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 DIREITO I NTERNACIONAL  HUMANITÁRIO E DIREITO DOS  C ONFLITOS ARMADOS  AU TO R DO CUR S O Antoine A. Bouvier EDITOR DA SÉRIE Harvey J. Langholtz, Ph.D.

Direito Internacional Humanitário

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A obra traz à discussão o Direito Internaiconal Humanitário e o Direito dos Conflitos Armados.

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  • Direito internacional Humanitrio e Direito Dos conflitos armaDos

    AUTOR DO CURSO

    Antoine A. Bouvier

    EDITOR DA SRIE

    Harvey J. Langholtz, Ph.D.

  • AUTOR DO CURSO

    Antoine A. Bouvier

    EDITOR DA SRIE

    Harvey J. Langholtz, Ph.D.

    Direito internacional Humanitrio e Direito Dos conflitos armaDos

  • 2011 Instituto para Treinamento em Operaes de Paz

    Instituto para Treinamento em Operaes de Paz1309 Jamestown Road, Suite 202Williamsburg, VA 23185 USAwww.peaceopstraining.org

    Primeira edio: 2000Capa: Fotografia da ONU no. 1292

    O material aqui contido no reflete, necessariamente, as opinies do Instituto para Treinamento em Operaes de Paz, do(s) autor(es) do curso, de qualquer rgo das Naes Unidas ou de organizaes a ela afiliadas. Embora todos os esfor-os tenham sido envidados no sentido de verificar o contedo do presente curso, o Instituto de Treinamento em Operaes de Paz e o(s) autor(es) do curso no se responsabilizam por fatos e opinies contidos no texto, os quais foram, em grande parte, assimilados a partir de mdias abertas ou outras fontes independentes. O presente curso foi desenvolvido com a finalidade de produzir um documento pedaggico e educativo compatvel com a poltica e doutrina atuais da ONU, embora no estabelea nem promulgue nenhuma doutrina. Somente documentos da ONU oficialmente examinados e aprovados podem estabelecer ou promulgar a poltica ou a doutrina das Naes Unidas. Informaes com vises diametralmente opostas sobre determinados temas so s vezes fornecidas no intuito de estimular o interesse escolstico dos alunos, em conformidade com as normas da pesquisa acadmica pura e simples.

  • iii

    DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO E DIREITO DOS CONFLITOS ARMADOS

    ndice

    Prefcio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v Formato do estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vi Mtodo de estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii LIO 1 - INTRODUO GERAL AO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO (DIH): DEFINIES E CAMPOS DE APLICAO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.1 Definio Geral do Direito Internacional Humanitrio 1.2 Origens do Direito Internacional Humanitrio 1.3 O progressivo desenvolvimento do DIH (1864-2000) 1.4 O status do DIH dentro do Direito Internacional Pblico 1.5 As fontes do Direito Internacional Humanitrio 1.6 O Campo de Aplicao Material do DIH: quando o DIH aplicvel? Lio 1 - Verificao de Aprendizagem

    LIO 2 - PROTEO DE VTIMAS NO CONFLITO ARMADO INTERNACIONAL. . . . . . . . 25

    2.1 Introduo 2.2 Dispositivos comuns s quatro Convenes de Genebra de 1949 e ao Protocolo

    Adicional I de 1977 2.3 Proteo de Feridos, Doentes e Nufragos 2.4 Normas de Proteo a Prisioneiros de Guerra 2.5 Proteo de indivduos e populaes civis Lio 2 Verificao de Aprendizagem

    LIO 3 - NORMAS APLICVEIS A CONFLITOS ARMADOS NO-INTERNACIONAIS. . . .49

    3.1 Introduo 3.2 Definio de conflitos armados no-internacionais 3.3 A evoluo das normas aplicveis a conflitos armados no-internacionais 3.4 Campos de aplicao 3.5 Normas substanciais Lio 3 Verificao de Aprendizagem

    LIO 4 - NORMAS SOBRE A CONDUO DAS HOSTILIDADES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    4.1 Introduo 4.2 Princpios Fundamentais do Direito reguladores das operaes militares 4.3 Limites aos mtodos de guerra 4.4 Limites escolha dos meios de guerra Lio 4 Verificao de Aprendizagem

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    LIO 5 - FORMAS DE IMPLEMENTAO DO DIH. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

    5.1 Introduo 5.2 Medidas preventivas a serem adotadas em tempos de paz 5.3 Medidas para garantir o cumprimento durante conflitos armados 5.4 O controle das violaes de DIH 5.5 A implementao do DIH em conflitos armados no-internacionais 5.6 Fatores no-juridicos que contribuem para o cumprimento do DIH Lio 5 Verificao de Aprendizagem

    LIO 6 - O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

    6.1 Introduo 6.2 Fontes, Origem e evoluo do Direito Internacional dos Direitos Humanos

    (DIDH) e do DIH 6.3 Semelhanas e Diferenas entre DIDH e DIH 6.4 Normas substanciais e direitos protegidos 6.5 Implementao do DIDH e do DIH 6.6 Anexos Lio 6 Verificao de Aprendizagem

    LIO 7 - A APLICABILIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO S OPERAES DE MANUTENO E DE IMPOSIO DA PAZ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119

    7.1 Introduo 7.2 Operaes das Naes Unidas para a Manuteno da Paz (peacekeeping) e para a

    Imposio da Paz (peace-enforcement) 7.3 A aplicabilidade do Direito Internacional Humanitrio s Operaes de

    Manuteno da Paz 7.4 A aplicabilidade do Direito Internacional Humanitrio s Operaes de Imposio

    da Paz 7.5 Anexos Lio 7 Verificao de Aprendizagem

    LIO 8 - O ATUAL PAPEL DO CICV NO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO. . .149 8.1 A estrutura, o Estatuto e o mandato do CICV

    8.2 Funes do CICV sob as Convenes de Genebra e seus Protocolos Adicionais 8.3 Funes estatutrias do CICV 8.4 Os diferentes tipos de atividade do CICV 8.5 Fatos e Estatsticas - o CICV pelo mundo 8.6 O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho Lio 8 Verificao de Aprendizagem

    Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Instrues para o Exame Final de Curso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168

  • v

    Instituto para Treinamento em Operaes de Paz

    Prezado aluno:

    com satisfao que registro sua matrcula no curso distncia sobre Direito Internacional Humanitrio e Direito do Conflito Armado. O autor do curso, o Sr. Antoine A. Bouvier, um reconhecido especialista no assunto do Direito Internacional Humanitrio e procurou escrever um curso completo, com riqueza de informaes e detalhes.

    Alunos que forem familiarizados com outros cursos do Instituto para Treinamento em Operaes de Paz devero imediatamente reconhecer que este um curso diferente de todos os que j produzimos at o momento. Este curso lida com algumas questes bastante complexas. Quais so os direitos dos indivduos durante um conflito armado? Que protees existem para os civis? Quais os direitos e as protees garantidas aos refugiados, pessoas desalojadas ou prisioneiros de guerra? Quais os direitos e as protees dos combatentes? Que direitos tm as naes de se defenderem caso sejam atacadas? Como deve ser conduzido um conflito armado? Essas questes lidam com alguns dos principais meios empregados pelas naes e, de alguma maneira, definem o conceito do que significa ser civilizado. Esse curso procura tratar dessas questes do ponto de vista do Direito Internacional e, mais especificamente, do Direito Internacional Humanitrio.

    So complexas as questes levantadas em qualquer discusso sobre Direito Internacional Humanitrio e as perguntas que delas decorrem no tm resposta fcil. Tambm no h comum acordo entre naes, organizaes ou indivduos. H questes no DIH em que o Comit Internacional da Cruz Vermelha e as Naes Unidas tomaram posies diferentes. O autor de seu curso, no entanto, o Consultor Legal do CICV e o editor do curso o Diretor do Instituto para Treinamento em Operaes de Paz. Tentamos escrever um curso equilibrado, que reconhece as diferentes vises das duas organizaes. Nada que dissemos aqui pode ser percebido como poltica ou doutrina aceita pelo CICV ou pela ONU. Esse curso tem o objetivo de oferecer um treinamento, e no de promulgar posies oficiais e, com isso, no pode ser citado como uma declarao oficial, seja da ONU ou do CICV.

    Desejo a voc, aluno, grande sucesso ao longo do estudo do material desse curso. Parabenizo-o pelo interesse em estudar Direito Internacional Humanitrio e Direito do Conflito Armado.

    Sinceramente,

    Harvey J. Langholtz, Ph.D., Diretor Executivo Instituto para Treinamento em Operaes de Paz

  • vi

    FORMATO DO ESTUDO

    Este curso foi desenhado para o estudo independente, no ritmo determinado pelo aluno.

    O formato do curso e os materiais permitem:

    ESTUDO MODULAR FACILIDADE DE REVISO APRENDIZADO EXTRA

    RESPONSABILIDADE DO ALUNO

    O aluno responsvel por:

    Aprender a matria do curso Realizar o exame de final de curso Submeter correo o exame de final de curso

    Por favor, consulte a confirmao de inscrio enviada por email ou o fim deste material

    para as instrues sobre a submisso dos exames.

  • vii

    MTODO DE ESTUDO

    A seguir, disponibilizamos algumas sugestes sobre como proceder com este curso. As dicas a seguir j ajudaram muitos, mas o aluno pode seguir outra abordagem que seja efetiva.

    Antes de dar incio a seus estudos, primeiro d uma olhada em todo o material do

    curso. Preste ateno nos sumrios das lies, de onde se obtm uma boa noo do contedo disponvel medida que voc avana.

    O material lgico e direto. Em vez de memorizar detalhes individuais, tente entender os conceitos e as perspectivas gerais que se referem ao Sistema das Naes Unidas.

    Crie normas para si mesmo sobre como deve dividir o seu tempo.

    Estude o contedo das lies e os objetivos do aprendizado. No incio de cada lio, oriente-se pelos principais pontos. Se for possvel, leia o material duas vezes para garantir o mximo do entendimento e da reteno do mesmo, e deixe passar algum tempo entre as leituras.

    Ao concluir uma lio, realize a Verificao de Aprendizagem correspondente. A cada erro, volte ao material e releia. Antes de continuar, procure saber o que o levou a cometer aquele erro.

    Depois de completar todas as lies, reserve algum tempo para revisar os principais pontos de cada uma. S ento, enquanto o material ainda estiver fresco em sua mente, faa de uma s vez o Exame Final de Curso.

    Seu exame receber uma nota e se voc obtiver 75% ou mais de acertos, receber um Certificado de Concluso. Se obtiver menos de 75%, ter a oportunidade de realizar uma segunda verso do Exame Final de Curso.

    Um comentrio sobre a grafia: este curso foi traduzido para o portugus do Brasil.

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  • LIO 1

    INTRODUO GERAL AO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO (DIH):

    DEFINIES E CAMPOS DE APLICAO

    1.1 Definio Geral do Direito Internacional Humanitrio

    1.2 Origens do Direito Internacional Humanitrio

    1.3 O progressivo desenvolvimento do DIH (1864-2000)

    1.4 O status do DIH dentro do Direito Internacional Pblico

    1.5 As fontes do Direito Internacional Humanitrio

    1.6 O Campo de Aplicao Material do DIH: quando o DIH

    aplicvel?

    Verificao de Aprendizagem

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 2

    OBJETIVOS DA LI

    Esta Lio pretende fazer um panorama geral da origem e do desenvolvimento do

    Direito Internacional Humanitrio. Com isso, vai focar no estabelecimento do Direito Internacional Humanitrio e discutir os princpios clssicos que norteiam as regulaes dos meios e dos mtodos do conflito. Esta lio tambm apresenta uma distino entre os diferentes tipos de conflitos.

    Ao final da Lio 1, o aluno dever ser capaz de alcanar os seguintes objetivos:

    Compreender a evoluo do Direito Humanitrio consuetudinrio; Compreender a histria da codificao (em tratados) do DIH Descrever como o DIH se relaciona com o Direito Internacional Pblico; Explicar as diferenas entre o jus ad bellum e o jus in bello; Compreender a definio de Direito Internacional Humanitrio; Compreender a evoluo histrica do Direito Internacional Humanitrio at a

    Conveno de Genebra de 1864; Discorrer sobre a evoluo do DIH a partir de 1864; Reconhecer os diferentes focos do Direito de Genebra e do Direito de Haia; Compreender como o Direito Internacional Humanitrio tem suas fontes no

    Direito Internacional Pblico.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 3

    1.1 Definio Geral do Direito Internacional Humanitrio

    Quando se fala em Direito Internacional Humanitrio aplicvel a conflitos armados, isso significa que h normas internacionais, estabelecidas por tratados ou pelo costume, com o intuito especfico de resolver os problemas humanitrios que surgem a partir de conflitos armados internacionais ou no-internacionais. Por razes humanitrias, tais normas protegem pessoas e propriedades que so ou que podem ser afetadas pelo conflito; a proteo ocorre por meio da limitao do direito das partes conflitantes de escolher os mtodos e os meios de guerra. A expresso Direito Internacional Humanitrio aplicvel a conflitos armados geralmente reduzida a Direito Internacional Humanitrio ou Direito Humanitrio1. 1.2 Origens do Direito Internacional Humanitrio

    O principal assunto desta lio ser o estudo do Direito Internacional Humanitrio contemporneo. No entanto, necessrio examinar rapidamente a evoluo de tal campo do Direito. Pode-se afirmar que o Direito dos Conflitos Armados praticamente to antigo quanto a guerra em si. Mesmo em tempos remotos, havia costumes interessantes ainda que rudimentares que hoje podem ser classificados como humanitrios. interessante notar que o contedo e o objetivo desses costumes eram os mesmos para praticamente todas as civilizaes do mundo. tambm interessante a gerao espontnea de padres humanitrios, em pocas diferentes e entre pessoas ou Estados que possuam meios limitados de comunicao entre si.

    Esse fenmeno aporta credenciais ao argumento histrico que se refere a:

    Necessidade de se ter normas aplicveis a conflitos armados;

    Existncia de um sentimento entre as mais diversas civilizaes de que, sob certas

    circunstncias, seres humanos amigos ou inimigos devem ser protegidos e respeitados.

    Apesar de os acadmicos geralmente concordarem com o ano de 1864 como o

    marco inicial do DIH moderno, devido adoo da Primeira Conveno de Genebra, tambm notrio que as normas contidas em tal Conveno no eram integralmente novas. Na realidade, boa parte da Primeira Conveno de Genebra teve origem no direito consuetudinrio internacional que j existia. Desde 1000 aC, havia regras que protegiam certas categorias de vtimas em conflitos armados, assim como costumes que se referiam aos meios e aos mtodos de guerra que eram autorizados ou proibidos durante as hostilidades.

    1 Definio elaborada pelo Comit Internacional da Cruz Vermelha, amplamente aceita. Fonte: Comentrio sobre os Protocolos Adicionais de 8 de junho de 1977, CICV, Genebra, 1987, p. XXVII.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 4

    Apesar de as regras antigas e muitas vezes rudimentares no terem sido criadas por razes humanitrias, mas sim por motivaes econmicas, seu efeito foi certamente humanitrio. Por exemplo:

    A proibio contra o envenenamento de poos (reafirmada em 1899 na Haia) foi originalmente criada para permitir a explorao das reas conquistadas;

    As primeiras razes para a proibio de matar prisioneiros (reafirmada e

    desenvolvida pela Terceira Conveno de Genebra de 1949) estavam ligadas proteo das vidas de futuros escravos ou facilitao da troca de prisioneiros.

    Tais proibies podem ser encontradas em muitas civilizaes diferentes, por todo o mundo e tambm atravs da histria. Por exemplo, em muitas partes da frica havia regras especficas sobre o incio de hostilidades entre diferentes povos, o que corresponde, de certa forma, tradicional obrigao de declarar guerra na Europa clssica. Ademais, no clssico A Arte da Guerra, escrita em 500 aC, o escritor chins Sun Tzu expressou a idia de que as guerras devem ser limitadas necessidade militar e que os prisioneiros de guerra, os feridos, os doentes e os civis devem ser poupados. Regras semelhantes so encontradas no subcontinente indiano. Por exemplo, no Cdigo de Manu, escrito em 200 aC, encontram-se regras relacionadas a comportamento em combate. O Cdigo declarou que armas farpadas ou envenenadas eram proibidas, que soldados feridos deveriam ser tratados e que combatentes que se rendiam deveriam ser poupados. Esses exemplos de costumes humanitrios em vrias civilizaes demonstram que, ainda que as Convenes de Genebra ou de Haia no sejam universais em sua origem porque foram esboadas e adotadas por advogados e diplomatas que pertenciam cultura crist europia, seus sentimentos so quase universais, j que os princpios nelas contidos podem ser encontrados em diferentes sistemas de pensamento tanto europeus como no-europeus. A histria cultural da Europa tambm oferece exemplos tanto de barbrie como de humanismo. O primeiro evento referente ao Direito da Guerra ocorre em 300 aC, com uma escola filosfica grega chamada estoicismo. Tal escola sustentava um caminho em direo humanidade atravs do entendimento e da empatia, da necessidade de compreender e de respeitar o outro. Entre os sculos XVI e XVIII, no Renascimento e na Idade da Razo, uma prtica interessante e humanitria ocorreu na Europa. Com freqncia, guerreiros se encontravam antes das hostilidades e decidiam as normas de procedimento que deveriam ser respeitadas durante a batalha. Esses acordos especiais poderiam, por exemplo, estabelecer o respeito a um armistcio dois dias por semana, a obrigao de recuperar os feridos, ou a responsabilidade de liberar prisioneiros ao final da guerra. Apesar de esses acordos serem concludos de maneira ad hoc, e de terem um limitado alcance em termos

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 5

    de aplicabilidade, tais precedentes cumpriram um papel extremamente relevante para a criao do DIH. A partir dessa perspectiva histrica, tem-se a origem documentada do DIH em meados do sculo XIX. At esse momento, a prtica do que era aceito como regras de guerra refletiam as teorias dos filsofos, padres ou juristas com acordos locais ou especiais. Porm, esses costumes eram limitados em termos geogrficos e no havia normas internacionais (os Estados no haviam sido criados) ou universais. O primeiro tratado universal sobre Direito Humanitrio a Conveno de Genebra de 1864. Como e por que a Conveno foi criada? A origem do DIH pode ser relatada a partir da Batalha de Solferino, um combate terrvel entre foras francesas e austracas que aconteceu no norte da Itlia em 1859. Uma testemunha do massacre, um negociante de Genebra chamado Henry Dunant, ficou aterrorizado no tanto pela violncia daquele confronto, mas principalmente pela situao desesperada e miservel dos feridos abandonados nos campos de batalha. Com a ajuda da populao local, Dunant imediatamente decidiu juntar e cuidar dos feridos. De volta a Genebra, Dunant publicou um pequeno livro em 1862, Memrias de Solferino, no qual ele faz uma brilhante descrio dos horrores da batalha.

    O sol do dia 25 de junho de 1859 iluminou um dos espetculos mais horrveis que se possam imaginar. O campo de batalha est coberto de corpos de homens e cavalos; as estradas, os fossos, as ravinas, o mato, o prado esto semeados de cadveres (...). Os infelizes feridos recolhidos durante todo o dia esto plidos, lvidos e enfraquecidos. Uns, especialmente os que foram seriamente mutilados, tm um olhar ausente e parecem no compreender o que se lhes diz (...). Outros esto inquietos e agitados por um abalo nervoso e tremem convulsivamente. Outros ainda, com chagas abertas onde a infeco j comeou a desenvolver-se, esto doidos de dor. Pedem que se acabe com eles e, de rostos contrados, torcem-se nos ltimos esgares da agonia.2

    Nesse livro, Dunant no apenas descreveu a batalha, mas tambm procurou sugerir e publicar medidas que pudessem melhorar o destino de vtimas de guerra. Ele apresentou trs princpios bsicos criados para mitigar o sofrimento das vtimas das guerras. Para este fim, ele props que:

    1) Sociedades voluntrias fossem criadas em todos os pases e, em tempos de paz, se preparassem para servir como assistentes de servios mdicos militares;

    2) Os Estados adotassem um tratado internacional para garantir proteo legal a

    hospitais militares e equipe mdica; e

    2 Memrias de Solferino, Cruz Vermelha, 1986, p. 41.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 6

    3) Um smbolo internacional de identificao e proteo do pessoal de sade e de equipamentos mdicos fosse adotado.

    Essas trs propostas eram simples, mas tiveram conseqncias profundas e duradouras. Todo o sistema das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente

    Vermelho (que hoje contam com 183 unidades no mundo) tm incio depois da primeira proposta;

    A segunda proposta deu origem Primeira Conveno de Genebra de 1864; e A terceira proposta levou adoo do emblema de proteo da Cruz Vermelha ou

    do Crescente Vermelho.

    O livro de Dunant alcanou um grande sucesso em toda a Europa. Apesar de ele no apresentar idias totalmente originais, o livro tem seu mrito pelo momento oportuno em que traz a mensagem. Naquela poca, existia uma associao privada voltada para o bem-estar: a Sociedade de Assistncia Pblica. Seu presidente, Gustave Moynier, ficou impressionado com o livro de Dunant e props aos membros da Sociedade que tentassem levar adiante as propostas de Dunant. A sugesto foi aceita e cinco membros da Sociedade (Dunant, Moynier, Dufour, Appia e Maunoir) criaram um comit especial [em 1863], o Comit Internacional de Pronto Atendimento a Soldados Feridos. Esse comit se tornaria, 15 anos depois, o Comit Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Em 1863, o Comit convidou especialistas militares e mdicos para uma conferncia em Genebra. O objetivo do encontro era o de examinar a viabilidade e a exeqibilidade das propostas feitas por Dunant. Os resultados do encontro foram animadores e os membros do Comit convenceram o Conselho Federal suo a convocar uma conferncia diplomtica com o objetivo de dar forma legal s propostas de Dunant. Para tanto, uma conferncia diplomtica ocorreu em Genebra em 1864 e os 16 Estados ali representados assinaram a Conveno de Genebra para a melhoria das condies dos feridos das foras armadas em campanha de 22 de agosto de 1864. Como resultado, tem-se um tratado internacional aberto para ratificao universal ao qual os Estados concordavam, de maneira voluntria, a limitar seu prprio poder em favor do indivduo e, pela primeira vez, conflitos armados passaram a ser regulamentados pelo direito escrito. O nascimento do Direito Internacional Humanitrio moderno Em dez artigos bastante concisos, a Primeira Conveno de Genebra deu um formato legal s propostas de Dunant e criou um status especial para o pessoal de sade. O fato de que essa conferncia durou menos de 10 dias claramente indica o apoio geral s propostas.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 7

    claro que a conveno original foi substituda por tratados mais abrangentes e modernos. No entanto, ela ilustra de maneira concisa os objetivos gerais dos tratados de Direito Humanitrio. A conveno original reproduzida abaixo Conveno de Genebra para a melhoria das condies dos feridos das foras armadas em campanha. Genebra, 22 de agosto de 1864 Artigo 1 As ambulncias e os hospitais militares sero reconhecidos como neutros e

    como tal protegidos e respeitados pelos beligerantes, durante todo o tempo em que neles houver doentes e feridos.

    A neutralidade cessar se essas ambulncias ou hospitais forem guardados por uma fora militar.

    Artigo 2 O pessoal dos hospitais e das ambulncias, nele includos a intendncia, os

    servios de sade, de administrao, de transporte de feridos, assim como os capeles, participaro do benefcio da neutralidade, enquanto estiverem em atividade e subsistirem feridos a recolher ou a socorrer.

    Artigo 3 As pessoas designadas no artigo precedente podero, mesmo aps a

    ocupao pelo inimigo, continuar a exercer suas funes no hospital ou ambulncia em que servirem, ou retirar-se para retomar seus postos na corporao a que pertencem.

    Nessas circunstncias, quando tais pessoas cessarem suas funes, elas sero entregues aos postos avanados do inimigo, sob a responsabilidade do exrcito de ocupao.

    Artigo 4 Tendo em vista que o material dos hospitais militares permanece submetido

    s leis de guerra, as pessoas em servio nesses hospitais no podero, ao se retirarem, levar consigo os objetos que constituem propriedade particular dos hospitais.

    Nas mesmas circunstncias, ao contrrio, a ambulncia conservar seu material.

    Artigo 5 Os habitantes do pas que socorrerem os feridos, sero respeitados e

    permanecero livres. Os generais das Potncias beligerantes tero por misso prevenir os habitantes do apelo assim feito ao seu sentimento de humanidade e da neutralidade que lhe conseqente. Todo ferido, recolhido e tratado numa casa particular, conferir salvaguarda a esta ltima. O habitante que recolher feridos em sua casa ser dispensado de alojar as tropas, assim como de pagar uma parte dos tributos de guerra que lhe seriam impostos.

    Artigo 6 Os militares feridos ou doentes sero recolhidos e tratados, qualquer que seja

    a nao qual pertenam.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 8

    Os comandantes em chefe tero a faculdade de entregar imediatamente, aos postos avanados do inimigo, os militares feridos em combate, quando as circunstncias o permitirem e desde que haja consentimento de ambas as partes. Sero repatriados a seus pases aqueles que, uma vez curados, forem reconhecidos como incapazes de servir. Os outros podero igualmente ser repatriados, sob a condio de no retomarem armas durante toda a guerra. As foras de evacuao, como o pessoal que as dirige, ficaro garantidas por uma neutralidade absoluta.

    Artigo 7 Uma bandeira distinta e uniforme ser adotada pelos hospitais e ambulncias, bem como durante as evacuaes. Ela dever ser, em qualquer circunstncia, acompanhada da bandeira nacional.

    Uma braadeira ser igualmente admitida para o pessoal neutro; mas a sua distribuio ficar a cargo da autoridade militar.

    A bandeira e a braadeira tero uma cruz vermelha sobre fundo branco.

    Artigo 8 A implementao da presente Conveno deve ser arranjada pelos Comandantes-em-Chefe dos exrcitos beligerantes a partir das instrues dos respectivos governos e de acordo com os princpios gerais estabelecidos por esta Conveno.

    Artigo 9 As Altas Partes Contratantes concordam em divulgar a presente Conveno

    com um convite de aceder a ela aos governos que no puderam enviar plenipotencirios conferncia internacional em Genebra. O Protocolo foi deixado em aberto.

    Artigo 10 A presente Conveno dever ser ratificada e as ratificaes sero

    compartilhadas em Berna, durante os prximos quatro meses ou antes, se possvel. Para dar f, os respectivos Plenipotencirios assinaram a Conveno e afixaram seus

    selos.

    Realizada em Genebra, nesse vigsimo segundo dia de agosto do ano de mil oitocentos e sessenta e quatro.

    Com vigncia a partir de 1866, a Conveno de Genebra provou sua eficcia nos

    campos de batalha. Por volta de 1882, 18 anos depois de sua adoo, ela foi universalmente ratificada.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 9

    1.3 O progressivo desenvolvimento do DIH (1864-2000) A Figura 1-1 abaixo ilustra os principais eventos do DIH desde a adoo da Conveno de Genebra de 1864. Uma discusso detalhada sobre a evoluo ps-1864 do DIH estaria alm dos objetivos desse curso a distncia. Porm, o estudante deve conhecer as principais caractersticas que marcaram essa evoluo:

    A constante ampliao das categorias de vtimas de guerra protegidas pelo direito humanitrio (militares feridos; doentes e nufragos; prisioneiros de guerra; civis em territrios ocupados; toda a populao civil), assim como a expanso das situaes nas quais as vtimas so protegidas (conflitos armados internacionais e no-internacionais); e

    A modernizao e atualizao regular dos tratados para dar conta das realidades de

    conflitos mais recentes. Por exemplo, as normas de proteo dos feridos adotadas em 1864 foram revisadas em 1906, 1929, 1949 e 1977 (com isso, alguns crticos tm acusado o DIH de ser sempre uma guerra aqum da realidade).

    Duas correntes legais separadas tm, desde 1977, contribudo para essa evoluo:

    O Direito de Genebra, basicamente preocupado com a proteo das vtimas de

    conflitos armados i.e., os no-combatentes e aqueles no mais envolvidos com as hostilidades; e

    O Direito de Haia, cujas disposies se relacionam s limitaes e proibies de

    meios e mtodos especficos de guerra. Essas duas correntes legais tornaram-se uma s com a adoo dos dois Protocolos Adicionais de 1977.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 10

    Figura 1-1

    FORMAO DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO 1000 dC Formao dos primeiros costumes humanitrios

    Formao dos costumes regionais humanitrios (em todo o mundo)

    Concluso de tratados contendo clusulas humanitrias (clusulas sobre paz, armistcio, rendio)

    1864

    Primeira Conveno de Genebra

    1868

    Declarao de So Petersburgo

    1899

    Convenes de Haia

    1906

    Reviso da Primeira Conveno de Genebra

    1907

    Convenes de Haia

    1925

    Protocolo de Genebra sobre armas qumicas

    1929

    Primeira e Terceira Convenes de Genebra

    1949

    Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Convenes de Genebra + Artigo 3 Comum *

    1954

    Conveno para a proteo da propriedade cultural

    1977

    Protocolos Adicionais s Convenes de Genebra de 1949

    1980

    Conveno sobre o uso de armas convencionais

    1993

    Conveno sobre armas qumicas

    1995

    Protocolo sobre armas laser que causam cegueira

    1996

    Reviso da Conveno de 1980

    1997

    Conveno sobre minas antipessoais (Tratado de Ottawa)

    NB: Os Tratados do Direito de Genebra esto em negrito; os instrumentos do Direito de Haia esto em fonte normal. * As Convenes atualmente em vigor substituram as antigas Convenes de Genebra.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 11

    A corrente de Haia teve sua origem com a Declarao de So Petersburgo que, por sua vez, tornou-se pblica numa conferncia convocada por Alexandre III, o czar da Rssia, em 1868. A Declarao proibia o uso de munio explosiva e elencava alguns princpios bsicos relacionados conduo das hostilidades (ver Lio 4).

    Em 1899, a Primeira Conferncia de Paz foi convocada nos Pases Baixos por outro czar, Nicolau II para ser realizada em Haia. Esta Conferncia adotou vrias Convenes, com o objetivo geral de limitar os males da guerra. Entre outros pontos, tais Convenes proibiram:

    O lanamento de projteis a partir de bales; O uso de gases venenosos; e

    O uso de balas dum-dum.

    A grande proeza desta Conferncia foi a adoo de um princpio nomeado em

    homenagem quele que o introduziu, F. Martens, que era o consultor legal do czar russo. A Clusula Martens indica que:

    At que um cdigo mais completo das leis de guerra seja editado, as altas partes contratantes consideram conveniente declarar que, em casos no includos nas regulamentaes por elas adotadas, os civis e beligerantes permanecem sob a proteo e a regulamentao dos princpios do direito internacional, uma vez que estes resultam dos costumes estabelecidos entre povos civilizados, dos princpios da humanidade e dos ditames da conscincia pblica3.

    Outro importante feito da Conferncia de 1898 foi a ampliao das normas humanitrias da Conveno de Genebra de 1864 s vtimas de conflitos navais. Essa adaptao est nas origens da atual Segunda Conveno de Genebra. Em 1906, foi revisada a Conveno de 1864 que protegia os feridos e os doentes das Foras Armadas no terreno. Apesar de a reviso ter espandido a Conveno para 33 artigos (eram 10 os artigos na verso de 1864), os princpios fundamentais so os mesmos. Em 1907, a segunda Conferncia de Paz foi realizada em Haia. Na poca, as Convenes de 1899 foram revisadas e algumas novas normas foram includas. Entre as alteraes esto uma definio de combatentes, regras de guerra naval, regras sobre os direitos e os deveres das potncias neutras e regras relacionadas a prisioneiros de guerra.

    3 A Clusula Martens foi desenvolvida e reafirmada em vrios tratados subsequentes; p.ex., no Artigo 1o, pargrafo 2o do Protocolo Adicional I de 1977 e no pargrafo 4o do Prembulo do Protocolo Adicional II de 1977.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 12

    Em 1925, como resultado direto do sofrimento perpetrado durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), adotou-se um Protocolo que probe o uso de gs. Apesar de ter sido adotado em Genebra, esse Protocolo pertence, de maneira inequvoca, por causa de seu contedo, corrente legal do Direito de Haia. Em 1929, uma Conferncia diplomtica foi convocada em Genebra pela Confederao Sua. Os principais resultados desta Conferncia foram: A segunda reviso (desde 1906) da Conveno de 1864. Esta Conveno foi

    novamente modificada. Entre as novas disposies, relevante mencionar o primeiro reconhecimento oficial do emblema do Crescente Vermelho. Apesar de o emblema ser usado desde 1876, somente em 1929 ele foi autorizado juridicamente;

    Outro relevante sucesso da Conferncia de 1929 foi a adoo da Conveno relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra (tambm devido Primeira Guerra Mundial). Essa importante questo foi parcialmente examinada durante as Conferncias de Paz de 1899 e de 1907, sendo aprofundada apenas a partir de 1929.

    Em 1949, logo depois da Segunda Guerra Mundial (note o paralelo entre a Primeira

    Guerra Mundial e a Conferncia de 1929), as quatro atuais Convenes de Genebra foram adotadas. A Primeira (proteo de doentes e feridos), a Segunda (proteo de nufragos) e a Terceira (Prisioneiros de Guerra) so basicamente verses revisadas das Convenes anteriores. A Quarta Conveno, que estabelece a proteo da populao civil, uma melhoria completamente inovadora e constitui o maior sucesso da Conferncia de 1949. Outro aperfeioamento decisivo da Conferncia diplomtica de 1949 foi a adoo do Artigo 3 comum s quatro Convenes, ou seja, o primeiro dispositivo legal internacional aplicvel a situaes de conflitos armados no-internacionais.

    Em 1977, aps quatro sesses das Conferncias Diplomticas, foram adotados dois

    Protocolos Adicionais s Convenes de Genebra de 1949. O Primeiro Protocolo refere-se proteo de vtimas de conflitos armados internacionais; o segundo, proteo de vtimas de conflitos armados no-internacionais. Em um certo grau, o Segundo Protocolo pode ser visto como uma ampliao do Artigo 3 comum s quatro Convenes de Genebra.

    Em 1980, outra importante conveno foi adotada sob os auspcios da ONU, a Conveno das Naes Unidas sobre a proibio ou a limitao do uso de armas convencionais que podem ser consideradas como causadoras de traumas excessivos ou que surtam efeitos indiscriminados. Tal instrumento limita ou probe o uso de minas, armadilhas, armas incendirias e outros fragmentos no-detectveis. Em 1993, adotada uma Conveno bastante abrangente, que probe o desenvolvimento, a produo, a estocagem e o uso de armas qumicas. Este tratado complementa a proibio bsica contida no Protocolo de Genebra de 1925.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 13

    Em 1995, adotado um novo Protocolo, um suplemento Conveno de 1980. Este novo instrumento probe o uso de armas laser que causam cegueira permanente. Finalmente, em 1997, foi assinada em Ottawa uma Conveno que probe o uso, a estocagem, a produo e a transferncia de minas anti-pessoais. Vale notar o apoio da comunidade internacional aos tratados de DIH. J que 194 Estados so parte de tais tratados, as quatro Convenes de Genebra so atualmente o 3 dos mais universais instrumentos de Direito Internacional. Alm disso, 168 Estados so parte do Primeiro Protocolo e 164 so parte do Segundo. 1.4 O status do DIH dentro do Direito Internacional Pblico importante enfatizar que as normas e os princpios de DIH so regras legais, e no apenas preceitos morais ou filosficos, ou costumes sociais. O corolrio da natureza legal de tais normas , claro, a existncia de um detalhado regime de direitos e obrigaes imposto sobre as diferentes partes de um conflito armado. O Direito Internacional Humanitrio deve ser compreendido e analisado como uma parte distinta de uma estrutura muito mais ampla: a das normas e princpios que regulam a coordenao e a cooperao entre os membros da comunidade internacional, ou seja, o Direito Internacional Pblico. A tabela a seguir ilustra esse fato: o DIH deve portanto ser considerado como parte integral (mas diferente) do Direito Internacional Pblico. Figura 1-2

    Direito dos Refugiados

    Direito Internacional dos Direitos

    Humanos Direito Internacional

    Humanitrio

    Normas que regem as relaes diplomticas

    Normas que regem as relaes econmicas

    Normas que regem a

    soluo pacfica de conflitos

    Normas que regem as

    organizaes internacionais

    A figura a seguir mostra de maneira mais precisa como o DIH se encaixa no panorama geral do Direito Internacional Pblico, e como ele se diferencia de outra parte desse todo, o princpio do jus ad bellum.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 14

    Figura 1-3 Relao entre o Direito Internacional Pblico e o Direito Internacional Humanitrio

    Direito de Genebra

    Direito de Haia

    JUS AD BELLUM

    JUS IN BELLO

    DIREITO DA GUERRA

    DIREITO DA PAZ

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 15

    A Distino entre o Jus ad Bellum e o Jus in Bello

    Jus ad bellum refere-se ao princpio de se envolver em uma guerra por uma causa justa, como a autodefesa. Por outro lado, o jus in bello refere-se ao princpio de se lutar uma guerra de maneira justa e, por isso, engloba padres de proporcionalidade e distines entre civis e combatentes. O Direito Internacional Humanitrio (DIH) evoluiu num tempo em que o uso da fora era legtimo nas relaes internacionais, num tempo em que os Estados no eram proibidos de travar guerras, num tempo em que os Estados tinham na verdade o direito de fazer a guerra (isto , quando eles detinham o jus ad bellum). Por conseguinte, no era um problema de Direito Internacional a criao de certas normas de comportamento para os Estados observarem em uma guerra (o jus in bello, ou lei que probe guerras), se os Estados recorressem a esses instrumentos. Hoje, porm, o uso da fora entre Estados proibido por uma regra peremptria do Direito Internacional4 (o jus ad bellum se converteu em jus contra bellum). As excees a essa proibio so permitidas em casos de auto-defesa individual ou coletiva,5 nas medidas impositivas do Conselho de Segurana6 e supostamente para garantir o direito auto-determinao dos povos7 (guerras de libertao nacional). claro que pelo menos um dos lados dos conflitos armados internacionais contemporneos viola o Direito Internacional pelo simples fato de usar a fora, ainda que respeite o DIH. De maneira equivalente, todas as leis domsticas do mundo probem o uso da fora contra agncias (governamentais) de imposio da lei. Apesar da proibio contra conflitos armados, eles continuam a existir. Hoje os Estados reconhecem que o Direito Internacional deve lidar com essa realidade da vida internacional, no apenas combatendo o fenmeno, mas tambm regulando sua prtica de maneira a garantir certo nvel de humanidade que fundamental em tais situaes desumanas e ilegais. Devido a razes prticas, polticas e humanitrias, o DIH deve ser aplicado de maneira imparcial a ambos os beligerantes: quele que recorre legalmente fora e quele que recorre fora de maneira ilegal. Se no fosse assim, seria impossvel manter na prtica o respeito pelo DIH j que, pelo menos entre os beligerantes, sempre controverso quem recorreu fora em conformidade com o jus ad bellum e quem viola o jus contra bellum. Alm disso, de um ponto de vista humanitrio, as vtimas de ambos os lados do conflito precisam da mesma proteo e elas no so necessariamente responsveis pela violao do jus ad bellum cometido por sua parte.

    4 Contida no Art. 2 (4) da Carta da ONU.

    5 Reconhecidos no Art. 51 da Carta da ONU.

    6 Estabelecidas no Captulo VII da Carta da ONU.

    7 A legitimidade do uso da fora para garantir o direito dos povos auto-determinao (reconhecido no Art. 1o de ambos os Pactos de Direitos Humanos da ONU) foi reconhecida pela primeira vez na Resoluo 2105 (XX) da Assemblia Geral da ONU (20 de dezembro de 1965).

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 16

    Com isso, o DIH deve ser honrado independente do argumento de jus ad bellum e precisa ser completamente diferenciado desse direito. Qualquer teoria de guerra justa do passado, presente ou futuro s lida com o jus ad bellum e no pode justificar (apesar de ser geralmente usada para assim inferir) que aqueles que lutam uma guerra justa tem mais direitos e menos obrigaes sob o DIH que aqueles que lutam uma guerra injusta. A completa separao entre o jus ad bellum e o jus in bello foi reconhecida no Prembulo do Protocolo Adicional I de 1977, in verbis:

    As Altas Partes Contratantes, Proclamando o seu ardente desejo de ver reinar a paz entre os povos; Lembrando que todo Estado tem o dever, luz da Carta das Naes Unidas, de se abster nas relaes internacionais de recorrer ameaa ou ao emprego da fora contra a soberania, integridade territorial ou independncia poltica de qualquer Estado, ou a qualquer outra forma incompatvel com os objetivos das Naes Unidas; Julgando, no entanto, necessrio reafirmar e desenvolver as disposies que protegem as vtimas dos conflitos armados e completar as medidas adequadas ao reforo da sua aplicao; Exprimindo a sua convico de que nenhuma disposio do presente Protocolo ou das Convenes de Genebra de 12 de Agosto de 1949 poder ser interpretada para legitimar ou autorizar qualquer ato de agresso ou emprego da fora, incompatvel com a Carta das Naes Unidas; Reafirmando, ainda, que as disposies das Convenes de Genebra de 12 de Agosto de 1949 e do presente Protocolo devero ser plenamente aplicadas, em qualquer circunstncia, a todas as pessoas protegidas por estes instrumentos, sem qualquer discriminao baseada na natureza ou origem do conflito armado ou nas causas defendidas pelas partes no conflito ou a elas atribudas.

    Esta completa separao entre o jus ad bellum e o jus in bello significa que o DIH aplicvel sempre que houver um conflito armado de facto, independente de tal conflito ser justificado pelo jus ad bellum, ou que o argumento do jus ad bellum possa ser utilizado ao interpretar o DIH. No entanto, isso tambm significa que as normas de DIH no podem tornar o jus ad bellum impossvel de ser implementado, p.ex., tornar ilegal a legtima defesa.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 17

    Figura 1-4

    1.5 As fontes do Direito Internacional Humanitrio Uma vez que o DIH parte integral do Direito Internacional Pblico, suas fontes correspondem, de maneira lgica, s do ltimo, como definidas no Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justia.

    De acordo com o Artigo 38 (1) do Estatuto da Corte Internacional de Justia, que tido como relevante fonte do Direito Internacional, a Corte deve aplicar:

    Convenes internacionais (note que conveno sinnimo de tratado); Costume internacional, como prova de uma prtica geral aceita como o

    direito; Os princpios gerais de direito, reconhecidos pelas naes civilizadas; e As decises judicirias e a doutrina dos juristas mais qualificados (...), como

    meios auxiliares para determinar as regras de direito.

    JUS AD BELLUM

    NORMAS QUE REGEM AS PARTES

    QUE RECORREM FORA ARMADA (PRATICAMENTE DESAPARECEU)

    NB: 3 CASOS POSSVEIS NO DIREITO INTERNACIONAL: - OPERAES DE SEGURANA COLETIVA - GUERRAS DE LIBERTAO NACIONAL - LEGTIMA DEFESA

    JUS IN BELLO

    NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL APLICVEIS ENTRE AS PARTES DE UM CONFLITO ARMADO

    E RELACIONADAS AO CONFLITO ARMADO (FORMADO POR 2 CORRENTES PRINCIPAIS:

    O DIREITO DE GENEBRA E O DIREITO DE HAIA)

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 18

    Os tratados e o costume so as principais fontes do Direito Internacional. Em relao ao DIH, os tratados mais importantes so as Convenes de Genebra de 1949, os Protocolos Adicionais de 1977 e as chamadas Convenes de Haia. Enquanto os tratados so apenas vinculantes s partes signatrias, os Estados tambm podem ser constrangidos pelas normas do direito consuetudinrio internacional. No entanto, isso exige que se encontre um hbito nas relaes entre os Estados e que tais Estados considerem esse hbito como uma prtica. H amplo consenso entre os estudiosos da rea no sentido de que as regras contidas nas quatro Convenes de Genebra de 1949 para a proteo das vtimas de guerra e na Conveno de Haia (IV) de 1907 sobre o Direito da Guerra Terrestre (com exceo das regras administrativas, tcnicas e logsticas) refletem o direito consuetudinrio internacional. H ainda consenso de que vrios dos dispositivos do Protocolo Adicional I e, em menor escala, tambm as regras do Protocolo Adicional II, refletem o costume.

    Os Estados tambm so vinculados aos princpios gerais do Direito. Em relao

    ao DIH, pode-se pensar nos seus princpios fundamentais, como o princpio da distino ou o da proporcionalidade. No entanto, como demonstrado no diagrama abaixo, algumas fontes especficas do DIH tambm devem ser levadas em considerao. Figura 1-5

    Fontes do Direito

    Internacional Pblico

    Fontes do Direito

    Internacional Humanitrio

    Principais Fontes

    Costume Internacional

    Costume Internacional

    Tratados internacionais multi/bilaterais

    Convenes de Genebra Convenes de Haia Outras convenes internacionais

    Outras fontes

    Decises judiciais^ Decises judiciais Direito da Cruz Vermelha** Princpios e usos do CICR

    Princpios gerais de direito *

    Princpios do Direito Humanitrio

    Ensino Ensino

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 19

    * Por exemplo: boa-f; no-retroatividade; princpio da legalidade (nullum crimen sine lege; nulla poena sine lege: no h crime sem lei anterior que o defina; no h pena sem prvia cominao legal).

    ^Decises tomadas por tribunais nacionais e internacionais. ** Resolues adotadas pelas Conferncias Internacionais da Cruz Vermelha e do

    Crescente Vermelho; ver tambm a Lio 8.

    1.6 O Campo de Aplicao Material do DIH: quando o DIH aplicvel? O Direito Internacional Humanitrio (DIH) se aplica em dois tipos distintos de situao: conflitos armados internacionais e conflitos armados no-internacionais. Antes de definir ambas as situaes, algumas palavras devem ser ditas sobre a noo de conflito armado que tem substitudo, desde 1949, a noo tradicional de guerra. De acordo com o Comentrio Primeira Conveno de Genebra de 1949 ,8 A substituio da palavra guerra pela expresso mais genrica (conflito armado) foi intencional. Podem ser levantadas inmeras questes sobre a definio legal de guerra. Um Estado sempre pode fingir que, ao cometer um ato hostil contra outro Estado, no est travando uma guerra, mas sim realizando uma ao poltica, ou agindo em legtima defesa. A expresso conflito armado faz com que esse argumento seja menos fcil de ser defendido. Qualquer diferena que surja entre dois Estados e que leve interveno das foras armadas um conflito armado, (...) mesmo que uma das Partes negue a existncia do estado de guerra. Conflito armado internacional O DIH relacionado a conflitos armados internacionais aplicvel em todos os casos de guerra declarada ou outro conflito armado qualquer que venha a surgir entre duas ou mais das Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra no seja reconhecido por uma delas9. O mesmo conjunto de dispositivos legais tambm se aplica a todos os casos de ocupao parcial ou total do territrio de uma Alta Parte Contratante, mesmo que a referida ocupao no tenha encontrado resistncia armada.10

    8 Ver Pictet, J.S., Commentary of the First Geneva Convention for the Amelioration of the Condition of the Wounded and Sick in Armed Forces in the Field, Genebra, Comit Internacional da Cruz Vermelha, 1952, p. 32. 9 Art. 2 Comum s Convenes de Genebra de 1949. 10 Ibid.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 20

    De acordo com a doutrina tradicional, a noo de conflito armado internacional era, portanto, limitada a disputas armadas entre Estados. Durante a Conferncia Diplomtica que levou adoo dos Protocolos Adicionais de 1977, esse conceito foi questionado e ficou finalmente reconhecido que as guerras de libertao nacional11 tambm deveriam ser consideradas conflitos armados internacionais. Conflitos armados no-internacionais Tradicionalmente, os conflitos armados no-internacionais (ou, para usar outra terminologia obsoleta, guerras civis) eram considerados questes internas dos Estados e, com isso, dispositivos de direito internacional no eram aplicveis. Essa viso foi radicalmente modificada com a adoo do Artigo 3 comum s quatro Convenes de Genebra de 1949. Pela primeira vez, a comunidade de Estados concordou com um conjunto mnimo de garantias a serem respeitadas durante conflitos armados no-internacionais. Apesar de sua extrema relevncia, o Artigo 3 no oferece uma clara definio de conflito armado no-internacional.12 Durante a Conferncia Diplomtica de 1974-1977, registrou-se a necessidade de uma definio mais abrangente para a noo de conflito armado no-internacional, o que foi reafirmado no Art. 2 do Protocolo Adicional II. De acordo com este dispositivo legal, concorda-se que o Protocolo II seja aplicado a todos os conflitos armados que no esto cobertos pelo Artigo 1 do Protocolo I, e que se desenrolem em territrio de uma Alta Parte Contratante, entre as suas foras armadas e foras armadas dissidentes ou grupos armados organizados que, sob a chefia de um comando responsvel, exeram sobre uma parte do seu territrio um controle tal, que lhes permita levar a cabo operaes militares contnuas e organizadas e aplicar o presente Protocolo. Tal definio levemente restritiva se aplica apenas s situaes cobertas pelo Protocolo Adicional II. A definio no aplicvel s situaes cobertas pelo Art. 3 comum s quatro Convenes de Genebra.13 Na prtica, h, portanto, situaes de conflitos armados no-internacionais nas quais s o Artigo 3 se aplica, j que o nvel de organizao dos dissidentes insuficiente para a aplicao do Protocolo II. 11 Situaes definidas, no Artigo 1 (4) do Protocolo Adicional I, como conflitos armados em que os povos lutam contra a dominao colonial e a ocupao estrangeira e contra os regimes racistas no exerccio do direito dos povos autodeterminao

    12 O Artigo 3o prev que aplicvel no caso de conflito armado que no apresente um carter internacional e que ocorra no territrio de uma das Altas Potncias contratantes ().

    13 Art. 1o do Protocolo Adicional II: O presente Protocolo, que desenvolve e completa o Artigo 3o, comum s Convenes deGenebra (), sem modificar suas condies de aplicao existentes ().

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 21

    Outras situaes O DIH no aplicvel a situaes de violncia e tenses internas. Este ponto est claro no Art. 1 (2) do Protocolo Adicional II, segundo o qual O presente Protocolo no se aplica a situaes de tenso e de perturbao internas, tais como motins, atos de violncia isolados e espordicos e outros atos anlogos, que no so considerados como conflitos armados.14

    14 A noo de distrbios e tenses internas no obteve definies precisas durante a Conferncia Diplomtica de 1974-1977. Ver tambm a Lio 3.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 22

    1. Aqueles que criam as regras do DIH so

    a. O Comit Internacional da Cruz Vermelha (CICV) b. A Organizao das Naes Unidas (ONU) c. Os Estados d. A opinio pblica

    2. DIH

    a. parte do Direito Internacional Pblico. b. um ramo do Direito criado pelos Estados. c. composto de regulamentaes baseadas em tratados e no costume. d. Todas as alternativas acima.

    3. Qual a frase correta?

    a. As regras das Convenes de Genebra so geralmente consideradas direito consuetudinrio.

    b. Algumas das regras que regem a conduo das hostilidades, e que esto contidas no Protocolo Adicional I, so regras costumeiras.

    c. Os dispositivos das Convenes de Haia IV de 1907 so regras costumeiras. d. Todas as alternativas acima.

    4. Qual a frase correta?

    a. O DIH existia antes da Conveno de Genebra de 1864, porm basicamente como um direito consuetudinrio.

    b. A Conveno de Genebra de 1864 considerada o primeiro tratado de DIH no sentido moderno da palavra, j que ela continha regras que deveriam ser aplicadas em todos os futuros conflitos armados e tinha inteno de se fazer universal.

    c. Somente a e b. d. DIH nasceu com as Instrues Lieber de 1863.

    LIO 1 VERIFICAO DE APRENDIZAGEM

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 23

    5. Qual a frase correta?

    a. O Direito de Haia composto por regras que regem a conduta durante hostilidades e o Direito de Genebra composto de regras que protegem pessoas que esto em poder do inimigo.

    b. Exceto algumas regras contidas na Parte II da Quarta Conveno de Genebra, todas as regras das Convenes de Genebra de 1949 so parte do Direito de Genebra.

    c. Uma importante parte do Protocolo Adicional I composto de regras do Direito de Haia.

    d. Todas as alternativas acima. 6. Um Estado que vtima de agresso

    a. Tem mais direitos, sob o DIH, que tem seu agressor. b. Tem menos deveres, sob o DIH, que tem seu agressor. c. No tem obrigaes sob o DIH. d. Tem direitos e deveres similares aos de seu agressor.

    7. Jus ad bellum

    a. parte do DIH. b. uma antiga expresso substituda pelo DIH. c. No exerce influncia sobre a aplicabilidade do DIH. d. Foi derrogada pela Carta da ONU.

    8. O Protocolo II de 1977 aplicvel em

    a. Guerras de libertao nacional. b. Conflitos armados no-internacionais. c. Tenses internas. d. Motins em territrios ocupados.

    9. Quando comparado com o Art. 3 comum, o Protocolo de 1977

    a. aplicvel s mesmas situaes. b. Abarca mais situaes. c. Abarca menos situaes. d. Nenhuma das alternativas acima.

    10. O Art. 3 comum aplicvel a

    a. Conflito armado no-internacional. b. Guerras de libertao nacional. c. Situaes de violncia interna. d. Agresso.

  • Lio 1 / Introduo Geral ao Direito Internacional Humanitrio (DIH) 24

    1. c. Os Estados. 2. d. Todas as alternativas acima. 3. d. Todas as alternativas acima. 4. c. Somente a e b. 5. d. Todas as alternativas acima. 6. d. Tem direitos e deveres similares aos de seu agressor. 7. c. No exerce influncia sobre a aplicabilidade do DIH. 8. b. Conflitos armados no-internacionais. 9. c. Abarca menos situaes. 10. a. Conflito armado no-internacional.

    LIO 1 RESPOSTAS

  • LIO 2

    PROTEO DE VTIMAS NO CONFLITO ARMADO INTERNACIONAL

    2.1 Introduo 2.2 Dispositivos comuns s quatro Convenes de Genebra de 1949 e

    ao Protocolo Adicional I de 1977 2.3 Proteo de Feridos, Doentes e Nufragos 2.4 Normas de Proteo a Prisioneiros de Guerra 2.5 Proteo de indivduos e populaes civis Verificao de Aprendizagem

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 26

    OBJETIVOS DA LI

    Esta lio tem o objetivo de familiarizar o estudante com os tratados e outros dispositivos de Direito Internacional Humanitrio. Faz-se uma reviso das pessoas e das situaes s quais se aplicam os tratados e os costumes de DIH. Ao final da Lio 2, o aluno dever ser capaz de alcanar os seguintes objetivos:

    Descrever que indivduos, grupos e objetos so protegidos pelo DIH; Compreender as diferenas na aplicao das quatro Convenes e do

    Protocolo I, e que unidades so protegidas por cada um; Descrever a diferena entre um combatente e um no-combatente e

    compreender em que contextos cada um deles protegido pelo DIH; Discutir a aplicabilidade das quatro Convenes de Genebra de 1949 e do

    Protocolo Adicional; Compreender as protees consagradas aos feridos, doentes e nufragos; Compreender como o DIH oferece proteo a indivduos (civis) e a

    populaes civis; Diferenciar entre pessoas internamente deslocadas e refugiados.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 27

    2.1 Introduo H atualmente mais de 600 regras para a proteo de pessoas do poder do inimigo, em situaes de conflito armado internacional. Todas essas regras, que compem o Direito de Genebra (ver Lio 1) podem ser encontradas nas quatro Convenes de Genebra de 1949 e no seu Protocolo Adicional I. Como uma anlise detalhada de todos esses dispositivos vai alm do objetivo deste curso, vamos nos concentrar em quatro conjuntos de regras:

    1) Algumas regras fundamentais comuns s quatro Convenes e ao Protocolo I;

    2) Regras que protegem feridos, doentes e nufragos;

    3) Regras que protegem prisioneiros de guerra; e

    4) Regras que protegem civis e a populao civil. Sero includas nas prximas lies as regras e os princpios relativos implementao do Direito Internacional Humanitrio (DIH) e ao papel do CICV, bem como aquelas que protegem vtimas de conflitos armados no-internacionais. 2.2 Dispositivos comuns s quatro Convenes de Genebra de 1949 e ao Protocolo Adicional I de 1977 Campo de aplicao material As situaes nas quais se aplicam as regras das quatro Convenes e do Protocolo I (ou, em outras palavras, a noo de conflito internacional) so definidas da seguinte maneira:

    1) Art. 2, comum s quatro Convenes:

    Alm das disposies que devem entrar em vigor em tempo de paz, a presente Conveno ser aplicada em todos os casos de guerra declarada ou de qualquer outro conflito armado que possa surgir entre duas ou mais das Altas Partes Contratantes, mesmo se o estado de guerra no for reconhecido por uma delas. A Conveno aplicar-se- igualmente em todos os casos de ocupao total ou parcial do territrio de uma Alta Parte Contratante, mesmo que essa ocupao no encontre qualquer resistncia militar. Se uma das Potncias em conflito no for parte na presente Conveno, as Potncias que nela so partes manter-se-o, no entanto, ligadas, pela referida

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 28

    Conveno, nas suas relaes recprocas. Alm disso, elas ficaro ligadas por esta Conveno referida Potncia, se esta aceitar e aplicar as suas disposies.

    2) Art. 1.4 do Protocolo

    Nas situaes mencionadas no nmero precedente esto includos os conflitos armados em que os povos lutam contra a dominao colonial e a ocupao estrangeira e contra os regimes racistas no exerccio do direito dos povos autodeterminao, consagrado na Carta das Naes Unidas e na Declarao dos Princpios do Direito Internacional Relativos s Relaes Amigveis e Cooperao entre os Estados nos termos da Carta das Naes Unidas.

    Trs comentrios sobre essas definies: 1) O conflito deve ser armado; tal conflito existe quando foras armadas de dois ou mais Estados lutam entre si. Mesmo pequenos incidentes fronteirios entre representantes dos Estados so suficientes para que o DIH seja aplicvel e qualquer uso de armas entre dois Estados faz com que as Convenes e o Protocolo I sejam trazidos tona. 2) Os tratados no fazem distino entre guerras, que devem ser declaradas, e conflitos armados, um conceito objetivo que deve ser compreendido como qualquer situao em que a fora armada usada entre dois ou mais Estados. Alm disso, as Convenes e o Protocolo I tambm so aplicveis em caso de ocupao, mesmo se a ocupao no tiver encontrado resistncia armada. 3) De acordo com o Art. 1.4 do Protocolo I, as guerras de libertao nacional, que eram tradicionalmente consideradas como conflito armado no-internacional (ver Lio 3), agora so consideradas conflitos armados internacionais. No entanto, tal Artigo submete essa qualificao a condies muito restritas. Proibio de represlias No Direito Internacional Pblico, Estados podem recorrer a represlias, sujeitas a condies restritas (represlias devem ser interpretadas como qualquer ato ilegal cometido com o objetivo de retaliar outro ato ilegal ou impedir sua continuidade). Apesar de o DIH ser parte do Direito Internacional Pblico, h uma diferena entre ambos no que se refere s represlias. O DIH contm um conjunto de dispositivos especficos que probe represlias contra as pessoas, os bens e as instalaes protegidas15.

    15 Ver, por exemplo, o Art. 46 da Primeira Conveno: Represlias contra os feridos, doentes, pessoal e bens protegidos pela Conveno so proibidas.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 29

    No-renncia de direitos As pessoas protegidas pelas Convenes e pelo Protocolo I so geralmente pressionadas por seus captores para que renunciem proteo de que se beneficiam por conta dos tratados. Tal renncia expressamente proibida pelo Art. 7, comum s quatro Convenes.16 2.3 Proteo dos Feridos, Doentes e Nufragos N.B. As regras que protegem essas categorias de vtimas aparecem nas Convenes I e II e na Parte I do Protocolo I. REGRAS GERAIS Aplicabilidade a indivduos De maneira geral, a Primeira e a Segunda Convenes so praticamente idnticas. A Conveno I protege vtimas militares de guerras terrestres, enquanto que a Conveno II protege vtimas militares de guerras navais. Os princpios subjacentes a ambos os tratados so idnticos. O Protocolo I amplia a proteo garantida pelas Convenes para todos os feridos, doentes ou nufragos, membros das foras armadas ou civis. Definio de pessoas protegidas Art. 8a) e b) do Protocolo I prov definies amplas: Os termos feridos e doentes designam as pessoas, militares ou civis, que, por

    motivo de um traumatismo, doena ou de outras incapacidades ou perturbaes fsicas ou mentais, tenham necessidade de cuidados mdicos e se abstenham de qualquer ato de hostilidade. Estes termos designam tambm as parturientes, os recm-nascidos e outras pessoas que possam ter necessidade de cuidados mdicos imediatos, tais como os enfermos e as mulheres grvidas, e que se abstenham de qualquer ato de hostilidade.

    O termo nufrago designa as pessoas, militares ou civis, que se encontrem numa

    situao perigosa no mar ou noutras guas, devido ao infortnio que os afeta ou afeta o navio ou aeronave que os transporta, e que se abstenham de qualquer ato de hostilidade. Essas pessoas, na condio de continuarem a abster-se de qualquer ato de hostilidade, continuaro a ser consideradas como nufragos durante o seu salvamento at que tenham passado a outro estado, em virtude das Convenes ou do presente Protocolo.

    16 Art. 7o: Os feridos e doentes, assim como os membros do pessoal do servio de sade e religioso, nunca podero renunciar parcial ou totalmente aos direitos que lhes so assegurados pela presente Conveno e pelos acordos especiais referidos no artigo precedente, caso estes existam.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 30

    Princpios gerais de proteo O Art. 12, comum s Convenes I e II, dispe: Os membros das foras armadas e as outras pessoas mencionadas no artigo

    seguinte que sejam feridos ou doentes, devero ser respeitados e protegidos em todas as circunstncias.

    Sero tratados com humanidade pela Parte no conflito que os tiver em seu poder,

    sem nenhuma distino de carter desfavorvel baseada em sexo, raa, nacionalidade, religio, opinies polticas ou qualquer outro critrio anlogo. estritamente interdito qualquer atentado contra a sua vida e pessoa e, em especial, assassin-los ou extermin-los, submet-los a torturas, efetuar neles experincias biolgicas, deix-los premeditadamente sem assistncia mdica ou sem tratamento, ou exp-los aos riscos do contgio ou de infeco criados para este efeito.

    Somente razes de urgncia mdica autorizaro uma prioridade na ordem dos

    tratamentos. As mulheres sero tratadas com todos os cuidados especiais devidos ao seu sexo. A

    Parte no conflito obrigada a abandonar feridos ou doentes ao adversrio deixar com eles, tanto quanto as exigncias militares o permitirem, uma parte do seu pessoal e do seu material sanitrio para contribuir para o seu tratamento.

    O Art. 10 do Protocolo I amplia esta proteo bsica para todos os feridos, doentes e nufragos. Alm disso, quando caem nas mos do inimigo, vtimas militares se tornam prisioneiros de guerra protegidos pela Terceira Conveno.17 A busca pelos feridos, doentes e nufragos Os tratados contm uma srie de dispositivos relacionados a essas questes. O objetivo geral de tais regras facilitar o direito das famlias de saber o destino de seus parentes. Para alcanar este objetivo, as partes de um conflito devem adotar todas as medidas possveis para procurar e recolher os feridos e os doentes, proteg-los contras saques e garantir que recebam tratamento adequado. Alm das obrigaes com as vtimas sobreviventes, ambas as Convenes e o Protocolo I contm dispositivos relacionados s vtimas, fatais ou desaparecidas. As pessoas so consideradas desaparecidas se seus parentes ou Estados dos quais elas dependem no tm informao sobre seu destino. Cada parte tem a obrigao de procurar as pessoas que tenham sido registradas como desaparecidas pela parte opositora.18

    17 Art. 14 da Conveno I e 16 da Conveno II e infra, Captulo III. 18 Ver Art. 33 (1) do Protocolo I.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 31

    Na realidade, as pessoas desaparecidas esto mortas ou vivas. Se elas estiverem vivas, ento elas ou esto detidas pelo inimigo ou esto livres mas foram separadas de suas famlias por linhas de frente ou por fronteiras. Em todos os casos, elas se beneficiam da proteo que o DIH oferece categoria a qual elas pertencem (civis, prisioneiros de guerra, feridos e doentes etc.). Em qualquer caso, o DIH contm regras designadas para garantir que elas no continuem a ser consideradas desaparecidas a menos que elas assim o desejem para cortar os vnculos com sua famlia ou com seu pas. Se a pessoa desaparecida estiver morta, importante informar famlia. J que no um feito realizvel, as partes no esto obrigadas a identificar todos os corpos encontrados. Os adversrios devem apenas esforar-se e coletar informao de maneira a auxiliar na identificao dos corpos19 (que mais fcil quando a vtima fatal carrega carteiras ou plaquetas de identificao, como recomendado pelo Direito Internacional Humanitrio), inclusive concordando com os termos de busca estabelecidos20. Se tal identificao ocorre com sucesso, a famlia deve ser notificada. Em qualquer caso, os restos mortais devem ser respeitados e enterrados de maneira decente, e as covas devem ser sinalizadas.21 Formas de Implantao das Regras Gerais A implantao das regras e dos princpios gerais discutidos acima de responsabilidade primria das partes conflitantes, mas um bom nmero de servios e instituies foram criados nos tratados de maneira a auxiliar na implantao. Tais servios e instituies so protegidos pelas Convenes e pelo Protocolo I; isto , eles devem ser respeitados, e no atacados, pelas partes conflitantes.

    19 Ver o Art. 16 da Conveno I e o Art. 33 (2) do Protocolo I. 20 Ver o Art. 33 (4) do Protocolo I. 21 Ver o Art. 17 da Conveno I e o Art. 34 (1) do Protocolo I

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    Unidades e transportes mdicos22 O Direito Internacional Humanitrio garante uma proteo ampla e detalhada para unidades mdicas23, transportes mdicos24 e material mdico.25 Tais bens devem ser respeitados e protegidos o tempo todo pelos beligerantes e no devem ser objetos de ataque. Em hiptese alguma as instalaes protegidas podem ser utilizadas com a inteno de esconder objetivos militares de ataques. A proteo garantida s instalaes mdicas no deve cessar, a menos que elas sejam utilizadas, em objetivos alm de sua funo humanitria, para se cometerem atos que sejam nocivos ao inimigo.26 No entanto, nessas ocasies, sua proteo pode cessar somente depois de um aviso que estabelea, quando apropriado, um limite de tempo razovel e depois de este aviso no ter sido atendido. Pessoal de sade27 e religioso28 As Convenes I e II, criadas para proteger os feridos, os doentes e os nufragos, tambm estendem sua proteo para o pessoal de sade, a equipe de apoio administrativo e o pessoal religioso.29 Em campos de batalha, eles no devem ser atacados e devem ter permisso de cumprir seus deveres mdicos ou religiosos.30 Se carem nas mos da parte

    22 Ver o Art. 8o (g) do Protocolo I: A expresso meio de transporte sanitrio designa qualquer meio de transporte, militar ou civil, permanente ou temporrio, afeto exclusivamente ao transporte sanitrio e colocado sob a direo de uma autoridade competente de uma Parte no conflito. 23 Ver Arts. 19-23 da Conveno I, Art. 18 da Conveno IV, Arts. 8 (e) e 12-14 do Protocolo I. 24 Ver Arts. 35-37 da Conveno I, Arts. 38-40 da Conveno II, Arts. 21-22 da Conveno IV e Arts. 8 (g) e 21-31 do Protocolo I. 25 Ver Arts. 33-34 da Conveno I. 26 Ver Art. 13 (1) do Protocolo I. 27 Ver Art 8 (c) do Protocolo I: A expresso pessoal sanitriodesigna as pessoas exclusivamente afetas por uma Parte no conflito aos fins sanitrios enumerados na alnea e), administrao de unidades sanitrias ou ainda ao funcionamento ou administrao de meios de transporte sanitrio. Estas atribuies podem ser permanentes ou temporrias. A expresso engloba: i) O pessoal sanitrio, militar ou civil, de uma Parte no conflito, incluindo o mencionado nas Convenes I e II, e o afeto aos organismos de proteo civil; ii) O pessoal sanitrio das sociedades nacionais da Cruz Vermelha (incluindo o Crescente Vermelho e o Leo e Sol Vermelhos), e outras sociedades nacionais de socorro voluntrias devidamente reconhecidas e autorizadas por uma Parte no conflito; iii) O pessoal sanitrio das unidades ou meios de transporte sanitrio mencionados pelo artigo 9, n. 2 28 Ver Art. 8 (d) do Protocolo I: A expresso pessoal religioso designa as pessoas, militares ou civis, tais como capeles, exclusivamente votados ao seu ministrio e adstritos: i) s foras armadas de uma Parte no conflito; ii) s unidades sanitrias ou meios de transporte sanitrio de uma Parte no conflito; iii) s unidades sanitrias ou meios de transporte sanitrio mencionados pelo artigo 9, n. 2; iv) aos organismos de proteo civil de uma Parte no conflito. A ligao do pessoal religioso a essas unidades pode ser permanente ou temporria e as disposies pertinentes previstas na alnea (11) aplicam-se a esse pessoal. 29 Ver Arts. 24 e 25 (referentes a membros das Foras Armadas da Conveno I, Arts. 36 e 37 da Conveno II). 30 Ver Art. 56 da Conveno IV, Arts. 15-20 do Protocolo I e Art. 9 do Protocolo II.

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    oponente, o pessoal de sade ou religioso no considerado prisioneiro de guerra e deve somente ser ali mantido para a assistncia aos prisioneiros de guerra.31 A Conveno IV dispe sobre proteo de civis que cuidam dos civis doentes e dos feridos32. O Protocolo I amplia ainda mais a categoria de pessoas (permanente ou temporrio, militar ou civil) protegidas em virtude de suas funes mdicas ou religiosas. Emblemas e smbolos

    As Convenes e os Protocolos Adicionais autorizam o uso de trs emblemas: a cruz vermelha, o crescente vermelho, e o leo e sol vermelhos em fundo branco.33 Hoje, porm, apenas os dois primeiros emblemas autorizados so utilizados. Estes emblemas tm a dupla funo de proteo e de indicao. O principal emprego do emblema a proteo dos que so amparados pelas Convenes e Protocolos Adicionais (p.ex., pessoal mdico, unidades mdicas e meios de transporte) durante o conflito, distinguindo-os dos combatentes. Para ser eficaz nessas circunstncias, o emblema deve ser grande e fazer-se claramente visvel. Ele s pode ser utilizado por motivaes mdicas e este uso deve ser autorizado e controlado pelo Estado. A funo do emblema voltada para a identificao geralmente usada em tempos de paz, uma vez que no significa proteo. Tal uso indica pessoas, equipamentos e atividades (em conformidade com os princpios da Cruz Vermelha) afiliados Cruz Vermelha.34 A utilizao para propsitos de indicao deve estar de acordo com a legislao nacional e, em regra, o emblema deve ser pequeno. Diferente das limitaes s Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e outras, anteriormente mencionadas, as organizaes da Cruz Vermelha Internacional podem usar o emblema a todo o tempo, para todas as suas atividades.

    O abuso e o mau uso do emblema que, em certas situaes, constituem crime de guerra35 devem ser evitados de maneira a impedir que se esvaea a proteo oferecida por ele. Assim, ele no pode ser copiado nem utilizado para fins particulares ou comerciais.36 Os Estados partes tm a obrigao de implantar uma legislao no mbito nacional que seja consistente com as Convenes e os Protocolos Adicionais, no que concerne no apenas autorizao para o uso do emblema, mas tambm punio pelo abuso ou mau uso.37

    31 Ver Arts. 28 e 30 da Conveno I, Art. 37 da Conveno II e Art. 33 da Conveno III. 32 Ver Art. 20 (1) da Conveno IV. 33 Ver Art. 38 da Conveno I, Art. 41 da Conveno II, Art. 8 (1) do Protocolo I e Art. 12 do Protocolo II. 34 Ver Art. 44 (2)-(4) da Conveno I. 35 Ver Art. 34 das Regulamentaes de Haia e Arts. 37 (1) (d) e 85 (3) (f) do Protocolo I. 36 Ver Art. 53 da Conveno I, Art. 45 da Conveno II, Arts. 38 e 85 (3) (f) do Protocolo I. 37 Ver Art. 54 da Conveno I e Art. 45 da Conveno II.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 34

    Proteo da misso mdica De acordo com o Art. 1638 do Protocolo I, ningum ser punido por ter exercido

    uma atividade de carter mdico conforme deontologia, quaisquer que tenham sido as circunstncias ou os beneficirios dessa atividade. Alm disso, ningum poder ser obrigado a praticar atos que sejam contrrios tica mdica (p.ex., assistncia mdica para tortura e outros tratamentos desumanos ou degradantes). 2.4 Normas de Proteo a Prisioneiros de Guerra N.B. As regras de proteo dessas categorias de vtimas esto contidas na Conveno III e na Parte III do Protocolo I. A proteo dos prisioneiros de guerra tem relao ntima com outros dois importantes elementos do DIH:

    O princpio da distino entre combatentes e civis; e A definio de combatente.

    Antes de analisar as detalhadas regras relacionadas ao status e ao tratamento dos prisioneiros de guerra (que so combatentes que caram nas mos do inimigo), deve-se focar nos dois conceitos acima mencionados. A distino entre civis e combatentes A regra essencial do DIH prev que, em um conflito armado, o alvo deve ser exclusivamente o potencial militar do inimigo. Este princpio indica que o DIH deve definir quem pode ser considerado parte deste potencial e, portanto, quem pode ser atacado e pode participar diretamente das hostilidades mas no pode ser punido por esta participao pela lei local ordinria. Pelo princpio da distino, todos os envolvidos no conflito armado devem distinguir, por um lado, os civis e, por outro lado, as pessoas definidas como combatentes. Combatentes devem, portanto, distinguir a si mesmos (isto

    38Ver Art 16, sobre a proteo geral da misso mdica:

    1 - Ningum ser punido por ter exercido uma atividade de carter mdico conforme a deontologia, quaisquer que tenham sido os beneficirios dessa atividade. 2 - As pessoas que exeram uma atividade de carter mdico no podem ser obrigadas a praticar atos ou a efetuar trabalhos contrrios deontologia ou s outras regras mdicas que protegem os feridos e os doentes, ou s disposies das Convenes ou do presente Protocolo, nem de se abster de praticar atos exigidos por essas regras e disposies. 3 - Nenhuma pessoa que exera uma atividade mdica poder ser obrigada a dar a algum, pertencente a uma Parte adversa ou sua prpria Parte, salvo nos casos previstos pela lei desta ltima, informaes afetas a feridos e doentes que trate ou que tenha tratado se achar que tais informaes podem ser prejudiciais a estes ou s suas famlias. As regras relativas notificao obrigatria das doenas contagiosas devem, no entanto, ser respeitadas.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 35

    , devem permitir que os inimigos os identifiquem) de todos os civis, ou seja, daqueles que no podem ser atacados e que no participam diretamente das hostilidades. Ao longo dos anos, a linha divisria entre as duas categorias possibilitou certa acomodao entre os interesses conflitantes das foras potentes e bem equipadas e os das foras mais fracas. As foras bem equipadas sugeriam uma definio restritiva e uma clara identificao dos combatentes. Por outro lado, as foras mais fracas queriam manter flexvel a opo de usar recursos humanos adicionais, de maneira a continuar as hostilidades mesmo quando seu territrio estivesse sob controle do inimigo. Isso praticamente impossvel se os combatentes precisam se identificar de maneira permanente. Entretanto, uma distino precisa ser feita se o DIH deve ser respeitado: as vidas dos civis podem e iro ser respeitadas somente se os combatentes inimigos presumirem que aqueles que se paream com civis no iro atac-los.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 36

    A tabela a seguir esclarece os principais elementos do DIH que diferencia os civis dos combatentes em tempos de conflito armado internacional: Figura 2-1

    CIVIS

    Todos os que no sejam combatentes

    COMBATENTES

    Membros das foras armadas (Ver A definio de combatente)

    ATIVIDADES

    No se envolvem diretamente com as hostilidades

    Participam diretamente das

    hostilidades

    DIREITOS/OBRIGAES

    No tm o direito de se envolver

    diretamente nas hostilidades (mas tm o direito de ser respeitados)

    Tm direito de participar

    diretamente das hostilidades (mas tm a obrigao de observar o Direito Internacional Humanitrio)

    PUNIBILIDADE

    Podem ser punidos por sua simples participao nas hostilidades

    No podem ser punidos por sua participao nas hostilidades desde que tenham respeitado as regras do DIH

    PROTEO So protegidos porque no participam das

    hostilidades

    So protegidos porque no participam da defesa

    So protegidos quando no mais participam das hostilidades

    - se estiverem sob o controle do inimigo - se feridos, doentes ou nufragos - se cados de pra-quedas fora de uma aeronave em perigo (ver Art. 42 do Protocolo I)

    So protegidos contra alguns meios e

    mtodos de guerra mesmo durante combate (ver infra, Lio 4: Regras sobre a conduo das hostilidades).

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 37

    Apesar de a distino entre civis e combatentes ser essencial, ela geralmente muito difcil de ser respeitada, sobretudo nos conflitos modernos. A definio de combatentes

    Os combatentes so membros das foras armadas. O principal aspecto de seu status jurdico nos conflitos armados internacionais o fato de que tm direito de participar diretamente nas hostilidades. Se caem nas mos dos inimigos, tornam-se prisioneiros de guerra e no podem ser punidos por terem participado diretamente das hostilidades. Os combatentes tm a obrigao de respeitar o Direito Internacional Humanitrio (DIH), o que inclui distinguir-se da populao civil. Em caso de violao do DIH, eles devem ser punidos, mas no perdero seu status de combatente. Logo, se capturados pelo inimigo, eles mantm seu status de prisioneiro de guerra, a menos que tenham violado sua obrigao de distinguir-se.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 38

    Figura 2-2 De acordo com as normas do DIH, um combatente uma das opes abaixo.

    1) Um membro das foras armadas stricto sensu de uma parte do conflito armado internacional39, a) desde que respeite a obrigao de distinguir-se da populao civil

    2) Um membro de outro grupo armado40

    a) pertencente a uma parte do conflito armado internacional; e b) cumprindo, enquanto grupo, as seguintes condies:

    - estar sob comando responsvel; - vestir sinais distintivos fixos; - carregar armas ostensivamente; e - respeitar o DIH. 3) Um membro de outro grupo armado 41 que est:

    a) sob comando responsvel de uma parte do conflito armado internacional; b) sujeito a um sistema disciplinar interno; c) sob a condio de que este membro respeite:

    - individualmente, - no momento de sua captura42, - a obrigao de distinguir-se da populao civil43;

    - como regra geral, enquanto estiver envolvido em um ataque ou operao militar preparatria para um ataque ou,

    - em situaes excepcionais (p.ex., territrios ocupados, guerras de libertao nacional), ao carregar suas armas;

    - de maneira ostensiva durante cada ao militar; e - quando ele estiver visvel ao inimigo enquanto

    envolvido com o preparo militar que precede o incio de um ataque no qual ele/ela deva participar

    Espies, sabotadores e mercenrios44 no so considerados combatentes. Se capturados, eles no tm o status ou o tratamento de prisioneiros de guerra.

    39 Ver o Art. 4 (A) (1) da Conveno III. 40 Ver o Art. 4 (A) (2) da Conveno III. 41 Ver o Art. 43 do Protocolo I. 42 Ver o Art. 44 (5) do Protocolo I. 43 Ver o Art. 44 (3) do Protocolo I. 44 Ver o Art. 47 do Protocolo I.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 39

    Direitos e obrigaes dos prisioneiros de guerra Aqueles com status de prisioneiro de guerra tm tratamento de prisioneiro de guerra. Prisioneiros de guerra podem ficar em prises sem qualquer procedimento particular ou razo especfica. Essa internao no tem por objetivo sua punio; ela simplesmente visa a impedir sua participao direta nas hostilidades e/ou proteg-los. Esses so os objetivos de todas as restries que podem ser impostas aos prisioneiros de guerra sob as regras detalhadas da Conveno III. A proteo contida em tais normas constitui uma acomodao entre os interesses da potncia detentora, o interesse da potncia da qual o prisioneiro depende (o Estado de origem do prisioneiro) e os interesses do prprio prisioneiro. Sob a influncia dos padres de Direitos Humanos, a importncia do ltimo fator recebe cada vez mais importncia, mas o Direito Internacional Humanitrio continua a perceber o prisioneiro de guerra como um soldado de seu pas. Devido aos interesses dos Estados envolvidos, o prisioneiro no pode renunciar a seus direitos e a seu status.

    A Conveno III contm cerca de 90 normas detalhadas que regem o cotidiano dos prisioneiros de guerra. Elas vo do interrogatrio inicial (Art. 17) s restries de movimento (Art. 21), passando por questes relativas aos alojamentos (Art. 25), alimentao (Art. 26), vestimentas (Art. 27), esportes (Art. 38), liberdade de religio, higiene, trabalho etc. Todas essas regras esto claramente formuladas; o princpio geral da Conveno III o de que os prisioneiros de guerra devem ter uma vida o mais normal possvel durante o conflito internacional.45 J que os prisioneiros de guerra so detidos apenas para impedir seu retorno s hostilidades, eles devem ser liberados e repatriados quando sua participao no for mais possvel, seja por razes de sade ainda durante o conflito, seja quando as hostilidades ativas j tiverem terminado.46

    45 N.B. O papel do CICV em nome dos prisioneiros de Guerra ser discutido na Lio 8. 46 Ver o Art. 118 da Conveno III. Os prisioneiros de guerra sero libertados e repatriados sem demora depois do fim das hostilidades ativas. Na ausncia de disposies para este efeito num acordo entre as Partes no conflito para pr fim s hostilidades, ou na falta de tal acordo, cada uma das Potncias detentoras estabelecer e executar sem demora um plano de repatriamento conforme o princpio enunciado no pargrafo anterior. Num e noutro caso, as medidas adotadas sero levadas ao conhecimento dos prisioneiros de guerra. As despesas de repatriamento dos prisioneiros de guerra sero em todos os casos repartidas de maneira eqitativa entre a Potncia detentora e a Potncia de que dependem os prisioneiros de guerra.

    Para este efeito, sero observados os seguintes princpios nesta repartio: a) Quando estas duas Potncias forem limtrofes, a Potncia de que dependem os prisioneiros de guerra custear os encargos do seu repatriamento a partir da fronteira da Potncia detentora;

    b) Quando estas duas Potncias no forem limtrofes, a Potncia detentora custear os encargos do transporte dos prisioneiros de guerra no seu territrio at sua fronteira ou seu ponto de embarque mais prximo da Potncia de que eles dependem. Quanto s outras despesas resultantes do repatriamento, as Partes interessadas acordaro para as repartir eqitativamente entre si.

  • Lio 2/ Proteo de Vtimas no Conflito Armado Internacional 40

    de comum acordo que prisioneiros de guerra com medo de perseguio no devem ser forosamente repatriados isso de acordo com o esprito do Direito dos Direitos Humanos e do Direito dos Refugiados. Uma vez que essa disposio oferece para a potncia detentora a oportunidade de abusar do prisioneiro de guerra ao for-lo a sair ou a ficar o que aumenta o risco de desconfiana mtua , importante determinar se o prisioneiro realmente deseja sair. No entanto, difcil comprovar o livre arbtrio e o destino do prisioneiro se a potncia detentora no lhe deseja garantir o asilo.

    2.5 Proteo de indivduos e populaes civis N.B. As regras que protegem essas categorias de vtimas esto contidas na Conveno IV e na Parte IV do Protocolo I. O Art. 50 do Protocolo I prov uma clara definio de civil: Definio de pessoas civis e de populao civil

    1) considerada como civil toda pessoa no pertencente a uma das categorias mencionadas pelo artigo 4.-A, alneas 1), 2), 3) e 6), da Conveno III e pelo Artigo 43 do presente Protocolo. Em caso de dvida, a pessoa citada ser considerada como civil.

    2) A populao civil compreende todas as pessoas civis.

    3) A presena no seio da populao civil de pessoas isoladas que no

    correspondam definio de pessoa civil no priva essa populao da sua qualidade

    Em outras palavras, qualquer no-combatente um civil.

    Cada vez mais os civis tm se tornado a grande maioria das vtimas dos conflitos armados, apesar do DIH, que estipula que os ataques devem ser direcionados aos combatentes e aos objetivos militares, e que civis devem ser respeitados. Durante a guerra, os civis devem ser respeitados por aqueles que tm autoridade, que podem det-los, praticar maus-tratos, incomod-los, confiscar sua propriedade ou priv-los de alimentao e assistncia mdica. Sob o DIH, algumas dessas protees so garantidas a todos os civis. No entanto, a maioria delas especfica para civis protegidos47, ou seja, aqueles nas mos do inimigo seja porque se encontram no territrio inimigo48 ou porque seu territrio est ocupado pelo inimigo49. Aqueles que no