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Direito Processual Penal Aury Lopes Jr

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  • ISBN 978-85-02-16137-5

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Lopes Jr., AuryDireito processual penal / Aury Lopes Jr. 9. ed. rev. e atual. So Paulo : Saraiva, 2012.

    1. Processo penal Brasil I. Ttulo. II. Srie.

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil : Processo penal : Direito penal 343.1(81)

    Diretor editorial Luiz Roberto CuriaGerente de produo editorial Lgia Alves

    Editora Thas de Camargo RodriguesAssistente editorial Aline Darcy Flr de Souza

    Produtora editorial Clarissa Boraschi MariaPreparao de originais, arte, diagramao e reviso Know-how Editorial

    Projeto grfico Mnica LandiServios editoriais Elaine Cristina da Silva e Kelli Priscila Pinto

    Capa Casa de Ideias / Daniel RampazzoProduo grfica Marli Rampim

    Produo eletrnica Know-how Editorial

    Data de fechamento da edio: 1-3-2012

    Dvidas?

    Acesse www.saraivajur.com.br

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou formasem a prvia autorizao da Editora Saraiva. A violao dos direitos autorais crimeestabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • Para o velho Aury, pelo exemplo de vida e de superao.

    Para minha me, simplesmente por tudo.

    Faltam palavras que deem conta da complexidade dos sentimentos que me unem a vocs.

    Agradeo a Deus, Ele sabe por qu...

  • Thaisa e Carmella...

    Por vocs conseguiria at ficar alegre

    Pintaria todo o cu de vermelho

    Eu teria mais herdeiros que um coelho

    Eu aceitaria a vida como ela

    Viajaria a prazo pro inferno

    Eu tomaria banho gelado no inverno

    Eu mudaria at o meu nome

    Eu viveria em greve de fome

    Desejaria todo dia,

    A mesma mulher...

    (Por Voc/Baro Vermelho)

  • Mara....

    J me acostumei com a tua voz

    Com teu rosto e teu olhar

    Me partiram em dois

    E procuro agora o que minha metade

    Quando no ests aqui

    Sinto falta de mim mesmo

    E sinto falta do meu corpo junto ao teu

    (Sete Cidades/Legio Urbana)

  • Em homenagem a

    EDUARDO COUTURE E JAMES GOLDSCHMIDT, CUJAS LIES DE HUMANIDADE E ALTRUSMO DEVERIAM SERVIR DEINSPIRAO PARA A CONSTRUO DE UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA E TOLERANTE

    (...)En el mes de octubre de 1939 recib una carta del Profesor Goldschmidt, que fue

    Decano de la Facultad de Derecho de Berln, escrita desde Cardiff, en Inglaterra. Yacomenzada la guerra, en ella me deca lo siguiente: conozco sus libros y tengoreferencias de Ud. Estoy en Inglaterra y mi permiso de residencia vence el 31 dediciembre de 1939. A Alemania no puedo volver por ser judo; a Francia tampoco porquesoy alemn; a Espaa menos an. Debo salir de Inglaterra y no tengo visa consular parair a ninguna parte del mundo.

    A un hombre ilustre, porque en el campo del pensamiento procesal, la rama delderecho en que yo trabajo, la figura de Goldschmidt era algo as como una de lascumbres de nuestro tiempo, a un hombre de esta inslita jerarqua, en cierto instante desu vida y de la vida de la humanidad, como una acusacin para esa humanidad le faltabaen el inmenso planeta, un pedazo de tierra para posar su planta fatigada. Le faltaba aGoldschmidt el mnimo de derecho a tener un sitio en este mundo donde soar y morir.En ese instante de su vida a l le faltaba el derecho a estar en un lugar del espacio. Nopoda quedar donde estaba y no tena otro lado donde poder ir. Pocas semanas despusGoldschmidt llegaba a Montevideo.

    Yo nunca olvidar aquel viaje hecho ya en pleno reinado devastador de lossubmarinos. Vino en un barco ingls, el Highland Princess, en un viaje de pesadilladonde a cada instante un submarino poda traer la muerte, con chaleco salvavidassiempre puesto, viajando a oscuras. Angustiado lo vi llegar una tarde de otoo llena deluz, serenidad y calma a Montevideo.

  • Sumrio

    PrefcioProf. Dr. Jacinto Nelson de Miranda CoutinhoPrefcioProf. Dr. Geraldo PradoPrefcioProf. Dr. Cezar Roberto BitencourtNota do Autor Primeira Edio do Volume INota do Autor para esta Edio

    Captulo IUM PROCESSO PENAL PARA QU(M)? BUSCANDO O FUNDAMENTO DA SUA EXISTNCIA

    1. Breve Anlise da Histria da Pena de Priso e do Processo Penal

    1.1. Breve Histria da Pena de Priso

    1.2. Da Autotutela ao Processo Penal

    2. Constituindo o Processo Penal desde a Constituio. A Crise da Teoria das Fontes. A Constituio como Abertura doProcesso Penal

    3. Superando o maniquesmo entre interesse pblico versus interesse individual. Inadequada Invocao do Princpio daProporcionalidade

    4. A Influncia dos Movimentos Repressivistas. Tolerncia Zero para Qu(m)? Desvelando a Hipocrisia do Discurso

    5. Princpio da Necessidade do Processo Penal em Relao Pena

    6. Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal

    7. Quando Cinderela ter suas Prprias Roupas? Respeitando as Categorias Jurdicas Prprias do Processo Penal (ouAbandonando a Teoria Geral do Processo)

    Captulo IITEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURDICA DO PROCESSO (PENAL)

    1. Introduo: As Vrias Teorias

  • Prefcio

    PROF. DR. JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO

    Quanta iluso!... O cu mostra-se esquivoe surdo ao brado do universo inteiro...de dvidas cruis prisioneiro,tomba por terra o pensamento altivo.

    (Tobias Barreto Ignorabimus. In Livro dos Sonetos:1500-1900 (poetas portugueses e brasileiros). Org. de Sergio Faraco.

    Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 50.)

    Esse quarteto de rima entrelaada do soneto de Tobias Barreto (o gnio sergipano quePernambuco deu ao mundo pelo Direito) presta-se, como parfrase, a explicar asdificuldades que gente como o Professor Doutor Aury Lopes Jr. encontra para mover ocu do senso comum terico dos juristas no Direito Processual Penal. So homens emulheres assim, porm com esta postura , que mudam o mundo porque, sem ofenderningum (isso seria ingnuo e ato tpico de adolescente), ousam criar, ousam discordar,ousam transformar colocando em crise o status quo. Da crise de krsis (do grego),aparentada prxima de kritik (crtica) e kritrion (critrio), ou seja, aquilo que permite qui como princpio separar o joio do trigo. Sem isso, contudo, no h evoluodemocrtica, justo em razo de no se ter corte epistemolgico (como queria Bachelard),dado tudo permanecer como dantes, ou melhor, pior que antes, porque a vida no espera oDireito e faz seus estragos fomentada por ele quando, em si, traz a marca do caolho;embora a esteja a maior prova de que Marx s morreu como igreja (mutatis mutandis,como Nietzsche anunciou a morte de Deus), isto , a tentativa (de todo primria e infantil)

  • Prefcio

    PROF. DR. GERALDO PRADO

    A Constituio da Repblica de 1988 fruto de processo histrico de ruptura, em graubastante significativo, com as bases autoritrias que sempre dominaram o Brasil e que, nocampo do Direito, constituram os fundamentos para a formao dos profissionais da reajurdica.

    Como alertei em Transao Penal (2 ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 83),fazendo coro com MRITI DE SOUZA (e bem poderia ser tambm com Hegel!), asrepresentaes construdas sobre a sociedade nacional (...) deveriam ser encontradas deforma encarnada no corpus jurdico da nao e na Constituio.

    Assim, a nossa (de brasileiros) compreenso acerca do papel que, no mbito doProcesso Penal concreto, exercitam os diversos sujeitos que participam dele, do acusadoao Delegado de Polcia, passando pelo Ministrio Pblico, Defensor e juiz, haveria de serextrada desse corpus, desse conjunto de leis que supostamente ditaram o modo como seadministrava a Justia Criminal em nosso Pas.

    Com leis que desde a Independncia serviram de instrumento hegemonia do controlesocial via represso, buscando a princpio assegurar o sucesso do empreendimentoeconmico fundado na explorao de escravos e, posteriormente, na igualmente efetivaexplorao de mo de obra assalariada sem qualquer organizao social, o Direito e oProcesso Penal dos bacharis brasileiros somente conseguiram ser bem-sucedidos porqueo ensino jurdico havia se estruturado para dar conta dessa tarefa!

    Estou convencido de que mais do que leis, que pegam ou no pegam na arena doensino e do estudo do Direito que so travadas as mais importantes batalhas entre a

  • Prefcio

    PROF. DR. CEZAR ROBERTO BITENCOURT

    De todos os elogios que se pode fazer a esta magnfica obra do Prof. Aury Lopes Jr. Direito Processual Penal talvez o mais significativo seja sobre a obstinao com quedefende o acolhimento dos princpios fundamentais assegurados na Constituio Federal,em uma luta heroica na tentativa de, finalmente, conseguir a constitucionalizao doDireito Processual Penal brasileiro. Na verdade, nunca demais lembrar que aconsagrao desses princpios, como tivemos oportunidade de afirmar, tem a funo deorientar o legislador ordinrio para a adoo de um sistema de controle penal voltado paraos direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penalmnimo e garantista.

    inadmissvel que a soluo das dificuldades presentes seja buscada, como pretendemos governantes contemporneos, atravs da reproduo de formas neoabsolutistas de poder,carentes de limites e de controles, e governadas por fortes e ocultos interesses, dentro denossos ordenamentos; os quais ignoram que o Direito Penal no pode servir de meroinstrumento de realizao poltica, mantendo sempre a dignidade humana como limite dequalquer forma de incriminao. No importa o rtulo que se d a um novo ramo do DireitoPenal, pois sempre que se tipificar condutas e que se impuserem sanes criminais, enfim,que se atingir o direito de liberdade do cidado, o princpio cunhado por Feuerbach denullum crimen nulla poena sine lege estabelecer o seu marco fundamental.

    A onipotncia jurdico-penal do Estado deve contar, necessariamente, com freios oulimites que resguardem os inviolveis direitos fundamentais do cidado. Este seria o sinalque caracterizaria o Direito Penal de um Estado pluralista e democrtico. A pena, sob essesistema estatal, teria reconhecido, como finalidade, a preveno geral e especial, devendo

  • Nota do Autor

    PRIMEIRA EDIO DO VOLUME I

    Este um livro cujo discurso est sustentado por dois pilares bsicos: a busca constantepela conformidade constitucional do Direito Processual Penal e, ao mesmo tempo, orespeito s suas categorias jurdicas prprias, fazendo assim uma recusa s transmisses decategorias do processo civil.

    A primeira preocupao conformidade constitucional decorre da difcil convivnciado Cdigo de Processo Penal de 1941 com a nova ordem constitucional e democrtica.Significa buscar, na Constituio, a abertura democrtica que legitima(r) o sistemaprocessual penal contemporneo. De outro lado, no basta a luta pela conformidadeconstitucional: imprescindvel (re)pensar o processo penal desde suas categoriasjurdicas prprias, fazendo uma recusa cientfica teoria geral do processo. Somente assimser possvel corrigir graves distores que tm impedido o prprio desenvolvimento doprocesso penal. Trata-se de, sob inspirao de Carnelutti e James Goldschmidt, resgatar ametfora da Cinderela, que to bem retrata a situao do processo penal brasileiro.

    Noutra dimenso, este um livro de introduo ao estudo do Direito Processual Penal,pois assumidamente no tem nenhuma pretenso de completude dogmtica. Todo o oposto.No espere, caro leitor, ter em mos uma obra completa, at porque ela estaria sempre porser escrita...

    No abandonei a crtica cultura manualstica, que, potencializada pela velocidade e ofetiche da acelerao, conduz cada vez mais alienao (logo, (de)formando umprofissional alienado, que ali--nada). Mas sublinhe-se: o problema no o manual,seno os professores e alunos que defendem e vivem a (ingnua) iluso de plenitude (e

  • Nota do Autor

    PARA ESTA EDIO

    Essa obra foi inicialmente concebida para ter dois volumes e assim estava estruturadaat a presente edio. Foi uma necessidade inicial, para elaborao do texto e que perduroupor alguns anos, para melhor atender os leitores que j haviam adquirido o volume 1, quefoi disponibilizado bem antes do volume 2 estar concludo.

    Agora, posso oferecer-lhes os dois volumes condensados num texto nico, sem que nadaprecisasse ser retirado. No cortei absolutamente nada, apenas reuni os textos e retirei oque estava duplicado (notas de apresentao, referncias etc.).

    O resultado final um curso completo a um preo mais acessvel. Novamente aqui ofoco foi, exclusivamente, melhor atender meus leitores.

    No s agradeo a excelente receptividade, mas rogo-lhes que me auxiliem a melhorar olivro, enviando e-mail para [email protected] ou pelo site www.aurylopes.com.brsempre que encontrarem erros, desatualizao ou problemas de qualquer natureza. Todosos e-mails que recebo so respondidos em at uma semana, sem falta, e so fundamentaispara que o livro cumpra seu papel.

    Espero que gostem do novo formato.Abraos.

    Aury Lopes Jr.

  • Captulo I - UM PROCESSO PENAL PARA QU(M)? BUSCANDO O FUNDAMENTO DA SUA EXISTNCIA

    1. Breve Anlise da Histria da Pena de Priso e do Processo PenalPor que estudar a evoluo histrica da pena de priso em um livro de Direito

    Processual Penal? Eis um questionamento que pode surgir, at porque tem passado ao largode muitos estudiosos do processo penal. Mais, no se trata de abordar a evoluo doDireito Penal, seno da pena de priso.

    Porque pensamos o processo penal a partir do princpio da necessidade, que, comoser explicado na continuao, considera que o processo penal um caminho necessriopara alcanar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exerccio dopoder de penar (essncia do poder punitivo) estrita observncia de uma srie de regrasque compe o devido processo penal (ou, se preferirem, so as regras do jogo, sepensarmos no clebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI).1

    Da por que imprescindvel uma rpida panormica da evoluo da pena de prisopara chegar-se compreenso da prpria evoluo do processo penal. Feita essa ressalva,vamos ao tema.

    1.1. Breve Histria da Pena de PrisoA histria das penas aparece, numa primeira considerao, como um captulo horrendo e

    infamante para a humanidade, e mais repugnante que a prpria histria dos delitos. Issoporque o delito constitui-se, em regra, numa violncia ocasional e impulsiva, enquanto apena no: trata-se de um ato violento, premeditado e meticulosamente preparado. aviolncia organizada por muitos contra um.

    A Antiguidade desconhecia a privao de liberdade como sano penal. Oencarceramento existe desde muito tempo, mas no com a natureza de pena, seno para

  • Captulo II - TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURDICA DO PROCESSO (PENAL)

    1. Introduo: As Vrias TeoriasQuesto muito relevante compreender a natureza jurdica do processo penal, o que ele

    representa e constitui. Trata-se de abordar a determinao dos vnculos que unem ossujeitos (juiz, acusador e ru), bem como a natureza jurdica de tais vnculos e da estruturacomo um todo.

    Analisando a histria do processo, ARAGONESES ALONSO1 divide as diferentesteorias em trs grande grupos, a saber:

    1. Teorias que utilizam categorias de outros ramos do direito1.1. Teorias de direito privado

    1.1.1. Processo como contrato1.1.2. Processo como quase contrato1.1.3. Processo como acordo

    1.2. Teorias de direito pblico1.2.1. Processo como relao jurdica (BLOW)1.2.2. Processo como servio pblico (JZE e DUGUIT)1.2.3. Processo como instituio (GUASP)

    2. Teorias que utilizam categorias jurdicas prprias2.1. Processo como estado de ligao (KISCH)2.2. Processo como situao jurdica (GOLDSCHMIDT)

  • Captulo III - SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS INQUISITRIO E ACUSATRIO: SUPERANDO O REDUCIONISMO ILUSRIODO SISTEMA MISTO

    Na histria do Direito se alternaram as mais duras opresses com as mais amplasliberdades. natural que nas pocas em que o Estado viu-se seriamente ameaado pelacriminalidade o Direito Penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse queser tambm inflexvel.1 Os sistemas processuais inquisitivo e acusatrio so reflexos daresposta do processo penal frente s exigncias do Direito Penal e do Estado da poca.Atualmente, o law and order mais uma iluso de reduzir a ameaa da criminalidadeendurecendo o Direito Penal e o processo.

    Na lio de J. GOLDSCHMIDT,2 los principios de la poltica procesal de una nacinno son otra cosa que segmentos de su poltica estatal en general. Se puede decir que laestructura del proceso penal de una nacin no es sino el termmetro de los elementoscorporativos o autoritarios de su Constitucin. Partiendo de esta experiencia, la cienciaprocesal ha desarrollado un nmero de principios opuestos constitutivos del proceso.(...) El predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente, noes tampoco ms que un trnsito del derecho pasado al derecho del futuro.

    Nessa linha, MAIER3 explica que no Direito Penal a influncia da ideologia vigente ouimposta pelo efetivo exerccio do poder se percebe mais flor da pele que nos demaisramos jurdicos. E esse fenmeno ainda mais notrio no processo penal, na medida emque ele, e no o Direito Penal, que toca no homem real, de carne e osso. Como afirmamosanteriormente, o Direito Penal no tem realidade concreta fora do processo penal, sendo asregras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado. Por isso, concluiMAIER, no Direito Processual Penal que as manipulaes do poder poltico so maisfrequentes e destacadas, at pela natureza da tenso existente (poder de penar versus

  • Captulo IV - (RE)CONSTRUO DOGMTICA DO OBJETO DO PROCESSO PENAL: A PRETENSO ACUSATRIA (PARA ALMDO CONCEITO CARNELUTTIANO DE PRETENSO)

    1. Introduo (ou a Imprescindvel Pr-Compreenso)

    Partindo de GUASP1 entendemos que objeto do processo a matria sobre a qualrecai o complexo de elementos que integram o processo e no se confunde com a causaou princpio, nem com o seu fim. Por isso, no objeto do processo o fundamento a quedeve sua existncia (instrumentalidade constitucional) nem a funo ou fim a que, ainda quede forma imediata, est chamado a realizar (a satisfao jurdica da pretenso ouresistncia). Tambm no se confunde com sua natureza jurdica situao processual.

    At as edies anteriores, tratamos dessa questo a ttulo de contedo, mas estamosrevisando nossa posio para regressar matriz terica de GOLDSCHMIDT, porentendermos mais adequado.

    Feito esse breve esclarecimento, continuemos.Como j explicamos anteriormente, o processo penal regido pelo princpio da

    necessidade, ou seja, um caminho necessrio para chegar a uma pena. Irrelevante, senoinadequada, a discusso em torno da existncia de uma lide no processo penal, at porqueela inexistente. Isso porque no pode haver uma pena sem sentena, pela simples evoluntria submisso do ru. O conceito de lide deve ser afastado do processo penal, poiso poder de penar somente se realiza no processo penal, por exigncia do princpio danecessidade.

    Inclusive, nosso legislador constituinte no acolheu a ideia de lide penal,2 tanto que noart. 5, LV, da Constituio, consta que aos litigantes (litigantes = lide = processo civil) eaos acusados em geral (acusados = pretenso acusatria = processo penal) so

  • Captulo V - INTRODUO AO ESTUDO DOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

    Como j foi exposto at aqui, pensamos ser imprescindvel que o processo penal passepor uma constitucionalizao, sofra uma profunda filtragem constitucional, estabelecendo-se um (inafastvel) sistema de garantias mnimas. Como decorrncia, o fundamentolegitimante da existncia do processo penal democrtico sua instrumentalidadeconstitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento1 a servio da mxima eficcia deum sistema de garantias mnimas. Ou ainda, pensamos o processo penal desde seu inegvelsofrimento, a partir de uma lgica de reduo de danos.

    Todo poder tende a ser autoritrio e precisa de limites, controle. Ento, as garantiasprocessuais constitucionais so verdadeiros escudos protetores2 contra o (ab)uso do poderestatal.

    Lidamos com o processo penal desde um olhar constitucional, buscando efetivar afiltragem que o Cdigo de Processo Penal exige para ter aplicao conforme aConstituio. Nessa tarefa, existem princpios que fundam a instrumentalidadeconstitucional e conduzem a uma (re)leitura de todos os institutos do processo penalbrasileiro. Significa dizer que no se pode mais, por exemplo, pensar a priso cautelarseno luz da presuno (constitucional) de inocncia; o princpio da jurisdio exige aobservncia do (sub)princpio do juiz natural; o inqurito policial deve serconstitucionalizado para permitir certo nvel de contraditrio e direito de defesa; e assimpor diante.

    Superado o tradicional conflito entre direito natural/direito positivo , tendo em vista aconstitucionalizao dos direitos naturais pela maioria das constituies modernas, oproblema centra-se agora na divergncia entre o que o Direito e o que deve ser, nointerior de um mesmo ordenamento jurdico, ou ainda, na busca da mxima eficcia da

  • 1.4.8. A Primeira Condenao na Corte Interamericana de Direitos Humanos: CasoXimenes Lopes Versus Brasil

    Em 1 de outubro de 1999, o senhor DAMIO XIMENES LOPES, que j apresentavaum histrico de doena mental, teve uma crise e foi internado na Casa de Repouso deGuararapes (municpio de Sobral, estado do Cear), que mantinha leitos para atender peloSUS. Em 3 de outubro, em surto de agressividade, teria entrado em um dos banheiros daclnica e de l se recusado a sair, tendo os funcionrios da clnica o imobilizado e oretirado fora. A vtima foi espancada e sedada (com os medicamentos Haldol eFenargan).

    No dia seguinte, 4 de outubro, s 9h, sua me foi visit-lo e o encontrou sangrando, comdiversas leses e hematomas, a roupa rasgada, sujo de fezes e com as mos amarradas nascostas. Segundo seu depoimento, a vtima apresentava dificuldades para respirar eagonizava, pedindo que chamasse a polcia. Ela ento saiu para buscar ajuda, entre osenfermeiros e mdicos da clnica.

    s 11h30min daquele mesmo dia, Damio Ximenes Lopes estava morto.Segundo narra a sentena proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, os

    mdicos da clnica atestaram que houve morte natural por parada cardiorrespiratria. Anecropsia foi extremamente falha, tendo concludo que a causa da morte foiindeterminada. Detalhe interessante, como destaca a sentena, que o mesmo mdico daclnica tambm atuava no IML (Instituto Mdico Legal), onde foi feita a necropsia, aindaque firmada por outro mdico. Muito tempo depois, j no processo, foi realizada aexumao do cadver, mas pouco foi apurado.

    Nos dias posteriores ao ocorrido, a famlia especialmente a irm da vtima, IreneXimenes Lopes Miranda , inconformada com o ocorrido, fez notcia-crime junto autoridade policial, denncia na Secretaria da Sade e tambm na Comisso de DireitosHumanos do Cear. O inqurito policial foi instaurado e, em 27 de maro de 2000,oferecida denncia pelo Ministrio Pblico. O processo foi extremamente tumultuado ecensurada, pela Corte Interamericana, a forma como foi conduzido. A denncia foiincompleta, obrigando a que houvesse posterior aditamento para incluso de mais rus,gerando inegvel tumulto processual, como apontou a Comisso.

    Incrivelmente, at o dia 04 de julho de 2006, quando o Brasil foi condenado na CorteInteramericana, no havia sequer sentena de primeiro grau na esfera penal. No cvel, aao de indenizao ajuizada pela famlia da vtima em 1999 tambm no havia sidosentenciada.

    Logo aps o fato, a irm da vtima, percebendo a ineficcia da justia brasileira,apresentou uma petio na Comisso Interamericana de Direitos Humanos123 contra o

  • Brasil, atravs de uma ONG (Centro por la Justicia Global). O feito tramitou na Comisso(etapa prvia ao processo na Corte) e foi solicitado ao Estado brasileiro que informasse seforam esgotados os recursos e as vias judicirias internas. O Brasil ignorou o pedido.Foram colocados instrumentos para soluo amistosa e o Brasil no se manifestou.

    Finalmente a Comisso entendeu, a partir dos documentos juntados pela peticionria,que haviam sido violados os arts. 4 (direito vida), 5 (direito integridade fsica), 8(direito s garantias judiciais) e 25 (direito proteo judicial) da Conveno Americanade Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica).

    A Comisso124 recomendou ao Estado brasileiro uma srie de medidas para sanaressas violaes e fixou o prazo de 2 meses para que o pas informasse as medidas tomadas.S ento o pas se manifestou, postulando prorrogao desse prazo e, aps, de formaabsolutamente intempestiva, contestou.

    Diante das graves violaes praticadas e a inrcia do Pas, em 30 de setembro de 2004a Comisso decidiu submeter o caso Corte Interamericana e, no dia 04 de julho de 2006,o Pas foi condenado por violao do direito a vida, integridade fsica e negao dejurisdio pela demora (violao do direito de ser julgado no prazo razovel).

    Interessa-nos, neste tpico, destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanostambm considerou que houve uma injustificada demora na prestao da tutela penal (ecvel). Para tanto, a Corte analisou trs elementos125 em absoluta sintonia com os critriospor ns apontados:

    complexidade do caso; atuao do Estado;

    atuao processual dos interessados.126

    Censurando a indevida dilao que o processo penal teve no caso em tela, a Corteproferiu a primeira sentena condenatria por violao do disposto no art. 8.1 daConveno e tambm consagrado no art. 5, LXXVIII, da Constituio brasileira. Em quepese no se tratar de uma demanda por violao exclusiva desse direito e tampouco tercomo reclamante o ru (mas sim a famlia da vtima), a condenao um marco histricona matria. Sinaliza, ainda, os critrios para aferir-se a violao do direito ao processopenal no prazo razovel.

    Ao final, o Brasil foi condenado a pagar:127

    a) 125 mil dlares a ttulo de compensao financeira famlia;b) mais 10 mil dlares a ttulo de ressarcimento das despesas processuais;c) o Pas dever pagar esses valores no prazo mximo de 1 ano a contar da data da

    intimao da sentena;

  • d) sobre esse valor no podem incidir impostos de qualquer natureza;e) em caso de atraso, incidem juros moratrios bancrios.

    Em at 1 ano, o Brasil dever informar os pagamentos e cumprimento das demaisdeterminaes da sentena.128 Ainda, no prazo de 6 meses, dever publicar no DirioOficial e em outro jornal de circulao nacional o captulo VII da sentena, relativo aosfatos provados da sentena e a parte dispositiva.

    Mesmo que o valor da indenizao seja baixo para quem recebe os familiares davtima e irrisrio para o pas condenado, a sentena de um valor imensurvel em termosde conquista de eficcia dos direitos humanos (e fundamentais constitucionalmenteprevistos, como o direito de ser julgado no prazo razovel).

    1.4.9. Caso Marcos Mariano da Silva: o Inocente que Ficou 13 Anos Preso sem SentenaContudo, ao mesmo tempo em que o Brasil era condenado na Corte Interamericana de

    Direitos Humanos, vinha a pblico outra absurda violao de direitos fundamentais: uminocente que ficou 13 anos preso sem sentena.

    Conforme noticiou o Superior Tribunal de Justia no dia 19/10/2006, no REsp 802435,o Estado brasileiro foi condenado em ltima instncia a pagar dois milhes de reais pordanos morais e materiais ao cidado MARCOS MARIANO DA SILVA, de 58 anos,mantido preso ilegalmente por mais de 13 anos no presdio Anbal Bruno, em Recife-PE.Segundo a ata e o julgamento do Superior Tribunal de Justia (STJ), esse foi o mais graveatentado violao humana j visto na sociedade brasileira.

    Conforme noticiou o STJ, por unanimidade, os ministros reconheceram a extremacrueldade a que foi submetido um cidado pelas instituies pblicas. Marcos Mariano foipreso sem inqurito, sem condenao alguma, e sem direito a nenhuma espcie de defesa,sustentou o advogado. Foi simplesmente esquecido no crcere, onde ficou cego dos doisolhos e submetido aos mais diversos tipos de constrangimento moral. Alm de tercontrado tuberculose na priso, o brasileiro foi acusado de participar de diversasrebelies, ficando inclusive mantido em um presdio de segurana mxima por mais de seismeses, sem direito a banho de sol. o caso mais grave que j vi, assinala a ministraDenise Arruda. Mostra simplesmente uma falha generalizada do Poder Executivo, doMinistrio Pblico e do Poder Judicirio.

    Marcos foi preso em 27 de julho de 1985 e conseguiu o habeas corpus em 25 de agostode 1998. No havia nada que justificasse a priso, a no ser o encaminhamento de umsimples ofcio.

    Esse homem morreu e assistiu sua morte no crcere, afirmou o ministro TeoriZavaschi. O pior que no teve perodo de luto, prosseguiu consternado. Marcos viu,durante o perodo em que permaneceu na priso, a desagregao de toda a famlia. Ento,

  • casado e com onze filhos, em meados de 87, hoje no lhe restaria nada.A Ministra Denise Arruda realou que Marcos Mariano da Silva perdeu a capacidade

    de se movimentar, de ser um ser autnomo. Aqui no se trata de generosidade, disse.Aqui se trata de um brasileiro que vai sobreviver no se sabe como. A primeira instnciafixou o valor em R$ 356 mil. O Tribunal de Justia de So Paulo fixou o valor em doismilhes, o que foi mantido pelo STJ. O ministro Luiz Fux, relator do processo, reviu oposicionamento de indenizao quanto ao caso. E, ao final do julgamento, deu ganho decausa a Marcos Mariano, fazendo inclusive constar no relatrio e voto se tratar do maisgrave atentado violao humana j visto na sociedade brasileira, no que foi aceito unanimidade.

    Em suma, ainda h um longo caminho a ser percorrido nessa matria, mas, com certeza,essas decises constituem marcos que no podem ser esquecidos, para que fatos similaressejam evitados.

    1.4.10. Em Busca de Solues: Compensatrias, Processuais e SancionatriasReconhecida a violao do direito a um processo sem dilaes indevidas, deve-se

    buscar uma das seguintes solues:129

    1. Solues Compensatrias: na esfera do Direito Internacional, pode-se cogitar de umaresponsabilidade por ilcito legislativo, pela omisso em dispor da questo quandoj reconhecida a necessria atividade legislativa na CADH (que est incorporada aosistema normativo interno). Noutra dimenso, a compensao poder ser de naturezacivil ou penal. Na esfera civil, resolve-se com a indenizao dos danos materiais e/oumorais produzidos, devidos ainda que no tenha ocorrido priso preventiva. Existeuma imensa e injustificada resistncia em reconhecer a ocorrncia de danos, e o deverde indenizar, pela (mera) submisso a um processo penal (sem priso cautelar), e quedeve ser superada.130 J a compensao penal poder ser atravs da atenuao dapena ao final aplicada (aplicao da atenuante inominada, art. 66 do CP) ou mesmoconcesso de perdo judicial, nos casos em que possvel (v.g., art. 121, 5, art. 129, 8, do CP). Nesse caso, a dilao excessiva do processo penal uma consequnciada infrao atingiu o prprio agente de forma to grave que a sano penal se tornoudesnecessria. Havendo priso cautelar, a detrao (art. 42 do CP) uma forma decompensao, ainda que insuficiente.

    2. Solues Processuais: a melhor soluo a extino do feito,131 mas encontra aindasrias resistncias.132 Ao lado dele, alguns pases preveem o arquivamento (vedadanova acusao pelo mesmo fato) ou a declarao de nulidade dos atos praticados apso marco de durao legtima.133 Como afirmado no incio, a extino do feito a

  • soluo mais adequada, em termos processuais, na medida em que, reconhecida ailegitimidade do poder punitivo pela prpria desdia do Estado, o processo devefindar. Sua continuao, alm do prazo razovel, no mais legtima e vulnera oPrincpio da Legalidade, fundante do Estado de Direito, que exige limites precisos,absolutos e categricos incluindo-se o limite temporal ao exerccio do poder penalestatal. Tambm existe uma grande resistncia em compreender que ainstrumentalidade do processo toda voltada para impedir uma pena sem o devidoprocesso, mas esse nvel de exigncia no existe quando se trata de no aplicar penaalguma. Logo, para no aplicar uma pena, o Estado pode prescindir completamente doinstrumento, absolvendo desde logo o imputado, sem que o processo tenha que tramitarintegralmente. Finalizando, tambm so apontados como solues processuais:possibilidade de suspenso da execuo ou dispensabilidade da pena, indulto ecomutao.

    3. Solues Sancionatrias: punio do servidor (incluindo juzes, promotores etc.)responsvel pela dilao indevida. Isso exige, ainda, uma incurso pelo DireitoAdministrativo, Civil e Penal (se constituir um delito). A Emenda Constitucional n. 45,alm de recepcionar o direito de ser julgado em um prazo razovel, tambm previu apossibilidade de uma sano administrativa para o juiz que der causa demora. Anova redao do art. 93, II, e, determina que:

    e) no ser promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder alm do prazo legal, nopodendo devolv-los ao cartrio sem o devido despacho ou deciso;

    Cumpre agora esperar para ver se a sano ficar apenas nessa dimenso simblica ouse os tribunais efetivamente aplicaro a sano.

    Na atual sistemtica brasileira, no vemos dificuldade na aplicao das soluescompensatrias de natureza cvel (devidas ainda que no exista priso cautelar), bem comodas sancionatrias. A valorao das consequncias da dilao indevida pode serconsiderada quando da quantificao da medida reparatria; contudo, importante destacarque a responsabilidade estatal independe dos efeitos causados pela dilao.

    Em outras palavras, a reparao devida pelo atraso injustificado em si mesmo,independentemente da demonstrao de danos s partes, at porque presumidos. Tambmhaver, na prtica, dois srios inconvenientes: a dificuldade que os tribunais tm dereconhecer e assumir o funcionamento anormal da justia (resistncia corporativa), bemcomo a imensa timidez dos valores fixados, sempre muito aqum do mnimo devido poruma violncia dessa natureza.

    Na esfera penal, no compreendemos a timidez em aplicar a atenuante genrica do art.66 do CP. Assumido o carter punitivo do tempo, no resta outra coisa ao juiz que (alm daelementar detrao em caso de priso cautelar) compensar a demora reduzindo a pena

  • aplicada, pois parte da punio j foi efetivada pelo tempo. Para tanto, formalmente,dever lanar mo da atenuante genrica do art. 66 do Cdigo Penal. assumir o tempo doprocesso enquanto pena e que, portanto, dever ser compensado na pena de priso ao finalaplicada.

    J em 1995, com inegvel pioneirismo, BADAR defendia que a durao irrazoveldo processo, que por certo constitui uma espcie de sano antecipada, pela incerteza quetal estado acarreta, bem como pelos danos morais, patrimoniais e jurdicos, deve serconsiderada circunstncia relevante posterior ao crime, caracterizando-se comocircunstncia atenuante inominada nos termos do art. 66 do Cdigo Penal.

    Para alm dessa indiscutvel incidncia, somos partidrios de que a atenuante podereduzir a pena alm do mnimo legal, estando completamente equivocada a linha discursivanorteada pela Smula n. 231 do STJ.134

    A aplicao da atenuante ter ainda, conforme o caso, carter decisivo para a ocorrnciada prescrio, tornando a reduo um fator decisivo para fulminar a prpria pretensopunitiva (a soluo mais adequada em termos processuais).

    Ainda que o campo de incidncia seja limitado, no vislumbramos nenhuminconveniente na concesso do perdo judicial, nos casos em que possvel (v.g. art. 121, 5, art. 129, 8, do CP), pois a dilao excessiva do processo penal uma consequnciada infrao que atinge o prprio agente de forma to grave que a sano penal se tornoudesnecessria.

    Mas, na esteira de PASTOR,135 o fato de apontarmos solues compensatrias nosignifica que toleramos pacificamente as violaes do Estado, seno que elas so umprimeiro passo na direo da efetivao do direito de ser julgado num processo semdilaes indevidas. A flecha do tempo irreversvel e o tempo que o Estado indevidamentese apropriou jamais ser suficientemente indenizado, pois no pode ser restitudo.

    As solues compensatrias so meramente paliativas, uma falsa compensao, no spor sua pouca eficcia (limites para atenuao), mas tambm porque representam umretoque cosmtico, como define PASTOR,136 sobre uma pena invlida e ilegtima, eisque obtida atravs de um instrumento (processo) viciado. Ademais, a atenuao da pena completamente ineficiente quando o ru for absolvido ou a pena processual exceder osuplcio penal. Nesse caso, o mximo que se poder obter uma paliativa e, quase sempre,tmida indenizao.

    Em relao indenizao pela demora, evidencia-se o paradoxo de obrigar algum acumprir uma pena considerada legtima e conforme o Direito e, ao mesmo tempo, geraruma indenizao pela demora do processo que imps essa pena processo esse, emconsequncia, ilegtimo e ilegal.

  • Quanto s solues processuais, o problema ainda mais grave. O sistema processualpenal brasileiro est completamente engessado e inadequado para atender s diretrizes daCADH. No dispe de instrumentos necessrios para efetivar a garantia do direito a umprocesso sem dilaes indevidas. Sequer possui um prazo mximo de durao das prisescautelares.

    O ideal seria uma boa dose de coragem legislativa para prever claramente o prazomximo de durao do processo e das prises cautelares, fixando condies resolutivaspelo descumprimento. Na fase de investigao preliminar, deve-se prever aimpossibilidade de exerccio da ao penal aps superado o limite temporal, ou, nomnimo, fixar a pena de inutilidade para os atos praticados aps o prazo razovel.

    Tambm preciso que se compreenda a instrumentalidade do processo penal, de modoque, para no aplicar uma pena, o Estado pode prescindir completamente do instrumento,absolvendo desde logo o imputado, sem que o processo tenha que tramitar integralmente.Isso permite que se exija, por exemplo, o pronto reconhecimento da prescrio pelaprovvel pena a ser aplicada, como imediata extino do feito.

    Deve-se voltar os olhos para os sistemas europeus, mas tambm para o Cdigo deProcesso Penal paraguaio, que acertadamente consagra um instrumento que efetivamenteassegura a eficcia do direito fundamental de ser julgado num prazo razovel: resoluoficta em favor do imputado.

    Se, diante de um recurso (contra decises definitivas ou mesmo interlocutrias)interposto pelo ru, o tribunal competente no se manifestar no prazo legal (marconormativo do prazo razovel), entende-se automaticamente concedidos os direitospleiteados. bvio que o imputado, que j est sofrendo todo um feixe de penasprocessuais, no est obrigado a suportar o sobrecusto da demora na prestaojurisdicional. Essa a verdadeira compreenso do que seja a (de)mora judicial. E no sediga, por favor, que isso justificar decises apressadas e sem a devida motivao, pois umdireito fundamental (ser julgado no prazo razovel) no legitima o sacrifcio de outros,autnomos e igualmente imperativos para o Estado.

    O Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer nesse terreno.Outra questo de suma relevncia brota da anlise do Caso Metzger, da lcida

    interpretao do TEDH, no sentido de que o reconhecimento da culpabilidade do acusadoatravs da sentena condenatria no justifica a durao excessiva do processo. umimportante alerta, frente equivocada tendncia de considerar que qualquer abuso ouexcesso est justificado pela sentena condenatria ao final proferida, como se o fimjustificasse os arbitrrios meios empregados. Desnecessria qualquer argumentao emtorno do grave erro desse tipo de premissa, mas perigosamente difundida atualmente pelos

  • movimentos repressivistas de lei e ordem, tolerncia zero etc.1.4.11. Concluindo: o Difcil Equilbrio entre a (De)Mora Jurisdicional e o Atropelo dasGarantias Fundamentais

    At aqui nos ocupamos do direito de ser julgado num prazo razovel, seu fundamento,recepo pelo sistema jurdico brasileiro, dificuldade no seu reconhecimento e os gravesproblemas gerados pela (de)mora jurisdicional.

    O processo nasceu para retardar e dilatar o prprio tempo da reao. Mas, ao ladodessa regra basilar, devemos (tambm) considerar que o processo que se prolongaindevidamente conduz a uma distoro de suas regras de funcionamento,137 e asrestries processuais dos direitos do imputado, que sempre so precrias e provisrias, jno esto mais legitimadas, na medida em que adquirem contornos de sobrecustoinflacionrio da pena processual, algo intolervel em um Estado Democrtico de Direito.

    Contudo, no se pode cair no outro extremo, no qual a durao do processo abreviada(acelerao antigarantista) no para assegurar esses direitos, seno para viol-los,atropelando as garantias fundamentais.

    Como define PASTOR,138 no existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de umprocedimento que os juzos sumrios ou sumarssimos em matria penal, pois eles impedemque o imputado possa exercer todas as faculdades prprias de um processo penal adequado Constituio democrtica. Isso nos remete a um primeiro ponto de partida, que analisaro problema a partir da perspectiva dos direitos do imputado. O processo penal reclamatempo suficiente para satisfao, com plenitude, de seus direitos e garantias processuais.

    Nesse sentido, a CADH prev no seu art. 8, 2, c, que:2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocncia enquanto no se comprovelegalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, s seguintesgarantias mnimas:c) concesso ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparao de sua defesa; (grifo nosso).

    A CADH no se contentou em prever o direito aos meios adequados de defesa, senoque consagrou, de forma cumulativa (conjuno aditiva e), a garantia de concesso aoacusado de tempo. Trata-se de garantir o tempo da defesa, na medida em que a eficciadessa garantia est pendente de tempo para seu preparo. Tem-se assim uma claraorientao a ser seguida: em caso de dvida, o tempo est a favor do acusado.139 Issoimplica vedao ao atropelo das garantias fundamentais (acelerao antigarantista) e, aomesmo tempo, negao dilao indevida do processo penal.

    Devemos considerar, ainda, que existe uma clara relao entre o aumento do nmero deprocessos com a durao que eles acabaro tendo, de modo que a panpenalizao, geradapor movimentos como law and order e tolerncia zero, sobrecarrega a Justia Penal,

  • muitas vezes com condutas que deveriam ser penalmente irrelevantes (eis que passveis deresoluo em outras esferas, como cvel e direito administrativo sancionador), entupindojuzes e tribunais com volumes absurdos de trabalho e, em ltima anlise, aumentando adurao dos processos.

    De nada servir um simplrio (seno simblico) aumento de pessoal, pois o volumede processos criminais gerados pela maximizao do Direito Penal inalcanvel, aindamais para um Estado que tende, cada vez mais, a ser mnimo.

    interessante o infindvel ciclo que se estabelece: o Estado se afasta completamente daesfera social, explode a violncia urbana. Para remediar, tratamento penal para a pobreza.Diante da banalizao do Direito Penal, maiores sero a ineficincia do aparelho repressore a prpria demora judicial (em relao a todos os crimes, mas especialmente dos maisgraves, que demandam maior dose de tempo, diante de sua complexidade). Entulham-se asvaras penais e evidencia-se a letargia da Justia Penal. Nada funciona. A violnciacontinua e sua percepo amplia-se, diante da impunidade que campeia. Que fazer?Subministrar doses ainda maiores de Direito Penal. E o ciclo se repete.

    consequncia natural da complexidade, onde os diversos elementos atuam em rede,numa permanente relao e interao, sendo invivel pensar em compartimentos estanquese hermticos, que permitam tratamentos isolados.

    Mas a situao pode ficar ainda mais grave, quando o tratamento vem acompanhado pordoses de utilitarismo processual, pois tambm deve-se acelerar o processo, para torn-loainda mais eficiente. Comea ento o sacrifcio lento e paulatino dos direitos fundamentais. o bito do Estado Democrtico de Direito e o nascimento de um Estado Policial,autoritrio. O resto da histria por todos conhecida.

    Vimos, assim, os dois extremos da questo tempo no processo penal: aceleraoantigarantista e dilao indevida. Em ambos, temos a negao da jurisdio, pois no bastaqualquer juiz e qualquer julgamento, isto , a garantia da tutela jurisdicional exigequalidade e, nesse tema, ela est no equilbrio do direito a ser julgado num prazorazovel,140 enquanto recusa os dois extremos.

    A condenao do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no CasoXimenes Lopes um marco em termos de eficcia do sistema internacional de proteoaos direitos humanos, e, mesmo no tendo por objeto especfico a dilao indevida, delatratou e censura fez ao funcionamento da Justia nacional. Ao reconhecer a violao dosdireitos vida, integridade e tambm ao processo no prazo razovel, condenando o Pas aindenizar os afetados, sinalizou a Corte que no tolerar o anormal funcionamento daJustia brasileira. Constitui assim um marco da maior relevncia.

    Dessarte, pensamos que:

  • a) Deve haver um marco normativo interno de durao mxima do processo e da prisocautelar, construdo a partir das especificidades do sistema processual de cada pas,mas tendo como norte um prazo fixado pela Corte Americana de Direitos Humanos.Com isso, os tribunais internacionais deveriam abandonar a doutrina do no prazo,deixando de lado os axiomas abertos, para buscar uma clara definio de prazorazovel, ainda que admitisse certo grau de flexibilidade atendendo s peculiaridadesdo caso. Inadmissvel a total abertura conceitual, que permite ampla manipulaodos critrios.

    b) So insuficientes as solues compensatrias (reparao dos danos) e atenuao dapena (sequer aplicada pela imensa maioria de juzes e tribunais brasileiros), poisproduz pouco ou nenhum efeito inibitrio da arbitrariedade estatal. necessrio que oreconhecimento da dilao indevida tambm produza a extino do feito, enquantoinafastvel consequncia processual. O poder estatal de perseguir e punir deve serestritamente limitado pela Legalidade, e isso tambm inclui o respeito a certascondies temporais mximas. Entre as regras do jogo, tambm se inclui a limitaotemporal para exerccio legtimo do poder de perseguir e punir. To ilegtima como a admisso de uma prova ilcita, para fundamentar uma sentena condenatria, reconhecer que um processo viola o direito de ser julgado num prazo razovel e, aindaassim, permitir que ele prossiga e produza efeitos. como querer extrair efeitoslegtimos de um instrumento ilegtimo, voltando (absurda) mxima de que os finsjustificam os meios.

    c) O processo penal deve ser agilizado. Insistimos na necessidade de acelerar o tempodo processo, mas desde a perspectiva de quem o sofre, enquanto forma de abreviar otempo de durao da pena-processo. No se trata da acelerao utilitarista como temsido feito, atravs da mera supresso de atos e atropelo de garantias processuais, oumesmo a completa supresso de uma jurisdio de qualidade, como ocorre na justianegociada, seno de acelerar atravs da diminuio da demora judicial com carterpunitivo. diminuio de tempo burocrtico (verdadeiros tempos mortos) atravs dainsero de tecnologia e otimizao de atos cartorrios e mesmo judiciais. Umareordenao racional do sistema recursal, dos diversos procedimentos que o CPP eleis esparsas absurdamente contemplam e ainda, na esfera material, um (re)pensar oslimites e os fins do prprio Direito Penal, absurdamente maximizado e inchado. Trata-se de reler a acelerao no mais pela perspectiva utilitarista, mas sim pelo visgarantista, o que no constitui nenhum paradoxo.

    Atento questo, CARVALHO 141 leciona que a legislao seja aperfeioada nosentido do estabelecimento de prazos razoveis s decises judiciais em sede executiva,mas apreendendo os valores nsitos ao Pacto de So Jos, sejam criadas tcnicas judiciais

  • idneas a uma clere deciso sobre os incidentes de execuo penal.Ainda que estivesse se ocupando da execuo penal (sem dvida um ponto sensvel da

    questo), sua acertada indicao encontra plena ressonncia em todo o processo penal,especialmente a resoluo ficta, que SALO busca inspirao no Cdigo de ProcessoPenal Paraguaio, no sentido da concesso automtica dos direitos pleiteados em caso deomisso dos poderes jurisdicionais.

    Em suma, um captulo a ser escrito no processo penal brasileiro o direito de serjulgado num prazo razovel, num processo sem dilaes indevidas, mas tambm sematropelos. No estamos aqui buscando solues ou definies cartesianas em torno de tocomplexa temtica, seno dando um primeiro e importante passo em direo soluo deum grave problema, e isso passa pelo necessrio reconhecimento desse jovem direitofundamental.

    2. Princpio Acusatrio: Separao de Funes e Iniciativa Probatria das Partes. AImparcialidade do Julgador

    Para compreenso dessa garantia, imprescindvel a leitura dos captulos anteriores,quando tratamos dos Sistemas Processuais Penais Inquisitrio e Acusatrio. Partindo dosconceitos l definidos, cumpre agora destacar alguns aspectos.

    Inicialmente, no prev nossa Constituio expressamente a garantia de um processopenal orientado pelo sistema acusatrio. Contudo, nenhuma dvida temos da suaconsagrao, que no decorre da lei, mas da interpretao sistemtica da Constituio.Para tanto, basta considerar que o projeto democrtico constitucional impe umavalorizao do homem e do valor dignidade da pessoa humana, pressupostos bsicos dosistema acusatrio. Recorde-se que a transio do sistema inquisitrio para o acusatrio ,antes de tudo, uma transio de um sistema poltico autoritrio para o modelo democrtico.Logo, democracia e sistema acusatrio compartilham uma mesma base epistemolgica.Para alm disso, possui ainda nossa Constituio uma srie de regras que desenha ummodelo acusatrio, como por exemplo:

    titularidade exclusiva da ao penal pblica por parte do Ministrio Pblico (art. 129,I);

    contraditrio e ampla defesa (art. 5, LV); devido processo legal (art. 5, LIV); presuno de inocncia (art. 5, LVII); exigncia de publicidade e fundamentao das decises judiciais (art. 93, IX).

    Essas so algumas regras inerentes ao sistema acusatrio, praticamente inconciliveiscom o inquisitrio, que do os contornos do modelo (acusatrio) constitucional.

  • Compreende-se assim que o modelo constitucional acusatrio, em contraste com oCPP, que nitidamente inquisitrio.

    O problema situa-se, agora, em verificar a falta de conformidade entre a sistemticaprevista no Cdigo de Processo Penal de 1941 e aquela da Constituio, levando a queafirmemos, desde j, que todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitriaso substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaados.

    Para tanto, recordemos que no apenas o Ministrio Pblico o agente exclusivo daacusao, garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atuao prviainvocao por meio da ao penal, mas, principalmente, que a carga probatria inteiramente do acusador e que o juiz no deve ter qualquer tipo de ativismo probatrio.

    A imparcialidade do julgador decorre no de uma virtude moral, mas de uma estruturade atuao.142 No uma qualidade pessoal do juiz, mas uma qualidade do sistemaacusatrio. Por isso a importncia de mant-lo longe da iniciativa probatria, pois quandoo juiz atua de ofcio, funda uma estrutura inquisitria.

    A gesto da prova deve estar nas mos das partes (mais especificamente, a cargaprobatria est inteiramente nas mos do acusador), assegurando-se que o juiz no teriniciativa probatria, mantendo-se assim suprapartes e preservando sua imparcialidade.

    Nesse contexto, dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutrios (como ofamigerado art. 156 do CPP) devem ser expurgados do ordenamento ou, ao menos, objetode leitura restritiva e cautelosa, pois patente a quebra da igualdade, do contraditrio e daprpria estrutura dialtica do processo. Como decorrncia, fulminada est a principalgarantia da jurisdio: a imparcialidade do julgador. O sistema acusatrio exige um juiz-espectador, e no um juiz-ator (tpico do modelo inquisitrio).

    Como ensina JACINTO COUTINHO,143 se o processo tem por finalidade, entre outras,a reconstituio do crime, enquanto fato histrico, atravs da instruo probatria, agesto da prova o princpio unificador que ir identificar se o sistema inquisitrio ouacusatrio. Se a gesto da prova est nas mos do juiz, como ocorre no nosso sistema, luzdo art. 156 (entre outros), estamos diante de um sistema inquisitrio (juiz-ator). Contudo,quando a gesto da prova est confiada s partes, est presente o ncleo fundante de umsistema acusatrio (juiz-espectador).

    Assim, ao contrrio do afirmado por muitos, nosso sistema inquisitrio. JACINTOCOUTINHO ensina que no existe um sistema misto porque (...) no h mais sistemaprocessual puro, razo pela qual tem-se, todos, como sistemas mistos. No obstante, no preciso grande esforo para entender que no h e nem pode haver um princpio misto,o que, por evidente, desfigura o dito sistema. Assim, para entend-lo, faz-se misterobservar o fato de que ser misto significa ser, na essncia, inquisitrio ou acusatrio,

  • recebendo a referida adjetivao por conta dos elementos (todos secundrios), que de umsistema so emprestados ao outro.

    Logo, devem ser considerados substancialmente inconstitucionais todos os dispositivosdo CPP, como os arts. 5, 127, 156, 209, 234, 311, 383, 385 etc., que violem as regras dosistema acusatrio constitucional.

    3. Presuno de Inocncia (ou um Dever de Tratamento)A presuno de inocncia remonta ao Direito romano (escritos de Trajano), mas foi

    seriamente atacada e at invertida na inquisio da Idade Mdia. Basta recordar que nainquisio a dvida gerada pela insuficincia de provas equivalia a uma semiprova, quecomportava um juzo de semiculpabilidade e semicondenao a uma pena leve. Era naverdade uma presuno de culpabilidade. No Directorium Inquisitorum, EYMERICHorientava que o suspeito que tem uma testemunha contra ele torturado. Um boato e umdepoimento constituem, juntos, uma semiprova e isso suficiente para uma condenao.

    A presuno de inocncia e o princpio de jurisdicionalidade foram, como explicaFERRAJOLI,144 finalmente, consagrados na Declarao dos Direitos do Homem de 1789.A despeito disso, no fim do sculo XIX e incio do sculo XX, a presuno de inocnciavoltou a ser atacada pelo verbo totalitrio e pelo fascismo, a ponto de MANZINI cham-lade estranho e absurdo extrado do empirismo francs.

    Partindo de uma premissa absurda, MANZINI chegou a estabelecer uma equiparaoentre os indcios que justificam a imputao e a prova da culpabilidade. O raciocnio era oseguinte: como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo,no h o que justifique a proteo e a presuno de inocncia. Com base na doutrina deManzini, o prprio Cdigo de Rocco de 1930 no consagrou a presuno de inocncia,pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo.

    No Brasil, a presuno de inocncia est expressamente consagrada no art. 5, LVII, daConstituio, sendo o princpio reitor do processo penal e, em ltima anlise, podemosverificar a qualidade de um sistema processual atravs do seu nvel de observncia(eficcia).

    Tal sua relevncia que AMILTON B. de CARVALHO 145 afirma que o Princpio daPresuno de Inocncia no precisa estar positivado em lugar nenhum: pressuposto para seguir Eros , nesse momento histrico, da condio humana.

    A presuno de inocncia , ainda, decorrncia do princpio da jurisdicionalidade,como explica FERRAJOLI,146 pois, se a jurisdio a atividade necessria para obtenoda prova147 de que algum cometeu um delito, at que essa prova no se produza,mediante um processo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e ningum pode

  • ser considerado culpado nem submetido a uma pena.

    Segue o autor148 explicando que um princpio fundamental de civilidade, fruto de umaopo garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que para isso tenha-seque pagar o preo da impunidade de algum culpvel. Isso porque, ao corpo social, lhebasta que os culpados sejam geralmente punidos, pois o maior interesse que todos osinocentes, sem exceo, estejam protegidos.

    Se verdade que os cidados esto ameaados pelos delitos, tambm o esto pelaspenas arbitrrias, fazendo com que a presuno de inocncia no seja apenas uma garantiade liberdade e de verdade, seno tambm uma garantia de segurana (ou de defesasocial),149 enquanto segurana oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa naconfiana dos cidados na Justia. uma defesa que se oferece ao arbtrio punitivo.Destarte, segue FERRAJOLI, o medo que a Justia inspira nos cidados signoinconfundvel de perda da legitimidade poltica da jurisdio e, ao mesmo tempo, de suainvoluo irracional e autoritria.

    Assim, cada vez que un imputado tiene razn para temer a un juez, quiere decir queste se halla fuera de la lgica del estado de derecho: el miedo, y tambin la soladesconfianza y la no seguridad del inocente, indican la quiebra de la funcin misma dela jurisdiccin penal y la ruptura de los valores polticos que la legitiman.150

    BECCARIA,151 a seu tempo, j chamava a ateno para o fato de que um homem nopode ser considerado culpado antes da sentena do juiz; e a sociedade s lhe poderetirar a proteo pblica depois que seja decidido ter ele violado as condies com asquais tal proteo lhe foi concedida.

    Sob a perspectiva do julgador, a presuno de inocncia deve(ria) ser um princpio damaior relevncia, principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado.Isso obriga o juiz no s a manter uma posio negativa (no o considerando culpado),mas sim a ter uma postura positiva (tratando-o efetivamente como inocente).

    Podemos extrair da presuno de inocncia152 que a formao do convencimento dojuiz deve ser construdo em contraditrio (Fazzalari), orientando-se o processo, portanto,pela estrutura acusatria que impe a estrutura dialtica e mantm o juiz em estado dealheamento (rechao figura do juiz-inquisidor com poderes investigatrios/instrutrios e consagrao do juiz de garantias ou garantidor).

    Na mesma linha, VEGAS TORRES,153 abordando o art. 24.2 da ConstituioEspanhola, explica que tal garantia estende sua eficcia alm do processo penal, incluindoos demais ramos da jurisdio e, mais alm inclusive, do campo propriamentejurisdicional, pois alcana at a atividade administrativa sancionadora.

  • A partir da anlise constitucional e tambm do art. 9 da Declarao dos Direitos doHomem e do Cidado,154 de 1789, VEGAS TORRES155 aponta para as trs principaismanifestaes (no excludentes, mas sim integradoras) da presuno de inocncia:

    a) um princpio fundante, em torno do qual construdo todo o processo penal liberal,estabelecendo essencialmente garantias para o imputado156 frente atuao punitivaestatal.

    b) um postulado que est diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante oprocesso penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele inocente e,portanto, deve reduzir-se ao mximo as medidas que restrinjam seus direitos durante oprocesso (incluindo-se, claro, a fase pr-processual).

    c) Finalmente, a presuno de inocncia uma regra diretamente referida ao juzo do fatoque a sentena penal faz. sua incidncia no mbito probatrio, vinculando exigncia de que a prova completa da culpabilidade do fato uma carga da acusao,impondo-se a absolvio do imputado se a culpabilidade no ficar suficientementedemonstrada.

    Por fim, numa anlise sistemtica, quando a Constituio ordena que todos sejamjulgados pelo juiz natural (predeterminado por lei); que aos acusados em geral estoassegurados o contraditrio e a ampla defesa; que os atos processuais so pblicos; que aoimputado est assegurado o direito de silncio e o de no fazer prova contra si mesmo(nemo tenetur se detegere); a garantia da presuno de inocncia, enfim, ao assegurartodas as garantias inerentes ao devido processo legal, no est dizendo outra coisa,segundo CARRARA,157 que:

    Haced esto, porque el hombre de quien vosotros sospechis es inocente, y no podis negarle su inocenciamientras no hayis demostrado su culpabilidad, y no podeis llegar a esa demostracin si no marchis por elcamino que os sealo.

    Com acerto, ADAUTO SUANNES158 chama a ateno para o fato de que, poraplicao elementar do princpio constitucional da isonomia e do ubi lex non distinguitnec nos distinguere debemus, no existem pessoas mais presumidas inocentes e pessoasmenos presumidas. Todos somos presumidamente inocentes, qualquer que seja o fato quenos atribudo.

    Em sendo assim e s pode ser assim, afirma categoricamente SUANNES159 , nadajustifica que algum, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe demerecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige. Nem mesmo suacondenao definitiva o excluir do rol dos seres humanos, ainda que em termosprticos isso nem sempre se mostre assim. Qualquer distino, portanto, que se pretendafazer em razo da natureza do crime imputado a algum inocente contraria o princpio

  • da isonomia, pois a Constituio Federal no distingue entre mais-inocente e menos-inocente. O que deve contar no o interesse da sociedade, que tem na ConstituioFederal, que prioriza o ser humano, o devido tratamento, mas o respeito dignidade doser humano, qualquer seja o crime que lhe imputado.

    Por tudo isso, a presuno de inocncia, enquanto princpio reitor do processo penal,deve ser maximizada em todas suas nuances, mas especialmente no que se refere carga daprova (regla del juicio) e s regras de tratamento do imputado (limites publicidadeabusiva [estigmatizao do imputado] e limitao do (ab)uso das prises cautelares).

    A presuno de inocncia afeta, diretamente, a carga da prova (inteiramente doacusador, diante da imposio do in dubio pro reo ); a limitao publicidade abusiva(para reduo dos danos decorrentes da estigmatizao prematura do sujeito passivo); e,principalmente, a vedao ao uso abusivo das prises cautelares. Voltaremos a essasquestes quando tratarmos desses institutos.

    Em suma: a presuno de inocncia impe um verdadeiro dever de tratamento (namedida em que exige que o ru seja tratado como inocente), que atua em duas dimenses:interna ao processo e exterior a ele.

    N a dimenso interna, um dever de tratamento imposto primeiramente ao juiz,determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o ru inocente,no precisa provar nada) e que a dvida conduza inexoravelmente absolvio; ainda nadimenso interna, implica severas restries ao (ab)uso das prises cautelares (comoprender algum que no foi definitivamente condenado?).

    Externamente ao processo, a presuno de inocncia exige uma proteo contra apublicidade abusiva e a estigmatizao (precoce) do ru. Significa dizer que a presunode inocncia (e tambm as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade)deve ser utilizada como verdadeiros limites democrticos abusiva explorao miditicaem torno do fato criminoso e do prprio processo judicial. O bizarro espetculo montadopelo julgamento miditico deve ser coibido pela eficcia da presuno de inocncia.

    4. Contraditrio e Ampla Defesa

    4.1. Direito ao ContraditrioO contraditrio pode ser inicialmente tratado como um mtodo de confrontao da prova

    e comprovao da verdade, fundando-se no mais sobre um juzo potestativo, mas sobre oconflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusao (expresso dointeresse punitivo do Estado) e a defesa (expresso do interesse do acusado [e dasociedade] em ficar livre de acusaes infundadas e imune a penas arbitrrias edesproporcionadas). imprescindvel para a prpria existncia da estrutura dialtica do

  • processo.

    O ato de contradizer160 a suposta verdade afirmada na acusao (enquantodeclarao petitria) ato imprescindvel para um mnimo de configurao acusatria doprocesso. O contraditrio conduz ao direito de audincia e s alegaes mtuas das partesna forma dialtica.

    Por isso, est intimamente relacionado com o princpio do audiatur et altera pars, poisobriga que a reconstruo da pequena histria do delito seja feita com base na verso daacusao (vtima), mas tambm com base no alegado pelo sujeito passivo. O adgio estatrelado ao direito de audincia, no qual o juiz deve conferir a ambas as partes, sobre penad e parcialidade. Para W. GOLDSCHMIDT, 161 tambm serve para justificar a faceigualitria da justia, pois quien presta audiencia a una parte, igual favor debe a la otra.

    O juiz deve dar ouvida a ambas as partes, sob pena de parcialidade, na medida emque conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido. Considerando o que dissemosacerca do processo como jogo, das chances e estratgias que as partes podem lanar mo(legitimamente) no processo, o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade defala. Ou seja, o contraditrio observado quando se criam as condies ideais de fala eoitiva da outra parte, ainda que ela no queira utilizar-se de tal faculdade, at porque podelanar mo do nemo tenetur se detegere.162

    O contraditrio uma nota caracterstica do processo, uma exigncia poltica, e mais doque isso, se confunde com a prpria essncia do processo. Como define RANGELDINAMARCO163 claramente inspirado em Elio Fazzalari , o conceito moderno deprocesso necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditrio, sem o que noexiste processo.

    A interposio de alegaes contrrias frente ao rgo jurisdicional, a prpriadiscusso, explica GUASP,164 no s um eficaz instrumento tcnico que utiliza o direitopara obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo, seno que se trata deverdadeira exigncia de justia que nenhum sistema de Administrao de Justia podeomitir. autntica prescrio do direito natural, dotada de inevitvel contedo imperativo.Talvez seja o princpio de direito natural mais caracterstico, entre todos os que fazemreferncia Administrao da Justia.

    No podemos esquecer que Ministrio Pblico e Defesa esto feitos para contraditarem-se, a ponto de CARNELUTTI165 afirmar que la loro contraddizione necessria algiudice come lossigeno nellaria che respira. Il dubbio un passaggio obbligato sullavia della verit; guai al giudice che non dubita! (...) Non tanto la possibilita quanto laeffettivit del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione. Tanto

  • pi vale codesta garanzia quanto pi siano equilibrate le forze dei due lottatori.Numa viso moderna, o contraditrio engloba o direito das partes de debater frente ao

    juiz, mas no suficiente que tenham a faculdade de ampla participao no processo; necessrio tambm que o juiz participe intensamente (no confundir com juiz-inquisidor oucom a atribuio de poderes instrutrios ao juiz), respondendo adequadamente s petiese requerimentos das partes, fundamentando suas decises (inclusive as interlocutrias),evitando atuaes de ofcio e as surpresas. Ao sentenciar, crucial que observe acorrelao acusao-defesa-sentena.166

    Contudo, contraditrio e direito de defesa so distintos, pelo menos no plano terico.PELLEGRINI GRINOVER167 explica que defesa e contraditrio esto indissoluvelmenteligados, porquanto do contraditrio (visto em seu primeiro momento, da informao) quebrota o exerccio da defesa; mas esta como poder correlato ao de ao que garante ocontraditrio. A defesa, assim, garante o contraditrio, mas tambm por este se manifesta e garantida. Eis a ntima relao e interao da defesa e do contraditrio.

    No mesmo sentido, LEONE168 faz a distino e afirma que no se pode identificarcontraditrio e direito de defesa, pois o ltimo pode ser exercido sem que seja instaurado ocontraditrio. Para o autor, o contraditrio consiste na participao contempornea econtraposta de todas as partes no processo. Ademais, destaca que o contraditrio daessncia da estrutura dialtica sobre a qual deve estruturar-se o processo penal.

    Assim, o contraditrio deve ser visto basicamente como o direito de participar, demanter uma contraposio em relao acusao e de estar informado de todos os atosdesenvolvidos no iter procedimental.

    A relevncia da distino reside na possibilidade de violar um deles sem a violaosimultnea do outro, com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais. possvelcercear o direito de defesa pela limitao no uso de instrumentos processuais, sem quenecessariamente tambm ocorra violao do contraditrio. A situao inversa ,teoricamente, possvel, mas pouco comum, pois em geral a ausncia de comunicao gera aimpossibilidade de defesa.

    Destacamos que na teoria facilmente apontvel a distino entre contraditrio edireito de defesa. Sem embargo, ningum pode omitir que o limite que separa ambos tnue e, na prtica, s vezes quase imperceptvel. Desse modo, entendemos que noconstitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditrio e odireito de defesa se fundem, e a distino terica fica isolada diante da realidade doprocesso. Nessa linha, parte da doutrina no faz uma distino clara entre ambos, eMANZINI169 chega inclusive a afirmar que a defesa um elemento do contraditrio.

  • No mesmo sentido, RANGEL DINAMARCO explica que os dois polos da garantia docontraditrio so: informao e reao. A efetividade do contraditrio no EstadoDemocrtico de Direito est amparada no direito de informao e participao dosindivduos na Administrao de Justia. Para participar, imprescindvel ter a informao.A participao no processo se realiza por meio da reao, vista como resistncia pretenso jurdica (acusatria e no punitiva)170 articulada, e isso expressa a dificuldadeprtica, em certos casos, de distinguir entre a reao e o direito de defesa.

    Assim o contraditrio , essencialmente, o direito de ser informado e de participar noprocesso. o conhecimento completo da acusao, o direito de saber o que est ocorrendono processo, de ser comunicado de todos os atos processuais. Como regra, no pode haversegredo (anttese) para a defesa, sob pena de violao ao contraditrio.

    Trata-se (contraditrio e direito de defesa) de direitos constitucionalmente asseguradosno art. 5, LV, da CB:

    Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados ocontraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    A partir desse postulado, vejamos agora algumas questes em torno do direito de defesa(tcnica e pessoal [positiva e negativa]) e, aps, a incidncia, juntamente com ocontraditrio, nas fases pr-processual, processual e de execuo penal.

    4.2. Direito de Defesa: Tcnica e Pessoal

    4.2.1. Defesa Tcnica

    A defesa tcnica supe a assistncia de uma pessoa com conhecimentos171 tericos doDireito, um profissional, que ser tratado como advogado de defesa, defensor ousimplesmente advogado. Explica FENECH172 que a defesa tcnica levada a cabo porpessoas peritas em Direito, que tm por profisso o exerccio dessa funo tcnico-jurdicade defesa das partes que atuam no processo penal, para pr de relevo seus direitos.

    A justificao da defesa tcnica decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale173entre defesa e acusao e tambm de uma acertada presuno de hipossuficincia dosujeito passivo, de que ele no tem conhecimentos necessrios e suficientes para resistir pretenso estatal, em igualdade de condies tcnicas com o acusador. Essahipossuficincia leva o imputado a uma situao de inferioridade ante o poder daautoridade estatal encarnada pelo promotor, policial ou mesmo juiz. Pode existir umadificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigaopreliminar, gerando uma absoluta intranquilidade e descontrole. Ademais, havendo umapriso cautelar, existir uma impossibilidade fsica de atuar de forma efetiva.

    Para FOSCHINI,174 a defesa tcnica anche una esigenza della societ, perch la

  • regiudicanda penale implica non solo una responsabilit individuale ma anche unaresponsabilit della collettivit sociale.

    Prossegue o autor afirmando que limputato, infatti, alla stregua dei propri criteri,potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propriacertamento negativo se, alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamentogiuridico, da ritenere che il fatto non constituisca reato o che non sai fonte diresponsabilit (ad es. perch constituisce unazione bellica, o perch commesso in statodi necessit).

    Isso significa que a defesa tcnica uma exigncia da sociedade, porque o imputadopode, a seu critrio, defender-se pouco ou mesmo no se defender, mas isso no exclui ointeresse da coletividade de uma verificao negativa no caso do delito no constituir umafonte de responsabilidade penal. A estrutura dualstica do processo expressa-se tanto naesfera individual como na social.

    O direito de defesa est estruturado no binmio: defesa privada ou autodefesa; defesa pblica ou tcnica, exercida pelo defensor.

    Por esses motivos apontados por FOSCHINI, a defesa tcnica consideradaindisponvel, pois, alm de ser uma garantia do sujeito passivo, existe um interessecoletivo na correta apurao do fato. Trata-se, ainda, de verdadeira condio de paridadede armas, imprescindvel para a concreta atuao do contraditrio. Inclusive, fortalece aprpria imparcialidade do juiz, pois, quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes,mais alheio ficar o julgador (terziet = alheamento).

    No mesmo sentido, MORENO CATENA175 leciona que a defesa tcnica atua tambmcomo um mecanismo de autoproteo do sistema processual penal, estabelecido para quesejam cumpridas as regras do jogo da dialtica processual e da igualdade das partes. , narealidade, uma satisfao alheia vontade do sujeito passivo, pois resulta de umimperativo de ordem pblica, contido no princpio do due process of law.

    O Estado deve organizar-se de modo a instituir um sistema de Servio Pblico deDefesa, to bem estruturado como o Ministrio Pblico, com a funo de promover adefesa de pessoas pobres e sem condies de constituir um defensor. Assim como o Estadoorganiza um servio de acusao, tem esse dever de criar um servio pblico de defesa,porque a tutela da inocncia do imputado no s um interesse individual, mas social.176

    Nesse sentido, a Constituio garante, no art. 5, LXXIV, que o Estado prestarassistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos .Para efetivar tal garantia, o sistema brasileiro possui uma elogivel instituio: aDefensoria Pblica, prevista no art. 134 da CB, como instituio essencial funo

  • jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientao jurdica e a defesa, em todos osgraus, dos necessitados.

    A necessidade da defesa tcnica est expressamente consagrada no art. 261 do CPP,onde se pode ler que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, ser processadoou julgado sem defensor.

    No mbito internacional, o art. 8.2 da Conveno Americana de Direitos Humanos prevo direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor desua escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor. Tambmgarante o direito irrenuncivel de ser assistido por um defensor proporcionado peloEstado, remunerado ou no, segundo a legislao interna, se o acusado no se defenderele prprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei.

    No inqurito policial, a defesa tcnica est limitada, pois limitada est a defesa comoum todo. Ainda que o direito de defesa tenha expressa previso constitucional, comoexplicamos anteriormente, na prtica, a forma como conduzido o inqurito policial quaseno deixa espao para a defesa tcnica atuar no seu interior. Por isso, diz-se que a defesatcnica na fase pr-processual tem uma atuao essencialmente exgena, atravs doexerccio do habeas corpus e do mandado de segurana, que, em ltima anlise,corporificam o exerccio do direito de defesa fora do inqurito policial. Dentro doinqurito basicamente s existe a possibilidade de solicitar diligncias, nos estreitoslimites do art. 14 do CPP. Contudo, errado dizer-se que no existe direito de defesa noinqurito. Existir, existe, desde 1941, ainda que no tenha a eficcia que a Constituioexija.

    imprescindvel que seja nomeado um defensor quando no constitudo , permitindo-lhe, em caso de priso, que converse prvia e reservadamente com o sujeito passivo, antesde ser ouvido. Ademais, o defensor poder solicitar diligncias autoridade policial (art.14), que podero ser realizadas ou no. Tendo em vista que o art. 5, XXXV, da CB prevque a lei no pode excluir da apreciao do Poder Judicirio uma leso ou ameaa a umdireito, a injusta negativa por parte da autoridade policial dever ser objeto de impugnaopela via do habeas corpus, mandado de segurana ou reclamao, conforme o caso.

    Outra importante garantia, que deve ser observada desde a investigao preliminar, evitar a colidncia de teses defensivas. A impossibilidade de que um mesmo defensorpossa defender dois ou mais imputados pode ser classificada em:

    Impossibilidade absoluta: o sistema previsto na StPO, que impede a figura do defensorcomum, sem levar em considerao se existe ou no um conflito de interesses ou de tesesdefensivas (colidncia).

    Impossibilidade relativa: nesse sentido, dispe o art. 106 do CPP italiano que a defesa de

  • vrios imputados pode ser assumida por um defensor comum, sempre que as diversasposies da defesa no sejam incompatveis entre si. Tambm a posio do CPPportugus, art. 65, que possibilita a defesa de vrios arguidos por um nico advogado,sempre que no contrarie a funo da defesa.No Brasil no existe previso legal, e a jurisprudncia foi encarregada de consolidar

    uma impossibilidade relativa de que um mesmo advogado atue na defesa de dois ou maisacusados. Para tanto, firmou entendimento de que invivel quando existir colidncia deteses defensivas capaz de gerar uma deficincia do direito de defesa.

    Na atualidade, a presena do defensor deve ser concebida como um instrumento decontrole da atuao do Estado e de seus rgos no processo penal, garantindo o respeito lei e Justia. Se o processo penal deve ser um instrumento de proteo dos direitosfundamentais do sujeito passivo, o defensor deve ajustar-se a esse fim, atuando para suamelhor consecuo. Est intimamente vinculado ao direito fundamental da salvaguarda dadignidade humana, obrigando o defensor a uma atividade unilateral, somente a favordaquele por ele defendido. O defensor unicamente tem que vigiar o processo penal paraevitar infraes da lei ou injustias contra seu cliente, sem, claro, atuar fora dalegalidade.

    Por fim, deve-se destacar que o advogado finalmente deixou de ser uma figuradispensvel no interrogatrio ou, quando presente, um mero convidado de pedra. Ateor da nova redao dos arts. 185 e 188 do CPP, no s o advogado deve estar presente nointerrogatrio (judicial ou policial), como ainda poder, ao final, formular perguntas aoimputado.

    4.2.2. A Defesa Pessoal: Positiva e Negativa4.2.2.1. Defesa Pessoal Positiva

    Junto defesa tcnica, existem tambm atuaes do sujeito passivo no sentido de resistirpessoalmente pretenso estatal. Atravs dessas atuaes, o sujeito atua pessoalmente,defendendo a si mesmo como indivduo singular, fazendo valer seu critrio individual e seuinteresse privado.177

    A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de vrias formas, mas encontra nointerrogatrio policial e judicial seu momento de maior relevncia. Classificamos aautodefesa a partir de seu carter exterior, como uma atividade positiva ou negativa. Ointerrogatrio o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de formaefetiva comisso , expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria oude materialidade do fato que se lhe imputa.

    Ao lado deste atuar que supe o interrogatrio, tambm possvel uma completaomisso, um atuar negativo, atravs do qual o imputado se nega a declarar. No s pode se

  • negar a declarar, como tambm pode se negar a dar a mais mnima contribuio para aatividade probatria realizada pelos rgos estatais de investigao, como ocorre nasintervenes corporais, reconstituio do fato, fornecer material escrito para a realizaodo exame grafotcnico etc.

    Tambm a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do prprio contedo da defesapessoal, na medida em que o sujeito passivo pode simplesmente se negar a declarar. Se adefesa tcnica deve ser indisponvel, a autodefesa renuncivel. A autodefesa pode serrenunciada pelo sujeito passivo, mas indispensvel para o juiz, de modo que o rgojurisdicional sempre deve conceder a oportunidade para que aquela seja exercida, cabendoao imputado decidir se aproveita a oportunidade para atuar seu direito de forma ativa ouomissiva.

    A autodefesa positiva deve ser compreendida como o direito disponvel do sujeitopassivo de praticar atos, declarar, constituir defensor, submeter-se a intervenescorporais, participar de acareaes, reconhecimentos etc. Em suma, praticar atos dirigidosa resistir ao poder de investigar do Estado, fazendo valer seu direito de liberdade.

    Mesmo no interrogatrio policial, o imputado tem o direito de saber em que qualidadepresta as declaraes,178 de estar acompanhado de advogado e, ainda, de reservar-se odireito de s declarar em juzo, sem qualquer prejuzo. O art. 5, LV, da CB inteiramenteaplicvel ao IP. O direito de silncio, ademais de estar contido na ampla defesa(autodefesa negativa), encontra abrigo no art. 5, LXIII, da CB, que ao tutelar o estado maisgrave (preso) obviamente abrange e aplicvel ao sujeito passivo em liberdade.

    Nesse sentido, expressamente prev o art. 186 do CPP:Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusao, o acusado serinformado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatrio, do seu direito de permanecer calado e de no responderperguntas que lhe forem formuladas.Pargrafo nico. O silncio, que no importar em confisso, no poder ser interpretado em prejuzo dadefesa.

    A presena do defensor no momento das declaraes do suspeito frente autoridadejudiciria ou policial imprescindvel, no s pela exigncia constitucional (nuncaobedecida), mas pela (agora) expressa previso no art. 185 do CPP:

    Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciria, no curso do processo penal, serqualificado e interrogado na presena de seu defensor, constitudo ou nomeado. 1 O interrogatrio do acusado preso ser feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em salaprpria, desde que estejam garantidas a segurana do juiz e auxiliares, a presena do defensor e a publicidadedo ato. Inexistindo a segurana, o interrogatrio ser feito nos termos do Cdigo de Processo Penal. 2 Antes da realizao do interrogatrio, o juiz assegurar o direito de entrevista reservada do acusado comseu defensor.

    Como j afirmado, agora no mais ser o advogado um convidado de pedra, seno quepoder participar ativamente do interrogatrio:

  • Art. 188. Aps proceder ao interrogatrio, o juiz indagar das partes se restou algum fato para ser esclarecido,formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

    Com relao ao valor probatrio do interrogatrio, propugnamos por um modelogarantista, em que o interrogatrio seja orientado pela presuno de inocncia, visto assimcomo o principal meio de exerccio da autodefesa e que tem, por isso, a funo de darmaterialmente vida ao contraditrio, permitindo ao sujeito passivo refutar a imputao ouaduzir argumentos para justificar sua conduta.179

    Especificamente na investigao preliminar, o interrogatrio deve estar dirigido averificar se existem ou no motivos suficientes para a abertura do processo criminal.Dentro da lgica que orienta a fase pr-processual, a eventual confisso obtida nessemomento tem um valor endoprocedimental, como tpico ato de investigao e no ato deprova, servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar oprocesso ou o no processo.

    PELLEGRINI GRINOVER180 explica que atravs do interrogatrio o juiz (e a polcia)pode tomar conhecimento de elementos teis para a descoberta da verdade, mas no paraessa finalidade que o interrogatrio est orientado. Pode constituir fonte de prova, mas nomeio de prova. Em outras palavras, o interrogatrio no serve para provar a verdade, maspara fornecer outros elementos de prova que possam conduzir verdade juridicamentevlida e perseguida no processo penal.

    A prpria Exposio de Motivos do CPP, ao falar sobre as provas, diz categoricamenteq ue a prpria confisso do acusado no constitui, fatalmente, prova plena de suaculpabilidade. Todas as provas so relativas; nenhuma delas ter , ex vi legis, valordecisivo, ou necessariamente maior prestgio que outra. Em suma, a confisso no mais,felizmente, a rainha das provas, como no processo inquisitrio medieval. No deve maisser buscada a todo custo, pois seu valor relativo e no goza de maior prestgio que asdemais provas.

    O interrogatrio deve ser um ato espontneo, livre de presses ou torturas (fsicas oumentais). necessrio estabelecer um limite mximo para a busca da verdade e para issoesto os direitos fundamentais. Por isso, hoje em dia, o dogma da verdade material cedeuespao para a verdade juridicamente vlida, obtida com pleno respeito aos direitos egarantias fundamentais do sujeito passivo e conforme os requisitos estabelecidos nalegislao.

    Como consequncia, os mtodos tocados por um certo charlatanismo, como classificaGUARNIERI,181 devem ser rejeitados no processo penal. Assim, no deve ser aceito ointerrogatrio mediante hipnose, pois um mtodo tecnicamente inadequado e inclusiveperigoso, pois, estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugesto, direta ou

  • indireta do hipnotizador, no pode ser considerado digno de f, inclusive porque pode serconduzido para qualquer sentido.

    Tambm devem ser rechaados, por insuficientes e indignos de confiana, os mtodosqumicos ou fsicos. No primeiro grupo encontram-se os chamados soros da verdade,que, como explica GUARNIERI, so barbitricos injetados intravenosamente juntamentecom outros estupefacientes, anestsicos ou hipnticos, que provocam um estado de inibiono sujeito, permitindo que o experto mediante a narcoanlise conhea o que nele existede reprimido ou oculto.

    Como mtodo fsico, os detectores de mentira so aparelhos mecnicos que marcam otraado do batimento cardaco e da respirao, e, conforme o tempo de reao s perguntasdirigidas ao interrogando, permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu. Conforme ointervalo das reaes, o experto poderia definir, em linhas gerais, um padro decomportamento para as afirmaes verdadeiras e outro para as supostas mentiras.

    Ambos os mtodos no so dignos de confiana e de credibilidade, de modo que nopodem ser aceitos como meios de prova juridicamente vlidos. Ademais, so atividadesque violam a garantia de que ningum ser submetido tortura nem a tratamentodesumano ou degradante, prevista no art. 5, II, da CB.

    Concluindo e sempre buscando um modelo ideal melhor que o atual, entendemos que ointerrogatrio deve ser encaminhado de modo a permitir a defesa do sujeito passivo e, porisso, submetido a toda uma srie de regras de lealdade processual,182 que pode ser assimresumida:

    a) deve ser realizado de forma imediata, ou, ao menos, num prazo razovel aps a priso;b) presena de defensor, sendo-lhe permitido entrevistar-se prvia e reservadamente com

    o sujeito passivo;c) comunicao verbal no s das imputaes, mas tambm dos argumentos e resultados

    da investigao e que se oponham aos argumentos defensivos;d) proibio de qualquer promessa ou presso direta ou indireta sobre o imputado para

    induzi-lo ao arrependimento ou a colaborar com a investigao;e) respeito ao direito de silncio, livre de presses ou coaes;f) tolerncia com as interrupes que o sujeito passivo solicite fazer no curso do

    interrogatrio, especialmente para instruir-se com o defensor;g) permitir-lhe que indique elementos de prova que comprovem sua verso e diligenciar

    para sua apurao;h) negao de valor decisivo confisso.

    4.2.2.2. Defesa Pessoal Negativa (Nemo Tenetur se Detegere)

    O interrogatrio deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa, em que se d

  • oportunidade ao imputado para que exera sua defesa pessoal. Para isso, deve serconsiderado como um direito e no como dever, assegurando-se o direito de silncio e deno fazer prova contra si mesmo, sem que dessa inrcia resulte para o sujeito passivo