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DIREITO PROCESSUAL PENAL POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL PROF. MARCOS V. D. CARRASCO 00

Direito Processual penal · 3 Direito Processual Penal PRF – Prof. Marcos V. D. Carrasco Aula 00 Considerações iniciais Tal qual eu havia prometido, iniciamos, a partir deste

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DIREITO PROCESSUAL

PENAL POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

PROF. MARCOS V. D. CARRASCO

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Direito Processual Penal

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Sumário

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................... 3

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL .................................................. 4

INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL .............................................................................................................................. 4 Métodos de interpretação ........................................................................................................................ 6

Interpretação quanto ao sujeito ..............................................................................................................................................6 Interpretação quanto ao método ..........................................................................................................................................10 Interpretação quanto ao resultado .......................................................................................................................................14

INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO .......................................................................................................... 17 Princípios gerais de direito ...................................................................................................................... 18 Costumes ................................................................................................................................................. 19 Analogia .................................................................................................................................................. 20

APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO ................................................................................................. 22 APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO ................................................................................................ 24 APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS .............................................................................. 26 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO PROCESSO PENAL ............................................................................ 29

Saudações meus caros!

O meu nome é Marcos Vinicius Dias Carrasco e com grande alegria estou elaborando este material para o “Explica Concursos”, com o objetivo de auxiliá-

los na preparação para o concurso da Policial Rodoviário Federal (PRF)!

Mas antes de começar a analisar a matéria que se encontra prevista no edital, gostaria de lhes contar um pouco de minha trajetória. Sou bacharel em

direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e especialista

em direito aplicado pela Escola de Magistratura do Paraná; sou membro fundador da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado de Cascavel –

PR, entidade esta da qual, inclusive, fui presidente do 1º Conselho Fiscal; sou também professor das disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal do

Centro Universitário UNIVEL; nada obstante, sou professor de Direito Administrativo no curso preparatório para OAB do Delta Jus; além disto, também

sou professor de Processo Penal no Focus Concursos; e como se não bastasse, paralelamente à estas atividades, sou sócio e atuo como advogado responsável

pelo setor de direito penal econômico do escritório Frizzo e Feriato; por fim, sou autor de diversos livros que foram escritos com o objetivo de contribuir para a

preparação de candidatos para os mais diversos concursos.

Dito isto, ainda preciso informa-los de que neste modulo, irei lhes acompanhar no estudo da disciplina de Direito Processual Penal, onde

enfrentaremos os seguintes tópicos:

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AULA ASSUNTO

00 1. Aplicação da lei processual no tempo, no espaço e em relação

às pessoas. 1.1. Disposições preliminares do Código de Processo Penal. 10 Disposições constitucionais aplicáveis ao direito

processual penal.

01 2. Inquérito policial.

02 3. Ação penal.

03 4. Competência.

04 6. Juiz, ministério público, acusado, defensor, assistentes e

auxiliares da justiça, atos de terceiros.

05 5. Prova.

06 7. Prisão e liberdade provisória. 7.1 Lei nº 7.960/1989 (prisão

temporária).

07 8. Processo e julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos.

08 9. Habeas corpus e seu processo.

09 Revisão e Questões

Como vocês podem perceber, a nossa tarefa não será das mais simples, mas a cada aula, tentarei trazer exemplos práticos com o objetivo de facilitar a

memorização do conteúdo. Mais do que isso, ao final do curso, faremos uma retomada geral dos assuntos que foram estudados e resolveremos diversas

questões, com o objetivo de visualizar a forma como estes tópicos vem sendo cobrados em provas.

Com estas breves considerações, encerro a minha saudação e os convido a iniciar a nossa odisseia de estudos por esta disciplina fantástica que é o Direito

Processual Penal.

Vamos à luta futuros Policiais Rodoviários Federais!

Prof. Marcos V. D. Carrasco

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Considerações iniciais

Tal qual eu havia prometido, iniciamos, a partir deste momento, o estudo da disciplina de direito processual penal, mas antes de começarmos a enfrentar

cada um dos tópicos do edital, preciso fazer uma breve observação.

Se vocês observarem o nosso cronograma, o tema da aula de hoje será o seguinte: 01. Aplicação da lei processual no tempo, no espaço e em relação às

pessoas; 02. Disposições preliminares do Código de Processo Penal; e 03. Disposições constitucionais aplicáveis ao direito processual penal. Não se

preocupem, pois juntos, analisaremos todos estes pontos. No entanto, para

facilitar o estudo e a compreensão da matéria, vamos desenvolver a análise destes tópicos da seguinte maneira: inicialmente, verificaremos as regras de

interpretação e integração que regem o processo penal; após isto, passaremos a analisar a aplicação da lei processual penal no tempo e no espaço;

subsequentemente, estudaremos a aplicação da lei processual penal em relação às pessoas; por fim, trataremos de verificar as disposições constitucionais que

são aplicáveis ao processo penal.

Carrasco, mas porque fazer isso? Muito simples. Se vocês examinarem o Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689/41), perceberão que as

disposições preliminares desta lei adjetiva são compostas por três artigos, quais sejam:

Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por

este Código, ressalvados:

I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos

ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de

responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2o, e 100); III - os processos da competência da Justiça Militar;

IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17);

V - os processos por crimes de imprensa. Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos

referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da

validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e

aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de

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direito.

Como vocês podem perceber, acabei destacando algumas palavras no corpo dos artigos supracitados e fiz isso com o objetivo de demonstrar que

dentro das disposições preliminares do código de processo penal, se encontram as regras de aplicação e de interpretação da lei processual, o que significa, que

estes dois tópicos (disposições preliminares e interpretação e aplicação da lei) exigirão o conhecimento de um mesmo assunto.

Mas Carrasco, e as disposições constitucionais? Porque estudá-las

somente ao fim da aula? O motivo é simples. Como as regras constitucionais são

aplicáveis ao processo penal como um todo, elas exigirão considerações mais detidas e um grau de aprofundamento um pouco maior do que aquele que será

necessário em relação às disposições preliminares. Portanto, este assunto será abordado ao final desta aula, com o objetivo de facilitar a sua memorização e

posterior retomada (que, invariavelmente, ocorrerá por ocasião do estudo do inquérito policial, da ação penal, dos sujeitos da relação processual penal, enfim,

ao longo de toda a nossa jornada).

Disposições preliminares do código de processo

penal

Interpretação da lei penal

A expressão “hermenêutica” é utilizada para designar a teoria científica

que objetiva investigar e coordenar a atividade interpretativa através da instituição de regras e de princípios que o intérprete deve seguir para: (1) apurar

o alcance de uma norma; e (2) possibilitar a sua aplicação ao caso concreto; e antes de avançar na matéria, já vou fazer uma pequena pausa para registrar

um esclarecimento.

Que esclarecimento é este Carrasco? Meus caros, quando o assunto é hermenêutica, é preciso ter cuidado, pois embora as expressões “hermenêutica”

e “interpretação” sejam utilizadas indistintamente por grande parte da doutrina,

a bem da verdade, elas não são sinônimas!

Eu digo isto, porque enquanto aquela primeira locução (“hermenêutica”) designa o campo científico que estuda e dita as regras que devem ser seguidas

no exercício da atividade interpretativa, a expressão “interpretação” é utilizada para designar a atividade que o intérprete desenvolve para: (1) viabilizar a

aplicação da norma jurídica ao caso concreto, (2) adaptar a lei à realidade atual

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e (3) amenizar o rigor excessivo da norma, temperando o seu alcance para que possa ela atender aos fins sociais do bem comum.

Em suma, a ideia é a seguinte: a hermenêutica dita as regras do jogo; a

interpretação é o meio pelo qual as regras (construída pela hermenêutica) são aplicadas para o jogo!

Esclarecido este ponto, precisamos observar que por mais clara que a

redação atribuída à norma possa ser, a sua aplicação sempre exigirá a realização de um procedimento de interpretação, afinal, se é verdade que

problemas como a vagueza e a má-redação sempre reclamarão que o aplicador

da lei realize uma detida análise da norma, é igualmente certo que, o decurso do tempo, invariavelmente, acabará tornando a norma ultrapassada, de modo

que, para refletir adequadamente as necessidades do meio social, após entrar em vigor, a norma deverá, constantemente analisada, para que o seu sentido e

alcance acompanhem a evolução, o progresso e as necessidades da vida social.

Carrasco. Não entendi! Pessoal, a ideia básica que se tem aqui é a seguinte: o ser humano é suscetível de falhas e como é ele quem elabora as

normas que regem o meio social, há sempre possibilidade de que o texto normativo padeça de alguns vícios decorrentes, por exemplo, da utilização de

uma técnica de redação deficiente; mais do que isso, precisamos considerar que após entrar em vigor, a redação da lei se torna estática (ressalvados os casos

de a lei superveniente dar um tratamento diferenciado para a matéria – o que, inclusive, é realizado através de um procedimento moroso) e com isto, a norma

deixa de acompanhar as evoluções sociais e o posicionamento que a doutrina e

a jurisprudência passaram a assumir em relação a certas questões; estes, portanto, são alguns dos argumentos que demonstram a imprescindibilidade de

o alcance da norma ser sempre realizado a partir de interpretação. Ademais, precisamos reconhecer, que ao lermos as palavras que delimitam uma norma,

já estamos realizando um procedimento interpretativo, posto que é a reunião de vogais, consoantes e a utilização das regras do vernáculo que nos permitem

compreender o comando que foi emitido pelo legislador.

A toda sorte, para que possamos compreender melhor esta questão, basta atentar para a seguinte situação: por ocasião da edição do Código Penal (que

data de 7 de dezembro de 1940), o legislador ordinário tratou de incriminar a prática de ato obsceno em local público (art. 233 do CP), que, dentre outras

hipóteses, pode ser caracterizado, por exemplo, pela execução de um ato de conotação sexual. Agora, imagine o seguinte: será que o ato de conotação

sexual que poderia ofender o pudor há algumas décadas, hoje, ainda seria

considerado ofensivo? Para responder a esta pergunta, basta lembrar da questão do beijo. Ora, se no ano de 1940 um casal fosse surpreendido se beijando na

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rua, indubitavelmente as pessoas que presenciassem tal ato se sentiriam afrontadas, notadamente porque na época, passear de mãos dadas sequer era

costume dos casais; mas hoje, qual constrangimento um beijo em público pode trazer?

É por este motivo, portanto, que contemporaneamente podemos afirmar

que não há lugar para que seja aplicada a parêmia “in claris cessat interpretatio” (na clareza da lei, não há interpretação).

Compreendido este ponto, passamos à análise dos métodos que a

hermenêutica nos fornece para a realização da interpretação.

Métodos de interpretação

A doutrina costuma sistematizar o estudo dos métodos de interpretação

categorizando-os de acordo com (1) a identidade do protagonista da interpretação, (2) as técnicas clássicas de interpretação e (3) os resultados

decorrentes do processo interpretativo; e para que as considerações que serão

apresentadas neste material possam ser, eventualmente, confrontadas com a informação existente nos manuais de processo penal, seguiremos a mesma

lógica.

Interpretação quanto ao sujeito

Pois bem meus caros. Para começarmos a examinar das regras de

hermenêutica, precisamos saber que quando parte da identificação da pessoa que atua como mediadora do texto normativo e do caso concreto

(interpretação quanto ao sujeito), a intepretação pode ser classificada em: (1.1) doutrinária; (1.2) judicial e (1.3) autêntica.

A intepretação doutrinária (que, por vezes, também é chamada de

interpretação científica) nada mais é que o exame que os cientistas do direito fazem a respeito da norma através, por exemplo, de livros, artigos e pareceres.

Um bom exemplo disso, pode ser vislumbrado em relação ao período de

tempo que é compreendido pela expressão “dia”, que se encontra prevista no art. 245 do CPP e no art. 5º, XI, da Constituição Federal, segundo os quais:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o

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morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem

o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

Art. 5º, XI, da CF. A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de

flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Estou dizendo isto, porque a limitação temporal em tela, que influencia a

prática de diversos atos processuais, como a execução de mandados de prisão

e de busca e apreensão, já foi intensamente debatida pela doutrina que, dentre outros pontos de vista, já chegou a defender que a palavra “dia” deve abranger:

(1) o período que medeia das 06h às 18h (Julio Fabbrini Mirabete, José Afonso da Silva, Victor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Cebrian Araújo Reis –

corrente majoritária); (2) o período que se estende da aurora ao crepúsculo (Min. Celso de Melo); ou ainda, (3) o lapso temporal que se estende das

20h00min às 06h00min (art. 212 do NCPC - Aury Lopes Jr).

Conforme vocês podem perceber, a legislação não delimitou o período de tempo que deveria ser considerado como “dia” e como consectário disto, a

doutrina passou a debater o assunto, até que em um determinado momento um linha de pensamento se tornou majoritária e passou a ser utilizada para nortear

a execução dos atos processuais supracitados.

A toda sorte, eu preciso que vocês saibam, que por mais relevantes que

estes estudos sejam para o desenvolvimento do direito, eles não possuem força vinculante, traduzindo-se, portanto, em simples instrumentos de elucidação que

podem ser utilizado pelo aplicador da lei para remover os obstáculos que, porventura, venham a ser encontrados na subsunção do fato à norma.

Já a interpretação judicial (que também é denominada de interpretação

jurisprudencial ou judiciária), é aquela que é realizada por magistrados, desembargadores e ministros nas ocasiões em que aplicam a lei à um caso

concreto (o que pode ser feito, por exemplo, através da edição de súmulas, bem como por intermédio da prolação de decisões, sentenças e acórdãos).

Aliás, um bom exemplo disso, ocorre em relação às buscas pessoais, que,

a princípio, deveriam incidir apenas sobre a pessoa, mas que, por força de interpretação jurisprudencial, também podem ser executadas em relação à

veículos que, por elas, estejam sendo conduzidos:

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL. DISTRIBUIÇÃO E REVENDA DE GÁS

DE COZINHA. BUSCA PESSOAL. APREENSÃO DE DOCUMENTOS EM AUTOMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Apreensões de

documentos realizadas em automóvel, por constituir típica busca pessoal, prescinde de autorização judicial, quando presente fundada

suspeita de que nele estão ocultados elementos de prova ou qualquer elemento de convicção à elucidação dos fatos investigados, a teor do § 2º

do art. 240 do Código de Processo Penal. 2. No dia em que realizadas as diligências de busca domiciliar na residência do recorrente eram obtidas

informações, via interceptação telefônica (não contestadas), de que

provas relevantes à elucidação dos fatos eram ocultadas no interior de seu veículo e que poderiam, conforme ele próprio afirmou, culminar na sua

prisão. Diante dessa fundada suspeita, procedeu-se a busca pessoal no veículo do recorrente, estacionado, no exato momento da apreensão

dos documentos, em logradouro público. Conforme atestado pelas instâncias ordinárias, o recorrente estava presente na ocasião da vistoria

do veículo. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento (RHC 117767, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em

11/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017).

Como regra, essa modalidade de interpretação só terá força obrigatória

para o caso concreto (ou seja, entre as partes que integrarem a relação jurídica que estiver sendo analisada pelo poder judiciário) e a partir do momento em que

houver o trânsito em julgado do pronunciamento jurisdicional que a adotar.

Mas atenção! Liguem o sinal de alerta! Pois, em algumas hipóteses, as

conclusões obtidas através deste método de interpretação deverão ser observadas por todos os aplicadores do direito, ou seja, serão vinculantes!

Isto ocorrerá, precisamente, em quatro situações: (a) a primeira, terá

lugar nos casos em que o STF declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei via controle concreto (ou seja, mediante ação

que tenha sido instaurada com o fim específico de debater a compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal); (b) a segunda, ocorrerá no controle

difuso de constitucionalidade (que se dá quando a discussão da compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal chega ao STF através de uma ação

que não tinha a solução desta controvérsia como objetivo principal), desde que a decisão que declarar a inconstitucionalidade seja sucedida pela edição de uma

Resolução Senatorial que ratifique os seus efeitos (art. 52, X, da Constituição

Federal); (c) a terceira, restará configurada na hipótese de vir a ser editada uma Súmula Vinculante (art. 103-A da CF); por fim, (d) a quarta, restará

caracterizada nos casos em que determinada questão for apreciada através de

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recurso extraordinário ou especial que tenha sido afetado ao procedimento dos recursos repetitivos (art. 927, III, do NCPC).

Por sua vez, a interpretação autêntica terá lugar naqueles casos em que o

processo interpretativo vier a ser realizado pelo próprio Poder Legislativo, através da edição de uma “lei interpretativa”, que será dotada de força

obrigatória e poderá ser contextual (quando a interpretação for realizada dentro do próprio texto da lei) ou posterior (quando a lei interpretativa surgir depois da

lei interpretada).

Para que se compreenda melhor o que aqui foi exposto, basta que sejam

levadas em consideração as regras que se encontram previstas no título XI do Código Penal, afinal, no corpo do aludido título é possível perceber que ao

positivar os crimes contra a administração pública que somente poderiam ser perpetrados por funcionários públicos (como: o peculato – art. 312 do CP; a

concussão – art. 316 do CP; e a prevaricação – art. 319 do CP), o legislador ordinário, em um verdadeiro procedimento de interpretação autêntica, também

tratou esclarecer, por intermédio do art. 327 do Código Penal, que somente poderiam vir a ser considerados funcionários públicos para fins penais “quem,

embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

Mas Carrasco, há algum exemplo disto dentro do código de processo

penal? Sem dúvidas! Um bom exemplo, é a própria prisão em flagrante! Vejam, que ao estabelecer quem são os legitimados para realizar a prisão em flagrante,

o art. 301 do CPP não esclarece em que consiste tal medida; esta incumbência

recai sobre o art. 302 do CPP, que nos dá as hipóteses de flagrante próprio, impróprio e presumido. Vejam só:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus

agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Para além destas considerações, é preciso se ter em conta que a lei

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interpretativa posterior tem eficácia ex tunc (retroativa), em razão da qual a sua exegese pode, perfeitamente, ser aplicada à fatos que foram praticados em um

momento anterior àquele em que a lei foi incorporada ao ordenamento jurídico (o que somente não ocorrerá em relação aos casos definitivamente julgados;

ressalvando-se, tão somente, que os casos definitivamente julgados poderão ser reavaliados e fazer jus à aplicação da interpretação autêntica que vier a ser mais

benéfica ao réu mediante o ajuizamento de revisão criminal).

Mas porque isto ocorre? O motivo é simples. Este fenômeno ocorre porque a lei interpretativa não cria uma situação nova; ela simplesmente torna

obrigatória uma interpretação que o juiz, antes mesmo da sua vigência, já podia

adotar.

Para fechar este tópico, é importante observar que o preâmbulo da Constituição Federal, assim como a “exposição dos motivos” de uma lei (que

consiste no texto que antecede os dispositivos de uma norma, buscando justificar a sua criação), não podem ser considerados formas de interpretação

autêntica, pois, por não criar direitos e deveres e nem ter força normativa, o preâmbulo e a exposição de motivos não podem ser considerados como norma

constitucional ou lei (respectivamente).

Interpretação quanto ao método

A interpretação quanto ao método (ou modo) é categoria dentro da qual

foram agrupados diversos critérios que buscam estabelecer diretrizes que podem ser observadas a fim de que, a partir do processo de interpretação, se

possa identificar a vontade do legislador e extrair o real sentido da norma.

Apesar de não haver consenso na doutrina a respeito de quais critérios devem ser inseridos neste grupo, com segurança, é possível afirmar que aqui se

inserem os métodos de interpretação: (2.1) literal (ou gramatical); (2.2) lógico; (2.3) sistemático; (2.4) histórico; (2.5) comparado; (2.6) extrajurídico; e (2.7)

analógico.

Neste viés, inicialmente convém esclarecer que é designado como literal

(ou gramatical) o método de interpretação que se faz mediante a partir da análise dos termos que são empregados na norma ao lume das regras de

vernáculo.

Por outras palavras, pode-se dizer que neste tipo de interpretação o interprete busca revelar o alcance da norma a partir de regras gramaticais

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(analisa-se, dentre outros fatores, a morfologia, a sintaxe e a semântica que foram empregadas na redação da norma).

Discorrendo sobre o tema, César Dario Mariano da Silva1 obtempera que

“a interpretação gramatical [...] deve atender às seguintes regras: a) em princípio, a lei não contém palavras inúteis; b) em regra, as expressões

empregadas possuem significado técnico e não usual (vulgar) e somente a interpretação pode esclarecer esta situação; c) o singular engloba o plural e o

másculo o feminino”.

Já no método lógico, preconiza-se que a compreensão do alcance da

norma se dá através de raciocínios lógicos, por força dos quais se parte de uma concepção geral (que pode ser uma dedução, indução, hipótese, inferência etc.)

para que, a partir de operações intelectuais, se possa determinar a adequação de uma proposição.

Veja-se, por exemplo, que muito embora o art. 5º, III, da Constituição

Federal tenha simplesmente assegurado que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, a partir de uma interpretação

lógica deste dispositivo, é possível chegar à conclusão de que, dentre outras situações, não se admite no ordenamento jurídico brasileiro que qualquer pessoa

seja submetida à agressões corporais ou privada de direitos básicos como a alimentação e higiene.

Por sua vez, o método sistemático preconiza que a análise da norma deve

ser realizada a partir do ordenamento jurídico que ela integra, eis que somente

a partir disto se poderá auferir se existe uma efetiva harmonia entre ela e a ordem jurídica como um todo.

Com efeito, o que se pode dizer é que neste sistema o que se preconiza é

a ideia de que a construção da norma jurídica não se dá pela análise isolada de um dispositivo legal, mas sim pelo exame das interações que a regra

interpretada deve harmonicamente manter dentro do sistema jurídico no qual ela foi concebida.

Assim, é possível dizer, em uma analogia simples, que na interpretação

sistemática não se limita a analisar o “parafuso” em si mesmo, ela busca

1 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º ao 120. 11ª ed.

Curitiba: Juruá. 2016, p. 70.

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examinar o “parafuso” com o conjunto do motor e demais componentes2; transplantando esta ideia para o campo do direito penal, pode-se dizer que a

interpretação de uma norma penal não deve ser exaurida na análise isolada de um dispositivo (v.g. art. 121 do CP que incrimina a conduta de matar alguém),

ela deve ser realizada ao lume das demais regras que se encontram reunidas dentro da lei na qual foi inserida (eis que, por aplicação do art. 23, II, do CP, é

possível excluir a ilicitude de uma morte que, eventualmente, tenha sido causada como reflexo de uma legítima defesa), da norma matriz do

ordenamento jurídico (eis que o art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura, à todos, o direito a vida) e de todas as demais regras que, porventura, guardem

alguma pertinência com ela (v.g. o art. 5º, XLVI, “a”, da CF, veda a pena de

morte, mas ressalva a possibilidade de sua aplicação em caso de guerra).

Sob outro enfoque, impende esclarecer que através da interpretação histórica, busca-se a delimitação do alcance da norma a partir da análise dos

precedentes históricos que fomentaram o surgimento da norma, tais como eventos sociais, políticos e econômicos; tarefa esta que, de acordo com Técio

Sampaio Ferraz Jr3, deve ser, em parte, realizada através do estudo dos “precedentes normativos, isto é, de normas que vigoraram no passado e que

antecederam à nova disciplina”, pois, a partir deste procedimento de comparação será possível compreender os motivos justificadores da edição da

norma.

Já o método comparado é aquele que visa determinar o alcance da norma nacional, a partir do exame da exegese que um ordenamento jurídico

estrangeiro atribuiu a uma norma similar.

Neste tocante, aliás, é possível lembrar da discussão que outrora foi

travada em relação à (im)possibilidade de o Ministério Público conduzir procedimentos investigativos; afinal, para elucidar o alcance da regra que se

encontra contida no art. 129, I, da CF (que atribuiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública) e delimitar o campo de atuação do Parquet,

dentre outros argumentos, o STF (RE 593727) invocou a teoria dos poderes implícitos (que foi concebida nos Estados Unidos da América no precedente Mc

CulloCh vs. Maryland, de 1819) para ponderar que ao conferir ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, o legislador constituinte também

lhe concedeu, implicitamente, todos os poderes necessários para que fosse desempenhado o exercício de tal atribuição.

2 NELSON. Rocco Antônio Rangel Rosso. Curso de Direito Penal: parte geral, teoria geral do

crime. Curitiba: Juruá, 2016, p. 89.

3 FERRAZ JR. Técio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.

262.

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No mais, cabe mencionar que o método de interpretação extrajurídico é

aquele que busca delimitar a extensão da norma à luz de ciências extrajurídicas (medicina legal, psicologia, etc.).

Aliás, para que a importância desse método possa ser percebida, basta

observar as regras que se encontram previstas no art. 124 do Código Penal, afinal, apesar de ter incriminado o ato de “provocar aborto em si mesma ou

consentir que outrem lho provoque”, em nenhum momento o legislador ordinário tratou de estabelecer o significado da expressão “provocar aborto”; tarefa esta

que foi relegada à doutrina médica, que, no seu desempenho, tratou de

esclarecer que o abortamento (isso mesmo, abortamento!) consiste no procedimento que desencadeia a morte de um embrião ou feto que foi

prematuramente expulso do útero.

Por fim, perfaz-se imperioso mencionar que o método de interpretação analógico em lugar naqueles casos em que o legislador edita uma norma,

enunciando situações específicas (fórmulas casuística) que são seguidas pelo emprego de uma fórmula genérica (cláusula aberta – v.g. “ou por outro...”,

“qualquer outro...”, “ou similar...”), a qual permite que outras situações que não tenham sido expressamente mencionadas pela norma, sejam por ela abarcadas.

Isto ocorre, por exemplo, nos seguintes dispositivos do Código Penal:

Art. 121. Matar alguém: [...]

§ 2° Se o homicídio é cometido:

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte,

de coisa imóvel alheia:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil,

ou qualquer outro meio fraudulento:

Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de

rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou

com o ambiente externo.

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Veja-se que em relação ao crime de homicídio qualificado que se encontra

descrito no art. 121, § 2°, III, do CP, a fórmula casuística é designada pelas expressões “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura”, ao passo que a fórmula

genérica se encontra contida na locução “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”, cuja existência permite, por exemplo, que

seja enquadrado nesta qualificadora o agente que mata sua vítima obrigando-a a ingerir ácido sulfúrico ou esfolando-a.

Mas e dentro do processo penal, há algum exemplo? Com certeza! Dentro

da lei adjetiva, um bom exemplo é o art. 434 do CPP, que estabelece que “Os

jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião, sob as penas

da lei”; neste caso, a fórmula casuística é designada pela expressão “correio”, ao passo que a fórmula genérica se encontra contida na expressão “ou qualquer

outro meio hábil”, cuja existência permite, por exemplo, que os jurados sejam convocados por mandado, por telefone, etc.

Interpretação quanto ao resultado

A interpretação quanto ao resultado é categoria na qual foram reunidas as possíveis conclusões à que o exegeta pode chegar após a utilização dos métodos

que foram mencionados no tópico precedente.

Assim, diz-se que em relação ao resultado, a interpretação pode ser: (3.1) declaratória; (3.2) extensiva; (3.3) restritiva; (3.4) ab-rogante; ou (3.5)

progressiva.

Dito isto, inicialmente, cumpre esclarecer que a interpretação declaratória restará configurada nos casos em que, após realizar a análise da norma, o

intérprete chegar à conclusão de que o texto nela existente expressa fielmente a vontade da lei.

Para que se possa compreender melhor este procedimento, basta se traga para o plano analítico, a título de exemplo, o art. 141, III, do Código Penal. Isto

porque, ao instituir uma causa de aumento de pena aplicável aos crimes de calúnia, difamação e injúria, que porventura fossem praticados na presença de

“várias pessoas”, o aludido dispositivo não delimitou o número de indivíduos que, efetivamente, deveriam presenciar o ilícito para que fosse possível a

configuração destas causa de aumento; ocorre, no entanto, que a partir da interpretação do aludido dispositivo, claramente se percebe que, com a

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expressão “várias”, o legislador quis reclamar a presença de, no mínimo, três pessoas para a configuração da aludida causa de aumento; conclusão esta que

é extraída quando se tem em mente que, sempre que o Código Penal se contentou com apenas duas ou no mínimo quatro pessoas, ele o fez de maneira

expressa (v.g. art. 155, § 4, IV e art. 146, § 1º, do CP).

Já a interpretação extensiva ocorrerá quando, após a realização do processo hermenêutico, o exegeta concluir ser necessário ampliar o alcance da

norma, por ter constatado que o texto da lei disse menos do que deveria ter dito (minus dixit quam voluit).

Aqui, para conseguir delimitar adequadamente o alcance da norma, o hermeneuta se vale dos argumentos da lógica dedutiva, segundo os quais: (a)

se a lei prevê um caso, ela deve ser estendida para outro em que a sua razão se manifestar com maior vigor (argumento a fortiori); (b) o que é válido para o

mais, também deve ser válido para o menos (argumento a maiori ad minus); e (3) o que é proibido para o menos, deve ser proibido para o mais (argumento a

minori ad maius).

Dentro deste contexto, elucidativo é o exemplo do crime de bigamia. Isso porque, de acordo com o art. 235 do Código Penal, o crime em questão resta

configurado a partir do momento em que o agente contrai um segundo casamento, ainda na vigência do primeiro; agora questiona-se: e se o agente

contrair um terceiro e até mesmo um quarto casamento, ele incorrerá na prática do aludido crime? Numa interpretação puramente gramatical do aludido

dispositivo, poder-se-ia chegar à conclusão de que a contração destes

matrimônios adicionais não traria qualquer consequência penal para o agente. Contudo, pelo emprego do argumento a minori ad maius, extrai-se que se a

bigamia é vedada, a poligamia, também o é.

Por sua vez, a interpretação restritiva ocorrerá quando o interprete diminuir a amplitude do texto da lei, adaptando-a a sua real vontade.

Nestes casos, o que se constatará é que a lei disse mais do que deveria

dizer (plus dixit quam voluit).

Discorrendo a respeito do tema, César Dario Mariano da Silva4 elucida a utilização desse método a partir do seguinte exemplo:

4 SILVA. Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral – Arts. 1º ao 120. 11ª ed.

Curitiba: Juruá. 2016, p. 71.

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O art. 28, I e II, do CP, determina que a emoção, a paixão e a embriaguez

voluntária ou culposa não excluem a inimputabilidade penal. No entanto, para que a norma não entre em contradição com o art. 26, caput, do

Código Penal, que dispõe sobre a inimputabilidade decorrente de doença ou deficiência mental, devem ser considerados os estados não patológicos.

Com efeito, cuidando-se de embriaguez, paixão ou emoção de cunho patológico e estando o agente privado da capacidade de entendimento ou

de autodeterminação, quando da ação ou omissão, haverá exclusão da imputabilidade.

No mais, estar-se-á diante de uma interpretação ab-rogante, sempre que o exegeta reconhecer que o preceito interpretado é inaplicável.

Esta é a modalidade de interpretação que, diante da incompatibilidade

absoluta e irredutível existente entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do ordenamento jurídico, conclui pela

inaplicabilidade da lei interpretada.

Carrasco, não entendi! A ideia aqui é simples e pode ser visualizada a partir do art. 34 do CPP.

Percebam que de acordo com o art. 34 do CPP: “se o ofendido for menor

de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal”; esta regra foi editada no

período em que se encontrava vigente o Código Civil de 1916, para o qual a

obtenção da maioridade era alcançada a partir dos 21 (vinte um) anos de idade; com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a maioridade civil (e a

capacidade plena) passou a ser alcançada a partir dos 18 (dezoito) anos e, com isto, deixou de existir justo motivo para a preservação da regra constante no

art. 34 do CPP.

Por fim, nos resta analisar a interpretação de progressiva (que também é conhecida como adaptativa ou evolutiva).

Esta modalidade de interpretação é aquela através do qual o hermeneuta

adapta a lei à realidade atual, levando em consideração as transformações sociais, cientificas, políticas e jurídicas que foram experienciadas ao longo dos

anos.

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Um bom exemplo disto, ocorreu:

[...] com o advento da Constituição Federal, outorgando ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput), e à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos

necessitados (CF, art. 134), houve forte discussão quanto à recepção do art. 68 do CPP, já que, ao promover a ação civil ex delicto em favor de

vítima pobre, o Ministério Público estaria agindo em nome próprio na defesa de interesse alheio, de natureza patrimonial e, portanto, disponível.

Chamado a se pronunciar a respeito do assunto, o Supremo entendeu que

o dispositivo seria dotado de inconstitucionalidade progressiva (ou temporária), ou seja, de modo a viabilizar o direito à assistência jurídica e

judiciária dos necessitados, assegurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXIV), enquanto não houvesse a criação de Defensoria Pública

na Comarca ou no Estado, subsistiria, temporariamente, a legitimidade do Ministério Público para a ação de ressarcimento e de execução prevista no

art. 68 do CPP, sendo irrelevante o fato de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir,

constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do

próprio sustento5.

Um outro bom exemplo, ocorre em relação ao crime de ao obsceno (art. 233 do Código Penal), afinal, é certo que determinada conduta que poderia,

eventualmente, caracterizar o crime em questão à época de edição do Código

Penal (que data de 1940), hoje, já poderia não mais possibilitar a configuração do aludido ilícito.

Integração do ordenamento jurídico

Pessoal, através da edição de normas, o legislador busca regulamentar a

vida em sociedade, com o objetivo facilitar a convivência comum e preservar a paz social.

Contudo, a diversidade de situações que são próprias do nosso cotidiano e o constante processo de transformação e desenvolvimento pelos quais

passamos, impede que o legislador crie uma norma já prevendo todos os fatos que podem surgir no decorrer do período em que ela estiver produzindo seus

efeitos.

5 LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4ª ed. Salvador: Ed. Jus PodVivm, 2016,

p. 98/99.

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Justamente por isso, não são poucos os casos em que o aplicador do direito

acaba se deparando com uma ocorrência para a qual não existe um regramento específico.

O que ocorre, é que por força do princípio da indeclinabilidade da

jurisdição, ainda que inexista lei ou que esta seja omissa, o juiz não pode deixar de decidir as questões que são submetidas à sua apreciação.

Por estes motivos, o legislador tratou de positivar regras voltadas para

suprimir toda e qualquer lacuna existente no direito (as leis possuem lacunas, o

direito não!) e para tanto, estabeleceu que, diante de uma omissão legislativa, o aplicador do direito deveria decidir a lide com base em analogia, costumes e

princípios gerais do direito (art. 4º da LINDB).

Princípios gerais de direito

Os princípios gerais de direito são preceitos basilares, de ordem ética, que

orientam a atividade legislativa e atuam na supressão de lacunas, norteando a elaboração de normas e a aplicação do direito, para conferir coerência ao

ordenamento jurídico e reforçar o ideal de Justiça.

No campo do direito penal, quando atuam como instrumentos de supressão de lacunas, os princípios gerais ganham especial relevância ao nortear

o desenvolvimento de um processo pautado pela salvaguarda de direitos e garantias fundamentais.

Para que se possa visualizar esta regra de uma forma prática, basta

observar as regras constantes do art. 396 ao art. 397 do Código de Processo Penal.

A partir das regras supramencionadas, é possível perceber que, uma vez

apresentada a resposta à acusação, o magistrado deve prontamente deliberar a

respeito da pertinência da absolvição sumária do réu. Contudo, há de se convir que, por ocasião do exercício de seu direito de defesa, o réu pode juntar novas

provas ao processo, por intermédio das quais seja cabalmente comprovada a sua inocência.

A partir disto se pergunta: será que o magistrado deve analisar estas

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provas novas e prontamente absolver o réu? Obviamente não, afinal, similar conduta acabaria cerceando os direitos de contraditório e de acusação do

Ministério Público.

Assim, por força do princípio geral do contraditório, estabelece-se que, com a juntada de provas novas, o magistrado deve, primeiro oportunizar o

contraditório para, somente após este evento deliberar a respeito dos elementos de convicção apresentados.

Costumes

No campo do direito, a expressão “costume” é utilizada para designar a repetição de determinada conduta, que é realizada de maneira constante e

uniforme (critério objetivo), em razão da convicção de sua obrigatoriedade (critério subjetivo).

Trata-se, portanto, de uma regra de conduta que tem como

características:

[...] a sua uniformidade, pois pressupõe sensível e múltipla repetição da

mesma prática; sua constância, pois não pode ser interrompido, sob pena de descaracterizar-se como norma jurídica; sua publicidade, porque obriga

a todos e por todos deve ser conhecido, e sua generalidade, no sentido de alcançar todos os aos e todas as pessoas e relações que realizam os

pressupostos de sua incidência6.

De acordo com a doutrina, os costumes podem ser categorizados em secundum legem (interpretativo), contra legem (negativo) e praeter legem

(integrativo), podendo, a depender da categoria dentro da qual venham a se situar, ser utilizados como critério de interpretação (costumes secundum e

contra legem) ou de supressão de lacunas (costume praeter legem).

Com efeito, pode-se dizer que os costumes serão secundum legem,

sempre que objetivaram auxiliar o intérprete no esclarecimento do conteúdo de certos elementos da norma processual penal, permitindo, assim, uma correta

execução do ato.

6 PRADO. Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 7ª ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 167.

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Por sua vez, consideram-se contra legem os costumes que muito embora sejam socialmente aceitos, são refutados pela lei.

Por fim, remanesce a necessidade de esclarecer que serão praeter legem

aqueles costumes que se destinam a suprimir uma lacuna que foi deixada por uma lei.

Um bom exemplo disso ocorre em relação ao art. 206 do Código de

Processo Penal. Isto porque, no corpo do aludido dispositivo, inexiste qualquer disposição legal que dispensem os partes do ofendido/vítima (pai, mãe, irmão,

etc.) do dever de prestar o compromisso como testemunha; contudo, a praxe

forense tem possibilitado que estas pessoas sejam ouvidas como informantes, dispensado a regra do art. 203 do CPP (que instituiu o compromisso legal de

dizer a verdade, sob pena de configuração do crime de falso testemunho). Aliás, para que a lógica desta regra seja vislumbrada, basta lembrar que a dispensa

do compromisso legal foi estabelecida com objetivo precípuo de viabilizar a preservação da harmonia familiar, ou seja, com o objetivo de evitar que pessoas

ligadas por laços de parentesco ou conjugais sejam obrigadas a deporem detrimento dos interesses de seus entes próximos

Analogia

A analogia é o recurso que possibilita que se aplique a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante.

Trata-se, pois, de um recurso por meio do qual se permite que a solução que uma norma dá para determinada situação, seja utilizada para solucionar um

caso similar para o qual não há qualquer regulamentação legal.

Pode-se dizer, portanto, que para a aplicação da analogia é necessário: (1) que inexista um ato normativo que regule a situação; (2) que exista uma

norma legal que regulamente um caso semelhante; e (3) que o fundamento de ser da norma existente também possa ser aplicado ao caso que carece de

regulamentação.

É por este motivo, aliás, que outrora o Superior Tribunal de Justiça firmou

o entendimento de que:

[...] Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender

que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não

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haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal [...] (REsp 956.876/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA

TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 10/09/2007, p. 307)

Dito isto e a partir da regra constante no art. 4º da LIDB (segundo a qual: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os

costumes e os princípios gerais de direito”), é possível extrair, inicialmente, a existência de duas espécies de analogia: a analogia legal, que ocorre nos casos

em que se aplica ao caso omisso uma lei que regula situação semelhante; e a analogia jurídica, que tem lugar quando se aplica ao caso omisso um princípio

geral do direito.

Concomitantemente com estes fatos, é preciso tomar muito cuidado com

a natureza da norma que será objeto de aplicação analógica.

Isto porque, se estivermos diante de uma norma puramente processual, não haverá quaisquer óbices para que uma eventual lacuna seja suprimida

através da analogia. Isto, aliás, é expressamente autorizado pelo art. 3º do CPP, segundo o qual:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e

aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Contudo, se estivermos diante de uma norma híbrida (que reúne conteúdo

de direito penal e processual), a analogia não poderá ser admitida sob pena de

ser violado o princípio da reserva legal.

Logo, podemos concluir o seguinte: (1) se a norma for puramente processual, a analogia será admitida; (2) se a norma for híbrida: (2.1) a analogia

será admitida em benefício do réu, (2.2) mas jamais poderá ser aceita em seu prejuízo.

Mas Carrasco, em que hipóteses eu posso visualizar a utilização de

analogia dentro do código de processo penal? Bom, um exemplo válido ocorre em relação aos casos em que o Ministério Público deixa de oferecer a proposta

de suspensão condicional do processo à um agente que preenche os requisitos do art. 89 da lei n. 9.099/95; neste caso, diante do silêncio normativo, o

magistrado deve recorrer ao art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça que, então, deverá se concitar a respeito

da (im)pertinência da concessão da benesse.

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A toda sorte, precisamos ter em mente que a analogia é um recurso que

se distancia nitidamente da interpretação extensiva e também da interpretação analógica. Isto porque, enquanto a analogia é um instrumento de supressão de

lacunas que visa aplicar a um fato, para o qual não há regulamentação legal, uma norma que regula uma situação semelhante; as interpretações extensiva e

analógica ocorrem, respectivamente, nos casos em que: se busca ampliar o alcance de uma norma que disse menos do que deveria dizer; ou em que se

amplia o campo de incidência da norma a partir de da instituição de uma cláusula aberta que segue as diretrizes de uma formula casuística.

Aplicação da lei processual penal no tempo

Meus caros, neste ponto, encerramos o estudo das regras de interpretação e de integração do ordenamento jurídico e passamos a analisar a aplicação da

lei processual penal no tempo; e na largada, já gostaria de dizer que este assunto não tem o mesmo nível de detalhamento que nossos últimos tópicos.

Aliás, o enfrentamento deste tópico não nos tomará mais do que alguns

poucos parágrafos. Vejam só.

A aplicação da lei processual no tempo se encontra regulamenta no art. 2º

do Código de Processo Penal, segundo o qual:

Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Mediante uma simples leitura deste dispositivo, já podemos perceber, sem

dificuldade, que a lei processual passa a produzir efeitos tão logo entre em vigor (princípio da aplicação imediata – tempus regit actum); o que significa

que, mesmo com o processo sendo iniciado sob o império de uma lei, uma norma processual superveniente, pode lhe ser aplicada imediatamente, sem causar

qualquer prejuízo aos atos que foram praticados sob a influência da lei antecedente.

É apenas isso? Infelizmente não. A vida de concurseiro não é fácil e o pior de tudo é que o examinador adora dificultá-la. Por isso, além de saber que, em

regra, a lei processual penal produz efeitos imediatos, você também precisa saber que, excepcionalmente, estes efeitos não serão produzidos.

Mas antes de explicar o motivo, preciso que você compreenda que apesar

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de o art. 2º do CPP não estabelecer qualquer distinção entre as normas processuais, com o passar dos anos, a doutrina e jurisprudência trabalharam

persistentemente com uma subdivisão dessas regras e assim, acabaram criando as normas: (1) genuinamente processuais; (2) heterotópicas; e (3)

mistas/híbridas/processuais materiais.

As normas genuinamente processuais são aquelas que cuidam de procedimentos, de atos processuais, de técnicas do processo, etc. À elas se

aplica o art. 2º do CPP.

As normas heterotópicas são aquelas que (1) possuem conteúdo de

direito material, mas que estão previstas dentro de uma lei processual; ou que (2) possuem conteúdo de direito processual, mas estão previstas dentro de uma

lei material. Em suma, há aqui uma situação em que, apesar de o conteúdo da norma conferir-lhe uma determinada natureza, ela se encontra prevista em

diploma de natureza distinta. No primeiro caso, se deve seguir as regras de (ir)retroatividade do art. 1º do Código Penal; para o segundo, devem ser

observadas as regras do art. 2º do CPP.

Já as normas processuais materiais (mistas ou híbridas), são aquelas que abrigam regras direito processual (de procedimento) e de direito

material (normas que se relacionam com o exercício do direito de punir do estado - v.g. direito de queixa, de representação, prescrição e decadência,

perdão, perempção, etc.). Aqui, a regra será diferenciada, pois enquanto o conteúdo processual poderá produzir efeitos imediatos, o conteúdo de direito

material poderá ou não atingir os fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor;

portanto, se a parte material for benéfica para o réu, elas produzirá efeitos imediatos, diversamente, se esta parte de direito material for gravosa para o

réu, ela não poderá ser aplicada em relação aos fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Aliás, um bom exemplo de norma mista pode ser visualizado no art. 366

do CPP, que foi instituído pela Lei 9.271/96. De acordo com o mencionado dispositivo:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir

advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das

provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Percebam que esta norma é considerada mista, porque se de um lado

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versa sobre a suspensão do processo (norma processual), de outro, ela regulamente a suspensão do prazo prescricional (norma de direito material –

versa sobre o direito de punir). Isto significa, que para os crimes praticados antes de 1996, seria perfeitamente possível aplicar a suspensão processual

prevista no aludido dispositivo, mas a regra de suspensão do prazo prescricional não poderia ser aplicada sob pena de ser ofendido o princípio da irretroatividade

da lei penal maléfica.

Aplicação da lei processual penal no espaço

Enquanto a lei penal é regida pelos princípios da territorialidade (art. 5º

do CP) e da extraterritorialidade incondicionada, condicionada e hipercondicionada (art. 7º do CP), o Código de Processo Penal, em regra, adota

o princípio da territorialidade ou da lex fori.

Aliás, sob uma perspectiva extraterritorial, esta regra é adotada por uma razão óbvia: a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional,

logo, ela não pode ser exercida além dos limites das fronteiras do respectivo Estado.

Como consequência disto, mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior (v.g. citação, intimação, interrogatório, oitiva de

testemunha, etc.), a lei processual penal que será aplicada para a execução do ato, será a do país onde o ato, porventura, tiver de ser realizado.

A toda sorte, a doutrina ressalva três hipóteses em que será possível a

aplicação da lei processual de um Estado, fora de seus respectivos limites territoriais, são elas: (1) o caso em que a aplicação da lei processual penal de

um Estado for realizado em um território nullius; (2) quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual; e (3) em caso de guerra,

em território ocupado.

Agora vocês me perguntam: e dentro do território nacional, sempre serão aplicadas as nossas regras de processo? Não. O próprio artigo 1º do CPP ressalva

a possibilidade de as regras do código de processo penal serem afastadas: (1)

por tratados, as convenções e regras de direito internacional; (2) pelas prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de

Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; (3) nos processos

da competência da Justiça Militar; (4) nos processos da competência do tribunal especial; e (5) nos processos por crimes de imprensa.

Uma à uma, vamos ao exame das regras em questão.

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Em relação aos tratados, às convenções e às regras de direito

internacional, a exceção ao princípio da territorialidade ou da lex fori se justifica pelo seguinte motivo: quando o Estado (leia-se: o país) exerce a sua jurisdição,

regulando fatos ocorridos dentro de seu território, com base em suas própria leis, ele está desempenhando o seu poder de soberania. Este poder não é

plenamente irrenunciável e portanto, pode ser afastado em certas circunstâncias, dentre as quais se situam os as convenções, os tratados e as

regras de direito internacional.

Um bom exemplo disso, ocorre em relação aos Embaixadores e Cônsules,

posto que se de um lado a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (aprovada

pelo Decreto Legislativo n. 103/64 e promulgada pelo Decreto n. 56.435/65) estabeleceu que “Os agentes diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição penal no Estado

acreditado (onde exercem suas atividades), não estando, porém, isentos da jurisdição do Estado acreditante (país que representam)”; de outro, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (aprovada pelo Decreto Legislativo n. 106/67 e promulgada pelo Decreto n.

61.078/67), dispôs que “Os funcionários e empregados consulares possuem imunidade de jurisdição, desde que referente a atos criminosos cometidos no exercício das funções consulares”; “os cônsules não representam o Estado acreditante, mas sim os interesses

(comerciais, econômicos, culturais, científicos) deste Estado e de seus cidadãos perante o Estado receptor”.

Já em relação à impossibilidade das normas do código de processo penal

serem aplicadas por força das “prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente

da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade”, o que se tem é uma exceção de jurisdição política.

Diz-se isto, porque a par de a lei se valer da expressão “crimes de

responsabilidade”, os ilícitos que nela se encontram previstos não podem ser qualificados como infrações penais, pelo fato de não serem sancionados com as

penas que são próprias da esfera criminal; verdadeiramente, há aqui o estabelecimento de infrações políticas, da alçada do direito constitucional que,

quando praticadas, somente justificam a imposições de sanções políticas (como a perda do cargo, a inelegibilidade temporária, etc.), sem possibilitar a privação

da liberdade do agente; medida esta que é executada mediante as regras constantes no art. 52, I e II, da Constituição Federal.

Para além disto, também os processos da competência da Justiça Militar não se sujeitam às regras do Código de Processo Penal, mas aqui o motivo é

simples e decorre do fato de que no âmbito da Justiça Militar/Justiça Castrense, são aplicadas, por força do art. 124 e do art. 125, § 4º, da Constituição Federal,

as disposições do Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/69) e do Código de

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Processo Penal Militar (Decreto-lei 1.002/69).

Mas neste ponto é necessária atenção! Muita atenção! Pois o próprio código de processo penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem

supridos pela legislação de processo penal comum! Portanto, excepcionalmente, por imperativo do art. 3º, “a”, do CPPM, é possível que diante da omissão do

CPPM, sejam aplicadas, ao caso concreto, as regras do CPP.

No mais, restam as ressalvas que hoje já não possuem mais aplicabilidade. São elas: a ressalva dos processos da competência do tribunal especial; e a

ressalva dos processos por crimes da lei de imprensa.

Mas porque estas regras já não são mais aplicáveis? Meus caros, de um

lado, a regra constante no art. 1º, IV, do CPP não tem mais aplicabilidade porque expressão “Tribunal Especial” faz alusão Tribunal de Segurança Nacional que já

foi extinto pela Constituição Federal de 1946; de outro, a ressalvado do art. 1º, V, do CPP não mais se aplica em razão de o Supremo Tribunal Federal ter julgado

procedente o pedido que havia sido formulado na ADPF 130, para o fim de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de

dispositivos da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).

Aplicação da lei processual penal em relação às pessoas

Como regra, o sistema jurídico nacional fixa a obrigatoriedade da lei penal

e processual penal para todas as pessoas que se encontram no território brasileiro, sem qualquer distinção pessoal.

Em alguns casos, no entanto, a aludida regra acaba sendo mitigada por

algumas regras constitucionais que abrem margem para imunizar contra as normas brasileiras: (1) os diplomatas; (2) os parlamentares, (3) o Presidente

da República; e (4) os Deputados Estaduais e Vereadores.

Em relação às imunidades diplomáticas, é preciso considerar que originalmente, as embaixadas eram consideradas território do país representado

(v.g. uma embaixada francesa, situada no Brasil, era considerada território

francês), contudo, após a Convenção de Viena (que foi aprovada pelo Decreto

Legislativo n. 103/64 e promulgada pelo Decreto n. 56.435/65), a regra supramencionada

foi alterada e com isso, as embaixadas deixaram de ser consideradas território do

país representado (v.g. a embaixada francesa, situada no Brasil, passou a ser considerada parte do território brasileiro).

Mesmo diante disto, acabaram sendo preservadas as chamadas

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“imunidades diplomáticas”, a que estão sujeitos: (1) os agentes diplomáticos (embaixador, secretários da embaixada, pessoal técnico das

representações – art. 31, “1” e 37, “1”, ambos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas); e (2) os membros da família dos agentes diplomáticos

(art. 37, “1”, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas);

Isto significa, que o agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado, não podendo ser responsabilizado ou processado

criminalmente de acordo com as leis do país em que estiver de missão (muito embora a existência desta imunidade não isentará o agente diplomático da

jurisdição do Estado acreditante - de seu país de origem).

Mas Carrasco, como ficam os cônsules?

Os cônsules (e os empregados consulares) possuem uma imunidade mais

restrita, que somente os protege da Jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado receptor se os atos por eles praticados tiverem sido

executados no exercício de suas funções consulares (art. 43, “1” da Convenção de Viena sobre Relações Consulares); mas mesmo nesta última hipótese, o

agente não ficará isento da jurisdição do Estado acreditante (de seu país de origem).

Para sintetizar, a ideia é a seguinte:

(1) Se uma infração penal é cometido dentro de uma embaixada que se encontra em

território brasileiro, à ela poderá ser aplicada a norma nacional;

(2) Se uma infração penal é cometida por embaixador, ela somente poderá ser

processada e sancionada pelo país acreditante (país de origem do embaixador);

(3) Se uma infração penal é cometida por um cônsul, no exercício de suas funções, ela

poderá ser apurada pelo país acreditante (país de origem do cônsul); ao revés, se a

infração for praticada por um cônsul, fora do exercício de suas funções, ela poderá ser

apurada pelo país acreditado.

As imunidades parlamentares, por sua vez, foram criadas para assegurar o direito à ampla liberdade de palavra destas pessoas no exercício de suas

funções; prerrogativas estas que atingem não só os deputados federais e senadores, como também os deputados estaduais por força da regra constante

no art. 27, § 1º, da CF.

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Tendo esclarecido isto, precisamos observar que as referidas imunidades

se dividem em: materiais e formais.

As materiais, que também são denominadas de inviolabilidades, asseguram aos parlamentares o direito à liberdade de expressão por meio de

suas opiniões, palavras e votos; já as imunidades formais, se traduzem nas garantias que são conferidas aos parlamentares no âmbito do processo criminal.

Dito de uma forma mais simples, a ideia é a seguinte:

(1) As imunidades materiais impedem que os parlamentares respondam pela prática de

crimes contra a honra (arts. 138 à 145 do Código Penal), por incitação ao crime (art.

286 do CP), por apologia ao crime (art. 287 do CP), etc. Em suma, impede-se que os

ocupantes dos cargos supramencionados venham a responder por abusos que

eventualmente pratiquem por ocasião da manifestação de seu pensamento.

(2) As imunidades formais impedem que o parlamentar seja preso (ressalvados os casos

de flagrante delito de crime inafiançável, ou, ainda, quando definitivamente

condenado). Trata-se, pois, de uma prerrogativa que atinge os fatos praticados após

a diplomação (investidura do parlamentar no cargo) e que perdura até o

encerramento do mandado, impedindo que o parlamentar seja preso pela prática de

crime afiançável perpetrado durante a vigência de seu mandado.

Mas será que apenas os parlamentares possuem estas imunidades? Não! O Presidente da República, durante o exercício de seu mandato, também possui

imunidades em relação à prisão e à instalação da ação penal.

De uma forma mais detida, o que se pode dizer é que o Presidente da

República somente poderá ser preso em razão da superveniência de uma sentença penal condenatória, sendo vedado, por expressa disposição

constitucional (art. 86, § 3º, do CPP), que lhe seja aplicada qualquer modalidade de prisão provisória; o que significa que, independentemente do crime que

praticar, o presidente de nosso país não poderá ter a sua liberdade cerceada por prisão em flagrante, prisão preventiva ou mesmo prisão temporária.

Já no que se refere à ação penal, as imunidades em apreço exigem que o

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presidente somente seja processado mediante a autorização da Câmara dos Deputados, que deve ser obtida pelo voto de 2/3 (dois terços) dos membros

daquela casa.

Carrasco, então o presidente pode ser processado? Sim! Mas é necessário atenção, pois o procedimento vai variar a depender da natureza do crime que,

porventura, tiver sido praticado.

Isto significa, que se o presidente tiver praticado um crime comum, caberá ao Procurador Geral da República (chefe do Ministério Público da União) a

incumbência de oferecer denúncia perante o Supremo Tribunal Federal que, por

sua vez, encaminhará ofício à Câmara dos Deputados solicitando uma autorização para a instalação da ação penal (art. 86, caput, da CF), de posse da

qual, o Presidente ficará afastado de suas funções pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

Já em relação aos crimes de responsabilidade (que se encontram previstos

na lei 1.079/50), as regras são sensivelmente distintas. Isto porque, nestes casos, a denúncia pode ser oferecida por qualquer cidadão à Câmara dos

Deputados que, por sua vez, autorizará que o processo se desenvolva perante o Senado Federal que, a partir de então, ficará obrigado a processar o Presidente

(art. 86, caput, da CF). Eis o famoso processo de impeachment.

Mas afinal, o presidente poderá ser preso, sim ou não? Depende! Provisoriamente, jamais; agora, por força de sentença penal condenatória, a

prisão será perfeitamente possível (art. 86, § 3º, do CP).

Disposições constitucionais aplicáveis ao processo penal

Em um estado democrático de direito, independentemente da natureza

que possuam, todas as normas devem guardar estrita compatibilidade com os ditames que emanam da Constituição Federal, pois em última análise, é esta

norma matriz quem atua como pilar de sustentação de todo o ordenamento jurídico.

Pelo fato de a liberdade ser um dos bens jurídicos mais caros ao ser humano, um tratamento especial lhe foi conferido pelos art. 5º, caput e LXI e

pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, que não só trataram de assegurar o direito de liberdade, como também estabeleceram a impossibilidade de ele vir

a ser abolido por obra do legislador constituinte derivado, ressalvando, contudo, a possibilidade de ser operada a prisão daquele que, porventura, atentasse

contra a ordem jurídica vigente.

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Neste contexto, por se tratarem dos ramos do direito que avalizam a

prática de atos de violência contra a liberdade pessoal, o direito penal e processual penal se correlacionam intimamente com diversas normas

constitucionais, as quais, por sua extensão, seguem enumeradas na tabela a seguir:

DISPOSITIVO É IMPORTANTE LEMBRAR!

Art. 5º, LIII, da CF. Ninguém será

processado nem sentenciado senão

pela autoridade competente;

Em virtude desta garantia, o indivíduo somente

poderá ser julgado por autoridade competente.

Art. 5º, LIV, da CF. Ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal;

Esta garantia impede que qualquer pessoa seja

privada de sua liberdade ou de seus bens sem que

contra ela seja instaurado um processo no qual sejam

resguardados os seus direitos de contraditório e de

ampla defesa.

Art. 5º, LV, da CF. Aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e

aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes;

Enquanto a ampla defesa é a garantia constitucional

que assegura ao acusado a possibilidade de se calar

e de trazer para o processo todos os elementos

necessários para o esclarecimento da verdade; o

contraditório é a exteriorização daquela primeira

garantia, o qual se efetiva a partir do momento em

que a pessoa é informada do ato processual e,

sobretudo, da possibilidade de contra ele reagir/de

produzir prova em sentido contrário

Art. 5º, LVI, da CF. São inadmissíveis,

no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos;

Não se admitem, em processo penal, as provas

adquiridas por meios ilícitos (leia-se: provas obtidas

em violação a normas constitucionais ou legais).

Cuidado! Apesar de a vedação recair sobre as provas

ilícitas, as provas ilegítimas também não são

admitidas.

Art. 5º, LVII, da CF. Ninguém será

considerado culpado até o trânsito em

julgado de sentença penal

condenatória;

Esta garantia consistia no direito de não ser declarado

culpado, senão após o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória, proferida ao término de

um processo no qual houvessem sido observadas

todas as garantias fundamentais; contudo, com a

decisão proferida pelo plenário do STF no julgamento

do HC 126.292, esta garantia passou a consistir no

direito de não ser declarado culpado senão após a

prolação de um acórdão condenatório oriundo de

Tribunais de Apelação.

Art. 5º, LVIII, da CF. O civilmente

identificado não será submetido a

identificação criminal, salvo nas

hipóteses previstas em lei;

Quer-se aqui dizer que aquele que já possui

documentos de identidade só precisará se submeter

à identificação criminal nas hipóteses previstas em

lei.

Art. 5º, LIX, da CF. Será admitida ação

privada nos crimes de ação pública, se

O que se busca neste dispositivo é garantir que a

vítima (ou seu representante) possa acionar as vias

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esta não for intentada no prazo legal; judiciais para ver sancionado aquele que praticou um

ilícito penal e que, a princípio, poderia se subtrair de

sua responsabilização em virtude da inércia do Órgão

de Acusação.

Art. 5º, LX, da CF. A lei só poderá

restringir a publicidade dos atos

processuais quando a defesa da

intimidade ou o interesse social o

exigirem;

Tem-se aqui a ideia de que, em regra, todos os atos

realizados por órgãos oficiais deverão ser públicos,

ressalvados aqueles cuja publicidade, por ventura,

vier a prejudica a intimidade ou interesse social.

Art. 5º, LXI, da CF. Ninguém será

preso senão em flagrante delito ou por

ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente,

salvo nos casos de transgressão

militar ou crime propriamente militar,

definidos em lei;

Consagra-se, neste dispositivo, a ideia de que a

prisão é a ultima ratio.

Art. 5º, LXII, da CF. A prisão de

qualquer pessoa e o local onde se

encontre serão comunicados

imediatamente ao juiz competente e à

família do preso ou à pessoa por ele

indicada;

Busca-se, com esta regra, um reforço ao direito de

liberdade.

Art. 5º, LXIII, da CF. O preso será

informado de seus direitos, entre os

quais o de permanecer calado, sendo-

lhe assegurada a assistência da família

e de advogado;

Há, aqui, a consagração da vedação da

autoincriminação.

Art. 5º, LXIV, da CF. O preso tem

direito à identificação dos

responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial;

Este direito é salvaguardado através do art. 306, §

2º, do CPP, segundo o qual, no prazo de 24h, contado

da prisão em flagrante, será entregue ao preso,

mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o

nome do condutor e os das testemunhas.

Art. 5º, LXV, da CF. A prisão ilegal

será imediatamente relaxada pela

autoridade judiciária;

Este dispositivo busca evitar que prisões ilegais sejam

preservadas por um longo período de tempo;

Art. 5º, LXVI, da CF. Ninguém será

levado à prisão ou nela mantido,

quando a lei admitir a liberdade

provisória, com ou sem fiança;

Em nosso ordenamento jurídico a prisão é a exceção

(a ultima ratio); e a liberdade, a regra.

Art. 5º, LXVIII, da CF. Conceder-se-

á habeas corpus sempre que alguém

sofrer ou se achar ameaçado de sofrer

violência ou coação em sua liberdade

de locomoção, por ilegalidade ou

abuso de poder;

Como a liberdade é a regra, toda e qualquer limitação

do direito de ir e vir que não estiver amparado por

normas constitucionais ou infraconstitucionais deve,

invariavelmente, ser afastada.

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A toda sorte, precisamos lembrar que, quando cobradas em prova, estas

garantias costumam aparecer na forma de princípios; e o que são princípios? Princípios (como já dito) são os preceitos basilares, de ordem ética, que orientam

a atividade legislativa e atuam na supressão de lacunas, norteando a elaboração de normas e a aplicação do direito, para conferir coerência ao ordenamento

jurídico e reforçar o ideal de Justiça.

Dentre os vários princípios que possuímos no ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se, em especial, os princípios: (1) da presunção de

inocência; (2) da verdade real; (3) do devido processo legal; (4) do

contraditório; (5) da ampla defesa; (6) da igualdade processual; (7) da publicidade; (8) da motivação dos atos decisórios; (9) da inadmissibilidade das

provas obtidas por meios ilícitos; (9) do nemo tenetur se detegere; (10) do juiz natural; (11) do juiz imparcial: (12) do in dubio pro reo; e (13) da razoável

duração do processo.

Então, para que possamos encerrar a aula de hoje, vamos começar a analisar cada um destes princípios.

O princípio do estado de inocência/da presunção de inocência/da

presunção de não-culpabilidade, consistia no direito de não ser declarado culpado, senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória,

proferida ao término de um processo no qual tenham sido observadas todas as garantias fundamentais; contudo, após o julgamento do HC 126.292, o STF deu

uma nova roupagem à este princípio que passou a consistir no direito de não ser

declarado culpado senão após a prolação de um acórdão condenatório, unânime, oriundo de Tribunais de Apelação. Deste princípio decorrem as seguintes

consequências: (1) o ônus da prova dos fatos que constituem o direito de punir é da acusação; (2) ao proferir a sentença condenatória, o juiz deve estar

convencido da responsabilidade do suposto criminoso, pois, na dúvida, deverá absolve-lo com base no princípio do in dubio pro reo.

Mas em que consiste o princípio do in dubio pro reo? Este postulado,

que por vezes se apresenta com a denominações de princípio do favor rei ou do favor libertatis, designa a ideia de que, no conflito entre o jus puniendi do Estado

e o jus libertatis do acusado, a balança deve se inclinar em favor deste último.

Por força deste princípio, são atribuídos ao réu os seguintes benefícios: (1) na dúvida, impõe-se a sua absolvição; (2) é vedada a reformatio in pejus em

caso de recurso exclusivo da defesa; (3) não é possível a revisão criminal pró

societate; e (4) há recursos exclusivos da defesa (v.g. os embargos infringentes

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e os embargos de nulidade).

Por sua vez, o princípio da verdade real/material/judicial, expressa a ideia de que a decisão proferida ao final do processo penal deve se aproximar

o máximo possível da forma como os fatos realmente aconteceram. Por outras palavras, podemos dizer que a verdade formal, que surge a partir dos

argumentos e das provas produzidas pelas partes e que podem ou não corresponder à realidade dos fatos, não deve ser aplicada para o processo penal;

à este, deve ser aplicada a verdade real, que é aquela que mais se aproxima da realidade dos fatos. Neste contexto e pelo fato de a prova penal ser uma

reconstrução histórica dos fatos, pouco importa se eles (os fatos) são

incontroversos, eis que sempre prevalecerá a busca pela realidade fática (o que significa, por exemplo, que a confissão isolada do réu poderá não ser

considerada como prova idônea o bastante para justificar uma eventual condenação). Esta forma de verdade vigora no direito penal em razão da

qualidade dos direitos que aqui são analisados (direitos fundamentais).

Mas atenção! Liguem o sinal de alerta, pois a verdade real não pode ser buscada à qualquer custo! Ela encontra várias limitações em nosso ordenamento

jurídico e uma das principais recai em relação ao princípio que veda a produção de provas ilícitas!

Isto significa, que, a pretexto de obter a verdade real, o julgador não pode

autorizar a produção de uma prova proibida pelo ordenamento jurídico; postulado este que, inclusive, pode ser expressado através do princípio da

inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, por força do qual não se

admitem, em processo penal, as provas obtidas mediante a violação de normas constitucionais ou infraconstitucionais (art. 5º, LVI, da CF e art. 157 do CPP).

Nada obstante, é preciso ter em mente que este postulado (da verdade

real), não vige em sua plenitude, eis que em certas hipóteses prevalece a verdade formal. Isto ocorre, por exemplo, quando são descobertas novas provas

incriminadoras após a prolação da sentença absolutória; neste caso, pelo fato de o ordenamento jurídico pátrio vedar a revisão criminal pró societate, a

descoberta destes novos elementos de convicção (que apontam para a verdade real) não viabilizará a reabertura do processo criminal.

Já o princípio do devido processo legal/due process of law assegura

que ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF e art. XI, 1, da Declaração Universal dos

Direitos do Homem).

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Este postulado, visa não só salvaguardar o direito de liberdade e o direito de propriedade do cidadão contra atos do poder público, como também busca

assegurar que o indivíduo tenha os seus direitos e garantias fundamentais respeitadas no desenvolvimento da persecução penal.

A propósito, precisamos lembrar que são corolários do devido processo

legal, o princípio da igualdade processual e os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Assim, enquanto a ampla defesa se traduz em uma garantia

constitucional que assegura ao acusado a possibilidade de se calar e de trazer

para o processo todos os elementos necessários para o esclarecimento da verdade (art. 5º, LV, da CF e art. 263 do CPP); o princípio do contraditório

consiste no meio de exteriorização da ampla defesa, que somente poderá ser exercida a partir do momento em que o acusado: (1) obtiver informações a

respeito do ato processual praticado; e (2) puder reagir ou produzir prova em sentido contrário (art. 5º, LV, da CF).

Aliás, como forma de salvaguardar o direito de ampla defesa, também foi

adotado, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do nemo tenetur se detegere/da vedação da obrigatoriedade de autoincriminação!

Este princípio, que possui uma importância ímpar para a elucidação do

fato, expressa a ideia de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, fato este que, inclusive, traz diversas implicações para o processo

penal, dentre as quais se destacam: (1) direito de silêncio; (2) direito de não

ser constrangido a confessar a prática do ilícito; (3) inexigibilidade de dizer a verdade; (4) direito de não praticar comportamentos ativos que possam vir a

lhe incriminar; e (5) direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva.

Ah! Se porventura restou alguma dúvida a respeito da forma de aplicação

deste princípio, basta lembrar que é por força dele que ninguém pode ser compelido a realizar o teste de alcoolemia (bafômetro) por ocasião de uma

abordagens policiail!

Para além deste ponto, precisamos reconhecer que muitas vezes a salvaguarda dos princípios do contraditório e da ampla defesa é insuficiente para

assegurar o respeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da CF).

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Como consectário disto, o legislador brasileiro ainda estabeleceu o princípio da igualdade processual/isonomia/paridade/par conditio, por

força do qual tratou de assegurar que as partes recebessem o mesmo tratamento no processo.

Através de outras palavras, o que se pode dizer é que a igualdade de

armas consiste na necessidade de se assegurar às partes o equilíbrio de forças, de modo que, em determinadas situações, é possível dar a uma das partes um

tratamento especial com objetivo de suprir eventuais desigualdades (princípio do indubio pro reu e o princípio favor rei).

Mas Carrasco, de que forma eu posso visualizar esse princípio sendo aplicado pelo Código de Processo Penal? Bom, um exemplo bem interessante é

o prazo em dobro que a lei processual concede à defensoria pública, sem estender similar benefício para os advogados constituídos. Percebam meus caros

que a lógica por detrás desta regra é justamente a diferença das situações em que se encontram os defensores públicos e os defensores particulares e que se

justifica porque, se de um lado a defensoria pública (órgão extremamente assoberbado) deve assumir o patrocínio dos interesses de pessoas

hipossuficientes (pouco importando o volume de trabalho já existente), de outro, os advogados particulares sempre tem a possibilidade de recusar o patrocínio

de uma ou outra ação penal a depender, por exemplo, do elevado número de tarefas que já acumularam.

Em todo caso, é necessário atentar que a efetividade dos postulados de

contraditório e de ampla defesa restaria comprometida na hipótese de o teor da

decisão jurisdicional não ser informado à parte; mais do que isso, há de se reconhecer, que o sigilo dos atos processuais poderia, em muitos casos,

estimular práticas abusivas, como a produção de provas ilícitas ou o arquivamento indevido de ações penais.

Por estes motivos, como forma de instrumentalizar as regras de

contraditório e de ampla defesa, o constituinte tratou de positivar o princípio da publicidade, por intermédio do qual estipulou que a lei só poderia restringir

a publicidade dos atos quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (arts. 5º, LX, e 93, IX, ambos da CF).

A este respeito, ainda é importante atentar que em nosso ordenamento

jurídico, há duas espécies de publicidade: a plena/geral, que admite o acesso dos autos do processo por qualquer pessoa (sendo esta, inclusive, a regra

vigente no processo penal); e a restrita/especial, em virtude da qual o acesso

aos autos somente é permito à um número reduzido de pessoas (o que pode ser

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vislumbrado em relação aos os crimes contra a dignidade sexual, para os quais art. 234-B do CP estabelece a necessidade de ser salvaguardado o competente

sigilo).

A toda sorte, de nada adiantaria a salvaguarda dos direitos de contraditório e de ampla defesa, bem como a observância da regra de publicidade, se o

pronunciamento jurisdicional fosse lançado aos autos sem a exposição das razões que levaram o magistrado a decidir desta ou daquela maneira.

Por estes motivos, o princípio da motivação dos atos decisórios

estabelece que as decisões proferidas pelo magistrado devem ser sempre

fundamentadas/motivadas, ainda que de forma sucinta (art. 93, IX, da CF); afinal, somente conhecendo os motivos que estão por detrás da decisão, é que

o réu poderá apresentar os argumentos que, eventualmente, poderão vir a ser considerados idôneos para viabilizar a reforma do decisum.

Como vocês puderam perceber, todos os princípios que estudamos até

este momento estão diretamente correlacionados; e isto ocorre, porque o processo judicial existe para que o direito de punir não seja exercido de forma

arbitrária.

Agora eu pergunto: se o juiz se sujeitasse à influências externas (como a opinião pública) e fosse amigo ou inimigo de qualquer das partes, será que a

decisão jurisdicional refletiria a verdade real? Será que os direitos de contraditório e de ampla defesa seriam exercitados com observância da regra

de isonomia? Ou será que uma ou outra parte seriam favorecidas por possuírem

determinados laços com o julgado? Por óbvio, a presença das circunstâncias supramencionadas comprometeria a lisura e a justiça da decisão judicial.

Por estes motivos, além de todos os princípios que foram apontados até

este ponto, o nosso ordenamento jurídico ainda adota os princípios do juiz natural e do juiz imparcial que, inclusive, são de fácil compreensão.

Digo isto, porque o princípio do juiz natural determina que o magistrado

deve ser previamente conhecido segundo regras objetivas de competência, estabelecidas anteriormente à infração penal, investido de garantias que

asseguram a mais absoluta independência e imparcialidade (art. 5º, LIII, da CF).

Como consequência deste postulado, surge, por exemplo, a vedação aos juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, da CF), que são os tribunais

constituído após o fato criminoso para o seu julgamento.

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Nada obstante, há ainda o princípio do juiz imparcial, que visa

salvaguardar a lisura das decisões judiciais ao estabelecer que o juiz deve atuar de forma desinteressada em relação ao conflito que existe entre as partes.

Mas, será que esta imparcialidade seria possível se, por exemplo, o

magistrado pudesse ser exonerado de seu cargo à qualquer momento? Obviamente, a resposta é negativa.

Assim, para assegurar a imparcialidade, foram instituídas algumas

garantias e vedações em favor dos julgadores, são elas:

(1) Garantias: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (art. 95, I, II,

e III, da CF).

(2) Vedações: (1) exercer ainda que tendo disponibilidade, outro cargo ou função pública,

salvo o de magistério, (2) receber a qualquer título ou pretexto, coisa ou participações em

processo, (3) dedicar-se a atividade político-partidária, (4) receber a qualquer título o

pretexto auxílios, contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas,

ressalvadas as exceções previstas em leis e (5) exercer advocacia no juízo ou no tribunal

do qual se afastou antes de decorridos três anos do seu afastamento.

Para fechar este tópico, precisamos lembrar que a investigação e o processo penal são fábricas de danos das mais eficientes; e isto pode ser

constatado pelo fato de que a sociedade em geral dificilmente vê com bons olhos aqueles que declaram ter sido (ou que não conseguem ocultar que foram)

investigados ou processados em algum momento de suas vidas.

A opinião pública não perdoa e em um palco onde informações são divulgadas de forma incompleta e opiniões são expressadas (e disseminadas)

sem qualquer balizamento técnico, a dignidade daquele que foi ou está sendo processado, é uma das últimas preocupações do público em geral, que, muitas

vezes amparado pelo anonimato, tece críticas severas à um comportamento

que, muitas vezes, sequer foi realmente adotado.

Por estes motivos (intenção de reduzir os danos processuais e de não eternizar a duração de um processo), o legislador constituinte tratou de positivar

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um último postulado: o princípio da duração razoável do processo/da brevidade processual, através do qual tratou de assegurar que o processo

deve se desenvolver dentro do tempo necessário/indispensável para atingir a sua finalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF).

Pessoal, com estas considerações, chegamos ao fim da nossa primeira

aula; e ainda que o conteúdo examinado até este ponto já tenha sido um tanto quanto extenso, eu gostaria de deixar claro que na medida em que as nossas

aulas forem avançando, não só retomaremos alguns dos conceitos e regras que estudamos na aula de hoje, como também trataremos de aprofundar o exame

dos princípio que aqui foram apresentados.

Por isso, por enquanto, desejo-lhes um bom descanso e desde já deixo o

convite para que vocês voltem a me fazer companhia no exame dos demais tópicos do edital do concurso da Polícia Rodoviária Federal!

Um grande abraço e até a próxima!