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Soldado Direito Processual Penal Prof. Rodolfo Souza

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Direito Processual Penal

Prof. Rodolfo Souza

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Professor Rodolfo Souza

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Edital

DIREITO PROCESSUAL PENAL: Princípios do Processo Penal. Sistemas Processuais. Inquérito Policial.

BANCA: FUNRIO

CARGO: Soldado da 3ª Classe

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Direito Processual Penal

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. Litígio, Jus puniendi & Processo Penal

Com a prática do delito, surge para o Estado a pretensão punitiva, o que doutrinariamente se denomina jus puniendi (direito de punir). Assim é que, tendo o Estado o dever de proteger os direitos mais essenciais da sociedade, ele apreende para si o monopólio daquele direito, ou seja, somente o poder estatal encontra-se legitimado a exercer o direito de punir, em substitui-ção à antiga “vingança de sangue”.

Mesmo no caso dos crimes apurados mediante ação penal privada, cuja titularidade fica subor-dinada ao alvedrio do ofendido ou de quem tem legitimamente a qualidade para representá-lo, cabe à vítima (ou seu representante), tão-somente, o jus accusationis, o direito de acusar, mas não o de punir, o que consistiria em sério retrocesso do processo penal ao tempo em que se fazia “justiça com as próprias mãos”, hoje em dia comportamento tipificado à luz do art. 345 do CP (Exercício Arbitrário das Próprias Razões).

Tem-se, pois, de um lado, o sujeito ativo do crime (agente), que pugna, por todos os meios de defesa em direito admitidos, preservar seu direito de liberdade, o jus libertatis.

Assim, tem-se a seguinte situação:

• O Estado apreende alguns valores como essenciais ao convívio de seus cidadãos, e prote-ge esses valores por meio de normas jurídicas de Direito Penal, notadamente as normas penais incriminadoras, a cuja transgressão ou ameaça é cominada uma consequência, a sanção penal, a mais séria de todas as sanções jurídicas;

• O indivíduo pratica uma conduta, comissiva ou omissiva, descrita no tipo penal incrimina-dor e não acobertada por uma excludente de ilicitude, praticando, assim, um injusto penal;

• O Estado, então, que enxerga uma norma sua ser ofendida, passa a ter o interesse de punir o ofensor, interesse este que é consubstanciado pelo jus puniendi, o direito de punir aque-le que lesa um valor defendido pelo ente estatal;

• O acusado, por seu turno, vê ameaçado seu direito de liberdade (lembremos que a liberda-de, direito fundamental constitucionalmente protegido, é a regra; a sua privação, a exce-ção), o jus libertatis, tendo interesse em se ver livre das consequências previstas abstrata-mente pelo tipo penal incriminador que se supõe ter sido por ele violado;

• Assim, surge entre o réu e o Estado um conflito de interesses qualificado por uma preten-são (exercer o Estado sua pretensão punitiva) resistida (conferida pelo réu em defesa de seu jus libertatis), conflito este que se denomina de lide ou litígio;

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• Para solucionar o conflito, caberá ao Estado-juiz determinar a quem cabe razão, vale dizer, decidir se é o Estado, para exercer sua pretensão punitiva, ou o réu, que deseja continuar em seu jus libertatis.

A lide ou litígio que se instaura entre Estado e acusado deve se desenrolar por uma série de atos coordenados entre si que tendem para um fim, a solução ou composição do conflito, de-terminando o Estado-juiz, de uma vez por todas, qual direito (de punir ou de liberdade) deve, ao final, imperar. Esse conjunto de atos coordenados chama-se processo.

Na verdade, o conceito de lide e de processo é único, haja vista que a jurisdição é una (quanto a isso os processualistas civis e penalistas não parecem discordar), mas, para efeitos de organiza-ção judiciária e para melhor da prossecução da justiça é que se divide o litígio em cível e penal, e o processo, por conseguinte, em cível e penal. O processo penal é a fórmula encontrada pelos Estados para comporem lides de natureza criminal.

2. Conceito de processo penal:

Tomando por base as informações até aqui levantadas, poder-se-á definir lapidarmente o Direi-to Processual Penal como o ramo jurídico que estuda o conjunto de princípios e normas acerca da aplicação jurisdicional do Direito Penal material.

a) Autonomia: Não se discute a autonomia do Direito Processual Penal, porquanto possui ob-jeto, normas e princípios próprios, características mestras que fazem um ramo possuir a própria identidade dentro da dogmática jurídica.

Com efeito, se bem que só se fala em Direito Processual Penal se, quando e por conta da exis-tência do Direito Penal, não menos certo é que este último não teria qualquer aspecto de fun-cionalidade enquanto não pudesse ser efetivamente aplicado aos casos concretos levados a composição pelo Estado-juiz.

b) Instrumentalidade: O Direito Processual Penal é instrumental, à medida que ele é o meio de que se utiliza o Estado para tirar da inércia o Direito Penal, fazendo-o atuar efetivamen-te, e aplicá-lo na prática.

c) Finalidade: A finalidade a que se propõe o Direito Processual Penal, tendo-se em conta notadamente seu caráter eminentemente prático, é o de tornar efetivo, real, atuante, per-ceptível empiricamente, o Direito Penal, a fim de compor a lide penal que se instaura e que deve ser solucionada.

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CAPÍTULO II – PRINCÍPIOS E SISTEMAS PROCESSUAIS

1. Conceito de Principio

É base e o alicerce para a interpretação das normas (lei) e um horizonte a ser perseguido para a devida realização da justiça.

“Princípios são verdade ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de cer-teza, um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade”. (Miguel Reale)

Este é um tema da mais alta relevância dentro do Direito Processual Penal, sem o qual nada em nossa matéria tem sentido ou aplicação, ou, se o tiver, com toda a certeza o processo não se coadunará com todo o espírito do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Somente com a obediência a todos os princípios abaixo assinalados é que se poderá falar em “devido processo legal”, cuja transgressão a qualquer um deles poderá ensejar, como quotidia-namente enseja, a aplicação de regras das quais, p. ex., confere-se a liberdade do cidadão (ain-da que provisória, como no caso de quem é injustamente preso, por coação ilegal ou violência infundamentada de quem quer que seja, mormente quando se trata de abuso de autoridade ou coação ilícita contra a liberdade de ir, vir e ficar, o que poderá acarretar no ajuizamento de habeas corpus), ou a nulidade de certos atos.

Sem o estudo aprofundado e acurado dos princípios que regem o processo penal de nada adiantará estudar os demais assuntos que se alastram no transcorrer do curso, por um simples motivo: todo o processo penal respalda-se, de uma maneira direta ou indireta, no conhecimen-to dos princípios que o regem, e isso é facilmente corroborado à medida que em cada assunto os doutrinadores fazem amiúde referência a algum princípio do processo penal.

Ver-se-á, entretanto, que os princípios não são absolutos — como quase nada em Direito, por sinal —, de forma que vez ou outra, por força de mandamento constitucional ou mesmo infra-constitucional (mas com o aval da Carta Magna), admitem-se exceções, consoante veremos.

2. Dos princípios em espécies:

2.1 Princípio dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88)

Respeito às individualidades do homem, que deve ser tratado com dignidade independente-mente de qualquer situação.

Trata-se de um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou condição, seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social etc. É considerada como o nosso valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição.

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2.2. Princípio devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88)

Originado na cláusula do “due process of law” do direito anglo-americano, está consagrado na Constituição Federal no art. 5º, LIV, estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem que haja um processo prévio, no qual assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meio e recursos nela existentes.

Segundo Eduardo Couture, “em última análise, o due process of law consiste no direito de não ser privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”. Desse princípio decorrem vários outros, como o do contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do juiz, juiz natural, iniciativa das partes, oficialidade e da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.

A afronta ao princípio pode acarretar nulidade do processo (consequência mais comum) e até mesmo constituir-se em fundamento para impetração de habeas corpus, por exemplo.

Não há exceções ao princípio, e nem mesmo a prisão provisória, cautelar, processual, constitui exceção ou ofensa a ele, contanto que sejam observadas as formas tais quais devem ser obede-cidas para a consecução da prisão.

2.3. Princípio presunção de inocência, não culpabilidade ou estado de inocência (art. 5º, LVII, CF/88)

O acusado será considerado inocente até o transito em julgado da sentença penal condenató-ria, havendo duvida sobre a autoria do crime o réu será absolvido (in dubio pro reo).

Passou-se, então, a questionar se, respeitado em absoluto o princípio, se não seria inconstitu-cional a prisão provisória ou cautelar (prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporá-ria, prisão civil, prisão disciplinar por transgressão militar). Esse questionamento, no entanto, não tem sua razão de ser, pois a própria CF/88 excepciona-se, ao admitir a prisão processual em seu art. 5º, LXI e LXVI.

A doutrina, ainda, costuma afirmar que em decorrência do princípio do estado de inocência:

A restrição da liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou de conveniência, segundo estabelece a lei processual; O réu não tem o dever de provar a sua inocência; cabe ao acusador provar a sua culpa; para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in dubio pro reo).

Cabe destacar que Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão proferida no dia 17 de fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, passou a aceitar que pessoas condenadas em segunda instância devem começar a cumprir pena antes do trânsito em julgado do processo (final do processo). Com a decisão, um condenado poderá iniciar o cumprimento da pena se a Justiça de segunda instância rejeitar o recurso de apelação e mantiver a condenação definida pela primeira instância.

A Corte fez uma revisão da atual jurisprudência para admitir que o princípio constitucional da presunção de inocência cessa após a confirmação da sentença pela segunda instância. Votaram a favor do cumprimento da pena antes do fim de todos os recursos os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes.

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Assim, bastará a sentença condenatória de um tribunal de Justiça estadual (TJ) ou de um tribu-nal regional federal (TRF) para a execução da pena. Até então, réus podiam recorrer em liberda-de ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme refere o professor Fernando Capez, o principio da presunção de inocência deve ser considerado em três momentos distintos:

• Na instrução processual, como presunção legal relativa a não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova, tal é da incumbência da acusação;

• Na avaliação da prova, impondo-se que esta seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas quanto à existência de responsabilidade pelo fato imputado;

• No curso do processo penal, como parâmetro de tratamento do acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória.

2.4. Favor Rei (CPP, arts. 386, VI, 609, parágrafo único, 615, § 1º, 617 e 621)

Por meio deste princípio, quando houver dúvida insuperável entre o jus puniendi e o jus li-bertatis, deve o ordenamento jurídico inclinar-se em favor deste último. É o famoso aforismo in dubio pro reo. O princípio está consagrado, no Código de Processo Penal, nos arts. 386, VII (absolvição por insuficiência de provas), 609, parágrafo único (embargos infringentes e de nuli-dade), 615, § 1º, e 617 (proibição da non reformatio in pejus) e 621 (revisão criminal).

Também é decorrência do princípio do favor rei, a aplicação do art. 10 do CP em detrimento do art. 798, § 1º, do Código de Processo Penal, na questão dos prazos sobre matéria mista (penal e processual penal).

2.5. Princípio contraditório (art. 5º, LV, CF/88)

Trata-se da oportunidade de ter ciência dos fatos alegados pela parte contraria, podendo apre-sentar sua versão, além de provas de seu interesse na expectativa de convencer o julgador.

Por esse princípio, também denominado “bilateralidade da audiência”, garante-se constitucio-nalmente a ampla defesa do acusado (art. 5º, LV). Mediante o princípio, o acusado goza do di-reito de defesa sem qualquer restrição, assim como à acusação cabe contraditar os argumentos esposados pelo réu.

O contraditório envolve a isonomia processual, pela qual as partes podem atuar no processo em igualdade de condições (ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los, nas formas e condições estabelecidas em lei). Dele também advêm a igualdade processual (igualdade de direitos e deveres dentro da demanda) e a liberdade processual do acusado (a ele é concedido o direito de nomear, para a sua defesa, o advogado que desejar). O contraditório é princípio tão elementar que, lembra Mirabete, atua até quando o réu se encon-tra foragido, porquanto não poderá ser julgado sem um defensor (o que não significa que ele não possa ser julgado à revelia).

O não acatamento de direitos decorrentes do contraditório pode acarretar nulidade do proces-so (art. 564, III, c, e, f, g, h, l e o, do CPP).

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O contraditório, no entanto, só tem fundamento no processo criminal, ou seja, a partir do momento em que é proposta a ação penal, de forma que na fase pré-processual (inquérito policial) não se exige (e nem mesmo se admite) o contraditório.

Para espancar qualquer dúvida, a Carta Magna dispõe, em seu art. 5º, LV, que é assegurado o contraditório “em processo judicial ou administrativo”, e inquérito, como salientamos, não é processo, mas mero procedimento informativo de caráter administrativo para colheita de provas na busca da apuração da materialidade do fato e de sua autoria.

Há, entretanto, quem entenda dever haver contraditório ficar na fase do inquérito (tal opinião, no entanto, é minoritária). Com o advento da Lei 13.245/2016 que alterou o art. 7º do Estatuto da OAB, visualiza-se a mitigação do caráter inquisitivo no inquérito, mas o assunto será estudado no próximo capítulo.

2.6. Igualdade das Partes (art. 5º, LV, CF)

Por este princípio, decorrente diretamente do contraditório, as partes encontram-se, em juízo, em pé de igualdade, de forma que elas exercem e suportam idênticos direitos, ônus, obrigações e faculdades.

As partes são, pois, iguais, de forma que nenhuma é mais importante que a outra, ou merecedora de mais ou menos direitos que a outra. No entanto, esse princípio não é absoluto, e deve ficar em posição hierárquica inferior ao princípio do favor rei, pelo qual no conflito entre o jus puniendi e o jus libertatis, a balança da justiça deve inclinar-se em favor deste último. Daí porque em excepcionais ocasiões o Direito Processual Penal prevê ao réu prerrogativas processuais não concedidas à acusação, como se vê, p. ex., dos embargos infringentes, dos embargos de nulidade e da revisão criminal, todos exclusivos da defesa, e o princípio do non reformatio in pejus, pelo qual não se pode reformar uma decisão em desvantagem ao que foi postulado, em sede recursal, pela defesa (a não ser, evidentemente, que a nova decisão se lastreie em recurso da acusação, o que não significa de modo algum uma exceção ao princípio, senão uma decisão que nega provimento ao recurso da defesa e o dá ao da acusação).

2.7. Princípio Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF/88)

Traduz o dever que assiste o Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputa-ção que lhe foi realizada, podendo apresentar qualquer prova admitida no direito para fundamentar sua versão dos fatos. Este princípio guarda intrínseca relação com o direito ao contraditório.

Abrange a autodefesa, realizada pelo acusado em seu interrogatório, e a defesa técnica, que exige a representação do réu por um defensor, que pode ser constituído, público, dativo ou ad hoc.

A defesa técnica é aquela desempenhada por profissional habilitado, com capacidade postulató-ria. É obrigatória e indispensável, mesmo contra a vontade do réu (art. 261, CPP). Pode ser exerci-da pelo advogado constituído pelo réu, por um Defensor Público ou, por fim, por um defensor da-tivo, nomeado pelo Juízo. A ausência de defesa técnica é causa de nulidade absoluta do processo.

Ademais, o réu tem o direito de escolher o seu defensor, razão pela qual não cabe ao Juízo indi-car, de logo, um novo defensor, em caso da renúncia do defensor anterior (Sumula n. 708, STF, aplicável por analogia). Deve o réu ser intimado para constituir um novo defensor e, somente se ele se omitir, é que o Juízo poderá nomear um defensor dativo.

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Por outro lado, a autodefesa é a defesa exercida pelo próprio réu, desdobrando-se em três vertentes, a saber: (a) direito de presença, (b) direito de audiência e (c) direito de postular.

No primeiro aspecto, está compreendido o direito de o réu participar dos atos processuais, acompanhando o andamento do processo e a produção probatória. Por tal razão, o réu tem o direito de ser intimado para comparecer à audiência. Entretanto, se for intimado e não comparecer a um ato processual, poderá ser decretada a sua revelia (art. 367, CPP), e o processo prosseguirá sem a sua intimação.

O direito de audiência configura-se na prerrogativa de o réu, se quiser, ter contato direto com o Juiz e expor a sua versão sobre os fatos que lhe são imputados. Corporifica-se no interrogatório, que, atualmente, é considerado meio de defesa, e não meramente um meio de prova. É essa a razão pela qual o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instrução e passou a ser o último. Ora, se é meio de defesa do réu, o momento mais propício para a sua ocorrência é após a produção de todas as provas, de maneira que o réu tenha consciência das provas que foram produzidas em seu favor e em seu desfavor e possa formar seu convencimento sobre a melhor estratégia para a sua defesa.

Há doutrina que enxerga o direito de audiência em duas óticas: na ótica positiva, o réu tem a possibilidade de se manifestar sobre os fatos e expor a sua versão, a fim de influenciar a formação do convencimento do Juízo; na ótica negativa, o réu tem o direito de manter-se em silêncio, e este silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo.

Por fim, o direito de o réu postular dá-se em casos em que a legislação admite que ele formule pretensões, mesmo sem a presença de um advogado. Por exemplo, o réu pode interpor recurso de Apelação, pode impetrar Habeas Corpus e ajuizar Revisão Criminal. Por tal razão, o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença condenatória (art. 392, CPP).

A regra do art. 366, CPP, que prevê a suspensão do processo quando o réu, citado por Edital, não comparecer nem constituir advogado, também é decorrência da autodefesa, posto que, considerando-se que a citação editalícia é ficta, provavelmente sequer o réu terá conhecimento da Ação Penal em seu desfavor, de modo que não poderá estar presente aos atos processuais tampouco ser interrogado.

2.8. Princípio Publicidade (art. 5º, LX e art. 93, IX, CF/88)

Garante a lisura e a limpidez dos atos processuais que em regra devem ser públicos, podendo ser acessados por qualquer pessoa.

A regra aliás, com força imperativa constitucional é a de que todos os atos processuais são públicos, não devendo sofrer qualquer espécie de restrição ou censura. Isso tem a sua razão de ser: como o sistema processual penal brasileiro é o acusatório, em que os direitos humanos (ao menos em tese...) são salvaguardados, razão não há, ao contrário do que ocorre no sistema inquisitivo, repudiado nas legislações dos povos civilizados, para que o processo penal e o seu desenrolar fiquem às escondidas, longe dos olhos da sociedade (exatamente quem tem mais interesse na fiscalização do andamento de seus interesses, entre eles o da correta e justa apli-cação da lei penal à espécie fática). Logo, o processo não é nem deve ser, via de regra, sigiloso.

O princípio da publicidade não é absoluto, e de fato nem poderia, pois a publicidade sem limites, e sem exceções acarretaria, decerto, sérios problemas à pessoa do acusado ou da vítima, a de-pender do caso concreto (imagine-se, dar-se a mais ampla publicidade a uma vítima de estupro).

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Daí porque, tendo em vista determinados valores, que devem reinar sobre a publicidade, a Carta Política traçou genericamente os seus limites, determinando que a lei deverá restringir a publicidade dos atos processuais “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX). Também se fazem ressalvas à publicidade, secundando-a quando estiver em jogo o interesse público e a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Vejam-se outras exceções nos arts. 217, 792, § 2º, todos do Código de Processo Penal brasileiro.

Tais restrições estão alicerçadas em defesa da intimidade da vitima ou diante da necessidade do interesse público, os principais exemplos são:

• Art. 201 § 6º do CPP, ao dispor que o “juiz tomará as providencias necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo inclusive determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”.

• Mais recentemente a lei 12.015/09, introduziu por meio do art.234-B do Código Penal o segredo de justiça na tramitação dos processos por crimes contra a dignidade sexual.

O inquérito policial, como teremos ainda oportunidade de observar, é inquisitório, e como tal é intrinsecamente sigiloso. No entanto, afirmemos desde já, o inquérito policial, primeira fase da persecução criminal, não é e nem faz parte processo penal (tecnicamente falando), de modo que não faltamos com a verdade quando dizemos que o processo penal brasileiro é eminentemente (embora não absolutamente) público.

2.9. Princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88 e art. 381, III, CPP)

Exige que toda a decisão proferida por órgão jurisdicional seja devidamente motivada, justificada, sob pena de serem declaradas nulas, é garantia à sociedade de que as deliberações não resultam de posturas arbitrarias, mas sim de um julgamento imparcial, realizado de acordo com a lei.

2.10. Princípio Vedação da Prova Ilícita (art. 5º, LVI, CF/88)

Provas obtidas por meios ilícitos, consideradas aquelas que afrontam direta ou indiretamente garantias tuteladas pela Constituição, não poderão em regra, ser utilizadas no processo criminal como fator de convicção do juiz. Atua como princípio ético, quer a apuração dos fatos criminosos, calcada na licitude, pois nada adiantaria, sob o prisma democrático, buscar a justiça desrespeitando as leis.

No processo penal, são proibidas as chamadas provas ilegais. As provas proibidas são de suas espécies: ilegítimas e ilícitas. Entre ambas há nítida distinção: as primeiras, provas ilegítimas, são aquelas obtidas com afronta a preceito de legislação processual, isto é, violação do Direito Penal formal; as provas ilícitas, por sua vez, são as que são conseguidas com violação a norma de Direito Penal material, ou seja, são obtidas por meio criminoso ou contravencional.

Em todo o mundo, a única Constituição que proíbe taxativamente a obtenção ilícita de provas é a brasileira (art. 5º, VI). Assim, mesmo que o que se conseguiu apurar seja prova cabal da existência de uma infração penal e da autoria da mesma, se tal se deu ilicitamente, como por

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meio de tortura (violação a disposições da Lei nº 9.455/97), micro gravadores dissimulados, interceptação telefônica desautorizada (afronta à Lei n.º 9.296/96), fotografias da vida íntima da pessoa, detector de mentiras sem que a pessoa permita, etc., não é admissível em juízo, vale dizer, não pode ser usado pela acusação, ainda que isso enseje (e realmente ensejará) a impunidade do indiciado ou do réu. Também são consideradas ilícitas aquelas obtidas por derivação (teoria norte-americana das fruits of the poisonous tree), quando, por exemplo, a Polícia obtém do acusado, mediante tortura, a confissão de onde está depositada a droga, e até lá se dirige e, preenchendo todas as formalidades legais, apreende o entorpecente — embora a apreensão seja em si lícita, ela decorreu de origem ilícita, e ilícita também, pois, deve ser a primeira considerada, e rechaçada em juízo.

Isso porque, entre o desrespeito à Constituição Federal e a impunidade, preferir-se-á esta.

Todavia, arrimada no princípio do favor rei, existe forte corrente doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir as provas ilícitas desde que favoráveis à defesa. Isso tem sua razão de ser, muito lógica e plausível: se a prova, ainda que insofismável, da existência do crime e da sua au-toria, é inadmissível, absolvendo-se o réu, com muito maior razão não se punirá quem, sendo inocente, prova-a, ainda que com o emprego de recursos afrontantes da lei penal. Assim, p. ex., se alguém, querendo provar a sua inocência, penetra na calada da noite em domicílio alheio, e de lá subtrai documentos capazes de provar sua inocência, tais provas devem ser admitidas. Talvez mesmo não seja melhor falar-se, aí, em prova obtida “ilicitamente”, senão licitamente (embora o fato seja típico à luz da legislação penal), porque então se pode alegar estado de necessidade, cujos bens em conflito seriam, em derradeira análise, o jus libertatis e a tranquili-dade doméstica e patrimônio do morador do domicílio.

Assim, tem-se que: a acusação não pode utilizar-se de provas obtidas ilicitamente (sejam ori-ginárias ou por derivação), mas a defesa, em tese, pode (vide, no Informativo STF nº 30, de 15/05/96, o HC 73.351-SP).

2.11. Reponsabilidade pessoal (Art. 5º, XLV, CF)

Tal princípio está previsto no art. 5º, XLV da CF. Também denominado princípio da intranscen-dência ou da pessoalidade ou, ainda, personalidade da pena, preconiza que somente o conde-nado, e mais ninguém, poderá responder pelo fato praticado, pois a pena não pode passar da pessoa do condenado.

Este princípio justifica a extinção da punibilidade pela morte do agente. Resta óbvia a extinção quando estamos tratando da pena privativa de liberdade, mas o princípio da responsabilida-de pessoal faz com que, mesmo tendo o falecido deixado amplo patrimônio, a pena de multa não possa atingi-lo, pois estaria passando da pessoa do condenado para atingir seus herdeiros. Sendo assim, sempre estará extinta a punibilidade, independente da pena aplicada, quando ocorrer a morte do agente.

Todavia, se estivermos diante de uma responsabilidade não penal, como a obrigação de reparar o dano, nada impede que, no caso de morte do condenado e tendo havido bens para transmitir aos seus sucessores, estes respondem até as forças da herança. A pena de multa, apesar de ser considerada agora dívida de valor, não deixou de ter caráter penal e, por isso, continua obede-cendo a este princípio.

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2.12. Juiz Natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF)

Este princípio tem fundamento constitucional no art. 5º, XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”). Significa que nenhuma lei poderá sob hipótese alguma criar órgão jurisdicional ou de-signar magistrados especiais para julgarem um caso isolado. Quer dizer, dado um fato, o órgão ou o juiz incumbido de o julgar já deve estar previamente previsto para aquele desiderato. É constitu-cionalmente vedado, portanto, criação ou designação de órgão ou tribunal após o fato. Além do mais, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, da CF/88), o que quer dizer que a cada espécie de fatos cabem processo e julgamento a um órgão competente. Lembram os autores que não ofendem o princípio do juiz natural as modificações de competência, as substituições, o desaforamento e a prorrogação de competência previstas em lei.

Identidade Física do Juiz: Inobstante o temos citado no rol dos princípios do processo penal, em verdade e de fato ele não subsiste, ao menos no processo brasileiro. Segundo o princípio, num mesmo processo só poderia atuar um único e só juiz, não se permitindo a sua substituição por outro: o juiz que pratica um ato de um processo necessariamente deverá ser o mesmo para todo o desenrolar do mesmo, nos limites de sua competência. Não é princípio do Direito Pro-cessual Penal brasileiro, e não foi consagrado, sequer, pelo Código de Processo Penal brasileiro, tendo em vista que o trata do juiz como “órgão jurisdicional”, em caráter impessoal, portanto, pouco importando a pessoa física do juiz.

2.13. Princípio Juiz imparcial (art. 5º, XXXVII e LIII, CF/88)

Não haveria, decerto, justiça (ou ao menos sempre se desconfiaria que ela se fizesse realmente presente) caso o magistrado, ao qual é dado o poder-dever de dirimir o conflito intersubjeti-vo qualificado por uma pretensão (jus puniendi) resistida (resistência do jus libertatis), fosse parcial, isto é, se o Estado-juiz não se colocasse em situação de equidistância entre as partes, e ainda o mais se fosse movido por paixões as mais diversas que tendessem a sempre favorecer, sem respaldo jurídico, uns, e prejudicasse outros.

Pelo princípio da imparcialidade, exige-se que o juiz, na demanda que lhe vem à tona, não julgue apaixonadamente, movido por sentimentos que obnubilam o caráter e os valores da fi-nalidade última do Direito, a justiça, deixe de aplicá-la segundo as normas que se exprimem na ordem jurídica, e que necessitam de ser postas em prática.

Assim é que o magistrado não deverá subsumir a sua opinião à própria conveniência e aos pró-prios interesses que por ventura haja, direta ou indiretamente, ligação com a forma e/ou com o pronunciamento jurisdicional que ele realizará. Não se permite, igualmente e talvez com muito maior razão, que o convencimento do juiz esteja como que coligado às conveniências de tercei-ros, sob pena de nulidade do decisum.

Daí porque a Carta Magna (art. 95), desejando afastar, ou ao menos dirimir, as ingerências me-tajurídicas capazes de criar óbices à aplicação das leis penal e processual penal, confere garan-tias aos magistrados: vitaliciedade, pelo qual, durante os primeiros dois anos de judicatura, o juiz somente perderá o cargo por deliberação do Tribunal a que estiver vinculado e, após o perí-odo probatório, apenas por sentença judicial transitada em julgado; inamovibilidade, segundo a qual o juiz só será afastado ou removido de sua comarca em razão de manifesto interesse público, evitando-se, com isso, que o juiz julgue desta ou daquela forma, conforme interesses individuais amiúde financeiros e políticos.

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Assim, ele não terá receio de julgar segundo lhe aprouver, mas sempre de acordo com os man-damentos da lei e os princípios da ordem jurídica, nunca das pressões e influências negativas);

Irredutibilidade de vencimentos, ou seja, os magistrados poderão ter a certeza de que seus vencimentos não serão atingidos pelos poderosos ainda que contrarie seus interesses. Logo, decida o juiz como decidir, as garantias assegurarão que ele continue no cargo.

A doutrina defende que o juiz deve ser objetiva e subjetivamente capaz de exercer a jurisdição diante do caso concreto.

Objetivamente, ele deve ser competente para julgar a demanda (no entanto, a preclusão do direi-to de alegação de incompetência relativa implica a prorrogação da competência, isto é, de incom-petente passa o magistrado a competente). A capacidade subjetiva é, em termos do princípio em epígrafe, a que nos interessa. A imparcialidade ficará afetada com o impedimento ou com a mera suspeição do juiz. Tanto o juiz impedido quanto o suspeito não podem atuar no processo.

O impedimento está capitulado no art. 252 do Código de Processo Penal, e se refere aos casos em que o juiz: tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito (inciso I); ele próprio houver desempe-nhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha (inciso II); tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão (inciso III); ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o ter-ceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito (inciso IV).

Dá-se a suspeição do magistrado: está capitulado no art. 254 do Código de Processo Penal, e se refere aos casos em que o juiz: for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles (inciso I); se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (inciso II); se ele, seu cônjuge, ou parente, consan-guíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes (inciso III); se tiver aconselhado qualquer das partes (inciso IV); se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes (inciso V); se for só-cio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo (inciso VI).

Não haveria seriedade e imparcialidade e, portanto, tranquilidade de uma das partes, se se soubesse que o juiz é impedido ou suspeito por qualquer um daqueles motivos, que, aliás, de-vem como tais ser declarados de ofício, e se o juiz não o fizer, qualquer das partes poderá alegá--la por meio de exceção.

2.14. Iniciativa das Partes (art. 129, I, CF/88; arts. 24 e 30, CPP)

A ação penal é o direito instrumental de fazer invocar a tutela jurisdicional com vistas à compo-sição de uma lide penal. A titularidade da ação penal é exclusiva da parte interessada: Ministé-rio Público, nos crimes de ação penal pública; ofendido ou seu representante legal, nos de ação privada. De forma que, se quer o titular da ação penal que o autor de um crime seja processado e julgado, necessitará de promover a ação penal respectiva; em última instância, terá de tomar a iniciativa de conclamar aquela tutela.

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Daí dizer-se que paralelamente ao princípio da iniciativa das partes está o da inércia do juiz, ou seja, ele só pode tomar a primeira providência jurisdicional se e quando for “chamado” a tal, por meio da instauração da ação penal (denúncia ou queixa-crime).

O princípio em comento é ratificado por duas expressões latinas: nulla jurisdictio sine actione (não há jurisdição sem ação); ne procedat judex ex officio (não procede a jurisdição de ofício).

Não há exceções a esse princípio: ao Ministério Público (MP), e somente a ele, cabe a iniciativa da ação penal pública (art. 129, I, da CF/88), sendo que nem sequer a autoridade policial ou o juiz podem propor ação penal; ao ofendido ou seu representante legal, e somente a eles, a ação penal privada (CPP, arts. 29 e 30). Mesmo quando o Ministério Público não intenta a denúncia no prazo legal, quando então cabe à parte ofendida a ação privada subsidiária, o MP não perde a sua titularidade, e tanto é assim que, malgrada a propositura tempestiva da queixa-crime, o MP volta a poder apresentar a denúncia. Nada obsta, também, que, no prazo de oferecimento de queixa-crime, seja oferecida denúncia.

2.15. Oralidade

Por ele, a validade das declarações de ambas as partes (acusação e defesa) depende sobremanei-ra de seu pronunciamento feito oralmente. Tal princípio encontra seu cume durante o decorrer das sessões do Tribunal do Júri, em que a defesa, acusação e julgamento são realizados oralmen-te (salvo algumas fórmulas procedimentais, em que se faz por escrito, mas em sua essência as sessões do Tribunal do Júri são orais). No entanto, observa-se que de ordinário o processo penal brasileiro, tal qual o cível, apresenta-se muito mais escrito do que oral, e apenas em um ou outro caso é que se consagra a primazia da palavra oral, verbalizada, não gráfica, como acontece no rito sumaríssimo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 81 da Lei nº 9.099/95). Atualmente vem ocorrendo uma tendência doutrinária em se “oralizar” mais o processo penal brasileiro, até porque assim se procuraria desburocratizá-lo mais.

2.16. Princípio da verdade real, material ou substancial (art. 566, CPP)

Significa que no processo penal devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas to-das as providências cabíveis para tentar descobrir como os fatos realmente se passaram.

Esse, a propósito, o motivo que inspirou o art. 5°, LXIII, da CF e do art. 186 do CPP, determinan-do que o silêncio do réu não importa em confissão.

Na esfera penal a investigação dos fatos cumpre caminho diverso ao que é trilhado na esfera ci-vil. No Direito Civil vigora o princípio da verdade formal, inclusive se o réu não contestar a ação, serão presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 319, CPC).

Pelo princípio da verdade real o processo penal, ao contrário do cível, não deve encontrar arti-ficialismos ou formalismos capazes de criar óbices ao conhecimento cabal e verdadeiro do fato, da autoria e de todas as circunstâncias, tais quais eles realmente ocorreram. Donde porque, com a verdade real, o Direito Processual Penal tende a preferir o primado da justiça sobre qual-quer elemento ou dado que, pela sua superficialidade formal, possa obstruir a consecução da justiça. Procura-se, pois, averiguar cada caso concreto por meio da apuração da verdade, não da presunção dela. Veja-se, p. ex., que, no processo cível, o réu que deixar de contestar a exor-dial ou admiti-la em todos os seus termos sucumbirá, visto que tudo o que fora alegado na petição

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será considerado, por presunção, verdadeiro. O mesmo não ocorre no processo penal, em que, p. ex., o fato de uma pessoa entregar-se à autoridade policial, dizendo-se autora de determinado deli-to cuja autoria era até então desconhecida não significará que, com certeza, ela será condenada por aquele crime, pois que pode ser que ela esteja faltando com a verdade (para acobertar alguém, por exemplo). Sua “confissão” não gera presunção de verdade (como ocorreria no processo cível), mas apenas, quando muito, uma suspeita de que fora ela mesma quem praticou a infração penal.

Veja-se, p. ex., o princípio da verdade real sendo aplicado quando o juiz, independentemente da iniciativa de qualquer das partes, de ofício ordena a execução de determinada diligência, a fim de que ele consiga obter a verdade, nada mais que a verdade. Mesmo diante dos fatos incontroversos pelas partes (isto é, as partes da lide penal não divergem a respeito de um fato) o juiz poderá, não satisfeito com o que tem diante do processo (ausência de contestação por qualquer das partes), ordenar diligências. Mesmo quando o Ministério Público pede a absolvi-ção é possível que o Juiz, analisando que, in casu, cabe legitimidade ao Estado de fazer valer sua pretensão punitiva, poderá condenar o réu (art. 385 do Código de Processo Penal).

O princípio da verdade real não é absoluto. Tenha-se em mira, a sentença absolutória tran-sitada em julgado, que não pode ser mais “desfeita” (tecnicamente, rescindida, modificada) mesmo que sejam apresentadas as mais irrefutáveis provas contra o réu. Quer dizer, a regra processual penal de caráter formal de que a sentença absolutória transitada em julgado não pode ser rescindida, aqui, constitui uma das exceções ao princípio em tela. Diga-se o mesmo, também, na causa extintiva de punibilidade da perempção, que se faz presente mesmo quando há provas conclusivas acerca da materialidade do fato e da sua respectiva autoria: por melhor que seja a redação da queixa-crime, por melhores e mais incontestáveis que sejam as provas nela acostadas, a ausência de pedido de condenação ou de citação do réu gera extinção da pu-nibilidade, nos termos dos arts. 107, IV, in fine, do CP, e 60 do Código de Processo Penal.

2.17. Princípio do duplo grau de jurisdição

Concretiza-se mediante a interposição de recurso, decorre da necessidade de possibilitar a de-terminados órgãos do Poder Judiciário a revisão de decisões proferidas por juízes ou tribunais sujeitos à sua jurisdição. Embora não exista previsão expressa deste princípio na Constituição ele decorre de forma implícita das regras de competência por ela trazidas.

2.18. Obrigatoriedade (arts. 5º e 24, CPP)

Mediante tal princípio, nos crimes que se apurem por meio de ação penal pública incondicio-nada a autoridade policial, tomando deles conhecimento, deve instaurar inquérito policial de ofício (art. 5º do Código de Processo Penal); e o órgão do Ministério Público, tomando deles conhecimento, deverá promover, pela denúncia, a ação penal (art. 24 do mesmo diploma).

Em síntese: os crimes, quanto à ação penal a ser promovida, ou são de ação penal pública, ou de ação penal privada (é a lei penal quem determina isso, seja silenciando, seja fazendo expres-siva alusão à necessidade de queixa-crime ou de representação). Os segundos, porque são da alçada privada, são de titularidade exclusiva do ofendido ou de seu representante legal, e eles oferecem a queixa-crime se lhe convierem, vale dizer, o titular da ação penal privada oferece a queixa-crime (peça inicial desta espécie de ação penal) se quiser, não tendo obrigatoriedade para tal, porque o interesse na persecução penal pertencerá, tão-somente, a ele, e não à sociedade.

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Os crimes de ação penal pública, no entanto, ensejam o interesse público de que sejam devida-mente apurados, de modo que não pode a autoridade policial, ao deles tomar conhecimento, deixar de instaurar inquérito policial (embora se alegue, vez ou outra, que não seja bem isso o que ocorre na prática); e ao representante do Ministério Público não cabe “querer ou não querer” oferecer a denúncia (peça em que se consubstancia a ação penal pública), sendo que, antes, ele simplesmente tem de oferecê-la.

E se a autoridade policial deixar de instaurar o inquérito policial, ou o representante do Minis-tério Público deixar de oferecer a denúncia? A depender do caso concreto, poderão eventual-mente responder por crime de concussão (art. 316, caput, do CP), de corrupção passiva (art. 317 do CP) ou de prevaricação (art. 319 do CP).

Doutrinadores da estirpe de Fernando da Costa Tourinho Filho e Júlio Fabbrini Mirabete têm dito que o princípio da obrigatoriedade não oferece exceção alguma, mas uma “mitigação” (abrandamento), nos termos do que dispõem os arts. 74 e 76 da Lei nº 9.099/95, permitindo--se a composição e a transação penais anteriores ao oferecimento da denúncia. Fala-se, então, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, em discricionariedade regrada: o Ministério Público pode, desde que atendidas certas condições, deixar de oferecer a denúncia.

2.19. Indisponibilidade (arts. 17, 42 e 576, CPP)

Esse princípio muito se assemelha ao que acabamos de tratar, mas com ele não se confunde. Pelo princípio da obrigatoriedade, vimos, a autoridade policial, ao tomar conhecimento do cometimento de fato delituoso que se apura mediante ação penal pública, deverá instaurar o respectivo inquérito policial (art. 5º do CPP), e o órgão do Ministério Público, na mesma hipótese, deverá oferecer a denúncia, a peça inicial da ação penal pública (art. 24 do CPP). Assim, o princípio da obrigatoriedade diz respeito a momento anterior ao inquérito e à denúncia, impondo que sejam levados a cabo pela autoridade a quem cabe cada um desses atos.

Pelo princípio da indisponibilidade, em seu turno, o inquérito policial já instaurado não poderá ser arquivado de ofício pela autoridade policial (art. 17 do CPP), e o órgão do Ministério Público, por sua vez, não poderá desistir da denúncia já oferecida (art. 42 do CPP), nem do recurso já interposto (art. 576 do CPP).

Logo, enquanto o princípio da obrigatoriedade, diante de um delito de ação penal pública, diz “instaure o inquérito policial!” à autoridade policial, e “ofereça a denúncia!” ao representante do Ministério Público, o da indisponibilidade diz, à primeira autoridade, “não arquive, de ofício, inquérito policial!”, e à segunda, “não desista da ação penal já intentada!” e “não desista do recurso que já haja interposto!”.

2.20. Oficialidade (arts. 128, I e II, 129, I, CF e 144; CPP)

Pelo princípio da oficialidade, os órgãos encarregados de empreender a persecutio criminis são oficiais com autoridade para deduzirem a pretensão punitiva in abstracto. Assim é que a apu-ração das infrações penais cabe à Polícia (art. 144 da CF/88; arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal), e a ação penal é oferecida pelo Ministério Público (arts. 128, I e II, e 129, I, da CF/88; arts. 24 e ss. do CP). Logo, cabem a órgãos oficiais estatais promoverem a persecutio criminis in judictio.

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A chamada “ação penal popular”, que possibilita a iniciativa de qualquer do povo para oferecer ação penal por crime de responsabilidade do Presidente da República e do Procurador-Geral da República, insculpida no art. 41 da Lei nº 1.079/50, não tem mais sua razão de ser (o dispositivo está tacitamente revogado pelo art. 129, I, da CF/88).

A exceção ao princípio está na ação penal privada (daí porque dizer-se que, com relação à ação penal, o princípio da oficialidade somente é absoluto quanto à ação pública). Na ação privada, a titularidade não é do Ministério Público, mas muito pelo contrário: cabe ao ofendido ou ao seu representante legal promover a ação penal privada, particulares e não autoridades, por conseguinte.

3. SISTEMA PROCESSUAL

É o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Es-tado, que estabelecem as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito no caso concreto.

No direito comparado, são encontradas três espécies de sistemas processuais penais (tipos de processos), a saber:

3.1. Sistema Inquisitivo

A origem da nomenclatura do sistema inquisitivo vem da inquisição (Santa Inquisição – Tribunal Eclesiástico), que possuía como finalidade a investigação e punição dos hereges, pelos membros do clero, é próprio dos regimes ditatoriais.

No sistema inquisitivo é o juiz quem detém a reunião das funções de acusar, julgar e defender o investigado – que se restringe a mero objeto do processo. A ideia fundante deste sistema é: o julgador é o gestor das provas, o juiz é quem produz e conduz as provas.

• Reunião das funções: o juiz julga, acusa e defende;

• Não existem partes – o réu é mero objeto do processo penal e não sujeito de direitos;

• O processo é sigiloso, isto é, é praticado longe “aos olhos do povo”, prevalecendo a forma escrita;

• Inexistem garantias constitucionais, pois se o investigado é objeto, não há que se falar em contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.;

• A confissão é a rainha das provas (prova legal e tarifação das provas);

• Existência de presunção de culpa? O réu é culpado até que se prove o contrário.

3.2. Sistema Acusatório

Próprio dos regimes democráticos caracteriza-se, diversamente do sistema inquisitório, sua antítese é o sistema processual acusatório, que possui como princípio unificador o fato de o gestor da prova ser pessoa/instituição diversa do julgador. Há, pois, nítida separação entre as funções de acusar, julgar e defender, o que não ocorria no sistema inquisitivo. Destarte, o juiz é imparcial e somente julga, não produz provas e nem defende o réu:

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• As partes são as gestoras das provas;

• Há separação das funções de acusar, julgar e defender;

• O processo é público, salvo exceções determinadas por lei;

• O réu é sujeito de direitos e não mais objeto da investigação;

• Consequentemente, ao acusado é garantido o contraditório, a ampla defesa, o devido pro-cesso legal, e demais princípios limitadores do poder punitivo;

• Presume-se a não culpabilidade (ou a inocência do réu);

• As provas não são taxativas e não possuem valores preestabelecidos.

3.3. Sistema Misto ou Inquisitivo garantista

Existe ainda aqueles que pregam a existência de um sistema misto, onde coexistem regras do sistema acusatório e do sistema inquisitivo.

4. SISTEMA ADOTADO NO BRASIL

Em que pese não existir posição uniforme a respeito de qual sistema o Brasil adotou, a doutrina majoritária tem apontado o sistema acusatório.

5. DISTINÇÃO ENTRE SISTEMA INQUISITIVO E ACUSATÓRIO

Características/sistemas Sistema inquisitório Sistema acusatório

Princípio unificador O juiz é o gestor das provas. As partes é que são gestoras das provas.

Funções acusar, defender e julgar. Reunidas nas mãos do juiz. Separadas (promotor acusa,

advogado defende, e juiz julga).

Atos do processo Escrito e sigilosos.A regra é a publicidade dos atos

do processo, prevalecendo a forma oral.

Réu Objeto da investigação. Sujeito de direitos.

GarantiasNão há contraditório, ampla defesa ou devido processo

legal.

Todas as garantias constitucionais inerentes ao

julgamento.

Provas Taxativas, onde a confissão é a rainha das provas.

Livre convencimento do juiz e devidamente motivadas.

PresunçãoDe culpabilidade, podendo

utilizar-se de torturas e meios cruéis para obter a confissão.

De não culpabilidade ou de inocência.

Julgador É parcial. É imparcial, equidistante das partes.

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CAPÍTULO III – INQUÉRITO POLICIAL

1. Persecução Penal (Persecutio Criminis)

O Estado tem interesse em manter a paz e a harmonia entre seus cidadãos. Quando se comete uma infração penal, põe-se em risco aqueles bens jurídicos, e surge para o Estado o jus puniendi, o direito de punir.

Todavia, para que o Estado possa punir, é preciso, de antemão, recolher elementos probatórios ne-cessários que indiquem a prática de uma infração penal, e apontem a autoria do mesmo. Surge, assim, a necessidade de “ir atrás da infração penal”, “persegui-la”, investigando-a e denunciando-a, atividade a que se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis). A persecução penal, literal-mente “perseguição à infração penal” (sua materialidade e autoria), constitui-se da soma da ativida-de investigatória (inquérito policial), que é a sua primeira fase, com a ação penal, que é a sua segun-da fase. Esta última fase é chamada também de persecutio criminis in judictio, porque a persecução criminal está já em juízo, não apenas em sua fase meramente administrativa, como o é a primeira.

Nos itens que se seguem, restringir-nos-emos à primeira fase da persecução penal, a do inqué-rito policial.

2. Polícia

Como estamos aqui tratando de inquérito policial, faz-se mister que atentemos ao que se en-tende por polícia.

2.1. Conceito

Polícia é uma instituição de Direito Público destinada a assegurar a segurança, a paz, a incolu-midade e a ordem públicas.

2.2. Divisão

A polícia é comumente dividida em: polícia administrativa (de caráter preventivo das infrações penais) e polícia judiciária (com o fito de reprimir as infrações penais). A primeira visa prevenir a prática de delitos e contravenções; a segunda, que surge após o cometimento do ilícito penal, tem por fim investigá-lo, apurá-lo, para recolherem-se seus elementos de materialidade e auto-ria, a fim de que seja deduzida, pelo titular da ação penal cabível, a pretensão punitiva.

Pode ainda ser dividida a polícia em civil, federal e militar. Esta última tem caráter ostensivo, e o inquérito policial militar (IPM) serve para apurar as infrações militares, não todas as infrações. Tanto é assim que, ainda quando um não-militar é preso por policiais militares, será levado à presença da Polícia Civil e o que se instaurará é um inquérito policial presidido por Delegado de carreira, não um inquérito policial militar.

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A polícia federal tem suas atribuições genericamente traçadas no art. 144, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal.

3. Conceito de Inquérito Policial, Natureza e Finalidade

3.1. Conceito

Inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual, de caráter facultativo, des-tinado a apurar infrações penais e sua respectiva autoria.

3.2. Natureza Jurídica

O inquérito policial não é ato ou procedimento processual, mas meramente administrativo, pré-processual, daí porque não se rege pelos princípios norteadores da ação penal e do processo penal, como o contraditório e a ampla defesa.

3.3. Finalidade

A finalidade do inquérito policial é apurar as infrações penais (investigando-as e descobrindo-as) e a autoria de quem as cometeu, com o fito de levar ao conhecimento do titular da ação penal as informações colhidas.

4. Inquéritos Extrapoliciais

Nem todo inquérito é “policial”, havendo outros que não se regem por esta denominação, porque não são presididos por autoridades policiais, além do que se norteiam pelos princípios do contraditório e da ampla defesa:

4.1. Inquérito Administrativo

Este inquérito visa a apurar a conveniência, ou não, da expulsão de estrangeiro do território nacional, segundo regulamentam os arts. 70 e 71 da Lei nº 6.815/80.

4.2. Inquérito Judicial

O inquérito judicial é presidido pelo Juiz da Vara de Falências, como dispõe a Lei de Falências (Lei nº 11.101/55), art. 192, para colhimento de informações acerca de crimes falimentares.

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4.3. Inquérito Civil

O inquérito civil é presidido pelo órgão do Ministério Público destinado à propositura da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens de direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (Lei nº 7.347/85).

4.4. Inquérito Parlamentar

Este trata do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que presidem os inquéritos parlamentares (Lei nº 1.579/52).

5. Características do Inquérito Policial

No sistema processual penal brasileiro, o inquérito policial obedece ao sistema inquisitório, de modo que, além de não obedecer aos princípios do contraditório e da ampla defesa, apresenta-se com os seguintes caracteres:

5.1. Sigiloso (art. 20 do CPP)

O inquérito policial é sigiloso, para impedir que empecilhos ou óbices se ponham em seu regu-lar caminho, pois do contrário frustradas muitas vezes ficariam as investigações.

P. ex., o indiciado já tivesse, de antemão, conhecimento dos próximos movimentos e diligências realizadas pela polícia. O sigilo, porém, não é absoluto, pois não se estende ao Ministério Pú-blico (art. 15, III, da Lei Orgânica do Ministério Público) e ao Juiz. Na prática, igualmente, pouco sigilo existe em relação aos advogados, haja vista suas prerrogativas (art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB) e o entendimento da súmula vinculante nº 14, STF.

5.2. Escrito (art. 9º do CPP)

Todas as conclusões e informações a que chegou o inquérito policial devem ser deduzidos por escrito, e remetidos ao Judiciário (no caso de ação penal pública) ou ao ofendido ou seu repre-sentante legal (no caso de ação penal privada).

5.3. Obrigatório; Oficiosidade (art. 5º, I, do CPP)

Tomando conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, deverá a autoridade policial (Delegado de polícia), de ofício, instaurar inquérito policial, sob pena de res-ponder por prevaricação (art. 319 do CP), corrupção passiva (art. 317 do CP) ou concussão (art. 316, caput, do CP)1, a depender do caso concreto. Não existe, e nem é possível, a obrigatorie-dade nos casos de ação penal pública condicionada à representação (porque dependerá desta para ser instaurado o inquérito) ou ação penal privada (em que será necessário o requerimento da parte ofendida ou de seu representante legal).

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5.4. Indisponível (art. 17 do CPP)

Instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá arquivá-lo de ofício, mas tão somente quando assim requisitado pelo Ministério Público. Pode até se alegar que tal procedimento, o arquivamento de ofício do inquérito, é “praxe” comum, mas isso constitui um atentado grave à lei, à justiça, e configura ilícito penal (prevaricação, corrupção passiva ou concussão, a depender do caso concreto).

5.5. Discricionário (Art. 14 do CPP)

O delegado tem uma margem de escolha para agir, decidindo por quais diligências irá realizar segundo critérios de oportunidade e conveniência. Tal característica não pode ser confundida com arbitrariedade, tendo em conta que o delegado embora possa fazer escolhas decidindo quais providências serão tomadas, não pode fazê-las ao arrepio das regras constitucionais e legais. Sendo assim não lhe é facultado ouvir o suspeito com o emprego de tortura ou meios cruéis entre outros exemplos.

Embora o delegado tenha um livre agir, a ordem jurídica lhe impõe alguns deveres, do qual sua atuação está vinculada: exigência de exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestí-gios (art. 158 e art. 184, CPP) e requisição do Ministério Público ou do Juiz que obriga o delega-do a agir (Art. 5º, II e Art. 13, II, CPP).

5.6. Oficial (Oficialidade)

A investigação policial deve ser realizada por autoridades e agentes públicos, que pertençam aos quadros de servidores da polícia judiciária, sendo vedada a delegação de atribuições a par-ticulares. Frisa-se que o juiz jamais pode presidir o inquérito, se assim proceder torna-se laten-te a violação ao sistema acusatório e ao princípio da imparcialidade do julgador.

5.7. Dispensável (Art. 39 § 5º, CPP)

O inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, ten-do em vista que tem caráter meramente informativo.

É perfeitamente possível que o processo seja iniciado sem que exista a previa realização do Inquérito policial. A esse respeito dispõe o artigo 39, § 5º do CPP, que o promotor dispensará o inquérito, se com a representação forem apresentados indícios de autoria e da materialidade suficientes para a oferta da denúncia.

5.8. Inquisitorial

Por ser um procedimento inquisitivo, voltado à obtenção de elementos de informação que irão auxilia o titular da ação penal, formar sua opinião sobre o fato tido com delituoso, não existe nele a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Na hipótese do inquérito instaurado pela Polícia Federal, objetivando a expulsão do estrangei-ro, existe a aplicação do princípio do contraditório, pois o decreto 86.715/81, que regulamen-tou a Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) estabeleceu uma serie de regras, possibilitando defesa, para aquele submetido a tal procedimento.

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Cabe destacar a importante mudança trazida pela Lei 13.245/16, que altera o artigo 7º, XXI, do Estatuto da OAB, conferindo direito ao advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoi-mento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decor-rentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso respectiva apura-ção: apresentar razões e quesitos. Para a doutrina a recente mudança legislativa representa uma mitigação a característica inquisitorial do inquérito policial.

5.9. Oficioso (Oficiosidade)

Em regra, o inquérito deve ser instaurado ex officio (independente de provocação) pela auto-ridade policial sempre que tiver conhecimento da prática de uma infração penal. Tal regra não se aplica quando se tratar da pratica de crime de ação pública condicionada ou ação privada, onde o inicio do inquérito esta vinculado a existência de representação ou de requerimento da vítima ou seu representante legal, respectivamente.

6. Competência (Atribuição)

O termo “competência” refere-se, tecnicamente, no campo processual, apenas aos órgãos ju-risdicionais, não à polícia. Para esta melhor seria a expressão “atribuições”, muito mais precisa e técnica. Essa atribuição, de regra, é atribuída de acordo com o lugar da ocorrência do ilícito penal, mas também pode se referir à natureza da infração e à pessoa da vítima.

6.1. Atribuição em Razão do Lugar da Infração (Ratione Loci)

Esta é a regra geral. Os Distritos Policiais de Goiânia ocupam-se com as infrações penais come-tidas em Goiânia; os Distritos Policiais de Aparecida de Goiânia ocupam-se com as infrações penais cometidas nesta cidade, e assim por diante.

Também é muito comum, principalmente em cidades maiores, que cada Distrito se ocupe com infrações penais ocorridas em uma delimitada área de atuação, denominada circunscrição. A cidade, ou a Comarca, é dividida em diversas circunscrições, e, pela regra da atribuição ratione loci, numa mesma Comarca poderá haver diversas circunscrições, e para cada qual existe um Distrito Policial ao qual incumbe a apuração das infrações penais cometidas dentro desta área.

Assim, p. ex., em regra uma Delegacia de Polícia do bairro Jardim América não se ocupa de cri-mes cometidos no Novo Mundo.

Isso, contudo, não impede que a Autoridade Policial responsável por uma circunscrição investi-gue, em outra, fatos de repercussão na primeira, ou mesmo que um Delegado de uma circuns-crição X apure uma infração cometida na de Y. A divisão em razão do lugar da infração é uma questão apenas de conveniência, não havendo o que se falar, p. ex., em vício ou irregularidade na prisão em flagrante ocorrida em uma circunscrição sob os auspícios da Autoridade Policial de outra.

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6.2. Atribuição em Razão da Natureza da Infração (Ratione Materiae)

As atribuições da Polícia também podem ser conferidas de acordo com a natureza da infração penal cometida. É muito comum, p. ex., Delegacias especializadas em roubos, ou em homicí-dios, ou em entorpecentes, em furtos e roubos de veículos, etc. Quando acontece essa divisão, não importa em que circunscrição ocorreu um delito. Exemplo: Numa Comarca existem dez cir-cunscrições, havendo uma Delegacia de Polícia para cada uma. Na circunscrição X ocorreu um roubo, não havendo nela Delegacia Especializada para esta espécie de delito.

Tanto pode investigar o fato a Delegacia de X quanto a Delegacia de Furtos e Roubos da circuns-crição Y, por exemplo.

6.3. Atribuição em Razão da Pessoa da Vítima (Ratione Personae)

Leva-se em conta, aqui, a pessoa da vítima da infração, independentemente do lugar ou da na-tureza do delito cometido. Dessa forma, existem Delegacias da Mulher, Delegacias do Turista, Delegacias do Idoso, etc.

7. Dispensabilidade

O inquérito policial é um procedimento indispensável para a propositura da ação penal? Só se fala em processo penal se, quando e porque houve, antes, um inquérito policial instaurado? A resposta é negativa. O inquérito é peça absolutamente dispensável, podendo ser intentada a ação penal cabível, pública ou privada, mesmo sem o procedimento inquisitório, se o seu titu-lar achar estar em mãos com elementos suficientes da materialidade e da autoria do fato. Isso é fácil de concluir pelas disposições dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do Código de Processo Penal. O inquérito policial, destarte, não é condição alguma de procedibilidade processual.

8. Valor Probatório

O inquérito policial tem valor como prova no processo penal? Sim, o inquérito policial tem va-lor probatório, servindo como prova tanto pela acusação (principalmente) quanto pela defesa, mormente quando a Autoridade Policial procedeu ao requerimento de perícias e exames, mui-to preciosas para a elucidação do fato, para a vinculação da autoria e para a formação da culpa. Todavia, como é pacífico na jurisprudência, é nula a sentença que se respalda exclusivamente em peças do inquérito policial, visto que o decisum estaria se adstrindo a um procedimento no qual o indiciado não teve oportunidade de defesa, ante a ausência dos princípios do contradi-tório e da ampla defesa, esse entendimento jurisprudencial está firmado no artigo 155, CPP.

9. Vícios

Suponha-se que o inquérito apresente vícios e mesmo irregularidades graves, como a confissão do indiciado obtida mediante tortura, a colheita ilícita de provas ou a ausência de curador ao indiciado menor de 21 anos. Esses vícios teriam o condão de prejudicar, ou mesmo anular, a ação penal ou os atos processuais vindouros?

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O inquérito policial é peça meramente administrativa e informativa, de molde que eventuais erros, equívocos, irregularidades e vícios, por mais graves que sejam, não podem prejudicar a ação penal e o processo penal a ser instaurado. A razão é evidente: procedimento administrati-vo não pode anular processo judicial.

Ambas são esferas completamente distintas, embora ligadas uma à outra como uma relação (dispensável, como já se viu) de causa e efeito.

Do exposto, não se fala, de ordinário, em nulidade de ato inquisitorial, mas em mera irregulari-dade, e mesmo assim não pode ela prejudicar a relação processual subsequente. Evidentemen-te que, na fase processual, veda-se, sob pena de nulidade, decisão respaldada em atos viciados realizados durante o inquisitório policial. Uma prova obtida ilicitamente não pode, sequer, ser apresentada em prejuízo do réu.

10. Notitia Criminis ou Delatio Criminis

No tema referente a inquérito policial assume uma fundamental importância o conceito de notitia criminis, vulgarmente conhecida como “prestar queixa na Delegacia”. Tecnicamente, a “queixa” nada tem a ver com a notitia criminis, senão apenas com a ação penal privada. Logo, daqui por diante torna-se imperioso desmistificar algo que é popularmente falado, mas tecni-camente inaceitável: “queixa” é um instituto da ação penal privada, e não do inquérito policial; a notitia criminis, esta sim configura a ciência às autoridades da prática de uma infração penal.

10.1. Conceito

Notitia criminis é o ato pelo qual se leva à autoridade policial o conhecimento da prática de uma infração penal.

Vulgarmente é chamada de “queixa”, sendo que tal expressão é tecnicamente incorreta, deven-do ser evitada pelo operador jurídico, e só utilizada quanto se mencionar seu real significado, o de peça inaugural da ação penal privada. Logo, o que popularmente se diz “prestar queixa” é, na verdade, a notitia criminis.

10.2. Espécies

A notitia criminis pode ser espontânea ou provocada.

Notitia criminis espontânea é aquela por meio da qual a autoridade pública toma conhecimen-to direto do fato delituoso no exercício de sua atividade funcional. Dá-se quando, portanto, a autoridade policial toma conhecimento de ofício do fato. Exemplo: Policiais tomam conheci-mento de um assalto e avisam-no ao Delegado.

Notitia criminis provocada, que é a mais comum, é aquela transmitida a autoridade policial pelas formas registradas na lei processual penal — Juiz, Ministério Público, ofendido ou seu representante legal, ou por qualquer do povo. Exemplo:

Uma pessoa (não necessariamente a vítima do crime) vai à Delegacia e narra ao Delegado um furto cometido nos arredores da vizinhança onde mora.

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10.3. Autores e Destinatários

Qualquer pessoa do povo — e não apenas a vítima, seu representante legal, as autoridades ju-diciárias e ministeriais — pode noticiar à autoridade policial a existência de uma infração penal. Qualquer pessoa física é, portanto, autora em potencial de notitia criminis.

Destinatários da notitia criminis são: a Autoridade Policial (art. 5º, II, §§ 3º e 5º, do CPP), o Mi-nistério Público (arts. 27, 39 e 40 do CPP) e o Juiz (art. 39 do CPP).

Tratando-se de crime militar, a notitia criminis deverá ser encaminhada à autoridade militar com-petente (art. 7º do Código de Processo Penal Militar). Na hipótese de crimes de responsabilidade de Governador de Estado a notitia criminis pode ser dirigida à Assembleia Legislativa, e no caso de crime de responsabilidade do Presidente da República, à Câmara dos Deputados ou Senado Federal.

10.4. Faculdade e Obrigatoriedade

Regra geral, ou seja, no que se refere aos particulares, a notitia criminis constitui mera faculda-de, e não um dever. Logo, de ordinário, ninguém tem a obrigação de comunicar coisa alguma a Autoridade Policial, ainda que nada a impeça de tal.

Há quem, entretanto, tenha o dever legal de noticiar o fato, sob pena de incorrer em contra-venção penal. Com efeito, reza o art. 66 da LCP que:

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

Il – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:

Pena — multa.

No inciso I temos os funcionários públicos que, no exercício de sua função (e não fora dela), tomou conhecimento de crime de ação penal pública incondicionada. É o caso, p. ex., dos Policiais e dos funcionários que trabalham na área de segurança pública (ex.: agentes penitenciários e policiais).

No inciso II estão os profissionais da área de Medicina ou outra atividade sanitária (ex.: enfermei-ros) que, no exercício de sua profissão (e não fora dela), tomaram conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, desde que a comunicação do fato não exponha o cliente ou paciente a procedimento criminal, sob pena de o profissional vir a responder por crime de violação do segredo profissional (art. 154 do CP). Seria o caso, por exemplo, do médico que re-cebe uma paciente com grave hemorragia, vindo ela a morrer, descobrindo o médico que a causa mortis fora o fato de há poucas horas ter ela sofrido manobras abortivas em clínica clandestina.

No entanto, se ela não morre e se recupera, o médico não pode comunicar o fato à Polícia, pois se o fizer estará forçosamente expondo sua paciente a procedimento criminal, haja vista que, em tendo ela dado seu consentimento para a prática abortiva, será enquadrada no art. 124 do CP. Sob determinação judicial, porém, o médico é obrigado a comunicar detalhes do delito per-petrado pelo seu paciente, sob pena de responder por crime de desobediência (art. 330 do CP).

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11. Instauração do Inquérito

Não existe uma única forma de instauração do inquérito policial, mas várias, a depender da ação penal cabível para a infração que está sendo apurada, se pública ou privada.

11.1. Ação Penal Pública

A ação penal pública pode ser incondicionada ou condicionada. Para cada uma delas a instaura-ção do inquérito se dá de forma distinta.

11.1.1. Incondicionada (Art. 5º, I e II, do CPP):

Nos casos de crimes apurados mediante ação penal pública incondicionada (ex.: crimes contra a vida, a maioria dos crimes contra o patrimônio, crimes contra a organização do trabalho, a maioria dos crimes contra a família, crimes contra a fé pública, crimes contra a administração pública), o inquérito policial é instaurado:

a) De Ofício (art. 5º, I, do CPP): A Autoridade Policial, tomando ciência do delito, deverá ins-taurá-lo de ofício, mediante uma peça singela e sem muita solenidade chamada portaria.

b) Mediante Requisição do Ministério Público ou de Juiz (art. 5º, II, 1ª parte, do CPP): Requisi-ção é uma ordem, um imperativo.

Quem requisita determina algo, ordena que algo seja feito ou realizado.

Nesse caso, o Delegado, sendo requisitado pelo Ministério Público ou pelo Juiz, deverá instau-rar inquérito policial, sob pena de responder por prevaricação, delito tipificado no art. 319 do CP (alguns autores admitem que, na hipótese, haverá crime de desobediência – art. 330 do CP).

c) Mediante Requerimento do Ofendido ou de seu Representante Legal (art. 5º, II, 2ª parte, do CPP): Requerer é pedir, pleitear algo, e não exigir ou determinar, como no caso da requisição.

O requerimento deverá conter, sempre que possível for, “a narração do fato, com todas as circuns-tâncias; a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; e a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência” (art. 5º, § 1º, do CPP).

Tratando-se de requerimento, pode o Delegado deixar de atendê-lo nos seguintes casos:

1. Quando já estiver extinta a punibilidade;

2. Se o requerimento não mencionar o mínimo indispensável para a abertura do inquérito;

3. Se a autoridade policial a quem foi dirigido o requerimento não for a “competente”;

4. Se o fato narrado for atípico;

5. Se o requerente for incapaz;

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Contra eventual indeferimento do requerimento de instauração do inquérito policial cabe recurso administrativo para o chefe de Polícia, no dizer do art. 5º, § 2º, do CPP).

Ainda há a possibilidade de instauração de inquérito policial via auto de prisão em flagrante, o qual analisaremos no item 16.

11.1.2. Condicionada (Art. 5º, II, do CPP):

� ação penal pública condicionada exige como condição ora a representação do ofendido ou de seu representante legal, ora a requisição do Ministro da Justiça. Sem a condição de procedibili-dade a ação penal é inepta, e nulo é o processo penal instaurado sem a condição exigida por lei.

a) Ação Penal Pública Condicionada à Representação: Quando o crime é apurado mediante ação penal pública condicionada à representação, o inquérito só poderá ser instaurado se, quando e porque o ofendido (vítima) ou seu representante legal oferecer a representação ao Delegado. A representação de uma dessas pessoas é essencial, sem o qual o Delegado nada poderá fazer (e nem deverá!), a não ser, quando muito, indagar à vítima ou ao seu representante legal se deseja oferecer a representação, mas jamais, repita-se, instaurar de ofício o inquérito policial.

Nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante poderá a autoridade policial instaurar o inquérito sem a representação. Se o ofendido e seu representante legal forem falecidos, a le-gitimidade para a representação dar-se-á aos moldes do art. 31 do Código de Processo Penal: cônjuge, ascendente, descendente e irmão, lembrando-nos, sempre, que, no caso de eventual conflito, prevalece o interesse de quem deseja a instauração do inquérito policial.

A representação pode ser escrita ou oral (mais comum), sendo que neste último caso deverá o Delegado ordenar ao escrivão que reduza a escrito tudo o quanto foi dito pelo ofendido ou seu representante legal. Lembremos que no inquérito policial tudo tem de constar por escrito.

Suponhamos que o ofendido queira oferecer a representação, mas não o queira seu represen-tante legal, ou vice-versa, deseja o representante legal ver o inquérito instaurado mas não o quer a vítima.

Havendo, portanto, conflito de interesses, qual deverá prevalecer? Pela leitura do art. 50, pará-grafo único, do Código de Processo Penal, vê-se claramente que prevalece sempre o interesse de quem quer a instauração do inquérito.

A representação deverá conter (art. 5º, § 1º):

1. A narração do fato, com todas as circunstâncias, isto é, o que ocorreu, quando, onde, como, porque, quem o cometeu, com que arma ou instrumento, o comportamento do agente e da vítima antes, durante e depois do acontecimento delituoso e tudo o mais que possa ser útil na descrição do fato;

2. A individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer: aqui requer-se que na representação conste o nome do indiciado, caso se saiba, e se não o souber (o que é muito comum, aliás), ao menos aludir-se aos sinais característicos (descrição física, principalmente do rosto, do indivíduo) e se nem isso for possível, quem oferece a representação deverá dizer porque não foi possível identificá-lo (ex.: o ladrão estava com um capuz; o local do crime estava extremamente escuro, não sendo possível reconhecer o rosto do sujeito, etc.);

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3. A nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência: evidentemen-te que só será possível falar-se em testemunhas se realmente tiver havido testemunhas, não podendo a ausência delas impedir a instauração do inquérito.

b) Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça: Como a ação penal pública está forçosamente condicionada à existência de requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial, igualmente, só poderá ser instaurado quando e porque assim ele o deter-minar, ainda que a autoridade policial tenha pleno conhecimento do fato criminoso.

11.2. Ação Penal Privada

Denomina-se “requerimento” o meio através do qual é instaurado o inquérito policial nos cri-mes de ação penal privada (ex.: crimes contra a honra). Sem o requerimento não pode de modo algum ser instaurado o inquérito, nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante.

Exatamente como ocorre na instauração do inquérito nos crimes de ação penal pública condicio-nada à representação, apenas o ofendido e seu representante legal têm a legitimidade para ofe-recer o requerimento, que pode ser por escrito (mais raro) ou verbal (mais comum), sendo que neste último caso tudo o que for narrado será reduzido a escrito pela autoridade policial.

No requerimento deverão conter todos os requisitos exigíveis para a representação (art. 5º, § 1º, do CPP).

Tudo o mais quanto dissemos acerca da representação pode e deve ser aplicado ao requeri-mento, como a eventual possibilidade de conflito entre o interesse da vítima e de seu represen-tante legal em oferecer o requerimento (que se resolve pelo art. 50, parágrafo único, do CPP), ou de falecimento de ambos, quando então a legitimidade passa para aquelas pessoas enume-radas no art. 31 do Código de Processo Penal.

12. Procedimento (Art. 6º, I, II e III, do CPP)

Tomando conhecimento da prática de infração penal, deverá a autoridade policial (art. 6º do CPP):

12.1. Dirigir-se ao Local da Infração (inciso I)

A autoridade policial se dirigirá ao local onde supostamente foi praticada uma infração penal, para verificar a procedência da notitia criminis que lhe foi formulada e tomar as medidas legais cabíveis.

12.2. Apreensão de Objetos e Instrumentos da Infração (inciso II)

Isola o Delegado a área do lugar do crime, para que nada seja modificado, retirado ou acrescido, a fim de que se tenha um exato “retrato” do ilícito talqualmente ocorrera.

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12.3. Colheita de Provas (inciso III)

O Delegado deverá isolar o local e mandar que se recolha tudo o quanto for encontrado no lu-gar do crime, para ser posteriormente periciado e enviado ao autor da ação penal.

13. Instrução Probatória (Art. 6º, IV, V, VI e VII)

13.1. Ouvida do Ofendido (inciso IV)

O ofendido é a vítima da infração penal, o titular do bem jurídico violado ou ameaçado. Suas informações são muito importantes para a apuração do fato e de sua autoria, devendo ser a primeira ou uma das primeiras pessoas a serem ouvidas pela autoridade policial.

A autoridade policial, então, notificará a vítima para que compareça em determinados dia, hora e local para prestar esclarecimentos que elucidem o fato. Se injustificadamente não compare-cer, será conduzida à presença da autoridade (art. 201, parágrafo primeiro, do Código de Pro-cesso Penal), que determinará, se for o caso, a sua busca e apreensão (art. 240, § 1º, g, do diploma processual).

13.2. Ouvida do Indiciado (inciso V)

O indiciado é, na fase do inquérito policial, a pessoa a quem foi imputada a prática de uma infração penal. É chamada de “indiciado” justamente porque os indícios (pistas, testemunhas, perícias, provas, instrumentos, objetos pessoais, impressões deixadas na arma ou no local do crime etc.) levam a crer pela sua responsabilidade penal no caso concreto.

Os indícios têm de ser veementes, e não frágeis, não se tratando de mera suposição, de mera suspeita, mas de um conjunto de fatos e objetos que levam muito a crer que a pessoa e não outra é autora de uma infração penal.

13.3. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações (inciso VI)

Não raro, imprescinde-se de reconhecimento de pessoas (testemunhas, vítimas, agentes) e de coisas (objetos, instrumentos, armas, papéis, documentos, material deixado no local do crime, pistas etc.) para que o relatório final do inquérito policial alicerce seus fundamentos em sólidas conclusões, sem as quais o titular da ação penal não terá em mãos elementos indiciários sufi-cientes para a propositura da denúncia ou da queixa.

Outrossim, pode o Delegado proceder, de ofício, a acareações, ou o Ministério Público as re-quisitar, ou mesmo serem requeridas pela vítima ou pelo agente. O que seriam as acareações? Acareação é o ato pelo qual se põem, cara a cara, pessoas cujos depoimentos ou declarações são conflitantes.

Elas podem se dar entre acusados, entre vítimas, entre testemunhas, entre acusado e vítima, entre acusado e testemunha ou entre vítima e testemunha. É errôneo, portanto, como muitos

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imaginam, concluir-se que a acareação presta-se exclusivamente à presença, face a face, entre acusados.

Quaisquer pessoas que tenham ligação com o crime, quando suas declarações são conflitantes, contraditórias, paradoxais, podem ser acareadas.

13.4. Exames Periciais (inciso VII)

O Delegado, sem que para isso seja requisitado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, pode pro-ceder, de ofício, a requisição de exames periciais relativos ao crime que se apura. É muito co-mum, p. ex., o Delegado, em crimes de homicídio, requisitar o exame de corpo de delito direto (exame tanatológico). Outras perícias podem ser requisitadas (balística, grafoscópica, docu-mentoscópica, datiloscópica, sexológica, toxicológica, traumatológica etc.). Evidentemente que o Ministério Público pode ainda requisitar, em sede de diligências, outras perícias, podendo requerê-las, também, o titular da ação penal privada.

13.5. Identificação do Indiciado (inciso VIII)

O Delegado deve ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes.

13.6. Averiguar a Vida Pregressa (inciso IX)

Deve ainda averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e du-rante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu tempera-mento e caráter.

13.7. Colher Informações Sobre a Existência de Filhos (inciso X)

Por fim cabe ainda ao delegado, colher informações sobre a existência de filhos respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indiciado pela pessoa presa.

13.8. Outras Diligências (Arts. 13, 14 e 16 do CPP)

O art. 13 do Código de Processo Penal cita os deveres da Autoridade Policial, cujo descumpri-mento pode acarretar sua responsabilidade criminal a título de prevaricação ou desobediência. Conforme abordaremos no item 17.

O art. 14 do Código de Processo Penal esclarece que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autori-dade”. Veja-se que as diligências de que trata o art. 13 constituem um imperativo (um dever) a ser cumprido pela Autoridade Policial. Já as que são aduzidas pelo art. 14 refere-se à mera fa-

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culdade de a Autoridade Policial proceder a diligências, quando requeridas (observe-se: reque-ridas, e não requisitadas!) pelo ofendido (vítima do crime), seu representante legal ou mesmo pelo indiciado. Evidentemente que realizar ou não diligências requeridas não pode ser produto de uma arbitrariedade, devendo o Delegado refletir acerca de sua real necessidade no inquéri-to policial e na busca da verdade real.

O art. 16 do Código de Processo Penal, por fim, esclarece que “o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, impres-cindíveis ao oferecimento da denúncia”.

Tendo elementos suficientes em mãos para a propositura da denúncia, o Parquet terá o dever de promovê-la (princípio da obrigatoriedade), só não o fazendo se e quando de fato os indícios forem precários para o oferecimento da ação penal pública, quando então devolverá o inqué-rito policial e requisitará à Autoridade Policial diligências (comportamentos, atos, ações de elu-cidação e investigação mais apurada, mais detalhada, como oitivas de pessoas, perícias etc.).

14. Indiciamento (Art. 6º, VIII e IX, do CPP)

14.1. Conceito

É a imputação a alguém, na fase do inquérito policial, da prática de uma infração penal. A pes-soa a quem foi atribuído o indiciamento é chamada de indiciada, e não se confunde com a figura do réu. Aliás, “indiciado” está para o inquérito policial assim como o “réu” está para o processo penal já instaurado. Enquanto não há ação penal, fala-se, quando muito, em indicia-do; quando já proposta a ação penal, o indiciado transmuda-se para réu.

14.2. Identificação (Art. 6º, VIII)

O art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, afirma dever a Autoridade Policial “ordenar a iden-tificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”.

A identificação é o meio pelo qual se estabelece a identidade ou o conjunto de caracteres que individualizam uma pessoa, destacando-a das demais, citando-se-lhe o nome, a filiação, a natu-ralidade, os caracteres físicos (se necessários, principalmente quando não se sabe ao certo seu nome), sua alcunha (apelido), profissão e endereço.

Atualmente, a identificação do acusado faz-se mediante o processo datiloscópico (impressões digi-tais), dada a certeza científica de que não existem duas pessoas com as mesmas impressões digitais.

O indiciado deve se submeter à identificação criminal em toda e qualquer hipótese? Em vista do art. 5º, LVIII, da CF/88, tem-se que: “Art. 5º. LVIII – o civilmente identificado não será subme-tido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

De ordem que serão criminalmente identificados, aplicando-se-lhes o art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, apenas aqueles que não estiverem civilmente identificados e nos casos previs-tos em legislação infraconstitucional.

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Como a própria Carta Política ressalva casos nos quais a lei permite a identificação criminal, te-mos que podem ocorrer hipóteses em que serão criminalmente identificados mesmo aqueles indivíduos civilmente identificados.

Se o indivíduo se recusar a se submeter à identificação criminal nos casos previstos em lei, pode a Autoridade Policial conduzi-lo coercitivamente para o ato; e se ele se recusar ainda assim, poderá o Delegado dar-lhe voz de prisão em flagrante pelo crime de desobediência (art. 330 do CP).

A CF/88 não veda a fotografia do indiciado de frente e de perfil, pois tal procedimento não cons-titui identificação criminal, senão apenas peça de instrução dos autos do inquérito. Acresça-se que o que a CF/88 proíbe fora dos casos previstos em lei é a identificação criminal, de molde que mesmo em sua ausência nada impede que o sujeito venha a ser indiciado. O indiciamento pode se dar independentemente de qualquer identificação criminal.

14.3. Folha de Antecedentes (Art. 6º, IX)

A folha de antecedentes criminais é documento de muita importância, pois é através dela que se toma conhecimento de se o indiciado é primário ou reincidente, devendo esse dado ter influência para a aplicação dos arts. 61, I (a reincidência é circunstância legal genérica agravante), e 77, I (a primariedade em regra é requisito essencial para a concessão do sursis), ambos do Código Penal.

Ademais, caso o indiciado tenha antecedentes criminais, o Juiz ou o Ministério Público poderá solicitar do juízo onde ele, no passado, fora processado e sentenciado a certidão da decisão com a nota do seu trânsito em julgado (inexiste reincidência sem o trânsito em julgado de sentença condenatória nos últimos 5 anos, passados os quais a reincidência prescreve).

“Art. 63, CP. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64, CP. Para efeito de reincidência:

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, com-putado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revo-gação; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”

14.4. Indiciado Menor (Art. 15 do CPP)

O art. 15 do Código de Processo Penal reza que “se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial”. A menoridade de que trata o dispositivo é a que vai dos 18 aos 21 anos incompletos (indiciados dos 18 até a véspera do aniversário de 21 anos), já que os menores de 18 anos não se submetem ao Código de Processo Penal, mas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Os menores, nos termos do art. 15 do Código de Processo Penal, são imputáveis, submetem-se normalmente às disposições constantes do Código Penal e do Código de Processo Penal, porém presume a lei que, em vista de sua relativa incapacidade civil, o indiciado naquela idade necessita de melhores esclarecimentos, por não estar ainda totalmente formado o seu discernimento acerca dos atos de natureza inquisitorial e processual, devendo um terceiro absolutamente capaz prestar-lhe as informações pertinentes à sua situação. Este terceiro é o curador.

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Com a edição do Novo Código Civil, e a mudança da maioridade civil para 18 anos, invés de 21 anos como no Código de 1916, o instituto perdeu relevância, pois tanto a maioridade penal como a civil são alcançadas aos 18 anos.

Quanto aos indígenas, há quem reclame para eles curador, ou mais precisamente represen-tante da FUNAI, tendo-se em mira que são relativamente incapazes, nos termos da lei civil. Todavia, objeta-se que a exigência de curador, em tais casos, só é cabível quando o indígena for dotado de desenvolvimento mental incompleto, haja vista que o Código de Processo Penal não trata de curador aos indígenas. Logo, no silêncio da lei, não há necessidade de curador aos indiciados indígenas, a não ser em decorrência de averiguação de desenvolvimento mental in-completo, repise-se.

O curador tem de ser um advogado? Não existe qualquer exigência nesse sentido, embora seja preferível que o curador seja um advogado, por ser pessoa que entende de assuntos técnicos relativos ao Direito e, portanto, com mais capacidade de prover o menor das informações e do discernimento de que ele necessita.

Portanto, não existe irregularidade quando o curador do menor é o seu pai ou a sua mãe, ou mesmo outra pessoa absolutamente capaz, porém sem habilitação profissional da OAB. O que não pode é que o terceiro que irá assistir ao menor, muito obstante absolutamente capaz pe-rante a lei civil, seja analfabeta.

Qual a função do curador? É a de assistir ao interrogatório e a todos os demais atos do inquéri-to que venham a exigir a presença do menor, como nas acareações, nas reproduções simuladas e nos reconhecimentos de pessoas. Pode o curador intervir nesses atos para fazer perguntas ou participar de inquirições? Não, pois sua presença é apenas para suprir a incapacidade do indiciado.

No entanto, poderá requerer diligências, como assim o concede o art. 14 do Código de Proces-so Penal, o que não significa, segundo vimos (subitem 13.5, supra), que a Autoridade Policial deverá realizá-la.

14.5. Incomunicabilidade (Art. 136, § 3º, IV, da CF/88; Revogação do art. 21 do CPP)

Antes da Carta Magna de 1988 possibilitava-se que o Delegado deixasse o indiciado incomu-nicável, isto é, o imputado, no prazo de 3 dias, permanecia preso sem que pudesse entrar em contato com familiares, advogados ou quem mais que fosse, segundo o disposto da redação original do art. 21 do Código de Processo Penal.

Com a entrada em vigor da CF/88, pacificou-se o entendimento de que a incomunicabilidade tornou-se desde então inconstitucional, sendo tacitamente revogado o art. 21 do Código de Processo Penal pelo art. 136, § 3º, IV, da Carta Política. Este último dispositivo expressamente veda a incomunicabilidade do preso durante o estado de defesa.

Ora, se durante o estado de defesa, quando o Estado passa por convulsões as mais sérias, a incomunicabilidade é proibida, com muita maior razão sê-lo-á quando o Estado passa por perí-odo de normalidade, que é o comum de nossos dias.

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15. Reprodução Simulada (Art. 7º do CPP)

A Autoridade Policial poderá, a fim de chegar à verdade real do fato, proceder à reprodução simulada ou “simulação” do crime, talqualmente ele ocorreu, desde que não ofenda a morali-dade e a ordem públicas.

A reprodução simulada nada mais é que uma encenação da infração penal, uma “peça teatral” promovida pela Autoridade Policial, que tem como fito o de verificar detalhes do injusto penal.

Pode o suspeito se negar a participar da reprodução simulada? Evidentemente! Lembremos que ninguém é obrigado a acusar a si mesmo, ninguém tem o dever de produzir prova contra si próprio (privillege against self-incrimination). Tendo o cidadão, ainda que preso, o direito de permanecer calado, não teria sentido algum ser ele processado por desobediência à “ordem” de participar da simulação.

16. Prisão em Flagrante (Art. 8º do CPP)

Outra forma de ser instaurado o inquérito policial é através do auto de prisão em flagrante, quando o sujeito é preso em algumas das circunstâncias elencadas no art. 302 do Código de Processo Penal:

“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”

A prisão em flagrante, única modalidade de prisão cautelar que não necessita de decretação judicial, deve ser seguida da lavratura de seu auto, no prazo de 24 horas da prisão, sob pena de nulidade e cabimento de habeas corpus.

Quando alguém é preso em flagrante delito, o respectivo inquérito será aberto justamente com o auto de prisão, seja nos crimes de ação penal pública incondicionada, seja nos crimes de ação penal pública condicionada e nos de ação penal privada.

Todavia, há que se considerar que nem sempre o inquérito será instaurado. Na verdade, no caso de crime que se apura mediante ação penal pública incondicionada, em vista da prisão em flagrante do suspeito, a Autoridade Policial deverá instaurar o inquérito mediante o auto de prisão em flagrante.

Nas hipóteses de prisão em flagrante em crime de ação penal pública condicionada ou ação penal privada, o inquérito só poderá ser instaurado se o titular da representação ou da queixa não se opuser.

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17. Deveres da Autoridade Policial (Art. 13 do CPP)

O art. 13 do Código de Processo Penal impõe às autoridades policiais deveres que, em não sendo obedecidos, poderão ensejar sua responsabilidade penal (crime de prevaricação, de corrupção passiva, de concussão ou de extorsão) e administrativa. Tratam-se, pois, de deveres, não de meras faculdades de que a autoridade policial possa se abster de realizar. Esses deveres são:

17.1. Fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos:

Em primeiro lugar, deve o Delegado “fornecer às autoridades judiciárias as informações neces-sárias à instrução e julgamento dos processos”. Veja-se que o Delegado tem o dever de forne-cer quaisquer informações requisitadas pelas autoridades judiciárias, mas esse dever não su-biste quando as informações sejam solicitadas pelo Ministério Público. Não é que o Ministério Público não possa solicitar informações, mas o dever de sua prestação, pela Autoridade Policial, aí não subsiste. A obediência é devida apenas aos Magistrados.

17.2. Realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público

Outro dever do Delegado é o de “realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público”. Agora sim, o dever, que não é mais apenas o de informar, senão o de realizar diligên-cias, referte-se tanto àquelas que são requisitadas pelo Juiz quanto pelo Ministério Público. As diligências requisitadas podem ser a investigação em certo local ou de certa pessoa, a busca e apreensão, reconhecimentos de pessoas ou de coisas, acareações, reprodução simulada, inter-rogatório, nova oitiva de testemunhas etc.

17.3. Cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias.

A Autoridade Policial tem, ainda, o dever legal de “cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias”. Isto é, dado que o Juiz expeça mandado de prisão (preventiva, temporária, por pronúncia ou em decorrência de sentença condenatória), o Delegado não pode se furtar de sua obrigação de cumpri-lo preenchendo todas as formalidades legais e sem excessos, sob pena de, em não o cumprindo, responder por crime de prevaricação ou desobediência, e se o cumprir com excesso demasiado e injustificado, vir a ser incriminado por abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65).

17.4. Representar acerca da prisão preventiva

Por fim, o dever jurídico-legal de “representar acerca da prisão preventiva”. A prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo Juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou do querelante ou por representação do Delegado, ou seja, enxergando este a necessidade de que o acusado não deve permanecer solto, o Delegado representará, por escrito, quanto à prisão preventiva, declarando os fundamentos de fato e de direito sobre os quais ele pretende a restrição cautelar da liberdade do suspeito.

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18. Conclusão do Inquérito

Após toda a fase de instrução probatória, a autoridade policial deverá concluir por escrito o in-quérito, para que enfim possa ser enviado ao titular da ação penal, com o respectivo relatório.

18.1. Prazo (Art. 10, caput, e § 3º, do CPP)

Regra geral, o prazo para a conclusão do inquérito é de 10 (dez) dias caso o indiciado esteja preso (contados da data da prisão, cuja contagem obedecerá ao que dispõe o art. 10 do CP, e não o art. 798, § 1º, do CPP), e de 30 (trinta) dias se ele estiver solto, consoante se dessume do art. 10, caput, do Código de Processo Penal. Estando preso o indiciado e não tendo findado o inquérito naquele prazo, sua prisão terá de ser relaxada, sob pena de cabimento de habeas cor-pus. O art. 10, § 3º, admite que o prazo de 30 (trinta dias) — e nunca o de 10 (dez) dias! — seja prorrogado por igual período.

No caso de inquérito policial federal, o prazo é, para o indiciado preso, de 15 (quinze) dias, e de 30 (trinta) dias se estiver solto, consoante se depreende do art. 66 da Lei n.º 5.010/66. Ambos os prazos podem ser prorrogados.

No caso de crime relativo a entorpecentes (Lei nº 11.343/06), o prazo para a conclusão do in-quérito será, para o indiciado solto, de 90 (noventa) dias. No caso de indiciado preso, o prazo é de 30 (trinta) dias. Os prazos podem ser prorrogados, a pedido da autoridade policial, sempre após ouvido o Ministério Público.

LEI INVESTIGADO PRESO INVESTIGADO SOLTO

Regra, Delegado Estadual (Art. 10, CPP) 10 dias improrrogável 30 dias prorrogável no prazo

assinalado pelo juiz.

Delegado Federal (Art. 66 da Lei 5.010/66)

15 dias prorrogável uma vez por mais 15 dias.

30 dias prorrogável no prazo assinalado pelo juiz.

Lei de Drogas (Art. 51 da Lei 11.343/06)

30 dias prorrogável, por mais 30 dias.

90 dias prorrogável por mais 90 dias.

Economia Popular (Lei 1.521/51) 10 dias improrrogável 10 dias improrrogável

Código de Processo Penal Militar (art. 20 do Dec. Lei

1002/69)20 dias improrrogáveis 40 dias prorrogável por mais 20

dias

Obs.: a prorrogação necessita de autorização judicial, no caso do Inquérito Policial Militar a autorização será dada pela autoridade militar superior aquela que esta presidindo o inquérito.

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18.2. Relatório (Arts. 9º, 10, §§ 1º e 2º, e 19 do CPP)

Concluídas todas as diligências necessárias à apuração do fato e de sua autoria, a autoridade policial fará minucioso relatório por escrito, datilografado ou digitado, e o enviará à autoridade judiciária competente (a competência é fixada de acordo com os arts. 70 e ss., do Código de Processo Penal). Acresça-se que “no relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas”.

18.3. Remessa dos Autos (Arts. 10, § 1º, e 19 do CPP)

Feito o relatório por escrito, a autoridade policial enviá-lo-á ao juízo competente, onde aguar-dará que o titular da ação penal a promova. No caso de ação penal privada, se o requerente pedir, a autoridade policial lhe entregará os autos do inquérito mediante traslado, ou seja, o Cartório confecciona cópia do referido inquérito, autentica e o entrega ao requerente.

19. Arquivamento (Arts. 17, 18 e 28 do CPP)

Recebendo os autos do inquérito, pode o Ministério Público pedir ao Juiz que seja ele arquivado. A propósito, apenas o Ministério Público possui essa prerrogativa (nem mesmo o Juiz pode fazê-lo de ofício).

O arquivamento pode se dar em função, entre outros fatores, diante da averiguação, por parte do Parquet, da inexistência do fato, ou de inexistência de criminoso (o fato pode até ter existi-do, porém ausente está qualquer dos requisitos que o tornam delituoso, a tipicidade ou a ilici-tude) ou de negativa de autoria (o fato criminoso pode ter existido, mas não pode ser imputado contra o indiciado).

Obs.: Arquivamento Indireto e Arquivamento Implícito.

Dá-se o arquivamento indireto dos autos do IP, também denominado pedido indireto de ar-quivamento dos autos do IP, quando ocorre divergência entre as posições do MP e do Magis-trado acerca da atribuição e competência para determinado feito. O membro do MP entenden-do que não teria atribuição para oficiar no feito e, por outro lado, o magistrado entendendo possuir plena competência para a causa.

Na hipótese de consenso entre os comportamentos do membro do MP e do magistrado não há qualquer problema e os autos serão encaminhados para o juiz competente.

Todavia, ocorrendo referida divergência é que ocorrerá uma série de problemas, já que da decisão do magistrado não cabe Recurso em Sentido Estrito. Vale dizer, não cabe a solução do art. 581, II do CPP, pois, nos termos de tal artigo, o juiz se declara incompetente e, na presente hipótese, ao contrário, ele se declara competente, verbis:

Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:

I – que não receber a denúncia ou a queixa;

II – que concluir pela incompetência do juízo;

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Assim, a questão se resolve, “mutatis mutandis” (guardadas as devidas proporções) nos termos do artigo 28 do CPP, devendo-se encaminhar o feito para o Procurador-Geral da República ou o Procurador Geral de Justiça, oportunidade em que este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do MP para oferecê-la, ou insistirá no encaminhamento do feito para outro juízo, que seria o competente.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquiva-mento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar im-procedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador--geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Há quem sustente, todavia, que, em relação ao MP Federal, a aplicação correta, nestes casos, não seria do art. 28 do CPP, mas do art. 62 IV da LC 75/93, que atribui à Câmara de Coordena-ção e Revisão do Ministério Público Federal o reexame da promoção de arquivamento, quando instada a tal pelo Judiciário, verbis:

Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:

[...]

IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador- Geral;

Segundo o Dr. André Lenart, em artigo publicado no sítio denominado Reserva de Justiça, quan-to a atuação das instâncias superiores do MP, haver-se-iam duas situações:

a) uma em relação à esfera estadual, em que a atribuição seria do Procurador-Geral de Justiça do respectivo Estado membro, para rever o ato do membro do MP respectivo, nos termos do aludido art. 28 do CPP e

b) outra em relação à esfera Federal, onde a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal é quem teria atribuição para tal revisão, nos termos não do art. 28 do CPP, mas do art. 62 IV, da LC 75/93.

Portanto, neste instante, o magistrado, após a análise do Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP) ou da Câmara de Coordenação e Revisão (art. 62 IV da LC 75/93), tomará uma de duas decisões:

1. Reverá sua posição anterior, dando-se por incompetente, remetendo-se, consequente-mente, os autos para o juiz competente ou

2. Insistirá em sua posição anterior, oportunidade em que considerar-se-ão arquivados os au-tos do IP, já que, por um lado o magistrado não pode obrigar o MP a oferecer uma denúncia que entende não ter atribuições para tanto e, por outro, o magistrado, também, não pode ser compelido a dar- se por incompetente em feito que se julga competente.

Ocorrendo assim o arquivamento indireto. Saliente-se, todavia que o fenômeno do arquiva-mento indireto ocorrerá, também, na hipótese de o juiz encaminhar o feito para outro juiz e, caso, referido juiz entenda ser, realmente, competente, mas o MP respectivo, assim não enten-der, instante em que começará toda a peregrinação dos art. 28 do CPP ou art. 62 IV da LC 75/93.

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Observe-se que o Arquivamento Indireto analisado no presente artigo não se confunde com o Arquivamento Implícito, que possui outro significado.

O arquivamento Implícito não possui previsão legal e ocorre quando o MP (titular da Ação Pe-nal Pública) deixa de incluir na denúncia algum fato (aspecto objetivo) investigado ou algum dos indiciados (aspecto subjetivo), sem manifestar-se expressamente sobre a omissão e sem qualquer tipo de justificação de seu procedimento e, concomitantemente, caso o juiz não se pronuncie acerca da omissão ministerial, ocorrerá o arquivamento.

Percebe-se, portanto, que somente ocorrerá o arquivamento implícito quando a omissão for dupla, vale dizer, do membro do MP e do magistrado. Registre-se que, neste caso, após o arqui-vamento, não mais caberá, a posteriori, denúncia para incluir indiciado ou fato novo, salvo se surgirem novas provas, operando-se, portanto, o Enunciado 524 do STF.

A jurisprudência majoritária não admite esse tipo de arquivamento e o MP não o vê com bons olhos, argumentando que o art. 28 do CPP exige que o MP ao requerer o arquivamento deve invocar razões para que o juiz concorde ou discorde. Assim, apreende-se que o MP tem que se manifestar expressamente quanto ao arquivamento. Conforme esse entendimento, uma vez não apresentado o requerimento, a qualquer tempo que se verifique a omissão, desde que não prescrito, o fato ou sujeito poderá ser objeto de denúncia.

19.1. Princípio da Indisponibilidade (Art. 17 do CPP)

Pelo princípio da indisponibilidade a Autoridade Policial jamais poderá arquivar de ofício autos de inquérito policial. O que isso quer dizer? O Delegado de Polícia não pode, sob pretexto ou condição alguma, mandar arquivar o inquérito (art. 17 do CPP), sob pena de responsabilidade administrativa e inclusive criminal. O único que pode mandar seja arquivado o inquérito é, reputa-se, o Ministério Público, e mais ninguém. Nem mesmo a circunstância de ter a Autoridade Policial acreditado que o sujeito agiu acobertado por excludente de ilicitude obsta a instauração do inquérito e o seu não-arquivamento.

19.2. Novas Pesquisas (Art. 18 do CPP)

A decisão que, acolhendo o pedido formulado pelo Ministério Público, manda ser arquivado o inquérito, não faz coisa julgada, pois não se trata de decisão definitiva, de mérito. Logo, não faz coisa julgada, podendo ser o inquérito futuramente reinstaurado. No entanto, não fica ao alvedrio da Autoridade Policial reinstaurar, ou não, o inquérito. Para fazê-lo necessariamente deverá tomar conhecimento de outras provas que conduzam a Autoridade Policial a instaurar novamente o inquérito. Assim, arquivamento de inquérito não é sinônimo de impunidade garantida, podendo ser empreendidas novas pesquisas (investigações, colheitas de provas, etc.) que levem à necessidade da instauração do inquérito.

A propósito, a Súmula 524 do STF:

“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”

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19.3. Atuação do Ministério Público (Art. 28 do CPP) Recebendo os autos do inquérito policial, pode o Ministério Público, de conformidade com o caso concreto, tomar alguma das seguintes providências:

a) Denúncia: O Ministério Público pode oferecer a denúncia, peça inaugural da ação penal pública, quando o crime seja apurado de acordo com esta espécie de ação e julgue que o inquérito lhe proporcione o mínimo necessário para ser intentada a ação penal. Ou seja, quando o Ministé-rio Público se achar satisfeito com o que possui em mãos, então sim oferecerá a denúncia no prazo de 5 (cinco) dias, se o réu estiver preso (após os quais ele deverá ser solto, sob pena de cabimento de habeas corpus), e de 15 (quinze) dias, se preso (art. 46 do CPP). Não se olvide, todavia, de que o Ministério Público não está vinculado à conclusão do relatório do inquérito, podendo oferecer a denúncia por outro crime que não aquele que consta do procedimento in-formativo. Do mesmo modo, o Juiz não está vinculado ao entendimento do Parquet, podendo absolver ou condenar o réu por outro motivo que não o alegado pelo Ministério Público.

b) Diligências: Pode acontecer de o Ministério Público não se achar satisfeito com o que foi apurado durante o inquérito, por diversas razões. Daí então remeterá os autos de inquérito de volta à autoridade policial para que proceda a diligências que o Parquet determinar: busca e apreensão (desde que admitida pelo magistrado), depoimento de testemunhas ou da vítima; interrogatório do indiciado; pedido de exames periciais; acareações; reconheci-mento de pessoas e coisas; reprodução simulada; colheita de novas provas ou indícios etc. Após realizadas as diligências, a autoridade policial enviará novamente o inquérito ao Judi-ciário, a fim de que abra novas vistas ao Ministério Público.

c) Arquivamento: O Ministério Público é o único que pode pedir o arquivamento de autos de inquérito, e o pedirá quando, p. ex., não houver autoria conhecida, não houver provas mais ou menos idôneas a respeito da relação de causalidade ou se estiver presente causa ou condição de exclusão do crime.

O arquivamento é pedido à autoridade judiciária, que poderá concordar, ou não, com as razões do pedido. Se concordar, ordenará o arquivamento. Se não concordar, não poderá exigir que o Promotor ofereça a denúncia, mas comunicará o fato ao Procurador-Geral de Justiça, que nesse caso poderá, ou não, concordar com o pedido do Promotor. Se concordar, o inquérito terá de ser arquivado, mesmo contra a vontade do Juiz. Se não concordar, ou ele mesmo irá oferecer a denúncia, ou designará outro representante da instituição para oferecê-la.

Contra o pedido de arquivamento e sua concessão não cabe recurso algum.

d) Extinção da Punibilidade: O Ministério Público é, antes mesmo que órgão de acusação, fis-cal da lei, de forma que deverá atuar de maneira que faça atuar a justiça no caso concreto. É, pois, equívoco pensar-se que o Ministério Público não pode agir em favor do indiciado ou do réu. E é em vista disso que pode acontecer de a punibilidade do indiciado, inobstante inconteste a prática de uma infração penal, estar extinta, pela prescrição ou por outra cau-sa (art. 107 do CP). Desse modo, se o Ministério Público, ao verificar nos autos do inquéri-to, que a punibilidade do indiciado está extinta, pedirá ao Juiz que a decrete.

e) Permanência dos Autos em Cartório: Sabe-se que o Ministério Público é o titular legítimo da ação penal pública, bem como apenas ao ofendido e seu representante legal é que cabe a pro-positura da ação penal privada. Daí porque, concluído o inquérito, a autoridade policial deverá remetê-lo ao Ministério Público, caso a infração seja apurada mediante ação penal pública, ou ao ofendido mediante traslado, no caso de a infração investigada for de ação penal privada.

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Imagine-se, então, que o Ministério Público receba um inquérito no qual se perceba que o cri-me ali imputado ao indiciado seja de ação penal privada. Em tal hipótese, o Ministério Público é parte ilegítima para propor a ação penal.

Sendo assim, o Promotor de Justiça, nos termos do art. 19 do Código de Processo Penal, deverá requerer que os autos do inquérito permaneçam em Cartório, aguardando a iniciativa da vítima ou de quem de direito.

f) Inviabilidade da Relação Processual: Existem fatos que impedem a viabilidade da relação processual, isto é, desautorizam que, no caso concreto, seja instaurada a relação processu-al. Nesses casos, o Ministério Público deverá abster-se de oferecer a denúncia.

Tais fatos são, por exemplo, a coisa julgada (o indiciado já tinha sido julgado em outra ocasião pelo mesmo fato objeto do inquérito policial recebido), a litispendência (o indiciado, pelo fato objeto do inquérito recebido, já está sendo por este mesmo processado, na mesma Comarca ou não) e a incompetência (p. ex., o Promotor de Justiça de Recife entende que a competência é do juízo da Comarca de Paulista).