Direito Financas Publicas Capitulo 1 2007 2008[2]Snbkbkv

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    Capítulo I - Conceito de Finanças Públicas e de Economia Política

    1.1 Finanças públicas e finanças privadas.

    1.2 O fenómeno financeiro público.1.3 Poder e economia: ordenação, intervenção e actuação económicas.

    1.4 Provisão pública de bens.

    1.5 Regulação económica e escolha pública.

    1.6 A escolha pública e a preservação da concorrência.

    1.7 Grupos de interesse e defesa do interesse geral.

    Capítulo I - Conceito de Finanças Públicas.

    1.1. Finanças públicas e finanças privadas.

    Quando falamos de Finanças Públicas referimo-nos “à actividadeeconómica de um ente público tendente à afectação de bens à satisfaçãode necessidade que lhe estão confiadas” – na expressão do ProfessorAntónio de Sousa Franco. Enquanto neste caso estamos perante a actividade

    de entes públicos, por contraponto falamos de Finanças Privadas para referiros aspectos monetários do financiamento de uma economia, incluindo asquestões ligadas à moeda, ao crédito, aos mercados financeiros, nos quais setransaccionam activos representados por títulos a médio e longo prazos. Naterminologia usada pela Escola de Lisboa iniciada pelo Prof. Sousa Francofala-se de fenómeno financeiro quando respeita à Finanças Públicas e defenómeno financial quando está em causa a moeda e o crédito e as FinançasPrivadas.

    Na encruzilhada entre as decisões sobre a satisfação das necessidadescolectivas e o prosseguimento do interesse público encontramos o fenómenofinanceiro público e as finanças públicas.

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    Importa, assim, ter sempre em consideração a relação entre o pagamento deimpostos e a provisão de bens públicos. Deste modo, Pigou considera que oaumento do bem-estar económico pode não traduzir-se em bem-estar social.Este exige, em abstracto, a igualdade entre todos, porque só então seriamiguais as utilidades marginais de todos os sujeitos económicos. No entanto, tal

    igualdade não existe de facto, além de pôr em risco a liberdade individual. Poroutro lado, a manutenção de níveis elevados de poupança e afectaria o bem-estar económico. O fenómeno financeiro público está, porém, sempreconfrontado com a necessidade de considerar permanentemente o equilíbrioentre utilidade dos bens públicos e desutilidade do imposto. Só haverá bem-estar social se a desutilidade resultante do imposto for inferior à utilidadeassegurada pela provisão dos bens públicos.

    Assim, a distribuição da carga fiscal deve assentar nos princípios segundo osquais os desiguais devem ser tratados desigualmente e a redução dasdesigualdades aumenta o bem-estar geral. Neste sentido, o imposto deve ser

    repartido segundo as capacidades contributivas dos cidadãos, devendo asdespesas públicas ser postas ao serviço da justiça distributiva. Nesta ordem deideias A. C. Pigou procurou formular um óptimo social, correspondente aomáximo de benefícios para a comunidade, procurando precisar em quecondições a perda de utilidade para alguns membros poderia resultar emmelhoria do bem-estar social do conjunto.

    O fenómeno financeiro concretiza-se através de instituições financeiraspúblicas. Com efeito, para garantir um equilibrado provimento dasnecessidades sociais os Estados modernos dispõem de instituiçõesfinanceiras de enquadramento, que são modos de natureza constitucional,

    legislativa ou orgânica que visam racionalizar e controlar o processo social deexercício da actividade financeira pública. As principais instituições financeirasde enquadramento são: a Constituição Financeira; os órgãos de decisãofinanceira (Assembleia da República, Governo, Regiões Autónomas,Autarquias locais etc.); o aparelho orgânico da administração e gestãofinanceira (v.g. Ministério das Finanças); os planos financeiros relativos àprevisão, execução, controlo e responsabilidade financeira (Orçamento doEstado, Grandes Opções do Plano); o património público; o tesouro público;o crédito público. 

    Podemos caracterizar o património público como o conjunto dos bens(duradouros e não duradouros, do domínio público e do domínio privado) de

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    respeitadas - anualidade, unidade orçamental, universalidade, discriminaçãoorçamental (incluindo a especificação, a não compensação e a nãoconsignação), publicidade equilíbrio e solidariedade intergeracional (cf. artigos105º,106º e 107º da Constituição da República).

    1.3. Poder e economia: ordenação, intervenção e actuação económicas.

    Como estudámos na Introdução à Economia, na relação entre o poder políticoe a economia, temos de referir, de um lado, a ordenação económica, atravésda qual o Estado define e executa padrões e quadros no âmbito dos quais vaidesenvolver-se não só o comportamento dos entes públicos como o dossujeitos económicos - desde a Constituição Económica à regulamentaçãopública da economia, passando pelas leis, e pela organização das instituiçõesrelevantes para a vida económica.

    Mas, além da ordenação económica, temos a actuação económica, aintervenção económica e a direcção económica do Estado.

    Na actuação económica, o Estado age por si próprio, como se fosse umqualquer sujeito económico privado, formulando escolhas e opçõeseconómicas, que não visam, porém, alterar os comportamentos de outrossujeitos económicos, devendo estar sempre pautadas pela defesa esalvaguarda do interesse público.

    Através da intervenção económica, o Estado tenta modificar a forma natural

    como os agentes económicos actuariam, quer através das políticaseconómicas quer através de acções pontuais através das quais se pretendemelhorar a eficiência económica.

    Na direcção económica, característica dos sistemas colectivistas o Estadomodifica os quadros gerais da actividade económica, procurando substituir-seao próprio mercado. Nas economias de mercado, apenas a ordenação, aactuação e a intervenção de Estado são compatíveis com a liberdadeeconómica e a prevalência dos critérios de regulação ligados ao mercado.

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    1.4. Provisão pública de bens.

    Como sabemos, as incapacidades do mercado obrigam à acção dos entespúblicos ou colectivos visando corrigir ou substituir a lógica do mercado. Trata-

    se de garantir a existência de melhores níveis de bem-estar social e deharmonizar equidade e eficiência. Lembremo-nos do exemplo do farol. A suacriação e funcionamento não se atêm às regras do mercado, já que anecessidade desse equipamento é sentida por todos quantos façam navegaçãona costa. Não é possível dizer quem é beneficiário exclusivo da utilidadeprestada pelo farol, pelo que não se pode fixar um preço correspondente aessa satisfação de necessidade. Todos podem usar o farol sem seprejudicarem mutuamente e sem entrarem em concorrência. Se um sujeitoprivado quiser construir um farol fá-lo-á por sua conta e risco, sempossibilidade de se fazer ressarcir do investimento que tenha feito. Só sepossuir um poder de autoridade para impor uma taxa de utilização às

    embarcações que reúnam determinados requisitos ou para criar um imposto éque poderá amortizar o encargo assumido.

    À parte as situações em que seja possível, para a provisão de necessidadespor bens colectivos ou financeiros, criar mecanismos de cooperação (associações de socorros mútuos) ou de exclusão (corpo de bombeirosprivativo de uma empresa ou de um grupo de pessoas), a regra exige o recursoa um poder de autoridade (atributo normal do Estado) para produzir os bensindispensáveis à satisfação de necessidades colectivas.

    Se a questão se põe na produção de bens, coloca-se igualmente na respectivaprovisão para uso público. David Hume falava, por isso, do exemplo do uso deum relvado comunitário. Para evitar o abuso ou o mau uso do mesmo, haveriaque definir regras e que criar uma autoridade que pudesse disciplinar e regularessa utilização. O altruísmo e os mecanismos espontâneos de regulaçãoeconómica não são suficientes para garantir uma satisfação equilibrada denecessidades.

    Os entes públicos intervêm, assim, para socializar as exterioridades, criandoinfra-estruturas (estradas, canais, caminhos-de-ferro…) ou investindo nasaúde, na educação, no ambiente… Assim, a provisão de bens públicos porentidades públicas dotadas de jus imperii tem diversas características, bemprecisas:

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    (a) Visar a prossecução do interesse geral – ou pelo menos a integração daactividade de órgãos e entidades que têm esse fim;

    (b) Corresponder não só a uma duração ilimitada ou à ausência de umhorizonte temporal mas também a uma capacidade para assumir riscossuperior à de outros grupos contratuais;

    (c) Implicar a existência de um poder de autoridade, donde resulta acapacidade de impor regras e de assegurar a sua coercibilidade;(d) Ter uma dimensão adequada para responder a problemas complexos de

    grande dimensão.

    Os últimos anos têm-nos posto, porém, de sobraviso relativamente àimportância dos bens colectivos e dos bens públicos. Procura-se distinguir,com muita clareza, a resposta às incapacidades de mercado, da consideraçãodas incapacidades de intervenção e das tentações de alargar a actividadeprodutiva a entes públicos cuja acção não implica uma maior eficiência nasatisfação de necessidades. O Estado dirigista ou o Estado produtor

    apresentam resultados insatisfatórios quanto ao bem-estar social, até pelasrazões prenunciadas por Pigou, que obrigam a procurarmos novas formas deorganização do Estado como catalizador de iniciativas e de energias e comoimpulsionador e regulador da vida económica e financeira.

    1.5. Regulação económica e escolha pública.

    A satisfação das necessidades públicas é analisada não sob o prisma estrito dointeresse geral, mas na lógica da utilidade e do mercado. A escola da escolhapública (public choice ) nasceu no início dos anos sessenta do século XX na

    Universidade de Chicago baseando-se nos princípios e instrumentos que oseconomistas utilizam para analisar as atitudes dos sujeitos económicos nomercado. Há, assim, uma análise económica a partir das decisões de caráctercolectivo e não das atitudes individuais.

    Economistas da escola da "escolha pública", como James Buchanan (1919),consideram que existem, com idêntica importância, não só falhas ouincapacidades de mercado, mas também falhas de governo. "Tal como omercado - afirma Gordon Tullock (1922), autor com J. Buchanan de The Calculus of Consent -, o Estado é concebido como um instrumento através doqual os homens tentam realizar os seus objectivos". A escola da “escolhapública” usa, deste modo, os mesmos princípios que os economistas usam

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    para analisar as acções das pessoas no mercado e aplica-os às acções daspessoas na tomada de decisões colectivas.

    O homem político age como o homo oeconomicus e pensa nas hipóteses quelhe oferece o mercado político, em especial no tocante à reeleição, ao mesmo

    tempo que pondera o interesse geral. O crescimento do Estado é, deste modo,o produto de um sistema centrado nos interesses eleitorais relevantes e nosgrupos de pressão. Os agentes do Estado tendem a seguir esta mesmalógica. A burocracia, o centralismo, bem como a ineficiência resultantes danão consideração dos instrumentos inerentes à ponderação dos custos ebenefícios e à transparência nas decisões constituem elementos que definemas falhas de governo.

    Para os autores da "escolha pública", existe uma ausência grave de incentivosa que os eleitores supervisionem eficazmente o governo para lhe exigirem aprestação de contas (accountability) . Há, pelo contrário, um incentivo à

    ignorância na condução dos assuntos públicos - em virtude do funcionamentodo “mercado político e eleitoral” e da convergência entre os interesses ligadosà necessidade de obter votos e a pressão dos lobbies. Ao invés do queacontece, em regra, com a iniciativa privada, as decisões nos espaços públicossão marcadas pela força dos grupos de interesses e não da estrita eficiênciaeconómica.

    Os escândalos (Enron, Parmalat) com a manipulação da contabilidade e afalsificação de resultados por grandes empresas, designadamente de auditoria,passaram, contudo, a colocar a necessidade de encontrar novos instrumentosde defesa do interesse geral e de regulação quer relativamente aos governos,

    quer em relação às grandes empresas transnacionais e ao mercado em geral,sujeito a intensa concorrência global e à necessidade de apresentar resultadosimediatos.

    Para a escola da escolha pública, os legisladores tenderiam a actuar deforma dispendiosa para os contribuintes - por haver poucos incentivos a umaboa gestão do interesse público. O certo é que, quanto mais rígido é o sistema,mais se torna vulnerável à intervenção dos grupos de interesses e de gruposde pressão. A complexidade dos procedimentos, a falta de transparência nasua condução favorece a opacidade .

    Albert O. Hirschman (1915) refere, por isso, que a perda de qualidade dosserviços públicos está na raiz da Crise do Estado Providência. Por outro lado,

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    Mancur Olson (1932-1998), partindo da mesma ideia de predomínio burocráticoe de vulnerabilidade à ineficiência, estudou os casos das economias japonesae alemã e concluiu que estas prosperaram depois de 1945 porque a guerradestruiu o poder que tinham os interesses administrativos e burocráticosinstalados para reprimir o espírito empreendedor e a actividade comercial.

    A participação dos cidadãos e o incentivo ao desenvolvimento dos podereslocais e de outros poderes de controlo da sociedade civil seriam meios pararomper com o ciclo vicioso das falhas de intervenção do governo e daineficiência do Estado e do sector público.

    A fixação da agenda política identifica as opções dos eleitores e influencia osresultados políticos. Em "The Calculus of Consent" (1962), Buchanan e Tullockreferem a necessidade de romper a influência perversa dos interessesparticulares. Para Buchanan há uma distinção entre dois níveis de escolhapública – o nível inicial onde a Constituição é escolhida e o nível pós-

    constitucional. No primeiro definem-se as regras de um jogo, no segundo joga-se de acordo com as regras antes definidas. Estamos, assim, perante a noçãode "economia constitucional", relativa aos grandes princípios a que a vidaeconómica deve subordinar-se, bem como perante a necessidade de uma ideiasegundo a qual uma boa escolha colectiva seria a que todos os eleitoresapoiassem.

    Partindo de um ensaio de Knut Wicksell (1851-1926) de 1896, onde esteeconomista sueco afirmava que só os impostos e as despesas públicasaprovadas unanimemente teriam justificação, Buchanan e Tullock põem atónica na importância dos sujeitos beneficiários dos programas públicos. Os

    autores de “The Calculus of Consent” contrariam, assim, de modo frontal, aideia de que não há ligação entre o que o contribuinte paga e os benefíciosauferidos através dos serviços públicos. Em questões marcantes para o futuroda sociedade, com repercussões de médio e longo prazos, para além dosmandatos eleitorais e dos tempos eleitorais, haveria necessidade de obterconsensos alargados, para além das simples maiorias circunstanciais.Buchanan e Tullock consideram, assim, a pertinência do conceito de óptimo dePareto na ponderação do bem-estar geral, em especial aquando da tomada deuma decisão parlamentar ou legislativa. Só assim poderá limitar-se os poderese a influência dos Governos e maximizando a racionalidade e a eficiência.

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    1.6. A escolha pública e a preservação da concorrência. 

    Os agentes económicos conduzem a sua acção, ligando-a ao funcionamentodo "mercado político" das eleições. Na lógica paretiana, parte-se da ideia de

    que haveria uma situação óptima quando ninguém saísse prejudicado pelofacto de alguém conseguir aumentar o seu nível de bem-estar. Há, no entanto,áreas significativas de perda de bem-estar, fruto da ineficiência e dodesperdício. James Buchanan e a escola da public choice põem em causa quea intervenção e a regulação públicas consigam eliminar essas áreas de perdaabsoluta de bem-estar, quando procuram ultrapassar as falhas de mercado.

    O direito da concorrência e as leis antitrust poderiam, nesta ordem de ideias,revelar-se ineficientes - até perante a tendência para a mundialização docomércio internacional. O abuso de posição dominante passaria a verificar-seno âmbito global, mas a escala mínima de eficiência passaria a gerar mais

    dificilmente monopólios naturais. Continua, porém, a justificar-se plenamente acontinuação do combate pela concorrência a partir das políticas públicas oupela manutenção e ampliação das condições concorrenciais.

    Importa valorizar o equilíbrio na ponderação da regulação pública (no sentidode manter níveis satisfatórios de concorrência) e da liberdade económica (nosentido em que as falhas de mercado devem ser vistas em paralelo com asfalhas do governo)…

    Deste modo, o Estado intervém na economia por diversas ordens de razões:

    (a) a promoção da eficiência comprometida por falhas de mercado;

    (b) a necessidade da superação da disparidade entre eficiência e bem-estarsocial, originada pela existência de "exterioridades" ou

    (c) a exigência de superação da injustiça das preferências dos consumidoresou das regras de distribuição da riqueza…

    No entanto, o comportamento do Estado e dos diversos entes públicos vaireflectir os interesses e as escolhas de um número significativo de pessoas eas naturais resistências a mudanças que se traduzam em maior eficiência eracionalidade. Não sendo a escolha pública individual, mas resultando daconvergência de vontades e interesses, compreende-se a importância da

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    ponderação da dimensão do mercado bem como dos resultados que emconcreto se visa obter.

    1.7. Grupos de interesse e defesa do interesse geral.

    Perante os interesses divergentes que coexistem num determinado momentona sociedade e na economia, torna-se necessário encontrar um ponto em quehaja uma composição de interesses racional e eficiente. Os grupos deinteresses e os "lobbies" (sindicatos, confederações patronais, associaçõesde consumidores e contribuintes etc.) tendem a defender posições adquiridasou a procurar reforçar a situação dos seus representados. As decisõespúblicas, designadamente envolvendo opções eleitorais, tendem a não seguiros critérios de eficiência e a não ter em consideração custos e benefícios.Numa situação democrática, é a posição do "eleitor mediano" que definirá emprincípio a escolha. Esse votante mediano representa uma exígua minoria, masconsegue decidir a seu favor as votações em alternativa.

    Nas sociedades democráticas tende a haver bipolarização nas opções, mas asforças alternantes tendem a adoptar posições próximas e consensuais,inclinando-se no sentido da posição do "eleitor mediano", que se torna decisivona adopção das opções da sociedade. Assim, a acção política, em lugar deuma ponderação objectiva e igualitária dos interesses em presença, podefavorecer posições particulares e concentrar-se na gestão equilibrada desses

    interesses prioritários. Deste modo, os grupos de interesses procurammaximizar no mercado de favores políticos. Os grupos fazem prevalecer umefeito de "renda" para os respectivos interesses. Quanto mais aguerridos ecoesos forem, melhores resultados obtêm.

    O “mercado político” distribui-se, assim, pela procura constituída pelos votantesque procuram condicionar os eleitos e pela oferta dos políticos eleitos, queprocuram maximizar o respectivo excedente (renda económica expressa emvotos) e pelos burocratas que procuram maximizar a respectiva influência epoder nos procedimentos de decisão pública. Enquanto para os defensores dateoria da escolha pública há cepticismo quanto à eficiência económica das

    decisões, em virtude da ignorância racional dos eleitores, dos custos dainformação e do risco moral em que incorrem os decisores políticos, para os

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    defensores da teoria do interesse público a eficiência pode ser alcançada,desde que haja por parte dos eleitores um grau suficiente de informação e umaescolha racional que lhes permita contribuir para as melhores soluções.

    A defesa do interesse geral tem, assim, de considerar as virtualidades e as

    limitações da actuação do Estado. De um lado, temos a produção de benspúblicos e a promoção de actividades criadoras de exterioridades positivas(v.g. na protecção do ambiente); de outro, temos os bloqueamentos inerente aorespeito da legalidade e da transparência, à prestação de contas anual, àalternância do poder e à existência de ciclos eleitorais e à assimetria einsuficiência informativas inerentes à dimensão do Estado. Tudo isso,determina que o interesse público exija um esforço redobrado deracionalização de modo a que os custos não excedam os benefícios e que arectificação das falhas dos mercados não origine falhas de intervenção.

    Bibliografia

    António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina,Reimpressão, Coimbra, 2007, pp. 3-45.

    J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra Editora, 1989, pp.15-49.

    Paulo Trigo Pereira, Economia e Finanças Públicas, Escolar Editora, 2007.

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    Capítulo II - Contabilidade pública e contabilidade nacional

    2.1 . A oferta e a procura agregadas.

    2.2 . Contabilidade nacional. Conceitos fundamentais.2.3 . Despesa Nacional e Rendimento Nacional.

    2.4 . Produto Nacional Bruto e Líquido, a custo de factores e a preços de

    mercado.

    2.5 . Consumo, Investimento e Gastos do Estado.

    2.6 . Rendimento Nacional, poupança e investimento.

    2.7 . O Orçamento do Estado, despesas públicas e receitas públicas.

    2.8 . Contabilidade de caixa e contabilidade de compromissos.

    Capítulo II - Contabilidade pública e contabilidade nacional.

    2.1. A oferta e a procura agregadas.

    Recordemo-nos do circuito económico. Famílias, Empresas, Estado e Capital

    relacionam-se entre si. Os fluxos reais e monetários completam-se, despesa erendimento articulam-se, a oferta e a procura têm de ser vistas numaperspectiva agregada. E tal perspectiva vai permitir-nos saber qual a riquezacriada, num determinado período, numa sociedade organizadaeconomicamente. E por que motivo é importante conhecermos a oferta e aprocura agregadas? Uma vez que desse modo teremos possibilidade deperceber como funcionam na prática a eficiência e a racionalidade daeconomia, pela medida do que foi efectivamente criado, o que nos permite,comparando, com outro período imediatamente anterior, saber se houvecriação de nova riqueza e se há melhor organização da sociedade nasatisfação das necessidades humanas e na criação de utilidades.

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    A racionalidade e o equilíbrio económicos foram, ao longo dos tempos,preocupações constantes da ciência económica. Léon Walras (1834-1910)assentava as suas análises em duas hipóteses fundamentais:

    (a) a existência de agentes racionais e

    (b) o funcionamento de mercados equilibrados.No entanto, o valor dos bens e da moeda influencia autonomamente osfenómenos económicos, o que leva a afastar uma ideia simplificadora deequilíbrio.

    Como sabemos, na perspectiva clássica, o pleno emprego tenderia emsituação de equilíbrio para a estabilidade de preços. Ora, como ensinou JohnMaynard Keynes (1883-1946), a partir da análise dos comportamentosindividuais é muito difícil chegar à análise global - além de que não há uma situação de equilíbrio. Há várias situações de tendência para o equilíbrio.

    Usando as palavras do próprio Keynes, não é verdade que os problemasglobais fiquem resolvidos quando a economia individual funciona bem -segundo o que designava como lei de Say (de Jean Baptiste Say - 1767-1832)ou dos mercados. De acordo com tal lei: "a oferta cria a sua própria procura".Já para Léon Walras, o total da oferta deveria ser igual ao total da procura,considerando a moeda como se fosse equiparada aos bens e serviçostransaccionados. Para Keynes, pelo contrário, a economia estaria em regradesequilibrada - mesmo que pudesse tender para o equilíbrio, como umabalança (que está sempre em desequilíbrio quando não está travada). Keynesdiz, assim, que o consumo depende do rendimento global, dando especialênfase à procura efectiva global, que corresponde à soma da procura no

    consumo e da procura de investimento, as quais determinam o nível deprodução e o nível de emprego), quando antes de si toda a economia era vistaa partir da oferta. Por outro lado, a economia não atingiria o equilíbrioespontaneamente - seria necessário agir sobre a procura global através daacção estabilizadora do principal sujeito económico - o Estado.

    Quando analisamos a economia agregada precisamos de considerar umavisão de conjunto, pelo que temos de adicionar as várias partes componentes,para estudarmos o todo. Na análise da produção, temos de somar, destemodo, todos os produtos criados. Mas para que essa adição possa fazer-se éindispensável usarmos a mesma unidade. Podemos, assim, medir a utilidadetotal em unidades monetárias - somando as diferentes utilidades prestadas

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    pelos diversos bens e serviços. No fundo, vamos multiplicar a quantidade debens transaccionados pelos respectivos preços.

    2.2. Contabilidade nacional. Conceitos fundamentais. 

    A contabilidade nacional é o método que permite obter a medida quantitativa,expressa em valor monetário, da totalidade da actividade económica de umanação, ao longo de um determinado ano. Trata-se do método que nos permite,como dissemos, calcular a riqueza existente na economia. Há três formas deabordar esse cálculo:(a) pelos produtos,(b) pelas despesas e(c) pelos rendimentos.

    Em qualquer destes casos, estamos a referir-nos ao circuito económico, comoinstrumento de apresentação da circulação de despesas e dos rendimentos

    num determinado mercado.

    Se consideramos o fluxo de bens e serviços à saída das empresas, medimos oproduto nacional, isto é, a soma do que é produzido num determinadoperíodo. Estamos, deste modo, perante a soma dos bens agrícolas, dos bensindustriais e dos serviços. Mas para que a comparação seja correcta, éindispensável que se tenham em consideração os valores reais e não apenasos valores nominais. Ou seja, deveremos usar um critério de preçosconstantes - para que a inflação não vicie a comparação. Temos, pois, dedistinguir o produto nominal (calculado a preços variáveis, sem deduzir adepreciação monetária) do produto real (que já tem em consideração a

    evolução dos preços). Importa, assim, considerar o deflator, baseado no índicede preços (por ex. 3,5%), que vai permitir retirar o efeito da depreciaçãomonetária. Trata-se de garantir que os termos de comparação sejam idênticos.

    Mas temos de nos rodear de outro cuidado - o de evitar a dupla contagem. Estaríamos a falsear o valor se fizéssemos uma dupla contagem, e seconsiderássemos simultaneamente, na totalidade, os custos de produção dopão e de produção da farinha ou os custos da produção dos automóveis e daspeças que os compõem. Deveremos, por isso, considerar o valor acrescentadoem cada fase da produção. Este valor acrescentado corresponde ao que umbem vale, no momento da venda, a mais do que valiam as partes que oconstituem ou a matéria-prima de que é feito. Assim, o produto nacional écomposto pela soma dos valores acrescentados nas diversas unidades

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    empresariais da economia. Ou seja, apenas adicionamos os valoresacrescentados na agricultura, na indústria e nos serviços. Só assim,chegaremos ao valor do produto nacional.

    Refira-se ainda o conceito de produto interno. Estamos neste caso perante oque é produzido pelas empresas de um determinado país. Distinguimos o que

    é produzido em Portugal (produto interno) e o que é produzido pelosportugueses (produto nacional). Se somarmos ao produto interno o que osportugueses, isto é, o que aqueles que actuam na economia portuguesa e quea influenciam produzem no exterior (medido pelos seus rendimentos) e seretirarmos o que os estrangeiros produziram em Portugal (i.e., o que pagámosa estrangeiros) temos o produto nacional.

    Se quisermos, por outro lado, analisar a quota parte que cabe a cada cidadão,em média, relativamente ao produto nacional, estamos perante o conceito deproduto nacional per capita , que é calculado, dividindo o total dos bens eserviços produzidos ou criados pelo número de habitantes. Normalmente, aliás,

    o valor a que a ciência económica se reconduz é a de produto interno per capita . Em Portugal, sabendo que o PIB em 2005 foi de cerca de 147 milmilhões de Euros, o PIB pc foi de cerca de 14 mil Euros.

    Em suma, Produto Nacional, exigindo as correcções e as cautelas queanalisámos, é o valor monetário do conjunto dos bens e serviços criados numaeconomia, durante um período considerado.

    2.3. Despesa Nacional e Rendimento Nacional. 

    Tendo já visto a óptica do produto, importa olhar agora as perspectivas dadespesa e da receita. Comecemos pelas despesas, trata-se de medir o fluxo debens e serviços, procurando-o à porta de casa dos seus utilizadores.

    A Despesa Nacional (DN) reporta-se à aquisição de bens e serviços e vaiexigir a separação por tipo de utilização - consumo (C), investimento (I) edespesa do Estado (G). Esta despesa do Estado envolve quer o consumo quero investimento, sendo autonomizada em razão do facto de estarmos perante omais relevante e influente dos sujeitos económicos.

    A Despesa Nacional será, assim, igual à soma de C + I + G. No entanto, aseconomias não são fechadas, antes se relacionando permanentemente com oexterior, como vimos aquando da análise do circuito económico. Realizam-se,

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    por isso, importações e exportações de bens e serviços com o estrangeiro.Devemos, desse modo, somar as Exportações (E) e diminuir as Importações (I)- uma vez que se trata de uma parte do nosso consumo e do nossoinvestimento que não foi produzido por nós. Deste modo, a fórmula de cálculo,para uma economia de fronteiras abertas é: DN = C + I + G + E - I.

    A Despesa Nacional corresponde, assim, ao valor monetário da soma dasdespesas efectuadas em relação a bens finais pelo conjunto dos agenteseconómicos, durante um período considerado.

    Há outra forma de medir o fluxo de criação de riqueza. Referimo-nos aosrendimentos e à consideração do mercado de factores de produção. Aí vamosmedir o que recebem os titulares dos factores de produção.

    O Rendimento Nacional (RN) envolve, assim, vários tipos de pagamentos,conforme o factor remunerado - salários para o trabalho (Sa), rendas para osfactores naturais (Re), juros para o capital (J) e lucros como remanescente das

    diversas remunerações (L). Deste modo, a medição far-se-á através dafórmula: RN = Sa + Re + J + L. 

    O Rendimento Nacional refere-se, pois, ao valor monetário do conjunto dasretribuições ou ganhos, provenientes quer da actividade económica quer daaplicação de determinados bens ou valores, durante um período considerado. 

    Se falámos acima do produto per capita , devemos também referir o rendimentodisponível. Trata-se da parcela do rendimento que pode ser utilizada pelossujeitos económicos - é o que fica para as pessoas, para consumirem oupouparem, depois de pagarem os impostos e depois de feitos todos os

    ajustamentos referentes aos lucros não distribuídos e às transferências esubsídios de que beneficiem

    Refira-se, portanto, que o produto, a despesa e o rendimento são conceitosdiferentes, mas reportam-se à medição de uma mesma realidade, estando emcausa valores idênticos. Estamos, em todos os casos, perante a visãoagregada da capacidade criadora da economia.

    No entanto, cabe perguntar como se insere entre estes diversos conceitos obem-estar. Deve ficar claro que no que acabámos de analisar, relativamente aoproduto, ao rendimento e à despesa, está em causa a actividade e não o bem-estar. São conhecidos os exemplos que confirmam esta conclusão.Suponhamos um engarrafamento de trânsito no centro de uma cidade em hora

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    de ponta. O fenómeno vai causar inúmeras perturbações (exterioridadesnegativas, como a poluição), no entanto se considerarmos apenas o efeitodirecto do engarrafamento no consumo adicional de gasolina e na reparaçãodos automóveis que sofreram de sobreaquecimento nos motores, o certo é queo produto cresceu em virtude desse facto…

    Os Professores William Nordhaus (1941) e James Tobin (1918-2002), cientesde que seria necessário ter em consideração, além da actividade desenvolvida,o bem-estar adicional obtido pelos sujeitos económicos, chegaram, porém, aoconceito de Bem-Estar Económico Líquido (BEEL), através do qualintroduzem ajustamentos no valor do produto, da despesa e do rendimento, afim de que se possa saber em que medida o crescimento se repercutepositivamente na qualidade de vida das pessoas. Seria, assim, necessárioconsiderar o valor dos tempos livres e dos serviços das donas de casa esubtrair os custos da poluição, os inconvenientes das urbanizações modernas.Em resultado deste ajustamento, chegaram à conclusão que a evolução doproduto é mais rápida do que a do bem-estar.

    2.4. Produto Nacional bruto e líquido, a custo de factores e a preços demercado. 

    Continuando na análise da contabilidade nacional, temos de distinguir osconceitos de Produto Nacional Bruto (PNB) e de Produto Nacional Líquido (PNL). No caso do PNB estão incluídos os investimentos correspondentes àsamortizações (A), isto é, como sabemos, a parte do investimento orientadapara a reposição dos equipamentos utilizados, valor que deve, assim, serabatida para se chegar ao produto nacional líquido. Tem-se, deste modo, emconsideração a depreciação ou a reposição, indispensável na actividade

    empresarial. Assim: PNB = PNL + A. Ou de outro modo: PNL = PNB - A.

    Em resumo, recapitulemos qual a relação entre os diversos conceitos dacontabilidade nacional:

    (a) o PNB pm - Produto Nacional Bruto a preços de mercado corresponde àsoma do Consumo, do Investimento Bruto e dos Gastos do Estado e,portanto, ao conceito de Despesa Nacional;

    (b) o PIB pm – Produto Interno Bruto a preços de mercado corresponde aoPNB pm mais as Exportações, menos as Importações (PIBpm = PNBpm +E – I).

    (c) o PNL pm - Produto Nacional Líquido a preços de mercado correspondeà soma do Consumo, do Investimento Líquido e dos Gastos do Estado;

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    (d) o PNL cf - Produto Nacional Líquido a custo de factores corresponde àsoma dos Salários, das Rendas, dos Juros e dos Lucros, a que se somamos Impostos Indirectos;

    (e) o RN - Rendimento Nacional é o PNL a custo de factores ao qual seretiram os impostos indirectos;

    (f) o Rendimento Disponível alcança-se subtraindo os impostos directos ao

    Rendimento Nacional.

    2.5. Consumo, Investimento e Gastos do Estado. 

    Olhando a despesa, verificamos que esta inclui duas componentesfundamentais - o consumo e o investimento. Como já dissemos, estas duascomponentes também estão inseridas nas despesas do Estado. No entanto,agora apenas nos interessa referir a complementaridade entre os doiselementos. No fundo, os sujeitos económicos, considerando o fluxo dos bens eserviços, vão orientar os recursos disponíveis ora para a satisfação imediata de

    necessidades, ora para os factores que permitem criar outros bens e serviços.Na óptica da despesa os sujeitos económicos ou vão consumir ou vãocontribuir para a reprodução da riqueza, através do investimento. E,recordando o multiplicador de investimento, melhor podemos compreender aimportância do investimento reprodutivo da criação de rendimentos adicionais.

    Para os clássicos, eram as poupanças das famílias que fixavam a quantidadede bens de capital, por influência da taxa de juro em vigor. Na moderna ciênciaeconómica, depois de J.M. Keynes, são os investimentos que determinam aspoupanças, e não o inverso. A taxa de juro - centro das reflexões de K.Wicksell - é o elemento essencial para a capitalização. Quanto maior for a taxa

    de juro menor será o valor de um bem de capital.

    É assim indispensável encontrar uma taxa de juro que iguale o valor doacréscimo de bens de capital ao seu custo - a isto chamou Keynes a eficáciamarginal do capital. Nessa lógica, os empresários comprariam bens de capitalse a eficiência marginal respectiva fosse maior do que a taxa de juro pela qualvêem remunerados os seus empréstimos.

    Recordando o que já estudámos, a taxa de juro não é determinada pela ofertae procura das poupanças (havendo identidade entre o Investimento e aPoupança), mas pela preferência pela liquidez e pela quantidade de moedadisponível. É, pois, a quantidade de moeda que influencia os investimentos -sendo a taxa de juro influenciada pela preferência pela liquidez.

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    2.6. O rendimento nacional, a poupança e o investimento. 

    A ciência económica pós-keynesiana deixou de dar uma importância central àeficácia marginal do capital. De facto, os investimentos são em grande partedeterminados pelas expectativas dos empresários - portanto, por factores

    psicológicos. A confiança e a disposição dos empresários são fundamentaispara o equilíbrio económico. Não se pense, porém, que os factorespsicológicos agem como abstracções. De facto, o que está em causa é aexpectativa de obter bons resultados, de vender mais. Eis o que está emcausa.

    Partindo de que há uma identidade entre o Rendimento e a Despesa e de queo Rendimento é a soma do Consumo e da Poupança e de que a Despesa é aadição do Consumo e do Investimento - é indispensável clarificar algumasideias. Senão vejamos. A ideia keynesiana de que as poupanças são umarealidade passiva (relevante, porém, no multiplicador, por força do conceito de

    propensão marginal para a poupança) merece uma necessária correcção. APoupança é determinada pelo Rendimento - como vimos relativamente àpropensão marginal. Por seu lado, sendo o Rendimento função doInvestimento, é este que primariamente induzirá a Poupança. No entanto, naprática, a Poupança também influencia o Investimento. Hoje temos cada vezmais instrumentos institucionais de poupança (companhias seguradoras,fundos de pensões), além de que as empresas retêm parte dos lucros líquidos,do mesmo modo que os consumidores.

    Além disso, há a referir o chamado paradoxo das poupanças. De facto, ateoria keynesiana descobriu uma estranha contradição na formação do aforro.

    Quem poupa pensa sempre em aumentar o que retirou do consumo. Noentanto, reduzindo-se o consumo por esse efeito reduzem-se os rendimentos,e os saldos das poupanças em vez de aumentarem mantêm-se.

    As menores vendas de bens de consumo repercutem-se sobre osinvestimentos - por força do bem conhecido efeito do acelerador (que entãofunciona como travão). A circulação diminui e as poupanças reduzem-se. Ouseja: maiores poupanças individuais podem induzir uma redução daspoupanças no conjunto da economia, em virtude das repercussões do aumentodo aforro na contracção do consumo. Em suma: maior poupança significamenos consumo; menor consumo leva a menos investimento; menosinvestimento determina menos rendimento; menos rendimento conduz a menorpoupança.

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    Torna-se, pois, indispensável encontrar uma situação equilibrada na relaçãoentre consumo, investimento e poupança, considerando que o rendimentoinduzido pelo aumento de investimento terá de ser analisado diferentementeconsoante estejamos numa situação de pleno emprego, subemprego ou sobre-emprego. Mas esse é o tema que trataremos no capítulo seguinte.

    2.7. O Orçamento do Estado, despesas públicas e receitas públicas. 

    Em 1883, Adolf Wagner (1835-1917) formulou o que designou como lei docrescimento das despesas públicas, segundo a qual à medida que a riquezade uma sociedade aumenta, verifica-se um crescimento da dimensão doEstado e dos seus encargos. Essa tendência era característica das sociedadesindustriais mais desenvolvidas.

    Nos países europeus, com efeito, as despesas do governo atingiram um picoem meados dos anos noventa do século XX, com um rácio despesa pública / 

    PIB da ordem dos 51,3% (1995, EU-15), enquanto no Japão e nos EstadosUnidos esse valor atingia os 40,2% e 35,3%, respectivamente. A introdução deregras disciplinadoras da despesa pública, em resultado do Tratado deMaastricht (1992), da criação da União Económica e Monetária e da criação doEuro, numa lógica de “constitucionalismo financeiro”, conduziu a que o ráciopassasse a 46,9% no ano 2000 (EU-15).

    Saliente-se que ainda em 1995 os países nórdicos ultrapassaram o rácio de60%, na Suécia e Dinamarca, tendo a partir de então sido introduzidas, comsucesso, medidas de reorganização da Administração Pública tendentes àredução do peso das despesas do governo no conjunto da riqueza nacional.

    Apesar de tudo, a redução do rácio despesa pública / PIB, entre 1995 e 2000,foi bastante generalizada nos países da União Europeia, com a excepção dePortugal onde o rácio aumentou ligeiramente (0,4% do PIB), por razõesinerentes ao atraso nas políticas sociais. A França e a Alemanha registarammenores abrandamentos na evolução do peso da despesa pública na riquezanacional (apenas 2,5% e 1,4% do PIB, respectivamente).

    Ao falarmos da despesa pública, temos de distinguir, numa classificaçãoeconómica, as despesas correntes e de capital, segundo o critério do activode Estado. São despesas correntes as que não afectam o activo patrimonialduradouro do Estado – exemplos: despesas com pessoal, pagamentos de jurosde empréstimos. São despesas de capital as que afectam o activo patrimonial

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    2.8. Contabilidade de caixa e contabilidade de compromissos. 

    A contabilidade orçamental faz-se de duas formas: a óptica da contabilidadepública (ou de caixa – cash ) e a óptica da contabilidade nacional (ou decompromisso ou accrual ). Na passagem de um para outro dos sistemas

    registam-se os fluxos com base nas operações, isto é, quando o valoreconómico é criado, transformado ou extinto ou quando se criam, modificam ouextinguem os direitos e obrigações. Assim, a operação na óptica decontabilidade pública é registada aquando o acto de produção e não quando épaga pelo comprador. No caso da venda de um activo esta é registada quandoo activo muda de mãos e não quando é efectuado o pagamentocorrespondente.

    Assim, os ajustamentos a fazer à contabilidade pública centram-se em trêsáreas fundamentais:

    (a) Ajustamento aos impostos e contribuições – descontando-se às liquidaçõesde impostos ou que for considerado incobrável;(b) Ajustamento aos juros recebidos e pagos, sendo o registo feito no períodocontabilístico em que se vencem, e não no momento do pagamento ou dorecebimento;(c) outros ajustamentos, destacando-se entre outros o saldo do ServiçoNacional de Saúde, uma vez que existem tradicionalmente despesas quedizem respeito a um determinado exercício e só são pagas no exercícioseguinte (dívida rolante) e que não têm expressão no saldo orçamental naóptica da contabilidade pública mas que são considerados no saldo orçamentalna óptica da contabilidade nacional.

    Para efeitos de reporte à União Europeia da situação do défice orçamental doSector Público Administrativo o critério utilizado é da Contabilidade Nacional,segundo o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC-95), peloque se torna indispensável proceder aos ajustamentos referidos.

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    BIBLIOGRAFIA:

    A.L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro , Vol. II, pp.7e ss.

    PEDRO SOARES MARTÍNEZ, Economia Política, Almedina, Coimbra, 1996, pp.490-514.

    PAUL SAMUELSON E WILLIAM  NORDHAUS, Economia , MacGraw Hill, Queluz,2005, pp. 424-465.

    JOÃO CÉSAR DAS NEVES, Introdução à Economia, Verbo, Lisboa,1997, pp. 256-272.

    FERNANDO ARAÚJO, Introdução à Economia , Almedina, Coimbra, 2005, pp. 741 -763.

    MANUEL LOPES PORTO, Economia - Um Texto Introdutório, Almedina,Coimbra, 2002, pp. 227-254.

    JACQUEMIN; H. TULKENS; P.MERCIER, Fondements d'Économie Politique,De Boek, Bruxelles, pp. 349-371.

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    Capítulo III - A actividade financeira como fenómeno jurídico, político e

    económico

    3.1 Estado e actividade financeira.3.2 Decisão política e decisão financeira.

    3.3 Estado e sociedade.

    3.4 Fontes de Direito Financeiro.

    3.5 Autonomia e natureza do Direito Financeiro.

    Capítulo III - A actividade financeira como fenómeno jurídico, político e

    económico.

    3.1. Estado e actividade financeira.

    O Estado contemporâneo resulta de um longo caminho evolutivo. Nascido danecessidade de fazer face às falhas e incapacidades do mercado, o Estadocomeçou por ter funções muito limitadas. Não referindo a fase em que opatrimonialismo feudal e os primeiros passos da sociedade urbana tiveramlugar, e detendo-nos apenas na génese e afirmação do Estado moderno,verificamos que as revoluções liberais nascidas da evolução histórica no Reino

    Unido (“Gloriosa Revolução”, 1688-89), nos Estados Unidos (Declaração daIndependência, 1776) e em França (Revolução francesa, 1789) geraram umEstado liberal, não intervencionista, essencialmente guardião dosmecanismos espontâneos do mercado e do livre-câmbio. Era o modelo doEstado polícia que se afirmava como garante da ordem constitucional e dorespeito dos direitos fundamentais dos cidadãos. A intervenção públicaeconómica era excepcional e tinha exclusivamente como fim responder àsfalhas de mercado e ao provimento de bens colectivos (ou financeiros).

    A Revolução Industrial trouxe, porém, novos problemas e novos desafios,sobretudo ligados às graves injustiças sociais, à ausência de mecanismoscapazes de cobrir os riscos sociais mais comuns (desemprego, doença,sobrevivência, velhice) e às novas situações na evolução dos ciclos

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    económicos. O “laissez-faire” não permitia responder a problemas novos einesperados, cujo desenvolvimento levava a graves tensões sociais. Por outrolado, a tomada de consciência pelo proletariado industrial da contradição entreo reconhecimento das liberdades políticas e a incapacidade do Estado paragarantir o respeito pelos mais elementares direitos individuais a uma vidacondigna conduziu à necessidade de lançar os fundamentos do Estado social.

    Foi na Alemanha, num governo de Bismarck, que foram lançadas as bases domoderno Estado Social. Em 1871 foi reconhecido legalmente o princípio deuma responsabilidade objectiva limitada dos industriais no caso de acidentesde trabalho. Em 1881 foram lançadas as bases de um sistema de seguroobrigatório para acidentes laborais. A lei de 5 de Junho de 1883 criou o segurode doença, visando os operários assalariados (coberto em um terço pelosempregadores. Foram, assim, criadas caixas de três tipos: das empresas,profissionais e comunais) A lei de 1884 sobre acidentes de trabalho determinouque os patrões deveriam obrigatoriamente financiar caixas cooperativas paracobrir a invalidez permanente resultante de acidentes de trabalho. A lei de 1889sobre seguro de velhice e invalidez instituiu o primeiro sistema obrigatório de

    reformas – financiado metade por metade por empregadores e operários. Estastrês leis seriam reunidas no Código de Seguro Social, que consolidou oprimeiro sistema de cobertura de riscos sociais obrigatório. Estamos perante ainfluência do Socialismo Catedrático, de que foram figuras proeminentes AdolfWagner, de quem já falámos, Schaeffle e Schmoller.

    Nasceu, assim, o Estado-providência, na expressão de Émile Laurent, na suaobra sobre o “Pauperismo” de 1865, também designado como Welfare State(Estado de bem-estar), como Wohlfahrstaat, nas expressão dos socialistascatedráticos, ou apenas Sozialstaat (Estado Social), que, sem deixar umaconcepção liberal, assume responsabilidades sociais na cobertura de riscos

    inerentes ao trabalho.

    A Primeira Grande Guerra (1914-18), a pressão ideológica gerada peloRevolução Russa de 1917, a grande depressão induzida pelo crash de Outubrode 1929 na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) e o novo conflito mundial iniciado emSetembro de 1939 determinaram um claro reforço das responsabilidades doEstado Social. Daí que em Inglaterra tenha sido nomeada no início dos anosquarenta uma comissão, presidida pelo liberal Sir William Beveridge (1879-1963), antigo secretário de Beatrice e Sidney Webb na Fabian Society, grupode reflexão sobre os direitos cívicos e laborais, na esfera do Trabalhismo,encarregada de apresentar as bases de um sistema público de SegurançaSocial. O relatório de 1942 (Social Insurance and Allied Services) lançou omoderno sistema de “Segurança Social” – revolucionando ideias que tinham

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    sido já defendidas por Roosevelt nos Estados Unidos em 1935. Há uma novaconcepção do risco social e do papel do Estado. A Segurança Social tem comoobjectivo libertar as pessoas da necessidade, garantindo a segurança dorendimento. É considerado como risco social, tudo o que ameace o rendimentoregular dos indivíduos (doença, acidentes de trabalho, morte, velhice,maternidade, desemprego). O regime de Segurança Social passa a ter quatrocaracterísticas fundamentais:

    (a) É um sistema generalizado/universal que cobre o conjunto dapopulação qualquer que seja o estatuto do emprego e do rendimento;

    (b) É um sistema unificado e simples: uma só quotização cobre o conjuntodos riscos que podem conduzir a uma privação de rendimento;

    (c) É um sistema uniforme: as prestações são uniformes qualquer queseja o ganho dos interessados;

    (d) É um sistema centralizado, pressupondo um único serviço públicogestor do sistema e de compensação dos riscos sociais.

    Paralelamente, o Plano Beveridge previu a ajuda às famílias através de

    abonos, o aperfeiçoamento dos cuidados de saúde pela criação do SistemaNacional de Saúde (NHS) e a organização do emprego e da formaçãoprofissional. Para o financiamento do sistema de segurança social foramcriadas contribuições sociais complementares para cobrir os riscos da saúde eos encargos familiares.

    À concepção tradicional do Estado liberal, com meras funções de polícia,contrapõe-se a partir dos anos quarenta o Estado Social, dotado de um sistemauniversalista e de repartição para cobertura dos riscos sociais. Já não se tratado sistema bismarckiano de capitalização, de que apenas poderiam beneficiaraqueles que se inscrevessem e tivessem contribuído. Agora pode haver o

    benefício pelos não contribuintes, desde que fiquem em situação de provação.Beveridge disse em 1944: “Proteger os cidadãos contra o desemprego demassa deve ser função do Estado, tão definitivamente como já é missão doEstado defender os cidadãos contra os ataques de fora e contra os roubos e osataques que sofrem de dentro da sociedade”.

    A partir deste novo conceito de Estado Social, o pós-guerra caracterizou-sepor um grande esforço de reconstrução que exigiu do Estado um importantepapel de ordenador da economia, mas também de criador de emprego, atravésde grandes obras públicas e da concretização na Europa dos programas derecuperação económica. O “modelo social europeu” desenvolveu-se assim. Oraseguindo o modelo anglo-saxónico, ora seguindo o modelo renano, aseconomias mistas da Europa ocidental afirmaram-se através de um forte

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    crescimento das despesas públicas, já por nós analisadas, a propósito dachamadas “lei de Wagner”. Os “trinta gloriosos anos”, na expressão de JeanFourastié, de 1945 a 1975, representaram o sucesso de um Estado socialintervencionista com despesas públicas crescentes. No entanto, nos últimosanos tem-se vindo a registar um movimento crítico em relação a essedesmesurado crescimento das despesas públicas, sem um correspondenteefeito positivo na eficiência e na equidade. Daí que a “justiça distributiva” para

    ser eficaz exija que o Estado se demarque a um tempo de uma concepção deEstado produtor e de uma concepção de Estado mínimo.

    O Estado tem de estar ciente também das “falhas de intervenção” e danecessidade de não se substituir ao mercado. O Estado de Direito Socialmoderno deve, assim, determinar critérios de legalidade e regularidade naactividade financeira e assumir equilibradamente uma função redistributivasegundo critérios de justiça, visando combater a exclusão. A crise do EstadoProvidência dos anos oitenta do século XX foi uma crise de resultados, umavez que o abrandamento económico, a recessão, a inflação e o desempregonão foram debelados ou superados, mas também foi uma crise de legitimidade,

    uma vez que se exigiram mais impostos aos contribuintes sem umacorrespondente melhoria da prestação de serviços públicos.

    Sem entrar na discussão de como ter “melhor Estado”, a verdade é que todosaceitam hoje que o aumento de impostos não pode continuar, devendo por issohaver uma limitação das despesas públicas. O primado de uma sociedade deserviços e o desenvolvimento de economias do conhecimento exigem umEstado social catalizador de iniciativas e de energias, o que leva, cada vezmais, a falar de um Estado de cultura, promotor da diversidade e das iniciativasda sociedade civil – onde a solidariedade intergeracional possa funcionar eonde as necessidades sejam satisfeitas com recursos disponíveis e não

    apenas à custa de recursos futuros.

    Os progressos da sociedade pós-industrial, na expressão de Daniel Bell, eda sociedade da comunicação conduziram à falência dos sistemas colectivistase dirigistas. Daí o fim do mundo bipolar que caracterizou a segunda metade doséculo XX. A crise do Estado-Providência obriga, entretanto, à procura denovas soluções que permitam reduzir o peso do sector público na economia;complementar os modos de financiamento assentes na capitalização e narepartição, de modo a garantir a cobertura dos riscos sociais para todos –apesar da evolução demográfica, do aumento da esperança de vida, doenvelhecimento da população, da redução das taxas de natalidade e doesgotamento dos recursos naturais; bem como assegurar equilíbrio entre ariqueza criada, as receitas tributárias conseguidas e as despesas realizadas.

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    O fenómeno financeiro público tem, assim, de ser visto hoje no contexto daseconomias mistas, nas quais mercado, regulação, estabilização e protecçãosocial têm de se complementar. Em lugar do dirigismo ou do planeamentoimperativo, do Estado-produtor ou do Estado-centralizado, impõe-se favorecera subsidiariedade (decidir o mais próximo possível do cidadão), adescentralização e a prestação de contas aos contribuintes (segundo um

    critério de custo e benefício).Assim, na dimensão jurídica, partimos do respeito pelo Estado de Direito epelo primado da lei, que obriga à salvaguarda dos direitos fundamentais e dosdireitos económicos e sociais, bem como à existência de mecanismos deresponsabilidade financeira quando haja infracções.

    Na dimensão política, o princípio do consentimento dos cidadãos tem de terexpressão efectiva – a começar na legitimidade da representação, nosparlamentos dos Estados e nas instituições supranacionais.

    Na dimensão económica, importa assegurar o equilíbrio entre recursosgerados e disponíveis e as necessidades efectivas a satisfazer.

    3.2. Decisão política e decisão financeira.

    Já referimos que J. Buchanan e G. Tullock desenvolveram a noção de“escolha pública”, aplicando à vida financeira e à decisão política critériosbaseados na análise económica. Nesse sentido falam de “constituição”, nãonuma acepção jurídica, mas como modo de intervenção dos agentes na vidaeconómica.

    Assim, formularam a existência de três tipos de “constituições”: a acçãoindividual; a acção cooperativa e a acção colectiva. Na acção individual prevalece uma vontade individual. Na acção cooperativa importa a associaçãolivre de um grupo que defende os interesses comuns. Na acção colectiva é asociedade politicamente organizada que age, regulando o direito positivo omodo como as necessidades são satisfeitas.

    A constituição para a escola da “escolha pública” é uma instituição quesanciona a vontade do indivíduo, da comunidade ou na sociedade política. E oconsenso democrático pressupõe um conjunto de instituições e regras. Comodefendeu Wicksell, o consenso mínimo tem de existir e deve reportar-se: aosdireitos individuais, aos limites das áreas de acção individuais e colectivas, à

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    estruturação do Estado para provimento dos bens colectivos que o mercadonão pode fornecer, bem como à participação das populações nas decisõescolectivas. Buchanan defende, por exemplo, que a Constituição dos EstadosUnidos da América consagra implicitamente um princípio de equilíbrioorçamental, que limita drasticamente o crescimento do peso do Estado naEconomia.

    Além da escola da “escolha pública” devemos citar outros contributos para acompreensão do alcance financeiro das decisões políticas. Robert Nozick(1938-2002) defende um ponto de vista, segundo o qual o Estado deve reduzirao máximo a sua intervenção, advogando uma posição que legitima o quedesigna como Estado mínimo, na sua obra mais conhecida “Anarchy, Stateand Utopia” (1974), a partir de uma lógica de compensação por contraponto àredistribuição, com o objectivo de reduzir o peso das “agências de protecçãodominante” para não reduzirem o espaço de acção dos cidadãos. Se quanto àsegurança a redistribuição faz sentido, já o mesmo não deve acontecer quantoà proliferação de subsídios ou à progressividade dos impostos. Já John Rawls(1921-2002) formula em “Uma Teoria da Justiça” (1971), a partir da

    consideração de que há “um véu de ignorância” que impede aos sujeitoseconómicos um conhecimento do modo como o processo de distribuição opera.Há, assim, dois princípios de justiça como equidade: “cada pessoa terá umdireito igual à liberdade de base mais ampla desde que compatível com umaliberdade equivalente para os outros”; mas “as desigualdades económicas esociais serão reguladas de forma tal que permitam o benefício de todos, masde modo que prioritariamente se garanta a satisfação das necessidades dossujeitos em posição mais desfavorecida”.

    Já Michael Walzer (1935), em “Spheres of Justice” (1983) adoptou umaconcepção de justiça pluralista para uma igualdade complexa. Uma

    “sociedade humana é uma comunidade distributiva” o que conduz a que asrelações de poder e dominação se refiram à mediação dos bens sociais. Ajustiça distributiva não opera da mesma maneira relativamente aos benstransaccionais e aos dons. Daí que a teoria da justiça seja indissociável daanálise da natureza e dos modos de distribuição dos bens no seio de uma dadacomunidade. E a verdade é que os bens sociais se distribuem diferentementenas sociedades humanas. E assim a cada bem social corresponde uma esferaprópria de distribuição, sendo a tirania o desejo de dominação universal fora dasua ordem. Os diferentes modos de distribuição e a sua compreensãopermitem que haja freios e contrapesos que impedem a tirania. Uma igualdadesimples é votada à instabilidade e ao estatismo. Deste modo, a injustiça, porexemplo numa sociedade capitalista, não está principalmente ligada àdistribuição desigual de dinheiro e recursos, mas ao facto de o dinheiro

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    oferecer acesso a bens sociais (como a educação e a saúde) que deveriamobedecer a outros princípios distributivos. Numa palavra, o mérito, como critériodistributivo, não pode ser substituído pela capacidade económica. Não poderáusar-se, assim, um só critério, qualquer que seja, para repartir o conjunto dosbens sociais – como o dinheiro, o amor, as responsabilidades públicas, oreconhecimento etc.

    Assim, e como vimos, as decisões financeiras são opções relativas àsatisfação pública de necessidades colectivas, com afectação de recursos edefinição das respectivas fontes e processos de financiamento – devendo serapreciadas à luz de considerações de eficiência e de equidade, ora numalógica de não intervenção, como defende Nozick, ora numa perspectiva deconsentimento redutor dos encargos públicos (Buchanan Tullock), ora aindasegundo concepções de protecção social – de “justiça como equidade” ( justice as fairness ) de John Rawls ou de “justiça complexa” de Michael Walzer.

    Podemos ainda estar diante da distinção clássica ente justiça comutativa ejustiça distributiva. No primeiro caso, funciona a teoria do benefício segundo

    a qual deve pagar ao Estado quem mais dele precisa, numa lógica de utilizadorpagador. No Estado patrimonialista não eram os detentores da terra quepagavam impostos, sem prejuízo de ter outras obrigações (como ajudar o reina defesa e na guerra), mas sim aqueles que beneficiavam dos serviçosprestados pelo Estado (taxas e portagens). No segundo caso funciona a teoriada repartição. No Estado moderno os sistemas fiscais tendem a serredistributivos, através da progressividade dos impostos que exige mais aquem tem maiores rendimentos ou riqueza.

    3.3. Estado e sociedade.

    O Estado é o mais importante dos agentes económicos, mas coexiste comoutros entes de natureza privada ou social, que têm também relevância nasatisfação das necessidades colectivas.

    Em Estados onde vigora um princípio de separação das Igrejas, como é onosso caso ou o da generalidade dos países europeus, não existem poderesfinanceiros atribuídos às entidades de natureza religiosa, como muitas vezesaconteceu no passado e ocorre em regimes teocráticos. O mesmo se digarelativamente a outras entidades de natureza social que, não estandoinvestidas de poderes de autoridade, não têm poderes financeiros. A regra é,hoje, assim, a de atribuir poderes financeiros a entes dotados de  jus imperii. Mesmo assim, no caso das concessões do Estado não podemos esquecer que

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    podem dar lugar ao pagamento de taxas a pagar pelos utilizadores. Nessescasos, porém, ainda que cobradas pelos concessionários aos utilizadores,apenas podem existir uma vez que há um contrato de Direito público que opermite.

    Ainda se deve referir que hoje na União Europeia existe já um embrião defenómeno financeiro público comunitário, sobretudo se pensarmos no

    financiamento da antiga Comunidade Europeia do Carvão e do Aço através deum tributo aplicável directamente aos produtores, bem como os recursosfinanceiros baseados no Imposto Sobre o Valor Acrescentado cobrado emcada Estado-membro. O fenómeno financeiro público tem expressãosupranacional sempre que se exercer um poder tributário próprio resultante dapartilha de soberanias com expressão própria na União Europeia.

    3.4. Fontes de Direito Financeiro.

    De entre as fontes de Direito tradicionais, a lei é a fonte fundamental do Direito

    Financeiro. A partir desta noção muito ampla de lei, temos de começar porreferir a Constituição da República, numa acepção formal. E aí temos a referir,além dos artigos gerais, como os artigos 2º (Estado de direito democrático) e13º (Principio da igualdade), os artigos 105º (Orçamento de Estado), 106º(Elaboração do Orçamento) e 107º (Fiscalização da execução orçamental);bem como os artigos 103º (Sistema fiscal) e 104º (Impostos), que tratamespecificamente das questões tributárias. Os artigos 161º, alíneas g) e h)(competência política e legislativa da Assembleia da República relativamente àLei do Orçamento e à autorização para contrair empréstimos ou garantias),162º alínea d) (competência parlamentar quanto à tomada das contas); 164ºalíneas r) e t) (reserva absoluta de competência legislativa quanto ao regime

    geral de elaboração e organização dos orçamentos de Estado, das regiõesautónomas e das autarquias locais e regime de finanças das regiõesautónomas); 165º alíneas i) e q) (reserva relativa de competência legislativaquanto a impostos, sistema fiscal e regime geral de taxas, e regime dasfinanças locais); 214º (Tribunal de Contas); 227º i), j) e r) (Poderes das regiõesautónomas quanto ao exercício do poder tributário próprio e disposição derecursos financeiros); 232º (competência da Assembleia Legislativa da regiãoautónoma); 238º (Património e finanças das autarquias locais) e 254º(Participação nas receitas dos impostos directos). Refira-se ainda o artigo 115º,4, alínea b) (exclusão do âmbito do referendo de questões e actos de conteúdoorçamental, tributário ou financeiro).

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    No tocante às leis, refira-se que o regime de finanças das regiões autónomasreveste a forma de lei orgânica (Artigos 165º, 2; 168º, 5 e 136º, 3). A lei deenquadramento do Orçamento de Estado reveste um valor reforçado,devendo ser respeitada pelas leis que sejam aprovadas no seu âmbito,prevalecendo hierarquicamente. A violação da lei de enquadramento poderádar lugar a uma inconstitucionalidade material, se se entender que o legisladorordinário não tinha liberdade para adoptar caminho diferente, na sequência do

    disposto na lei fundamental (v.g. quanto a princípios e regras orçamentais). OOrçamento de Estado é aprovado por lei, num sistema monista parlamentar,que tem uma natureza especial, como veremos, de lei-plano, com vigênciaanual, que se traduz numa autorização política, jurídica e económica aogoverno, para cobrar receitas e realizar despesas, concebendo e realizandouma política de finanças públicas.

    A lei e o decreto-lei são as principais fontes de Direito Financeiro. AConstituição prevê que seja por lei formal que se adoptem providências geraise abstractas em matéria de: criação de impostos, definição do sistema fiscal,autorização de empréstimos e outras operações de crédito que não sejam de

    dívida flutuante. No caso do Orçamento e da autorização de empréstimos, ainiciativa do Parlamento é exclusiva e a reserva absoluta, não podendo haverdelegações ao Governo. Infelizmente, a tendência tem sido para reduzir aomínimo estas competências parlamentares, amiúde desrespeitadas. O decreto-lei, em domínios onde não haja reserva de competência parlamentar, é fontede direito normal, plena e concorrente com a lei. O decreto legislativo regional éum acto legislativo, podendo reger matéria financeira (artigo 112º, n.º 4).

    No âmbito definido por leis e decretos-leis, temos os regulamentosfinanceiros. Estão neste caso, com graus diferentes de eficácia: os decretosregulamentares, as resoluções de Conselho de Ministros, portarias, despachos

    ministeriais, despachos e instruções de responsáveis administrativos edeliberações de entidades autónomas e órgãos locais que tenham caráctergenérico.

    Quanto à jurisprudência, ainda que se discuta a inclusão dos actosuniformizadores entre os actos normativos, uma vez que não vêm referidos noartigo 112º da Constituição, a verdade é que os mesmos assumem indiscutívelimportância, com consequências práticas na vida jurídica, pela relevância naesfera jurisdicional – quer se trate de decisões do Supremo Tribunal de Justiça,do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo ou do Tribunalde Contas…

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    O regime do artigo 8º da CRP relativo ao Direito internacional, segundo oqual as normas e os princípios de direito internacional geral e comum fazemparte do direito português, tem importância sobretudo em domínios comotratados e acordos em matéria de dupla tributação ou de desarmamentoaduaneiro. No entanto, a matéria financeira pública é primacialmente nacional,ainda que, cada vez mais, haja uma dimensão internacional ou supranacional aconsiderar. A União Económica e Monetária prevista a partir do Tratado de

    Masstricht na União Europeia obriga à consideração de uma sobreposição dasoberania financeira e fiscal nacional e de uma partilha europeia de soberanias.

    A doutrina e o costume não são entre nós fontes de direito; e a interpretaçãodas normas de Direito Financeiro e a aplicação das leis no tempo não revestemregras especiais diferentes das que vigoram na nossa ordem jurídica em geral(artigos 9º a 13º do Código Civil).

    3.5. Autonomia e natureza do Direito Financeiro.

    Tendo em consideração os critérios objectivo – “conjunto de normas, relaçõese instituições distintas das demais e dotadas de um espírito e de um regimecomuns e próprios” (A. Sousa Franco) – e subjectivo – disciplina jurídica quetem esses elementos como objecto – há muito que o Direito Financeiro ganhouautonomia na ciência jurídica. Com efeito, o Estado de direito moderno foi-seconstruindo graças à afirmação das instituições deste ramo de direito, onde serelacionam os regimes das receitas públicas, das despesas públicas e daautorização orçamental, na tripla dimensão jurídica, política e económica.Temos uma forma específica de regulação social (sem a qual não sereconhece a especificidade da satisfação das necessidades públicas), umregime jurídico autónomo e coerente que permite o exercício de uma função

    social complexa, instituições jurídicas próprias e uma disciplina jurídicaautonomizada.

    Estamos perante um muito antigo ramo de Direito, produto do Estado liberalsaído da tripla influência inglesa, norte-americana e francesa. Neleencontramos o consentimento dos contribuintes, a separação einterdependência de poderes, a distinção entre poderes de autorizaçãoorçamental e de execução orçamental, a autorização para cobrança de receitase realização de despesas, a legalidade e o cabimento orçamentais, o regimetributário, a autorização do crédito público, o exercício de formas específicas deresponsabilidade financeira dos agentes responsáveis pelos dinheiros e valorespúblicos correspondentes à jurisdição própria do Tribunal de Contas. E sevirmos bem temos permanentemente uma arbitragem entre a actividade do

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    Estado e a actividade dos cidadãos, enquanto contribuintes e enquantobeneficiários dos serviços públicos.

    Os poderes financeiros são diversos dos administrativos. Antes de mais, aAdministração pública não pode, por si só, pôr em prática as opçõesorçamentais de receitas e despesas – que dependem de consentimentoparlamentar. Não existe, pois, o privilégio de execução prévia e há o recurso

    para os tribunais fiscais ou financeiros. E se os poderes financeiros têmespecificidade própria também se distinguem da aplicação do Direito Civil oudo Direito Comercial – uma vez que no Direito Financeiro estamos perantepoderes de autoridade do Estado (v.g. no regime da dívida pública).

    Em suma, no Direito Financeiro estamos perante um ramo de Direito Público,em que o interesse público está presente, ainda que este deva ser sempreponderado em função da protecção da esfera privada dos cidadãos(contribuintes, credores do Estado, beneficiários dos serviços públicos).

    Por outro lado, estamos diante de instituições próprias (imposto, orçamento,

    crédito público, tesouro) e vida jurídica autónoma (administração financeira,Tribunal de Contas). O Direito Fiscal é um subramo do Direito Financeiro, comas mesmas características deste, mas que se autonomizou em razão dagrande relevância social da tributação – considerando os direitos, deveres einteresses dos contribuintes.

    O Direito Constitucional está paredes-meias com o Direito Financeiro,sobretudo no tocante à Constituição Financeira e à Constituição Tributária,devendo referir-se que a génese das mais importantes soluções doconstitucionalismo moderno se encontra no Direito Financeiro (separação einterdependência de poderes). O Direito Administrativo tem também

    relevância nesta área quanto à organização e funcionamento das instituiçõesadministrativas fazendárias. Não podemos esquecer, assim, que a actividadefinanceira pública tem componentes políticas e administrativas que não podemser menosprezadas.

    Quanto ao Direito Privado, refira-se que as relações com o Direito Financeiroassumem cada vez maior importância, em razão do que tem sido designadocomo a “fuga para o Direito Privado” (Prof. Maria João Estorninho) nasactividades da Administração pública. Daí que a jurisdição do Tribunal deContas tenha sido ajustada na reforma de 2006 considerando essa realidade –passando a aplicar-se um critério objectivo para controlo dos dinheiros evalores públicos. Assim, ainda que o regime jurídico de uma determinadaentidade que movimente dinheiros públicos seja de direito privado o que

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    importa é o facto de o dinheiro proveniente dos contribuintes estar sujeito a umregime de responsabilidade financeira de Direito Público. Independentementede a entidade ou de a operação estar sujeita ao Direito Civil ou ao DireitoComercial, o que importa é a natureza pública dos recursos, provenientes doscontribuintes.

    BIBLIOGRAFIA

    A.L. de SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, I, pp. 74-96.

    J. J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª ed. refundida e actualizada,, pp.260-291, 399-409

    Paulo Trigo Pereira, Economia e Finanças Públicas , 2ª edição, pp.21 e ss.

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    Prof. Dr. Guilherme d'Oliveira Martins

    Finanças públicas: capítulo 4

    Lisboa

    Ano lectivo 2007/2008

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    Capítulo IV - Estruturas e instituições financeiras

    4.1 . Estado e sector público.

    4.2 . O Sector Público Administrativo.4.3 . As formas de autonomia financeira.

    4.4 . Os subsectores administrativos.

    4.5 . O sector empresarial público.

    4.6 . Os subsectores financeiros:

    4.6.1. A Administração Central;

    4.6.2. A Segurança Social;

    4.6.3. As finanças autárquicas;4.6.4. As finanças regionais;

    4.6.5. O sector empresarial;

    4.6.6. As finanças da União Europeia.

    4.7 . Instituições financeiras.

    4.8 . Constituição financeira.

    4.9 . Os decisores financeiros.

    4.10 . A administração financeira.4.11 . O Património do Estado.

    4.12 . O Orçamento do Estado.

    Capítulo IV - Estruturas e instituições financeiras.

    4.1. Estado e sector público.

    O Estado concebido como realidade homogénea é um dado do passado. Hoje,o Estado moderno é uma realidade heterogénea e complexa, devendo ser visto

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    num sentido amplo, que abrange a Administração central e os diferentessubsectores do sector público. Num sentido estrito, quando falamos deOrçamento de Estado estamos, assim, a reportar-nos ao núcleo central daorganização de uma sociedade política, à Administração pública central, aquem cabe a prossecução do interesse público, através da afectação derecursos comuns, e à qual, pelos meios de que dispõe, influencia o Estado e asociedade mercê da importância do sector público – por via da administração

    dos impostos nacionais e da sua redistribuição social. É, aliás, por referência aesse núcleo central do Estado que falamos dos diferentes tipos de autonomiafinanceira.

    4.2. O Sector Público Administrativo.

    Quando falamos da actividade administrativa referimo-nos ao Sector PúblicoAdministrativo, central, desconcentrado ou descentralizado. Estamos perante a“actuação económica própria do Estado  e de outras entidades públicas nãolucrativas, que desempenham uma actividade pública segundo critérios não

    empresariais” (Sousa Franco). Trata-se de prosseguir o interesse públicoatravés de uma actividade que obedece a critérios ligados à satisfação denecessidades da comunidade. O interesse público é, assim, prosseguido apartir de considerações de bem comum ou de coesão social, designadamenteatravés do provimento de necessidades por bens colectivos ou financeiros. Seo Estado central é apto à realização de funções de coordenação e desoberania (defesa, segurança, justiça), outras funções há que devem seremdesempenhadas o mais próximo possível dos cidadãos e das pessoas –segundo um princípio de subsidiariedade ou de proximidade.

    A descentralização corresponde à autonomia institucional, financeira ou

    patrimonial, e pode assumir várias formas – a descentralização política,correspondente a formas de administração autónoma de base territorial; e adescentralização administrativa, correspondente à existência de pessoascolectivas de direito público com funções administrativas dispondo de relativaautonomia, ainda que possam estar sujeitas a formas de tutela administrativa efinanceira.

    Na descentralização administrativa temos a distinguir a descentralizaçãoorgânica ou horizontal, da descentralização territorial ou vertical. No primeirocaso, temos organismos públicos de base não territorial que são investidos depoderes do Estado (como, por exemplo, institutos públicos e os fundosautónomos). No segundo, estamos perante a organização de um espaçogeográfico (como no caso das regiões autónomas ou das autarquias locais).

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    A descentralização distingue-se da mera desconcentração administrativa, naqual na há autonomia, mas tão só aproximação da Administração Central dosadministrados. Estamos perante órgãos do poder central ou serviços daAdministração Central que, por razões de funcionalidade, têm uma localizaçãodispersa no território, sendo orientados predominantemente para aprossecução do interesse geral do Estado central numa determinada área ou

    região, para a sua população (p. ex.: governos civis, repartições de finanças).

    4.3. As formas de autonomia financeira.

    Se a lei nada disser em contrário, os serviços e organismos da AdministraçãoPública têm autonomia administrativa, de acordo com o estipulado na Lei nº8/90, de 20 de Fevereiro e no D.L. nº 155/92, de 28 de Julho. Anteriormente oregime dos serviços simples era diverso. A realização das despesas decorriadirectamente da autorização constante do Orçamento de Estado e o poder depraticar actos financeiros orçamentais integrava-se na contabilidade pública

    estadual.

    A autonomia administrativa não corresponde a orçamento próprio ouprivativo. Esta autonomia define-se no tocante aos créditos ou dotações dedespesa. Os serviços e organismos dispõem de créditos inscritos no OE e osseus dirigentes têm poderes para, com carácter definitivo e executório,praticarem actos necessários à autorização de despesas e seu pagamento, noâmbito da gestão corrente. Aqui fala-se de actos definitivos e executórios emmatéria financeira, os quais concretizam actos de natureza administrativa quetêm de ser praticados por quem tenha competência. Temos, assim, de ver comcautela esta qualificação que, segundo A. Sousa Franco, parece “significar que

    os actos de dirigentes baseados neste poder (competência), ordenados para