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DIREITO PROCESSUAL PENAL POLÍCIA FEDERAL Preparatória – Delegado Módulo II Brasília 2008 A1-AP201 12/8/2008

DIREITO PROCESSUAL PENAL · 2008-08-26 · DIREITO PROCESSUAL PENAL POLÍCIA FEDERAL ... Polícia Federal – Preparatória – Delegado – Módulo II Autor: Thiago André Pierobon

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Text of DIREITO PROCESSUAL PENAL · 2008-08-26 · DIREITO PROCESSUAL PENAL POLÍCIA FEDERAL ... Polícia...

  • DIREITOPROCESSUAL PENAL

    POLCIA FEDERALPreparatria Delegado

    Mdulo II

    Braslia

    2008

    A1-AP20112/8/2008

  • 2008 Vestcon Editora Ltda.

    Todos os direitos autorais desta obra so reservados e protegidos pela Lei n 9.610, de 19/2/1998. Proibida a reproduo de qualquer parte deste material, sem au-torizao prvia expressa por escrito do autor e da editora, por quaisquer meios empregados, sejam eletrnicos, mecnicos, videogrfi cos, fonogrfi cos, reprogr-fi cos, microflmicos, fotogrfi cos, grfi cos ou outros. Essas proibies aplicam-se tambm editorao da obra, bem como s suas caractersticas grfi cas.

    Direito Processual Penal

    Ttulo da obra: Polcia Federal Preparatria Delegado Mdulo II

    Autor:Thiago Andr Pierobon de vila

    DIRETORIA EXECUTIVANorma Suely A. P. Pimentel

    DIREO DE PRODUOCludia Alcntara Prego de Arajo

    SUPERVISO DE PRODUOJulio Cesar Joveli

    EDIO DE TEXTOCntia Caroline da S. e SilvaGiselle Silva dos SantosReina Terra Amaral

    CAPAMarcos Aurlio Pereira

    EDITORAO ELETRNICAAntonio Gerardo Pereira

    REVISOClaudia CostaFernanda GomesMarina DinizRaquel da Cruz

    SEPN 509 Ed. Contag 3 andar CEP 70750-502 Braslia/DFSAC: 0800 600 4399 Tel.: (61) 3034 9576 Fax: (61) 3347 4399

    www.vestcon.com.br

    Publicao em 12/8/2008(A1-AP201)

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    VALOR PROBATRIO DO INQURITO POLICIAL

    O inqurito policial pea de informao para o rgo de acusao. O inqurito no contm prova, mas meros elementos de informao preliminar. A validade destas informaes dirigida a uma fase especfi ca: respaldar o recebimento da acusao. Aps o recebimento da acusao, devero ser produzidas em juzo as provas, na presena do juiz e das partes, para que possam ser consideradas efetivamente como provas quando da prolao da sentena.

    Estabelece o art. 155, caput, com a redao dada pela Lei n 11.690/2008:

    Art. 155. O juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no podendo fundamentar sua deci-so exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigao, ressalvadas as provas cautelares, no repetveis e antecipadas.

    Conforme a jurisprudncia do STF

    ofende a garantia constitucional do contraditrio fundar-se a condenao exclusivamente em testemunhos prestados no inqurito policial, sob o pretexto de no se haver provado, em juzo, que tivessem sido obtidos mediante coao1.

    Portanto, vedado ao juiz condenar exclusivamente com base nas informaes produzidas na fase das investigaes2. Todavia, caso haja informaes do inqurito que sejam respaldadas por provas produzidas em juzo, o STF tem aceito a utilizao destas informaes preliminares com o conjunto probatrio. Conferir:

    EMENTA: 1. Habeas corpus fundamentado em reexame de provas. Im-possibilidade de anlise profunda do contexto ftico-probatrio.2. Condenao baseada exclusivamente nas declaraes colhidas em sede de inqurito policial. Inocorrncia. Confi rmao em juzo dos depoimentos prestados.3. Validade de indcios como meio de prova (CPP, art. 239). Anlise con-junta de todas as provas produzidas.

    1 STF, RE 287658, 1 T, 16.9.03, Pertence, DJ 10/3/2003.2 STF, HC 83864/DF, rel. Min SEPLVEDA PERTENCE, j. 20/4/2004, Primeira Turma, DJ 21/5/2004, p. 43,

    Ementrio v. 2152-02, p. 303.

    DIREITO PROCESSUAL PENALThiago Andr Pierobon de vila

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    No-conhecimento da ordem impetrada. Condenao mantida.(STF, HC 83348/SP, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 21/10/2003, Pri-meira Turma, DJ 28/11/2003, p. 15, Ementrio v. 2134-02, p. 292)

    Aparentemente, este entendimento do STF respaldado pela nova redao do art. 155, caput, pois este afi rma que o juiz no pode condenar exclusivamente com base nas informaes contidas no inqurito, ou seja, a contrario sensu permite a interpretao de que no sendo exclusivamente (havendo outras provas judiciais que respaldem as informaes preliminares), as informaes do inqurito podero ser utilizadas subsidiariamente para formao da convico.

    Como visto, o referido art. 155, caput, prev a possibilidade de utilizao das seguintes informaes do inqurito policial como meio de prova em juzo: provas cautelares, no repetveis e antecipadas. A doutrina considera como provas cautela-res, as provas tcnicas, como, por exemplo, o laudo de exame cadavrico, laudo de leses corporais, laudo de exame de local de crime, laudo de exame de confronto balstico e outros. Em verdade, a maioria das percias feitas na fase inquisitorial adentra a ao penal na qualidade de provas cautelares e podem ser utilizados pelo magistrado para fundamentar sua condenao. Como exemplo de prova no repetvel pode ser citado o depoimento de uma pessoa que vem a falecer aps o ajuizamento da ao penal. Nesta situao, caso outra pessoa confi rme o teor do depoimento, poder o termo de oitiva realizado na fase do inqurito policial ser utilizado como prova documental. As provas antecipadas no so propriamente a utilizao de informaes do inqurito, pois, nesta situao, haver um incidente judicial de produo antecipada de prova, com participao da acusao e defesa, conforme permite o art. 225.

    Portanto, em relao prova testemunhal que reside o ponto de controvrsia, no podendo as informaes testemunhais contidas no inqurito ser utilizadas como prova para condenao, porque colhidas de forma inquisitria e sem contraditrio. Necessariamente as testemunhas devem ser novamente ouvidas em juzo para que haja verdadeiramente prova em sentido estrito.

    INSTAURAO DO INQURITO POLICIAL E DESENVOLVIMENTO

    De acordo com o professor Fernando Capez, as peas inaugurais do inqurito policial so:

    portaria: quando instaurado ex offi cio (ao penal pblica incondiciona-da);

    requisio do Ministrio Pblico ou da autoridade judiciria (ao penal pblica condicionada quando acompanhada de representao e incon-dicionada);

    representao do ofendido ou de seu representante legal, ou requisio do Ministro da Justia (ao penal pblica condicionada);

    requerimento do ofendido ou de seu representante (ao penal privada); auto de priso em fl agrante (qualquer espcie de infrao penal).

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    A notcia do fato criminoso dever ser encaminhada verbalmente ou por escrito, por qualquer do povo, autoridade policial, que, verifi cando a sua procedncia, determinar a abertura do inqurito policial. Nos casos em que se exige represen-tao, o inqurito no poder ser iniciado sem ela. E nos crimes de ao privada, a autoridade policial s poder instaur-lo mediante requerimento de quem tem legitimidade para intent-la.

    A autoridade policial no tem disponibilidade sobre a instaurao ou no do inqurito policial. Trata-se de um dever funcional que lhe impe uma conduta positiva sempre que tiver conhecimento da prtica da infrao penal.

    De qualquer modo, so de natureza discricionria as atribuies da autoridade policial, que pode escolher livremente, dentro dos limites legais, a forma de conduo dos procedimentos de investigao. No h, portanto, procedimento estabelecido previamente para sua conduo.

    Todavia, o cdigo estabelece, no art. 6, um roteiro a ser seguido pela auto-ridade policial. Assim, logo que tiver conhecimento da prtica da infrao penal, a autoridade policial dever:

    I dirigir-se ao local, providenciando para que no se alterem o estado e conservao das coisas, at a chegada dos peritos criminais;

    Em caso de acidente de trnsito, a autoridade policial ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poder autorizar, independentemente de exa-me do local, a imediata remoo das pessoas que tenham sofrido leso, bem como dos veculos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pblica e prejudicarem o trfego (Lei n 5.970/1973, art. 1). Para tal autorizao, bastar a lavratura de boletim de ocorrncia.

    II apreender os objetos que tiverem relao com o fato, aps liberados pelos peritos criminais;

    Para tal apreenso, no necessria autorizao judicial. Tratando-se, todavia, de busca e apreenso domiciliar, a diligncia dever ser precedida de autorizao judicial, nos termos do art. 5, XI, da CF/1988.

    Caso o agente seja condenado, efeito da condenao a perda em favor da Unio, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-f, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienao, uso, porte ou deteno constitua fato ilcito, nos termos do art. 91, alnea a, do CP.

    III colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstn cias;IV ouvir o ofendido;

    Admite-se, inclusive, a conduo coercitiva da vtima para ser ouvida, nos termos do art. 201, pargrafo nico, do CPP.

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    V ouvir o indiciado, com observncia, no que for aplicvel, do disposto no Captulo III do Ttulo VII deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;

    Indiciamento a imputao a algum, no inqurito policial, da prtica de ilcito penal. Havendo uma convergncia de indcios da autoria do crime para determinada pessoa, esta dever ser indiciada pela autoridade policial, que concentrar suas investigaes em relao quele suspeito.

    Deve haver o controle judicial sobre a legalidade do indiciamento, sob pena de constituir constrangimento ilegal. Nesse sentido:

    O indiciamento de algum, por suposta prtica delituosa, somente se justifi car, se e quando houver indcios mnimos, que, apoiados em base emprica idnea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso.Se inquestionvel que o ato de indiciamento no pressupe a necessria existncia de um juzo de certeza quanto autoria do fato delituoso, no menos exato que esse ato formal, de competncia exclusiva da autoridade policial, h de resultar, para legitimar-se, de um mnimo probatrio que torne possvel reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilcito penal.O indiciamento no pode, nem deve, constituir um ato de arbtrio do Estado, especialmente se se considerarem as graves implicaes morais e jurdicas que derivam da formal adoo, no mbito da investigao penal, dessa medida de Polcia Judiciria, qualquer que seja a condio social ou funcional do suspeito. Doutrina. Jurisprudncia. (STF, Inq. n 2.041/MG, rel. Min. Celso de Mello, DJU 6/10/2003)

    Para seu interrogatrio, poder ocorrer a conduo coercitiva do indiciado, por aplicao analgica do disposto no art. 260 do CPP. Todavia, o investigado possui o direito constitucional de permanecer em silncio, sem que tal circunstncia seja considerada em seu desfavor. Antigamente, o art. 186 dispunha que o silncio do interrogado poderia ser considerado em seu desfavor; esse dispositivo, que j se considerava no recepcionado pela Constituio de 1988, teve expressamente sua redao alterada pela Lei n 10.792/2003 para estabelecer que tal silncio no poder ser interpretado em prejuzo da prpria defesa, assegurando o respeito ao privilgio contra auto-incriminao.

    A Lei n 11.719/2008, ao dar nova redao ao art. 405, 1, estabelece que o interrogatrio do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas, ser feito preferen-cialmente em meio audiovisual ou outras tcnicas de gravao. Esta norma aplica-se fase das investigaes. A disposio visa assegurar a lisura do procedimento (evitando-se argies de tortura ou presso indevida), bem como visa preservar a

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    fi dedignidade da informao preliminar. Entendemos que caso todos os depoimentos sejam gravados, esta conduta ser ela mesma uma preveno eventual prtica de abusos, sendo de todo recomendvel sua implementao.

    Quanto necessidade de curador ao indiciado menor, vide comentrios abai-xo. O art. 21 determina que a autoridade policial poder determinar a incomu-nicabilidade do indiciado quando o interesse da sociedade ou a convenincia da investigao o exigir, mediante despacho fundamentado. Segundo vrios doutri-nadores, tal dispositivo no foi recepcionado pela atual Constituio, porque esta vedou a incomunicabilidade at mesmo na hiptese de estado de defesa, situao em que vrios direitos individuais j sofrem restrio (CF/1988, art. 136, 3, IV). Portanto, se na situao de restries no admissvel a incomunicabilidade, numa situao de normalidade com muito mais razes seria inadmissvel. Nesse sentido: Tourinho, Mirabete e Capez. Em sentido contrrio, admitindo como vlido o dispositivo pelo princpio da proporcionalidade: Damsio e Vicente Gre-co. Em qualquer hiptese, ainda que se admita vlida a incomunicabilidade, ela no se estender ao advogado do indiciado, nos termos do estatuto da OAB (Lei n 8.906/1994, art. 7, III).

    VI proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareaes;VII determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo delito e a quaisquer outras percias;

    Sobre a realizao de percias, vide arts. 158 a 184 do CPP.

    VIII ordenar a identifi cao do indiciado pelo processo datiloscpico, se possvel, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

    A Constituio Federal, em seu art. 5, LVIII, dispe que o civilmente identifi -cado no ser submetido identifi cao criminal, salvo nas hipteses previstas em lei. Por identifi cao civil entende-se os documentos de identidade admitidos na legislao vigente (RG, carteira funcional e, atualmente, at a CNH). Identifi cao criminal a identifi cao datiloscpica, ou seja, a colheita das impresses digitais para comparao perante o Instituto de Identifi cao. Segundo o STJ, a identifi cao criminal abrange tanto a identifi cao datilos cpica quanto a identifi cao fotogr-fi ca, no havendo ofensa ao direito imagem da pessoa investigada.

    O dispositivo constitucional possibilitou que lei ordinria estabelecesse exce-es regra constitucional, ou seja, hipteses em que, mesmo havendo a identifi ca-o civil, se poder proceder identifi cao criminal. Tais excees esto previstas na Lei n 10.054/2000, em seu art. 3, e ocorrero quando:

    1) houver prtica de delito de homicdio doloso, crimes contra o patrimnio praticados mediante violncia ou grave ameaa (roubo, extorso, extorso mediante seqestro, esbulho possessrio), crime de receptao qualifi cada (no exerccio de atividade comercial), crimes contra a liberdade sexual

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    (estupro, atentado violento ao pudor e outros) ou crime de falsifi cao de documento pblico;

    2) houver fundada suspeita de falsifi cao ou adulterao do documento de identidade;

    3) o estado de conservao ou a distncia temporal da expedio de documento apresentado impossibilite a completa identifi cao dos caracteres essen-ciais;

    4) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou deferentes qualifi -caes;

    5) houver registro de extravio do documento de identidade;6) o indiciado ou acusado no comprovar, em 48 horas, sua identifi cao

    civil.

    Tambm a Lei do Crime Organizado estabeleceu que, sempre que uma pessoa esteja envolvida com a ao praticada por organizaes criminosas, ser realizada a identifi cao criminal independentemente da identifi cao civil (Lei n 9.034/1995, art. 5). Todavia, h deciso do STJ entendendo que esse dispositivo da Lei n 9.034/1995 foi tacitamente revogado pela Lei n 10.054/2000, que disciplinou o tema e no tratou desse caso3.

    IX averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista indivi-dual, familiar e social, sua condio econmica, sua atitude e estado de nimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contriburem para a apreciao do seu temperamento e carter.

    As diligncias elencadas no art. 6 so meramente exemplifi cativas. Por exemplo, em certos casos, a autoridade poder determinar a reconstituio do fato delituoso com escopo de elucidar pontos que no estejam devidamente esclarecidos e apurados, vista dos elementos indicirios colhidos.

    NOVA MAIORIDADE CIVIL E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO PENAL

    Dispunha o art. 15 do CPP que, em se tratando de indiciado menor, a autoridade policial (e no a autoridade judicial) deveria nomear-lhe curador. Entendia-se que indiciado menor era aquele que estava entre os 18 e 21 anos de idade, no momento da realizao do ato procedimental.

    Cumpre analisar como fi ca a regncia de tal matria ante o advento do Novo Cdigo Civil, que reduziu a capacidade civil para os 18 anos.

    Dispunha o revogado Cdigo Civil de 1916 que as pessoas naturais menores de 16 anos eram consideradas absolutamente incapazes, e os maiores de 16 anos e menores de 21 eram relativamente incapazes.

    3 STJ, RHC n 12.965-DF, rel. Min. Felix Fischer, julg. 7/10/2003, Inf./STJ n 187.

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    Como, no mbito penal, a pessoa adquire a capacidade aos 18 anos, havia uma situao de transio durante a idade de 18 aos 21 anos incompletos, pois a pessoa j possua capacidade penal, mas ainda era considerada incapaz perante o Direito Civil.

    Assim, existiam vrias disposies penais e processuais penais para tais situ-aes, tais como: necessidade de curador ao indiciado ou ru entre 18 e 21 anos incompletos; legitimao concorrente do representante legal da vtima durante essa idade, para a prtica de diversos atos (oferecimento de queixa, renncia ao direito de queixa, requerimento de diligncias no inqurito, oposio ao perdo da vtima).

    O Novo Cdigo Civil (Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor em 10 de janeiro de 2003) estabeleceu que se consideram relativamente inca-pazes as pessoas maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Assim, o Novo Cdigo reduziu a idade de aquisio da capacidade plena para os 18 anos, fazendo-a coincidir com a maioridade no mbito penal. Destarte, cumpre perquirir se a alterao na maio ridade civil tambm trar refl exos no mbito penal e processual penal.

    A doutrina majoritria posicionou-se no sentido de que o Novo Cdigo Civil efetivamente alterou as disposies do Cdigo de Processo Penal que consideravam a pessoa entre 18 e 21 anos como carente de pleno discernimento, necessitando de curador (ru) ou representante legal (com legitimao concorrente com a vtima). Isso porque as disposies do CPP eram determinadas no sentido de compatibi-lizar o sistema processual com o regramento da vida civil da pessoa, dando uma maior proteo quele que, segundo a lei civil, ainda no havia atingido a plena maturidade.

    Todavia, com a alterao da maioridade civil para os 18 anos, as disposies que consideravam necessria curadoria ou representao pessoa menor de 21 anos tornaram-se desnecessrias, estando, segundo o entendimento doutrinrio majoritrio, tacitamente derrogadas pelo Novo Cdigo Civil. Isso porque o maior de 18 anos, hoje, pode praticar os atos da vida civil e proces suais livremente, sem necessidade de assistncia ou representao.

    No sentido do texto, entendendo que houve imediata derrogao tcita dos diversos artigos do CPP que estabeleciam necessidade de curador ao ru ou indi-ciado menor, ou que concediam legitimao concorrente ao representante legal da vtima maior de 18 anos e menor de 21 anos: Damsio de Jesus, Gianpaollo Poggio Smanio, Fernando Capez, Ricardo Cunha Cimenti, Victor Eduardo Rios Gonalves, Vitor Frederico Kmpel, Andr Estefam Arajo Lima4, Arnaldo Siqueira de Lima5, Luiz Flvio Gomes6 e Fernando Fulgncio Felicssimo7.

    4 Todos professores do Complexo Jurdico Damsio de Jesus. Vide: JESUS. Damsio de. Mesa de Cincias Crimi-nais A nova maioridade civil: refl exos penais e processuais penais. So Paulo: Complexo Jurdico Damsio de Jesus, fev. 2003. Disponvel em .

    5 Aut. cit., Alguns refl exos do novo cdigo civil no mbito penal, apud Revista Jurdica Consulex, Ano VII, n 146, 15/2/2003, p. 53-54.

    6 Aut. cit., Maioridade Civil e as medidas do ECA. Disponvel em .

    7 Aut. cti. A reduo da maioridade civil e seus refl exos no sistema jurdico-penal; apud RT Fasc. Pen., ano 91, v. 804, out.2002, p. 461-467.

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    Registre-se que existe entendimento doutrinrio em sentido contrrio, entendendo que, apesar de assistemtico, o Cdigo de Processo Penal, com a nova regulamen-tao civil, seria necessria legislao especfi ca para a revogao dos dispositivos processuais, haja vista a dicotomia entre as esferas cvel e penal, e a existncia de regras especfi cas na legislao criminal. Nesse sentido: Marcus Vinicius de Viveiros Dias8. Todavia, como dito, o primeiro entendimento tem prevalecido na doutrina, aguardando-se um pronunciamento defi nitivo por parte da jurisprudncia.

    Assim, todas as disposies do Cdigo de Processo Penal que concediam legitimidade de atuao ao representante legal da vtima devem ser relidos se-gundo o entendimento de que este possui legitimidade apenas quando a vtima menor de 18 anos ou possui alguma defi cincia mental que comprometa seu pleno desenvolvimento intelectual. Assim, necessitam de nova interpretao sistemtica os arts. 14 e 38.

    As disposies que expressamente reconheciam legitimidade ao representante da vtima quando esta fosse maior de 18 anos foram tacitamente ab-rogados pelo Novo Cdigo Civil. Assim, esto revogados o art. 34, o pargrafo nico do art. 50 e arts. 52 e 54.

    As disposies que exigiam curador ao indiciado ou ru menor de 21 anos tambm foram ab-rogadas. Assim, os arts. 15, 194 e 262 foram revogados, e o art. 449 foi derrogado na parte em que exigia nomeao de curador ao menor de 21 anos. Tambm o art. 564, III, c, foi derrogado, pois no h mais nulidade pela ausncia de curador durante o processo.

    Nesse sentido, j decidiu o TJDFT:

    Como o menor de 21 anos e maior de 18 no mais relativamente incapaz, consoante os termos do novo Cdigo Civil, podendo exercer todos os atos da vida civil, desapareceu a necessidade de curador, de modo que deve ser considerado o sistema harmnico do ordenamento jurdico empregando uma interpretao ab-rogante do dispositivo do Cdigo de Processo Pe-nal que se refere nomeao de curador ao menor de 21 anos de idade e maior de 18 (art. 15) na fase inquisitorial. (HBC n 2003.002007263-7, 1 Turma Criminal, rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto, julg. 2/10/2003, DJU III 26/11/2003, p. 64)

    Entendemos, todavia, que apenas na hiptese de ru incapaz por doena mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ser necessria a nomeao de curador, nos termos do art. 149, 2, do CPP, haja vista que, nessa hiptese, a incapacidade no decorrente de idade inferior aos 21 anos.

    Contudo, existe entendimento de que o art. 279, III, que veda a atuao como perito criminal de analfabetos, no estaria revogado pelo Novo Cdigo Civil, haja vista no tratarem de limitaes relativas incapacidade civil, mas apenas de um requisito para maior maturidade e experincia queles que vo prestar um servio

    8 Aut. cit. Nova maioridade refl ete tambm no mbito penal, apud Revista Consultor Jurdico, n 27, So Paulo, 9/1/2003. Disponvel em .

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    justia criminal (nesse sentido: Damsio de Jesus, op. cit.). Registre-se que a Lei n 11.689/2008, ao dar nova redao ao art. 436 do CPP, reduziu a idade necessria para ser jurado de 21 para 18 anos.

    Como ainda no houve uma manifestao defi nitiva pelos Tribunais Superio-res quanto matria, mantivemos os comentrios no texto original da obra, logo abaixo. Todavia, recomendamos, desde j, a adoo do novo posicionamento ora apresentado, segundo a communis opinio doctorum majoritria.

    Finalmente, em relao aos refl exos da nova maioridade civil no direito penal (material), o entendimento majoritrio no sentido de que no houve qualquer in-fl uncia em relao s disposies que, de alguma forma, privilegiavam o menor de 21 anos, por tratar-se de uma questo de poltica criminal punir de forma menos severa o jovem que recm adquiriu a capacidade penal. Assim, permanecem vlidas a atenuante da menoridade prevista no art. 65, I, e a reduo do prazo prescricional pela metade, prevista no art. 115, ambos do CP9.

    Disciplina Antiga da Matria

    Como o tema ainda no foi plenamente sedimentado pelos tribunais superiores, segue abaixo a explanao relativa disciplina antiga da matria, quanto neces-sidade de curador ao indiciado menor de 21 anos.

    A funo desse curador era auxiliar o indiciado em todos os atos de que este participa, dando-lhe um apoio moral nesse momento difcil de sua vida. Todavia, entendia-se que o curador no possua direito de reperguntar o interrogado ou as testemunhas.

    No era necessrio que o curador fosse parente do indiciado, ou mesmo que se tratasse de advogado. Todavia, segundo entendimento jurisprudencial, no podia ser curador o analfabeto, ou outro menor de 21 anos. Tambm se entendia que no poderia ser curador um funcionrio sem imparcialidade para exercer a funo (ex.: o agente de polcia que efetuou a priso do indiciado). Contudo, esse ltimo entendimento controvertido.

    A ausncia de nomeao de curador ao indiciado menor no gerava a nulidade do inqurito policial, mesmo porque, como visto, o IP apenas pea de informa-o, e no processo. Todavia, a ausncia do curador no auto de priso em fl agrante anulava o auto como pea coercitiva, determinando o relaxamento da priso. A au-sncia do curador durante o interrogatrio judicial era causa de nulidade relativa, ou seja, deveria ser oportunamente argida, com prova do prejuzo, sob pena de convalidao10.

    Essas disposies caram no vazio, porquanto, como visto acima, no mais neces sria a nomeao de curador ao indiciado menor, pela revogao tcita dos dispositivos que disciplinavam a matria nesse sentido pelo Novo Cdigo Civil (Lei n 10.406/2002).

    9 Nesse sentido: Damsio de Jesus e Arnaldo Siqueira de Lima, j citados. Em sentido contrrio, entendendo j haver revogao dessas disposies: Fernando Fulgncio Felicssimo, op. cit..

    10 Nesse sentido: STF, HC n 74.176-SP, DJ 25/10/1996; do STJ: HC n 17.884-SP, DJ 26/8/2002. Resp n 493.835-RS rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/9/2003.

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    Ao Penal Pblica Incondicionada

    Dispe a Constituio Federal, em seu art. 129, I, que compete privativamente ao Ministrio Pblico promover a ao penal pblica, na forma da lei. Assim, entendia-se que no fora recepcionado pela Constituio o procedimento judicialiforme das contravenes penais, previsto nos arts. 26 e 531 do CP para o antigo procedimento sumrio. Este procedimento foi formalmente revogado com a reforma processual da Lei n 11.719/2008, apesar desta lei no ter revogado formalmente o art. 26.

    Esse procedimento judicialiforme (sumrio) previa que a ao penal, nas contra-venes penais, poderia ser iniciada pelo auto de priso em fl agrante da autoridade policial, ou de ofcio pelo juiz ou delegado, mediante portaria, o que no mais pode ser admitido no sistema acusatrio vigente pelo disposto no art. 129, I, da CF/1988. Apenas o Ministrio Pblico pode dar incio a ao penal pblica, e o ru possui o direito subjetivo pblico de receber uma acusao formal, com fatos delimitados, para que possa exercer sua ampla defesa sobre tais fatos.

    Conforme o dispositivo constitucional, a lei poderia limitar o exerccio dessa atribuio do Ministrio Pblico. As excees so a ao penal privada subsidiria da pblica (CF/1988, art. 5, LIX; CPP, art. 29) e o recurso supletivo do ofendido (CPP, arts. 598 e 584, 1).

    A ao penal pblica incondicionada no impe qualquer condio para que o rgo do Ministrio Pblico tome iniciativa para a apurao do fato. Chegando ao seu conhecimento a ocorrncia de algum crime, o Promotor Pblico, indepen-dentemente de qualquer carta branca, j denuncia o criminoso. Ex.: homicdio, furto, roubo etc. Independen temente, pois, da vontade do ofendido, que, mesmo que no queira ver seu agressor envolvido em processo, nada poder fazer, pois o Estado no ouvir as suas lamentaes.

    A ao pblica condicionada, como o prprio nome indica, exige condies para que o Estado venha propor a competente ao criminal, que a representao do prprio ofendido ou requisio do Ministrio da Justia.

    A diferena bsica entre esse tipo e a ao penal privada que esta ser proposta pelo prprio ofendido e aquela, pblica condicionada, ser proposta pelo Estado, mas com a prvia autorizao do ofendido.

    LIBERDADE PROVISRIA

    um instituto de processo penal segundo o qual o ru no recolhido priso, ou posto em liberdade, fi cando vinculado ou no a certas obrigaes que o pren-dem ao processo e ao juzo, com o fi m de assegurar sua presena ao processo sem o sacrifcio de sua priso provisria. Ningum pode ser preso quando a lei admite a liberdade provisria (CF, art. 5, LXVI).

    A liberdade provisria distingue-se do relaxamento da priso em fl agrante, pois, nesse ltimo caso, a liberdade determinada em decorrncia de um vcio, nulidade, que torna inadmissvel a manuteno da priso.

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    Espcies

    Existem as seguintes espcies de liberdade provisria:1) Obrigatria. Nas infraes em que o agente se livra solto, ou seja, as infraes punidas

    apenas com multa ou com pena privativa de liberdade no superior a trs meses, a prpria autoridade policial deve soltar de imediato o autor do fato, independentemente de fi ana. Nessas hipteses, no existe nenhuma obri-gao especial do benefi ciado (vnculo). Tratando-se, todavia, de ru vadio ou reincidente em crime doloso, no se concede liberdade provisria (CPP, art. 321, caput).

    Em relao aos crimes de menor potencial ofensivo, caso o agente assuma o compromisso de comparecer perante o Juizado Especial Criminal (Lei n 9.099/1995, art. 69, pargrafo nico), dever ser liberado independen-temente de fi ana. No se trata propriamente de concesso de liberdade provisria, mas de no-aplicao do instituto da priso em flagrante. Aps a Lei n 10.259/2001, aplicvel analogicamente na Justia Estadual, consideram-se infraes de menor potencial ofensivo os crimes com pena mxima no superior a dois anos. A nova lei no exclui os crimes sujeitos a procedimento especial.

    2) Permitida. Ocorre nas hipteses em que no cabe a priso preventiva. O juiz concede a

    liberdade provisria, submetendo o autor do fato a determinadas condies (vnculo ao processo). Subdivide-se em liberdade provisria com fi ana e sem fi ana.

    3) Vedada. Ocorre quando cabvel a priso preventiva ou quando a lei expressamente

    probe a concesso de liberdade provisria. Antigamente, constava do inciso II do art. 2 da Lei n 8.072/1990 a proibio

    de concesso de liberdade provisria pelos crimes hediondos e equiparados. De qualquer maneira, o STF j entendia que a denegao da liberdade provi-sria, mesmo aos crimes hediondos, deveria ocorrer com base na necessidade de manuteno da custdia cautelar, ou seja, deveriam estar presentes os requisitos da priso preventiva para manuteno da priso.

    So crimes he diondos, cometidos de forma consumada ou tentada: homic-dio praticado em atividade de grupo de extermnio, homicdio qualifi cado, latrocnio, extorso seguida de morte ou mediante seqestro, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, falsifi cao, corrupo, adulterao ou alterao de produto destinado a fi ns teraputicos ou medicinais, e genocdio. Equiparam-se aos crimes hediondos: trfi co de drogas (Lei n 6.368/1976, arts. 12 e 13), terrorismo (sem tipifi cao legal) e tortura (com disciplina especfi ca na Lei n 9.455/1997, que admite a liberdade provisria). A permisso de liberdade provisria ao crime de tortura no se estende aos crimes hediondos (Smula n 698 do STF).

    Todavia, a Lei n 11.464/2007 revogou a proibio de concesso de li-berdade provisria constante do inciso II do art. 2 da Lei n 8.072/1990,

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    superando a discusso. Assim, o STF possui precedente no sentido de que, com o advento da Lei n 11.464/2007, tornou-se possvel a concesso de liberdade provisria pelos crimes hediondos ou equiparados, nas hipte-ses em que ausentes os fundamentos previstos no art. 312 do CPP. (STF, HC n 92.824/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 18/12/2007, Informativo n 493)

    Tambm proibida a liberdade provisria para os crimes praticados por orga-nizaes criminosas (Lei n 9.034/1995, art. 7). O crime de porte ilegal de arma de fogo previsto no art. 14 da Lei n 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) inafi anvel, e os crimes de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16), comrcio ilegal de arma de fogo (art. 17) e trfi co internacional de arma de fogo (art. 18) so insusceptveis de liberdade provisria (cf. art. 21 da mesma Lei).

    Antes da vigncia da Lei n 11.464/2007, o STF entendia que a proibio de liberdade provisria pelos crimes hediondos era constitucional. Assim, havia prece-dente no sentido de que, se o agente fora preso em fl agrante por homicdio simples, sendo-lhe concedida liberdade provisria, caso o Ministrio Pblico ajuizasse denncia por homicdio qualifi cado, sendo esta recebida pelo juiz, seria vlido o restabelecimento da anterior priso, pelo fato de que era incabvel a concesso de liberdade provisria. (STF, HC n 83.468/ES, rel. Min. Seplveda Pertence, j. 11 nov. 2003, Inf. n 329). Entendia o STF que a proibio de liberdade provisria era conseqncia da inafi anabilidade.

    Registre-se que h entendimento doutrinrio de que, na hiptese, seria incabvel restabelecimento da priso em fl agrante (pois, nesse momento, fl agrante no mais h). O que seria admissvel seria a decretao de priso preventiva (nesse sentido: Paulo Rangel).

    De qualquer sorte, havia divergncia entre esse entendimento antigo do STF e o posicionamento do STJ, que entendia que apenas era admissvel a manuteno da priso em fl agrante caso fosse hiptese de decretao da priso preventiva, haja vista que o que legitima a priso provisria o periculum libertatis (cautelaridade). Aps a revogao da proibio de liberdade provisria pelos crimes hediondos realizada pela Lei n 11.464/2007, essas divergncias esto superadas e a necessi-dade de verifi cao concreta da necessidade da priso vale para todos os crimes. Entende-se que inclusive as disposies da Lei do Crime Organizado e Estatuto do Desarmamento devem se submeter a essa regra, ou seja, apenas se mantm a priso em fl agrante se presentes os requisitos que autorizam a priso preventiva.

    Antigamente, determinava a Smula n 697 do STF que a vedao da liberdade provisria aos crimes hediondos no veda o relaxamento da priso processual por excesso de prazo. A proibio de excesso de prazo, por bvio, permanece em vigor.

    MEDIDAS PROTETIVAS DE URGNCIA DA LEI MARIA DA PENHA

    A Lei n 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) criou novos mecanismos de proteo s mulheres em situao de violncia domstica e familiar. Quando a mulher registra ocorrncia em delegacia de polcia, deve ser apresentado vtima um formulrio de

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    requerimento de medidas protetivas de urgncia. Segundo a lei, a autoridade policial possui prazo de 48 horas para encaminhar o requerimento de medidas protetivas de urgncia ao juiz, e este, ao receber, possui o prazo de 48 horas para decidir. A vista ao Ministrio Pblico dada aps a deciso pelo juiz.

    O art. 22 da lei prev as medidas protetivas de urgncia que obrigam ao agres-sor:

    Art. 22. Constatada a prtica de violncia domstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poder aplicar, de imediato, ao agres-sor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgncia, entre outras:I suspenso da posse ou restrio do porte de armas, com comunicao ao rgo competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;II afastamento do lar, domiclio ou local de convivncia com a ofendi-da;III proibio de determinadas condutas, entre as quais:a) aproximao da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fi xando o limite mnimo de distncia entre estes e o agressor;b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicao;c) freqentao de determinados lugares a fi m de preservar a integridade fsica e psicolgica da ofendida;IV restrio ou suspenso de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou servio similar;V prestao de alimentos provisionais ou provisrios.

    A natureza jurdica dessas medidas hbrida, havendo medidas cveis e outras criminais. As medidas previstas nos incisos IV e V cvel. Todavia, as medidas dos incisos I a III possuem inegvel natureza criminal, pois destinam-se a proteger a integridade fsica da vtima (evitar a reiterao da conduta criminosa e proteo integridade da principal testemunha do delito), mesmas circunstncias que auto-rizariam a decretao da priso preventiva.

    Essas medidas protetivas de urgncia so novas formas de medidas cautelares penais. So alternativas tradicional bipolaridade do sistema cautelar penal, que conhece apenas dois extremos: priso preventiva ou liberdade provisria. Agora, o juiz possui instrumentos mais efi cientes de evitar a reiterao da conduta crimi-nosa evitando a utilizao da priso que, sabidamente, uma forma de extrema violncia e que nem sempre do desejo da vtima do crime que seja aplicada ao agressor, ante a relao familiar, e mesmo a necessidade de manuteno do em-prego do agressor para sustento dos fi lhos em comum. De qualquer modo, se o agressor violar a ordem judicial de afastamento do lar, proibio de aproximao e contato, poder o juiz decretar sua priso preventiva para assegurar a proteo

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    mulher, sem prejuzo de eventual responsabilizao pelo crime de desobedincia ordem judicial.

    A lei no regulamentou se as medidas protetivas podem ter durao para alm do trmino do processo criminal. Caso se entenda que as medidas dos incisos I a III so exclusivamente criminais, o trmino do processo penal acarretar a auto-mtica revogao das medidas cautelares penais. Todavia, caso se entenda que possvel conferir natureza cvel a essas cautelares, seria possvel atribuir durao para alm do trmino do procedimento criminal. No sistema dos Estados Unidos, que inspirou a elaborao da lei, as restraining orders so medidas cveis de proi-bio de aproximao concedidas independentemente do procedimento criminal. Normalmente, os confl itos familiares so mais bem solucionados com a proteo vtima mediante medidas de proibio de aproximao, ao invs de ter apenas a punio criminal. Nesse sentido, uma interpretao que leve em conta a mxima efetividade proteo aos direitos fundamentais das mulheres certamente dever considerar que as medidas protetivas de urgncia podem ser fi xadas com prazo determinado, que poder durar para alm do trmino do procedimento criminal. Nessa hiptese, aps o deferimento limiar da medida, dever o juiz intimar o ru da deciso e, no havendo impugnao ao pedido, este, automaticamente, dever ser considerado defi nitivo at nova deciso judicial contrria. Da a importncia de as medidas serem fi xadas pelo juiz com prazo de validade. H precedente do TJDFT entendendo que as medidas protetivas de urgncia de proibio de aproximao possuem natureza cvel e podem ter durao para alm do processo criminal (TJDFT, 20070020072823HBC, Relatora Sandra de Santis, 1 T. Crim., j. 12/7/2007, DJ 24/10/2007, p. 108).

    Registre-se que o PL n 4.208/2001, em tramitao na Cmara dos Depu tados, regulamenta novas formas de medidas cautelares penais alternativas priso pre-ventiva, como: priso domiciliar, comparecimento peridico em juzo, proibio de aproximao de determinados lugares, proibio de contato com determinada pessoa, proibio de ausentar-se do pas, recolhimento domiciliar no perodo notur-no, suspenso do exerccio da funo pblica ou atividade econmica, internao provisria do inimputvel e fi ana.

    Registre-se que hoje j existem outras medidas protetivas previstas em leis especiais. O art. 294 prev uma medida cautelar de suspenso provisria da habi-litao. Conferir:

    Art. 294. Em qualquer fase da investigao ou da ao penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pblica, poder o juiz, como medida cautelar, de ofcio, ou a requerimento do Ministrio Pblico ou ainda me-diante representao da autoridade policial, decretar, em deciso motivada, a suspenso da permisso ou da habilitao para dirigir veculo automotor, ou a proibio de sua obteno.Pargrafo nico. Da deciso que decretar a suspenso ou a medida cautelar, ou da que indeferir o requerimento do Ministrio Pblico, caber recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo.

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    Da mesma forma, o pargrafo nico do art. 69 da Lei n 9.099/1995, introduzido pela Lei n 10.455/2002, prev a possibilidade de afastamento do lar em caso de violncia domstica (dispositivo ainda aplicvel para as hipteses de vtima homem, como, por exemplo, de criana ou idoso).

    SISTEMAS DE APRECIAO DA PROVA

    Sistema da Persuaso Racional

    A regra no sistema de apreciao das provas o livre convencimento ou a persuaso racional, nos termos do art. 155, caput, do CPP:

    O juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no podendo fundamentar sua deciso exclusiva-mente nos elementos informativos colhidos na investigao, ressalvadas as provas cautelares, no repetveis e antecipadas.

    Nesse sistema de apreciao, existem trs regras:1) No existe hierarquia entre as provas. No existe uma prova mais valiosa

    que outra. O juiz pode, inclusive, rejeitar a concluso de um laudo pericial (CPP, art. 182), desde que considere as outras provas mais convincentes. Regra geral, no existe vinculao necessidade de uma prova especfi ca: os fatos podem ser provados por quaisquer meios de prova admissveis em direito (percia, testemunhas, documentos etc.). As provas inominadas (no previstas na lei) tambm so admissveis.

    2) O juiz deve decidir com base nas provas produzidas no processo. O que no est nos autos no est no mundo. Assim, as provas devem ser judicializadas, sendo vedado ao juiz decidir com base em conhecimentos fticos pessoais (exemplo: o juiz sabe que o ru pessoa de bem, que em determinado dia o ru no estava no lugar do crime).

    3) O juiz deve decidir de forma fundamentada. O que d legitimidade ao sis-tema da persuaso racional a opo motivada do magistrado, revelando ao jurisdicionado e sociedade que a deciso no fruto de um capricho pessoal, mas de um raciocnio lgico quanto s provas constantes do proces-so. A ausncia de fundamentao causa de nulidade absoluta da deciso. Todavia, admite-se fundamentao sucinta.

    Regra geral, as provas devem ser produzidas no curso do processo, na presena do juiz e das partes, para se assegurar a imediatidade entre o juiz natural da causa e o meio de prova, bem como assegurar a participao das partes na produo da prova. Assim, as informaes constantes do inqurito policial no so prova, mas meros elementos de informao preliminar. Contudo, o referido art. 155, caput, prev a possibilidade de utilizao das seguintes informaes do inqurito policial como meio de prova: provas cautelares, no repetveis e antecipadas. A doutrina

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    considera como provas cautelares, as provas tcnicas, como, por exemplo, o laudo de exame cadavrico, laudo de leses corporais, laudo de exame de local de crime, laudo de exame de confronto balstico e outros. Em verdade, a maioria das percias feitas na fase inquisitorial adentra a ao penal na qualidade de provas cautelares e podem ser utilizados pelo magistrado para fundamentar sua condenao. Como exemplo de prova no repetvel, pode ser citado o depoimento de uma pessoa que vem a falecer aps o ajuizamento da ao penal. Nesta situao, caso outra pessoa confi rme o teor do depoimento, poder o termo de oitiva realizado na fase do in-qurito policial ser utilizado como prova documental. As provas antecipadas so as produzidas em incidente especfi co de produo antecipada de provas, conforme permite o art. 225.

    Todavia, estas excees previstas no art. 155, caput, no desnaturam o princpio da persuaso racional, pois as provas devem constar dos autos (considerando-se o inqurito como pea informativa inclusa nos autos).

    Para que uma prova seja admissvel, deve ser permitida, fundada, concludente e realizvel. Cumprindo esses requisitos, a prova requerida pela parte deve ser autorizada pelo juzo. A negativa infundada de produo de prova impugnvel mediante correio parcial.

    Esse princpio da persuaso racional a regra geral no processo penal. Todavia, existem outros sistemas de apreciao da prova que, de forma excepcional, so admitidos. Vejamos:

    NUS DA PROVA

    Provar os fatos no uma obrigao ou dever, mas sim um nus da parte, ou seja, caso no comprove o fato que lhe aproveita, no ser benefi ciado.

    No processo penal, a defesa processual uma obrigao (necessria), mas a produo de provas um nus.

    O nus do fato constitutivo incumbe a quem o alegar. Como no processo pe-nal o ru presumidamente inocente at prova em contrrio, o nus da prova da existncia do fato criminoso, sua autoria pelo ru, e dos elementos subjetivos do tipo (dolo) ou normativos (culpa) pertence acusao. Tambm as circunstncias de aumento da pena.

    Uma vez provado um fato constitutivo, o nus do fato modifi cativo ou extintivo do direito incumbe parte contrria. Assim, incumbe ao ru provar as causas de excluso da ilicitude, culpabilidade e punibilidade, assim como as circunstncias atenuantes da pena, causas de privilgio ou concesso de benefcios legais.

    Regra geral, as provas devem ser produzidas a requerimento das partes, em razo do princpio da inrcia do juiz e do sistema acusatrio, que impe o nus da prova do fato criminoso acusao. Todavia, como no processo penal esto em julgamento os bens jurdicos mais importantes do ser humano (liberdade e digni-dade), bem como h uma legtima expectativa social de efetividade da jurisdio penal para assegurar o direito fundamental de segurana da coletividade, vigora o princpio da busca da verdade no processo, ou seja, deve-se buscar sempre que

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    possvel o esclarecimento de como os fatos efetivamente ocorreram. Assim, o juiz penal possui, de forma excepcional, o poder de determinar a produo de provas, como prev o art. 209 (oitiva de testemunhas referidas) ou o art. 234 (requisio ex offi cio de documentos). Tal diligncia, contudo, sempre supletiva iniciativa das partes, de forma a preservar a imparcialidade do magistrado.

    Sobre estes poderes de instruo suplementar do juiz, estabelece o art. 156:

    Art. 156. A prova da alegao incumbir a quem a fi zer, sendo, porm, facultado ao juiz de ofcio: I ordenar, mesmo antes de iniciada a ao penal, a produo antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequao e proporcionalidade da medida;II determinar, no curso da instruo, ou antes de proferir sentena, a realizao de diligncias para dirimir dvida sobre ponto relevante.

    O inciso II refora o comentrio supracitado. Todavia, em nossa viso, o inciso I do art. 156, com a nova redao dada pela Lei n 11.690/2008, fl agrantemente inconstitucional, por violao ao sistema acusatrio e o princpio da inrcia. que antes de iniciada a ao penal, no h ainda pretenso acusatria submetida ao juiz. Muitas vezes, ainda nem h um sujeito passivo individualizado, h mero suspeito. Caso o juiz determine de ofcio a produo da prova antecipada, estar dando incio de ofcio a uma medida cautelar de produo antecipada de prova, ou seja, estar exercitando jurisdio sem ao; estar realizando atos de investigao, situao que o STF j declarou inconstitucional quando afi rmou a impossibilidade da investigao judicial contida na Lei n 9.034/1995 (ADIn 1.570); bem como o juiz j estar adiantando a formao da opinio delicti, pois necessariamente o incidente de produo antecipada de provas, para ser prova efetivamente, dever contar com a participao da defesa, devendo o juiz indicar quem fi gurar no plo passivo desta cautelar. Em nosso entendimento, o juiz apenas poder realizar o incidente de produo antecipada de provas mediante requerimento das partes (acusao ou defesa).

    No recurso exclusivo da defesa, ou sem impugnao especfi ca no recurso da acusao, proibida a determinao, pelo tribunal, de produo ex offi cio de provas em desfavor da defesa, em razo da proibio da reformatio in pejus.

    PROVA EMPRESTADA

    Prova emprestada aquela produzida em um processo e trasladada para produzir efeito como prova em outro processo.

    uma prova inominada (no prevista no CPP) que possui sempre a natureza de prova documental, independente do ato que tenha sido praticado no outro processo (percia, testemunho).

    Segundo a doutrina, tal prova possui os seguintes requisitos de admissibilidade:a) deve ter sido colhida entre as mesmas partes, em respeito ao princpio do

    contraditrio;

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    b) devem ter sido respeitadas no processo anterior as formalidades legais (es-pecialmente o contraditrio);

    c) deve haver identidade do objeto de prova.

    Segundo o STJ, considera-se prova ilcita a prova emprestada de outro processo do qual o ru no participou, portanto, no foi originalmente submetida ao contra-ditrio (HC n 14.216/RS, rel. Min. Vicente Jeal, DJU 12/11/2001).

    A nulidade do processo anterior por incompetncia absoluta impede a utilizao de prova emprestada. Todavia, a nulidade do processo anterior por simples ausncia de alegaes fi nais no impede o emprstimo das provas nele produzidas.

    Antigamente, entendia-se ser proibida a utilizao de interceptao telefnica, regularmente autorizada em processo penal, para servir como prova em processo civil (e.g., separao judi cial), por expressa proibio da Constituio Federal de autorizao dessa prova no cvel.

    Todavia, o STF possui predecente admitindo a validade de se transportar para o processo administrativo as interceptaes telefnicas determinadas no bojo de processo penal. Nesse sentido, conferir precedente:

    EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptao telefnica. Es-cuta ambiental. Autorizao judicial e produo para fi m de investigao criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes pblicos. Dados obtidos em inqurito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilcitos administrati-vos teriam despontado colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afi rmativa questo de ordem. Inteligncia do art. 5, inc. XII, da CF, e do art. 1 da Lei Federal n 9.296/1996. Precedente. Voto vencido. Dados obti-dos em interceptao de comunicaes telefnicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produo de prova em investigao criminal ou em instruo processual penal, podem ser usados em procedimento ad-ministrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relao s quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilcitos teriam despontado colheita dessa prova.(STF, Pleno, Questo de Ordem no Inqurito n 2424/RJ, rel. Min. Cezar Pe-luso, j. 20/6/2007, DJU 23/8/2007, p. 55, Ementrio v. 2286-01, p. 152.)

    INTERROGATRIO

    Interrogatrio o ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputao que contra ele formulada.

    Possui natureza mista: tanto um meio de prova (lei), como tambm um meio de defesa (doutrina).

    Trata-se de uma das expresses do direito de autodefesa do acusado (ou defesa material): direito de audincia, consistente no interrogatrio, e direito de presena durante as audincias. A despeito de o interrogatrio ser um ato processual neces-

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    srio, no imprescindvel, j que, caso o ru seja validamente citado e deseje no comparecer audincia de interrogatrio, ser julgado revelia, sem que exista qualquer nulidade. Assim, pode-se concluir que a oportunidade de autodefesa sempre imprescindvel, mas seu exerccio efetivo uma faculdade do ru. J o exerccio da defesa tcnica sempre imprescindvel, sob pena de nulidade (Smula n 523 do STF).

    A Lei n 10.792/2003 introduziu importantes alteraes de cunho garantista da forma de realizao do interrogatrio, alterando a redao de todos os artigos do Captulo III do Ttulo VII (Do interrogatrio do acusado).

    A Lei n 11.719/2008 tambm alterou o momento processual para realizao do interrogatrio. Antes, este era o primeiro ato do processo aps o recebimento da denncia e a citao. Agora, o interrogatrio ser realizado ao fi nal da instruo criminal, aps a oitiva das testemunhas de acusao e defesa. A alterao busca privilegiar a ampla defesa, de forma que a autodefesa apenas se exera aps o pleno conhecimento das provas que possui contra si.

    Caractersticas

    Tradicionalmente, apontam-se as seguintes caractersticas do interrogatrio:a) ato personalssimo: apenas o ru, pessoalmente, pode ser interrogado;b) ato oral: aps, deve ser reduzido a termo; no se admite que o interrogatrio

    venha pronto por escrito; todavia, tambm no vedado que o ru traga apontamentos escritos para lembrar-se de pontos relevantes, prestando o interrogatrio via oral;

    c) ato no preclusivo (CPP, art. 196): caso no tenha sido realizado o inter-rogatrio do ru ao incio do processo, comparecendo este posteriormente dever ser interrogado, sob pena de nulidade (CPP, art. 564, III, e). Inclusive em grau de recurso (STF). Pela nova redao do art. 196, dada pela Lei n 10.792/2003, o reinterrogatrio pode ser realizado pelo juiz de ofcio ou a requerimento fundamentado de qualquer das partes.

    Admite-se que o interrogatrio seja realizado mediante carta precatria (STF), pois no processo penal no vige o princpio da identidade fsica do juiz.

    Antigamente, entendia-se que o interrogatrio era ato privativo do juiz, pois as partes (defensor ou MP) no podem formular reperguntas ao acusado (antiga redao do art. 187). Entendia o STF que no era essencial a presena de advogado ao ato, sendo que a doutrina sempre recomendava a sua presena. Da mesma forma, a doutrina majoritria entendia dispensvel a presena do Ministrio Pblico, j que este no poderia formular perguntas, a despeito de j existir posicionamento no sentido de que a presena do Ministrio Pblico era obrigatria na qualidade de fi scal da correta execuo do ato processual, para evitar ofensa aos direitos e garantias individuais, defendendo a ordem jurdica e protegendo o ru das possveis investidas inquisitivas do juiz (v.g., coao ao ru para confi sso)11.

    11 Nesse sentido: RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003, p. 469.

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    Todavia, a Lei n 10.792/2003 introduziu importantes alteraes nessa siste-mtica.

    Pela nova sistemtica, essencial que o interrogatrio seja realizado na presena de seu defensor, constitudo ou dativo. Ademais, o interrogatrio no mais ato privativo, pois, nos termos da nova redao do art. 188, o juiz, aps proceder ao interrogatrio, indagar das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formu-lando reperguntas se entender pertinente. Como o dispositivo faz aluso s partes, entendemos que o Ministrio Pblico, doravante, deve se fazer presente no ato do interrogatrio. E, havendo previso legal de participao do Ministrio Pblico em ato processual, sua ausncia causar a nulidade (relativa) do ato processual, porquanto dispe o art. 129, I, da Constituio Federal ser atribuio do Parquet promover, privativamente, a ao penal pblica, e promover signifi ca participar de todos os atos processuais. Alis, h jurisprudncia no sentido de que a ausncia do Ministrio Pblico audincia de oitiva de testemunha causa de nulidade, no a suprindo a nomeao de promotor ad hoc.

    Da mesma forma, a nova lei estabeleceu que o juiz deve assegurar o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor, antes da realizao do interro-gatrio (CPP, art. 185, 2). Tal dispositivo mostra-se especialmente importante na hiptese de o ru no possuir defensor constitudo e o juiz conceder-lhe defensor dativo no ato do interrogatrio. Trata-se de exerccio da ampla defesa, para que o ru seja orientado por seu advogado sobre como se portar na presena do juiz, e quais sero as provveis perguntas. Como o interrogatrio exerccio da autodefesa, o ru deve ter o direito de elaborar sua tese defensiva com o auxlio de seu patrono. Questo interessante relativa operacionalizao dessa entrevista pessoal: se a escolta policial tambm deveria estar presente durante a entrevista, para evitar que o advogado fornea algum material para o ru preso.

    Considerando que a Lei n 11.719/2008 alterou o momento processual do inter-rogatrio, transferindo do primeiro ato do processo para o ltimo ato da instruo criminal, ser possvel que o acusado comparea audincia de instruo sem nunca ter tido contato com seu advogado (apesar desta situao no ser recomendvel, pois nessa hiptese haveria a apresentao da resposta acusao sem qualquer contato com o ru). De qualquer sorte, caso, j na abertura da audincia, o ru ou seu defensor afi rmem que no tiveram contato um com o outro e solicitem o exerccio deste direito entrevista reservada, o correto ser o juiz proporcionar defesa a oportunidade, de forma que o advogado possa participar da instruo probatria j com conhecimento da verso dos fatos do ru, podendo promover a defesa de forma mais ampla e efi caz. Desta forma, se respeitar o princpio da ampla defesa e se dar maior efi ccia ao dispositivo do art. 185, 2.

    Caso o acusado realize a delao de co-ru, estar funcionando, nesse ponto, como uma testemunha, devendo haver possibilidade de contraditrio pelo co-ru delatado.

    Interrogatrio On Line

    Grande controvrsia existe quanto admissibilidade do interrogatrio on line, ou virtual, ou distncia. Nessa espcie de interrogatrio, normalmente realizado

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    no caso de ru preso, o juiz est na sede do juzo e o ru, no estabelecimento pri-sional, ambos interligados por um sistema de videoconferncia, e o juiz procede ao interrogatrio pela via eletrnica.

    O STJ possui precedente admitindo-o como vlido, sem que haja uma de-monstrao concreta de prejuzo para o acusado (RHC n 6.272/SP, rel. Min. Felix Fischer, DJU 5/5/1997).

    Todavia, forte corrente doutrinria tem se insurgido contra tal prtica. Afi rma-se que o ru possui o direito de autodefesa, consistente no direito de entrevista pessoal com o magistrado. O interrogatrio a distncia impediria o juiz de ter um contato pleno com o acusado, ofendendo o princpio da ampla defesa. Ademais, caso o interrogatrio fosse realizado com o ru no estabelecimento penitencirio, poderia o mesmo fi car a merc de eventuais presses psicolgicas (no raras) de agentes penitencirios ou terceiros, diminuindo sua liberdade de expresso. Finalmente, argumenta-se que no poderia o defensor estar, ao mesmo tempo, ao lado do ru no estabelecimento prisional, dando-lhe um importante apoio moral, e ao lado do juiz, para eventuais questes de ordem. Segundo argumentam, a ausncia de previso legal para o interrogatrio virtual e de uma disciplina especfi ca impedem sua realizao, a qual, se efetivada, confi guraria violao ao princpio da ampla defesa.

    Contudo, alguns estados da Federao tm realizado essa experincia inova-dora, que, segundo seus defensores, agiliza a prestao jurisdicional e racionalizacustos. Cumpre aguardar se o legislador disciplinar o tema. Especifi camente em relao nova disciplina do interrogatrio implementada pela Lei n 10.792/2003, ela no regulamentou o interrogatrio virtual, mas estabeleceu que o interrogatrio ser, regra geral, realizado no estabelecimento prisional. Ou seja, juiz, auxiliares, defensor e Ministrio Pblico devero deslocar-se fi sicamente ao presdio para a realizao do interrogatrio.

    Agora, a Lei n 11.690/2008, que alterou o art. 217, passou a admitir a colheita de testemunho por videoconferncia, na hiptese de a presena do ru causar cons-trangimento testemunha ou ao ofendido.

    Perguntas ao Ofendido

    A vtima no classifi cada como uma testemunha, e possui tratamento diferen-ciado. Determina o art. 201 que, sempre que possvel, o ofendido ser ouvido em juzo. O ofendido no presta compromisso de testemunha e, portanto, no responde pelo delito de falso testemunho. Apesar de ter interesse no processo (como na ao civil ex delicto), possvel o juiz considerar as informaes prestadas pelo ofendido para fundamentar uma condenao.

    Nos crimes contra os costumes, as palavras da vtima, se coesas e coerentes, merecem especial ateno, vez que tais delitos so costumeiramente cometidos na clandestinidade12. Tambm h entendimento neste sentido para os crimes contra o patrimnio.

    12 STJ, HC 59746/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17.10.2006, DJ 13.11.2006 p. 280.

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    admissvel a conduo coercitiva da vtima.A Lei n 11.690/2008 introduziu a necessidade de intimao vtima no

    art. 201, 2 e 3. O ofendido deve ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e sada do acusado da priso, designao de data para audincia e sentena e respectivos acrdos que a mantenham ou modifi que. Sua intimao pode ser realizada em seu endereo ou por meio eletrnico, a pedido do ofendido. Apesar de no estar expresso, entendemos que admissvel a comunicao por correspondncia, pois at mesmo a comunicao por e-mail foi admitida. Esta possibilidade de comunicao j estava prevista na Lei n 11.340/2006, art. 21 (Lei Maria da Penha), para as hipteses de crimes praticados em situao de violncia domstica e familiar contra a mulher.

    Antes da audincia, deve ser reservado espao separado ao ofendido (art. 201, 4). A fi nalidade da disposio evitar que o ofendido fi que constrangido ao dividir o assento, ao lado de fora da sala de audincias, com o ru ou suas testemu-nhas (normalmente familiares). A disposio depende de reformas que devem ser implementadas pelo Poder Judicirio, devendo o CNJ disciplinar a questo.

    O juiz poder encaminhar a vtima para atendimento multidisciplinar ( 5). Esta previso tambm consta da Lei Maria da Penha, art. 23, I. especialmente relevante este encaminhamento para as situaes de violncia domstica (que tambm ocorrem na vara criminal contra crianas ou idosos, alm da previso da Lei Maria da Penha para o Juizado de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher).

    O 6 prev medidas para o juiz preservar a intimidade da vtima, especialmente o segredo de justia e outras medidas para evitar a exposio mdia.

    Segundo o novo procedimento ordinrio introduzido pela Lei n 11.719/2008, a vtima ser a primeira a ser ouvida na audincia de instruo (art. 400 do CPP).

    Procedimento de colheita do Testemunho

    Caso a testemunha, devidamente intimada, no comparea audincia de ins-truo, poder o juiz determinar sua conduo coercitiva (art. 218).

    A Lei n 11.690/2008, ao criar o pargrafo nico do art. 210, estabeleceu que o Poder Judicirio dever providenciar espao reservado para assegurar a incomu-nicabilidade das testemunhas, antes de prestarem depoimento.

    Antes de iniciar seu depoimento, caso a testemunha ou ofendido afi rmem que esto constrangidos com a presena do ru, o art. 217, caput, permite que a colheita do depoimento seja realizada por videoconferncia. Nesta situao, no se retirar o ru da sala de audincias, apenas a testemunha ou o ofendido estaro em outro local. Se no houver estrutura de videoconferncia, o juiz poder determinar a retirada do ru da sala de audincias, constando-se da ata as razes da deciso.

    Ao iniciar a colheita do testemunho, o juiz qualifi car a testemunha e colher seu compromisso (art. 203). As partes podero contraditar a testemunha (art. 214).

    A Lei n 11.690/2008 alterou o procedimento de colheita dos testemunhos. Estabelece o novo art. 212:

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    Art. 212. As perguntas sero formuladas pelas partes diretamente tes-temunha, no admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, no tiverem relao com a causa ou importarem na repetio de outra j respondida.Pargrafo nico. Sobre os pontos no esclarecidos, o juiz poder comple-mentar a inquirio.

    Assim, as partes podero formular perguntas diretamente s testemunhas (sis-tema de perguntas diretas). O juiz dever controlar a pertinncia e relevncia da pergunta aps sua formulao, bem como se h abuso de direito prova mediante coao ou humilhao da testemunha, ou mediante perguntas tendenciosas. Tambm so admissveis, apesar de no previstos, impugnaes s perguntas pela parte adversa. A nova redao tambm alterou a ordem de formulao das perguntas, pois estabelece que primeiro as partes formularo suas perguntas s testemunhas e, depois, sobre os pontos no esclarecidos, o juiz poder complementar a inquirio. Assim, a ordem de inquirio da testemunha ser a seguinte: a parte que arrolou a testemunha e a parte contrria e depois o juiz. Esta alterao privilegia o sistema acusatrio, reservando o juiz a uma posio de maior inrcia e, portanto, de maior imparcialidade, pois o nus de produzir a prova perante o juiz pertence s partes (que perguntam primeiro), podendo o juiz formular mais alguma pergunta adicio-nal, em nome do princpio da busca da verdade no processo, e exercendo um poder instrutrio suplementar aos das partes.

    A Lei n 11.719/2008 alterou o art. 405, 1, estabelecendo que, sempre que possvel, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemu-nhas ser feito pelos meios ou recursos de gravao magntica, estenotipia, digital ou tcnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fi dedignidade das informaes.

    O 2 estabelece que no caso de registro por meio audiovisual, ser encami-nhado s partes cpia do registro original, sem necessidade de transcrio. A fi -nalidade da disposio assegurar maior fi dedignidade das informaes e tambm a celeridade da audincia (com dispensa da transcrio), privilegiando-se a orali-dade, imediatidade entre juiz e meio de prova e concentrao dos atos processuais. Registre-se que a nova disposio aplica-se tambm fase das investigaes, pois faz meno a investigado e indiciado. A gravao, no procedimento ordinrio, fa-cultativa (sempre que possvel). Todavia, na instruo plenria no procedimento dos crimes dolosos contra a vida, o art. 475 estabelece que os depoimentos devam ser colhidos com sua respectiva gravao.

    Caso haja transcrio do depoimento, este dever obedecer ao disposto nos arts. 215 e 216.

    CITAO

    No Processo Penal, a citao regra geral pessoal. No pode ser citada outra pessoa que no seja o prprio ru. Assim, no se admite a citao na pessoa do

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    representante legal, procurador com poderes especiais, preposto ou administrador do ausente. Caso o ru seja insano, dever o ofi cial de justia certifi car tal situao. No processo penal, no existe citao por correspondncia.

    No descaracteriza a pessoalidade da citao o fato de ser admitida a citao por edital. Nessa espcie, fi cta, presume-se que ele, o ru, leu no edital a citao e que, portanto, no foi comunicada a um terceiro, mas, sim, ao ru.

    Uma exceo parcial a esta regra da certeza da citao pessoal a citao por hora certa, introduzida pela Lei n 11.719/2008, ao dar nova redao ao art. 362. Neste caso, verifi cando o ofi cial de justia que o ru se oculta para ser citado em trs diligncias, marcar horrio para o dia seguinte com familiar ou vizinho do ru; no dia seguinte, no estando presente o ru, d-lo- por citado. Esta previso consiste na vedao ao abuso de direito da defesa, presumindo-se na circunstncia que o ru efetivamente tomou conhecimento da imputao.

    A citao deve ser sempre determinada pelo juiz. Sua fi nalidade a cientifi cao do ru da acusao contra si proposta, e o chamamento defesa.

    A ausncia de citao gera nulidade absoluta. Todavia, segundo entendimento do STF, fi ca afastada a falta ou defeito de citao quando o ru comparece em juzo e interrogado. Segundo a doutrina, o comparecimento deveria apenas sanar o vcio da citao, devendo-se assegurar ao acusado, aps a cincia da imputao, prazo razovel para que venha preparar sua defesa antes de ser interrogado, a no ser, obvia mente, que desde j ele afi rme que deseja ser interrogado, sem oposio de seu advogado.

    Efeitos da Citao Vlida

    Diferentemente do processo civil, a citao vlida no processo penal no torna prevento o juzo (que ocorre quando do conhecimento da infrao art. 83, CPP), no interrompe a prescrio (ocorre desde o recebimento) e no induz em litispen-dncia (ocorre desde a propositura da ao).

    No processo penal, a citao apenas angulariza a relao jurdico-processual, ou seja, faz com que o ru faa parte do processo, juntamente com o juiz e o autor.

    Revelia

    No comparecendo o ru ao chamamento, ser decretada a sua revelia (contu-mcia), que a ausncia injustifi cada de algum que, convocado, no comparece ao chamamento judicial. Ocorre quando, na citao pessoal, o ru no comparece, ou quando no curso do processo intimado para um ato processual e no comparece ou muda de endereo sem prvia comunicao. As conseqncias so de ordem processual, ou seja, o processo seguir sem a necessidade de outras intimaes pessoais ao acusado.

    Antigamente, a revelia decorrente do no comparecimento ocorrida na ausncia do ru audincia de interrogatrio era o primeiro ato do processo. Agora, com a reforma nos procedimento realizada pela Lei n 11.719/2008, o primeiro ato do processo com a

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    presena do ru ser j a audincia una de instruo. Considerando que, ao ser citado, o ru j ser intimado para esta audincia, caso ele no comparea audincia de instruo haver sua revelia. Se eventualmente ele comparecer audincia e, por algum motivo houver necessidade de nova audincia para ouvir uma testemunha ausente, e o ru, devidamente intimado, no comparecer nova audincia, haver tambm a revelia.

    No processo penal, no ocorre como no processo civil, em decorrncia da revelia, a presuno de veracidade ftica da acusao. A culpa do acusado deve ser provada; jamais poder ser presumida. A conseqncia ao ru revel ser a de que ele no mais ser cientifi cado dos atos processuais praticados da para frente, sendo elidida a sua revelia pelo comparecimento posterior em juzo.

    Atualmente, existe revelia apenas quando o ru citado pessoalmente (por ofi cial de justia) ou no caso de citao por hora certa e no comparece ao processo. Tratando-se de citao por edital, caso o ru no comparea nem constitua defensor, dever ser suspenso o processo, bem como o curso do prazo prescricional. Caso o ru constitua defensor, o processo prosseguir com a participao deste.

    Registre-se que mesmo que haja revelia, dever o ru ser intimado da sentena condenatria, conforme determina o art. 392 (pessoalmente ou por edital) e em nome do princpio da ampla defesa.

    Formas de Citao

    A citao pode ser real ou fi cta.

    Citao realEssa espcie de citao a realizada na prpria pessoa do ru, havendo certeza

    de que este efetivamente tomou conhecimento da comunicao.Pode ser da seguinte espcie: por mandado, carta precatria, carta de ordem,

    carta rogatria. Ainda existem regras especiais em relao citao do militar e do funcionrio pblico. Na nova disciplina da Lei n 10.792/2003, a citao do ru preso ser pessoal, e no mais por mera requisio.

    Citao por mandadoMandado uma ordem do juiz a ser cumprida pelo ofi cial de justia, que pes-

    soalmente leva a referida comunicao processual. Possui cabimento quando o ru se encontra em local certo, no territrio do juzo processante.

    O mandado deve preencher os requisitos previstos na lei processual. Os requisi-tos intrnsecos esto previstos no art. 352 do CPP e so os seguintes: nome do juiz; nome do ru ou querelante, ou, sendo desconhecido, os seus sinais caractersticos; residncia do ru, se conhecida; o fi m para que feita a citao; o juzo e o lugar, dia e hora em que o ru dever comparecer; subscrio do escrivo e rubrica do juiz. No requisito do mandado a meno do nome do membro do Ministrio Pblico que subscreveu a denncia. Segundo a Smula n 366 do STF: No nula a citao por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora no transcreva a denncia ou queixa, ou no resuma os fatos em que se baseia.

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    Todavia, segundo entendimento doutrinrio, a citao deve proporcionar no apenas o chamamento defesa, mas a cincia da imputao. E, no processo penal, o ru no est se defendendo do artigo que lhe imputado de violao, mas dos fatos cometidos. Tanto que o magistrado pode dar aos fatos nova defi nio jurdica por ocasio da sentena (emendatio libelli art. 383, CPP). Destarte, seria necessria a comunicao, ainda que suscinta, dos fatos dos quais o ru est sendo acusado, mediante resumo da acusao ou cpia da denncia. Contudo, conforme a citada Smula n 366 do STF, basta a indicao do dispositivo legal de que o ru est sendo acusado para que a citao seja vlida.

    So requisitos extrnsecos do mandado, previstos no art. 357 do CPP: leitura do mandado ao citando pelo ofi cial de justia e entrega da contraf, na qual se mencio naro o dia e hora da citao; a declarao do ofi cial, na certido, da entrega da contraf, e sua aceitao ou recusa. A contraf uma cpia do mandado e da acusa o, que entregue ao citando. Caso o citando se recuse a assinar o manda-do, o ofi cial consignar tal circunstncia na certido de citao e, mesmo assim, considerar-se- validamente citado o ru, pois o ofi cial possui f pblica.

    A citao pode ser realizada em qualquer dia e hora. Pode at mesmo ser realizada em outro endereo que no constante do mandado, caso o ofi cial tenha acesso a tal informao. Todavia, segundo entendimento jurisprudencial, no pode ser realizada a citao ao doente grave, aos noivos nos trs primeiros dias de bodas, durante realiza-o de culto religioso ou ao parente do morto nos sete dias seguintes ao falecimento. Tambm no vlida a citao sem um intervalo mnimo de 24 horas do interrogatrio, para viabilizar o conhecimento da imputao e at mesmo a entrevista prvia com advogado. O direito de entrevista prvia com advogado est expressamente previsto no art. 185, 2, do CPP, na nova redao dada pela Lei n 10.792/2003.

    Citao por carta precatriaEstando o ru no Pas em local certo, mas fora do juzo processante, dever ser

    citado por precatria. Trata-se de um pedido de colaborao entre dois juzes de mesmo grau de hierarquia. O juiz que solicita a diligncia chamado de juzo deprecante. O juiz que recebe o pedido denominado juzo deprecado. Antes do cumprimento do pedido, o juiz deprecado deve lanar um despacho de cumpra-se, determinando que o ofi cial de seu juzo efetive a citao.

    Caso o ofi cial de justia certifi que que o ru no est naquela comarca, mas na jurisdio de outro juiz, o juiz deprecado dever remeter os autos a esse novo juzo para a efetivao da diligncia, desde que haja tempo para se fazer a citao. Trata-se da chamada carta precatria itinerante. Exemplo: empregado de circo.

    Quando houver comprovada urgncia, a precatria poder ser enviada por telegrama.

    Os requisitos da precatria vm especifi cados no art. 354 do CPP.Dentro do Distrito Federal, no necessria a utilizao de carta precatria,

    haja vista no ser o DF dividido em comarcas, mas apenas em re gies adminis-trativas.

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    Citao por carta de ordemCarta de ordem a determinao de realizao de alguma diligncia, oriunda de

    um Tribunal para um juiz que lhe seja subordinado. Portanto, na hiptese de ao penal originria de Tribunal, caso o citando no resida na comarca sede do Tribunal, este dever expedir uma carta de ordem para que o juiz da comarca onde o citando reside efetive a diligncia.

    Citao por carta rogatriaA citao do ru, estando no estrangeiro, ser feita por carta rogatria, via

    Ministrio da Justia, que, pela via diplomtica, a remeter ao pas onde se en-contra o ru, o mesmo se aplicando s citaes que forem efetivadas em legaes estrangeiras.

    A diligncia ter esse procedimento seja o crime afi anvel ou inafi anvel.

    Citao do militarNo h mandado a ser cumprido por ofi cial, mas apenas um ofcio endereado

    ao chefe do respectivo servio (CPP, art. 358).Todavia, entende-se que, alm da mera requisio de comparecimento, deve ser encaminhada a comunicao da acusao. Essa modalidade apenas vlida se o militar estiver na ativa; estando na reserva, ser citado normalmente por mandado.

    Caso o militar resida fora do territrio do juiz, dever ser expedida carta pre-catria.

    Citao do presoTratando-se de ru preso, dispunha o art. 360 do CPP que a citao se faria

    mediante a requisio de sua apresentao ao juzo, no dia e hora designados. Na prtica, o ru no recebia qualquer comunicao prvia da acusao contra si impu-tada, mas apenas era transportado fi sicamente por uma guarnio policial presena do juiz. Entendia-se que essa modalidade de citao apenas era admissvel caso o preso estivesse na mesma unidade da Federao que o juiz processante, pois, caso contrrio, deveria o juiz expedir carta precatria.

    Essa forma de citao foi abolida pela Lei n 10.792/2003, que deu nova redao ao art. 360, estabelecendo que a citao do ru preso ser pessoal. Assim, ainda que a citao seja realizada mediante ofcio ao chefe da carceragem (diretor do estabele-cimento prisional), dever o ru receber com antecedncia a comunicao.

    Entende-se que o preso deve tomar conhecimento da acusao com pelo menos 24 horas de antecedncia de seu interrogatrio (STJ).

    Citao do funcionrio pblicoA citao ao funcionrio pblico no uma forma nova de citao. Deve

    ser expedido um mandado ao funcionrio pblico (citao normal), acrescido da necessidade de notifi cao ao chefe da repartio pblica de que o funcionrio dever comparecer em determinado dia e hora ao interrogatrio (CPP, art. 359). A justifi cativa zelar pela continuidade do servio pblico, propiciando ao chefe

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    da repartio condies de diligenciar um substituto ao funcionrio que dever se ausentar.

    Citao fi ctaAtualmente, h duas hipteses de citao fi cta no processo penal: a citao por

    hora certa e a citao por edital.

    Citao por hora certaEsta espcie de citao foi introduzida pela Lei n 11.719/2008, que deu nova

    redao ao art. 362. Este novo artigo determina a aplicao das regras dos arts. 227 a 229 do CPC, na hiptese de o ru se ocultar diligncia. A alterao bem vinda, pois em muitas situaes o ru se ocultava para no ser citado e acabava benefi ciado com a citao por edital com posterior suspenso do processo prevista no art. 366.

    Nesta hiptese de citao, caso o ofi cial de justia v trs vezes residncia do ru, sem o encontrar, caso tenha suspeitas concretas de que o ru se oculta para no ser citado, dever intimar qualquer pessoa da famlia, ou em sua falta qualquer vizinho, informando que no dia imediato, em horrio designado, voltar para rea-lizar a citao do ru. No dia e hora designados, o ofi cial de justia retornar e, se encontrar o ru, poder realizar sua citao pessoal. Todavia, caso, novamente, o ru no esteja em casa, o ofi cial de justia certifi car novamente o motivo de sua ausncia, deixar cpia da contraf com pessoa da famlia ou vizinho, anotando-lhe o nome, e dar o ru por citado. O STJ admite, por exemplo, a entrega da contraf ao porteiro13. Posteriormente, o escrivo encaminhar, ao ru, carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe cincia das diligncias. A ausncia de encaminhamento desta correspondncia pelo escrivo causa de nulidade da citao por hora certa14.

    Feito este procedimento, o ru ser dado como citado. Caso no apresente a resposta acusao no prazo legal, o juiz nomear-lhe- defensor dativo e, se ele no comparecer audincia de instruo designada, ser declarado revel.

    De qualquer sorte, comparecendo o acusado, ser suprida qualquer eventual nulidade na citao por hora certa.

    O art. 9, II, do CPC, estabelece que o juiz dar curador especial ao ru revel citado por hora certa. Entendemos que a aplicao deste dispositivo desnecessria no processo penal, pois sempre o ru dever ser assistido por defensor tcnico e, no caso do ru citado por hora certa que no comparece ao processo, este sempre deve receber um defensor dativo, que supre as vezes do curador especial com maior atuao.

    Considerando que, no processo penal esto em jogo os valores mais caros ao ser humano, como o direito fundamental liberdade, parece-nos que deve o juiz analisar com extremo cuidado se a situao ftica efetivamente demonstra que o ru estava se furtando do ofi cial de justia e se a comunicao deixada possibilita-

    13 STJ, REsp 647.201/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 5/10/2004, DJ 17/12/2004 p. 578.

    14 STJ, REsp 687.115/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/6/2007, DJ 1/8/2007 p. 457.

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    ria sua tomada de conhecimento do chamamento ao processo. Caso haja efetivas dvidas sobre a situao, a dvida deve benefi ciar a defesa. Por outro lado, estando comprovada a m-f do ru em furtar-se diligncia, sabendo que estava sendo procurado pelo ofi cial de justia, dever ser aplicado o instituto da citao fi cta, presumindo-se que o ru tomou conhecimento da acusao. A citao por hora certa uma forma de vedao ao abuso de direito.

    Citao por editalTambm chamada de citao presumida, adotada excepcionalmente como

    meio de comunicao processual e somente ser utilizada quando restar impos-sibilitada a citao real ou no for o caso de aplicao da citao por hora certa. feita por intermdio de editais. Chama-se presumida pelo fato de haver uma presuno de que o ru procedeu leitura do edital, no comportando alegao de que no o tenha lido.

    Antigamente, havia quatro hipteses de citao por edital: ru no localizado, ru incerto, ru em local inacessvel e ru que se oculta. Agora, apenas h uma hiptese: ru no localizado. Como visto, esta ltima hiptese de ocultao gera a citao por hora certa. A situao de ru com identidade incerta de mnima aplica-o prtica, pois o art. 41 exige a qualifi cao do acusado ou informaes mnimas que permitam sua identifi cao. Assim, no possvel oferecer denncia sem uma identifi cao mnima do ru. Por exemplo, no possvel oferecer denncia contra a pessoa portadora de determinada impresso digital sem haver a menor idia de quem seja o autor daquela impresso digital. Caso haja sinais caractersticos mnimos que permitam a individualizao do ru e este no seja localizado, haver a citao por edital. A situao de ru em local inacessvel tambm se equipara situao de ru no localizado, que admite a citao por edital. Dessa maneira, com a reforma, simplifi ca-se a lgica do procedimento.

    Antes da determinao da citao por edital, devem ser realizadas as diligncias possveis para localizar o ru (v.g., notifi cao ao TRE, consulta receita federal etc.). Atualmente, h difi culdades para que as concessionrias de telefonia, eletri-cidade, ou abastecimento de gua prestem as informaes, pois foram privatizadas e muitas no organizam seus dados de forma a estruturar um servio de rpida consulta. Conferir deciso do STJ sobre o tema:

    HABEAS CORPUS. APROPRIAO INDBITA DE CONTRIBUIO PREVIDENCIRIA. CITAO POR EDITAL. REVELIA. NULIDADE. NO ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA A LOCALIZAO DO ACUSADO. ORDEM CONCEDIDA.1 Pacfi co o entendimento do Superior Tribunal de Justia de que devem ser esgotadas as diligncias possveis para a localizao do ru antes de se determinar a citao por edital.2 Habeas corpus concedido para declarar a nulidade do processo a partir da citao por edital, inclusive.(HC 49.348/MG, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 20/8/2007 p. 307)

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    Segundo a Smula n 351 do STF, nula a citao por edital se o ru estiver preso na mesma unidade federativa em que o juiz exerce sua jurisdio.

    O edital ser publicado com prazo de 15 dias (art. 361). A contagem do prazo do edital de direito processual, ou seja, exclui-se o dia da publicao, iniciando-se a contagem no primeiro dia til subseqente.

    Os requisitos intrnsecos do edital vm especifi cados no art. 365, caput, do CPP.

    Os requisitos extrnsecos do edital constam do pargrafo nico do art. 365, CPP. So os seguintes:

    Publicao: apenas no dirio ofi cial, se houver na comarca. No CPP no se exige publicao em jornal de grande circulao na cidade, diferentemente da regra do CPC.

    Afi xao: na sede do juzo. Segundo o STJ, sua ausncia d causa a nulidade relativa.

    Certifi cao: pelo funcionrio que afi xou o edital na sede do juzo; a publicao comprovada mediante cpia do jornal ou certido do escrivo.

    Em nosso entendimento, aps a reforma processual da Lei n 11.719/2008, o juiz dever citar o ru por edital para uma audincia de comparecimento ao processo. Isso porque no h em lgica em intimar por edital j designando a audincia de instruo e julgamento, para a qual dever haver intimao de todas as testemunhas, j que, normalmente, nas citaes por edital o ru no comparece ao chamamento. Tambm no necessrio intimar o ru para apresentar resposta acusao, pois o art. 396, pargrafo nico, dispe expressamente que o prazo da resposta acusa-o em caso de citao por edital apenas se inicia aps o comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constitudo. Assim, como no pode ser designada a audincia de instruo antes da resposta acusao (que arrola as testemunhas de defesa), no edital dever constar apenas a necessidade de comparecimento a juzo em dia e hora designados, observando-se entre a publicao e o dia designados o intervalo mnimo de 15 dias.

    A suspenso do processo prevista no art. 366No caso de citao por edital de ru no localizado, considera-se citado o ru com

    o transcurso do prazo de publicidade do edital, que de 15 dias. Caso o ru no esteja presente audincia de comparecimento ao processo nem contrate advogado para comparecer ao processo em seu nome, o juiz dever suspender o processo e o curso do prazo prescricional (art. 366 do CPP, na redao da Lei n 9.271/1996).

    Caso o ru comparea ao processo, este prosseguir nos termos do art. 394 e seguin-tes, conforme determina o art. 365, 4. Neste caso, o juiz deve dar nova oportunidade ao ru, para apresentar sua resposta acusao, prevista no art. 396, j o intimando para a audincia de instruo designada.

    Assim, no se decreta a revelia do ru quando este, citado por edital, no comparece nem constitui advogado. Para os crimes cometidos antes da vigncia dessa Lei que alterou o art. 366 (17/6/1996), entendem o STF e o STJ que deve ser

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    decretada a revelia, por considerar que a suspenso do prazo prescricional seria mais gravosa ao acusado, no podendo retroagir. Segundo entendimento doutrinrio, o prazo da suspenso do processo ser o mesmo do prazo prescricional. Dessa forma, ao trmino do perodo de suspenso correspondente ao prazo prescricional, o prazo prescricional efetivo voltaria a fl uir. Ex.: caso um delito prescreva em quatro anos, deveria ocorrer a suspenso do processo por quatro anos e, em seguida, continuaria a fl uir at completar os quatro anos, quando, fi nalmente, ocorreria a prescrio. A justifi cativa que o processo no poderia fi car eternamente suspenso.

    A suspenso da prescrio no automtica, devendo haver uma deciso judicial determinando-a explicitamente. O marco inicial para a suspenso da prescrio a data da deciso judicial que a determina. O marco fi nal ocorre com a localizao e citao pessoal do acusado, ou com o implemento do prazo mximo da suspenso (que, segundo o entendimento do STJ, o mesmo do prazo prescricional).

    Ver deciso do STJ sobre a suspenso do processo constante no art. 366 do CPP:

    HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRNSITO. CITAO EDITALCIA. RU QUE NO COMPARECEU AUDI-NCIA DE INTERROGATRIO. ART. 366 DO CPP. RETOMADA DO PRAZO PRESCRICIONAL E DO CURSO DO PROCESSO, UMA VEZ ULTRAPASSADO O LIMITE PREVISTO NO ART. 109 DO CDIGO PENAL. PRETENDIDA PERMANNCIA DA SUSPENSO DO PRO-CESSO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.1. Conforme pacfi co magistrio desta Corte, o perodo de suspenso do prazo prescricional, decorrente da aplicao do art. 366 do Cdigo de Pro-cesso Penal, regulado pela norma do art. 109 do Cdigo Penal, observado o mximo da pena cominada para a infrao penal.2. Por sua vez, A suspenso do processo, prevista no art. 366 do CPP, com alterao da Lei n 9.271/1996, s pode ser aplicada em conjunto a suspenso do prazo prescricional. Vedada, pois, a ciso (RHC n 17.751/MG, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 1/8/2006).3. Ordem denegada. (STJ, HC n 48.732/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 16/8/2007, DJ 1/10/2007 p. 303)

    Todavia, o STF possui deciso isolada no sentido de que a suspenso do processo do art. 366 do CPP no se limita pelo mximo da prescrio, mas dura sem limite, em uma situao que se assemelharia a uma imprescritibilidade. Conferir:

    A Turma deu provimento a recurso extraordinrio interposto pelo Minis-trio Pblico do Estado do Rio Grande do Sul contra acrdo do Tribunal de Justia local que mantivera deciso que, ao declarar a revelia do ora recorrido (CPP, art. 366), suspendera o curso do processo, mas limitara a suspenso do prazo prescricional ao da prescrio em abstrato do fato delituoso. Inicialmente, afastou-se a alegao de ofensa ao art. 97 da CF, no sentido de que a interpretao dada pela Corte a quo ao citado art. 366

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    do CPP consubstanciar-se-ia em uma espcie de controle de constitucio-nalidade. Asseverou-se, no ponto, que no controle difuso, a interpretao que restringe a aplicao de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relao a outros, no se identifi ca com a declarao de inconstitucionali-dade prevista naquele dispositivo constitucional. No tocante suspenso da prescrio, entendeu-se que a Constituio no veda que seu prazo seja indeterminado, uma vez que no se constitui em hiptese de imprescri-tibilidade e a retomada do curso da prescrio fi ca apenas condicionada a evento futuro e incerto. Alm disso, aduziu-se que a Constituio se restringe a enumerar os crimes sujeitos imprescritibilidade (CF, art. 5, XLII e XLIV), sem proibir, em tese, que lei ordinria crie outros casos. Por fi m, considerou-se inadmissvel sujeitar-se o perodo de suspenso de que trata o art. 366 do CPP ao tempo da prescrio em abstrato, visto que, do contrrio, haveria em verdade uma causa de interrupo e no de suspenso. RE provido para determinar a suspenso da prescrio por prazo indet