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DIREITO DO - icjp · de Direito Administrativo e Ciências Ambientais na Universidade de Huelva, tivemos oportunidade de fazer uma selecção da jurisprudência ambiental portuguesa

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  • DIREITO DO AMBIENTEAnotaes jurisprudenciais dispersas

    CARLA AMADO GOMES

    2 EDIO REVISTA E AMPLIADA - 2017

  • Edio:

    Instituto de Cincias Jurdico-Polticas

    www.icjp.pt | [email protected]

    Centro de Investigao de Direito Pblicowww.icjp.pt/cidp| [email protected]

    2 Edio revista e ampliada

    Janeiro de 2017

    ISBN: 978-989-8722-19-5

    Alameda da Universidade

    1649-014 Lisboa

    Imagem da capa: Carla Amado Gomes

    Produzido por:

    OH! [email protected]

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    Todos os hiperlinks para a Internet esto ativos e so da responsabilidade dos autores.

    http://www.icjp.ptmailto:icjp%40fd.ulisboa.pt?subject=http://www.icjp.pt/cidpmailto:cidp-icjp%40fd.ulisboa.pt?subject=mailto:mail%40oh-multimedia.com?subject=

  • INSTITUTO DE CINCIAS JURDICO-POLTICAS / CENTRO DE INVESTIGAO EM DIREITO PBLICO3

    NDICE

    Nota de apresentao 2 edio.

    Nota de apresentao.

    Da dispensabilidade da avaliao de impacto ambiental (ainda a propsito da coincinerao).Anotao ao Acrdo do TCA-Norte de 18 de maro de 2016

    Sobre o direito de acesso justia eurocomunitria em matria ambiental: Wie lange... Plaumann? Anotao aos Acrdos do TJUE de 13 de Janeiro de 2015: Stichting Milieu, Processos conjuntos ns C-404/12 P e C-405/12 P; e Vereniging Milieudefensie, Processos conjuntos ns C-401/12 P a C-403/12 P

    Zona econmica exclusiva: de quem e para qu?A propsito de uma deciso de revista excepcional do Supremo Tribunal Administrativo, Anotao ao Acrdo do STA de 20 de Fevereiro de 2014

    Uma embrulhada com vrios intervenientes: uma freguesia maadora, uma empresa pblica... e os tribunais que tomaram conta do caso. Comentrio ao Acrdo do TCA-Sul, de 7 de Maro de 2013

    Ha mar e mar, ha pescar e danificar.Anotao ao Acrdo do TCA-Sul, de 7 de Fevereiro de 2013

    Nem tudo o vento levou...Anotao ao Acrdo do TCA-Sul, de 31 de Maro de 2011

    And now, something completely different: a co-incinerao nas malhas da precauo.Anotao ao Acrdo do TCA-Norte, de 29 de Maro de 2007

    D. Quixote, cidado do mundo: da apoliticidade da legitimidade popular para defesa de interesses transindividuais.Anotao ao Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 2005

    A caminho de uma ecocidadania: notas sobre o direito informao ambiental.Anotao ao Acrdo do Tribunal Constitucional no 136/05, de 15 de Maro de 2005

    4

    5

    28

    38

    48

    57

    62

    68

    74

    81

    7

  • DIREITO DO AMBIENTE - Anotaes Jurisprudenciais Dispersas - 2 Edio 4

    Nota de apresentao 2 Edio

    Em Junho de 2013 publicmos a primeira edio destas Anotaes jurisprudenciais dispersas as quais, em Agosto de 2016, contavam 5.913 downloads.

    O interesse que a compilao revestiu para o pblico evidente e levou-nos a pro-mover esta segunda edio, que adita trs novas anotaes s j reunidas na primeira. Uma delas Zona econmica exclusiva: de quem e para qu? A propsito de uma deciso de revista excepcional do Supremo Tribunal Administrativo constitui a con-cluso de um caso que j antes anotara e que se encontra publicado na primeira edio (H mar e mar). Trata-se da anotao de um acrdo prolatado pelo STA em recurso de revista, com duplo interesse para a matria ambiental quer ao nvel da legit-imidade, quer no plano da densificao do conceito de zona econmica exclusiva, para a qual contei com a preciosa colaborao do Doutor Fernando Loureiro Bastos.

    As outras duas novas anotaes so tambm fruto de co-autorias (com o Doutor Rui Tavares Lanceiro e com o Dr. Jos Duarte Coimbra) e uma delas Da dispensabilidade da avaliao de impacto ambiental (ainda a propsito da coincinerao) constitui tambm, e curiosamente, mais um captulo de uma polmica que de h anos se ar-rasta nos nossos tribunais administrativos e sobre a qual j me pronunciei em anotao igualmente integrante desta compilao (And now for something completely differ-ent...): o caso da coincinerao de resduos perigosos em cimenteiras. A pendncia de um recurso de revista do acrdo do TCA-Sul que aqui se anota em co-autoria com Jos Duarte Coimbra faz crer que a novela ainda render pelo menos mais um cap-tulo...

    Preserva-se a ordem cronolgica adoptada na primeira edio, da anotao mais recente para a mais antiga. E respeita-se a vontade dos co-autores em aderir ou no ao acordo ortografico.

    Tal como na nota primeira edio, aqui deixamos os nossos votos de que esta com-pilao seja til a prticos e estudiosos de Direito do Ambiente.

    Lisboa, Janeiro de 2017

    Carla Amado Gomes

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  • INSTITUTO DE CINCIAS JURDICO-POLTICAS / CENTRO DE INVESTIGAO EM DIREITO PBLICO5

    Nota de apresentao

    Esta publicao recolhe seis anotaes jurisprudenciais sobre problemas que rele-vam do Direito do Ambiente. Publicadas em locais distintos, a sua reunio visa facilitar a consulta, bem como amplificar o seu conhecimento aos internautas. Cada anotao inclui o link de acesso directo ao texto do aresto, o qual poder ser consultado antes da leitura da anotao.

    Todas as anotaes so de minha autoria exclusiva, excepo da primeira, que nasceu de um comentrio de jurisprudncia cuja redaco propus aos alunos de Contencioso Administrativo e Tributrio como complemento de nota, este ano lecti-vo. Trata-se do trabalho de um aluno ao qual aditei alguns detalhes e que, pela sua qualidade e actualidade, entendi dever constar desta publicao. Esta circunstncia explica o facto de ser o nico texto indito aqui inserido.

    A ordem da publicao obedece a um critrio cronolgico invertido, do acrdo mais recente (Maro de 2013) ao mais antigo (Maro de 2005). Naturalmente que durante estes oito anos mais jurisprudncia ambiental se produziu, e antes de 2005 tambm h registos. Mas no tantos quantos a insero de uma norma ambiental na Constituio, logo em 1976, poderia fazer crer. J por vrias vezes escrevemos que o Direito Ambiental portugus direito ambiental da Unio Europeia concretizado, o que posiciona o arranque do Estado de Ambiente portugus na dcada de 1990. de 1990, com efeito, a primeira sentena ambiental registada no ordenamento portu-gus isto, claro, porque descartamos as abordagens personalistas e ficcionadamente ambientais detectadas na jurisdio comum , a sentena do tribunal judicial de Coruche de 23 de Fevereiro (proc. 278/89), que decidiu o hoje famoso caso das ce-gonhas brancas . O engrossar das fileiras da jurisprudncia ambiental proprio sensu foi lento, um tanto por o ramo do Direito ser jovem (apesar de ser, essencialmente, Direito Administrativo) e provocar alguma resistncia a magistrados impreparados para com ele lidar, e outro tanto por envolver questes de grande complexidade tcnico-cient-fica cuja apreciao toca os limites das valoraes prprias da funo administrativa.

    Recentemente, a propsito de uma aula que leccionmos num Curso de Mestrado de Direito Administrativo e Cincias Ambientais na Universidade de Huelva, tivemos oportunidade de fazer uma seleco da jurisprudncia ambiental portuguesa mais relevante, tendo destacado as seguintes decises :

    1. Acrdo do Tnel do Marqus de Pombal : STA, 24 de Novembro de 2004, proc. 1011/04-11 disponvel aqui 1

    2. Acrdo da co-incinerao (Souselas) : STA, 2 de Dezembro de 2009, proc. 0438/09 disponvel aqui 2

    1 Endereo do hiperlink : http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bc1f21de766d7680256f6a0059ac7f?OpenDocument&Highlight=0,t%C3%BAnel,do,marqu%C3%AAs

    2 Endereo do hiperlink : http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/11148f3eb40301c7802576a400393872?OpenDocument&Highlight=0,co-incinera%C3%A7%C3%A3o

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    http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bc1f21de766d7680256f6a0059ac7f?OpenDocument&Highlight=0,t%C3%BAnel,do,marqu%C3%AAshttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/11148f3eb40301c7802576a400393872?OpenDocument&Highlight=0,co-incinera%C3%A7%C3%A3ohttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bc1f21de766d7680256f6a0059ac7f?OpenDocument&Highlight=0,t%C3%BAnel,do,marqu%C3%AAshttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bc1f21de766d7680256f6a0059ac7f?OpenDocument&Highlight=0,t%C3%BAnel,do,marqu%C3%AAshttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/11148f3eb40301c7802576a400393872?OpenDocument&Highlight=0,co-incinera%C3%A7%C3%A3ohttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/11148f3eb40301c7802576a400393872?OpenDocument&Highlight=0,co-incinera%C3%A7%C3%A3o

  • DIREITO DO AMBIENTE - Anotaes Jurisprudenciais Dispersas - 2 Edio 6

    3. Acrdo da barragem do rio Sabor : TCA-Sul, 23 de Setembro de 2010, proc. 04948/09 disponivel aqui 3

    4. Acrdo do parque elico de Algar de gua : TCA-Sul, 31 de Maro de 2011, proc. 06793/10 disponvel aqui 4

    5. Acrdo do dano ecolgico na ZEE : TCA-Sul, 7 de Fevereiro de 2013, proc. 05849/10 disponvel aqui 5

    Destas cinco, trs encontram-se comentadas nesta publicao. Conforme j obser-vmos, estas referncias no esgotam a jurisprudncia ambiental portuguesa produ-zida at hoje, mas constituem uma seleco ilustrativa de alguns dos problemas que tm sido levantados chamando a ateno, nomeadamente, no plano substantivo, para a centralidade do procedimento de avaliao de impacto ambiental e, no plano processual, para a relevncia das providncias cautelares na tutela ambiental. Das anotaes resulta tambm a importncia da temtica da legitimidade processual, agravadamente complexa em razo da indistino a que a Lei 83/95, de 31 de Agosto, condenou as figuras dos interesses difusos e dos interesses individuais homogneos.

    Esperamos que esta publicao contribua para divulgar mais amplamente o trata-mento jurisprudencial das questes ambientais em Portugal e incentivar os cultores do Direito ao seu estudo e tratamento sistemtico. S uma doutrina ambientalista slida pode constituir esteio para uma jurisprudncia ambiental de qualidade. E s h Esta-do de Ambiente com tribunais actuantes no plano da observncia da boa implemen-tao da legalidade ambiental.

    Lisboa, Junho de 2013

    Carla Amado Gomes

    3 Endereo do hiperlink : http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/09aa66005c0cb086802577ab0061ddfa?OpenDocument&Highlight=0,04948%2F09

    4 Endereo do hiperlink : http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f9660f7a3473654f8025786a0032ff17?OpenDocument&Highlight=0,morcegos

    5 Endereo do hiperlink : http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/75ee114781156c9180257b11004b50bd?OpenDocument&Highlight=0,05849%2F10

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    http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/09aa66005c0cb086802577ab0061ddfa?OpenDocument&Highlight=0,04948%2F09http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f9660f7a3473654f8025786a0032ff17?OpenDocument&Highlight=0,morcegoshttp://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/75ee114781156c9180257b11004b50bd?OpenDocument&Highlight=0,05849%2F10http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/09aa66005c0cb086802577ab0061ddfa?OpenDocument&Highlight=0,04948%2F09http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/09aa66005c0cb086802577ab0061ddfa?OpenDocument&Highlight=0,04948%2F09http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f9660f7a3473654f8025786a0032ff17?OpenDocument&Highlight=0,morcegoshttp://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f9660f7a3473654f8025786a0032ff17?OpenDocument&Highlight=0,morcegoshttp://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/75ee114781156c9180257b11004b50bd?OpenDocument&Highlight=0,05849%2F10http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/75ee114781156c9180257b11004b50bd?OpenDocument&Highlight=0,05849%2F10

  • INSTITUTO DE CINCIAS JURDICO-POLTICAS / CENTRO DE INVESTIGAO EM DIREITO PBLICO7

    *1I. Contexto; II. A excecionalidade da dispensa do procedimento de AIA e a caducida-de da DIA anterior; III. Anulao do ato de dispensa e invalidade dos atos licenciadores posteriores

    I. Contexto

    1. Cientfica, social e politicamente (muito) controversa2, a opo pela coincinerao de resduos industriais perigosos (RIP) em unidades cimenteiras enfrentou e ainda en-frenta, em Portugal, obstculos jurisprudenciais de monta, nomeadamente na jurisdi-o administrativa3. O acrdo do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) sob anotao e o processo de onde ele emerge, oriundo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra), refletem (apenas) mais um captulo desse trilho jurisprudencial complexo e nem sempre unvoco. Mas trata-se de um captulo que, hoje mesmo, no est ainda fechado: em formao de apreciao preliminar, o Su-premo Tribunal Administrativo (STA) admitiu, no passado dia 22 de setembro de 2016, o recurso de revista (interposto pelo Ministrio do Ambiente e pela CIMPOR, demandado e contrainteressada, respetivamente) do acrdo do TCA Norte que agora se anota4. A no-definitividade do julgado pelo TCA Norte e os termos em que o STA admitiu a revista no colocam em causa, segundo se julga, a pertinncia da presente anotao, antes a reforam.

    1 Publicado (em verso sintetizada e agora desenvolvida) nos Cadernos de Justia Administrativa, n. 119, 2016.

    2 Para um balano entre as vantagens e desvantagens cientficas e ambientais da coincinerao, j tendo em vista a experincia dos primeiros anos nas cimenteiras da SECIL (Outo) e, sobretudo, da CIM-POR (Souselas), cfr. M. J. Brenhas/r. Machado/M. a. dinis/n. Barros, Co-incinerao em fornos de cimenteiras. Anlise de caso, Revista da Faculdade de Cincia e Tecnologia, 6, 2009, pp. 82-94.

    3 Embora com menor intensidade, o caso da coincinerao tambm chegou jurisdio dos tribunais comuns: cfr., v. g., os acrdos do Supremo Tribunal de Justia, de 9 de maio de 2002, proc. n. 02B1176 (ao inibitria em relao implementao da coincinerao no Outo, julgada inadmissvel por incompetncia absoluta dos tribunais comuns), e de 4 de maro de 2010, proc. n. 677/09.1YFLSB (ao de responsabilidade civil proposta pelo Ministro do Ambiente do XVI Governo Constitucional em reao a uma notcia jornalstica sobre o suposto segredo envolvendo a autorizao de experincias de coincine-rao no Outo).

    4 Acrdo de 22 de setembro de 2016, proc. n. 01001/16. A formao sublinhou como circunstn-cias habilitadoras da Revista, luz do prescrito no artigo 150. do CPTA, (i) a importncia jurdica funda-mental da questo decidenda, na medida em que se prende com os limites e o mbito dos poderes do Tribunal na sindicncia de atos administrativos atravs dos quais se preenchem conceitos indeterminados; (ii) a relevncia social da questo, em termos de sade pblica; e (iii) a necessidade de melhor aplica-o do Direito, tendo em conta, desde logo, que no presente processo o TCA revoga o acrdo do TAC de Coimbra com um voto de vencido.

    Da dispensabilidade da avaliao de impacto ambiental (ainda a propsito da coincinerao). Anotao ao Acrdo do TCA-Norte de 18 de maro de 2016 1

    Carla Amado Gomes Jos Duarte Coimbra

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    http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/14932947d2ae04d980257f8f005711cc?OpenDocumenthttp://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/14932947d2ae04d980257f8f005711cc?OpenDocument

  • DIREITO DO AMBIENTE - Anotaes Jurisprudenciais Dispersas - 2 Edio 8

    2. So bem conhecidas as vicissitudes sociais, polticas e legislativas, que envolveram o arranque da coincinerao de RIP em Portugal, as quais, na sua faceta jurdica mais vis-vel, se traduziram num impressivo confronto institucional entre o Governo (em concreto, o XIII e o XIV Governos Constitucionais) e a Assembleia da Repblica e numa sucesso relativamente anormal de intervenes legislativas sobre a matria, sobretudo entre os anos de 1998 e 20015. Perspetivada como soluo preferencial para o tratamento de RIP atravs da Estratgia de Gesto dos Resduos Industriais de 19976, a coincinerao viria a ser prevista no Regime Jurdico da Incinerao de Resduos Perigosos, aprovado pelo Decreto-Lei n. 273/98, de 2 de setembro, tendo sido lanado na sua base e, bem assim, na sequncia do Memorando de Entendimento assinado entre o Governo e o sector cimenteiro em 1997 o Projeto de Eliminao de Resduos Industriais pelo Setor Cimenteiro, nos termos do qual se previa a instalao de duas estaes de queima de RIP em duas unidades cimenteiras do pas.

    Tal como legalmente previsto7, o Projeto viria a ser sujeito a avaliao de impacto ambiental, tramitada e concluda ao abrigo do RJAIA/19908. Tendo o parecer da Co-misso de Avaliao de Impacto Ambiental9, de 21 de dezembro de 1998, concludo, de forma global, em sentido favorvel coincinerao10, o Projeto seria finalmente aprovado por Despacho da Ministra do Ambiente de 28 de dezembro de 1998, apon-

    5 Sobre as questes jurdico-ambientais relacionadas com a coincinerao e as questes jurdico--constitucionais envolvidas nesse confronto institucional, cfr., poca, c. aMado GoMes, A co-incinerao de resduos industriais perigosos. Notas margem de uma polmica, Revista Jurdica de Urbanismo e Am-biente, 13, 2000, pp. 9 e ss. (= in Textos Dispersos de Direito do Ambiente, I, Lisboa: AAFDL, 2008, pp. 37 e ss.), e o conjunto de pareceres jurdicos (de d. Freitas do aMaral/M. da Glria Garcia, J. Miranda, P. otero e M. assuno esteves) reunidos em O Caso Co-Incinerao, 1. vol., tomo I, Lisboa: IPA, 2001, pp. 21 e ss., 69 e ss., 97 e ss. e 143 e ss., respetivamente.

    6 Aprovada pela Resoluo do Conselho de Ministros n. 98/97, de 25 de junho.7 O n. 9 do Anexo I do RJAIA/1990 submetia a avaliao de impacto ambiental as instalaes de

    eliminao dos resduos txicos e perigosos por incinerao, tratamento qumico ou armazenagem em terra; de resto, o prprio Decreto-Lei n. 273/98 acautelava que o procedimento de avaliao prvia a que se encontravam sujeitas as operaes de incinerao no prejudica[va] a sujeio a avaliao de impacto ambiental, e que o requerimento de autorizao deveria ser entregue conjuntamente com os elementos de instruo do processo de avaliao de impacte ambiental (cfr. o n. 2 do artigo 5., e o n. 1 do artigo 6.).

    8 Contido no Decreto-Lei n. 186/90, de 6 de junho, com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n. 278/97, de 8 de outubro, e no Decreto Regulamentar n. 38/90, de 27 de novembro, com as alteraes introduzidas pelo Decreto Regulamentar n. 42/97, de 10 de outubro. Para uma anlise detalhada deste primeiro mas insuficiente regime jurdico de avaliao de impacto ambiental, cfr. L. F. colao antunes, O Procedimento Administrativo de Avaliao de Impacto Ambiental, Coimbra: Almedina, 1998, pp. 644 e ss., e a. araGo/J. e. FiGueiredo dias/M. a. Barradas, Presente e Futuro da AIA em Portugal: notas sobre uma re-forma anunciada, Revista do CEDOUA, 1/2, 1998, pp. 89-110. Em retrospetiva, sublinhando que o regime deixava muito a desejar e, sob vrios pontos de vista, procedia a uma transposio incorreta ou, quanto a certos aspetos, incompleta da Diretiva Comunitria [85/337/CEE], cfr. t. antunes, A Deciso do Procedi-mento de Avaliao de Impacto Ambiental, in Pelos Caminhos Jurdicos do Ambiente. Verdes Textos I, Lis-boa: AAFDL, 2014, p. 561 (= in Revisitando a Avaliao de Impacto Ambiental (coords. C. Amado Gomes/T. Antunes), e-book, Lisboa: ICJP, 2014, p. 212). Relembre-se, alias, que a deficiente regulao nacional da-ria origem a um processo de incumprimento movido pela Comisso Europeia, no qual o incumprimento portugus foi declarado pelo Tribunal de Justia: cfr. o acrdo do TJCE de 21 de janeiro de 1999, proc. C-150/97 (sobre este processo e, ainda assim, sobre a relativa compreenso da Comisso em relao ao caso portugus, cfr. a. araGo, A Avaliao Europeia de Impacte Ambiental: a sina belga e a ventura lusa, Revista do CEDOUA, 2/3, 1999, pp. 108 e ss.).

    9 Designada pelo Despacho Conjunto (do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Adminis-trao do Territrio e da Ministra do Ambiente) n. 540/98, de 21 de julho de 1998.

    10 Dias antes (com data de 3 de dezembro), tambm o Conselho Nacional do Ambiente e do De-senvolvimento Sustentvel havia emitido parecer favorvel coincinerao: cfr. o Parecer sobre o Proces-so de Co-Incinerao de Resduos Industriais, disponvel em http://www.cnads.pt/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=219&Itemid=84.

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    http://www.cnads.pt/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=219&Itemid=84http://www.cnads.pt/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=219&Itemid=84

  • INSTITUTO DE CINCIAS JURDICO-POLTICAS / CENTRO DE INVESTIGAO EM DIREITO PBLICO9

    tando inicialmente, em conformidade com os resultados da avaliao de impacto am-biental, para as unidades cimenteiras de Souselas e Maceira11.

    Ainda dependente de autorizao prvia, a instalao das coincineradoras sofre-ria, no entanto, fortssima contestao social12, tendo sido, em consequncia, relativa-mente paralisada atravs das subsequentes intervenes legislativas da Assembleia da Repblica: (i) primeiro a suspender o Decreto-Lei n. 273/98 e a impor a constituio de uma Comisso Cientfica Independente (CCI) destinada a monitorizar o processo e a validar as opes tcnicas e de localizao para a coincinerao13 e, (ii) j depois da apresentao do parecer da CCI14 que validaria a opo pela coincinerao15, mas sugeriria a sua instalao nas unidades cimenteiras de Souselas e de Outo (Arrbida)16

    11 Ainda sobre o procedimento de avaliao ambiental ento tramitado, criticando o facto de a Estratgia do Governo no ter sido sujeita, previamente, a consulta pblica nos termos e para os efeitos da Lei de Ao Popular e Participao Procedimental (Lei n. 83/95, de 31 de agosto), cfr. a Recomendao do Provedor de Justia n. 6/A/99, de 2 de maro, disponvel em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/006A_99.pdf e em cujos termos se recomendava, por isso, revoga[r] o despacho de Sua Ex-celncia a Ministra do Ambiente, de 28 de dezembro de 1998, e que a Estratgia de Gesto dos Resduos Industriais [fosse] submetida a participao popular e sujeita a audincia prvia.

    12 Para aproximaes sociolgicas e politolgicas aos impactos e resistncias sociais ao caso da coincinerao em Portugal, com diferentes perspetivas, cfr. J. arriscado nunes/M. Matias, Controvrsia cien-tfica e conflitos ambientais em Portugal: O caso da co-incinerao de resduos industriais perigosos, Revista Crtica de Cincias Sociais, 65, 2003, pp. 129-150; M. Matias, Conhecimento(s), ambiente e participao: A contestao co-incineradora em Souselas, Coimbra: dissertao de mestrado indita, 2002, passim; ideM, Dont Treat us like Dirt: The Fight Against the Co-incineration of Dangerous Industrial Waste in the Outskirts of Coimbra, South European Society and Politics, 9(2), 2004, pp. 132-158; ideM, A natureza farta de ns? Am-biente, sade e formas emergentes de cidadania, Coimbra: dissertao de doutoramento indita, 2009, pp. 202-227; M. castelo Branco/t. euGnio/J. riBeiro, Environmental disclosure in response to public perception of environment threats. The case of co-incineration in Portugal, Journal of Communication Management, 12(2), 2008, pp. 136-151; r. KiKuchi/r. Gerardo, More than a decade of conflict between hazardous waste management and public resistance: A case study of NIMBY syndrome in Souselas (Portugal), Journal of Ha-zardous Materials, 172, 2009, pp. 1681-1685; M. e. Gonalves/a. delicado, The politics of risk in contemporary Portugal: tensions in the consolidation of science-policy relations, Science and Public Policy, 36(3), 2009, pp. 229-239; h. Mateus JerniMo/J. l. Garcia, Risks, alternative knowledge strategies and democratic legitimacy: the conflict over co-incineration of hazardous industrial waste in Portugal, Journal of Risk Research, 14(8), 2011, pp. 951-967; e M. J. Maia/a. i. Moiteiro/l. horstinK/M. Farelo/r. antunes, Anlise de um processo decisrio controverso: a co-incinerao em Souselas, IET Working Papers Series, n WPS10/2012, disponvel em https://run.unl.pt/bitstream/10362/10617/1/WPSeries_10_2012MJMaia_etalSouselas_v2.pdf.

    13 Cfr. a Lei n. 20/99, de 15 de abril. A imposio da Assembleia da Repblica viria a ser concretiza-da pelo Governo atravs dos Decretos-Leis n.os 120/99 e 121/99, ambos de 16 de abril, os quais viriam a ser objeto de apreciao e alterao parlamentar: cfr. as Leis n.os 148/99 e 149/99, ambas de 3 de setembro.

    14 O trabalho da CCI encontra-se publicado em s. ForMosinho/c. Pio/h. Barros/J. carvalheiro, Parecer Relativo ao Tratamento de Resduos Industriais Perigosos, I, Cascais: Principia, 2000, encontrando-se tam-bm disponvel em https://web.fe.up.pt/~jotace/cci/Relatorio/Rcom.pdf.

    15 Lendo no Parecer da CCI uma certa ideia de compromisso, na medida em que a defesa da soluo da coincinerao de resduos perigosos em Portugal [por parte da CCI se fundou] na dificuldade em atingir uma situao de excelncia ambiental, s garantido atravs de solues ento no dispon-veis ou no praticveis, cfr. a. araGo, O Princpio do Nvel Elevado de Proteo e a Renovao Ecolgica do Direito do Ambiente e dos Resduos, Coimbra: Almedina, 2006, p. 429, nota 734 (v., ainda, p. 763, nota 1384). O trabalho e concluses da CCI seriam tomadas em linha de conta na reviso do Plano Estratgico dos Resduos Industriais (PESGRI 99, aprovado pelo Decreto-Lei n. 516/99, de 2 de dezembro), levada a cabo atravs do Decreto-Lei n. 89/2002, de 9 de abril (PESGRI 2001, ainda vigente). Sobre o PESGRI, cfr. A. araGo, Direito Administrativo dos Resduos, in Tratado de Direito Administrativo Especial (coords. P. Otero/P. Costa Gonalves), I, Coimbra: Almedina, 2009, pp. 58-59.

    16 Na sequncia da divulgao do Parecer da CCI, o Governo viria a reafirmar a sua posio pro--coincinerao, acolhendo as concluses da CCI quer quanto determinao das unidades cimenteiras concretamente escolhidas quer, de modo mais global, quanto confirma[o] [d]a opo pela coin-cinerao como mtodo de tratamento de resduos industriais perigosos cujo destino mais aceitvel a queima: cfr. as Resolues do Conselho de Ministros n.os 91/2000 e 92/2000 (em cujo Anexo vem reproduzi-do o Parecer da CCI), ambas de 8 de junho. A Resoluo n. 91/2000 seria alvo de um recurso contencioso de anulao, que o STA, por considerar que a mesma no constitu[a] a deciso final do procedimento,

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    http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/006A_99.pdfhttp://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/006A_99.pdfhttps://run.unl.pt/bitstream/10362/10617/1/WPSeries_10_2012MJMaia_etalSouselas_v2.pdfhttps://run.unl.pt/bitstream/10362/10617/1/WPSeries_10_2012MJMaia_etalSouselas_v2.pdfn.osn.oshttps://web.fe.up.pt/~jotace/cci/Relatorio/Rcom.pdfn.os

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    , a impor a realizao de um novo relatrio especificamente destinado a avaliar os im-pactos sobre a sade pblica dos processos de queima de RIP, a realizar por um grupo de trabalho mdico a constituir no seio da CCI17.

    Mas nem mesmo a apresentao deste ltimo relatrio de novo genericamente favorvel coincinerao perante a Assembleia da Repblica, a abertura de um perodo de discusso pblica18, a reafirmao governamental da opo pela coinci-nerao19 e a reverso da suspenso do regime de 199820 fariam avanar, em termos definitivos, os projetos de coincinerao de RIP nas cimenteiras nacionais: a entrada em funes do XV Governo Constitucional que de imediato fez suspender todo o processo de realizao de ensaios de queima de RIP em curso21 e extinguiu a CCI22 implicou, em 2002, o abandono da opo pela coincinerao em abono da futura criao de Centros Integrados de Recuperao, Valorizao e Eliminao de Resduos Perigosos (CIRVER)23.

    Poucos anos volvidos, porm, a opo pela coincinerao seria poltica e legislati-vamente retomada pelo XVII Governo Constitucional24, o que deu origem renovao

    com eficcia lesiva, atual ou direta, relativamente esfera jurdica de terceiros, nem compromet[ia] lesiva e irremediavelmente a deciso final num certo sentido, no viria a admitir: cfr. o acrdo de 25 de janeiro de 2001, proc. n. 046578.

    17 Cfr. a Lei n. 22/2000, de 10 de agosto. O relatrio do grupo de trabalho mdico encontra-se publi-cado em s. ForMosinho/c. Pio/h. Barros/J. carvalheiro, Parecer Relativo ao Tratamento de Resduos Industriais Perigosos, II, Cascais: Principia, 2000.

    18 Cfr. o Despacho do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Territrio n. 538/2001, de 12 de dezembro.

    19 Cfr. o Despacho do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Territrio n. 112/2001, de 9 de abril. Tambm este Despacho viria a ser objeto de reao jurisdicional (desta feita, atravs de uma provi-dncia cautelar de suspenso da eficacia), que o STA, por considerar: (i) por um lado, que a requerente no poderia limitar-se a alegar, como fundamentao do periculum, a ausncia de garantias de certeza cientfica e, (ii) por outro lado, que a suspenso de tal ato causaria grave leso para o interesse pblico (nos termos e para os efeitos da alnea b) do n. 1 do artigo 76. da LPTA), viria a denegar cfr. o acrdo de 1 de agosto de 2001, proc. n. 047807A. Sobre os primeiros casos jurisprudenciais em torno da coinci-nerao, cfr. J. Pina Martins, Evoluo recente da jurisprudncia ambiental e a co-incinerao de resduos perigosos Arrbida e Souselas: dois casos de cincia, de poltica ou de polcia?, Revista de Administrao Local, 181, 2001, pp. 11-31.

    20 Cfr. o Decreto-Lei n. 154-A/2001, de 8 de maio.21 Cfr. o Despacho do Ministro das Cidades, do Ordenamento do Territrio e Ambiente n. 12 509/2002,

    de 19 de abril.22 Cfr. o Decreto-Lei n. 175/2002, de 25 de julho.23 O regime jurdico do licenciamento da instalao e da explorao dos centros integrados de

    recuperao, valorizao e eliminao de resduos perigosos foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 3/2004, de 3 de janeiro, tendo dado origem, em 2008, instalao de dois CIRVER no concelho da Chamusca, cujo regulamento foi posteriormente aprovado pela Portaria n. 172/2009, de 17 de fevereiro, e cuja monitoriza-o est a cargo do Observatrio Nacional dos CIRVER: cfr., para mais detalhes, http://observatoriocirver.apambiente.pt.

    Sobre este regime especial, cfr. J. silva saMPaio, Regimes Especiais de Licenciamento de Resduos, in Direito dos Resduos (coords. J. Miranda/R. Cunha Marques/A. L. Guimares/M. Kirkby), Lisboa: ICJP/ERSAR, 2014, pp. 132-144.

    24 Desde logo, atravs da aprovao do Decreto-Lei n. 85/2005, de 28 de abril, contendo o regime a que fica sujeita a incinerao e a coincinerao de resduos, numa opo depois tambm assumida na prpria Lei dos Resduos (Decreto-Lei n. 178/2006, de 5 de setembro, entretanto alterado e republicado pelo Decreto-Lei n. 73/2011, de 17 de junho, e j sucessivamente alterado). Sobre o regime de 2005, cfr. a. araGo, Direito Administrativo dos Resduos, cit., pp. 106-111, e J. silva saMPaio, Regimes Especiais de Licen-ciamento de Resduos, cit., pp. 166-176. O Decreto-Lei n. 85/2005 viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n. 127/2013, de 30 de agosto, de cujo Captulo IV consta o atual regime de licenciamento e funcionamento de instalaes de incinerao e coincinerao de resduos. Sobre este ltimo diploma (tambm sede do regime jurdico da licena ambiental), cfr. c. aMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 2. ed., Lis-

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    dos procedimentos de licenciamento das unidades de coincinerao de RIP por parte da CIMPOR (para a cimenteira de Souselas) e da SECIL (para a cimenteira de Outo/Arrbida).

    3. justamente neste contexto de renovao da coincinerao que vem a ser pratica-do o ato administrativo que daria origem ao processo do qual emerge o acrdo sob anotao. Tal como a SECIL (que em todo caso acabaria, num momento posterior, por sujeitar o projeto de coincinerao no Outo a AIA)25, tambm a CIMPOR viria a reque-rer, nesta fase, a dispensa do procedimento de AIA em relao ao projeto de coincine-rao em Souselas, nos termos do artigo 3. do RJAIA/200026, para o efeito invocando, designadamente, que: (i) a opo pela valorizao energtica de RIP no Centro de Produo de Souselas (CPS) ja fora validada quer pelo parecer da Comisso de Ava-liao de Impacto Ambiental de 1998, quer pelo parecer da CCI de 2000; (ii) tambm o grupo de trabalho mdico nomeado havia concludo pela inocuidade do processo

    boa: AAFDL, 2014, pp. 187 e ss.25 O pedido de dispensa da SECIL viria a ser deferido atravs do Despacho do Ministro do Ambien-

    te, do Ordenamento do Territrio e do Desenvolvimento Regional n. 16 090/2006, de 14 de julho de 2006, com fundamentao em tudo idntica mobilizada no caso da CIMPOR. A deciso de dispensa seria de imediato contestada pelos Municpios de Setbal, Palmela e Sesimbra, designadamente atravs da apre-sentao de uma providncia cautelar de suspenso da eficacia (requerida a 3 de novembro de 2006), qual o TAF de Almada (acrdo de 24 de janeiro de 2007, proc. n. 994/06.2BEALM-A) e o TCA Sul (acrdo de 11 de maio de 2007, proc. n. 02492/07) viriam a dar acolhimento. O STA, todavia, viria a deneg-la, por acrdo de 10 de janeiro de 2008, proc. n. 0675/07, essencialmente por considerar que, em vista dos licenciamentos j garantidos pela SECIL, o Despacho de dispensa da AIA se encontrava integralmente executado, sendo insuscetvel de suspenso de eficacia ex vi artigo 129. do CPTA. No entretanto, j depois de ter suspenso as atividades de coincinerao que havia iniciado em 20 de novembro de 2006, e devi-do ao facto de a deciso sobre a necessidade de AIA s poder ser tomada aquando do julgamento da ao principal, a SECIL optaria por renunciar dispensa e sujeitar o projeto de coincinerao da unidade de Outo a (nova) avaliao de impacto ambiental; o Secretrio de Estado do Ambiente viria a emitir a respetiva Declarao de Impacto Ambiental (favorvel condicionada) a 28 de maio de 2008, disponvel, assim como os demais elementos do processo, em http://siaia.apambiente.pt/AIA1.aspx?ID=1794.

    Esta relativa pacificao do processo relativo SECIL e cimenteira da Arrabida (Outo) no significou, em todo o caso, o fim do trilho jurisprudencial correspondente: (i) os Municpios de Palmela, Sesimbra e Se-tbal, antes mesmo da DIA de 2008, haviam ja requerido a suspenso da eficacia da licena ambiental e da licena de explorao para a coincinerao concedidas SECIL em 2006, pretenso sucessivamente desmerecida pelo TAF de Almada (sentena de 30 de julho de 2008, proc. n. 994/06.2BEALM-B) e pelo TCA Sul (acrdo de 1 de julho de 2010, proc. n. 4364/08), em relao a cujo acrdo o STA acabaria por no admitir a revista (acrdo de 20 de setembro de 2010, proc. n. 0694/10); (ii) novamente estes trs Municpios, acompanhados pelo Movimento de Cidados pela Arrbida e Esturio do Sado, requereriam nova providncia cautelar destinada a suspender a eficacia da prpria DIA de 2008: a providncia no foi decretada pelo TAF de Almada (sentena de 21 de abril de 2009, proc. n. 994/06.2BEALM-C), numa deciso confirmada pelo TCA Sul (acrdo de 1 de julho de 2010, proc. n. 05221/09) e em relao ao qual o STA acabaria por no admitir a revista (acrdo de 22 de setembro de 2010, proc. n. 0693/10), sendo certo que o processo principal correspondente (de impugnao da DIA e dos posteriores atos licenciado-res) se encontra ainda pendente de deciso junto do TAF de Almada, sob o n. 994/06.2BEALM; (iii) noutro plano, a coincinerao na Arrbida seria ainda levada a juzo atravs de aes de impugnao do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrbida (aprovado pela Resoluo de Conselho de Ministros n. 141/2005, de 23 de junho, e atravs do qual se eliminou a anterior proibio de coincinerao na Arrbi-da): cfr. os acrdos do STA de 11 de outubro de 2007, proc. n. 01167/05, e de 21 de fevereiro de 2008, proc. n. 01158/05, ambos julgando no sentido da improcedncia das aes de impugnao propostas.

    26 Contido no Decreto-Lei n. 69/2000, de 5 de maro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n. 197/2005, de 8 de novembro). Sobre a avaliao de impacto ambiental perante o RJAIA/2000, cfr., v.g., a. araGo/J. e. FiGueiredo dias/M. a. Barradas, o novo Regime da AIA: avaliao de previsveis impactes legisla-tivos, Revista do CEDOUA, 3/1, 2000, pp. 71-91; a. araGo/J. e. FiGueiredo dias/M. a. Barradas, Regime Jurdico da Avaliao de Impacte Ambiental em Portugal comentrio/Environmental Impact Assessment Law in Portugal with comments, Coimbra: Almedina, 2002; v. Pereira da silva, Verde Cor de Direito. Lies de Direito do Ambiente, Coimbra: Almedina, 2002, pp. 153 e ss.; J. e. FiGueiredo dias, Direito Constitucional e Ad-ministrativo do Ambiente, 2. ed., Coimbra: Almedina, pp. 87-97; c. Moreno Pina, Os Regimes de Avaliao de Impacte Ambiental e de Avaliao Ambiental Estratgica, Lisboa: AAFDL, pp. 49-218; e c. aMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 1. ed., Lisboa: AAFDL, 2012, pp. 112-124.

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    da coincinerao como parte integrante de um sistema global da gesto de resdu-os, bem como da aptido do CPS para fazer parte integrante desse sistema; (iii) a CIMPOR, na sequncia do Contrato de Melhoria Contnua de Desempenho Ambiental para o Sector Cimenteiro, havia incentivado diversas aes de promoo ambiental e instalado um sistema de gesto ambiental certificado; (iv) enfim, que os testes de coin-cinerao entretanto levados a cabo haviam igualmente confirmado a neutralidade do processo em termos ambientais e de sade pblica.

    Foi sobre este pedido de dispensa que veio a recair o Despacho do Ministro do Am-biente, do Ordenamento do Territrio e do Desenvolvimento Regional n. 16 447/2006, de 21 de julho27, objeto de impugnao nos autos, que acolheu integralmente os fun-damentos apresentados pelo proponente e em cujos termos se determino[u] que o projeto de coincinerao de resduos industriais perigosos no Centro de Produo de Souselas [fosse] totalmente dispensado do procedimento de avaliao de impacte ambiental, ficando a [d]ispensa condicionada ao cumprimento de medidas de mini-mizao, anexas ao referido Despacho. Nesta base, o licenciamento do projeto de coincinerao em Souselas poderia avanar e avanou efetivamente sem realiza-o de avaliao de impacto ambiental, a que em princpio estaria sujeito, poca, ex vi n. 2 do artigo 5. do Decreto-Lei n. 85/2005, de 28 de abril, e n. 9 do Anexo II do RJAIA/2000.

    A deciso de dispensa teve como efeito acessrio a renovao da litigncia judi-cial em torno da coincinerao: de entre as vrias aes administrativas (principais e cautelares) ento propostas, destinadas a suspender e a anular quer esta deciso de dispensa de AIA quer as licenas entretanto j emitidas28, conta-se, precisamente, a que daria origem ao presente processo: uma ao (administrativa especial, sob o n. 922/06.5BECBR) proposta em 2006 por um grupo de cidados de Coimbra, tendo por objeto a anulao do Despacho n. 16 447/2006, e qual seriam apensadas outras duas aes (tambm populares: processos n.os 364/07.5BECBR e 641/08.8BECBR) ten-dentes anulao da licena ambiental, da licena de instalao e da licena de

    27 Publicado no Dirio da Repblica, 2. srie, n. 156, de 14 de agosto de 2006, pp. 14.927-14. 928.28 Contam-se, apenas de entre as que deram entrada no TAF de Coimbra:

    - (i) uma intimao para a proteo de direitos, liberdades e garantias (proc. n. 589/06BECBR) proposta pelo mesmo grupo de cidados autores no processo do qual emerge o Acrdo agora sob anotao, que o TAF e o TCA Norte viriam a julgar improcedente (este ltimo atravs do acrdo de 26 de outubro de 2006, proc. n. 00589/06BECBR), deciso em relao qual o STA no admitiria a revista (acr-do de 1 de fevereiro de 2007, proc. n. 046/07); - (ii) uma providncia cautelar de suspenso da eficacia do Despacho de dispensa (requerida pelo Municpio de Coimbra), que o TAF de Coimbra (no proc. n. 758/06.3BECBR) viria a decretar, numa deciso confirmada pelo TCA Norte (acrdo de 29 de maro de 2007, proc. n. 00758/06.3BECBR, que procedeu a um duvidoso manuseio do princpio da precauo, como a primeira subscritora do texto identificou em As Providncias Cautelares e o Princpio da Precauo: ecos da Jurisprudncia, Revista de Cincias Em-presariais e Jurdicas, n. 10, 2007, pp. 344-350 e, de forma dedicada, em And now, for something comple-tely different: a co-incinerao nas malhas da precauo, anotao publicada nos CJA n. 63, 2007, pp. 55 e ss.), mas depois revertida em revista pelo STA (acrdo de 31 de outubro de 2007, proc. n. 0471/07); - (iii) diversas aes principais e cautelares propostas quer pelo grupo de cidados de Coimbra, quer por outros particulares, sempre por referncia a atos licenciadores posteriores (processos n.os 758/06.3BE-CBR, 582/08.9BECBR, 641/08.8BECBR, 364/07.5BECBR e, finalmente, 160/16.9BECBR, este ltimo tendo por objeto a impugnao da nova licena ambiental atribuda CIMPOR em dezembro de 2015) uma das aes cautelares destinadas a suspender a eficacia das licenas ambiental, de explorao e de insta-lao viria a ser decretada pelo TAF de Coimbra, deciso mantida pelo TCA Norte, por acrdo de 12 de fevereiro de 2009 (no disponvel em www.dgsi.pt), mas revertida em revista pelo STA (acrdo de 2 dezembro de 2009, proc. n. 0438/09, que seria anotado, em sentido crtico, por P. Matias Pereira, Princpio da Precauo: Still Nothing New (ou o in dubio pro coincinerao), Revista do CEDOUA, 11/22, 2008, pp. 144-152).

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    explorao concedidas CIMPOR. Depois de ter sido abalroado pela to conhecida quanto lamentvel polmica da reclamao para a conferncia vs. recurso e de, por essa razo, ter subido ao e descido do Tribunal Constitucional29, o processo regres-saria ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, por acrdo da Conferncia de 29 de abril de 2015, e confirmando a anterior sentena de 22 de julho de 2011, ne-gou provimento pretenso anulatria dos autores. E foi sobre essa deciso da Con-ferncia de 2015 que viria a incidir o recurso de apelao de onde emerge o acrdo do TCA Norte que se agora anota, datado de 18 de maro de 2016.

    4. Depois de ter afastado um conjunto alargado de erros de julgamento (de direito e sobre a matria de facto) tambm imputados pelos autores ao acrdo do TAF de Coimbra, e aos quais no interessa regressar, o TCA Norte sintetizou, de forma que se julga no merecer censura, a questo principal objeto dos autos: comeando por su-blinhar que[se] no cabe nos presentes autos discutir a bondade ou oportunidade da soluo de coincinerao em abstrato, nem formular juzos de valor sobre os eventuais custos e/ou benefcios dessa forma de tratamento de resduos, o que facto que tal no invalida, como se ver, que tenham de ser cumpridos os requisitos mnimos legal-mente estabelecidos, designadamente no que concerne dispensa do procedimento de avaliao de impacte ambiental, o acrdo rapidamente focalizou a questo essencial a ponderar e verificar como sendo a de aferir se ocorreram em concreto as circunstncias excecionais determinantes da dispensa da Avaliao de Impacte Ambiental.

    Assim delimitado o thema decidendum, o acrdo dirige de imediato o intrprete para a previso da norma contida no n. 1 do artigo 3. do ento vigente RJAIA/2000, em cujos termos se admitia que, por iniciativa do proponente e mediante deciso con-junta do Ministro do Ambiente e do Ministro da tutela, determinado projeto, abstra-tamente sujeito a AIA, fosse dela dispensado sempre que ocorressem circunstncias excecionais e devidamente fundamentadas. Foi no essencial por ter considerado que o Ministro do Ambiente no lograra demonstrar a ocorrncia de veras e suficientes cir-cunstncias excecionais que a Seco de Contencioso Administrativo do TCA Norte julgou, com um voto de vencido, anular o Despacho de 2006 que dispensou de AIA o projeto de coincinerao na cimenteira de Souselas. O alcance da excecionalidade do procedimento de dispensa de AIA, em particular perante projetos j antes submeti-

    29 Como se diz no texto, a pretenso anulatria dos autores seria pela primeira vez desmerecida pelo TAF de Coimbra atravs de sentena de 22 de julho de 2011, sobre a qual foi interposto recurso para o TCA Norte que, no entanto, o no admitiu, por considerar que da deciso em causa caberia reclamao para a conferncia e no recurso (acrdo de 16 de novembro de 2012, no disponvel em www.dgsi.pt). O STA viria a admitir a revista sobre a questo, por considerar que a aparente no invocao expressa da alnea i) do artigo 27. do CPTA pelo juiz de Coimbra a distanciava da jurisprudncia ja firmada em 2012 sobre o assunto, embora viesse posteriormente a concluir pela improcedncia do recurso (cfr., respeti-vamente, os acrdos de 30 de abril de 2013 e de 5 de novembro de 2013, proc. n. 0532/13). O processo acabaria por subir ao Tribunal Constitucional em fiscalizao concreta, perante o qual se seguiria um trilho tambm relativamente anmalo: o recurso de constitucionalidade comearia por no ser aceite, atravs da Deciso Sumria n. 306/2014, de 7 de abril, proferida por um Juiz Conselheiro (Pedro Machete), que viria mais tarde a declarar-se impedido, o que veio a ser reconhecido pelo TC (acrdo n. 507/2014, de 26 de junho, proc. n. 123-A/14); a deciso da reclamao apresentada sobre a deciso sumria acabaria por ser prolatada a 4 de maro de 2015, atravs do acrdo n. 146/2015, proc. n. 123/2014, tendo-se mantido a no admisso do recurso de constitucionalidade. Por essa razo, o processo baixaria finalmente ao TAF de Coimbra que, depois de ter aceitado convolar o recurso em reclamao para a Conferncia, viria a proferir o acrdo de 29 de abril de 2015, sobre o qual incidiu a apelao julgada pelo TCA Norte. Enfim: um verdadeiro quebra-cabeas jurisprudencial

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    http://www.dgsi.pt

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    dos a avaliao, mas cuja DIA se encontraria caducada, como era o caso dos autos, constitui, por isso, a primeira questo que o Acrdo coloca em relevo e interessa ano-tar (II.).

    Na medida em que o TCA Norte no se limitou a anular o Despacho que em 2006 dispensou a AIA, mas fez repercutir essa anulao sobre a validade dos atos licen-ciadores posteriores que o proponente havia entretanto garantido, importa aquilatar, num segundo plano, se foi ou no juridicamente correta a forma como no acrdo se estabeleceu essa repercusso invalidatria, sob o ponto de vista das relaes externas entre AIA (e DIA) e atos autorizativos posteriores essa , portanto, a segunda questo que merecer anotao (III.).

    Antecipando e sintetizando o sentido das anotaes subsequentes, dir-se- que a fundamentao e as concluses do acrdo do TCA Norte merecem aplauso a respei-to da primeira questo, mas reparo (parcial) em relao segunda.

    II. A excecionalidade da dispensa do procedimento de AIA e a caducidade da DIA anterior

    5. A circunstncia de as normas europeias reguladoras da avaliao de impacto am-biental apontarem para um cenrio intencionalmente alargado quanto aos projetos pblicos ou privados sujeitos a avaliao, com a combinao de vrios modelos de se-leo (screening)30, no tolheu que, logo na primeira Diretiva de AIA, se tivesse previsto a possibilidade de, em casos excecionais, os Estados-Membros pode[rem] isentar um projeto especfico, na totalidade ou em parte do procedimento de AIA. Retocado em 200331, o n. 3 do artigo 2. da Diretiva 85/337/CE no deixou, alis, de merecer a aten-o dedicada do legislador europeu nos prprios considerandos da Diretiva, em cujos termos se reconhecia, ainda que de forma relativamente conclusiva, que em casos excecionais se pode revelar oportuno dispensar um projeto especfico dos processos de avaliao previstos na presente diretiva32. Associada a garantias procedimentais relativamente exigentes (no essencial, a obrigao de ponderar a convenincia de outras formas de avaliao, a obrigao de publicitao da informao relativa dispensa e a obrigao de informao Comisso previamente emisso da deciso de dispensa), esta faculdade de dispensa (cuja transposio para os ordenamentos nacionais os Estados-Membros no estariam obrigados) assentava, em todo o caso, na verificao de um pressuposto aberto: a ocorrncia de casos excecionais, expresso naturalmente permevel a interpretaes e aplicaes dspares por entre os diversos Estados-Membros.

    No espanta por isso que, em 2006, a Comisso tenha publicado uma orientao interpretativa inerentemente no vinculativa destinada a auxiliar as autoridades

    30 Sobre a conjugao destes vrios modelos de screening, j perante o RJAIA/2013, veja-se A. F. neves, O mbito de aplicao da avaliao de impacto ambiental, in Revisitando a Avaliao de Impacto Ambiental, cit., pp. 112-145; sobre a evoluo (num primeiro momento errante) do regime portugus a esse respeito, cfr. a sntese de t. antunes, A Deciso do Procedimento de Avaliao de Impacto Ambiental, cit., pp. 562-564.

    31 Cfr. o n. 3 do artigo 3. da Diretiva 2003/35/CE, de 26 de maio.32 Cfr., hoje, o considerando (23) da Diretiva 2011/92/UE, de 13 de dezembro de 2011, alterada pela

    Diretiva 2014/52/UE, de 16 de abril.

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    dos Estados-Membros a decidir quando e como o n. 3 do artigo 2. da Diretiva AIA deve ser aplicado. Identificando esta hiptese de dispensa como uma exceo, o documento Clarification of the Application of Article 2(3) of the EIA Directive33 comea por dar conta das dificuldades negociais que envolveram a aprovao desta clausula aberta de dispensa no processo de aprovao da Diretiva de 1985, e que resultaram na no inscrio de qualquer ndice mais ou menos seguro que indicasse ao intrpre-te que casos de excecionalidade devessem ser considerados relevantes para efeitos de dispensa de AIA, para de imediato e na ausncia de qualquer indicao segura (legal ou jurisprudencial) quanto a esta matria , avanar para o estabelecimento de algumas premissas e propostas relativas ao modo de interpretar e densificar o conceito de casos excecionais previsto na Diretiva.

    Aponta-se, desde logo, a necessidade de esse conceito ser interpretado de for-ma restritiva, semelhana do j estabelecido pelo Tribunal de Justia a respeito das clusulas de exceo relativas a projetos em matria de defesa e projetos adotados por ato legislativo especfico tambm previstas na Diretiva34. Por essa razo, assinala--se, seria improvvel que o Tribunal de Justia viesse a aceitar que pela mera circuns-tncia de um caso poder ser encarado como excecional o recurso ao n. 3 do artigo 2. da Diretiva pudesse ser justificado. Assim sendo, e como diretriz geral, aponta-se como sendo desrazovel a hiptese de fazer aplicar a exceo da dispensa num caso em que os fatores que o tornam excecional no obstem, ainda assim, ao cumprimento das exigncias da Diretiva. Destas apreciaes gerais e de pendor restritivo quanto ao alcance dos casos excecionais aptos a fazer mobilizar a exceo de dispensa do procedimento de AIA resultou, no essencial, o elenco de trs ndices dedicados den-sificao dessas hipteses: (i) a urgncia e necessidade efetiva do projeto em causa, (ii) a impossibilidade de o projeto ter sido lanado mais cedo e (iii) a impossibilidade de cumprimento integral das exigncias da Diretiva, cada um dos quais sumariamente concretizado, com recurso a alguns casos-tipo35.

    Sem que se conhea, ainda hoje, qualquer caso em que o Tribunal de Justia tenha sido obrigado a pronunciar-se de forma dedicada sobre o alcance de tal clusula der-rogatria, certo que as indicaes interpretativas de 2006 no deixaram de ter reflexo na ligeira alterao de redao que o (entretanto renumerado) n. 4 do artigo 2. da Diretiva de AIA sofreu em 2014: embora num aspeto relativamente discutvel a Dire-tiva 2014/52/UE, de 16 de abril, tenha deixado de apelar possibilidade de a dispensa

    33 Disponvel em http://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/eia_art2_3.pdf. Sobre esta orientao in-terpretativa da Comisso, cfr., em sntese que no texto agora se desenvolve, C. AMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 2. ed., cit., p. 149, nota 227 e, tambm, O. elias, Environmental impact assessment, in Research Handbook on International Environmental Law (eds. M. Fitzmaurice/D. M. Ong/P. Markouris), Cheltenham: Edward Elgar, 2010, p. 238, nota 11.

    34 Cfr. o acrdo do TJ de 16 de setembro de 1999, proc. C-435/97 (64-67, a respeito da exceo relativa a projetos destinados defesa nacional), e o acrdo do TJ de 19 de setembro de 2000, proc. C-287/98 (49-59, a respeito da exceo relativa a projetos adotados por ato legislativo especfico). As duas excees mantm-se da Diretiva AIA/2011 (cfr. o n. 1 do artigo 1. e o n. 5 do artigo 2.) e, quanto primeira, no RJAIA/2013: cfr. o n. 7 do artigo 1. do Decreto-Lei n. 151-B/2013, de 31 de outubro.

    35 Quanto ao primeiro ndice, o documento aponta a necessidade de a urgncia do projeto se destinar a evitar uma ameaa sria para a vida, sade e bem estar humano, para o ambiente, ou mes-mo para a estabilidade poltica, administrativa ou econmica; quanto imprevisibilidade da urgncia, apontado o exemplo de obras destinadas a evitar a intensificao de danos causados por um desastre natural; quanto, por fim, incompatibilidade com o respeito pelo disposto na Diretiva, aponta-se para uma hiptese de impraticabilidade assente na impossibilidade de, por via da urgncia, preparar todos os elementos de que dependeria a tramitao de um procedimento de avaliao de impacto ambiental.

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    http://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/eia_art2_3.pdf

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    de aplicao do regime da Diretiva poder ser total ou parcial, agora claro que tal possibilidade de fuga avaliao de impacto ambiental s deve ocorrer na hiptese de a avaliao contrar[iar] o objetivo do projeto, devendo a deciso de dispensa assegurar, em qualquer caso, o cumpri[mento] [d]os objetivos da presente Diretiva.

    Oriunda do Direito da Unio Europeia do Ambiente, a faculdade de dispensa de AIA em casos excecionais merece assim, nesse contexto, uma aproximao cautelosa. Mesmo na ausncia de jurisprudncia concretizadora, essa cautela pode ser sinteti-zada por apelo a duas ideias-chave, sequenciais: (i) a singularidade de dado projeto (deve, portanto, verificar-se uma pressing reason que justifique a dispensa); e (ii) a in-susceptibilidade de, em face dessa singularidade, submeter tal projeto a avaliao de impacto ambiental. S perante casos destes, portanto, as fontes europeias parecem admitir a dispensa excecional de AIA.

    6. J prevista no primeiro regime jurdico nacional de avaliao de impacto ambiental (RJAIA/1990)36, a possibilidade de dispensa de avaliao em casos excecionais cons-tava, para os efeitos temporalmente relevantes em relao ao acrdo sob anota-o, do artigo 3. do RJAIA/2000, na redao que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n. 197/2005, de 8 de novembro. Nos seus termos essenciais37 que se mantm praticamen-te idnticos no RJAIA/201338 , a dispensa de AIA (i) poderia ocorrer em circunstncias excecionais e devidamente fundamentadas, (ii) desde que solicitada pelo proponen-te atravs da apresentao de requerimento devidamente fundamentado, no qual descreva o projeto e indique os seus principais efeitos no ambiente, (iii) por deciso conjunta do Ministro do Ambiente e do Ministro da tutela, (iv) antecedida de parecer no vinculativo da autoridade de AIA, o qual, sendo favorvel dispensa, deveria prever medidas de minimizao dos impactos ambientais e/ou a necessidade de pro-ceder a outra forma de avaliao.

    No regime jurdico portugus, a dispensa de AIA incidente sobre qualquer projeto a ela sujeito, quer diretamente quer por apreciao casustica dependia (e ainda depende), portanto, da tramitao de um subprocedimento de iniciativa particular,

    36 Cfr. os n.os 4 e 5 do artigo 2. do Decreto-Lei n. 186/90, de 6 de junho, depois significativamente revistos atravs do Decreto-Lei n. 278/97, de 8 de outubro, que os reconverteu nos n.os 4 a 9 do artigo 2.. Sobre a verso original da dispensa, assinalando a ausncia de qualquer indicao segura sobre a ex-cecionalidade dos casos excludos de avaliao ambiental, bem como dos pressupostos de uma deciso claramente discricionria, cfr. l. F. colao antunes, O Procedimento Administrativo de Avaliao de Impac-to Ambiental, cit., pp. 654-655 e nota 160.

    37 Sobre o regime de dispensa perante o RJAIA/2000, cfr. v. Pereira da silva, Verde Cor de Direito, cit., pp. 156-159 (criticando, entre outros aspetos, a grande amplitude das margens de apreciao e deciso ou de discricionariedade, da Administrao, apontando que teria sido prefervel, sem afastar a discricio-nariedade, proceder a uma mais detalhada identificao das circunstncias e das condies que pode-riam dar lugar dispensa de procedimento); tambm criticamente sobre a configurao relativamente ampla do regime e sobre outros aspetos da dispensa de AIA, cfr. a. araGo/J. e. FiGueiredo dias/M. a. Barradas, o novo Regime da AIA: avaliao de previsveis impactes legislativos, cit., pp. 73-74; c. Moreno Pina, Os Regimes, cit., pp. 111 e ss.; e c. aMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 1. ed., cit., pp. 116-117.

    38 Cfr. o artigo 4. do Decreto-Lei n. 151-B/2013, de 31 de outubro: para alm de se projetar a apro-vao de uma portaria (ainda inexistente) da qual constem os elementos que o requerente da dispensa deve incluir no seu pedido, o regime de dispensa de 2013 alterou ligeiramente os prazos das diversas fases do subprocedimento. Para alm da no densificao do conceito de circunstncias excecionais, o regime de dispensa ainda passvel de crtica na medida em que: (i) no inclui a obrigatoriedade de o requerente apresentar EIA; (ii) processa-se sem qualquer momento de contraditrio pblico; e (iii) no estabelece qualquer grau de vinculatividade do parecer da Autoridade de AIA em relao deciso de dispensa propriamente dita. Sobre o atual regime de dispensa de AIA, sintetizando estas linhas de crtica, cfr. C. aMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 2. ed., cit., pp. 148-150.

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    n.osn.os

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    subjetivamente complexo e de tramitao varivel, orientado prtica de um ato administrativo prprio: o ato de dispensa39. Varivel no seu contedo podendo incluir a previso de medidas de minimizao ou a previso de qualquer outra forma de ava-liao , o ato de dispensa assume-se, por mais do que uma via, como um ato adminis-trativo cuja prtica envolve o exerccio de competncias discricionrias: (i) no apenas por poder ou poder no ser praticado40, mas tambm (ii) por depender da apreciao e concretizao que deve ser devidamente fundamentada de um pressuposto de facto enunciado em termos marcadamente abertos e amplos: a ocorrncia de cir-cunstncias excecionais, cuja concretizao depende, naturalmente, da apreciao circunstanciada das condies e contexto concreto que rodeiem determinado projeto e, por isso, da formulao de juzos de prognose por parte do decisor administrativo.

    7. No caso subido ao TCA Norte, a apreciao da validade do Despacho do Ministro do Ambiente de 21 de julho de 2006, que isentou de AIA a instalao da unidade de coincinerao de RIP no Centro e Produo da CIMPOR de Souselas, no teve por referncia qualquer vicissitude relacionada com o desenrolar do subprocedimento de dispensa, integral e devidamente tramitado pelo proponente e pelas autoridades com-petentes41. Antes, o que estava e esteve em causa foi a questo de saber se, in casu, as circunstncias motivadoras da deciso, descritas e justificadas no discurso fundamen-tador que a acompanhou, reuniam ou no o predicado da excecionalidade exigido pelo ordenamento. De acordo com o TCA Norte, em momento algum foi invocada qualquer excecionalidade, ainda que remotamente fundamentada, sendo portanto ilegal e anulvel a deciso de dispensa praticada pelo Ministro do Ambiente de 21 de julho de 2006. Assim enquadrado, o julgado pelo TCA Norte convola-se num caso tpico de controlo jurisdicional de exerccio de competncias discricionrias, em espe-cial por interpretao daquilo que tradicionalmente se entende constiturem concei-tos indeterminados no caso, as circunstncias excecionais. Trata-se, por essa razo, de um verdadeiro hard case e, segundo se julga, bem decidido pelo TCA Norte quer se atente nos pontos de partida que assumiu, quer nas correspondentes concretizaes perante a matria de facto assente.

    39 Sobre os atos de dispensa como tipo particular de atos administrativos, com diferentes enqua-dramentos e categorizaes, mas identificando-os, em geral, como atos atravs dos quais se exime deter-minado sujeito do cumprimento de uma obrigao geral qual estaria prima facie adstrito, cfr. r. soares, Direito Administrativo, Coimbra: Joo Abrantes, 1978, pp. 112-113; d. Freitas do aMaral, Curso de Direito Ad-ministrativo, II, 3. ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 240; M. reBelo de sousa/a. salGado de Matos, Direito Admi-nistrativo Geral, III, 2. ed., Lisboa: Dom Quixote, 2009, p. 108; e P. otero, Direito Administrativo Relatrio, Lisboa: supl. da RFDUL, 2001, p. 328. No caso da dispensa de AIA, justamente disso que se trata: embora pragmaticamente se apele dispensa do procedimento, o que est em causa, em ltimo termo, um ato que tem por efeito eximir o proponente da obrigao de prtica dos atos propulsores do procedimento de AIA a que se encontraria prima facie sujeito determinado projeto.

    40 Naturalmente que, assim que requerida, a dispensa tem que ser decidida, como alis hoje resulta muito claramente do n. 11 do artigo 4. do RJAIA/2013; a faculdade para que aponta o texto diz apenas respeito variabilidade do sentido da deciso: mesmo que se verifiquem os pressupostos que habilitam a dispensa, esta pode ser deferida, mas tambm pode ser indeferida.

    41 Os Autores imputavam ao Despacho de dispensa o vcio de incompetncia, tendo em conta que o mesmo foi adotado singularmente pelo Ministro do Ambiente, sendo certo que, nos termos do n. 1 do artigo 3. do RJAIA/2000, se exigia a aprovao conjunta por parte do Ministro do Ambiente e do Ministro da Tutela, que os autores identificavam como sendo o Ministro da Economia. Na linha do ja decidido pelo TAF de Coimbra a este respeito, o TCA Norte entendeu que a exigncia de aprovao conjunta no se aplicaria ao caso, tendo em vista estar em causa apenas a utilizao de uma nova fonte carburante numa instalao industrial j existente e no a instalao de uma nova unidade industrial, razo pela qual a Tu-tela pertenceria, aqui, ao prprio Ministro do Ambiente.

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  • DIREITO DO AMBIENTE - Anotaes Jurisprudenciais Dispersas - 2 Edio 18

    Afastando-se da afirmao relativamente lacnica da 1. instncia, traduzida em que a deciso de dispensa no se mostra[va] ostensivamente errada, seja nos factos, seja nas valoraes, tanto mais que, em casos como este, no poderia o Tribunal de-dicar-se a um controlo jurisdicional pleno, o TCA Norte parte da premissa evidente, mas cuja enunciao no ainda assim intil segundo a qual a deciso de dispensa de AIA no [] uma faculdade arbitrria conferida ao Governo, no sentido em que se certo que a dispensa de AIA constitui uma faculdade do Governo, a mesma, em qualquer caso, no est dispensada da necessria e suficiente fundamentao, aten-ta at a necessria salvaguarda dos valores ambientais.

    A partir daqui, o raciocnio do TCA Norte destina-se comprovao da suficincia e congruncia das razes inscritas no Despacho de 2006 como bases para a deciso de dispensa: entre outros aspetos, o TCA Norte considerou que: (i) quanto circunstncia de o projeto de coincinerao em Souselas j ter sido objeto de avaliao de impacto ambiental, de apreciao por parte da CCI e de anlise por parte do Grupo de Traba-lho Mdico, esse histrico no obnubilaria o facto de em nenhum desses momentos ter sido afirmada a total e incondicionada inocuidade do projeto perante as exigncias de preservao ambiental e garantia da sade pblica; (ii) quanto invocao do processo de pr-contencioso comunitrio de que Portugal havia sido objeto relativa-mente ao tratamento de RIP, a que no Despacho tambm se fez apelo, tal vicissitude era insuficiente para, em 2006, motivar a excecionalidade do projeto de coincinera-o em Souselas e a dispensabilidade da respetiva AIA.

    Mas o alicerce mais impressivo em que assentou o juzo invalidatrio do TCA Norte re-sultou da dupla circunstncia de (i) a DIA anterior (de 1998)42 j se encontrar caducada e de, no obstante, (ii) o Despacho de 2006 assumir como uma das razes habilitadoras da dispensa de AIA o facto de o projeto j ter sido objeto de avaliao de impacto am-biental (justamente em 1998). Em ltimo termo, foi esta conjugao de circunstncias que decisivamente comandou o sentido da deciso do TCA Norte, na qual no deixou de se sublinhar que era manifesto que a avaliao ambiental levada a cabo em 1998 no s havia sido realizada perante um quadro legislativo entretanto significativa-mente alterado (desde logo pela supervenincia do RJAIA/2000, algo que, segundo o TCA, s por si justificaria a realizao de uma nova AIA e no a dispensa da sua realiza-o), como tambm no havia podido tomar em considerao os dados emergentes de estudos tcnicos entretanto realizados. Invertendo a enigmtica e relativamente inconsequente afirmao da 1. instncia a este respeito segundo a qual o Despacho de 2006 consistiu precisamente em dispensar a AIA porque caducada a de 1998, o TCA Norte assumiu, diferentemente, que exatamente por estar caducada a AIA de 98 que se imporia, por maioria de razo, realizar uma nova AIA e no dispensar a mes-ma. Esse seria, ainda nas palavras do Tribunal Central, o normal caminho a seguir.

    8. Esta concluso fundamental depois sintetizada pelo acrdo na afirmao de que atenta a circunstncia de no terem sido efetuados quaisquer procedimentos pr-vios dispensa da realizao de AIA em 2006, ao que acresce o facto da mesma ter assentado em AIA de 1998 j caducada e desatualizada em termos de facto e de di-reito, impunha-se a realizao de nova Avaliao de Impacto Ambiental no pode

    42 Em rigor, o procedimento de avaliao de impacto ambiental de 1998 no resultou na aprova-o de uma verdadeira declarao de impacto ambiental, mas sim num Parecer da Comisso de Ava-liao, a que faziam apelo o n. 1 do artigo 4. e o n. 1 do artigo 5. do RJAIA/1990.

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    deixar de ser subscrita quer luz dos termos que rodeiam as hipteses de dispensa do procedimento de AIA (a)), quer perante a necessria precariedade e contextualidade temporal das declaraes de impacto ambiental (b)). E no parece, sob outro ponto de vista que, ao assim ter decidido, o TCA Norte tenha comprometido a linha de divi-so de funes que se erige de forma particularmente intensa no momento em que os Tribunais Administrativos so mobilizados a sindicar a validade de atos administrativos praticados ao abrigo de normas atributivas de discricionariedade atravs da utilizao de conceitos indeterminados (c)); pelo contrrio, o Acrdo insere-se numa linha de valorizao dos momentos procedimentais no Direito do Ambiente que, segundo se julga, de preservar em toda a linha (d)).

    a) Embora o TCA Norte no tenha feito apelo aos critrios interpretativos publica-dos pela Comisso em 2006, seguro que da sua aplicao factualidade dos autos sempre resultaria semelhante deciso anulatria: difcil seno mesmo impossvel vislumbrar nas razes carreadas pelo Ministro do Ambiente motivos que fundassem uma especial urgncia do projeto em causa, motivos que demonstrassem que a realizao de um procedimento de AIA comprometeria, poca, a razo de ser e a utilidade do projeto de coincinerao de RIP no Centro de Produo de Souselas; enfim, motivos que permitissem alcanar a concluso de que, em 2006, seria impossvel ou totalmente inadequado tramitar um (novo) procedimento de avaliao de impacto ambiental re-lativo a esse projeto. Da fundamentao do Despacho impugnado no decorre, assim, que a no realizao de AIA se impusesse como exigncia num quadro de excecio-nalidade; em bom rigor, a deciso de dispensa assentou em proposies conclusivas quanto possibilidade e quanto convenincia da no realizao de AIA em 2006, no essencial justificadas na base do ja longo histrico que o processo de licenciamento havia atravessado nos anos anteriores.

    Deve sublinhar-se, contudo, que a excecionalidade para que apontavam o n. 3 do artigo 2. da Diretiva AIA/1985 e o n. 1 do artigo 3. do RJAIA/2000, e para que apontam hoje o n. 1 do artigo 4. do RJAIA/2013 e o n. 4 do artigo 3. da Diretiva AIA/2011, no se basta com afirmaes de possibilidade ou mera convenincia, no sendo tambm por si s relevante fundar uma deciso de dispensa na circunstncia de um determinado projeto ter atravessado um percurso licenciador mais ou menos atribulado. Justamente pelo facto de o procedimento de avaliao de impacto ambiental se assumir como um dos pilares de toda a estrutura jurdica preventiva dedicada preservao dos componentes ambientais43 que os casos de dispensa s podem justificar-se quando, num cenario de conflito entre as normas que tutelem essa preservao preventiva dos bens ambientais e as normas de tutela de interesses pblicos e privados que apontem em sentido inverso, estas ltimas derrotem, atravs da ponderao e com recurso ao critrio mediador da proporcionalidade, o efeito regulador das primeiras.

    Ora, essa ponderao, apenas esboada no discurso fundamentador do Despacho de 2006, no foi, em todo o caso, adequadamente fundada; num aspeto essencial, ela foi mesmo, de forma manifesta, erroneamente fundada, conquanto relativamente evidente que o apelo pertinncia de um procedimento avaliativo j concludo h quase 8 anos, e cujo ato conclusivo se encontrava j caduco (e, por isso, fctica e

    43 Sobre a centralidade da AIA no contexto do Direito do Ambiente, como mecanismo de concreti-zao do princpio da preveno por excelncia, cfr. c. aMado GoMes, Introduo ao Direito do Ambiente, 2. ed., cit., pp. 141-143.

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  • DIREITO DO AMBIENTE - Anotaes Jurisprudenciais Dispersas - 2 Edio 20

    juridicamente desatualizado), no poderia, em congruncia de razes, habilitar uma deciso de dispensa, mas sim a deciso inversa.

    Pode mesmo questionar-se se requerer uma dispensa de procedimento de AIA com base no apenas mas principalmente na pr-existncia de uma DIA que se consi-dera vlida no traduz um desvio do procedimento previsto no artigo 3. do RJAIA/2000 (e, hoje, no artigo 4. do RJAIA/2013). As circunstncias excecionais a que se refere o preceito no devem incluir, por uma questo de lgica, a prvia realizao de uma AIA, pois isso descaracterizaria tal procedimento. Por outras palavras, estaria a lanar--se mo de um procedimento para dispensar a obteno de um ato... que afinal se detm. Compreende-se a utilizao da dispensa de AIA perante a necessidade de re-alizao de um projeto que vise a conteno dos efeitos de uma catstrofe natural; ou no quadro de um concurso de financiamento avultado com prazo curto de apresen-tao de candidatura e sempre com explicitao de mtodos de avaliao alterna-tivos, desejavelmente suportados por um estudo de impacto ambiental que a norma no exige. Mas no se deve banalizar a excecionalidade das circunstncias, sob pena de se esvaziar o sentido do procedimento de dispensa.

    Enfim, e por um lado, alegar que a dispensa de AIA devida com base na pr-exis-tncia de uma DIA constitui uma violao do princpio da imparcialidade na sua dimen-so de necessidade de ponderao dos elementos essenciais tomada de deciso e s desses (cfr., hoje, o artigo 9. do CPA/2015). E, por outro lado, invocar a urgncia de concluso um procedimento que j levava quase dez anos desde o seu (atribulado) incio revela-se manifestamente desadequado a suportar o pedido de dispensa, o que importa em afronta ao princpio da proporcionalidade (cfr., hoje, o n. 1 do artigo 7. do CPA/2015). Por fim, quando contextualizamos esta controversa dispensa num cenario de comoo social em virtude da incerteza sobre os efeitos da coincinerao para a sade pblica, a irrazoabilidade desta deciso surge cristalina (cfr., hoje, o artigo 8. do CPA/2015).

    Em suma: embora no determinadas, as circunstncias excecionais para que ape-lava o n. 1 do artigo 3. do RJAIA/2000 (e para que hoje apela o n. 1 do artigo 4. do RJAIA/2013) e que habilitam a prtica de um ato de dispensa de AIA postulam, como elementos essenciais, (i) a demonstrao de uma comprovada situao de singula-ridade que envolva o projeto em causa, e (ii) a demonstrao da incompatibilidade entre a realizao da avaliao de impacto ambiental e a prpria subsistncia dos objetivos subjacentes instalao do projeto (cfr. a alterao introduzida pela Diretiva 2014/52/UE ao 1 do n 4 do artigo 2 da Diretiva 2011/92/UE). No caso do Despacho impugnado, como detalhadamente identificou o TCA Norte, nenhuma dessas circuns-tncias ressaltava da fundamentao apresentada; pelo contrrio, parte da funda-mentao apresentada indiciava mesmo a necessidade de efetivamente proceder a nova avaliao de impacto ambiental. Tanto bastou para fundar a ilegalidade do ato de dispensa em causa nos autos e, portanto, a sua anulao.

    b) A deciso do TCA Norte foi, como se registou, particularmente orientada pela cir-cunstncia de a DIA de 1998 se encontrar caducada, concluso que, de resto, j havia sido alcanada pelo prprio TAF de Coimbra, embora na 1. instncia no se tenha atribudo a essa circunstncia qualquer consequncia invalidatria sobre o ato de dis-pensa de 2006. Sob este ponto de vista, importante ter em conta que o RJAIA/1990,

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    na base do qual foi emitida a DIA de 1998, no previa qualquer mecanismo destinado a acautelar a necessria temporalidade do ato conclusivo do procedimento de ava-liao: para alm da inexistncia de regulao relativa possibilidade de ps-avalia-o e a condies de revogao ou modificao desse ato44, o regime tambm no previa qualquer esquema de precarizao do parecer da Comisso de Avaliao, nomeadamente atravs da inscrio de prazos de caducidade.

    A situao s seria acautelada com a entrada em vigor do RJAIA/2000, que a res-peito da caducidade da DIA optou pela previso de um esquema assente na combi-nao de um termo suspensivo inicial (em regra, a notificao) com uma condio resolutiva: a DIA esgota os seus efeitos caso no tenha sido dado incio execuo do respetivo projeto no prazo de dois anos, prevendo-se ainda a possibilidade de aprovei-tamento parcial do procedimento anterior na hiptese de verificao da caducidade (n.os 1 e 4 do artigo 21., respetivamente)45.

    Pode questionar-se se, por aplicao das regras de conflitos temporais quanto sucesso de prazos, estas regras dedicadas caducidade da DIA, s previstas no RJAIA/2000, se repercutiriam sobre atos j praticados ao abrigo do RJAIA/1990: ideia que, vista do n. 1 do artigo 297. do Cdigo Civil, parece poder admitir-se46. Na eco-nomia do acrdo sob anotao, a questo no foi, no entanto, assim tratada: as referncias caducidade da DIA de 1998 e, bem assim, ao n. 4 do artigo 21. do RJAIA/2000, surgem como amparos argumentativos para uma concluso mais genri-ca de desatualizao dessa DIA em funo das alteraes de facto e de direito entre-tanto ocorridas. Trata-se, ainda assim, de uma concluso que no pode deixar de ser subscrita, por razes que quase intuitivamente se alcanam.

    Embora a declarao de impacto ambiental se assuma, em si mesma, como um ato temporalmente ilimitado, sem um termo final certo, bem compreensvel que o or-denamento no possa consentir que dada avaliao, realizada no momento x, possa ainda habilitar o lanamento do projeto num momento bem posterior a x, tendo em conta que a avaliao realizada , sempre e logicamente, contextual e temporalmen-te condicionada. Tratando-se de uma concluso que radica em premissas mais gerais relativas mutabilidade imanente dos bens ambientais e, por isso, necessria muta-bilidade dos atos autorizativos que sobre eles versem47, a inabilidade de uma avaliao realizada em 1998 para fundar a execuo de um projeto em 2006 , por isso, perfeita-mente congruente.

    44 Assinalando, poca, esta ausncia, cfr. l. F. colao antunes, O Procedimento Administrativo de Avaliao de Impacto Ambiental, cit., pp. 712-714.

    45 Sobre o regime de caducidade da DIA, luz do RJAIA/2013 (que duplicou o prazo para dar incio ao projeto ou verificao de conformidade do projeto de execuo de dois para quatro anos), cfr. c. aMado GoMes, A dinmica da Declarao de Impacto Ambiental (e da deciso de conformidade do RECAPE), in Revisitando a Avaliao de Impacto Ambiental, cit., pp. 308-310; e t. antunes, A Deciso do Procedimento de Avaliao de Impacte Ambiental, cit., pp. 610-611.

    46 Sobre o regime que de alcance geral de sucesso temporal de leis sobre prazos previsto no artigo 297. do Cdigo Civil, perspetivando tambm a hiptese de aplicao da regra do seu n. 1 aos casos em que a lei nova fixa pela primeira vez um prazo, cfr. J. BaPtista Machado, Introduo ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, 1982, pp. 282-284; e, tambm j assim, dedicadamente sobre esta hiptese, ideM, Sobre a aplicao no tempo do novo Cdigo Civil, Coimbra: Almedina, 1968, pp. 164-165.

    47 Sobre estas premissas gerais e respetivas fundamentaes, cfr., no essencial, c. aMado GoMes, Ris-co e Modificao do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteco do Ambiente, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 585 e ss.

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    n.os

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    Ao que acresce, como o TCA Norte no deixou tambm de sublinhar, a circunstncia de a situao dos autos confrontar um ato praticado ao abrigo de um regime jurdico de avaliao de impacto ambiental (de 1990, revisto em 1997), entretanto ja significati-vamente alterado pela supervenincia do RJAIA/2000 (alterado em 2005), sendo certo que, como sabido, este ltimo se apresentou, poca, como um robustecimento integral de todo o processo de avaliao. Se se acrescentar o tambm natural desen-volvimento das tcnicas e mtodos de avaliao ambiental entretanto verificado, fica ento derradeiramente assente o acerto do julgado pelo TCA Norte.

    Deve assinalar-se que o acrdo sob anotao contou, como se anunciou, com um voto de vencido, essencialmente ancorado em duas premissas: (i) a de que do texto fundamentador do Despacho de 2006 resultaria a demonstrao da excecio-nalidade exigida pelo n. 1 do artigo 3. do RJAIA/2000; e (ii) a de que no seria corre-ta a assuno de que a deciso de dispensa se havia fundado numa DIA anterior e caducada, na medida em que daquele texto fundamentador apenas decorreria a invocao do procedimento avaliativo anterior, mas no se refere que a dispensa de uma nova AIA se tenha baseado em anterior Declarao de Impacte Ambien-tal.

    Julga-se que o que se disse no texto, em acompanhamento do argumentado pelo relator, basta para contrariar estas duas premissas. Quanto primeira, volta a subli-nhar-se que nada na fundamentao do Despacho impugnado serve a demons-trao de um cenrio de excecionalidade (isto , de singularidade do projeto e da incompatibilidade dos seus objetivos e funes com a tramitao de nova AIA): bem certo que do Despacho impugnado resulta a considerao da urgncia de uma soluo para o tratamento de RIP em Portugal; mas no resulta a demonstra-o das razes pelas quais essa urgncia tornava, poca, impraticvel a promo-o de um novo procedimento de avaliao de impacto ambiental. E esses so dois planos totalmente distintos: afirmar que necessria e urgente uma soluo de gesto dos RIP de mbito nacional e que complemente os CIRVER no basta para que se consiga extrair a concluso de no ser vivel, naquela altura, sujeitar essa soluo a AIA. Ainda que se trate de um argumento de facto extravel do processo de coincinerao na Arrbida, de resto bem sintomtico que a opo pela sujei-o voluntria (mesmo depois de haver garantido a deciso de dispensa) da SECIL a AIA no tenha comprometido a utilidade e viabilidade do projeto; de resto, no h qualquer notcia de que o anunciado processo de incumprimento movido contra o Estado portugus pela Comisso Europeia tenha resultado em efetivas sanes contra as autoridades nacionais.

    Quanto segunda premissa em que assentou o voto de vencido, no parece, com o natural respeito que se impe, que nela se v para alm de um jogo de pa-lavras. evidente que a dispensa no foi concedida porque existia uma DIA (um Parecer da CA) anterior; mas inegvel que uma das razes (a primeira invocada no Despacho, de resto) que conduziu ao juzo de desnecessidade de nova AIA, em 2006, foi, justamente, a circunstncia de o projeto j ter sido sujeito a AIA e de nesse procedimento anterior se ter concludo favoravelmente em relao coincinerao em Souselas. E no parece que se possa tambm negar que as circunstncias fcti-cas e jurdicas se alteraram significativamente desde 1998 at 2006. A no realizao de AIA implicou, em 2006, a desconsiderao dessa mutao de circunstncias: o

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    que dificilmente compatvel com o imperativo de preveno que comanda todo o regime de AIA.

    c) Importa, noutro plano, apreciar se o tipo de controlo efetuado pelo TCA Norte se compreende ou no dentro dos limites aceitveis para a reviso jurisdicional de atos praticados ao abrigo de competncias discricionrias e, em especial, de concretiza-o de conceitos indeterminados. A questo mereceria desenvolvimentos que aqui no cabem, naturalmente, mas no pode deixar de, tambm neste plano, deixar de se secundar o juzo levado a cabo pelo acrdo sub judice.

    Em momento algum o TCA Norte se dedicou a refazer a ponderao primariamente efetuada pela Administrao, acrescentando, de forma inovatria, elementos de fac-to que no resultassem do processo e, mais especificamente, do prprio Despacho no qual foi lavrada a deciso de dispensa. Diferentemente, todo o raciocnio do Tribunal se escudou num controlo da congruncia e da suficincia das razes inseridas no discurso fundamentador da deciso de dispensa: em relao a algumas dessas razes, o TCA Norte negou-lhes pertinncia para o efeito de fundar a excecionalidade do caso; em relao a outra a existncia de um procedimento de avaliao de impacto ambien-tal anterior , a concluso foi a j vista.

    Assim sendo, o acrdo do TCA Norte enquadra-se dentro das fronteiras da substi-tuibilidade da deciso primariamente adotada pelo Ministro do Ambiente48. que foi justamente a dupla circunstncia de, nessa deciso, (i) no terem sido convocados elementos comprovadores de uma efetiva singularidade do projeto em questo e da sua incompatibilidade com a tramitao de um procedimento de avaliao de im-pacto ambiental, em 2006, e (ii) constarem referncias a um procedimento avaliativo anterior, cujo ato conclusivo correspondente poderia j assumir-se como caduco que impressivamente apontavam para a necessidade de realizao da nova avaliao, foi essa dupla circunstncia, dizia-se, perfeitamente cognoscvel a um juiz administrativo perante a factualidade que envolvia o caso, que motivou a deciso anulatria do TCA Norte.

    Antevendo o melindre da questo, o STA j admitiu a revista da deciso, nomea-damente por nela pressupor a resoluo de uma questo que se prende com os limi-tes e o mbito dos poderes do Tribunal na sindicncia de atos administrativos atravs dos quais se preenchem conceitos indeterminados. bem verdade; mas tambm bem verdade que, perante o raciocnio desenvolvido pelo TCA Norte, no parece que haja motivos para censurar o tipo de controlo efetuado. Aguarda-se, por isso, com expectativa a deciso da revista que pende junto do STA.

    Nos autos hoje pendentes no STA, conhece-se j o Parecer do Ministrio Pblico (de 21 de outubro de 2016, emitido pelo Procurador-Geral-Adjunto antnio h. l. Farinha), que aponta no sentido do provimento da revista (e, portanto, da revogao do acrdo do TCA Norte), justamente por, na linha do alegado pelos recorrentes, ter considerado que o Tribunal recorrido ultrapassou os limites da sindicabilidade dos atos discricion-rios porquanto no lhe cabia apreciar o juzo de mrito da Administrao mas to s se as razes invocadas eram adequadas para excecionalmente justificar a deciso de dispensa de procedimento de AIA.

    48 Sobre os limites e os parmetros de controlo de atos autorizativos ambientais praticados em con-texto de incerteza, cfr. c. aMado GoMes, Risco, cit., pp. 488 e ss.

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    No interessa, naturalmente, contraditar na ntegra esta opinio do Ministrio Pblico as razes da concordncia com o julgado pelo TCA Norte (e, em especial, as razes que levam a crer que o exerccio de julgamento a que se prestou no invadiu a esfera de discricionariedade prpria da Administrao) constam do texto. Sublinhe-se, ape-nas, o seguinte: alerta-se, no douto parecer do Ministrio Pblico, para a circunstncia de, alegadamente, o TCA Norte se ter prestado a examinar internamente a conclu-dncia dos anteriores estudos e pareceres que, no momento inicial do lanamento da coincinerao, a validaram cientfica e tecnicamente; depois de concluir que este tipo de controlo sobre a convenincia tcnica e cientfica da coincinerao no esta-ria ao dispor do TCA Norte, conclui-se que o juzo anulatrio, ao reapreciar o mrito do ato impugnado, teria invadi[d]o a esfera de exerccio da funo administrativa, numa situao de dupla administrao contrria ao princpio constitucional da sepa-rao de poderes.

    Julga-se haver neste encadeado de razes um salto lgico: mesmo que se admita que o TCA Norte se imiscuiu em demasia no julgamento do mrito ou da concludncia dos pareceres tcnicos anteriores (aspeto que no interessou abordar na anotao), o certo que o foco do caso no esse, e nem essa eventual circunstncia deve tolher o rigor da anlise no momento de apreciar se, em relao ao juzo efetuado perante o Despacho de 2006 (que isentou a coincinerao no CPS de Souselas de AIA), foram ou no invocadas razes bastantes para fundar a excecionalidade exigida pelo or-denamento, predicada com os parmetros decorrentes do Direito da Unio Europeia j que essa (e era), como se viu, a questo central trazida a juzo e apreciada pelo TCA Norte. Ora, quanto a este aspeto, o citado parecer do Ministrio Pblico limita-se (i) a assumir quase laconicamente a bondade da afirmao constante do Despacho impugnado, segundo a qual esta[vam] reunidas as condies que justificam a dispen-sa do procedimento de avaliao de impacto ambiental; (ii) a assinalar no [ser] rigoroso o entendimento de ter sido apenas o facto de ter havido uma AIA em 1998 a fundar a deciso de dispensa de 2006; e (iii) a revelar o facto de no ser tambm exato o desmerecimento da circunstncia de Portugal enfrentar, poca, um processo de pr-contencioso pr-comunitrio em relao ao incumprimento das metas europeias em matria de tratamento de resduos industriais perigosos.

    Pois bem: quanto a (i), diga-se, a extenso de semelhante entendimento levaria a que os Tribunais Administrativos ao invs do pressuposto pela jurisprudncia constante do STA que nesse Parecer se reconhece no pudessem controlar nenhum caso de exerccio de competncias discricionrias baseado na aplicao de conceitos abertos como circunstncias excecionais; quanto a (ii), no se nega que no Despacho de dispensa se tenham invocados outros fundamentos que no apenas o facto de j ter havido uma AIA em 1998: porm, como no texto se ressaltou, esses fundamentos, para alm de no afastarem a manifesta caducidade dessa avaliao anterior, limitam-se a documentar o histrico atribulado do processo de coincinerao, sem no entanto permitirem compreender por que razo que, em 2006, no haveria condies para levar a cabo uma nova AIA; por fim, quanto a (iii), e sem prejuzo de outros detalhes que aqui no cabem, sempre importa dar conta do seguinte: a prova de que a ameaa da presso comunitria no impedia a tramitao de novos procedimentos de AIA em relao coincinerao em 2006 foi dada, no terreno, pelo caso paralelo da SECIL, na Arrbida.

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    Em suma: mesmo que possam apontar-se algumas debilidades a alguns segmentos da fundamentao do TCA Norte, no parece que o conjunto de razes agora trazidas pelo Ministrio Pblico afastem a correo do seu sentido decisrio fundamental. E, sob a lupa da separao de poderes, no parecem haver motivos para ver na deciso de 18 de maro de 2016 um qualquer exerccio de dupla administrao.

    d) Apreciada finalmente sob o eixo dos pilares do prprio Direito do Ambiente en-quanto subsistema, o que da deciso anulatria do TCA Norte ressalta uma efetiva valorizao do momento procedimental, que se sabe ser estruturante no modelo de proteo jurdica am