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DIREITO PROCESSUAL PENAL PROCESSUAL PENAL 3 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL CONCEITO. CARACTERÍSTICAS. A NORMA PROCESSUAL PENAL. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS. EVOLUÇÃO

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SUMRIO

1. Dos Princpios do Direito Processual Penal .................................................................................... 03

2. Da Persecuo. Da Investigao Preliminar .................................................................................... 18

3. Ao Penal ........................................................................................................................................ 37

4. Aspectos Jurisdicionais ..................................................................................................................... 47

5. Prova ................................................................................................................................................ 74

6. Questes e Processos Incidentes ................................................................................................... 106

7. Sujeitos Processuais ....................................................................................................................... 116

8. Medidas Cautelares ........................................................................................................................ 124

9. Atos, Fatos e Prazos Processuais ................................................................................................... 140

10. Procedimentos Comuns e Especiais ............................................................................................. 151

11. Sentena ...................................................................................................................................... 180

12. Nulidades ...................................................................................................................................... 188

13. Recursos e Aes Autnomas de Impugnao ........................................................................... 194

14. Execuo das Penas ...................................................................................................................... 218

15. Relaes Jurisdicionais com autoridade estrangeira ................................................................. 240

16. Lei n 9.099/1995 ....................................................................................................................... 245

17. Lei n 10.259/2001 ..................................................................................................................... 260

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DOS PRINCPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

CONCEITO. CARACTERSTICAS. A NORMA PROCESSUAL PENAL. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS. EVOLUO HISTRICA DA PERSECUO PENAL NO BRASIL.PRINCPIOS PROCESSUAIS PENAIS. NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEO AO ACUSADO. FONTES. APLICAO, INTERPRETAO E INTEGRAO DA LEI PROCESSUAL PENAL. LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAO. IMUNIDADES.

1.1 CONCEITO, CARACTERSTICAS E A NORMA PROCESSUAL PENAL

Segundo Vicente Greco Filho, define-se o direito processual penal como o ramo do direito pblico que consiste no conjunto sistemtico de normas e princpios que regula a atividade da ju-risdio, o exerccio da ao e o processo em matria penal, bem como a tutela da liberdade de locomoo, quando o direito penal aplicvel, positiva ou negativamente, o direito penal co-mum1.

Percebe-se que o conceito inclui a jurisdio, a ao e o processo como institutos fundamen-tais do direito processual, os quais so comuns a todos os ramos da referida cincia.

Mas, o que especializa o direito processual penal o seu contedo, porque regula a aplicao da lei penal, tendo como feixe principal a liberdade de locomoo propriamente dita. atravs do processo que se legitima a atuao estatal, isto , a resposta penal, diante da prtica de uma infra-o penal, desincumbindo-se o Estado do nus assumido com a avocao do monoplio da jurisdi-o.

Nesse sentido, no que toca s normas de direito processual penal, embora seja possvel falar em normas de carter exclusivamente penal e normas de carter exclusivamente processual, a doutrina reconhece a existncia de normas mistas ou normas processuais materiais.

Uma corrente doutrinria restritiva entende que so normas formalmente processuais, mas substancialmente materiais aquelas que disponham sobre o contedo da pretenso punitiva, como as relativas ao direito de queixa e de representao, prescrio e decadncia, ao perdo pe-rempo, entre outras.

J uma corrente extensiva ou ampliativa considera como normas mistas aquelas que estabe-lecem condies de procedibilidade, constituio e competncia dos tribunais, meios de prova e eficcia probatria, graus de recurso, liberdade condicional, priso preventiva, fiana e todas as demais que tenham por contedo matria que seja de direito ou garantia constitucional do cida-do.

Alm do CPP, a legislao especial tambm veicula normas de natureza processual, tais co-mo: a Lei 4.898/65, que trata dos crimes de abuso de autoridade; o Decreto-Lei 201/67, que dispe sobre os crimes praticados por prefeitos; a Lei 7.210/84, Lei de Execuo Penal, que tacitamente revogou as normas contidas no CPP; a Lei 7.960/89, que cuida da priso temporria; a Lei 9.099/95, que dispe sobre os Juizados Especiais Cveis e Criminais; a Lei 10.259/01, regulamentadora dos

1Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2013, p. 87-88.

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juizados no mbito da Justia Federal; a Lei 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais; e a Lei 11.343/06, a nova Lei de Drogas.

As caractersticas do direito processual penal podem ser assim sintetizadas:

a. Pblico pertencente ao ramo do direito pblico, o direito processual penal for-mado por normas cogentes, ou seja, inderrogveis pela vontade das partes;

b. Instrumental caracterstica inerente ao processo, por ser verdadeiro instrumento de aplicao do direito material;

c. Autnomo Apesar da sua instrumentalidade, tem sido reconhecida a autonomia cientfica do direito processual, com tendncia a um tratamento mais unificado, pe-lo menos quanto aos institutos fundamentais, inerentes a todos os ramos. Ainda assim, reconhecida a validade da diviso dogmtica da matria, por haver princ-pios e regras prprias do direito processual penal.

1.2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E A EVOLUO HISTRIA DA PERSECUO PENAL NO BRASIL

Costuma-se apontar historicamente a existncia de trs modelos ideais ou abstratos do pro-cesso penal: sistema acusatrio, sistema inquisitrio e sistema misto.

O processo acusatrio, com origens na Roma Antiga e na Inglaterra medieval, identificado como um sistema de partes, em que h uma ntida separao de funes atribudas a pessoas dis-tintas, em um verdadeiro actum trium personarum. Vige nele o princpio da presuno de inocn-cia, da oralidade e da publicidade dos atos processuais. O juiz no possui qualquer iniciativa proba-tria. J no processo inquisitrio as funes de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas em uma nica pessoa, o juiz-inquisidor ou juiz-investigador. O ru encarado como objeto do pro-cesso, que tem como objetivo primordial a busca da Verdade Real. No campo probatrio, h plena interveno do juiz, e autorizada a tortura na colheita probatria2. O processo , como regra, escrito e secreto.

No ano 1808, com o surgimento do Code dInstruction Criminelle francs, passa-se a falar em sistema processual misto, constitudo de duas fases. A primeira assemelha-se ao processo inquisit-rio e presidido por um magistrado, enquanto a segunda inicia com a acusao a cargo do Minist-rio Pblico3. importante observar que tais modelos no subsistem atualmente em suas formas puras, sendo antes referenciais tericos para o estudo do processo penal.

O Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, instituiu o Cdigo de Processo Penal atual-mente em vigor. Inspirado na legislao processual italiana fascista produzida na dcada de 1930, constatavam-se no Cdigo de Processo Penal originrio algumas relevantes caractersticas:

1. O acusado no tratado sob o manto da presuno de inocncia, mas como potencial e virtual culpado, sobretudo em casos de priso em flagrante;

2. Prevalece uma preocupao quase exclusiva com a tutela da segurana pblica, em de-trimento da tutela da liberdade individual;

3. A busca da verdade real legitimou prticas autoritrias e abusivas dos poderes pbli-cos, a partir da ampliao da liberdade de iniciativa probatria do juiz;

2BADAR, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 47. 3OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de processo penal. 19 ed. So Paulo: Atlas, 2015, p. 10

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4. O interrogatrio do ru encarado como meio de prova e realizado sem interveno das partes, podendo o juiz valorar negativamente o silncio4.

Ao longo dos mais de setenta anos de vigncia, o CPP sofreu diversas alteraes, podendo se destacar a Lei 6.416/77, que cuidou da reformulao da fiana e da liberdade provisria, seguindo-se as leis5 promulgadas aps a Constituio Federal de 1988, afastando-se gradualmente o funda-mento6 que o inspirou, por ser claramente incompatvel com o ordenamento em vigor.

Com efeito, a Constituio Federal de 1988 de inspirao acusatria, instituindo um siste-ma amplo de garantias individuais, as quais devem orientar a leitura do CPP reformado. O devido processo penal constitucional busca realizar uma Justia Penal submetida exigncia de igualdade entre os litigantes, atentando para a desigualdade material que normalmente ocorre em toda per-secuo penal. Trata-se de um processo a ser realizado sob instruo contraditria, sob os rigores da lei e do direito, de maneira que a verdade processual seja resultado de atividade probatria licitamente desenvolvida.

1.3 PRINCPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL7

O conceito de princpio pode ser extrado da lio de Celso Antnio Bandeira de Mello:

Princpio [...] , por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema norma-tivo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico

8.

Os principais atributos dos princpios so a generalidade e a abstrao, ao contrrio das re-gras. Dessa maneira, pairam sobre todo o ordenamento, dando a este coerncia e coeso.

A Constituio Federal abriga os princpios que regem o direito processual, expressos ou im-plcitos, sem prejuzo da possibilidade de a legislao infraconstitucional acrescentar outros princ-pios ao ordenamento, desde que compatveis com os consagrados pela Lei Maior. Situam-se, prin-cipalmente, no art. 5, que enumera, no taxativamente ( 2), os direitos e garantias individuais, sendo em sua maioria aplicveis a todos os ramos do direito processual, independentemente do objeto de cada um deles, podendo haver variao de alcance e intensidade.

Entre os princpios previstos na CF de 1988, destacam-se o da dignidade da pessoa humana (art. 1, III) e o do devido processo legal (art. 5, LIV), considerados como informativos de todo o direito processual. Na lio de Guilherme Nucci:

Olhares especiais devem voltar-se ao princpio da dignidade da pessoa humana e ao princpio do devido processo legal. Afinal, respeitada a dignidade da pessoa

4OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de processo penal. 19 ed. So Paulo: Atlas, 2015, p. 8 5Podem ser destacadas: Lei 9.271, de 17 de abril de 1996, que reformulou os artigos 366 a 370 do CPP, com destaque para a suspenso do processo, prevista no art. 366, em consonncia com o Pacto de So Jos da Costa Rica; Lei 10.792, de 1 de dezembro de 2003, que contribuiu para concretizar o interrogatrio do acusado como meio de defesa; Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, que trouxe alteraes no procedimento dos crimes da competncia do Tribunal do Jri; Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, que tratou de modificaes na parte que trata da prova; Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, com alteraes relativas suspenso do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos; Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispe sobre a investigao criminal conduzida por delegado de polcia; Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organizao criminosa e dispe sobre a investigao criminal, os meios de obteno de prova, infraes penais correlatas e o procedimento criminal. 6Recomenda-se a leitura da parte introdutria da exposio de motivos do Cdigo de Processo Penal, a fim de que se possa conhecer e contextualizar historicamente a sua inspirao antidemocrtica. 7A discusso envolvendo os princpios inerentes ao Direito Processual Penal provoca debates na doutrina. No h sinal de consenso. H os que, por exemplo, defendem a existncia to somente do princpio publicstico (DELMANTO JNIOR, Roberto. Inatividade no processo penal brasileiro. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 36-54). Entretanto, a celeuma terica foge do objetivo dessa obra. 8MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev., atual e ampl. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 629-630.

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humana, seja do ngulo do acusado, seja do prisma da vtima do crime, alm de assegurada a fiel aplicao do devido processo legal, para a considerao de inocncia ou culpa, est-se cumprindo, na parte penal e processual penal, o ob-jetivo do Estado de Direito e, com nfase, democrtico

9.

Princpio da dignidade da pessoa humana

O princpio da dignidade da pessoa humana est presente no Captulo I do Ttulo I da Consti-tuio Federal. A sua posio topogrfica sintomtica. Cuida-se de alicerce da Repblica, do gran-de valor que fundamenta a prpria existncia do Estado, sem o qual este se tornaria um fim em si mesmo, desprovido de contedo.

A dignidade da pessoa humana deve orientar toda a atuao estatal, qualquer que seja o r-go ou o ato a ser praticado. O direito processual penal, com mais razo, em funo da magnitude do seu objeto, no se afasta dessa regra.

No se quer dizer que a adoo de tal princpio impea um provimento estatal que possa res-tringir um direito, quando estritamente necessrio e adequado situao. Dessa forma, ao contr-rio de ofend-lo, realiza-o. Portanto, a efetivao de uma priso, por exemplo, quando justa e ne-cessria, no constitui violao ao princpio da dignidade da pessoa humana.

Princpio do devido processo legal

O devido processo legal est expressamente previsto no art. 5, LIV, da CF, ao preconizar que ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Cuida-se de garantia inafastvel e irrenuncivel, sem a qual se deslegitima a prpria funo jurisdicional. Isso porque o Estado, enquanto detentor do monoplio da referida atividade, na me-dida em que probe a justia com as prprias mos, tem o dever criar mecanismos para que a nor-ma atue concretamente, sem abuso ou tratamento materialmente desigual, buscando-se incansa-velmente o ideal do justo processo.

Tamanha a importncia atribuda pelo legislador constituinte ao devido processo legal, que a sua inobservncia quase que inevitavelmente acarretar a invalidao do ato viciado.

Apesar de a delimitao dos contornos jurdicos do devido processo legal ser uma tarefa das mais rduas, a Constituio Federal apresenta alguns princpios e garantias intimamente relaciona-dos ao due process of law, tais como o contraditrio, a ampla defesa, o juiz natural, a igualdade, a presuno de inocncia, a publicidade e a motivao das decises.

A doutrina, j reconhecida pela jurisprudncia do STF10, costuma apontar duas dimenses pa-ra o devido processo legal; a primeira, em sentido formal, consiste na estrita observncia da lei processual, devendo o Estado cumprir a ritualstica limitadora da sua atuao; a segunda, em sua concepo substancial (substantive due process of law), vai alm, ao determinar que o processo

9NUCCI, Guilherme de Souza. Princpios constitucionais penais e processuais penais. 3 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 45. 10RECURSO EXTRAORDINRIO - MATRIA TRIBUTRIA - SUBSTITUIO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAO - ALEGADA OFENSA S GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTRIA - INOCORRNCIA - SIMPLES ATUALIZAO MONETRIA QUE NO SE CONFUNDE COM MAJORAO DO TRIBUTO - RECURSO IMPROVIDO. [...] - O Estado no pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Pblico - tratando-se, ou no, de matria tributria - devem ajustar-se clusula que consagra, em sua dimenso material, o princpio do "substantive due process of law" (CF, art. 5, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parmetro de aferio da prpria constitucionalidade material dos atos estatais. Hiptese em que a legislao tributria reveste-se do necessrio coeficiente de razoabilidade. Precedentes. (RE 200844 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/06/2002, DJ 16-08-2002 PP-00092 EMENT VOL-02078-02 PP-00234 RTJ VOL-00195-02 PP-00635).

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seja justo, adequado, no sendo suficiente a mera observncia da lei, devendo esta ser equilibrada, vedando-se a arbitrariedade. Relaciona-se com o princpio da razoabilidade (ADI-MC 1.407/DF).

Vejamos os demais princpios que sero revisitados ao longo da obra.

Princpio da legalidade

O princpio da legalidade est previsto no art. 5, caput e inc. II, da CF/88. Constitui um dos alicerces do Estado de Direito, ao lado do princpio da segurana jurdica.

O direito processual penal, como j foi dito, composto de normas de vrios nveis, desde a Constituio Federal, que se encontra no pice do ordenamento, at os atos infralegais, como, por exemplo, os regimentos internos dos tribunais. A norma ser vlida, do ponto de vista formal e material, quando estiver compatvel com a norma superior que lhe d suporte.

Princpio da igualdade das partes

A garantia da igualdade processual reflete-se na atuao equilibrada das partes. Esse equilbrio no necessariamente estar ligado atuao simtrica, formalmente paritria. A igualdade a ser busca-da a substancial. Nesse sentido, pode e deve haver tratamento mais favorvel defesa, quando a situao o exigir. Exemplos no faltam, como a aplicao do in dubio pro reo, a vedao da reviso pro societate, sendo permitida apenas a reviso criminal em favor do condenado (art. 621 do CPP).

Princpio do juiz natural

A Constituio Federal, em pelo menos duas oportunidades muito claras, demonstra a sua inequvoca inteno de instituir a garantia do juiz natural, na medida em que determina que no haver juzo ou tribunal de exceo11 e que ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente12.

Esta garantia assegura que no haja a criao ou a designao casustica de rgos para o jul-gamento de determinado caso. necessrio que se implemente um feixe de regras que definam previamente como se dar a repartio de competncias. A pessoa fsica do juiz tambm deve ser preservada, no apenas o rgo, evitando-se que seja arbitrariamente afastado do caso.

A garantia do juiz natural no se destina apenas proteo do indivduo, apesar de esse ser o seu enfoque principal. Busca tambm impedir que o interessado possa escolher o rgo julgador.

Princpio da inafastabilidade da jurisdio

O acesso justia est previsto expressamente no art. 5, XXXV, em que determina que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito.

A garantia constitucional obsta a edio de atos normativos que impeam, de alguma manei-ra, o cidado de buscar uma resposta do Poder Judicirio quando houver leso ou ameaa de leso a bem jurdico tutelado pelo ordenamento.

Princpio do contraditrio e ampla defesa

11Art. 5, XXVII. 12Art. 5, LII.

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Nos termos do inciso LV do art. 5, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O contraditrio traduz-se basicamente no binmio cincia/participao efetiva. Deve-se ga-rantir parte a possibilidade real de influir na formao do resultado final do processo, que a deciso judicial.

Em determinadas situaes, entretanto, o contraditrio no pode ser exercitado previamen-te, em razo do risco de se comprometer o prprio ato. Nesses casos, aplica-se a tcnica do contra-ditrio diferido, amplamente admitida pela jurisprudncia, notadamente quando se trata de tutela de urgncia.

A garantia da ampla defesa no se circunscreve possibilidade de a parte interpor recursos contra decises desfavorveis, de provocar o reexame da matria apreciada, caso em que se apro-ximaria ou se confundiria com a garantia do duplo grau de jurisdio. Compreende o direito de a parte defender os seus pontos de vista, argumentos, alegaes, a fim de demonstr-los em juzo. No caso do processo penal, a ampla defesa abrange a defesa tcnica e a autodefesa.

A defesa tcnica a realizada por profissional devidamente habilitado, seja ele constitudo, designado (dativo) ou legalmente legitimado (defensor pblico) para tal tarefa. No se permite a sua dispensa (art. 261 do CPP).

J a autodefesa, em que o ru a exerce pessoalmente, como o prprio nome evidencia, pode ser compreendida no somente pelo direito de presena, isto , de comparecimento aos atos pro-cessuais, como tambm pelo direito de audincia, que se manifesta no interrogatrio, quando o ru tem a oportunidade de expor diretamente as suas alegaes ao rgo judicante. Pode at ser dis-pensada pela parte como estratgia de defesa, mas a sua no realizao, em outras situaes, pode ser causa de nulidade.

A plenitude de defesa, prevista para os casos de crimes dolosos contra a vida, da competn-cia do Tribunal do Jri, amplia o feixe de opes defensivas, na medida em que se permite valida-mente a utilizao de argumentos metajurdicos na defesa do ru.

Princpio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilcitos

O art. 5, LVI, da CF prev que so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios il-citos.

O Cdigo de Processo Penal, especificamente no art. 157, com a redao dada pela Lei 11.690/08, incluiu em seu corpo a referida garantia, dando-lhe maior concretude.

Princpios da motivao e da publicidade

A Carta da Repblica exige que todas as decises tomadas pela autoridade judiciria sejam efetivamente fundamentadas, indicando-se expressamente os motivos que a justifiquem.

O principal objetivo desta garantia, assim como ocorre na publicidade, justamente o de se viabilizar o controle da deciso judicial, atravs de recursos ou outros meios de impugnao perti-nentes.

A prpria Constituio, contudo, estabeleceu uma exceo, na medida em que se permitiu, no Tribunal do Jri, que a deciso dos jurados no seja acompanhada da respectiva fundamentao.

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Assim, a fundamentao e a publicidade da deciso permitem um maior controle da ativida-de jurisdicional, o que, em contrapartida, contribui para a sua prpria legitimao.

Princpios da obrigatoriedade, da oficialidade e da indisponibilidade

O princpio da obrigatoriedade surge em razo da prpria natureza da atividade. Cuida-se da contrapartida a cargo do Estado, porque chamara para si a responsabilidade decorrente do mono-plio da jurisdio. princpio ligado ao penal.

O princpio da oficialidade guarda estreita sintonia com o princpio da obrigatoriedade, pois, em se tratando de servio estatal, somente rgos oficialmente criados ou institudos estariam legitimados ao desenvolvimento da atividade persecutria, inclusive a jurisdio propriamente dita.

A indisponibilidade tambm constitui desdobramento da obrigatoriedade, no podendo o Ministrio Pblico, por exemplo, dispor da ao penal, porque o seu objeto indisponvel. Pode at mesmo postular a absolvio do acusado, mas no permitido abdicar imotivadamente da perse-cuo. No caso de aplicao de medidas despenalizadoras, tais como a transao penal e a suspen-so condicional do processo, a prpria lei que a viabiliza.

Princpio da iniciativa das partes

A jurisdio deve ser inerte. O juiz, para no colocar em risco a sua imparcialidade, no deve substituir ou tutelar as partes, notadamente o autor da ao penal. Essa perspectiva encontra mai-or amparo no sistema acusatrio, como se ver no captulo prprio.

Princpio da identidade fsica do juiz

O princpio da identidade fsica do juiz, no processo penal, foi expressamente adotado com a vigncia da Lei 11.719/08, que, ao criar o 2 do art. 399, estabeleceu que o juiz que presidiu a instruo dever proferir a sentena.

Diante da insuficiente regulamentao no CPP, tem-se defendido a aplicao das regras pre-vistas no CPC, por analogia (art. 3 do CPP).

Princpio da presuno de inocncia

O princpio da presuno de inocncia encontra previso no art. 5, LVII, da CF: Ningum se-r considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria.

O primeiro aspecto a ser destacado da situao jurdica de inocncia refere-se ao nus da prova, recaindo este sobre o autor da demanda penal. O ru no precisa provar a sua inocncia.

O Supremo Tribunal Federal, revendo a sua jurisprudncia, que afirmava que a interposio de recurso extraordinrio no impossibilitava o incio imediato da execuo da pena, por no ter efeito suspensivo, passou a exigir, sem excees, o trnsito em julgado da sentena penal condena-tria13. Porm, em razo de recentssimo julgamento (HC 126.292 - 17/02/2016), foi restabelecido o entendimento anterior14.

13HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT

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De qualquer forma, possvel que medidas cautelares, entre elas a priso, possam ser im-plementadas antes do trnsito em julgado, desde que necessrias e adequadas.

Princpio do favor rei ou in dubio pro reo

O princpio do in dubio pro reo guarda estreita relao com o princpio da presuno de ino-cncia, visto no item anterior. O juiz, ao sentenciar, dever absolver o acusado, se houver dvidas acerca da existncia do crime, ou ainda da sua participao.

Princpio do duplo grau de jurisdio

A garantia do duplo grau de jurisdio, conquanto no expressamente prevista na Constitui-o da Repblica, encontra aceitao na doutrina e jurisprudncia majoritrias15.

1.4 NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEO AO ACUSADO

Com o fenmeno da globalizao, inclusive de infraes penais, em que as fronteiras fsicas vm sendo paulatinamente vencidas, faz-se necessrio que o direito processual acompanhe de perto tal realidade, como j vem ocorrendo com o direito material.

Isso porque os mecanismos de represso aos crimes transnacionais no envolvem apenas a definio de crimes e penas. preciso que tambm se compartilhem ferramentas adequadas persecuo penal, tendo como principal objetivo a correta e justa aplicao da lei penal. cada vez mais frequente, por exemplo, a adoo de medidas assecuratrias que possam incidir sobre bens e direitos mantidos em territrio estrangeiro16.

A consequncia imediata dessa nova realidade se reflete na difuso de normas oriundas de tratados e convenes internacionais multilaterais que visam represso desses e de outros deli-tos, sem prejuzo da adoo de tratados bilaterais, inclusive os que prevejam instrumentos de aux-lio direto.

A Constituio Federal mostrou-se sensvel nova realidade global. Tratou especificamente dos tratados e convenes internacionais nos 2 e 3 do art. 5, ao estabelecer que os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja par-te e que os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendas constitucionais17.

J no mais novidade a controvrsia envolvendo a posio hierrquica de tratados e con-venes internacionais no plano interno, notadamente os que versam sobre direitos humanos. Apesar de a doutrina especializada majoritariamente defender a constitucionalizao de tais nor-mas, o Supremo Tribunal Federal mantivera posicionamento considerado conservador18. De qual-

VOL-02391-05 PP-01048. 14A notcia ser mais bem detalhada no item 6.1. 15 O tema ser mais bem debatido no captulo referente aos recursos. 16A preocupao, entretanto, no repousa apenas sobre a efetividade da aplicao da lei punitiva. Na medida em que se adotam instrumentos nessa direo, so tambm aperfeioadas normas que buscam a efetivao do justo processo. 17 Redao conforme EC n. 45/2004. 18 Aponta-se o RE 80.004/SE como o leading case: CONVENO DE GENEBRA, LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CMBIO E NOTAS PROMISSRIAS - AVAL APOSTO A NOTA PROMISSRIA NO REGISTRADA NO PRAZO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE DE SER O AVALISTA

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quer forma, a questo agora est positivada no sentido do pargrafo terceiro, atribuindo-se estatu-ra constitucional aos tratados e convenes que versem sobre direitos humanos, desde que obser-vados os requisitos ali previstos19.

No raro que tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos veiculem regras de direito penal e, por consequncia, de direito processual penal. Da a importncia do tema.

Os demais tratados e convenes internacionais situam-se no plano infraconstitucional, apli-cando-se a eles os critrios da especialidade e da cronologia para a soluo de antinomias. O pr-prio Cdigo de Processo Penal expressamente traz essa possibilidade (art. 1, I).

1.4.1 PACTO DE SO JOS DA COSTA RICA

Entres os tratados e convenes internacionais j internalizados que versam sobre processo penal, merece destaque a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, que trouxe importantes avanos no sentido da concretizao do sistema acusatrio, contrapondo-se ao vetusto modelo adotado pelo nosso Cdigo de Processo Penal, que vem constantemente sendo submetido a altera-es legislativas, muitas delas inspiradas naquela conveno.

Vale destacar o art. 8 da Conveno:

Artigo 8 - Garantias judiciais

1. Toda pessoa ter o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido ante-riormente por lei, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela, ou na de-terminao de seus direitos e obrigaes de carter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocncia, enquan-to no for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, s seguintes garantias mnimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intrprete, caso no compreenda ou no fale a lngua do juzo ou tribunal;

b) comunicao prvia e pormenorizada ao acusado, da acusao formulada;

c) concesso ao acusado do tempo e dos meios necessrios preparao de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

ACIONADO, MESMO PELAS VIAS ORDINRIAS. VALIDADE DO DECRETO-LEI N 427, DE 22.01.1969. Embora a Conveno de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de cmbio e notas promissrias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, no se sobrepe ela s leis do pas, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec-Lei n 427/69, que institui o registro obrigatrio da nota promissria em repartio fazendria, sob pena de nulidade do ttulo. Sendo o aval um instituto do direito cambirio, inexistente ser ele se reconhecida a nulidade do ttulo cambial a que foi aposto. Recurso extraordinrio conhecido e provido. (RE 80004, Relator(a): Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/1977, DJ 29-12-1977 PP-09433 EMENT VOL-01083-04 PP-00915 RTJ VOL-00083-03 PP-00809). 19Como exemplo, cita-se a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de maro de 2007. A aludida conveno foi ratificada pelo Congresso Nacional, atravs do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008. A promulgao veio no ano seguinte, conforme Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.

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e) direito irrenuncivel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remu-nerado ou no, segundo a legislao interna, se o acusado no se defender ele prprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o compare-cimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lanar luz sobre os fatos;

g) direito de no ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentena a juiz ou tribunal superior.

3. A confisso do acusado s vlida se feita sem coao de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentena transitada em julgado no poder ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser pblico, salvo no que for necessrio para preservar os inte-resses da justia.

Apesar de as normas estarem em vigor desde 1992, o cotidiano forense indicava o no cum-primento satisfatrio das regras ali contidas, o que revela um costume ainda recorrente de no se atribuir a relevncia jurdica que as normas oriundas de tratados e convenes internacionais devi-damente incorporadas ao ordenamento jurdico merecem20.

1.4.2 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLTICOS DE NOVA IORQUE

Os artigos 9, 10, 11 e 1421 do Pacto de Direitos Civis e Polticos de Nova Iorque apresentam extenso e importante rol de garantias processuais s pessoas presas e processadas pelo cometi-mento de delitos.

20 Como exemplo de no aplicao do Pacto de So Jos da Costa Rica, pode-se mencionar a condenao de ru citado por edital, prtica essa que somente veio a ser expurgada do cotidiano forense aps o advento da Lei 9.271, de 17 de abril de 1996, que alterou a redao do art. 366 do CPP, a partir de quando o prosseguimento da ao penal ficou condicionado efetiva citao do denunciado. 21 ARTIGO 9 1. Toda pessoa tem direito liberdade e segurana pessoais. Ningum poder ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ningum poder ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos. 2. Qualquer pessoa, ao ser presa, dever ser informada das razes da priso e notificada, sem demora, das acusaes formuladas contra ela. 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infrao penal dever ser conduzi-da, sem demora, presena do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funes judiciais e ter o direito de ser julgada em prazo razovel ou de ser posta em liberdade. A priso preventiva de pessoas que aguardam julgamento no dever constituir a regra geral, mas a soltura poder estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questo audincia, a todos os atos do processo e, se necessrio for, para a execuo da sentena. 4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por priso ou encarceramento ter o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislao de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a priso tenha sido ilegal. 5. Qualquer pessoa vtima de priso ou encarceramento ilegais ter direito repartio. ARTIGO 10 1. Toda pessoa privada de sua liberdade dever ser tratada com humanidade e respeito dignidade inerente pessoa humana. 2. a) As pessoas processadas devero ser separadas, salvo em circunstncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condio de pessoa no-condenada. b) As pessoas processadas, jovens, devero ser separadas das adultas e julgadas o mais rpido possvel. 3. O regime penitencirio consistir num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitao normal dos prisioneiros. Os delinqentes juvenis devero ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condio jurdica. ARTIGO 11 Ningum poder ser preso apenas por no poder cumprir com uma obrigao contratual. ARTIGO 14

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Preste ateno no artigo 9.3, que contm disposio a respeito das audincias de custdia enfrentada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, merecendo ateno nos prximos con-cursos pblicos:

ARTIGO 9

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infrao penal dever ser condu-zida, sem demora, presena do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funes judiciais e ter o direito de ser julgada em prazo razovel ou de ser posta em liber-dade. A priso preventiva de pessoas que aguardam julgamento no dever constituir a re-gra geral, mas a soltura poder estar condicionada a garantias que assegurem o compare-cimento da pessoa em questo audincia, a todos os atos do processo e, se necessrio for, para a execuo da sentena.

A ADPF 347 MC, julgada em setembro de 2015 pelo Plenrio do STF, determinou ser obriga-tria a observncia do referido artigo 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Polticos, assim como do artigo 7.5 da Conveno Interamericana de Direitos Humanos, considerando obrigatrio que juzes e tribunais realizassem, em at noventa dias, audincias de custdia, viabilizando o comparecimen-to do preso perante a autoridade judiciria no prazo mximo de 24 horas, contado do momento da priso. Dessa forma, a disposio no se submete ao livre convencimento do magistrado, sob pena de cerceamento inconvencional, nos termos do voto relator.

1.5 FONTES, INTERPRETAO E INTEGRAO DA LEI PROCESSUAL PENAL

As fontes do direito do processual penal dividem-se em materiais e formais.

1. Todas as pessoas so iguais perante os tribunais e as cortes de justia. Toda pessoa ter o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apurao de qualquer acusao de carter penal formulada contra ela ou na determinao de seus direitos e obrigaes de carter civil. A imprensa e o pblico podero ser excludos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pblica, de ordem pblica ou de segurana nacional em uma sociedade democrtica, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessrio na opinio da justia, em circunstncias especficas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justia; entretanto, qualquer sentena proferida em matria penal ou civil dever torna-se pblica, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito controvrsia matrimoniais ou tutela de menores. 2. Toda pessoa acusada de um delito ter direito a que se presuma sua inocncia enquanto no for legalmente comprovada sua culpa. 3. Toda pessoa acusada de um delito ter direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias: a) De ser informado, sem demora, numa lngua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acuso contra ela formulada; b) De dispor do tempo e dos meios necessrios preparao de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha; c) De ser julgado sem dilaes indevidas; d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermdio de defensor de sua escolha; de ser informado, caso no tenha defensor, do direito que lhe assiste de t-lo e, sempre que o interesse da justia assim exija, de ter um defensor designado ex-offcio gratuitamente, se no tiver meios para remuner-lo; e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusao e de obter o comparecimento e o interrogatrio das testemunhas de defesa nas mesmas condies de que dispem as de acusao; f) De ser assistida gratuitamente por um intrprete, caso no compreenda ou no fale a lngua empregada durante o julgamento; g) De no ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada. 4. O processo aplicvel a jovens que no sejam maiores nos termos da legislao penal em conta a idade dos menos e a importncia de promover sua reintegrao social. 5. Toda pessoa declarada culpada por um delito ter direito de recorrer da sentena condenatria e da pena a uma instncia superior, em conformidade com a lei. 6. Se uma sentena condenatria passada em julgado for posteriormente anulada ou se um indulto for concedido, pela ocorrncia ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existncia de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente desse condenao dever ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou parcialmente, a no revelao dos fatos desconhecidos em tempo til. 7. Ningum poder ser processado ou punido por um delito pelo qual j foi absorvido ou condenado por sentena passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada pas.

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Em relao fonte material (de produo), advinda do prprio Estado, compete privativa-mente22 Unio legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF). Os Estados e o Distrito Federal tambm podem legislar, mas de maneira concorrente, ainda assim acerca de matrias especficas, tais como as que versam sobre direito penitencirio (art. 24, I), custas dos servios forenses (art. 24, IV), criao, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas (art. 24, X) e procedimentos em matria processual (art. 24, XI). Em matria de organizao judiciria, a Constituio Federal tambm atribui tal competncia aos Estados, no limite de cada um, at mesmo em respeito auto-nomia destes (art. 125), exceo do Distrito Federal, que recai sobre a Unio (art. 22, XVII).

As fontes formais (de cognio) so as que veiculam as normas processuais penais. Dividem-se em diretas e indiretas.

A fonte formal direta a lei em sentido amplo23, em razo do sistema jurdico adotado pelo ordenamento jurdico ptrio, segundo a maioria da doutrina, que inspirado no modelo europeu-continental (civil law).

A lei ordinria o veculo mais utilizado e apropriado, no sendo possvel a edio de medida provisria (art. 62, 1, I, b, da CF - EC 32/01) sobre direito processual penal, tampouco a utilizao de lei delegada, vedao esta implicitamente extrada da CF. A lei complementar, apesar de desne-cessria, poderia ser utilizada, a exemplo do que ocorrera com a LC 105/01.

As fontes formais indiretas so a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito.

A analogia consiste na aplicao da norma regulamentadora de um fato previsto a um fato no previsto, mas que sejam semelhantes entre si. Muito embora no esteja expressamente previs-ta no art. 3 do CPP, encontra fundamento normativo no art. 2, 1, da Lei de Introduo s Nor-mas do Direito Brasileiro LINDB (anteriormente denominada como Lei de Introduo ao Cdigo Civil LICC).O costume, enquanto fonte secundria, tambm est previsto na LINDB/LICC (art. 2, 1)24. Define-se pela prtica geral e reiterada de determinada conduta (elemento externo), em ra-zo da conscincia de sua obrigatoriedade (elemento interno).J os princpios gerais de direito en-contram fundamento expresso no art. 3 do CPP: A lei processual penal admitir interpretao extensiva e aplicao analgica, bem como o suplemento dos princpios gerais de direito.

Em princpio, a interpretao da lei processual penal segue as mesmas regras de hermenuti-ca que disciplinam a interpretao das leis em geral, previstas na LINDB. O legislador preocupou-se apenas em demarcar a diferena entre o direito penal e o processo penal, prevendo no artigo 3 do CPP que a lei processual penal admitir interpretao extensiva e aplicao analgica, bem como o suplemento dos princpios gerais de direito. Ao contrrio do direito penal, que a restringe aplica-o quando em favor do autor da infrao penal (in bonam partem), no h tal limitao no direito processual penal, podendo ser regularmente utilizada, desde que, obviamente, a omisso do legis-lador no tenha sido voluntria. No cabe a analogia, por exemplo, quando a lei fixa taxativamente um determinado rol.

Na interpretao extensiva, conclui-se que a norma tem um contedo mais amplo do que re-sultaria da simples aplicao do seu texto. A interpretao extensiva o resultado de precisar de-clarativamente a verdadeira vontade da lei, extrada de palavra no felizmente escolhida pelo legis-lador25. A analogia meio de integrar a norma, estendendo sua aplicao para casos semelhantes

22H a possibilidade excepcional de delegao aos Estados, na forma do pargrafo nico do art. 22: Lei complementar poder autorizar os Estados a legislar sobre questes especficas das matrias relacionadas neste artigo. 23Inclusive os tratados e convenes internacionais devidamente internalizados. 24 vedado o costume contra legem, ou seja, que vai de encontro a determinada norma em vigor, por no possuir eficcia revogatria. 25 BADAR, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 62.

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no previstos pelo legislador. Difere-se de interpretao analgica, em que o caso em que a norma ser aplicada est previsto no seu mbito de incidncia, embora no de forma explcita.

Entretanto, a doutrina alerta que nem a interpretao extensiva nem a analogia podem ser utilizadas para restringir a liberdade pessoal do acusado ou qualquer outro meio de defesa. Tais disposies devem sempre receber interpretao restritiva.

As modalidades de interpretao admitidas pelo CPP situam-se no processo de autointegra-o do ordenamento jurdico, por se referirem a solues previstas no prprio ordenamento. Con-trapem-se s formas de heterointegrao, quando se utilizam elementos externos como outros ordenamentos e fontes indiretas de Direito, como os costumes.

1.6 APLICAO DA LEI PROCESSUAL PENAL

A aplicao de determinada norma jurdica est normalmente delimitada pelo espao e pelo tempo. A delimitao espacial refere-se circunscrio territorial por ela abrangida, surgindo da a noo de territorialidade; j a limitao temporal est relacionada durao da norma, isto , ao seu tempo de vigncia.

1.6.1 LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAO26

A aplicao da lei processual penal no espao est prevista no art. 1 do Cdigo de Processo Penal, que determina a sua incidncia sobre todo o territrio nacional27. Adotou-se o critrio da territorialidade como regra. As excees esto previstas nos incisos28 do art. 1, que tratam basi-camente da aplicao do critrio da especialidade.

Assim, o processo penal rege-se pelo Cdigo de Processo Penal, ressalvados (art. 1):

1. Os tratados, convenes e regras de direito internacional, que sero abordados no item 1.9;

2. Os casos de atuao da jurisdio poltica crimes de responsabilidade (art. 52, I e II, alm do art. 86, todos da Constituio Federal);

3. As causas de competncia da Justia Militar, nas quais se aplica o Cdigo de Pro-cesso Penal Militar (Decreto-Lei 1.002/69).

Como j foi dito, perfeitamente possvel que a legislao especial estabelea regras dife-renciadas, conforme a necessidade, configurando-se mera aplicao do critrio da especialidade, a exemplo do rito previsto na nova lei de drogas, dos casos de ao penal originria da competncia dos tribunais, entre outros.

1.6.2 LEI PROCESSUAL NO TEMPO

Em relao lei processual penal no tempo, o art. 2 do Cdigo de Processo Penal determina a sua aplicao imediata aos processos em curso (tempus regit actum), sem prejuzo da validade dos atos praticados sob a gide da lei revogada (irretroatividade).

26As questes envolvendo a aplicao da lei penal no espao so analisadas na parte geral da respectiva matria Direito Penal. 27 A despeito do fundamento antidemocrtico que motivou a criao do CPP de 1941, houve um inegvel avano, no sentido de se unificar o direito processual penal, saindo de cena os cdigos de processo penal estaduais, de abrangncia regional, conforme exposio de motivos (itens II e III). 28 O tribunal especial e os processos por crimes de imprensa, previstos respectivamente nos incisos IV e V do art. 1, no so mais aplicados nos tempos atuais, tendo em vista a supervenincia da Constituio Federal de 1988 e a deciso proferida pelo STF na ADPF 130/DF, que reconheceu a no recepo da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).