dotti assinala que a exculpação da resistência só é “admissível quando fundada na proteção de direitos fundamentais e o dano for juridicamente irrelevante.” E mais, se houver violência ou ameaça contra pessoa, não haverá isenção de pena223.

Assim, o limite da não-resistência seria somente em relação à violação dos direitos individuais das pessoas envolvidas no problema, como funcionários das penitenciárias e terceiros, não atingindo o patrimônio público ou privado, pois “excluindo os direitos fundamentais das pessoas, qualquer outro bem jurídico pode ser danificado pela inexigibilidade de sacrifício daquele ameaçado/lesado224. Então, são meios idôneos de resistência a ocupação de prédios, a greve de fome, a destruição de bens pessoais ou da instituição prisional.

Tais requisitos, ora analisados, são de ordem objetiva. No entanto, importante referir que o elemento subjetivo das excludentes reside na consciência de que se está defendendo ou valendo-se de um direito ou um dever e a vontade de defender-se. Atualmente, os penalistas pátrios225 sustentam que o requisito subjetivo deve estar presente juntamente com os requisitos objetivos.226

Entretanto, Dotti entende “que não importam a natureza e a direção da vontade para que se reconheçam as causas de justificação, que não exigem o

217 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 146. 218 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 251.

219 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 251.

220 ARENDT, Hannah. Desobediência civil. In Crises da República. São Paulo: Ed. Perspectiva,

1972. p. 70. 221 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 251.

222 COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobediência civil : de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 51. 223 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p.

428. 224 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 251.

225 Neste sentido BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 1º: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 380-381; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 77 . 226 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 386-388.

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requisito da vontade coincidente com o propósito de exercer o direito.(...) Ao direito de se defender o agente poderá juntar outro fim como o de vingança”227.

Sustentando a posição de que é necessário apenas o requisito objetivo, Magalhães Noronha leciona:

É causa objetiva de excludente da antijuridicidade. Objetiva porque se reduz à apreciação do fato, qualquer que seja o estado subjetivo do agente, qualquer que seja sua convicção. Ainda que pense estar praticando um crime, se a situação de fato for de legítima defesa, esta não desaparecerá228.

Salo de Carvalho assinala, que após o finalismo welzeliano, os requisitos

objetivos e subjetivo fazem parte de todas as análises do delito, em todos os níveis, na tipicidade, na ilicitude e na culpabilidade229.

A impossibilidade de justificação do direito de resistência só se coloca, nas palavras de Estevez Araújo, “se sustentarse desde los pressupuestos de um positivismo esctricto o de um decisionismo de corte autoritário”230.

E segue dizendo:

Si se considera que la interpretación de la Constitución em uma operaciónde caracter técnico-jurídico que debe quedar reservada a los especialistas, entonces tiene sentido afirmar que los legos deban callar a respecto. Si se admite la ambigüedad y falta de contenido preciso de lãs disposiciones constitucionales, pero se considera como un elemento imprescndible para el mantenimiento del orden atribuir em exclusiva a la autoridad la decisión de las disputas constitucionales a través de los procedimentos estabelecidos, también se negará a los ciudadanos la possibilidad de discrepar231.

Conforme Maria Garcia, o direito de resistência está na ordem dos direitos

fundamentais implícitos, decorrente do regime e princípios adotados pela Constituição Federal de 1988, pois no art. 5º, § 2º incorporou-se esse direito, como direito público subjetivo, como direito fundamental de garantia232.

Assim, o direito de resistência admite como titulares, tanto o cidadão como um grupo de pessoas, tendo como objetivo o não-atendimento a uma ordem em decorrência ao desrespeito à ordem constitucional e aos direitos fundamentais233.

Reconhece-se, portanto, um sistema de necessidades humanas fundamentais, que, ao serem violadas, legitimam a resistência, independentemente do status jurídico do indivíduo, seja ele um apenado ou não. Entretanto, só pode ser legítima se fundada no absoluto respeito a cidadania234.

227 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002 p. 386-388. 228 NORONHA. E. Magalhães. Direito penal. 32 ed. São Paulo: Saraiva. v 1. p. 196. 229 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 253. 230 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 145. 231 ARAUJO, José Antonio Estévez. La constitucion como processo y la desobediência civil. Madrid: Editorial Trotta, 1994. p. 145. 232 GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 261. 233 GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 261. 234 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 255.

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Dessa forma, “é plenamente possível a inclusão das reivindicações dos presos na esfera da juridicidade, visto serem suas demandas absolutamente legítimas, fundamentalmente porque seu escopo é o de efetivação da própria legalidade estatal sonegada”235.

O motim, a rebelião e as evasões, como únicas possibilidades de reivindicações, absolutamente legítimas, tendo em vista os obstáculos provocados pelos “mecanismos de (re)produção do poder”, classificam-se como formas de exercícios de direitos236.

Portanto, é lícito amotinar-se um preso contra o sistema, na situação limite de estar sendo desrespeitado o seu direito absoluto de ser tratado como pessoa, considerando-se o Estado Democrático de Direito, que tem por fundamento último a dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, os conflitos carcerários previstos nos artigos 352 e 354 do CP e nos dispositivos da LEP devem ser considerados lícitos, apesar de típicos, pois abarcados por uma clausula supralegal de exclusão da ilicitude.

CONCLUSÃO

Após a análise das premissas que se propôs o presente trabalho, pode-se

afirmar que se contra a violência privada tem o cidadão o direito à legítima defesa no caso de não-cumprimento do Estado de sua função tutelar, nos casos de violência pública ilegítima, em que o sujeito ativo é o poder estatal teriam os presos o direito de resistir, de protestar contra o sistema que os desconsidera como sujeitos de direitos, amparados por uma nova discriminante supralegal: o direito de resistência.

Nas sociedades modernas, institucionalizaram-se formas de controle social por meio das disciplinas, que tinham por objetivo tornar todos os elementos do sistema mais dóceis e úteis. Neste contexto estruturam-se as prisões como espaço de vigilância permanente, associadas ao modelo panóptico, tendo como objetivo a punição dos sujeitos, a fim de corrigi-los, discipliná-los e reabilitá-los para que pudessem reintegrar-se à sociedade.

A partir das reformas penais de 1984, que seguiu os rumos da nova defesa social, a pena passa a ter função de ressocialização e tratamento do delinqüente, bem como a de prevenir os delitos. Esse discurso ressocializador ingressou na esfera jurídico-penal com a crise do Estado Liberal e a sua gradual transformação em Estado Social. No entanto, com a crise do Estado Social (Estado Providência), passa-se ao Estado Penitência, no qual a resposta à criminalidade é o encarceramento dos indesejados, resultando na superlotação das penitenciárias e suas conseqüentes crises.

Entretanto não só da superlotação penitenciária decorrem os conflitos carcerários, mas também da má administração, da infra-estrutra deficiente, da insuficiência e da baixa qualidade de recursos humanos, bem como da corrupção, dos longos períodos de encarceramento e da falta de assistência judiciária.

Ocorre que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e com a jurisdicionalização da Lei de Execuções Penais em 1984, introduziram-se expressamente direitos aos presos, tendo o Estado o dever de garantir-lhes a integridade física e moral e o bem-estar, protegendo-os contra os maus tratos. No entanto, o que se percebe nas instituições prisionais brasileiras é a desconsideração dos preceitos constitucionais de garantia, tendo em vista que os condenados estão 235 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 257. 236 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 257.

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submetidos ambientes insalubres, indignos e precários, privados de qualquer condição mínima de higiene e assistência médica, ficando sujeitos a maus tratos e torturas por parte dos policiais.

Assim, pode-se dizer que o sistema carcerário está em crise, e os protestos, motins, fugas e tomadas de reféns acabam ocorrendo em resposta ao tratamento indigno e degradante despendido aos apenados.

Sob a perspectiva do contrato social, se em caso de descumprimento do Estado, de seus deveres, tem o cidadão direito à legítima defesa; no plano coletivo, em que o sujeito ativo da violação é o próprio Estado, teria o cidadão o direito de resistir. Portanto, nas condições atuais das penitenciárias, em que não são cumpridas as garantias legais e constitucionais a que os presos têm direitos, as reivindicações dos mesmos (evasões, motins, rebeliões, greves de fome) não podem ser qualificadas como delitos, pois abarcadas pela excludente supralegal de resistência, desde que fundadas no respeito a cidadania, ou seja, desde que não atinja a integridade física dos funcionários das prisões e de terceiros.

Sendo assim, uma possibilidade de resolução da problemática dos conflitos carcerários estaria na elevação do direito de resistência aos status de causa supralegal de exclusão da ilicitude.

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