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DIREITO DIFUSO E COLETIVO Intensivo II Prof. Alexandre Gialluca 2010 Todos os Direitos Reservados – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei 9.610/908) é crime estabelecido pelo art. 184 do Código Penal. Contato: [email protected] DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGICA Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos na necessidade de se desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado de certos direitos. Vamos analisar a evolução histórico- metodológica sob duas ordens: Classificação do processo coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil. 1.1. Classificação dos processos coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais Todos os que se dedicam à análise do tema e, principalmente, os constitucionalistas, costumam fazer uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem visualizar, com bastante clareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitos fundamentais. 1ª Geração : Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partir do Século XVII, em que se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foi a Revolução Francesa que combateu o poder absoluto do rei que. E depois de deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar o arbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o de propriedade, pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus na terra). Então, quando nascem esses direitos civis e políticos, eles nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas: “rei, não se meta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da própria negação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase de fase de liberdades negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais básicos, que vocês conhecem até hoje: liberdade, propriedade, livre iniciativa, herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a primeira fase dos direitos fundamentais. 2ª Geração : Direitos Econômicos e Sociais De acordo com os constitucionalistas, esses direitos nascem a partir do Século XIX. Junto com a primeira geração de direitos que dizia “Estado, não se meta!”, começa uma nova fase do pensamento moderno, chamada Liberalismo, junto com o movimento cultural, chamado Iluminismo. Esses dois movimentos levaram a

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Curso completo para concurso de direito: difuso e coletivo.

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Todos os Direitos Reservados – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei 9.610/908) é crime estabelecido pelo art. 184 do Código Penal. Contato: [email protected]

DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGICA

Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos na necessidade de se desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado de certos direitos. Vamos analisar a evolução histórico-metodológica sob duas ordens:

Classificação do processo coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil.

1.1. Classificação dos processos coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais

Todos os que se dedicam à análise do tema e, principalmente, os constitucionalistas, costumam fazer uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem visualizar, com bastante clareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitos fundamentais.

1ª Geração: Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partir do Século XVII, em que se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foi a Revolução Francesa que combateu o poder absoluto do rei que. E depois de deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar o arbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o de propriedade, pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus na terra). Então, quando nascem esses direitos civis e políticos, eles nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas: “rei, não se meta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da própria negação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase de fase de liberdades negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais básicos, que vocês conhecem até hoje: liberdade, propriedade, livre iniciativa, herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a primeira fase dos direitos fundamentais.

2ª Geração: Direitos Econômicos e Sociais – De acordo com os constitucionalistas, esses direitos nascem a partir do Século XIX. Junto com a primeira geração de direitos que dizia “Estado, não se meta!”, começa uma nova fase do pensamento moderno, chamada Liberalismo, junto com o movimento cultural, chamado Iluminismo. Esses dois movimentos levaram a

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uma omissão completa do Estado, exatamente para preservar o distanciamento do Estado da vida do indivíduo. Só que essa ausência do Estado gerou uma desigualdade social absurda. Na Revolução Industrial, crianças foram submetidas a trabalho forçado, pessoas trabalhando 20 horas por dia. Então, a própria condição de liberdade acabou fazendo com que não fossem impostos limites ao capitalismo. Por isso, os constitucionalistas percebem, a partir dessa segunda geração de direitos fundamentais, uma retomada da intervenção do Estado para garantir direitos mínimos do ponto de vista econômico e social. Não dá para ficar com a liberdade absoluta em que os indivíduos se tornam desiguais, uns com saúde, outros morrendo, crianças bem-tratadas, crianças maltratadas. Por isso, surge uma segunda geração de direitos em que os próprios constitucionalistas chamam de a era das liberdades positivas. É exatamente o contrário da Era anterior em que o Estado não se metia. Agora, a ordem é: Estado, se meta, para garantir um mínimo de condições econômicas e sociais para todas as pessoas. É nessa fase que surgem alguns direitos fundamentais básicos como direito à saúde, saneamento básico, primeiros direitos trabalhistas.

3ª Geração: Direitos da coletividade – De acordo com os constitucionalistas, passaram a ser estudados a partir do Século XX. O que começaram a observar? Que a humanidade não se basta em um único indivíduo. Não adianta garantir a liberdade absoluta ou um direito econômico, social e político para um indivíduo se você não conseguir fazer com que esse indivíduo exerça o seu direito respeitando os direitos dos demais. Significa dizer que nessa fase, eles começaram a perceber que há alguns direitos que transcendem ao individualismo e que só podem ser exercitados de forma coletiva. A principal mola impulsionadora, a primeira previsão de direitos coletivos no sistema mundial foi o sindicato. Os trabalhadores começaram a se aglomerar para buscar objetivos comuns à categoria representada pelo sindicato. Depois disso, os direitos coletivos foram se estendendo para outras áreas. Nessa fase, começamos a observar o nascimento de direitos das categorias profissionais, meio ambiente, patrimônio público, etc. São direitos que não há como serem exercidos mediante uma titularidade única. O direito ao meio ambiente, ao patrimônio público não são exercitados individualmente, mas por um corpo, que é a coletividade.

Eu poderia parar aqui, já que queria chegar ao nascimento dos direitos coletivos. Mas apenas por amor ao debate, devo acrescentar que há autores que falam ainda de uma quarta geração de direitos fundamentais

4ª Geração: Direitos da globalização – Aqui eu estaria falando de paz mundial, livre comércio, direitos relacionados à formação de blocos econômicos, direitos da transnacionalidade. Mas isso não é objeto do nosso tema.

Para fechar esse tópico, uma informação que eu reputo das mais importantes. Para você nunca esquecer essas três gerações, vai uma dica

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(lógico que para nós interessa a terceira geração): lembrar o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Primeiro eu quis liberdade (que o Estado não se metesse), quando essa liberdade foi muito longe, buscou-se a interferência do Estado para assegurar um mínimo de igualdade. Mas não adianta a liberdade e nem a igualdade se não há fraternidade, que é o amor coletivo que existe entre as pessoas. O direito da coletividade nasce como símbolo da fraternidade que deve nascer entre os homens, entre as categorias. Portanto, liberdade, igualdade e fraternidade representam o lema da Revolução Francesa e espelha bem o que a gente chegou a conquistar a partir das várias gerações de direitos fundamentais.

1.2. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil

A doutrina mais moderna diz que o estudo do direito processual civil, como um todo, pode ser dividido em três grandes fases metodológica:

Fase do Sincretismo ou Civilismo – Nasce com o direito romano, que foi o primeiro povo a desenvolver o sistema jurídico, e vai mais ou menos até 1868. Nessa fase, havia uma confusão metodológica entre direito e processo. Desse modo, não havia autonomia do processo. Dizia-se que o processo era um apêndice do direito material. E é graças a essa fase que surgiu a ideia do processo como direito adjetivo, e o adjetivo serve para qualificar o substantivo. O direito adjetivo (processo) serve para qualificar o substantivo (direito material). Dizia-se nessa época que só tem ação (processo) se há direito. Só havia ação se você ganhasse, caso contrário, não havia ação. O Savigny usava uma expressão sobre o sincretismo: o processo era o direito civil armado para a guerra. Isso porque não havia autonomia. Era o direito civil armado para brigar.

Fase do Autonomismo ou Autonomista – Em 1868 surgiu uma obra clássica que inaugurou essa nova fase do processo civil, escrita por um caboclo que ninguém sabe se é alemão ou austríaco, chamado Oskar von Bülow. Ele escreveu uma obra fantástica sobre as teorias das exceções no processo civil. E o que ele conseguiu perceber? Isso parece imbecilidade hoje. Mas ele conseguiu visualizar, naquela época, que quando há uma relação jurídica entre duas pessoas, ela é de direito material e bilateral. Ele entendeu e conseguiu distinguir que quando uma das partes achar que essa relação jurídica material não está sendo respeitada, surge para o titular do direito um outro direito, que não é mais um direito contra a parte contrária, mas um direito que é exercitado pelo Estado no sentido de que ele faça respeitar a relação jurídica de direito material. E aí eu estaria falando de uma relação jurídica trilateral, à qual ele deu o nome de relação jurídica processual. A partir desse raciocínio, extremamente simples, Bülow conseguiu perceber que a relação jurídica material é uma coisa e que a relação jurídica processual é outra coisa. De modo que o exercício do direito de ação, é um exercício de

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um direito diferente do exercício do próprio direito material. Temos aí fincadas as premissas da fase autonomista do processo civil brasileiro vivida até hoje. Hoje, ninguém mais fala que o direito processual é o direito civil armado para a guerra. O processo implica em uma relação jurídica autônoma esquecida contra o Estado e a relação jurídica material tem uma bilateralidade apenas entre as partes contratantes.

Fase do Instrumentalismo – Superado o autonomismo, entretanto, surgiu um problema porque sempre que você não tem uma coisa e obtém, você costuma exagerar. Aqui, houve a mesma coisa. A relação jurídica material, com a descoberta da autonomia processual, acabou esquecida. Graças a isso, os direitos começaram a ser deixados de ser tutelados, o acesso à justiça ficou prejudicado. Isso porque eu ficava discutindo a relação jurídica processual e esquecia do direito material, que era o que interessava. Afinal, o processo serve ao direito material. Então, surge uma terceira fase metodológica do estudo do direito processual que ficou e ainda é conhecida como instrumentalismo, que tem início mais ou menos em 1950, com a obra de dois autores, um italiano e um americano: Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Os dois escreveram uma obra clássica: “O Acesso à Justiça.” Esses autores defendem que deve haver um resgate dos verdadeiros fins do processo. O processo deve se reaproximar do direito material. Só através do resgate do direito material é que o processo realmente se torna um meio de acesso à justiça. Para sustentar esse movimento novo, para que o processo se tornasse, realmente, um instrumento de acesso à justiça, eles dizem que todos os ordenamentos jurídicos do mundo deveriam observar aquilo que eles chamaram de As 3 Ondas Renovatórias de acesso à Justiça:

1. Onda de Tutela aos Pobres – Se o processo quer tutelar o direito material e ampliar o acesso à justiça, a primeira pessoa que tem que ser trazida para dentro do sistema judicial é aquele que não tem condições de entrar com a ação. A consequência é que o sistema só será acessível se o pobre tiver direito. A consequência disso é que nasce a justiça gratuita, a defensoria pública, tribunais de pequenas causas.

2. Onda da Coletivização do Processo – O grande momento dessa fase metodológica é a segunda onda renovatória, que é aquela em que eles sustentam a necessidade de coletivização do processo. Nessa onda renovatória, nós promover a representação em juízo dos direitos metaindividuais. Sobre esse tema, quatro observações:

1ª Observação. Esses autores viram a necessidade de se tutelar duas situações básicas pelas quais nasceu o processo coletivo.

a) A primeira delas é a questão da tutela dos direitos de titularidade indeterminada. Os direitos da coletividade (da 3ª Geração) são direitos que pertenciam ao corpo social, só que não existia um representante, em princípio, que tinha autorização do corpo social para entrar com a ação

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coletiva. Então, o Garth e Cappelletti sustentam que é necessário que o sistema crie mecanismos para permitir a tutela desses direitos metaindividuais através da previsão de quem vai ser o titular, quem vai responder por essa titularidade indeterminada. Sim, porque se você pegar o exemplo do meio ambiente, vê que é meu, mas é seu, é dele, de todo mundo. Quem vai responder? Então, a titularidade indeterminada precisa ser determinada para que se possam tutelar esses direitos. Graças a essa necessidade de se tutelar esses direitos é que surge a necessidade de coletivização do processo porque se eu pego as regras de um processo eminentemente individual e jogo para o coletivo, a consequência é que não será possível tutelar esses direitos coletivos. Mas não é só por isso.

b) Eles dizem que também havia a necessidade de se tutelar direitos economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. Além de precisar criar o processo coletivo para a tutela dos bens e direitos de titularidade indeterminada, como é o caso do meio ambiente, é necessário que haja processo coletivo para que haja a tutela de determinados direitos que, do ponto de vista individual, economicamente não seriam tuteláveis. o exemplo deixará claro: um dia você resolve medir o leite que você compra todos os dias e vê que, na verdade, ao invés de 1L anunciado no rótulo, há dentro da caixa apenas 900ml. No final de 1 mês, você tem o direito de reclamar 3 litros da empresa. Agora você vai ajuizar uma ação para obrigar a empresa a te devolver 3 litros de leite? Definitivamente, não. Esses direitos, portanto, acabam não sendo dos por ninguém, porque ninguém vai se submeter a isso. E isso gera na sociedade toda uma instabilidade. Então, qual a ideia desses dois autores? É preciso criar uma hipótese em que esses direitos economicamente intuteláveis, do ponto de vista individual, possam ser tutelados e você vai fazer isso através do processo coletivo, através da coletivização do processo.

O processo coletivo, portanto, nasce, portanto, com um imperativo de duas ordens: primeiro para a tutela dos bens de titularidade indeterminada, aqueles direitos que, por não terem ninguém para tutelar, acabam não sendo tutelados por ninguém. É por isso que é preciso que haja um processo permitindo que alguém tutele os interesses de todo mundo (ações coletivas) e, segundo, pra permitir que alguém tutele os interesses que, do ponto de vista individual, são economicamente inviáveis.

2ª Observação. O processo coletivo nasce em virtude da inadequação do direito processual civil individual para a tutela dessas situações, dos interesses metaindividuais. Ele nasce porque o processo civil individual não dá conta de responder a essas demandas. A regra geral do processo civil ordinário é que cada um defende direito seu. No processo civil coletivo é exatamente o contrário porque há uma pessoa escolhida para defender toda a coletividade. A legitimidade do processo individual não encaixa no processo coletivo. Foi preciso criar um regramento próprio. A regra dos elementos subjetivo da coisa julgada no CPC atinge só as partes. Mas no

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processo coletivo, a coisa julgada atinge não somente as partes. Então, temas como legitimidade e coisa julgada são incompatíveis entre o processo civil individual e o coletivo. Você nunca vai entender processo coletivo se você pensar o processo coletivo com cabeça do CPC. Ele tem um sistema separado, próprio. Por isso, essas regrinhas do CPC têm que ser esquecidas.

3ª Observação. O processo coletivo não disputa o espaço com o processo individual. O sistema prevê as tutelas coletivas sem prejuízo de você exercitar sua pretensão individual. Eu já vi cair no Cespe: O individual tem um fim egoístico porque é um processo só de um. Agora, o processo coletivo tem um fim altruístico, porque ele vale para mim e para todos os demais membros da coletividade. E você vê que o processo coletivo nasce da própria evolução do ser humano. A ideia de sociedade, de bem-estar comum, só surge depois de um tempo da nossa evolução. E essa noção de coletividade só foi incluída depois.

4ª Observação. No Brasil, o processo coletivo surge com a Ação Popular, só que se consolida com a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A Lei de Ação Civil Pública, que é um marco do processo coletivo brasileiro passou por avanços e retrocessos. Avanços: A CF/88 ao criar o suporte da ACP, o CDC, o ECA. Mas essa lei também passou por vários retrocessos: o Executivo federal limita o alcance da APC via medida provisória Lei 9.494/97 foi uma MP que virou lei, acabou com o processo coletivo no Brasil, ao alteraro art. 16, da Lei de Ação Civil Pública:

Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada "erga omnes", nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Alterado pela L-009.494-1997)

Isso é um absurdo porque se eu separo só a cidade de SP, em Campinas não vai valer.

Hoje, no Brasil, houve tentativa de se elaborar um Código Brasileiro de Processo Coletiva. Houve dois projetos, um coordenado pela Ada Pelegrini e outro elaborado pela Emerj (Juiz Federal Alouisio Mendes). Eles colocam o processo coletivo dentro de uma maneira equilibrada, com princípios e regras próprias. O objetivo desses dois códigos era fazer com que se entendesse que não dava para aplicar o CPC na esfera do processo coletivo. O problema é que isso demora muito. Em 2008 o Ministério da Justiça nomeou uma comissão de juristas para dar um destino para o processo coletivo brasileiro porque estava confuso e com a aplicação dificultada. Essa comissão foi criada (Ada, Alouisio Mendes, etc.) e logo na primeira reunião, chegou-se à seguinte conclusão: vamos transformar a Lei de Ação Civil Pública numa lei geral de

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processo coletivo. Foram três ou quatro meses de trabalhos intensos que culminou na nova lei de ação civil pública. O trabalho foi concluído e foi encaminhado ao congresso e já é um projeto de lei 5139/09.

3. Onda da Efetividade do Processo – Sobre essa última onda renovatória não há quase consideração a ser feita. Estamos vivendo essa nova onda neste momento: súmula vinculante, repercussão geral, nova lei de execução, tudo para aperfeiçoar a sistema, para que ele se torne mais eficiente, mais eficaz.

2. NATUREZA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS

A natureza dos direitos metaindividuais é extremamente simples de ser entendida. Sempre que você estuda Geral do Direito você sabe que a suma divisio se dá entre Direito Público e Direito Privado. Mas hoje você tem direito público com influência privada e direito privado com influência pública. Ou você nega que o direito civil tem, cada vez mais, influência das normas de ordem pública? O que é a função social da propriedade? Não é um conceito de direito público? Enfim, essa classificação se mostra cada vez mais artificial, notadamente quando se quer classificar os interesses metaindividuais entre o público e o privado. Esses interesses pertencem a que ramo do direito, afinal de contas? Se você fizer todo o esforço do mundo, vai verificar que os interesses metaindividuais têm uma carga muito grande de interesse social, o que levaria a uma conclusão que eles se aproximam mais do direito público. Só que, ao mesmo tempo, o processo coletivo não necessariamente envolve o Poder Público. Basta lembrar uma associação de defesa do meio ambiente que ajuíza uma ACP. O que o Estado tem a ver com isso?

Depois de muito debater, a doutrina chegou à conclusão de que não dá para classificar os direitos metaindividuais entre o público e o privado. E chegaram a uma primeira conclusão. Se for para classificar, isso tem que acontecer entre o público, o privado e o metaindividual. Seria o direito metaindividual uma mistura entre público e privado.

Existem alguns autores, entretanto, entre eles o promotor Gregório Assagara, de MG, que, ao invés de dividir entre público e privado e metaindividual, eles dizem que tem que vir uma nova suma divisio entre os ramos do direito, já que a divisão entre público e privado está superada. Portanto, deveria vir uma nova suma divisio entre os ramos do direito. De acordo com Assagara, com Mancuso, a suma divisio agora seria entre individual e metaindividual. E, com isso, os problemas estariam acabados. Isso é mais fácil mesmo do que entre público e privado.

3. CLASSIFICAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO

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Eu vou trabalhar as classificações mais interessantes. Não todas.

3.1. O processo coletivo quanto aos sujeitos

Processo coletivo ativo Processo coletivo passivo

O ativo não tem segredo nenhum. É aquele cuja titularidade da ação é da coletividade. Quem ajuíza a ação é alguém que representa a coletividade. Praticamente, todas as ações coletivas são ativas. O MP defende os interesses da coletividade do ponto de vista ativo. Uma associação de defesa dos consumidores, para obstar a propaganda enganosa, pode ser a autora da ação.

A grande discussão que nós temos na academia e na prática é quanto à ação coletiva passiva que seria aquela em que a coletividade é ré. Ou seja, entrariam uma ação contra nós. Será que isso existe? Existem duas posições absolutamente opostas na doutrina sobre a existência de ação coletiva passiva, que é essa em que a coletividade é ré.

1ª Corrente: Dinamarco – Não existe ação coletiva passiva porque não há lei falando sobre isso.

2ª Corrente: Ada Pelegrini – Ela sustenta que existe processo coletivo passivo simplesmente por um argumento natural. Apesar de não haver previsão legal, a sua existência decorre do sistema. A exceção de pré-executividade, por exemplo, não existe na lei. Mas existe porque é algo que decorre do próprio sistema.

E eu gostaria de te provar que existe processo coletivo passivo através de alguns exemplos. Ações coletivas ajuizadas pelo MPT para evitar greve de metrô é um exemplo. Aqui, o processo é ativo também porque a coletividade é defendida do ponto de vista ativo. Mas é ativo e passivo porque quem é réu é uma coletividade determinada, ou seja, os metroviários. Outro exemplo: o MPF ajuíza ação para impedir greve da PF. É o mesmo raciocino. Existe uma coletividade ativa que somos, nós, defendidos, e existe uma coletividade passiva, que são os policiais federais.

Qual o único problema, entretanto, de se admitir a ação coletiva passiva? Eu concordo com a Ada. Tem ação coletiva passiva e a prática já demonstra. Mas qual é o grande problema da ação coletiva passiva? É definir quem representa a coletividade passiva. O grande problema da ação coletiva passiva, à míngua de previsão legal, é definir quem representa a coletividade ré. Nos dois exemplos que eu dei, geralmente, quem representa é

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a associação dos servidores, o sindicato. Mas há hipóteses em que a coletividade não tem representação. Imagine que um grupo de pescadores invadiu uma área de reserva. Você quer tirar os caras de lá mas não há um órgão que os represente. No caso da greve de metrô, tem um monte de metroviário que não é sindicalizado. O sindicato poderia representá-los? Exatamente para facilitar esse estudo, estou passando para vocês um material de aula sobre ação coletiva passiva (o troço é longo, mas me pareceu interessante, portanto, taí):

1. Nota introdutória.

O processo coletivo passivo é um dos temas menos versados nos estudos sobre a tutela jurisdicional coletiva, que costumam concentrar-se na definição das situações jurídicas coletivas ativas(direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos), no exame da legitimidade ad causam e do regime jurídico da coisa julgada. Sobre o processo coletivo passivo, a escassez de produção doutrinária é ainda mais grave: os ensaios e livros publicados costumam restringir a abordagem apenas à análise da legitimidade e da coisa julgada. Nada se fala sobre outros aspectos do processo coletivo sobre os aspectos substanciais da tutela jurisdicional coletiva passiva. Esse ensaio tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento teórico dessa questão: a definição do objeto litigioso do processo coletivo passivo. Destaca-se, assim, a investigação sobre quais são as situações jurídicas substanciais objeto de um processo coletivo passivo. Após do desenvolvimento da categoria “situações jurídicas coletivas passivas” será mais fácil compreender a finalidade e a utilidade do o processo coletivo passivo, para que, então, se possa preparar uma legislação processual adequada ao tratamento desse fenômeno.

2. Ação coletiva ativa e situações jurídicas coletivas ativas.

A ação coletiva ativa é a demanda pela qual se afirma a existência de um direito coletivo lato sensu (uma situação jurídica coletiva ativa) e se busca a certificação, a efetivação ou a proteção a esse direito. Denominam-se direitos coletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. Em conhecida sistematização doutrinária, haveria os direitos/interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e os direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos).

Reputam-se direitos difusos aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), pertencente a uma coletividade composta por pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato. Assim, por exemplo, são direitos difusos o direito à

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proteção ambiental, o direito à publicidade não-enganosa, o direito à preservação da moralidade administrativa etc.

Os direitos coletivos stricto sensu são os direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Essa relação jurídica base pode dar-se entre os membros do grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a “parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos no conselho profissional (ou qualquer associação de profissionais); no segundo, os contribuintes de determinado imposto. Os primeiros ligados ao órgão de classe, configurando-se como “classe de pessoas” (advogados); os segundos ligados ao ente estatal responsável pela tributação, configurando-se como “grupo de pessoas” (contribuintes). Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à lesão. A relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária, e.g., contribuintes de um mesmo tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de seguro com um mesmo tipo de seguro etc. No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a parte contrária também ocorre, só que em razão da lesão e não de vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu (propriamente dito).

Os direitos individuais homogêneos são aqueles direitos individuais decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais. O que esses direitos têm em comum é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade, a revelar, assim, a prevalência de questões comuns e superioridade na tutela coletiva. Os direitos individuais homogêneos é uma ficção jurídica, “criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada”. O fato de ser possível determinar individualmente os lesados não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em relação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado) nas ações individuais. É evidente a vantagem do tratamento unitário das pretensões em conjunto, para obtenção de um provimento genérico. Como bem anotou Antonio Gidi as ações coletivas garantem três objetivos: proporcionar

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economia processual, acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa do direito material.

Observe-se que uma característica marcante dos direitos coletivos em sentido amplo é exatamente a sua titularidade: eles pertencem a uma coletividade, a um grupo. Trata-se de direitos com titulares coletivos. Muito conveniente é a menção ao parágrafo único do art. 1º da Lei antitruste brasileira (Lei Federal n. 8.884/1994), que regula a proteção contra o abuso de concorrência: “A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”. Eis o panorama conceitual das situações jurídicas coletivas ativas, objeto das ações coletivas ativas.

3. Conceito e classificação das ações coletivas passivas.

As situações jurídicas passivas coletivas: deveres e estados de sujeição difusos e individuais homogêneos. Há ação coletiva passiva quando um agrupamento humano é colocado como sujeito passivo de uma relação jurídica afirmada na petição inicial. Formula-se demanda contra uma dada coletividade. Os direitos afirmados pelo autor da demanda coletiva podem ser individuais ou coletivos (lato sensu) — nessa última hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses envolve duas comunidades distintas.

Seguindo o regime jurídico de toda ação coletiva, exige-se para a admissibilidade da ação coletiva passiva que a demanda seja proposta contra um “representante adequado” (legitimado extraordinário para a defesa de uma situação jurídica coletiva) e que a causa se revista de “interesse social”. Neste aspecto, portanto, nada há de peculiar na ação coletiva passiva.

O que torna a ação coletiva passiva digna de um tratamento diferenciado é a circunstância de a situação jurídica titularizada pela coletividade ser uma situação jurídica passiva. A demanda é dirigida contra uma coletividade, que é o sujeito de uma situação jurídica passiva (um dever ou um estado de sujeição, por exemplo). Da mesma forma que a coletividade pode ser titular de direitos (situação jurídica ativa, examinado no item precedente), ela também pode ser titular de um dever ou um estado de sujeição (situações jurídicas passivas). É preciso desenvolver dogmaticamente a categoria das situações jurídicas coletivas passivas: deveres e estado de sujeição coletivos.

O conceito dessas situações jurídicas deverá ser extraído dos conceitos dos “direitos”, aplicados em sentido inverso: deveres e estados de sujeição indivisíveis e deveres e estados de sujeição individuais homogêneos (indivisíveis para fins de tutela, mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento). Há, pois, situações jurídicas coletivas ativas e passivas. Essas situações relacionam-se entre si e com as situações individuais.

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Um direito coletivo pode estar relacionado a uma situação passiva individual (p. ex.: o direito coletivo de exigir que uma determinada empresa proceda à correção de sua publicidade). Um direito individual pode estar relacionado a uma situação jurídica passiva coletiva (p. ex.: o direito do titular de uma patente impedir a sua reiterada violação por um grupo de empresas). Um direito coletivo pode estar relacionado, finalmente, a uma situação jurídica coletiva (p. ex.: o direito de uma categoria de trabalhadores a que determinada categoria de empregadores reajuste o salário-base). Haverá uma ação coletiva passiva, portanto, em toda demanda onde estiver em discussão uma situação coletiva passiva. Seja como correlata a um direito individual, seja como correlata a um direito coletivo. Mas isso não é o bastante para apresentar o tema.

A ação coletiva passiva pode ser classificada em original ou derivada. Ação coletiva passiva original é a que dá início a um processo coletivo, sem qualquer vinculação a um processo anterior. Ação coletiva passiva derivada é aquela que decorre de um processo coletivo “ativo” anterior e é proposta pelo réu desse processo, como a ação de rescisão da sentença coletiva e a ação cautelar incidental a um processo coletivo. A classificação é importante, pois nas ações coletivas passivas derivadas não haverá problema na identificação do “representante adequado”, que será aquele legitimado que propôs a ação coletiva de onde ela se originou.

De fato, um dos principais problemas da ação coletiva passiva é a identificação do “representante adequado”, o que levou Antonio Gidi a defender que “para garantir a adequação da representação de todos os interesses em jogo, seria recomendável que a ação coletiva passiva fosse proposta contra o maior número possível de associações conhecidas quecongregassem os membros do grupo-réu. As associações eventualmente excluídas da ação deveriam ser notificadas e poderiam intervir como assistentes litisconsorciais”. Em tese, qualquer um dos possíveis legitimados à tutela coletiva poderá ter, também, legitimação extraordinária passiva. Imprescindível, no particular, o controle jurisdicional da “representação adequada”, conforme já defendido alhures pelos autores deste artigo. Neste aspecto, merece crítica a proposta de Antonio Gidi de Código para processoscoletivos em países de direito escrito (CM-GIDI), que restringe, parcialmente, a legitimação coletiva passiva às associações. Eis o texto da proposta de Gidi: “A ação coletiva poderá ser proposta contra os membros de um grupo de pessoas, representados por associação que os congregue”. Em uma ação coletiva passiva derivada de uma ação coletiva proposta pelo Ministério Público, o réu será esse mesmo Ministério Público. A melhor solução é manter o rol dos legitimados em tese para a proteção das situações jurídicas coletivas e deixar ao órgão jurisdicional o controle in concreto da adequação da representação.

4. Exemplos de ações coletivas passivas

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Alguns exemplos podem ser úteis à compreensão do tema. Os litígios trabalhistas coletivos são objetos de processos duplamente coletivos: em cada um dos pólos, conduzidos pelos sindicatos das categorias profissionais (empregador e empregado), discutem-se situações jurídicas coletivas. No direito brasileiro, inclusive, podem ser considerados como os primeiros exemplos de ação coletiva passiva.

No foro brasileiro, têm surgido diversos exemplos de ação coletiva passiva. Em 2004, em razão da greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal ingressou com demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva passiva, pois a categoria “policial federal” encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar ao trabalho. Desde então, sempre que há greve, o empregador que se sente prejudicado e que reputa a greve injusta vai ao Judiciário pleitear o retorno da categoria de trabalhadores ao serviço.

Há notícia de ação coletiva proposta contra o sindicato de revendedores de combustível, em que se pediu uma adequação dos preços a limites máximos de lucro, como forma de proteção da concorrência e dos consumidores.

Em 2008, alunos da Universidade de Brasília invadiram o prédio da Reitoria, reivindicando a renúncia do Reitor, que estava sendo acusado de irregularidades. A Universidade ingressou em juízo, pleiteando a proteção possessória do seu bem. Trata-se de ação coletiva passiva: propõe-se a demanda em face de uma coletividade de praticantes de ilícitos. A Universidade afirma possuir direitos individuais contra cada um dos invasores, que teriam, portanto, deveres individuais homogêneos. Em vez de propor uma ação possessória contra cada aluno, “coletivizou” o conflito, reunindo os diversos “deveres” em uma ação coletiva passiva. A demanda foi proposta contra o órgão de representação estudantil (Diretório Central dos Estudantes), considerado, corretamente, como o “representante adequado” do grupo. Neste caso, está diante de uma pretensão formulada contra deveres individuais homogêneos: o comportamento ilícito imputado a todos os envolvidos possui origem comum. Em vez de coletividade de vítimas, como se costuma referir aos titulares dos direitos individuais homogêneos, tem-se aqui uma coletividade de autores de ato ilícito.

Antonio Gidi traz outros exemplos: “...a ação coletiva poderá ser utilizada quando todos os estudantes de uma cidade ou de um Estado tiverem uma pretensão contra todas as escolas, cada um desses grupos sendo representado por uma associação que os reúna. Igualmente, ações coletivas poderão ser propostas contra lojas, cartórios, órgãos públicos, planos de

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seguro-saúde, prisões, fábricas, cidades etc., em benefício de consumidores, prisioneiros, empregados, contribuintes de impostos ou taxas ou mesmo em benefício do meio ambiente”.

Pedro Dinamarco traz exemplos de ações coletivas passivas declaratórias:

a) ação declaratória, proposta por empresa, para reconhecer a regularidade ambiental do seu projeto: de um lado, se ganhasse, evitaria futura ação coletiva contra ela, de outro, se perdesse, desistiria de implantar o projeto, economizando dinheiro e não prejudicando o meio-ambiente; b) ação declaratória, proposta por empresa que se vale de contrato de adesão, com o objetivo de reconhecer a licitude de suas cláusulas contratuais.

Embora seja possível imaginar demandas coletivas passivas declaratórias negativas (p. ex.: declarar a inexistência de um dever coletivo), não é disso que tratam os exemplos de Pedro Dinamarco. Nos casos citados, temos uma ação coletiva ativa reversa. Busca-se a declaração de que não existe uma situação jurídica coletiva ativa (inexistência de um direito pela ausência de poluição ambiental, por exemplo). Não se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, como acontece em ações coletivas passivas declaratórias positivas, constitutivas ou condenatórias. Não basta dizer, como pioneiramente fez Antonio Gidi, que tais ações são inadmissíveis por falta de interesse de agir ou dificuldade na identificação do legitimado passivo, embora a lição seja correta. É preciso ir além: rigorosamente, não são ações coletivas passivas.

Para que haja ação coletiva passiva, é preciso, como dito, que uma situação jurídica coletiva passiva seja afirmada, o que não ocorre nesses exemplos. E mais: é preciso reconhecer, como em qualquer ação coletiva, uma potencial vantagem ao interesse público, sem o que as demandas passam a ser meramente individuais (o que legitima a ficção jurídica “direitos individuais homogêneos” é a particular circunstância da presença do interesse público na sua tutela, que ficaria prejudicado em face de uma tutela fragmentada e individual).

Isso não significa que não haja ação coletiva passiva declaratória. No âmbito trabalhista, por exemplo, cogita-se da ação declaratória para certificação da correta interpretação de um acordo coletivo, em que são fixadas as situações jurídicas coletivas ativas e passivas.

Há ainda a possibilidade de utilização da ação coletiva passiva para efetivar a chamada responsabilidade anônima ou coletiva, “em que se permite a responsabilização do grupo caso o ato gerador da lesão tenha sido ocasionado pela união de pessoas, sendo impossível individualizar o autor ou os autores específicos do dano”. No exemplo da invasão do prédio da

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Universidade, além da ação de reintegração de posse, seria possível manejar ação de indenização pelos prejuízos eventualmente sofridos contra o grupo, acaso não fosse possível a identificação dos causadores do dano. Na demanda, o autor afirmaria a existência de um de dever de indenizar, cujo sujeito passivo é o grupo.

Diogo Maia menciona o exemplo de uma ação coletiva ajuizada contra os comerciantes de uma cidade, acusados de utilização indevida das calçadas para a exposição dos produtos. Trata-se de um claro exemplo de ilícitos individuais homogêneos, que geram deveres individuais homogêneos.

Ainda é possível cogitar de uma ação coletiva proposta contra uma comunidade indígena, que esteja, por exemplo, sendo acusada de impedir o acesso a um determinado espaço público. A tribo é a titular do dever coletivo difuso de não impedir o acesso ao espaço público. A comunidade indígena é, ainda, a legitimada a estar em juízo na defesa dessa acusação. Não se trata de uma pessoa jurídica. É um grupo humano. Trata-se de caso raro, talvez único, de legitimação coletiva ordinária, pois o titular da situação jurídica coletiva é, também, o legitimado a defendê-la em juízo. Com relação ao objeto, o Judiciário deverá analisar se se trata de uma legítima manifestação política, pacífica e organizada, ou de um ato ilícito, gerador de deveres individuais homogêneos. Aqui faz muito sentido insistir na necessidade de certificação da demanda como uma ação coletiva, o juiz poderá indeferir liminarmente pretensões que não sejam escoradas em deveres coletivos.

5. Consideração final

No Brasil, um dos principais argumentos contra a ação coletiva passiva é a inexistência de texto legislativo expresso. Sucede que a permissão da ação coletiva passiva é decorrência do princípio do acesso à justiça (nenhuma pretensão pode ser afastada da apreciação do Poder Judiciário). Não admitir a ação coletiva passiva é negar o direito fundamental de ação àquele que contra um grupo pretende exercer algum direito: ele teria garantido o direito constitucional de defesa, mas não poderia demandar. Negar a possibilidade de ação coletiva passiva é, ainda, fechar os olhos para a realidade: os conflitos de interesses podem envolver particular-particular, particular-grupo e grupo-grupo. Na sociedade de massas, há conflitos de massa e conflitos entre massas.

A inexistência de texto legal expresso que confira legitimação coletiva passiva não parece obstáculo intransponível. A atribuição de legitimação extraordinária não precisa constar de texto expresso, bastando que se a retire do sistema jurídico. A partir do momento em que não se proíbe o ajuizamento de ação rescisória, cautelar incidental ou qualquer outra ação de impugnação pelo réu de ação coletiva ativa, admite-se, implicitamente, que algum sujeito responderá pela coletividade, ou seja, admite-se a ação coletiva passiva.

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3.2. O processo coletivo quanto ao objeto

Processo coletivo especial Processo coletivo comum

Processo coletivo especial é o das ações de controle abstrato de constitucionalidade. São as ADI’s, ADPF’s, ADECON’s. Ninguém encara dessa maneira, mas vocês têm que encarar. Você não pode negar que essas ações são coletivas e tanto é assim que o que fica decidido nelas, vale para todo mundo. Portanto, não há como negar que são ações coletivas, só que não são estudadas no âmbito do processo coletivo. Geralmente, isso é estudado no direito constitucional e não no direito processual.

Mas o que interessa para o nosso estudo é o processo coletivo comum, que engloba todas as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao controle de constitucionalidade. É um conceito por negação. A ação coletiva comum é conceituada através da negação do que é a coletiva especial. Ação coletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle abstrato de constitucionalidade. O foco do estudo do processo coletivo está aqui, no processo coletivo comum. E quais são os representantes do processo coletivo comum? Vou citar pela ordem de importância:

a) Ação Civil Públicab) Ação Coletiva* (para os que adotam)c) AIA – Ação de Improbidade Administrativad) AP – Ação Populare) Mandado de Segurança Coletivo

*Existem alguns autores que chamam de ação coletiva a ACP fundada no CDC. Já há outros autores (entre os quais eu me incluo) que usam ação coletiva para tudo, porque não há diferença entre ela e a ACP. A única diferença é que uma é fundada no CDC e a outra, no resto do sistema. Então, essa é uma briga besta. Até porque no projeto do código vão acabar com essa distinção. Vai ser tudo ACP. Mas não estressa com isso. Se o examinador colocar “na ação coletiva e na ACP a cosia julgada é”, ele está apenas colocando a posição dos diferentes autores. Mas se ele só falar em ACP ou ação coletiva, você vai saber que, para ele, não há diferença alguma. E não há mesmo. Aqui é apenas uma questão de nomenclatura. Quando eu falar em ação coletiva, estou me referindo a todas porque para mim é gênero que engloba todas as outras. Mas há os que entendem que ação coletiva é a ação civil pública do CDC.

4. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM

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“Comum” para evitar que você pense que se aplicam aos procedimentos coletivos especiais. Aqui, eu vou trabalhar só os principais. Tem que autor que fala em quarenta, mas eu vou falar em dez. Em momento algum, a existência desses princípios afasta os princípios constitucionais do processo que também se aplicam ao processo coletivo.

4.1. Princípio da Indisponibilidade Mitigada da Ação Coletiva

Tem previsão no art. 9.º, da Lei de Ação Popular e de forma melhor ainda, no art. 5º, § 3º, da Lei de ACP.

LAP - Art. 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no Art. 7º, II, ficando assegurado a qualquer cidadão bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

LACP - § 3º - Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

O objeto do processo coletivo não pertence a quem ajuíza a ação. A tutela é de um direito cuja titularidade seja indeterminada (Cappelletti eoutro), atribuindo-se a alguém a função de defender esse direito, que é o caso do MP, Defensoria, Associações. Então, o objeto do processo coletivo não pertence ao autor, mas à coletividade. Desse modo, esse princípio estabelece que o autor da ação coletiva não pode simplesmente desistir da ação.

No processo individual, se eu desisto da ação, o juiz extingue. No processo coletivo, o autor não pode desistir da ação. Mas se desistir, não haverá extinção, mas sim, sucessão processual. E o motivo é que o objeto da ação coletiva não pertence a ele, mas à coletividade. E a consequência, não é a extinção, mas a sucessão processual. É o que diz o § 3º, art. 5º, da Lei de ACP. Outros legitimados são chamados à suceder.

Por que indisponibilidade “mitigada”? O motivo está na palavra “infundada” do § 3º. É possível a desistência fundada. A infundada não é possível. Traduzindo, significa dizer que pode acontecer, em algumas circunstâncias de ser admitida a desistência. Em que hipótese isso acontecerá? No caso de haver um motivo. Sem motivo, sucessão. Com motivo, extinção do processo.

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Eu tive uma ACP que objetivava que uma empresa que produzia parafusos fizesse uma proteção acústica porque naquele bairro ninguém dormia, ninguém tinha paz. No meio do processo, a empresa faliu e parou de funcionar. O promotor, nesse caso, desistiu. E, sendo assim, homologa-se a desistência.

4.2. Princípio da Indisponibilidade da Execução Coletiva

Tem previsão nos arts. 15 da LACP e no art. 16, da LAP:

LACP Art. 15 - Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

LAP Art. 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.

Você vê que, uma vez obtida a condenação do réu a determinada obrigação, é obrigatória a execução da sentença caso não haja cumprimento. E para o réu, tanto é assim, que o art. 15, da Lei de Ação Civil Pública diz que se em 60 dias o autor não executa a sentença, qualquer legitimado pode executar. E caso ninguém execute, o MP deverá executar.

E qual é o motivo desse princípio? Para evitar a corrupção. Se uma pessoa é condenada a reparar o dano ambiental ou devolver determinada quantia para os cofres públicos, transita em julgado a sentença, o violador do direito pode oferecer dinheiro em troca da não-execução da sentença. Não adianta. Se ele não executar, vai outro e executa no lugar dele.

Está certo que aqui não há a palavra mitigada. Aqui, sempre vai ter que executar, sem exceção.

4.3. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito

Na minha opinião, esse princípio tinha que ser de todo o processo civil, mas ele é especialmente forjado para o processo coletivo. Esse princípio, diferentemente dos outros dois, não tem previsão legal. É meramente interpretativo. Esse princípio basicamente estabelece que a aplicação do art.

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267, do CPC, deve ser sempre evitada. Deve-se evitar ao máximo a extinção do processo sem julgamento do mérito por um motivo muito simples, porque essa extinção não resolve o conflito. E, neste caso, o conflito não é um conflito que atinja apenas uma pessoa, mas de magnitude extraordinária. Como é um conflito que atinge muitas pessoas, o ideal é que o juiz faça tudo para não extinguir o processo sem julgamento do mérito.

Um exemplo: o indivíduo entra com uma ação popular. O legitimado, nesse caso, é o cidadão, ou seja, tem que estar no gozo dos direitos políticos. Na metade do processo, ele é condenado criminalmente com trânsito em julgado. E você sabe que um dos efeitos da condenação penal, previsto na CF, é a suspensão dos direitos políticos. Automaticamente, aquele cara que era parte legítima, se tornou parte ilegítima. Se fosse um processo individual, seria extinto sem julgamento do mérito ante a ilegitimidade superveniente. Mas o juiz deve convidar outros cidadãos para assumir a titularidade ativa, evitando, assim, a extinção do processo.

4.4. Princípio da Prioridade na Tramitação

Esse também é um princípio sem previsão legal expressa. Na nova lei de ação civil pública, vai ter, mas não há. A própria nomenclatura é óbvia. O processo coletivo tem que ter andamento preferencial por um motivo simples: porque ele atende a um número maior de pessoas. Por isso, ele passa na frente da pilha.

4.5. Princípio do Máximo Benefício da Tutela Jurisdicional Coletiva

Isso é muito legal. Tem previsão nos arts. 103, §§ 3º e 4º, do CDC:

§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.

§ 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

O nosso sistema fez uma opção de risco e que causa muitos problemas práticos, mas, atualmente, a opção do sistema é essa. O sistema estabeleceu que a coisa julgada coletiva, quer dizer, a decisão do processo coletivo só

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beneficia o indivíduo, nunca prejudica. Isso significa que, se vem uma ação coletiva para discutir o índice da poupança do mês de março de 1990, de 32%, para que todos os poupadores de determinado banco tenham essa correção. Se o juiz da ação coletiva julga improcedente a ação, o tribunal mantém a improcedência, e essa improcedência transita em julgado, isso significa que a ação coletiva foi improcedente. Isso não prejudica e permite entrar com a ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Do contrário, se eventualmente ganha a coletiva, não é necessário entrar com a ação individual. Apenas me beneficio da coisa julgada coletiva. Por ora, para entender o que é o princípio, basta saber que o sistema brasileiro adota a máxima utilidade, ou seja, a coisa julgada nunca prejudica o indivíduo.

E esse fenômeno processual que faz com que o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva, tem um nome em latim, que eu gostaria que você anotasse. A doutrina chama de: transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. É a possibilidade de a coisa julgada benéfica ser trazida em favor da parte.

Aqui está o grande problema do processo coletivo brasileiro. E esse é só um comentário crítica que não precisa anotar. A ACP tramita pela primeira, segunda instância, passa pelo STJ e chega até o STF que decide que eu não tenho o índice de 32%. Em vez de isso pacificar, graças a esse sistema, qualquer indivíduo pode ajuizar uma ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Ou seja, o processo coletivo que veio para potencializar a atividade do Judiciário acaba não servindo para absolutamente nada porque acaba tendo que julgar 3 milhões de ações para discutir exatamente a mesma coisa. Por isso, na nova lei, a comissão entendeu por adotar um sistema diferente: a coisa julgada, se for matéria unicamente de direito, vai ser pro et contra. Pega todo mundo. Se você não confia no autor, você tem até a sentença da coletiva a possibilidade de pedir para você ficar fora daquela coisa julgada. Se a pessoa vem e diz que não quer a coisa julgada coletiva, você dará a ela o direito de tocar a ação por si. Do contrário, vai ter que aceitar. O sistema hoje é melhor para a parte. Mas vai melhorar para o sistema, inclusive para os advogados.

4.6. Princípio Máxima Efetividade do Processo Coletivo ou do Ativismo Judicial

Esse princípio, que também não tem previsão legal expressa e é decorrente do sistema, descaradamente foi copiado do modelo americano, de algo que eles chamam de defining function. Lá se fala que o juiz, diante do processo coletivo, tem poderes extravagantes, tem funções extraordinárias, funções que superam os limites daquilo que existe no processo individual. No processo coletivo, ele parte de um ativismo judicial, de uma posição proativa que, em princípio, ele não tem no processo individual. O juiz busca a máxima efetividade e toma atitudes heterodoxas para poder decidir a respeito, daí falar-se em ativismo judicial.

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Quando se fala nesse princípio, na verdade, isso tem que representar para você, quatro ideias. São quatro atitudes que o juiz pode tomar no processo coletivo e que no processo individual ele não pode.

a) Instruir o processo de forma mais acentuada do que o processo individual – esse é o primeiro “poder” do juiz. O juiz tem poderes instrutórios mais acentuados do que no processo individual. O juiz pode determinar a produção de provas de maneira mais incisiva do que no processo individual. Por exemplo, se ele perceber a inércia probatória das partes, ele pode, oficiosamente, determinar perícia, determinar a produção de provas que, sequer foi cogitada pelas partes.

b) Flexibilização procedimental – É a segunda atitude que o juiz no processo coletivo pode ter e que não cabe no processo individual. A flexibilização procedimental permite que o juiz, no âmbito do processo coletivo adapte o instrumento ao direito material em debate. Como ele faz isso? Vou dar um exemplo: ampliando prazos. O CPC estabelece que no processo individual, a parte tem prazo de 10 dias para apresentar réplica. O juiz no processo coletivo pode flexibilizar esse prazo para 30 dias dependendo da complexidade do caso. Se ele percebe que faltou um litisconsórcio necessário, haverá flexibilização do procedimento, junto com aquela regra do interesse jurisdicional do conhecimento do mérito. Essa mesma situação, no processo individual, ensejaria a extinção do processo. Aqui, então, ele cita o litisconsórcio necessário que não estava no processo, dá para o cara o direito de defesa e de produzir prova e faz seguir o processo. Também cabe aqui a inversão de atos processuais. Tudo isso pode ser feito no processo coletivo e não pode, a princípio, ser feito no processo individual.

c) Possibilidade de o juiz desvincular-se do pedido ou da causa de pedir – Esse poder do juiz é altamente discutível. Em outros termos, significa dizer que o juiz, nesse poder, pode permitir a alteração dos elementos da demanda após o saneamento do processo. O art. 264, do CPC, proíbe expressamente que depois do saneamento se altere o pedido ou a causa de pedir. Mas isso é processo individual. Se você aplicar isso aqui, se ferra porque no processo coletivo, a defining function (ativismo judicial) permite que o juiz autorize a alteração do pedido e da causa de pedir garantindo ao réu o direito defesa, contraditório e tudo o mais. Mas ele pode aproveitar o processo, mesmo que o pedido e a causa de pedir estejam equivocados. Eu tive na minha carreira um caso emblemático da aplicação dessa hipótese de defining function. Eu sempre conto esse exemplo para você perceber que o processo coletivo para você perceber que o processo coletivo tem uma nuance diferente do processo individual. O promotor entrou com uma ACP de reparação de danos contra o prefeito sob o fundamento de que no mês de março/99 teria dado um rombo nos cofres da prefeitura. Foi preciso fazer perícia na contabilidade da prefeitura. Descobriu-se que não havia absolutamente nenhum superfaturamento e nenhum desvio de verba. Estava

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tudo bonitinho. Eu teria que julgar improcedente a ação. Só que nas contas da perícia foi descoberto que o cara não repassou determinada verba, que era gigantesca, para a educação do município. E, pela lei, sobre o ato incidiam sanções e, entre elas, a devolução do dinheiro que não foi aplicado. O promotor, espertamente, pediu para mudar a causa de pedir: “eu quero que ele devolva, não por causa do desvio, mas por causa da não aplicação da verba de forma adequada.” Eu admiti a alteração da causa de pedir. Foi preciso produzir novas provas, formular novos quesitos ao perito para julgar o processo. Qual é a vantagem disso é que eu teria que julgar a ação improcedente, caso não considerasse a possibilidade de alteração. E aí o MP teria que entrar com uma nova ação, com prejuízo ao erário, que já tinha acontecido já que a perícia foi caríssima.

d) Controle das políticas públicas – Cada vez mais o Judiciário está sendo chamado para resolver através dos processos coletivos o quê? Opções políticas da Administração. Por exemplo, determinar a construção de determinado hospital, de creche, aquisição de medicamentos. Todas essas são opções políticas que estão sendo tomadas pelo Judiciário através de ações coletivas. Sobreleva-se, dessa forma, um papel de ativismo judicial gigantesco e o processo coletivo tem que se prestar a essa finalidade. Eu, recentemente, tive uma ação civil pública de aumento de efetivo policial no município onde trabalho. O promotor encasquetou que tinha pouca polícia no município. Fez uma conta, umas análises e chegou à conclusão que tinha pouco efetivo. O Judiciário teve que interferir para aumentar o efetivo. Percebe a repercussão direta na política de segurança pública do Estado? Isso é ativismo judicial.

4.7. Princípio Máxima Amplitude ou da Atipicidade ou Não-taxatividade do Processo Coletivo – Art. 83, CDC

Art. 83 - Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

É fácil entender esse princípio. De acordo com o CDC, para a defesa dos interesses metaindividuais, são admissíveis todas as espécies de ações capaz de providenciar a adequada tutela. Qualquer ação pode ser coletivizada! O que significa dizer que eu não tenho só, para tutelar processo coletivo, a ação civil pública, a ação popular. Eu posso ter , por exemplo, uma reintegração de posse coletiva, uma monitória coletiva, desde que o que esteja sendo discutido no processo sejam os interesses metaindividuais. Então,não fica com a cabeça fixa de que o processo coletivo é ação civil pública, popular e improbidade administrativa. Qualquer ação pode ser coletivizada.

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Acontece que o MP encasquetou que tudo o que é difuso e coletivo, ele tem que chamar de ação civil pública. Então, se eventualmente se trata de uma reintegração de posse para retirar um pessoal que invadiu uma área de reserva ambiental, ele entra com ação civil pública com pedido de recuperação de posse. Só que isso não é uma ação civil pública, mas uma ação de reintegração de posse coletivizada. A nomenclatura não muda nada. Causa confusões

Vocês conhecem a discussão sobre se o MP pode entrar com a ACP para discutir direito de uma pessoa só (liberação de medicamento, por exemplo). O promotor tem legitimidade para isso porque o direito é indisponível. A ação é de obrigação de fazer, mas usa a ACP. E dando o nome de ação civil pública para tudo, não permite que se desenvolva esse princípio. Usa-se ACP para tudo, esquecendo que qualquer ação pode ser coletivizada.

4.8. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda

Tem previsão no art. 94, do CDC:

Art. 94 - Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

Aqui, mais uma vez, copiamos o sistema norteamericano, que eles chamam de fair notice. Pelo princípio da fair notice, que adotamos aqui com o nome de princípio da ampla divulgação da demanda, o fato é o seguinte: uma ação coletiva pode interessar a particular? Sem dúvida, que sim! Os particulares estão sofrendo danos individuais exatamente por conta do fato discutido na ação coletiva. Exatamente por isso, o estabelecido no art. 94. Ele estabelece que toda vez que haja uma ação coletiva, se promova uma ampla divulgação por edital. O problema é que isso não funciona. No projeto, isso virá melhorado: será feito via expediente que acesse diretamente a comunidade lesada. Você vai discutir numa ACP a questão de tarifa de energia elétrica. Os consumidores de energia elétrica são os interessados. Hoje, essa comunicação é feita por edital. No exemplo dado, pelo projeto, virá na conta, como forma de aviso: “existe uma ação civil pública discutindo que o índice tal está errado. Se você quiser, se habilitar, fique à vontade”. Se discute questão bancária, o aviso poderá vir no site do banco ou no extrato. Essa é a ideia. É trocar o edital por um meio de divulgação mais eficaz.

4.9. Princípio da Integratividade do Microssistema Processual Coletivo

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O que disciplina o processo coletivo no Brasil? Que lei é essa? Eu costumo dizer que a primeira coisa que você precisa ter para estudar processo coletivo no Brasil é uma mesa grande. Porque há mais de 15 leis que tratam de processo coletivo no Brasil. Exatamente por isso, que esse sistema que é composto por inúmeras leis, forma um microssistema. No centro do microssistema haverá sempre duas leis: uma é a Lei de Ação Civil Pública e a outra é o Código de Defesa do Consumidor. Essas duas leis têm aquilo que nós chamamos no processo de norma de reenvio. Se você olhar o art. 90, do CDC, ele fala assim: aplica-se a mim tudo o que está previsto na Lei de Ação Civil pública. Ele manda aplicar para ele tudo o que está na LACP. Aí você vai na Lei de Ação Civil Pública e lá encontra o art. 21 que fala assim: “aplica-se a mim tudo o que está previsto no CDC.” Ou seja, a Lei de Ação Civil Pública e o CDC compõem um núcleo de aplicação central, pois tudo o que existe em uma aplica-se na outra e vice-versa. E aí, você faz aquela constatação extremamente importante: eu posso aplicar o CDC numa ação civil pública ambiental. Claro que sim! “Mas não é consumidor, Gajardoni.” Não interessa!! É que como existe essa norma de reenvio, você aplica o CDC em ação ambiental. E pode, inclusive, aplica a inversão do ônus da prova, pois o sistema é integrado com norma de reenvio. Isso quer dizer que você pode ter uma ACP discutindo o direito do idoso, com base no Estatuto do Idoso e aplicar o CDC. É para aplicar! Exatamente porque se trata do núcleo central do processo coletivo.

Como se isso não bastasse, e não basta, às vezes, o legislador tem disciplina específica para algumas determinadas ações. Então, por exemplo, tem previsão sobre ACP no ECA, tem previsão no Estatuto do Idoso, no Estatuto da Cidade, na Lei dos Deficientes, na Lei de Ação Popular, tem previsão na Lei de Improbidade Administrativa. Então, gravitando como planetas ao redor do sol, que é a ACP e o CDC, o ECA, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Cidade, a Lei dos Deficientes, a Lei de Ação Popular e a Lei de improbidade administrativa.

Estatuto Lei de Açãoda Cidade Popular

Estatuto ACPdo Idoso CDC

Lei do Lei de ImprobidadeDeficientes Administrativa

O nosso legislador diz que além do núcleo, também é possível haver a aplicação das normas específicas a respeito dos respectivos temas, de modo que esses diplomas constantemente vão trocar informações, permitindo-se,

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por exemplo, que na ação popular, aplique-se o CDC, que no Estatuto do Idosos aplique-se a Lei de ACP.

Mais do que isso, nosso sistema diz que esse microssistema processual é um microssistema aberto. Isso significa que, além de se comunicar com o núcleo central, as leis também se comunicam entre si. E é assim que funciona o microssistema processual coletivo. Há um núcleo central que se comunica com as demais leis do sistema e depois essas leis passam a se comunicar entre si. Esse é o sistema processual aberto.

Reexame necessário – Condição de eficácia da sentença consistente na necessidade de a sentença ser submetida a uma nova apreciação pelo tribunal. Não existe previsão na LACP para reexame necessário. Consideremos uma ACP ambiental. Eu vou ao microssistema: vejo que não há regra sobre reexame necessário nem na LACP e nem no CDC. Eu vou passear pelo microssistema buscando se há essa previsão. E, quando eu faço isso, automaticamente descubro que na LAP um dispositivo que estabelece que o reexame necessário é em favor do autor popular e não da Fazenda Pública. Qual a conclusão que o STJ chegou a partir desse raciocínio? Se a ACP é julgada improcedente, quem perde é a coletividade. Assim, por se tratar de um microssistema e pelo fato de a previsão do reexame necessário não constar a LACP, eu vou aplicá-lo mesmo assim, buscando o seu fundamento de validade na LAP. Portanto, o STJ está entendendo que na ACP, mesmo sem previsão legal, aplica-se o modelo de reexame necessário da LAP.

Código de Processo Civil – Você não sentiu falta dele no microssistema aberto? O CPC NÃO compõe o microssistema processual coletivo. E se é assim, ele não tem aplicação integrativa. No caso do processo coletivo, a aplicação do CPC é apenas subsidiária. O CPC é só se faltar, se não tiver nada. Só depois que eu passar por todas as leis, se não houver previsão, aí, sim, eu vou ao CPC.

4.10. Princípio da Adequada Representação ou do Controle Judicial da Legitimação Coletiva

Esse é o mais importante. Neste caso especifico, eu vou ditar porque esse ponto é confuso e complexo. Eu peço que vocês compreendam o que eu vou explicar e depois eu dito.

Isso é muito interessante! Para você entender como funciona essa coisa da representação adequada, você tem que entender como copiamos mal do sistema norteamericano. No sistema norteamericano, de onde copiamos quase tudo, e copiamos mal, funciona da seguinte forma: qualquer pessoa pode propor ação coletiva nos EUA. Aqui, temos um rol predeterminado de pessoas que podem propor ação coletiva. Lá, qualquer um pode fazer isso. Só que, em contrapartida, o sistema norteamericano fala que o juiz é a pessoa que deve controlar se a pessoa representa adequadamente os interesses

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daquele grupo, daquela categoria. Você tem que entender que para uma pessoa entrar com uma ação coletiva ela tem que, no mínimo, ter condições de defender adequadamente aquele interesse que é de muitas pessoas. Então, o sistema norteamericano fala o seguinte: “juiz, qualquer pessoa pode entrar com uma ação coletiva, mas você controla a representação.” E como se verifica se a pessoa representa adequadamente os interesses que ela está postulando na ação? Isso é feito lá da seguinte forma: checando se a pessoa tem histórico, antecedente, na defesa dos interesses sociais. Verifica também se a pessoa faz parte ou representa o grupo de prejudicados. Ela poderia ser uma vítima de um dano ou receber uma autorização de todas as vítimas do dano para que representasse a todas em juízo. Eles exigem que a pessoa tenha dinheiro. No sistema norteamericano, se você não tem dinheiro, não entra com a ação. E processo coletivo é extremamente caro. E o juiz verifica, ainda, se o advogado é especializado em processo coletivo. Ou seja, o juiz faz um controle rigoroso da adequada representação. Se o autor da ação representa adequadamente os interesses daquela coletiva.

Tem um filme com a Julia Roberts que trata disso: “Erin Brockovich – Uma mulher de talento”. A história é de uma maluquinha, que bate no carro de um advogado e pede emprego para o cara, em vez de pagar o dano do carro dele. Aí o cara dá o emprego para ela e ela começa a levantar a questão de umas pessoas que tomavam uma água que era cancerígena. O fato é que ela começa a angariar a confiança da comunidade e as pessoas passam a querer que ela represente os interesses daquela coletividade. O filme quase que acaba numa audiência (audiência de certification), em que o juiz basicamente diz: “eu aceito que ela represente adequadamente os interesses daquela categoria”. A coisa foi confusa porque ela não tinha dinheiro para pagar o processo coletivo. E no final, acaba com um acordo. Quando a ela foi reconhecida a adequada representação, no final, as vítimas foram indenizadas. Esse é o raciocínio lá.

No Brasil, vamos ter um sistema diferente. Não é qualquer pessoa que pode entrar com a ação coletiva. A ação popular tem um objeto muito específico, mas no caso da ACP, os únicos legitimados são os do art. 5º, da lei:

Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Alterado pela L-011.448-2007)

I - o Ministério Público; (Alterado pela L-011.448-2007)

II - a Defensoria Pública; (Alterado pela L-011.448-2007)

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Acrescentado pela L-011.448-2007)

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Acrescentado pela L-011.448-2007)

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V - a associação que, concomitantemente: (Acrescentado pela L-011.448-2007)

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Esses são os que podem propor ação coletiva no Brasil. Portanto, a adequada representação foi presumida pela lei. Não é o juiz que controla. É a lei que diz quem são as pessoas que representam adequadamente os interesses. No Brasil, portanto, ninguém nega que o nosso sistema adotou o sistema da adequada representação presumida porque a lei já fala que mesmo que o promotor, mesmo que o defensor jamais tenha ajuizado uma ação coletiva na vida, mesmo assim, a lei diz que ele tem capacidade para ajuizar.

A grande discussão que há aqui, portanto, é se o juiz pode, no caso concreto, controlar? Apesar da previsão legal, o juiz poderia, no caso concreto, controlar ou não poderia controlar? Existem duas correntes absolutamente separadas e sobre elas, eu vou falar, depois de ditar essa parte inicial:

“Diversamente do sistema da “class action” do direito norteamericano, no Brasil, nosso legislador presumiu que os legitimados para a propositura das ações coletivas (art. 5.º, da LACP) representam adequadamente os interesses metaindividuais em debate. A grande discussão, entretanto, que há na doutrina brasileira, é se além do controle legislativo do tema também há controle judicial sobre a representação adequada, de modo a permitir ao juiz o reconhecimento da ilegitimidade com base na falta de representação.”

São duas posições:

1ª Corrente: Néri, entre outros. Estabelece que, salvo para as associações, não é possível controle judicial. Para ele, então, o controle da representação adequada é ope legis. É o legislador que define se o juiz controla ou não a representação adequada. E não o juiz do caso. Por que a associação fica de fora? É que quando o legislador fala da associação, que pode ajuizar a ACP, ele coloca que pode ajuizar, desde que estejam em funcionamento há mais de um ano e esteja entre suas finalidades, a proteção do bem jurídico tutelado, ou seja, Néri estabelece que, para as associações, há a tal da pertinência temática. E, neste caso, o juiz poderia controlar a associação com base no tema. Então, só no caso da associação. Nos demais casos, o juiz não teria como controlar.

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Vou dar um exemplo extremado para você entender a controvérsia: o Grean Peace entrou com uma ACP e ele só pode entrar com ACP para discutir meio ambiente porque a tutela dessa associação é o meio ambiente. O IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, só pode entrar com ACP de defesa do consumidor porque, para a associação, o juiz pode fazer o controle com base na própria lei. Se a defensoria entrar com uma ação para discutir a alíquota de importação de uma Ferrari (esse é o exemplo extremado), de acordo com Néri, o juiz não pode controlar essa representação porque o legislador presumiu que se o defensor entendeu que ele tem que atuar aqui, não compete ao juiz se imiscuir aqui. A defensoria pública pode atuar em todas as ACP’s que quiser, sem sofrer controle por parte do Judiciário.

2ª Corrente: Ada Pellegrini – Para ela, sem prejuízo do controle legislativo, também é possível o controle judicial da representação de todos os legitimados. Não só da associação. Para ela, o controle da representação não é só ope legis, mas também ope litis. Não importa que o legislador já tenha previsto quem pode propor a ação civil pública. Além do legislador ter previsto, e é uma presunção de que aquele legitimado representa adequadamente os interesses do grupo, da categoria, o que o juiz poderia fazer? No caso concreto, ele poderia rever, reapreciar se naquele caso concreto específico, quem entrou com a ação representa ou não os interesses daquela coletividade. Atenção, porque agora é a ligação do raciocínio: qual seria o critério que o juiz usaria para fazer o controle dessa representação? Nos EUA, há muitos critérios, como vimos. Mas qual seria o critério, dentro dessa segunda posição, o critério para controle? Seria a finalidade institucional e pertinência temática do autor. O juiz faria o controle da finalidade institucionale da pertinência temática do autor.

Vamos traduzir. O art. 127, da CF, estabelece qual é a finalidade institucional do MP:

Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O que interessa aqui é atentar para o fato de o MP tutelar a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, que interessam a toda sociedade, ou os interesses individuais que, pelo fato de serem indisponíveis, merecem uma atenção especial por um órgão do Estado.

Isso quer dizer que se você adotar a primeira posição, quem decidequando atua ou não é o MP e o juiz não tem controle nenhum. Se você adotar a segunda posição, quem decide é o MP, mas sem prejuízo de o MP fazer o juízo sobre se ele deve ou não atuar, o próprio juiz também poderia fazer esse controle.

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Esses casos são altamente complexos, mas vou dar um exemplo extremado para você entender: Você tem uma empresa de TV a cabo que tirou da grade um canal de 100 canais que disponibilizava. O MP entrou com uma ação para obrigar a empresa a devolver o dinheiro correspondente àquele canal para todos os consumidores. O MP tem legitimidade? Pela primeira corrente, tem e não compete ao juiz achar que não tem porque é o MP que decide isso. Se você adotar a segunda posição, você vai falar que o juiz no caso concreto vai avaliar se tem ou não. Os que dizem que o MP tem legitimidade, sustentam que quando há um número muito grande de lesados, o interesse acaba sendo social. Eu discordo. Diria que não tem, porque esse tipo de direito (canal de TV a cabo) não é indisponível, é meramente patrimonial e não atinge nem 1% da população porque é uma minoria que tem TV a cabo. Consequentemente, o interesse não seria social. Tem que pensar principiologicamente. Mas tem interesse do consumidor. Nesse caso, que a associação dos usuários de TV a cabo que deve ter por aí em algum canto que ingresse com a ação.

Lembra do exemplo da Defensoria Pública? Sua finalidade institucional está no art. 134, da CF:

Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.

Ou seja, a finalidade institucional é a defesa dos hipossuficientes em qualquer grau. No caso da Ferrari: pela primeira posição, o juiz não poderia controlar. Pela segunda posição, o juiz poderia dizer: você não representa adequadamente os interesses dessa categoria. Seria o caso de chamar outro legitimado para defender. Não há posição dominante. Mas havendo dúvida, reconheça que há legitimidade para o ajuizamento porque, afinal de contas, se trata de interesse metaindividual e que merece um tratamento especial do sistema.

5. OBJETO DO PROCESSO COLETIVO

O objeto do processo coletivo tem previsão no art. 81, do Código de Defesa do Consumidor. E aqui, nós vamos estudar a divisão que é feita por Barbosa Moreira sobre o processo coletivo. De acordo com o art. 81, do CDC, o que o processo coletivo tutela é:

“O objeto do processo coletivo são os direitos ou interesses meta, trans ou para individuais.”

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Existe uma discussão acadêmica sobre se devemos tutelar através de processo coletivo direitos ou interesses. É uma discussão inútil porque se você olhar o art. 81, do CDC, você vai ver que ele fala em defesa de interesses e direitos. Mas, academicamente, há essa discussão entre interesse e direito.

Direito – É o interesse tutelado pela norma. Interesse – É uma pretensão não tutelada pela norma.

Tem um monte de interesse jurídico que, apesar de não estar na norma, decorre do sistema. Eu não disse que o interesse não é tutelado pelo sistema. Eu disse que ele não é tutelado pela norma, o que é muito diferente. O processo coletivo guarda inúmeras situações reais, em que você entra com a ação pedindo a defesa de um bem juridicamente plausível, mas que não tem nenhuma lei para respaldar isso. Eu contei que fui instado, em ação civil pública, a aumentar o efetivo da PM na comarca onde trabalho. Aquilo não é direito, mas interesse. E por que é interesse? Porque não tem nenhuma norma que diga: “aumente o efetivo da PM.” Academicamente, essa diferença é válida. Mas para o processo coletivo, não tem diferença alguma porque a lei considera os dois.

Da mesma maneira, falar “meta”, “trans” ou “para” individuais não tem diferença alguma: apenas significa que são interesses que fogem da individualidade. Ou seja, são interesses que transcendem os limites de um único indivíduo.

Barbosa Moreira divide os interesses ou direitos transindividuais em dois grupos grandes:

1. 1. Interesses transindividuais NATURALMENTE coletivos

Seu principal traço caracterizador é a indivisibilidade do objeto. E o que significa dizer, na prática, a indivisibilidade do objeto? É extremamente simples: quando eu tiver diante de um naturalmente coletivo, a lesão a um integrante da comunidade, leva a todos. De modo que a lesão a um interesse da comunidade leva a todos, de modo que a decisão deve ser uniforme para todos os prejudicados. Nos direitos/interesses naturalmente coletivos, um ganhou, todos ganharam; um perdeu, todos perderam. Se isso fosse um litisconsórcio (aqui não é litisconsórcio porque não trata de direito individual, mas coletivo), ele seria unitário ou simples? Unitário porque a decisão teria que ser idêntica para todos. Barbosa Moreira divide os interesses naturalmente coletivos em outros dois, DIFUSOS e COLETIVOS (precisamos diferenciá-los, mas lembrando que têm uma característica comum: ou todo mundo ganha ou todo mundo perde):

a) Direitos/Interesses transindividuais naturalmente coletivos DIFUSOS

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Os direitos difusos têm 5 características, graças às quais se pode saber quando é difuso e quando é coletivo:

Os titulares são indeterminados e indetermináveis – nunca saberei quem são os titulares dos direitos difusos São unidos entre si por circunstâncias de fatoextremamente mutáveis Alta conflituosidade interna Duração efêmera Alta abstração

Essas cinco características dos direitos difusos são disciplinadas pela lei, mas são dissecadas pela doutrina. Perceba que quando há os interesses difusos, esses são aqueles interesses mais abstratos possíveis. São os interesses que assistem a um número de pessoas que eu jamais conseguirei precisar e dentro do próprio grupo tutelado eles não chegam, muitas vezes, a um bom-senso porque há uma alta conflituosidade interna. Como se tudo isso não bastasse, o que liga esses sujeitos entre si é apenas uma relação de fato.

O primeiro e principal membro dessa categoria dos difusos é o meio ambiente que pode ser encaixado nessas características. Quem são os titulares do direito ao rio não poluído? Nós. Não dá para identificar. As circunstâncias de fato que nos ligam são mutáveis. Há quem more na beira do rio, por exemplo. Dentro desse grupo, tem gente que apóia a poluição do rio porque a fábrica que polui gera empregos e tem gente que apóia a natureza. O direito sucumbe conforme vai passando o tempo. E há uma alta abstração aí porque todos podem defender o meio ambiente. Não dá para dividir a tutela do meio ambiente entre todos. Todos exercem o direito ao mesmo tempo, como em um condômino. Assim, se tutelou o rio para mim, tutelou também para você.

Um outro exemplo que entra aqui é o administrativo, que também é um direito difuso por excelência. Quem tem o direito à tutela do patrimônio público de modo lícito, moral? Todos nós. Sujeitos indeterminados, determinados, ligados por circunstâncias de fato (morar naquele estado, naquele município). E há conflituosidade: tem gente que votou no ladrão e tem gente que não votou. Tem gente que apóia e tem gente que não apóia.

Todo mundo liga a proteção do consumidor com os individuais homogêneos, mas o exemplo que eu quero dar aqui é o da propaganda enganosa. Propaganda enganosa é direito difuso em princípio. Típico exemplo de propaganda enganosa: remédio para careca. Na propaganda, o cara careca fica cabeludo meses depois. Você nunca saberá quem assistiu àquela propaganda naquele determinado momento. Quando você veicula a propaganda, atinge a um número absolutamente indeterminado de pessoas

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e nunca você vai saber quem estava assistindo aquela propaganda naquele momento. Abstratamente, todo mundo poderia comprar aquele remédio, consequentemente é direito difuso.

b) Direitos/Interesses transindividuais naturalmente coletivos COLETIVOS SS

Coletivos stricto sensu – Coloquei esse “SS” para você não confundir o gênero com a espécie. São quatro as suas características, que tornam os direitos coletivos stricto sensu muito fáceis de ser distinguidos dos direitos difusos:

Sujeitos indeterminados, mas determináveis por grupo – Ou seja, eu não consigo identificar os titulares individualmente falando dos direitos ali albergados, mas os identifico por grupos.

Sujeitos unidos por circunstâncias jurídicas – Aqui, uma diferença essencial. O que ligam os titulares de direitos difusos, como vimos, são circunstâncias de fato. Aqui, são circunstâncias jurídicas. Existência de relação jurídica base entre os titulares ou com a parte contrária – Só tem o direito coletivo se eu estou ligado a você porque somos membros de sindicato, associação, por exemplo. Isso é fundamental nos coletivos e que não há nos difusos, em que os titulares não se conhecem.

Baixa conflituosidade interna – Se você é membro de uma associação e eu também, significa que temos interesses comuns. Não há conflitos de grande magnitude.

Menor abstração

Exemplos: questões relacionadas a consórcio. O que liga os consorciados entre si? Há uma ligação, não propriamente entre os consorciados, mas entre eles e a empresa de consórcio. É uma relação jurídica base entre os titulares e a parte demandada. Não há como aumentar o consórcio para um sem aumentar para o outro. Os sujeitos não são determinados, mas determináveis por grupo (aqueles que assinaram o contrato tal). Esses direitos não são abstratos, ou são baixamente abstratos.

Outro exemplo é o da Súmula 643, do STF, que fala da legitimidade do MP. Ela fala que o MP tem legitimidade para ajuizar ACP com fundamento de ilegalidade no reajuste de mensalidades escolares. Isso é direito coletivo. Quando o MP entra com uma ação dessa, não tem como reajustar para um sem reajustar para os demais. E o que há em comum entre eles? Todos tem

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relação jurídica com a parte contrária. Você não consegue determinar os sujeitos individualmente falando, mas pode identificar por grupo: todos os estudantes das escolas particulares ou da escola particular tal.

STF Súmula nº 643 - DJ de 13/10/2003 – O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.

Exemplos mais tradicionais de direitos coletivos: relacionados aos sindicatos, associações de classe. O sindicato, vira e mexe, entra com ação para melhorar as condições de trabalho daquela categoria. O MPT entra com ação para garantir condições de trabalho do trabalhador.

1.2. Interesses transindividuais ACIDENTALMENTE coletivos

Barbosa Moreira demonstra que o que caracteriza os interesses ou direitos acidentalmente coletivos é a divisibilidade do objeto. Quer dizer, quando estiver diante de um interesse acidentalmente coletivo, o grupo pode ganhar e outro grupo pode perder. O bem jurídico tutelado aqui é divisível. Uns podem ser beneficiados e outros podem ser prejudicados. Se isso fosse litisconsórcio (não é, isso é direito metaindividual), seria simples exatamente porque o objeto é divisível.

Os interesses acidentalmente coletivos, exatamente porque são divisíveis, são interesses que na sua essência são individuais. Cada um tem o seu. Exatamente porque é divisível, eu posso dar para cada indivíduo uma parcela desse bem ou desse direito que está sendo tutelado. Mas há um problema: tem tanto indivíduo que tem esse bem que está sendo tutelado, que podemos dizer que esse direito/interesse é compacto na sociedade. É um interesse homogêneo. Portanto, os interesses acidentalmente coletivos nada mais são do que interesses individuais, mas que por um excessivo número de titulares, podemos dizer que não é um direito difuso na sociedade, mas homogeneizado na sociedade.

Esses interesses individuais homogêneos compõem o que o direito norteamericano chama de cross action for benefits, que são exatamente as pretensões individuais que, por pura política legislativa, são coletivizadas. Vou dar exemplos de interesse individual homogêneo porque assim fica mais fácil explicar as características.

Exemplo do Microvlar – Anticoncepcional que foi ao mercado com farinha no lugar da substância anticonceptiva. É um anticoncepcional barato. Houve um lote com farinha. Esse é um direito individual. Cada mulher que tomou a pílula de farinha e engravidou sofreu um dano específico. E, exatamente por isso, cada uma poderia entrar com uma ação porque o

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direito é individual. Mas foi tanta gente lesada que esse direito individual passou a ser homogeneizado na sociedade.

Exemplo das cadernetas de poupança, dos expurgos inflacionários – O Judiciário está entupido de ações discutindo os expurgos inflacionários dos Planos Bresser, Collor I e Collor II. Por uma técnica matemática, eles acabaram comendo do bolso do poupador. Eu tenho direito à correção, mas todo mundo também. Todo mundo tinha poupança no Brasil. Assim, trata-se de um interesse homogeneizado, portanto, tutela coletiva. Se fosse difuso e coletivo, se um ganhasse, todos ganhavam. Aqui, ganha cada um. Aqui pode um ganhar e outro perder.

Veículos com defeitos de fábrica – Recall. Se cada indivíduo pode entrar com ação. Como muitos compraram aquele lote de carros, individual homogêneo.

a) Fundamentos para a tutela coletiva dos interesses individuais

Se for perguntado a natureza jurídica desses interesses, a resposta é que são interesses individuais. Mas por que o legislador permite que sejam tutelados coletivamente? Por razões de política legislativa. Pura razão de política legislativa. Nosso legislador estabeleceu que esses interesses individuais são tutelados coletivamente por questão de política legislativa. Ele poderia ter deixado que todo mundo entrasse com ação individual, mas preferiu dar tratamento coletivo. A doutrina tenta achar explicações para o que o legislador fez, que é tratar coletivamente direitos individuais, e dá quatro razões:

1º Motivo: Molecularização dos conflitos – A menor partícula da matéria é o átomo. Juntando vários átomos, eu tenho uma molécula. A molecularização dos conflitos permite que eu junte os processos por “baciada” (de bacia). É tratar por baciada os processos individuais.

2º Motivo: Economia processual – Celeridade do processo é garantia constitucional. É uma boa resolver os processos por bacia. esse pega bem no bolso. Reduz custo, mas não é o custo pecuniário, mas o custo Judiciário. Qual é o desforço que o Judiciário para julgar 10 mil ações em detrimento de uma coletiva? Então, o custo Judiciário despenca no processo coletivo.

3º Motivo: Evita decisões contraditórias

4º Motivo: Amplia o acesso à Justiça – Ninguém entraria com ação para cobrar 100ml de leite. As demandas antieconômicas são solucionadas pela tutela coletiva dos interesses individuais.

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b) Características dos interesses individuais homogêneos:

Sujeitos indeterminados, mas determináveis – Não dá para saber quem tomou a pílula de farinha. Na hora de executar você descobre.

Pretensão dos sujeitos tem origem comum – O que as mulheres têm em comum? Ter tomado aquele lote de pílulas.

Natureza individual – Nunca se esqueça que os interesses individuais homogêneos podem ser protegidos individualmente. Aqui, a titularidade é certa mas que, por opção legislativa, se permite a tutela coletiva.

c) Duas advertências finais:

1ª) Nélson Néri Jr. – Não é possível, a não ser no caso concreto e conforme alegação do autor, se definir qual o interesse objeto da ação coletiva. É no caso concreto que se consegue identificar se é difuso, coletivo ou individual homogêneo. O exemplo dele: Bateau Mouche – No réveillon de 1988, o barco afundou. Yara do Amaral, uma atriz, estava lá. Aquele evento pode dar origem a uma pretensão difusa, coletiva e individual homogênea.

Uma ação coletiva para indenizar os familiares das vítimas – É individual homogêneo (já que cada um poderia entrar com uma ação).

Uma associação de defesa do turismo obriga as embarcações da região a ter coletes salva-vidas – Deixa de ser individual homogêneo (não há relação jurídica base ligando as pessoas) e passa a ser coletivo (ação da associação para equipar os barcos de coletes de modo suficiente).

Ação do MPF para proibir todas as embarcações do Brasil a andar sem número suficientes de coletes salva-vidas – Deixou de ser individual homogêneo, deixou de ser coletivo e passou a difuso, considerando que os titulares do direito a uma embarcação segura são todos.

2ª) Vários autores tem extrema dificuldade na diferenciação prática entre os interesses metaindividuais, especialmente entre os coletivos e os individuais homogêneos. A exemplo de Dinamarco. Ele vai dizer que acompanha a doutrina mas, na prática, diz que tem dificuldade de diferenciar os difusos, coletivos e individuais homogêneos. Se o MP entra com ação coletiva (mensalidade escolar) e a associação de pais faz o mesmo, ambas tem natureza de ações coletivas (os sujeitos estão ligados por uma relação jurídica – ou aumenta para todo mundo ou não aumenta para ninguém). O MP entra com ACP contra a poluição do rio. É interesse difuso.

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Mas eu sou pescador e entrei com uma ação de indenização contra a empresa poluidora. Aqui, o interesse é individual.

6. COISA JULGADA

Conceito de coisa julgada: é uma qualidade dos efeitos da sentença, de acordo com a lição de Liebman, que é a imutabilidade. A sentença tem efeitos (é declaratória, constitutiva, condenatória, ...). A partir do momento que ninguém mais recorre ou acabam-se os recursos, a coisa julgada passa a dar uma qualidade para esses efeitos, qualidade essa que é exatamente a imutabilidade.

O estudo da coisa julgada é divido em dois tópicos:

Limites objetivos da coisa julgada – No processo individual, esses limites estão no dispositivo da sentença (art. 468, do CPC). A coisa julgada atinge a lide nos limites em que proposta. E atinge, portanto, a parte dispositiva, que diz se acolhe ou rejeita o pedido. No processo coletivo, os limites subjetivos são idênticos. O que é pego pela coisa julgada no processo coletivo é, exatamente, a parte dispositiva.

Limites subjetivos da coisa julgada – Os limites subjetivos no processo individual atingem as partes (art. 472, do CPC). A sentença faz coisa julgada entre as partes, não sendo possível beneficiar ou prejudicar terceiros. Quem está no processo é atingido. Quem não está no processo pode repropor. No processo coletivo, aqui está o grande diferencial. A ideia de processo coletivo é exatamente a ideia de negar o art. 472, segundo o qual não pega terceiro. O processo coletivo atinge terceiros.

Os limites subjetivos deixam de ser previstos no art. 472 e passam a ser previstos nos arts. 103 e 104, do CDC, art. 16, da Lei de ACP e art. 18, da Lei de Ação Popular. E é exatamente a partir desses dispositivos, que vamos estudar como funciona a coisa julgada no processo coletivo. O que vamos estudar aqui é o regime da coisa julgada no processo coletivo, que é o que chamamos secundum eventum litis. Para tanto, vamos dividir o direito quando ele for:

Difuso, Coletivo e Individual homogêneo.

Nosso sistema estabelece que segundo o resultado da lide (secundum eventus litis), há três tipos de efeitos. A decisão pode ser :

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Erga omnes, Ultra partes e pode ser Sem coisa julgada material.

Se a ação coletiva (não importa qual) for para a tutela dos interesses difusos, se a ação for julgada procedente ou improcedente, não importa o motivo, a decisão vale para todos. Ela é erga omnes. Atinge todos os legitimados coletivos, de modo que caso haja uma sentença com essas características, não importa, impede outra ação coletiva. Protegeu o meio ambiente para despoluir o rio. Agora, se a ação for improcedente, não precisa despoluir o rio. Nenhum outro legitimado coletivo pode repropor a ação, sob pena de ferir a segurança jurídica.

Todavia, nosso sistema faz uma ressalva: se a improcedência for por falta de provas, o sistema altera o regime jurídico e estabelece que não haverá coisa julgada material. Consequentemente, não impede outra coletiva. Se a improcedência for por falta de direito, pega todo mundo. Ninguém pode repropor. Foi uma opção do sistema e isso tem um nome: coisa julgada secundum eventum probationis. E tem diferença entre isso e a coisa julgada secundum eventum litis. A coisa julgada secundum eventum litis pode ser erga omnes, ultra partes ou não ter coisa julgada. Secundum eventum probationis tem relação com a prova e quando falta prova, aí não tem coisa julgada. Muitos tratam como expressões sinônimas, mas não são.

Se for interesse coletivo, julgou procedente ou improcedente, a decisão é ultra partes. O que significa isso? A quem interessa uma ação que diz que não pode aumentar a mensalidade escolar? Interessa apenas ao grupo que estuda na escola. A coisa julgada é ultra partes porque é limitada ao grupo interessado. A ação coletiva só atinge os estudantes daquela escola, os estudantes daquela categoria, os filiados daquela associação, daquele sindicato. Por isso não é erga omnes. Nesses casos, julgada procedente a ação dizendo que não pode aumentar, ou julgada improcedente, dizendo que pode aumentar, essa decisão impede outra coletiva. O que ficou decidido aqui, ficou decidido com ares de definitividade. Acontece que o nosso legislador também adotou o regime da coisa julgada secundum eventum probationis na tutela dos interesses coletivos, de modo que se a improcedência for por falta de prova, não haverá coisa julgada e, consequentemente, nada impede a repropositura da ação coletiva. Assim, procedência ou improcedência, impede a ação coletiva. E improcedência por falta de prova, quer dizer, o único fundamento que não faz coisa julgada é a falta de prova, consequentemente, pode repropor uma ação coletiva, já que não impede outra coletiva.

Qual é a diferença, então, que há entre o regime da coisa julgada dos difusos e dos coletivos? Um é erga omnes e o outro é ultra partes. O resto é idêntico.

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O individual homogêneo dá problema porque, na essência, não é coletivo. E individual que recebe tratamento coletivo. Aqui é como matar uma formiga com uma bazuca e o estrago que isso faz é maior. Julgou procedente, pega todo mundo. Julgou improcedente, pega todo mundo. E não adotou o regime da coisa julgada secundum eventum probationis. Significa que quando for individual homogêneo, julgou procedente ou improcedente, não interessa se é improcedente por falta de provas ou por falta de direito. Em todos os casos de improcedência nos individuais homogêneos, a consequência será sempre coisa julgada. A coletiva não pode repropor. O legislador fez uma opção. Como se trata de interesse individual, fecha a porta do coletivo, mas deixa aberta a do individual. Ele não permite uma repropositura da ação coletiva porque a improcedência foi por falta de prova, mas em contrapartida, deixa que você ajuíze ação individual.

Esse é o regime da coisa julgada, que é só o princípio. À luz do que foi dito, há 10 observações a serem feitas:

1ª Observação: “A coisa julgada coletiva, em todos os interesses metaindividuais, nunca prejudica as pretensões individuais, só as beneficia.” Em todos os casos, sempre está aberta a individual. O MP entrou com uma ação coletiva para despoluir o rio e não conseguiu provar que o rio foi poluído. Posso, eu, indivíduo entrar com uma ação porque o rio foi poluído? Posso, porque a pretensão individual nunca é prejudicada pela coisa julgada coletiva. A proteção individual sempre fica a salvo esse é o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva. E o processo coletivo permite o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva, significando que a coisa julgada só me atinge para beneficiar, nunca para prejudicar. Eu falei sobre isso na aula passada. Por que o sistema diz que só atinge para beneficiar e não para prejudicar? Pelo seguinte: o modelo de representação no Brasil é o modelo de presunção de representação adequada. A lei presume que aquele cara pode propor ação coletiva, que não seja um completo ignorante (MP, defensoria), mas a contrapartida é que ele só pega o fulano se ele for beneficiado, já que ele não deu autorização.

Exceção a essa regra de que a coisa julgada só pega para beneficiar: art. 94, do CDC. Essa hipótese do art. 94, do CDC, de acordo com Hugo Nigro Mazzili, apesar de estar no capítulo dos individuais homogêneos, também se aplica aos coletivos. O que o art. 94 faz?Ele diz que:

Art. 94 - Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

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Qualquer prejudicado (o pai do aluno que a mensalidade aumentou, a mulher que tomou Microvlar, etc.) que entra como litisconsorte no processo coletivo, a coisa julgada vai pegar tanto para beneficiar quanto vai pegar para prejudicar. Então, não vale a pena ser litisconsorte em processo coletivo porque se eu fico de fora, a coisa julgada só beneficia. E se eu fico de dentro, a coisa julgada tanto beneficia quanto prejudica. Portanto, o art. 94 é umaexceção. E, de acordo com Hugo Nigro, isso se aplica, tanto no coletivo quanto no individual homogêneo, embora o art. 94 esteja no capítulo do CDC que cuida apenas dos individuais homogêneos. Artigos correlatos: art. 103, §§ 1º, 2º e 3º, do CDC:

Art. 103 - Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do artigo 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do artigo 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do artigo 81.

§ 1º - Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2º - Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.

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2ª Observação: “Entretanto, para que o autor da ação individual já proposta se beneficie da coisa julgada coletiva (coletivos e individuais), deve requerer a suspensão da sua ação individual em 30 dias a contar da ciência da existência da ação coletiva. Não efetuado o requerimento, a coisa julgada coletiva não beneficiará.” Art. 104, do CDC. O Código, entretanto, para permitir o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para as pretensões individuais, estabelece que a parte deverá requerer no prazo de 30 dias a suspensão da ação individual:

Art. 104 - As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Se eu estou com uma ação contra o Microvlar, vem uma ação coletiva discutindo a mesma coisa para todo mundo, se eu quiser aproveitar o transporte in utilibus, há uma condição: suspende a individual. Se não suspender, a coisa julgada não beneficia. Faz sentido. Você quer ação coletiva? Então, para com a sua individual.

3ª Observação: Acabou de surgir, na prática, essa discussão, que estava só na teoria. Você acha que a suspensão da ação individual é uma faculdade ou é obrigatória? Se o juiz está com uma individual e percebe a coletiva, o que ele faz? “A regra do art. 104, do CDC é bastante clara no sentido de que a suspensão da individual é faculdade da parte, de modo que ela pode optar por prosseguir na ação individual, entretanto, o STJ em 28/10/209, no REsp 1.110.549/RS, disse outra coisa.”

STJ - REsp 1110549 / RS - SIDNEI BENETI - SEGUNDA SEÇÃO - Julgamento 28/10/2009 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação

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dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008).3.- Recurso Especial improvido.

O STJ deu uma interpretação para o art. 104, fugindo da norma, para dizer que o juiz obrigatoriamente pode suspender a ação. Não se trata de uma interpretação do texto de lei. Chegou no STJ um REsp em que o juiz do RS, nessas ações para discutir índice de poupança, não dá nem a faculdade para a parte. Sabe o que ele faz? Suspende de ofício. O STJ deu a seguinte interpretação: o art. 104 é faculdade, mas a partir do momento que a lei criou a sistemática dos recursos repetitivos (o STJ manda sobrestar alguns e julga um, que vale de paradigma para os demais), não tem mais sentido se permitir que se processem as individuais porque ele vai pegar uma, julgar e aplicar para todas. De nada adianta o juiz a quo mandar seguir se vai chegar no STJ e o STJ vai mandar sobrestar. É uma interpretação contra legem, mas não contra o sistema. O STJ decidiu que “ajuizada a ação coletiva atinente à macro lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se obrigatoriamente as ações individuais no aguardo do julgamento da ação coletiva, o que de qualquer forma não impede o ajuizamento de ação individual.” Se impede o ajuizamento da individual, fere a CF. Qual foi o motivo que o STJ fez isso? Aplicação analógica do art. 543-C, do CPC:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Acrescentado pela L-011.672-2008)

O mais importante é o § 7º:

§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

Quer dizer, o que o STJ decidir, vale para todo mundo. Vincula. Consequentemente, estamos diante de uma interpretação criticada do ponto de vista da lei. Só que mudou completamente o sistema do processo coletivo. Nos últimos 10 anos, esse é o principal precedente do STJ em processo coletivo. Para você ver o impacto que tem no sistema.

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Então, minha terceira observação: é faculdade ou obrigatoriedade? À luz do CDC, é faculdade da parte. À luz do STJ, obrigatoriedade.

4ª Observação: Quem protege o meio ambiente é o MP. Eu não posso entrar com ação individual para proteger o meio ambiente. Eu entro com ação individual para proteger o meu dano. Quem entra com ação para proteger o ambiente é o MP, associações, etc. Eu posso entrar com ação individual para discutir o mesmo assunto, mas não para proteger o meio ambiente. Eu não tenho legitimidade para proteger o meio ambiente, salvo na ação popular. Improcedente a ação coletiva, o que eu faço com a ação individual? Não importa se a parte suspendeu facultativamente ou se o STJ suspendeu obrigatoriamente. Improcedente a coletiva, a ação individual suspensa (não interessa se é facultativa ou obrigatoriamente) tem prosseguimento. Procedente a coletiva, transporte in utilibus. O que eu faço com a individual? Se eu ganhar a coletiva e ela me pega, automaticamente, acontece o que se chama de perda superveniente de objeto, de interesse de agir, de interesse processual. Não é melhor transformar essa ação individual em execução? Procedente, transporte in utilibus, perde o interesse. O que pode ser feito com o processo individual? Ou se encerra ou, no meu modo de entender, algo melhor, sua convolação em execução. Parece um raciocínio mais razoável à luz de tudo isso que estamos defendendo.

5ª Observação: “Mas se a individual já foi julgada improcedente com trânsito em julgado e depois veio uma coletiva procedente, o indivíduo pode se beneficiar?” Há duas posições: Ada Pelegrini Grinover, com quem eu concordo: o sistema sempre prefere a coisa julgada individual do que a coletiva porque tem uma especialidade muito maior do que uma coisa julgada genérica. Agora, uma segunda posição, extremamente respeitada, do Hugro Nigro Mazili usa um argumento de peso: princípio da igualdade. Eu não tive a opção de suspender a individual porque a coletiva não existia na época. Como não houve opção para suspender, pode ser beneficiado pela coletiva.

6ª Observação: É uma leitura do que já foi falado. A improcedência por falta de prova não gera coisa julgada material. “Nos difusos e coletivos, a improcedência por falta de provas sempre permite a repropositura da ação coletiva”. Coisa julgada secundum eventum probationem. “O autor da primitiva ação pode repropô-la, indicando em preliminar da petição inicial a existência de prova nova (se é improcedência por falta de prova, eu preciso indicar a prova nova). Isto não precisa constar da primitiva sentença, eis que a possibilidade de repropositura decorre da lei.” O que eu quis dizer? Lembra que o juiz julga improcedente por falta de prova? Eu posso repropor a coletiva, indicando na preliminar que tem prova nova. Na primitiva o juiz não precisa dizer que pode repropor porque isso decorre da lei, do sistema. Está claro que pode repropor.

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7ª Observação: “Já na coletiva para a tutela dos individuais homogêneos, a improcedência por qualquer fundamento impede a repropositura de outra ação coletiva.” Aqui, mesmo que for por falta de provas, não pode repropor. E não pode por opção política do legislador, conforme eu já expliquei. Se perdeu a coletiva, só resta a propositura da individual.

8ª Observação: “Há precedentes da Justiça do Trabalho indicando que as ações ajuizadas por sindicatos, julgadas improcedentes, obstariam as pretensões individuais dos sindicalizados.” Isso porque esse precedente vai contra tudo o que eu falei até agora. A coisa julgada no caso do sindicato não é in utilibus, mas pro et contra (expressão contrária a in utilibus). No CPC, no processo individual, a coisa julgada é pro et contra. A coisa julgada integra, se ganhar ou se perder. No processo coletivo é que ela é in utilibus. E a ação coletiva do sindicato não é in utilibus. É pro et contra. Tudo tem a ver com o final da aula passada. Lembra da adequada representação? O sindicato tem uma representação muito melhor do que qualquer outro legitimado coletivo, porque ele defende os interesses apenas dos seus próprios filiados.

9ª Observação: Art. 103, § 4º, do CDC que indica a possibilidade da utilização da sentença penal condenatória nos mesmos moldes da sentença coletiva. Permite o uso da sentença penal condenatória nos mesmos moldes da coletiva. O art. 103, § 4º, do CDC, permite o transporte in utilibus da sentença penal condenatória para o cível. O cara foi condenado por crime ambiental. Eu, pescador, que não consigo pescar porque os peixinhos morreram, pego essa sentença penal condenatória e entro no cível. A sentença penal condenatória faz as mesmas vezes de uma sentença coletiva que teria condenado o cara a reparar o meio ambiente. É isso o que o dispositivo diz:

§ 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

A execução dessa sentença penal condenatória só pode ocorrer contra o condenado. Não pode atingir terceiro. Se condenou o dono da empresa por crime ambiental, você só pode executar o dono da empresa, você não pode condenar a empresa. Se você quiser pegar corresponsáveis civis, tem que entrar com ação própria porque o título penal executivo não transborda os limites da pessoa do condenado. “Já a sentença absolutória no crime, como regra, não impede nem a ação coletiva e nem a pretensão individual.” A não ser quando ficar pronunciada a existência do fato ou da autoria. Eu não falei falta de prova da autoria. Uma coisa é você dizer que não há prova que a pessoa fez isso. Outra coisa é declarar que a pessoa não fez isso. Há uma simbiose entre a jurisdição penal e a civil (individual e coletiva).

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10ª Observação: Hoje já se fala, no âmbito do processo coletivo, em relativização da coisa julgada coletiva também. Aquela teoria da relativização da coisa julgada tem que ser aplicada ao processo coletivo. Aplica-se aqui o regime da relativização da coisa julgada. Essa expressão é horrorosa porque relativizar é deixar mais ou menos. Na relativização, você afasta a coisa julgada. Essa expressão implica em afastamento, exclusão, desconsideração da coisa julgada. Não é relativizar. No processo coletivo, em especial, a teoria da relativização tem bastante importância em razão nos enormes avanços na área de ciência e tecnologia. Queima de cana para colher. Faz ou não faz mal ao meio ambiente? Eu julguei isso em 1998 e os estudos diziam que não fazia mal. Hoje já há estudos científicos mais evoluídos dizendo que faz mal. Então, você vai deixar o cara continuar queimando só porque ele tem uma coisa julgada numa ação coletiva que diz que pode queimar porque não faz mal? Reparem que não é improcedência por falta de prova! Se eu tivesse julgado dizendo: “não há prova que faz mal”, o que poderia ser feito? Repropor a todo momento porque a coisa julgada por falta de prova é secundum eventum probationis. Em 1998 eu disse que não faz mal, há elementos que me dizem que não faz mal. Será que em 2010 eu posso rediscutir essa coisa julgada? Evidente que pode. O exemplo da cana-de-açúcar é emblemático.

Última Observação:Tudo o que eu falei sobre o regime da coisa julgada não aplica para o mandado de segurança coletivo, que tem regime próprio, que vamos estudar em momento próprio. Os arts. 21 e 22, da LMS trata especificamente da coisa julgada no mandado de segurança.

Definitivamente o tema “coisa julgada” em processo coletivo é o mais difícil. E eu coloquei as principais discussões. Mas há muitas outras que caberiam aqui.

7. RELAÇÃO ENTRE DEMANDAS

Os processos são autônomos entre si, mas em algum momento, direta ou indiretamente, eles acabam se relacionando.

7.1. Relação que há entre duas demandas individuais

Eu tenho dois processos individuais e eu quero estabelecer a relação entre essas duas demandas. Se eu tenho identidade de elementos (partes, pedido e causa de pedir), eu tenho identidade de elementos total ou identidade de elementos parcial.

No processo civil brasileiro, se a identidade de elementos for total, dois fenômenos incidem: se for identidade total envolvendo um processo que já

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acabou, haverá coisa julgada. Se for identidade envolvendo um processo que não acabou, litispendência. Isso está no art. 301 e §§, do CPC.

Se se tratar de identidade parcial (um ou outro elemento coincide), haverá dois fenômenos: ou a conexão (art. 103) ou a continência (art. 104). Se eu tiver diante da identidade total dos elementos da ação, a consequência para o processo individual (esquece que estamos no coletivo) é o fim. Se, eventualmente, eu estiver diante da identidade parcial, a consequência para o processo, se possível, é a reunião para julgamento conjunto (art. 105, CPC).

7.2. Relação que há entre uma demanda individual e uma demanda coletiva

Dá para uma ação individual e uma ação coletiva terem identidade de elementos? É possível haver identidade total entre o processo coletivo e o individual? Não dá para ter por dois motivos:

1º) As partes são distintas2º) A causa de pedir pode ser idêntica, mas nunca o pedido vai ser

idêntico.

Então, não nem as partes e nem o pedido jamais serão iguais. E o pedido nunca vai ser igual por causa do art. 95, do CDC:

Art. 95 - Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

Quando você lê esse artigo, você percebe que ele estabelece que o pedido da ação coletiva sempre será genérico. Quando uma associação entra com uma ação, ela pede que todas as mulheres que tomaram a farinha seja indenizadas. E quando eu entro com a ação? Eu peço 50 mil reais, 100 mil reais. Portanto, não há nem litispendência e nem coisa julgada.

E identidade parcial, dá para ter? Dá para ter conexão e continência? Alguns dos elementos podem bater. O que geralmente bate é a causa de pedir: o fundamento da coletiva pode ter o mesmo fundamento de fato e de direito da individual. Portanto, pode haver identidade de causa de pedir, de fundamento. Quando eu tenho identidade de fundamento, se for processo individual, o que eu faria? Você já imagina ter que reunir todas as ações coletivas e individuais que discutem índice de caderneta de poupança? Coitado do juiz! Não tem sentido. Qual é a consequência da identidade do elemento da ação quando se trata de um processo coletivo e um individual? É o art. 104, do CDC: no individual, gera a reunião. No processo coletivo gera a suspensão da ação individual:

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Art. 104 - As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão noprazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Quer dizer, enquanto está rolando a coletiva, a minha individual vai ficar parada. É facultativa ou obrigatória essa suspensão? Pela lei, facultativa, pelo STJ, obrigatória.

Concluindo: identidade total nunca haverá. Identidade parcial, pode haver, mas não gera conexão, não gera reunião, gera a suspensão das ações individuais.

7.3. Relação que há entre demandas coletivas

Quando eu falo coletiva com coletiva, são da mesma espécie, porque é possível haver uma ação popular e uma ação civil pública, um mandado de segurança coletivo com uma ACP, uma improbidade administrativa e uma ACP. Qualquer tipo de coletiva pode se relacionar entre si.

a) Identidade total

Quando há identidade total dos elementos da ação. É possível haver duas ações coletivas iguaizinhas, idênticas? Na época da privatização da Vale houve diversas ações populares tentando impedir. Houve uma ação ajuizada em cada Estado. Pode haver uma ACP ajuizada pelo MP para proteger o ambiente e pode haver uma ACP ajuizada por uma associação para proteger também o meio ambiente. E as partes aqui não são diferentes porque o MP e a associação têm a mesma qualidade de representantes. Posso substituí-los. Então, pode haver identidade total de elementos. É possível. Quando há identidade total de elementos entre duas coletivas, surge a seguinte indagação: que vamos fazer? Se fosse individual, a consequência seria o sobrestamento. Será que se aplica ao processo coletiva? Há duas posições da doutrina para responder a esse questionamento:

Tereza Arruda Alvim Wambier – Sustenta que é caso de extinção, sendo facultado ao autor da extinta ingressar como litisconsorte na ação sobejante.

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Ada Pellegrini Grinover – Sendo possível (porque uma das ações pode ter acabado, por exemplo), as ações deverão ser reunidas para julgamento conjunto. Se eu tiver 15 ações populares para discutir a privatização da vale, eu junto todas no mesmo juízo para obter uma única decisão. Há ações coletivas mais bem propostas do que outras. Então, você somaria todas para poder verificar todos os fundamentos do pedido. Tecnicamente, seria possível. Essa posição é a que prevalece, pelo menos na doutrina.

A segunda posição prevalece e é bastante razoável se você tiver em conta que, graças a ela, tivemos uma mudança de perfil dentro do que é uma ação entre demandas. Você foi acostumado a que a identidade leva à extinção. No entanto, no processo coletivo isso não é verdade, porque a identidade total de elementos no processo coletivo leva à unificação. É o mesmo efeito da conexão.

b) Identidade parcial

Eu posso ter ações coletivas com o os mesmos elementos, apenas de modo parcial? Evidente, óbvio, natural, que se pode ter identidade total, pode ter a parcial. Eu posso ter uma ACP com o mesmo pedido de outra, não completamente com todos os elementos, mas com fundamentos diversos e o mesmo pedido. Duas populares com pedidos diferentes, mas com fundamentos idênticos. É plenamente possível. Aqui não tem diferença, segue a regra do processo individual. A identidade parcial leva à reunião para o julgamento conjunto.

Eu tive um caso de uma ACP em que o MP sustentava que haviam jogado detritos poluentes em um terreno. Ao mesmo tempo, houve uma outra ACP, proposta por uma associação de moradores, devidamente constituída, pedindo indenização pelos danos causados à vizinhança exatamente em virtude daqueles detritos. Eu tenho uma ação para a tutela dos interesses difusos e uma ação para a tutela dos interesses individuais homogêneos em que os pedidos são absolutamente distintos. O MP queria que limpasse o terreno, a associação queria indenização por aguentar a fedentina. Eu juntei as duas ações. Qual você julga primeiro? A dos difusos, claro, porque o objeto é maior.

No processo coletivo com processo coletivo, havendo identidade, seja ela total, seja ela parcial, os processos são reunidos para julgamento conjunto. Agora, quem vai ser o felizardo que vai receber todas as ações como critério para definição da prevenção?

7.4. Critérios para reunião de demandas

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Quem vai ser o felizardo que vai receber todas as ações? Temos três regras:

1ª Regra: Art. 106, do CPC – Regra do despacho positivo. Lá se estabelece que havendo juízes de mesma competência territorial, aquele que é prevento para todas vai ser o primeiro que colocou o “cite-se”.

2ª Regra: Art. 219, do CPC – Estabelece que não é a regra do despacho, mas a da citação. Prevento é o juízo em que houve a primeira citação.

3ª Regra: Arts. 2º, da LACP e 5º, da LAP – Estabelecem a regra da propositura. A propositura se dá com a distribuição da inicial.

Qual é a regra que se aplica? É a terceira, porque é a regra do próprio microssistema processual coletivo. Eu só aplicaria as demais, subsidiariamente, se não houvesse regra específica do microssistema. E toda doutrina vem nesse sentido. O art. 5º, da Lei de Ação Popular, inclusive, fala no juízo universal da ação popular. Apesar disso, você vai encontrar no STJ alguns precedentes antigos mandando aplicar a regra do art. 106 e do 219, do CPC. Não se assustem se trombarem com algo desse gênero. Tem que aplicar a regra da distribuição! No caso da Vale, o que recebeu a primeira inicial de ação popular será o juízo prevento. Todas as demais ações deverão ser encaminhadas para ele.

8. COMPETÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

Não se aplica o que eu vou falar aqui ao MS coletivo porque o MS coletivo tem regras próprias de competência. Que, aliás, já vimos. Há um mundaréu de foro privilegiado (top julga top). Regras próprias que não podem ser aplicadas nos demais processos coletivos.

8.1. Critério Funcional Hierárquico

O critério funcional hierárquico prevê o foro privilegiado. E o que é o foro privilegiado? Foro por prerrogativa de função. O julgamento começa nos tribunais. A regra geral do processo coletivo no aspecto do foro privilegiado é a seguinte: tirando MS coletivo, as ações coletivas todas são julgadas em primeira instância. Não há foro privilegiado em ação coletiva. E se a ação popular for contra o Presidente da República? Primeira instância. E se for ação de improbidade contra o Presidente da República? Se couber (a maioria diz que não cabe), primeira instância. Ação Civil Pública contra o Papa Bento XVI, se couber, primeira instância. Não tem foro privilegiado em sede de processo

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coletivo, não importa o status da autoridade. Há, no entanto três observações a serem feitas aqui.

1ª Observação: Houve uma tentativa de se criar foro privilegiado para as ações de improbidade administrativa. Essa tentativa veio com o art. 84, do CPP. Eles queriam fazer com que o réu da improbidade fosse julgado pelo mesmo foro do crime. Então, o Presidente seria pelo STF, o prefeito pelo STJ, o governador pelo STJ. Essa tentativa não vingou porque o STF, no julgamento da ADI 2797 (julgada em 2005) declarou inconstitucional esse dispositivo, que foi acolhida sob o fundamento de que só a Constituição pode prever regra de foro privilegiado.

2ª Observação: “De acordo com Hugo Nigro Mazilli, nas ações coletivas que envolvem perda de cargo, a competência para julgá-las ainda é de primeiro grau, mas o juiz não poderá decretá-la se a Constituição Federal prevê forma diversa de desinvestidura.” Hugo Nigro Mazilli é adepto de que a improbidade administrativa cabe contra agente político. O fato é que tem muita gente que admite improbidade administrativa contra agente político (prefeito, governador, Presidente). A única ressalva que Hugo Mazilli faz é que a competência é de primeira instância. Quem julga o Lula por improbidade administrativa é um juiz de primeira instância. O juiz pode decretar todas as sanções, menos a perda do cargo. Por quê? Porque o presidente, o governador, o prefeito, os próprios membros do parlamento têm formas de desinvestidura previstas na própria CF. Como o Presidente da República perde o posto? Impeachment. Um juiz de primeira instância, que não foi nem eleito pela população, vai ter o poder de tirar do cargo um caboclo que teve milhões de votos?

3ª Observação: “O STF, entretanto, já indicou que se for admitida improbidade administrativa contra Ministro do STF, só ele pode julgar.” Foi um pronunciamento que teve numa Catalogação PET 3211/DF. Eles não admitiram o cabimento da improbidade contra o Gilmar, mas disseram que se coubesse, quem poderia julgar seria o próprio STF. Essa seria uma exceção à regra da primeira instância.

8.2. Critério Material

È o critério do assunto. Estabelece, com todas as letras, que temos que investigar a competência da justiça: eleitoral, do trabalho, federal e justiça estadual. O que se investiga, portanto, é: sabendo que a ação vai ser ajuizada em primeira instância, qual será a justiça que vai julgar?

Cabe ACP, ação coletiva na justiça eleitoral? Em princípio, cabe. É possível, desde que o tema, a causa de pedir esteja no art. 121, da CF, que é o artigo que trata da competência da Justiça Eleitoral, haveria a

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competência da Justiça Eleitoral para julgar ACP. Eu não conheço nenhuma. Nunca achei, mas pode.

E a competência trabalhista para ACP, pode? Hoje é muito comum ACP na área trabalhista para discutir meio ambiente do trabalho. Há uma súmula do STF, que é a Súmula 736, que é bastante clara no sentido de que caso se discutam questões relacionadas à segurança e à higiene do trabalho, a competência é da Justiça do Trabalho.

STF Súmula nº 736 - DJ de 11/12/2003 -Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

A briga braba está entre as justiças comuns estadual e federal. O critério para definir a competência entre federal e estadual é extremamente seguro: critério do interesse. O que disciplina a competência da justiça federal é o art. 109, da CF. E esse artigo estabelece que a justiça federal julga causas em que há interesse da União, autarquias federais, empresas públicas federais. Então, no processo coletivo você usa o critério do interesse e não do bem e não do pedido e não da causa de pedir. Você usa o critério do interesse da parte, porque é ele que define a competência da justiça federal. Se eu tenho um rio que corta dois Estados, ele pertence à União (art. 20, da CF). A competência será federal? Depende é a resposta. Depende se um órgão daqueles (União, autarquias, empresas públicas) tem interesse no processo. Não é o bem que define. Se o IBAMA vier ao processo e falar: “não tem interesse porque o dano foi local, só pegou a margem”, a competência é da justiça estadual, ainda que o bem seja da União. O mangue, de acordo com a CF é bem da União.Poluíram o mangue. De quem é a competência? Depende. Depende de o órgão vir e manifestar interesse no processo, ou ser parte. Do contrário, a competência não será da Justiça Federal. Então, não dá para estabelecer uma regra. Nos processos coletivos ambientais, quando o promotor entra com a ação, o primeiro despacho do juiz será: “intime-se o IBAMA para manifestar o interesse.” Uma coisa é fato: existe uma súmula do STJ que diz que quem define se há ou não interesse do órgão federal é o único cara que pode julgá-lo, que é a própria justiça federal, já que é ela que vai julgar o cara:

STJ Súmula nº 150 - DJ 13.02.1996 - Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.

Voltando ao “intime-se o IBAMA”. Ele diz que tem interesse. Eu, juiz estadual, lavo as mãos e mando para a federal. Chegou lá, o juiz federal criou caso: “o dano é local. Não vejo o interesse do IBAMA.” O juiz federal exclui o

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IBAMA e me devolve o processo. Ao me devolver o processo, o que eu faço: julgo. Não posso suscitar conflito porque não se trata de conflito. Quem tem que decidir sobre interesse é ele. Cada macaco no seu galho.

8.3. Critério Valorativo

O valorativo é o critério que hoje só tem utilidade para definir a competência dos juizados especiais no âmbito nacional. No âmbito local, isso é definido com base no valor da causa. Aqui fica uma observação muito clara: de acordo com o art. 3.º, I, da Lei 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Federais) não cabe nenhuma ação coletiva no âmbito dos juizados especiais. Por essa razão, esse critério não serve para nada. Aliás, o único critério que tem utilidade aqui é o material, que é o que define o critério de competência eleitoral, trabalhista, federal ou estadual.

8.4. Critério Territorial

É o critério que define o local, onde vamos ajuizar a ação. Esse critério vamos deixar para a próxima aula porque é um pouco mais longo.

Novidades legislativas – não têm a ver com processo coletivo, mas com processo civil. Como são matérias que eu dei, tenho que avisar. Duas leis alteraram o CPC:

1. Lei 12.122/09 (de 15/12/09) – Essa lei alterou o art. 275, do CPC, que é o que trata do procedimento sumário. A gente adota dois critérios para definir o cabimento do procedimento sumário:

Valor – Qualquer causa até 60 salários-mínimos Assunto – Causa de pedir (aí não tem teto. É qualquer valor) elencadas pelo inciso II.

A grande novidade é que agora o art. 275 ganhou uma nova alínea: “g”. Hoje causas que versem sobre revogação de doação, não importando o valor, obedecerão ao procedimento sumário.

Art. 275 - Observar-se-á o procedimento sumário: I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do

salário mínimo; II - nas causas, qualquer que seja o valor: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao

condomínio;c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;

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d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;

e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo ressalvados os casos de processo de execução;

f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;

g) que versem sobre revogação de doação; (Acrescentado pela L-012.122-2009)

h) nos demais casos previstos em lei. (Alterado pela L-012.122-2009)

2. Lei 12.125/09 (de 16/12/09)

Trata dos embargos de terceiro (também um dos temas que trabalhamos aqui). Eu lembro de ter feito o seguinte comentário: o art. 1.050, do CPC estabelece que nos embargos de terceiro, o autor da ação principal é réu. Vou dar um caso de execução que fica mais fácil: eu sou exequente, você é réu (devedor). O terceiro é o dono do carro que eu penhorei. Esse terceiro opõe os embargos de terceiro contra o autor da execução que é quem requereu a penhora do veículo. Eu disse que, de acordo com o sistema, eu, que sou réu dos embargos de terceiro, tenho que ser citado pessoalmente para os embargos de terceiro porque se trata de uma ação. E que, portanto, eu não poderia ser citado na pessoa do meu advogado. Na prática, você manda citar o réu nos embargos (autor da execução) na pessoa de seu advogado. O cara já tem advogado constituído! Eu faço isso direto. O art. 1.050, § 3º agora estabelece que a citação será pessoal se o cara não tiver advogado constituídos nos autos. Ou seja, a prática mudou a lei. Em bom Português, o que o novo art. 1.050, § 3º está dizendo? Se o autor da execução, réu dos embargos, tem advogado, a citação vai ser feita na pessoa do advogado. Se, eventualmente, ele não tem advogado, aí você faz a citação pessoal. É uma novidade que só pôs a prática na lei.

Art. 1.050 - O embargante, em petição elaborada com observância do disposto no Art. 282, fará a prova sumária de sua posse e a qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas.

§ 1º - É facultada a prova da posse em audiência preliminar designada pelo juiz.

§ 2º - O possuidor direto pode alegar, com a sua posse, domínio alheio.§ 3º A citação será pessoal, se o embargado não tiver procurador constituído nos autos da ação principal. (Acrescentado pela L-012.125-2009)

Eu estava falando sobre competência. A gente viu o critério funcional hierárquico (todas as ações coletivas são processadas em primeira instância, tirando o mando de segurança coletivo que tem regra própria). Depois, conversamos sobre o critério material (da causa de pedir. Dependendo do assunto, a ação pode correr na justiça trabalhista e eleitoral. Para definir a competência da justiça federal não interessa o assunto, mas a parte). Depois falamos do critério valorativo (valor da causa. Isso só serve para definir a

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competência dos juizados especiais. Não cabe ação coletiva no âmbito dos juizados especiais. O critério valorativo, portanto, não serve para nada no âmbito do processo coletivo).

Hoje, retomo de onde havia parado. Deixei em aberto o critério territorial, que é o critério do local, de qual comarca ou subseção judiciária será ajuizada a ação coletiva. Em momento anterior, já ficou definido, pelo critério material, qual a justiça competente (eleitoral, trabalhista, federal ou estadual). O que resta definir é o seguinte: é na estadual? De onde? SP, Salvador, Curitiba? É federal? De onde?

Há duas posições a respeito da definição territorial no âmbito do processo coletivo.

1ª Posição

Sustenta que a todos os interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) se aplica o art. 93, do CDC, simplesmente por causa do microssistema processual coletivo (normas centrais: LACP e CDC que se comunicam e interagem que ainda são aproveitáveis outras leis que circundam o tema).

Art. 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

E o que quer dizer o art. 93, do CDC? Ele vai dizer o seguinte:

Dano local – Competência é do local do dano. Uma propaganda enganosa na comarca de Piriri da Serra. É um direito difuso. A ação para obstar é ajuizada em Piriri da Serra. Dano ambiental em terreno em SP. A ação será ajuizada na comarca de SP. Se for um dano de interesse da União, na justiça federal, caso contrário, será na justiça estadual. Essa é a regra mais fácil.

Você tem que tomar muito cuidado com uma Súmula do STJ que foi revogada e eu queria que você anotasse:

STJ Súmula nº 183 - DJ 31.03.1997 - Cancelada - CC n. 27.676-BA -08/11/2000 - Compete ao Juiz Estadual, nas Comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo.

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Essa súmula dizia que onde não tivesse justiça federal, quem julgaria a ação coletiva (para qualquer assunto) seria a justiça estadual. Seria uma nova hipótese de delegação de competência da justiça federal para a estadual, como acontece no art. 109, § 3º, da CF (previdenciário). Esse dispositivo diz que nas comarcas onde não haja justiça federal, quem julga os processos previdenciários é o juiz estadual.

§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

A Súmula 183 falava algo parecido. Qual o raciocínio que se fazia: como se trata da competência do local do dano, quem tem que julgar é o juiz que está no local do dano. E se não tem justiça federal, quem julga é o juiz da justiça estadual, seguindo essa regra. Por que o STJ revogou essa súmula, declarando o seu cancelamento? Pelo seguinte: a definição sobre se é da federal ou estadual foi feita no momento anterior da análise da competência. Para definir a justiça, o critério usado é o material e não o territorial. O principal fundamento do cancelamento foi o seguinte: ainda que não haja sede da justiça federal naquela cidade, algum juiz federal tem competência sobre aquele território. Exemplo: em Sumaré (SP) não tem justiça federal. Por isso um juiz federal não poderá apreciar nada que envolva Sumaré? Isso é errado. A área territorial da justiça federal de Campinas abrange vários municípios, inclusive, Sumaré. Então, se tiver m dano ambiental em Sumaré e a União tem interesse porque o bem é dela quem julga é a justiça federal que abarca o território de Sumaré: a de Campinas. Sempre haverá um juiz federal com competência territorial sobre a cidade, ainda que a sede do juízo federal não seja na cidade. Então, muito cuidado com a Súmula 183, do STJ. Não existe no Brasil mais nenhuma ação coletiva julgada por juiz estadual quando a competência é da justiça federal, ainda que no local do dano não tenha justiça federal.

A primeira posição vem agora e diz o seguinte: dano local, local do dano.

Dano estadual – Que é o que o art. 93 do CDC chama de dano regional, a competência vai ser da capital do Estado. Se o dano é em todo SP, a competência vai ser de SP. Se eu tenho um dano em MG todo, a competência vai ser de BH, porque pega a capital do estado. Foi opção legislativa. O legislador achou que o juiz da capital tem melhores condições de julgar esse processo. E, nesse caso, a decisão tem que valer para o Estado inteiro porque é o juiz competente para apreciar toda a extensão desse dano.

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A terceira observação, sobre essa primeira posição que diz que para todo interesse metaindividual se aplica o CDC é sobre:

Dano nacional – Ou seja, dano que pegue o Brasil inteiro, acompetência vai ser do DF ou da capital de qualquer dos Estados envolvidos.

Aqui, entretanto, quanto a essa primeira posição (para todo e qualquer interesse metaindividual se aplica o art. 93, do CDC e essas três regrinhas), existe uma derradeira crítica, que pode ser feita a essa posição a partir da leitura do art. 93, do CDC. E a crítica a respeito do art. 93, do CDC é a seguinte: a lei usa expressões como dano regional, dano de âmbito nacional e dano de âmbito local. O grande problema desse dispositivo é que não define o que é um dano local, regional ou nacional. Não há um critério de definição de dano. Como não há definição do que é um dano local, regional e nacional, surgem algumas situações bizarras e que não dá para indicar a regra de competência a ser aplicada.

Um dano abrangendo duas comarcas contíguas é regional ou local? É local? Qual das duas comarcas vai apreciar? Se o dano é considerado regional, vai para a capital. O que a capital do Estado tem a ver com um dano que aconteceu a 300 km de distância dela?

O dano pegou os estados de SP e MG. É um dano regional ou nacional? Se você fala que é dano estadual, a competência é da capital do Estado. Qual? Mas se você responde que é nacional, a competência é do DF. O que o DF tem a ver com isso se o dano só atingiu MG e SP?

Deu para perceber a falha do critério do art. 93, quando ele não define o critério nacional, regional e local? Por isso, por essa falta de definição, a crítica que é feita.

Mas como resolver esse problema? A doutrina indica que para resolver essa crítica, embora seja uma meia resolução do problema (e eu estou aqui hoje mais para apresentar o problema do que a solução) você usa as regras de prevenção. A doutrina tem indicado que têm que ser utilizadas as regras de prevenção. E isso significa que se Franca, Ribeirão Preto e Patrocínio Paulista foram atingidos pelo dano, se a primeira ação caiu em Patrocínio, está prevento. O juiz da comarca de Patrocínio vai apreciar todo o dano, inclusive o que atingiu Franca e Ribeirão Preto. Se no caso de SP e BH uma ação foi ajuizada primeiramente em BH, BH está prevento e a decisão ali proferida vai valer também para o Estado de SP. Enfim, a única maneira de solucionar, ainda que precariamente, seria pela regra da prevenção. E isso na primeira posição.

Um último alerta sobre a primeira posição: no estudo da competência você aprende que a competência pode ser absoluta (o juiz age de ofício sob pena de nulidade) ou relativa (o juiz age por provocação, sob pena de

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prorrogação). A regra absoluta utiliza o critério funcional e material e a relativa utiliza o critério valorativo e territorial. Isso é só um lembrete. Entretanto, essa regra do art. 93 é para proteger, em regra, o interesse público. Apesar de a prevenção ser uma regra de competência territorial, é uniforme na doutrina o entendimento que se trata de um critério de competência absoluta.

“Ah, Gajardoni, quer dizer que se o juiz de Patrocínio Paulista julgar uma ação de âmbito nacional, ele fica prevento?” Não! Aí é nulo! Por quê? Porque violou uma regra de competência absoluta, já que dano de âmbito nacional quem pode julgar é só capital do Estado ou Distrito Federal. Trata-se daquilo que alguns autores chamam de competência territorial funcional. Eu prefiro muito mais a nomenclatura competência territorial absoluta. Mas não tem problema. Alguns autores usam “territorial funcional” e estamos falando exatamente a mesma coisa. E o que é importante saber? Que essa regra é obrigatória. Violou, gera nulidade no processo.

2ª Posição

A segunda posição aceita uma distinção. Na primeira posição, para todos os interesses metaindividuais, aplica-se o art. 93, do CDC. A segunda posição traz uma distinção. Para alguns autores:

Quando se tratar de interesses difusos e coletivos, a regra é a do art. 2.º, da Lei de Ação Civil Pública. E o que diz a regra do art. 2º? Local do dano.

Entretanto, se se tratar de interesse individual homogêneo, a regra é a do art. 93, do CDC.

Para essa posição, é feita uma distinção entre o tipo de interesse metaindividual em jogo. Se for difuso e coletivo é o local do dano. Então, por exemplo, um rio corta 4 cidades. Onde será o processo? No local do dano. E onde foi o local do dano? Nas quatro cidades. Portanto, quem julga é qualquer uma dessas 4 cidades. Define por prevenção. Ainda que sejam 6 cidades afetadas e se considere que esse dano tenha sido um dano estadual, a competência não vai apontar para a capital do Estado porque o interesse é discutido é difuso. Não é um interesse individual homogêneo. Portanto, não se aplicaria a regra do art. 93, do CDC, mas a do art. 2.º, da Lei de ACP. E esse dispositivo diz o seguinte:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Não tem que verificar se o dano é nacional, regional. Agora, se for individual homogêneo, tipo caderneta de poupança, o dano seria variável

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conforme sua extensão. A competência se definiria conforme a extensão do dano. Então, se for caderneta de poupança, dano nacional, capital de qualquer dos Estados ou DF. Não teria que verificar onde aconteceu o dano.

Importante verificar nessa posição o seguinte: lembra que quem adota a primeira diz que sempre a regra de competência é absoluta. Aqui, não. Para a segunda posição:

Se se tratar de difusos e coletivos, a regra do local do dano é absoluta (se o juiz que não é o do local do dano julgar o processo, haverá nulidade);

Se se tratar de individuais homogêneos, a regra do local do dano é relativa. Se for interesse individual homogêneo e for inobservada a regra do art. 93, isso geraria apenas um vício relativo, de modo que se ninguém alegar, a decisão proferida pelo juiz seria uma decisão válida.

Quem adota essa segunda posição, entre outros, é o professor Hugo Nigro Mazzilli. De qualquer maneira, estabelecidas essas duas posições, a primeira posição é dominante. É largamente dominante na doutrina, apesar das críticas que podem ser feitas a ela, em especial por não definir o que é dano local, regional e nacional.

Para encerrar competência, lembra que eu analisei quatro critérios? Vou inaugurar o último item, que trata do art. 16, da Lei de ACP.

8.5. A questão do art. 16, da Lei de Ação Civil Pública e do art. 2º-A, da Lei 9.494/97

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)

Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Ele diz que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes. Isso a gente já tinha visto quando eu falei de coisa julgada. Só que fala em “nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Está, com isso, dizendo que se o juiz de uma comarca ou de uma subseção judiciária julgar um processo coletivo,

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a decisão só vale no território que o magistrado tem competência. Em bom Português significa dizer que se o juiz de SP determinar tratamento de Alzheimer para todo mundo que tem a doença, a decisão só vale para quem mora na comarca de SP. Se o cara mora em Campinas e tem Alzheimer, a consequência é que essa decisão não pode ser aproveitada por ele. Se a defensoria pública entra em Curitiba com uma ação para discutir poupança, a decisão só valeria para os moradores de Curitiba e comarcas respectivas. Se você morar, por exemplo, em Jacarezinho, que não é comarca de Curitiba, não poderia se beneficiar.

Eu acho que todos concordam que o motivo da alteração desse art. 2º-A, que era uma MP que depois virou lei, é um só: diminuir o alcance do processo coletivo. A finalidade é diminuir o alcance do processo coletivo. Sobre esse dispositivo, art. 16, da Lei de Ação Civil Pública, o seu significado no sentido que deverá haver um monte de ações coletivas para resolver o mesmo problema, nós temos que verificar o que diz a doutrina a respeito do tema e depois o que diz a jurisprudência. A gente vai perceber que vão andar totalmente separadas.

a) Posição da doutrina

A doutrina, de modo uniforme (é uma das poucas unanimidades que temos dentro do processo coletivo) diz que esse dispositivo é inconstitucional e é, ao mesmo tempo, ineficaz. E por que seria inconstitucional e ineficaz? Seria inconstitucional por violar a proporcionalidade. Em algum momento da sua carreira acadêmica você estudou que a proporcionalidade é um corolário do devido processo legal, de modo que se você viola a proporcionalidade, viola o devido processo legal. E qual é o sentido lógico do processo coletivo? É resolver o problema de forma coletiva, de bacia. Se eu digo que a decisão no processo coletivo só vale nos limites territoriais, a consequência prática é que eu estou individualizando algo que deveria ser coletivizado. Eu estou fazendo um caminho contrário ao que se prega no processo coletivo. Então, o dispositivo seria desproporcional e inconstitucional nessa medida: na medida em que individualiza algo que deveria ser coletivo.

A doutrina diz que esse dispositivo é ineficaz porque não alterou os arts. 93 e 103, do CDC. O art. 16 diz que a decisão só vale nos limites territoriais do órgão prolator. O art. 103, do CDC, diz que a decisão tem eficácia erga omnes e não coloca “nos limites de competência territorial do órgão prolator.” Lembra do microssistema? Se tem uma restrição aqui eu vou beber em outra norma. E eu bebo o art. 103 e observo que lá não está escrito que a decisão só vale nos limites territoriais do órgão prolator. A consequência prática é que, apesar da restrição do art. 16, ela se torna inútil porque o art. 103 não fala nos limites.

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Na verdade, a doutrina dirige essas críticas e diz que o dispositivo é inconstitucional e ineficaz. Nelson Néri Jr. Teve uma sacada fantástica e faz uma observação arguta, que eu quero repetir: ele diz que o legislador no art. 16 ele confundiu dois institutos jurídicos. Quais? Competência e coisa julgada. Ele diz que misturou alhos com bugalhos. E para provar isso, ele dá o seguinte exemplo que dissipa qualquer dúvida: se eu, individualmente, me separar da minha esposa em Franca, quando eu saio de Franca e vou para Ribeirão Preto, eu posso me casar de novo (a decisão do divórcio vale em qualquer lugar). Isso no processo individual. O que o legislador está fazendo aqui é a mesma coisa, só que no processo coletivo. Competência é uma coisa. Coisa julgada é algo completamente diferente. E ele ainda traz um outro argumento que mostra o quão absurda é a regra: a sentença brasileira pode valer no estrangeiro. Claro que pode. A sentença brasileira pode até valer no estrangeiro, mas se for proferida em processo coletivo, não vale na comarca do lado. Não tem sentido. E essas são as críticas que a doutrina dirige. Infelizmente a doutrina não manda, mas a jurisprudência.

b) Posição da jurisprudência

STJ – A jurisprudência no âmbito do STJ está uniformizada por conta de um precedente absolutamente recente. A Corte Especial do STJ, que é a corte que uniformiza a jurisprudência no âmbito do próprio STJ, no EREsp 399357/SP (de 05/10/09), entendeu que esse dispositivo é constitucional. Portanto, a Corte Especial entendeu, uniformizando a jurisprudência do STJ, que esse dispositivo é absolutamente constitucional, ou seja, vale a limitação territorial, de modo que o legislador pode, sim, dizer que uma determinada decisão só vale em determinados limites territoriais. Os argumentos que sustentam essa posição do STJ são muitos simples: o legislador não tem que ser técnico, o legislador não tem que se preocupar com a diferença entre coisa julgada e competência. Ele pode fazer isso por opção política. E a opção política do nosso legislador foi falar que a decisão coletiva só vale nos limites territoriais do órgão prolator.

EREsp 399357 / SP - Ministro FERNANDO GONÇALVES - Órgão Julgador S2 -SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 09/09/2009 Data da Publicação 14/12/2009 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.

(Obs.: Fui lá no site pegar o julgado. Mas será que é esse mesmo?? A data não coincide e onde está dito que isso foi julgado pela Corte Especial? Seria Segunda Seção da Corte Especial?? Realmente, fiquei sem saber...)

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Antes desse precedente, você encontrava no STJ julgados dizendo que não aplica os efeitos do art. 2º-A da Lei 9.494/97, ou seja, já havia julgados antes desse dizendo que era inconstitucional esse dispositivo. E a principal artífice desses julgados era a Ministra Nancy Andrighi, que a doutrina estava certa, que não dava para confundir competência com coisa julgada. Mas essa posição foi afastada por conta da uniformização de jurisprudência pela Corte Especial do STJ. Dá para tentar salvar alguma coisa dessa decisão do STJ para tentar melhorar o processo coletivo? Dá. Eu não deixaria de anotar que essa decisão deixou, entretanto, uma brecha. E qual é a brecha? O art. 512, do CPC, que fala do efeito substitutivo do julgamento pelo tribunal. Em bom Português, ele estabelece se, eventualmente, a decisão for proferida pelo tribunal como julgamento do recurso, o acórdão faz o quê? Substitui a sentença. E se o STJ julgar o recurso? O acórdão do STJ substitui o acórdão do TJ, do TRF. E se o STF julgar o recurso? O acórdão do STF substitui o acórdão do STJ que houvera substituído o do juiz do primeiro grau. Quem julgar por último substitui.

Art. 512 - O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

Olha a brecha que o STJ abriu: se, eventualmente, quem julgar o processo for um tribunal, como o TJ, o TJ tem uma competência territorial sobre o Estado. O TRF, por exemplo, da 3ª Região, tem competência territorial em SP e MS. Quando o juiz em SP profere uma decisão em ação coletiva, você recorre para o TJ. Bateu no TJ e o TJ mudou, o acórdão substitui a sentença. A competência territorial do TJ é sobre todo o Estado. A decisão que só valia para SP passa a valer para todo o Estado. E se for do STJ? O STJ apreciou o mérito. A decisão teria âmbito nacional, pois valeria nos limites territoriais do órgão prolator. E a competência territorial do STJ é nacional. No caso do TRF, dois ou três estados. Então, esse caso do STJ é um caso de poupança. A defensoria do RS tinha entrado com uma ação para discutir poupança. Julgou em primeiro grau. Perdeu. Julgou em segundo grau. Ganhou. A decisão vale para o Estado inteiro. Só para o RS.

Sabe o que vai começar a acontecer a partir desse entendimento do STJ? Eu entro em SP, perdi, faço a seguinte avaliação: vale a pena recorrer? Se o tribunal, mantiver, vai valer para o Estado inteiro. Então, olha que situação esdrúxula. O efeito do tribunal apreciar e manter a sentença pode ser pior do que se eu ficar quieto. Esquisito. É a brecha que o STJ deu.

Com essas considerações espero ter resolvido o problema do art. 16, da Lei de Ação Civil Pública. Mas qual posição adotar no concurso? Depende. Se for uma prova da defensoria, MP, desce o porrete nesse artigo. Mas se for uma prova para AGU, você vai falar que esse art. 16 é o melhor dispositivo que existe no mundo. Se adotar a posição do STJ é mais fácil depois de conseguir anular a questão. Eu sempre sigo a jurisprudência para prestar concurso. No caso de prova aberta, é preciso pensar politicamente.

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Vamos ao último item da aula de teoria geral do processo coletivo.

9. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA COLETIVA

Julgou o processo, ganhei. E daí? O que eu faço com a sentença coletiva? Para eu poder explicar isso, vou dividir a exposição em três partes. Primeiro vamos ver a execução e liquidação da sentença nos difusos e coletivos, ou seja, nos direitos naturalmente coletivos, utilizando a classificação do professor Barbosa Moreira.

9.1. Liquidação e execução da sentença nos difusos e coletivos

Existem dois tipos de execução nos difusos e coletivos: execução da pretensão coletiva e a execução da pretensão individual na hipótese de a sentença ser proferida no processo em que se discutem direitos difusos e coletivos.

a) Execução da pretensão coletiva

Eu queria pegar vários exemplos de difusos e coletivos, aqueles que têm natureza indivisível. Então, vamos usar o exemplo tradicional, só para a gente ter como apoiar os argumentos que vou utilizar. Vamos supor que é um caso de dano ambiental. Poluir determinado rio. Feito isso, é preciso fazer algo para despoluir aquele rio. Então, o exemplo que vamos utilizar é esse. Julgou procedente a ação. Mandou o caboclo despoluir o rio e reparar o dano ao meio ambiente pagando uma quantia de 5 milhões de reais. Essa foi a sentença proferida no processo de tutela de interesses difusos e coletivos. A execução da pretensão coletiva será feita com base nos 5 milhões. Eu tenho 5 milhões para receber. Quem tem a legitimidade para poder ajuizar essa execução coletiva? Está no art. 15, da Lei de ACP, que é um artigo que já estudamos quando falamos do princípio da indisponibilidade da execução coletiva. Você lembra quem pode executar uma sentença coletiva? O autor. Se o autor não executar em 60 dias do trânsito em julgado, quem executa é qualquer outro legitimado ou o MP.

Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

Então, na execução da pretensão coletiva, teremos

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Autor Qualquer legitimado Ministério Público

Esses são os caras que podem propor a execução para receber os 5 milhões de reais de indenização. Para quem vai esses 5 milhões de reais. Quem é o destinatário dessa grana? Quem vai levar essa bolada? A resposta a isso é algo criado pela Lei de ACP no art. 13: vão para um fundo, que é um fundo de reparação de bens difusos e coletivos lesados.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

Eu quero falar brevemente sobre esse fundo. O art. 13 estabelece a criação de um fundo e parece que é um fundo só, mas na verdade, são dois grandes grupos: há o fundo federal e o fundo estadual. O federal são para as verbas das ações ligada à justiça federal e o estadual, cada Estado tem o seu. Dentro de cada um desses fundos há ainda subdivisões: fundo de crianças, fundo de idosos, de adolescentes, fundo de consumidor. Cada tipo de condenação, a verba vai para uma conta diferente. A lei que regulamenta o fundo federal (no caso do estadual, cada Estado tem a sua lei regulamentando cada um dos fundos), é a Lei 9008/95. Essa lei regulamenta o Fundo Federal de Reparação de Danos. Todos esses fundos são muito parecidos e o que você em que saber sobre eles é a finalidade: para reparação de bens lesados. Significa que esse dinheiro vai ser utilizado para reparar os bens, fazer campanhas educativas, etc. Como é gerido esse fundo? Está tudo na lei. E é um fundo gerido pela sociedade civil, pelo MP. Tem representantes de um monte de órgãos e são eles que decidem para onde vai esse dinheiro.

A grande crítica que se faz a esse fundo é que esse dinheiro é sub-aproveitado. Você manda o dinheiro para o fundo e ele fica lá parado. Perde a agilidade por conta da burocracia. Para levantar o dinheiro depois é um parto (tem que seguir os trâmites orçamentários, etc.). E o fundo tem se mostrado um grande problema. Mas, por hora é assim. No projeto, que vai virar a nova Lei de ACP, esse fundo vai ter pouca importância porque está previsto que, diante de um dano à coletividade, o dinheiro vai ser aplicado naquela coletividade levada. O dinheiro vai para despoluir aquele rio poluído. Vai direto e o juiz e o promotor vão fazer uma licitação para que, com aquele

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dinheiro, se consiga despoluir o rio. Só em última hipótese é que vai mandar o dinheiro para o fundo.

Para fechar a execução da pretensão coletiva, vamos falar da competência:

A regra de competência para a execução da pretensão coletiva: processo sincrético. Onde você acha que corre a execução quando a sentença coletiva for proferida nos difusos e coletivos. O juiz da condenação é o mesmo da execução. Juízo da condenação. Portanto, na execução da pretensão coletiva, a legitimidade é do autor, qualquer legitimado e MP; o destinatário é o fundão e a competência é do juiz da condenação.

Mas existe um outro tipo de execução da sentença proferida nos difusos e coletivos, que é a execução da pretensão individual.

b) Execução da pretensão individual

Atenção! Esta execução da pretensão individual é frutos dos arts. 103, § 3º, do CDC e é representativa daquilo que você já estudou comigo que é a questão do transporte in utilibus da coisa julgada que tem previsão no art. 103, § 3º, do CDC.

§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24/07/1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.

O juiz do processo coletivo julga procedente a ação e o indivíduo pega a sentença coletiva e se beneficia dela. Uma poluição no rio, além de lesar o rio, pode ter atingido também um monte de pescadores ribeirinhos. O pescador ribeirinho pode pegar uma cópia da sentença coletiva e executar a pretensão individual dele, para receber uma indenização pelo período que ele ficou sem pescar. E isso e execução da pretensão individual: é pegar uma sentença dos difusos e ver, na medida do que se aplica, qual o prejuízo que eu, individualmente, sofri.

Legitimidade – Quem vai poder executar a pretensão individual? Aqui, não se trata de uma ação ou de uma execução coletiva, mas de uma execução de uma pretensão individual. Portanto, quem executa são asa vítimas e os sucessores.

Essa execução é um pouco diferente porque na anterior já havia um valor fixo: 5 milhões: “indenize o meio ambiente em 5 milhões.” Eu quero pegar

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essa sentença e, com base no comando dela (que é o que diz que a pessoa foi culpada pela poluição do meio ambiente) e transformar aquilo em um valor para mim. Portanto, nesse caso, eu preciso proceder a uma liquidação da sentença genérica. Eu tenho que proceder a uma prévia liquidação da sentença genérica.

Essa liquidação que é feita no processo coletivo é um pouco diferente das liquidações do CPC. A liquidação de sentença serve para apurar o quantum debeatur. Na sentença individual, eu só apuro o valor. Aqui muda. Quando há uma liquidação de sentença genérica coletiva, ela serve para, não só apurar o quantum, como também serve para apurar o an debeatur. Como assim, an debeatur? O pescador vai ter que provar, antes de mais nada, que é pescador, que pesca naquele rio para, só depois, verificar o quantum. Então você percebe que quando se trata de liquidação de sentença genérica, é uma liquidação um pouco diferente porque você só não prova o quantum, mas o an debeatur. Por isso, a gente poderia parar de usar a expressão “liquidação de sentença” quando se tratar de processo coletivo, para não confundir a liquidação aqui, com aquela liquidação do CPC. Seria muito melhor usar que expressão aqui? Habilitação. Essa seria uma expressão muito mais adequada para designar esse fenômeno que é um fenômeno distinto do fenômeno do processo individual. Se eu usar a habilitação, eu resolvo esse problema e mostro, para quem está de fora, que estou falando de um instituto que não é apenas para discutir o quantum, mas para discutir também o an debeatur.

Mas se você não concorda e quer usar a palavra “liquidação”, pelo menos faça como faz o Dinamarco. Ele fala que gosta da expressão liquidação e vai continuar usando, mas para diferenciar, ele chama a liquidação da sentença genérica de liquidação imprópria.

Destinatários – Liquidou, provou que é pescador, provou que ficou sem pescar um mês. Conseguiu apurar um valor de 50 mil reais (caro esse peixe!). Quem vai receber essa grana? Não é o fundo porque o dano é individual. Quem recebe são as vítimas e sucessores.

Competência – Quem vai julgar esse processo em que o pescador, pegando a sentença que condenou o réu a pagar 5 milhões ao meio ambiente, vem à justiça e prova que sofreu dano? Pode ser: ou o juízo do domicílio do lesado (art. 101, I, do CDC) ou o juízo da condenação (art. 98, § 2º, I, CDC):

Art. 101 - Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

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Art. 98 - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o Art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

§ 2º - É competente para a execução o Juízo: I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

O pescador pode vir até SP, pegar a cópia da sentença que condenou a empresa a pagar o valor de 5 milhões, voltar para São Sebastião e liquidar e executar em São Sebastião. Ou, se ele quiser, pode fazer isso em São Paulo porque a opção é da vítima e seus sucessores.

Com essas observações, eu encerro a execução e liquidação dos difusos e coletivos.

9.2. Liquidação e execução dos individuais homogêneos

Diferentemente do modelo anterior em que havia dois tipos de execução, aqui haverá três tipos de execução: execução da pretensão individual, execução da pretensão individual coletiva e a execução da pretensão coletiva residual.

a) Execução da pretensão individual

Essa é a mais fácil. Exemplo do Microvlar (pílula de farinha). Execução da pretensão individual significa que cada mulher vai pegar a sentença que condenou a empresa a indenizá-la. Note-se que no caso do pescador, a sentença condenou ao pagamento de 5 milhões para a defesa do meio ambiente e o pescador se beneficiou dela: transporte in utilibus. Aqui, não. Aqui a sentença já é para indenizar o indivíduo, condena a empresa a indenizar todas as mulheres que tomaram a pílula de farinha. A execução da pretensão individual tem previsão no art. 97, do CDC:

Art. 97 - A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o Art. 82.

Tudo o que eu falei no tópico anterior (item c de 9.1) é igual aqui. Legitimado para a pretensão individual: vítima e sucessores. Precisa de

liquidação aqui também? Claro. A mulher precisa provar que tomou a pílula de farinha e provar o seu prejuízo. Destinatários do dinheiro aqui: a vítima e sucessores. E quem julga? Ou o domicílio da vítima ou o juízo da condenação. É igualzinho. Não mudou nada.

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b) Execução da pretensão individual coletiva

A execução da pretensão individual coletiva tem previsão no art. 98, do CDC:

Art. 98 - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o Art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

§ 1º - A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2º - É competente para a execução o Juízo:I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de

execução individual;II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Vamos considerar as mulheres que tomara a pílula de farinha. A Joana vai lá e liquida: 10 mil, a Maria vai lá e liquida, 10 mil, a Joana vai lá e liquida, 20 mil, a Paula vai lá e liquida, 100 mil. Há cinqüenta mulheres e cada uma faz a sua liquidação individual.

O problema é que elas se sentem mais fortes na hora de executar juntas. Então, o que é a execução da pretensão individual coletiva? É a execução das pretensões individuais já liquidadas em conjunto. As 50 mulheres vão até a associação, o MP e pede para esses órgãos executarem para elas, em conjunto, todas as liquidações individuais já feitas. É o que diz o caput do art. 98. A ideia, portanto, é bastante clara.

Quem executa a pretensão individual coletiva? Art. 82:

Art. 82 - Para os fins do Art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;III - as entidades e órgãos da Administração Pública, Direta ou Indireta,

ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesados interesses e direitos protegidos por este Código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

Associação, MP, defensoria, órgão público, administração direta, indireta. É quem pode propor ação civil pública. Quem pode propor ação civil pública, pode propor ação coletiva e executa. Então, ele pega todas as liquidações de sentenças e faz uma execução só.

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O cara que está entrando com a ação está fazendo isso em nome próprio na defesa do direito alheio ou está, literalmente, executando o direito alheio em nome alheio? O que eu quero mostrar é que a doutrina aponta que essa hipótese aí é de representação. Não é legitimação extraordinária. Quando a defensoria pública vai executar a liquidação de cada uma das mulheres, o faz em nome das mulheres para a defesa do direito das mulheres. Então, aqui é típica hipótese de representação. Aqui, é igual à mãe que entra em nome do filho para pedir alimentos. A mãe age em nome do filho para postular direito do filho. Aqui também. O MP ou a defensoria age em nome das mulheres para executar direitos que são das mulheres.

Destinatários – Quem leva essa bolada? Para quem vai o dinheiro? Para as vítimas e sucessores. Aqui é direito individual homogêneo. É óbvio que o direito é do indivíduo. Não é difuso.

Competência – A regra de competência aqui é diferente porque a execução está sendo coletiva. A pretensão é individual, mas a execução é coletiva. Assim, só pode ser o juízo da condenação. Não tem como ser em outro lugar. Quem tem que executar a pretensão individual coletiva é o próprio juiz que proferiu a sentença condenando a Microvlar a indenizar todas as mulheres. O MP julga todas as sentenças de liquidação, faz um processo só e executa pelo próprio juízo da condenação. É assim que funciona essa bizarríssima execução da pretensão individual coletiva.

c) Execução da pretensão coletiva residual

Isso aqui é uma coisa que existe no Brasil e a previsão para esse monstrinho está no art. 100, do CDC. E isso nós herdamos do sistema norteamericano. Isso tem um nome lá e é bom você anotar porque eu já vi várias vezes em provas eles não se referirem a isso em Português. Chama-se fluid recovery.

Voltando ao exemplo da Microvlar. Quando o juiz condenou a empresa a indenizar todas as mulheres que tomaram a pílula de farinha, ele o fez à luz de uma estimativa de que entre 1.000 e 1.500 mulheres foram atingidas pelo evento (eu sei disso porque tive acesso aos autos). Passado 1 ano da data do trânsito em julgado, ele descobre que apenas 50 mulheres se habilitaram, liquidaram e executaram as pretensões individuais. Ou seja, quem sai no lucro? A empresa, já que não vai ter que indenizar as outras 950 mulheres que não apareceram ou não conseguiram provar que tomaram a pílula de farinha, o que é algo difícil de provar. O art. 100, do CDC, diz o seguinte:

Art. 100 - Decorrido o prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os

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legitimados do Art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único - O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

O juiz faz o cálculo da condenação por estimativa. Calcula tantos lesados, valor por lesado, multiplica isso e pronto. Qualquer dos legitimados coletivos executa e liquida fluidamente a reparação do que sobrou. Depois que pega essa bolada (a empresa não fica no lucro), manda o produto da indenização para o fundo.

“Fluid Recovery - A execução da pretensão coletiva residual, ou fluid recovery, é o fenômeno através do qual, não havendo habilitados em número compatível à extensão dos danos, permite aos legitimados coletivos apurar o valor supostamente devido e executá-lo a bem não mais dos indivíduos, mas sim da coletividade.”

A partir disso que eu ditei e está no art. 100, vamos fazer algumas observações:

Legitimidade – Quem faz a execução da pretensão coletiva residual? Quem é o autor dessa execução? Os legitimados do art. 82. Os caras que podem propor a ação coletiva podem fazer a execução da pretensão coletiva.

Destinatários – Para quem vai a bolada? Não dá para ser para o indivíduo porque eu não sei quem eles são. É o Fundão do art. 13.

Competência – Por ser uma execução coletiva (se fosse individual, cabível o domicílio da vítima), portanto, juízo da condenação (art. 98, § 2º, do CDC).

Critérios para a estimativa do valor devido:

O juiz vai fixar um valor supondo que esse seria o valor que as vítimas receberiam. Esse é o raciocínio. E o juiz usa dois critérios para definir a bolada:

Gravidade do dano – Quanto maior o dano, maior o valor (pílula de farinha é mais grave do que 20ml a menos no leite longa-vida porque não mexe com saúde pública).

Número de indivíduos habilitados e indenizados – É o segundo critérios. Se forem 1000 habilitados, eu não vou mandar a empresa pagar para os 1000 que já recorreram. Eu vou mandar pagar para os 500 que estão faltando. Agora, se forem só 50 habilitados, seria o correspondente a 1450 que estão faltando.

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9.3. Duas observações finais

Se for dano ao patrimônio público, o valor não é vertido para o fundo, mas para o próprio patrimônio público. O prefeito desviou verba, a empresa de licitação causou prejuízo. Devolve o dinheiro para a prefeitura.

No concurso entre a indenização de pretensões coletivas e individuais (a empresa que poluiu só tem dinheiro para pagar um: ou paga o pescador ou repara o meio ambiente), prevalece a pretensão do indivíduo. Existe uma opção política (art. 99, do CDC):

Art. 99 - Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Lei 7.347/85

1. PREVISÃO LEGAL E SUMULAR

A ação civil pública nasceu por conta do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/91. Esta lei está em vigor até hoje, bastante defasada porque várias leis a alteraram, mas foi a primeira lei que tivemos sobre meio ambiente, a Lei Nacional de Meio Ambiente. E o que tem de diferente nessa lei? É que ela criou um negócio que, até então, ninguém nunca tinha ouvido falar. Ela falava que, para a proteção do meio ambiente o Ministério Público ajuizaria uma tal de ação civil pública. Mas em 1981 ninguém tinha ideia do que era a ação civil pública. E você vai entender porque deram esse nome. E isso porque tudo o que o MP tinha até então era a tal da ação penal pública. E foi a maneira mais fácil de autorizar o MP a trabalhar no cível: criar uma corruptela e criar, paralelamente à ação penal pública, a ação civil pública. E o nome vem daí.

Art. 14, § 1º, da Lei 6.938/91 - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

E novos debates foram levados até o ponto que, no famoso congresso que aconteceu em Ibiúna, interior de SP, em 1993, nasceu o projeto de ação civil pública apresentado pelo MP de SP, por professores consagrados na área

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de direitos difusos e coletivos. O projeto foi apresentado com base num outro projeto feito pela Ada, Dinamarco e Kasuo Watanabi, os três de SP. E esse projeto apresentado pelo MP/SP, somado com o dos outros três, acabou se tornando a Lei de Ação Civil Pública, que é a Lei 7.347/85. Então, a partir do art. 14, § 1º, da Lei 6.983/81, foi elaborado um projeto para regulamentar esse art. 14, § 1º e esse projeto acabou se transformando na Lei de ACP.

Depois de 1985 houve um grande reforço da Lei 7.347/85 por um motivo simples: a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no art. 129, III, uma ação a ser ajuizada pelo MP, entre outros, chamada de Ação Civil Pública. O art. 129, III, da CF, consolidou no sistema brasileiro a ação civil pública, ao estabelecer que compete ao MP instaurar e presidir o inquérito civil e instaurar a Ação Civil Pública. Esse é o modelo legal da ação civil pública: origem (Lei 6.938/91), regulamento (Lei 7.347/85) e reforço (CF/88).

As aulas mais importantes que tivemos sobre processo coletivo foi a primeira e esta, até a metade. Porque tudo o que falei até então, se aplica aqui. Se te perguntarem: o que regulamenta a ACP? É o microssistema. Não pode esquecer. E o microssistema é o CDC, Lei de ACP e tudo o mais que trata do tema. Eu só não estou falando aqui de microssistema e de CDC porque já falei e é bom deixar isso claro. Microssistema cuida de tudo o que é processo coletivo.

Apesar dos 24 anos da Lei de Ação Civil Pública, a ação civil pública não contou com muitas súmulas dos tribunais superiores. Há hoje, em vigor, sobre ação civil pública, duas súmulas: 643, do STF que já vimos quando eu expliquei a diferença entre difusos, coletivos e individuais homogêneos e a Súmula 329, do STJ:

STF Súmula nº 643 - DJ de 13/10/2003 - O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.

STJ Súmula nº 329 – DJ 10.08.2006 - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.

E isso é uma coisa óbvia, evidente, mas foi preciso editar essa súmula porque tinha gente falando que o MP podia defender tudo, menos o patrimônio público. Quem tinha que defender o patrimônio público seria a própria parte prejudicada. Então, roubaram a prefeitura? Quem defende a prefeitura é a prefeitura e não o MP. E isso não tem pé nem cabeça porque você institucionaliza a robalheira.

Tinha aquela súmula que a gente viu na primeira parte da aula, a Súmula 183, só que essa foi cancelada. Portanto, só há essas duas súmulas.

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2. OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O objeto da ação civil pública tem previsão nos arts. 1º, 3º e 11, da Lei de Ação Civil Pública.

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) I - ao meio-ambiente; II - ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da ordem econômica e da economia popular; VI - à ordem urbanística.

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

O objeto da ação civil pública é a tutela preventiva, inibitória, de remoção do ilícito ou ressarcitória material e moral dos seguintes bens e direitos metaindividuais. E aí o legislador vem e fala:

1. Meio ambiente2. Consumidor3. Bem de valor histórico e cultural4. Qualquer outro direito metaindividual5. Ordem econômica6. Ordem urbanística

Grosseiramente, de forma bem ampla, o objeto da ação civil pública é esse aí listado. Eu preciso trabalhar algumas questões com vocês. E vou fazer isso através de notas, de observações. Serão quatro discussões importantes do ponto de vista doutrinário, acadêmico e jurisprudencial:

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2.1. Tutela preventiva e ressarcitória

Eu fiz uma divisão da tutela em dois grandes grupos:

Tutela preventiva Tutela ressarcitória (ou reparatória)

O que define e o que diferencia a tutela preventiva, que tem lastro no art. 461, do CPC e no art. 84, do CDC, da tutela ressarcitória?

CPC - Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

CDC - Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

O que diferencia é o momento do dano. Se eu quero evitar o dano e, portanto, o meu objetivo, meu momento é antes do dano, estou diante de uma tutela preventiva. Se, por sua vez, a tutela judicial se dá após a ocorrência do dano, eu já não estaria diante de uma tutela preventiva, mas sim de uma tutela ressarcitória. Dentro da tutela preventiva (porque a diferença entre tutela preventiva e ressarcitória é muito fácil de ser averiguada), a maior dificuldade surge na diferenciação das duas espécies de tutela preventiva. E quais são as duas espécies de tutela preventiva (que é gênero)?

Tutela inibitória – antes do ilícito Tutela de remoção do ilícito – após ilícito

Qual a diferença entre uma e outra? A diferença é a ocorrência do ilícito. A inibitória é antes do ilícito e a de remoção do ilícito é após o ilícito. A tutela preventiva é gênero (é aquela que quer evitar o dano) e dentro dela, há dois momentos diferentes: a inibitória e a de remoção do ilícito.

Como regra, a responsabilização surge em momentos distintos. Só depois de cometido o ilícito é que ocorre o dano. Então, o ilícito é pressuposto do dano. Se eu quero evitar a ocorrência do dano, e u posso tentar evitar a ocorrência do ilícito porque fazendo isso eu evito o dano. Se o ilícito não aconteceu e eu quero evitar que ele aconteça, a modalidade de tutela preventiva que eu uso é a inibitória. Se, eventualmente, o ilícito já aconteceu, mas ainda não aconteceu o dano (porque pode ser que não tenha dado tempo de causar prejuízo), a tutela é a preventiva de remoção do ilícito. Se já

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aconteceu o ilícito e já aconteceu o dano, a tutela já não é mais de remoção do ilícito. Aí, já virou ressarcitória.

Quem faz essa diferenciação muito bem é Luiz Guilherme Marinoni e ele dá um exemplo escolástico, que permite diferenciar exatamente o momento de cada uma das tutelas. É o exemplo da importação de medicamentos proibidos. Uma empresa quer importar um medicamento cuja comercialização não é autorizada em território nacional. Se eu entrar com uma ação coletiva para impedir a vinda desse medicamento para o Brasil, eu estaria me valendo de uma tutela preventiva na modalidade inibitória (porque não quero deixar acontecer o ilícito: a importação). Suponhamos que a mercadoria já foi importada. O ilícito, portanto, já foi praticado. A medida agora não é inibitória porque o ilícito já foi praticado. Estando o ilícito praticado, eu já posso evitar a ocorrência do dano. E como eu faço isso? Através da tutela da remoção do ilícito. Eu vou pedir para queimar as mercadorias importadas, devolver para a origem, apreender, etc. Mas não deu tempo, porque essa mercadoria já foi importada e já foi comercializada. Nesse caso, já aconteceu o dano. Nesse caso, a tutela já não é mais preventiva. Virou ressarcitória. Essa é a diferença e a ação civil pública serve para tutelar as três situações.

Essas três tutelas são plenamente cumuláveis. O que eu quero dizer para vocês é que uma ação civil pública pode ter ao mesmo tempo: a tutela inibitória, de remoção do ilícito e pode ter também a tutela ressarcitória. Tudo em um único processo.

Nesse caso do medicamento seria interessante a gente imaginar a seguinte situação jurídica: a empresa importou mercadoria proibida, colocou à venda no mercado, no mercado há mais mercadoria e ainda continua importando mais mercadoria de mesmo teor que essa que já está acabando. O MPF entra com uma ação e pede o quê?

Obste a importação que está vindo – tutela inibitória (quer evitar a ocorrência do ilícito) Apreenda todas as mercadorias que estão no estoque (remoção do ilícito) Indenize todos os danos causados à saúde pública em virtude da comercialização do medicamento proibido.

Na ação civil pública pode-se fazer essas maluquices: juntar três tutelas numa só.

2.2. Meio ambiente

A aula não é sobre direito ambiental. A aula é sobre processo coletivo, mas como o meio ambiente é a origem e o principal foco de atuação da

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ação civil pública, eu preciso fazer um breve destaque sobre a proteção do meio ambiente pela ação civil pública. E eu preciso fazer isso para quando você for estudar direito ambiental. E há dois livros sobre direito ambiental muito bons: um é do Marcelo Abelha Rodrigues e o outro é do Luis Paulo Sirvinskas(Saraiva – Manual de Direito Ambiental). Esse do Paulo é bem legal para quem vai começar. E uma das coisas que ele explica bem, para quem não tem noção nenhuma e que é importante para entender o objeto da ação civil pública, é que o meio ambiente pode ser dividido em três grandes grupos:

Meio ambiente natural – fauna e flora Meio ambiente artificial – espaço urbano Meio ambiente cultural – patrimônio histórico

Todos têm proteção. A feijoada, o carnaval são patrimônios históricos brasileiros e merecem proteção através do meio ambiente cultural. Uma cidade poluída, poluição sonora diz respeito ao meio ambiente artificial e merece proteção através da ACP. Por que estou falando isso? O que isso tem a ver com a aula? Isso porque eu queria que você tivesse plena noção do seguinte:

Meio ambiente do trabalho - O meio ambiente do trabalho está no meio ambiente artificial. E dá para proteger por ACP o meio ambiente do trabalho? Súmula 736 do STF. Dá para proteger meio ambiente do trabalho por meio de ação coletiva e essa ação coletiva vai ser julgada pela justiça do trabalho. O que é importante saber é que o meio ambiente do trabalho é objeto de proteção via ação civil pública exatamente porque compõe o meio ambiente artificial.

Muitos autores dizem que o legislador não precisava ter previsto bem e valor histórico e cultural e nem ordem urbanística. Isso porque quando ele fala em meio ambiente e não faz qualquer ressalva, está abrangendo quais meios ambientes? Todos: o natural, o cultural e o artificial. Portanto, de acordo com alguns autores, poderiam ser suprimidos os incisos IV e VI, que não mudaria absolutamente nada, já que a expressão “meio ambiente” alcança também os bens e valores históricos e culturais, como alcança também a ordem urbanística.

2.3. Bens de valor histórico e cultural

A Cespe pede prova sim, prova também, essa questão. Então, vamos esclarecê-la. A grande discussão aqui não é a definição sobre o que é bem de valor histórico e cultural. Isso já está integrado à nossa cultura como um todo. A discussão aqui é sobre o tombamento. É a única discussão que vou travar.

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O tombamento, juridicamente falando, é uma certificação administrativa de que determinado bem tem valor histórico e cultural.

O tombamento é uma limitação ao direito de propriedade (não pode reformar sem autorização, etc.). A grande discussão que há e que invariavelmente eles perguntam, naquelas provas de verdadeiro e falso, é a seguinte:

Imóvel não tombado pode ser protegido pela ACP? A resposta é: o tombamento é um atestado administrativo de que o bem tem valor histórico e cultural. Apesar de não tombado, pode ter valor histórico e cultural? A jurisprudência entende que sim, que é possível. Se é assim, qual a diferença entre haver e não haver o tombamento? É a presunção de valor histórico. É essa a diferença. Se o imóvel já foi tombado, o autor não precisa provar o valor histórico. Se o imóvel não for tombado, compete ao autor tal prova. E aí fica fácil equacionar. Se você imaginar que esse prédio onde estamos tem valor histórico, se alguém quiser protegê-lo, pode, mas tem que provar que isso representa um valor histórico para a sociedade.

2.4. “Qualquer outro direito metaindividual”

Sobre essa expressão da lei, uma observação. Quando você olha a ACP, num primeiro momento, você chega à conclusão de que os principais bens e direitos tutelados seriam o meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, ordem econômica, ordem urbanística, que são os destaques. Acontece que o Código de Defesa do Consumidor acabou influenciando diretamente a Lei de ACP por causa do microssistema. Isso porque não se previa, originariamente, na Lei 7.347/83, a tutela dos direitos individuais homogêneos pela Lei de Ação Civil Pública. Vou deixar isso mais claro. O que estou dizendo é que, na origem, a Lei 7.347/83 só se preocupava com os direitos difusos e coletivos. Não havia previsão para a tutela dos interesses individuais homogêneos. Qual foi a importante contribuição que deu o CDC para a Lei de ACP? Foi que quando ele saiu, em 1990, o art. 90, do CDC, acabou incorporando à Lei de ACP aquilo que no direito a gente chama de norma de encerramento. Em que consiste essa norma de encerramento? Consiste em dizer que além de todos os bens e direitos já previstos aqui, seria possível ainda a tutela de qualquer outro direito metaindividual, seja difuso, coletivo ou individual homogêneo. Há uma plêiade de direitos difusos e coletivos que acabam entrando nessa discussão (adolescentes, patrimônio genético, etc.). E ninguém hoje duvida mais de que qualquer bem ou direito coletivo pode ser tutelado por ACP.

Alguns códigos tem a redação truncada e que dão a impressão deque o inciso IV, do art. 1º, da Lei de Ação Civil Pública está revogado. Não está revogado. O inciso IV, que fala “qualquer outro direito difuso e coletivo” está plenamente em vigor. Se você não concorda com isso, te aconselho a leitura

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do REsp 706791/PE, do STJ (Maria Thereza de Assis Moura é a relatora), julgamento de 17/02/09

REsp 706791 / PE - Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - SEXTA TURMA -Julgamento 17/02/2009 - DJe 02/03/2009 1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores.2. Recurso especial improvido.

VEDAÇÃO DE OBJETO – Cabe ação civil pública para a tutela de qualquer direito coletivo, individual homogêneo ou difuso no qual (?) essa norma de encerramento. Todavia, nosso legislador, marotamente, e ainda através de MP, acrescentou no art. 1º um parágrafo único que estabelece uma vedação do objeto, quer dizer, uma hipótese de não cabimento da Lei de Ação Civil Pública. Cabe tudo, menos;

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

Esse dispositivo estabelece, portanto, uma vedação de objeto, em que não cabe ação civil pública. Nesse caso, em que matérias não caberá? Tributária, contribuição previdenciária e FGTS. Alguém tem a mínima ideia do porquê o legislador proibiu ações coletivas com relação a isso? O motivo é um só: se julgar procedente uma ação civil pública dessa, pega o bolso de quem? Do Governo Federal. E uma ação coletiva dessa poderia ter um impacto orçamentário gigantesco. É ridículo, mas mais uma vez prevaleceram interesses econômicos em detrimento dos interesses da sociedade.

Como se comporta a jurisprudência com relação a esse dispositivo, que sofre da doutrina as mais duras críticas? Todos escrevem que esse dispositivo é uma aberração porque não se pode querer proibir a tutela coletiva de algo que acaba se tornando milhões de processos individuais para discutir o mesmo assunto. E o Judiciário é que se esfola. A jurisprudência pacífica, do STF e do STJ diz que esse dispositivo é constitucional.

3. LEGITIMIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3.1. Legitimidade ativa – art. 5º, da Lei de ACP e no art. 82, do CDC

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Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Art. 82 - Para os fins do Art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;III - as entidades e órgãos da Administração Pública, Direta ou Indireta,

ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

Primeiro farei quatro observações genéricas. E depois eu vou pegar legitimado por legitimado e falar sobre cada um deles.

1ª Observação: Esses artigos estabelecem uma espécie de legitimação concorrente e disjuntiva. Por legitimação concorrente já se sabe que é porque esses dispositivos estabelecem mais de um legitimado. Agora, você consegue identificar o que seria uma legitimação disjuntiva? Isso é fundamental. “disjuntivo” significa que um não necessita de autorização ou omissão do outro. Na legitimação concorrente e disjuntiva, a defensoria não precisa pedir bênção para o MP para entrar com a ACP. Não tem que esperar que ele se omita para que só então ela comece a exercitar suas tarefas.

2ª Observação: Natureza da legitimação coletiva – Quando um desses caras do art. 5º (e art. 82) entra com uma ACP, qual é a natureza da legitimação dele? Para responder isso, há na doutrina 3 posições para indicar qual a natureza da legitimação para o ajuizamento de ações coletivas. E vou lembrar que no modelo do processo civil brasileiro, a regra é da legitimação ordinária (entra em nome próprio na defesa de direito próprio). E, excepcionalmente, quando a lei expressamente autorizar, é possível a

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legitimação extraordinária. É quando alguém age em nome próprio na defesa de direitos alheios (hipótese de substituição processual). No processo coletivo, entretanto, a doutrina diverge sobre a natureza da legitimação. E há três correntes:

1ª Corrente: Diz que a legitimação é extraordinária. Quando o MP, a associação, a defensoria entram com uma ACP, não interessa o tema, sempre entram em nome próprio na defesa de direitos alheios. Trata-se, portanto, da tutela de um direito em nome próprio na defesa de um direito alheio. Quem adota essa posição: Hugo Nigro Mazzili (adotou durante muitos anos). Não interessa se se trata de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Qualquer que fosse a atuação, se daria através de legitimação extraordinária.

2ª Corrente: Eu acho essa posição tecnicamente mais correta, embora não seja dominante. Para essa corrente, a legitimação para o ajuizamento da ação coletiva é uma legitimação simplesmente coletiva. É uma legitimação de natureza própria. Ao lado da legitimação ordinária e extraordinária, que são modelos de legitimação forjados exclusivamente para o processo individual, haveria um segundo tipo de legitimação, que seria a legitimação coletiva. Ela não se encaixaria nesses modelos de “direito próprio em nome próprio” ou de “direito alheio em nome próprio”. Ela seria uma terceira categoria. Eu acho que a adoção dessa posição resolve muitos problemas práticos. E quem adota essa posição é o professor Luiz Manoel Gomes Júnior que, inclusive, é o relator da nova Lei de ACP.

3ª Corrente: É a que prevalece. Diz o seguinte: se o direito for difuso ou coletivo, se for naturalmente coletivo, estaremos diante de uma legitimação autônoma ou autônoma para condução do processo. Basicamente, quem adota essa terceira posição salienta que não dá para poder colocar o modelo da tutela do difuso e do coletivo dentro do padrão do ordinário e extraordinário. Ou seja, o argumento é o mesmo da turma que adota a legitimação coletiva. O que significa isso? Eu não consigo encaixar nos modelos do processo individual algo que não é individual. Portanto, preciso de uma categoria autônoma, chamada de legitimação autônoma para a condução do processo. Agora, se se tratar de interesses individuais homogêneos, porque aí o direito tutelado não é do autor e nem da coletividade. Os direitos individuais homogêneos são do indivíduo. O direito não é da coletividade, como é o caso dos difusos e coletivos. Por isso, quando se trata de direitos individuais homogêneos eu estou diante da legitimação extraordinária. Ou seja, compatibilizam-se os dois modelos anteriores: de legitimação extraordinária e de legitimação coletiva. A diferença é que se dá o nome, para a legitimação coletiva, de legitimação autônoma para a condução do processo. Quem adota essa posição é a grande maioria da doutrina brasileira, em especial, Nélson Néri Jr. Se eu fosse você, na hora da prova, adotaria essa.

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3ª Observação: Parte da análise do art. 5º, §§ 2º e 5º, da Lei de Ação Civil Pública.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Esses dispositivos estabelecem a possibilidade de, no âmbito da ação civil pública, se formar um litisconsórcio entre os colegitimados. Isso é plenamente possível que todos os que podem propor ação coletiva possam formar um litisconsórcio, um somatório de forças a bem da tutela coletiva. E hoje isso é muito comum na prática. Vira e mexe você tem ação coletiva ajuizada ao mesmo tempo pelo Procon e MP. Às vezes, MP estadual e federal.

O que interessa é classificar esse litisconsórcio. Qualquer litisconsórcio entre dois legitimados coletivos, como é encaixado dentro da classificação dos litisconsórcios? É litisconsórcio:

Ativo (óbvio), Inicial – Porque a lei não autoriza a entrada depois que o processo começou. Aí ele vai ser assistente. A assistência litisconsorcial é a forma de permitir que aquele que poderia ter sido litisconsórcio facultativo possa ingressar depois do início do processo. A assistência litisconsorcial é o “litisconsórcio posterior” disfarçado. No começo, é litisconsórcio, se é depois, é assistente litisconsorcial. É o que pretende dizer o art. 5º, § 2º. Facultativo – É óbvio. Não é obrigatória a formação desse litisconsórcio, até porque legitimação é concorrente e disjuntiva. Unitário – Tem como proteger o meio ambiente para o MP de SP e não proteger para o MP federal? Tem como proteger o interesse do Procon e não proteger o da Associação de Defesa dos Consumidores? Portanto, a decisão sempre vai ser igual para todos os legitimados.

4ª Observação: Quando falei dos princípios de processo coletivo, falei sobre o controle da representação adequada e disse que há duas posições diametralmente opostas no Brasil: uma que diz quem controla se o autor representa ou não adequadamente os interesses do grupo ou da categoria é a lei. E a representação adequada seria oper legis. Mas eu disse que tem uma outra corrente que diz que além da lei, também haveria o controle judicial e o critério que o juiz usa para verificar se a pessoa representa ou não os interesses do grupo, da categoria ou da classe é a finalidade institucional, a pertinência temática. Quer dizer, o legislador já previu que

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pode, mas o MP pode em todas? Não. De acordo com a segunda posição, o juiz verificaria se a ação está dentro das funções institucionais do MP. Se tivesse, ele poderia. Se não tivesse, ele não poderia.

Para eu explicar os legitimados, eu tenho que adotar uma das posições. Se eu adotar a primeira (só a lei), não preciso nem estudar os legitimados porque eles sempre poderiam entrar com a ação civil pública. Por isso, a quarta observação é que vou levar em conta a adoção da possibilidade de controle judicial da representação adequada. Nós vamos adotar esse entendimento. É possível ao juiz controlar judicialmente a representação adequada. Só assim, eu vou conseguir desenvolver os tópicos seguintes. Caso contrário, não haveria o que se analisar. E o juiz faz esse controle com base na finalidade institucional e na pertinência temática. É isso que o juiz usa para controlar a adequada representação. E vamos começar com o cara que mais ajuíza ação civil pública no Brasil, que é o MP, digamos que quase com exclusividade.

a) Ministério Público

Finalidade institucional – Em que temário o MP pode ajuizar ação civil pública, se você admitir que o juiz pode controlar? Para obter essa resposta, vamos ao art. 127, caput, da CF:

Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O MP pode ajuizar em dois grandes grupos de temas colocados pelo art. 127, da CF:

Interesses sociais Interesses individuais indisponíveis

A partir disso, dentro desses dois temas, o MP teria representação adequada. Fora desses dois temas, não teria representação adequada. Vamos fazer uma lista (proforme) sobre os temas em que o MP poderia ajuizar a ACP:

Interesses sociais – Saúde, segurança pública, moradia, educação, meio ambiente.

Interesses individuais indisponíveis – O que seria o interesse individual indisponível? Exemplo: proteção da vida, dignidade da pessoa humana, etc.

Ou seja, o leque de assuntos que o MP pode ajuizar é gigantesco e não é a toa que ele é o maior guardião dos interesses coletivos do Brasil e ninguém

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nega isso. Onde surgem os pontos de dúvida? Onde a jurisprudência é conflitante?

Loteamentos privados (loteamento clandestino é outro problema) – Os moradores fecham o bairro com uma guarita. O MP entra com uma ação para destruir a guarita. Tem legitimidade para isso? É social o interesse? Tem gente que diz que sim, porque a rua é pública, mas por outro lado, não passa carro lá.

Plano de saúde – Isso é interesse social? Há vários julgados dizendo que não há interesse social porque o plano de saúde é particular.

Tarifas públicas – Aumento de tarifa de energia elétrica. Poderia o MP ajuizar uma ação? O interesse é social? O problema é que é individualizado. E a jurisprudência fica reticente.

Vamos tentar chegar a um consenso: na dúvida, admite-se, já que a ideia é ampliar a tutela dos interesses coletivos e individuais homogêneos. Na dúvida, vamos ampliar. O que não dá para admitir é, por exemplo, o MP entrar com uma ação para discutir aumento da tarifa da TV a cabo.

Existe uma afirmação na doutrina que me parece razoável: a doutrina costuma dizer que para os difusos e para os coletivos cuja característica central é a indivisibilidade. Nos difusos e nos coletivos, de acordo com boa parte da doutrina, sempre estaria presente o interesse público. E, portanto, de acordo com essa parcela da doutrina, toda vez que a ação versar sobre direitos difusos e coletivos, o interesse sempre teria legitimidade. Sempre ele poderia tutelar através dos direitos difusos e coletivos. Se o bem é indivisível, já surge, a partir daí, o interesse público e surgindo o interesse público, o MP já poderia entrar com a ação.

A grande dúvida que surge é nos individuais homogêneos. Nesse caso os interesses são individuais, se é assim, não é público. Aí você teria que fazer o quê? Casuística. Os interesses individuais homogêneos teriam que ser verificados casuisticamente, caso a caso. E qual é o critério que vou usar para verificar caso a caso? Finalidade institucional: interesse social ou individual indisponível. É o caso dos portadores de Alzheimer. Individual homogêneo. Há interesse social? Melhor: tem interesse individual indisponível. No caso da TV a cabo, o interesse não é nem social e nem individual indisponível. É individual. Que entre a associação, mas não o MP, que tem coisa mais importante a fazer do que verificar se o caboclo está tendo desconto no filminho de sacanagem que ele assiste ou não.

Em qual justiça atua o MP? Há duas posições a respeito do tema.

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1ª Corrente: Diz que o MP atua em qualquer justiça. Isso quer dizer que o MP/SP pode ajuizar ACP junto à justiça de MG e por aí vai. A atuação seria livre. É essa a recomendação. Não haveria vinculação. O MP estadual poderia entrar na justiça federal e vice-versa. Sabe por que é razoável esse entendimento? Porque você potencializa, maximiza, expande o objeto do processo coletivo. Quem adota isso é o Fredie Didier. Um dano ao ambiente no Amazonas repercute aqui embaixo. É importante você saber isso.

2ª Corrente: Tem um precedente do STJ (não dá para dizer que é posição do STJ), que é o RE 440002/SE: o MP federal acaba fazendo as vezes do órgão federal, seria similar ao órgão federal. E toda vez que o MPF atua, atrairia a competência para a justiça federal. Não importa o objeto. Se o MPF entra para discutir a publicidade da garapa, é justiça federal, mesmo que o assunto não tenha relação com a justiça federal. Então, existe esse único precedente do STJ dizendo que o MPF litigaria na justiça federal. Essa posição não é boa porque você poda, principalmente, o MP estadual, que ficaria a depender do federal.

b) Defensoria Pública (inciso II)

Art. 5º da Lei de Ação Civil Publica Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

A nova redação do art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública foi dada pela Lei 11.448/07, que inseriu expressamente a defensoria pública como uma autora coletiva. Sobre a legitimidade da defensoria pública para propor a ação civil pública, eu tenho três considerações a fazer

1ª Observação: Dentro da ideia de adequada representação, eu tenho que perquirir sobre a finalidade institucional da defensoria pública. E quando você vai ao art. 134, da CF, vai ver que a finalidade institucional da defensoria pública está lá.

Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.

É instituição que integra as atividades essenciais da administração da justiça, mas cuja finalidade é a defesa dos necessitados. Se fosse só isso, estaria resolvido o problema, mas a defensoria pública pode propor ação coletiva quando tiver interesse de necessitado. Mas que raio, de inferno de coisa que são os necessitados? Afinal de contas, o que a Constituição Federal

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quis dizer a respeito dessa expressão “necessitados”. Formou-se na doutrina e na jurisprudência duas acorrentes a respeito da definição do que é esse tal “necessitados”:

Corrente restritiva – Essa corrente olha o art. 134 da Constituição e verifica a remissão ao art. 5.º LXXIV e lá se percebe que quando a CF fala que a defensoria presta assistência aos necessitados, ela está falando apenas de necessitados econômicos. Apenas necessitados do ponto de vista econômico. Para os adeptos dessa teoria restritiva, a defensoria pública só poderia ajuizar ação civil pública se o interesse em jogo fosse de pobre. Ela poderia perfeitamente ajuizar uma ACP para discutir expurgos da poupança porque tem poupança, em tese, é quem não tem muito recurso. Quem tem, faz aplicação financeira. Mas não poderia entrar com ACP para discutir o caviar estragado ou a peça da Mercedes.

Corrente ampliativa – Essa corrente ampliativa, para poder explicar o que é a expressão necessitados recorre a uma outra explicação que eu preciso te mostrar: essa corrente diz que se você analisar a LC 80/94, que é a lei complementar que rege a defensoria pública (e que foi profundamente alterada pela LC 132/09). Quando você analisa a LC 80/94 com as alterações, verá que o art. 4º prevê que a defensoria pública tem funções típicas e atípicas. Obviamente, todas previstas nesta lei complementar. A atividade típica da defensoria pública é a de prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados em todos os graus (art. 4º, I, da LC 80/94):

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Aqui, é “necessitados” no sentido de hipossuficiente econômico. Portanto, aqui, para a corrente ampliativa, a atividade típica da defensoria pública é a de defender o pobre. O grande problema é que se você ler os outros incisos do art. 4º vai ver que a defensoria tem inúmeras outras atividades que não são apenas a defesa do hipossuficiente econômico. Daí porque os adeptos da teoria ampliativa dizem que quando eu pego as funções atípicas da defensoria pública, você verifica que elas incluem não só o hipossuficiente econômico, mas também o hipossuficiente jurídico. E o hipossuficiente jurídico não necessariamente é pobre. E a defensoria poderia defender mesmo ele não tendo escassez de recursos. Portanto, quem adota a corrente ampliativa diz que a expressão “necessitados” da CF pega o necessitado (porque está na CF) e pega também o necessitado jurídico porque o jurídico estaria na função atípica.

Hipossuficiente jurídico – É todo aquele que pela dificuldade fática ou técnica não possam se defender. O cara está preso, é milionário e não quer

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constituir advogado. Quem vai defender? A defensoria, porque, aqui, ele é hipossuficiente do ponto de vista jurídico. Se você analisar e parar para refletir comigo, estaremos diante de uma situação em que quando ele não quis contratar advogado, essa situação fática impôs a nomeação de um defensor público para a defesa dele. Percebem a função atípica da defensoria pública?

No processo coletivo, para os adeptos dessa teoria, a defensoria poderia entrar com uma ACP (e esse é um caso verdadeiro da jurisprudência) para discutir cláusula de contrato de arrendamento mercantil. O STJ entendeu pela legitimidade da defensoria nesse caso porque havia uma dispersão tão grande de lesados que, do ponto de vista jurídico, eles não tinham como se defender. Consequentemente, a defensoria teve sua legitimidade reconhecida para discutir as cláusulas do contrato de arrendamento mercantil (leasing).

2ª Observação: Uma segunda discussão sobre a legitimidade da defensoria pública surge com a resposta à seguinte pergunta: quais interesses metaindividuais podem ser tutelados pela defensoria pública? A primeira observação foi só para a gente discutir o que era “necessitado” (econômico e jurídico – ou só o primeiro ou os dois). Agora, a pergunta, já sabendo que pode ser a posição 01 ou a posição 02, mas dentro da posição 01 ou 02 a defensoria pública pode atender que interesses? Difusos? Coletivos? Individuais homogêneos? Só um? Só outro? Todos? Nenhum? É isso que eu estou querendo saber. Para responder a essa pergunta, há três posições, três entendimentos absolutamente discrepantes:

1ª Corrente (adotada pelo Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) – A resposta para o Conamp é que nenhum interesse metaindividual pode ser tutelado pela defensoria pública é nenhuma. O Conamp ajuizou uma ADI contra a Lei 11.448/07 que reconheceu a legitimidade da defensoria pública para a propositura de ACP. Essa lei foi a que alterou o art. 5º da Lei de ACP, que lemos há alguns minutos. A Conamp sustenta que para que a defensoria possa ajuizar a ação, a pessoa tem que ser individualizada, identificada. A tese é essa. E você concorda comigo que contraria a própria essência do processo coletivo a individualização dos indivíduos? A ideia para o processo coletivo é exatamente a de que os indivíduos sejam indeterminados? Podem ser até determináveis, mas são, em princípios indeterminados, seja nos difusos, seja nos coletivos, seja nos individuais homogêneos. Os sujeitos não são conhecidos num primeiro momento. Podem ser conhecidos em outro momento, mas de início não são. Então, o Conamp sustenta que a defensoria pública não poderia ajuizar ação em favor de pessoas desconhecidas e dizem isso porque não dá para saber se o desconhecido é pobre ou não, não dá para saber se ele é hipossuficiente econômico ou jurídico. Esse é o fundamento da ADI ajuizada pela Conamp, que pretende ver declarada a inconstitucionalidade do art. 5º, II, da Lei de ACP, por violação do art. 134, da CF, que é o que fala da defensoria pública.

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Eles usam outros argumentos, inclusive o da colisão de atribuições entre o MP e a defensoria pública. Mas, qual é o problema de haver essa colisão? Absolutamente nenhum! Quanto mais gente puder defender o interesse coletivo, melhor. Quando estudamos o princípio do processo coletivo, a tendência é que se maximize a legitimidade e não restringir. Indo um pouco mais além, temos que entender algo (que torna essa ADI algo desprezível, senão algo que não merece provimento algum): a Lei de ACP é de 1985. Desde lá tem legitimidade da Administração Direta, Indireta, associações e por que ele nunca alegou a ilegitimidade dos outros, mas só da defensoria pública? Não tem cabimento!

Os defensores públicos, aproveitando o vácuo que foi aberto pela Lei 11.448, que previu a sua legitimidade, eles lançaram expressamente a possibilidade de a defensoria ajuizar a ACP, nos arts. 4º, VII, VIII e XI, da LC 80/94. Vamos ver, a título de exemplo, um desses incisos:

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Ou seja, com a lei 11.448, e depois a ADI e eles já pegaram a lei complementar deles e já jogaram a possibilidade de propositura da ACP para não ter dúvida nenhuma a respeito disso.

2ª Corrente – É uma corrente intermediária, que estabelece que a defensoria pode propor a ACP, mas só nos direitos individuais homogêneos. Os interesses individuais homogêneos são aqueles que, na verdade, são individuais. Só que tem tanta gente que tem esse interesse que a lei permite o tratamento coletivo para um direito que, na essência é individual. Para os adeptos dessa corrente, seria possível a defensoria pública defender só os individuais homogêneos porque aqui, os titulares são determináveis e sendo assim, seria possível saber quem é e quem não é hipossuficiente. Então, para os direitos individuais homogêneos seria a única forma de atuação para a defensoria pública, portanto, a defensoria pública poderia entrar com aquela ação do leasing, poderia entrar com ACP para defender os exportadores porque são indivíduos que poderiam ter proposto individualmente, já que se trata de pretensões individuais. Para os adeptos dessa corrente, a defensoria pública não poderia propor nenhuma ACP ambiental porque esse interesse já não seria mais individual homogêneo, mas difuso.

3ª Corrente – É uma posição mais ampliativa e diz que a defensoria pública poderia propor ACP em todos os interesses metaindividuais. Poderia, por exemplo, propor uma ação ambiental, desde que para tutelar os

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necessitados, seja do ponto de vista econômico ou jurídico. Tomando uma classe tradicionalmente hipossuficiente, como a dos garis. Ela poderia propor uma ACP para que, a cada 6 meses, as vassouras dos garis fossem trocadas para evitar maior esforço na hora de varrer. Eu estou dando um exemplo absurdo para você entender que é um direito de categoria de classe hipossuficiente. Pela posição anterior, a defensoria não poderia propor essa ação porque o direito não seria individual homogêneo.

Qual posição adotar? Para um concurso do MP, eu adotaria a segunda posição. Mas a última me parece que é a dominante. Sabe qual é sempre a posição dominante em qualquer tema? É a de quem julga, de quem decide. E a terceira corrente tem um precedente (meio escamoteado) no STJ. É de um caso de individuais homogêneos. Só que no julgamento, ficou claro que a defensoria pode propor em todos os casos: difusos, coletivos e individuais homogêneos. RE 912849/RS.

REsp 912849 / RS - Ministro JOSÉ DELGADO - PRIMEIRA TURMA - Julgamento 26/02/2008 - DJe 28/04/2008 1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores.2. Esta Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.3. Recursos especiais não-providos.

3ª Observação: Havendo parcela de não necessitados na coletividade beneficiada pela sentença coletiva, eles também poderão executar a decisão? O exemplo típico é o da poupança, que discute os índices do Plano Verão, Plano Collor, Plano Bresser, etc. A defensoria ajuizou em vários lugares do Brasil ACP para que os poupadores tivessem direito à correção monetária nesses períodos. Tinha poupança quem era pobre e quem não era pobre. A dúvida é: o rico pode pegar essa sentença e executá-la? São duas posições:

1ª Corrente: Condiciona à prova da necessidade. Ou seja, para essa primeira posição, a pessoa poderia executar se tivesse poupança, desde que comprovasse, no momento da execução que é pobre. A pessoa, para

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executar a ação da defensoria, teria que provar que é pobre. Essa é a posição bem minoritária.

2ª Corrente: É a amplamente majoritária. E admite que é possível, independentemente da posição econômica. Qualquer pessoa que tinha poupança poderia executar essa sentença, independentemente de ser pobre ou não. Essa segunda posição é bem melhor porque passa a ideia de tratar a todos com igualdade. Não tem cabimento diferenciar dois portadores das mesmas circunstâncias. Essa posição privilegia o princípio constitucional da isonomia, da igualdade. É uma posição melhor do ponto de vista do sistema.

Com essas considerações, eu encerro a legitimidade da defensoria para a ACP.

c) Administração Direta e Indireta (incisos III e IV)

Art. 5º da Lei de Ação Civil Publica Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Poucas pessoas investigam esse tema. É um tema legal para mestrado, doutorado porque nossa doutrina é muito pouco atuante na discussão da legitimidade da atuação da Administração Direta e Indireta, mesmo porque esses caras raramente ajuízam ACP.

O juiz, como vimos, tem o controle inicial adequada representação. A pergunta é: qual a finalidade institucional desses caras? Quando você vai investigar a finalidade institucional da União, se você parar para pensar, serve para tudo. A finalidade da Administração, seja Direta, seja Indireta, é ampla! Muito ampla! De modo que, talvez, esse grupo de legitimados seja o que possa propor ação civil pública em quase todos os temas. A análise, portanto, da adequada representação da Administração Direta e Indireta (não dá para fazer como foi feito com o MP ou com a defensoria) só poderá ser feita no caso concreto.

Petrobras é sociedade de economia mista. Em quais temas você acha que ela pode propor ação civil pública? A finalidade institucional da Petrobras é trabalhar com petróleo, meio ambiente. Portanto, só pode propor ACP em meio ambiente, questão de consumo envolvendo gasolina, derivados

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do petróleo. Mas a Petrobras, definitivamente, não tem legitimidade para ajuizar ACP na defesa do consumidor, ou da moralidade administrativa.

No caso da Administração Direta (União, Estados, DF e Municípios) é difícil falar o que eles não podem. A União tem que incentivar o consumidor, o meio ambiente, o patrimônio histórico, a economia, o idoso, então, poderia entrar com ACP em quase todos os temas.

Então, o controle da legitimidade, da representação adequada da Administração Direta e Indireta é algo extremamente tormentoso e que tem que ser investigado casuisticamente.

O art. 82, III, do Código do Consumidor, na verdade é a cópia do art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública. E lá tem uma particularidade importante, que é o inciso III do art. 82: ele diz que também podem propor ACP:

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

Ou seja, o CDC, no art. 82, III, diz que podem propor a ACP não só a Administração Direta e Indireta, mas também os órgãos dela que não tenham personalidade jurídica, mas que tenham prerrogativas a defender. E quem são esses órgãos? O PROCON, que é uma pasta da Administração Municipal. O PROCON pode propor ACP em nome próprio, porque tem prerrogativas próprias a defender. É o melhor exemplo, mas se você tiver uma pasta da prefeitura, por exemplo, um órgão de defesa do meio ambiente da prefeitura, a própria pasta poderia propor ACP, não o Município, porque teria prerrogativas próprias a defender.

d) Associações (inciso V)

Art. 5º da Lei de Ação Civil Publica Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao

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patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Para que uma associação possa propor ação civil pública, é necessário que sejam observadas duas condições:

Constituição ânua - tem que ter a constituição ânua, ou seja, o intento do legislador foi evitar a constituição de associações ad hoc, de associações temporais, evitar que duas pessoas se juntem e formem uma associação só para fins de ajuizamento de ACP. Mais importante do que a constituição ânua é observar que no § 4º, do art. 5º a lei autoriza que, em casos excepcionais, o juiz dispense a constituição ânua:

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

São raríssimas as hipóteses de dispensa, mas tivemos um leading caseno Brasil. Foi o caso de uma associação aqui de SP, e que foi parar no STJ, chamada ADEF (Associação de Defesa dos Fumantes). Em 1994/95 entrou com uma ação para indenizar todos os que tiveram câncer de pulmão pelouso do cigarro, só que ela tinha sido constituída havia dois meses. O Judiciário teve que decidir e decidiu que, aplicando o § 4º, do art. 5º, como o interesse era socialmente relevante era o caso de permitir o seu processamento, mesmo sem ter havido a constituição ânua. A ADEF perdeu a ação no mérito.

Pertinência temática – É o segundo requisito indicado pelo inciso V, do art. 5.º, para que uma associação possa entrar com uma ACP. Nada mais é do que a finalidade institucional da associação. É aquilo que o estatuto diz para o quê serve a associação. Portanto, quando a lei diz que tem que ter pertinência temática, é no sentido de que a associação pode propor a ação apenas dentro dos seus objetivos institucionais. Anota: A lei diz que a associação tem a possibilidade de propor ACP se ela incluir entre as suas finalidades institucionais. Isso quer dizer: não precisa ser a principal finalidade. A ação civil pública para essa associação não precisa ser ajuizada só na principal finalidade da associação, mas também para as outras finalidades.

Pensa em uma associação de magistrados como a ANB. Sua finalidade precípua é defender as prerrogativas dos magistrados. Isso vem logo no art. 1º. Mas também está lá: “incluem-se também entre as finalidades da associação:” E vamos supor que lá pelo art. 8º esteja: “a defensa do direito de consumidor dos magistrados.” Nesse caso, a ANB pode entrar com uma ACP para a defesa, por exemplo, dos magistrados que compraram um carro com uma peça defeituosa. E isso não tem nada a ver com a principal finalidade da instituição, mas tem a ver com uma das finalidades institucionais.

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Uma última observação sobre o art. 2.º-A, § único, da Lei 9.494/97, que é uma aberração e vai dizer o seguinte:

Art. 2o-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Está dizendo basicamente o seguinte: “quando se tratar de ação para a tutela dos individuais homogêneos, ajuizada por associação contra o poder público, a inicial tem que estar acompanhada de autorização assemblear e lista com nome e endereço dos que serão beneficiados.”

A finalidade desse dispositivo é inviabilizar o ajuizamento dessas ações. Como é possível fazer uma assembleia para pedir autorização para entrar com uma ação pela tutela de individuais homogêneos? E olha, é só para os individuais homogêneos. Para os difusos, isso não precisa. Quando a associação for muito grande, você não consegue isso nunca! Imagine, 5 mil membros! Como reunir toda essa gente para saber se pode ou não pode entrar com uma ação na defesa dos interesses individuais homogêneos dos associados?

O art. 2º-A é objeto de intensa controvérsia na doutrina. A doutrina critica veementemente esse dispositivo por uma razão só: quando eu dei autorização para a entidade defender meu interesse? Em que momento eu falei: “pode entrar com a ação”? No momento em que eu me associei. A minha autorização está dada no momento que eu entro na associação, que conheço suas finalidades institucionais. E a partir daquele momento, ela pode propor ação no meu interesse. E o art. 2º-A nada mais faz do que desvirtuar o objetivo do direito de se associar que, nada mais é do que a autorização que você dá para a associação representar os seus interesses.

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Se você for prestar concurso para AGU, procuradorias, diga que esse dispositivo é o melhor do mundo, mas nós temos no Brasil um precedente do STJ que é o REsp 805277/RS, que entendeu pela inaplicabilidade desse dispositivo. Foi um belo voto relatado pela Ministra Nancy Andrighi, que disse que esse dispositivo contraria o próprio fim associativo.

REsp 805277 / RS - Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) -TERCEIRA TURMA - Julgamento - DJe 08/10/2008 - A ação coletiva é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes.- Independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva.- É regular a devolução do prazo quando, cessado o impedimento, a parte prejudicada demonstra a existência de justa causa no qüinqüídio e, no prazo legal, interpõe o Recurso. Na ausência de fixação judicial sobre a restituição do prazo, é aplicável o disposto no art. 185 do CPC.- A prerrogativa assegurada ao Ministério Público de ter vista dos autos exige que lhe seja assegurada a possibilidade de compulsar o feito durante o prazo que a lei lhe concede, para que possa, assim, exercer o contraditório, a ampla defesa, seu papel de 'custos legis' e, em última análise, a própria pretensão recursal. A remessa dos autos à primeira instância, durante o prazo assegurado ao MP para a interposição do Especial, frustra tal prerrogativa e, nesse sentido, deve ser considerada justa causa para a devolução do prazo.Recurso Especial Provido.

3.2. Legitimidade passiva

Já vimos quem vai ser autor, agora falta ver quem vai ser réu na ACP, quem vai ser demandado na ACP e na lei de ACP não há previsão legal quanto ao legitimado passivo para a propositura da ACP, o que leva a doutrina a abraçar duas posições:

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1ª Corrente – Diz que como não há previsão legal, o legitimado passivo vai ser formado através de um litisconsórcio facultativo simples a ser eleito pelo autor coletivo. Isso significa que a ACP pode ser ajuizada contra quem o autor quiser. Se há quatro empresas poluidoras, a associação não estaria obrigada a ajuizar contra as quatro, mas contra uma, duas, três, contra quantas quiser. Como não há previsão legal, ficaria à livre escolha do autor. Não me parece que é a melhor posição.

2ª Corrente – Defendida, entre outros, pelo professor Mancuso, que manda aplica o microssistema, que diz que se não há norma na Lei de ACP, eu busco onde? No CDC. E se não há norma no CDC, eu busco nas demais normas que compõem o microssistema (Lei de Ação Popular, LMS, Lei dos Juizados, etc.). E o Mancuso acha no art. 6º, da Lei de Ação Popular (lei 4.717), um dispositivo bem interessante:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Ou seja, diz que quem vai ser réu na ação popular: o mundo, o universo. Todos os que participaram, de qualquer maneira do ato. Trata-se de um típico caso de litisconsórcio necessário e simples entre todos os citados pelo art. 6º, da Lei de Ação Popular. Então, essa é a posição a ser adotada. Quando não tem norma, aplica o microssistema. E no caso das quatro empresas poluidoras, se a associação entrar contra uma só, o juiz tem que mandar emendar, porque o caso é de litisconsórcio necessário e não de litisconsórcio facultativo.

4. INQUÉRITO CIVIL

4.1. Generalidades

1ª Observação: O inquérito civil tem previsão nos arts. 8º, § 1º e 9º, da Lei de Ação Civil Pública, e também na Constituição Federal no art. 129, III (se quiserem acabar com ele, vai ter que ser por emenda constitucional). E cada MP estadual tem uma lei orgânica que disciplina o inquérito civil, cada uma dizendo uma coisa. Para resolver o problema, o Conselho Nacional do Ministério Público, influenciado negativamente pelo CNJ, editou uma resolução, a Resolução 23, de 17/09/2007. Essa resolução quer padronizar os procedimentos do inquérito civil nos âmbitos estadual e federal.

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Mas se você ler os artigos 8º, § 1º e 9º, da Lei de ACP, o art. 129, III, da Constituição Federal e essa resolução, é mais do que bastante para você dominar bem o tema inquérito civil.

Lei de ACP Art. 8º § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

Lei de ACP Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

CF Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

2ª Observação: O inquérito civil impõe um constante paralelo com o inquérito policial. E por quê? Toda vez que você tiver dúvidas quanto ao inquérito civil, vai no inquérito policial. 90% das vezes é igual. E por que se impõe esse paralelo? Porque ambos são procedimentos investigativos para a formação do convencimento do órgão ministerial. O inquérito civil é instaurado para que o promotor possa amealhar elementos para saber se proporá ou não a ACP. O diferencial é que quem faz inquérito policial é a autoridade policial e quem denuncia é o MP. E quem faz o inquérito civil é o próprio Ministério Público para instrução da ação cível.

4.2. Características do inquérito civil apontadas pela doutrina:

a) Trata-se de um procedimento meramente informativo – Isso significa que não se aplicam sanções, penas, não se reconhece responsabilidade. É meramente informativo. Não há sanções, não há responsabilidade.

b) Trata-se de um procedimento de natureza administrativo –No inquérito policial o juiz mete a pata para conceder prazo. O inquérito civil, o juiz nem vê.

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c) O inquérito civil não é obrigatório – Se o promotor estiver convencido de que houve o dano, pode entrar diretamente com a ACP.

d) O inquérito civil é público – Qualquer pessoa pode ter acesso, cabendo, inclusive MS para ter acesso aos autos. É possível, excepcionalmente, a decretação dos sigilos das investigações, por analogia ao art. 20, do CPP.

e) É procedimento inquisitivo – Isso significa que é sem contraditório. A finalidade aqui é formação do convencimento. O momento da discussão ocorrerá, se for ajuizada, na ação civil pública. A professora Ada entende que tem que ter contraditório porque se trata de procedimento administrativo acusatório, mas é posição isolada.

f) É instrumento privativo e exclusivo do MP – Muitos querem, mas só o MP tem. Se não tem como investigar, não propõe ação coletiva. A defensoria pública não pode instaurar inquérito civil. Na nova Lei de Ação Civil Pública, uma das maiores públicas foi no sentido de que daria ou não inquérito civil para a defensoria pública. E a maioria, por uma mínima vantagem de votos, entendeu que não. Sabe por quê? Porque isso desvirtuaria a função típica da defensoria.

4.3. Fases do Inquérito Civil:

a) Instauração

Como começa o IPL? Flagrante, portaria, requisição. O inquérito civil tem início por portaria. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional do MP, na portaria tem que ser indicado o objetivo da investigação, bem como determinadas as provas que serão inicialmente colhidas (pede laudo, vistoria, designa oitiva, etc.).

Instauração abusiva do inquérito civil – Se a instauração for abusiva, tem-se entendido pacificamente, que cabe mandado de segurança contra o promotor. O mecanismo para trancar o inquérito civil abusivo seria o mandado de segurança contra o promotor, o procurador da república ou o procurador do trabalho. A dúvida é: quem julga o MS contra o promotor, contra o procurador da república? Há duas posições. Na verdade essas são posições conciliáveis:

1ª Posição – É o tribunal, desde que o promotor goze da mesma prerrogativa de foro que o juiz – Onde eu vou

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saber isso? Na Constituição Estadual. Aí você vai ter que ir na Constituição do seu Estado para ver se o promotor tem a mesma prerrogativa de foro do que o juiz. Geralmente tem. Se é o tribunal que julga o MS contra o juiz, quem julga MS contra instauração abusiva de inquérito civil é o tribunal, porque ele está no mesmo status institucional do juiz. Em SP, o art. 64, II, da Constituição Estadual, dá prerrogativa de foro para o promotor. Em SP, quem julga é o tribunal, é o mesmo órgão que julga MS contra o juiz.

2ª Posição – Quem julga é o juiz de primeiro grau, à míngua de previsão legal expressa na Constituição Federal ou Estadual. No MPF quem disciplina o foro privilegiado do procurador da república é a CF e na CF não tem essa prerrogativa do MS. E, portanto, quem julga MS contra MPF por instauração abusiva é a justiça federal de primeiro grau.

Impedimento e suspeição do promotor para a presidência do IC –Aplicam-se as regras dos arts. 134 e 135, do CPC. Você vai reclamar que ele é impedido ou suspeito para o órgão superior dele.

Art. 134 - É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I - de que for parte;II - em que interveio como mandatário da

parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes

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destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Efeito da instauração nas relações de consumo – Há um dispositivo no CDC que você tem que estar muito esperto, que é o art. 26, § 2º, III, do CDC. O art. 26 trata dos prazo de decadência para as reclamações a respeito de relações de consumo. Trata de prescrição e decadência. E são prazos muito curós: 30, 90, 5 anos (para acidentes de consumo). Esse artigo manda uma informação que passa meio despercebida por muitos. O legislador entendeu razoável que enquanto o promotor estivesse investigando a ocorrência de um evento prejudicial aos direitos do consumidor, que o prazo de decadência ficasse obstado. Daí a previsão do art. 26, § 2º, III:

§ 2º - Obstam a decadência: III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

Do momento em que o promotor baixou a portaria, até a decisão final no inquérito civil, os prazos decadenciais, de perda de direito previstos pelo CDC se tornam obstados. O prazo nem começa a correr.

Há um dispositivo no Código Penal, que é o art. 339, que trata do crime de denunciação caluniosa. Ele fala que configura denunciação caluniosa dar causa indevida (sabendo ser falsa a afirmação) a inquérito civil, não só a inquérito policial. Isso é para evitar que o sujeito minta para o promotor com a finalidade de prejudicar terceiros.

b) Poderes instrutórios do MP

Quando se pensa em instrução, pensa-se nas provas que serão trazidas ao bojo do inquérito civil. Mais do que falar em instrução, é melhor a gente falar em poderes do MP a bem da instrução do inquérito civil. Dentro do IC, o membro do MP tem três poderes instrutórios

1º Poder Instrutório: Poder de vistoria e inspeções

Isso está no art. 8º, V, da LOMP-U, que é a Lei orgânica do MP da União. O MP pode vistoriar pessoas e coisas, evidentemente que respeitadas as garantias constitucionais. Aquilo que não é coberta pela proteção do domicílio, o promotor tem poder, independentemente de autorização de

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quem quer que seja. O exemplo clássico é a vistoria em repartições públicas. O MP, no bojo do IC pode comparecer à repartição para aferir se há ou não funcionários fantasmas em determinada instituição.

2º Poder Instrutório: Poder de intimação para depoimento sob pena de condução coercitiva

O MP pode intimar qualquer pessoa para depor. E se ela não comparecer para prestar depoimento, não precisa de intervenção judicial. O próprio promotor requisita força policial para trazer pela orelha. Mentir na delegacia é falso testemunho? Sim, desde que não seja o acusado. No IC, mentir para o promotor é falso testemunho? No IPL é. E no IC? Me parece que à luz do art. 342, do CP, é crime, porque o art. 342 fala que é crime mentir em inquérito ou procedimento administrativo. E o IC é um procedimento administrativo. Calar ou falsear a verdade é falso testemunho, embora haja posições em contrário. Há quem ache que mentir em inquérito civil não comete falso porque não há no tipo penal a expressão “inquérito civil.”

3º Poder Instrutório: Poder de requisição de qualquer entidade pública ou privada, física ou jurídica de documentos, salvo os protegidos pela Constituição Federal por sigilo.

Esse poder tem, como o anterior, previsão no art. 26, da LOMP, que é Lei Orgânica do MP (Lei 8.625/93). Tanto o poder de condução coercitiva, quanto esse, que é o de requisição do MP, estão previstos na LOMP. A grande dificuldade que se impõe é a definição do que seja “salvo os protegidos pela CF por sigilo.” Esses protegidos por sigilo não podem ser requisitados pelo MP e esses são os protegidos por:

Sigilo de dados telefônicos Sigilo de correspondência

O MP, por exemplo, não poderia requisitar por correio que as cartas dirigidas a você fossem encaminhadas antes para ele e não poderia pedir à companhia telefônica que entregasse as ligações que você fez. Para esses casos, de sigilo de comunicações e de correspondência é necessária prévia autorização judicial. O MP pode ter acesso aos dados telefônicos, mas via autorização judicial. Ele, sozinho, não tem autorização para quebrar.

Sigilo fiscal e bancário – O MP pode requisitar qualquer documento, menos os protegidos por sigilo constitucional (telefonia e correspondência). Pode o MP oficiar a receita e pedir a declaração de renda do sujeito? Essa é uma questão altamente polêmica. Em torno dela surgem duas posições diametralmente opostas:

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1ª Corrente (Néri, Hugo Nigro Mazzilli) – A lei que trata do sigilo é a Lei Complementar 105/01, que proíbe. Já a lei que permite a quebra do sigilo de documentos pelo MP é a LOMP (Lei 8.625/93). O que esses doutrinadores dizem para sustentar que pode requisitar direto? Ou seja, que o promotor pode decretar quebra de sigilo fiscal e bancário independentemente de autorização judicial? O que eles alegam para poder sustentar isso? Alegam que esses dois sigilos decorrem da lei ou decorrem da Constituição Federal? Decorrem da lei. O MP pode requisitar documentos, salvo os resguardados por sigilo constitucional. Nesse caso, o sigilo não é constitucional, mas legal. No modo de entender deles, o MP pode requisitar documentos fiscais e bancários porque o sigilo não é constitucional, mas infraconstitucional, de modo que prevaleceria a LOMP, sobre a LC 105/01. Esse entendimento foi amparado pelo STF no passado, no MS 121729. No julgamento desse MS, o Supremo entendeu que o MP pode requisitar diretamente os dados sob esse fundamento, de que os dados não decorrem de sigilo constitucional, mas legal. Então, a LOMP poderia excepcionar LC 105/01

2ª Corrente – A LC 105, na verdade, simplesmente disciplina a garantia à intimidade, de modo que os sigilos fiscais e bancários têm status constitucional. A LC só disciplina, só explicita, mas a garantia não decorre da LC 105, mas decorre de um direito à intimidade que é previsto no art. 5.º da Constituição Federal. Ora, se o direito à intimidade é previsto no art. 5º da CF, e os sigilos fiscal e bancário, por serem integrantes dele, têm status constitucional. Por isso, de acordo com os adeptos dessa teoria, o MP não teria poder de quebrar o sigilo fiscal e bancário, uma vez que eles teriam status constitucional. Esse entendimento também foi adotado pelo STF, no julgamento do RMS 8716/GO. Nesse julgamento, o STF entendeu que o sigilo fiscal e bancário decorrem do direito constitucional à intimidade e que, portanto, o MP não poderia determinar a sua quebra sem autorização judicial.

Essas posições são diametralmente opostas. Há julgados do STF para os dois lados. Na prática, os promotores não querem correr o risco de ver todas as investigações deles indo por água abaixo porque temem que no futuro se decida que não poderiam ter requisitado a prova diretamente. Então, eles acabam pedindo a autorização para não ter que enfrentar essa polêmica. Na minha opinião, acho que pode.

Para encerrar o poder de requisição, eu queria chamar atenção para o que diz o art. 10, da Lei de ACP, que tipifica um crime para os que não apresentam os documentos requisitados pelo MP:

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à

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propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

Olha a importância que tem o poder de requisição. Se a pessoa descumpre a requisição, ela responde por um tipo próprio, que é o de negar informações no âmbito do IC.

c) Conclusão

A conclusão do IC pode ser representada graficamente, do seguinte modo: o MP instaurou inquérito civil. Depois de instaurado, ele promoveu a instrução. Chega no derradeiro momento, que é o momento da conclusão. E quais são as conclusões possíveis para o promotor?

1ª Conclusão: Ajuizamento da ação civil pública – Feito isso, a atribuição deixa de ser administrativa, se tornou judiciária.

2ª Conclusão: Arquivamento fundamentado – Se o IC não revelou informações suficientes para a formação do seu convencimento (não ficou comprovado o dano ambiental, o dano a ser reparado), o promotor promove aquilo que a lei chama de arquivamento fundamentado. Ele tem que explicitar as razões do seu convencimento no sentido de não estarem presentes os elementos que demandem uma intervenção jurisdicional. Ele promove esse arquivamento no prazo de 3 dias. Quem faz a análise sobre se o IPL pode ou não ser arquivado é o juiz. Aqui, não. Se ele não concorda, usa o art. 28. O IC não passa pelo juiz. Ele é fundamentado em três dias e é encaminhado para o órgão superior do MP. No MP estadual, chama Conselho Superior do Ministério Publico. Todos os estados têm. No MPF é a Câmara de Coordenação e Revisão. Encaminhados os autos em 3 dias para esse órgão superior do MP, esse órgão vai marcar uma sessão pública. Até aqui qualquer interessado pode se manifestar. O órgão superior vai marcar uma sessão para julgar o arquivamento e até esse momento, qualquer um pode juntar documento, se manifestar, reclamara do promotor. Tudo isso contribui para verificar se o caso é ou não de arquivamento. Sempre vai ter alguém feliz (investigado) e alguém triste (vítima) com o arquivamento.

O órgão superior pode tomar três atitudes:

1ª Opção: Homologa o arquivamento.

2ª Opção: Converter o julgamento em diligência – Por exemplo, manda ouvir uma testemunha que o promotor esqueceu. Nesse caso, os autos voltam à primeira instância para oitiva da testemunha e depois retornam à câmara ou conselho para apreciar o pedido de arquivamento.

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3ª Opção: Rejeita o arquivamento – Nesse caso de arquivamento rejeitado, o procurador-geral necessariamente designará outro promotor para o ajuizamento da ação civil pública. E fará essa nomeação por um motivo simples. Ele tem que respeitar a independência funcional do promotor que pediu o arquivamento. O promotor nomeado no lugar daquele não pode arquivar de novo porque, aqui, ele vai atuar em nome do procurador-geral. É um longa manus do procurador-geral. Ele não pode promover um novo arquivamento. Ele é obrigado a entrar com a ACP.

Sobre a conclusão do IC, duas observações finais importantes:

1ª Observação: O arquivamento do IC não impede que qualquer outro legitimado ou até outro órgão do MP proponha a ACP. O arquivamento é um instrumento do MP. Nada impede que uma associação entre com a ação. A legitimidade para a propositura da ACP é disjuntiva, um não depende da atuação do outro legitimado. É óbvio que o réu dessa nova ACP vai usar como primeiro elemento de defesa o arquivamento. Mas isso é argumento de defesa, não impede o ajuizamento da ACP.

2ª Observação: Tanto quanto no IPL, é vedado o arquivamento implícito do inquérito civil. Se num IPL que investiga extorsão, furto e peculato, o promotor entender que só houve peculato, ele tem que denunciar o peculato e promover o arquivamento da extorsão e do furto. O promotor está apurando superfaturamento na prefeitura em 2004, 2005 e 2006. Conclui que só houve superfaturamento em 2006. O que ele faz? Manda o arquivamento de 2005 e 2004 para o conselho arquivar e toca a ACP de 2006. Não dá para fazer arquivamento implícito. Se fizer isso, é sanção funcional. Ele pode ser até demitido do cargo. Cuidado com essa questão do arquivamento implícito.

5. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – CAC ou TAC

Ao compromisso de ajustamento de conduta diz-se CAC (compromisso) ou TAC (termo). Compromisso é conteúdo, termo é a forma. Mas usam-se essas expressões como sinônimas. Ninguém se preocupa com essa diferenciação formal. TAC e CAC são a mesma coisa.

Nosso legislador foi extremamente breve ao tratar de TAC, só o art. 5º, § 6º trata disso. Ele diz que

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de

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11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Quer dizer, a nossa lei só fala isso sobre TAC e a gente tem que se virar para acrescentar outras informações. Muitas dessas informações hoje podem ser obtidas na Resolução 23, do CNMP, que tem um capítulo próprio dedicado exclusivamente à celebração do TAC, mas legalmente falando o que existe é só o art. 5º, § 6º.

5.1. Natureza do TAC

Muitos autores, do meu ponto de vista erradamente, indicam que o CAC tem natureza de transação. Considero equivocado porque a transação pressupõe concessões múltiplas e recíprocas e aqui, nesse caso, o interesse em jogo não é disponível. Por isso, não há concessões recíprocas até porque o autor da ação coletiva não pode abrir mão de algo que não é dele. Por isso, eu entendo que a natureza do CAC não é de transação, mas de reconhecimento jurídico do pedido.

Quando o órgão legitimado faz o CAC ele não abre mão do conteúdo da obrigação, mas da forma de cumprimento da obrigação. Ele só negocia a forma. Exemplo: se o cara desmatou 500 árvores e a reparação exige a reparação de 500 árvores, o réu tem que plantar 500. O promotor não pode abrir mão de interesse que não é dele, deixando o cara plantar só 250. Ele pode abrir mão da forma de cumprimento da obrigação (“planta 100 por mês”). Há uma indisponibilidade do direito em jogo. Por isso, me parece que a natureza é de reconhecimento jurídico do pedido.

Na maioria dos casos, o CAC é feito em obrigações de fazer e não fazer. A cada 100, que você pegar, 99 vão recair sobre obrigações de fazer e não fazer. É muito raro o CAC sobre obrigação de pagar. Eu nunca vi um TAC sobre pagar.

5.2. Legitimação

Quem pode celebrar TAC? A resposta está no § 6º, do art. 5º: órgãos públicos legitimados.

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

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Quem pode? MP, Defensoria Pública, Administração Direta e Indireta.

Quem não pode? Associações, que são os órgãos privados legitimados. Só os órgãos públicos legitimados podem firmar TAC.

Não tem controle do MP! O MP não é tutor dos interesses coletivos. Se a defensoria que fazer um TAC do jeito X, não precisa pedir bênção do MP para o acordo.

5.3. Fiscalização do cumprimento

Quem fiscaliza é quem firmou. O órgão que celebrou o TAC é quem faz a fiscalização. Mas e se quem firmou o TAC foi uma prefeitura comprometida com os interesses do madeireiro? Então, a fiscalização é de quem celebrou, no entanto, a má celebração ou má fiscalização gera improbidade administrativa do celebrante, sem prejuízo de uma outra ACP para reparação do dano causado.

O cara desmatou 5000 árvores o prefeito fez o TAC mandando plantar 500. Ele vai responder por improbidade administrativa e qualquer outro legitimado vai entrar com uma ACP contra o prefeito e o cara que desmatou, para obrigar a plantar as 4500 árvores faltantes. É assim que funciona.

5.4. Eficácia

É de título extrajudicial. Se o cara não cumprir, execução de título extrajudicial. O § 6º, do art. 5º é bastante claro nesse sentido:

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

5.5. Celebração no bojo do IC

Em 90% das vezes acontece isso: conforme ele investiga aparece o suposto causador do dano querendo fazer um TAC, o promotor no bojo do inquérito civil celebra o TAC. Se ele cumprir, acabou o problema. Então, a celebração do CAC dentro do IC, leva à necessidade de arquivamento do IC.

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E como é feito isso? O promotor faz uma promoção de arquivamento dizendo se dirigindo ao conselho superior pedindo a homologação porque o sujeito celebrou o TAC. O órgão superior faz o quê com esse caso? Pode homologar e pode mandar seguir o IC. A realização do TAC dentro do inquérito civil, quando leva ao arquivamento, é levado ao órgão superior do MP. Se o órgão não homologar, o TAC do MP não vale. É mais fácil os outros órgãos públicos celebrarem TAC porque não tem controle. O promotor só celebra na ponta da faca porque se fizer mal feito, não vinga. Se o promotor não fizer um TAC direito, o conselho superior não vai homologar. Só que, às vezes, o promotor morre de dó do caboclinho lá e ele sabe que 100 árvores recomporiam o dano ao invés de 300. Sabe o que ele faz? Ajuíza a ACP e na audiência de conciliação resolve o problema. Não tem controle do órgão superior do MP. O controle nessa fase é feito pelo juiz.

“Se, eventualmente houver a celebração do acordo após o ajuizamento da ACP, ele só será submetido ao crivo judicial, e não mais ao órgão superior do MP.”

5.6. Compromisso preliminar

“O compromisso preliminar é o CAC celebrado para solução de apenas parcela dos fatos ou de pessoas investigadas.”

Estou investigando 4 por dano ao consumidor. Dois vão ao MP e dizem que topam pagar o dano. Você resolve o problema parcialmente. Isso chama compromisso preliminar. É uma solução parcial do problema. Não há óbice à celebração do compromisso preliminar.

“Caso haja celebração de compromisso preliminar, haverá prosseguimento da investigação ou ajuizamento da ação contra os demais fatos ou pessoas.”

5.7. TAC em improbidade administrativa

Em princípio não cabe TAC em improbidade administrativa. Por quê? Porque o cara tem que ser castigado, tem que sofrer as sanções da improbidade. É por isso que não cabe, em princípio, TAC em improbidade administrativa, por causa das sanções doa RT. 12, da Lei 8429/92 que não podem ser objeto de renúncia. O promotor não pode deixar de processar para evitar a suspensão dos direitos políticos. Se houvesse possibilidade de TAC em improbidade, o sujeito ia roubar e ver no que ia dar. Se não desse em nada, ele torrava o dinheiro. Você incentivaria a ilegalidade.

Há uma única exceção de que, em princípio, não há TAC na improbidade. Entende que:

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“Se o funcionário for do baixo clero e a Administração Pública já o sancionou, é possível a celebração do TAC.”

O cara deve 10 mil, já foi mandado embora da prefeitura. Se ele topar as pagar duas de 5 mil, faz o TAC porque o castigo já veio, a Administração já sancionou adequadamente. Não há porque tocar a improbidade para ter o mesmo efeito que a prefeitura conseguiu, ou seja, mandar o cara embora.

6. OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS

Eu tenho algumas questões processuais finais sobre ACP para você ficar esperto, em especial, em prova de marcar.

6.1. Art. 2º, da Lei 8.437/92

O art. 2º veda a concessão de liminar inaudita altera para em ACP contra o Poder Público. Ele praticamente determina que o Poder Público, antes de o juiz dar a liminar, seja ouvido em 72 horas.

Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas .

Atenção! Sobre essa lei, duas observações extremamente importantes sobre esse artigo:

1ª Observação: Quem será ouvido é o representante judicial. E é diferente de representante legal. O legal é quem representa extrajudicialmente a pessoa (prefeito, governado, presidente). O representante judicial dos órgãos públicos é a procuradoria. Para acelerar, eu não ouço o prefeito, o governador, o presidente, mas ouço o procurador do estado, do município, o advogado da União, o procurador federal.

2ª Observação: O STF, em mais de uma oportunidade, pronunciou a constitucionalidade desse dispositivo. Ele disse que é plenamente constitucional porque não veda, apenas condiciona o cabimento da liminar contra o Poder Público. Ele diz que o Poder Público tem que ter um tratamento especial, que merece uma proteção maior do que a dos demais jurisdicionados e que, exatamente por isso, não há inconstitucionalidade. Entretanto, o Supremo deixou a porta aberta ao dizer: não é inconstitucional, o

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juiz tem que ouvir previamente, mas, excepcionalmente, no caso concreto, não sendo possível a oitiva, conceda a liminar, mesmo sem ouvir o Poder Público. Deixou brecha. Disse que o juiz, em princípio, tem que ouvir previamente, mas em casos extremos, para proteger a saúde, a segurança pública, quando não der tempo de ouvir, passa por cima do dispositivo, porque a garantia jurisdicional efetiva deve prevalecer sobre a proteção do Poder Público. Esse é um voto primoroso do Sepúlveda Pertence

6.2. Sucumbência – Arts. 17 e 18 da Lei de ACP

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

Atenção! O autor da ação coletiva, se for MP ou associação, só vai pagar sucumbência nas hipóteses de má-fé. Quer dizer, só vai ter pagamento de custas, honorários, despesas, se ficar provado que o autor entrou com a ação de sacanagem, para prejudicar. Aqui em SP temos um caso em que o juiz da Vara de Fazenda Pública meteu uma litigância de má-fé por causa de uma ação contra o Maluf. Era o tal do “frangogate”, superfaturamento na compra do frango e ficou comprovado que não havia superfaturamento algum. Era questão de centavos. Ou seja, preço de mercado, e o juiz entendeu que o MP abusou do direito de acusar e condenou o MP a custas e honorários por má-fé. É lógico que quem paga não é o promotor, mas o Estado que emprega o promotor, mas é plenamente possível.

Mas se o autor for a Administração Direta ou Indireta ou a Defensoria Pública, existem duas posições:

1ª Corrente: Diz que é só na má-fé. Só paga se houver má-fé, como na hipótese anterior.

2ª Corrente: Posição do STJ. Em um julgado, estabeleceu que paga independentemente de má-fé. O réu teve que pagar advogado, daí a necessidade de condenação em honorários.

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No STJ há as duas posições. Você acha acórdão dizendo que é só na má-fé e, portanto, aplica a mesma regra aplicável para o MP e para a associação. Antes, eu defendia a outra posição, hoje estou convicto de que a melhor é essa: só tem que pagar no caso de má-fé. Senão, você desencoraja os caras a entrar com a ACP. A prefeitura descobriu desvio de verba. Ao invés de entrar ela, mesma, bate na porta do MP. E qual a lógica da associação não pagar nada e a defensoria ou a prefeitura ter que pagar?

MP vencedor – Se o MP for vencedor, há entendimento, também do STJ, que o réu não paga sucumbência. O autor da ACP ganhou, o réu foi condenado a reparar dano, por que eu não o condeno em custas e honorários advocatícios? Porque o MP não recebe honorários, não paga custas e não tem despesas processuais, consequentemente, se o MP for vencedor, o réu não paga sucumbência. Não vai mandar esse dinheiro para o Estado. Não paga porque o MP é isento de tudo.

Demais legitimados vencedores – Réu paga sucumbência. Se a defensoria entrar com ação e ganhar, o réu paga honorários. E essa grana vai para onde? Vai para o Fundo, para equipar a defensoria, etc.

6.3. Efeito suspensivo da apelação – Art. 14 da Lei de ACP

Eu queria que você ficasse atento ao art. 14, da Lei de ACP, até porque tem um projeto de lei que quer transformar todas as apelações igual ao 14:

Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

No âmbito da ACP, a regra do efeito suspensivo da apelação é diferente da regra do CPC. O art. 520, do CPC diz que a apelação tem, como regra, efeito devolutivo e suspensivo. Na ACP, quem decide se dá ou não efeito suspensivo não é a lei, mas o juiz. E isso é fundamental. Cuidado! Na ACP, a apelação fica dependendo de efeito suspensivo a ser ou não concedido pelo magistrado.

6.4. Reexame necessário

Tem previsão no art. 475 do CPC. Regra geral: o reexame necessário é em favor do Poder Público. Na ACP, esse regime é diferente! A regra geral é que o reexame necessário é a favor do interesse coletivo. Consequência: é que eu aplico o art. 19, da Lei de Ação Popular (microssistema) ou o art. 4º, § 1º, da Lei 7.853/89 (Estatuto dos Deficientes), ambos dispositivos estabelecem que, em tema de ação popular ou ação para tutela dos deficientes (nesses casos e em todos os demais por conta do microssistema), você vai ter reexame necessário na ACP se o autor coletivo perder. Se o MP entrou com

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uma ação julgada improcedente, reexame necessário. Se a associação entrou com ACP julgada improcedente, reexame necessário. Se a defensoria entrou e perdeu, reexame necessário. O reexame necessário é em favor do interesse coletivo. Há autores que falam que nesse caso, o reexame necessário é invertido. Reexame necessário invertido porque não é do poder público. Isso que eu falei é objeto de um julgado do STJ: REsp 1108542/SP.

REsp 1108542 / SC - Ministro CASTRO MEIRA -SEGUNDA TURMA - Julgamento 19/05/2009 - DJe 29/05/20091. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina.2. Recurso especial provido.

6.5. ACP vs. ADI

Muitos se perguntam se você pode entrar com ACP alegando inconstitucionalidade de leis. Alguns sustentam que isso seria uma forma indireta de usurpar a competência do Suprem porque obteria o mesmo efeito de uma ADI, já que a ACP tem, nos difusos, eficácia erga omnes, atingindo a todos. Você usurparia, via ACP, uma atribuição do Supremo, que é declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei.

O Supremo já teve a oportunidade de enfrentar essa questão. O Supremo tem admitido o uso de ACP com fundamento na inconstitucionalidade de ato normativo. Tem entendido que é plenamente possível o uso de ACP com fundamento na inconstitucionalidade de ato normativo. Mas como assim? É fácil de entender: saiu uma lei absolutamente inconstitucional dando, por exemplo, o Centro do DF para a iniciativa privada. É absolutamente inconstitucional. O PGR ajuíza uma ADI no STF. Observe o exemplo. Qual é a causa de pedir dessa ADI? Por que o PGR entrou com ação? Porque há inconstitucionalidade de lei. E qual é o pedido que ele faz? Inconstitucionalidade da lei, ou seja, a ADI é uma ação cujo pedido e causa de pedir são idênticas, qual seja, a inconstitucionalidade da lei. O Supremo vai declarar a inconstitucionalidade da lei que deu para a iniciativa privada a área no centro da cidade. O supremo declarou a inconstitucionalidade, acabou. Acabou porque o papel do Supremo é simplesmente declarar a inconstitucionalidade. Se o governante vai ou não vai deixar de cumprir ou não a lei é outro problema porque se ele está entregando para a iniciativa privada, com base em lei inconstitucional, o centro da cidade, ele que responda depois por improbidade administrativa, mas o Supremo não faz mais nada além de declarar que essa lei é inconstitucional.

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Por outro lado, quando eu entro com a ACP e a ACP é em primeiro grau, reparem como muda: o MP vai entrar com uma ação cuja causa de pedir vai ser a mesma da ADI: inconstitucionalidade da lei: “olha, essa lei é inconstitucional porque não pode dar para a iniciativa privada o centro da cidade. Mas é aqui que está o diferencial. O pedido numa ACP não pode ser a declaração de inconstitucionalidade, mas vai ser uma providência concreta. O pedido numa ACP vai ser uma providência concreta. No caso de dar para a iniciativa privada o centro da cidade, o MP entra com a ACP e fala que a lei é inconstitucional e o que ele pede? “Prefeito, não entregue o centro da cidade”, ou “juiz, impeça que a empresa privada se aposse do centro da cidade sob pena de multa.” A diferença, portanto, é que na ACP, o pedido não é abstrato, mas concreto. Já na ADI, o pedido é abstrato. Aqui, eu obtenho algo concreto e que vai impedir a aplicação da lei inconstitucional. Na ADI, o juízo é apenas abstrato da constitucionalidade. E é por isso que o Supremo reiteradamente vem decidindo que a ADI com a ACP são compatíveis, desde que observado que o pedido de uma é uma providência concreta e o pedido de outra é uma providência abstrata.

6.6. Possibilidade de ajuizamento de ACP em favor de uma única pessoa

Pode o MP entrar com ACP para garantir vaga em creche para um aluno? Remédio para uma pessoa carente? Tratamento para um idoso? No próprio STJ (que em processo coletivo colabora pouco, já que é mais dúvida do que conclusão), há duas posições diametralmente opostas:

1ª Posição: Não é possível ACP individual, pois a defesa de um único necessitado é função da defensoria. Então, o MP não poderia fazer isso. REsp 620622/RS diz isso.

2ª Posição: É possível se o interesse tutelado for indisponível, caso em que o MP poderá ajuizar ACP individual. Em abono dessa tese, o REsp 819010/SP. O raciocínio do STJ nesse julgado é simples: entre as atribuições do MP está a tutela dos direitos individuais indisponíveis.

O culpado por essa briga é o MP que, para tudo, usa ACP. Nem tudo o que o MP pode usar é ACP. Se ele entrar com uma ação de obrigação de fazer, pronto! Acabou o problema. O problema é dar o nome ACP para algo que não é para tutelar direito metaindividual. Se parasse com isso, não teria essa discussão na jurisprudência. Como tem, a melhor maneira de se portar é tentando ampliar a legitimidade.

AÇÃO POPULAR

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1. CONCEITO e PREVISÃO LEGAL

Cada autor dá um conceito diferente de ação popular. Eu, para fins didáticos, vou adotar o conceito do Hely Lopes Meirelles porque quem melhor trabalha a ação popular, não é o constitucionalista ou o processualista. O que melhor investiga é o administrativista, exatamente porque há uma intimidade muito grande entre a ação popular e o direito administrativo.

“A ação popular é um mecanismo constitucional de controle popular da legalidade/lesividade dos atos administrativos.”

Hely usa uma expressão, ele diz que a ação popular é uma ação de caráter cívico-administrativa, pois envolve a cidadania e a Administração Pública, mistura o controle da Administração através do exercício da cidadania.

A ação popular tem previsão no art. 5º, LXXIII, da CF, que estabelece o seguinte:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Esse é o cerne da ação popular, que é regulamentada pela Lei 8.417/65. É uma lei velha, mas ainda boa. É vigente no regime da Constituição de 1964. Atenção, porque além da Constituição Federal e da Lei de Ação Popular, você não pode esquecer que a ação popular é uma ação coletiva e acaba sendo regida também pelo microssistema. Você não pode esquecer que se aplica, naquilo que for possível, as disposições do CDC e da Lei de Ação Popular.

A ação popular está na nossa Constituição desde 1891, nasceu no direito romano. Ela é muito antiga. E é muito pouco usada. Nos meus 11 anos de magistratura vi apenas uma ação popular. É muito pouco, em razão da importância que tem. E a ação popular tem apenas duas súmulas, ambas do STF:

STF Súmula nº 101 - 13/12/1963 - O mandado de segurança não substitui a ação popular.

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A ideia é que o MS é para proteção do direito individual, líquido e certo, ao passo que a ação popular tem um objetivo maior, que é o controle da Administração, através do exercício da cidadania.

STF Súmula nº 365 - 13/12/1963 - Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

Fala algo simples e óbvio. A ideia é que se a ação é popular, pessoa jurídica não teria legitimidade. Existe um motivo para essa súmula ter vindo à tona. É que alguns autores começaram a sustentar que se o assunto fosse sobre matéria ambiental, nos termos do art. 225, da CF (“todos devem proteger o meio ambiente, todos tem direito a um meio ambiente saudável”), a pessoa jurídica também poderia propor ação popular ambiental. Se todos devem proteger, a pessoa jurídica também poderia proteger através da ação popular ambiental. Só que isso viola a própria CF, que fala só do cidadão e viola o Lei 8.417. Por isso, o Supremo editou a súmula, para dizer que pessoa jurídica não tem legitimidade para ação popular.

2. OBJETO DA AÇÃO POPULAR

O objeto da ação popular tem previsão nos arts. 5º, LXXIII, da CF e também no art. 1º, §§ 1º e 2º, da LAP. E qualquer semelhança com a ação civil pública não é mera coincidência. É para ser semelhante mesmo. Todos os dispositivos comentados vão estabelecer que a ação popular serve para:

Tutela preventiva (inibitória ou de remoção dos ilícitos) e Tutela reparatória

Dos seguintes bens e direitos difusos:

o Patrimônio Públicoo Moralidade administrativao Meio ambienteo Patrimônio histórico e cultural

Quero fazer alguns destaques sobre as particularidades da LAP, porque o resto é tudo igual à ACP e não preciso ficar repetindo tudo o que já disse.

1ª Observação: A ação popular tem um objeto bem menor do que o da ação civil pública porque a ação popular não se presta à defesa de qualquer direito metaindividual. A ação popular se presta à defesa exclusivamente dos mais abstratos direitos metaindividuais, que são direitos difusos (aqueles cujos sujeitos são indeterminados e indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato extremamente mutáveis), são os direitos mais

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abstratos: meio ambiente, patrimônio histórico, moralidade administrativa, patrimônio público. São típicos exemplos de direitos difusos, tanto que a doutrina é uniforme no sentido de apontar que a ação popular se presta só para a defesa dos interesses difusos, sendo que a ação civil pública não funciona assim. A ação civil pública se presta à defesa dos interesses difusos, mas também dos coletivos e individuais homogêneos. Então, o objeto da ação popular é bem menor.

2ª Observação: Patrimônio público – Eu quero falar sobre essa expressão e, para tanto, vamos ler o art. 1.º, da LAP, mas antes, anote o conceito de patrimônio público para fins de ação popular, que é amplíssimo:

“A proteção do patrimônio público ocorre contra qualquer pessoa jurídica de direito público, ou contra entidade que o Estado subvencione na proporção do dinheiro público aplicado.”

A ação popular, óbvio que em 95% das vezes ela vai caber contra pessoa jurídica de direito público porque é quem mexe com dinheiro público. Mas muitas vezes, há pessoas jurídicas de direito privado que são subvencionadas, que são patrocinadas pelo dinheiro público. Na medida em que há dinheiro público em entidade privada, essa entidade privada é ré em ação popular. Vamos ler o art. 1.º da LAP para você entender o alcance da expressão patrimônio público e para que você saiba que ela pega também pessoas jurídicas de direito privado.

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos (SESC, SESI SENAI, SENAC), de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio (casos das sociedades de economia mista) ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

E se o dinheiro que o Estado põe for menos do que 50%? Ou seja, o Estado não banca integralmente. Ele só ajuda com uma verba. A resposta está no § 2º:

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§ 2º Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o tesouro público concorra com menos de cinqüenta porcento do patrimônio ou da receita ânua, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão deles sobre a contribuição dos cofres públicos.

Quer dizer, o cara que tem uma creche que recebe dinheiro público, se quiser pegar o dinheiro da creche, que não é público, e rasgar, ele arca com as consequências, mas isso não me interessa para fins de ação popular. O que me interessa é para onde vai o emprego da verba pública. Por isso, quando eu ditei: “pessoa jurídica de direito público ou entidade subvencionada na proporção do dinheiro público que existir.” Então, há que se fazer uma análise casuística para saber o que vai ser atacado, conforme a quantidade de dinheiro público aplicado.

3ª Observação: Moralidade administrativa – É o segundo objeto de proteção da ação popular. E o que é moralidade administrativa? Esse é um conceito jurídico indeterminado clássico, já que não há como dar um conceito preciso sobre o que seja moralidade administrativa. A doutrina se esforça para definir, mas continua sendo um conceito tão abstrato quanto a própria expressão “moralidade administrativa.”

“Moralidade administrativa são os padrões éticos e de boa-fé no trato com a coisa pública.”

Continua um conceito bem aberto, já que falo em boa-fé é algo que não dá para definir direito. A moralidade administrativa evoluiu muito, já que antes era aceitável que se utilizasse a coisa pública em benefício próprio. Você podia usar o carro do órgão para assuntos particulares. Hoje, não. Você tem seu carro, que usa para ir trabalhar e o carro do governo para as coisas do trabalho.

Um ótimo exemplo de regra que impõe a observância da moralidade administrativa é a regra do art. 37, § 1º, da CF, que é aquele que proíbe a propaganda pessoal em bens públicos. Só é possível propaganda institucional.

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem

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promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

A ideia é que a propaganda tem que ter caráter educativo e não autopromoção. Uma candidata a prefeita fez toda sua campanha de cor-de-rosa. Foi eleita e pintou todos os prédios públicos da cidade de rosa, os carros idem. Tinha que pintar, porque estava precisando, mas de rosa? Isso viola a moralidade, já que o custo da tinta é o mesmo. Pintar de rosa, nesse caso, foi propaganda pessoal, feriu a moralidade administrativa. Não é um padrão de boa-fé no trato da coisa publica.

4ª Observação: STJ – No julgamento do RE 818725/SP bateu o martelo e disse que o rol de objetos é taxativo, ou seja, só serve para patrimônio público, moralidade, meio ambiente e patrimônio histórico e cultural. Não serve para defesa do consumidor, não serve para a proteção do direito dos deficientes. Aqui o rol é taxativo e isso você percebe o distanciamento da ACP, que traz um rol exemplificativo de bens, que são defendidos via ação popular.

REsp 818725 / SP - Ministro LUIZ FUX (1122) - PRIMEIRA TURMA - Julgamento 13/05/2008 - DJe 16/06/20081. A Ação Popular não é servil à defesa dos consumidores, porquanto instrumento flagrantemente inadequado mercê de evidente ilegitimatio ad causam (art. 1º, da Lei 4717/65 c/c art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal) do autor popular, o qual não pode atuar em prol da coletividade nessas hipóteses.2. A ilegitimidade do autor popular, in casu, coadjuvada pela inadequação da via eleita ab origine, porquanto a ação popular é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, revela-se inequívoca, por isso que não é servil ao amparo de direitos individuais próprios, como sóem ser os direitos dos consumidores, que, consoante cediço, dispõem de meio processual adequado à sua defesa, mediante a propositura de ação civil pública, com supedâneo nos arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).3. A concessão de serviço de gestão das áreas destinadas ao estacionamento rotativo, denominado "zona azul eletrônica", mediante a realização da concorrência pública nº 001/2001 (processo nº 463/2001), obedecida a reserva legal, não resta eivada de vícios acaso a empresa vencedora do certame, ad argumentandum

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tantum, por ocasião da prestação dos serviços, não proceda à comprovação do estacionamento do veículo e da concessão de horário suplementar, não empreenda à identificação dos dados atinentes ao seu nome, endereçoe CNPJ, nos cupons de estacionamento ensejando a supressão de receita de serviços e, consectariamente, redução do valor pago mensalmente a título de ISSQN e utilize paquímetros sem aferição pelo INMETRO, porquanto questões insindicáveis pelo E. S.T.J à luz do verbete sumular nº 07 e ocorrentes ex post facto (certame licitatório).4. A carência de ação implica extinção do processo sem resolução do mérito e, a fortiori: o provimento não resta coberto pelo manto da res judicata (art. 468, do CPC).5. In casu, o autor na ação popular não ostenta legitimidade tampouco formula pedido juridicamente possível em ação desta natureza para a vindicar a suspensão das atividades da empresa concessionária de serviço de gestão das áreas destinadas ao estacionamento rotativo, denominado "zona azul eletrônica", e a fortiori da cobrança do preço pelo serviço de estacionamento, bem como o lacramento das máquinas pelo tempo necessário à tomada de providências atinentes à adequação da empresa à legislação municipal e federal, especialmente no que pertine ao fornecimento de cupom contendo a identificação das máquinas, numeração do equipamento emissor e número de controle para o cupom fiscal e denominação da empresa, endereço, CNPJ, além da comprovação acerca da aferição dos taquímetros pelo INMETRO.6. A simples indicação do dispositivo tido por violado (arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ: "Inadimissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo."7. Recurso especial provido

3. CABIMENTO

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A ação popular é cabível contra atos ilegais e (não é “ou”) lesivos aos bens e direitos mencionados no art. 1º. Percebam, portanto, que fica a ação popular condicionada à existência de um binômio:

o Ilegalidade eo Lesividade

Quer dizer, o ato tem que ser ilegal e lesivo ao patrimônio público, ilegal e lesivo ao meio ambiente, ilegal e lesivo ao patrimônio histórico e cultural e ilegal e lesivo à moralidade administrativa. É necessária a conjugação dessas duas condições para que caiba a ação popular. Vamos falar sobre “ilegal” e “lesivo”.

3.1. Ilegalidade para fins de ação popular

O conceito do que é ilegalidade para fins de ação popular está no art. 2º. E é muito fácil explicar o que é um ato ilegal para fins de ação popular, se você fizer um esforço e lembrar de quando você estudou ato administrativo. Quais são os elementos do ato administrativo? Competência, objeto lícito, forma prescrita e não defesa, motivo e finalidade. O ato jurídico vai ser atacado via ação popular quando ele violar qualquer um dos elementos do ato administrativo, quer dizer, se o agente for incapaz ou incompetente, se o objeto for ilícito, se a ação for defesa ou não prescrita em lei, se houver ausência de motivos ou ocorrer o desvio de finalidade. O ato será ilegal se não observar esses cinco elementos. É um raciocínio muito simples. Exemplo, fazer contratação sem concurso público viola a forma, daí é ilegal. O Poder Público vendeu um bem sem autorização legislativa o ato é ilegal porque o objeto é ilícito. Violado o elemento do ato administrativo, é ato ilícito para fins de ação popular. Se você não confia no que estou te dizendo, e numa prova aberta esquecer quais são os elementos do ato administrativo, inclusive se precisar fazer uma dissertação sobre ato administrativo, abra o art. 2º da Lei de Ação Popular porque o art. 2º e § único não só dizem quais são os elementos, como definem, um por um.

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.

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Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Esse rol do art. 2º é taxativo ou exemplificativo? Há outras ilegalidades, além dessas de vícios do ato? A resposta está no art. 3º, da Lei de Ação Popular. Lendo esse artigo você tem a ótima resposta: é um rol exemplificativo.

Art. 3º Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se compreendam nas especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis com a natureza deles.

Além das ilegalidades relacionadas ao elemento do ato administrativo, você pode ter outro tipo de ilegalidade não contemplada no art. 2º. Eu vou dar um exemplo de ato ilegal atacável via ação popular, mas que não viola os elementos do ato administrativo. Vamos supor que a lei diga: “está autorizado todo vereador a contratar dois assessores e, em caráter excepcional, pode ser o cunhado e a esposa.” Ou seja, há autorização legal. O vereador, então, contrata a esposa para trabalhar com ele. Cargo de nomeação livre. O objeto é lícito, a lei autoriza, a forma é prescrita em lei, a finalidade é para trabalhar, o motivo é para trabalhar. Apesar disso tudo, no sistema jurídico brasileiro atual, até por conta de súmula vinculante do STF não pode contratar parente para trabalhar em cargo de livre nomeação. O ato, portanto, será ilegal por violação do princípio da moralidade administrativa. Mas será ilegal, não por violação dos elementos, mas sim por violação de uma ideia maior não contemplada no dispositivo.

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3.2. Lesividade para fins de ação popular

A jurisprudência, principalmente do STJ, diz que há necessidade de que, além de ilegal, o ato cause prejuízo. Portanto, não basta só a ilegalidade. É necessário também que haja a lesividade. Se não tem lesividade, não tem prejuízo aos bens tutelados na ação popular, consequentemente, não cabe ação popular. Esse é o raciocínio da lei, que tem muita preocupação em falar que o ato tem que ser ilegal E lesivo ao patrimônio público.

Entretanto, o art. 4º, da Lei de Ação Popular, estabelece umas hipóteses de presunção de lesividade. E aí fica no ar a pergunta: nesses casos, em que há presunção de lesividade, praticado o ato ilegal, ele é ou não é lesivo? Se a lei presume a lesividade, o ato é considerado lesivo. Portanto, nas hipóteses do art. 4º, há lesividade? E a resposta é: há! Só que ela é presumida. Eu não vou ler todos, porque o que tem de hipótese de lesividade, é muita coisa, mas as duas principais, que todo mundo tem que saber é que é presumida a lesividade em contratar sem concurso e sem licitação. Automaticamente, o ato é presumidamente lesivo, não importa se causou prejuízo ou não porque a própria lei já diz: contratou sem licitação, contratou sem concurso público, há prejuízo ao patrimônio público e à moralidade.

Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º.

I - A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

II - A operação bancária ou de crédito real, quando: a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias, regimentais ou internas; b) o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de escritura, contrato ou avaliação.

III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando: a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública

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ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral; b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam o seu caráter competitivo; c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição.

IV - As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos instrumentos.,

V - A compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não cabível concorrência pública ou administrativa, quando: a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes de instruções gerais; b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da

operação; c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da

operação.

VI - A concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja a sua modalidade, quando: a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de instruções e ordens de serviço; b) resultar em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador.

VII - A operação de redesconto quando sob qualquer aspecto, inclusive o limite de valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

VIII - O empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:

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a) concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares,,

regimentais ou constantes de instruções gerias: b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da avaliação.

IX - A emissão, quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e regulamentadoras que regem a espécie.

Então, eu quero que você entenda o alcance dessas hipóteses de presunção de lesividade no seguinte exemplo: chega um cara e me oferece o frango a 1 real, sendo que eu estou pagando 3 reais em decorrência da licitação. O frango a 1 real é melhor do que o de 3 reais e eu decido comprar diretamente, sem licitação, do fornecedor que vende a 1 real. É ato ilegal porque violou a forma (licitação) e é lesivo? Sim, porque, neste caso, a lesividade é presumida.

Agora para você pensar: tem que ser ilegal e lesivo (lembrando que há hipóteses de lesividade presumida), mas essa presunção de lesividade do art. 4º é relativa ou absoluta? Absoluta, porque se fosse relativa, o cara ia poder provar sempre que não houve prejuízo real. A lei trouxe uma presunção absoluta de lesividade e nós não temos que discutir.

“Há autores que sustentam que na defesa do meio ambiente e da moralidade administrativa não há necessidade da prova da lesividade. Para eles é implícita.”

O raciocínio é o seguinte: eu preciso primeiro destruir uma floresta, para depois pedir uma ação popular? Não. A lesividade aqui seria implícita, não precisaria ser provada porque é uma lesividade suposta. Só que eu gostaria de deixar claro para você que esse raciocínio doutrinário está em construção. Por isso, caiu na prova quais são os requisitos para atacar o ato via ação popular? A resposta é o binômio: ilegalidade e lesividade (ainda que seja presumida), mas tem que ter a lesividade.

4. LEGITIMIDADE

4.1. Legitimidade ativa

A legitimidade ativa está no art. 1º, § 3º, da Lei de Ação Popular e, todo mundo sabe, é do cidadão. E a cidadania no direito brasileiro (e isso é muito criticado) decorre do exercício e gozo dos direitos políticos, eis porque o art. 1º, § 3º estabelece que:

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§ 3º A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.

“Documento que a ele corresponda” é a certidão expedida pelo cartório eleitoral, caso você não queira juntar o título de eleitor.

Todo mundo sabe que se alguém é condenado criminalmente fica comos direitos políticos suspensos, aí não pode propor ação popular. Acaba a condenação, ele volta a ter direitos políticos. Direito político, pode exercer? Pode propor ação popular.

Maior de 16 – Não há mais controvérsia na jurisprudência sobre a possibilidade de o maior de 16 anos propor ação popular. A discussão era porque o maior de 16 pode votar, mas não pode ser votado. Então, será que ele teria ou não exercício dos direitos políticos? Aqui, vale aquela ideia de sempre ampliar a legitimidade, portanto, pode. Porque senão todo mundo só vai poder propor ação popular com 35, que é a idade mínima para ser votado para Presidente da República. Esse é o raciocínio. Acabou a briga.

4.2. Legitimidade passiva – art. 6º

Eu comentei sobre o art. 6º ontem. Ele acaba, por conta do microssistema, aplicado também para a ação civil pública.

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

“O art. 6º diz que será réu na ação popular todo aquele que tiver participado da prática do ato ilegal e lesivo, ou tiver se beneficiado diretamente dele.”

O fato é que se eu estou na cadeia de prática do ato lesivo ou se eu sou beneficiário direto do ato lesivo, sou réu na ação popular. Trata-se de típico caso de litisconsórcio necessário e simples. O alcance disso é enorme. A prefeitura nomeou uma comissão de licitação que fez uma maracutaia para aprovar determinada empresa que prestou serviço ao poder público. Quem vai ser réu na ação popular? A prefeitura (era dela o dinheiro), todos os membros da comissão de licitação e quem ganhou a licitação (empresa).

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Todos estão na cadeia da prática dos atos. A empresa é a beneficiária direta. Os empregados da empresa beneficiada não entram aí porque não são beneficiários diretos, mas indiretos. E a lei existe que sejam os beneficiários diretos do ato atacado. A legitimidade passiva, portanto, é um litisconsórcio necessário simples, entre todos os caras do art. 6º.

“Se a ação popular for para a proteção do patrimônio público ou da moralidade administrativa, necessariamente, será réu uma pessoa jurídica de direito público. Na proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, pode não haver pessoa jurídica de direito público como ré.”

A ideia é a seguinte: se violou patrimônio público, sempre haverá a vítima do patrimônio violado: pode ser o Município, o Estado, a União. A prefeitura deu dinheiro para creche e a creche gastou mal o dinheiro. Quem vai ser réu? A creche, o diretor da creche e a prefeitura porque o dinheiro público gasto indevidamente era da prefeitura. Então, nas hipóteses de moralidade administrativa e patrimônio público, sempre haverá uma pessoa jurídica de direito público no pólo passivo.

Agora, no meio ambiente e no patrimônio histórico cultural, não. Uma empresa está poluindo o rio da minha cidade. Eu sou cidadão, o que faço? Entro só com a empresa. A pessoa jurídica de direito público não precisa ser ré aqui.

Legitimidade passiva ulterior – O art. 7º, III, da Lei de Ação Popular, traz a legitimidade passiva ulterior. Esquece que eu estou falando de ação popular. Eu tenho uma ação contra o réu que contestou, veio a réplica, provas, sentença. Três anos depois, na hora de sentenciar, o juiz percebe que o réu era casado e que o processo tratava de direito real imobiliário e que a esposa do réu deveria figurar como litisconsorte passiva necessária desde o início do processo. O art. 10, do CPC, diz que o cônjuge tem que ser necessariamente citado nas ações de direito real imobiliário. O que o juiz faz? Anula tudo! Passa a borracha em tudo o que aconteceu e começa o processo desde a citação. A ausência do litisconsórcio passivo necessário torna nulos todos os atos depois da citação. Os três anos de trabalho estão perdidos. A ação popular tem uma saída fantástica que, no meu modo de entender deveria ser aplicada para todos os processos.

Utilizando o mesmo exemplo para a ação popular, sabendo que há um mundo de gente no polo passivo. O juiz fez a mesma coisa: tocou o processo e percebeu que faltou citar aquele funcionário que aprovou o ato ilegal. Já tem quatro réus, mas ficou faltando um. Se fosse no processo comum, ele anulava tudo. O que o art. 7º, III, permite? Ele permite, sem anular, que o juiz dê uma marcha-ré. Logo, cita o que faltou, ele contesta, abre oportunidade para ele produzir alguma prova e, depois disso, o juiz volta para onde ele estava. Ou seja:

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“A grande vantagem da legitimação passiva ulterior é que se permite uma verdadeira marcha-ré do processo sem anulação, integrando-se o legitimado passivo ausente e, posteriormente, prosseguindo-se no julgamento.”

Agora vamos ver o que diz o art. 7º, III: Art. 7º A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas:

III - Qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato impugnado, cuja existência ou identidade se torne conhecida no curso do processo e antes de proferida a sentença final de primeira instância, deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas, Salvo, quanto a beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso anterior.

Essa é uma particularidade que só tem na ação popular do sistema jurídico brasileiro, muito legal.

4.3. A polo da pessoa jurídica de direito público/privado lesada – Art. 6º, § 3º, da LAP

A Lei de Ação Popular, do mesmo jeito que ocorre na Lei de Improbidade Administrativa, como veremos daqui a pouco, permite algo muito interessante:

“A LAP permite que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado demandada, a qual sofreu o prejuízo, possa escolher o polo processual em que atuará, podendo, ainda, quedar-se inerte.”

Desviaram dinheiro da prefeitura porque o presidente da creche aplicou na chácara dele. Quem vai ser réu nesse processo? A prefeitura que deu o dinheiro, a creche que recebeu o dinheiro e o presidente da creche que levou o dinheiro. Há três réus. A partir do momento que essas pessoas jurídicas (a de direito público e a de direito privado) elas podem:

I. Defender o ato atacado – Dizer que o dinheiro não foi desviado.II. Mudar de polo – Elas podem chamar de ladrão e sem-vergonha o presidente da creche, passando a litisconsortes do autor popular.III. Ficar quietas.

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Por que elas podem escolher o polo? Porque o maior prejuízo é sofrido por elas. Elas foram as vítimas. É por isso que o art. 6º, § 3º, diz o seguinte:

§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

“Ah, Gajardoni, mas esse artigo não tem a regra de que ela pode escolher o polo passivo.” Sabe porque não tem a regra? Porque ela já está no polo passivo. Elas são rés no processo, são litisconsortes necessárias passivas. Por isso, a pessoa prejudicada, seja no direito público, seja no direito privado (que recebeu verba pública, dinheiro público), pode escolher o polo.

4.3. A posição do MP – Art. 6º, § 4º, da LAP

§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.

O MP atuará como custos legis e também, após o julgamento da ação, vai promover eventual ação de responsabilidade civil e criminal das pessoas que praticaram o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. O § 4º do art. 6º é bastante claro no sentido de que o MP, como custos legis, será um órgão opinativo.

Além dessa atuação como custos legis, não custa lembrar (e isso eu falei na aula de teoria geral do processo coletivo) uma outra regra sobre a atuação do MP no processo coletivo, que é o art. 16, da Lei de Ação Popular (e tem um igualzinho na Lei de Ação Civil Pública), que diz que, além de custos legis, o MP pode executar subsidiariamente a sentença coletiva proferida na ação popular:

Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução. o representante do Ministério

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Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.

O art. 16 trata do princípio da indisponibilidade da execução coletiva (vimos na aula de princípios do processo coletivo).

5. OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS

Na ação popular há coisas que são diferentes. Eu estou dando aula sobre ação popular e estou falando os aspectos principais. Tudo o que eu não falei aqui, segue o regime da teoria geral (eu dei competência, execução, tudo aquilo aplica aqui). Aqui estou trabalhando tudo o que foge ao padrão geral. Por isso não vou ficar falando de novo de coisa julgada, de competência, apenas vou falar o que for diferente.

5.1. Resposta na ação popular – Art. 7º, IV

A ação popular tem uma regra de prazo para resposta que foge totalmente ao padrão, que é o famoso 15 dias. Se for Fazenda Pública, prazo em quádruplo; se for litisconsórcio com diferentes procuradores, prazo em dobro. Na ação popular, o prazo é de 20, prorrogável por mais 20, se particularmente difícil a prova documental. É um prazo que foge completamente da regra da sistemática civil vigente.

Art. 7º A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas: IV - O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte), a requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital.

Aplico o art. 188, do CPC? Fazenda Pública tem prazo em 80 prorrogáveis por mais 80? Com a palavra, o STJ: “nem a pau, Juvenal!” O art. 188 não será aplicado para este prazo. Eu não falei que não aplica o art. 188 para a ação popular!! Eu falei que não aplica para este prazo! Não vai ter prazo em quádruplo para contestar, mas para recorrer, vai ter o prazo em dobro. Portanto, o art. 188 só não aplica para este prazo de 20 dias. A fazenda vai ter 20 + 20. Tirando isso, segue a regra geral. Quando é que começa a contar o prazo de 20 prorrogáveis por mais 20? Da juntada aos autos do último

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mandado de citação. É a regra do art. 241, do CPC, que se aplica a todos os processos.

5.2. Sentença na ação popular – Art. 7º, VI

A lei diz que a sentença tem que ser prolatada em 15 dias.

Art. 7º A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas: VI - A sentença, quando não prolatada em audiência de instrução e julgamento, deverá ser proferida dentro de 15 (quinze) dias do recebimento dos autos pelo juiz.

E olha o que diz o § único: Parágrafo único. O proferimento da sentença além do prazo estabelecido privará o juiz da inclusão em lista de merecimento para promoção, durante 2 (dois) anos, e acarretará a perda, para efeito de promoção por antigüidade, de tantos dias quantos forem os do retardamento, salvo motivo justo, declinado nos autos e comprovado perante o órgão disciplinar competente.

O prazo que não tem sanção processual é impróprio. O prazo próprio está sujeito à preclusão. O prazo impróprio é aquele que não gera sanções processuais, apenas correcionais. Então, se o juiz não cumpre em 15 dias a sentença, ele pode perder o direito de ser promovido. A lei quis castigar e castigou de forma equivocada. Dá para fazer isso de outras maneiras.

Natureza da sentença que julga procedente a ação popular – O que eu ataco na popular? Um ato, que eu quero que deixe de existir. Qual é o nome da sentença através da qual eu crio, modifico ou extingo uma norma jurídica? Constitutiva ou desconstitutiva.

“Necessariamente, toda ação popular tem que ter a natureza desconstitutiva.”

Além da natureza desconstitutiva, que tem sempre, pode haver a necessidade daquele que praticou o ato ilegal e lesivo, praticar/deixar de praticar algo ou pagar alguma coisa. Então, complemente:

“A sentença que julga procedente a ação popular pode ter também natureza condenatória, executiva ou mandamental.”

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Da onde eu tirei esse raciocínio? Do art. 11, da LAP. Sempre tem a natureza desconstitutiva e vem acoplada, dependendo do caso, se for necessário, uma natureza condenatória, executiva ou mandamental.

Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do atoimpugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

“Decretar a invalidade do ato” vai ser a natureza desconstitutiva. Agora, faltou um “poderá” aqui, porque, nem sempre tem prejuízo patrimonial. Ele fala “condenará”, mas é “poderá condenar”. Portanto, o art. 11, da Lei de Ação Popular deixa clara a natureza dessa sentença.

Além disso, pode haver alguma outra sanção na ação popular? O caboclo cometeu uma ilegalidade, um ato lesivo. Ele pode sofrer, na própria ação popular, uma outra sanção, tipo, suspensão dos direitos políticos? Ele pode perder o cargo? Mais uma vez, com a palavra, o STJ.

“O STJ entende que não há a possibilidade de aplicação de nenhuma sanção política, administrativa ou criminal na ação popular.”

Na verdade essas sanções de natureza política, administrativa ou criminal devem ser buscadas onde? Na via separada. A apuração dessas responsabilidades deve ser buscada em vias separadas. Quer dizer, o cara pode ter feito a maior barbaridade do mundo, se isso foi descoberto na ação popular, a ação popular só vai servir para reparar o dano, para desconstituir o ato lesivo, mas não para castigar a pessoa, cuja responsabilidade vai ser apurada em separado. Isso está expresso no art. 15, da LAP:

Art. 15. Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato de trabalho, o juiz, "ex-officio", determinará a remessa de cópia autenticada das peças necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.

5.3. Reexame necessário invertido – Art. 19

Na ação popular o reexame necessário é invertido! Não é em favor do poder público, mas dos interesses coletivos. Portanto, o art. 19 vai falar que há

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reexame necessário quando o autor popular perde porque o interesse coletivo perdeu.

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)

5.4. Efeito suspensivo da apelação – Art. 19, parte final

No estudo da ação civil pública, eu falei que o art. 14, da Lei de ACP, foge à regra geral do CPC porque quem resolve o efeito da sentença é o juiz, diante do caso concreto. Na ação popular, volta para a regra do CPC. O efeito suspensivo é automático na apelação da ação popular.

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)

Portanto, fique esperto quanto a mais essa diferença entre a ACP e a AP. Lá o juiz escolhe o efeito. Aqui, o efeito é ex lege. Decorre de disposição legal expressa.

5.5. Sucumbência – Art. 5º LXXIII, da CF e arts. 10, 12 e 13, da LAP

Isso é muito simples porque todo mundo já viu isso na Constituição. Se o autor popular for vencido, ele é isento do pagamento de sucumbência. Salvo má-fé. O objetivo do legislador, quando diz que não paga nada se ele perder é incentivar o ajuizamento da ação popular. Agora, se os réus forem vencidos, sem isenção. Eles pagam normalmente as custas e honorários do autor.

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

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ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Art. 10. As partes só pagarão custas e preparo a final.

Art. 12. A sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

Art. 13. A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.

5.5. Prescrição – Art. 21

Art. 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.

Há algumas observações extremamente importantes para fazer sobre esse prazo de prescrição de 5 anos da ação popular.

a) Início da contagem do prazo

O termo inicial é a publicidade do ato ilegal e lesivo. Sabe aquele caso do Senado, dos atos secretos? De acordo com os jornais, há atos secretos de 1994. Quando começou a contar o prazo da ação popular para começar a atacar os atos secretos? De agora, porque agora veio à tona. Se o ato é secreto, não teve publicidade. E é razoável que seja assim.

b) Objeto da prescrição

O que prescreve é a via popular, não o direito de a pretensão ser exercida por outra via. Isso, na prática, significa o seguinte: eu sou cidadão, meteram a mão nos cofres públicos federais. Eu, como cidadão, tenho cinco anos para reclamar. Passados os cinco anos, eu não posso mais ajuizar a reclamação. Mas o poder público lesado pode. O que eu quero que você perceba que o que prescreve é o uso da ação popular, mas por outra via, outro legitimado (MP, União) pode ajuizar ação de perdas e dano. O que não

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pode mais é o cidadão entrar com a popular, mas isso não impede a reparação do dano.

“Não pode esquecer nunca que a reparação do patrimônio público e do meio ambiente são imprescritíveis.”

Faz 12 anos que poluíram o rio. Posso entrar com ação popular? Eu não posso mais, porque já passaram 5 anos. Mas responde: o MP pode entrar com ação civil pública para restaurar o meio ambiente em razão da poluição do rio ocorrida há 12 anos? Pode, porque a reparação do dano ambiental, via ação civil pública, é imprescritível.

Faz 9 anos que o prefeito da minha cidade desviou uma verba. A própria prefeitura prejudicada pode cobrar do prefeito que desviou a verba? Pode. Por quê? Porque o dano é imprescritível.

Aspectos Processuais daLEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Desde já, uma advertência: eu e a Marinela temos um combinado aqui no curso, porque há uma aula com a Marinela sobre improbidade administrativa, mas ela fala dos aspectos de direito material. E ela falou com vocês sobre aquela discussão que não acaba, sobre se pode ou não pode ter ação de improbidade administrativa contra o agente político. Lembra da discussão, sobre se senador, governador, deputado, podem ser réus em ação de improbidade? Eu vou passar a 200 km dessa discussão, porque não vou ficar aqui falando a mesma coisa que ela, até porque a posição dela e todas as criticas que ela faz ao entendimento do STF, eu endosso e assino embaixo. Eu acho que devia caber improbidade administrativa contra agente político. Então, ela já tratou desse tema. O que eu vou falar é dos aspectos processuais.

A improbidade administrativa tem previsão no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e tem previsão também na Lei 8.429/92.

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A ação de improbidade administrativa, que é essa que vamos estudar, também é uma ação coletiva e, sendo assim, a ela também se aplica o

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microssistema. Também são aplicáveis à ação de improbidade administrativa os dispositivos pertinentes do CDC e da Lei de Ação Civil Pública.

Então, feitos esses esclarecimentos genéricos, vamos passar à primeira das questões processuais.

1. A ação de improbidade administrativa é uma ACP?

Você já deve ter ouvido alguém falar: “ação civil pública de improbidade administrativa.” Mas é melhor falar “ação de improbidade administrativa”. Para responder a essa pergunta, devo te alertar que temos duas posições a respeito do tema;

1ª Corrente: É a posição que eu prefiro e que diz que não. São de objeto, objetivo, legitimidade e procedimento distintos. A ACP tem uma legitimidade, a AI tem outra; a ACP tem um objeto, a AI tem outro (a ação de improbidade é para atacar ato administrativo e só. A ação de improbidade é para atacar tudo); o objetivo da ação de improbidade não é só reparar o dano, mas aplicar sanções, enquanto que a ação civil pública é só reparação do dano. E o procedimento da improbidade administrativa é bem diferente da ação civil pública. Então, me parece claro que não são as mesmas coisas. Por isso, a ação de improbidade é dada em uma aula separada. Eu estou sendo coerente com o meu raciocínio.

2ª Corrente: Não vou dizer que é a posição do STJ, mas o STJ dá a entende que ele entende que a ação de improbidade é uma ação civil pública porque ele não faz diferença. O STJ nos julgados a respeito do tema, não faz diferença. Então, invariavelmente, você vai ver julgados do STJ (inclusive alguns que vou colocar no seu material de aula) que falam em “ação civil pública de improbidade administrativa”.

Como resolver esse impasse? Eu duvido que algum examinador vá perguntar se ação de improbidade administrativa é de ação civil pública. Mas a melhor maneira de se comportar diante essa questão é ignorar essa diferença porque o STJ, seja falando em “ação de improbidade administrativa”, seja falando em “ação civil pública de improbidade administrativa”, está se referindo à Lei 8.429/92.

Então, a partir de agora, só vou falar em ação de improbidade administrativa e não em ação civil pública de improbidade administrativa, dentro daquilo que eu pretendo defender com você.

2. O objeto da ação de improbidade administrativa

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A lei 8.429/92 vai tratar do objeto da improbidade administrativa dizendo que a ACP tem por objeto atacar três tipos de atos:

a) Atos que gerem enriquecimento ilícito – Art. 9ºb) Atos que causem prejuízo ao erário – Art. 10c) Atos que violem princípios da Administração Pública – Art. 11

O objeto da improbidade administrativa é esse: atacar atos que gerem enriquecimento ilícito, atos que causem prejuízo ao erário e atos que violem princípios da Administração Pública, de modo que eu posso concluir que a ação de improbidade administrativa, tanto quanto a ação popular, só tutela direitos difusos. E qual é o direito difuso tutelado por ela? A moralidade administrativa. O objeto da ação de improbidade é a defesa dos interesses difusos, mais precisamente da moralidade administrativa através do ataque desses três atos.

São três condutas atacadas, a mais grave, do art. 9º (enriquecimento ilícito), um pouco menos grave, a do art. 10 (prejuízo ao erário) e menos grave, art. 11 (violação dos princípios da Administração).

O STJ bateu o martelo e disse que a única modalidade que pode ser apenada a título de culpa é a do art. 10. Isso significa dizer que nas hipóteses do art. 9º e 11, a pessoa só pode ser punida a título de dolo. O cara tem que ter dolo de roubar, tem que ter dolo de violar os princípios da Administração. Só assim ele sofre as sanções. Se for culposo, não tem responsabilidade. Agora, causar prejuízo ao erário pode ser culposo, até porque, diferentemente dos arts. 9º e 11, a única disposição que estabelece que pode ser punido a títlo de culpa é o art. 10:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no Art. 1º desta lei, e notadamente:

Nos outros casos, não há menção à culpa.

Eu saí do mais grave (enriquecer às custas do dinheiro público), passei ao intermediário (lesar o erário) e cheguei ao mais simples (violar princípios da administração). A jurisprudência tem entendido e tem entendido com razão que o art. 11 é um tipo de reserva. E por que tipo de reserva? Concorda que quem rouba viola princípio da Administração? E quem causa prejuízo também viola princípio da administração. Então, o art. 11 eu coloquei como tipo de reserva, mas eu poderia dizer que é um tipo subsidiário dos outros dois. O bom promotor fala do 9º, do 10 e pede a aplicação subsidiária do art. 11 porque se

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o juiz entender que o cara não roubou, pode entender que ele violou princípios da Administração. Se o juiz entender que ele não causou prejuízo, pode entender que ele violou princípios da Administração. Então, fica esperto, porque o art. 11 é um tipo subsidiário.

3. Legitimidade ativa

Da legitimidade passiva a Marinela já tratou. A legitimidade ativa para a improbidade administrativa tem previsão no art. 17, da LIA, que diz:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

Ele diz que é pelo MP ou pela pessoa jurídica interessada. O MP está explícito, mas o que ele quis dizer com pessoa jurídica interessada? A violação aqui é de princípios da moralidade administrativa. Moralidade administrativa tem na pessoa jurídica de direito público ou na pessoa jurídica de direito privado? Se o cara quiser ser imoral com o dinheiro dele ele pode. O que ele não pode é ser imoral com o patrimônio público. Assim, quem pode propor a ação de improbidade é o MP e as pessoas jurídicas de direito público. E quem entra na expressão “pessoa jurídica de direito público”? Administração Direta e Administração Indireta. Se o diretor da Petrobras desviou uma verba violentamente, o que eu faço para resolver o problema? Entrar com a ação de improbidade administrativa para recuperar o patrimônio e aplicar as sanções. Administração direta e indireta podem propor improbidade administrativa, embora a prática tenha revelado que apenas o MP acaba fazendo o serviço. (SÓ QUE PETROBRAS É S.E.M, ou seja, PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO, NÉ PROFESSOR?????? Nessa o professor vacilou brabo, porque todo mundo sabe, desde criancinha, que empresas públicas e sociedades de economia mista, que são Administração Indireta, são pessoas jurídicas de direito privado. Só autarquias e fundações públicas são de direito público. Que vacilo!!!)

Agora vem a dúvida: e a defensoria pública? Poderia propor improbidade administrativa? A jurisprudência é omissa a respeito. O STJ não tem nada a respeito. Na doutrina, há divergência. Pessoalmente, entendo que não porque me parece que foge dos fins institucionais do art. 134, da CF. Se você olhar a lei complementar 80/94 (Lei Orgânica da Defensoria) não tem disposição sobre isso. Seria fazer uma interpretação muito ampla admitir que a defensoria possa propor ação de improbidade administrativa.

Fique esperto para o que diz o art. 17, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa:

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§ 3º No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º do Art. 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.

O que ele quer dizer que se aplica o art. 6º, § 3º, da Lei de Ação Popular? Ele quer dizer que pode ser formado um litisconsórcio entre todos os legitimados e que, também, a pessoa jurídica de direito público poderá escolher o polo em que atuará caso não seja a autora. Lembra daquela história da pessoa que tomou o prejuízo poder ficar no polo ativo, no polo passivo ou quedar inerte? Isso se aplica também à Lei de Improbidade Administrativa. O prefeito desviou verba? O MP vai entrar com a ação contra o prefeito e contra a prefeitura. Se você admitir improbidade administrativa contra o prefeito, ele vai ser réu. Mas a prefeitura pode ficar no polo passivo ou, se quiser, pode ir para o pólo ativo. Ou pode ficar quieta. Não fazer nada.

4. Sanções – Art. 12

O art. 12 fala das sanções a quem pratica ato de improbidade administrativa que são variadas, conforme a gravidade da conduta:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Alterado pela L-012.120-2009)

I - na hipótese do Art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do Art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública,

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suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do Art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

O inciso I é aplicável ao art. 9º, que é a hipótese mais grave. Conforme você vai descendo, vai diminuindo a gravidade da sanção. Então, por exemplo, se você praticar o ato de improbidade do art. 10, do CPC, a inelegibilidade é de 5 a 8 anos. Diminui. E se você pratica o do art. 11, diminui mais ainda porque o art. 12, III vai falar em suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos. Varia, portanto, a sanção, conforme a gravidade da conduta.

O que é interessante dizer sobre o aspecto processual, e essa é uma posição que é pacífica no STJ, é que as sanções do art. 12 não são cumulativas. Isso significa dizer que o juiz não é obrigado, praticado o ato de improbidade administrativa, a aplicar todas as sanções. Ele vai definir, no caso concreto, a sanção aplicável ao agente. Então, não é porque o cara praticou o ato do art. 11 que ele vai ter os direitos políticos suspensos. O juiz pode pegar aquele monte de sanções do art. 11 e fazer o quê? Concluir que só uma multa resolve o problema. Então, ele vai lá e aplica ao agente público uma multa. Os promotores não gostam muito dessa interpretação do STJ porque eles querem que aplique tudo, mas eu acho que o STJ está certo. Até porque o caboclo pode violar um princípio da Administração por uma coisa besta, do tipo: o cara pegou o carro da prefeitura e foi fazer uma visita em outra cidade. Mas perder o cargo por causa disso? Dá para poder graduar. Essa é que é a ideia.

Qual é o pior artigo da lei? O que causa maior perplexidade e maior imoralidade? Eu não teria dúvida nenhuma em dizer que é o art. 20, porque estabelece que as duas sanções mais graves que há na lei de improbidade que são a perda do cargo e suspensão dos direitos políticos, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

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Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Quer dizer, não dá para tirar o caboclo do cargo e ele não fica inelegível salvo se a sentença já tiver transitado em julgado. Isso contribui, não só para a imoralidade, mas para que a pessoa fique postergando o trânsito em julgado. Tem um político da minha comarca nessa situação. O cara está respondendo por improbidade há dois mandatos (sub judice), enquanto os processos vão se arrastando pelos tribunais superiores.

Então, a aplicação das duas sanções mais graves só ocorre com o trânsito em julgado. Mas tem uma exceção do § único do art. 20:

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

O art. 20, § único autoriza o afastamento cautelar (a natureza disso é de medida cautelar) do agente público na pendência do processo administrativo ou judicial. Não é uma tutela antecipada, mas cautelar. Se fosse tutela antecipada, o cara já perderia no começo do processo o cargo público. E não é isso. Nós estamos apenas fazendo o quê com ele? Afastando provisoriamente, temporariamente, sem prejuízo da remuneração até que a questão seja melhor analisada pelo Judiciário. Alguém sabe quando aconteceu isso na história recente? O Pitta, que foi prefeito de SP, teve uma improbidade administrativa contra ele e o juiz entendeu, dados os indícios de irregularidade, que ele deveria ser afastado liminarmente da prefeitura (durou 48 horas, tempo do TJ cassar a liminar).

5. Prescrição – Art. 23

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

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A ação de improbidade administrativa prescreve no prazo de 5 anos, de acordo com o art. 23 e o dispositivo ainda estabelece o termo inicial deste prazo. O inciso I trata das hipóteses do agente político ou cargo em comissão. Para o funcionário público de carreira, o prazo prescricional é o do inciso II. Funcionário público que não é de carreira, o prazo prescricional é o do inciso I.

Atenção para o que interessa: aqui, tanto quanto na ação popular, o que prescreve é a via. Se o cara que tem um cargo em comissão meteu a mão no patrimônio público, ele cometeu improbidade administrativa (art. 9º), enriqueceu às custas do erário. Se ele fez isso, 5 anos depois que ele saiu da prefeitura, ele se sujeita a todas as sanções da lei de improbidade. Passaram os 5 anos pode entrar com ação para recuperar o valor que ele desviou, mas não pode mais aplicar as sanções da ação de improbidade administrativa. Isso é fundamental porque, como a reparação do dano ao patrimônio público é imprescritível, você prescreve a via, mas não a reparação. A pessoa vai ter que devolver, só não ficará sujeita às sanções da LIA.

6. Procedimento da AIA

Com todo respeito aos que dizem que a improbidade administrativa é uma ação civil pública, não dá para entender esse raciocínio porque além da legitimidade ser diferente (associação não pode propor, por exemplo), o procedimento é completamente diferente. O procedimento da AIA parece muito mais um procedimento criminal, penal do que cível, embora seja uma ação cível. A AIA é o único procedimento cível que tem um viés criminal. A explicação é razoável para isso. Por que nessa ação que é cível, há um viés de procedimento penal? Porque aqui estamos diante daquilo que os administrativistas chamam de direito administrativo sancionatório. Então, como tem aplicação de sanção, é preciso garantir ao réu, como se fosse um verdadeiro processo penal, um sem-número de oportunidades de defesa que ele não teria no processo civil tradicional.

O procedimento da ação de improbidade administrativa está previsto no art. 17, § § 5º e seguintes, da LIA, que foram inseridos por MP, pela MP 2225/4. E esta MP é uma daquelas que é de antes da EC/32 que perenizou os efeitos das medidas provisórias até então estáveis. Enquanto não vier a lei, essa MP tem força de lei. Vamos ver como é esse procedimento.

Todo procedimento começa com uma petição inicial ajuizada pelo MP ou pelo órgão público legitimado (agora sim, ele falou em órgão público, ao invés de pessoa jurídica de direito público).

E não é citação! Os réus serão notificados para que, no prazo de 15 dias apresentem algo que hoje é muito caro ao processo penal, que a gente

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chama de defesa preliminar. Apresentada a defesa preliminar, e aqui poderão ser juntados documentos, provas, etc., o processo vai receber um despacho inicial do juiz. Só para você ter ideia da importância que ele dá para esse despacho inicial, geralmente um despacho inicial deve ser prolatado no prazo peremptório de 10 dias, nesse caso, o prazo é de 30 dias. E o juiz pode tomar, dentro desse despacho inicial, três medidas:

a) Indeferir a inicial sem apreciação do mérito – Faltam pressupostos, condições, há vícios.

b) Julgar a ação improcedente de plano e a decisão será de mérito – Pode achar que o autor está falando balela. Aqui ele está dizendo que não houve improbidade administrativa. O cara não cometeu nenhuma irregularidade.

Qual o recurso cabível aqui, considerando que houve a extinção do processo? Apelação. Mas o juiz pode entender também que as provas apresentadas são suficientes e a terceira opção é:

c) Proferir decisão de recebimento fundamentada da inicial –O juiz tem que dizer: “há indícios da prática de improbidade porque os documentos tais revelam superfaturamento na licitação e, em juízo sumário, não é possível se afastar, de plano a ocorrência da prática do ato de improbidade administrativa.

Quer dizer, o processo, até aqui, não tinha começado. Ele vai começar agora. O que o juiz determina? Agora é que o réu vai ser citado pra apresentar contestação. A ação não tinha começado. Eu tive todas as etapas para analisar a viabilidade ou não do procedimento da improbidade administrativa. Agora eu consegui, agora eu cheguei à conclusão de que teve, em tese, a improbidade. E aí o réu vai ser citado para contestar a ação. E agora vale o padrão ordinário: 15 dias e segue o processo civil comum. Não há nenhum processo cível que tem essa fase preliminar de defesa. Só existe na improbidade administrativa. Por isso eu abomino a tese de que isso é uma ação civil pública. Por isso, eu prefiro dizer que é uma ação diferente, embora tenha no microssistema.

Você estudou nas aulas de recurso que da decisão do juiz que manda citar o réu não cabe recurso porque isso é um despacho de mero expediente e, afinal de contas, o réu vai poder se defender na contestação. Na improbidade, esquece isso! A lei prevê expressamente que da decisão que defere fundadamente a ação de improbidade, cabe agravo. Ou seja, o suposto réu, a pessoa que está sendo acusada da prática do ato de improbidade administrativa poderá agravar da decisão do juiz que recebeu a ação de improbidade administrativa. É a única hipótese do sistema processual civil brasileiro em que cabe agravo do “cite-se”.

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Esse é um prato cheio para o examinador no concurso porque é uma ação cível que tem particularidades únicas e que, por isso mesmo, merecem toda sua atenção.

Com essas considerações, eu me dou por satisfeito com os aspectos processuais da improbidade administrativa, lembrando que essa aula deve ser estudada em conjunto com a aula da Marinela, onde ela desenvolveu aspectos de direto material.

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

1. CONCEITO

“O mandado de segurança coletivo nada mais é do que o MS individual com variação da legitimidade e do objeto.”

Os legitimados são diferentes e, quanto ao objeto, é que o MS tutela direito individual e o MS coletivo tutela interesse metaindividual, aquele que transcende os limites do indivíduo.

2. PREVISÃO LEGAL E SUMULAR

O MS coletivo tem previsão no art. 5º, LXX, da Constituição Federal.

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

O que cuidava do MS coletivo até então era a Lei 1533/51, que é a revogada Lei do Mandado de Segurança, embora não falasse uma palavra do mandado de segurança coletivo e o microssistema, exatamente pela falta de previsão legal. Acontece, como você bem sabe, em agosto de 2009, veio à tona a Lei 12.016/09, que é a nova Lei do Mandado de Segurança que tem dois dispositivos expressos regulamentadores do MS coletivo. Quer dizer, o legislador, depois de 21 anos da Constituição Federal, tomou vergonha e regulamentou o mandado de segurança coletivo, de modo que a regulamentação do MS coletivo hoje é o art. 5.º, LXX, da CF e os arts. 21 e 22 da Lei 12.016/09, que é a lei do mandado de segurança. Isso, legalmente falando.

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Previsão sumular sobre o MS. Sobre MS há súmula pra dedéu. O MS coletivo tem bem menos porque veio com a CF/88. Por isso, o STF só editou duas súmulas, 629 e 630, que vamos estudar ainda hoje.

3. LEGITIMIDADE ATIVA PARA O MS COLETIVO

3.1. Partido Político com representação no Congresso Nacional

Esse é o primeiro legitimado ativo para a propositura, para a interposição do MS coletivo, que é o partido político com representação no Congresso Nacional. É necessário, portanto, que o partido político tenha, pelo menos, um deputado ou um senador, para que possa ser considerado legitimado para a propositura do MS coletivo.

Tem-se entendido, com tranquilidade, que o partido político pode atuar em todos os âmbitos da federação. Eu quero dizer que pode impetrar MS coletivo tanto o diretório municipal, quanto o estadual, quanto o nacional. Desde que o partido tenha um deputado ou um senador, o partido pode entrar com MS coletivo através do seu diretório municipal, do seu diretório estadual e do seu diretório nacional. O que é razoável. Até porque o diretório local tem direitos a assegurar que não são do diretório estadual ou nacional. Pode impetrar MS coletivo, independentemente de ele ser vereador ou deputado estadual. O que interessa é que tem lá o partido como um todo, um deputado federa ou um senador.

A observação quente e que causa maiores perplexidade é aquela quanto ao objeto de defesa do partido político no âmbito do MS coletivo. Presta atenção porque a Lei 12.016 acabou esclarecendo essa questão que era, até o seu advento, altamente controvertida. Eu quero que você observe o seguinte: a CF fala que o MS coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional. E na alínea “b”, fala: “b)organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;” A Constituição teve a preocupação, no caso da organização sindical, entidade de classe ou associação, colocar que ela só pode impetrar MS coletivo na defesa dos interesses dos seus membros ou associados, preocupação que ele não teve quando colocou o partido político. Se ele quisesse o mesmo para o partido político, ou seja, que defendesse só os interesses dos filiados, ele teria dito. Ele teria colocado tudo num inciso só. Se ele dividiu, qual foi a ideia? De falar que partido político pode atuar, não só na defesa dos filiados como também na defesa de quem?

São duas posições quanto ao objeto de defesa:

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1ª Posição (Ada) – O partido político pode impetrar MS coletivo em todos os assuntos de interesse nacional. Ou seja, o partido político faria, literalmente, o que ela chama de controle do direito objetivo. E mais do que isso, poderia impetrar MS em favor de todos os brasileiros, já que afinal de contas a CF, em momento algum, disse que ele tem que atuar na defesa dos interesses dos seus membros e filiados. Simplesmente disse que pode impetrar MS coletivo. A professora Ada interpreta e diz que pode impetrar MS coletivo em todos os assuntos de interesse nacional, ou seja, o partido político faria, literalmente, o que ela chama de controle do direito objetivo. E mais do que isso, o partido político poderia impetrar MS em favor de todos os brasileiros, já que afinal de contas, a Constituição Federal, em momento algum, disse que ele tem que impetrar na defesa de seus membros e filiados. Apenas disse que podem impetrar MS. A professora Ada interpreta dessa forma. É um raciocínio bem razoável.

2ª Posição – Entretanto, chega a Lei 12.016/09 e essa lei no seu art. 21, caput, acaba consolidando e confirmando a ocorrência da segunda posição, acerca do objeto de defesa do MS coletivo. Você vai ler comigo. Olha o que o art. 21 acabou fazendo:

Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

O que o legislador infraconstitucional fez? Ele restringiu o alcance de uma garantia constitucional, estabelecendo que o partido político só pode impetrar MS coletivo em dois assuntos:

1. Finalidade partidária – o que é óbvio2. Interesses legítimos dos seus filiados

Só. Questões político-partidárias e interesses legítimos só dos seus filiados. Ou seja, a nova lei, na esteira daquilo que já dizia a jurisprudência superior (que vinha se inclinando para uma maior restrição), acabou fazendo uma limitação do dispositivo constitucional, ao estabelecer que o MS coletivo só

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pode ser impetrado nessas duas situações: finalidade partidária e interesses legítimos, não mais de todos, mas apenas dos seus filiados.

Tem gente xingando esse dispositivo de tudo quanto é jeito, porque o legislador infraconstitucional acabou colocando uma limitação que não existe no texto constitucional.

Mas a jurisprudência superior tem entendido, ainda que, no tocante a partido político, que agora só pode impetrar MS em relação à finalidade partidária quando se fala de interesses legítimos de seus filiados, deve-se observar o art. 1º, da Lei 9.096/95 (Estatuto dos Partidos Políticos), que estabelece que o partido político, além de atuar com finalidade partidária, só pode defender direitos humanos. A jurisprudência superior acabou entendendo que, quando se tratar de partido político, além da finalidade partidária, pode defender interesses legítimos dos seus filiados, mas esses interesses, exatamente em virtude da finalidade do partido político, só pode ser relacionado a direitos humanos.

Solução: com a palavra o STF: o partido político pode impetrar MS coletivo em favor de todos os seus filiados em matéria tributária? MS coletivo em favor dos filiados do PT em matéria tributária. Pode? Não pode porque não é relacionado a direitos humanos. Mas poderia impetrar para garantir um reajuste de aposentadoria de todos os seus filiados, algo que é mais relacionado à subsistência, a uma vida digna. Poderia impetrar MS coletivo para garantir a todos os seus filiados presos direito a uma cela em melhores condições? Em tese poderia. Por quê? Porque aí seria relacionado a direitos humanos. Mas apenas para os seus filiados.

3.2. Organização sindical, entidade de classe ou associação

Para os segundos legitimados a coisa é um pouco mais fácil. E pode impetrar MS coletivo:

Sindicato Entidade de classe Associações,

o Desde que constituídos e em funcionamento há pelo menos um ano.

O STF, numa interpretação literal do dispositivo entendeu que o sindicato fica fora da necessidade de constituição ânua para entrar com MS coletivo. E por quê? Por causa da vírgula. A resposta é essa.

Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com

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representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

Quer dizer, ele separou o sindicato, da entidade de classe e associação legalmente constituída a pelo menos um ano. Segundo o STF, consequentemente, o sindicato não precisa da constituição ânua, que ocorre apenas para as associações e entidades de classe. E o STF também argumenta que o sindicato não teria como ser formado ad hoc simplesmente para impetração de MS coletivo.

Ontem vimos que a Lei de ACP, no art. 5º, § 4º, diz que o juiz, em ACP’s ajuizadas por associações, pode dispensar a constituição ânua. A pergunta é: isso dá para ser aplicado aqui no caso das associações e entidades de classe, quando a ação versar sobre questões de altíssimo interesse nacional? A resposta é não porque a necessidade de constituição anua é prevista na CF e a autorização para dispensa está prevista na legislação infraconstitucional. A legislação infraconstitucional não pode afastar uma condição constitucional. Consequentemente, a constituição ânua não pode ser afastada pela aplicação do art. 5º, § 4º, essa é a minha segunda observação sobre o ajuizamento de ACP pelas associações ou entidades de classe.

A terceira observação sobre o tema vem da análise da Súmula 629, do STF, que afasta expressamente a aplicação do art. 2º-A, da Lei 9.494/97. Vimos esse artigo na aula de ontem. É o dispositivo que fala que a associação para entrar com ACP precisa da relação nominal de todos os associados e de autorização da assembleia. Se tem aquela discussão lá na ACP (e vimos que tem um julgado do STJ que diz que não tem que aplicar, mas a lei fala que aplica), aqui no MS não existe porque o STF veio com os dois pés no peito e disse:

STF Súmula 629 – DJ 13/10/03 - A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.

Aqui, literalmente, o STF adotou aquele entendimento de que a autorização para a entidade de classe propor MS em meu nome foi dada quando ingressei. E não agora. Não é necessária uma nova autorização.

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A quarta observação sobre a legitimidade para esses caras impetrarem MS é a análise da Súmula 630, do STF. A pergunta que vou fazer, para explicar essa súmula é bem interessante. A entidade de classe tem um número de associados. A partir do momento que têm um número de associados, nem todos esses associados preenchem os requisitos legais para fruir algum direito. A ideia é a seguinte: nem todo mundo que faz parte da associação (3 mil pessoas) tem o direito que vai ser postulado pela associação. De repente só têm o direito alegado aqueles que entraram na associação antes de 2000 porque depois disso a lei mudou. Quando eu entro com o MS coletivo, o direito pode ser de apenas parcela da categoria. Apenas parcela da categoria pode ser beneficiada pelo MS coletivo? O Supremo deu a resposta através da Súmula 630, que vai dizer o seguinte:

STF Súmula nº 630 - DJ de 13/10/2003 – A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Sobre a legitimidade da entidade de classe para a propositura do MS coletivo, falta fazer a mesma coisa que fiz no partido político, que é falar do objeto. E o Supremo Tribunal Federal pacificou essa questão, e a nova lei não mudou nada sobre ela, a nova lei consolidou essa posição do STF.

O STF, no julgamento do RE 181438/SP, bateu o martelo e disse que o objeto da ação do MS coletivo, quando impetrado por entidade de classe, sindicato ou associação é o seguinte: “é o direito de os associados ou sindicalizados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nos fins institucionais da impetrante.”

Na verdade, a ideia é que quando se tem um MS coletivo, o direito não precisa ser da categoria. Por exemplo, se você for sócio de uma associação de juízes ou de promotores, o MS coletivo impetrado pela associação não precisa ser para discutir só assunto relacionado à magistratura ou ao MP, desde que o objeto social permita a tutela de outros direitos. Eu dei esse exemplo na aula de ontem. Aqui é igualzinho. Se na associação dos magistrados está escrito que a associação de magistrados serve para a tutela dos interesses dos magistrados, entre eles, a defesa dos direitos do consumidor dos magistrados, cabe MS coletivo tanto para tutelar interesses da categoria, quanto cabe também para interesses de consumo que não tem nada a ver com o fato de o cara ser ou não ser magistrado. Portanto, qual é a conclusão que eu posso tirar, disso que o STF fala, que é o objeto da impetração do MS coletivo pelo sindicato, entidade de classe ou associação? Quanto mais amplos os objetivos sociais da impetrante, maior a representatividade.

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Última observação sobre a legitimidade: prevalece na doutrina o entendimento de que não há outros legitimados além desse grupo: partidos políticos, entidades de classe, associação e sindicato. Só eles podem impetrar MS coletivo porque é uma tipicidade. Se a CF diz que é só para esses caras, só eles podem impetrar. Entretanto, há posição doutrinária em sentido contrário. A Ada, por exemplo, entende que o MP também pode impetrar MS coletivo. Eu ficaria com a primeira posição, por sua ampla maioria.

4. DIREITOS METAINADIVIDUAIS TUTELÁVEIS PELO MS COLETIVO

O MS coletivo tutela quais direitos? Difusos, coletivos, individuais homogêneos, todos, nenhum, alguns? Na doutrina, você vai encontrar duas posições a respeito do tema:

1ª Posição: Ampliativa – Essa primeira posição, que é ampliativa, diz que você pode tutelar por MS coletivo todos os interesses metaindividuais. Quer dizer, cabe MS coletivo para a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Quem adota essa posição além da Ada, a Lúcia Valle Figueiredo e a grande maioria da doutrina. A maioria da doutrina diz que cabe MS coletivo em todos os interesses metaindividuais. Inclusive, a professora Lúcia Valle Figueiredo dá um exemplo que é supimpa para mostrar isso. Uma associação de classe poderia entrar com MS coletivo para vedar a concessão de uma licença ambiental, ilegal, indevida. É o MS coletivo para garantir o direito de todos os associados de não ver expedida uma licença ambiental não devida que vai poluir determinada área. Então, MS por licença ambiental seria o típico caso de MS coletivo para a tutela de um interesse difuso. A doutrina, portanto, é amplamente majoritária nesse sentido.

2ª Posição: Restritiva - Só que nem tudo o que a doutrina diz, a jurisprudência acolhe e a nova Lei do Mandado de Segurança acabou adotando uma concepção restritiva, no art. 21, parágrafo único, da Lei 12.016/09 (LMS), ao dizer que a impetração do MS coletivo só serve para a defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos. Quer dizer, deixaram de fora os interesses difusos. Essa é uma das críticas violentas que a doutrina está fazendo à nova Lei do Mandado de Segurança.

Art. 21. Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

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II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Ou seja, deixaram de fora os interesses difusos. E qual é a resposta que o legislador dá para a crítica? Para o fato de que todo mundo está metendo o pau nessa limitação absurda do cabimento do MS coletivo? O legislador está dizendo que, para os difusos, não cabe MS coletivo porque, para eles, cabem outros meios: cabe ACP, cabe ação popular. Eu não preciso tutelar também os difusos pelo MS coletivo. Então, se você quiser impedir uma licença ambiental, ao invés de entrar com MS coletivo, o que você faz? Entra com a ACP e pede a tutela antecipada. Entra com ação popular ambiental e pede tutela antecipada. Mas isso é objeto de profunda crítica. Mas duvido que a jurisprudência vai mudar. É o que vai prevalecer.

5. COISA JULGADA NO MS COLETIVO

Quando eu falei de coisa julgada lá no estudo da teoria geral, avisei que o regime estudado lá não era aplicável ao MS, que tem regra própria de coisa julgada. Não se aplica, portanto, o microssistema processual coletivo. Aqui eu vou afastar as regras dos arts. 103 e 104, do CDC, porque eu tenho uma regra própria para o MS coletivo, que é a regra do art. 22, da Lei 12.016/09:

Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.

§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiênciado representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.

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Basicamente existem duas diferenças entre o regime da coisa julgada do MS coletivo e o regime da coisa julgada nas demais ações coletivas.

Os efeitos da coisa julgada nos difusos: erga omnes Os efeitos da coisa julgada nos coletivos: ultra partes (vale só para o grupo) Os efeitos da coisa julgada nos individuais homogêneos: erga omnes

Primeira diferença: no MS coletivo, caput do art. 22, diz que seja para os coletivos, seja para os individuais homogêneos, a coisa julgada vai ser ultra partes. É só para os membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Quer dizer, se você não for associado do partido político essa decisão vale para você? Se não for associado da associação, vale para você? Se você não for associado do sindicato vale para você? Não vale. A decisão aqui é ultra partes. Só vale para os membros do grupo ou categoria representados pelo impetrante. A primeira diferença é que aqui ele não faz diferença entre individuais homogêneos e coletivos. Sejam coletivos, sejam individuais homogêneos, a coisa julgada aqui é sempre ultra partes. Só valem para os membros da categoria ou do grupo. Na ACP não é assim.

Segunda diferença: É a mais criticada pela doutrina. Esquece um pouco o MS coletivo e lembra comigo a coisa julgada nas ações coletivas. Eu tenho uma ação coletiva e tenho uma ação individual. As duas podem correr concomitantemente. Nos termos da regra do art. 104, do CDC, o indivíduo para poder se beneficiar da coisa julgada coletiva, ele faz o transporte inutilibus. Para ele se beneficiar da coisa julgada coletiva, ele tem que suspender a ação individual dele até 30 dias a contar da ciência de que tem a coletiva. Se ele não suspende, ele não é beneficiado. Se ele suspende, ganhando a coletiva, ele executa. Se perder a coletiva, ele volta na individual. Lá no processo da ACP, na regra da ação civil pública, para eu me beneficiar da coletiva, vai ser feita a suspensão da individual.

Olha o que diz o § 1º, do art. 22, da nova Lei do MS. Ele fala que não induz litispendência para as ações individuais. Até aqui não tem segredo algum. “Mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.” Portanto, o art. 22, § 1º, condiciona a coisa julgada inutilibus à desistência da ação individual. Não basta suspender. Tem que desistir. Para continuar com a ação individual, você pode, mas não será beneficiado pela sentença do MS coletivo. Alguém imagina por que o legislador aqui quis trocar a suspensão pela desistência? É tudo para ferrar o jurisdicionado e beneficiar o Poder Público porque se eu desisto da ação individual, se ganhar minha impetração coletiva, eu executo. Mas perdendo a impetração coletiva, até posso entrar com outro MS, mas dentro do prazo de

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DIREITO DIFUSO E COLETIVOIntensivo II

Prof. Alexandre Gialluca2010

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120 dias o que acaba não dando tempo. Então, “o objetivo do legislador foi fazer com que desacolhido o MS coletivo, a parte não mais possa impetrar MS individual em virtude da ocorrência da decadência do prazo para a impetração.”

6. LIMINAR

O art. 22, § 2º, da Lei do MS repete algo que você viu comigo ontem, ele repete a redação do art. 2.º, da Lei 8.437/92, ou seja, vedam a concessão de liminar inaudita altera pars contra o Poder Público:

§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.

Então, tanto na ACP, quanto no MS coletivo, o juiz só pode conceder a liminar após a prévia oitiva do representante judicial (procurador do estado, do município, federal), no prazo de 72 horas. Fica esperto porque todas as considerações que eu fiz na aula de ontem sobre essa impossibilidade de liminar inaudita altera pars acabam sendo aplicadas aqui.

PARA FINALIZAR - Tudo o mais sobre MS coletivo segue a regra do MS individual. Tem decadência, requisitos da petição inicial, competência, tudo é igual porque o MS coletivo nada mais é do que o MS individual com variação na legitimidade e no objeto. O resto é absolutamente tudo igual.