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O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES RELATIVOS AO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL DE RECURSO EM PROCESSO CIVIL(*) Pelo Dr. Nuno Andrade Pissarra(**) SuMáRiO: I. Introdução. II. A alegação e conhecimento dos factos em Pro- cesso Civil. III. O conhecimento de factos essenciais supervenien- tes relativos ao mérito da causa pelo Tribunal de Recurso em Pro- cesso Civil. A. Aspectos gerais; B. Doutrina; C. Jurisprudência; D. Posição adoptada. IV. Conclusão. I. INTRODUçãO 1. O presente trabalho tem por objecto a questão de saber se pode — e, se puder, em que termos pode — o tribunal de recurso, em processo civil e nos recursos ordinários, conhecer de factos supervenientes relativos ao mérito da causa alegados pelas partes. Sem prejuízo de posterior explicação, importa, já agora, fazer as seguintes notas. (*)* Agradeço ao Senhor Professor Rui Pinto os certeiros comentários que formu- lou ao presente texto e que me permitiram reponderá-lo e melhorá-lo. Foram considerados elementos publicados até Janeiro de 2011. (**) Advogado. Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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  • O CONhECIMENTO DE FACTOSSUPERVENIENTES RELATIVOS AO MRITODA CAUSA PELO TRIBUNAL DE RECURSO

    EM PROCESSO CIVIL(*)

    Pelo Dr. Nuno Andrade Pissarra(**)

    SuMRiO:

    I. Introduo. II. A alegao e conhecimento dos factos em Pro-cesso Civil. III. O conhecimento de factos essenciais supervenien-tes relativos ao mrito da causa pelo Tribunal de Recurso em Pro-cesso Civil. A. Aspectos gerais; B. Doutrina; C. Jurisprudncia;D. Posio adoptada. IV. Concluso.

    I. INTRODUO

    1. O presente trabalho tem por objecto a questo de saber sepode e, se puder, em que termos pode o tribunal de recurso,em processo civil e nos recursos ordinrios, conhecer de factossupervenientes relativos ao mrito da causa alegados pelas partes.

    Sem prejuzo de posterior explicao, importa, j agora, fazeras seguintes notas.

    (*)* Agradeo ao Senhor Professor Rui Pinto os certeiros comentrios que formu-lou ao presente texto e que me permitiram reponder-lo e melhor-lo. Foram consideradoselementos publicados at Janeiro de 2011.

    (**) Advogado. Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

  • Tm-se em vista, em primeiro lugar, apenas os factos superve-nientes, por contraposio com os factos velhos, isto , aqueles quedevem ser tempestivamente levados ao conhecimento do tribunalde primeira instncia(1).

    Tm-se em vista, em segundo lugar, apenas os factos cujoconhecimento pelo tribunal depende de alegao das partes.Ficam excludos aqueles de que o tribunal mesmo o tribunal derecurso pode conhecer oficiosamente(2).

    Interessam-nos, em terceiro lugar, somente os factos que seprendem com o mrito da causa. De fora esto os que se ligam aospressupostos processuais(3).

    2. Na primeira parte deste texto tecem-se breves considera-es essenciais para as posies que havemos de tomar depois sobre o regime geral de alegao e conhecimento dos factos dacausa em processo civil. necessariamente descritiva.

    Na segunda parte, tomaremos posio sobre o problema daadmissibilidade da alegao e conhecimento de factos superve-nientes em recurso. Antes disso faremos ainda referncia princi-pal doutrina e jurisprudncia na matria.

    II. A ALEgAO E CONHECImENTO DOSfACTOS Em PROCESSO CIVIL

    3. Diz-se frequentemente que s partes que cabe confor-mar o objecto do processo, mediante a formulao do pedido e aalegao dos factos que lhe sirvam de fundamento ou que funda-mentem a defesa contra ele deduzida.

    Nesta matria, vale, como sabido, o princpio dispositivo(4),com certas limitaes.

    (1) Opta-se pela terminologia factos velhos porque, ao us-la, imediatamente vem ideia a circunstncia de que esses factos deviam e podiam ter sido alegados pelas partesa tempo de serem conhecidos pelo tribunal de primeira instncia. Vd. infra n. 16.

    (2) Vd. infra n.os 8 e 15.(3) Vd. infra n. 17.(4) TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997,

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  • 4. No que toca ao pedido, o Cdigo de Processo Civil nopodia ser mais claro quanto necessidade de ser formulado porquem recorre a tribunal e proibio de pronncia por parte destesobre conflito de interesses cuja resoluo no seja pedida(arts. 3., n. 1, e 660., n. 2, 2. parte).

    Sem pedido no h espao para ser proferida deciso judicial.havendo pedido, ao tribunal impe-se que condene (ou absolva(5))nos limites do pedido e no que precisamente foi pedido. Se conde-nar em quantidade superior ou em objecto diverso, a sentena nula (arts. 661., n. 1, e 668., n. 1, al. e)).

    5. Mesmo em processo declarativo comum, admite-se que,excepcionalmente, o tribunal condene em objecto diverso dopedido ou em pedido no expressamente formulado.

    O primeiro caso vem previsto no art. 661., n. 3, do Cdigode Processo Civil: se for pedida, com fundamento na sua perturba-o (art. 1278., n. 1, do Cdigo Civil), a manuteno da posse e,feita a prova, se demonstrar que ocorreu verdadeiro esbulho, podeo tribunal condenar na restituio; inversamente, se for alegado oesbulho e pedida a restituio mas ficarem s provados actos deturbao, pode o tribunal condenar na manuteno.

    O segundo vem previsto no art. 665. do Cdigo de ProcessoCivil(6) ou no art. 8. do Cdigo do Registo Predial(7) e tem sido

    pp. 69 e ss., refere-se ao princpio dispositivo (autonomia das partes na definio dos finsque procuram com o processo) e da disponibilidade privada (autonomia das partes no quetoca aos factos e prova) e LEBRE DE FREITAS, introduo ao Processo Civil, 2. ed.(reimp.), Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 136 e 137, distingue entre o princpio dis-positivo stricto sensu, no qual se inclui a disponibilidade da conformao da instnciaquanto ao seu objecto e partes, e o princpio da controvrsia, que consistiria na liberdadede alegar os factos fundamento da deciso e acordar sobre eles e na liberdade de iniciativada prova.

    (5) Sobre este aspecto, vd. LEBRE DE FREITAS, MONTALVO MAChADO e RUI PINTO,Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., 2. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008,p. 661.

    (6) Vd., por ex., ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, I vol.,2. ed., Coimbra, Almedina, 2006, p. 55, para quem o art. 665. contm um claro desvioao princpio do dispositivo, uma vez que, independentemente da vontade das partes mani-festada ou omitida pelas partes, o juiz deve obstar utilizao do processo para a prticade actos simulados ou proibidos por lei.

    (7) A impugnao judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancela-

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  • admitido ainda noutras situaes pela jurisprudncia e pela dou-trina. Assim, tem-se sustentado que o tribunal deve, por exemplo,condenar o ru a restituir o que tiver recebido em cumprimento docontrato quando, em aco de cumprimento, se decidir pela suanulidade(8), ou reconhecer autonomamente o direito de proprie-dade do autor reivindicante mesmo que este apenas tenha pedido aentrega da coisa(9), ou ainda declarar resolvido o contrato de arren-damento se o autor apenas pediu a condenao do ru a despejar olocal arrendado(10).

    6. por todos sabido que o pedido deve ser formulado napetio inicial (al. e) do n. 1 do art. 467.).

    Quanto ampliao (pede-se mais do que inicialmente) e alte-rao (pede-se coisa diversa da inicialmente pedida), a lei admite-as em qualquer altura do processo, mesmo em segunda instn-cia(11), se houver acordo das partes (art. 272. do Cdigo deProcesso Civil). No havendo acordo, o autor s pode ampliar oualterar o pedido na rplica, se a houver, ou at ao encerramento da

    mento do respectivo registo. Segundo a verso anterior deste preceito, o pedido de cance-lamento do registo tinha de ser expressamente formulado (havia jurisprudncia em sentidocontrrio), mas admitia alguma doutrina que o pudesse ser ao abrigo do art. 273., n. 2,in fine, do Cdigo de Processo Civil, isto , at ao fim dos debates a que se reporta oart. 653., n. 3, al. e), pois que o pedido de cancelamento seria mera consequncia dopedido primitivo. Neste sentido, v., por exemplo, LEBRE DE FREITAS, introduo, p. 143,nota 30.

    (8) Assento n. 4/85, publicado no DR, I Srie-A, n. 114, de 17 de Maio de 1995:Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negcio jurdico invocado nopressuposto da sua validade, e se na aco tiverem sido fixados os necessrios factosmateriais, deve a parte ser condenada na restituio do recebido, com fundamento no n. 1do artigo 289. do Cdigo Civil.

    (9) Vd. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, vol. III, 2. ed.,Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 113. Isto, claro, se se no entender que a aco de rei-vindicao se basta com um nico pedido, qual seja o de entrega da coisa (neste sentido,vd., por ltimo, JOS ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 2008,p. 488).

    (10) Para estes e outros exemplos, com referncias jurisprudenciais, vd. ABRANTESGERALDES, Temas, I vol., p. 123, nota 164.

    (11) At ao julgamento em segunda instncia (vd. JOS ALBERTO DOS REIS, Comen-trio ao Cdigo de Processo Civil, vol. 3., Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 89, eANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEzERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil,2. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 356).

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  • discusso em primeira instncia, mas neste caso somente se aampliao for desenvolvimento ou consequncia do pedido primi-tivo (art. 273., n. 2, do Cdigo de Processo Civil).

    Quanto reduo do pedido (passa a pedir-se menos do que sepedia), o autor pode faz-la em qualquer altura do processo(art. 273., n. 2, do Cdigo de Processo Civil). A reduo dopedido corresponde a uma desistncia parcial do pedido (art. 293.,n. 1, do Cdigo de Processo Civil)(12).

    7. No que respeita aos factos que fundam o pedido ou adefesa contra ele deduzida, de distinguir os factos essenciais dosfactos instrumentais.

    Os factos essenciais que fundam o pedido so os que integrama causa de pedir, isto , aqueles em que, de harmonia com oart. 498., n. 4, 1. parte, do Cdigo de Processo Civil, se baseia apretenso do autor deduzida judicialmente. So os factos constitu-tivos do seu direito, ou integrantes do facto cuja existncia ou ine-xistncia afirma. Enquanto factos que realizam uma funo cons-titutiva do direito invocado pelo autor e sem os quais se noencontra individualizado esse direito(13), a falta da sua alegaogera ineptido da petio inicial, com a consequente absolvio dainstncia (arts. 193., n. 2, al. a), 288., n. 1, al. b), 493., n. 2,e 494., al. b), do Cdigo de Processo Civil), e a deficincia na suaalegao, no suprida, origina a improcedncia da aco, com aconsequente absolvio do pedido.

    Os factos essenciais que fundam a defesa do ru (ou do autorreconvindo) so os que integram as excepes peremptrias, isto ,aqueles que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurdicodos factos articulados pela parte contrria (art. 493., n. 3, doCdigo de Processo Civil). A falta da sua alegao, ou a insuficin-cia na sua alegao no suprida, pode concorrer para a condenaodo ru no pedido(14).

    (12) Neste sentido, vd., por ex. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEzERRA e SAMPAIOE NORA, ibidem.

    (13) TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos, p. 70.(14) Factos essenciais so, nas palavras do Cons. LOPES DO REGO, os que concre-

    tizando, especificando e densificando os elementos da previso normativa em que se funda

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  • Alm destes factos, so ainda essenciais os factos que sejamdeles complemento ou concretizao, nos termos do art. 264.,n. 3, do Cdigo de Processo Civil. Trata-se ainda de factos queparticipam da causa de pedir ou da excepo e sem os quais opedido ou a defesa no pode ser julgado procedente. No fazemparte, todavia, do ncleo essencial da situao jurdica alegadapela parte(15).

    Os factos instrumentais so, por seu turno, aqueles cuja ocor-rncia conduz demonstrao, por deduo, dos factos essenciais.No so factos de cuja prova dependa a procedncia da aco (nointegram a causa de pedir(16)) ou da excepo por isso que a suafalta no d lugar a ineptido ou a condenao de preceito , masantes factos de cuja demonstrao pode inferir-se terem-se verifi-cado os factos essenciais. A sua funo probatria, porquanto ser-vem fundamentalmente para formar a convico do julgador sobrea ocorrncia ou no dos factos essenciais. ANSELMO DE CASTROdefinia-os como os que no pertencem norma fundamentadorado direito e em si lhe so indiferentes, e que apenas servem para,da sua existncia, se concluir pela dos prprios factos fundamen-tais do direito ou da excepo (constitutivos)(17) e JACINTORODRIGUES BASTOS como aqueles que, sem fazerem directamentea prova dos factos principais, servem indirectamente a prov-los,pela convico que criam da sua ocorrncia(18). TEIXEIRA DE

    a pretenso do autor ou do reconvinte, ou a excepo deduzida pelo ru como fundamentoda sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedncia da aco, da recon-veno ou da defesa por excepo, sendo absolutamente indispensveis identificao,preenchimento e substanciao das situaes jurdicas afirmadas e feitas valer em juzopelas partes (Comentrio ao Cdigo de Processo Civil, vol. I, 2. ed., Coimbra, Alme-dina, 2004, p. 252).

    (15) TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos , pp. 70 e 71. Nestas pp. encontram-se vriosexemplos de factos complementares. Sobre a noo e caracterizao dos factos comple-mentares e concretizadores, vd. tambm PAULA COSTA E SILVA, Saneamento e condensa-o no novo processo civil: a fase da audincia preliminar, em Aspectos do novo processocivil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 228 e ss., LOPES DO REGO, Comentrio, vol. I, p. 254, eABRANTES GERALDES, Temas, I vol., pp. 64 e ss.

    (16) Vd. TEIXEIRA DE SOUSA, introduo ao Processo Civil, Lisboa, Lex, 1993,p. 25.

    (17) Direito Processual Civil Declaratrio, vol. III, Coimbra, Almedina, 1982,pp. 275-276.

    (18) Notas ao Cdigo de Processo Civil, vol. II, 3. ed., Lisboa, 2000, p. 12.

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  • SOUSA refere-os como aqueles que indiciam os factos essenciais eque podem ser utilizados para a prova indiciria destes lti-mos(19), como aqueles que no so directamente integrveisnuma previso legal mas que podem ser utilizados para demons-trar um aspecto, mais ou menos amplo, da causa de pedir(20/21).

    8. Os factos essenciais que fundam o pedido e as excepesdevem ser alegados pelas partes nos termos do art. 264., n. 1, doCdigo de Processo Civil e s podem ser alegados pelas partes: aojuiz est vedado servir-se de outros que no os por elas alegados(arts. 264., n. 2, 1. parte, e 664. do Cdigo de Processo Civil).A aduo do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisodo litgio dizia o Prof. MANUEL DE ANDRADE(22) s competes partes. A estas que corresponde proporcionarem ao juiz,mediante as suas afirmaes de facto e as provas que tragam aoprocesso, a base factual da deciso. Ao juiz no consentido inda-gar de modo autnomo a verdade.

    Apenas excepcionalmente lcito ao tribunal valer-se de fac-tos essenciais no alegados: de harmonia com o prprio art. 264.,n. 2, isso acontece to-somente nas situaes previstas noart. 514. (factos notrios e factos de que o tribunal tem conheci-mento por virtude do exerccio das suas funes) e no art. 665.(factos constitutivos da simulao ou fraude processual).

    Os factos essenciais complementares ou concretizadores dosrestantes factos essenciais, oportunamente alegados, tambm tmde ser alegados pelas partes. A regra de que o juiz no conhece ofi-ciosamente dos factos essenciais mantm-se. Os arts. 508., n. 3,e 508.-A, n. 1, al. c), so explcitos na determinao de que osfactos necessrios a complementar e a concretizar a matria de

    (19) TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos, pp. 70 e 72.(20) TEIXEIRA DE SOUSA, introduo, p. 125.(21) Sobre os factos instrumentais, vd. ainda LEBRE DE FREITAS, JOO REDINhA e

    RUI PINTO, Cdigo de Processo Civil anotado, vol. 1., 2. ed., Coimbra, Coimbra Editora,2008, p. 507, LEBRE DE FREITAS, introduo, pp. 150 e ss., e LOPES DO REGO, Coment-rio , vol. I, pp. 252-253, e, antes da reforma de 1995, ANTUNES VARELA, J. MIGUELBEzERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., pp. 415 e ss.

    (22) Noes Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1993,pp. 374-375.

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  • facto aduzida nos articulados devem ser carreados para o processopelas partes, a convite do juiz ou na audincia preliminar. E omesmo se diga do art. 264., n. 3, do Cdigo de Processo Civil: osfactos essenciais complementares ou concretizadores, ainda que sse revelem na instruo e discusso da causa, apenas podem serconsiderados se a parte interessada no seu efeito constitutivo,impeditivo, modificativo ou extintivo manifestar, perante o tribu-nal, a vontade de deles se prevalecer(23). A manifestao destavontade no se basta, porm, com mero requerimento dirigido aojuiz a afirm-la, mas h-de exigir a sua efectiva alegao(24).Admitida a alegao, os factos sero includos na base instrutriaou na matria de facto assente, ao abrigo do art. 650., n. 2, al. f), en. 3, do Cdigo de Processo Civil.

    J os factos instrumentais no carecem de alegao, comoresulta do art. 264., n. 2, in fine, do Cdigo de Processo Civil. Seresultarem provados da discusso e julgamento da causa, a suano alegao no impede que sejam considerados logo para efei-tos de ampliao da base instrutria ou da matria de factoassente(25) ou, posteriormente, na fundamentao da deciso damatria de facto.

    (23) Como afirma o Cons. LOPES DO REGO, Comentrio , vol. I, p. 252, nestasituao no ocorre limitao relevante ao princpio dispositivo, mas to-somente aoprincpio da precluso.

    (24) Referindo-se necessidade de alegao, vd. LEBRE DE FREITAS, JOO REDINhAe RUI PINTO, Cdigo de Processo Civil anotado, vol. 1., p. 509, LEBRE DE FREITAS, MON-TALVO MAChADO e RUI PINTO, Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., p. 646, e LEBREDE FREITAS, introduo, p. 145. Falando apenas da necessidade de expressar a vontade deaproveitamento dos factos por requerimento sujeito a contraditrio, vd. ABRANTES GERAL-DES, Temas, I vol., p. 67. Igualmente, vd. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos , p. 74, referindo--se sujeio dos factos complementares disponibilidade das partes, tal como os factosessenciais. Na jurisprudncia exigiu-se a alegao expressa mediante articulado superve-niente nos Acs. do STJ de 30 de Maio de 1995, proc. n. 086883, de 19 de Fevereirode 2004, proc. n. 03B4271, e de 26 de Maio de 2009, proc. n. 927/2002.C1.S1, todos aces-sveis em .

    (25) controverso se os factos instrumentais devem ser includos na seleco dosfactos provados e a provar. Sobre o assunto e propugnando uma posio bem esclarecida,vd. ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, II vol., 4. ed., Coimbra,Almedina, 2004.

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  • 9. No que toca ao momento da alegao, tem de distinguir-se entre os factos essenciais proprio sensu e os factos essenciaiscomplementares ou concretizadores.

    No que toca aos primeiros, impe-se abrir uma nova distin-o, consoante se trate de factos ocorridos ou conhecidos at aomomento da apresentao dos articulados normais ou de factossupervenientes.

    Relativamente aos primeiros, se fundarem o pedido do autordevem ser articulados na petio inicial (art. 467., n. 1, al. c), doCdigo de Processo Civil). Tais factos, enquanto constitutivos dasituao jurdica invocada pelo autor, formam a causa de pedir e,como tal, tm de seguir individualizados logo na petio, sob penade nulidade de todo o processo, por ineptido (art. 193., n. 2,al. a), do Cdigo de Processo Civil).

    Depois de apresentada a petio, o autor pode ainda alegarfactos essenciais, mesmo velhos, na rplica, pois que admite a leiexpressamente a alterao ou ampliao da causa de pedir nessearticulado (art. 273., n. 1, do Cdigo de Processo Civil). Fora darplica, a alegao de factos essenciais velhos e a sua consideraopelo tribunal s admitida em dois casos: ou havendo acordo daspartes (art. 272. do Cdigo de Processo Civil), ou havendo confis-so pelo ru aceita pelo autor (art. 273., n. 1, in fine, do Cdigo deProcesso Civil).

    Relativamente aos factos essenciais no supervenientes quesejam impeditivos, modificativos ou extintivos, vale o disposto noart. 489. do Cdigo de Processo Civil, que enuncia o princpio daconcentrao da defesa(26): toda a defesa deve ser deduzida na con-testao(27). Na falta de alegao, preclude o direito do ru de invo-car os factos integrantes das excepes. No existe, para os factosem apreo, possibilidade de alterao ou ampliao equivalente que o Cdigo de Processo Civil faculta ao autor na rplica quanto

    (26) Princpio que, nas palavras do Prof. JOS ALBERTO DOS REIS, est longe deser um princpio rgido, sendo antes regra malevel (vd. Cdigo de Processo Civil Ano-tado, vol. III, 4. ed. (reimp.), Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 49).

    (27) Ou na rplica, se tiver havido reconveno. Segundo o art. 502., n. 1, doCdigo de Processo Civil, a rplica serve tambm para o autor deduzir toda a defesaquanto matria da reconveno.

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  • aos factos constitutivos(28). Assim como se no consagra, para osmesmos factos, preceito equivalente ao do art. 272. do Cdigo deProcesso Civil, que permite a alterao ou ampliao da causa depedir em primeira ou segunda instncia por acordo. Todavia, sendoesse o caso isto , havendo acordo entre autor e ru , h-deadmitir-se a considerao pelo juiz de velhos factos impeditivos,modificativos ou extintivos, mesmo se introduzidos no processodepois do prazo para a contestao. A igualdade das partes(cf. art. 3.-A do Cdigo de Processo Civil) aconselha a que,havendo acordo, se reconhea ao ru o direito de ver atendidos fac-tos velhos favorveis nos mesmos termos em que desse mesmodireito pode o autor, em idnticas circunstncias, prevalecer-se.

    10. Sendo supervenientes os factos essenciais, por teremocorrido depois de terminados os prazos para apresentao dosarticulados (supervenincia objectiva, art. 506., n. 2, 1. parte, doCdigo de Processo Civil) ou por, embora tendo ocorrido antes,terem sido conhecidos pela parte que deles se quer aproveitar ape-nas depois (supervenincia subjectiva, art. 506., n. 2, 2. parte, doCdigo de Processo Civil), podem ser alegados nos termos doart. 506. do Cdigo de Processo Civil. Ou seja, admite-se a suaintroduo no processo mediante articulado superveniente.

    No levanta dvidas a possibilidade de o ru alegar, por arti-culado superveniente, factos objectiva ou subjectivamente super-venientes que integrem novas excepes peremptrias ao direitoinvocado pelo autor, isto , excepes no invocadas na contesta-o. hiptese que resulta directamente do art. 489., n. 2, doCdigo de Processo Civil.

    J quanto eventualidade de o autor pretender alterar (substi-tuindo os factos inicialmente alegados por outros que formamoutra causa de pedir) ou ampliar (acrescentando aos factos que ini-

    (28) Impossibilidade que o Prof. CASTRO MENDES comentava da seguinte forma:[temos] entendido que representa quebra do princpio da igualdade a imposio ao rudo nus da fundamentao exaustiva da defesa na contestao [], e a no imposio aoautor do nus da fundamentao exaustiva da sua pretenso, dado que a pode repetir fun-dada em nova causa petendi (Anotao ao Ac. do STA de 5 de Dezembro de 1967,O Direito, ano 102., t. III, p. 225, nota 1).

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  • cialmente constituam causa de pedir suficiente outro ou outrosque enformam por si causa de pedir tambm suficiente) a causa depedir mediante articulado superveniente, a lei no to clara: porum lado, no dispe o art. 506. de norma equivalente doart. 508., n. 5, do Cdigo de Processo Civil, o que militaria afavor da admisso da alterao ou ampliao da causa de pedir; poroutro, a ressalva contida no art. 663., n. 1, do Cdigo de ProcessoCivil levaria a defender a posio inversa.

    A jurisprudncia tem-se pronunciado em sentidos contradit-rios, mas predominantemente no de que a modificao no admissvel, embora com fundamentao escassa(29). Em sentidocontrrio decidiu-se no Ac. do TRP de 15 de Julho de 2004, e norecente Ac. do TRL de 21 de Janeiro de 2010(30). A doutrina tam-bm se encontra dividida, embora a mais recente propenda, ao con-trrio da jurisprudncia, para uma resposta afirmativa. Admitem aalterao da causa de pedir TEIXEIRA DE SOUSA(31), LEBRE DE FREI-TAS, JOO REDINhA e RUI PINTO(32), LEBRE DE FREITAS, A. MONTAL-VO MAChADO e RUI PINTO(33), REMDIO MARQUES(34) e MARIANAFRANA GOUVEIA(35). No a admitiam EURICO LOPES-CARDOSO(36)e CASTRO MENDES(37).

    (29) Vd., por ex., Ac. do TRL de 11 de Abril de 1975, BMJ, n. 247, 1975, p. 208,Ac. do TRC de 5 de Maro de 1991, proc. n. 184/89, acessvel em ,Ac. do TRL de 1 de Julho de 1993, proc. n. 0075662, Ac. do TRL de 26 de Janeirode 1993, proc. n. 0065441, Ac. do TRP de 25 de Fevereiro de 1997, proc. n. 9620932,Ac. do TRL de 1 de Outubro de 1998, proc. n. 0091992, Ac. do STJ de 11 de Marode 1999, proc. n. 99A027, Ac. do TRL de 18 de Outubro de 1999, proc. n. 0034702,Ac. do TRP de 20 de Novembro de 2001, proc. n. 0121211, Ac. do STJ de 28 de Janeirode 2003, proc. n. 02A4146, e Ac. do TRC de 20 de Junho de 2006, proc. n. 1576/06, aces-sveis em .

    (30) Procs. n. 0433943 e n. 1838/06.OTJLSB.L1-8, respectivamente. Ambosesto acessveis em .

    (31) As partes, o objecto e a prova na aco declarativa, Lisboa, Lex, 1995,p. 190, e Estudos, pp. 299-300.

    (32) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 1., p. 526.(33) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., pp. 371, 690 e 691.(34) Aco Declarativa Luz do Cdigo Revisto, 2. ed., Coimbra, Coimbra Edi-

    tora, 2009, p. 637.(35) A Causa de Pedir na Aco Declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 276

    e 277.(36) Cdigo de Processo Civil Anotado, 3. ed., Coimbra, Almedina, 1967, p. 408.(37) Direito Processual Civil, II vol., Lisboa, AAFDL, 1987, pp. 617 e 618.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 297

  • Temos por melhor a posio que sustenta a possibilidade dealterao ou ampliao da causa de pedir atravs dos articuladossupervenientes. Os termos do art. 506., n. 1, do Cdigo de Pro-cesso Civil no so incompatveis com tal possibilidade e a res-salva do art. 663., n. 1, do mesmo Cdigo, reportada s normasque determinam as condies em que pode ser alterada a causa depedir, tanto abrange o art. 273. como o art. 506.. Reduzir a fun-o dos factos constitutivos invocveis em articulado superve-niente ao preenchimento de causas de pedir incompletas, comofazia o Prof. CASTRO MENDES, parece ser excessivamente redutor.A razo do articulado superveniente reside na supervenincia eno pode ser equiparada do articulado para correco de defi-cincias previsto no art. 508., n. 1, al. b), e n. 3, do Cdigo deProcesso Civil. Acresce que, sendo a alternativa da modificao dacausa de pedir o incio de uma nova instncia, a economia proces-sual aconselha soluo ora propugnada, sem que o dever de res-peito por uma disciplina processual seja prejudicado, porque seest perante um facto sobre o qual, por virtude da supervenincia,a disciplina no pode actuar. Enfim, dificilmente se compreenderiaque a lei processual civil admitisse, como admite (no referidoart. 489., n. 2), a alegao, por articulado superveniente, de fac-tos supervenientes integrantes de novas excepes e no fizesse omesmo quanto aos factos constitutivos que alterassem ou amplias-sem a causa de pedir.

    Em suma, fora dos casos do art. 273., n. 1, do Cdigo de Pro-cesso Civil, a causa de pedir pode ainda ser unilateralmente alteradaou ampliada mediante a articulao de factos supervenientes.

    11. h prazos estritos para apresentao dos articuladossupervenientes, decorridos os quais preclude o direito de o fazer.A inteno do legislador clara: apesar da supervenincia, devemunir-se o tribunal, to cedo quanto possvel, de todos os factosnecessrios boa deciso da causa. De outro modo, no faria sen-tido impor-se a apresentao faseada dos articulados e mesmoantes de iniciada a audincia de discusso e julgamento da causa.Por outro lado, o Cdigo no obsta a que a parte interessada apre-sente o articulado antes de findos os prazos previstos no art. 506.

    298 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • trata-se, nas palavras do Cons. LOPES DO REGO, de meras bali-zas, de meros termos finais(38).

    De notar que os articulados supervenientes s podem ser apre-sentados, o mais tardar, at ao termo da audincia de discusso ejulgamento (art. 506., n. 1 e n. 3, al. c), do Cdigo de ProcessoCivil), razo por que parece que os factos supervenientes suscept-veis de ser atendidos sero, no mximo, os que ocorrerem at essemomento. O art. 663., n. 1, do Cdigo de Processo Civil at maisclaro: a deciso h-de resolver a situao existente no momento doencerramento da discusso. Terminada esta, tornar-se-ia imposs-vel levar ao conhecimento do tribunal de primeira instncia ou derecurso quaisquer factos essenciais supervenientes posteriores, pormais que isso pudesse repercutir-se na deciso do litgio.

    havendo acordo entre as partes quanto considerao de fac-tos supervenientes, afigura-se que deve ela ser admitida pelo tribu-nal, quer em primeira quer em segunda instncia(39).

    12. No que diz respeito aos factos essenciais complementa-res ou concretizadores, de distinguir os factos revelados at aotermo da audincia preliminar, dos revelados pela instruo ou dis-cusso da causa. Da perspectiva do momento da sua verificaotrata-se, porm, de factos velhos, por ocorridos e conhecidos antesda apresentao dos articulados, devendo a sua alegao ter tidoneles lugar.

    Quanto aos factos complementares ou concretizadores revela-dos at audincia preliminar, a sua alegao permitida apsconvite ao aperfeioamento efectuado pelo juiz no despacho pr--saneador, nos termos do art. 508., n. 3, do Cdigo de ProcessoCivil. Com efeito, perante insuficincias ou imprecises na alega-o da matria de facto, pode(40) o juiz convidar o autor ou o ru acompletar as insuficincias ou a corrigir as imprecises. No tendohavido convite atravs do despacho pr-saneador, pode ainda a

    (38) Comentrio, vol. I, p. 426.(39) Vd. infra n.os 35 e 36.(40) Segundo TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos, p. 68, e ABRANTES GERALDES,

    Temas, II vol., pp. 73 e 74, trata-se de um poder-dever a exercer segundo critrio pru-dente do juiz, cuja violao no gera nulidade processual.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 299

  • parte, por sua iniciativa ou aps convite do juiz, completar ou cor-rigir os articulados na prpria audincia preliminar (art. 508.-A,n. 1, al. c), do Cdigo de Processo Civil)(41).

    Quanto aos factos essenciais complementares ou concretiza-dores revelados pela instruo ou discusso da causa, a sua alega-o permitida nos termos dos arts. 264., n. 3, e 650., n. 2, al. f),do Cdigo de Processo Civil, ou seja, at ao encerramento da dis-cusso em primeira instncia.

    Os factos complementares ou concretizadores so, comoexpressamente resulta do art. 264., n. 3, complemento ou concreti-zao de outros que as partes hajam oportunamente alegado. Comosublinha o Desembargador ABRANTES GERALDES, tanto a comple-mentaridade como a concretizao que delimitam os poderes deampliao da matria de facto implicam necessariamente a prviaalegao de factos pelo autor na petio inicial, como fundamentoda sua pretenso, do mesmo modo que, na perspectiva do ru, seimpe a prvia alegao dos factos em que se materializa a defesapor excepo(42). Consequentemente, no possvel alterar-se ouampliar-se a causa de pedir, ou invocar-se nova excepo, por viado aperfeioamento admitido no art. 508., n. 3, da intervenoprevista no art. 508.-A, n. 1, al. c), ou do requerimento referido noart. 264., n. 3, do Cdigo de Processo Civil. O art. 508., n. 5,prev-o expressamente para o caso dos factos complementares ouconcretizadores revelados at audincia preliminar. Destinando-seos factos em apreo a completar, a corrigir ou a concretizar, ho-dereferir-se sempre aos factos j constantes do processo.

    13. Posto isto, o regime processual dos factos essenciais ouno procedncia do pedido ou da defesa do ru, no que toca exis-tncia ou no de nus de alegao, resume-se nos seguintes termos:

    a) os factos essenciais proprio sensu carecem de alegao,salvo os notrios, os que o tribunal conhece por virtude do

    (41) Se tiver havido convite e as insuficincias ou imprecises no tiverem sidosupridas ou corrigidas, no reconhecido s partes o direito de procederem correco naaudincia, nem pode o juiz fazer novo convite. Neste sentido, vd. TEIXEIRA DE SOUSA,Estudos , pp. 79 e 304, e ABRANTES GERALDES, Temas , II vol., p. 84, nota 150.

    (42) Temas , I vol., pp. 65-66.

    300 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • exerccio das suas funes e os constitutivos da simulaoou fraude processual;

    b) os factos essenciais complementares ou concretizadorestambm carecem de alegao;

    c) os factos instrumentais no carecem de alegao.

    O regime processual dos factos essenciais no que toca aomomento da alegao resume-se, por sua vez, ao seguinte:

    a) se forem velhos e no houver acordo entre os litigantes,tm de ser alegados at ao termo do prazo para apresenta-o da rplica ou, quanto ao ru, at ao termo do prazopara apresentao da contestao;

    b) se forem velhos e houver acordo entre os litigantes, podemser alegados em primeira ou segunda instncia;

    c) se forem supervenientes, impliquem ou no alterao dacausa de pedir e no havendo acordo entre as partes,devem ser alegados at ao termo da audincia de discus-so e julgamento (ou antes, nas hipteses das als. a) e b)do art. 506., n. 3, do Cdigo de Processo Civil);

    d) se forem supervenientes e houver acordo entre as partes,podem ser alegados em primeira ou segunda instncia;

    e) se forem complementares ou concretizadores, devem seralegados em resposta ao convite efectuado pelo juiz nodespacho pr-saneador, na audincia preliminar ou at aoencerramento da discusso em primeira instncia.

    14. Estamos agora em condies de passar segunda parte.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 301

  • III. O CONHECImENTO DE fACTOS ESSEN-CIAIS SUPERVENIENTES RELATIVOS AOmRITO DA CAUSA PELO TRIbUNAL DERECURSO Em PROCESSO CIVIL

    A. Aspectos gerais

    15. Dissemos logo a comear que o objecto da nossa anlisese cinge aos factos carecidos de alegao pelas partes.

    Ficam de fora os factos essenciais que sejam notrios ou deque o tribunal tenha conhecimento por virtude do exerccio dassuas funes. Quanto a tais factos, vimos j que no impende sobreas partes qualquer nus de alegao, razo por que pode o tribunalde recurso deles conhecer, sejam ou no supervenientes(43) e res-peitado que seja o princpio do contraditrio (art. 3., n. 3, doCdigo de Processo Civil).

    Ficam igualmente fora do mbito da nossa anlise os factosinstrumentais. No necessitando de alegao, ao tribunal de recursoh-de ser permitido deles tomar conhecimento(44). Esta soluo no indiscutvel, mas a sua anlise coloca questes especficas queno cabe tratar neste texto.

    16. Em segundo lugar, dissemos tambm que nos interes-sam somente os factos supervenientes. Para o efeito que ora releva,factos supervenientes so aqueles que ocorrem ou so desculpavel-mente conhecidos depois dos momentos at aos quais deviam tersido alegados em primeira instncia(45).

    (43) Quanto possibilidade de a Relao conhecer de factos essenciais notrios,vd. LEBRE DE FREITAS, MONTALVO MAChADO e RUI PINTO, Cdigo de Processo Civil Ano-tado, vol. 2., p. 430.

    (44) Quanto possibilidade de a Relao conhecer de factos instrumentais,vd. ANTUNES VARELA, Anotao ao Ac. do STJ de 8 de Novembro de 1984, RLJ,n. 3784, ano 122., pp. 213 e ss., LEBRE DE FREITAS, MONTALVO MAChADO e RUI PINTO,ibidem, onde se refere vria jurisprudncia, e ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma doProcesso Civil, II vol., p. 234.

    (45) No seguimos aqui, pois, a definio de factos supervenientes dada peloart. 506., n. 2, do Cdigo de Processo Civil.

    302 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • Como foi referido, os factos essenciais ocorridos ou de que oautor tenha conhecimento at petio inicial ou rplica e os factosessenciais ocorridos ou de que o ru tenha conhecimento at con-testao devem ser alegados nesses articulados, ou na resposta aodespacho pr-saneador ou na audincia preliminar. Os factosessenciais ocorridos depois daqueles articulados, ou da audinciapreliminar, ou de que as partes tomem conhecimento tambm pos-teriormente devem ser alegados mediante articulado supervenienteou nos termos do art. 264., n. 3, o mais tardar at ao termo daaudincia de discusso e julgamento. Todos estes factos so, porassim dizer, velhos.

    Quanto a tais factos, se as partes os no alegaram nessas altu-ras, preclude o direito de o fazerem. S quanto aos factos superve-nientes na acepo referida no caberia falar de precluso.

    Em todo o caso, compete sublinhar que, mesmo relativamenteaos factos velhos, a precluso tem limites. Apesar de terem ocorridoantes do termo do prazo at ao qual deviam ter sido alegados, podemainda ser introduzidos no processo ao abrigo dos arts. 272. e 273.,n. 1, in fine, do Cdigo de Processo Civil, o que equivale a dizer quepodem s-lo em segunda instncia. Ou seja, mesmo relativamenteaos factos velhos, no est excluda a hiptese de o tribunal desegunda instncia ter de vir a consider-los na deciso, ainda que notenham sido alegados na primeira instncia nem por ela conheci-dos(46). Encontra-se aqui uma primeira quebra regra de que os tri-bunais de recurso no podem, quanto ao mrito da causa, conhecerde novos factos (de factos no conhecidos pela primeira instncia).

    17. Em terceiro lugar, adentro dos factos supervenientes,ficam tambm de fora da nossa anlise aqueles que se prendemcom a regularidade da instncia recursria. No tm levantado pro-blemas a admissibilidade da sua alegao e o seu conhecimentopelo tribunal de recurso. Nas palavras do Prof. TEIXEIRA DE SOUSA, indiscutvel a possibilidade da sua alegao(47).

    (46) Neste sentido, vd. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos ..., p. 454, alertando, comrazo, para a circunstncia de se tratar de eventualidade de verificao muito rara.

    (47) ibidem, pp. 455 e 397. Vd. ainda LEBRE DE FREITAS, MONTALVO MAChADO eRUI PINTO, Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., p. 458. Na jurisprudncia, o Tribunal

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 303

  • Esta regra vale inclusivamente para o Supremo Tribunal deJustia, que, como se sabe, s est autorizado a conhecer de mat-ria de direito. Assim, se por exemplo falecer o ru enquanto corretermos a revista, pode o autor promover a habilitao dos seus her-deiros, para contra eles prosseguir a demanda (arts. 270., al. a),371. e 377. do Cdigo de Processo Civil). Para tanto h-de poderalegar e provar e o Supremo disso conhecer o falecimento doru e a identidade e qualidade dos seus herdeiros.

    18. Fica assim mais bem delimitado o problema sobre oqual nos debruaremos nas linhas seguintes: podero as partes ale-gar factos essenciais supervenientes que se prendem com o mritodo litgio que as ope depois de ultrapassados os prazos enuncia-dos e dever o tribunal de recurso deles conhecer?

    b. Doutrina

    19. Parte da doutrina sustenta que inadmissvel a alega-o e consequente conhecimento de factos essenciais superve-nientes em sede de recurso. Outra parte pronuncia-se em sentidocontrrio.

    20. A tese de que possvel a alegao e conhecimento emrecurso era j preconizada pelo Prof. ALBERTO DOS REIS, com a cla-reza que lhe era prpria. Escrevia:

    A outra limitao que resulta do art. 663. esta:o facto superveniente h-de ser alegado at ao encerra-mento da discusso; o tribunal s pode tom-lo em contase for invocado at esse momento.

    Central Administrativo Sul, em Ac. de 16 de Maro de 2005, proc. n. 134/2004 (acessvelem ), afirmou o seguinte: No tocante a factos supervenientes sobrematria relacionada com os pressupostos processuais como o caso da perda do inte-resse processual assente em razes de inutilidade supervenientes da lide, ex vi art. 287., e),CPC a alegao admissvel a todo o tempo na medida em que o pressuposto proces-sual passa a constituir o prprio objecto do recurso.

    304 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • Mas por encerramento da discusso entende-setanto o que se verifica na 1. instncia, como o que severifica na 2.. Suponhamos que o facto ocorre depois deencerrada a discusso na 1. instncia; j no pode seratendido na sentena. Mas, se houver recurso, pode ofacto ser alegado perante a Relao, contanto que o sejaat ao encerramento da discusso neste tribunal.

    Se ocorrer ou for invocado depois de encerrada adiscusso na 2. instncia, j no pode ser considerado,ainda que se interponha recurso para o Supremo, vistoeste tribunal no conhecer de matria de facto(48).

    21. A mesma tese actualmente defendida pelo Prof. TEI-XEIRA DE SOUSA, no seu manual de processo civil declarativo.

    Comea o ilustre Professor de Lisboa por afirmar que nose encontra na lei processual civil qualquer previso sobre esteproblema, embora contenha ela algumas regras relevantes para oresolver. Duas dessas regras seriam a do art. 524., n. 2, e a doento art. 706., n. 1, do Cdigo de Processo Civil, desde quese [pudesse] entender que aquele preceito se refere aos factosposteriores a todos os articulados, mesmo aos supervenien-tes(49).

    O mesmo Professor distingue, seguidamente, dois casos.Se o facto superveniente permite a confirmao como cor-

    recta, pela Relao, de uma deciso da primeira instncia que, face dos factos apurados at ao encerramento da audincia de dis-cusso e julgamento, era incorrecta, ento no h obstculo a quetal facto seja alegado e provado em recurso. Nesta hiptese, o factosuperveniente conduz manuteno da deciso superveniente-mente correcta e ganha-se em economia processual. Aquandoda deciso em segunda instncia, a realidade j substancialmentea que ficou a constar da deciso recorrida, pelo que a sua revoga-

    (48) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. V, reimp., Coimbra, Coimbra Editora,1984, p. 85. Relativamente aos factos constitutivos, o Prof. ALBERTO DOS REIS restringia,no entanto, a eficcia do art. 663. aos que se contivessem na causa de pedir em que assen-tava a aco.

    (49) Estudos ..., p. 455.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 305

  • o pela Relao implicaria sempre uma deciso ela mesma des-conforme com a realidade e intil.

    O segundo caso corresponde ao da alegao de factos super-venientes que alteram uma deciso correcta em face dos elementosapurados em primeira instncia. Tambm aqui a alegao se mos-traria vivel em recurso. Com a admisso da alegao dessefacto superveniente, visa-se evitar a extino de uma instncia quepoderia ser imediatamente aberta com base nesse facto(50).

    Em suma, conclui o autor, nos recursos ordinrios, pode seralegado um facto superveniente e apresentada a respectiva provadocumental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam confirmao da deciso impugnada, como quando impliquem asua revogao(51).

    22. Tambm o Cons. AMNCIO FERREIRA se pronuncia,expressamente, no sentido de o tribunal de recurso (a Relao, noo STJ, por lhe estar vedado conhecer de matria de facto) deverlevar em conta os factos constitutivos, modificativos ou extintivosdo direito que ocorrerem at ao encerramento da discussoperante ele, desde que posteriores ao encerramento da discussona 1. instncia(52).

    Invoca os arts. 663., n. 1, e 713., n. 2, do Cdigo de Pro-cesso Civil. Aquela possibilidade afirma significativamente descaracterizaria o modelo recursrio processual civil portuguscomo puro modelo de recurso de reponderao(53).

    23. Posio idntica parece ser ainda a defendida pelo Cons.CARDONA FERREIRA.

    Embora comece o ilustre autor por reconhecer que o sistema[recursrio] portugus , basicamente, de reponderao e queseguramente tal repudia a considerao de questes novas, salvo[] daquilo que de conhecimento oficioso [], a verdade

    (50) ibidem, p. 457.(51) ibidem.(52) Manual dos Recursos em Processo Civil, 9. ed., Coimbra, Almedina, 2009,

    pp. 156 e 215. (53) ibidem, p. 156.

    306 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • que, contrape, isso no impede a possibilidade de consideraode factos supervenientes. O que preciso no confundir factoscom questes, nem com argumentos. [O] princpio da utilidadeimplica a possibilidade de conhecimento fctico no decurso doprocesso sem prejuzo das regras sobre tramitao na basedo regime emergente do art. 663.(54). Se, face ao sistema dareponderao, as partes no podem, por regra, pr questes novasem recurso, o certo que sustenta o autor , respeitado o con-dicionalismo do art. 663., de forma a no viabilizar abusos, asupervenincia evidenciada de factos efectivamente relevantes nopoder ser excluda da fase recursria, sob pena de se violar oprincpio da utilidade processual(55).

    24. Contra a possibilidade de alegao e conhecimento, emrecurso, de factos supervenientes pronunciou-se o Prof. CASTROMENDES(56).

    Apesar de a lei abrir portas juno de documentos superve-nientes nos arts. 712., n. 1, al. c), 749. e 771., al. c), do Cdigode Processo Civil de 1961, proibiria do mesmo passo a alegao defactos novos. Uso de documentos novos e alegao de factos novosseriam coisas evidentemente distintas. A invocao de factosnovos dizia o processualista de Lisboa parece s ser possvelat ao encerramento da discusso em primeira instncia(arts. 506., n. 1 e 663., n. 1).

    25. Segundo LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES(57) tam-bm no deve esquecer-se que a finalidade dos recursos ordinrios

    (54) Guia de Recursos em Processo Civil, 5. ed., Coimbra, Coimbra Editora,2010, p. 187 (vd. ainda p. 142).

    (55) Guia de Recursos em Processo Civil, 4. ed., Coimbra, Coimbra Editora,2007, p. 160.

    (56) Direito Processual Civil, III vol., Lisboa, AAFDL, 1989, p. 31.(57) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 3., t. I, 2. ed., Coimbra, Coimbra

    Editora, 2008, pp. 98 e 99. Note-se que, em Os recursos no Cdigo de Processo CivilRevisto, Lisboa, Lex, 1998, pp. 52 e ss., o Dr. ARMINDO RIBEIRO MENDES parece aderir posio do Prof. TEIXEIRA DE SOUSA acima citada (supra, n. 21). A p. 85 dizia que, emcasos contados, o tribunal da Relao pode conhecer de matria nova e nessa medidapoder-se- dizer como vimos que o Prof. Teixeira de Sousa sustenta que h umapossibilidade de o recurso ser um recurso de reexame. opinio que mantm em Recur-

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 307

  • a de controlar a deciso impugnada e no a de reapreciar a ques-to submetida a julgamento. S tratando-se de factos instrumen-tais (ou dos referidos no art. 514. do Cdigo de Processo Civil)pode o tribunal de recurso deles conhecer quando forem superve-nientes.

    Por seu turno, para LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVOMAChADO e RUI PINTO(58), os factos posteriores ao encerra-mento da discusso da matria de facto [a que se refere oart. 524. do Cdigo de Processo Civil] no podem ser factos prin-cipais, pois estes s podem ser introduzidos na causa mediantealegao em articulado superveniente e este tem como limite tem-poral o encerramento da discusso em 1. instncia (arts. 506.-1e 663.-1). Mais ostensivamente ainda, em anotao ao art. 663.do Cdigo de Processo Civil, afirmam os autores que os factosposteriores ao encerramento dos debates sobre a matria de facto ou, embora anteriores, conhecidos posteriormente spodem, se forem modificativos ou extintivos (ou impeditivos, ssupervenientemente conhecidos), ser feitos valer, como excepo,no processo executivo (art. 814.-g), estando designadamentevedada a sua invocao em recurso [], e, se forem constitutivos,fundar nova aco perante a qual no seja invocvel a excepodo caso julgado(59).

    Com efeito acrescentamos , no que toca aos factos impe-ditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, o art. 814.,al. g), do Cdigo de Processo Civil(60) permite a sua alegaocomo fundamento dos embargos de executado (rectius, da oposi-o execuo) sempre que sejam posteriores ao encerramento dadiscusso no processo de declarao. Sabendo-se que a referncia,no Cdigo de Processo Civil, ao encerramento da discusso nor-malmente tomada como reportada ao fim dos debates sobre a mat-ria de facto em primeira instncia, daquele preceito parece resultar,

    sos em Processo Civil. Reforma de 2007, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 83 e 84.(58) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., p. 458.(59) Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., p. 689.(60) Este artigo no refere expressamente os factos impeditivos, mas nada obsta a

    que sejam nele includos (vd., por todos, LEBRE DE FREITAS, A Aco Executiva. Depois daReforma da Reforma, 5. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 171-172).

    308 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • com particular clareza, que os factos impeditivos, modificativos ouextintivos posteriores quele momento s podem ser excepciona-dos pelo ru em futura e eventual aco executiva e nunca em ulte-riores termos do processo declarativo.

    A regra seria, portanto, simples: terminada a discusso em pri-meira instncia, os factos essenciais supervenientes ho-de ser ale-gados em processo de execuo ou, sendo constitutivos, em novaaco.

    26. Tambm o Dr. BRITES LAMEIRAS no v que possa deri-var do regime da juno de documentos em recurso, constante doart. 693.-B (e 727.) do Cdigo de Processo Civil, a faculdade dejuntar documentos para prova de factos supervenientes.

    A remisso que aquele preceito faz para o art. 524. do Cdigode Processo Civil deve ser entendida, defende, como exclusiva-mente apontada ao seu n. 1, de maneira que, no caso de recurso, s admitida a juno de documentos cuja apresentao tenha sidoimpossvel at ao encerramento da discusso e com o fim de ins-truir a apelao interposta nos termos do art. 712., n. 1, al. c), doCdigo de Processo Civil. Inadmissvel seria, pois, a juno dedocumentos, em sede de recurso, ao abrigo do art. 524., n. 2, paraprova de factos posteriores aos articulados (rectius, dos factosaqui tidos como supervenientes). O n. 2 do art. 524. s se aplica-ria primeira instncia(61). Efectivamente, diz o autor noutro lugar,o recurso no visa um segundo julgamento, mas apenas um ree-xame, por um tribunal superior, do julgamento proferido por umtribunal inferior, e para corrigir eventual erro de que enferme adeciso por este ltimo tomada(62).

    (61) Notas Prticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2. ed., Coimbra,Almedina, 2009, pp. 122, 123 e 226.

    (62) Notas Prticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 1. ed., Coimbra,Almedina, 2008, p. 16.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 309

  • C. Jurisprudncia

    27. Na jurisprudncia encontram-se tambm decises emambos os sentidos, embora seja nitidamente maioritrio o entendi-mento de que a alegao e apreciao de factos jurdicos superve-nientes em recurso esto vedadas.

    Seguem a orientao maioritria, por exemplo, os Acs. de5 de Maro de 1987(63), de 2 de Novembro de 1989(64), de 7 deDezembro de 1993(65), de 28 de Janeiro de 1999(66), de 20 deJunho de 2000(67), de 20 de Maro de 2002(68) e de 26 de Maiode 2009(69) do Supremo Tribunal de Justia.

    Do Tribunal da Relao do Porto adoptam a tese em apreo,por exemplo, os Acs. de 3 de Fevereiro de 1992(70) e de 25 deJunho de 2001(71).

    Do Tribunal da Relao de Lisboa cumpre citar o Ac. de 5 deNovembro de 1992(72) e do Tribunal da Relao de vora oAc. de 29 de Novembro de 2007(73).

    (63) Proc. n. 074091, acessvel em .(64) Proc. n. 077847, ibidem.(65) Proc. n. 084363, ibidem: totalmente inaceitvel um dito articulado super-

    veniente apresentado depois da sentena e at depois da interposio da apelao, j queteria de ser apresentado at ao encerramento da discusso fctica na 1. instncia.

    (66) Proc. n. 98B908, ibidem: O regime do artigo 706., com referncia ao dispostono artigo 524, ambos do CPC juno de documentos com as alegaes e de documentossupervenientes , s se aplica aos documentos destinados a fazer prova dos factos que sirvamde fundamento aco, que no de factos integradores de uma diferente causa de pedir preten-dida invocar ex novo em face de uma bem sucedida defesa do ru relativamente primitiva.

    (67) Proc. n. 00A1722, ibidem: O objecto dos recursos so as decises judiciais evisam a legalidade ou ilegalidade das mesmas, no se destinando, contudo a criar soluespara questes novas, no apreciadas no Tribunal a quo, no mbito do artigo 690., doCPC. No nosso ordenamento jurdico, admitida a veiculao de documentos novos, jno se viabilizando, contudo, a alegao de factos novos, a no ser na via de articuladosuperveniente prevista no artigo 506., n. 1, do CPC.

    (68) Proc. n. 01S3444, ibidem: No so atendveis os factos supervenientes propositura da aco que sejam extintivos do direito do autor ocorridos posteriormente aomomento do encerramento da discusso. [] Ser eventualmente a execuo de sen-tena o meio oportuno para discutir essa matria.

    (69) Proc. n. 927/2002.C1.S1, ibidem.(70) Proc. n. 9130443, ibidem.(71) Proc. n. 0150589, ibidem: impossvel alegar em recurso factos superve-

    nientes e, com base neles, juntar documentos supervenientes.(72) BMJ, n. 421, 1992, pp. 481-482.(73) Proc. n. 1687/06-2, acessvel em . L-se na fundamentao deste

    310 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • 28. No sentido de que o Cdigo de Processo Civil permites partes a alegao e Relao o conhecimento dos factos super-venientes pronunciou-se o Supremo nos Acs. de 15 de Dezembrode 1983(74) e de 15 de Maro de 2007(75).

    acrdo: in casu, se bem que a apelante no o diga expressamente remetendo apenaspara o art. 524., n. 1, do CPC a apresentao dos referidos documentos, afigura-seque, referindo-se os mesmos a factos posteriores ao encerramento da discusso e atda prpria sentena, estamos em face da situao prevista no n. 2 do referido dispo-sitivo legal. Ora, como afirma Lebre de Freitas, os factos supervenientes proposi-tura da aco, englobando quer os objectivamente supervenientes, quer os que o soapenas subjectivamente (art. 506., n. 2), ho-de ser introduzidos no processomediante a alegao das partes (art. 264., n. 1, e 664.) em articulado normal oueventual ou, quando ocorram ou sejam conhecidos depois dos articulados, em articu-lado superveniente, que com sujeio aos prazos do art. 506., n. 3, pode ser apresen-tado at ao encerramento dos debates sobre a matria de facto (art. 506., n. 1). Osque ocorram ou sejam conhecidos posteriormente a este momento s podem, se foremmodificativos ou extintivos (ou impeditivos s supervenientemente conhecidos), serfeitos valer como excepo no processo executivo (art. 813., g)), estando designada-mente vedada a sua invocao em recurso, e, se forem constitutivos, fundar novaaco perante a qual no seja invocvel a excepo de caso julgado (CPC Anotado,vol. ii, p. 655).

    (74) Proc. n. 070852, ibidem: Tendo sido pagos, j na pendncia do recurso derevista, a totalidade do capital, bem como os juros inerentes s letras que o titulavam, estefacto superveniente tem de ser nele atendido, nos termos aplicveis do artigo 663. doCdigo de Processo Civil. Sublinha-se que se conheceu de facto superveniente ocorridoj na pendncia da revista. Estranha deciso, j que o Supremo Tribunal de Justia noconhece, como no conhecia data, da matria de facto (cf. arts. 721. e 729., n.os 1 e 2, doCdigo de Processo Civil).

    (75) Proc. n. 07B287, ibidem. certo que reza o art. 663., n. 1, do C. P. Civil ... deve a sentena tomar em considerao os factos constitutivos, modificativos ouextintivos do direito que se produzam posteriormente proposio da aco, de modo quea deciso corresponda situao existente no momento do encerramento da discusso.Todavia, sem prejuzo das restries estabelecidas noutras disposies legais, nomeada-mente quanto s condies em que pode ser alterada a causa de pedir. De modo que, aindaque se possa entender, com Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo ProcessoCivil, Lex, 1997, pg. 457, que nos recursos ordinrios pode ser alegado um facto super-veniente e apresentada a respectiva prova documental, tanto quando aquele facto e estaprova conduzam confirmao da deciso impugnada, como quando impliquem a suarevogao e facto superveniente no s o que ocorreu mas tambm o que apenasfoi conhecido... supervenientemente o que no pode esse novo facto, alegado e docu-mentado, situar-se fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar oseu pedido. A orientao seguida por este aresto melhor se caracterizaria como sendointermdia: o conhecimento de facto superveniente possvel, mas apenas se o facto ale-gado se no situar fora da causa de pedir tal como o autor a formulou para sustentar o seupedido.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 311

  • Quanto ao Tribunal da Relao do Porto, cabe referir os Acs.de 11 de Maro de 1993(76) e de 22 de Janeiro de 2002(77), no qualse decidiu que os factos jurdicos produzidos posteriormente sentena em primeira instncia podem, se preenchidas as demaiscondies do art. 663. do C. P. Civil, ser tomados em conta norecurso para a Relao(78), na medida em que aquele preceito aplicvel, tambm, 2. instncia art. 713., n. 2, do C. P.Civil(79).

    D. Posio adoptada

    29. Enquadrado e delimitado o tema e mencionadas a dou-trina e jurisprudncia a ele respeitantes, altura de adoptarmosposio.

    Comeamos por afirmar que no vemos obstculo de princ-pio para que se impea o tribunal da Relao de conhecer de factossupervenientes, incontestados que so actualmente os seus poderesde conhecimento de matria de facto. Trata-se de uma segunda ins-tncia, que, tanto quanto possvel, se quer manter como verdadeirosegundo grau de jurisdio em matria de direito e de facto.

    comum afirmar-se na doutrina processualista e na jurispru-dncia que os nossos recursos ordinrios no servem para conhecerde novo da causa, mas antes para controlo da deciso recorrida. Osrecursos, diz-se com efeito no art. 676. do Cdigo de ProcessoCivil, destinam-se a impugnar as decises judiciais (no a decidirde novo). O juiz de recurso no reaprecia ou reexamina a causa,

    (76) Proc. n. 9250655, ibidem: admissvel a juno, com as alegaes derecurso, de documento demonstrativo de que a apelada adquiriu um andar para a suaresidncia permanente em momento posterior prolao da sentena que decretou adenncia do contrato de arrendamento com fundamento na necessidade do locado parahabitao prpria. [...] Tal facto deve ser tido em conta pela Relao, j que a deciso,quer em primeira, quer em segunda instncia, deve reflectir sempre a situao de factoexistente no momento em que encerrada a discusso, tal como o prescrevem os arti-gos 663. e 713., n. 2, do Cdigo de Processo Civil.

    (77) CJ, t. I, 2002, pp. 188 e ss.(78) ibidem, p. 188.(79) ibidem, p. 190.

    312 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • antes aprecia ou repondera a deciso sobre a causa os recursosseriam de reponderao, no de reexame(80). Por isso que estariamlimitados s questes decididas pelo tribunal a quo (salvo quantos de conhecimento oficioso) e ao acervo fctico com base noqual ele decidiu(81). [Se] o objecto do recurso sustentava o

    (80) Quanto ao objecto, os recursos distinguem-se, escrevia o Prof. CASTRO MEN-DES, entre aqueles que tm por objecto a questo sobre que incidiu a deciso recorridae aqueles cujo objecto a deciso recorrida (ob. cit., p. 25). Sobre a terminologia recur-sos de reponderao e de reexame, v. ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em processocivil, Lisboa, Lex, 1992, p. 138.

    (81) Vd. (alm do Dr. BRITES LAMEIRAS acima citado) CASTRO MENDES, ob. cit.,p. 29 ([o] nosso sistema de recursos inclina-se por a segunda soluo o objecto dorecurso a deciso. Dentro desta orientao tem a nossa jurisprudncia repetidamenteafirmado que os recursos visam modificar decises e no criar solues sobre matrianova), ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, pp. 140 e 175, e Recursosem processo civil. Reforma de 2007, pp. 51, 81 e 131 ([em] Portugal, os recursos ordin-rios so recursos de reviso ou de reponderao da deciso recorrida. [] A jurisprudn-cia tem repetido uniformemente e desde o incio da vigncia do CPC de 1939 que os recur-sos visam apenas modificar as decises recorridas e no criar decises sobre matrianova), TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos..., pp. 395 e 396, com citao de numerosa jurispru-dncia ([no] direito portugus, os recursos ordinrios visam a reapreciao da decisoproferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorridono momento do seu proferimento. isto significa que, em regra, o tribunal de recurso nopode ser chamado a pronunciar-se sobre matria que no foi alegada pelas partes na ins-tncia recorrida ou sobre pedidos que nela no foram formulados), LEBRE DE FREITAS eRIBEIRO MENDES, Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 3., t. I, p. 98 ([] a apelaono visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instncia []; [] osrecursos so meios processuais de impugnao de anteriores decises judicias e no oca-sio para julgar questes novas), JOO ESPRITO SANTO, O documento supervenientepara efeito de recurso ordinrio e extraordinrio, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 34 e 60,CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 5. ed., pp. 187 e 216, PAULACOSTA E SILVA, Poderes do tribunal de recurso sobre o objecto do processo, Cadernos deDireito Privado, n. 1, 2003, pp. 63 e ss., ABRANTES GERALDES, Recursos em ProcessoCivil. Novo Regime, 3. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 26, 103 e 104 ([a] natu-reza do recurso, como meio de impugnao de uma anterior deciso judicial, determinaoutra importante limitao ao seu objecto decorrente do facto de, em regra, apenas poderincidir sobre questes que tenham sido anteriormente apreciadas, no podendo confron-tar-se o tribunal ad quem com questes novas. Os recursos constituem mecanismos desti-nados a reapreciar decises proferidas, e no a analisar questes novas, salvo quando[] sejam de conhecimento oficioso e, alm disso, o processo contenha os elementosimprescindveis), e ELIzABETh FERNANDEz, Princpio do dispositivo e objecto da decisode recurso, em Miguel Teixeira de Sousa, Paula Costa e Silva e Rui Pinto (coord.), Asrecentes reformas na aco executiva e nos recursos, Coimbra, Coimbra Editora, 2010,pp. 332, 336 e 337 ([da] que seja usual dizer-se que no mbito do recurso est proibidaa alegao de novum, porque o recurso no serve para rejulgar o litgio (no se trata de

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 313

  • Prof. CASTRO MENDES(82) julgar se a deciso proferida foijusta ou injusta [e no decidir de novo a questo posta], ento nointeressa seno comparar a deciso com os dados que o juiz deci-dente possua. Se o juiz no se podia servir de certo facto extintivo,e por isso condenou, condenou bem; o tribunal superior devedeclarar que condenou bem, e negar-se a revogar a condenao(embora a saiba ou suspeite discordante da verdade)(83). Dir-se--ia ento: a alegao e conhecimento de factos supervenientes nainstncia de recurso afronta o modelo recursrio adoptado noCdigo de Processo Civil portugus um modelo centrado noataque deciso impugnada e no no novo julgamento da causa.

    Vemos as coisas de outra forma. O sistema de recursos ordin-rios do Cdigo de Processo Civil no se fecha completamente considerao de novos factos. Veja-se o que se passa com os factosde conhecimento oficioso: se o tribunal ad quem decide com baseem facto notrio no considerado na primeira instncia, por certoque est a fazer mais do que reapreciar a deciso impugnada, porcerto que est a reexaminar a causa a nova luz. Ou tenha-se pre-sente o que acontece na hiptese prevista no art. 272. do Cdigode Processo Civil: se nisso estiverem de acordo as partes, o recursopode muito bem ter por objecto novos factos integrantes de novacausa de pedir relativamente apresentada em primeira instncia.Como bem sublinha o Prof. TEIXEIRA DE SOUSA, a impossibili-dade de invocao [dos factos supervenientes] na instncia derecurso que se poderia julgar ser a soluo legal [devido aomodelo do recurso de reponderao] no entanto contrariadapelo prprio direito positivo(84).

    reexaminar), mas apenas para apreciar se a deciso recorrida est ou no correcta emface dos elementos de que o tribunal a quo dispunha para o julgamento da causa (trata-sede reponderar)).

    (82) Ob. cit., p. 29.(83) A impossibilidade de resoluo de questes novas e de considerao de novos

    factos resultaria, segundo o Prof. TEIXEIRA DE SOUSA, no da existncia de uma proibiolegal nesse sentido, mas da ausncia de uma permisso expressa de sentido contrrio(Estudos ..., p. 395).

    (84) Estudos ..., p. 396. A pp. 415, o Professor de Lisboa sublinha que h, na lei pro-cessual civil, dois casos em que o recurso atribui Relao poderes de reexame (porque oseu julgamento assenta em elementos novos) e de substituio da deciso recorrida: o da

    314 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • A no considerao de factos supervenientes na instnciarecursria no , pois, regra absoluta. Admite brechas se vieremprevistas na lei ou forem determinao de princpio fundamentaldo processo civil.

    30. De harmonia com o art. 268. do Cdigo de ProcessoCivil, a instncia deve manter-se estvel quanto aos sujeitos e aoobjecto (pedido e causa de pedir) depois de citado o ru(85). ochamado princpio da estabilidade da instncia. A sua razo de ser clara: evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questespara resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se preju-dique o normal andamento da causa.

    Por seu turno, segundo o princpio da eventualidade ou pre-cluso, ligado ao princpio da auto-responsabilidade das partes,devem estas disciplinar-se de maneira a praticar os actos proces-suais que lhes interessam no momento que prprio, sob pena de ono poderem fazer mais. O processo est organizado por ciclos

    apelao com fundamento no art. 712., n. 1, al. c), isto , quando o recorrente apresentadocumento novo superveniente que, por si s, suficiente para destruir a prova em que adeciso assentou, e o da renovao dos meios de prova ao abrigo do art. 712., n. 3 (intro-duo , p. 415). No mesmo sentido, vd. ARMINDO RIBEIRO MENDES, Os recursos noCdigo de Processo Civil revisto, p. 81. Depois das alteraes de 2007, faz notar esteltimo autor que o modelo de reexame ou de reponderao adoptado entre ns admitealgumas atenuaes, que adviriam da possibilidade de apresentao de documento super-veniente em segunda instncia nos termos do art. 693.-B e do direito de alterar ou ampliaro pedido ou a causa de pedir luz do art. 272. (Recursos em Processo Civil. Reformade 2007, p. 51, nota 42).

    J no quadro do Cdigo de 1961 falava o Prof. CASTRO MENDES de concesses aosistema de reponderao, traduzidas no poder de apresentar documentos supervenientese de alterar, por mtuo acordo, o pedido em segunda instncia (ob. cit., p. 30), e oDr. ARMINDO RIBEIRO MENDES de importantes atenuaes ao princpio da reponderao(Recursos em Processo Civil, p. 140).

    A bem dizer, afigura-se-nos que, com excluso da situao contemplada noart. 272., no h nas demais hipteses referidas (juno de documento superveniente erenovao dos meios de prova) conhecimento de factos novos, antes h julgamento de fac-tos velhos tempestivamente alegados com meios de prova novos ou renovados. Esclarecia--o Prof. CASTRO MENDES: uma coisa poder alegar factos novos e isso no o admitia oProfessor de Lisboa , outra coisa autorizar-se a juno de documentos novos paraprova de factos alegados que no foram dados como provados por falta de documento(ob. cit., pp. 26 e 27).

    (85) Vd. igualmente o art. 481., al. b).

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 315

  • rgidos(86) de actos processuais, em cada um dos quais s partesassiste o direito de praticarem os actos neles inscritos e est vedadaa possibilidade de praticarem os inscritos noutros ciclos. Pretende--se que litiguem s claras, sem insdia ou ardil, que a sua luta sedesenvolva com lealdade(87), bem como que a sentena do tribu-nal aparea clere(88).

    Estabilidade da instncia e precluso seriam, pois, os princ-pios processuais que se oporiam ao conhecimento de factos pelotribunal de recurso. Ambos tm consagrao indiscutvel no nossoprocesso civil(89).

    Em sentido inverso surge o princpio da economia processual.Deve procurar-se o mximo resultado processual com o mnimoemprego de actividade, o mximo rendimento com o mnimo custo,dizia o Prof. MANUEL DE ANDRADE(90). Numa das suas dimenses,aquele princpio determina a resoluo da maior quantidade poss-vel de litgios com o mesmo processo (economia de processos).O que ora interessa j no que a instncia se mantenha estvel doprincpio ao fim, que o tribunal possa apenas concentrar-se noobjecto inicial da aco, que as partes no sejam apanhadas de sur-presa pela alegao imprevisvel, que a sentena saia depressa; oque interessa agora resolver de uma vez por todas o problema queobrigou as partes a recorrerem ao tribunal, arrumar com ele eponto final, mesmo que isso implique prescindir da estabilidade edisciplina desejveis.

    Pe-se ento a questo: os princpios da estabilidade da ins-tncia e da precluso tero fora suficiente para se imporem eco-nomia processual e impedirem a invocao e conhecimento de fac-tos supervenientes em recurso?

    (86) Vd. MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., p. 382.(87) ibidem.(88) Vd. ELIzABETh FERNANDEz, est. cit., pp. 331 e 332.(89) Vd. JOS ALBERTO DOS REIS, Comentrio..., vol. 3., pp. 66 e ss., MANUEL DE

    ANDRADE, ob. cit., pp. 382 e ss., LEBRE DE FREITAS, introduo, pp. 145 e ss., ABRANTESGERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., pp. 82 e ss. e 103 e ss., e ELIzA-BETh FERNANDEz, est. cit., pp. 330 a 332.

    (90) Ob. cit., p. 387.

    316 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • 31. A resposta fcil, ou assim se nos afigura, quanto aoprincpio da precluso. A disciplina processual a que as partesdevem obedecer e que as obriga a jogarem limpo perante o tribunale uma perante a outra perde o sentido quando se fala de factossupervenientes, objectiva ou subjectivamente, ao momento em quedevem ser invocados. No se pode exigir a ningum que, sob penade consequncias negativas, leve ao conhecimento do tribunal emcerto ciclo processual o facto que s depois dele ocorreu ou de ques depois dele desculpavelmente ficou ciente. Os factos superve-nientes escapam precluso fundada na violao da disciplina pro-cessual. Dizia-o claramente o Prof. MANUEL DE ANDRADE: o princ-pio da precluso pode acarretar prejuzo para o triunfo daverdade material, porque as dedues tardias podem trazer ao juiznovos elementos de convico, aproveitveis para as finalidadesda justia. A precluso no deve atingir, portanto, as deduessupervenientes(91). Por certo que o Cdigo regula expressamentea alegao e conhecimento de factos supervenientes no art. 506. eque a se impe uma disciplina processual prpria; por certo que aspartes se no vem livres de toda e qualquer disciplina mesmoquanto aos factos supervenientes. Mas essa uma disciplina ape-nas referida a factos j ocorridos e conhecidos. Por natureza, noh violao possvel da disciplina no que toca a factos posteriores.Est portanto vedado raciocinar-se assim: todos os factos superve-nientes tm de ser alegados, sob pena de precluso, nos termos doart. 506. do Cdigo de Processo Civil.

    32. De fora que est o princpio da precluso, que dizer doprincpio da estabilidade da instncia?

    O Cdigo claro: a instncia deve manter-se a mesma quantos pessoas, ao pedido e causa de pedir. A estabilidade a regra.

    Significar isso que nunca possvel a invocao e considera-o de factos supervenientes pelo tribunal de recurso?

    A resposta no.Primeiro: o alcance do princpio da estabilidade (objectiva)

    cinge-se aos factos que implicam alterao da causa de pedir ou do

    (91) Ob. cit., p. 383.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 317

  • pedido. Trate-se de factos supervenientes inscritos na causa depedir inicialmente invocada pelo autor ou de factos complementa-res ou concretizadores dos factos integrantes dessa causa de pedir enada impedir a sua invocao e conhecimento pelo tribunal derecurso. No haver nesse caso verdadeira instabilidade da instn-cia (pese embora a instabilidade dos factos), no ser o juiz con-frontado com uma verdadeira nova questo para resolver.

    Segundo: a instncia no se pretende absolutamente estvel.So diversos os limites que expressamente a lei pe ao princpio daestabilidade e que, de resto, o prprio art. 268. do Cdigo de Pro-cesso Civil ressalva(92). Que se trata, no de uma regra inflexvele absoluta, mas de conceito malevel, mostra-o escrevia oProf. JOS ALBERTO DOS REIS o prprio artigo e confirmam-noos textos que se seguem imediatamente (actuais arts. 269.a 275.-A). Estabilidade da instncia no quer portanto dizer, comoconclua o Professor de Coimbra, imutabilidade(93). No caso deacordo das partes, nada obsta at modificao da instncia emlarga escala, como j sublinhmos.

    As restries que o legislador faz estabilidade da instnciaconstituem, essencialmente, determinaes da economia proces-sual(94). A estabilidade cede perante a economia.

    33. Posto isto, tm-se por assentes trs pontos: o conheci-mento de factos supervenientes em recurso no afronta o sistemarecursrio ordinrio portugus (que no de pura reponderao) eno viola o princpio da precluso; o conhecimento de tais factospode sim abalar o princpio da estabilidade da instncia; mas a ins-tncia no imutvel e pode ser alterada, se a lei disser que podes-lo por mor do princpio da economia processual.

    Ora, a este propsito, quer-nos parecer porm que errada aideia de que a lei s autorizaria alteraes instncia quando o

    (92) Pode ver-se a enumerao desses limites em ABRANTES GERALDES, Temas daReforma do Processo Civil, I vol., pp. 103 e ss.

    (93) Comentrio ..., vol. 3., p. 78.(94) Vd., quanto aos arts. 272. e 273., por exemplo, LEBRE DE FREITAS, introdu-

    o ..., pp. 177, 178 e 183 e ss., ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do ProcessoCivil, I vol., pp. 100 e 101, e REMDIO MARQUES, ob. cit., pp. 204 e 205-206.

    318 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • fizesse de forma desmesuradamente expressa. essa uma repre-sentao demasiado limitada das coisas. No h motivo para que ointrprete, como que por acto de f, se recuse a ver em normas pro-cessuais excepes estabilidade no deve perder-se de vistaque o Cdigo as admite abertamente; assim como no h razopara que se atenha a uma indiscriminada interpretao restritiva detodas as normas relacionadas com a alegao e conhecimento defactos supervenientes.

    O critrio geral que h-de presidir determinao dos limites admissibilidade do conhecimento de factos supervenientes afigura-se-nos ser outro, qual seja o que decorre do art. 272., 2. parte, doCdigo de Processo Civil. Neste preceito contm-se um autnticoconvite ponderao cas par cas dos prs e contras inerentes aosprincpios da economia processual e estabilidade na tarefa da inter-pretao e aplicao das normas legais relativas alegao e conhe-cimento de factos supervenientes. No art. 268. diz-se: a instnciadeve manter-se estvel quanto causa de pedir; no art. 272.,1. parte, excepciona-se: a causa de pedir pode ser alterada poracordo das partes em primeira ou segunda instncia; por entre os doisdescobre-se o critrio de deciso: decida-se pela estabilidade ou pelainstabilidade consoante a alterao da instncia perturbe ou noinconvenientemente a instruo, discusso e julgamento do pleito.Nem o art. 268. impe a estabilidade sem excepes, nem oart. 272. aceita a mxima instabilidade sem condio, mesmoquando o normal seria faz-lo dado ser essa a vontade das partes. Noh frmulas cegas. O acento posto na exigncia de ponderao.

    O que a lei quer , por conseguinte, que o seu aplicador, emvez de cegamente insistir na negao da consagrao de excepes estabilidade, a interprete com a abertura de esprito adequada aver se, em funo das circunstncias de cada caso, merece preva-lncia o princpio da economia processual ou antes o princpio daestabilidade da instncia. O confronto no se d entre simplesartigo-regra e artigo-excepo; joga-se antes no plano mais pro-fundo dos princpios e suas determinaes.

    Se a imposio da estabilidade da instncia se prende com oobjectivo ltimo de evitar que seja prejudicado o normal anda-mento da causa por virtude da colocao de novas questes, pois

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 319

  • bem parece evidente que o que h a fazer precisamente ver seessas novas questes trazem alguma perturbao inconvenientepara a instruo, discusso e julgamento do pleito. Se no trouxe-rem, admitam-se naturalmente.

    34. Pelo exposto, parece-nos correcta a seguinte orientaopara interpretar e aplicar as normas processuais que se relacio-nam com o nosso problema: em princpio, a instncia deve manter--se (objectivamente) estvel a partir da citao, com a consequn-cia de que o conhecimento de factos supervenientes em recurso stem lugar quando previsto na lei; mas esta, em homenagem aoprincpio da economia processual, no tem de ser interpretada pre-conceituosa e restritivamente, porque o Cdigo no quer cego orespeito pelo princpio da estabilidade; crucial que o conheci-mento de factos supervenientes em recurso, sendo perfeitamenteaceitvel, no perturbe inconvenientemente a instruo, discussoe julgamento do pleito(95).

    Acresce um ponto: a invocao e conhecimento de factossupervenientes em recurso tem de observar os princpios do con-traditrio e da boa f.

    A boa f prende-se essencialmente com a autenticidade dasupervenincia dos factos: a parte que se queira valer deles emrecurso tem de alegar e convencer o juiz de que so efectivamentesupervenientes. Se forem objectivamente supervenientes, a boa-fest garantida; sendo subjectivamente supervenientes, respeita-se acorreco e lealdade na actuao processual se o conhecimento tar-dio no se dever a culpa de quem invoca os factos (v. o caso para-lelo do art. 506., n. 4, do Cdigo de Processo Civil)(96).

    (95) A propsito do trecho final do antigo art. 277. do Cdigo de Processo Civil,escrevia o Prof. ALBERTO DOS REIS, Comentrio ..., vol. 3., pp. 90-91: a frmula salvose se entender que a alterao perturba profundamente a instruo, discusso e julga-mento do pleito h-de interpretar-se neste sentido: no deve colocar-se o tribunal naalternativa ou de postergar os trmites essenciais do processo ou de decidir sem que acausa esteja preparada e amadurecida.

    (96) A doutrina do art. 506., n. 4, do Cdigo de Processo Civil vale ainda, de har-monia com o Prof. TEIXEIRA DE SOUSA, para os factos essenciais velhos, se a omisso dainvocao [desses factos nos articulados resultou] de negligncia grave ou dolo da parte,bem como para os factos complementares (Estudos ..., pp. 78 e 79).

    320 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • O contraditrio ter de ser sempre respeitado, nos termosgerais do art. 3. do Cdigo de Processo Civil e no imposs-vel o seu cumprimento estrito no caso de alegao de factos super-venientes do tipo dos que esto em apreo.

    Respeitados a boa-f e o contraditrio(97), torna-se ento fun-damental ponderar, nos termos referidos, as vantagens de manter ainstncia estvel e as vantagens de, com ela, resolver o mximopossvel de questes.

    35. Assim sendo, impe-se separar cabea os casos emque h acordo quanto alegao de factos essenciais supervenien-tes daqueles em que esse acordo no existe.

    Havendo acordo das partes, cumpre ainda distinguir os factosconstitutivos do direito do autor dos factos impeditivos, modifica-tivos ou extintivos favorveis ao ru.

    Tratando-se de factos constitutivos, a sua alegao e conheci-mento supervenientes so expressamente admitidos no art. 272.do Cdigo de Processo Civil. Tais factos tanto podem conduzir alterao da causa de pedir como sua ampliao(98).

    Este preceito no distingue entre factos velhos (isto , anterio-res aos articulados e ao termo da discusso em primeira instncia)e supervenientes. Com efeito, com dificuldade se compreenderiaque as partes estivessem, como esto, autorizadas a acordar sobre oconhecimento de factos velhos em qualquer altura do processo(em primeira ou segunda instncia) e no o estivessem no que tocaaos factos supervenientes. Feita a alterao ou ampliao, ao tribu-nal de recurso no resta pois outra alternativa que no a de conhe-cer dos novos factos.

    (97) E, j agora por que no referi-lo, a doutrina estabelecida no disposto noart. 663., n. 2, do Cdigo de Processo Civil. Considerando este preceito uma disposiointil, porque, afinal de contas, nada mais est em causa do que o prprio conceito defacto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, vd. LEBRE DE FREITAS, MONTAL-VO MAChADO e RUI PINTO, Cdigo de Processo Civil Anotado, vol. 2., p. 690.

    (98) Alguma doutrina trata de fornecer exemplos de situaes de alterao ouampliao da causa de pedir, que aqui nos dispensamos de reproduzir. Vd., por exemplo,ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEzERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., pp. 357 e 358, ABRAN-TES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., pp. 103 e 104, nota 137,e LEBRE DE FREITAS, introduo ..., p. 60, nota 46.

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  • s hipteses de acordo ho-de reconduzir-se, igualmente, assituaes referidas na parte final do n. 1 do art. 273. do Cdigode Processo Civil(99), em que o autor aceita a confisso do ru defactos (tambm eles velhos ou supervenientes) capazes de desen-cadear a alterao ou ampliao da causa de pedir inicialmenteinvocada. Por exemplo, numa aco de reivindicao em que oautor invoca a aquisio por usucapio, o ru vem a confessar,depois de encerrados os debates e no recurso interposto peloautor, que este adquiriu a propriedade do bem cuja entrega sepede por compra ou herana; numa aco cambiria, o ru vem aconfessar em recurso os factos constitutivos da relao funda-mental, que no tinha sido invocada pelo autor; numa aco derestituio da posse intentada nos termos do art. 1037., n. 2, doCdigo Civil(100), o ru acaba por confessar os factos integrantesde um direito de propriedade do autor.

    Esta confisso pode ter lugar depois do encerramento dadiscusso em primeira instncia e j em recurso. O art. 273.,n. 1, no o impede e o art. 356., n. 1, do Cdigo Civil admite aconfisso judicial espontnea nos articulados ou em qualqueroutro acto processual. Alm de que, em substncia, se tratatambm aqui de uma alterao ou ampliao da causa de pedirpor acordo, razo por que se no v como escapar ao limite tem-poral referido no art. 272. do Cdigo de Processo Civil. Ora,feita a confisso e aceita ela pelo autor, altera-se ou amplia-se acausa de pedir e os factos supervenientes devem ser considera-dos pela Relao(101).

    (99) Sobre este preceito, vd. as preciosas pginas do Prof. LEBRE DE FREITAS,A Confisso no Direito Probatrio, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, pp. 33 e ss.

    (100) No sentido de que o locador tem verdadeira posse reportada ao direito delocao, v., recentemente, MENEzES LEITO, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2009,p. 129, e JOS ALBERTO VIEIRA, ob. cit., pp. 558 e ss.

    (101) O regime aplicvel, quando haja acordo, aos factos constitutivos superve-nientes traado no texto estende-se, por maioria de razo, aos factos constitutivos superve-nientes que se contm na causa de pedir inicialmente invocada e, bem assim, aos factoscomplementares supervenientes dos factos constitutivos originrios. De resto, viu-se jque estes factos escapam s foras do princpio da estabilidade da instncia.

    322 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • 36. No que respeita aos factos impeditivos, modificativos ouextintivos do direito do autor, j em cima deixmos antever partedo que aqui iramos sustentar.

    havendo acordo entre as partes quanto alegao e conside-rao de factos supervenientes que configuram novas excepes,afigura-se que ho-de ser conhecidos pelo tribunal, quer em pri-meira quer em segunda instncia. O acordo das partes justificainteiramente que prevalea a economia processual sobre a estabili-dade da instncia, observado que seja limite equivalente ao estabe-lecido no art. 272., 2. parte. Noutras palavras: so as partes queno querem a estabilidade por mor economia. De resto, dificil-mente concilivel com a igualdade de armas que o autor, poracordo com o ru, se possa prevalecer de factos supervenientesconstitutivos em qualquer altura do processo (v. art. 272.) e oru, mediante acordo com o autor, no possa fazer o mesmo quantoaos factos a ele favorveis.

    Do mesmo modo, se o autor confessar factos que em si soconstitutivos de excepo peremptria, prpria ou imprpria, e oru os aceitar(102), encaramos como possvel a sua consideraomesmo pelo tribunal de recurso. Na aco de dvida, o autor alegaem recurso interposto pelo ru que este j pagou parte da dvida e oru, evidentemente, aceita a alegao. Tem o tribunal de recurso dedar como provado tal facto e da retirar as devidas consequnciaslegais, absolvendo o ru na medida da verificao da nova excep-o. Uma vez feita a afirmao pelo autor de um facto impeditivo,modificativo ou extintivo do seu prprio direito e aceita a alegaopelo ru, o tribunal deve conhecer oficiosamente da excepo (res-salvado o caso das excepes peremptrias prprias, art. 496. doCdigo de Processo Civil) e absolver o ru de todo ou parte dopedido (art. 493., n. 3, do Cdigo de Processo Civil). Pode faz--lo mesmo em recurso por aplicao da regra que regula o caso

    (102) Em relao s excepes prprias, o ru ter ainda de manifestar a inten-o de delas se prevalecer, visto que a sua invocao est na sua exclusiva disponibili-dade (art. 496. do Cdigo de Processo Civil). Caso contrrio, o tribunal de recurso,ainda que dos factos confessados conhea, no est autorizado a deles extrair quais-quer efeitos. Sobre o assunto, vd., por todos, LEBRE DE FREITAS, A Confisso ..., pp. 29e ss.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 323

  • paralelo do art. 273., n. 1, do Cdigo de Processo Civil. Tambmnestas hipteses a estabilidade da instncia postergada pelas pr-prias partes, em homenagem querida economia de processos, e oprincpio da igualdade de armas determina tratamento igual paraautor e ru(103).

    37. Nos casos anteriores, a alegao de factos supervenien-tes e a sua considerao pelo tribunal ad quem s pode ser afastadase, em concreto, se verificar o circunstancialismo referido noart. 272., in fine, isto , se a aceitao e considerao da alegaodos novos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ouextintivos perturbar inconvenientemente o julgamento do pleito.

    38. Relativamente s situaes de falta de acordo entre aspartes quanto introduo no processo de factos supervenientes,deve distinguir-se tambm entre factos constitutivos e factos impe-ditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

    39. Tratando-se de factos constitutivos do direito do autorsupervenientes e querendo ele aleg-los, a opinio tradicional que, como foi apontado anteriormente(104), o no pode fazer e, se ofizer, no deve o tribunal deles conhecer. Se se quiser aproveitardeles, o autor ter de intentar outra aco, se no houver funda-mento para lhe ser oposta a excepo de caso julgado.

    Com efeito, querendo o autor introduzir na causa factos poste-riores petio e rplica sem o acordo ou o assentimento do ru,

    (103) Entre parntesis se tem de fazer aqui meno da hiptese de confisso peloautor dos factos constitutivos de excepo peremptria imprpria efectuada depois dosarticulados (normais e supervenientes) e no aceite pelo ru. A hiptese no ser comum,mas, uma vez verificada sabe-se que a confisso fora dos articulados vale independen-temente de aceitao, como declarao unilateral de cincia que , julgamos que os fac-tos que so objecto da confisso ho-de ser tomados em considerao pelo tribunal derecurso. Pesem embora as ntidas diferenas que separam a desistncia ou reduo dopedido da confisso de factos por parte do autor (vd. Prof. JOS ALBERTO DOS REIS, Comen-trio ..., vol. 3., pp. 487 e 488), se o autor pode, em qualquer altura e livremente, reduzirou desistir do pedido (arts. 273., n. 2, 293., n. 1, e 296., n. 2, 1. parte, do Cdigo deProcesso Civil), h-de tambm poder, em qualquer altura, confessar eficazmente os factosque conduzem absolvio parcial ou total do pedido do ru.

    (104) Supra, n.os 24 a 27.

    324 NUNO ANDRADE PISSARRA

  • teria de o fazer at ao encerramento da discusso em primeira ins-tncia, de harmonia com os arts. 506., n. 1 e n. 3, al. c), e 663.,n. 1, do Cdigo de Processo Civil. Assim, se tiver ficado vencido,na primeira instncia, na aco de anulao do contrato com funda-mento em erro, nunca ao autor seria consentido vir, nas alegaesde recurso, invocar factos constitutivos da coaco moral para,com eles, obter o provimento do recurso e a anulao que nologrou alcanar anteriormente(105).

    h-de convir-se que a soluo contrria romperia directa-mente com a segurana procurada pela imposio da estabilidadeobjectiva da instncia.

    40. No obstante, julgamos ser de admitir a alegao econhecimento dos factos em apreo.

    A lei processual civil no permite outra soluo. Sem dvidaque o art. 273., n. 1, do Cdigo de Processo Civil s faculta a alte-rao da causa de pedir na rplica, o art. 506. probe a atendibili-dade de factos supervenientes para alm do encerramento daaudincia de discusso e julgamento e o art. 663., n. 1, mandaatender to-somente situao existente no momento do encerra-mento da discusso. Todavia, quando se atinge a fase de recurso,so outros os preceitos que, em caso de faltar acordo entre autor eru, resolvem o problema da considerao dos factos supervenien-tes so eles os arts. 713., n. 2, e 693.-B.

    No art. 713., n. 2, manda a lei que, na elaborao do acrdopela Relao, se observe, na parte aplicvel, o preceituado nosartigos 659. a 665. do Cdigo de Processo Civil.

    A aplicao do art. 663. elaborao do acrdo da Relao imperativa. No h volta a dar.

    Mas qual o verdadeiro significado da remisso para oart. 663.? o de vincular a Relao atendibilidade, no acrdo,dos factos alegados at ao momento do encerramento da discussoem primeira instncia, nos mesmos exactos termos em que a sen-tena o deve fazer, ou antes o de facultar Relao o conheci-

    (105) O recurso visa apreciar como se costuma dizer a deciso recorrida eno reapreciar a causa.

    O CONhECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES 325

  • mento de factos jurdicos supervenientes quele momento? Cre-mos que este ltimo.

    Se o desiderato da lei fosse s aquele primeiro, no havianecessidade de remeter para o art. 663.. O art. 713., n. 2, seria,nessa parte, intil. Afinal de contas, se a apelao , por regra,recurso de reponderao, ento Relao compete simplesmentecontrolar a exacta aplicao do art. 663. pela primeira instncia.A Relao s teria de censurar ou confirmar a sentena por no terou ter considerado os factos supervenientes de harmonia com oimposto pelo prprio art. 663.. No quadro de um sistema de repon-derao, no