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UNIFLU
FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS
PROGRAMA DE MESTRADO
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS – HISTÓRIA,
DESENVOLVIMENTO, DEFINIÇÃO E ALCANCE. A BUSCA PELA PLENA
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL E SEUS
REFLEXOS NO BRASIL.
CRISTIANO HEHR GARCIA
CAMPOS DOS GOYTACASES
2007
2
CRISTIANO HEHR GARCIA
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS – HISTÓRIA,
DESENVOLVIMENTO, DEFINIÇÃO E ALCANCE. A BUSCA PELA PLENA
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL E SEUS
REFLEXOS NO BRASIL.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Público e Processo da Faculdade de Direito de Campos – FDC/UNIFLU, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre Orientado pelo professor Doutor Sidney Guerra.
CAMPOS DOS GOYTACASES
2007
3
HEHR, Cristiano. O Direito internacional dos Refugiados – História, desenvolvimento, definição e alcance. A busca pela efetivação dos direitos humanos no plano internacional e seus reflexos no Brasil. Campos dos Goytacases - RJ: FDC, 2007.
RESUMO
O objetivo primordial desse trabalho foi discutir a consolidação dos Direitos
Humanos em esfera internacional, focando a análise de forma específica para a
questão dos refugiados no passado e no presente. A idéia de universalidade dos
Direitos Humanos deve abarcar a todos de forma indistinta, mas em especial
àqueles que mais precisam de proteção. E de todas as vítimas de violação dos
Direitos Humanos os refugiados se apresentam como as mais vulneráveis, pois falta
a eles a básica proteção de um Estado, muito pelo contrário, esse Estado que o
deveria proteger é o primeiro a tomar posição de algoz. Buscou-se preliminarmente
a reconstrução da trajetória dos Direitos Humanos desde os tempos imemoriais até
os dias de hoje, para então deslocarmos o foco para a gênese da proteção dos
direitos dos refugiados desde as tímidas iniciativas no seio da Liga das Nações até
os tratados mais específicos. Nessa reconstrução se trouxe à baila a situação dos
primeiros povos que experimentaram o fel do refúgio, como os russos e os armênios.
No desenvolver do trabalho foi analisada a formação de um direito específico para a
causa dos refugiados, ou seja, um Direito Internacional dos Refugiados, que deita
raízes no Direito Humanitário e, hoje, é parte integrante de algo maior denominado
Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nessa discussão atenção especial foi
dada aos mecanismos de defesa dos refugiados em âmbito universal e regional,
bem como no tocante ao que se refere a definição de refugiados e suas regras de
acessão e de exclusão desse status jurídico. Na parte derradeira o alvo de análise
foi o comportamento do Brasil diante de todo esse arcabouço jurídico. Como o país
que faz parte dos maiores documentos e tratados internacionais de Direitos
Humanos se comporta no plano doméstico com esse problema universal e crescente
que é a multiplicação de refugiados ao redor do mundo? Discuti-se
pormenorizadamente a legislação nacional específica e como o país lida com o
chamado Direito de Asilo. À guisa de conclusões, o tema ainda é aberto e polêmico,
mas no atual estágio evolutivo do Direito Internacional dos Direitos Humanos não se
4
pode mais conceber nenhum tipo de obstáculo a plena realização dos Direitos
Humanos em escala mundial. Os Estados não podem se esconder atrás de
conceitos retrógrados e ultrapassados para negar a quem quer que seja o Direito de
Asilo estampado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Palavras – chave - Refugiados – Direitos Humanos – Mundo - Brasil
5
HEHR, Cristiano. O Direito internacional dos Refugiados – História, desenvolvimento, definição e alcance. A busca pela efetivação dos direitos humanos no plano internacional e seus reflexos no Brasil. Campos dos Goytacases - RJ: FDC, 2007.
ABSTRACT
This study’s main aim was about to discuss the consolidation of Human
Rights internationally, with focus in one specific analysis to the question about the
refugees, in the past and present. The Humans Right’s universality is about to
involve all humankind in a distinctive way, but in special the ones that need
protection. And, among all victims of violation of Humans Rights, the refugees
present as the most vulnerable because to them miss the basic protection from
Estate, because, otherwise, the Estate that should protect them is the first to become
their executioner. We pursuit, initially, the reconstruction of the long way Humans
Rights toke, since the very first beginning till today, to dislocate the focus to the
genesis of refugees’ rights protection, starting from the League of Nations’ tries to the
more specific ones. In this reconstruction, we brought the situation of the first people
that experienced the bitter of being refugees, as the Russian and the Armenian.
During the study it was analyzed the formation of a specific right to the refugees
cause, what means an International Law of Refugees. In this discussion, it was given
a special attention to the defensive methods for the refugees, universally and
regionally, as it was also given an attention about the definition of the term and the
rules of joining and being excluded of this juridical status. At the end, the focus for
our analysis was the behavior of Brazil in front of this new juridical condition. How a
nation, which’s part of one of the biggest international contract of Humans Rights
behave, from inside, with this universal and raising problem that’s the multiplication of
refugees around the world? It’s detailing discussed about the national legislation, and
how Brazil deals with the called Right of Asylium. Not taking any conclusion, the
subject is still very open and polemic, but in last stage of International Law of
Humans Rights evolution, we can’t conceal any other barrier to the full realization of
worldwide. Estates cannot hide behind old and unused conceptions to deny whoever
the Right of Asylium that’s stamped in Universal Bill of Humans Rights from 1948.
Words – key - refugees – Humans Rights – World - Brazil
6
“A anarquia aproxima-se: as nações fragmentam-se sob a torrente de refugiados fugindo a catástrofes ambientais e sociais. Fazem-se guerras pelos escassos recursos existentes, especialmente a água. A guerra transforma-se, ela própria, num crime continuado, à medida que bandos armados de saqueadores sem pátria entram em confronto com as forças de segurança privadas das elites."
Embora possa parecer a trama de um filme particularmente sinistro, o parágrafo anterior foi, de fato, retirado de uma publicação acadêmica - "The Atlantic Monthly", onde se apresenta a previsão de Robert D. Kaplan para as primeiras décadas do século XXI.
Kaplan não está de forma alguma sozinho na sua negra visão do futuro. Há precisamente cinco anos, a queda do bloco de leste e o final da Guerra Fria deram lugar a uma enorme sensação de otimismo em relação à nova ordem mundial, a qual não foi menor no interior da estrutura política norte-americana.
Mas este sentimento foi, entretanto alterado e sintetizado pelo título de um livro recentemente publicado pelo ex-conselheiro presidencial para os assuntos de segurança Zbignew Brzezinski: "Out of Control: Global Turmoil on the Eve of the Twenty-first Century".
Os estudiosos prevêem igualmente um futuro inseguro. No seu "best-seller", "Preparing for the Twenty-first Century", o historiador Paul Kennedy sugere que poderemos estar a entrar num período em que a humanidade não consegue enfrentar os desafios colocados pela combinação de alterações tecnológicas, degradação ambiental e crescimento demográfico. "Com que tipo de futuro nos confrontamos", questiona-se ele, "se os tumultos sociais aumentam ao mesmo ritmo que a população mundial?"
7
Não há vitória sem parceiros, no meu caso parceiras. Primeiro D. Fridalina, mãe-avó, que mesmo quando não mereço está sempre do meu lado. Segundo, Cláudia,
mulher que aquece e ilumina meus dias, mesmo quando eles já são radiantes. Em terceiro, à menina Frida, que ainda não conheço, mas já amo.
8
SUMÁRIO
1.0 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10
2.0 INTERNACIOALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .......................................... 16
2.1 Os Direitos Humanos – apontamentos históricos ............................................. 16
2.2 Direitos Humanos – conceito ............................................................................ 24
2.3 A Internacionalização dos Direitos Humanos - primeira fase .......................... 28
2.3.1 Direito Internacional Humanitário .................................................................... 29
2.3.2 A Batalha de Solferino. ..................................................................................... 35
2.3.3 O Direito de Genebra ......................................................................................... 37
2.3.4 O Direito de Haia ................................................................................................ 39
2.3.5 Direito de Nova York .......................................................................................... 40
2.3.6 Direito de Roma .................................................................................................. 42
2.3.7 A Liga das Nações.............................................................................................. 44
2.3.8 A OIT .................................................................................................................... 46
2.4 A Internacionalização dos Direitos Humanos - segunda fase ........................... 47
2.4.1 A Carta das Nações Unidas de 1945 ................................................................. 50
2.4.2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 ................................. 53
2.4.3 Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966 ................................ 58
2.4.4 A Conferência de Direitos Humanos, Viena, 1993 ........................................... 60
3.0 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS .................................................. 64
3.1 O Direito de Asilo e o Processo Evolutivo da Questão dos Refugiados. ......... 64
3.2 O Processo de Qualificação e Busca de uma Definição Jurídica para
Refugiado – o Caso dos Russos, Armênios, Turcos, Assírios, Assírios-Caldeus
e Assimilados. O Papel da Liga das Nações e Outras Iniciativas ........................... 73
3.3 Instrumentos de Proteção em Âmbito Universal e Regional e a Definição
Conceitual de Refugiado, a Convenção de 1951 ...................................................... 99
3.4 A Perspectiva Latino-Americana ......................................................................... 106
4.0 A PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS NO BRASIL .................................................. 114
4.1 O Direito de Asilo no Brasil - visão histórica e constitucional .......................... 114
4.2 Lei 9.474 de 1997 .................................................................................................. 121
9
4.3 O Princípio do Non-Refoulement na Lei 9.474/97 ............................................... 125
4.4 Extradição, Expulsão, Deportação, Principio do Non-Refoulement, Refúgio
e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ........................................................ 128
4.5 O CONARE ............................................................................................................. 134
5.0 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 139
6.0 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 143
10
1 INTRODUÇÃO
A proposta primeira desse trabalho é acrescentar ao debate dos Direitos
Humanos mais um vetor de análise. O tema é presença garantida em todos os
debates sociais, sejam eles no campo político, econômico e jurídico. Porém, a
despeito de haver toda essa celeuma, existe ainda muita imprecisão e indefinição
que dá azo a uma série de posicionamentos radicais que vão do extremo
enaltecimento, até a sua simples negação.
Por esse motivo, não se buscou nesse intento apresentar um conceito
fechado ou estanque calcado em referências bibliográficas. No quesito conceito,
colocamos os Direitos Humanos em um lugar de destaque, pois, acreditamos serem
esses direitos os de mais relevância entre aqueles outros discutidos pela sociedade.
Para esse trabalho, não interessa se os Direitos Humanos são propostas
vazias que venham a justificar essa ou aquela plataforma de governo, ou, como
pregam os seus negadores, sejam apenas extensores de um jusnaturalismo sem
maiores implicações. O foco nos Direitos Humanos se justifica no seguinte ponto: a
humanidade corre um grande perigo se não pautar seus atos em parâmetros
humanos. Comungamos da idéia de que qualquer ação que esteja dissociada do
elemento homem será inócua e sem qualquer valia para o progresso humano.
Acreditamos como faz Bobbio, que os Direitos Humanos sempre serão
frutos das marchas e contramarchas da História, por isso sempre pautamos os
conceitos com à sua justificação histórica. A historicidade dos Direitos Humanos
prova que eles não estão ligados a qualquer tipo de influência governamental, mas
são, na verdade, o grito de emancipação da condição humana.
Porém, e mais uma vez, em concordância com o pensamento do filósofo
italiano, não se pode perder a noção de universalidade e da indivisibilidade dos
Direitos Humanos. Universal no sentido de que todos devem ser abrangidos,
independente de qualquer requisito objetivo ou subjetivo, quem nasce já é titular de
11
Direitos Humanos. Indivisível, pois, ninguém pode ser encarado homem pela
metade, logo não somos passíveis de direitos de forma parcial. Os Direitos Humanos
não se negam entre si, ou se excedem, eles sempre se complementam.
Vivemos uma época confusa, o fim dos embates ideológicos depois dos
anos 90 colocou o homem diante de si mesmo. Não há maiores ideologias que
estereotipam os homens desta ou daquela categoria. O grande rótulo que
recebemos foi: somos humanos, temos direitos e esses devem ser respeitados.
No início do século XVII, o conceito de Soberania estatal nasceu como
uma força irresistível, capaz de a tudo pulverizar se algo desafiasse as chamadas
questões de Estado. Essa definição custou desde aquele marco cronológico, um
número incalculável de violações aos mais variados direitos do homem, sejam eles
liberdade, integridade física ou vida. O século XX, ab initio, reforçou esse massacre,
e no seu crepúsculo buscou a redenção.
Como procuramos demonstrar, ocorreu no século XX um processo que
convencionamos chamar de internacionalização dos Direitos Humanos, que fez
nascer uma ciência específica chamada Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Desde a criação da Liga das Nações, até os dias atuais, os homens e os órgãos
internacionais de boa vontade buscaram construir um tecido jurídico-internacional
que busca de forma imparcial garantir a observância dos Direitos Humanos nos mais
recônditos cantos desse planeta. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de
1948 e seus consectários procuraram e ainda procuram levar de forma indivisível a
todos a proteção que muitas das vezes os Estados não conseguem ou não querem
conceder. Como sabemos, muito ainda tem que ser feito, mas, parece que a
humanidade está no caminho certo.
E sobre essa temática que trata o segundo capítulo desse projeto: o
processo de internacionalização dos Direitos Humanos, concebido na forma de
declarações e outros tratados que visam à promoção e a efetivação dos Direitos
Humanos. Como não poderia deixar de ser, analisamos os coadjuvantes desse
processo, como o Direito Humanitário. Antes mesmo do Direito de Genebra ou de
Haia, a Cruz Vermelha, já garantia a muitos flagelados da guerra uma assistência
12
digna. Não há como desvencilharmos do tema o conceito de guerra, é ela que fere a
humanidade em sua essência. É a guerra a algoz maior dos Direitos Humanos,
apesar de, infelizmente, não ser a única. Nesse contexto, relembramos a Batalha de
Solferino que tocou o coração de homens que viram que as vítimas de uma guerra
não eram inimigas, mas sim seres humanos em busca de proteção.
Como dissemos os Direitos Humanos enquanto a sua existência, são
indivisíveis, porém, quando se trata de estudá-los essa indivisibilidade se torna
didaticamente impossível. São tantas as variações, vítimas e situações que afligem
de alguma forma os Direitos Humanos, que torna um estudo completo sobre cada
uma delas um trabalho irrealizável. Por isso, para esse estudo escolhemos analisar
a situação daqueles que são conhecidos como os “mais vulneráveis dos vulnerarias”
ou ainda “aqueles que não têm amigos”. A questão dos refugiados na atualidade é
de extrema importância, é um assunto que preocupa vários setores da sociedade,
mas que, de forma inexplicável ainda não chamou a atenção das pessoas de
maneira geral.
Nos últimos anos vimos à eclosão de várias iniciativas legais ou de ONGs
no sentido de assegurar os Direitos Humanos a categorias como mulheres, crianças,
negros, homossexuais e outras ditas minorias. Não há dúvida que essas iniciativas
são de extrema importância e merecem aplausos de todos. Lógico que existem
categorias, que devido a características próprias, precisam de uma atuação mais
contundente para a efetivação dos Direitos Humanos consagrados tanto
internamente como internacionalmente. As ações afirmativas estão aí para
comprovar tal urgência, a título de exemplo cita-se as legislações que protegem de
maneira especial as mulheres.
A questão do reconhecimento dos Direitos Humanos dos refugiados
perpassa por um problema bem mais complexo. Desde Francisco da Vitória, no
século XV, estuda-se cientificamente o fluxo migratório; desde aqueles idos o
homem sai de seu território e se aventura em outro, enfrentando todo um conjunto
de adversidades culturais, políticas e geográficas em nome da satisfação das
necessidades que não podia suprir na sua terra natal.
13
Esse estudo fez nascer um principio que Vitória chamou de jus
communicationis, que no século passado foi consagrado no artigo XIII da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, documento simbólico na luta
pelos Direitos Humanos.
A procura por melhores condições de vida e por salários maiores não é
uma necessidade dos dias atuais, remonta a fatos expressivos da história da
humanidade, derrubando conceitos preestabelecidos, principalmente o conceito de
soberania. O fluxo migratório regular do homem pelos cinco continentes, a partida de
sua terra natal e a chegada ao novo Estado geram um sem-número de reflexos
jurídicos, derivados do exercício de seu direito de migrar.
O cerne dessa questão está exatamente na regulamentação dos direitos
daqueles que migram, a maioria das legislações os distingue dos nacionais, uns até
mesmo de forma estereotipada. Todo esse agravamento de um problema que
assola a humanidade há séculos, como se demonstrou no corpo desse trabalho, se
deu após a Revolução Bolchevique de 1917, que criou uma legião de refugiados e
de apátridas. Logo, é a partir do século XX que a comunidade internacional dá início
a um processo de regulamentação desse fenômeno. Os crimes praticados durante
as duas guerras mundiais levaram os povos, principalmente os envolvidos nos
conflitos, a refletir sobre a inviolabilidade da dignidade de cada ser humano. As
Nações Unidas, a Declaração de 1948 tornaram-se instrumentos privilegiados de
proteção e promoção dos direitos das pessoas. Com a mesma finalidade foi criado o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e foi aprovada
a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951.
A enormidade numérica desses refugiados e os problemas que eles
causaram em toda a Europa, fez com que a Liga das Nações tomassem medidas no
sentido de assistir essas pessoas. Analisamos de forma exaustiva todo o processo
histórico de tratados e convenções que buscaram definir um conceito objetivo para
refugiado, as vicissitudes de cada povo e outras variáveis, fizeram os conceitos pré-
estabelecidos se amoldarem ao sabor das novas situações e carecimentos.
14
Como demonstramos a temática dos refugiados, inicialmente, afligiu a
Europa. Esse fato se explica por ser o Velho Mundo o palco principal das duas
Grandes Guerras Mundiais. Porém, com o passar dos anos, os refugiados
deslocaram-se para as plagas americanas e, ao mesmo tempo, depois do processo
de descolonização da Ásia e África, o problema do refúgio passou a fazer parte
também desses dois continentes. Essas questões foram analisadas no terceiro
capítulo intitulado Direito Internacional dos Refugiados
Em vários momentos desse projeto, citamos o princípio do non-
refoulement. Tal princípio é de suma importância para a discussão dos direitos
humanos dos refugiados, pois mesmo aqueles Estados que não se comprometem
com a causa dos refugiados observam a proibição do refoulement. Negar refúgio e
asilo já é uma violação grave aos Direitos Humanos, pior ainda é devolver o
refugiado ao seu Estado algoz.
Do estudo concluímos que há um processo de construção de um
programa de proteção aos refugiados na América e na África, essa em especial,
com agudos problemas nessa seara. Grande parte dos refugiados do mundo provém
do continente negro. Outro fator que não deve ser esquecido é que os
acontecimentos do 11 de setembro de 2001, radicalizou e legitimou uma tendência
já existente de considerar o refugiado um inimigo em potencial, como se todos
fossem terroristas ávidos em se tornarem mártires. A ONU, na resolução 1373 de 28
de dezembro de 2001, fez menção explícita à necessidade de preservar o sistema
internacional de proteção aos refugiados dos abusos por parte dos terroristas. O
medo do terrorismo vem criado na sociedade internacional, em especial nos norte-
americanos, um sentimento que justifica a lógica do mors tua, vita mea.
E, como não poderia deixar de ser, analisamos o tema em território
brasileiro. O Brasil, como confirma a nossa história, sempre foi sensível à questão da
proteção dos Direitos Humanos, sendo que é signatário dos principais tratados
dessa área. Nesse capítulo, intitulado de a proteção dos refugiados no Brasil,
fizemos uma reconstrução histórico-constitucional do direito de asilo no processo de
elaboração da nossa atual constituição, bem como, também foi feita uma análise da
lei específica sobre o tema dos refugiados no Brasil. A lei 9.474 de 22 de julho de
15
1997, dentre outras inovações, criou o Comitê Nacional dos Refugiados (CONARE),
órgão do Ministério da Justiça, que cuida no Brasil do processo de reconhecimento e
assistência aos refugiados em território nacional.
Além da discussão legislativa, analisamos também o cotejamento dos
conceitos pátrios de extradição, deportação e expulsão diante do princípio solar da
proteção aos refugiados que é o princípio do non-refoulement que impede a
devolução do refugiado ao seu Estado perseguidor. Metodologicamente,
consultamos obras de autores brasileiros e estrangeiros, mas devemos render
homenagem aos nossos doutrinadores pátrios, reconhecidos internacionalmente
como os mais produtivos na área dos Direitos Humanos.
16
2.0 INTERNACIOALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.
2.1 Os Direitos Humanos – apontamentos históricos
Os Direitos Humanos não podem ser tratados de forma estanque ou em
separado da trajetória do homem sobre a Terra. Tal como o mitológico Janus,
devemos olhar para frente na busca de melhores mecanismos para a plena
realização dos Direitos Humanos, mas, também, devemos ter os olhos voltados no
passado, para sabermos ao certo de onde saímos, e, assim, delinearmos de
maneira inequívoca para onde iremos.
Os Direitos Humanos ocupam cada vez mais lugar de considerável
destaque na pauta das discussões políticas e jurídicas atuais, aos juristas cabem
aplausos e orgulho para esse estado de coisas. DANIEL BARDONNET, prefaciando
obra de CANÇADO TRINDADE, com a autoridade que lhe é merecida, leciona que:
“Implicam eles (Direitos Humanos), com efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia verdadeira, e pressupõem um tempo e um âmbito jurídico pré-estabelecido e mecanismos de garantia que asseguram sua efetiva implementação. Os Direitos Humanos tende-se a tornar-se, por todo o mundo, a base da sociedade” 1 (grifo nossos).
A discussão sobre os Direitos Humanos não pode vir dissociada do viés
histórico que os marca. COMPARATO apresenta que a “compreensão da dignidade
suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História”, foi marcada
sobremaneira pela dor física e pelo martírio moral. 2 A noção de preservação de
direitos mínimos à pessoa humana nasce do remorso ou arrependimento pelas
atrocidades que se cometeu por qualquer que seja o motivo. Basta uma leitura nos
1 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e meio-ambiente. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993 p. 19. 2 COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37.
17
clássicos gregos para que se constate que a morte violenta, na concepção de
Hobbes, está presente em quase todas elas.
O mesmo doutrinador, discute que a chave para a compreensão da
trajetória dos Direitos Humanos é estar atento ao sincronismo entre as “grandes
declarações de direitos e as grandes descobertas científicas”.3 O que é um dado
significativo, pois mostra que a evolução no campo racional traz reflexos na melhoria
de vida da própria humanidade. A gênese histórica dos Direitos Humanos está na
necessidade de regulamentar o papel dos governos em relação aos governados, ou
seja, aquele deveria sempre estar a serviço destes. Encontraremos nas mais
abalizadas literaturas referências a esse fenômeno social nas mais remotas épocas,
desde a Antiguidade Oriental e Clássica passando pela Idade Média.
Automaticamente é na história moderna que se percebe esse movimento
de formação de uma consciência de Direitos Humanos. No Renascimento, o
desenvolvimento científico dos humanistas caminha pari pasu com o processo de
afirmação dos Direitos Humanos.
Ainda com COMPARATO:
“A solidariedade técnica traduz-se pela padronização de costumes e modos de vida, pela homogeneização universal das formas de trabalho, de produção e troca de bens, pela globalização dos meios de transporte e de comunicação. Paralelamente, a solidariedade ética, fundada sobre o respeito aos Direitos Humanos, estabelece as bases para a construção de uma cidadania mundial, onde já não há relações de dominação, individual ou coletiva”. 4
Em resumo, os avanços técnicos experimentados pela humanidade a
partir da quebra da visão Teocentrista do mundo, trouxe a possibilidade, e em
alguns casos a realidade, de se diminuir o fosso que separa os mais dos menos
afortunados materialmente. Lógico que esse processo está ainda longe de algo
completo, mas os primeiros passos foram dados.
3 COMPARATO op. cit p. 37. 4 COMPARATO op. cit. p. 38.
18
Basicamente foi o princípio da solidariedade ética da humanidade que
funcionou como elemento agregador dos Direitos Humanos, MONTESQUIEU, já nos
meados do Século das Luzes, já se posicionava sobre o assunto quando escreveu:
“Se eu soubesse de algo que fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu o rejeitaria de meu espírito. Se eu soubesse de algo útil à minha família, mas não à minha pátria, procuraria esquecê-lo. Se eu soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil à Europa, mas prejudicial ao gênero humano, consideraria isso um crime”.5
Todo esse estado de ruptura que vivia a Europa, sobremaneira a
Inglaterra, fez surgir um sentimento de liberdade, que invocava uma luta contra a
opressão que estava enraizada na memória dos ingleses. Recordou-se as franquias
de 1215, da Magna Carta, tornou-se senso comum à luta contra os ranços do
Absolutismo, não importando que roupagens ele pudesse envergar.
Porém para o escopo desse trabalho concentraremos o estudo desse
processo a partir do século XVII. A escolha por esse marco histórico específico não
se dá por acaso. O século XVII, antes de ser apenas o antecessor do revolucionário
século XVIII, é o período marcado pela crise de consciência do velho mundo, onde
velhos e novos paradigmas começam a se contrapor. O século XVII é o tempo das
Revoluções Inglesas: a Puritana (1640) e a Gloriosa (1688) que fizeram renascer as
idéias republicanas e democráticas. 6 No campo das ciências temos gênios como
Pascal, Galileu Galilei e Isaac Newton, que promoveram a verdadeira revolução
científica nos termos usados na Revolução Francesa.
5 Mês Pensées, em Oeuvres Completes, Paris, Gallimard, v.1, p. 981, in COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39 6 HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça. Idéias radicais durante da Revolução Inglesa de 1640.Companhia das Letras: São Paulo, 1987, p. 19. Nesse diapasão é importante ter em alvo de análise a situação da Inglaterra no século XVII, o efeito dos anos revolucionários é sepultar de vez a possibilidade de um retorno da Inglaterra ao aprisco continental. James I e Charles I dependeram da Espanha e ou da França; Charles II e James II chegarão a ser pensionistas de Luís XIV, e o último até cogitará uma invasão francesa para devolver o país à Igreja Romana. Como poderia haver, não digo simplesmente uma traição, porém maior descompasso do rei com seu país? Na época a intolerância religiosa era algo muito arraigado, não ser católico na Inglaterra daqueles anos era ser moderno, de vanguarda. Foi a Revolução Gloriosa, na qual o mais impressionante é a cautela com que se tratou de impedir qualquer radicalização revolucionária; ela teve de ser uma intervenção cirúrgica, rápida, e para isso se p.ou um preço: para impedir uma invasão católica, francesa, encomendou-se uma invasão protestante, holandesa. Mas o fato é que as revoluções de 1640, que prepararam a de 1688 eliminou na família Stuart o elemento católico e por assim dizer “traidor”, a Inglaterra cortou pela raiz as tendências ao absolutismo e a estagnação.
19
A base da limitação do poder seja ele monárquico, ou “quase republicano”
de Cromwell, foi o Parlamento. O Bill of Rights fez consolidar a idéia de um governo
representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas
superiores. Começa a firmar-se como garantia institucional indispensável das
liberdades civis.
Em terras americanas essa explosão de idéias revolucionário-liberais
atingirá dimensões ainda maiores do que aconteceu na terra dos anglos e saxões.
Segundo COMPARATO e outros, o artigo I da Declaração que o Bom Povo da
Virgínia7 tornou pública em 16 de junho de 1776 constitui verdadeira certidão de
nascimento dos Direitos Humanos na História. 8 É ato solene que todos os homens,
pela sua própria essência – homem – são declarados iguais. Duas semanas após a
essa histórica publicação os “pais da pátria americana”, na Declaração de
Independência dos Estados Unidos, repetem que a busca pela felicidade é a razão
de ser dos direitos inerentes à pessoa humana.
Em 1774, os representantes das 12 colônias (exceção da Geórgia)
reuniram-se no Primeiro Congresso Continental, em Filadélfia. Foi enviada uma
petição ao Rei da Inglaterra e aprovada uma Declaração de Direitos e Agravos.
Renovou-se o boicote ao comércio inglês e formaram-se comitês de inspeção para
fiscalizar as alfândegas e confiscar as importações dos comerciantes que violassem
o acordo.
O Primeiro Congresso representou um ultimatum ao poder inglês, para
que, através de concessões mútuas, se encontrasse uma solução. Entretanto, a
Inglaterra não estava disposta a negociar, muito menos a fazer concessões. O Rei
7 “Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum pacto, privar ou despojar sua posterioridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança”. 8 COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49.
20
George III havia dito que “a sorte está lançada: ou as colônias triunfam agora ou se
submetem” 9
Em 1775, reuniu-se o Segundo Congresso Continental de Filadélfia,
presidido por John Hancock e contando com a presença de destacados líderes,
como Samuel Adams, Thomas Jefferson e Benjamim Franklin. Esse Congresso
conseguiu aprovar uma Declaração das Causas e Necessidades de Pegar em
Armas10 e nomear George Washington, latifundiário, como comandante-em-chefe
das tropas norte-americanas. Porém, a obra mais importante do II Congresso foi,
sem dúvida, a Declaração de Independência. Redigida em sua maior parte por
Thomas Jefferson, esse documento formaliza a Independência e tornava possível
aos norte-americanos pedir auxílio estrangeiro. Porém o seu significado político é
que chama mais atenção, pois anunciava uma filosofia de liberdade individual11, que
não se conteve somente no território americano, pois se irradiou por toda a América
espanhola, portuguesa e francesa.
A verdadeira essência da filosofia política da Declaração é a idéia
democrática de soberania popular. Inspirada em John Locke, James Harrington e
outros filósofos dos séculos XVII e XVIII, a Declaração de Independência assimilou-
lhes os conceitos e os ampliou, tornando-se uma síntese das idéias liberais e
democráticas da época, e, no entanto, profundamente original. Como podemos
constatar do raciocínio de APTHEKER:
9 MORALES PADRÓN F. Manual de História Universal. Tomo VI, História General da América. Espasa-Calpe, Madri, 1962, p. 10. 10 “Estamos ante a alternativa de nos submeter a uma incondicional tirania de ministérios irritados ou resistir pela força (....). A última é nossa eleita (...) Temos avaliado o custo desta contenda,porém não encontramos nada mais horroros do que um escravidão voluntária” in 10 MORALES PADRÓN F. Manual de História Universal. Tomo VI, História General da América. Espasa-Calpe, Madri, 1962, p. 10 e 11. 11 “Considerando que tem chegado ao conhecimento dessa Assembléia Geral que, durante o curso da guerra, muitas pessoas neste Estado obrigram seus escravos a se alistarem em certos regimentos ou corpos (..) como se fosse pessoas livres (...) afigurando-se a esta Assembléia que, ao expirar o termo de alistamento de tias escravos, seus antigos proprietários tencionariam fazê-los retornar a um estado de servidão contrário aos princípios de justiça e aos seus próprios compromissos solenes(...) tais negros, pelos seus serviços contribuíram por esse modo, naturalmente, para o estabelecimento da liberdade e da independência (....) “ – Leis de 1783 da Virginia, garantido a liberdade dos negros que lutaram a favor da Independência. APTHEKER, H. Uma nova História dos Estados Unidos. A Revolução Americana. Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1969 p. 246.
21
“Consiste em três idéias básicas: 1) o ser humano – essencialmente igual em atributos, necessidades, obrigações e desejos – tem o direito básico à Vida, à Liberdade e à Busca da Felicidade; 2) para a obtenção desses direitos, o homem criou os governos; 3) o governo que não respeita esses direitos é tirano; tal governo pode e, na verdade, deve ser alterado ou abolido pelo povo que, então, tem o direito e o dever de criar a forma de governo que a seu ver, parece-lhe mais adequado a promover sua segurança e felicidade”,12
Apenas 13 anos depois de todo esse processo americano, na França, por
conta da Revolução de 1789, a mesma idéia de liberdade e igualdade dos seres
humanos é reafirmada e reforçada. A frase “Os homens nascem e permanecem
livres e iguais em direitos”, estampada na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, no seu artigo primeiro, não deixa margem alguma de dúvida a
esse respeito.
No momento da elaboração da Declaração Francesa, a discussão mais
tenaz foi sobre o fundamento dos direitos do homem, Thomas Paine,
contemporâneo da Revolução Americana de 1776 e dela também articulador,
oferece uma justificativa religiosa. Segundo ele, para encontrar o fundamento dos
direitos do homem, é preciso transcender a história e buscar o momento da origem,
quando o homem surgiu das mãos de Deus. 13 Assim, chegou o pensador a
conclusão de que o homem antes de ter direitos civis, tem direitos naturais que o
precedem, e esses direitos naturais são os fundamentos dos nossos direitos civis.
Em resumo:
“O núcleo doutrinário da Declaração está inserido nos três artigos iniciais: o primeiro que se refere à condição natural dos indivíduos que antecede a formação da sociedade civil; o segundo, às finalidades da sociedade política, que vem depois do estado da natureza; e o terceiro, ao princípio da legitimidade do poder que cabe à nação.” 14
COMPARATO, por sua vez, faz uma ressalva a essa Declaração quando
levanta a tese de que faltou o reconhecimento da fraternidade, ou seja, a exigência
12 APTHEKER, H. Uma nova História dos Estados Unidos. A Revolução Americana. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969, p. 109. 13 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992.p. 88 14 BOBBIO. op. cit.p. 89
22
de uma organização solidária da vida em comum, o que só se logrou alcançar com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. 15
Ato contínuo, a proclamação desses direitos representou uma guinada
nos fundamentos da legitimidade política, como bem podemos observar no tom
rousseauniano do artigo II da Declaração de Direitos da Virgínia que assevera que
“Todo poder pertence ao povo e, por conseguinte, dele deriva. Os magistrados são
seus fiduciários e servidores, responsáveis a todo tempo por ele.”
Toda essa empolgante trajetória dos Direitos Humanos nos leva a um tom
de utopia fantasiosa do que foi preconizado no Iluminismo, ou seja, o universalismo
encontrou aprisco. Não foi bem assim. A democracia moderna, remodelada nos
moldes helenos, mas diferente deste em essência, buscou a priori extinguir o Ancien
Regime16 e todos os privilégios a ele relacionados, e tornou o governo responsável
perante a classe burguesa.
Em suma, o espírito original da democracia moderna, não foi
necessariamente, a defesa do povo pobre contra um regime de privilégios
estamentais e de governo irresponsável. Daí por que, se a democracia ateniense
tendia, naturalmente, a concentrar poderes nas mãos do povo, a democracia
moderna surgiu como movimento de limitação geral dos poderes governamentais,
sem qualquer preocupação de defesa da maioria pobre contra a minoria rica.
Outro fato que merece relevo nessa discussão é a ampliação dos Direitos
Humanos em um panorama também econômico e social. Essas declarações e toda
essa onda liberal libertaram o individuo das possíveis amarras que lhe tolhiam a
liberdade, tais como a família, o clã ou um estamento qualquer. Isso foi um avanço,
sem dúvida, mas esse movimento trouxe outra realidade, esse mesmo libertar do
homem o tornou mais vulnerável as mazelas da vida. A isonomia proposta pelo
liberalismo, quase nada adiantou para a grande massa de operários que teve que se
15 COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49. 16 Lefebvre, historiador da Revolução Francesa, escreve que a proclamação da liberdade, da igualdade e da soberania popular, por intermédio da Declaração de 1789 joga uma pá de cal no Antigo Regime. In LEFEBRE. G. La A revolução francesa, São Paulo, Ibrasa, 1989, p. 162.
23
submeter à sanha capitalista dos burgueses empresários. O que seguiu a isso foi
uma gradual pauperização das massas proletárias. Esse status quo resultou em
indignação por parte das mentes mais ilustradas.
A Constituição Francesa de 1848 fez tímidas referências aos Direitos dos
trabalhadores, mas não aprofundou a temática, o que só veio a ocorrer com a
Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919, já no século XX!.
Talvez a grande contribuição do movimento socialista do século XIX17
tenha sido o reconhecimento dos Direitos Humanos de caráter econômico. A grande
inovação foi considerar como titular desse direito não apenas o indivíduo
atomizado,mas sim um grupo social esmagado pelas mazelas sociais.
“Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir bens de capital um valor muito superior ao das pessoas” 18
Logo os Direitos Humanos do trabalhador são, na sua essência,
anticapitalistas, é só foram catalogados a partir do momento que os donos dos
meios de produção “sentaram”, para negociar com o proletariado. DALLARI19, ao
expor didaticamente sobre o Estado Liberal, salienta que o processo de
transformação desse Estado é marcado por dois aspectos importantes: a) a
observação por parte do poder público na melhoria das condições mínimas dos
indivíduos e; b) garantia, também por parte do Estado, em regular a atividade
econômica.
17 “Ao contrário do que hoje se poderia pensar, depois das históricas reivindicações dos não – proprietários contra os proprietários, guiadas pelos movimentos socialistas do século XIX, o direito de propriedade foi durante muito tempo um dique com o poder arbitrário do soberano”. in BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992.p. 95. 18 COMPARATO. op cit p. 53. 1919 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 233.
24
Estudar esses precedentes históricos constitui referência fundamental
para que se compreendam os primeiros delineamentos do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, assunto muito em voga num mundo cada vez mais palco de
catástrofes e hecatombes mortíferas.
Buscou-se traçar uma trajetória histórica no sentido de se revelar o
alicerce dos Direitos Humanos. Cabe, agora, analisarmos um conceito técnico para
essa essencial garantia.
2.2 Direitos Humanos – conceito
Já se debateu de maneira ferrenha qual seria o verdadeiro fundamento
dos Direitos Humanos. Seriam eles direitos inatos? Naturais? Históricos ou
Positivados? Muito há que se falar ainda sobre esse assunto, porém, a despeito de
toda essa celeuma, para esse estudo, adotamos a historicidade dos Direitos
Humanos, como também o faz PIOVESAN 20, embasada em BOBBIO, que leciona
que:
“... os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes nascidos de modo gradual, não todos de uma só vez e nem de uma vez por todas”.
21
Nesse mesmo entendimento caminha SACHS:22
“Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos”
20PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 200. p. 122 E 123 21 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p.. 5. 22 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento, Direitos Humanos e cidadania, in: Direitos Humanos no Século XXI, Instituto de pesquisa de relações internacionais e Fundação Alexandre de Gusmão,1998, p. 156.
25
Para fins práticos cabe também buscar uma definição para Direitos
Humanos. 23 De uma maneira geral pode-se dizer que esses direitos estão
intrinsecamente ligados à noção de dignidade da pessoa humana, são aqueles que
se aderem a todo e qualquer membro da raça humana, independente de qualquer
outra qualificação subjetiva, tais como lugar, cor ou sexo. 24
Segundo lembra MELLO25, o relator da Comissão de Direitos Humanos
designada para o projeto de criação da Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948, afirmava um ano antes que:
“A expressão “Direito do homem” refere-se obviamente ao homem, e com “direitos” só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que não é puramente acidental, que não surge e desaparece com a mudança dos tempos, da moda, do estilo ou do sistema; deve ser algo que pertence ao homem como tal”
Há ainda aqueles que enxergam nos Direitos Humanos um Direito natural.
Segundo esses abalizados doutrinadores os Direitos Humanos aproximam-se dos
naturais porque deles decorrem da própria existência humana.
Outros ainda levantam a bandeira do universalismo, preconizado no
Iluminismo do século XVIII, segundo o qual os Direitos Humanos possuem o tom da
universalidade. Tal concepção se mostra “ocidentalcrentrista”, pois para o homem
comum ocidental a circuncisão feminina praticada em certos povos da África, pode
parecer um grave atentado ao Direito Humano, à integridade física. Porém para os
povos que praticam esse ato faz parte de uma cultura milenar de que dificilmente
abrirão mão. Discute-se se há valores universais e não simplesmente valores aceitos
por uma sociedade judaico-cristã-ocidental em detrimento das demais.
Por seu turno ARENDT26 sobre Direitos Humanos:
23 O grande Celso D. Albuquerque de Mello define Direitos Humanos como um conjunto de normas que estabelece direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento de sua personalidade e estabelece proteções de tais direitos. MELLO, Celso D. Albuquerque. Direitos Humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 5. 24 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal pela internacional. A internacionalização do Direito Penal.:, Rio de Janeiro:Lumem Juris 2004, p.43. 25 MELLO. Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 3
26
“ .... baseado na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram, pela primeira vez, com pessoas que haviam realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas, exceto que ainda eram humanos. O mundo não viu nada de sagrado na estranha nudez de ser unicamente humano”.
Ainda com ARENDT, os Direitos Humanos não são um dado, mas uma
construção, uma criação humana que se renova num processo de construção e
reconstrução, marcado por marchas e contramarchas, característico do processo
histórico. 27
ARAGÃO por seu turno conceitua Direitos Humanos como:
“ Os direitos em função da natureza humana, reconhecidos universalmente, pelos quais indivíduos e a humanidade, em geral, possam sobreviver e alcançar suas próprias realizações”28
ANGELO29 por sua vez, enumera características dos Direitos Humanos,
tais como inviolabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, universalidade,
efetividade, interdependência e a complementaridade. Além disso, hoje é pacífico na
doutrina, que os Tratados de Direitos Humanos, vinculam erga omnes os Estados
signatários, ao passo que também há a presunção de aplicabilidade imediata desses
tratados, com o mínimo de desembaraço.
Atualmente, Direitos Humanos, se torna uma disciplina subsidiária ao
Direito Internacional Público, sendo que assume um gama de denominações que no
fundo querem dizer a mesma coisa. Usam-se Direitos do Homem, Direitos
Fundamentais, Direitos Fundamentais da Pessoa, Direitos Inatos, Direitos
Individuais, Direitos Essenciais da Pessoa, Direitos de Personalidade, Direitos
26 ARENDT, Hannah. Eichamann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 51. 27 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo, trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro, 1989.Ver ainda LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, , 1988, p. 134. 28 ARAGÃO, Selam Regina. Direitos Humanos na Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 105 29 ANGELO, M. M. Direitos Humanos. São Paulo: LED, 1998. pp 18-19.
27
Públicos Subjetivos, Direitos da Pessoa Humana, Liberdades Individuais e
Liberdades Públicas.
Convém lembrar que Direitos Humanos foi a expressão usada em 1792
na histórica declaração que se seguiu aos salutares princípios da Revolução
Francesa e é mais antiga na doutrina, e que, Direitos Humanos consta da Carta da
ONU e na Declaração de 1948, ou seja, muito mais importante do que a
nomenclatura, está a essência do termo.
O que teve os séculos XVIII e XIX de produção e consolidação dos
Direitos Humanos terá o século XX de desrespeito aos mesmos. A humanidade há
algumas décadas passou a dar mais atenção à questão da definição, promoção e
proteção dos Direitos Humanos haja vista os fatos desabonadores que marcaram o
“breve” século XX.
O homem europeu, ou o norte-americano, que devido às benesses de
seus sistemas de governo e políticas econômicas, não tem a segurança de que no
futuro não se depararão com problemas vividos, hoje, por países da África ou da
Ásia. A globalização, ao mesmo tempo em que enriquece, exclui e compartilha
problemas. Como já escreveu um dos privilegiados observadores do século XX, “o
terceiro mundo está em todo lugar”. 30
Logo o que se segue a partir do século XIX e se adentra ao século XX é
um processo de internacionalização dos Direitos Humanos que culmina, pari passu,
com a concretização de mais um ramo do Direito Internacional Público, que seria o
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
30 HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Convém registrar que o autor sistematiza a noção de Breve Século XX, por situá-lo entre a eclosão da I Guerra Mundial e o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
28
2.3 A Internacionalização dos Direitos Humanos - primeira fase.31
A primeira fase de internacionalização dos Direitos Humanos teve início
na segunda metade do século XIX e findou com a Segunda Guerra Mundial,
manifestando-se em três ramos específicos: o direito humanitário, a luta contra a
escravidão e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado. Nesse intento
surgem a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas
instituições internacionais são tidas como os primeiros passos na marcha do
processo de internacionalização dos Direitos Humanos.
“... a proteção aos direitos fundamentais do homem faz parte dos ordenamentos internos dos Estados modernos, e de tal forma vinculados ao ordenamento internacional que não há mais espaço para que os Estados limitem a eficácia ou deixem de dar execução às normas de proteção.” 32
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 possui um papel
inestimável para a internacionalização dos Direitos Humanos, porém, como se pode
observar com sua análise, ela limita esses direitos, a direitos civis e políticos, que no
entender de MELLO,33 restringem os Direitos Humanos.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, em apertada síntese,
significa o conjunto de normas que estabelece os direitos que os seres humanos
possuem para o desenvolvimento de sua personalidade e estabelece mecanismos
para a sua proteção.
No campo da doutrina jurídica o renomado autor ainda ressalta que:
“A internacionalização dos Direitos Humanos foi um processo lento, tanto em termos de Direito Internacional Positivo, como no campo doutrinário. Os autores tiveram grande dificuldade em aceitar a subjetividade internacional do homem. Uns negavam pura e simplesmente que ela existisse, outras defendiam que o Estado era sujeito direto do Direito Internacional, enquanto
31 A despeito de abalizadas posturas doutrinárias para esse trabalho usei as nomenclaturas primeira e segunda fases para demonstrar a evolução da internacionalização dos Direitos Humanos. 32 STEINER, S. H. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 55 33 MELLO. op cit p.. 03
29
o indivíduo era sujeito indireto. Admitir o homem como apenas do Direito Internacional foi longo caminho. A imagem da soberania ainda obnubila a visão dos internacionalistas”. 34
2.3.1 - Direito Internacional Humanitário
A gênese do Direito Internacional Humanitário está intimamente ligada ao
surgimento de combates entre os povos. “As leis da guerra são tão antigas como a
própria guerra, e a guerra, tão antiga como a vida na Terra”.35
As primeiras práticas humanitárias que podemos citar na História, podem
aos olhos do homem de hoje soar como repugnantes, mas que para época poderia
significar certo alívio. As grandes batalhas entre as primeiras civilizações eram
demasiadamente sangrentas, resultando em um número muito grande de
derrotados, que eram sumariamente executados. Todavia, por razões econômicas,
passou a ser mais vantajoso trocar as execuções por redução a condição de
escravo. Por isso, a escravidão que hoje é reconhecidamente odiosa, em
determinada época histórica significou uma sobrevida para os derrotados em
combate.
O primeiro código de leis escrito da humanidade, do Rei Hamurábi,
também se referia a sorte dos vencidos quando estipulava que ao império da justiça
deve sempre prevalecer, evitando sempre que o forte não oprima o mais fraco.
Os sumérios, outro povo da Mesopotâmia, combatiam seus rivais
pautando suas ações em regras estabelecidas em declarações de guerra e nos
tratados de paz. No Egito os prisioneiros eram tratados com certa dignidade. Os
hititas poupavam as cidades que se rendiam. 36
34 MELLO. op cit t 29. 35 PICTET, Jean S. Desarrollo y principios del Derecho Internacional Humanitario. 2. ed. Santafé de Bogotá: Tercer Mundo, 1997, p 14. 36 KELLER, Werner. e a Bíblia tinha razão. 20ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1995. p. 23
30
Confúcio, na China, achava primordial a conservação da paz, e SUN
TZU37, ainda no século V a. C, afirmava que “todos os prisioneiros devem ser
tratados com sincera generosidade, para que possam ser úteis”.
Na Índia, era proibido atacar o inimigo que não tivesse equivalência de
armas ou usar armas de grande poder de destruição ou que causassem sofrimento
desnecessário; atingir alvos civis, agredir que não pudesse se defender; agir com
deslealdade e desrespeitar prisioneiro de guerra, doentes e feridos.38
Na Grécia Antiga, pós mitologia, formou-se por parte da escola filosófica
estóica a noção de humanidade, o que passou a justificar o tratamento mais
humanitário ao inimigo. Outro fato relevante a se ressaltar sobre o comportamento
dos helenos é a suspensão dos conflitos em épocas dos jogos olímpicos. 39
Na Roma dos césares, o imperador Marco Aurélio defendia a indulgência
aos povos que eram considerados inferiores, no sentido de enxergar no inimigo não
apenas prisioneiros a serem destroçados, mas enfim, seres humanos.
A doutrina estóica dos gregos e depois esposada pelos romanos criou o
conceito de guerra justa. A noção de uma guerra que se justificasse passava pela
idéia de que sem uma justa causa, tais como a legítima defesa e a reparação de
danos, a guerra não tinha legitimidade.
Nos tempos medievais observa-se um retrocesso do pensamento
humanitário, o que é um paradoxo se levarmos em conta o penetrante papel da
religião nas relações sociais da Idade Média. 40Como exemplo, não se pode furtar a
ocasião das Cruzadas (IX), expedições de caráter militar-religioso que tinha como
pretexto principal a expulsão dos islamitas da Terra Santa. As Cruzadas foram
37 TZU, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo: Martim Claret, 2002. p. 54 38 KELLER. Op cit. p. 24 39 PICTET. Op cit. p. 13. 40 Convém ressaltar que o termo Idade Média é pejorativo, assim como o são “Idade das Trevas” ou “Noite dos Mil anos”, porém a estagnação do pensamento humanitário não deve reforçar esse pensamento etnocêntrico. Ver ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. 11ª ed. São Paulo: brasiliense, 1994.
31
marcadas por um derramamento de sangue promovido pelos dois lados do conflito.
Porém, há de se ressaltar a criação de ordens de cavalheiros que se dedicavam
também à assistência aos feridos, doentes e combatentes cavaleiros. 41 As ordens
militares vão unir as milícias da oração com as da espada.
Outro exemplo de semente medieval do Direito Internacional Humanitário
foi o Estatuto para o governo do Exército, de 1386, de Ricardo II, da Inglaterra.
Nesse podemos constatar dispositivos que limitavam as hostilidades e proibiam a
violência contra as mulheres e sacerdotes desarmados. 42 É também na Idade Média
que surgem institutos que tratavam do assunto Guerra e que serviu de avanço para
o Direito Humanitário e para o Direito Internacional Público. São eles: a Paz de
Deus, a Trégua de Deus e a noção de Guerra Justa, essa mais uma adaptação do
pensamento helênico.
A Paz de Deus distinguiu no mundo ocidental os beligerantes dos não-
beligerantes, 43 ela proibia a destruição de colheitas e dos instrumentos de trabalho.
Aos camponeses era dispensada certa proteção, bem como aos peregrinos,
mulheres e crianças. “Esse instituto de caráter humanitário tinha também um caráter
eminentemente prático que era o de evitar o flagelo da fome, tão comum no período
medieval”. 44
A paz de Deus proclamava a inviolabilidade das igrejas, dos mosteiros,
dos pobres, dos clérigos, dos mercadores, dos peregrinos, dos agricultores e de
seus bens. Esse conceito surgiu em 1016, durante um juramento prestado pelos
senhores feudais. Anos mais tarde, foi instituído um tribunal de paz para julgar os
senhores diante das leis editadas pela Igreja. Além da excomunhão, eles corriam o
risco de perder seus feudos. Esse esboço de tribunal penal internacional
permaneceria letra morta.
41 GIORDANI, Mario Curtis. História do Mundo Feudal: acontecimentos políticos. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 529. 42 SILVA, Pedro. História e mistérios dos templários. 2ªed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 22. 43 MELLO. op.cit. p. 90 44 MELLO. op cit.. p. 91
32
Com a mesma vontade de limitar os efeitos dos combates, o Concílio de
Latrão (1215) proibiu a utilização, nas guerras entre cristãos, da besta - arma de
arremesso composta de um arco de aço preso a uma espécie de coronha - e
declarou "arma odiosa ao Senhor". Em contrapartida, contra os infiéis essa "arma de
destruição em massa" da Idade Média poderia ser utilizada sem pudores. 45
A Trégua de Deus resumia-se em uma espécie de juramento que
suspendia por tempo determinado às hostilidades da vendeta ou da faida. Desde os
tempos do Império Carolíngio o domingo era o dia de trégua obrigatória. Proibia
também a guerra da nona hora do sábado até a primeira hora da segunda-feira com
o fito de todos cumprirem seus compromissos dominicais. 46
Além das medidas citadas havia ainda a Quarentena do Rei e outras
formas que visavam diminuir as matanças em massa. Todavia, mesmo com essas
medidas citadas a Idade Média será sempre lembrada como uma época de
crueldade. Mais uma vez convém citar o paradoxo de ser nessa época grande a
aplicação da filosofia religiosa.
Em 1625, Grotius, em seu livro sobre o direito da guerra e da paz, não
hesitou em escrever que o massacre de mulheres e crianças era compreendido
dentro do direito da guerra se estes haviam cometido faltas muito graves47. Estava-
se bem longe dos corredores humanitários, e ainda mais da defesa das viúvas e dos
órfãos. Quanto ao sofrimento dos combatentes, quase não era levado em
consideração. Durante muito tempo, o golpe de misericórdia foi o gesto mais
humanitário que se poderia esperar do vencedor. Introduzindo, entre o elmo e a
armadura do cavaleiro ferido, uma adaga, dita de misericórdia, evitava-se a agonia
de horas de sofrimento inútil. A medicina de guerra, da qual Ambroise Paré (1509-
1590) e o barão Dominique Larrey (1766-1842) são as figuras mais célebres, surgiu
muito lentamente nos campos de batalha.
45 COURAU. Chistophe. Entidades aliviam sofrimento de vítimas da guerra. História Viva, n.III, n. 29 p. 60-66, 2006. 46 GIORDANI. op cit. p. 540 47 GROTIUS, Hugo. De jure belli ac pacis libri. Trad. Francis Kelsey. Oxford: Clarendon Press, 1925. p. 234.
33
A guinada se dará a partir do surgimento dos Estados Nacionais na Idade
Moderna. Nesse período há uma inflação de costumes que dariam origem ao Direito
Internacional Humanitário.
Francisco de Vitória e Francisco Soárez retomam o pensamento de Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino, momento em que se define a guerra do Direito
Internacional Público como sendo a guerra pública. Todo esse pensamento é
calcado na idéia de guerra justa. Vitória via justeza na guerra se ela fosse fruto de
uma violação de um direito; para Soárez deveria haver algo mais agravante. 48
Grotius em seu De iure belli estabeleceu as chamadas temperameta belli,
ou restrições da condução da guerra. As idéias de Grotius até hoje são introduzidas
em várias iniciativas no campo humanitário. 49
A Reforma de Lutero descentraliza a Cristandade. Com esse
enfraquecimento do poder do Vaticano advém as Guerras de Religião, sendo que a
última é a Guerra dos Trinta Anos, que se finda com o Tratado de Westfália de 1648,
documento esse de profunda importância para o Direito Internacional Público.
Ocorre a laicização da guerra. O direito interestatal dos séculos XVI ao XX
passa a considerar toda a guerra entre Estados soberanos uma guerra justa, desde
que estejam esses Estados em igual condição.
Durante o Século das Luzes, germinou entre os filósofos a idéia de
proteger os civis, a partir daí considerados inocentes dos horrores dos combates.
Segundo RUFIN, ex-vice-presidente dos Médicos sem Fronteiras e autor de O
império e os novos bárbaros (Bibliex Cooperativa, 1996), "o conceito de
'humanidade' surgiu nessa época. Designava a totalidade do gênero humano, a
48 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 5. Ed. V.2 Freitas Bastos: Rio de Janeiro, p. 837. 49 PICTET, Jean., op cit p. 32.
34
atenção que lhe era dada e o dever de melhorar sua sorte. A partir de 1830,
aproximadamente, ter 'humanidade' seria o mesmo que “ser humanitário” “50
Na Idade Contemporânea, a guerra vai sofrer uma profunda modificação.
A Revolução Francesa faz nascer à idéia do “soldado-cidadão” que tem por missão
defender princípios considerados maiores. A paz revolucionária francesa, a despeito
da Era Napoleônica, era um ideal a ser perseguido através do lema tríplice:
Igualdade, Liberdade e Fraternidade, de profunda inspiração Iluminista.
E foi no final do século XIX que o Direito Humanitário Internacional surge
com a sucessão de tratados internacionais que irão regulamentar costumes de
guerras que foram forjados a custo de muitas vidas humanas. O Direito abre a unha
o seu espaço nas guerras; a paz busca preponderar.
O campo do Direito Humanitário abarca o conjunto das leis e costumes da
guerra, visando a minorar o sofrimento de soldados e prisioneiros, doentes e ferido,
bem como o amparo às populações ou vítimas civis de embates bélicos
independente de que lado do conflito estejam essas pessoas.
Apesar de críticas contundentes, um conceito que pode ser aplicado do
Direito Internacional Humanitário é de SWINARSKI51, que diz:
“O Direito Internacional Humanitário é o conjunto de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinária, especificamente destinado a ser aplicado nos conflitos armados, internacionais ou não-internacionais, e que limita, por razões humanitárias, o Direito das Partes em conflito escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados pelos conflitos.”
A primeira norma nesse sentido foi a Convenção de Genebra de 1864 a
partir da qual se fundou em 1880, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha. Tal
Convenção foi reformada em 1907 a fim de se estenderem seus princípios aos
50 COURAU. Chistophe. Entidades aliviam sofrimento de vítimas da guerra. História Viva, n.III, n. 29 p. 60-66, 2006. 51 MELLO. Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 135.
35
conflitos no mar (Convenção de Haia), e, a seguir, em 1929, para a proteção dos
prisioneiros de guerra (Convenção de Genebra).
2.3.2 A Batalha de Solferino.
Com o objetivo de focar o Direito Internacional Humanitário em um marco
teórico específico, se faz necessária uma análise histórica sobre a Batalha de
Solferino travada no contexto da Unificação italiana.
Na metade do século XIX, os exércitos da Europa aumentaram
sobremaneira o seu poderio destruidor e a quantidade de homens engajados, assim
a idéia de direito humanitário se desenvolveu entre os militares. Napoleão III em
1859 permite que os prisioneiros feridos fossem entregues ao inimigo, desde que o
seu Estado permitisse o retorno. Quinze dias depois o imperador estendia essa
medida ao pessoal médico.
Em 24 de junho de 1859, a batalha de Solferino atingiu níveis arrasadores
no norte da Itália. No total, o terrível combate entre os franco-italianos e os
austríacos faria 40 mil mortos: 40% deles morreriam no próprio dia, os 60%
restantes, ou seja, 24 mil soldados sucumbiriam devido a ferimentos nos dias
seguintes. Havia apenas um médico para cada 500 feridos. 52
Henri Dunant (1828-1910), suíço utópico, que havia ido encontrar-se com
Napoleão III para lhe falar de agricultura, descobriu o campo de batalha.
Horrorizado, escreveu, em 1862, “Um souvenir de Solferino” (Lembrança de
Solferino), que, com 1600 exemplares, correria a Europa e levaria à criação da Cruz
Vermelha em 1864, junto a Gustave Moynier, advogado, Guillaune-Henri Dufour,
general, Luis Appia e Théodore Maunoir, ambos médicos. Em sua obra, Henri
52 COURAU. Chistophe. Entidades aliviam sofrimento de vítimas da guerra. História Viva, n.III, n. 29 p. 60-66, 2006.
36
Dunant anunciou os princípios inovadores que dariam ao movimento Cruz Vermelha
sua singularidade em relação a todos os precedentes.
O primeiro princípio versava sobre a neutralidade do prisioneiro, uma vez
ferido o indivíduo deixava de pertencer a qualquer Estado, mas sim à humanidade. E
o socorro deveria ser feito por uma entidade neutra com respeitabilidade
internacional.
O segundo princípio era que o socorro não poderia ser feito de forma
improvisada; a Cruz Vermelha deveria ser permanente. Além desses princípios,
outros, os quais ele chamou de universais, deveriam regular as guerras, dentre eles:
o tratamento correto dos prisioneiros, dos feridos e dos civis vítimas do conflito.
Porém, vale ressaltar que nenhum dos princípios aventados por Dunant
questionava o direito à guerra. Procurava apenas inserir nos campos de batalha um
espaço humanitário e imparcial em que por causa de um ferimento, o soldado
voltava a ser simplesmente um homem.
Nesse mesmo período acontecia em terras norte americanas a Guerra de
Secessão que rateava o país em dois. Nesse contexto um jurista chamado Francis
Lieber redigia instruções para o exército que eram prontamente ratificadas pelo
presidente Abraham Lincoln.
Dunant e Lieber seriam os responsáveis pela aceitação por parte dos
Estados de regras mínimas durante as guerras. Doze países assinaram, no dia 22
de agosto de 1864, a Convenção de Genebra para a melhoria da sorte dos feridos
nos exércitos em campanha, que instituiu o Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(CICV). Um organismo independente das nações e composto exclusivamente por
cidadãos suíços, neutros. Foi fundado em cada país um comitê nacional: a Cruz
Vermelha, na Europa; o Crescente Vermelho para os países muçulmanos, desde
1877; o Leão de Judá-Vermelho no Irã. Em toda parte, a idéia alcançou grande
sucesso. A Cruz Vermelha americana, fundada por Clara Barton, contaria com mais
37
de 28 milhões de membros, em 1918, e os Estados Unidos enviariam para a França
mais enfermeiras que soldados durante a Primeira Guerra Mundial. 53
A atividade da Cruz Vermelha, sensível principalmente por ocasião da
guerra franco-prussiana de 1870 e das guerras sino-japonesas de 1894-1895,
adquiriu amplitude extraordinária durante a Primeira Guerra Mundial: 41 delegados
visitaram 524 campos de prisioneiros e pleitearam melhorias para eles junto às
autoridades. Ela organizou a repatriação de inúmeros feridos e fundou, com a ajuda
de 1.200 benfeitores, uma agência internacional de prisioneiros que expediu cartas,
pacotes e auxílios coletivos equivalentes a 1813 vagões de trem. O CICV obteve por
sua vez, o Prêmio Nobel da Paz em 1917 e, com a ajuda de seus apêndices
nacionais, encarregou-se de repatriar 700 mil homens ao fim do conflito. A Liga da
Cruz Vermelha - atual Federação das Sociedades da Cruz Vermelha - foi criada no
fim da guerra. Ela ocupa-se das ações em tempo de paz, enquanto o CICV cuida de
garantir os Direitos Humanos em âmbito internacional. 54
2.3.3 O Direito de Genebra
A Convenção para a Melhoria da Sorte dos Militares Feridos nos Exércitos
em Campanha realizada em 186455 é tida com a certidão de nascimento do Direito
Internacional Humanitário, pois foi a primeira a introdução dos Direitos Humanos na
esfera internacional e definiu os princípios que iriam reger os tratados posteriores.
Essa Convenção foi sendo completada no decorrer dos anos, sendo que
seu texto foi substituído pela Convenção de Genebra de 1906, 1929 e 1949. Porém,
53 COURAU. Chistophe. Entidades aliviam sofrimento de vítimas da guerra. História Viva, n.III, n. 29 p. 60-66, 2006. 54 Em 1921, durante a crise da fome na Ucrânia, a ajuda internacional foi utilizada pelos bolcheviques como chantagem. "Os filantropos descobriram que a ajuda humanitária podia ser utilizada para fins políticos. A separação que Dunant quis fazer de forma definitiva e radical entre o espaço humanitário neutro e o domínio político ficou novamente difusa 55 O Brasil não participa dessa Convenção.
38
o texto original só deixou de exarar efeitos depois de 1966 quando o último Estado-
parte, a Coréia do Norte, aderiu a Convenção de 1949.
Genebra então passou a ser a cidade-sede do movimento humanitário e
por isso o catálogo de direitos ali definidos passou a ser chamado de Direito de
Genebra. Além das convenções citadas acima, também foram realizadas na cidade
suíça o Protocolo de Genebra relativo à Proibição do Emprego na Guerra de Gases
Asfixiantes, Tóxicos ou Similares e de Meios Bacteriológicos de 1925; Protocolos
adicionais às Convenções de Genebra de 1949 assinados em 1977.
O Direito de Genebra desde então passou a ter uma aceitação cada vez
maior por parte da sociedade internacional. Os Tratados de Genebra, com exceção
do Protocolo de 1925, - que versou sobre a proibição do emprego de gases
asfixiantes, tóxicos ou bacteriológicos, que na verdade faz parte do Direito de Haia
que veremos mais adiante – estabeleceram normas de proteção às pessoas fora de
combate tais como feridos, enfermos, náufragos e prisioneiros de guerra, bem como
também para a população civil e o pessoal sanitário e de socorro. Além dessa
proteção a seres humanos os Tratados de Genebra não olvidaram a proteção dos
bens civis e dos bens culturais.
Conjuntamente ao Direito de Genebra, que originariamente se preocupa
em proteger às vítimas dos exageros da guerra, nasceu no mesmo contexto
histórico o Direito de Haia, que ao contrário do seu co-irmão suíço, visou à limitação
dos meios e métodos empregados em combates armados.
A doutrina humanitária ao se bater sobre a questão das diferenças entre
os Direitos de Genebra e Haia não chega a um consenso. Porém, MELLO56 com a
clarividência que lhe é peculiar acrescenta:
“A nosso ver a definição não pode ser tão ampla, porque leva a instituir a expressão DI dos Direitos Humanos por D. Humanitário que surgiu para designar o D. de Genebra, apesar de atualmente ela deve ser entendida em um sentido mais amplo. É que as convenções concluídas sob os auspícios do
56 MELLO. op. cit 137.
39
Comitê Internacional da Cruz Vermelha passaram, principalmente, nos Protocolos de 1977, versarem os meios e métodos utilizados nos combates. Assim desaparece a distinção com o denominado “direito de Haia” (convenções de 1907) e até mesmo com o “direito de NovaYork” (convenções construídas sobre os auspícios da ONU, proibindo a utilização de certas armas.”
2.3.4 O Direito de Haia
A violência praticada em conflitos armados fez nascer outra iniciativa de
caráter humanitário. As potências imperialistas do século XIX, na disputa por
protetorados (colônias) na África e Ásia, passaram a investir na pesquisa e
construção de um potencial bélico cada vez mais arrasador. Um exemplo dessa
inovação bélica estava a “bala oca”, que podia ser recheada com materiais
explosivos ou inflamáveis.
Nesse contexto, o Czar Alexandre II convocou uma Conferência
Internacional para proibir o uso da nova arma. Dessa iniciativa, contraditória, se
levarmos em conta o espírito belicoso do Czar, nasce a Declaração de São
Petersburgo57, que seria o documento gênese de uma série de normas que limitam
métodos e meios de combate armado, denominada na doutrina como Direito de
Haia.
Os Tratados mais importantes assinados na cidade holandesa foram:
Primeira Conferência Internacional da Paz de Haia de 1899, a II Convenção sobre
as Leis e Costumes da Guerra Terrestre. A III Convenção para aplicar à Guerra
Marítima aos Princípios da Convenção de Genebra de 1864; Segunda Conferência
Internacional da Paz da Haia de 1907, IV Convenção sobre as Leis e Costumes da
Guerra Terrestre; X Convenção para Aplicar à Guerra Marítima aos Princípios da
57 Em termos precisos essa Declaração objetivava vedar o emprego de projéteis com peso inferior a 400 gramas e que fosse explosivo, ou estivessem encarregados de materiais explosivos ou inflamáveis. Conforme FERNANDES, Jean Marcel. A promoção da paz pelo direito internacional humanitário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006. p.33
40
Convenção de Genebra e a Convenção da Haia para a Proteção dos Bens Culturais
em Caso de Conflito Armado.
As denominadas normas do Direito de Haia tinham a intenção de codificar
as leis da guerra. Os Tratados de 1899 e 1907 receberam influência no chamado
Código Lieber. Sobre esse Código FERNANDES:
“ O texto preparado pelo Professor Francis Lieber, da Columbia College de Nova Iorque, foi promulgado pelo Presidente Abraham Lincoln, durante a Guerra de Secessão americana (1861-1865). Mesmo que somente válidas para o Exército norte-americano, as disposições do Código, que proibia a violência descabida nos conflitos armados, exerceram significativa influência na regulamentação internacional desenvolvida sobre o tema. Faltava, agora, o encontro dos caminhos iniciados em Solferino e São Petersburgo”.58
2.3.5 Direito de Nova York
Por “Direito de Nova York”, entende-se, o conjunto de normas originadas
no âmbito da ONU, daí no nome Nova York, que têm por objetivo a defesa dos
Princípios de Direito Internacional Humanitário ou, como costuma ser denominado
na ONU, os Direitos Humanos aplicados em casos de conflitos armados.
O marco inicial desse Direito está no ano de 1968 por ocasião do Ano
Internacional dos Direitos do Homem, em que a ONU convocou a Conferência
Internacional dos Direitos do Homem, que marcaria o vigésimo aniversário da
Declaração dos Direitos do Homem de 1948. No final desse colóquio, que se
realizou no Irã, adotou-se a resolução XXIII, que, entre outras solicitações, pedia que
todos os signatários auxiliassem para que em todos os conflitos armados, tanto a
58 FERNANDES, op.cit , p. 35
41
população civil, como os soldados fossem protegidos pelos princípios do Direito
Humanitário.59
Nesse caminho, a Assembléia Geral da ONU aprovou a resolução 2444,
intitulada Respeito dos Direitos Humanos em período de conflito armado, em
dezembro de 1968. Depois dessa data sucedeu-se uma série de iniciativas da ONU
nesse sentido. São resoluções e convenções que versam sobre temas variados, que
vão desde a condenação de usos de armas biológicas60, nucleares61, passando pela
proteção contra o domínio colonial62, e proteção à mulher,63 bem como a proteção
ambiental.64
Sobre o tema CANÇADO TRINDADE abrilhanta:
“O conceito de meio-ambiente natural consagrado no artigo 55 da Convenção sobre a Proibição do Uso de Técnicas de Modificação Ambiental para Fins Militares ou Quaisquer outros fins Hostis de 1977, há de ser entendido em seu sentido mais amplo, de modo a cobrir o meio ambiente biológico em que uma população está vivendo; o artigo 55 enfatiza a garantia de sobrevivência da população ao dirigir-se aos danos do meio-ambiente, e chega a referi-se expressamente a saúde, tendo em mente atos que possam seriamente prejudicar a saúde.”65
Como se pode notar pelos temas tratados, o Direito de Nova York
contribui para a confluência do Direito de Genebra e de Haia, além de acrescentar
novas garantias a regulamentação humanitária, como a legitimação da proteção
contra a opressão colonial, e a defesa ambiental. O ápice da convergência desses
três Direitos se daria em 1977.
A Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do
Direito Internacional Humanitário Aplicável aos Conflitos Armados, ocorrida em
59 FERNANDES.. op cit. p. 39. 60 Resolução 2603 de 1969 e Convenção sobre a Proibição das Armas Biológicas de 1972. 61 Resolução 2936 de 1972 . 62 Resolução 3103 de 1973. 63 Declaração sobre a Proteção das Mulheres e Crianças em Período de Urgência e Conflito Armado de 1974. 64 Convenção sobre a Proibição do Uso de Técnicas de Modificação Ambiental para Fins Militares ou Quaisquer outros fins Hostis de 1977. 65 TRINDADE, op. cit. P. 125-126.
42
Genebra de 1974 a 1977, produziu dois Protocolos Adicionais às Convenções de
1949. Em 1980, como a Conferencia de Genebra de 1974-77, remetera a matéria às
ONU, realizou-se, sob o patrocínio desta a Convenção sobre Proibições ou
Restrições ao Uso de Certas Armas Convencionais.
Em 1993, assinou-se a Convenção sobre a Proibição das Armas
Químicas e, em 1997, a Convenção sobre a Proibição das Minas Antipessoal. Nota-
se uma justificada preocupação com as armas usadas em conflitos armados, pois
são elas que trazem mais estragos ao Direito Humano à vida.
Conclui-se que a ONU, na luta pela paz, que, para muitos pode parecer
utópica nos dias atuais, vem fracassando. Porém, busca pelo menos diminuir os
efeitos nefastos do conflito tentando normatizar os conflitos armados dentro do que
já foi preconizado em Genebra no século XIX.
2.3.6 Direito de Roma
Não se pode olvidar à recente instituição do Tribunal Penal Internacional,
pelo Estatuto de Roma de 1998, que criou uma jurisdição permanente para julgar os
chamados criminosos de guerra. Tal intento nasceu do desejo de não se ver repetir
os tribunais ad hoc que foram estabelecidos no passado, que, segundo alguns,
flagrantemente usurparam vários princípios de direito.
O preâmbulo do Estatuto de Roma elenca os crimes da competência
matéria do TPI, que são crimes contra a humanidade, crime de genocídio, crimes de
guerra e crimes de agressão. Tal tribunal já está em funcionamento mas ainda é
grande a expectativa quanto ao seu desempenho.
O TPI pode ser para o Direito Humanitário Internacional um divisor de
águas com o foi o estabelecimento do CICV, desde que receba o apoio político de
que necessita para fazer valer o que reza o seu estatuto.
43
“Dos costumes ao direito, desde as guerras das primeiras civilizações até a formação de uma justiça internacional, as normas que coíbem a violência no convívio dos povos aos poucos vão vencendo a batalha em favor da paz. A partir dessa perspectiva, propõe-se, a seguir, o estudo dos aspectos teóricos do Direito Internacional Humanitário”66
O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional Permanente
(TPI), tutela o chamado Internacional Humanitário. E segundo JAPIASSÚ ele assim
o faz em sentido amplo e em sentido estrito:
“Em sentido amplo, como conjunto de disposições jurídicas internacionais, escritas ou costumeiras, que asseguram à pessoa humana todas as garantias relacionadas com a ordem pública e, em tempos de guerra, com as exigências militares. Já em sentido estrito, Direito Internacional Humanitário é, em realidade, o chamado “Direito de Genebra”, ou seja, aquele estabelecido pelas Convenções de Genebra de 1864, 1906 e 1949, bem como os seus protocolos de 1977. Dessa maneira, pode-se dizer que é ramo do Direito Internacional que dispõe sobre militares feridos, dos prisioneiros de guerra e das pessoas civis em caso de conflitos armados. É uma espécie de “direito humanitário da guerra”, diferindo-se daquele direito da guerra que trata dos comportamentos nas hostilidades e dos limites aos meios para enfrentar um inimigo. ”67
Ainda na lição de JAPIASSÚ, citando DJEINA WEMBOU e FALL, como
sendo deles a melhor definição sobre Direito Internacional Humanitário.
“Par droit international humanitaire, le CICR entend lês règles internationals, d´origine conventionell ou coutumière, qui sont espécifiquement destinées aa régler lês problèmes humanitaires découlant directement des conflits armes, internationaux ou nom internationaux, et qui restrignent, pour des raisons humanitaires, lê droit des partires au conflit d´utiliser lês méthodes er moyens de guerre de leur choix o protègent lês personnes er les biens affetés, ou pouvent être affectés, par lê conflit”.68
O marco maior do Direito Humanitário, também conhecido como Direito
Internacional da Guerra, foi estabelecer limites à liberdade e à autonomia dos
Estados, mesmo se tratando de conflito armado. Já que a violência ainda é uma
opção, infelizmente, que ela seja, então, praticada com o mínimo de observâncias às
regras de Direitos Humanos.
66 FERNANDES. op cit. p. 43. 67 JAPIASSÚ. op. cit p. 43. 68 ________ op. cit, p. 44.
44
2.3.7 A Liga das Nações
A Primeira Guerra Mundial, prenúncio do que ainda estava por vir,
assustou a humanidade. Estatísticas otimistas revelam um saldo aproximado de dez
milhões de mortos entre militares e civis. Terminado esse conflito, que até hoje os
europeus chamam de “a guerra” os Estados começaram a se mobilizar no sentido
de se evitar ou pelo menos minorar os resultados de um conflito daquela escala.
A Liga das Nações, criada no final da I Guerra, também apontava para a
necessidade de relativização da soberania dos Estados, e tinha o escopo de
promover a cooperação, a segurança e a paz internacional, condenando as
incursões externas, a integridade territorial e a independência política dos seus
membros.69
Criada por sugestão do presidente americano Wondrow Wilson, a Liga
estava prevista no documento chamado “14 ponto de Wilson” que visava criar uma
noção de derrota sem vencido, vitória sem vencedores.
Nesse ponto convém a voz abalizada de HOBSBAWM:
“ Quanto ao mecanismo para impedir outra guerra mundial, era evidente que desmorona absolutamente o consórcio de “grandes potências” européias que se supunha assegurá-lo ante de 1914. A alternativa, exortada a obstinados politiqueiros europeus pelo presidente Wilson, com todo o fervor liberal de um cientista político de Princeton, era estabelecer um “Liga de Nações” ( isto é Estados Independentes) que tudo abragesse, e que solucionasse pacífica e democraticamente os problemas antes que se descontrolassem, de preferência em negociação pública (“alianças abertas feitas abertamente”), pois a guerra também tornara suspeitos, como “diplomacia secreta”, os habituais e sensíveis processos de negociação internacional”.70
Como se pode perceber da leitura da citação do brilhante historiador é
que o objeto crucial da Liga das Nações era evitar o segundo conflito mundial,
escopo esse que fracassou fragorosamente.
69 PIOVESAN. op. cit. P. 124 70 HOBSBAWN, op. cit p. 43
45
A Convenção da Liga das Nações, 1920, é pautada por previsões
abstratas no tocante aos Direitos Humanos, destacando-se as voltadas ao mandate
system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do
direito ao trabalho. Nesse último os Estados obrigavam-se a assegurar condições
justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças. 71
Tais normatizações representavam um limite à noção de soberania estatal
absoluta, no momento em que a Convenção previa sanções de natureza militar e
econômica para os Estados que violassem o que estava estabelecido na mesma.
Acontece uma redefinição da concepção de soberania que passa a incorporar, em
seu conceito, compromissos e obrigações de alcance internacional no que diz
respeito aos Direitos Humanos. Porém como bem lembra JAPIASSÚ essa limitação,
nesse momento histórico específico, se configurou uma falácia:
“No século XIX, influenciado pelo hegelianismo, chegou-se a falar em soberania absoluta, que nem sequer Bodin defendera, já que este mencionava restrições inerentes. Esta noção ilimitada foi utilizada por Estados totalitários, mesmo após a Primeira Guerra Mundial. Vale dizer que nem o surgimento de organizações internacionais, como a Liga das Nações, foi suficiente para modificá-la.”72
Porém, acerca da proteção aos refugiados, a Liga das Nações se
notabilizou como sendo a percussora de toda a sistemática de proteção. Sem o
papel desempenhado por essa organização internacional, o arcabouço jurídico hoje
existente talvez não existisse. Analisaremos de forma mais detida o papel da Liga
das Nações quando tratarmos do processo de definição do conceito de refugiado.
71 PIOVENSAN, op. cit. p. 124. 72 JAPIASSÚ. op. cit. P. 130.
46
2.3.8 A OIT
A Organização Internacional do Trabalho foi criada pelos auspícios do
Tratado de Versalhes de 1919, como sendo parte da Sociedade das Nações. Não há
como pensar em uma estrutura de proteção aos Direitos Humanos, sem uma
proteção integral ao trabalho dos indivíduos. O trabalho deve ser encarado como
forma de realização pessoal e não como outra forma de usurpação e exploração por
parte dos poderosos. Com a criação desse organismo internacional a proteção ao
trabalhador assalariado passou também a ser objeto de uma regulamentação entre
os diferentes Estados. Para MAZZUOLI a OIT se apresenta como o “antecedente
que mais contribuiu” para a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
pois o escopo dessa organização foi de estabelecer critérios básicos de proteção ao
trabalhador, regulando sua condição no plano internacional, tendo em vista
assegurar padrões dignos de bem estar social na atividade laborativa. Em 1946, a
OIT se tornou em organismo especializado da ONU e atualmente existem mais de
uma centena de convenções internacionais ligadas a OIT.73
Esse três institutos jurídicos e históricos, cada qual ao seu turno e modo
contribuíram sobremaneira para o processo de internacionalização dos Direitos
Humanos, seja no asseguramento de “parâmetros globais mínimos para as
condições de trabalho mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a
manutenção da paz e segurança internacional, ou seja, ainda para proteger direitos
fundamentais em situações de conflito armado.74
A OIT trabalha pelo esforço comum de seus três órgãos, se são a
Conferência Internacional do Trabalho, o Conselho de Administração, com 48
membros e o bureau Internacional do Trabalho, encarregado de executar suas
decisões.
73 MAZZUOLI. Valério de Oliveira. Direito Internacional Público. 3.ed.rev.,atual e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 154 74 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 125.
47
Após o contratempo de sua transferência provisória para o Canadá por
força da Segunda Guerra Mundial, a OIT retornou à sua primeira e única sede, que
fica na cidade de Genebra na Suíça.
2.4 A Internacionalização dos Direitos Humanos - segunda fase
Às vezes os homens podem se perguntar se algo execrável e
reconhecidamente abominável pode trazer para a humanidade algum tipo de
benefício. A resposta a essa difícil indagação pode ser sim. Não há como negar que
o Holocausto do povo judeu é uma página negra na História da humanidade, mas
serviu para que essa mesma humanidade despertasse para a necessidade de
reconstrução de um sistema de proteção efetivo dos Direitos Humanos no plano
internacional. Foi a partir da Segunda Guerra mundial que se desenrola um
panorama de proteção efetiva dos direitos fundamentais, que no nosso ver seria a
segunda fase da internacionalização dos Direitos Humanos. Nas seções anteriores
analisamos o primeiro passo dessa internacionalização, que, apesar de profícua,
ainda não foi substancial, pois esbarrava em alguns obstáculos práticos, como, por
exemplo, a doutrina da soberania absoluta dos Estados.
Na lição da MAZUOLI:
“ O legado do Holocausto para a internacionalização dos Direitos Humanos, portanto, consistiu na preocupação que gerou na consciência coletiva mundial de que a falta de uma arquitetura internacional de proteção de direitos, com vistas a impedir que atrocidades daquela monta viessem a ocorrer novamente, fazia com que aos cidadãos de todo o planeta ficassem desprotegidos contra novas e potenciais violações de direitos de monta. Viram-se os Estados obrigados a construir toda uma normatividade internacional eficaz em que o respeito aos Direitos Humanos encontrasse efetiva proteção. O tema, então, tornou-se preocupação de interesse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da sociedade internacional. Desde esse momento, então, o Direito Internacional dos Direitos Humanos efetivamente solidifica-se.”75
75 MAZUOLLI, Valério. op cit. p. 156.
48
As atrocidades que vieram à tona depois de findo o segundo conflito
mundial serviram de fundamento para a alegação de que o Direito Internacional dos
Direitos Humanos atinge sua maturidade depois de 1945. Apresentando o Estado
como grande violador de Direitos Humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da
descartabilidade da pessoa humana, que resultou no desaparecimento de 11
milhões de pessoas. A herança do Terceiro Reich foi condicionar a titularidade de
direitos a uma condição subjetiva específica em detrimento das demais. Tanto isso é
verdade que o termo genocídio não fazia parte do vocabulário das Nações antes de
1945. Essa nomenclatura teve que ser recriada para expressar o que foi para o
mundo a era hitlerista. 76
Segundo LAFER, deve-se entender por genocídio a destruição total ou
parcial de qualquer grupo social, em razão de sua raça, etnia, credo religioso e
outras condições subjetivas, tal como assassinato de membros de grupos, dano
grave à integridade física ou mental de membros do grupo, submissão intencional do
grupo a condições de existência que lhe ocasione a destruição física total ou parcial,
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e transferência
forçada de menores para outro grupo. 77
O que ficou no inconsciente coletivo foi a noção de que a 2ª Guerra
mundial destruiu toda e qualquer noção de proteção aos Direitos Humanos.Urgia,
depois do término do conflito a reconstrução, ou em alguns casos a construção, sob
parâmetros éticos e lógicos.
Emerge o paradigma proposto por Hannah Arendt que era necessário
consolidar a noção do direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser titular de direitos. 78 Nessa mesma linha de raciocínio nasce a certeza de que a proteção dos Direitos
Humanos não deve ser restrita ao âmbito doméstico dos Estados, deve ser uma
obrigação erga omnes, ou seja, uma questão de ordem internacional e que todos
76 PIOVESAN, Flávia. op cit p.. 129. 77 LAFER. Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, 2º impr. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 197-168. 78PIOVESAN, Flavia. op cit. p. 130.
49
dos Estados devem encarar de forma conjunta. Essa tendência passou a questionar
a idéia de soberania dos Estados, no sentido de limitá-la.
A noção de soberania, que no passado assumiu contornos até
românticos, a partir dessa internacionalização de direitos, passa a ser relativizada
em prol de algo maior, ou seja, os Direitos Humanos. Assim JAPIASSÚ:
“... a soberania não pode ser óbice à implantação da jurisdição penal internacional. Afinal, se não é em questões econômicas ou ambientais, que têm sido regidas por organismo internacionais, não seria em questões de proteção aos direitos humanos’.79
PIOVESAN, citando PIERRE e WESTON, confirma a afirmação do ilustre
professor carioca, quando leciona que “a ascensão e a decadência do Nazismo na
Alemanha trouxe alteração para a doutrina da soberania estatal”80.A doutrina em
defesa de uma soberania ilimitada passou a ser atacada, durante o século XX, em
especial em face das conseqüências da revelação dos horrores e das atrocidades
cometidas pelos nazistas contra os judeus durante a Segunda Guerra, o que fez
com que muitos doutrinadores concluíssem que a soberania estatal não é um
principio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações em prol dos Direitos
Humanos.
O que se percebe depois dessa mudança de consciência è o surgimento
de documentos internacionais de suma importância na proteção do homem,
documentos esses de cunho mais específicos81 e outros mais gerais. Ocupamo-nos
desses mais gerais e emblemáticos que são a Carta da ONU, de 1945, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Conferencia de Direitos Humanos de
1993.
79 JAPIASSÚ. op cit. p.. 137. 80 PIOVESAN. op cit. p. 130. 81 Tais como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas e Discriminação Racial de 1968; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979, dentre outras.
50
2.4.1 A Carta das Nações Unidas de 1945
Como oportunamente lembra COMPARATO a Segunda Guerra mundial é
fruto da não solução das questões levantadas na Primeira Guerra. O tratado de
Versalhes muito mais atrapalhou do que ajudou no processo de pacificação
mundial.82
Porém, postas frente a frente, as duas guerras são umbilicalmente
diferentes, ainda mais quando o referencial for o estatístico. Um cálculo aproximado
revela um número maior do que 70 milhões de mortos, sendo a maior parte de civis.
No tocante a refugiados, o número também aproximado, foi de 4 milhões no início do
conflito, 40 milhões no final, enfim, uma hecatombe humanitária.
A Segunda Guerra também foi o teatro dos horrores. Sem esquecer o já
citado Holocausto judeu, cabe lembrar outros fatos tão repugnantes quanto, como o
bombardeio à cidade alemã de Desdren, a Batalha de Stalingrado, e as Bombas de
Hiroshima e Nagasaki.
O fato é que as consciências se abriram e buscaram-se mais do que
nunca o respeito incondicional À dignidade humana. Nessa segunda fase de
internacionalização dos Direitos Humanos, o primeiro passo foi a criação da
Organização das Nações Unidas em 1945.
A ONU é fruto do fracasso da Liga das Nações, esvaziada pela não
ratificação por parte dos Estados Unidos. Logo, as Nações Unidas nasceram com a
vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à qual
deveriam fazer parte todos os Estados e estes imbuídos na defesa da dignidade
humana. 83
82 COMPARATO. op. cit. p. 209. 83 COMPARATO. op cit. p. 210.
51
A criação das Nações Unidas e suas agências especializadas, instauram
um novo modelo de conduta no encaminhamento das relações internacionais
focando objetivos bem definidos, tais como o alcance da cooperação internacional
no plano econômico, social e cultural, o alcance de um padrão internacional de
saúde, a proteção ao meio ambiente, A criação de uma nova ordem econômica
internacional e a proteção internacional dos Direitos Humanos. Para tal a ONU é
estruturada funcionalmente em diversos órgãos como a Assembléia Geral, o
Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e
Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado.
Destes, convém ressaltar a Corte Internacional de Justiça, que é o
principal órgão da ONU. A Corte funciona com 15 juízes e é disciplinada por um
Estatuto anexado à Carta, tem prerrogativas consultivas e contenciosas, porém só
Estados podem provocar sua jurisdição.
Com a assinatura da Carta das Nações Unidas em São Francisco, em 26
de junho de 1945, a comunidade internacional nela organizada se comprometeu
desde então, a implementar o objetivo de promover e encorajar o respeito aos
Direitos Humanos e liberdades fundamentais de todos, sem qualquer tipo de
distinção.
No texto da Carta, mais precisamente dos artigos 13 e 55, os Direitos
Humanos foram concebidos como sendo liberdades individuais. No entanto, o
objetivo primordial da Carta é empregar um mecanismo internacional para promover
o progresso econômico e social de todos os povos.
“Com esse intuito, foi criado o Conselho Econômico e Social, órgão inexistente no quadro da Sociedade das Nações, atribuindo-se-lhe a incumbência de favorecer, entre outros povos, “níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social”.84
O Conselho Econômico e Social aprovou, em 1946, o Estatuto da
Comissão de Direitos Humanos que exerce dupla função: promoção e proteção à
84 COMPARATO. op. cit. p. 212-213.
52
dignidade humana. A Comissão, na qualidade de órgão promotor, encarrega-se de
elaborar projetos de declarações e tratados internacionais que visem à proteção a
esses direitos.
A Comissão tem competência para iniciar sem provocação inquéritos
sobre situações de violações flagrantes e reiteradas de Direitos Humanos, inquéritos
esses que podem levar a uma condenação do Estado considerado responsável. A
Comissão tem ainda competência para pôr em funcionamento um mecanismo de
vigilância e informação sobre determinado tema. BUERGENTHAL, citado por
PIOVESAN afirma que:
“Esta Comissão deve submeter ao Conselho Econômico e Social propostas, recomendações e relatórios relativos aos instrumentos internacionais de direitos humanos, à proteção das minorias, à preservação da discriminação e demais questões relacionadas aos direitos humanos. A Declaração Universal, os Pactos, as Convenções e muitos outros instrumentos de direitos humanos adotados pela ONU foram redigidos pela Comissão” 85
Em 1993 a Assembléia Geral criou o posto de Alto Comissário das
Nações Unidas para os Direitos Humanos, com a missão de promover o respeito
universal de todos os Direitos Humanos, traduzindo em atos concretos a vontade e a
determinação da comunidade internacional, tal como ela se exprime por intermédio
da ONU.
O papel da Carta da ONU é consolidar o movimento de
internacionalização dos Direitos Humanos, tendo como base o consenso de Estados
que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas.
Da dicção do artigo 1º fica claro que um dos objetivos das Nações Unidas é buscar a
cooperação internacional para a solução dos problemas econômicos, sociais,
culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos Direitos Humanos e
liberdades fundamentais para todos, sem qualquer tipo de distinção.
85 BUERGENTHAL, Thomas apud PIOVESAN, Flávia. op. cit p. 138.
53
2.4.2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
A Carta das Nações Unidas no artigo 55 usa a expressão “direitos
humanos e liberdades fundamentais”, porém não definiu exatamente o seu
significado, o que demonstrou ser uma impropriedade que deveria ser logo corrigida.
Durante a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas, ficou assentado que a Comissão de Direitos Humanos, quando
criada, deveria, de pronto, desenvolver três trabalhos específicos. O primeiro seria
elaborar uma declaração de Direitos Humanos que regulamentasse o artigo 55 da
Carta da ONU; o segundo, a produção de um documento internacional, mais
vinculante do que uma declaração, que seria um tratado de Direitos Humanos e o
terceiro, a criação de um sistema adequado para assegurar o respeito aos Direitos
Humanos.
O primeiro intento foi concluído com elaboração de um projeto de
Declaração Universal de Direitos Humanos que foi aprovado em 10 de dezembro de
1948; o segundo se findaria em 1966 com a aprovação de dois Pactos, um sobre
direitos civis e políticos, e outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. O
terceiro trabalho ainda está em processo de conclusão. O que se tem hoje é a
possibilidade de se reclamar junto à Comissão de Direitos Humanos toda e qualquer
violação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, talvez o documento mais
famoso de toda essa sistemática, teve aprovação unânime de 48 Estados, com 8
abstenções.86 A inexistência de qualquer questionamento ou reserva feita pelos
Estados aos princípios da Declaração a transformou em uma plataforma ética a ser
observada pelos Estados.87
Na lição de GUERRA:
86 Os Estados que se abstiveram foram Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, URSS, África do Sul e Iugoslávia. 87 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 142.
54
“Hoje, não há povo civilizado que negue uma Carta de Direitos e respectivo mecanismo de efetivação, o que, todavia, ainda não significa uma garantia de justiça concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento político ou filosófico informador de determinado Estado”88
A Declaração Universal de 1948 objetiva traçar uma ordem pública
mundial calcada na observância e no respeito à dignidade humana ao erigir
princípios universais. Esse talvez seja o grande mérito da declaração agora em
comento. A consagração da universalidade da dignidade da pessoa humana
representa um profundo rechaço à herança nazista que, como já aludimos,
condiciona os Direitos Humanos a uma especifica categoria de pessoas. Assim
PIOVESAN completa que a dignidade humana como fundamento dos Direitos
Humanos é a concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os
tratados e declarações de Direitos Humanos, que passam a integrar o chamado
Direito Internacional dos Direitos Humanos. 89
GUERRA lembra que, com a Declaração de 1948, passa-se a vincular
aos Direitos Humanos fundamentais o que CANÇADO TRINDADE chama de bem
comum, tendo em foco a libertação do ser humano de todo e qualquer tipo de
submissão, passando o plano de proteção a ser universal, isto é, inerente a todo ser
humano. 90
Outro mérito da Declaração foi ratificar a idéia de indivisibilidade dos
Direitos Humanos ao catalogar em um mesmo documento direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. Se fizermos uma digressão histórica veremos que
havia uma dicotomia entre o direito à liberdade e o direito à igualdade. No século
XVIII os Direitos Humanos erigiram-se como escudo contra o arbítrio Absolutista
tanto o político como ou o econômico, calcados eles nas idéias dos Iluministas. Daí
a importância do valor da liberdade, com a supremacia dos direitos civis e políticos
em detrimento aos demais.
88 GUERRA, Sidney. Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005. p. 164. 89 PIOVESAN, Flavia. op. cit. p. 143. 90 GUERRA. Sidney. op. cit. p. 167.
55
No pós I Guerra as demandas serão outras, ou seja, mais do que a busca
pela cidadania, nasce o desejo da busca pelo social. Em 1917, ano da Revolução
Russa, aquele país elaborou a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado, de latente tendência marxista-lenista. Caminho seguido pelas
Constituições sócias do inicio do século XX, como a do México, de 1917, e a de
Weimar, de 1919, que criaram o conceito de Constituição Econômica. Sobre esse
assunto vale a pena a contribuição de FONSECA que escreve:
“Historicamente, é a partir da Primeira Guerra Mundial que o conceito de Constituição Econômica toma impulso, que será ainda mais desenvolvido e concretizado a partir da crise do capitalismo de 1929, e mais ainda depois da Segunda Guerra Mundial. Se a Revolução Francesa e a Independência Norte-americana trouxeram em seu bojo os fundamentos filosóficos do constitucionalismo do século XIX, com a ideologia dos direitos do homem e do cidadão, como forma de defesa contra o absolutismo monárquico vigorante até então, as duas Grandes Guerras e a crise do capitalismos no século XX trouxeram a idéia da Constituição Econômica, em que se pretende regular as relações econômicas.”91
A Declaração, ao elencar tanto direitos civis e políticos (artigos 3º a 21)
como também direitos sociais, econômicos e culturais (artigos 22 a 28), une de
forma uníssona dois discursos que pareciam ser díspares, o liberal e o social.
“Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível. Assim, partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em gerações, compartilha-se do entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage.”92
HENKIN citado por PIOVESAN completa que:
“Os direitos considerados fundamentais incluem não apenas limitações que inibem a interferência dos governos nos direitos civis e políticos, mas envolvem obrigações governamentais de cunho positivo em prol da promoção do bem-estar econômico e social, pressupondo um governo que seja ativo, interventor, planejador e comprometido com os programas econômico-sociais da sociedade que, por sua vez os transforma em direitos econômicos e sociais para os indivíduos” 93
91 FONSECA. João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 89 92 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 147 93 HENKIN, Louis, apud PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 147.
56
Tecnicamente a Declaração Universal é uma recomendação, logo não
tem força vinculante. Porém, hodiernamente, percebe-se que a vigência dos Direitos
Humanos independe de sua declaração em constituições, leis ou tratados,
exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade da pessoa
humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não.
COMPARATO, ao avaliar esse importante documento, compara-o às
grandes declarações do século XVIII, como se a Declaração de 1948 encerrasse um
ciclo.
“Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, com se diz em seu artigo II. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao termino da mais desumanizadora guerra de toda a História, percebeu-se que a idéia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.”94
Além de todo esse marco na construção de um sistema de promoção aos
Direitos Humanos, a Declaração de 1948 trouxe a baila também uma questão que
há muito abala o debate acadêmico. Já citamos alhures que no fundamento da
proteção humana há a proposta iluminista de universalização, porém tal proposto
esbarra no aspecto cultural atinente a alguns povos. A concepção universal dos
Direitos Humanos consagrada pela Declaração de 1948 sofre resistência daqueles
que consideram a idéia do relativismo cultural. Nasce, então, o debate entre
universalistas e relativistas culturais. Esse debate cinge-se à medida que há uma
flexibilização da noção de soberania nacional e doméstica, ao se definir até onde
pode penetrar na cultura de determinado povo a proteção internacional dos Direitos
Humanos.
Na visão relativista está a noção de que direitos estão umbilicalmente
ligados ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em
94 COMPARATO. Fabio. op cit p. 225.
57
determinada sociedade. Basicamente, sem querer apresentar uma visão
maniqueísta simplista, os relativistas aventam a situação do choque entre a cultura
ocidental, marcadamente cristã, com a oriental, de matizes islâmicos. A diferença
básica é que na primeira o foco está no indivíduo e na segunda no grupo. A base do
discurso relativista é que o pluralismo cultural impede sobremaneira a formulação de
um padrão único de comportamentos globalmente aceitos.
VINCENT escreve que:
“ O que a doutrina do relativismo cultural pretende? Primeiramente, ela sustenta que as regras sobre a moral variam de lugar para lugar. Em segundo lugar, ela afirma que a forma de compreensão dessa diversidade é colocar-se o contexto cultural em que ela se apresenta. E, em terceiro lugar, ela observa que as reivindicações morais derivam de um contexto cultural, que em si mesmo é a fonte de sua validade. Não há moral universal, já que a história do mundo é a história de um pluralidade de culturas”.95
Porém, basta uma leitura em qualquer dos documentos voltados para
proteção dos Direitos Humanos para saber que a sua tônica é essencialmente
universalista. Diante disso toda e qualquer peculiaridade cultural deve se apequenar
diante do risco, ou da própria violação aos Direitos Humanos.
Sobre essa temática convém citarmos a obra da professora GISELE
CITTADINO que, ao escrever sobre pluralismo e justiça distribuitiva discute a
diferença entre a filosofia liberal, comunitário e crítico deliberativa:
“ Com efeito, os liberais, porque conferem prioridade à autonomia provada, privilegiam os direitos fundamentais, pois são eles que asseguram a configuração de um Estado neutro e evitam interferências indevidas em relação às visões individuais acerca do bem. Ou, de outra forma, a neutralidade estatal é uma exigência que decorre do próprio pluralismo. Afinal, ainda que comprometidos com dos ideais democráticos, os liberais preocupam-se em proteger visões substantivas individuais das interferências resultantes de qualquer processo deliberativo público. Daí a necessidade de que os direitos fundamentais limitem a soberania popular e a legislação democrática dela decorrente.... Mais do que isso, como o pluralismo significa diversidade de identidades sociais, não se pode esperar que o Estado trate igualmente cidadãos que possuem distintos valores sociais e culturais.96
95 VINCENT. R.J apud PIOVESAN. Flávia. op cit. p. 154. 96 CITADINO. Giseli. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2004, p. 07.
58
Em resposta a critica relativista que acusa os universalistas de
imperialistas a resposta é que a história é testemunha de massacres perpretados
sob o manto da cultura ou dos costumes milenares. Não aceitar a universalidade dos
Direitos Humanos é andar na contramão da história, o que de fato tem sido muito
bem assimilado pela maioria dos Estados, haja vista a grande quantidade deles que
ratificam, sem reservas, os instrumentos internacionais de proteção à pessoa
humana.
2.4.3 Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966
Assembléia Geral das Nações Unidas adotou em 16 de dezembro de
1966, dois pactos internacionais referentes a Direitos Humanos, que mitigaram de
maneira pormenorizada as dúvida e incongruências da Declaração Universal dos
Direitos dos Homem de 1948.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entraram em vigor
apenas em 1976, pois foi só nessa data que alcançaram o número de ratificações
necessário para tanto.
Segundo o entendimento de COMPARATO esses pactos completam um
processo de institucionalização dos direitos do homem em plano universal e,
segundo o autor, iniciava-se a etapa de criação de mecanismos de sanção às
violações dos Direitos Humanos.97
Em particular, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, proclama em seus
artigos o dever dos Estados-parte em assegurar os direitos nele elencados a todos
97 COMPARATO. op. cit. p. 275.
59
os indivíduos que estejam sob a sua jurisdição, adotando todas as medidas
necessárias para este objetivo.98
Em especial convém destacar o dever dos Estados em proteger os
indivíduos contra a violação que por ventura venham a ser praticados por entes
privados. Por via do pacto, as obrigações assumidas pelos Estados eram de
natureza negativa, tais como não torturar e, de natureza positiva como prover um
sistema legal capaz de responder às violações de direitos.
Dentre as obrigações que os Estados assumem, e o Brasil ratificou esses
pactos em 1991, está a de encaminhar relatórios sobre medidas legislativas e
judiciárias para que os Direitos Humanos sejam efetivamente implementados, como
podemos perceber na dicção do artigo 40 do Pacto de Direitos Civis e Políticos.
Esses relatórios são apresentados diante do Comitê de Direitos Humanos e devem
ser encaminhados em um ano a contar da ratificação do Pacto e sempre que
solicitado pelo Comitê.
Os principais direitos e liberdades previstos pelo Pacto dos Direitos Civis
e Políticos são: o direito à vida; o direito de não ser submetidos a tortura; o direito de
não ser escravizado; os direitos à liberdade e a segurança pessoal e a não ser
submetido à prisão injusta; o direito a um julgamento justo; a igualdade perante a lei;
a proteção contra a interferência arbitrária da vida privada; a liberdade de
movimento; o direito a uma nacionalidade; o direito de casar e uma série de outros
direitos indispensáveis a uma plena vida condigna.
Nesse diapasão, convém registrar que o Pacto ratificou de forma bastante
clara o que a Declaração de 1948 já tinha elencado que é o direito a uma
nacionalidade. Constata-se então que o Pacto abriga novos direitos e garantias, mas
reafirma o catálogo da Declaração.
Já o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem
por intuito permitir a adoção de uma linguagem de direitos que implicasse em
98 PIOVESAN, op. cit. p. 163
60
obrigações no plano global, ou seja, esse Pacto criou obrigações legais aos
Estados-parte, ensejando responsabilização internacional em caso de violação dos
direitos que enuncia. Basicamente se inserem no catálogo desse segundo pacto o
direito ao trabalho e a justa remuneração, o direitos a formar e associar-se a
sindicatos, o direito a um nível de vida adequado, o direito à moradia, o direito à
educação, o direito à previdência social, o direito à saúde e o direito a participação
na vida cultural da comunidade.99
Não é objetivo desse trabalho uma análise exaustiva desses dois Pactos,
mas em termos de refúgio e de direito de asilo observa-se certa lacuna. “Essas
omissões parecem tanto mais injustificáveis quando se pensa que a Declaração
Universal de 1948 menciona esses direitos nos artigos 14 e 15.”100
Entre a Declaração de 1948 e os Pactos de 1966, duas convenções
internacionais tiveram por objeto garantir a proteção às pessoas despidas de
nacionalidade: a Convenção de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção
sobre a Redução da Condição de Apátrida de 1961. Ainda segundo COMPARATO a
existência dessas duas Convenções não retira a falha dos Pactos. A lacuna é grave,
porque, como foi assinalada, a situação dos que tiveram sua nacionalidade
cancelada por Estados totalitários foram vítimas em potencial de vários dos direitos
catalogados na Declaração de 1948.101
2.4.4 A Conferência de Direitos Humanos, Viena, 1993.
Na verdade a Conferência de Direitos Humanos de 1993 é uma
continuação dos temas discutidos na primeira Conferência de Direitos Humanos de
1968, essa ocorrida em 1968 em Teerã. Na capital do Irã se consagrou os Direitos
99 PIOVESAN. op. cit. p. 175. 100 COMPARATO. op. cit p. 279. 101 ___________op. cit. p. 279.
61
Humanos como tema global, reafirmando sua universalidade, indivisibilidade,
interdependência e inter-relacionariedade.
Sobre a questão da universalização ou não dos Direitos Humanos, a
Declaração de Viena de 1993 veio para ratificar a posição universalista em
detrimento aos argumentos relativistas. Nessa II Conferência Internacional de
Direitos Humanos quatro aspectos tiveram relevância no que se refere ao impacto
de suas resoluções para as concepções de desenvolvimento Humano. Em Viena foi
definitivamente legitimada a noção de indivisibilidade dos direitos humanos, cujos
preceitos devem se aplicar tanto aos direitos civis e políticos quanto aos direitos
econômicos, sociais e culturais. A Declaração de Viena também enfatiza os direitos
de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e os direitos
ambientais. Como se pode observar da dicção do artigo 5º desse tratado as
questões acima aventadas foram o foco principal do processo de elaboração da
declaração, pois in verbis
"Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais".
Sob o impacto da atuação do movimento de mulheres os textos de Viena
redefiniram as fronteiras entre o espaço público e a esfera privada, superando a
divisão que até então caracterizava as teorias clássicas do direito. A partir desta
reconfiguração, os abusos que têm lugar na esfera privada - como o estupro e a
violência doméstica - passam a ser interpretados como crimes contra os direitos da
pessoa humana.
A grande controvérsia de Viena se desenvolveu ao redor da questão da
diversidade que tornaria os princípios de direitos humanos não aplicáveis ou
relativos, segundo os diferentes padrões culturais e religiosos. Apesar das
resistências flagrantes à noção de universalidade dos direitos humanos, o primeiro
artigo da Declaração de Viena afirma que "a natureza universal de tais direitos não
62
admite dúvidas". A controvérsia ressurgiria no Cairo, Copenhague e Beijing.
Entretanto a definição de 1993 permaneceria como referência inegociável nestes
novos contextos de debate e negociação.
A tese universalista defendida pelas nações ocidentais prevaleceu diante
da idéia de relativismo cultural em se tratando de proteção internacional dos Direitos
Humanos. Enriqueceu-se, pois, o universalismo desses direitos, afirmando-se cada
vez mais o dever dos Estados em promover e proteger os Direitos Humanos
violados, independentemente dos respectivos sistemas, não mais se podendo
questionar a observância dos Direitos Humanos com base no relativismo cultural ou
mesmo com base no dogma da soberania. No que toca a questão da indivisibilidade,
ficou superada a dicotomia até então existente entre as categorias de direito (civis e
políticos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro), historicamente
incorreta e juridicamente infundada, porque não hierarquia quanto a esses direitos,
estando todos equitativamente balanceados, em pé de igualdade.102
Em paralelo às discussões filosóficas inconclusivas sobre universalismo e
relativismo, a universalidade dos direitos humanos vinha sendo politicamente
questionada desde a fase de elaboração da Declaração dos Direitos Humanos,
adotada por voto e com oito abstenções pela Assembléia Geral das Nações Unidas
em 1948 com o título de Declaração Universal. Embora tal questionamento nunca
tivesse sido consistente, tendendo os Estados a recorrer a ele apenas quando
tinham seu comportamento criticado, é inegável que a falta de consenso em que se
deu a adoção da Declaração de 1948 e o fato de que dois terços da humanidade
viviam em regime colonial sob domínio do Ocidente, sem qualquer participação na
definição internacional de tais direitos, davam fundamento às objeções.
Em 1993, época da conferência, a situação dos refugiados já atingia
proporções assustadoras, em resposta o artigo 23 da Declaração ressalta a
importância da Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 e dos outros instrumentos
regionais que regulam a matéria. No terceiro parágrafo, o artigo agora em comento,
assinala a “crise mundial dos refugiados”, e a “necessidade de compartilhar
102 MAZZUOLI. op. cit. p.164.
63
responsabilidades” e recomenda a sociedade internacional um planejamento amplo
que coordene atividades e promova maior cooperação com países que também
tenham compromisso com a questão dos refugiados. Segundo o entendimento a
solução perene seria, preliminarmente, a repatriação voluntária em condições de
segurança e acima de tudo em condições dignas, o que coincide com as diretrizes
do ACNUR.
No liame que ata os Direitos Humanos e o Direito Humanitário, o artigo 3º
da Declaração de Viena, trata dos Direitos Humanos das pessoas em territórios sob
ocupação estrangeira, postulando ser necessário oferecer proteção jurídica especial
em observância a Convenção de Genebra de 1949 e outras normas aplicáveis ao
Direito Humanitário.
O grande legado da Conferência de Viena é de forma inquestionável a
inserção dos Direitos Humanos no discurso contemporâneo. Essa importância nasce
do raciocino de que no passado não havia de forma uníssona uma inserção do tema
nos plano de governo. O problema é não se permitir que os direitos não sejam
utilizados como disfarce legitimamente de um sistema universal falsamente livre, de
fachada ética e conteúdo desumano.
64
3.0 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS.
3.1 O Direito de Asilo e o Processo Evolutivo da Questão dos
Refugiados.
O século XX testemunhou a internacionalização de diversos temas que,
outrora, se restringiam à esfera da jurisdição interna exclusiva dos Estados. Esse
processo oportunizou a codificação, em nível internacional, tanto global, como
regional, dos direitos humanos, dando, como já trabalhado no capítulo anterior, o
surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O século XXI não ficará alheio a esse processo, as contradições que tanto
balançaram o século XX não se dissolveram e ainda causarão uma série de
problemas atinentes a proteção à pessoa humana.
Como não poderia deixar de ser, a especificidade dos diversos assuntos
provenientes desse amplo campo, o da proteção internacional dos direitos humanos,
propiciou o desenvolvimento, entre outras vertentes, do Direito Internacional dos
Refugiados.
Trata-se de tema que tem suas origens na própria trajetória da
humanidade sobre a Terra, nos tempos bíblicos já encontramos referências a essas
pessoas que por motivos alheios a sua vontade se vêem impelidos a deixar a sua
Terra Mater para buscar segurança ou vida em terras estrangeiras.
Porém é precisamente no útero da Liga das Nações que se encontram as
raízes históricas do Direito Internacional dos Refugiados, tendo, nas Nações Unidas,
se iniciado a sua fase mais contemporânea. O desenrolar desse tema, a partir da
segunda metade do século XX ganha uma forma significativa, pois é crescente o
número de refugiados ao redor do planeta, em uma estatística pouco precisa algo
em torno de 30 milhões de pessoas.
65
Tal magnitude de pessoas tem preocupado tanto os governos de diversos
países, como organizações internacionais de diversas áreas no sentido de se definir
soluções que melhorem a sorte desse contingente humano. A essência dessa
preocupação está calcada na idéia de universalidade os Direitos Humanos, sem
desmerecer os outros graves problemas que assolam a humanidade a questão dos
refugiados toma uma envergadura significativa, sendo por muitos tratados como os
“mais vulneráveis dos vulneráveis”.
Como já mencionado a questão do refúgio está longe de ser um
“privilégio” de nossos dias, o problema perpassa por toda a história da humanidade,
no livro de Gênesis quando o Criador castiga Adão por seu pecado já encontramos a
seguinte passagem: “O senhor Deus, por isso, os lançou fora do Jardim do Éden, a
fim de lavrar a terra de que fora tomado. E, expulso o homem, colocou querubins ao
oriente do Jardim do Éden, e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar
o caminho da árvore da vida”.103
Fugir de sua terra por ter desagradado a algum governante ou cultura
dominante sempre foi um fato. A sociedade em algumas eras, e na nossa isso não é
diferente, tem a intolerância como característica nefasta diante do dito “diferente”
que não se enquadra no padrão aceitável de convivência. A História prova isso, a
própria Bíblia, além da passagem acima, narra inúmeros outros casos de pessoas
que não puderam ficar onde gostariam de estar por não se sentirem seguras, Caim
se refugiou pelo crime cometido contra o irmão; a viagem dos irmãos de José ao
Egito em busca de víveres pode ser vista hoje como a primeira ocorrência de
refugiados ambientais104 que fogem do flagelo da fome.
Ao fugir das conseqüências de um crime cometido, das intempéries ou de
qualquer tipo de discriminação imposta pelo governante ou pela cultura dominante,
sempre buscou o indivíduo a proteção que lhe faltaria, caso optasse por permanecer
onde outrora se encontrava. Indo para novas terras, buscava fugir do raio de
103 Gênesis, 3, 23 e 24. 104 Os Refugiados Ambientais, não estão enquadrados na definição positivada na Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado de 1951, porém como veremos alhures a ampliação do conceito de refugiado trará a essa categoria a proteção merecida.
66
atuação de seus algozes onde clamava por proteção. Tal proteção é a essência da
palavra asilo, que deriva do grego asylon, formado pela partícula a que denota “não”,
e da palavra asylao, que equivale aos verbos quitar, arrebatar, tirar, sacar ou
extrair.105
Não é por acaso que a palavra asilo deriva do grego, pois foi
especificamente lá que ele foi objeto de grande valia e de extenso uso, sendo
concebido em noção de inviolabilidade ou de refúgio inviolável. Édipo, cego e banido
de Tebas, chega a Colono amparado pela sua filha Antígona que o acompanha no
terrível exílio. Cansado, avista um bosque e resolve se sentar quando houve uma
rude voz “sai deste lugar! Não podes pisar em solo sagrado “106os anciões da Ática
também o consideram impuro e indigno de pisar no solo sagrado das Eumênidas.
Velho, e em deplorável estado, suplica então audiência com Teseu, basileu de
Atenas, que se compadece do desafortunado ancião. O soberano conhece a história
daquele homem que vazara os olhos ao saber até onde o levara a maldição de sua
raça. As primeiras palavras do justo Teseu dão-nos a exata dimensão do que nunca
deixou de ser, tanto hoje quanto há dois mil e quatrocentos anos, o gesto preciso de
quem compreende que ao homem que ali está toca um acolhimento para além dos
preceitos vigentes.
“ Tantas vezes ouvi falar outrora da sangrenta mutilização dos teus olhos que te reconheci, ó filho de Laio. E pelo que aos meus ouvidos chegou agora, no caminho até aqui, maior é a minha certeza. Sim, as tuas vestes e o teu vulto desditoso denunciam quem tu és. E movido pela compaixão, é meu desejo perguntar-te, ó Édipo de má fortuna, qual é a súplica à cidade e à minha pessoa que a este lugar te prendem – a ti e à tua triste companheira. Diz-me. Grave teria que ser o teu pedido, para que me abstivesse de o atender: eu que – criado em terra estranha e que,mais que qualquer homem, em solo estrangeiro defrontei perigos com risco da minha própria vida. Deste modo, eu não poderia negar a um estrangeiro, como tu agora te apresentas, o auxílio salvador “107
105 ZARATE, Carlos. El asilo em el Derecho Internacional Americano. Bogotá, Ed. Iqueima, 1957, p.21. 106 Sófocles: Édipo em Colono. Tradução de Maria do Céu Zambujo Fialho. Editora Minerva, Coimbra, 1996. 107 Idem.
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Não há como desvencilharmos a perenidade da tragédia grega como a de
milhões de seres humanos em fuga ao redor do mundo em busca de abrigo e
piedade. Como hoje, na Antiguidade aquele que procurava asilo era, via de regra,
um estrangeiro, o que em muito o favorecia perante os gregos, pois, para estes, a
hospitalidade108 para com os alienígenas era um critério que moldava a cultura ou a
barbárie de um povo. Várias eram as outras instituições que visavam a proteger o
estrangeiro, podendo-se citar, a proxénie, a isopoliteia, a asylia e os symbola.
Roma, que submeteu à soberania da Grécia, a instituição do asilo sofreu
influencia do seu direito, segundo qual o asilo, além do caráter religioso, revestia-se,
também, do caráter jurídico. Para evitar os abusos prejudiciais à tranqüilidade
pública, o direito romano mandava conceder asilo somente àqueles que não fossem
culpados nos termos da lei da época, protegendo, desse modo, apenas as pessoas
injustamente perseguidas seja pelo Poder Público, seja pela paixão dos particulares.
Na Roma republicana e do Império, os mais amplos poderes foram atribuídos ao
direito de asilo, em especial quando do governo dos imperadores Honório e
Teodósio, que se haviam convertido ao cristianismo. 109
Com o processo de cristianização de Roma, ocorreu uma profunda
mudança nas estruturas sociais em seu mais amplo sentido; Constantino
transformara as edificações católicas em lugares de asilo, sendo que seu conceito
geral emergiu da Ordem Beneditina de Cluny, no século X, quando a “Paz de Deus”,
já explanada no capítulo anterior, foi invocada para as igrejas, suas redondezas e
respectivos habitantes, e quando os indivíduos passaram então, a gozar de certa
imunidade. Ainda na Idade Média, as “Leis Partidas” definiram o asilo como um
privilégio das igrejas e cemitérios.
“ O mosteiro de Cluny foi o mais importante de um sistema de criações fundadas no século X como parte do movimento de reforma monástica no
108Para Celso Lafer, a hospitalidade universal é um princípio de jus cogens de ordem internacional, em especial em virtude de o genocídio ser um precedente ameaçador da ordem pública internacional. LAFER. Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. p. 23. 109 LUNA, Alexandre. El asilo político. San Salvador, Ed. Universitária, 1962, p.20.
68
sentido de conseguir imunidade relativamente às influências locais e retorno a um a imitação mais rigorosa da Regra de São Bento.”110
O período do século X ao XVIII, mais especificamente os anos de 950-
1250, foi alvo de uma radical mudança na Europa. A sociedade assume um viés
perseguidor causando a exclusão de elementos judeus e hereges de toda espécie,
que tiveram que fugir para não serem extintos, pois esse era o real objetivo.
Os séculos XIII, XIV e XV, foram palcos cronológicos para a expulsão dos
judeus da Inglaterra, França, Espanha e Portugal, que se viram obrigados a emigrar
para outros países da Europa, mais tolerantes, ou para África e principalmente para
a América.
Em particular, a expulsão dos judeus que habitavam a Espanha, no final
do século XV, teve como resultado o fluxo de cerca de 300.000 moradores na
Península rumo à Itália, Turquia e, posteriormente, aos Países Baixos.
Na época da Reforma Religiosa, houve uma sensível decadência do
poder eclesiástico, o que fez com que o direito de asilo fosse perdendo a reverência
a ele reconhecida na Era Medieval; na fase medieval, instados pela forma imanente
do liame religioso que conjugava asilo e Igreja e pelo prestígio desta instituição, os
governantes da Europa, motivados pela política universalista, abriram as portas de
seus reinos aos que, pelos motivos mais variados, ali buscavam proteção. O
processo da Reforma resultou no surgimento de asilados em toda à Europa, com
destaque para Genebra, talvez o maior centro de protestantes franceses, ingleses e
italianos perseguidos após a fuga de Calvo, da França em 1541. A filosofia política
dita universalista aliava a idéia de liberdade com a de opção e tolerância religiosa.
Juntamente a essa liberdade de opção religiosa reivindicava-se a liberdade de
pensamento e de opinião, a qual, igualmente, fora fruto da laicização do Direito
Natural a partir de Grócio e do conseqüente apelo à razão como fundamento do
direito. 111
110 B, Bolton. A Reforma na Idade Média, Lisboa, Edições 70, 1983, p. 46. 111 LAFER, Ceslo. op cit. p. 121.
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Mas o século que deu uma significativa guinada no instituto do asilo foi
sem dúvida o XVII; nesse período Grotius asseverou que as pessoas desapossadas
de seus lares tinham o direito de adquirir residência permanente em outro país,
submetendo-se ao governo que lá detivesse a autoridade. Grotius, juntamente
como outros precursores do Direito Internacional Público (DIP), como Suarez e
Wolff, enxergavam o asilo como um direito natural e uma obrigação do Estado,
sustentando que, em obediência a um dever humanitário internacional, os Estados
que concediam asilo estavam agindo em benefício da civitas máxima ou da
comunidade de Estados. Não se pode olvidar a opinião de outro “pai” do DIP,
Francisco da Vitória, que considerava o asilo como um equivalente à pena capital.
Ainda no século XVII, a concessão do asilo deixou de ser competência exclusiva da
Igreja, pois com o advento dos Estados Nacionais e o conseqüente surgimento de
um poder civil soberano em seu interior, teve origem o que se pode denominar a
laicização do instituto do asilo112, fenômeno que, em nenhum momento, subtraiu as
prerrogativas da Igreja, posto que com ela convivia. A aplicabilidade em maior
escala da prática do asilo aumentou quando, em 1685, o Rei Luis XIV, rejeitou o
Edito de Nantes e, logo em seguida, Friedrich Wilhelm, Marquês de Brandenburgo,
expediu o Edito de Potsdam, por meio do qual todas as facilidades foram providas
aos huguenotes franceses, de sorte que eles se estabelecessem nos territórios sob
o domínio do Marquês. O Grande Eleitor Frederico Guilherme, Duque da Prússia,
também acolheu os huguenotes, e que fez que, em 1697, de um total de 22000
habitantes, Berlim fosse composta por 4292 refugiados franceses. Na mesma época
outros países europeus não-católicos, como Dinamarca, Inglaterra, Países Baixos,
Rússia, Suíça e Suécia, além dos Estados Unidos da América. 113
No século XVIII, por sua vez, encontramos na Constituição Francesa de
1793, no seu artigo 120 o direito de asilo, que positivava que o povo francês
concedesse asilo aos estrangeiros exilados de sua pátria por causa da liberdade,
porém o nega aos tiranos de toda sorte. ANDRADE114 citando GUETSEVITCH
esclarece que:
112 GARRIDO, López. El Derecho de Asilo. Madrid, ED. Trotta, 1991. p. 8 113 ANDRADE, José H. Fischel. Direito Internacional dos Refugiados – evolução histórica ( 1921-1952).Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 16. 114 ANDRADE. op. cit. p. 16
70
“ À época, a Assembléia Nacional declarou que em nome da Revolução Francesa, conceder-se-ia fraternidade e socorro a todos os povos que desejassem readquirir sua liberdade, encarregando o Poder Executivo de dar aos generais as ordens necessária para que se levasse a esses povos e para que se defendesse seus cidadãos quando tivessem sido prejudicados, ou ainda pudessem sê-lo, por amor à liberdade. Foi precisamente esse texto que originou a tradição francesa, mantida até o presente – ainda que em menor escala - , quanto à concessão de proteção aos refugiados.”
Contraditoriamente, a época de efervescência humanista de luta pelos
direitos do homem e do cidadão, não notamos um progresso no instituto do asilo em
nível constitucional. O que se sedimentou foi que o direito do asilo se converte em
um direito discricionário do Estado, calcado em critérios poucos objetivos sendo
temperado ainda por questões políticas e ou religiosas.
Napoleão Bonaparte, que 1808 se tornaria Napoleão I, Imperador; em
1801 protesta contra a extradição requerida pela Inglaterra e levada a efeito pelo
Conselho da Cidade de Hamburgo, de três irlandeses acusados de terem preparado
uma insurreição armada. Em 1802, Napoleão requeria ao governo de sua arqui-rival
a extradição de exilados políticos franceses. Napoleão mesmo, que mais tarde,
derrotado, seria exilado para morrer na ilha de Santa Helena, em 1815. Isso que no
século XIX o instituto do asilo assume uma roup.em no sentido da não extradição
por crimes políticos. Já em meados deste século a maioria dos tratados de
extradição reconhecia o princípio da não-extradição por ofensas políticas, com
exceção, contudo, das cometidas contra os Chefes de Estado.
Foi também no século retrasado que as discussões sobre a temática do
asilo chegaram a solo americano. O Tratado sobre Direito Penal Internacional,
concluído em 1889, sob os auspícios do Primeiro Congresso Sul-Americano de
Direito Internacional Privado, trouxe em seus artigos 15-19 o asilo relacionado com
as regras de extradição e aos delitos políticos. O contexto histórico do referido
tratado reflete o ambiente revolucionário de independência pelo qual passou o
continente americano no século XIX.
“A necessidade particular deste continente fez com que, na regulamentação jurídica regional do asilo, características próprias e peculiares fossem moldadas nos seus respectivos instrumentos. Apesar de o instituto asilo, em sua concepção regional latino-americana, ter sido, e ainda ser, deveras importante para a solução de alguns casos que surgem no continente, sua
71
influência direta na gênese do instituto refúgio, considerado aqui em seu âmbito global, é sobremaneira limitada. “115
O refúgio assume papel de instituto jurídico internacional no século XX no
contexto da Liga das Nações e, posteriormente, da Organização das Nações
Unidas, motivado por situações diferentes que ensejaram o nascimento do asilo
latino-americano, tanto na sua forma territorial como diplomática.
As sucessivas perseguições que ao correr dos séculos foram ensejadas
pelos diversos motivos já mencionados, jamais trouxeram aos Estados os
transtornos que a sociedade internacional atual enfrenta.
Antes da Primeira Guerra (1914-1918), os problemas com os refugiados
eram resolvidos com certa facilidade, as soluções se davam ou por via da
concessão de asilo, ou da extradição ou ainda com as normas do Direito Penal
Internacional. Naquela época ainda haviam espaços a serem preenchidos no
mundo, espaços esses, ávidos por elementos econômico ou intelectualmente ativos,
alguns Estados faziam questão de receber esses imigrantes como fonte de adição
cultural e econômica. A preocupação e a proteção, em escala planetária, se deu
efetivamente e de forma coordenada por intermédio da Liga das Nações, isso se deu
justamente por causa das hecatombes registradas no pós primeira guerra. Nesse
diapasão basta lembrar que para as gerações européias contemporâneas desse
primeiro conflito mundial, paz se tornou um conceito delimitado cronologicamente,
ou seja, paz foi aquilo vivido antes de 1914.
Nos anos subseqüentes a esse conflito, enormes contingentes de
refugiados dos extintos Impérios Russo e Otomano dirigiram-se à Europa central e à
do oeste, assim como para a Ásia. Terminada a Guerra dos Bálcãs (1912-14),
iniciou-se o deslocamento involuntário de grupos de minorias étnicas naquela região:
búlgaros expulsos da Romênia, Sérvia e Grécia, gregos expulsos da Bulgária e da
Turquia.
115 ANDRADE. op. cit p. 19
72
O encerramento da guerra em 1918 não trouxe alento para a questão dos
refugiados, muito pelo contrário, o agravamento foi sentido sensivelmente. E esse
aumento veio acompanhado por outros problemas adicionais, como vicissitudes
políticas, econômicas e sociais, o que fez se tornar mais adequado à criação de um
estatuto jurídico internacional que normatizasse a situação. A situação complicou-se
mais ainda em razão do florescimento de um nacionalismo político-econômico que
criou mais barreiras às ondas imigratórias. ANDRADE116 lembra que naquele
contexto histórico não havia apenas refugiados políticos, havia pessoas que viviam
em uma perfeita crise de soberania estatal, conhecidos como apátridas. Muitos
havia que se encontravam em situação de completa falta de proteção estatal,
mesmo sem estarem nessa situação, necessariamente, em função de suas opiniões
políticas ou de suas crenças religiosas.
Em 10 de janeiro de 1920, entrou em vigor internacional o Pacto da Liga
das Nações, órgão internacional que no seu preâmbulo já assinala o quão difícil
seria a sua missão, pois almejava “entreter à luz do dia relações internacionais
fundadas na justiça e na honra” comprometendo os seus Estados-parte a “assegurar
e manter condições de trabalho eqüitativas e humanas” e isso não só em seus
territórios domésticos mais em todo o mundo.
Logo, o contingente cada vez maior que buscava por proteção passou a
ser a pauta de discussões da Liga. O sentimento geral era o de que esta seria a
instituição que melhor poderia combinar a autoridade moral para representar os
direitos dos refugiados com a necessária abordagem prática dos problemas criados
para os Estados que os recebiam.
A atuação da Liga nesse sentido foi naquele momento específico muito
criticada, pois a assistência prestada pela mesma foi marcada por simpatias a
determinados grupos de refugiados em detrimento de outros. Outra crítica
contundente à Liga foi o fato de a mesma não precisar o conceito de refugiado.
116 ANDRADE. op. cit p. 22
73
Sobre essas críticas é de bom alvitre conhecer a posição de LAFER117
que escreve que:
“ Dentre as várias razões políticas pode-se mencionar o fato de a Liga das Nações não ter sido o resultado de um esforço conjunto das grandes potências da época, o que resultou em sua conversão numa instituição anglo-francesa, que não reuniu condições e recursos de poder suficientes para instaurar uma ordem pública com a estabilidade desejada; por outro lado, como exemplo de razão econômica, pode-se citar o desaparecimento do padrão-ouro, o que gerou, pela falta de mecanismos de cooperação no plano internacional, o protecionismo e a autarquia.”
Resumidamente a atuação da Liga foi obstada por questões de soberania
estatal, e principalmente pelos vetores políticos e econômicos. Esse estado de
coisas sempre levou os analistas a taxarem de inútil, o que pode ser comprovado
em vários livros de História Contemporânea, por outro lado, há autores que
enfatizam que um dia se fará justiça ao papel que ela desempenhou.
Acima dessas discussões a Liga das Nações é responsável pelos
esforços conjuntos da comunidade internacional com o fito de minimizar o sofrimento
dos refugiados. Tais primeiros esforços podem ser divididos cronologicamente e
didaticamente em dois períodos; primeiro de 1921 a 1952 e segundo de 1952 até os
dias atuais.
3.2 O Processo de Qualificação e Busca de uma Definição Jurídica para
Refugiado – o Caso dos Russos, Armênios, Turcos, Assírios, Assírios-
Caldeus e Assimilados. O Papel da Liga das Nações e Outras Iniciativas
Cremos que para o melhor entendimento da temática devemos sempre ter
em tela o papel da Liga das Nações, mesmo que algumas vezes criticada, a ela
deve ser creditada o embrião da proteção aos refugiados. 118 Essa proteção foi
decorrente da criação de um órgão específico para a proteção dos refugiados russos
117 LAFER, Celso. Comércio e Relações Internacionais. São Paulo. Ed. Perspectiva, 1977. p.s. 66 369. 118 A Liga não promoveu a proteção jurídica de refugiados portugueses, espanhóis, búlgaros e italianos. Mas empreendeu grande esforço na proteção aos refugiados gregos. Conforme ANDRADE.
74
da revolução Bolchevique de 1917 e da posterior guerra civil entre russos brancos
(reacionários) e vermelhos. As estatísticas do número de russos que foram forçados
a partir, apesar de não muito confiáveis, batem na casa dos 2.000.000.
Aquém das questões históricas que motivaram essa migração, é
interessante notar que nessa ocasião começou-se a qualificar de forma diferente os
vários tipos de refugiados. Seriam esses os de imigração puramente política; os de
imigração militar; os de imigração civil; os refugiados judeus empurrados pelos
progrons e os refugiados do medo das execuções capitais ou do exílio na fria
Sibéria. Todas essas categorias tinham seus medos e objetivos específicos mas
todos de forma geral estavam preocupados com a própria subsistência, casos como
os dos judeus, perseguidos por questões já conhecidas, que perderam de forma
brutal os seus negócios e por conseqüência os seus meios de subsistência.
O caso dos refugiados russos chama a atenção também por outro
aspecto, os que se encontravam no exterior em razão de sua discordância com o
regime que então passa a viger na Rússia foram desnacionalizados, tornando-se,
portanto, num primeiro momento apátridas.
“A desnacionalização, tida, desde há muito, como a forma fundamental da retirada de jure da proteção estatal, foi empregada numa escala desconhecida pela história, posto ter afetado, num brevíssimo espaço de tempo, cerca de 2.000.000 de refugiados russos.”119
Deve-se chamar a atenção para o critério de concessão de nacionalidade
ou de perda da mesma, utilizado pelo governo revolucionário russo. Lá a cidadania
passou ser disponível não só para aqueles que nasceram no território russo, mas
para todos aqueles que se identificassem com a causa socialista. Logo, entende-se
o porquê da desnacionalização dos oponentes políticos.
Esse contingente de russos refugiados apátridas de jure, vagou de Estado
em Estado na Europa sem que nenhum destes conseguisse por fim a sua saga. A
grande fonte de assistência que estes refugiados recebiam, provia da Cruz
119 ANDRADE. op cit. p. 36.
75
Vermelha que se deparou com problemas de ordem jurídica e financeira. Logo,
nasceu a idéia de contactar a Liga das Nações para a solução do problema, essa
iniciativa partiu do então presidente da organização Sr. Gustave Ador.
Das negociações empreendidas resultou a criação do Alto Comissariado
para os Refugiados Russos, sendo que em 1921, foi escolhido comissário o Dr.
Fridtjof Nansen. Dr. Nansen, estadista norueguês, era a pessoa perfeita para o
cargo tendo entrado para a história do Direito Internacional dos Refugiados como o
maior amigo dos sem-amigos.
O explorador do pólo norte, mais uma das facetas do Dr. Nansen, logo ao
assumir o cargo percebeu que a situação era muito mais complexa do que julgavam
os analistas da época. O principal problema advinha do fato de ser totalmente
descartada pelo governo russo a idéia de repatriação em massa dos refugiados,
logo o objetivo do Alto Comissariado passou a ser o de regular o estatuto jurídico de
uma grande massa da população que não tinha nacionalidade, assim como o de
colaborar na procura de residência e de trabalho permanente a essas pessoas.
Ficavam assim estabelecidos os escopos do Alto Comissariado, que seriam: a)
definir o status jurídico dos refugiados; b) organizar e planejar o reassentamento
dessas pessoas nos países que aceitassem recebê-los e c) providenciar trabalho e
outros tipos de assistências primordiais a sobrevivência de qualquer ser humano.
Desses três objetivos, o que mais interessa a esse trabalho foi a questão
da definição do status jurídico. Para os refugiados do passado, como para os do
presente, a questão da falta de documentação é um grande drama. Sem qualquer
tipo de identificação fica o refugiado a margem de qualquer tipo de proteção estatal.
Em 1922, sob os auspícios do Alto Comissariado foi ratificado por 53 países o Ajuste
Relativo à Expedição de Certificados de Identidade para os Refugiados Russos.
Esse Ajuste de 1922 não definiu de forma definitiva o que deveria se entender por
refugiado russo, porém esse certificado, conhecido mundialmente como Passaporte
Nansen, atestava que se tratava de pessoa de origem russa que não adquiriu outra
nacionalidade.
76
Essa definição foi criada por intermédio dos próprios refugiados russos
que faziam questão de se agarrar ao mínimo resquício de uma nacionalidade,
efetiva ou não, para não serem confundidos ou misturados com qualquer outro tipo
de apátrida. Não se pode olvidar que o indivíduo só se refugia se é obrigado a isso,
logo, alguns desses russos amavam sua pátria e não queriam ser desleais ao seu
país de nascimento.
O Passaporte Nansen foi o primeiro documento internacional de
identidade destinado a refugiados, e tem o mérito de ter devolvido aos refugiados
russos a personalidade jurídica. Em 1924, o número de refugiados russos caiu pela
metade graças ao uso do Passaporte e a nacionalização em muitos países dentro e
fora da Europa, inclusive no Brasil. O trabalho no Alto Comissariado foi brindado
com o prêmio Nobel da Paz em 1923. E em 1924 o mandato do Alto Comissariado
para os Refugiados Russos foi estendido a outros refugiados. 120
HOBSBAWM lembra que as maiores crueldades do século XX foram
aquelas do tipo impessoais, decididas a distância, de sistema e rotina, quase
sempre justificadas como lamentáveis necessidades operacionais. Segundo o
grande historiador o mundo se acostumou à expulsão compulsória, e lembra a
questão dos armênios massacrados pelos turcos que pode figurar como a primeira
tentativa moderna de eliminar toda uma população. 121
Logo, o segundo povo que recebeu a assistência do Alto Comissariado
foram os armênios que vão tomar o lugar dos russos na agenda internacional no
assunto refugiados. A Liga das Nações tardou em socorrer os refugiados armênios,
até que os Estados Unidos da América ofereceu seus bons ofícios e mediação, a
Espanha a sua cooperação moral e diplomática. O Brasil afirmou estar pronto para
prover assistência, isoladamente ou em conjunto, com outras potências, de sorte a
dar um fim ao desesperado sofrimento dos armênios.
120 ANDRADE. op. cit. p. 47 121 HOBSBAWM. op. cit p. 57
77
A Liga então se concentrou na assistência às mulheres e crianças, mas
essa iniciativa com outras tomadas foram marcadas pela timidez e pelo fraco socorro
efetivo, a Liga queria se ausentar da questão deixando o ônus a cargo de qualquer
potência que se compadecesse da situação armênia.
Mais uma vez por intercessão do Dr. Nansen em 1924 foi assinado entre
35 nações, inclusive o Brasil, o Plano Relativo à Expedição dos Certificados de
Identidade para os Refugiados Armênios, que estendeu aos armênios o direito de
portar ao Passaporte Nansen que passaram então a serem conhecidos como
refugiados Nansen.
“Foi, sobretudo para estes, mais do que para os 300 mil armênios que fugiam do genocídio, que se inventou um novo documento para aqueles que, num mundo cada vez mais burocratizado, não tinham existência burocrática em qualquer Estado; o chamado passaporte de Nansen da Liga das Nações, com o nome do grande explorador ártico que fez uma segunda carreira sendo amigo dos sem-amigos. Numa estimativa por cima, nos anos 1914-22 geraram entre 4 e 5 milhões de refugiados. “122
Os defeitos e incoerências das questões, tanto russa como armênia foram
sanados por uma Conferência realizada em Genebra de 10 a 12 de maio de 1926,
que definiu o que se deveria entender por refugiados russos e armênios. A
necessidade de se precisar a noção fundamental de refugiado, a despeito da
relutância de alguns Estados, condicionava a existência de um regime uniforme.
Depois de 1926, conforme leitura do Ajuste era refugiada toda pessoa de
origem russa que não estivesse mais sobre a proteção estatal da URSS e que ainda
não tenha adquirido outra nacionalidade. E refugiados armênios eram todos de
origem armênia, antes cidadãos do Império Otomano que no momento não gozam
de proteção da Turquia e ainda não tenham adquirido outra nacionalidade.
O Ajuste de 1926 representou um providencial avanço na questão dos
refugiados russos e armênios, mas ainda fazia-se necessária a redação de um
instrumento mais específico sobre o assunto. E o Alto Comissariado para os
Refugiados Russos organizou em 1928, na cidade de Genebra, outra Conferência
122 ANDRADE. op. cit. p. 58
78
Intergovernamental Relativa aos Refugiados Russos e Armênios, a qual resultou na
adoção de dois Ajustes e de um Acordo. Nessa oportunidade, pela primeira vez,
foram feitas considerações de caráter global acerca da situação jurídica dos
refugiados. 123
O primeiro Ajuste trouxe regras específicas sobre expulsão de refugiados
condicionando-a ao fato de ter o refugiado entrado no país com o fito de cometer
ilícitos penais ou atentar contra a segurança nacional daquele Estado. Nesse Ajuste
de 1928 percebe-se a introdução da idéia do princípio do non-refoulement que na
época era objeto de recomendação por parte da Liga das Nações. Esse Ajuste de
1928 é lembrado na trajetória do Direito Internacional dos Refugiados como sendo o
primeiro estatuto internacional legal sobre refugiados.
ANDRADE lembra o valor vinculante do Ajuste de 1928 citando como
exemplo o caso da Alemanha que transformou em lei a recomendação ao princípio
do non-refoulement, ao inserir na sua Auslanderpolizeiverordnung que a expulsão,
ou refoulement, de um apátrida, só deveria ser ordenada caso um Estado estivesse
desejoso de aceitá-lo.
Porém a desintegração dos grandes Impérios levada a cabo no início do
século XX fez crescer petições submetidas ao Alto Comissariado de refugiados não
russos e não armênios, tais como assírios, assírios-caldeus, montenegrinos e turcos.
Dr. Nansen, demonstrando uma preocupação universalista, destacou a necessidade
de essas pessoas possuírem documentos para que pudessem rumar para os países
de escolha e para que tivessem proteção efetiva.
O Conselho da Liga das Nações, ainda em 1928, exarou uma Resolução
que visou estender todo o arcabouço jurídico concedidos aos refugiados russos e
armênios aos assírios, assírios-caldeus e turcos. Assim esses refugiados passaram
a ter acesso ao Passaporte Nansen, e como os armênios passaram a ser chamados
também de Refugiados Nansen.
123 ANDRADE. op cit. p.. 54
79
O período subseqüente a essas questões, ou seja, após 1930, a situação
no mundo não melhorou muito no tocante a relações internacionais. As atrocidades
teimavam em acontecer e sempre a Liga das Nações era instada a se fazer
presente, o que nem sempre era possível, dada as pressões políticas sobre essa
organização.
A proteção aos refugiados era obstada por questões políticas,
econômicas, jurídicas e de soberania, ainda um conceito forte e absoluto naqueles
anos. Porém, os fatos históricos negativos que se sucedem refletem na busca por
um conceito para refugiado e no surgimento de mais organizações e documentos
internacionais de proteção a essa minoria.
O ano de 1930 é marcado por uma perda inestimável entre aqueles que
se importavam com os refugiados no mundo. Morre Dr. Nansen. Com a sua morte a
Liga das Nações cria o Escritório Nansen que inicia os seus trabalhos em 1931, com
prazo para a sua extinção que seria originalmente no último dia de 1939.
O Escritório Nansen sofreu um choque de gestão a partir da eleição do
seu terceiro e último presidente, o Dr. Michael Hansson, também norueguês, que
nutria um grande compromisso com o legado do Dr. Nansen. O Dr. Hansson
enfrentou grandes dificuldade no seu mandato, sendo que todas elas foram
agravadas pela crise financeira dos anos 30 que fez rarear as ajudas financeiras
para as causas humanitárias. Dentre esses problemas estavam a perda de
influência internacional da Liga e o número cada vez mais crescente de refugiados
alemães que notadamente depois de 1933, passou a fugir da política hitlerista.
A grande luta do Escritório Nansen foi a de convencer a Liga das Nações
de que era urgente a convocação de uma Convenção que resolvesse de uma vez
por todas a questão jurídica dos refugiados, já que o mandato do Escritório Nansen
tinha data para terminar.
Pressões à parte, em 1933, abriu-se assinaturas para Convenção Relativa
ao Estatuto Internacional dos Refugiados. Os principais dispositivos da Convenção
80
orbitavam sobre questões de ordem administrativa, situação jurídica e condições
para o trabalho. No tocante ao conceito o artigo 1º da Convenção regrava que:
“A presente Convenção é aplicável aos refugiados russos, armênios e assimilados, tal como definidos pelos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, sujeitos às modificações ou ampliações que cada Estado Contratante pode introduzir neta definição no momento da assinatura ou da adesão”.
Essa definição merece ser comentada em dois pontos cruciais. O primeiro
refere-se à expressão utilizada “assimilada” que abre um leque muito maior do que o
até então concebido, ou seja, um pouco restrito a russos e armênios. O outro ponto
é possibilidade de “modificações e ampliações”. O termo modificações aceitaria uma
restrição ao conceito o que poderia estreitar o âmbito de sua atuação. Porém é
digno de registro o caso da França que usou o termo para estender a proteção a
refugiados espanhóis.
O princípio do non-refoulement não passou ao largo da Convenção. O
artigo 3º regrava que cada Parte Contratante deveria se comprometer a não recusar
a admissão de refugiados de seus países de origem. O artigo 23 da Convenção de
1933 possibilitava também por iniciativa dos Estados-parte a adoção de reservas,
salvo dos artigos 16-23. Logo, todos os artigos pertinentes à definição, ao estatuto
jurídico dos refugiados e aos direitos a eles concedidos, eram passíveis de reserva,
tendo os Estados feito uso intensivo desta prerrogativa.
Nota-se da análise da Convenção que ela foi a termos de definição
insuficiente, mas o seu valor está no seu pioneirismo, pois abriu caminho para
posteriores iniciativas. Pode-se dizer que ela seria o embrião da Convenção de 1938
e a de 1951, ambas mais protetivas e específicas.
O grande legado da Convenção de 1933 divide-se em dois pontos cruciais
que merecem destaque. Um foi a continuidade dada a essência de proteção aos
refugiados, ou seja, não houve qualquer restrição na qualificação; o outro foi a
ampliação do âmbito geográfico de aplicação destas normas, pois Estados que não
haviam ratificados os Ajustes anteriores no documento de 1933 se fizeram
presentes.
81
A Convenção de 1933 seguindo a essência de sua criação não prorrogou
ou estendeu o mandato do Escritório Nansen, que continuou a sua tarefa
humanitária de minorar o sofrimento dos refugiados. O escritório se empenhou em
conseguir residências para milhares de refugiados por meio de assentamentos, em
especial para os armênios. No caso do Brasil, chegaram por intermédio do escritório
luteranos alemães.
O Escritório Nansen absorveu as competências do Alto Comissariado
para os Russos, logo estava impedido de estender a proteção aos refugiados que
não se identificassem com a definição de refugiados e não se enquadrassem à
definição de refugiados russos, armênios, assírios, assírios-caldeus, assimilados ou
turcos. A partir da década de 40 aumentou sobremaneira o número de refugiados
pela Europa, em especial italianos e espanhóis, que buscavam no escritório algum
tipo de assistência, mas por não se encaixarem no conceito não obtinham proteção.
Mesmo assim, com resistências orçamentárias dois grupos de refugiados
mereceram destaque: os do Saar e os oriundos da Alemanha. No caso dos
refugiados do Saar foi aprovada a Resolução que criou o Plano para a Expedição do
Certificado de Identidade para os Refugiados do Saar, que assim os definiu:“ Todas
as pessoas que, tendo previamente tido o estatuto de habitantes do Saar, partiram
do país na ocasião do plebiscito e não possuam passaportes nacionais”
Sobre os alemães a questão foi um pouco mais complexa. O problema
dos refugiados alemães nasceu com a ascensão do Terceiro Reich de Hitler. Adolf
Hitler, eleito chanceler em 1933, logo após o pleito empreendeu uma campanha de
terror geral que vitimou várias minorias em solo alemão, em especial os judeus
vistos por muitos como os responsáveis pela agrura da derrota na I Guerra Mundial.
O anti-semitismo foi elevado na Era Hitler a política de Estado, onde a
supressão dos judeus da sociedade alemã se deu de forma organizada e metódica,
começando com o estrangulamento econômico, social e político dos judeus para
ultimar com a extinção física desse povo por intermédio da Solução Final.
82
Ao perderem seus direitos políticos e acessos à economia, os judeus se
viram obrigados a deixar a Alemanha em grupos que chegou a ser contabilizado na
casa das centenas de milhares. Dentre esses refugiados alemães judeus não há
homogeneidade. Eram políticos, médicos, trabalhadores, profissionais liberais,
homens, mulheres e crianças de variadas idades que se acreditavam alemães antes
mesmo de se reconhecerem judeus, muitos não sabiam sequer a ascendência
hebraica, que foram gradualmente desapossados de seus lares e negócios. Como
bem lembra ANDRADE, é incompleto afirmar que somente o medo da morte fez os
judeus emigrarem da Alemanha, mas sim havia motivos econômicos e aqueles
ligados a consciência religiosa.124
A sanha nazista focou de maneira violenta o elemento semita na
sociedade alemã, porém não foram os judeus os únicos a serem perseguidos.
Citam-se homossexuais, ciganos, socialistas de todos os matizes e testemunhas de
Jeová, cujo único “crime” que cometiam diante do Estado nazista era não
homenagear o Furher.
O governo nazista a exemplo do que havia feito o governo bolchevique,
desnacionalizou os refugiados ou criou em relação aos judeus uma categoria jurídica
curiosa, “cidadãos de segunda-classe”. As Leis de Nuremberg de 1935 mantiveram
os judeus como nacionais alemães, mas retiram deles a cidadania, passaportes
foram confiscados em seus lugares, os judeus passaram a portar um documento de
identidade com a letra “J” bem visível.
Em 25 de novembro de 1941, foi aprovada a Lei da Nacionalidade do
Reich, que tornou apátridas os judeus alemães que residiam fora da Alemanha. São
latentes as verossimilhanças entre a situação dos armênios e dos judeus, pois tanto
a Turquia como a Alemanha deixaram claro que o objetivo era eliminação dessas
minorias étnicas em seus respectivos territórios.
ANDRADE fundamentado em estatísticas internacionais afirma que o
número de refugiados alemães no período de 1933 a 1939 tenha girado em torno de
124 ANDRADE. op. cit. p. 90.
83
200.000 pessoas. 125 Logo, devido a esses números e às situações catastróficas a
Liga das Nações depois da Petição de Minoria, documento que denunciava a não
observância da Convenção de 1922, que proibia em solo alemão e polonês qualquer
tipo de discriminação étnica, empreendeu campanha para a criação do Alto
Comissariado para Refugiados Judeus e Outros provenientes da Alemanha.
Nota-se que a complexidade de questões de ordem política, diplomática e
econômica impediu que a situação dos refugiados alemães fosse da alçada do
Escritório Nansen, sendo por isso criado um órgão autônomo com autoridade própria
distinta a do escritório.
As tarefas do Alto Comissariado para Refugiados Judeus e Outros
provenientes da Alemanha, eram: a) assentar, reassentar e conseguir emprego para
os refugiados; b) negociar com Estados a saída para problemas de ordem financeira
experimentados pelos refugiados; c) resolver questões técnicas relativas a
passaportes e outros documentos e d) a busca com os Estados de meios de
cooperação para criar meios jurídicos de inserção desses refugiados em países que
os aceitassem.
Problemas de ordem orçamentária restringiram um pouco a atuação do
Alto Comissariado, a situação só veio a melhorar na gestão do Comissário Neil
Malcolm, pois nessa época a Alemanha se retiraria da Liga das Nações. Esse
desligamento ensejou a redação de instrumentos internacionais juridicamente
vinculantes e a integração à Liga do Alto Comissariado para a Alemanha, alargando
o raio de proteção jurídica.
Com as Leis de Nuremberg, as pessoas perseguidas na Alemanha
passaram a ter dificuldades para deixar este país. O Alto Comissariado para a
Alemanha conseguiu em 1936, autorização da Liga das Nações para expedir
Passaportes Nansen também para os judeus. Mais tarde preferiu-se um texto
jurídico específico para a questão dos alemães, assim foi concluído, então, o Ajuste
125 ANDRADE. op. cit p. 92
84
Provisório Relativo ao Estatuto dos Refugiados Provenientes da Alemanha, com o
qual sete Estados se comprometeram. 126
O artigo 1º desse Ajuste alberga que:
“Para o propósito do presente Ajuste, o termo “refugiado proveniente da Alemanha” deve ser aplicado a qualquer pessoa que habitava aquele país, que não possui nenhuma outra nacionalidade além da nacionalidade alemã, e a cujo respeito foi estabelecido que de direito ou de fato não há o gozo da proteção do governo do Reich”
Da análise do artigo conclui-se que ele segue a mesma linha dos
anteriores, e reforça a questão da falta de proteção estatal causada pela perda da
nacionalidade.
Nos artigos 2º e 7º encontramos questões referentes à liberdade de
locomoção, à facilidade de expedição de vistos e outras autorizações e o direito de
acesso ao poder Judiciário. Quanto às medidas administrativas de expulsão,
determinou-se que os refugiados que houvessem recebido autorização para residir
em determinado país não seriam sujeitos, pelas autoridades deste, às medidas de
expulsão ou de refoulement, exceto por razões de segurança nacional ou de ordem
pública; não seria possível, todavia, sob nenhuma hipótese, no ato da expulsão, ser
o refugiado conduzido de volta às fronteiras alemãs.127
Em 1937, a Liga das Nações patrocinou uma Conferência que tinha por
escopo remodelar e definir a situação dos refugiados alemães. Tal Conferência se
realizou entre 7 e 10 de fevereiro de 1938, que culminou com a Convenção Relativa
ao Estatuto dos Refugiados provenientes da Alemanha, que infelizmente só foi
ratificada por 3 Estados.
Cabe análise do artigo 1º da referida Convenção:
“1. Para os propósitos da presente Convenção, o termo “refugiado proveniente da Alemanha” deve ser aplicado a:
126 ANDRADE. op. cit.p. 100. 127 ANDRADE. op cit p. 102
85
a) Pessoas que possuam ou que possuíram nacionalidade alemã e que comprovadamente não gozem, de direito ou de fato, da proteção do governo alemão;
b) Apátridas não vislumbrados por Convenções e Acordos pretéritos, que partiram do território alemão depois de lá terem se estabelecido, e que comprovadamente não gozem, de direito ou de fato, da proteção do governo alemã;
2. Pessoas que partiram da Alemanha por razões de pura conveniência pessoal não estão incluídas nesta definição”.
Nota-se que nesse dispositivo que a situação do apátrida foi tratada de
forma a igualá-lo aos nacionais alemães no tocante a provar que não estavam
agasalhados da proteção da Alemanha. Chama a atenção também o inciso 2 que
não trata como refugiado aquele que por vontade própria abandonou o país.
Esses dois aspectos são de suma importância, pois refletem o período de
transição entre as fases de qualificação coletiva e individual. Ter que comprovar a
ausência de proteção ou perseguição e que a fuga não se deu por mera
conveniência restringe à questão ao indivíduo, não ao grupo.
O inciso 2 foi o que inaugurou o critério que seria seguido nos
documentos alhures, ou seja, para que seja considerado refugiado é necessário que
algum evento alheio à vontade do indivíduo o obrigue a sair do país de origem.
Outra inovação foi o artigo 15 que regulamentava o oferecimento de escolas e
cursos para a acomodação do indivíduo no mercado de trabalho no país que o
acolhesse.
Convém registrar que o Alto Comissariado alemão teve sua competência
estendida para salvaguardar os refugiados do Anschluss128, pois naquela ocasião
milhares de judeus austríacos, que também foram atingidos pelas leis de
Nuremberg, ficaram a mercê da sorte, com o agravante de não serem tão ricos como
os judeus alemães. Na ausência de um instrumento específico para esses
refugiados austríacos, o Alto Comissariado para a Alemanha deveria travar contatos
com os governos interessados no que tangia a extensão dos dispositivos da
128 Anexação da Áustria por parte da Alemanha.
86
Convenção de 1938 a esses refugiados, e, eventualmente, do Ajuste de 1936. Um
instrumento específico para a questão dos austríacos foi elaborado em 1939.
Como se percebe o crescente número de refugiados está diretamente
ligado às situações de conflitos ou guerras entre os Estados ou no próprio interior
destes. Logo, a partir de 1939 essa situação vai se agravar de forma bastante
sensível por conta da II Guerra Mundial (1939-1945). O governo nazista foi
prodigioso na produção de numerosos refugiados.
Esse aumento no número de refugiados exigiu da hesitante Liga das
Nações uma postura mais firme. ANDRANDE lembra que por ser uma organização
intergovernamental aberta à participação de todos os Estados da comunidade
internacional, a Liga sofria a inexorável pressão política de determinados governos
em especial no tocante à questão dos refugiados. 129
Mesmo assim iniciou-se, a partir de 1938-39, um movimento em prol da
criação de Alto Comissariado da Liga das Nações para os Refugiados, órgão que
teria uma competência ratione personae deveras mais ampla do que os Altos
Comissariados pretéritos.
Nesse período percebemos que a definição de refugiado ainda não era
precisa, sendo que a qualificação ainda se dava em parâmetros coletivos, a despeito
da definição de refugiado alemão que procurou uma definição mais individual.
Infelizmente, a hecatombe que foi a II Guerra Mundial, atrapalhou de forma
significativa o processo de significação do termo refugiado e também a proteção aos
refugiados que foram surgindo no decorrer do conflito.
Depois do fim do mandato do Escritório Nansen e do Alto Comissariado
para a Alemanha, ambos no último dia de 1938, regulamentou-se o Alto
Comissariado da Liga das Nações para os Refugiados que mais tarde, passaria a se
chamar Alto Comissariado da Liga ou simplesmente Alto Comissariado.
129 ANDRADE. op. cit. p. 113
87
A exemplo do Alto Comissariado para a Alemanha, o Alto Comissariado
da Liga estabeleceu sua sede na capital inglesa. A escolha de Londres se deu por
dois motivos. A Suíça recusou a indicação de Genebra por receio de algum tipo de
represária por parte do governo nazista e Londres, por estar fora do continente, seria
um local alheio às pressões dos países envolvidos de forma mais direta no conflito
mundial.
O Alto Comissariado da Liga herdou a responsabilidade sobre todos os
“Refugiados Nansen” e também sobre os refugiados alemães. Tais
responsabilidades eram: 1 – proporcionar proteção política e jurídica aos refugiados;
2 – observar a entrada em vigor e a aplicação do estatuto jurídico dos refugiados
definidos pelas Convenções de 1933 e 1938; 3 – promover a assistência
humanitária; e 4 – auxiliar os governos e as OIs(organizações internacionais)
privadas em seus esforços com vistas a promover a emigração e o assentamento
permanente.
Os primeiros anos de trabalho do Alto Comissariado da Liga não foram
marcados pela plena eficiência, pois havia uma restrição à atuação no tocante à
efetivação da situação jurídica do refugiado, tarefa que ficava a cargo de outros
organismos privados. Sobrava para o Alto Comissariado da Liga uma atuação mais
humanitária na minoração de danos físicos como a fome e as doenças. Outro fator
que prejudicava era os parcos recursos que não permitiam empregar muitos
funcionários.
Nesse diapasão faltava ainda uma definição mais específica sobre a
situação jurídica dos refugiados austríacos. Não tinham eles um instrumento local
que lhes proporcionasse proteção. Para sanar essa deficiência foi concluído o
Protocolo Adicional ao Ajuste Provisório e à Convenção, assinados em Genebra aos
4 de julho de 1936 e 10 de fevereiro de 1938, respectivamente, relativos ao Estatuto
dos Refugiados provenientes da Alemanha.
O artigo 1º desse protocolo traz a seguinte definição:
88
“1. A expressão refugiados provenientes da Alemanha no artigo 1º do Ajuste e no artigo 1º da Convenção inclui (a) as pessoas que, havendo possuído a nacionalidade austríaca e não possuindo nenhuma outra nacionalidade que a nacionalidade alemã, comprovadamente não gozem, de direito ou de fato, da proteção do governo alemão; e (b) os apátridas, não incluídos por nenhuma Convenção ou ajustes anteriores, que tenham partido do território que previamente constituía a Áustria, depois de terem aí se estabelecido, e que comprovadamente não gozem, de direito ou de fato, da proteção do governo alemão. 2. Pessoas que partam dos territórios que previamente constituíram a Áustria por razões de conveniência puramente pessoal não estão incluídas nesta definição”.
Nota-se da análise desse artigo que ele não foge a sistemática já utilizada
nas Convenções de 1936 e 1938, o que chamou atenção foi o número reduzidíssimo
de Estados-parte, sete, que talvez estivessem mais preocupados com as
conseqüências da II Guerra.
Outro fator que deve ser ressaltado é definição mais abragente
“refugiados provenientes da Alemanha”, que englobou os refugiados da área do
Sudeto, anexada pelo Exército do Terceiro Reich.
Durante sua existência o Alto Comissariado da Liga encarregou-se da
proteção de mais de 700.000 refugiados, tendo enfrentado, por isso, diversos
problemas. A proteção dos refugiados se resumiu ao apressamento da assimilação
final dos refugiados russos nos países mediterrâneos e europeus, o assentamento
final dos armênios na Grécia e na Síria e sua proteção política adequada e efetiva
na Síria e no Líbano; a conclusão do assentamento dos assírios no Iraque, e
medidas que assegurassem a absorção dos refugiados provenientes da Alemanha
em países onde um assentamento definitivo pudesse ser garantido. 130
Por causa da Segunda Guerra, somente os países neutros podiam
receber refugiados. 131 A limitação da atuação do Alto Comissariado da Liga serviu
para a necessidade de uma reorganização do sistema de proteção. Era necessária
uma assistência imediata ao maior número possível de pessoas enquanto durasse a
guerra e uma regulamentação definitiva do problema dos refugiados para o porvir e
para os tempos de paz.
130 ANDRANDE. op. cit. p.. 119 131 Suécia, Suíça, Espanha e Portugal.
89
Cabe registro também a atuação dos Estados Unidos na questão dos
refugiados, esse registro especial se deve ao fato desse país não fazer parte da Liga
das Nações. As ondas migratórias, deslocadas pela guerra causavam um verdadeiro
congestionamento de pessoas entre as fronteiras dos países.
O presidente Franklin Delano Roosevelt convocou uma conferência
internacional que visava a ajuda para as vítimas do regime nazista. Foi então
encaminhada uma mensagem urgente para 30 países convidando para uma
conferência que acabou por dar nascimento ao Comitê Intergovernamental para os
Refugiados. Tal conferência foi realizada na França e ficou conhecida como
Conferência de Evian.
O movimento iniciado em Evian, que contou com a participação do Brasil,
sabia que era impossível uma solução imediata para o problema dos refugiados
vítimas do regime nazista. Então o foco das discussões se deu em torno de se
estabelecer um mecanismo que aliviasse o sofrimento dos refugiados provenientes
da Alemanha. Logo, a Conferência de Evian, previu duas tarefas básicas que
seriam: 1 – considerar as medidas já tomadas de modo a proporcionar uma rápida
assistência aos refugiados da Alemanha e 2 – criar um organismo internacional
permanente, com sede na Europa, onde seria desenvolvido um cronograma de
ações em longo prazo.
A inovação da proposta americana está justamente na perenidade de um
órgão de assistência aos refugiados. Antes dessa proposta, como podemos
constatar, os órgãos eram criados pós fato e como mandato previsto para acabar. A
intenção colocada em Evian era justamente criar um órgão permanente apto a
socorrer qualquer tipo de refugiado ao redor do mundo.
No balanço geral a Conferência de Evian não trouxe relevantes soluções
para a questão dos refugiados, tal estado de coisas se deu por causa de indefinição,
vivida naqueles dias, acerca das relações internacionais. Mesmo com a liderança de
uma potência, EUA, as propostas de Evian ficaram nas palavras sendo que a
90
carência sempre foi de ações. Basicamente firmou-se a necessidade de uma
definição definitiva para o termo refugiado.
O Comitê Intergovernamental para os refugiados, fundado sobre os
auspícios da Conferência de Evian foi fundado em 1938 e tem como ponto crucial a
definição do termo “refugiado” para os trabalhos do Comitê. Tal definição era:
“ (a) Que as pessoas que se encontram no âmbito de atividade do Comitê Intergovernamental devem ser (1) pessoas que ainda não partiram de seu país de origem, mas que devem emigrar em razão de suas opiniões políticas, credos religiosos ou origem racial, e (2) pessoas definidas no item (1) que já partiram de seu país de origem e que ainda não se estabeleceram permanentemente alhures.”
Observa-se mais uma ampliação nos critérios subjetivos na definição de
refugiados. Pela primeira vez incluem-se elementos ideológicos, numa referência
óbvia à violação ou à possível violação de Direitos Humanos fundamentais no país
de origem. Dentre as inovações estavam os fatores políticos, religiosos e raciais
como causas de refúgio, e a possibilidade de serem reconhecidas refugiadas
pessoas que ainda não haviam deixado seus países de origem e também por isso
mereciam assistência humanitária.
Mudou-se o foco. Antes refugiada era a pessoa que se viu obrigada a sair
de seu país por causa de algum tipo de evento conflituoso (revolução ou guerra),
depois da definição do Comitê Intergovernamental, refugiada, seria a pessoa que se
viu obrigada a se deslocar também por posições políticas dissidentes, por causa de
sua opção religiosa ou origem étnica. Ainda nessa discussão sobre a mudança de
foco, antes dessa definição, nenhuma outra desafia em alcançar os nacionais de um
país que ainda não tivessem dele escapado. Logo, uma nova definição foi criada, a
de “deslocados” ou “pessoas deslocadas”.
O presidente Roosevelt ainda convocou outra conferência, agora em
Bermudas em 1943. O resultado dessa segunda conferência foi a extensão das
competências do Comitê Intergovernamental para os refugiados espanhóis, e, em
geral, sobre todas as pessoas que, como resultado de eventos ocorridos na Europa,
tivessem de deixar seu país de residência porque suas vidas e liberdades estavam
91
em perigo devido à sua raça, religião ou opiniões políticas. Essa extensão
proporcionou proteção aos novos grupos de refugiados que surgiam durante a
Segunda Guerra Mundial.132
O que merece registro da Conferência de Bermudas de 1943 está a
definição de que os custos do Comitê Intergovernamental seriam rateados entre a
sociedade internacional, ou seja, o problema dos refugiados seria problema de todo
o mundo.
O fim da Segunda Guerra em 1945 trouxe a esperança de que o problema
dos refugiados seria no mínimo reduzido com o retorno dos deslocados para os seus
lares de origem, todavia, isso não aconteceu. Muitos dos refugiados, por traumas
diversos, se recusaram a regressar. Toda essa problemática fez incluir na
competência ratione personae aqueles que podiam, mas não desejavam retornar.
No Brasil e na Venezuela estabeleceram-se missões de reassentamento que
objetivavam o complemento de mão de obra nesses países.
Os refugiados precisavam de documentos que permitissem atravessar
fronteiras, assim em 1944 o Comitê aprovou resolução pela designação de uma
comissão de peritos que examinaria a questão da adoção, emissão e entrega de um
título de identidade e de viagem internacionalmente reconhecido, destinado aos
apátridas e às pessoas que não gozassem de proteção de nenhum governo. Então
se concluiu o Acordo Relativo à Emissão de um Documento de Viagem para
Refugiados que sejam da Competência do Comitê Intergovernamental para os
Refugiados, assinado por 23, ratificado por 21, aceito formalmente por outros 12
Estados, e reconhecido de fato pelas autoridades dos países.
Esse documento na verdade foi um livreto similar a um passaporte e
continha um cláusula de retorno automático, que facultava ao portador retornar ao
país-emissor durante o prazo de validade do título que era de 2 anos.
132 ANDRADE. op. cit. p. 129
92
Porém, o Comitê Internacional não chegou a se tornar um grande órgão
de proteção aos refugiados, o que na verdade era esperado pelos seus criadores. O
comitê teve como legado universalizar o trabalho de assistência realizado pela Liga
das Nações. O Comitê Intergovernamental se extinguiu em 1947 e foi substituído
provisoriamente pela Comissão Preparatória da Organização Internacional para os
Refugiados.
Se é que se pode retirar um ponto salutar da II Guerra Mundial esse seria,
sem dúvida, à conclusão de que seria necessário estabelecer um organismo
responsável pelos civis deslocados em razão do conflito.
Assim em 1943 realizou-se em Washington o Acordo de Criação da
Administração das Nações Unidas para o Socorro e a Reconstrução (UNRRA)133que
junto a OIT134 estabeleceu sua competência ratione personae ao definir três
categorias de refugiados que na verdade não se sustentou. Seriam refugiados
propriamente ditos aqueles que fugiram de seus países por causa do temor de
serem mortos ou aprisionados. Volksdeusche, alemães fugitivos com ligações com o
partido nazista e refugiados ou deslocados que seriam as pessoas que fugiram das
áreas dominadas pelos comunistas e recusavam-se a ser repatriadas. Essas
categorias caíram rápido em desuso, pois era difícil uma definição clara da situação
de cada um, havia situações em que o indivíduo poderia se enquadrar nos três
critérios.
A intenção da UNRRA era estender de forma abrangente o conceito de
refugiados, porém essa iniciativa encontrou forte resistência por parte dos países do
Leste europeu que viam nessa abrangência uma forma para que vários de seus
nacionais, que haviam se recusado a participar nos esforços e na reconstrução pós-
guerra, recebessem assistência para migração por pare da UNRRA.
133 Nota-se que a expressão “Nações Unidas” foi pela primeira vez usada, antes mesma da criação da ONU. 134 A OIT publicou um estudo estatístico intitulado Displacement of Pipuations In Europe, que estimou o núemro de deslocados classificando-os em várias categorias.
93
Devido a isso, a UNRRA adotou uma diretiva que condicionava o status
de refugiado as pessoas que comprovadamente sofressem perseguição por motivos
de raça, religião ou em atividades em favor das Nações Unidas, com exceção feita
as perseguidas pelo regime discriminatório nazista. Ficava claro que as candidaturas
para o status de refugiado seriam avaliadas de forma individual, sendo que as
condições deveriam ser provadas de forma objetiva. O ponto positivo dessa
sistemática é que a tendência para se definir refugiado caminhou em direção a um
critério cada vez mais individual em detrimento a um critério mais coletivo.
Apesar de ter começado a funcionar antes mesmo do final da Segunda
Guerra, a UNRRA só efetivamente atuou com o cessar fogo. Em 1945, havia cerca
de 11 milhões de deslocados de origem não-alemã na Europa, sendo que a maioria
se encontrava nos territórios ocupados pela Alemanha, Áustria e Itália. O fim das
hostilidades diminuiu o fluxo de deslocados, mas não os extinguiu.
O mandato da UNRRA conseguiu repatriar um número aproximado de 8
milhões de deslocados, mas se deparou com um outro problema. Cerca de 1 milhão
de pessoas desejou não retornar a seus países de origem. São os chamados “last
million” ou os irrepatriáveis. A maioria desse continente de pessoas era formada por
poloneses e judeus perseguidos por Hitler, quase todos unidos no desejo de rumar
para a Palestina.
Para alguns analistas da época a esses irrepatriáveis deveria ser
concedido o status de refugiados políticos e por isso gozarem de todos os benefícios
da assistência internacional, outros por sua vez defendiam a repatriação forçada que
foi praticada e defendida em especial pela URSS.
Os primeiros ventos da Guerra Fria fizeram acirrar os ânimos entre A
UNRRA e a URSS, a divergência se concentrava justamente na questão dos
irrepatriáveis. A UNRRA decidiu então eliminar a interferência soviética na política
pertinente aos refugiados e com isso evitar a temida repatriação forçada. Assim,
ocupando o seu papel da definição e proteção aos refugiados, e sem resolver a
questão dos refugiados, a UNRRA encerra a suas atividades em 1947, no mesmo
ano em que também deixava de existir o Comitê Intergovernamental.
94
Em termos de avaliação o papel da UNRRA, dentre outros fatores, foi
positivo, pois ao defender a não repatriação dos irrepatriáveis a entidade reforçou a
importância do princípio do non-refoulement. Outro lado que merece aplauso foi o
fato de mesmo com deficiências orçamentárias e falta de apoio de vários Estados a
UNRRA conseguiu repatriar para o que restou de seus lares um número expressivo
de pessoas.
A incômoda situação dos irrepatriáveis levou à criação da Organização
Internacional para os Refugiados, OIR, cujo surgimento se deu à custa de muitas
discussões e negociações entre os EUA e a URSS, pois eram gritantes entre as
duas potências os conceitos de justiça e liberdade.
A partir de 1946 a recém criada ONU, por intermédio de sua Assembléia
Geral, foi apresentada ao problema dos refugiados. Nesse mesmo ano a Assembléia
Geral adotou uma Resolução que recomendava a criação de um Comitê Especial
para a produção de relatório sobre a situação, e também reconhecia a Resolução
que era urgente solucionar o problema dos refugiados bem como separá-los de
outras categorias de pessoas como criminosos de guerra, espiões e traidores.
Segundo a referida Resolução, o Comitê deveria se pautar nos seguintes
princípios: a) o problema dos refugiados era um problema internacional; b) os
refugiados não deveriam ser obrigados a regressar aos seus países de origem; c)
os refugiados deveriam ser encorajados a repatriação e para isso terem acesso a
todo tipo de assistência e d) os alemães transferidos de outros Estados para a
Alemanha ou os que fugiram das tropas aliadas para outros Estados, não deveriam
ser objetos das mesmas ações tomadas em favor dos refugiados e dos deslocados,
devendo seus problemas serem resolvidos pelas forças aliadas então sediadas na
Alemanha, em acordo com os governos dos respectivos países onde este alemães
se encontrassem.135
135 ANDRADE. op. cit. p. 153
95
Esse comitê nasceu com o nome de Comitê Especial de Refugiados e
Deslocados, em 1946 na cidade de Londres, onde decidiu pela necessidade de ser
criado um órgão internacional que cuidasse do problema dos refugiados e dos
deslocados. A Assembléia Geral, reunida em Nova York em 1946, aprovou a
Constituição da Organização Internacional para os Refugiados, que mesmo sendo
criada com propósitos humanitários apresentava características essencialmente
políticas. Registra-se que a criação da OIR se deu contra vontade da URSS, o que
não impediu que esse país desse valorosas sugestões àquela Organização.
No mesmo dia da aprovação da OIR, 15 de dezembro de 1946, com o fito
de manter a proteção aos refugiados sob os auspícios da ONU, foi criado também o
Acordo sobre Medidas Provisórias a serem tomadas concernentes aos Refugiados e
Deslocados. Esse Acordo estabelecia a Comissão Preparatória para a Organização
Internacional para os Refugiados, a qual deveria assegurar a continuidade do
trabalho atinente aos refugiados e aos deslocados durante o período que se
estenderia entre o término das atividades do Comitê Intergovernamental e da
UNRRA.
Em 1947, a Comissão Preparatória se tornou a maior organização em
operação das Nações Unidas para a questão dos refugiados, tanto que quando a
OIR entrou oficialmente em ação, em 1948, grande parte do trabalho de estrutura de
escritórios e acordos assinados já estava pronta. Nessa ocasião o mosaico de
refugiados recebe o incremento de chineses que foram deportados pelos japoneses,
que já foram assistidos por essa nova estrutura.
A Constituição da OIR entrou em vigor em agosto de 1948 e sua sede foi
estabelecida na cidade de Genebra. Essa Constituição definiu claramente as
funções a serem desempenhadas, que seriam de: repatriação, identificação, registro
e classificação; auxílio e assistência; proteção jurídica e política; transporte; o
reassentamento e restabelecimento de pessoas sob o mandato da OIR. A
competência ratione personae da OIR foi formada pela união das competências das
suas predecessoras, isso possibilitou um campo de ação ineditamente vasto, que
abarcava a proteção dos Direitos Humanos dos refugiados, dos deslocados e dos
apátridas.
96
Sobre o polêmico conceito a OIR em sua Constituição definiu refugiado,
como sendo aquela pessoa que partiu ou se encontre fora de seu país de
nacionalidade, e se encaixe nas seguintes situações:a) vítimas dos regimes
totalitários; b) republicanos espanhóis vítimas de Franco e c) pessoas que foram
consideradas refugiadas, antes do início da Segunda Guerra Mundial, por razões de
raça, religião, nacionalidade ou opinião política.136
No tocante ao aspecto individualista da definição de refugiados, observa-
se que o aspecto coletivo deixou de ser decisivo na concessão do status refugiado,
sendo a ênfase posta na situação do indivíduo.
Segundo AGA KAHN, citado por ANDRADE:
“Outro avanço trazido pela conceituação de “refugiado” foi a descrição da noção de perseguição e do bem fundamentados temor para tal, os quais nunca haviam sido descritos de forma completa. O fato – não só de descrever as razões faziam de uma pessoa um refugiado, mas também de associar tais razões a um elemento parcialmente subjetivo, nomeadamente, o temor – fez com que todo refugiado tivesse que justificar o temor invocado por meio de sua comprovação, a qual se deveria dar por meio de provas baseadas tanto em fatos objetivos, quanto nos fatores pessoais que o faziam temer a perseguição, no presente ou no futuro, mesmo não tendo ele sido perseguido no passado”.137
A admissibilidade ou não do candidato a refugiado destinava-se a
constatar se o indivíduo realmente preenchia os requisitos objetivos. Assim, após o
estabelecimento da identidade do candidato e de como ele fora deslocado ou fugira
de seu país de origem, constata-se a veracidade destas informações, sendo que o
momento mais importante era a entrevista feita com o funcionário da OIR.
Havia também a previsão de um sistema de recursos que confirmou a
perspectiva individualista desta fase de proteção aos refugiados. O candidato
passou a não mais depender da proteção exclusiva do seu país de origem,
passando a ser sujeito de um vínculo jurídico imediato com a sociedade e com o
Direito Internacional.
136 Constituição da OIR, Anexo I, Parte I, Seção A. 137 ANDRADE. op. Cit. 166-167.
97
Esse sistema fez do trabalho da OIR uma expressão inédita até então na
proteção dos refugiados, pois a supremacia do Estado sobre o indivíduo começa a
ceder lugar a uma conexão mais íntima entre o refugiado e a sociedade
internacional.
Outra inovação que merece registro em relação ao sistema de
elegibilidade proposto pela Constituição da OIR é o critério mais amplo e abrangente
em detrimento a critérios mais específicos. A partir daí passou a não haver mais
qualquer discriminação entre os refugiados que necessitassem de assistência
material e aqueles que desejavam somente uma confirmação jurídica de seu status.
Somadas as cláusulas de definição e de elegibilidade, foram ainda
vislumbradas cláusulas de cessação e de exclusão. Destas últimas, dois dispostivos
merecem menção. O primeiro é o que assevera não estarem os criminosos de
guerra, espiões e traidores sob a competência ratione personae da OIR. Este
fórmula teve influência capital dos países do Bloco do Leste. Estes, por
considerarem os “irrepatriáveis” inclusos na categoria dos criminosos de guerra,
espiões ou traidores, sustentavam que se deveria proceder à sua repatriação
forçada, de modo que eles recebessem, em seus países de origem, a punição
devida.138
Outro ponto de exclusão foi aquele aplicado aos Volksdeutsche, ou seja,
todos esses refugiados de origem alemã estavam excluídos da competência ratione
personae da OIR, fato que obscurece um pouco um legado da organização, pois
essa atitude vem do raciocínio, equivocado, de que todo deslocado alemão era
nazista.
O perene problema dos refugiados transpassou a natureza temporária da
OIR. Mesmo não tendo findado as suas originais tarefas, o que também ocorreu com
suas antecessoras, a OIR foi extinta de forma prematura. Com a extinção da OIR
suas competências foram transferidas para os Estados que tivessem refugiados nos
seus territórios. Esse deslocamento de responsabilidade pelos refugiados, de uma
138 ANDRADE. op. cit. p.. 170
98
organização internacional para governos nacionais, foi de encontro ao conceito
lógico da relação entre o mundo livre e o refugiado, posto que somente quando a
responsabilidade conjunta é reconhecida e transformada em ação pode o problema
dos refugiados ser resolvido satisfatoriamente.
Um balanço rápido da OIR, antecessora direta do ACNUR, aponta para
um trabalho que apesar de não plenamente satisfatória fez o máximo que permitia o
momento histórico que marcava a primeira metade do século XX. A Guerra Fria e as
resistências do Bloco dos Países do Leste, capitaneado pela URSS, foi responsável
por uma série de entraves que atrapalhou o mandato da OIR. Dessa experiência
convém ressaltar o papel expressivo dos EUA que agasalhou 40% dos refugiados
sob a responsabilidade da OIR e contribuiu de forma significativa com o orçamento
da entidade. Desde então os norte-americanos tem relutado em dar apoio a
organizações de proteção a refugiados que façam distinções étnicas ou religiosas,
ou seja, todos os países devem estar cientes de que é preciso trazer para os seus
territórios todo o tipo de refugiados, não só aqueles mais convenientes. Na próxima
seção será analisada a acepção mais atual da problemática dos refugiados
3.3 Instrumentos de Proteção em Âmbito Universal e Regional e a
Definição Conceitual de Refugiado, a Convenção de 1951
Feita essa digressão acerca dos organismos de proteção aos refugiados
percebe-se que haverá uma mudança radical de políticas de proteção a partir da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em especial no tocante ao
seu artigo 14. Assegura o artigo que “toda pessoa vítima de perseguição tem o
direito de procurar e de gozar asilo em outros países” e “este direito não pode ser
invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito
comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.”
Percebe-se antes de tudo que a Declaração de 1948 alçou a categoria de
universal o direito do ser humano de estar imune a toda e qualquer perseguição. E
99
isso é uma verdade incontestável, pois se o indivíduo, forçosamente, se vir obrigado
a abandonar seu lar serão violados e vilipendiados uma gama de outros direitos
também fundamentais, tais como o direito à vida, liberdade e segurança pessoal, o
direito de não ser submetido à tortura, o direito à privacidade e à vida familiar; o
direito à liberdade de movimento e residência e o direito de não ser submetido a
exílio arbritário. 139
É fundamental entender que cada solicitação de asilo ou refúgio é sinal de
que em algum lugar houve algum tipo de violação dos Direitos Humanos. Nasce
então, o desafio de se fortalecer a dimensão preventiva relacionada ao asilo, para
que pessoas não tenham que abandonar suas casas em busca de um lugar seguro.
Nesse raciocínio todo aquele que tem o direito de solicitar asilo também o tem em
relação ao refúgio. O direito de busca asilo e dele desfrutar, bem como o direito de
não ser repatriado para o Estado-algoz e bem como o direito de retorno,caso assim
o queira, deve ser assegurado a homens e mulheres independente de qualquer
circunstancia, seja ela étnica, cultural ou econômica.
Em 1951, é aprovada a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, que
é marco fundamental na definição, tão almejada na Liga das Nações, da situação de
refugiado. Ainda hoje, a despeito de algumas modificações que mais tarde
explicitaremos, é esse Estatuto que determina a situação da maioria dos refugiados
no mundo, algo perto de 20 milhões de seres humanos.
Segundo o artigo 1º da citada Convenção, refugiado é todo aquele que
“em virtude dos eventos ocorridos antes do dia 1º de janeiro de 1951 e devido a
fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
participação em determinado grupo social ou opiniões políticas, está fora do país de
sua nacionalidade, e não pode ou, em razão de tais temores, não queira valer-se da
proteção desse país; ou que, por carecer de nacionalidade e estar fora do país onde
antes possuía sua residência habitual não possa ou, por causa de tais temores ou
de razões que não sejam de mera conveniência pessoal não queira regressar a ele.”
139 PIOVESAN, Flavia. O Direito de Asilo e a Proteção Internacional dos Refugiados. In:ARAÚJO, Nádia de e ALMEIDA, Assis de. O Direitos Internacional dos Refugiados, uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 32.
100
Como se pode perceber a Convenção estabeleceu critérios cronológicos e
geográficos para a definição de refugiado. Cronológico quando restringiu os fatos
perseguidores a antes de 1º de janeiro de 1951, e geográfico já que esses eventos
eram naquele momento, quase uma exclusividade européia, na prática criou-se a
figura exclusiva do refugiado europeu.
Cientes dos prejuízos dessa limitação conceitual em 31 de janeiro de
1967 é elaborado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que, em seu artigo
1º, II, suprimiu as limitações citadas. HATHAWAY observa que a definição de 1951
visou distribuir a responsabilidade acerca dos refugiados europeus, sem que
houvesse qualquer obrigação legal ou previsão de direitos e de prestação de
assistência a refugiados não-europeus. O protocolo por sua vez, ao estabelecer o
Estatuto dos Refugiados, expandiu o raio de atuação a fim de incluir refugiados de
todas as regiões do mundo. 140
Unindo a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, refugiado é todo
aquele que sofre fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, participação em determinado grupo social ou opiniões políticas, não
podendo ou não querendo por isso valer-se da proteção de seu paìs de origem. Para
PIOVESAN:
“Refugiada é a pessoa que não só não seja respeitada pelo Estado ao qual pertence como também seja esse Estado quem a persiga ou não possa protegê-la quando ela estiver sendo perseguida. Essa é a suposição dramática que dá origem ao refúgio, fazendo com que a posição do solicitante de refúgio seja absolutamente distinta da do estrangeiro normal.”141
A partir de então nasceu o sentimento de se ampliar para a África e para a
América o conceito de refugiado. Nessa linha merecem destaque a Convenção da
Organização da Unidade Africana de 1969 e a Declaração de Cartagena de 1984. A
Convenção da Organização da Unidade Africana de 1969, em seu artigo 1º em
140 HATHAWAY, James C. The law of refugee status. Toronto/Vancouver: Butterworths, 1992. p. 9-10. 141 PIOVESAN op cit p. 45.
101
complemento ao que está estabelecido na Convenção de 1951 e do Estatuto de
1967, conceitua refugiada como todo aquele que, em virtude de agressão, ocupação
ou dominação estrangeira, e de acontecimentos que perturbem gravemente a ordem
pública – em parte ou na totalidade de seu país de origem, ou de seu país de
nacionalidade – vê-se obrigado a abandonar sua residência habitual para buscar
refúgio em outro lugar, fora de seu paìs de origem ou de nacionalidade. Assim,
percebemos que o documento africano estendeu o conceito de refugiado às pessoas
compelidas a cruzar fronteiras nacionais em razão de desastres causados pelo
homem, independente da existência do temor de perseguição. 142
No contexto latino-americano, a Declaração de Cartagena sobre os
Refugiados de 1984, em vista da experiência tida e função da afluência maciça de
refugiados na área centro-americana, recomenda que a definição de refugiados
abranja também as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança
ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão
estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação maciça dos Direitos Humanos, ou
por outras circunstâncias que hajam perturbado gravemente a ordem pública.
Nota-se, depois de 1950, a existência de 4 documentos que buscam
definir refugiados, a multiplicidade não pode ser confundida com falta de
objetividade, pois desde de Viena em 1993, consagrou-se de uma vez por todas a
unicidade e universalidade dos Direitos Humanos. A passagem do tempo e a
eclosão de novas hecatombes sociais exigem uma flexibilização dos institutos para
que o objetivo – proteger a pessoa humana - não seja obstacularizado.
A proteção internacional dos refugiados se dá por intermédio de uma
estrutura de direitos individuais e responsabilidade estatal que deriva da mesma
base filosófica que a proteção internacional dos Direitos Humanos. O Direito
Internacional dos Direitos Humanos, DIDH, é a fonte dos princípios de proteção dos
refugiados e ao mesmo tempo complementa tal proteção. A conclusão é óbvia. Se
há refugiados no mundo é porque em determinado Estado o artigo 14 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos não foi respeitado, e para escapar do vazio, mais
142 HATHAWAY. op. cit. p. 16.
102
ainda usado argumento, de que a Declaração é um mera recomendação, a
Convenção de 1951, o Estatuto de 1967, a Convenção da Unidade Africana de 1969
e a Declaração de Cartagena de 1984, vem para garantir a todo refugiado o direito à
proteção internacional e os Estados têm o dever jurídico de respeitar os referidos
documentos internacionais, em especial o primeiro.
A conexão que há entre Direitos Humanos refugiados é latente. Como já
explicitado alhures o indivíduo só se torna refugiado porque um ou mais direitos
fundamentais foram violados ou estão sob ameaça de o serem, ele não é de forma
alguma um mero turista. Cada refugiado é produto de um Estado que viola ou não
observa os Direitos Humanos. Hoje é impossível conceber uma discussão sobre o
Direito Internacional dos Refugiados desvinculada do Direito internacional dos
Direitos Humanos. Tais direitos têm em comum o objetivo essencial de defender e
garantir a dignidade e a integridade do ser humano. ESPIELL afirma, sobre isso,
que:
“Se é certo afirmar que os refugiados possuem um regime jurídico internacional especifico que deriva, entre outros instrumentos, da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, não é menos certo que os princípios e critérios normativos que fundam esse regime se encontram na Declaração Universal”143
A universalidade é o fundamento primeiro para a proteção aos refugiados,
pois afirma que a dignidade é inerente à pessoa e dessa condição nascem direitos,
livres de qualquer outro elemento. Assim como também a indivisibilidade, pois a
proteção alcança tanto direitos civis e políticos, como os sociais, econômicos e
culturais. Ou seja, devem ser conjugados em um só tecido os preceitos da
Declaração de 1948, da Convenção sobre Refugiados de 1951, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Eliminação de todas as
formas de Discriminação Racial e tantos outros documentos internacionais de
Direitos Humanos.
143 ESPIELL, Hector Gros. El derecho internacional de los refugiados y el artículo 22 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. In: Estúdios sobre Derechos Humanos. Madrid: Civitas/IIDH, 1988. in: PIOVESAN, Flavia.O Direito de Asilo e a Proteção Internacional dos Refugiados. In:ARAÚJO, Nádia de e ALMEIDA, Assis de. O Direito Internacional dos Refugiados, uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001
103
Há que se lembrar a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena
de 1993, já tratada no primeiro capítulo, mas que endossou a universalidade dos
Direitos Humanos. Tal conferência reconhece que flagrantes violações, em especial
as cometidas em momentos de exceção armada, representam um dos múltiplos e
complexos fatores que levam ao deslocamento de pessoas.
Como vimos o primeiro passo para enfrentarmos a questão dos
refugiados é antes de tudo, encaixá-la dentro da perspectiva dos Direitos Humanos,
que devem ser respeitados antes do processo de solicitação de asilo ou refúgio,
durante e principalmente depois dele.
PIOVESAN144 nesse entendimento aponta que no tocante ao direito dos
refugiados eles deve ser observado em pelo menos quatro momentos. O primeiro se
dá antes mesmo do refúgio. Refugiado não é turista. Se ele procura asilo em outras
plagas é porque no mínimo o Estado de Direito está falido, nessa primeira fase
podemos vislumbrar os primeiros direitos que devem ser respeitados decorrentes da
Declaração de 1948: direitos à: igualdade, não-discriminação, vida, liberdade,
segurança pessoal, igualdade perante a Lei, de não ser submetido a tortura ou
tratamento cruel, desumano ou degradante enfim, aqueles catalogados do artigo 1
ao 19.
O segundo momento é aquele em que o indivíduo se vê obrigado a
abandonar seu lar. Esse talvez seja o momento mais dramático, pois se ele está
saindo, é porque os direitos citados acima foram ou estão sendo violados, daí
nascem outras violações. Ao deixarem seu país de origem na busca de proteção aos
seus Direitos Humanos, os refugiados estão a mercê de um grande número de
violências, se tornam os mais vulneráveis dos vulneráveis, em especial as crianças e
mulheres, muitas vezes vítimas da escravidão e da violência sexual. O terceiro
momento é a fase do refúgio, em que os direitos dos refugiados devem ser
respeitados pelo país que os acolheu. Segundo a Convenção de 1951 os refugiados,
além de direitos também possuem deveres, entre os direitos estão todos aqueles
144PIOVESAR. op. cit p.28
104
citados acima mais a certeza de que serão tratados com dignidade, com acesso à
educação e ao trabalho. Especificamente a Convenção elenca o direito de não sofrer
discriminação por motivo de raça, religião ou país de origem (art. 3º); o direito à
liberdade religiosa e instrução religiosa de seus filhos (art. 4º); direito à aquisição de
propriedade (art. 13); direito à proteção à propriedade intelectual e industrial (art.14);
direito de associação (art. 15); direito de livre acesso ao poder judiciário e à
assistência jurídica (art. 16); direito ao trabalho (art. 17); direito à educação, com
isonomia aos nacionais no tocante ao ensino primário e direito a documentos de
identidade.
Porém, o principal direito concedido aos refugiados que se não for
respeitado pode ser considerado uma sentença de morte é o direito de não
devolvido, também conhecido como princípio do non-refoulement. Segundo esse
direito-princípio, nenhum refugiado pode ser obrigado a retornar ao seu Estado
perseguidor. Tal direito foi consagrado no artigo 33 da Convenção de 1951, quando
normatiza que “nenhum dos Estados contratantes expulsará ou repelirá um
refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida
ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude de sua raça, religião ou
nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.” Também
encontramos o princípio non-refoulement no artigo 22 da Convenção Americana de
Direitos Humanos. A importância e amplitude de tal direito-princípio é tamanha que
ele foi alçado à categoria de jus cogens. A Declaração de Cartagena de 1984,
também considera esse princípio como imperativo, e deve ser considerado como
norma de jus cogens, devido a sua importância não só para o Direito Internacional
dos Refugiados, mas também para os Direitos Humanos em geral.
E o quarto momento é aquele que deve ser resolvida a situação de
refugiado, pois ninguém duvida que tal situação deva ser temporária, a sua
perenidade seria mais do que uma violação, mas a total negação de Direitos
Humanos. Das soluções possíveis estão: a repatriação, sempre voluntária, a
integração local e o reassentamento em outros países. Nessas circunstâncias, o
direito da Declaração de 1948, a seguir enumerados tem substancial relevância: a)
direito a regressar ao país de origem; b) o direito à nacionalidade; c) o direito à não-
discriminação; d) o direito à igualdade perante a lei; e) direito à participação política;
105
f) direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento de sua personalidade; g) direito a um padrão de vida digno; h)
direito ao trabalho; i) direito a uma ordem social e internacional na qual os direitos e
liberdades universais possam ser realizados e j) deveres para com a comunidade no
que tange ao respeito aos direitos de outras pessoas e ao respeito às leis.
Pode gerar certa confusão o confronto entre o princípio do non-
refoulement com o direito a repatriação. Porém a confusão não resiste quando se
analisa o aspecto volitivo dos dois conceitos. A repatriação só se dará no caso de
livre vontade do refugiado, o princípio non-refoulement é garantia de que o refugiado
não será repatriado contra a sua vontade. O princípio do non-refoulement, objeto de
luta na fase primeira da qualificação, deve hoje se compreendido de forma mais
ampla possível, transcendendo até mesmo o que foi estipulado pela Convenção de
1951. Urge a redução do domínio da discricionariedade do Estado, a fim de que
direitos universalmente assegurados seja efetivamente implementados. O direito de
solicitar asilo e dele gozar deve corresponder a dever de cada Estado, é imperiosa a
adoção da teoria da responsabilidade jurídica do Estado no tocante à matéria. Não é
expulsando ou fechando os braços para os refugiados o que o problema sumirá, ao
conceder asilo a uma pessoa, assegurando-lhes direitos básicos, a atuação do
Estado estará absolutamente afinada com noção atual da universalidade e da
indivisibilidade dos Direitos Humanos. Os Estados devem perceber de uma vez por
todas, que quando se permite a reconstrução em seu território da vida dos
refugiados eles estarão cooperando, dentre outras coisas, com a diversidade cultural
tão propalada em tempos de globalização.
106
3.4 A Perspectiva Latino-Americana
A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 dispõe que “toda
pessoa tem o direitos de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de
perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo
com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais”. Porém,
como já citado alhures, a primeira regulamentação jurídica internacional regional
latino-americana se deu em 1889 na ocasião do Primeiro Congresso Sul-Americano
de Direito Internacional Privado, que coroou a luta pela independência e democracia
em solo latino americano.
Desde então foram concluídos nesse continente instrumentos
internacionais regionais que regulam, de forma direta ou indireta, a concessão de
asilo. A história particular da América Latina fez com que, na regulamentação do
instituto do Asilo, características particulares fossem moldadas nos seus respectivos
instrumentos. Como vimos a discussão para a definição de um conceito global para
refugiados começou em 1921 sob a tutela da Liga das Nações, motivado por razões
um tanto distintas do nascimento do asilo latino-americano.
O artigo 22 da Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu
parágrafo 7º diz que a todos cabe “o direito de buscar e receber asilo em território
estrangeiro”, assim a Convenção ratificou uma tendência que vinha desde os
tratados relativos ao asilo territorial como o de Havana em 1928, de Montevidéu de
1933, o de Caracas de 1954 e outros dois também na capital uruguaia de 1889 e
1939.
Em campo de definição pode-se tecnicamente afirmar que asilo é restrito
na acepção regional latino-americana e o refúgio abarca uma situação global.
Mesmo sendo diferentes, ambos buscam o mesmo fito que é a proteção da pessoa
humana. Logo, no lugar de se negarem se completam em um só corpo de proteção.
Além dessa primeira diferença podemos também elencar outras. O refúgio é recurso
eminentemente humanitário enquanto asilo possui um caráter mais político. Refúgio
107
busca proteção contra perseguições do tipo religiosa, raciais, de nacionalidade e de
opiniões políticas, ao passo que o asilo abarca apenas crimes de natureza política.
Para a configuração do refúgio basta o mero temor de perseguição, enquanto para o
asilo é preciso comprovar a efetiva perseguição. Normalmente o refúgio se dá no
território diferente daquele que vem o medo de perseguição, já no asilo a proteção
pode se dar também em embaixadas do país de destino como é o caso do asilo
diplomático. No refúgio, como já registrado, há cláusulas de cessação, perda e
exclusão, constantes da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, já no
asilo não há tais cláusula. Por fim, o refúgio apresenta caráter declaratório e o asilo
constitutivo dependendo da decisão do país.
Aquém da diferenças a principal semelhança está no fato de serem
ambos uma medida unilateral, destituída de reciprocidade e, mormente
fundamentada na proteção da pessoa humana. ESPIELL observa que é necessária
a complementaridade dos regimes universais e regionais, para que se alcance a
mais completa proteção dos Direitos Humanos.145
Porém diante das injustiças não há cidadãos globais ou latino-americanos
apenas, são todos serem humanos e por isso integram a sociedade internacional,
que tem por obrigação de proteger e garantir a dignidade de todos os seres
humanos em quaisquer circunstâncias ou lugares146
Seguindo a tendência de se ampliar o conceito de refugiado, que ganhou
força com a Convenção da Organização da União Africana de 1969, foi aprovada
uma Declaração em Cartagena das Índias, sob os auspícios da ACNUR, em 1984,
que recomendou a adoção na América Central não apenas o conceito da
Convenção de 1951 e de seu protocolo de 1967.
A Declaração de Cartagena de 1984 considera refugiadas as pessoas que
têm fugido de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade têm sido
ameaçadas pela violência generalizada. Ou em caso de agressão estrangeira,
145 ESPIELL. op. cit. p. 278. 146 PIOVESAN. op. cit p..55.
108
conflitos internos ou qualquer outra violação maciça aos Direitos Humanos ou ainda
outras circunstâncias que violem a ordem pública. Nota-se que a definição de
refugiado tem ser regionalizado e se amoldando a realidade sócio-política da região
específica. Como lembra MELLO ao citar SHNYDER, o termo refugiado não é
definido em simples bases teóricas, mas sim de modo funcional e concreto com o
fito de resolver problemas reais.147
Soma-se a isso que da análise da Declaração de Cartagena que o
conceito americano de refugiado é mais amplo do que o de asilado territorial. Logo,
sem querer reduzir a questão, todo asilado territorial é refugiado, mas nem todo
refugiado é asilado territorial. Outro exemplo que podemos apontar entre esses dois
institutos é a obrigatoriedade, em caso de asilo territorial, por parte do Estado
asilante de comunicar a fato ao Estado de onde saiu o indivíduo. Essa obrigação
não existe para os demais refugiados.
Os países latino-americanos consideraram que os problemas regionais
podiam encontrar soluções adequadas nos instrumentos elaborados na própria
região e que estabeleciam o asilo como uma das melhores e mais típicas instituições
convencionais produzidas nessa parte do mundo.
Por esse motivo o instituto do asilo foi adotado por países latino-
americanos. Quando a situação fosse a recepção e a adaptação de refugiados
exclusivamente europeus, aí sim era acionado o ACNUR.
Nos primeiros anos da década de 1970, acontecimentos na Bolívia e no
Chile precipitaram uma atuação mais efetiva do ACNUR. Assim o Alto Comissariado
iniciou sua tarefa de prestar serviços na tarefa de proteção a refugiados latino-
americanos e para isso abriu-se um representação do órgão em Buenos Aires.
Os acontecimentos políticos chilenos de 1973 requereram a colaboração
do ACNUR no reassentamento de refugiados do Chile em dez países da América
Latina. Também interveio o ACNUR para dar proteção e assistência aos refugiados
147 MELLO. op. cit.p. 1094.
109
que se dirigiram aos países limítrofes, em especial o Peru e a Argentina. Logo após,
foram os refugiados uruguaios e argentinos que deixaram seus respectivos países e
se dirigiram a países latino-americanos e também a países europeus.
Foi na década de 70 que os Pactos de Direitos Humanos e o Pacto de
San Jose da Costa Rica entraram em vigor, isso contribuiu no sentido de que a
instituição regional e a universal do asilo e a universal do refúgio se complementam,
o que extinguiu a reserva geográfica.
A situação na América Central começou a ser radicalizar. Diversos países
dessa região acionaram o ACNUR para cooperar na assistência aos refugiados da
Nicarágua que haviam deixado seu país entre 1978 e 1979. O ACNUR então
participou no movimento de repatriação desses refugiados, e assim se iniciava um
movimento de saída e repatriação que iria perdurar por muitos anos.
.
No final da década de 80 a democracia voltava para a América do Sul, a
saída dos regimes militares do poder abria a possibilidade de repatriação a países
como Uruguai e Argentina. Tudo isso serviu de importante marco para o progresso
da proteção internacional dos refugiados.
Na região centro-americana e no México, o ACNUR assistia a cerca de
20.000 refugiados, até fevereiro de 1993. Entre 1980 e 1983 foram produzidos
importantes movimentos: a) de salvadorenhos para os países centro-americanos e
América do Norte; b) de índios miski tose sumos que, da Nicarágua, transladaram-se
para Honduras e, posteriormente, para Costa Rica (principalmente a partir de 1981,
e de modo acentuado no mês de dezembro desse ano, e nos primeiros meses de
1982); c) de guaternaltecos que deixaram seu país e se mudaram para o Estado de
Chiapas, no México (meados de 1981), segundo dados do próprio ACNUR.
Nesse ambiente, realizou-se no México, ao final de 1981, um Colóquio
que se dedicou a examinar os problemas mais delicados e imediatos do asilo e dos
refugiados na América Latina. Esse Colóquio destacou a necessidade de estender a
proteção internacional a todas as pessoas que fogem de seu país por causa de
agressão, ocupação ou dominação estrangeira, violação maciça dos direitos
110
humanos ou acontecimentos que alterem gravemente a ordem pública, em todo ou
em parte do território do país de origem.
Como dito a "Declaração de Cartagena sobre os Refugiados", em 1984,
que adotou uma "definição ampliada de refugiado", único modo de solucionar de
modo humanitário e justo o problema dos refugiados centro-americanos que, nesses
anos, apresentava alguns novos indicadores: a) o número de refugiados
guatemaltecos no México aumentou consideravelmente, e puderam instalar-se
acampamentos longe da fronteira, na península de Yucatan; b) Honduras e Costa
Rica continuaram aumentando a recepção de refugiados vindos, principalmente de
El Salvador, Guatemala e Nicarágua. Desse último país, saíram cerca de 15.000
índios mulatos e sumos durante os primeiros meses de 1986; O Belize se constituiu
em um jovem país receptor de refugiados oriundos de diferentes países centro-
americanos.
Três anos depois, a Assembléia da OEA, aprovou a resolução sobre a
“Situação dos Refugiados da América Central e os Esforços Regionais para a
Solução de Seus Problemas”, que criou um mecanismo tripartites instituídos com o
fito de favorecer a repatriação voluntária, fazendo-se referência à constituição, por
parte do ACNUR, de um “Grupo de Trabalhos sobre Possíveis Soluções aos
Problemas dos Refugiados Centro-Americanos”, e à celebração de uma conferência
regional sobre o tema.
A Conferência Internacional sobre Refugiados Centro-americanos
(CIREFCA) realizou-se em 1989 na Guatemala. Dela estavam presentes
plenipotenciários dos países da região, da sociedade internacional, da ONU, da OEA
e do ACNUR. A CIREFCA aprovou então um documento intitulado "Princípios e
Critérios para Proteção e Assistência dos Refugiados, Repatriados e Deslocados
Centro-americanos na América Latina", documento de enorme importância por
apresentar as principais normas jurídicas aplicáveis na região para tratar de resolver
o problema.
A OEA em 1991 aprovou uma Resolução com o título “Situação Jurídica
dos Refugiados, Repatriados e Deslocados no Continente Americano”. Essa
111
resolução constata um desenvolvimento gradual e positivo em matéria de
repatriação voluntária de refugiados centro-americanos e os de outros Estados
membros. A Declaração de Cartagena de 1984 nasce como um guia para a solução
dos refugiados na América, a Resolução da OEA incentiva então os Estados a
incorporar em suas legislações a própria Declaração com o objetivo de fortalecer o
sistema jurídico da proteção dos refugiados.
A Declaração de Cartagena é cada vez mais aceita no continente, na qual
alguns Estados chegaram a incluí-Ia em sua legislação interna, como é o caso do
Equador e Bolívia. Desse modo, além de coexistirem essas duas instituições
protetoras da pessoa em perigo, como são o asilo e o refúgio, este último é aceito
nos termos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, enquanto que a
Declaração de Cartagena obtém cada dia maior aceitação. Deve-se destacar aqui
que na América do Sul a totalidade dos países tem aceitado a Convenção de 1951 e
o Protocolo de 1967 na sua integralidade, já tendo sido levantada a reserva
geográfica que existiu em alguns deles até muito pouco tempo.
Enfim, a Declaração de Cartagena vem de ser reavaliada e atualizada
pelo importante Colóquio Internacional realizado em San José da Costa Rica, em
dezembro de 1994, copatrocinado pelo ACNUR e pelo Instituto Interamericano de
Direitos Humanos, que adotou a igualmente relevante Declaração de San José
sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas, que se constitui na última palavra sobre a
matéria.
Paralelamente, no biênio de 1993-1994, a Assembléia Geral da OEA
voltou a pronunciar-se sobre a matéria. Em Manágua (1993), a Assembléia Geral
adotou uma resolução sobre a "Situação jurídica dos Refugiados, Repatriados e
Deslocados no Hemisfério Americano", que destaca a importância, na região, da
busca de solução ao problema dos deslocados internos, assim como dos
movimentos de repatriação voluntária efetuados na América Central e na América do
Sul, e da melhoria da situação jurídica dos refugiados que optaram por não retornar
a seus países de origem e aos quais se facilitou a integração local. Um ano depois,
em Belém do Pará (1994), a Assembléia Geral da OEA aprovou uma resolução com
o mesmo título da anterior, em que expressou particular preocupação com "a
112
constante corrente de haitianos que fogem para buscar refúgio em países da
região", conclamando à solidariedade e cooperação internacionais para buscar
soluções duradouras a este problema.
O Colóquio de San José da Costa Rica, de dezembro de 1994, em
comemoração do 10º aniversário da Declaração de Cartagena, do qual resultou a
nova Declaração de San José, serviu para reanimar e fortalecer o compromisso dos
países do continente americano no tratamento e busca de solução dos ternas
analisados. Em um momento em que a violência existe em diversos pontos do
mundo, o continente americano se compromete decididamente em favor da
esperança.
No tocante aos países do Cone Sul todos os países da região são
signatários da Convenção de 1951 e de seu Protocolo de 1967, tendo adotado em
maior ou menor grau medidas para o efetivo cumprimento de suas disposições. O
desafio é agora aproveitar os instrumentos regionais já existentes, para lograr esta
harmonização legislativa tão sonhada. Os problemas criados pela mobilidade
geográfica devem ser enfrentados, de acordo às realidades dos países que
conformam a região, com normas comunitárias e políticas regionais comuns. A
harmonização supõe a adoção de diretrizes comuns em determinados aspectos
básicos, mas sempre procurando manter as peculiaridades de cada legislação
nacional e a análise concreta e individual de cada uma das solicitações de refúgio
em estudo. Assim, com a firma do Tratado de Assunção em 1991 e, posteriormente,
do Protocolo de Ouro Preto em 1994, os países que integram o Mercosul dão os
primeiros passos para atender as novas necessidades geradas no processo de
integração em marcha; principalmente com a criação da Comissão Parlamentar
Conjunta como órgão cujo objetivo é facilitar o caminho às metas propostas por meio
de sua função consultiva, deliberativa e de formulação de propostas. Esta Comissão,
cuja presidência corresponde semestralmente a cada um dos países fundadores do
Mercosul, tem entre suas funções as de realizar os estudos necessários tendentes a
harmonizar as legislações dos Estados Parte, propor normas de direito comunitário
referidas ao processo de integração e fazer com que as conclusões cheguem aos
Parlamentos Nacionais. Assim, o Mercosul, além de propiciar uma integração
113
econômica deve também busca a harmonização da regulamentação do direito
internacional dos refugiados.
114
4.0 A PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS NO BRASIL
4.1 O Direito de Asilo no Brasil - visão histórica e constitucional
A Declaração dos Direitos do Homem de 1948, como já afirmado,
consagrou em seu artigo 14 que todo ser humano tem o direito fundamental de pedir
asilo e dele gozar. Já foi também explicitado as formas básica de asilo e suas
diferenças com a situação do refugiado, mesmo tendo os institutos os mesmos
objetivos, qual seja a proteção humana.
Cabe agora, antes de fazermos uma análise mais técnica da proteção aos
refugiados no Brasil traçarmos em linhas gerais a relação que o Brasil possui com o
direito de asilo, haja vista, que o Brasil foi um ávido incentivador da Declaração dos
Direitos do Homem de 1948.
Infelizmente o direito de asilo ainda é um direito do Estado e não do
indivíduo. O que significa que o Estado não é obrigado a conceder asilo, e nem
justificar a sua decisão, é ato de soberania. Por outro lado, a concessão ou não de
asilo não pode servir de base para o estremecimento de relações diplomáticas entre
as nações.
Ao consagrar entre os princípios das relações internacionais brasileiras a
concessão de asilo político, o nosso texto constitucional acabou por criar uma série
de dúvidas de exegese, em especial quanto à sua extensão. A nossa Carta Maior
está se referindo ao asilo diplomático ou territorial?
A Assembléia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos em 1º de
fevereiro de 1987, trabalhos esses que duraram 583 dias. Num primeiro momento os
deputados constituintes dividiram-se em 24 subcomissões temáticas, as quais
tiveram posteriormente seus trabalhos integrados à sete comissões temáticas. A
partir do trabalho destas entrou em funcionamento a chamada comissão de
115
sistematização, que iria justamente unificar o material constitucional para ser votado
em plenário. O texto foi aprovado em plenário em 22 de setembro de 1988 e
promulgado em 05 de outubro do corrente ano.
O direito de asilo foi discutido de maneira superficial na Subcomissão dos
Direitos e Garantias Individuais, sendo que a matéria só foi discutida em dois
momentos. O primeiro se deu com o pronunciamento do professor Candido Mendes,
membro da Comissão Afonso Arinos148·, que defendeu a criação de uma teoria
brasileira do direito de asilo, ou que, em sua opinião, até então nunca havia existido.
Afirmou categoricamente que o asilo deve ser concedido por convicções políticas,
filosóficas, religiosas ou pela defesa dos direitos consagrados na Constituição.149
Ressaltou também o professor a importância de bem se distinguir os
institutos do asilo político e da extradição, alertando que, em alguns casos, um país
estrangeiro pode pedir a extradição de uma determinada pessoa alegando a prática
de crime comum, quando na verdade este é contingente diante do rela fato que leva
à sua busca, o crime político.
Quando indagado sobre o dispositivo do anteprojeto da Comissão Afonso
Arinos que assegura que a negativa de asilo ou expulsão de refugiado só se daria
com o aval de um órgão de controle jurisdicional, o professor afirmou que o Brasil
em muitas ocasiões negava essas garantias e não se preocupava com o fim que
essas pessoas teriam. Logo na visão do professor o Brasil não deveria negar asilo a
solicitante que se retornasse ao país de origem seria submetido a tratamento
degradante ou até mesmo a pena capital, agindo assim o Brasil não iria apenas
beneficiar os estrangeiros, mas também a sociedade internacional com um todo.
No segundo momento se deu durante a audiência pública realizada com a
presença do então consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores o
professor Antônio Augusto Cançado Trindade. Indagado pelo constituinte Costa
Ferreira após seu pronunciamento, afirmou constituir asilo questão mais pertinente
148 Comissão Provisória de Estudos Constitucionais ratificada e efetivada pelo Decreto 91.450 de 18 de julho de 1985. 149 Diário da Assembléia Nacional Constituinte de 27 de maio de 1987, Suplemento ano n.66, p. 67.
116
ao direito constitucional do que ao direito internacional, por tratar-se de matéria a ser
regida primordialmente pelo próprio ordenamento jurídico interno.150
Sem muitas discussões em 11 de maio de 1987, o Relator da
Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, constituinte Darcy Pozza, realizou
a entrega formal do anteprojeto desta instância constituinte, na verdade, a primeira
versão do capitulo da Constituição que viria a tratar dos direitos fundamentais
individuais e coletivos. É aqui também que temos o primeiro esboço da inscrição do
direito de asilo na então futura Constituição. Incluído nos parágrafos de número 29 3
30 do anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, sem nenhuma variação:151
O conteúdo deste anteprojeto já reflete o que será, com suscessivas
alterações de extensão, alcance e redação, o futuro artigo 5º da nossa Constituição,
in verbis:
“§29. Tem direito de asilo os perseguidos em razão de suas atividades e
convicções políticas, filosóficas ou religiosas, bem como em razão da defesa dos direitos consagrados nesta constituição.
§ 30. A negativa de asilo e a expulsão do refugiado ou estrangeiro que o tenha pleiteado subordinar-se-ão a amplo controle jurisdicional.”
Depois da apresentação do anteprojeto do Relator, houve a previsão de
um lapso temporal previsto no regimento para que os constituintes pudessem
oferecer emendas ao texto do Relator. Assim o substitutivo foi concluído pela
subcomissão em 22 de maio de 1987. Os dispositivos referentes ao direito de asilo
não receberam nenhuma emenda nessa fase, mantendo no substitutivo a mesma
redação que tinha no anteprojeto, passando apenas a figurar agora nos parágrafos
30 e 31.
Na etapa seguinte do processo constituinte reuniram-se membros de três
subcomissões temáticas. Eram elas a Comissão de Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher, além da Subcomissão dos Direitos e Garantias
150 Diário da Assembléia Nacional Constituinte de 27 de maio de 1987, Suplemento ao n. 66. 151 POGREBINSCHI, Thamy., Flavia. O Direito de Asilo e a Proteção Internacional dos Refugiados. In:ARAÚJO, Nádia de e ALMEIDA, Assis de. O Direito Internacional dos Refugiados, uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, 323.
117
Individuais, a Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias
e a Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais,
que procuram elaborar um anteprojeto único, resultante da sistematização dos
substitutivos finais de cada subcomissão.
A análise dos debates constituintes nesta Comissão mostra a
preponderância com que se tratou determinados temas, como o aborto, a pena de
morte e o homossexualismo, na elaboração da nossa carta de direitos. O tratamento
constitucional a ser dado ao direito de asilo não foi alvo de debates nessa fase.
Porém, o anteprojeto final por ela elaborado apresenta o dispositivo referente ao
direito de asilo com redação distinta daquela do projeto vindo da subcomissão. Disso
se conclui que a alteração se deu através e emenda incorporada diretamente pelo
Relator no primeiro substitutivo.
Enfim, a nova redação, dada nesta etapa constituinte, ao futuro dispositivo
constitucional sobre o direito de asilo é a seguinte:
“artigo 16 (....) a) Concerder-se-á asilo a estrangeiros perseguidos em razão de raça, nacionalidade e convicções políticas, filosóficas ou religiosas, ou em razão de defesa dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.”
Na comissão de sistematização contou ao todo com dois substitutivos
resultantes das discussões e emendas oferecidas pelos constituintes. O primeiro
substitutivo apresentado pelo relator Bernardo Cabral, dava ao direito de asilo
redação diferentes daquela constante do texto final da Comissão da Soberania e dos
Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Mais uma vez, não há como identificar
a autoria da emenda incorporada que levou a tal mudança. O texto do primeiro
substitutivo, que numerava de 6º o que seria o 5º, passou a ter a seguinte forma:
“Artigo 6º (....) § 45 – Conceder-se-á asilo político aos perseguidos em razão de defesa dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana, não faltando o Brasil à condição de País de primeiro asilo”.
118
Observe-se que aqui as mudanças realizadas foram no sentido de se
retirar as especificações do texto anterior relativas às causas ensejadoras da
concessão de asilo, como raça, nacionalidade e convicções políticas, filosóficas ou
religiosas. Acresceu-se também a previsão do estado brasileiro como país de
primeiro asilo, não constante de nenhum dos textos anteriores.152
O segundo substitutivo inaugurou o último momento de discussão antes
do início do processo de votação nesta instância. Durante tais debates preliminares,
a questão do asilo não foi expressamente abordada sequer uma vez, apesar de
figurar com alvo de três destaques, como analisaremos a seguir. O texto do segundo
substitutivo do Relator, resultante da incorporação de novas emendas ao primeiro
ficou do seguinte modo:
“ Artigo 5º (...) § 34 – Conceder-se-á asilo político aos perseguidos em razão de defesa dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.”
O primeiro destaque buscava dar uma redação mais sintética ao
dispositivo, não o sujeitando a nenhuma condição, nem restringindo a um rol de
causas permissivas, destaque que posto em votação foi rejeitado.
O segundo destaque, proposto pelo constituinte capixaba José Ignácio
Ferreira, trazia uma proposição original, que seria no sentido de que o Brasil não
faltaria com a condição de país de primeiro asilo, e só com a presença do refugiado
em território nacional que o refugiado que se poderia analisar o pedido de
extradição, a qual não será concedida por crime exclusivamente político ou de
opinião, ou quando o extraditando puder ser condenado à morte no país solicitante,
salvo compromisso de comutação de pena. Considerado confuso pelo Relator
Bernardo Cabral o destaque também foi rejeitado.
O último destaque referia-se a uma emenda do constituinte Jovanni
Masini, que possuía o seguinte teor: “Conceder-se-á asilo a estrangeiros
152 POGREBINSCHI. Thamy. op.cit., p. 329.
119
perseguidos em razão de convicções políticas”. Com o apoio do constituinte José
Genuíno, a proposta foi submetida à votação e aprovada pela quase unanimidade
dos votos. Passando assim a integrar o texto final produzido pela Comissão de
Sistematização, a nova redação que recebe o direito de asilo passa a ser:153
“Artigo 6º (...) § 37 – Conceder-se-á asilo a estrangeiros perseguidos em razão de convicções políticas”
No primeiro turno das votações em plenário, por interferência do grupo
político conhecido como Centrão, direito de asilo, portanto, mais uma vez alterado,
como se vê a seguir: § 38 – Conceder-se-á asilo político, na forma da lei”.
Começa assim a aproximar-se da redação definitiva, embora pendente de
uma lei regulamentadora, depois de outros destaques por fim foi aprovada a
seguinte locução: artigo 5º LXXX – Conceder-se-á asilo político.
Todavia, é no segundo turno de votações no plenário que o direito de
asilo ganha a forma que ocupará definitivamente no texto constitucional, passando
de dispositivo do rol de direitos e garantias individuais para princípio informador das
relações internacionais.
Foram necessárias algumas sessões para que se alcançasse o quorum
regimental, mas a proposição foi votada e aprovada por quase unanimidade. Nasci
ali a redação derradeira do direito de asilo na Constituição de 1988.
“Artigo 4º - A república Federativa do Brasil fundamenta suas relações internacionais nos seguintes princípios: (....) X – concessão de asilo político.”154
Uma vez positivado o direito de asilo no artigo 4º, X, seguiu-se uma série
de posições e interpretações doutrinárias sobre a matéria. Consagrada como
153 POGREBINSCHI. Thamy. op.cit., p. 332. 154 Conforme CFRB.
120
princípio das relações internacionais a “concessão de asilo político” traz em seu bojo
um série de indefinições.
O principal problema, porém não único, se dá a própria redação “asilo
político”. Entende-se asilo político, como já analisado anteriormente, como asilo
diplomático que é um instituto exclusivo da América Latina.155
Logo uma interpretação literal poderia considerar que o Brasil consagra
apenas o asilo diplomático em detrimento do asilo territorial. CRETELLA JÚNIOR
entende que o direito de asilo existe apenas em seu caráter diplomático, ao passo
que Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Pinto Ferreira nada se referem sobre esse
assunto.156
MELLO por sua vez afirma que a Constituição refere-se tanto ao asilo
diplomático quanto ao territorial, defendendo que na doutrina internacional os
autores usam a expressão asilo político no sentido genérico.157
Outra questão que os constitucionalistas ressaltam é o fato de o direito de
asilo inserir-se aos Princípios Fundamentais o que poderia levar seus intérpretes a
indagar quanto ao seu caráter de mera diretriz do Estado ou de direito subjetivo
individual. Mais uma vez MELLO tece longas reflexões sobre o assunto, e afirma
que o asilo é um direito do estado não só pela majoritária doutrina especializada,
mas também pelos documentos internacionais sobre o assunto.158
No tocante aos refugiados a participação brasileira se efetiva em 1948
quando foi formada a Comissão Mista Brasil – Comitê Intergovernamental para
Refugiados (OIR), a partir da qual o governo brasileiro se comprometeu a receber
155 MELLO, Celso Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1994, p. 123. 156 JUNIOR CRETELLA. José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, verbete “Concessão de asilo político”, Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 3 edição, 1992. 157 MELLO. op, cit. p. 324. 158 MELLO, Celso Albuquerque. Direito constitucional internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994,. p. 151 e 152
121
uma quota de refugiados de guerra, mas a consolidação veio com à adesão por
parte do Brasil ao ACNUR e à Convenção de Genebra de 1951 em 1960.
Naquele momento o Brasil adotou a cláusula da reserva geográfica pela
qual se comprometia a reconhecer como refugiados somente pessoas que fossem
provenientes da Europa.
4.2 Lei 9.474 de 1997
O Brasil foi partícipe ativo da Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948 e assinou, ratificou e promulgou os principais documentos relativos
aos refugiados, como o Estatuto dos Refugiados de 1951 e o seu Protocolo de 1967.
Além disso, o Brasil é membro da OEA desde a sua instituição em 1948 estando
então submetido à Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, além
de ter ratificado o Pacto de San José da Costa Rica(1969) em 1982. Desta forma,
está o Brasil submetido à jurisdição da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e às normas do Pacto de San José da Costa Rica no que concerne à
violação de Direitos Humanos.
Logo, pode-se dizer que na jurisdição interna a regulamentação de origem
universal foi plenamente recepcionada pelo Brasil, e, além disso, está em vigor uma
lei nacional (lei 9474-1997) que regulamentou mecanismos preconizados no
Estatuto de 1951, figurando o Brasil no alinhado com a legislação mundial sobre o
assunto refugiados.
Foi a partir da Lei acima citada que o Brasil incorporou de forma definitiva
a Convenção sobre o Estatuto de Refugiado de 1951. Apregoam alguns que o
primeiro Tratado de Direitos Humanos do mundo é a Convenção contra o Genocídio
de 1948, ficando a Convenção de 1951 em segundo lugar.
122
Tal legislação foi a primeira a implementar no ordenamento jurídico pátrio
um Tratado Internacional dos Direitos Humanos. A elaboração e entrada em vigor da
lei 9.474-1997 é um marco na trajetória do compromisso brasileiro com a proteção
dos Direitos Humanos, sendo esse compromisso iniciado já em 1952 com o
reconhecimento da Convenção sobre o Estatuto do Refugiado.
Nessa trajetória de compromisso podemos citar os seguintes marcos
cronológicos: 15 de julho de 1952, o Brasil assina a Convenção Sobre o Estatuto de
Refugiado de 1952; 28 de janeiro de 1961, pelo decreto 50.215 é promulgada a
Convenção sobre o Estatuto de Refugiado de 1951, no ordenamento pátrio, sendo
que nessa ocasião é feita reserva geográfica, ou seja, o Brasil só aceita refugiados
europeus; 08 de agosto de 1972, decreto 70.946 é promulgado o Protocolo de 1967,
que passa a integrar o ordenamento jurídico brasileiro; 1977, o Brasil recebe a
primeira missão do ACNUR, que se instala na cidade do Rio de Janeiro. Devido a
conjuntura histórica do país, regime militar, o ACNUR limita-se apenas a reassentar
solicitantes de asilo oriundos do Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai; 1979-80 cento
e cinqüenta vietnamitas são acolhidos, como não eram europeus não lhes foi
concedico o status de refugiado, mas sim um estatuto migratório especial; 1982, a
presença do ACNUR em solo nacional é oficialmente reconhecido pelo Governo
Brasileiro; 1986 são acolhidos no território nacional cinqüenta famílias Bahai´s
perseguida no Irã por questões de credo, como também não eram europeus foram
recebidos como asilados; 1989, fim da cláusula geográfica, o escritório do ACNUR é
transferido para Brasília; 1992-1994, o Brasil acolhe um mil e duzentos angolanos.
Apesar da Convenção de 1951 os considerar refugiados, o Brasil os enquadra como
refugiados de acordo com a Declaração de Cartagena que prevê a concessão do
estatuto de refugiado à grave e generalizada violação de Direitos Humanos; maio de
1996, o projeto de lei que estabelece a incorporação da Convenção de 1951 ao
Direito Brasileiro é enviado ao Congresso Nacional juntamente com o Plano
Nacional de Direitos Humanos; 22 de julho de 1997, a lei 9.474 que implementa a
Convenção sobre o Estatuto do Refugiado de 1951 ao Direito Brasileiro é
sancionada e promulgada pelo Presidente da República; 07 de setembro de 1988,
toma posse a Coordenadoria do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados)
que teria como presidente a Dra. Sandra Valle, hoje é o Dr. Luis Paulo Teles Ferreira
Barreto. O CONARE é o órgão do Governo Brasileiro, responsável pela elegibilidade
123
dos “casos individuais”, bem como da elaboração das políticas públicas para os
refugiados; 26 de maio de 1999, em reunião plenário do CONARE é aprovada a
resolução nº 06 que regulamenta a emissão do protocolo para o solicitante do asilo;
10 de agosto de 1999, o Ministro da Justiça, José Carlos Dias e o Representante
Regional do ACNUR assinam o Acordo para o Reassentamento de pessoas
afetadas pelo conflito da ex-Iugoslávia. Durante a solenidade de assinatura deste
acordo o Ministro José Carlos Dias manifestou o interesse do Governo Brasileiro de
assinar um novo acordo de reassentamento no qual os beneficiários seriam pessoas
afetadas pelo conflito em Angola.159
A lei 9.474/97 tendo como parâmetro comparativo a Convenção de 1951,
a Convenção da Organização da Unidade Africana e Declaração de Cartagena de
1984160, traz um conceito bem mais ampliado para refugiado quando diz em seu
artigo 1º inciso III: “Artigo 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: III
– devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar
seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.
A definição brasileira, concisa em relação aos conceitos pretéritos,
transforma a Lei 9.474/97 numa das mais avançadas e generosas do continente
americano no campo do Direito Internacional dos Refugiados. Até o ano de 2001,
dos 107 casos decididos pelo CONARE 81 foram de acordo com a definição
ampliada expressa na referida lei.161
Já foi analisada em outra oportunidade a importância crucial do princípio
do non-refoulement para a efetiva proteção dos refugiados. A previsão desse
princípio ocorre de maneira a garantir sua eficácia diante de todos os institutos
jurídicos que regulam a saída do estrangeiro do território nacional. No Brasil a
159 ALMEIDA, Guiherme Assis de.A Lei 9.474/97 e a definição ampliada de refugiado:breves considerações. In:ARAÚJO, Nádia de e ALMEIDA, Assis de. O Direito Internacional dos Refugiados, uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 159. 160 O Brasil não assinou esse tratado internacional 161 ALMEIDA op cit p. 165.
124
situação do estrangeiro se encontra regulada pelo Estatuto dos Estrangeiros
composto pelo Lei 6.815 de 1980 e pelo Decreto 86.715 de 1981.162
Logo, a acomodação das obrigações previstas nos instrumentos
internacionais com a legislação pátria é mais um dos méritos da Lei 9747/97,
figurando assim um exemplo sui generis de incorporação de tratados internacionais
de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro.
A citada lei, como já ressaltado positiva a proteção internacional a ser
oferecida ao refugiado solicitante do reconhecimento desta condição perante o
governo brasileiro. A proteção sem fronteiras é a pedra de toque do Direito
Internacional dos Refugiados e deve ser garantida e exercida pelo Estado que
recebe a solicitação do reconhecimento da condição jurídica do refugiado. Ela dever
ser exercida desde o momento em que o indivíduo ultrapassa as fronteiras do
Estado do qual sofre perseguição. A sociedade internacional é a primeira
responsável pela proteção e assistência aos refugiados, logo, é inadmissível a
inexistência de um espaço físico fora do Estado perseguidor onde a proteção
internacional não se faça presente, não merece aplauso a alegação jurídica de que
há espaços onde o direito não encontra aplicabilidade, não se pode mais aceitar o
retorno ao estado da natureza na concepção de Hobbes.
O Brasil quando acolhe os refugiados exerce a função de proteção
internacional seja em seu território, seja em espaços internacionais. Convém definir
o que seria essa proteção, ela não se reduz apenas ao reconhecimento da condição
jurídica do refugiado, mas também a garantia de condições que permitam ao
refugiado solicitar perante as autoridades nacionais o reconhecimento desta
condição, para assim a usufruir de maneira internacional.
Conclui-se então que no Brasil a proteção internacional aos refugiados se
dá em duas etapas, uma que garante condições para a solicitação do
reconhecimento da condição de refugiado, e a segunda que garanta a proteção
162 No Brasil por força constitucional, artigo 22, inciso XV da CFRB, é de competência legislativa regulamentar a situação do estrangeiro no Brasil.
125
internacional integral, isto é, os direitos decorrentes do reconhecimento aferido. O
princípio do non-refoulement está presente nessas duas etapas.
4.3 O Princípio do Non-Refoulement na Lei 9.474/97
A eficácia do princípio do non-refoulement é condição sine qua non para a
efetiva proteção internacional dos refugiados. Tal princípio está estampado no artigo
7º da Lei 9.974/97 que diz
“O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento côo refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível. § 1º - Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. (grifo nosso)
Logo, a aplicabilidade do principio está inserido na fronteiras e zonas
analogicamente assim consideradas um espaço principal. Prevê também o
parágrafo 2º do mesmo artigo: “O benefício previsto neste artigo não poderá ser
inovado por refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil”.
A regra revela um conteúdo de reserva do Estado para o exercício de
suas razões, porém elas devem estar acompanhadas pelo espírito da própria lei,
que é garantir ao refugiado vida, liberdade e segurança. O benefício estampado no §
2º diz respeito à vedação da deportação. Entretanto, limitar expressão do refugiado
em ver garantido o seu direito de petição é atentar contra os fundamentos mais
caros à Constituição do Brasil, logo a autoridade imigratória que colocar em prática o
refoulement do § 2º deve fazer uma fundamentação concreta e objetiva, pois tal
prática não depende de ato discricionário, mas sim de ato administrativo vinculado a
preceito legal.
É relevante ressaltar que o benefício que não poderá ser invocado por
indivíduo que represente perigo à segurança nacional, conforme o texto é o de não
126
ser deportado. Trata-se de uma séria limitação ao princípio do non-refoulement, a
qual deve ser interpretada consoante a interpretação da Lei 9. 474/97, qual seja, a
de garantir a proteção internacional contra qualquer ameaça à vida, à segurança e à
liberdade do refugiado.
Apesar dessa limitação, a solicitação do reconhecimento da condição
jurídica do refugiado é direito fundamental inerente a todo e qualquer ser humano
independente de filiação estatal. A única limitação é a proibição é um nacional
solicitar refúgio ao seu próprio governo.No artigo 8º encontramos in verbis: “ O
ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro
solicitar refúgio às autoridades competentes”.
Não há qualquer impedimento para o estrangeiro solicite refúgio às
autoridades competentes. A equivocada admissão da existência de qualquer
impedimento implica em negativa de vigência das normas constitucionais dos
direitos fundamentais. Além disso, a recusa em permitir ao indivíduo a solicitação em
tela implica no refoulement.
Desta forma, o princípio em comento encontra plena aplicabilidade na
ordem jurídica brasileira, podendo-se conceituá-lo como um impedimento à saída
compulsória do estrangeiro que solicita ao Estado onde se encontra o
reconhecimento de sua condição jurídica de refugiado, impedimento que permanece
desde a solicitação, passando pela decisão do órgão competente ao
reconhecimento da referida condição, cessando somente na hipótese do indivíduo
ver negada sua vontade em ser reconhecido como refugiado ou cessando tal
condição por qualquer outra causa legalmente prevista.
Conclui-se então que o refugiado é protegido pela vigência do princípio
impeditivo de sua saída compulsória, princípio que recai sobre todas as espécies de
institutos jurídicos que visam à saída compulsória do estrangeiro, quais seja, a
extradição, a expulsão e a deportação.
O princípio do non-refoulement objetiva evitar a deportação do refugiado.
Deportar, refoulement no francês, é basicamente medida de saída compulsória de
127
estrangeiro do território brasileiro de maneira automática, é sanção administrativa
imposta pela autoridade imigratória nas hipóteses da entrada ou estada irregular em
território nacional.163
A referida aplicação automática traduz-se na realização da medida pela
autoridade local, que na fronteira se encontra, e que, deparando-se com qualquer
irregularidade devolve o indivíduo ao seu país de origem. Trata-se do refoulement
por excelência.
CAHALI acrescenta que deportação corresponde sob vários aspectos ao
refoulement francês inclusive na proximidade com o instituto da expulsão, assim
refoulement é uma expulsão sumária desprovida de qualquer formalidade. Mesmo
que o individuo consiga entrar ilegalmente na França a todo momento se for pego é
intimado a se retirar ou voltar para a fronteira.164
No Brasil a lei 9.474 acompanha a doutrina moderna do Direito
Internacional dos Refugiados e estende a aplicabilidade do princípio do non-
refoulement no que tange às medidas compulsórias tomadas em face dos
refugiados.
Impõe-se, neste momento, ressaltar a vigência do princípio do non-
refoulement somente em casos de refugiados, sua alegação em processos outros
que não os referentes a indivíduos refugiados traduz torpeza e má-fé.165
163 GUIMARAES. Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias: A deportação, a expulsão e a extradição. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 02. 164 CAHALI, Yossef Sahid. Estatuto do Estrangeiro. São Paulo: Editora Saraiva, 1983, p. 210. 165 FILHO, José Francisco Sieber Luz.. Non-refoument: breves considerações sobre o limite jurídico à saída compulsória do refugiado. In:ARAÚJO, Nádia de e ALMEIDA, Assis de. O Direitos Internacional dos Refugiados, uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 199.
128
4.4 Extradição, Expulsão, Deportação, Principio do Non-Refoulement,
Refúgio e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O artigo 7º § 1º da Lei 9.474/97 proíbe a deportação do refugiado para
território onde a vida, liberdade ou segurança do mesmo estejam ameaçadas,
fundamentando as ameaças em razão de religião, raça, nacionalidade, grupo social
ou opinião pública, consoante a clássica definição de refugiado. Ainda no contexto
da deportação, o já mencionado artigo 8º da lei brasileira dos refugiados afirma que
a entrada irregular, fato que dá causa à deportação, não poderá servir como barreira
à solicitação ao Estado brasileiro do reconhecimento da condição de refugiado.166
Assim o estrangeiro que manifestar seu interesse em ser reconhecido
como refugiado não poderá, sob nenhuma hipótese, ser deportado. Para a
solicitação de refúgio servir como fundamento de aplicabilidade do non-refoulement
critérios objetivos devem ser aplicados ao caso, dentre os quais um importante é o
conhecimento da situação do país de origem do refugiado, o que pode fornecer
indícios ao seu acolhimento pela autoridade fronteiriça.
A deportação é então medida compulsória que não pode ser aplicada
contra refugiado. Assim, a deportação que justamente pretenda ser oposta sobre o
indivíduo refugiado deverá aguardar decisão do órgão competente acerca da
exclusão de sua condição jurídica de refugiado, sempre motivada e fundamentada
nas cláusulas da Lei 9747/97.
Conforme a referida lei:
“artigo 3º - Não se beneficiarão da condição refugiado os indivíduos que: I – já desfrutem da proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR. II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de natural brasileiro; III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
166 FILHO, op cit p. 199
129
IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
No tocante à expulsão, que é ato privativo do Presidente da República,
sendo que uma decisão que pretenda impor a medida compulsória da expulsão
sobre refugiado atentará contra a lei. Mais uma vez, para a efetiva realização da
expulsão é necessária a ocorrência de uma das chamadas cláusulas de exclusão da
condição jurídica de refugiado, conforme o artigo 3º da Lei 9.747/97, ou então as
chamadas cláusulas de cessação e perda, estas nos artigos 38 e 39 do referido
estatuto legal.
Assim, in verbis:
“Art. 36. Não será expulso do território nacional o refugiado que esteja
regularmente registrado, salvo por motivos de segurança nacional ou de
ordem pública. Art. 37. A expulsão de refugiado do território nacional não resultará em sua
retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam
estar em risco, e apenas será efetivada quando da certeza de sua admissão
em país onde não haja riscos de perseguição.”
A lei estipula duas exceções à expulsão do refugiado do território
nacional. A primeira fundamentada em motivos de segurança nacional e a segunda
por motivos de ordem pública. São conceitos amplos e complexos, cujo intérprete
deve se orientar, conforme já dito, pela ratio legis da Lei 9.474/97, qual seja, a
proteção da vida, da segurança e da liberdade do refugiado, orientada de maneira a
prestar uma atividade eminentemente humanitária, sem o amargo tempero do
interesse político.
Assim no caso de expulsão de refugiado, como no caso de deportação, só
se dará no caso de ocorrência de qualquer cláusula ou então incluir-se nas
exceções da lei, caso contrário seria flagrante violação do princípio non-refoulement.
Por outro lado a extradição é prevista nos artigos 76 a 94 do Estatuto do
Estrangeiro. Antes de tudo é importante ressaltar que a extradição é um instrumento
de cooperação judiciária criminal internacional, de maneira que o instituto sirva para
130
a realização da justiça penal na hipótese do Estado detentos do jus puniendi ver seu
inaplicável devido à sua ausência do criminalmente condenado ou culpável de seu
território jurisdicional.
ACCIOLY define extradição como ato pelo qual um Estado entrega um
indivíduo, acusado de um delito ou já por ele condenado à justiça de outro Estado,
que o reclama, e que é competente para julgá-lo ou puni-lo.167
Diante de tal afirmação a importância da extradição produz relfexos não
somente na concretização dos sistemas nacionais de justiça criminal, bem como na
condução externa dos países.
Sobre a extradição a Lei 9.747/97 in verbis:
“Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio. Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio. Art. 35. Para efeito do cumprimento do disposto nos arts. 33 e 34 desta Lei, a solicitação de reconhecimento como refugiado será comunicada ao órgão onde tramitar o processo de extradição.”
No processo de extradição é importante, no que tange o principio do non-
refoulement é necessário um exame do fundamento do pedido, pois coincidindo este
com uma das cláusulas de exclusão da condição de refugiado, o reconhecimento de
sua condição resta prejudicado, podendo o mesmo ser extraditado. Uma vez o
pedido de refúgio estar fundamentado é ilegal a extradição. O nosso Supremo
Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido:
“Tendo em conta o disposto no art. 33 da Lei 9.474/97, que define
mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, o
Tribunal, por maioria, não conheceu de pedido extradicional formulado pela
República da Colômbia, de nacional colombiano, e, julgando extinto o
processo, determinou a expedição de alvará de soltura em seu favor (...). Na
167 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 105
131
espécie, o Comitê Nacional para os Refugiados-CONARE reconhecera
ao extraditando a condição de refugiado, sob caráter humanitário e
com base no inciso I do art. 1º da Lei 9.474/97 (...). Reportou-se ao voto
proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence no julgamento da Ext 785 QO-
QO/Estados Unidos Mexicanos (DJ de 14-11-2003), no qual se afastara
afronta, pela Lei dos Refugiados, à competência do Supremo para julgar o
processo de extradição. Asseverou-se que a competência, uma vez que lhe
seja encaminhado pelo Poder Executivo o pedido de extradição para aferir
débito da legalidade, é do Supremo. Esclareceu-se que nada vincula,
entretanto, o Poder Executivo, condutor da política de relações
internacionais do país, a submeter ao Tribunal um pedido de extradição que
entenda, de logo, inadmissível, se concede refúgio ao extraditando.” (Ext
1.008, Rel. p/o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 21-3-07,
Informativo 460)
“Ante o exposto, uma vez que a prisão preventiva é fundamental para
acautelar eventual resultado do processamento e apreciação do pedido de
extradição perante o STF (CF, art. 102, I, g), o pedido de refúgio, embora
suspenda a tramitação da extradição, não é apto, por si só, a ensejar a
revogação da prisão cautelar ou a concessão de prisão domiciliar ao
extraditando.” (Ext 1.008, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática,
julgamento em 20-4-06, DJ de 28-4-06). No mesmo sentido: Ext 783-QO-
QO, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 28-11-01, DJ de 14-11-03. HC
81.127, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 28-11-01, DJ de 26-9-
03.” 168(grifo nosso)
Reconhecido o indivíduo como refugiado pelo Estado brasileiro, e
concomitante existir pedido de extradição, este só produzirá efeitos se seu
fundamento incorrer em qualquer das cláusulas estipuladas no artigo 3º da Lei
9.474/97 já citado.
Caso hipótese de o Estado brasileiro receber o pedido de extradição,
sendo o indivíduo que se pretenda extraditar já reconhecido como refugiado em
território nacional, caberá uma análise dos fundamentos do pedido, convém
168
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Extradição. – Brasília : Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2006.
132
ressaltar, se este, o fundamento do pedido, confundir-se com cláusula de exclusão,
esta última produzirá seus efeitos cobrindo legalidade o processo extraditório. Em
caso contrário, o pedido de extradição fundamenta-se no fato que deu origem ao
refugiado, estar-se-á diante de violação ao princípio de non-refoulement
É conveniente a conclusão do professor GOODWIN-GILL:
“State Practice, and the greater body of opinion, representing those most active in the protection of refugees and the development of refugee law, regards the principle of non-refoulement as likewise protecting the refugee from extradition.”169
Em suma, o principio do non-refoulement previsto em Genebra na
Convenção de 1951, também pode ser encontrado em outros instrumentos
internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, também ratificada pelo
Brasil.170
A referida Convenção determina a aplicação do princípio do non-
refoulement para qualquer pessoa que sofrer tortura em pais estrangeiro o que não
excluirá o refugiado.
Além disso, não se pode olvidar o artigo 22 § 8º da Convenção Americana
de Direitos Humanos de 1969 que prevê:
“Em nenhuma caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde sua direitos à vida ou à liberdade pessoa esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas”
Assim confirmasse a noção de que o princípio do non-refoulement é
norma jus cogens e, portanto norma universal a ser observada para a plena
realização da dignidade da Pessoa Humana. Definir dignidade da Pessoa Humana é
169 GOODWIN-GILL, Guy. The refugee in international law. Oxford: Clarendon Press, 1996, p. 150. 170 Diz o artigo 3º da Convenção: “artigo 3º - Nenhum Estado-parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura.
133
tarefa a nosso ver sem sentido, pois na verdade o termo é indefinível. SARMENTO
leciona que valores supremos de igualdade, liberdade e justiça em que se apóia
todo o ordenamento constitucional é que estão condensados no princípio da
dignidade da pessoa humana.171
O tema dignidade da Pessoa Humana historicamente passou a fazer
parte dos debates constitucionais a partir do movimento constitucionalista iniciado no
Século das Luzes, pois foi a partir daí que o homem passou a ser dotado de direitos
que precediam o próprio Estado e que deveriam ser resguardados pela ordem
jurídica.
Nesse mesmo entendimento não podemos olvidar o papel do pensamento
kantiano que contribuiu para a formulação consistente da natureza do homem
dotado de dignidade especial e valor absoluto, que de forma simples pode ser
traduzido em o homem é o fim e não um meio, portanto o Estado e o Direito devem
ser organizados em prol do indivíduo e não vice e versa.
Partindo desta premissa de que o homem é o fim e que não há no mundo
valor que supere ao da pessoa humana é que se pode concluir que a prioridade pelo
valor coletivo não pode, nunca, sacrificar, ferir o valor da pessoa humana. Neste
sentido, defende-se que a pessoa humana e o princípio correspondente são
absolutos, e há de prevalecer sempre sobre qualquer outro valor ou princípio.
No Brasil o princípio da dignidade da Pessoa Humana foi coroado na
Constituição de 1988 já no seu preâmbulo e artigo 1º, inciso III. Diz a nossa Carta
Maior que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do
Brasil o que importa dizer que o Estado existe em função de todas as pessoas e não
estas em função do Estado. A dignidade da Pessoa Humana possui como núcleo a
idéia de mínimo existencial que consiste no conjunto imprescritível de condições
iniciais para o exercício da liberdade.172
171 SARMENTO. Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janerio: Lumem Júris, 2000, p. 74. 172 TORRES, Ricardo Lobo. Direitos Humanos e a tributação. Imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 121.
134
Logo, como o princípio em comento é o centro de vários ordenamentos
jurídicos, se fazendo presentes em diversas Constituições, inclusive também em
variados Tratados Internacionais a Lei 9.474/97 deverá ser interpretada de forma a
dar a verdadeira eficácia a esse princípio e a outros de não menos importância que
igualmente devem pontuar os processos de refúgio, funcionando, também, como fiel
da balança, qual seja o da imparcialidade e o do devido processo legal, sob pena de
se estar violando a própria Carta de 1988.
4.5 O CONARE
Dentro do chamado Cone Sul, o Brasil se destaca no tema proteção dos
refugiados por ter uma legislação abrangente e todo um arcabouço instrumental
para lidar com a questão, sendo que para outros paises somos vistos como
referência.173
CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados – criado pela Lei
9.474/97 atua no campo do tratamento das solicitações do Estatuto do Refugiado e
na busca de melhores soluções para os refugiados e refugiadas que procuram a
proteção internacional em território brasileiro. A lei 9.474/97 está rateada em oito
capítulos, dezessete capítulos, 49 artigos e três seções. O CONARE está previsto
no terceiro título.
O CONARE é órgão colegiado, ligado ao Ministério da Justiça que
engloba no seu campo de atuação membros da área governamental, da sociedade
civil e da ONU, o seu funcionamento se dá em Brasília e é composto pelos seguintes
órgãos. 1 – Ministério da Justiça, que o preside; 2 – Ministério das Relações
Exteriores que atua como vice-presidente; 3 – Ministério do Trabalho e Emprego; 4 –
Ministério da Saúde; 5 – Ministério da Educação e do Desporto; 6 – Departamento
173 GUERRA. Sidney. Asilados e refugiados: breve análise do fenômeno migratrório. (não publicado), 2007.
135
da Polícia Federal; 7 – Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e Rio de Janeiro174 e 8
– ACNUR, com direito a voz, porém sem voto.175
Sua competência funcional se dá nas seguintes atividades: 1 - Analisar o
pedido sobre o reconhecimento de condição de refugiado; 2 – deliberar quanto à
cessação “ex-officio” ou mediante requerimento das autoridades competentes, da
condição de refugiado; 3 – declarar a perda da condição de refugiado; 4 – orientar e
coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência, integração local
e apoio jurídico aos refugiados, com a participação dos Ministérios e instituições que
compõem o CONARE e 5 – aprovar instruções normativas que possibilitem a
execução da Lei 9.474/97.
A tabela abaixo retrata o total de solicitações apreciadas pelo Comitê
Nacional para Refugiados (CONARE), do ano seu início de funcionamento (1998) ao
ano de 2005.176
Tabela 1 - Total de Refugiados no Brasil em fevereiro de 2005
(ACNUR E CONARE)
Continente de procedência
Total
África 2.506
América (América Latina e Caribe) 274
Ásia 181
Europa 113
Total
3074
Fonte: Conare
174 ONG de cunho religioso que se dedica à assistência e proteção aos refugiados no Brasil. 175 Ver Lei 9.474 de 22 de julho de 1997. 176 MILESI, Rosita. Refugiados e pessoas sob o amparo do ACNUR: dados mundiais e do Brasil. Disponível em www.migrante.org.br.
136
Contudo, se consideramos as solicitações de refúgio a partir da existência
e atuação do CONARE, portanto a partir de 1998, o quadro é o seguinte:
Tabela 2 - Solicitações de Refúgio apreciadas pelo CONARE (de 1998 a 31 de dezembro de 2004)
Ano Solicitações
Deferidas Solicitações Indeferidas
Solicitações Arquivadas
Total de Solicitações
1998 22 01 0 23 1999 170 33 0 203 2000 471 306 0 777 2001 119 185 0 304 2002 114 489 432 1.035 2003 80 221 32 333 2004 88 198 70 356 Total 1064 1433 534 3031
Fonte: CONARE
Tabela 3 – Solicitações de Refúgio apreciadas pelo CONARE
(de 1998 a Fevereiro/2005)
Continente de
procedência
Solicitações
apresentadas
Solicitações
deferidas
Solicitações
Indeferidas
Perda da
condição
África 1697 863 834 74
América 426 148 278 4
Ásia 159 55 104
Europa 276 11 265 1
Apátrida 1 1
Total 2559 1077 1482 79
Fonte: CONARE
Embora tenhamos refugiados procedentes de 48 países, mais de 80%
são provenientes de países africanos. O quase desconhecimento da sociedade
brasileira sobre quem são, onde estão e o que fazem estes refugiados pode ser
explicado, apenas em parte por sua pouca representatividade diante a magnitude
numérica da população brasileira.
137
Pela própria formação do seu Estado, o Brasil sempre foi um ponto de
atração de pessoas que não estavam satisfeitas com seu país de origem, podemos
citar como exemplo os italianos, alemães, suíços, poloneses, africanos, árabes e
japoneses que inclusive ajudaram na configuração do povo brasileiro.
Embora o Brasil tenha circunstancialmente recebido refugiados de guerra
na década de 40, estudos e análises sobre o acolhimento de refugiados no Brasil
são recentes e circunscritos notadamente ao âmbito de entidades confessionais e de
Direitos Humanos. A inserção no território brasileiro, pós criação da ACNUR(1950), é
marcada por um primeira fase, já explicitada, chamada reserva geográfica que
perdurou até 1989, em que os refugiados eram recebidos e protegidos por entidades
religiosas, em especial da Igreja Católica, e uma segunda,que não atinge duas
décadas, sendo o marco mais conhecido o da chegada de cinqüenta famílias de
bahá´is, provenientes do Irã, em 1986, seguidas por um boom de africanos na
década de 90.
Como dito o CONARE é um órgão colegiado inter-ministerial, com
representantes da sociedade civil e da sociedade internacional, como apreende-se
da leitura do artigo 14 da Lei 9.474 de 1997, que efetivamente vem executando um
intensivo trabalho em prol dos refugiados. O desenvolvimento de suas atividades
poderia ser mais eficiente se dispusesse de uma dotação orçamentária própria,
entretanto, o CONARE depende dos recursos destinados à Diretoria de Estrangeiros
do Ministério de Justiça, não dispondo assim de autonomia financeira própria.
Não obstante, desde a sua criação em 1998, foram realizadas mais de
2000 entrevistas a solicitantes de refúgio e do total de solicitações para o
reconhecimento da condição de status de refugiado. Em números de 2002,
oitocentos e setenta e nove pessoas foram reconhecidas como refugiadas. Até julho
de 2007, seu segundo sítio do Ministério da Justiça o Brasil comporta 3339
refugiados.
Houve casos de perda da condição de refugiado e são emitidos todos os
anos declarações para consecução de protocolo provisório junto a Polícia Federal,
138
visando a obtenção da carteira de trabalho provisória no Ministério do Trabalho e
Emprego. Dos solicitantes que tiveram seus pedidos indeferidos pelo CONARE,
houve a possibilidade de interpor recursos ao Ministro de Estado da Justiça, de
acordo ao estabelecido pelo artigo 29 da lei 9747/97.
O CONARE também atua no sentido de publicar Resoluções Normativas,
como por exemplo: RN n° 01 que estabeleceu o modelo para o Termo da
Declaração a ser preenchido pelo Departamento de Polícia Federal por ocasião da
solicitação inicial de refúgio; RN n° 2, que adotou o modelo de questionário para a
solicitação de refúgio; RN n° 3, que estabeleceu o modelo de Termo de
Responsabilidade que deveria proceder o registro, na condição de refugiado, no
Departamento de Polícia Federal; RN n° 4, que estendeu a condição de refugiado a
título de reunião familiar; RN n° 5, que estabeleceu a condição de autorização de
viagem de refugiados ao exterior; RN n° 6, que dispôs sobre a concessão de
protocolo ao solicitante de refúgio; RN n° 7, estipulou prazo para adoção de
procedimentos e atendimento a convocações, durante as etapas de seguimento do
processo de solicitação de refúgio. Com base nesta Resolução, o CONARE indeferiu
413 processos de solicitações de refúgio, sem análise prévia do mérito; RN n°8,
dispõe sobre a notificação de indeferimento do pedido de reconhecimento da
condição de refugiado e RN n° 9 estabelece o local para o preenchimento do
questionário de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado nas
circunscrições onde não houver sede das Cáritas arquidiocesanas.
Vê-se, portanto, que o CONARE é uma instância da sociedade brasileira
que vem se esforçando para cumprir com o seu rol estabelecido pela lei 9474/97,
qual seja, brindar proteção àquelas pessoas estrangeiras perseguidas pelos seus
países de origem, de acordo aos propósitos da Convenção de 1951 das Nações
Unidas sobre refugiados e de seu Protocolo de 1967, acrescido das conquistas mais
modernas do campo do direito internacional dos refugiados. Diga-se de passagem,
um belo trabalho que só reforça a imagem do Brasil na sociedade internacional
como um país que efetivamente se preocupa com a causa humanitária.
139
5.0 CONCLUSÃO
Hannah Arendt, ela mesma uma refugiada, escreveu na primeira versão
da sua obra “Origens do Totalitarismo”, que os refugiados “são o fardo de nossa
época”. Essa definição, infelizmente, ainda se aplica a esse contingente de pessoas
que se viu alijado de direitos básicos, que é ter um lar e uma nacionalidade.
Todos os dias milhões de pessoas abandonam seus lares em busca de
um mínimo de dignidade. Os motivos são os mais variados. Uns fogem da violência
física que ameaça a vida, outros por sua vez são obrigados a partir, pois pensaram
diferente do establisment. Há aqueles também que fogem do flagelo da fome e das
intempéries naturais. Esses são os refugiados, que sob diversas denominações
ocupam a maioria dos noticiários mundiais, servindo até mesmo, como podemos ver,
de roteiro de filmes.
Como visto a humanidade preocupada com a sua própria existência,
começou a se mobilizar em prol da defesa dos Direitos Humanos de forma geral.
Mas no tocante aos refugiados, mais do que qualquer outra categoria, muito ainda
há de ser feito.
O direito de asilo, também reconhecido em diversos diplomas
internacionais, precisa ser tratado de forma mais efetiva. No nosso atual sistema, a
concessão do asilo ainda depende da vontade discricionária do Estado, ainda cabe
a ele a definição dos requisitos para acolher uma pessoa de território estrangeiro. O
direito de asilo, crucial em alguns casos, pois define a vida ou morte de uma pessoa,
ainda é considerado um direito do Estado e não do indivíduo.
Nota-se que quando se fala em proteção dos Direitos Humanos há
avanços e retrocessos. Na questão dos refugiados os avanços são inegáveis, mas
ainda persistem paradoxos enormes que precisam ser derrubados. A Declaração
Universal dos Direitos do Homem assegura a todos o direito de gozar asilo em
outros países caso haja alguma forma perseguição. No nosso entender esse
comando é jus cogens logo, não pode ser obstado pelas conveniências políticas e
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econômicas de determinado Estado. A proteção a pessoa humana precisa ser a
ordem do dia nas relações internacionais, ao contrário de obstáculos devem-se criar
mecanismos que busquem a maior cooperação entre os Estados, para a busca da
plena realização do direito de asilo.
Não se pode conceber que os Estados se agarrem a conceitos
retrógrados para se absterem de um dever que é paraestatal, ou seja, preservar a
vida humana, independente da sua nacionalidade ou até mesmo da falta dela. A
indefinição leva ao abuso, e cabe ao Direito a solução desse tema.
O futuro para os refugiados é sombrio, os problemas que levam aos
refúgios tendem a aumentar cada vez mais, não só guerras e dissidências políticas
geram refugiados, o clima também irá contribuir. O número de pessoas que vai
precisar de abrigo longe de sua terra amada irá simplesmente crescer na medida em
que os problemas também crescerem, é uma matemática assustadora.
É necessário lembrar que todos fazem parte desse problema. É
necessário deixarmos a indiferença de lado, e acharmos que a dor e o sofrimento
alheio não nos afeta, pois é justamente o contrário. Se hoje estamos seguros em
nossos lares com nossos familiares, não importa onde moramos, um dia isso pode
acabar. Todos de forma indistinta podem ser vítimas de uma tragédia que nos
obrigue a fugir para nos mantermos vivos.
Um olhar rápido sobre a situação global dos refugiados poderá parecer
confirmar estes prognósticos cinzentos. Nos últimos cinco anos observou-se um
rápido aumento do número de pessoas afetadas pelo conflito armado e pela
violência social. Embora não seja fácil elaborar estatísticas precisas, o número de
pessoas deslocadas no interior e fora do seu próprio país encontra-se atualmente
próximo dos 50 milhões - cerca de uma em cada 110 pessoas em todo o planeta. E
este número não inclui as muitas pessoas que são desenraizadas por catástrofes
ecológicas ou industriais ou por programas de relocalização patrocinados pelos
governos. De acordo com o Banco Mundial, durante a última década cerca de 90
milhões de pessoas foram deslocadas para que se pudesse abrir caminho a
barragens, estradas e outros projetos de desenvolvimento.
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Milhões de pessoas nesse exato momento vagam pelo mundo a mercê da
sorte, tento apenas como proteção iniciativas de caráter humanitário, que mesmo
que louváveis, não tem o condão de resolver o problema. A quem cabe a solução?
Os primeiros anos do século XXI mostram que esse não será diferente do século XX
em número de catástrofes.
Atualmente há consenso em afirmar que são os Estados os maiores
violadores de Direitos Humanos, e essa violação se dá de forma omissiva e
comissiva. Porém, o que propugnamos nesse trabalho é mudança desse paradigma,
é do Estado a responsabilidade de garantir aos indivíduos o mínimo para um vida
segura e digna, e há muitos tratados nesse sentido, basta que os seus signatários
cumpram o que ratificaram.
O Brasil, apesar de alguns entraves jurídicos e conceituais, desponta, no
contexto da América Latina, como sendo um dos Estados que possui a legislação
mais avançada no tocante a questão dos refugiados. Nesse particular, o Estado
brasileiro é membro fundados do comitê executivo do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados, (ACNUR) e ratificou desde 1960 a Convenção relativa ao
estatuto dos refugiados de 1951.
Esperamos sinceramente que o Brasil se insira cada ver mais nesse papel
de acolhedor pessoas que por vários motivos deixam seus países, lares, culturas e
chegam em território brasileiro ávidos por proteção na esperança de começar de
novo. Historicamente somos um povo pacífico e acolhedor, a própria configuração
de nosso povo prova isso. Não podemos, no atual, estágio da humanidade
simplesmente ignorar que nesse planeta há homens, mulheres e crianças que estão
destituídos de tudo e lutam a cada dia pela sobrevivência.
Talvez o grande mal do século XXI seja a indiferença. E que este país,
devido a sua história possa de distanciar desse mau e assumir uma postura solidária
em relação aos problemas que afligem outras pessoas, pois o que somos é o que
fomos. Urge completar o legado da Declaração dos Direitos do Homem de 1948, o
que seria basicamente à montagem de um aparelho institucional adequado para
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assegurar o respeito universal aos Direitos Humanos e tratar os casos de sua
violação.
Nesse mister é indispensável reforçar os poderes investigatórios da
Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e ao mesmo tempo criar um
Tribunal internacional com ampliada competência para conhecer e julgar os casos
de violação desses direitos, como o fez o Estatuto de Roma de 1998 que criou o
Tribunal Penal Internacional.
Deve-se derrubar de uma vez por todas o entendimento consagrado no
item 7 do artigo 2 da Carta das Nações Unidas que estabelece que nenhum
dispositivo da referida Carta autorizará as Nações Unidas a intervir nos assuntos
que são essencialmente de jurisdição interna dos Estados. Restou provado que a
questão da promoção dos Direitos Humanos é assunto supra estatal e não deve
respeitar qualquer tipo de fronteira. O princípio da efetividade deve ser o norte da
atuação de todos na defesa da dignidade da pessoa humana, pertencendo ela a
qualquer categoria. .
143
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