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Roma do rex e das gentes – 753 a.C. a 509 a.C. – Fundação de Roma a o Fim da Monarquia O rex e as gentes são as duas instituições que marcam a criação jurídica primitiva dos romanos neste período, caracterizando as linhas fundamentais das soluções jurídicas. Nesta etapa da sociedade romana, no topo da pirâmide hierárquica das estruturas religiosas, políticas e militares romanas, estava o rex. A restante população estava dividida entre patrícios e plebeus, submetidos a um sistema de 10 cúrias por tribo, três tribos e um rei. As gentes (patrícios) determinavam a organização social, política e militar de Roma, marcando o conteúdo, as normas e as soluções do Direito. Roma, pequena cidade da península itálica, adquiria uma importância crescente no plano demográfico, económico e político. Com uma população de matriz latina, os romanos foram influenciados por Gregos e Etruscos, desenvolvendo uma especificidade típica na solução de conflitos resultantes da complexidade sistemática da realidade. Assim, foi necessário uma criação jurídica com um ambiente aberto, inconformado e inovador, de modo a ser eficaz. Esta realidade romana derrubou velhos princípios e hábitos instalados, surgindo uma crise política, que contesta as formas de decisão e de ius, e uma revolução das mentalidades no processo de julgar e obedecer. Tudo isto provocou um afastamento da cultura e valores etruscos. Enquanto Rómulo e os seus descendentes (Numa Pompílio, Túlio Ostilio e Anco Marzio) tinham respeitado as instituições, assembleias populares e o Senado, os seguintes, de origem etrusca tomaram o poder de forma absoluta e despótica, destruindo as instituições políticas. 1

Direito Romano

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Roma do rex e das gentes – 753 a.C. a 509 a.C. – Fundação de Roma a o Fim da Monarquia

O rex e as gentes são as duas instituições que marcam a criação jurídica primitiva dos romanos neste

período, caracterizando as linhas fundamentais das soluções jurídicas. Nesta etapa da sociedade

romana, no topo da pirâmide hierárquica das estruturas religiosas, políticas e militares romanas,

estava o rex. A restante população estava dividida entre patrícios e plebeus, submetidos a um

sistema de 10 cúrias por tribo, três tribos e um rei. As gentes (patrícios) determinavam a organização

social, política e militar de Roma, marcando o conteúdo, as normas e as soluções do Direito.

Roma, pequena cidade da península itálica, adquiria uma importância crescente no plano

demográfico, económico e político. Com uma população de matriz latina, os romanos foram

influenciados por Gregos e Etruscos, desenvolvendo uma especificidade típica na solução de conflitos

resultantes da complexidade sistemática da realidade. Assim, foi necessário uma criação jurídica com

um ambiente aberto, inconformado e inovador, de modo a ser eficaz.

Esta realidade romana derrubou velhos princípios e hábitos instalados, surgindo uma crise política,

que contesta as formas de decisão e de ius, e uma revolução das mentalidades no processo de julgar

e obedecer. Tudo isto provocou um afastamento da cultura e valores etruscos.

Enquanto Rómulo e os seus descendentes (Numa Pompílio, Túlio Ostilio e Anco Marzio) tinham

respeitado as instituições, assembleias populares e o Senado, os seguintes, de origem etrusca

tomaram o poder de forma absoluta e despótica, destruindo as instituições políticas.

Estrutura Institucional – Rei, Senado, Assembleias – Reforçava poderes do rei e melhorava a

execução das respectivas decisões

O primeiro rei absoluto foi Tarquínio Prisco, com ele a realeza identifica-se com um conjunto de

símbolos exteriores do poder, que afastam o poder político da comunidade, enquanto o elemento

religioso e simbólico substitui o político na legitimação do chefe de Roma. A base religiosa e

“jurídica” fundada no culto da tríade (Júpiter, Juno e Minerva) e na análise das vísceras de animais,

era de origem etrusca, o que demonstra a influência da Etrúria nos últimos três reinados de Roma.

Etrúria – povo que viveu na península itálica, de língua e religião diferente, que ocuparam vários

terrenos, no âmbito da sua expansão, incluindo Roma, de 616 a.C. a 509 a.C., a partir daqui entraram

em decadência e foram absorvidos por povos contíguos, um dos quais, a civilização romana.

Seguidamente, sucedeu Sérvio Túlio que introduziu reformas de reinstitucionalização do poder

político, sem sucesso, devido às restrições impostas pela elite que o apoiava na governação. De

imediato após a morte do anterior, Tarquínio, o Soberbo, restitui o poder despótico absoluto, anula

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as reformas e adopta os valores tirânicos e arbitrários, que levam a uma conspiração palaciana, em

510 a.C., impulsionadas por Bruto e Collatino apoiados pela população romana.

Então, cai a monarquia e inicia-se o período de transição para a República. Verifica-se um longo

processo de instabilidade social e política, com violência e tumultos, que apenas serena aquando da

admissão dos plebeus às magistraturas superiores, como o Consulado (Leges Licinae Sextiae, 367

a.C.)

Durante este período, os grupos familiares e clientelares, dispersos e fracos, agruparam-se às gentes

mais fortes em busca de protecção, estas que maximizavam o seu poder com a junção de novas

terras e mais comunidades. A relação de pertença das gens era exclusiva e tal vínculo protectivo

pessoa-comunidade constituía uma espécie de pré-cidadania.

Na génese da cultura romana, persiste uma presença grega intermediada por agentes etruscos, o

que compõe uma forte cultura de síntese e adaptação das ideias e costumes gregos a Roma.

Os primeiros romanos eram proprietários rurais, patricii, base do exército em caso de guerra,

enquanto a massa popular era conhecida por plebs, estes viviam separados mas numa situação de

dependência dos patrícios. Até à Lex Canuleia (450/455 a.C.), os casamentos entre os dois grupos

eram proibidos. Os patrícios tratavam das suas propriedades com familiares e escravos, enquanto as

parcelas que não conseguiam explorar directamente eram concedidas in precarium aos plebeus, que

se tornavam seus clientes protegidos.

Estabelecia-se a relação de clientela. Os clientes, figura comum às comunidades da época, eram um

grupo subordinado às gentes, composto por indivíduos expulsos, pobres, pequenos proprietários

rurais, estrangeiros, fundamentalmente, pessoas sem hipóteses de subsistência. Estes clientes era a

principal fonte de poder externo das gentes. No plano jurídico, as formas de adquirir a condição de

cliente eram: a deditio (submissão voluntária de um grupo familiar ou político a uma gens), applicatio

(submissão de um estrangeiro à protecção das gens), manumissio (instituto pelo qual um escravo

deixava de o ser)

Não devemos identificar clientes com os plebeus, pois foram grupos com origens e funções sociais e

económicas muito diferentes, basta recordar que nos confrontos entre patrícios e plebeus os clientes

se mantiveram fiéis às suas gentes. A fidelidade da clientela à gens aproximava-a do patronus (chefe

da gens), envolvendo-o num dever de protecção de valor superior. A violação dos laços de protecção

pelo patronus podia levar à aplicação da pena de morte (consencratio capitis), que legitimava os

clientes ao assassínio dos patronus.

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A mudança das condições económicas e sociais em Roma e o reequilíbrio de poderes determinou a

erosão da organização gentílica, a desvalorização institucional das gens que desarticulou a clientela,

contribuindo para a aproximação de clientes e plebeus que levou a uma identificação entre ambos os

grupos que requeriam protecção aos patrícios e se tornaram num só, a plebe.

O sistema de organização da comunidade criou complexos de vínculos de direitos e deveres na vida

económica, política, social e militar de Roma entre patrício e plebeu, ficando registada esta relação

de tutela jurídica assente na protecção e assistência como deveres do patrício e de obediência e

colaboração como deveres do plebeu. Estas ligações vinculativas do chefe aos seus apoiantes

perduraram na via política romana até à queda de Roma na Antiguidade.

Os patrícios ordenados em gentes unidas por cultos comuns (vínculo parental e património comum

indivisível) tinham uma organização primitiva comunitária (também estendida aos plebeus mais

tarde) que foram perdendo com a institucionalização da propriedade privada.

As gentes não foram uma organização pré-estatal, embora se concedesse funções jusrisdicionais,

para-estaduais, a estas organizações

No entanto, existe uma continuidade institucional e onomástica entre gens e magistraturas

republicanas.

No plano militar, por influência grega, foi dada prioridade à infantaria plebeia e secundarizou-se a

intervenção da cavalaria (patrícios), que estabeleceu a ascensão da plebe e a sua superiorização

social, política, religiosa e militar, áreas até então, exclusivas do patriciado.

“A organização militar do exercitus centuriatus permitiu a Roma iniciar a sua expansão submetendo

as gentes latinae e introduzir reformas políticas internas que limitavam o seu papel na península

itálica a apenas uma entre outras cidades. Foi transposto o Pomerium e as gentes quiritárias

adquirem importância. Logo, não se pode deixar de considerar a ampliação do território; as

alterações num exército em mobilização permanente; os problemas novos que eram suscitados

requerendo soluções criativas e inovadoras, como elementos essenciais da necessidade de uma

transformação política”.

A luta dos plebeus pela paridade na ocupação de cargos e pela igualdade no acesso aos recursos,

ganha condições para se efectivar e a luta entre os dois grupos chega a um impasse. A necessidade

de um acordo era óbvia e as cedências em ambas as partes levaram a um decenvirato para governar

a cidade e a busca de um modelo político de organização da comunidade romana, que permitisse

ultrapassar as diferenças sem violência pela acção do jurídico, estudando Sólon, Drácon

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Antes da República, os escravos e os estrangeiros estavam privados de direitos, aliás a Lei das XII

Tábuas, define estrangeiros como inimigo (hostis), só mais tarde com a divulgação de commercium,

passa a ser designada como peregrino.

A estrutura política (tribo, cúria, rei) pouco influenciava a organização comunitária em torno da

família (domus e pater), das gentes e clientes estrutura basilares da civitas Quiritium. A família era a

unidade base da organização social, caracterizava-se pela união sanguínea, ligação de cultos

religiosos específicos e pela sujeição comum a um poder absoluto do pater familias, que garantia a

unidade familiar mesmo depois da morte pelo carácter institucional progressivo dos laços familiares.

O pater familias geria o fundo familiar, administrava as propriedades da família, decidia a admissão e

saída de membros (*) e cuidava dos sacra familiae.

*Adrogatio – sucessão entre vivos em que uma família inteira passava para a potestas de outro

pater;

*Emancipatio – negócio jurídico que permitia ao fillius familiae romper todos os laços de família de

origem adquirindo o estatuto de pessoas autónoma, dotada de plena capacidade de exercício de

direitos. Implicava ser livre, cidadão romano e não estar subordinado ao poder de ninguém.

A pressão plebeia foi enfraquecendo as bases religiosas e políticas em que os Tarquínios baseavam o

seu poder real, até à revolta que derrubou a monarquia. A partir daí, a comunidade governada por

magistrados com a Lei das XII Tábuas regista a parte mais significativa dos mores maiorum, tradições

de uma moralidade comprovada aceite por todos, passando a ter um designante que lhe confere

unidade face ao exterior e coesão interna, Populus Romanus

Características do Ordenamento Jurídico

A principal prioridade era a defesa face aos ataques externos, então a organização política é

determinada pelo factor militar. A defesa de Roma ficaria assegurada por um contingente fixo de

homens treinados, mas a prosperidade económica e a expansão etrusca, levaram a um alargamento

dos critérios de concessão de cidadania e à criação de um exército diferente, maior e mais

organizado, onde a infantaria ganhava destaque. Esta necessidade reflectiu-se no plano político com

as reivindicações de poder decisório por parte da plebe, rompendo com a hegemonia patrícia.

A distribuição de postos, honrarias militares em paz e a partição de espólio capturado, o acesso e a

ascensão política passa a ser definida segundo o critério pro habitum pecuniarum, ou seja, pela

riqueza das pessoas e pelo prestígio das famílias assente no factor económico, que rompe com

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igualdade na partilha. O exército continuou a ser chamado de centuriatus (grupos formados por 100

homens) mas a distribuição dos soldados e dos postos baseava-se no censo, na riqueza das famílias.

A cavalaria (patrícios) estava dividida em 18 centúrias, enquanto a infantaria integrava 170 centúrias

divididas em cinco classes, cada uma com uma centúria de seniores e juniores. Restava um conjunto

de pessoas, proletari, não integravam o regime político nem jurídico, por não terem bens próprios,

estando recenseados como pessoas e não como proprietários (capite censi). Foram organizados em 5

centurias, agregadas às classes existentes.

Foi Sérvio Túlio que reorganizou a comunidade política romana assente na cidadania segundo o

censo, riqueza. Deu origem à reforma serviana, (Séc.VI) um processo lento de reacerto da

organização política efectivado com medidas relativas à propriedade do património móvel que

abrangem todos os grupos sociais (312 a.C., Ápio Cláudio)

Neste período dominado pelo rex e pelas gentes o censo era determinado pela propriedade de

património imobiliário, atingindo proprietários fundiários e fixando a sua pertença a um grupo. Esta

nova organização política aproveitou as velhas estruturas constitucionais, mantendo as centúrias

como unidades territoriais de recrutamento militar e como unidades de voto nos comícios. Devido à

organização de classes por centúrias, a votação mantinha o peso político dos grandes proprietários e

da cavalaria que viam garantida maioria absoluta dos votos.

Por outro lado, Roma mantinha a predominância dos mais velhos na vida política, acreditando que a

sua experiência como Prudentia era fundamental para as decisões colectivas. A igualdade orgânico-

institucional entre seniores e juniores permitia aos mais velhos maior capacidade de garantir a

unidade de voto.

Esta integração de pessoas a partir da riqueza, pela aplicação de critérios complexos exigiu um

aperfeiçoamento de métodos e de estruturas que sustentavam a actividade classificadora do censo,

presidida pelo rex e que foi transferida nos momentos institucionalizadores (443 a.C.) para uma

magistratura, a censura. Tinha a finalidade de tornar mais eficaz o recrutamento militar, a tributação

de impostos, a organização da lista de membros do Senado, excluindo os menos dignos, pois apesar

de não serem detentores de imperium tinha um imenso poder moral, por isso, só eram eleitos

personalidades com grande prestígio e experiência.

Importa agora como a divisão sociopolítica se reflectiu no ordenamento jurídico de Roma.

O Rei não abdicou de nenhum dos seus poderes, apesar do valor político crescente dos comícios

centuriais e da influência das suas deliberações junto do rex. Logo, apesar da ascensão da plebe e da

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sua valoração política, não houve uma revolução normativa mantendo-se o ordenamento jurídico

tradicional, apenas se havia alterado o elemento de diferenciação social que assentava agora no

censo.

Foi esta nova forma de organizar o acesso à decisão política que permitiu preparar a comunidade

para a República, aí com uma remodelação das normas jurídico-organizativas axiomática do

ordenamento romano e assim uma unidade de estruturas jurídico-políticas que não resultassem

numa divisão territorial em torno de dois grupos sociais com interesses conflituantes.

Iniciava-se uma crise na forma gentílica de organização política, pois até aqui o privilégio social e o

domínio político estavam destinados pela pertença às gentes patrícias e agora, à capacidade

económica, riqueza e propriedade.

Os plebeus podiam ascender socialmente e conquistar poder político, bastava enriquecer através de

negócios, o que tornava a actividade mercantil o motor do desenvolvimento comunitário e do poder

político. Assim, Roma crescia economicamente e a mobilidade permitida era causa e efeito da

reordenação da sociedade em paz, através de regras jurídicas de organização política.

A oligarquia patrícia assente na propriedade fundiária tinha de partilhar o poder com os plebeus

prestigiados através da carreira da guerra e do comércio. O ordenamento jurídico contempla essa

mudança, já que este era caracterizado pela índole militar e tinha adquirido uma natureza jurídico-

normativa com os comícios centuriais, enquanto organizações políticas.

Órgãos do Governo Quiritário

O Rex

Titular do imperium (exercício do poder que está no povo), imperium militae para defender

militarmente Roma dos ataques externos, imperium domi para administrar e organizar a cidade. Era

detentor do poder de mediação divina interpretando a vontade dos deuses, da chefia do exército e

de resolução de aspectos da vida colectiva na relação das pessoas com a comunidade, podendo

solucionar litígios entre as pessoas, ou seja, poder de julgar e de exercer a justiça, através da

aplicação das leges regiae.

Leges Regiae era o conjunto de regras ditadas pelo rei, apesar disso não é possível dizer que o rex

tinha um poder normativo próprio, porque acabava por formalizar as máximas consuetudinárias que

se difundiam oralmente e nos rituais religiosos, formando o ius papirianum.

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O poder de mediação do rex entre homens e deuses era fundamental, era a base do seu poder

político. O carácter sagrado da realeza e o poder religioso era tão forte que quando o jurídico-político

se separou do religioso, originando o fim da monarquia, permaneceu o rex sacrorum, figura sem

poderes políticos, militares ou jurisdicionais mas detinha o poder religioso de grande prestígio. Mas

nesta altura, o poder do rei era mais formal e representativo do que material e efectivo, pois, de

facto, existia mais preocupação com a litúrgia e espectacularidade do poder, do que com o poder

efectivo e o seu reconhecimento na comunidade, ou seja, seguindo a linha etrusca, que via o rei

como dotado de poder mágicos.

Processo de escolha do Rei

A escolha do rei não era realizada através de processos políticos normais, de hereditariedade, nem

por aclamação dos soldados. Era escolhido entre os senadores pelos Deuses, que revelavam a sua

opção através de sinais (voo das aves, vísceras animais) ao interrex que era nomeado pelo Senado

para exercer a função provisória durante 5 dias e ficaria encarregado de interpretar os sinais e

informar quem os deuses queriam como rex. O Senado e os comitia curiata aprovavam a escolha (lex

curiata de imperio) e o rei tomava posse do lugar de rex e dos poderes daí advindos, procedendo-se a

uma cerimónia religiosa de aceitação pelos deuses do novo rex, agora dotado de poderes sagrados

supremos e de poder político soberano, superior na relação com a comunidade e com as divindades

No caso de os sinais serem inconclusivos ou de haver discordância na interpretação dos sinais,

escolher-se-ia um novo interrex.

O fundamento do poder político e militar do rex era mágico e religioso, sendo o cargo vitalício. A

dúvida sobre o fundamento religioso do poder de julgar teve efeitos na fundamentação religiosa

irracional do poder político e militar, pois a fundamentação do poder exclusivamente religiosa, não

resistiria numa sociedade que racionalizava os processos de criação jurídica, afastando o sagrado da

resolução de litígios pelo ius.

O instituto interregnum garantia que, na falta do rei, o poder de interpretar a direcção a seguir

regressaria ao Senado, ou seja, um retorno à base em que assenta o poder do rei. Assim, era possível

garantir a continuidade do imperium político que mantinha a comunidade integrada, no entanto,

ainda, não era uma estrutura institucional de organização política que dispensasse a sacralidade do

poder político

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Senatus

Representa o patriciado, a aristocracia romana, constituindo um órgão consultivo do rei, que só este

convocava. Composto inicialmente por 100 senadores, não necessariamente os chefes das gentes,

esta assembleia, foi maximizando o número de membros, atingindo 300 no reinado de Tarquínio

Prisco. Os seus efeitos foram: surgimento de um novo e dinâmico grupo social, as minores gentes,

uma diminuição da autoridade e do prestígio do Senado, social e politicamente, nomeadamente na

sua relação com o rei. Além disso, enfureceu ainda mais a plebe, que apesar do alargamento não se

viam representados no Senado.

A crescente importância de Roma na península, o desenvolvimento do comércio e a teia de relações

por ele originadas, implicaram um reforço da política da aristocracia romana, então aumentou-se o

poder do Senado e acrescentou-se ao interregnum, a possibilidade de ratificar as decisões da plebe,

nos comitia curiata, cobrindo-as ou não com a sua auctoritas (mérito que dá valor aos pareceres).

Resumidamente, as funções do Senado no período monárquico foram: interregnum (garantir a

continuidade dos auspicia), auctoritas (permitir a ratificação das deliberações de outros órgãos), ius

belli et pacis (direito de concluir os tratados internacionais); conselho e auxílio ao rei.

Comitia Curiata (curia - reunião de homens)

Era um órgão que reunia todo o populus de Roma. Os concilia reuniam apenas a plebe romana.

A cidadania estava dividida em três tribos (Ramnes, Tities, Luceres) chefiadas por um tribuno, cada

tribo integrava 10 cúrias, subdivididas em 10 decúrias, chefiadas por um decurião. Cada cúria

fornecia ao exército 100 soldados de infantaria e 10 de cavalaria. Com Sérvio Túlio as três tribos

originárias foram substituídas por nove, seguindo critérios geográficos.

Assim, o sistema político romano inicial tinha uma estrutura piramidal assente em decúrias, cúrias,

tribos e o rei.

A legitimidade das comitia curiata assentava em elementos religiosos e a sua presidência cabia a um

sacerdote, curio maximus. Considera-se pacífica a atribuição de competências legislativas próprias

aos comitia curiata, onde eram votadas as propostas de lei do rei, as propostas do interrex para o

lugar de rex e onde se deliberava o reconhecimento e investidura do novo rex nos poderes de

imperium.

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A composição deste órgão é incerta e por isso, talvez não tivesse uma competência deliberativa

própria, pois estariam presentes clientes e filli familiarum, subjugados à potestas de patres, deste

modo, a falta de autonomia decisória põe em causa a liberdade das assembleias.

Provavelmente, a acção dos comitia curiata passaria por um acto de adesão ou rejeição de uma

proposta de um magistrado, reduzindo a sua competência à aceitação ou não, perante um cenário

de soluções restringidas. Assim, o rex revelava a sua importância em todos os planos na tomada de

decisões e a restante estrutura política e orgânica serviria para auxiliar o rei na tarefa de governar

com poderes concentrados e indivisos.

A lex curiata de imperio fixa a ligação entre rex e populus, correspondendo a uma estrutura de civitas

para legitimar os poderes do rei, a par do Senado.

Os comitia curiata foram importantes na formulação de regras concretizadoras dos mores maiorum

no âmbito das relações intersubjectivas e da disciplina normativa dos negócios. Por exemplo, o

instituto adrogatio permitia que um pater famílias se pudesse sobrepor à aucotritas de outro pater.

Na monarquia, a comunidade estava politicamente organizada com base na família, logo as

alterações sobre a estrutura familiar (no plano interno e institucional) eram discutidas nas

assembleias do populus, que reflectiam a forma familiar de organização comunitária.

No entanto, a estrutura gentílica tradicional assente na família, que garantia a hegemonia dos

patrícios, estava em crise, pois a pressão demográfica por aqueles que chegavam a Roma,

determinava a emergência de uma força social indiferenciada reunida na plebe, atenuando o peso

político do patriciado.

Collegia Sacerdotalia – importante instituição com forte poder de influência sobre as decisões

políticas, embora não possam ser consideradas em órgão de governo quiritário do período

monárquico de Roma. Os colégios sacerdotais mais importantes foram:

Colégio dos Pontífices

Instituição que protegia os interesses das famílias patrícias no confronto com o rex, invocando que

detinham o poder político e religioso que o rei devia respeitar, era um modo de limitar pela religião

os poderes do rei na sua relação com os patrícios.

Os poderes exercidos pelos pontífices eram: fazer sacrifícios rituais, execução de rituais litúrgicos

supremos de Roma (validação de actos e estrutura judiciais, importantes na criação do ius civile),

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desenvolvimento do ius e do faz através da interpretação dos mores maiorum e no exercício da

jurisdição.

O funcionamento do sistema político-sacral que controlava o governo de Roma pela religião era

garantido pelo era garantido pelo mito de dependência do decisor face ao sagrado.

Os pontífices foram adquirindo um saber técnico crescente na técnica de criação de soluções pra

resolver litígios, eram vistos como depositários de uma memória colectiva inscrita nos mores

maiorum, que mantinham pela adaptação permanente da tradição à realidade.

Não havendo uma distinção entre religião (ius sacrum) e Direito (ius humanum), cabia aos pontífices

a interpretação das regras de ius humanum, resultado de garantir a observância do ius sacrum. A

validade jurídica dos actos assentava no cumprimento de formalidades e rituais de natureza sacral

que só podiam ser praticados na presença de um sacerdote. Tornava-se obrigatória a presença e

intervenção em todas as actividades judiciárias, sendo determinante o seu parecer em interpretação

das regras e de sinais.

A assembleia integrava três pontífices, um de cada tribo, e depois cinco e era presidida pelo pontifex

maximus designado como arbitre rerum humanorum et divinarum. Os pontífices, isentos de impostos

e de serviço militar, eram designados para um cargo vitalício por um áugure.

Colégio dos áugures

Os romanos procuravam legitimar na vontade divina a organização social, as decisões sobre a guerra

e a paz e as soluções para os conflitos intersubjectivos. Uma das formas para encontrar a vontade

dos deuses era recorrendo aos auguria (procura de indícios em todo o tipo de acontecimentos) e aos

auspicia (presságios transmitidos pelo voo das aves). Estes dois sistemas são muito parecidos, mas

correspondiam a formas de organização política-sacerdotal diferentes. A legitimidade para

interpretar os deuses através de auguria, cabia aos áugures, através de auspicia cabia ao rei.

O auspicium era um instrumento de exercício do poder do rei que determinava a sua acção, sendo

favoráveis ou desfavoráveis, diziam ao rei quando agir. Logo, os auspiciam regulavam a oportunidade

na efectivação de uma determinada decisão, não o seu conteúdo.

O augurim compreendia a possibilidade de uma decisão que se pretendia tomar ou afastar, logo

permita impedir que certas decisões nefastas fossem cumpridas, ou seja, o seu objecto era sempre

mais amplo e abrangente. Era mais completo que o auspicium, pois a maior preocupação era

densificar as condições para o melhor exercício da acção humana, secundarizando, a vontade divina

na acção ou omissão concreta pouco abrangente.

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Transição: monarquia/república (509 a.C. a 367 a.C.)

Generalidades sobre a designação deste período

Os romanos expulsaram Tarquínio o Soberbo e os seus filhos, passando a ser governados por dois

chefes por ano: pretores e cônsules, enquanto o poder vitalício e monocrático deixaram de ser

admitidos pelos romanos.

A anualidade instituía a regra de responsabilidade daquele que exercia o cargo. Cessadas as funções

respondia pelo que tinha feito no exercício do seu cargo. A dualidade de pessoas estabelecia uma

regra que limitava a possibilidade de abuso de poder no exercício de cargos supremos.

Em caso da monarquia permanecer, os magistrados deveriam ser denominados de delegados do

poder do rei, não magistrados, pois esta designação pressupõe a sua independência como maestas e

como imperium, assim sendo, o poder da magistratura era exercido no próprio nome e por mandato.

Em 504 a.C. o expansionismo estrusco sofre um revés com a derrota frente aos gregos, com efeitos

na economia romana, pois a derrota limitou a possibilidade de comércio, nas mão dos plebeus, e

determinou o regresso a uma economia de base agrícola com o retorno a uma estrutura de poder

assente na propriedade fundiária, situação ansiada pelos patrícios e indesejada pelos plebeus que

não almejavam regressar à condição de trabalhadores subordinados.

As consequências desta situação foram: aumento da tensão social com os plebeus numa situação de

revolta e o governo de magistrados, embrião do período republicano, é obrigado a uma guerra de

expansão para conquistar terras. Até aqui Roma beneficiava da hegemonia etrusca e vivia em paz,

mas o enfraquecimento da Etrúria coloca Roma em colisão com outros povos, deixando de estar

resguardada pelos etruscos e destacando a necessidade de defesa, pois aumenta a insegurança e a

instabilidade, voltando o poder militar a ser determinante para a política.

A vitória dos romanos sobre os latinos (497/496 a.C.) leva à celebração de um tratado de submissão

conhecido como foedus Cassianum, que fixa regras de boa vizinhança e aliança militar, enquanto

com os outros povos hostis conseguem um foedus aequem, ou seja, igualdade entre as partes que

garante a paz. Estava, então, garantida a estabilidade da fronteira, virando as atenções para os

etruscos, com quem a paz, mesmo depois de 474 a.C., foi sempre precária. A derrota frente aos

gauleses levou a mais insegurança, encorajando latinos e etruscos a atacarem Roma de novo.

A necessidade de mobilização constante do exército e o papel indispensável da plebe na defesa

militar de Roma obrigaram a rever o retorno às estruturas ancestrais, permitindo aos plebeus um

modo de vida digno e um alívio das tensões internas. O poder militar dos plebeus, possibilitado pela

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guerra, atenuou a vingança patrícia e determinou a manutenção da emergência de estruturas

republicanas.

A formação da estrutura da república foi moldada no conflito entre plebeus e patrícios aberto em

494 a.C. A plebe precisava de elementos uniformizadores que unissem o grupo contra o patriciado

romano e o caminho foi o exercício colectivo de cultos religiosos.

A luta era pela igualdade política e pela paridade face ao Direito. Os plebeus tinham liberdade e

cidadania na civitas romana, mas estão privados de poderes (auguria, connubium, do ager publicus,

acesso às magistraturas, direitos à liberdade cívica) e são considerados inferiores.

Podemos indicar como motivos principais da revolta da plebe, a luta pela aequatio iuris, de forma a

participarem plenamente na vida política da civitas e na vida social de Roma.

Logo, eram elementos fundamentais da coesão identitária de Roma: a abolição da proibição de

casamentos entre patrícios e plebeus (que excluía filhos nascidos de patrícios e plebeus de

ascenderem às gens, pois a base gentílica eliminava qualquer possibilidade de integrar um plebeu), a

igualdade judiciária, equiparação no acesso a cargos de Estado, prerrogativas inerentes à liberdade

cívica, fim das restrições à aquisição de terra, abolição do vinculum pessoal do nexum (colocava o

credor com poderes ilimitados sobre o devedor, incluindo a sua venda como escravo ou a sua

morte).

Limitação ao arbítrio do julgador: a Lei das XII Tábuas

Uma das bandeiras dos plebeus era a limitação do arbítrio dos julgadores, do rex, sacerdotes e das

supremas magistraturas da república, derivava da resolução de conflitos com base em regras

consuetudinárias não escritas, oralmente interpretadas, de forma parcial, pela aristocracia patrícia. A

única forma de vincular o julgador à aplicação de um conjunto de normas escritas igualmente

aplicadas a patrícios e plebeus.

A luta dos plebeus pela aprovação de um corpus de leis a vigorar para os dois grupos sociais só

terminou em 451 a.C., foram suspensas todas as magistraturas ordinárias e foi investido um colégio

de 10 patrícios (decenvirato) para iniciar a redação das leis. Publicam-se as leis decenvirais, que não

tiveram impacto no ius romanum, no sentido que, se limitavam a redigir normas tradicionais de

mores maiorum consensualizadas na comunidade, embora tenha tido grande simbolismo pois

quebraram a barreira de silêncio do processo decisório judiciário.

A partir de 450 a.C., o facto das leis decenvirais, que se aplicavam na resolução dos casos, estarem

definidas em texto oficial, significaria maior segurança das partes e maior estabilidade normativa e

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Page 13: Direito Romano

interpretativa, permitindo conhecer os fundamentos e criticar as decisões. Não se tratava de

conceder a certeza do direito e a garantia de justiça aos mais fracos, mas era um início.

Em 449 a.C., é destituído o II Decenvirato e retomam-se as magistraturas ordinárias numa tentativa

de normalização institucional da vida política em Roma. Existe alguma dificuldade em demitir um dos

membros que se recusa a abandonar o cargo e com uma nova revolta foi possível nomear dois novos

cônsules. Estes publicam a Lei das XII Tábuas e as Leges Valerie Horatie, com disposições favoráveis

aos plebeus: concessão de força vinculativa às deliberações das assembleias populares para todo o

populus, veto da criação de nove novas magistraturas não submetidas à provocatio ad populum e é

reconhecido o carácter de sacertas às magistraturas plebeias com direito de inviolabilidade dos

tribunos.

Impedir qualquer tentativa de reinstaurar a monarquia: provocatio ad populum

A luta por uma separação absoluta entre funções religiosas e os cargos públicos ligados às funções

políticas e militares, concentrados na pessoa do rei, foi uma das marcas do período de transição. Por

isso, o poder de mediação entre deuses e homens que permitia ao rei exercer funções sacerdotais,

políticas e militares, passou para o rex sacrorum e depois para o pontifex maximus. O imperium, que

permitia ao rei o uso legítimo da força em defesa da comunidade passou para os magistrados.

Apesar das características anuais, electivas e duais das magistraturas era necessário garantir que a

aplicação das mais graves medidas repressivas não ficasse no arbítrio dos patrícios que as exerciam,

então foi criada uma contramagistratura: tribuno da plebe, assente na deliberação popular:

provocatio ad populum

Este instituto criado pela lex Valeria de provocatione (509 a.C.) permitia a um cidadão condenado à

morte por um magistrado com imperium, recorrer da decisão e evitar a condenação pedindo a

instauração de um processo nos comitia.

O processo tinha duas fases: o inquérito feito pelo magistrado para apurar a existência de um crime,

a resposta da assembleia (rogatio) através da deliberação pronunciava-se sobre a pena a atribuir.

Esta forma de instituir uma instância de recurso nas penas mais graves (provocatia ad populum),

aplicadas no exercício do imperium revela como este período coloca as base da criação do jurídico

em Roma, possibilitando a justiça pelo ius inscrito nas leges.

Transferido, inicialmente, para os comitia curiata e depois comitia centuriata (séc.V a.C.) em

cumprimento do princípio da Lei das XII Tábuas, nas penas capitais a sorte do cidadão condenado

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Page 14: Direito Romano

tinha de ser decidida perante a assembleia centurial. Só no período do Principado o exercício do ius

provocationis passa a ser analisado pelos funcionários do prínceps.

Aceita-se que a lex de provocatione era uma lex imperfecta, pois não previa penas para quem

violasse a lex, o efeito era a possibilidade do exercício do ius provocationis não passar de uma mera

garantia formal sem qualquer efectividade.

Abrir as magistraturas aos plebeus: os tribunos militum consulari potestat

Com a abolição do dever de casa dentro do grupo e a legitimação dos casamentos entre patrícios e

plebeus, iniciou-se um caminho de integração social, política e jurídica apenas no plano

constitucional, não social.

Até aqui o imperium estava ligado à capacidade de auspicium, como dispunha o ordenamento

gentílico, só que com a entrada dos plebeus na vida familiar dos patrícios e a sua participação nos

sacra, dada a centralidade da família na organização política e no exercício de direitos inerentes, é

possível a abertura dos auspicia aos plebeus.

Por outro lado, a cidade foi governada entre 444 e 367 a.C. por cônsules e por tribuni militum, em

alternância, que resultava da abertura de cargos políticos a plebeus. Os tribuni militum, colégio de

comandantes militares que integrava plebeus, logo era uma magistratura com acesso aberto à plebe.

A origem desta abertura está nas exigências de defesa militar que o Senado tinha de valorizar

relativamente à eleição de cônsules e tribunos. O Senado não cederia privilégios patrícios mesmo

que as condições bélicas impusessem a abertura das magistraturas, então foi preciso que a

componente militar plebeia fixasse a sua imponência nos cargos supremos.

A estabilidade da solução híbrida está reflectida quando se verifica a eleição de tribunos plebeus,

comandantes militares em tempos de paz e cônsules patrícios em período de guerra. Nesta época, a

participação de plebeus nas magistraturas supremas tem uma relevância constitucional muito

importante, pela forma como influenciou o conteúdo do ius romanum.

Este é um dos traços característicos deste período, soluções pragmáticas que determinam que as

oscilações constitucionais estáveis serem eficazes imutáveis sem abalar as traves estruturantes do

sistema republicano, que se ia impondo.

O Senado usou o tribunus militum para abri portas a soluções que carecessem da força da plebe. A

atribuição do imperium consulare ao chefe militar que podia ser um plebeu tinha a vantagem de

juntar podemos supremos da política e guerra, permitia em acaso de conflito militar afastar um dos

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Page 15: Direito Romano

factores de divisão entre patrícios e plebeus: o Cônsul, que por isso era substituído pela tribunus

militum.

Este sistema aumentava a ligação entre decisão política e a acção militar, entre decisores e

executantes e o perigo não era grande para os patrícios já que os tribuni militum não tinham

auspicium, não podendo exercer a dictatorem dicere. O Senado era o arbítrio possível dos conflitos e

o garante da continuidade político de exercício institucional do poder efectivo de Roma.

A crise constitucional provocada pelo conflito permanente entre patrícios e plebeus requeria dos

senadores o conhecimento das situações e um sentido de oportunidade na escolha dos magistrados

mais capazes. Baseado neste pressuposto a actividade do Senado, a escolha do tribunus militum

requeria a opinião da assembleia centurial, quanto às capacidades militares e políticas, já que iria

exercer um poder idêntico ao do cônsul, só não exerceria os poderes que resultassem da titularidade

do auspicium (nomear o ditador, nomear um colega), não receber da honra do triunfo, nem ocupar

lugar de cônsul. A figura do tribunus militum consular potestate é uma das primeiras a que se aplicou

o princípio da colegialidade, que demonstra a desconfiança em relação à participação dos plebeus na

magistratura.

Paridade Jurídico-política entre patrícios e plebeus

A atribuição do exercício do consulado aos plebeus foi formalizada sob a forma de lex, uma

deliberação das assembleias populares, ou sob forma de plebiscitum. Em 367 a.C. as leges Licinae

Sextiae, confirmam esta referência.

Estas medidas legislativas têm um significado mítico no culminar do período de transição da

monarquia para a república pois formalizam-se as reivindicações históricas dos plebeus quanto à

paridade que consideravam necessária para se sentirem romanos. Pela lex licinia de aere alieno, pela

lex licinia de modum agrorum (resdistribuição da terra), pela lex licinia de consule plebeio (ascensão

plebeia ao consulado, um dos lugares entregue a um plebeu).

Só a partir de 320 a.C. esta norma passou a ser cumprida e determinou uma evolução significativa na

participação política dos plebeus, em 172 a.C. passam a poder existir dois cônsules plebeus. Outras

leis concederam privilégios aos plebeus: aumentar o número de responsáveis dos livros sibilinos.

O resultado destas reformas é de terem instituído o consulado como magistratura em que é exercido

o poder supremo do Estado e que ela não está reservada apenas aos patrícios mas também plebeus.

Concluímos que um conjunto de medidas pontuais redundou numa profunda reforma constitucional.

Em resumo, a abertura das magistraturas aos plebeus introduziu a possibilidade de uma reforma

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Page 16: Direito Romano

social necessária para o fortalecimento de Roma como potência na Antiguidade, mas sobretudo

supunha uma profunda reforma de mentalidades com efeitos na estrutura jurídica de organização do

acesso ao poder e do seu exercício, bem como, do processo de criação e de aplicação das regras

jurídicas

Linha cronológica de direitos conquistados pelos plebeus – pág.198/199

O Populus Romanus e a res publica – 367 a.C. a 27 a.C.

A res publica era o património do populus, que passou a ser usada com uma feição política mais vasta

que cobria a organização constitucional dispersa e mais tarde, foi usada com objectivos de

contraposição jurídico-política ao poder exercido pelo prínceps. Pretendia impedir aproveitamentos

políticos e compor um governo pelo Populus para legitimar projectos político-ideológicos.

A seguir às leis Liciniae Sextiae, dividiu-se e hierarquizou-se as magistraturas no âmbito de uma

organização constitucional com um sistema de regras e princípios que garantissem a estabilidade e

continuidade do modelo político-institucional, legitimado pelo Direito.

As características do regime que vigorava eram: poder político exercido em nome da comunidade e

entregue aos magistrados detentores de imperium; o Senado ficava dotado de auctoritas e tornava-

se um órgão consultivo ao qual os magistrados recorriam, garantiam a continuidade institucional do

poder público em caso de crise; o Populus (maestas) passa a ter uma organização institucionalizada

que expressa as suas posições através das deliberações das suas assembleias.

Apesar do complicado equilíbrio, a tendência institucional e aberta da organização do poder político,

dotado de mecanismos para a resolução de litígios e formas constitucionais de reduzir tensões

políticas e sociais, permitiu que a República fosse o modelo de governo mais duradouro de Roma.

Cidadãos do Populus

A designação dos cidadãos romanos é quirites ou cives, que significava romano integrado no

ordenamento centurial (o exército estava organizado em centúrias, cuja distribuição de homens

baseava-se no censo). Podia ser cidadão quem:

Nascesse em Roma de pais romanos ou de pai romano e mãe estrangeira (desde que tivesse

adquirido o direito de casar com um cidadão romano, unidos por matrimónio);

Nascesse de mãe romana mesmo fora de um casamento válido;

Tivesse a autorização de um magistrado para tal;

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Page 17: Direito Romano

A quem tivesse sido concedida a cidadania pela comunidade;

Mais tarde, a quem fosse libertado da escravatura;

Para os latinos num curto espaço de tempo, fixar domicílio em Roma.

Desde cedo em Roma, a aquisição de cidadania e dos direitos e dos deveres inerentes era uma

questão jurídica, que abria a cidade ao exterior e a um elevado número de pessoas que podiam

adquirir o estatuto de cidadão independentemente da sua origem geográfica, étnica…

Este é um dos traços mais relevantes da cultura jurídica romano-latina que se estendeu ao Mundo,

numa pedagogia pelo Direito contra a exclusão dos estrangeiros.

O cidadão romano participava na vida da cidade através de: escolha dos magistrados e da votação

das propostas de lei apresentadas pelos magistrados; serviço público para a comunidade (munus),

servia nas legiões, contribuía com um tributum (em caso de dificuldade financeira). Com a res publica

desenvolvida e com a necessidade de integração sucessiva dos territórios militarmente ocupados

surgiu a categoria de cidadãos limitados (civitas sine suffragio). No entanto, existe dúvida se todos os

cidadãos tinham possibilidade de eleger e ser eleito para uma magistratura, mas aparentemente, só

os cidadãos só podiam aceder ao cursus honorum por razões de índole familiar, de classe ou riqueza.

Por isso, limitação política e mediatização institucional das decisões colectivas, houve um

desvirtuamento progressivo do ius auxilii e da provocatio concedida ao tribuno da plebe na

sequência da luta entre patrícios e plebeus que está na génese do regime, caracterizado pelas

magistraturas e pelas leis votadas na assembleia.

No plano da participação cívica, as estruturas sociopolíticas da República são condicionadas pelo

predomínio aristocrático ligado aos patrícios, que se sobrepunha à igualdade entre cidadãos. Só a

reivindicação plebeia de ligação libertas-igualdade por pertença à mesma comunidade política,

socializa a participação política, mas a tradição mantem os privilégios.

Assembleias do Populus

As assembleias tornam-se o elemento central de todo o ordenamento constitucional da república. Os

comitia reuniam todos os cives, os concilia todos os plebeus. As principais assembleias foram: os

comitia curiata, os comitia centuriata, os comitia tributa e os concilia plebis.

Comitia Curiata (todo o povo em assembleia)

Neste período o Populus, conjunto de cidadãos, exercia o seu poder reunido em assembleias

designadas por comitia. Decidia a guerra e a paz, a escolha das magistraturas, feitura das leis,

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Page 18: Direito Romano

reunindo-se de forma separada, consoante os grupos politicamente relevantes. Os cidadãos estavam

organizados em cúrias, centúrias e tribos para exercerem os seus direitos políticos: votarem as leis

propostas dos magistrados em assembleias por eles convocadas, mediatizada através de instituições.

As assembleias mais antigas eram os comitia curiata (desde os Tarquínios), cuja principal função era

eleger o rei (cargo vitalício) e os 100 membros do Senado (patres). Estas tinham poderes militares e

integravam uma maioria significativa de patrícios e plebeus, reflectindo a organização do exército

romano.

As cúrias tinham 30 membros e reuniam grupos de 10 (tribos), mantendo o pendor militar,

representavam toda a comunidade, sendo que cada uma das tribos era um grupo de cavalaria do

qual dependia um grupo de infantaria, centuriae.

Depois de Tarquínio e com a consolidação das magistraturas, os comitia curiata, presididos pelo

pontifex maximus, tinham a sua importância circunscrita ao direito sacro. A participação do pontifex

maximus, no âmbito da repetição de actos solenes para investiduras em cargos ou funções, a partir

de formalidade exigida pelo ius da república no plano político, consubstanciava uma conexão

jurídico-sacral.

A solenidade da investidura dos magistrados eleitos nos comitia curiata com ligação às competências

de inauguratio do rei, mostra que a separação entre o sagrado e profano na criação de soluções

jurídicas na república, que, todavia não abalou a relevância sacral nas tomadas de posse de cargos

públicos com imperium. Enquanto os comitia curiata tratariam da questões de dimensão sagrada, os

comitia centuriata tratariam das decisões políticas, já que eram a estrutura base do exército hoplita,

isto é, a infantaria de matriz plebeia, que se reunia em assembleia para tratar de questões políticas

(guerra e paz).

Com a separação entre política e religião os comitia curiata ficam reduzidos ao cumprimento de um

conjunto de actos solenes sacrais, onde se inclui a cerimónia de confirmação de confirmação no

imperium dos magistrados maiores (excepto censores), fundamentada na lex curiata de imperio.

Com a República inicia-se a decadência dos comitia curiata.

Comitia Centuriata

Importada do período anterior, os comitia centuriata são uma expressão de poder crescente da

plebe após a valorização da infantaria, tornando-se determinantes nas batalhas. Foi neste momento

que o poder das centúrias passou de ter competências estritamente militares, para competências

políticas, sobretudo de natureza financeira e fiscal.

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Page 19: Direito Romano

Cada cidadão votava na respectiva centúria, o voto determinava a maioria simples e aquela centúria

vinculava-se à totalidade das centúrias, assim obtinha-se por maioria o resultado final dos comitia

centuriata. A metodologia das votações de complexa aritmética política tinha como fim garantir a

supremacia dos patrícios.

Os comitia centuriata foram as mais importantes assembleias populares da república, sendo

convocadas por um magistrado seguindo uma rigorosa formalidade, tiveram como grande

competência aprovar as declarações de guerra (devido à sua origem militar).

Com a progressiva afirmação da sua força política, estabilizaram-se como suas competências: poder

de eleger cônsules, pretores, ditadores e censores, confirmar os censores, aprovar leis propostas

pelos magistrados, formalizar declarações de guerra e tratados de paz e dar veredictos sobre a vida

ou morte dos acusados

Comitia Tributa

Os comitia tributa surgiram após a queda da monarquia e sempre tiveram poderes de natureza civil.

A base de organização é territorial, ou seja, os participantes pertencem a uma mesma circunscrição

administrativa do território de Roma, designada por tribus. Logo, os comitia tributa são assembleias

deliberativas de todos os cidadãos organizados por tribos, convocadas e presididas por um

magistrado maior, em que o voto era individual e expresso.

No fim do séc. V a.C. existiam 20 tribos em Roma, mas com um território estendido a toda a Itália e

um número de 35 tribos, o sistema eleitoral tornou-se complexo e desvirtuado pela necessidade de

agregar pessoas e comunidades às tribos, determinando uma extinção da matriz territorial a favor de

uma estruturação pessoal da participação eleitoral dos cidadãos nas assembleias.

As competências dos comitia tributa eram: votação das leis sobre assuntos de menor relevância

(leges tributa), eleição de magistrados menores e dos tribuni militum, atribuição religiosas residuais,

fixação de penas pecuniárias para as infracções detectadas. Os comitia tributa votavam deliberações

por maioria da tribo e não dos cidadãos com direito de voto, favorecendo os equilíbrios políticos

desejados entre as tribos urbanos e as restantes.

Concilia Plebis (reuniões da plebe)

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Page 20: Direito Romano

Eram assembleias que com a lex hortensia de 287 a.C. instituíram definitivamente a equiparação

entre patrícios e plebeus, passaram a ter competências legislativas, votação de uma série de medidas

que introduziram reformas profundas no ius civiles.

Convocados pelos magistrados plebeus (tribuno da plebe e edil), sem necessidade de tomarem os

auspicia, as suas competências eram: eleger magistrados plebeus, votarem os plebiscitos, exercerem

o iudicium para os crimes puníveis com multa. Em virtude da relação entre lex e plebiscito, as fontes

confundem concilia plebis com comitia tributa, distintas na sua composição e nos magistrados que as

convocavam (magistrados plebeus, não magistrados patrícios).

A base territorial do sistema eleitoral para as assembleias do populus e da organização política

obriga-nos a observar a relação entre aquisição de território pela população e a apropriação deles

por privados, na sequência de uma ligação jurídica entre propriedade e maiestas.

Populus Romanus: território e propriedade

A aquisição estável de territórios era um das principais aspirações das guerras itálicas decididas nas

assembleias romanas, que implicava a legitimação jurídica dos confiscos e das expropriações de

terras e a respectiva ocupação romana. No âmbito da organização política de base territorial, a res

agraria permitiu a disciplina normativa de um dos fundamentos do Estado Romano.

A política agrária estava ligada às políticas de concessão de cidadania (participação política), às

políticas coloniais e estas à política externa, por isso a populus romana enfrentava vários problemas:

luta entre privados pela propriedade dos solos susceptíveis de apropriação, problema de constituição

de um ager privatus, discussão sobre o povoamento dos territórios, limitação pelo Estado, do direito

de propriedade ilimitável face aos ius quiritum. Além disto, a cláusula de inalienabilidade imposta nos

contractos de concessão de terras destinada a fixar novos proprietários às terras foi pouco

respeitada.

O ager romanus, definido como território do populus, tornou-se insusceptível de apropriação privada

e domínio público do Estado, que o distribuía por romanos proprietários e camponeses sem terra. A

propriedade privada nos terrenos públicos era sempre precária, tendo em conta que o proprietário

era o Estado e possuía sempre o título original e o título era sempre revogável. A distribuição da terra

era feita a título oneroso ou gratuito (mas o Estado conservava o direito à propriedade), ou como

cedência pela prestação de serviços.

O critério de integração territorial (anexação ou semi-anexação) seguia factores geográficos ligados à

estratégia defensiva: os mais próximos eram romanos e ficavam integrados no ager romanus; os

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Page 21: Direito Romano

outros habitantes eram romanos mas face ao direito civil, não ao público (civitas sine suffragio), de

protecção à cidade.

A disciplina legal implicava uma vontade política de qualificar juridicamente esses terrenos como

território romano, de modo, a legitimar uma intervenção legislativa dos seus órgãos de governo em:

retirar o direito de propriedade dos titulares anteriores, prescrição da posse adquirida por privados,

ao abrigo de um direito baseado na força.

A reforma gracana (lex sempronia, 133 a.C.) disciplinava o acesso de privados ao ager publicus,

definia novas regras jurídicas de posse do solo público, cadastração, acesso da plebe, novos axiomas

normativos adaptados à conquista de efectivação do poder político de um Estado territorial em

crescimento. Logo, as soluções concretas partiram de adoptar o ager romanus.

O Estado firmou-se como proprietário particular e não titular de maeistas nos territórios habitados

inexplorados e aproveitados, terrenos desabitados, nos baldios limítrofes. Com as guerras externas

confiscou uma parte das terras dos povos vencidos, o que era utilizado como pena mas sempre com

motivações políticas, colocando como hipótese o binómio propriedade-soberania.

Para evitar o povoamento total das terras, Roma devolvia de imediato com a eliminação dos efeitos

jurídicos declarados através de amnistia, que também se passou com o confisco de terras de algumas

cidades itálicas.

O confisco de terras conquistadas não era apenas uma consequência da rebelião dos aliados contra

Roma, mas uma imposição política e uma afirmação de soberania, sobre a forma de foedus desigual,

ou seja era a legitimidade jurídica e pública adquirida no plano externo que permitia a disciplina

normativa por legislação interna.

Magistraturas de Populus

As magistraturas republicanas incidindo sobre os poderes políticos, militares e judiciais não se

estendem ao poder religioso, pois este permaneceu como exclusivo da intervenção sacerdotal. Só

com a lex Ogulnia, 300 a.C., em que plebeus propõem a sua participação sacerdotal é que o colégio

dos pontífices e dos áugures á aberto a participação plebeia.

Nascidas da crise do governo quiritário e desenvolvidas em períodos de instabilidade, as

magistraturas foram reguladas com maior pormenor, a partir dos seguintes pressupostos: dois

titulares para cada cargo, absoluta paridade no grau e função, permitindo um efectivo controlo

recíproco; subordinação das magistraturas maiores às menores, separação entre elas com garantia

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Page 22: Direito Romano

de harmonização sistémica e responsabilização dos titulares através de órgãos constitucionais

colegiais.

A estabilização constitucional pelas magistraturas operou-se quando a sua continuidade abandonou

o princípio da cooptação (magistrado cria o magistrado) para um sistema de eleição pelas

assembleias populares, o que transferia a possibilidade de êxito deste sistema para as qualidades do

candidato. Por isso foram fixadas condições rígidas para a candidatura:

Ius suffragii, candidatos podiam ser submetidos à votação do eleitorado activo;

Ingenuidade, não ser escravo liberto, nem filho de liberto, pertencer ao grupo a que a

magistratura estava reservada (patrício/plebeu), não ser acusado de infâmia, ter idade

superior a 28 anos.

A preocupação de evitar a tirania no exercício das magistraturas ordinárias, titulares de imperium,

integradas no cursus honorum (questor, edil, pretor, cônsul, censor, só se podia exercer o cargo

seguintes depois de um ano no anterior) levou: fixação de limites de temporalidade (um ano),

pluralidade de magistraturas (poder absoluto dividido em várias com funções diferentes),

colegialidade e da par potestas entre magistrados (havia mais de um magistrado, cada um com

imperium absoluto, em que o outro tinha poder de veto), ainda foi criado um conjunto de regras

constitucionais que controlavam o exercício do cargo e tinha uma finalidade preventiva: o

magistrado no fim do mandato tinha de prestar contas do seu uso dos poderes e era responsável

pelas infracções eventuais cometidas, estava impossibilitado de acumular cargos ou de repeti-los.

As magistraturas maiores tinham imperium e potestas e as menores apenas potestas. As ordinárias

podiam ser permanentes ou não permanentes, enquanto as extraordinárias eram sempre não

permanentes e tinham poderes de intercessio sobre os magistrados ordinários.

Na organização constitucional da civitas os magistrados ordinários, constituíam elementos

estabilizadores do regime, por sua vez, os extraordinários eram eleitos para enfrentar circunstâncias

extremas imprevistas e os poderes concedidos duravam o tempo da ameaça.

As magistraturas ordinárias maiores eram o consulado e a pretura, cujos titulares eram eleitos todos

os anos nos comícios centuriais. O imperium do pretor estava subordinado aos cônsules que podiam

vetar as suas decisões e por isso, pretor era colega minor do cônsul (praetor maximus).

Entre as magistraturas maiores com imperium existia a ditadura de carácter extraordinário e

excepcional, nomeado por um cônsul com um mandato de seis meses para situações de emergência,

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Page 23: Direito Romano

sendo criada por momentos institium, períodos de suspensão da normalidade legal e da aplicação

normal da justiça.

Os tribuno militum e os triunviri agris dândi, tinham vários poderes: supremo comando militar e

coercitivo, direito de convocar e presidir órgãos colegiais: senado e assembleias, praticar actos

coercivos para impor obediência, direito de emanar os seus edicta, possibilidade de assumir os

auspícios maiores.

As magistraturas maiores sem imperium mas com auspicia era a censura, cujo titular era eleito nos

comícios centuriais para um mandato de 18 meses. Os magistrados menores sem imperium mas com

potestas eram: edil plebeu eleito nos concilia plebis, o edil curul e os questores eleitos nos comitia

tributa. A edilidade iniciou-se para ajudar tribunos e ficou com a responsabilidade dos arquivos e

gestão do tesouro.

Com a República a edilidade ergue-se como magistratura que estende a sua jurisdição de polícia a

toda a cidade, passou a superintender a actividade dos mercados e o controlo dos cereais, organizar

festas e espectáculos públicos, importantes na propaganda política.

Os questores administravam o erário do populus, promoviam a supervisão das receitas fiscais e a

distribuição de fundos e receitas necessárias para as despesas decididas pelos cônsules respeitantes

das directivas do Senado. Até às Questionae perpetuae, eram eles quem faziam a instrução e

acusação de crimes punidos com pena de morte. Estes magistrados, excepto o edil plebeu, tinham os

ius edicendia e os auspícios menores, poderes coercivos menores (multas e penhoras). Dotados de

potestas, os magistrados menores tinham os seguintes poderes: ius edicendi, ius agendi cum populo

e cum plebe, ius agendi cum patribus, contando com magistrados auxiliares, que combatiam a

criminalidade e a delinquência, tratavam dos presos e da justiça em zonas sem órgãos jurisdicionais.

O tribuno da plebe era uma magistratura especial que tinham em vista os interesses da plebe, com

imunidade absoluta e direito de oposição às decisões dos restantes magistrados. Foram eleitos pelos

comitia tributa e depois pelos concilia plebis. O tribunato da plebe constituiu uma nova aristocracia

política com grande poder proveniente da intercessio na justiça, acção juridicamente legitima de

proibir um acto de imperium de outro magistrado. Acabou por conquistar uma potestas coercendi

(aplicação de multas e apreensão de bens) que passou a ser um poder próprio sem qualquer

controlo.

No séc. III a.C. integram o ius senatus habendi, direito de convocar e presidir ao Senado, bem como o

agere cum plebe, estabelecer com os concila plebis uma relação para a tomada de decisões políticas

e normativas (plebsicita).

23

Page 24: Direito Romano

Devido aos imensos poderes dos magistrados, imperium e potestas, a preocupação constitucional foi

limitar os abusos e o seu arbítrio, delimitando o seu raio da acção e os meios de actuação específicos

e as formas de controlo.

A dispersão do imperium que estava concentrado no rei foi conseguida através das magistraturas e o

seu exercício limitado numa teia de vínculos e dependências. O imperium era forte e correspondia ao

que o rei exercia no comando do exército centurial, sendo disperso por ditadores, cônsules e

pretores.

A potestas corresponde a um poder mais limitado que o magistrado exercia no âmbito das suas

competências.

O império consular corresponde ao do rei (suprema potestas e imperium maius) mas limitado, estava

sujeito à anualidade do cargo, colegialidade (dois cônsules, total autonomia e plenos poderes),

divisão de poderes com as outras magistraturas, provocatio ad populum, o que permitia acusar,

julgar, e executar as sentenças liberto de qualquer vínculo. Além das prerrogativas do imperium

domi, ius agendi cum populo (convocar assembleias populares) e ius agendi cum patribus (iniciativa

legislativa, apresentação de propostas de lei), o cônsul exercia competências residuais que não

cabiam aos outros magistrados.

Desde a coercitio para pena de morte atá às sanções mais insignificantes, os censores e pretores

necessitavam da ordem do cônsul. Além disto detinham poderes administrativos na administração

do erário, do património público e imposição da ordem pública.

A pretor era um magistrado maior, mas minor face ao cônsul, nomeado nos comícios centuriais a que

o cônsul presidia, encarregava-se de aplicar a justiça e substituir o cônsul quando este não podia,

convocava comícios para a eleição de magistrados menores e apresentva propostas de lei para

aprovação nos comícios. Era uma magistratura monocrática, ordinária, permanente, inicialmente

unitária (242 a.C., juntou-se o pretor peregrino ao pretor urbano, não constituindo um colégio). Com

o aumento de território e funções o número de pretores vai crescendo (de 6 passou para 8).

A censura era uma magistratura ordinária não permanente, seguia-se ao consulado e era investida

de uma lex potesta censoria, ocupada de início por patrícios, passou a ser obrigatório a inclusão de

um plebeu. O registo do património era feito a partir de declarações prestadas pelos patres, sendo o

juízo do censor livre e discricionário na recusa de inscrição, mudança de registos, exclusões e

inclusões. A importância política da censura reforça-se com a função de nomeação dos senadores

(312 a.C.)

24

Page 25: Direito Romano

A ditadura era uma magistratura extraordinária. O Senado, perante uma situação de perigo, definia o

perfil adequado do cidadão que devia exercer o cargo e o cônsul escolhia o ditador (6 meses). Era

nomeado um dictator optimo iure com plenos e indefinidos poderes ou um dictator imminuto iure

com poderes específicos em matérias sacrais mas com grande relevância política. A similitude com o

poder régio fazia temer um regresso à tirania, apesar da limitação temporal e da finalidade

específica.

Até 300 a.C. a coercitio do ditador não estava sujeito nem à intercessio tribunícia nem à provocatio

ad populum, o Senado não exercia qualquer controlo político sobre ele e no fim do mandato não

tinha de responder pelas suas acções e pelos gastos na defesa militar.

Os riscos da tirania desta magistratura devido à suspensão de garantias constitucionais, levaram os

romanos a procurar outras formas de conseguir o mesmo efeito (senatosconsultum ultimum. No

âmbito da ditadura surgia outra magistraturas, magíster equitum, um oficial superior ou um

magistrado com imperium próprio escolhido pelo ditador para comandar o exército-cavalaria.

A distinção entre as duas categorias, maior e menor, fazia-se a partir de um conjunto de sinais

exteriores, que identificavam aqueles que exerciam as magistraturas facilitando a concessão de

honrarias sociais e a obediência dos respectivos actos. Os magistrados de um império tinham

auspicia maiora e dispunham de meios para exercer a coercitio.

O maior problema era solucionar conflitos de competências em novos litígios que sobrepusessem

esferas tradicionais definidas, então adoptaram-se três princípios estruturantes:

Princípio da prevalência do imperium – permitia que magistrados dum império pudessem

vetar qualquer mesmo inerente às competências de outro

Princípio da hierarquia – distinguia imperius maius e imperius minus, maior e minor potestas,

os com maior podiam anular ordens e vetar actos dos outros

Princípio da tutela da plebe – segundo este os tribuni plebis não estavam sob domínio do

imperium e potestas dos magistrados, garantindo um participação efectiva dos plebeus,

constituía uma forma de controlo do arbítrio no exercício da magistratura a favor de

interesses segundo a classe social, prevenção de atitudes ditatoriais

Esta componente nobiliárquica das magistraturas e o tradicionalismo social na organização política

de Roma devem-se ao facto das magistraturas não serem remuneradas, apesar de envolverem

despesas significativas, já que estes tinham de preservar os seus padrões de vida, contribuição para

obras públicas e outras actividades. Os candidatos à magistratura tinham de se apresentar perante o

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Page 26: Direito Romano

eleitorado com trunfos nas suas promessas, daí que o acesso estivesse reservado aos filhos das

famílias com posses e fama.

Senado

Uma instituição antiquíssima, tinha cerca de 300 membros escolhidos pelo rex entre os patres,

chefes dos grupos gentílicos. Permaneceu como um dos mais importantes órgãos na nova

organização constitucional republicana, não como grupo patrício mas como assembleia política da

aristocracia romana, patrícia e plebeia, escolhida pelos cônsules e tribunos militares consulares e

depois pelos censores.

O Senado garantia a Roma a estabilidade, continuidade institucional e conhecimentos suficientes

para orientar as magistraturas e a vontade popular. Conduzia a política externa e recebia as

embaixadas, aprovava tratados e fazia declarações de guerra e paz, fixava os cultos e auxiliava o

cônsul. Dispunha do interregnum, da auctoritas patrum e do senatusconsultum.

O interregnum era o instrumento que evitava o vazio do poder em períodos de dificuldade

constitucional, ou ausência do cônsul, garantindo a continuidade do imperum. Assim, garantia-se um

sistema de governo antigo mas com provas de eficácia na forma de preservar instrumentos de

governo e de continuidade da res publica em momentos de perigo e de ruptura, propiciados pela

ausência de uma magistratura suprema.

A auctoritas patrum realiza-se no poder senatorial de confirmar deliberações de outras assembleias.

O magistrado apresentava uma proposta, remetia para as assembleias populares e para o Senado

que aprovava ou não a deliberação, que impunha assim a sua auctoritas.

Esta figura dava ao Senado um poder efectivo de controlo e ratificação das deliberações e a partir de

339 a.C. passa a deter um carácter preventivo, sendo assim, o magistrado apresentava a proposta ao

Senado que dava o seu parecer e só depois a apresentava às assembleias populares, o que impede

que uma proposta fosse aceite sem o aval do Senado. Esta situação revelava uma crise das

magistraturas, pois invertia-se a auctoritas patrum, que reforçava o poder político do Senado e a sua

importância na criação normativa do ius.

O Senatusconsultum era a consulta dada pelo Senado a um magistrado a pedido deste. Os debates

eram abertos apesar do regimento e processo de formação ser muito minucioso e complexo. O

processo podia ser interrompido por intercessio de um dos cônsules ou do tribuno da plebe, que

retirava validade à deliberação, passando a designar-se como senatus auctoritas. Apesar da

26

Page 27: Direito Romano

crescente eficácia normativa, estes nunca se revestiram de idoneidade jurídica suficiente para

criarem ius civile.

Os Jurisprudentes da res publica

Apresentam-se três jurisprudentes que fundamentaram o ius civile, considerados fundadores de uma

iurisprudentia nova com preocupações de harmonização, categorização e generalização, revivicadora

do ius civile. Resgata o seguinte valor: autonomização dos jurisprudentes do texto da norma usando

técnicas de especialização da criação jurisprudencial. Assim a jurisprudência passa a ser fonte

independente do ius.

Marco Júnior Bruto

Públio Múcia Cévola

Quinto Múcio Cévola, o Pontífice

Marco Túlio Cícero

Quarto período: o Princeps como primus inter pares

Considerações gerais sobre o Principado

27 a.C. – data a que esta associado o fim da crise da res publica romana, iniciado com a morte de

Júlio César.

O principado e a forma de designar uma tentativa política de concretizar no governo de Roma uma

síntese entre instituições da res publica e outras de pendor monárquico, atendendo à situação em

que se encontravam as instituições do “Estado” após as sucessivas guerras civis e as derivas

autoritárias de cônsules únicos e vitalícios consentidas pelo Senado. O principado não passou de uma

forma pragmática de governar assente no Governo de Augusto e sujeito às características pessoais

do titular do poder político. Assim, o pendor político do titular do poder sobrepunha-se sempre às

tentativas de objectivar o regime em normas e instituições jurídico-políticas.

Octávio (Augusto) exerceu o poder político supremo, a partir de 43 a.C., através de um triunvirato

em que era ele o centro (mandato de 5 anos que era renovado). Em 33 a.C., esgotado este modelo

como plano de exercício do poder universal (rerum omnium), Augusto declara-se princeps por

consensus universsorum. Logo, o pragmatismo de Augusto levou-o a “constitucionalizar” um poder

exercido de forma universal e absoluta, recorrendo a um expediente retórico, de natureza politica –

o consensus universsorum – sem qualquer base ou fundamento jurídico. A partir de 31 a.C., Augusto

27

Page 28: Direito Romano

renova sem oposição os seus poderes de cônsul único, com exercício que se estendia a todo o

território de Roma; assim como também exercia o comando supremo dos exércitos. Augusto trilhara

um percurso bem preparado de concentração de poderes em si próprio, com a justificação de não

haver outra alternativa para manter as instituições ainda existentes em Roma. Esta propaganda

levou a que, no Verão de 23 a.C., estivessem reunidas as condições para abandonar o poder político

de exercício de uma magistratura consular, única e atípica (que até aqui durava na sua titularidade)

para um novo figurino político-institucional em que o Senado lhe outorga os poderes plenos do

Estado, já que recebera dos comitia plebis a tribunícia potestas vitalícia (poder de veto para as

deliberações de todos os magistrados - ius intercessionis; e a inviolabilidade – sacrosanctitas -,alem

dafaculdade de convocar e apresentar propostas às assembleias populares e ao Senado) e dos

comitia centuriata o imperium proconsulare maius (poder de comandar os exércitos de Roma; e de

administrar e fiscalizar não apenas as províncias imperiais como as senatoriais). Estava aberto o

caminho para um regime que, mantendo as instituições republicanas a funcionar sem qualquer

poder ou intervenção real na vida política e nas decisões a tomar, concentrava todos os poderes nas

mãos de um só homem. Augusto utilizava o título de imperator para significar que era ele o titular do

poder único e os poderes supremos eram só dele. Já os títulos de princeps e de augustus (o 1º para

designar a sua primazia institucional e a sua liderança politica; e o 2º com efeitos meramente

honoríficos) inscreviam-se na concentração de poderes reunidos na tradição romana na figura de

chefe único e cada vez mais absoluto de Roma. Com a tribunícia potestas Augusto adquir:

O poder de iniciativa na propositura de alterações constitucionais controlando a renovação

jurídica do “Estado”;

O grau ou qualidade de sacrosantus;

O poder de intercessio contra todo e qualquer acto de magistrados e do Senado;

E o ius agendi cumplebe, podendo votar os plebiscitos e convocar o Senado (com os poderes

de um tribuno da plebe).

Com o imperium proconsulare maius adquiria: o comando militar supremo e uma extensão do seu

poder ate aos confins do império. Em complemento destes poderes Augusto podia exercer uma serie

de outros de menor grau ou amplitude mas de igual importância:

A cura legum et norum (o poder de controlar a legislação e aquilo que era aceite como

costume);

O poder de commendatio (o poder de indicar ou recomendar às assembleias com o poder de

escolher os magistrados os nomes dos candidatos a esses cargos);

O direito de investir os pontífices.

28

Page 29: Direito Romano

Concluindo:

Ao contrário de Júlio César, Augusto conseguiu tornar Roma numa monarquia absoluta de

cariz personalista, com um culto de personalidade do chefe (muitos parecido ao das

monarquias orientais que os romanos venceram);

Augusto não evitou o pendor monárquico, na forma concebida e depois executada, de levar

a cabo uma restauração da res publica em Roma;

Augusto criou um regime híbrido de república e monarquia em torno de elementos muito

mais ligados à personalidade do titular (princeps) do que às possibilidades

institucionalizadoras que dariam estabilidade ao regime politico.

Esta subjectivação excessiva no exercício do cargo em função do chefe (princeps) contrastava com

uma desvalorização do cursos honorum na selecção dos titulares de cargos de chefia, pela via das

magistraturas, que garantia com estabilidade a criação de um ius com soluções justas e adaptadas ao

tempo das sentenças, completamente separado da lex instrumento de governo da cidade. Perdeu-se

a base jurídico-política das magistraturas divididas e a motivação para percorrer o cursos honorum; e

com ele o “sentido de Estado” que a elite romana evidenciara durante a República. Augusto tinha

fundado um regime fraco, instável e adaptado às circunstâncias impostas a Roma e à personalidade

daquele que tudo decidia. Daí q eu o termo mais adequado para designar este regime politico é o

que assenta na figura do princeps: o Principado. Assim, o Principado como um regime de primus inter

pares é o que melhor caracteriza este período da história do direito romano, no plano político, já que

foi dado a um só homem a possibilidade de decidir sozinho todos os aspectos da vida romana, até ai

dispersos pelas magistraturas (numa rigorosa separação assente em regras e impedimentos

marcados pelo cursos honorum), o que determinou o fim da possibilidade de um ius, criado pela

auctoritas dos jurisprudentes, permanecer separado da lex imposta pelo imperium dos políticos. A

efectiva concentração dos poderes levou à destruição do ius que deu superioridade aos romanos

entre os povos da Antiguidade clássica.

A restauração constitucional da res publica até começou bem. No plano jurídico-simbólico a maiestas

(soberania) foi restituída ao populus. Acompanhando a reconstrução institucional, o Senado e as

magistraturas retomaram o seu exercício normal, numa recuperação das tradições funcionais da res

publica (que servia para legitimar o próprio poder do princeps que assim o determinava). Depois,

seguiram-se medidas concretas: foi restituída a divisão de poderes no exercício do consulado; foram

obtidas as normas excepcionais do triunvirato; foram reactivadas algumas práticas administrativas

(sobretudo no plano fiscal-financeiro e jurisdicional). Esta reforma constitucional não tinha outro

objectivo senão camuflar um controlo efectivo e apertado do princeps sobre todos os órgãos

29

Page 30: Direito Romano

políticos e as magistraturas. A técnica política do primado atribuído ao princeps redundou num

exercício absoluto dos poderes. O instrumento desse domínio no plano pratico-material pelo

princeps era o consilium principis, que filtrava as deliberações a ratificar pelo primus inter pares, e

que preparava as propostas de deliberação a apresentar pelo princeps a esses órgãos, condicionando

a liberdade de propositura dos seus membros e a liberdade de deliberação do colectivo. Os poderes

separados de Roma perderam independência; a liberdade de iniciática dos magistrados terminou; a

possibilidade de optar entre várias propostas acabou; a legislação tornou-se monolítica e a decisão

judicial condicionada através da lei feita como expressão da vontade do princeps. Tinha acabado a

res publica.

Consideramos, assim, que a perspectiva da jurishistografia clássica de uma alteração revolucionária

da constituição romana que permitiu a fundação de um novo regime político (o Principado) não é a

mais adequada. Não houve qualquer ruptura nem no plano sociopolítico que implicasse uma

alteração completa das normas que pautaram as relações entre governantes e governados; nem na

relação de Roma com as suas províncias e territórios conquistados; nem uma substituição das elites

romanas; nem ma mudança na distribuição de riqueza ou dos cargos importantes; nem tão pouco

uma aproximação entre os vários extractos socias de Roma.

A fórmula do primus inter pares, pensada para uma restauração pós-César, da tradição politica

romana foi o início da corrosão as instituições que sustentavam essa tradição: a escravatura

começou a ruir pelas bases que a justificavam; a pressão militar nas fronteiras do império deu

primazia política e social à ordem dos cavaleiros sobre a ordem senatorial; a romanização crescente

dos conquistados apontava para a integração das províncias no império; a estrutura política da

civitas romana fundada nos mores maiorum é substituída pela lex mundi da civitas maxima. A paz

que Roma gozava dentro das suas fronteiras propiciou um desenvolvimento económico que permitiu

distender as tensões acumuladas com as reformas introduzidas. Outro factor de apaziguamento

social foi o aumento do nº de funcionários, ou burocratas, ao serviço do “Estado”. Mantendo-se a

divisão entre a elite – os honestiores (ordo equestes e ordo senatorius) – e o resto da população, os

humiliores (livres, libertos e escravos) – o ordenamento jurídico reflectia essas diferenças formas de

punição. A revolução podia ter surgido se César prosseguisse a monarquização orientalizante do

regime, abortada pelo seu assassinato. A guerra civil que se seguiu permitiu um jogo de alianças que

preparou a reacção conservadora de Octávio no sentido de garantir a manutenção do poder pela

aristocracia e supremacia de Roma no Mundo, sendo isto apenas possível com um regime politico

adaptado às características que o império então tinhas e às vicissitudes de uma sociedade bem

diferente daquela que determinou a constituição republicana e a supremacia dos mores maiorum,

adaptados pelas magistraturas na regulação da vida colectiva e na organização da comunidade

30

Page 31: Direito Romano

politica. O prestígio militar e político de Octávio, a sua ligação familiar a César e a sua proximidade ao

Senado permitiram uma função de influência e uma base de aceitação consensual sobre a condução

da política global de forma centralizada nas mãos de um só chefe.

Toda a história do Principado é marcada pelo acentuar das tendências monárquicas e o

enfraquecimento dos órgãos da república, que se mantiveram como instituições políticas vazias, sem

importância politica e sem competências substantivas. Uma das causas da debilidade republicana do

Principado era o da sucessão ao princeps. Era necessário institucionalizar o carisma em função do

cargo do princeps, fosse quem fosse a pessoa que desempenhasse o cargo ou a forma como exercia a

função. Assim, poderia haver sucessão (e não eleição), na chefia do “Estado”. Mas o carisma pessoal,

base do poder exercido por Augusto, não podia ser institucionalizado; e a sucessão do poder politico,

para haver um regime, exige a sua institucionalização. Tal debilidade obrigara a acentuar a matriz

ideológico-pragmática do regime político fundado por Augusto. Como o poder do princeps não

assentava na constituição ou num conjunto de leis fundamentais que organizassem e disciplinassem

o exercício do poder politico, a sucessão do princeps não poderia ser fixada por uma lei superior.

Com a dupla impossibilidade de recorrer aos sistemas monárquico (da sucessão hereditária) ou

republicano (da eleição pelo Senado), a sucessão do princeps era cada vez mais resultado das suas

próprias opções pessoais e da vontade dos detentores da força, com possibilidade de impor uma

solução: os militares. As opções do Princeps em matéria de sucessão foram favoráveis ao princípio

dinástico. Essa opção foi institucionalizando a co-regência, fazendo da pessoa indicada para sucessor

do princeps uma espécie de vice-princeps, para ir aprendendo a decidir e a organizar, junto do

princeps em exercício. Este sucessor, indicado pelo princeps, seu filho adoptivo, tornava-se o heres

espiritual, comungando assim do carisma do pai. Assim, na falta de um princípio jurídico

consensualmente aceite e normativamente fixado, a sucessão política do princeps tinha de ser

deliberada pelo Senado e confirmada pelo Populus, através da outorga da tribunitias potestas e do

imperium proconsulare ao filho adoptivo do priceps que cessara funções. Com a degradação do

Senado e das características republicanas do regime a sucessão do princeps deixa de ser só marcada

pela deliberação do Senado e confirmada pelo populus, para passar a ser determinante também, na

valorização simbólica do acto da sucessão, a investidura pelo exército.

A transição do ius para a lex

O ius publice respondendi e o fim da iurisprudentia

No início do Principado a iurisprudentia enfrenta uma crise de objectivos: a actividade de criação de

um ius novum, enunciando regras jurídicas por interpretatio das velhas regras do ius civile e do mores

maiorum, estava globalmente cumprida; a catividade de integração/inspiração do edictum do pretor

31

Page 32: Direito Romano

estava também relativamente esgotada. Pedia-se agora aos jurisprudentes que aperfeiçoassem,

organizassem e sistematizassem o conjunto de regras, princípios e modos de concretização

processual do ius Romanum.

Com a mudança de regime politico, ao abrigo da função de garantir a ordem interna e a paz externa

o princeps vai assumindo progressivamente um poder cada vez mais intenso e extenso na forma

como intervinha nas instituições republicanas que ainda sobreviviam. A execução de todas as regras

jurídicas dependia da vontade do princeps; assim como os mecanismos de equilíbrio e de controlo da

res publica que tinham sido entregues ao mesmo. A mudança institucional, no plano político, era

consequência lógica da prática de governo. Por isso, o Principado caracteriza-se como um regime que

se foi institucionalizando e sendo teorizado explicado a posteriori, como forma de legitimar o que ia

sendo feito pelo princeps. Assim como fez passar com êxito a ideia de que o sistema republicano não

era o mais adequado para a manutenção do império e a expansão romana, também garantiu a

aceitação pelos romanos de um controlo indirecto da iurisprudentia com a explicação de que a

proliferação de jurisprudentes e a dispersão de soluções dadas no fórum colocava em risco a

segurança e o acerto das sentenças. Sob a capa de um respeito escrupuloso da independência da

iurisprudentia e de garantir a manutenção de uma das principais fontes de criação de ius, deixou

intender que só intervinha pela necessidade de colocar em ordem a iurisprudentia e no sentido de a

revalorizar e melhorar o seu funcionamento. Para isso, criou o ius publice respondendi, como uma

concessão dada por ele a certos jurisprudentes, que servia como condição de acesso da solução do

jurisprudente à sentença a proferir pelo juiz com utilidade para a parte que o consultava (ou seja,

Augusto concedia a alguns “juízes” o direito de responder em publico às questões colocadas pelas

partes como se fossem o próprio princeps). Uma vez instituído este processo, os jurisprudentes

fariam tudo para agradar àquele que tinha o poder de os colocar numa lista que dava às opiniões

expressas a força de valerem como as opiniões do próprio princeps (opiniões dotadas de imperium

que só passavam pelo índex para respeitar uma praxe constitucional). Augusto ordenou que as

respostas ou pareceres dos jurisprudentes com ius publice respondendi fossem enviadas para o iudex

em tábuas fechadas e seladas, para n haver a possibilidade de deturpações ou desvirtuamentos

interpretativos. Ao tornar secreta a actividade do jurisprudente que conduz a decisão do iudex, o

princeps garante a possibilidade de manipulação da sentença. Mas não era só o secretismo agora

reinstaurado que correspondia a um retrocesso imenso na iurisprudentia romana, era também o

regresso do monopólio efectivo da interpretatio jurídica por um conjunto limitado de membros da

aristocracia senatorial.

O labor anónimo de jurisprudentes comentando leis, escrevendo monografias e obras jurídicas

didácticas, auxiliando os juízes na procura da solução justa que melhor resolvesse os casos, é

32

Page 33: Direito Romano

substituído pelas compilações de responsae e quaestiones, nos Digesta, por jurisprudentes

poderosos dotados de um poder único dado pelo ius publice respondendi. O poder criador dos

grandes mestres jurisprudentes, desafiados com o ius horarium a responder às exigências concretas

de um império em expansão, não era compatível com o poder político uniformizador e estabilizador

exercido pelo chefe politico. O Direito, empobrecido pela constante intervenção do princeps, a ruina

das magistraturas e a debilitação dos jurisprudentes (que deixaram de ser livres e independentes),

tende a ser cristalizado em Digesta e em compilações de máximas ou em obras didácticas, assim

como o edicto do pretor foi fechado em urna dourada no Edictum Perpetuum (Edicto de Adriano).

Neste clima, considera-se direito (ius) apenas a vontade do princeps e em que a norma jurídica só

pode ser expressa pela imposição do poder legislativo, as escolas jurídicas romanas e as suas

divergências devem ser explicadas sobretudo pelo diverso posicionamento politico e pela diferente

matriz social dos jurisprudentes que as integraram.

Seja como for, o ius publice respondendi não só atraiu os jurisprudentes para a área politica e o

círculo do poder, como tornou a iurisprudentia coisa oficial, isto é, fiscalizada pelo poder politico e

subordinada pela vontade do princeps. Na política de centralização estadual do Principado a

iurisprudentia era um instrumento essencial para a expressão das orientações autocráticas do

princeps de modo indirecto, através dos jurisprudentes.

Os jurisprudentes do Principado

Marco Antístio Labeão *p.245

Caio Ateio Capitão

Masúrio Sabino

Marco Coceio Nerva, pai

Caio Cássio Longino

Semprónio Próculo

Marco Coceio Nerva, filho

Javoleno Prisco

Tício Aristão

Nerácio Prisco

Juvêncio Celso, filho

Sálvio Juliano * p.256

Sesto Pompónio

Sexto Cecílio Africano *p.259

Gaio *p.260

Úlpio Marcelo

Quinto Cervídio Cévola *p.263

Emílio Papiniano

Cláudio Trifonino

Calístrato

Júlio Paulo

Domício Ulpiano

Élio Marciano

Herénio Modestino

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Page 34: Direito Romano

A regra de ius civile transformada em lei geral e abstracta

Uma das alterações mais dramáticas, pelos efeitos que veio a ter na vida do Direito como

instrumento da justiça, foi a passagem das regras de ius para leis gerais e abstractas com tudo o que

isso comporta de legitimidade das fontes; conteúdo de regras; métodos de criação da norma jurídica;

identificação entre o Direito e o conjunto de leis vigentes. Uma das traves mestras do êxito do

Direito-ius na sociedade romana foi a separação clara entre ius e lex a parir das fontes de

legitimidade, dos titulares dos cargos e funções e dos efeitos produzidos por cada uma das formas

(legal e jurídica). A república romana fixou um sistema de incompatibilidade e de impedimentos que

tornava impossível aos titulares de imperium criarem sozinhos ius e àqueles a quem era reconhecida

auctoritas envolveram-se nos processos políticos que terminavam nas leges. Por isso, foi durante a

república romana que se criaram com mecanismos normativos combinações institucionais que

permitiram manter separado o ius civile, assente nos mores maiorum e adaptado por jurispudentes

com um saber fundado na experiência, socialmente reconhecido, e que viam aceites as soluções por

eles dadas aos conflitos intersubjectivos pela auctoritas e prestigio que tinham na comunidade. Esses

mecanismos foram paulatinamente destruídas no processo de erosão das estruturas jurídico-

políticas da república.

Qualquer existência de um ius que não fosse criado aprovado ou titulado pelo princeps, pressupunha

a existência de fontes criadoras de regras independentes, onde não estava o princeps. A

possibilidade de uma norma de ius civile ser adaptada na formulação ou excepcionada para aplicar a

um caso concreto, não poderia ser feito sem a intervenção do princeps. O ius publicis respondendi

respondia às criações de ius pelos jurisprudentes, secando a fonte da sua legitimidade, a auctoritas.

Ficava eliminada a temida independência, face ao poder, dos que criavam ius, pelo reconhecimento

da sua competência na sua comunidade. O passado da iurisprudentia estava inscrito nas regras

vigentes e permanecia como uma ameaça, sobretudo porque prene de futuro na imensa

potencialidade das opiniones que gizaram e adaptaram as regulae iuris. Foi, por isso, necessário

iniciar o processo de transferência da regra jurídica, formulada e adaptada pelos jurisprudentes, para

a lei geral e abstracta, produzida pelos órgãos políticos

A canibalização do ius pela lex no principado romano conta com um projecto escondido de extinção

do ius, e um trabalho bem feito de desertificação das suas fontes, de descrédito dos seus titulares

(magistrados e jurisprudentes) e com um momento único de consenso e de prestígio de um

imperador que caminha para ser um Deus. Os novos desafios da realidade já não são resolvidos pelos

jurisprudentes, em extinção, mas pelos legisladores. As propostas de lei de Augusto apresentadas

aos comícios começaram a tentar traduzir em terminologia legislativas as novas formas de adaptar as

34

Page 35: Direito Romano

regras de ius a uma realidade exigente e cada vez mais necessitada. A passagem do poder legislativo

dos comícios para o Senado tornou mais célebre o processo de transformação de ius em lex, já que

as propostas do princeps ao Senado eram mais facilmente perceptíveis pelos votantes, ate pela sua

qualidade de antigos magistrados e pelo seu conhecimento do iux. Com a efectivação da natureza

legal das próprias propostas de lei feitas pelo princeps ao Senado (orationes princips), o processo

passa a ser conduzido pelo princeps, que assim tem um extenso património legislativo.

A decadência dos órgãos constitucionais

A concentração progressiva de poderes políticos nas mãos do princeps e a propaganda imperial

centrada na figura do chefe e no culto da sua personalidade provocaram um desgaste constante, mas

inevitável, dos Comícios e Senado. A dificuldade/demora em deliberar a exposição pública dos

titulares do contraditório e a debilidade executória resultante da fragilidade institucional

contribuíram para uma identificação entre a colegialidade e a ineficácia/incompetência. Os poderes

autocráticos e despóticos exploraram em discursos bem montados estas fraquezas e, agravando-as,

apresentam a ditadura como a única solução, aceite pela maioria. A situação politica criada pelo

Principado empurra os comícios e o Senado para um papel meramente formal.

Os comícios

As 1ªs vítimas do modo de exercício do poder pelo primus inter pares foram as Assembleias do

Populus (comícios). As possibilidades da manipulação retorica das assembleias eram potenciadas por

uma divinização crescente do imperador (quase que eu actos de adoração ao princeps). Ao controlo

efectivo dos comícios pelo princeps juntou-se uma progressiva falta de representação do populus

através dos comícios. Grande parte dos cidadãos com direito de voto estavam ao serviço de Roma

fora da cidade, não podendo por isso exercer o direito de participar e votar nos comícios. O princeps

controlava as propostas, manipulava as votações e instrumentalizava as deliberações. Assim, à perda

de representação política juntou-se a falta de qualidade dos participantes, o que tornou os comícios

num órgão de fachada. A sua manutenção no principado servia, no entanto, os interesses do

princeps. As competências legislativas dos comícios foram transferidas para o senado por efeito de

dois expedientes: a transposição da iniciativa das propostas ter passado para o princeps, e dos

mecanismos de votação comicial serem meros expedientes formais de ratificação de

senatusconsultos. Os comícios têm a partir daí a competência para votar as listas apresentadas pelo

princeps ou pelo Senado, mas não podem nem propor por sua iniciativa nomes para a eleição dos

magistrados, nem aprovar o proposto com alterações introduzidos pelo Populus. Nos anos 17 e 18

a.C., Augusto incrementou a legislação aprovado pelos comícios. Afinal, tudo não passou de uma

fugaz e formal época de encantamento republicano, marcado pela propaganda imperial e pela

35

Page 36: Direito Romano

retórica discursiva do princeps. Augusto recorre às votações populares que domina, apresentando

aos concilia plebis, no uso da sua tribunícia potestas, varias leis, quer no domínio do direito público,

quer no plano do direito privado:

A lex Iulia de collegis;

A lex sumptuária, contra o excesso de luxo e as manifestações exteriores de riqueza;

As leges criminali de âmbito, de adulteriis coercendis (em 18 a.C.); e de vi publica e privata;

A lex Iulia indiciorum privatorum e a lex Iulia indiciorum publicorum, que regularam,

respectivamente, o processo civil e penal.

Augusto também seguiu como linha de acção legislativa: a apresentação, pelos cônsules, de

propostas de lei aos comícios centuriais, entre eles:

Manumissão de escravos (instituto jurídico que permitia ao dominus conceder a liberdade ao

escravo) – com o fim de regular, limitando a forma como muitos proprietários de escravos,

aproveitando a facilidade com que o podiam fazer, os libertavam;

Casamento – de forma a ampliar a disciplina normativa da lex Iulia de maritandis ordinibus.

A decadência política dos comícios, na sua vertente legislativa, deixava bem patente aquilo que

Augusto queria esconder: o Principado era um regime monárquico mitigado e não um regime

republicano de cariz aristocrático. Enquanto pôde, Augusto manteve, no plano formal, a existência

de leis aprovadas pelo Populus. No fim do seu governo e para o tempo posterior, deixaram de ser

votadas as leis nos comícios e, assim, a legislação popular desapareceu.

O Senado

O Senado foi o órgão da constituição republicana que melhor serviu os desígnios da alteração ao

regime político em Roma. Foi, alias, concebido pelos teóricos do Principado como o instrumento por

excelência de, sob a capa de um republicanismo aristocrático, concentrar a totalidade dos poderes

mo princeps. Augusto, através de três lectiones, introduziu reformas decisivas que, embora

apresentadas como inevitáveis para o desejado reforço do abalado prestígio do Senado, serviram

apenas para garantir a sua manipulação pelo princeps e apertar o controlo político sobre ele.

Primeiro, Augusto reduziu o nº de senadores para 600. Depois, o Princeps passa a ter o poder de

convocar o Senado (senatus legitimus) sempre que entenda, sem qualquer outro formalismo, e o

lugar onde se realizavam as reuniões, na curtia Iulia, foi fixada pela lex Iulia de senado habendo, uma

lex rogata feita aprovar por Augusto, em 9 d.C. Finalmente, expande os poderes do Senado,

retirando-os ao Populus (ao estarem no Senado, esse poderes eram exercidos, na prática, pelo

princeps). Entre esses poderes novos do Senado estão: a administração das províncias senatoriais, ou

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mais antigas, que contribuíram directamente para o aerarium; a nomeação dos magistrados

encarregados do tesouro público; o poder extraordinário de autorizar derrogações pontuais às leis

em vigor; o poder de legislar, de forma materialmente imediata, através dos senatusconsultos; o

exercício da jurisdição penal; o exercício de parte da actividade administrativa da ordem equestre. O

Senado passou a ser apenas o lugar onde as decisões legislativas do princeps eram anunciadas e

publicadas, no meio das aclamações dos senadores. Era também o Senado que se ocupava do

aerarium militare e da cunhagem de moedas das villa commercia, para as pequenas transacções nos

negócios de todos os dias. No que respeita ao poder legislativo, a intervenção do Senado fazia-se

através de 3 instrumentos constitucionalmente previstos:

A auctoritas patrum – que permitia ao Senado ratificar ou não a proposta do magistrado

aprovada na assembleia popular e já formalmente com a natureza de lei; pronunciar-se

sobre a proposta do magistrado, antes de ela ser submetida à discussão e votação nos

comícios (assim o Senado exercia um controlo efectivo sobre a actividade legislativa);

A intervenção preventiva, que permitia a qualquer magistrado dirigir-se ao Senado para

pedir parecer (senatusconsultum) sobre uma decisão, uma proposta, uma actuação futura

A ingerência nas decisões do pretor, a seu pedido, mas com forte efeito na modulação do

iuspraetorium e, assim, do ius honorarium

A importância do Senado estava no facto das suas características monárquicas impossibilitarem a

convocação e actuação dos comícios que reuniam unicamente a plebe urbana; fazendo, assim, do

Senado a única assembleia que podia reunir sem ameaçar as bases de legitimação do poder do

princeps. À medida que o Principado ia formalizando as regras fundamentais características do

regime, os senatusconsulta como leis foram substituídos, 1º materialmente e depois formalmente

pela oratio principis in senatu habita. Nos finais do séc. II, já é a oratio principis a parecer com a

forma e a natureza próprias da lei. Foi através da oratio principis que o imperador interveio em

matéria de direito privado, para transformar as regras gerais de ius em leis gerais e abstractas.

As magistraturas

De todos os órgãos constitucionais aquele que, no Principado, mais sofreu uma erosão dramática, e

devastadora foram as magistraturas (pilares fundamentais do regime republicano).

Os magistrados garantiam uma adequada partição de funções, um equilíbrio político, uma contenção

no exercício dos poderes, uma fiscalização constante ao serviço do interesse público. O Principado ao

concentrar no princeps o poder de todos os magistrados e com primazia sobre os restantes destruiu

o conteúdo jurídico – politico que sustentava a sua existência constitucional. Perderam a iniciativa

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politica e a capacidade de intervenção, limitando-se a exercer tarefas meramente administrativas,

sem qualquer poder de decisão, nomeadamente na criação do ius por adaptação dos mores

maiorum. Estes magistrados de fachada, tudo faziam no exercício de funções para agradar ao

princeps, na esperança de ocuparem um dos muitos lugares que dependiam da sua indicação ou

mesmo um posto no concilium princeps. O facilitismo era o meio, o exercício do poder o fim. O

consulado deixa de ter qualquer conteúdo político nas novas formas de exercício, estando o poder

dos cônsules limitado pela acção do princeps.

Já quanto aos pretores era difícil destrona-los das funções que exerciam, pois o seu tipo de

actividade exigia um elevado conhecimento de mecanismos processuais e das regras substantivas

aplicáveis na resolução de litígios. Era necessário actuar sobre a função que exerciam, emagrecendo

o seu campo de intervenção, desprestigiando a magistratura aos olhos das elites e do Populus. O

desgaste foi mais lento no caso dos pretores, mas o efeito foi o mesmo: o desaparecimento da

pretura.

Os censores foram reactivados por Augusto, por exigências específicas do seu governo. Mantiveram-

se, sem qualquer importância politica e com pouco prestígio institucional, até que Domiciano se

declarou censor perpetuus, acabando com a censura como magistratura.

Os edis curuís mantiveram-se como magistrados, mas as suas competências foram substancialmente

reduzidas. Augusto remeteu a edilidade a uma acção burocrática, hierarquizada e dependente do

poder imperial, desgraduando-a pela funcionalização.

Os quaestores aparentemente reforçados no desenho constitucional delineado no pragmatismo de

Augusto foram reduzidos para metade e a sua principal função ligada à administração do tesouro

público foi entregue a 2 pretores. O mesmo aconteceu com os magistrados menores, que foram

reduzidos em nº e desvalorizados ou esvaziados de funções.

De todas as magistraturas, a que maior abalo político sofreu com o Principado foi o tribunato da

plebe, cuja valorização jurídico-politica que este adquiriu na república e o expressivo valor simbólico

da sua intervenção na justiça concretizada em “nome do povo”, foram vindo a ser destruídos por

Augusto. Este fê-lo assumindo a tribunitia potestas sem tocar nos poderes ou confrontar os seus

titulares, aproveitando o regime do primus inter pares. Os tribunos da plebe mantiveram o poder de

intercessio, menos contra o princeps. Os outros poderes exercidos pelos tribunos: o iux auxilii, o

poder da coerção; a multae dictio, a sua inviolabilidade, o poder de convocar o Senado e as

assembleias da plebe eram significativos, mas tinham perdido a eficácia interventiva de outrora já

que o princeps poderia anular o efeito daquilo que o tribuno fizesse.

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As competências dos magistrados foram entregues ao princeps que, por esta forma, operou uma

concentração de poderes, sob a salvaguarda do consenso e a bandeira da inevitabilidade.

O princeps

Os poderes principais do Princeps eram: o imperium procosulare maius et infinitum e a tribunitia potestas. O 1º permitia-lhe o exercício do comando militar supremo e do governo das províncias, mas sobretudo a administração de todo o Império, com o imenso poder politico, a capacidade de influenciar decisões e a possibilidade de escolher decisores, assim moldando a elite executiva da “vasta Roma”. O 2º conferia-lhe um poder único: a faculdade de paralisar qualquer procedimento ou acção do Senado ou das magistraturas que considerasse inoportunas ou inconvenientes. O Priceps aparece, no discurso oficial do regime, como um servidor (funcionário) extra ordinem da res publica e por causa dela e da sua preservação. Este, para “salvar a res publica” intervinha de forma permitida pela normação constitucional que modelava, normalmente depois do princeps agir, a “experiencia política que se fazia”. Roma confiava no princeps que a governava, concentrando neles o poder para o bem da comunidade e o futuro de Roma, evitando assim a regressão institucional que representaria um poder monocrático, absoluto e hereditário. Era essa a base pragmática e propagandística do Principado Romano. Na formalidade constitucional, Augusto, como princeps, não tinha poderes originários. Todos os poderes que exercia eram-lhe outorgados pelos órgãos políticos do regime republicano (assembleias do Populus e do Senado). Logo, o poder do princeps era, na formalidade jurídico-legal, um poder derivado. Por outro lado a realidade era outra: o princeps intervinha nas magistraturas para garantir o exercício de um poder seu concorrente e não complementar, dirigente e não igual, ao dos magistrados. A extinção das magistraturas era a meta do Princeps.

A criação de um funcionalismo público em apoio ao poder político singular e solitário, excluía a possibilidade de exercício de poderes pelos magistrados. Concorrendo nos mesmos espaços, estes perderam para os funcionários e, assim, a república do Populus para um principado autocrático e seco do princeps, sem capacidade para adaptar as regras à realidade, cada vez mais conservador e menos tradicionalista; cada vez mais fechado na lei e menis aberto à criatividade jurisprudencial fomentadora de ius. As dissemelhanças de legitimação politica e exercício do poder entre os titulares que caracterizaram esta antítese entre magistrados e funcionários são notórias:

Os funcionários são designados pelo princeps para fazer cumprir as leis, enquanto os magistrados eram eleitos pelos cidadãos com direito de sufrágio para adaptarem de forma criativa as regras gerais que a tradição do ius tinha estabilizado;

Os funcionários faziam uma carreira a partir de uma nomeação por tempo indeterminado, enquanto os magistrados eram eleitos para mandatos determinados no tempo, finitos;

Os funcionários exerciam funções numa estrutura hierarquizada que tinha no topo o princeps; os magistrados eram órgãos da república que não obedeciam a hierarquias.

O imperador Adriano foi aquele que não apenas formalizou a derrocada do ius praetorium com a decisão de codificar o edicto do pretor, como também promoveu a criação de uma carreira para os funcionários civis de Roma. Adriano constatou a importância de organizar em carreiras burocráticas os “servidores civis do Estado”, para garantir as tarefas funcionais da administração pública como uma forma eficaz de exercício amplo do poder de Roma. A centralização do podre pela extensão da

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burocracia organizada pela lei e controlada pelo princeps era fundamental na consolidação política do Principado como regime autocrático. Adriano reordenou, organizou, sistematizou e institucionalizou essa estrutura burocrática num conjunto uniforme de carreiras civis, com regras internas precisas e cerimonial próprio. O cursos honorum especifico das magistraturas, assente no mérito do titular e na escolha popular por eleição, deu lugar a carreira civil do funcionário imperial, com todas as diferenças para pior, entre uma república de magistrados e uma república de funcionários; entre uma república onde as elites se diferenciam pelo mérito e pela competência e uma república onde as elites são designadas por simpatias do chefe e com critérios assentes na forma como servem o poder instituído; uma república onde a legitimidade de todos os decisores é só politica e assente na escolha pelo voto e uma república onde os decisores são designados pelo titular do poder político que delega na função administrativas a decisão que a ela cabe.

Mas um dos elementos caracterizadores do governo do princeps é o reforço de poderes dos funcionários com funções na área de segurança da pessoa do princeps (eram os praefecti, que foram ganhando poderes e prestigio crescentes). Os pretorianos eram um corpo de segurança com um estatuto especial, bastante prestigiado, com amplos e autónomos poderes militares, bastante próximo do princeps. Os curatores juntaram competências dispersas pelas magistraturas, como a manutenção dos aquedutos e das vias de comunicação e superintendiam e acompanhavam as obras públicas; eram nomeados entre os senadores de maior grau e prestigio e tinham um papel fundamental na institucionalização do poder imperial. Praetores e curatores vão exercendo na prática uma competência jurisdicional, que depois é aceite e formalmente reconhecida em relação às matérias que eram apresentadas (cógnito). Isto significava que o Principado tinha criado as condições propícias para o aparecimento de uma jurisdição concorrente (cognitio extra ordinem) àquela que existia, e que o princeps dizia respeitar (quaestiones republicanae). Apareceram os legati Augusti que auxiliavam o princeps no comando das legiões e na difícil administração das suas províncias; e os procuratores Augusti, a quem foram atribuídas as funções de administrar o património privado do princeps (sobretudo as recitas provenientes das províncias imperiais). O surgimento de uma serie estruturada de carreiras administrativas públicas consolidou a primazia do princeps, como chefe político do “Estado”. De tal forma que se tenta, com êxito, identificar a lex do princeps com o ius de Roma. O caracter despótico, discricionário e isolado do poder era umas das características essenciais do exercício do poder político pelo princeps. O seu aconselhamento através do consilium principis revelava os elementos específicos identificadores de um regime monárquico; em nenhuma circunstância o consiliuim poderia interferir na decisão do princeps. O consilium nunca se constituiu como uma estrutura intermédia de poder, com estabilidade e estatuto que permitissem um vislumbre de institucionalização de mecanismos mediatizadores do poder exercido pelo princeps. O que acontecia era uma tendência natural do princeps para constituir cúrias ou colégios de conselheiros, dada a diversidade de matérias a tratar, para melhor exercer o poder absoluto.

A transição da república para o principado opera-se, de forma demorada, mas determinada, asfixiando as magistraturas e a expressão autónoma do ius na concretização da justiça na solução do caso concreto, com a substituição definitiva do processo formular e dos juízes das quaestiones. Etapa importante desse processo é também a possibilidade de o princeps exercer uma actividade normativa própria. O respeito formal pelos órgãos da república obrigava a sobrevalorizar os fundamentos políticos do poder legislativo do princeps, nomeadamente:

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O princeps não estava vinculado a cumprir as leis de Roma (imunidade absoluta –princeps legibus solutus);

A vontade do princeps era fonte de produção legislativa (quod principi placuit, legis habet vigorem); assim os actos de governo do princeps, expressos sob a forma de normas, eram actos legislativos;

Os actos legislativos do princeps, justificados como actos necessários para a disciplina da vida em comum dos romanos, eram designados como constituições imperiais, e dividiam-se em edict, mandata, rescripta, decreta e epistolae.

Os titulares do poder no Principado: carisma pessoal e criação de direito

A tentativa de institucionalizar politicamente a forma de sucessão do princeps pelo exercício da

coregência, fracassou. A debilidade jurídica do Principado era consequência da constante erosão das

instituições republicanas que não podiam sobreviver num regime que assentava no poder político

absoluto do chefe. Por isso, com a intervenção voluntarista do princeps, a criação do direito ius era

marcada apenas características pessoais do princeps. O seu arbítrio colocava elementos

subjectivizadores exclusivos e totalitários no conteúdo normativo, na interpretação e na aplicação do

Direito. O principado nunca foi um regime fundado no Direito e preocupado com ele. Ao contrário,

usou o “Direito-lei” para destruir o “Direito-ius”, secando as suas fontes e invadindo o seu espaço

vital com leis e burocracias. São os seus sucessores – que integram 1º a dinastia Júlio, de 31 a.C. a 68,

depois a dinastia dos Flávios, de 69 a 96, depois a dinastia dos Antoninos, de 98 a 192, e finalmente a

dinastia dos Severos, entre 192 a 235 – a marcar, com os seus actos de governo, a degradação do ius.

A dinastia Júlio-Claudiana (31 a.C.-37)

Nero

Tibério

Calígula

Cláudio

A dinastia dos Flávios (69-96)

Tito Flávio Vespasiano

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Tito

Domiciano

O interregno senatorial (96-98)

Nerva

A dinastia dos Antoninos (98-192)

Trajano

Adriano

Antonino

Marco Aurélio

Cómodo

A dinastia dos Severos

Septímo Severo

Caracala

Alexandre Severo

Anarquia militar (235-285)

Os imperadores romanos, no período normalmente designado como de “anarquia militar”,

sucederam-se a um ritmo alucinante: Maximino, o Trácio; Gordiano I, Gordiano II, Pupieno; Balbino;

Gordiano III; Filipe o Árabe; Décio; Triboniano, Gaulês; Emiliano; Valeriano; Galiano; Cláudio II,

Aureliano (aureliano era um general de cavalaria que foi proclamado imperador pelas suas tropas, no

âmbito dos desmandos políticos e militares próprios desse período em Roma; logo que assume o

poder politico consegue restaurar a integridade territorial do império e a ordem imperial, com base:

na afirmação institucional da autoridade politica do imperador; numa concepção de partilha

democrática militar do poder; na promoção social dos humiliores; proclamando-se o restaurador da

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unidade do Senado; concebendo o poder com 2 hierarquias separadas e independentes uma da

outra – civil e militar -, unificadas apenas no topo com um único chefe – o imperador); Tácito;

Floriano; Probo; Caro; Carino; e Numeriano;

O Principado como império

A concepção de um novo regime politica assente na natureza primacial absoluta do princeps em

todas as formas de exercício político em Roma foi determinada também na consolidação normativo-

constitucional, pela necessidade de unir e defender o território vasto de Roma e caracterizou a forma

como essa consolidação politico-territorial foi levada a cabo. A administração da Itália foi entregue

ao senado que manteve as estruturas locais existentes para exercer essa competência. Nas 11

regiões em que o território itálico foi dividido a jurisdição era exercida por 4 iuridici. A partir de 117

foram instituídos os curatores rei publicae, uma espécie de comissários extraordinários, nomeados

directamente pelo princeps para reporem a “normalidade”, actuando junto das estruturas locais de

governo. Em 217, a prática administrativa na Itália cobria de forma insuficiente a realidade

burocrática, de tal forma que foram nomeados correctores, para controlo efectivo do exercício da

acção administrativa romana nos territórios itálicos. Nas províncias não havia um critério uniforme

para a sua governação. A divisão entre províncias senatoriais e imperiais manteve-se. As províncias

senatoriais eram governadas por 2 proconsules designados pelo Senado (mandato de 1 ano); já as

províncias imperiais eram governadas pelos legatti imperiais, designados como propraetori ou legati

Augusti, nomeados pelo princeps por tempo indeterminado e livremente demitidos. Apesar da

divisão entre os 2 tipos de província se manter, o princeps podia intervir nas províncias senatoriais,

através dos seus legati ou quaestores, sobretudo para fiscalizar a administração financeira. Uma

tendência que se foi consolidando ao longo do Principado foi a divisão entre poderes de jurisdição

civil, penal e militar dos governadores provinciais (tinham imperium e iurisdictio; faziam de praetor e

de iudex na “administração da justiça”; faziam adaptações constantes do ius Romanum aos costumes

locais e às possibilidades de exercício dos poderes que lhes eram confiados); e as funções financeiras,

ou mais propriamente as fiscais, que ficavam a cargo de enviados da administração central, isto é, do

princeps. Mantinha-se, assim, a partição territorial na forma de arrecadar a receita: as receitas

provenientes das províncias senatoriais (stipendia) integravam o tesouro público e as receitas

provenientes das províncias imperiais (tributa) eram depositadas no fiscus Caesaris. Esta nova

organização colocava as conquistas das armas romanas ao serviço da consolidação do poder pessoal

do princeps.

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A República colocava o império ao serviço do Populus de Roma, através de uma constante política

consensualmente aceite: a distribuição da receita proveniente das províncias pelo Populus. Augusto

retoma aqui a linha seguida por Júlio César, com o pretexto de uma ligação pessoal assente na fides,

entre o princeps e as pessoas das províncias (laços de fiducia – ganhando o direito de apelar ao

princeps em caso de abuso dos seus funcionários), conseguindo o controlo pessoal efectivo das

províncias mais ricas e consolidando-o através da administração imperial, paga pelos próprios

provinciais. Com a concessão da cidadania a todos os habitantes de Império através da Constitutio

Antoniniana, em212, promulgada por Antonino Caracala, assiste-se a uma regularização

universalizada do statuos civitatis, institucionalizando o Império como uma unidade de pessoas

representada pelo “Estado”. Com raras excepções (como a perda de cidanania ou a alteração do

status libertatis) a cidadania romana estendeu-se a todas as pessoas, até aos peregrini nullius

civitatis. A distinção social dos cives entre humiliores e honestiores manteve-se. Nos honestiores

estavam integrados os romanos: da ordem senatorial (ilustres, spectabiles et clarissimi); da ordem

equestre; os militares; os funcionários da administração central e periférica; os profissionais liberais;

os decuriões e o clero. Dos humiliores faziam parte: os homens de negócio; os artesãos; os que

trabalhavam na cidade e no campo e os colonos ligados às terras. O Principado reforçou e

rejuvenesceu as bases jurídico-políticas de formação e consolidação de um Império em Roma. A crise

do Império iniciou-se com a crise do Principado, como regime politica e forma de governo.

As causas do fim do Principado

São muitas as causas apontadas pela doutrina jurisromanística que, convergindo, levaram ao fim do

Principado como regime político:

1. Desde logo, uma das principais causas da morte do Principado está na sua certidão de

nascimento. O Principado aparece com uma estrutura hibrida o que deixa em aberto a

relação do princeps com os órgãos de poder da República, competindo ambos nas mesmas

áreas de acção governativa. O equilíbrio geométrico entre ambos era impossível e o sistema

favorecia o princeps, com tendências monárquicas. Assim, tudo dependia das características

pessoais do titular do poder político e militar: o princeps;

2. Assiste-se, na prática, a uma desromanização/desitalinização do Império, em que a presença

de romanos na titulatura itálica vão-se paulatinamente esvaziando e esvaindo. A península

itálica produz pouco e gasta muito e a sua demografia entra em crise profunda, deslocando o

eixo da política imperial romana par as províncias;

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3. Com o fim das grandes campanhas militares, seca a fonte de angariação de escravos, o que

têm obvias implicações na produtividade dos campos agrícolas. O campo é abandonado e

acentua-se o movimento acelerado de urbanização. A substituição de escravos por colonos

no cultivo dos campos foi também um fracasso;

4. A incapacidade política de manter os vínculos institucionais a Roma de todas as parcelas do

Império obrigou a iniciar um processo de autonomia política progressiva das províncias. O

resultado é a desagregação política com efeitos económicos inevitáveis: a resistência cada

vez maior das províncias em enviarem as suas receitas para Roma; o abandono da

manutenção de infraestruturas básicas por falta de fundos; a influência nas instituições

políticas da ordo barbarica;

5. O recrutamento de pessoal oriundo das províncias do Império abriu caminho para divisões

territoriais e étnicas, em apoio as reivindicações de autonomia, o que enfraqueceu o papel

do exército como firme instrumento de unidade politica, a sua hierarquia e a disciplina;

6. O ainda insipiente Cristianismo começou a difundir-se no Império, ameaçando a figura do

Imperador dominus et deus como factor de unidade politico-territorial, aquém todos os

romanos adoravam e reconheciam como deus. A recusa dos cristãos em adorar o Imperador

e os novos valores morais por ele introduzidos, tinha como principal efeito a separação dos

poderes político e religioso. Os cristãos não obedeciam às leis do Império que os obrigavam a

fazer coisas contrárias aos mandamentos da sua fé, fragilizando um dos principais elementos

de coesão do Império: a lei comum. O cristianismo punha em causa o Imperador, como

divino, e o seu imperium expresso nas leis.

Quinto Período: Princeps como rex no Império Único (285 a 395)

Diocleciano

Reformas que recuperaram o império único

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Diocleciano iniciou a recuperação do império através do reforço da autoridade imperial assente no fundamento teocrático do poder monárquico absoluto de tipo oriental, recuperando a excepcionalidade do regime, justificando-a pela necessidade de enfrentar a insegurança e a anarquia

e tranquilizar o senado. A preocupação política era a superioridade da Roma e a romanização através da via militar, suporte do poder imperial. Diocleciano considerava que só com a reinstitucionalização politica de conseguiria a unidade de Estado e a grandeza de Roma, perdida durante o Principado. O orientalismo politico decorria da conjuntura social desfavorável e da dispersão do poder romano, significava um retorno à matriz romano-itálica e ao caracter pagão e laico. O vinculo oriental oferecia um forte pendor simbólico ao princeps-rei-deus e revelava a localização do poder efectivo e das elites (hierarquia), conquistando a estabilidade politica e económica através das forças armadas e das instituições e das reformas injustas:

Construção de um corpo normativo sistematizado permitiu a força armada de Roma num único exército – disciplinado, hierarquizado e obediente;

A hierarquia da administração central foi reformulada em torno da institucionalização de um Consistorium sacrum, órgão de consulta do princeps;

Os governadores das províncias perderam competências militares e tributárias e tornaram-se representantes (funcionários) da administração imperial nas províncias;

A hierarquia administrativa colocava o princeps no topo e os agentes distribuíam-se pelas circunscrições territoriais, governadas com uniformidade politica; o império dividia-se em 4 preturas, tendo sido abolida a distinção entre províncias imperiais e senatoriais;

A reforma tributária atenuou as reivindicações e o sentimento de exclusão e injustiça, ao devolver o equilíbrio contributivo, beneficiado pelos simples critérios de recolha;

Publicação do edictum de prettis rerum venalium – fixação do preço de todos os bens e penas para quem os violasse – 301 d.C.;

Criado o curator civitatis para exercer o controlo governamental a partir das administrações financeiras do imperio, recrutando no âmbito do ordo decurionum

Iugum – unidade territorial fiscal, de diferente extensão devido à diversidade cultural, definia a annona pelo conteúdo dos terrenos: animais, escravos, colonos

A tetrarquia

A reforma mais ousada foi a tentativa de construção do topo da hierarquia imperial assente na figura da tetrarquia. Assim, diocleciano nomeou Maximiano como co-imperador (por potestas) e dividiram as preturas ocidentais e orientais e foram logo nomeados os sucessores dos imperadores, oriundos do exército, já com poderes efectivos em outras regiões. Neste regime, definido na Constituição Material, existia a obrigação dos imperadores de não envelhecerem no cargo, renunciando a favor de Caesares, investidos como Augusti, que deveriam seleccionar 2 sucessores e assim sucessivamente. Deste modo, cria-se uma vantagem devido à possibilidade de manter o supremo comando da força armada tomando a defesa do Império efectiva sem perigo de rebelião. Alem disso garantia-se a sucessão das chefias políticas e militares através das regras que impunham soluções prévias - escolha dos mais aptos, substituição dos imperadores. Em cumprimento do disposto constitucional, diocleciano renuncia ao cargo de imperador, em 305, mas o projecto falha já que a morte do sucessor Constanço desencadeia uma luta pelo poder, visto que a escolha dos sucessores de Diocleciano não fora respeitada. Assim, o exército impõe, pela força, a aclamação de constantino, como imperador e a tetrarquia chega ao fim.

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Constantino

Roma: Coroa centralizada pela Administração imperial

A situação de co-regência e a separação politica Ocidente e Oriente durou apenas 2 anos, pois as divergências entre Constantino e Licínio acentuaram-se. Então, depois do assassinato de Licínio, Constantino passa a governar sozinho Roma e Bizâncio. Sem oposição, conduz o poder imperial ao despotismo oriental monárquico, assente na autoridade do chefe e no principio dinástico pela aquisição das tradições romanas e itálicas do Principado com reforço da matriz militar. Assim fecha-se o circulo politico de Roma com o regresso da Natureza jurídica monárquica da coroa, que consistia na regressão jurídico-institucional de Roma. Constantino segue a reforma burocrática de diocleciano e substitui os débeis e desorganizadas estruturas republicanas e aristocráticas, fixando uma orgânica para os seguidores administrativos ao imperio com hierarquias, honras, carreiras, categorias e uniformidade de remunerações. Cada vez mais próximo de um governo unificado com características de “soberania estadual”, o consistorium passa a integrar:

Dois chefes de administração financeiras fiscais: chefe do erário e o chefe do património da coroa;

Magíster officorium, chefe da casa do imperador; Quaestor sacri palatii, chefe do tribunal imperial.

São afastados os praefecti praetori e os comités Augusti passam a garantir a articulação entre os governos provinciais e o governo central. O direito publico romano, ainda radicado nas estruturas institucionais das magistraturas republicanas, agora correspondia à vontade do seoberano expressa na lei, na decisão politica normativada e na ordem administrativa hierarquicamente executada. Esta centralização de criação jurídico-publica de caracter monárquico autoritário de pendor pessoal e burocrático assente na imposição hierárquica não se concilia com as estruturas que mantinham o império.

Cristianismo: factor de unificação e governabilidade

O cristianismo deixa de ser perseguido para se tornar uma força de atracção de pessoa e classes dispersas para a orbita da coroa romana, constituindo um elemento de unificação politica e religiosa e um instrumento de poder do imperador. Invertia-se a generalizada perseguição aos cristãos (por diocleciano), devido ao potencial de obediência que a construção da fé cristâ proporcionava, permitindo manter o império romano unificado. Esta tendência já se iniciara há algum tempo: Constantino já tinha adoptado um Código político filocristão: o Edicto de Milão (313) torna livre o culto do cristianismo , abrindo uma politica de tolerância religiosa que equiparava os cristãos às outras religiões. Então, o Cristianismo, através de um conjunto de actos imperiais inscritos num iter progressivo que lhe conferia vantagens e privilégios, torna-se na religião oficial do Império, superior às restantes religiões. Reconhece-se a jurisdição do bispos cristãos, doa-se propriedades à igreja, são proibidos cerimonias e te,plos ofensivos para os cristãos, que, em contrapartida, aceitaram a intervenção do Imperador em matéria religiosa e administrativa.

Após Constantino (337 a 395)

O princípio dinástico, instaurado por Constantino não funcionou e os conflitos entre famílias na disputa do poder destrói a capacidade de resposta de Roma às crises e ameaças militares –

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Constante e Constanço, com igualdade de poder politico, adoptam políticas antagónicas. A partir daí, verifica-se uma sucessão de tomadas de posse (investiduras) que abrem um período de anarquia e desgoverno. Quando Constante é assassinado, Constanço nomeia Gaio como seu Augustus para substituir o irmão. Gaio inicia um governo despótico, abusando dos poderes, e é destituído e julgado e Constanço nomeia o seu meio-irmão Juliano para o lugar. Em 361, Constanço morre e Juliano é aclamado Augustus pelo exército. Reina sozinho, tentando diminuir a despesa publica e diminuir a carga fiscal. A sua morte abre um novo período de anarquia e desgoverno até que o exército impõe Valentiniano e Valente como imperadores, que iniciam um governo militar, entregando os mais elevados cargos políticos a oficiais. Os abusos do poder, sem controlo pelo Direito ou magistraturas, levaram à criação do defensor plebis ou civitatis. Valente e Valentiniano morrem em guerra (375 e 378) e o filho deste último, Graciano, é aclamado imperador e designa como co-imperador Teodósio (379), militar que procurou a centralização do poder político derrotou os Visigodos, permitindo a sua entrada no exército romano, o que contribuiu para a barbarização das forças armadas e a perda da componente da estabilidade que o exército detinha, assistindo-se a desromanizaçao do exército imperial. Teodósio proclamou o Cristianismo como religião oficial (Édito de Tassalónica – 380) e proíbe cultos pagãos, que eram a base das estruturas ideológicas e sociopolíticas do império. Deste modo, a substituição do paganismo pelo Cristianismo representou também uma ruptura de mentalidades colectiva e pessoais com reflexo no regime imperial e na sua possibilidade politica. Teodósio morre em 395 e rompe-se definitivamente a possibilidade de manter o império unido, passando a coexistir, de forma completamente separada, dois Estados diferentes, duas partes imperii (Oriente e Ocidente) com reis diferentes que entram em guerra.

A iurisprudentia possível

Com a interpretação literal da máxima “ quod principi placuit legis habet vigorem”, para que prevalecesse a vontade do princeps sobre as demais fontes de direito, a iurisprudentia deixa de existir como actividade própria dos jurisprudentes. O ius respondendi é extinto e já não cabe aos jurisprudentes actualizar o direito tradicional, apenas ser consultores do imperador, representando-se como membros do consistorium ou da chancelaria imperial, que rediziam as constituições imperiais. O ius passa a estar fechado e o direito deixa de passar pela iurisprudentia, que se torna o repositório de regras para legitimação de poderes consagrados. Como compilações de um direito que fora actuante e vivo, as obras dos jurisprudentes antigos são invocadas para impedir, em Roma, uma iurisprudentia livre com as mesmas características que tornaram os iurisprudentes prestigiados, tornando-se injustos perante o poder tirânico. Assim, os jurisprudentes só podiam expressar-se através das constituições imperiais e aplicar o seu conhecimento, quando este conviesse ao princeps e fosse conjugável com o seu interesse. Deste modo, o ius só aparece pela lei submetido aos interesses dos titulares do poder político, inclinando-se para a deturpação com fins estranhos à justiça e equidade.

Conteúdos temáticos

Binómios fundamentais

Ius/fas

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O fas correspondia às normas religiosas e o ius às normas jurídicas, todavia, eram conceitos confundidos na antiguidade clássica, pois o rei ditava as regras emanadas pelo poder divino e mediava a relação entre deuses e humanos. O fas era composto pelas regras, rituais e fórmulas ditadas pelos deuses aos sacerdotes e aos reis, devendo ser cumpridos pelos romanos como um ideal de vida sagrado criado para a felicidade dos homens, ou seja o faz era reconhecido como lex divina que se concretizava em lex romana. Então, o ius resulta do faz, e corresponde às convenções humanas que assentavam no fas, mediante o processo seguinte: o fas através da interpretação humana expressa-se nos mores maiorum, direito originário de Roma concretizado no ius, formando um quadro de ligação entre direito, religião e politica.

Ius publicum/ius privatum

Esta distinção no período do Principado só começou a preocupar os jurisprudentes da época de Adriano, tendo-se, a partir daí, instalado um conflito doutrinário. O ius publicum só ganhou relevância com a transferência do poder familiar para o Estado, passando a desempenhar funções fundamentais na tarefa jurisprudencial. A entidade politica, o “Estado” está dotado de maiestas e imperium, mas começa a agir como pessoa jurídica, disciplinado também pelo ius privatum, e não só pelo ius publicum. Então Ulpiano define o critério utilitas em que o público serve a utilidade pública (era o conjunto de normas que os particulares não podiam rejeitar, de caracter imperativo e interesse social e geral), por sua vez o privado servia para pessoas singulares. Este critério, desde cedo, deixou de ser aplicado devido à sua acção como particular.

Ius civile/ius honorarium

O ius civile, anteriormente advindo da interpretatio dos sacerdotes sobre regras divinas e mores maiorum, é criado pelos prudentes (jurisprudentia) e pelo Populus, considerado o direito próprio dos cidadãos de Roma. O ius honorarium é criado pelos magistrados composto pelo ius praetorium e actos do pretor no exercício da sua iurisdictio e imperium – ius edictale e ius magistrade – é formado a partir dos edictos dos: pretores, edis curuis e governadores das províncias. No ius honorarium, o conteúdo das normas e a sua autonomia formativa é mais completa, sistematizada e eficaz que o ius civile. A acção mais autonoma do pretor torna o ius honorarium uma referencia para o ius civile, preenchendo as suas lacunas: no exercício do ius edicendi e na sua aplicação com recurso à aequitas, permitindo criar novas regras para novas situações. A liberdade e o imperium do pretor na aplicação do direito permitiu criar limites ao ius civile, então a formalidade civile é atenuada no âmbito do ius honorarium, o que permitiu manter a eficácia e legitimidade do ius civile. Os jurisprudentes sempre se opuseram ao pretor como criador de ius, pois sendo magistrado e político a sua função era a aplicação, não a criação. Mas com o tempo e com a intervenção do pretor na aplicalçao constante do ius civile, estes acabaram por iniciar a actividade criadora de preceitos jurídicos, permitindo ao pretor tonificar o ius civile, numa época de expansão demográfica e territorial e novas práticas e negócios contratuais. Desde aí, jurisprudentes e pretores uniram-se na aplicação e desenvolvimento do ius romanum, compondo um dualismo institucional e evitando uma fusão que comprometeria a riqueza de ambos (civile e honorarium), deste modo, as contradições entre os dois foram desfeitas. Então, o ius civile mantem-se como corpo normativo separado, repositório de romanidade e identidade jurídica assente na tradição, adaptável, vivo e prestigiado.

Ius naturale/ius gentium

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Ius naturale é um direito comum a todos os animais, incluindo os homens (n era exclusivo dos homens – Ulpiano), a que a jurisprudência resistiu por não aceitar a igualdade jurídica entre homens e animais. É o direito que permanece no tempo porque é bom e equitativo, noção recuperada pelos cristãos, ligando ius naturale à humanitas, caritas e aequitas. Na época clássica, as jurisprudentias aproximaram o ius naturale e gentium, mas os compiladores justinianeus voltaram a separa-los, afirmando que o ius gentium era o direito positivo comum a todos os povos, enquanto o ius naturale era comum a todos os homens. A evolução dos ordenamentos jurídicos contrapõe o ius naturale ao ius gentium, que retractavam o intuito prático, criado pelo pretor peregrino, necessário enquanto se mantinha a distinção entre cidadãos e estrangeiros e o princípio da personalidade dependia da territorialidade na aplicação do ius. Colocada esta situação foi preciso adaptar o ius civile às realidades sociais e comerciais emergentes. Foi o pretor peregrino a criar novas instituições, concepções hibridas e um alargamento do ius às coisas susceptíveis de comércio, sob os valores da equidade e da boa-fé para ultrapassar a rigidez do ius civile. A abertura do ius civile à nova disciplina das relações negociais e o reconhecimento da cidadania a todos os habitantes do Império, via ius gentium, contribuiu para a sua integração no ius romanum

Ius singulare/ius commune

O ius singulare contrapõe-se às normas comuns, são normas jurídicas singulares ou excepcionais. O ius singulare corresponde à antítese dos princípios gerais de ius, ou seja, o ius singulare é o oposto de tenor rationis pois contrariava o ratio ínsitanos princípios de direito, ius commune. Sendo assim, a diferenciação entre ius singulare e ius commune assenta nas oposições entre utilitas e ratio, a excepção e a regra, porém com o fundamento de prevenir e resolver conflitos pelo ius.

Ius scriptum/ius non scriptum

Inicialmente, o direito não estava escrito mas vigorava e passava de geração em geração. O monopólio do conhecimento da lei e da respectiva interpretação criavam suspeita e injustiça no âmago do direito, por isso optou-se pela escrita, permitindo a publicidade e generalidade das leis e, desta forma, a possibilidade de tratar todos por igual (lei das XII Tábuas). Gaio – separou o direito escrito (leis, plebiscitos, senatusconsulto, constituições imperiais, edictos de magistrados e respostas de prudentes) do não-escrito (determinações divinas e costumes). Justiniano – direito escrito é todo o que pode ser consultado em textos escritos, acessíveis, fixados pelos órgãos competentes com caracter permanente, não integra costumes nem decisões do magistrado para casos concretos. A distinção parte da separação do consenso tácito da cidade, com aplicação pratica e assente na aceitação de princípios comuns (ius non-scriptum) da norma com fundamento material escrita (in scriptum), dicotomia que ganhou importância quando as fontes de produção politica se apropriam das fontes de criação jurídica aceites. Tal situação faz corresponder a lex ao ius scriptum. (positividade), ficando o ius non-scriptum a expressão do costume aceite pelo ius, direito consuetudinário. Justiniano defende que o Imperador cria Direito e deve ser a lei, aceitando normas de criação consuetudinárias, assim o ius non-scriptum aceite corresponde a mores consuetudinários vigentes pelo uso prolongado e pelo tacitus conseusus populi.

Ius vetus/ius novum

Esta dicotomia foi introduzida no séc. IV e V para explicar o período de pluralidade de fontes criadores de ius (Republica) e outro de monopólio na sua criação através da vontade do Imperador

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(Principado) em que as constituições imperiais passam a ser parte única do direito e única forma aceite pelo poder politico de criar direito e interpretá-lo, pois a vontade do titular supremo do poder político era absoluta. Contrariamente, na Republica, era respeitada a legitimidade e as normas criadas não serviam para agradar ao Imperador (ius novum – constituições imperiais), mas valorizados no conteúdo e na forma. Assim, os conjuntos normativos (leis, senatus consultos, edictos do pretor, jurisprudentia e constituições imperiais) até ao séc. III são considerados ius vetus, criando uma pluralidade de fontes e aproveitados pelos jurisprudentes que deram origem à literatura jurídica clássica de Roma.

Iustitia/aequitas (justiça/equidade)

Em Roma, quando uma norma de direito positivo era considerada injusta, a jurisprudentia invocava o seu afastamento através de uma regra de ius “in casu”, concretizando a justiça e colocando esta como finalidade do ius. Assim, ius e iustitia eram equivalentes integrados na resolução justa do caso, presente no discurso dos prudentes romanos na necessidade de confirmara a solução justa como ius. Neste âmbito, os dois termos aproximam-se de aequitas, mas a diferença ius e iustitia está mais vincada devido à compilação de processos e soluções e à sua burocratização e aproximação do poder politico (constituições imperiais). Os jurisprudentes além de não prescindirem de iustitia na solução da solução para o caso concreto, têm de a conseguir impôr no ius por via da aequitas, mantendo a iustitia no ius. A sua tarefa não era uma catividade unica apenas mas uma contusão generalizada e conceptualmente definida. A iustitia era o modus operandi do ius, era uma vontade colectiva fundada na utilidade comum e no ambiente social, agregada às manifestações normativas dos mores maiorum, sendo neste processo que surgia a equitas. A equidade era mais do que a adequação ao caso concreto, formava o ius em complementariedade com o bonum e era a base decisória do juiz. O índex romano necessitava de aequitas para verificar as normas aplicáveis para solucionar o caso com justiça, assim se expressava a aequitas (produção de equidade), o motor da força de adaptação do abstracto e geral ao concreto, pelos pretores e prudentes. A aequitas, que se perdera com os Imperadores, residia na actividade prudente e pretoriana, não na actividade politica como instrumento de governo. Porem, a sua utilização politica com a monopolização das fontes de direito, retirou-lhe o valor devido, caindo na banalização do termo com o seu uso na produção legislativa do princeps, expulsando-a do quotidiano jurídico romano. As explicações autónomas de aequitas (igualdade, proporção, natureza) impediram:

Compensação da sua carência operativa na resolução dos casos; Alteração e inovação, consequentemente a sua sobrevivência como criadora de solução para

o caso; A autonomia conceptual da aequitas face à iustitia; Processo justo para a interpretação adequada da norma para a resolução do caso.

Conclui-se que a aequitas prende o ius à iustitia, cuja separação não integra a disciplina prudencial, mas a retorica e os advogados. Quando o ius, conjunto de regras que pautam as relações privadas entre pessoas, deixa de se resultado do trabalho criativo dos jurisprudentes e do pretor (poder politico torna-se única fonte legislativa), a iustitia torna-se como referencia externa para aferir da juridicidade (justiça das leis). O direito privado criado unicamente pelo princeps já não é ius, de modo que essas considerações só se aplicam enquanto o ius é o ius dos jurisprudentes e do pretor, não quando o ius é lex do princeps. Quando o direito é criação do poder politico, a iustitia aparece como apelo aos injustiçados para moderar a cegueira do julgador que só aplica leis, seja a solução justa ou

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injusta. Para o Imperador pagão, a iustitia significa demência e indulgência, quando este é cristão a iustitia reentra no ius.

Beneficium/Privilegium

O privilégio permite uma aplicação discricionária da norma a determinadas pessoas, a favor ou contra elas. O privilegium foi sempre repudiado pelos romanos, mas a aristocracia senatorial e os imperadores acabaram por conceder excepções injustificadas a regras jurídicas, criando injustiças e desigualdades. Augusto limitou o privilégio de cariz subjectivo violadores da objectividade normativa do ius, mas o Principado e o Dominado aumentaram tal discricionariedade e surgiram as constituições pessoais (Ulpiano). Os privilégios correspondiam a um favor ou prejuízo feito pelo titular do poder, tornando-os parte do exercício legislativo e politico. Nesta acepção, o privilegium aproximou-se do beneficium e do ius singulare, mais para beneficiar uns do que para permitir justiça no caso concreto e aplicar a equidade.

Auctoritas/Imperium

O ius é uma força que necessita de auctoritas para ser válido e eficaz, tanto na criação como na aplicação. Assim, o ius é criado pela auctoritas dos jurisprudentes e aplicado com o imperium dos magistrados. Com a derrocada da jurisprudentia e do ius praetorium, a actoritas é reduzida ao pretigio, passando para a consultadoria de entidades politicas que têm imperium para fazer lex (princeps) e na aplicação, o índex dá a sentença imposta pelo imperium do “Estado”. Os jurisprudentes, conhecedores do ius, tinham auctoritas, saber socialmente reconhecido assente na experiencia, base de aceitação pela comunidade das soluções propostas (responsa prudentium). A auctoritas prudentium é sustentada apenas pela actividade jurisprudencial. O imperium é um poder detido pelo rei, chefe político, e na República pelos magistrados. Este continha: poder militar de comandar os exércitos, poder de convocar as assembleias populares e o senado, e de declarar direito para efeitos de aplicação. A potestas, poder de representar o Populus, é comum a todos os magistrados, enquanto o imperium só é concedido a cônsules, pretores e ditadores. O triunfo da lex sobre o ius (imperium sobre auctoritas) introduz a confusão entre autoridade e poder, remetendo a auctoritas para a afirmação do dever ser normativo e a sustentação da justiça como meta do ius, não da lex. O ius é criado pela auctoritas dos jurisprudentes mediante a aceitação social, enquanto o antijurídico consiste na aplicação cega dos critérios políticos no acto de legislar.

Iurisdicto/lex

A iurisdicto era o poder supremo de, com normalidade e regularidade, declarar a existência de um direito que podia ser exercido ou negar tal existência, sendo a principal autoridade do pretor e do edil cônsul para resolver litígios, no âmbito da: cura urbis (fiscalizar a conservação das vias e edifícios públicos), cura ammonae (fiscalização de mercados) e cura ladarum (intervenção em eventos públicos). A lex era toda a norma jurídica escrita, uma declaração solene com valor normativo emitida por um órgão ”constitucional” com competência e legitimidade, consoante um acordo entre entidade emitente e destinatários. A lex privata (disposição solene com valor normativo) criava ius privatum e a lex publica ou lex rogata criava ius com base num acordo entre o magistrado que propõe (rogatio) e o povo, que aprova em comum (communis), com base em prerrogativas públicas (iussum), uma norma solenemente declarada. A lex pode ser considerada um spansio communis que vincula o magistrado e o Populus.

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Fontes de Direito

Noção

O ius romanum não é ius por causa da fonte e não devemos identificar a expressão normativa do poder politica com a norma jurídica, pois o ius nunca correspondeu às formas de manifestação de potestas. O ius romanum, com expressao num ius civile autónomo, manteve os fundamentos teológicos, filosófico-metafóricos, e culturais como factores constitutivos do direito e a sua fundamentação encontra-se fora de prescrições legais, da prática social estabilizada e do consenso entre todos.

As fontes de direito revelam o processo criador e as formas de manifestação do direito vigente; podem ser de história interna ou externa, mas com dupla natureza de conteúdos: real (direito na vida quotidiana nas suas manifestações concretas), formal (a sua formulação narrativa e a sua integração num ordenamento jurídico). As fontes são elementos estruturantes do processo de juridificação, isto é, modos subjectivos de ver a realidade comportamental humana que forma a base da realidade objectiva do direito. São os momentos que marcam a passagem do facto enunciativo de um certo comportamento, ou descritivo, para uma forma de agir jurídica. Passa pela definição do q é jurídico nas praxes sociais e na realidade quotidiana de Roma e pelas tensões entre facto e direito expressa no ordenamento jurídico aplicado ao ius romanun, numa sociedade que tornava o direito –ius como modo de formular e efectivar um conjunto de preceitos e valores comuns. As fontes de direito são elementos de um processo de criação e instauração de modelos consensuais de comportamento a seguir pela sociedade, marcando a passagem para o jurídico quando a comunidade requer tal efectividade.

Porque “fontes de direito “ e não “factos normativos”?

A fonte de direito está ligada a procedimentos relativos à produção de direito, enquanto um facto normativo é relativo à origem única da norma jurídica, contrariando a pluralidade na criação de ius. Facto normativo consiste no conjunto de todo o comportamento individual apto para regular outros actos bem como os processos sociais indeterminados que dão origem aos costumes. Por sua vez, fonte de direito assenta no seguinte: a criação de direito não se funda apenas em factos jurídicos, mas num conjunto de condicionantes exteriores ao fenómeno jurídico. “O direito deve mostrar-se como direito e não simplesmente como poder” – Hans Welsel. Tal definição procura a justiça concreta e não a generalidade e abstracção das normas, bem como separar o jurídico, aplicado ao caso concreto dos depositários de argumentos. A utilizaçao de “fontes de direito” justifica-se pela autenticidade presente na criação de ius Romanum, jurisprudencial e de aplicação plural em busca da realidade e eficácia.

Factores de criação de ius romanum

Factores consuectudinarios de Ius romanum

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Mores maiorum, usus e consuetudo

O usus é uma prática reiterada no tempo (sem obrigatoriedade), já o consuetudo (costume) trata-se de uma prática reiterada temporalmente (adjectiva) com caracter de obrigatoriedade (subjectiva). Na sequência deste ultimo, surgem os mores maiorum, num conjunto de princípios de marcada religiosidade e forte conteúdo, transmissíveis com pequenas alterações, embora frequentes, por tradições. As violações ao mores maiorum eram sancionadas na esfera do ius sacrum, através de causecratio capitis, receatio, legis actio sacramenti, no âmbito da centralidade da religião, não existindo, ainda, separação entre ius e fas. A solução justa para um conflito provem de uma ordem anterior, os mores maiorum, expresso no ius pontificium e, mais tarde, no ius praetorium.

A magna auctoritas dos mores maiorum

Os mores são um conjunto de regras de matriz religiosa consensualmente aceites que integravam um património de valores e crenças conservados com adaptações mínimas pela tradição em que, na ausência de leis, os sacerdotes pontífices eram os protectores do estado vigente. Assim, os mores maiorum eram um conjunto de regras fundadas na tradição que expressavam o moralmente aceite e de aplicação comprovada, desenvolvidas e adaptadas na resolução de casos concretos pelos sacerdotes pela invocação da intervenção divina na interpretação do caso. A interpretatio dos sacerdotes eram, além de integradora de lacunas, eram criadoras de novas regras de ius e novas instituições jurídicas, constituindo uma fonte de direito, a par da lei e do costume. Este estado de coisas dominado pela religiosidade gerava um ius incutum mantido pelos intérpretes da vontade divina dos colégios sacerdotais. Até ao afastamento da intervenção divina na solução jurídica pela intervenção da racionalidade argumentativa patente nas respostas dos jurisprudentes (interpretativo prudentium), a aplicação dos mores maiorum era impositiva/declarativa. O costume fazia parte do ius saiptum que se identificava com os mores maiorum. Porem, a hierarquização e relação das fontes de direito é inalcançável, sendo o único elemento estável comum o costume, dotado de obrigatoriedade. A imposição legislativa, fiel ao consuetudo e à vontade popular, não se identifica com a auctoritas que caracteriza a criação de ius, mas com o imperium que faz cumprir a lei. Por isso, os jurisprudentes republicanos não contestavam a importante auctoritas dos mores maiorum na definição de regras a aplicar na resolução de casos e só os imperadores (Dominado) começam a impor a sua vontade sobre todas as fontes de direito. S. Severo considerou o costume ambíguo, enquanto Constantino afirmava que o costume não podia prevalecer sobre a lei. Consubstancia-se a degradação da forma consuetudinária de criar direito, devido à introdução de usos na sua concepção, que é um hábito sem obrigatoriedade e que se procede na consciência social da comunidade. O usus não é uma fonte de direito, o consuetudo é e os mores maiorum compõe um conjunto de referências para elaborar regras, que é formalizado na Lei das XII Tábuas, um fundo tácito de valores e tradições, consensualmente aceites. A posição do consuetudo/costume no ius romanum é de grande e superior autoridade, sendo imprescindível para a eficácia do ius, pois o ius estava na vontade do povo e era constituído pelos comportamentos duradouros que permitia razoabilidade nas soluções. Avançada a degradação do ius em lex, o costume começa a servir como mero instrumento interpretativo da lei. O ius flavianum, inscrito nas fontes de direito romano, é o 1º e principal momento de racionalização do ius romanum, a solução deixa de ser explicada apenas pela intervenção divina dos sacerdotes e passa a ser explicada com argumentação fundamentada no pleno da compreensão humana. O ius quitum designou o 1º ordenamento da civitas romana integrada por um 1º núcleo de conceitos jurídicos elementares; era o conjunto de normas destinadas

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a diferenciar o ius romanum aplicado aos cidadãos de Roma, das regras que disciplinavam outras comunidades, mas comuns às varias gentes patrícias que contribuíram para a formação de criticas, anterior ao ius civile romanum. Quando os plebeus conquistaram paridade de direitos políticos, como o acesso às magistraturas, transformação do exercitus centuriatos em comitia centuriata e abalo das estruturas sociopolíticas, o ius muda; então, o ius quitum dá lugar ao ius civile, cuja liação evolutiva estava ligada aso mores maiorum. Assim, o ius civile engloba todas as fontes de direito incluindo a legislativa, porque é a interpretativo dos mores maiorum, realizada pelos jurisprudentes, partindo da auctoritas, sapienta iuris, etc à concessão do ius publice respondendi. No D. romano, a passagem da criação consuetudinária para a criação politica, por via legislativa, explica a ausência do costume nas fontes, vendo a sua importância reduzida, pois, segundo os jurisprudentes se tenham esgotado, porque o alargamento do Imperio tornava impossível a formação de costumes gerais. Então, a criação jurídica apenas se funde nos costumes, mores maiorum.

Fontes de criação de ius na acção dos magistrados

Edicto do pretor

O edictum era o programa das actividades que o magistrado se propunha a desenvolver durante o mandato do pretor, sendo afixado publicamente. Tal edicto cria o ius praectorium (fonte do ius honorarium). O edicto do pretor era uma das fontes de direito objectivo em Roma, logo eram manifestações normativas de ius Romanum formando a regra, a programática e a excepção. Vinculado ao seu edictum (lex cornelia, 67 a.C.) o pretor urbano dispunha de meios coercivos para obrigar as partes a pôr-se de acordo sobre o indicium (procedimento 2º o qual um índex decidia o litigio), limitado pela opinião publica e pela intercessio do colega. A promessa política tem uma formulação normativa que vincula o pretor aos seus destinatários e permite a sua compilação como um “código de normas”. Contudo, os jurisprudentes não só transcreviam a opinião dos outros sem as citar, como repetiam soluções e argumentos dos edictos dos magistrados. Então a relação magistrados/ jurisconsultus/ princeps baseava-se no seguinte: “não é o pretor que dá poder normativo ao princeps, nem que dá exequibilidade às opiniões dos prudentes”. Alias, o ius publice respondendi permite aos prudentes dar pareceres vinculativos, obscurecendo o prestígio e poder do pretor, possibilitando a codificação do poder normativo do princeps, no âmbito da transferência de poder populus/princeps. Em suma, o princeps fazia leis, o jurisprudente criava ius e o magistrado definia no plano das fontes de direito; todavia, a opinião dos jurisprudentes estava em degradação desde o ius publice respondendi e da communis opinio.

Expedientes do pretor

O expedientes do pretor baseados no seu imperium destinavam-se a interpretar, completar e corrigir o ius civile, tais expedientes eram:

Stipulationes pretorial – é uma estipulatio imposta pelo pretor com o objectivo de proteger uma certa situação social não prevista no ius civile, mas que no entender do magistrado merece protecção. A stipulatio é um negócio jurídico (solene, formal, oral e abstracto) entre presentes que cria obrigações a partir de uma pergunta feita pelo credor e uma resposta pelo devedor que se unem materialmente para constituir, com autonomia das suas partes, uma obrigatio. Assim, da stipulatio nasce uma obrigatio para o devedor e uma actio para o credor, que serve para obrigar o devedor a cumprir a sua obrigatio. Quando o devedor não cumpre a

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sua promessa porque estava livre face ao ius civile, então o credor recorria as stipulationes praetoriae, em que o pretor ordenava uma nova stipulatio com uma garantia pessoal (satidacio).

Restitutiu in integrum – este expediente tem um efeito oposto ao das stipulationes praetorial, aplica-se a casos em que o negócio jurídico valido pelas normas do ius civile resulta no injusto e desequilibrado quando efectivado. Assim, um credor com uma actio exstipulater a seu favor pode ser privado dela pelo pretor, se a obtenção do crédito não for justa ou adequada. O pretor para evitar a aplicação injusta do ius civile, desliga-se da stipulatio que criou a actio e a obligatio, cancelando a stipulatio, ou seja, ambos os efeitos de um negócio jurídico com a celebração de outro, de modo imperativo com ujma declaração de inexistência da stipulatio criadora da injustiça. Logo, existe uma restituição integral da situação anterior à stipulatio pois é desfeita. A partir da lex aebutia de formullis (130 a.C.), o pretor através de um decretum concede: exceptio ao devedor, inutilizando à cabeça os efeitos do pedido credor; delegatio actionis, impedindo o credor de usar o actio contra o devedor e evitar a obtenção de um resultado injusto (simplificação do processo)

Missiones in possessione – é um embargo de bens determinado pelo pretor como meio de coacção justo. O pretor assente no seu poder de imperium autoriza uma pessoa a apoderar-se ou deter certos bens de outra pessoa durante um determinado período de tempo, com a possibilidade de os administrar e deles fruir. O pretor concedia mission in rem quando a ordem se destinava a uma coisa determinada e uma missio in bona se a ordem recaía sobre o património de uma pessoa, um conjunto indeterminado de bens. Existiam 2 modalidades: missio in possessione rei servandei (visava apenas garantir que os bens não se dispersassem ou extraviassem, conservando os bens tal como estavam); e missio in possessione ex secundo decreto (se o destinatário da anterior não cumprisse, o pretor voltava a decretar o mesmo). Quando alguém não cumpria a sentença voluntariamente ou na honrava as confessiones in iure, o prretor ordenava uma missio in possessionem exectionis, uma missio in bona sobre todo o património do visado, garantindo que o património não fosse delapidado.

Interdicta – era a ordem dada pelo pretor, sucinta, imediata e imperativa, com base no imperium e na aparência jurídica, para proteger a situação que carecia de tutela. A ordem tinha efeitos imediatos, sendo condicionada e afecta a uma reapreciação em qualquer momento posterior à decisão. Normalmente era considerada a pedido de um particular interessado na tutela, embora pudesse ser concedido pelo interesse publico a pedido de qualquer cidadão romano (interditos populares). Os interditos podiam ser:

Exibitórios – destinavam-se à apresentação ou exibição de uma certa coisa; Restitutórios – oredem de devolver ou restituir uma coisa; Proibitórios – impedir ou proibir que alguém perturbe o gozo do direito do autor; Possessórios – proteger a posse, devido à insuficiência do ius civile; dividem-se

em retimendie possessianis e recuperandae possessianis.Expedientes do pretor baseados na sua iurisdictio

Exceptio e denegatio actianis – no sistema de legis actiones, o processo em oral, o pretor tinha uma intervenção simples: dar ou não actiones civiles, fundados no ius civile. Depois de

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130 a.C. introduziu-se o modo de processar o sistema de agir per pamulos, isto é, processo escrito pelas partes, em que a forma do processo e a sua tipicidade definem a forma e o tipo de direito. A fórmula é uma ordem escrita que o pretor dava ao índex para condenar ou absolver, consoante os factos fossem apurados e validados como prova. Assim, depois da lex aebutia de panulis, o pretor podia: anular os efeitos da actio civilis, sempre que a justiça e a equidade o exigissem através da denegatio actionis ou da exceptio que retirava eficácia da actio civilis; e criar actiones próprias. A partir daqui o pretor podia usar a via processual para alterar e corrigir o ius civile. A denegatio actionis negava a actio civilis, pois no caso concreto, existia a possibilidade do uso da actio redundar numa injustiça.

Actiones praetoriae - o pretor depois da lex aebutia de panulis podia criar actiones próprias complexas, logo criava ius. Então às actiones civiles juntaram-se as actiones praetoriae:

Actiones in factum conceptae – serviam para tutelar situações ou factos sem protecção jurídica por não estarem previstos no ius civile, dai a intervenção do pretor com esta acçao para tutelar pelo ius estas situações fazendo justiça;

Actiones ficticiae – serviam para ficcionar uma situação que não existia ou o inverso. Esta rompia com o real e logico das regras mas visava a justiça no caso concreto;

Actiones utiles – acções que o pretor criava por analogia com actiones civiles para casos idênticos;

Actiones ediecticiae qualitatis – destinavam-se a responsabilizar solidariamente o pater famílias pelas dívidas de filhos e servos seus, no âmbito dos contractos.

Fonte política legislativa: a formalização do ius na lex

Em virtude das vicissitudes politico-constitucionais, assiste-se a uma progressiva submissão do ius às leges, enquanto modos de aprovação politica das regras que passam a valer e a ser designadas como direito, que passa também a designar o senatus consultas e as constituições imperiais e qualquer modo de criação politica de normas jurídicas.

Lex entre as fontes de ius romanum

A hierarquia das fontes de direito tinha como topo a lei, numa posição contra o ius representada pelas constituições imperiais. Inicialmente, o ius romanum era alegalístico. A iurisprudentia não era uma solução legal. O ius controversum não garantia a certeza jurídica, mas um método na resolução de litígios em que o juiz deveria encontrar regras para solucionar um caso quando existissem opiniões contraditórias de jurisprudentes a consideração da lei como fenómeno extravagante do Direito muda ao longo da historia como “certíssima regula” até à cristalização do ius civile e ao supremo prestigio do legislador e da sua lex. As relações ius-lex são marcadas pelas tentativas de modificação do ius civile pela lex. Todavia, existe um autolimite da actividade do legislador e dos rogationes. A lei passa pelas relações entre a maiesta imperial e a aucoritas do ius principale. Augusto, com o ius publice respondendi, responde ao desejo do direito sem recorrer à lei, respeitando a autonimia e prestigio dos prudentes – Teoria da Lei. O processo de passagem do normativismo ao movimento codificador foi longo e o seu epicentro foi a iurisprudentia romana, que consolidou a experiencia em torno de princípios gerais fomentadores de um conjunto normativo homogéneo.

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O ius certum resulta da auctoritas dos iurisprudentes criadores de normas para casos concretos, que pressupõe tensões entre ius controversum/ius receptum/ius leges/, não tanto do imperium da lei.

A lei das citações ao negar o espirito criativo de uma iurisprudentia viva na adaptação do ius à realidade conflitual e ao obrigar o juiz a optar por uma das opiniões dos juriprudentes autorizados, apresenta-se como fundamento do ius certum, ao tentar disciplinar pela lei o uso dos jurisprudentes.

Os romanos sentiram a necessidade de certeza do direito, esta que resultava do facto dos jurisprudentes e pretores aceitarem como certas as rationes maiorum, sem indagarem a sua origem, partindo destas para a construção de direito. Então, possibilitando a actio como concretização do ius, permite-se a certeza como valor do direito.

A lex está ligada à ideia de securitas (certeza), por isso, existe e é fonte de direito, apesar da certeza residir realmente na ideologia jurisprudencial do ordenamento, não nas normas escritas formais, prévias, gerais e abstractas. Contudo, o direito mantém-se na procura de premissas para resolver casos concretos, de argumentos e de formas de conjectura sobre a verdade.

A especificidade do jurídico manifestou-se através da experiencia jurisdicional-jurisprudencial, autonomizando-se das intenções morais, religiosas, sociais e politicas.

Ius papirianum: as leis régias não integram a lex como fonte de direito

Apenas fixando a natureza legal dos actos normativos podemos excluir as leis régias compiladas no ius papirianum, por se tratar de meras prescrições religiosas. Não se pode afirmar que o ius papirianum é uma colecção de leis do período monárquico. O processo de formalização dos mores maiorum iniciado com a racionalização progressiva dos fundamentos do ius permite-nos aferir que só a partir da lei das XII Tábuas começa a produção legislativa, logo, sem juricidade.

Assim, só a partir da Lei das XII Tábuas existiram leis em Roma, determinações gerais expressas por uma norma, aprovadas pelo povo e sob proposta de um magistrado. As leges regiae, supostamente votadas e reunidas numa colectânea elaborada pelo pontifex maximus, não existiram como tal, de modo que todo o ius romanum era ius consuetudinarium.

Lei das XII Tábuas -1ª codificação romana

É uma codificação parcial dos mores maiorum vigentes em Roma. No entanto, apesar de incompleta, adquire grande relevância na construção criativa do Direito Romano. Constitui um corpo de premissas normativas com natureza abstracta e geral que produz fidedignamente as questões sociais e económicas da época, permitindo conhecer os principais factores de conflito e mecanismos de solução assentes na família e na potestas do pater. Contem material do ius quiritum e, por isso, tal documento reproduzia a realidade existente, apesar das tensões q obrigaram à sua feitoria. Definia a disciplina do poder do pater famílias e o seu exercício, a sua sucessão, a tutela dos seus direitos; a normação das relações de vizinhança, as servidões e as acções para defesa da propriedade; a disciplina jurídica da obrigação; acrescentar penas de morte e punições para traição, homicídio, quando o réu fosse culpado pela sua sentença; estabeleceu o modo processual, oferecendo estabilidade aos direitos das pessoas, fixaram-se 2 fases: ius iure e apude iudicem. A estabilização destas regras sedimentou a dicotomia:

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Legis actio sacramento/generalis – partes pronunciavam palavras das fórmulas prefixadas, faziam as promessas solenes de pagar a quantia ao aerarium no caso de derrota;

Legis actio per manus iniectionem – acção executiva geral, afectava o cumprimento de uma pretensão certa e indiscutível inscrita numa sentença intimando o devedor a pagar.

Estes contributos estabilizadores resultantes da formalização dos consensos, caracterizavam o período de transição monarquia/república, sendo o ponto de partida de separação entre direito público e privado. Crimes públicos perseguidos directamente pelo estado com pena pública, pecuniária ou corporal; crimes privados perseguidos pelo ofendido ou família através de formas próprias com sanção apenas pecuniária em benefício do lesado. Em suma, a Lei das XII Tabuas serviu de âncora para a aplicação dos mores maiorum.

Plebiscitos – determinações das assembleias plebeias

Eram deliberações da plebe reunidas em consilium que aprovava uma proposta de um magistrado plebeu (tribuno da plebe). A atribuição de eficácia vinculativa era condição para a integração dos plebiscitos entre as fontes legais do ius romanum. 449 a.C., a lex valeriae horatia de plebiscitis atribuiu força vinculativa geral a apenas algumas das deliberações, aquelas que respeitavam mais os plebeus, com o intuito de vincular a plebe toda, para que os magistrados eleitos fossem respeitados pelos patrícios. 339 a.C., a lex publilia philarius conseguiu a equiparação entre plebiscitos e leges, mas não era atingida a equiparação real. 286/287 a.C., lex hortensia de plebiscitis, em que os plebiscitos são equiparados às leis aprovadas nos comícios e passaram a ser vinculativas para plebeus e patrícios, para todo o populos. Logo, os plebiscitos são limitados à plebe até 287 a.C. e a sua equiparação às leges estende a sua vigência a todo o populos. A existência das 3 leis sobre plebiscitos e leis revelam que é uma das questões centrais da oposição entre patrícios e plebeus (igualdade face à lei), concretizados num longo processo de cedências e compromissos, mantendo-se a dualidade dos ordenamentos jurídicos através de uma progressiva valorização das instituições plebeias, reconhecimento das suas magistraturas e universalização das leges.

Leges publicae populi romani: leges rogatae

As reivindicações políticas plebeias culminaram com a atribuição de poderes legislativos às assembleias do populus, introduzindo as leges pubicae populi romani entre as fostes do ius romanum. “Leges” designava todas as deliberações dos comitia, abrangendo os relativos à creatio dos magistrados e à audicia criminandi. Lex é um conjunto de comandos solenes normativos provenientes do Populus nos comitia, sob proposta do magistrado (ius agendi populi) e confirmada pelo Senado (actoritas patrum), logo os comitia não tinham iniciativa legislativa própria. A lex publica fundou-se neste compromisso de procedimento de aprovação e vigência de uma lei, envolvendo auctoritas e imperium pela intervenção comum em separado do populus, magistrados e senado.

Quando a proposta era designada passava a designar-se:

Lex data – lei dada por um magistrado no âmbito das competências delegadas pelos comitia, ligadas à administração territorial e burucracia do governo;

Lex rogatia – proposta pelo magistrado aos comitia; se aprovada, era submetida ao senado para que com a sua actoritas pactrum lhe confiar valor; lex publica de aplicação geral que vinculava cidadaoas romanos; sendo uma lei pública, não regulava acordos entre

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particulares, mas toda a comunidade, e deriva do comando constituciona, com 6 etapas na sua formação:

o Promulgatio – afixação do projecto a apresentar na assembleia pelo magistrado em lugar público, 3 dias antes da rotação;

o Conciones – reuniões informais, sem caracter oficial nem jurídico, realizadas em lugar publico escolhido pelo convocante; uma discussão intensa e alongada, assistiam-se às discussões favoráveis e desfavoráveis;

o Rogatio – pedido de aprovação do projecto de lex; o comicio convocado iniciava-se com formalidades religiosas, discurso de apresentação e leitura do projecto e exposições de razoes do pedido de aprovação; o pedido era a rogatio;

o Votação – feita oralmente de braço no ar, contagem manual;o Aprovação – feita pelo senador; semelhante ao acto de refundar deliberação dos

comitia, através do qual aprovavam a lex, autoritas patrum;o Afixação – acto que fechava o processo legislativo das leges rogatae, em que a

proposta se transformava em lex; era afixada no fórum em madeira ou bronze; afixação dava inicio ao período da vigência.

Les rogata dividia-se em 3 partes:

Praescriptio – apresentação, elementos identificadores da lei; nome do magistrado, comitia volante, lugar e data da votação, nomes da curia, centúria, cidadão; lex rogata era designada pelo magistrado;

Rogatio – texto da lei, parte dispositiva/normativa; não tem integralmente valor normativo; é parte da lex rogata que corresponde à base de procedimento que leva à lex, nada se alterando com votação e aprovação;

Sanctio – parte inicial da lex; afirma respeito pelo ius civile, mores maiorum e reges sacratae, fixa os termos de aplicação da lei; revela que a lex não revoga o anterior ius e que o incumprimento implica a sanção; ligado à eficiência da lei e à legitimidade; integração da lei com as demais existentes.

A intervenção do pretor, sob a denegatio actionis e excepio, para completar a lex imperfeita e destruir as divergências sobre as várias partes da lex rogata.

Em 438, Teodósio estabelece como regra a nulidade de qualquer acto contrario à lei, integrando-a no leque de partes de Direito.

Se 242 a.C. até séc. I d.C., a lex rogata sofre a concorrência de outras leges e do edicto do pretor. Como fonte de Direito, entra em decadência, auxiliadas pelo declínio dos comícios, desaparecendo no séc. III.

Senatus consultus

É uma deliberação/consulta feita ao Senado e mais tarde, uma deliberação/decisão. Os magistrados da república eram obrigados a ouvir o Senado mas não a seguir a sua deliberação. Órgão de competência consultiva, dando pareceres m consultas e a sua abrangência limitaram-se à entidade que solicitava tal parecer.

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Participação no processo legislativo – conceder ou não auctoritas patrem às leges rogataevotadas nos comícios; dar conselhos aos magistrados para os projectos normativos que estes apresentam aos comícios.

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