Direitos dos Animais, como?

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    DIREITOS DOS ANIMAIS, COMO?Acrdo do Supremo Tribunal de Justia (19.10.2004)

    uma moda falar-se nos direitos dos animais, dentro da paixo pela novidade

    que percorre constantemente as hostes intelectuais.Mas direitos dos animais, como? S o homem pode ter direitos, porque o direito

    realidade cultural. O animal pode e deve ter proteco, mas falar em direitos dos

    animais , queira-se ou no, degradar gravemente o homem.

    Jos de Oliveira Ascenso, A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos, in

    Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque

    Foi objecto de recurso de revista uma deciso do Tribunal da Relao de Lisboa que

    se pronunciou no sentido da legalidade da modalidade desportiva de tiro aos pombos

    com alvos vivos, em face da legislao em vigor. O Supremo Tribunal de Justia, no

    Acrdo de 19 de Outubro de 2004 (Processo n. 04B3354), julgou o recurso

    improcedente.

    Apesar de esta ser a questo principal abordada no acrdo, por fora da

    argumentao da recorrente e da interpretao do disposto no artigo 1., n.1 da Lei

    n. 92/95, de 12 de Setembro (Lei de Proteco dos Animais), suscita-se, a ttulo

    prvio, a questo da pertinncia da atribuio de personalidade jurdica aos animais,

    isto , da susceptibilidade de estes encabearem direitos e estarem adstritos a

    obrigaes.

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    Acrdos STJ Acrdo do Supremo Tribunal de JustiaProcesso: 04B3354N Convencional: JSTJ000Relator: SALVADOR DA COSTADescritores: PROTECO DOS ANIMAIS

    DESPORTO

    VIOLNCIATRATAMENTO DEGRADANTELEGALIDADE

    N do Documento: SJ200410190033547Data do Acrdo: 19-10-2004Votao: UNANIMIDADETribunal Recurso: T REL LISBOAProcesso no TribunalRecurso:

    1247/04

    Data: 11-03-2004Texto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTA.Deciso: NEGADA A REVISTA.Sumrio: 1. O fim da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, no assente

    na ideia da titularidade de direitos por parte dosanimais, o de os proteger contra violncias cruis oudesumanas ou gratuitas, para as quais no existaustificao ou tradio cultural bastante, isto , no

    confronto de meios e de fins ao servio do Homem numquadro de razoabilidade e de proporcionalidade.2. Os conceitos de violncia injustificada, de morte, de

    leso grave, de sofrimento cruel e prolongado e denecessidade a que se reporta o artigo 1, n. 1, da Lei n.92/95, de 12 de Setembro, significam essencial erespectivamente, o acto gratuito de fora ou debrutalidade, a eliminao da estrutura vital, o golpeprofundo ou extenso ou a dor intensa, a dor fsica assazintensa e por tempo considervel, e a no justificabilidaderazovel ou utilidade no confronto com o Homem e o seudesenvolvimento equilibrado.3. A prtica desportiva de tiro com chumbo aos pombos

    em voo, embora lhes implique prvio arrancamento depenas da cauda, a morte e a leso fsica destainstrumental, tal no envolve sofrimento cruel nemprolongado.4. A referida modalidade desportiva,j com longatradio cultural em Portugal, disciplinada por umafederao com o estatuto de utilidade pblica desportiva, legalmente justificada ou no desnecessria noconfronto com o Homem e o seu desenvolvimentoequilibrado, pelo que no proibida pelo artigo 1, n.s 1e 3, alnea e), da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, nem

    http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/Por+Ano?OpenViewhttp://www.dgsi.pt/jstj.nsf/Por+Ano?OpenViewhttp://www.dgsi.pt/jstj.nsf/Por+Ano?OpenView
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    por qualquer outra disposio legal.Deciso Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justia

    IA Sociedade A intentou, no dia 16 de Abril de 1999,

    contra a B e o C de Vila Verde, aco declarativa e decondenao, com processo ordinrio, pedindo adeclarao da ilicitude da actividade dos rus de tiro aospombos e a sua condenao a absterem-se de realizaridentificado concurso de tiro aos pombos ou outro com autilizao de alvos vivos, nomeadamente pombos, e dematar, ferir ou deixar morrer, mormente fome ou sedeos animais que se encontrem em seu poder, e a fixao desano pecuniria compulsria para a hiptese de nocumprirem a deciso que lhes seja desfavorvel.

    Os rus apresentaram contestao, excepcionando aincompetncia do tribunal em razo da matria eafirmando a licitude da actividade de tiro ao voo, e o C deVila Verde pediu, em reconveno, a condenao daautora na indemnizao no montante de 2 560 000$, euros taxa legal pelos prejuzos decorrentes de no ter

    podido realizar o torneio agendado para o dia 3 de Abrilde 1999 em razo de providncia cautelar conexa com aaco.Julgada, em recurso, improcedente a excepo daincompetncia em razo da matria do tribunal judicial,foi proferida sentena na fase da condensao doprocesso, no dia 29 de Agosto de 2003, que absolveu osrus quanto aco e a autora quanto reconveno.Apelou a autora e a Relao, por acrdo proferido no dia11 de Maro de 2004, negou provimento ao recurso.

    Interps a apelante recurso de revista, formulando, emsntese, as seguintes concluses de alegao:

    - a Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, derrogouparcialmente o despacho de 4 de Abril de 1994 no mbitodo tiro a alvos vivos;- a regra a do respeito pelo direito dos animais,conforme decorre das excepes relativas tourada e acaa;- so proibidas todas as violncias injustificadas contraanimais, ou seja, os actos consistentes em, semnecessidade, infligir-lhes a morte ou o sofrimento cruel econcursos, torneios, exibies ou provas similares que

    lhes provoquem dor ou sofrimento considerveis;- ao admitir-se que os animais podem servir como alvo,

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    por isso trazer para o atirador um acrscimo dedificuldade e de divertimento pessoal, recusa-se-lhesqualquer espcie de proteco ou valor prprio;- a prtica de tiro aos pombos no tem subjacentequalquer tradio nem implica qualquer valor cultural,pelo que no h fundamento legal para fundamentar aexcepo da sua permisso;- a nica utilidade real na morte dos animais o gozopessoal dos atiradores, e a proibio do tiro com alvosvivos est prevista no artigo 1, n. 1, da Lei n. 92/95, de12 de Setembro;- a substituio de animais vivos por alvos artificiais nodeturpa o desporto nem lhe retira eficcia nem realizaode objectivos;

    - aceitar que a competio e a aferio da destreza e oacrscimo de gozo ou divertimento de alguns ou atradio so suficientes para afastar a proibio da morteou sofrimento de animais sem necessidade consagrada naLei 92/95, de 12 de Setembro, negar a sua existncia;- a atribuio da utilidade pblica recorrida B, emdespacho omisso quanto ao tiro aos pombos, no afecta areferida proibio da lei;- a interpretao da lei pelo acrdo recorrido no sentidoda no proibio viola o texto e o seu esprito, pelo quedeve ser revogado.

    Responderam os recorridas, em sntese de concluso:- a proteco dos animais no est prevista naConstituio e o artigo 1 da Lei n. 92/95, de 12 deSetembro, no contm enumerao taxativa dasexcepes a considerar;- nos termos dos artigos 202, n. 1, 205, n. 1 e 212, n.3, do Cdigo Civil, os animais so coisas mveis, sem

    direito integridade pessoal ou fsica, pelo que podemser apropriados;- a proteco dos animais no ocorre por via de lhesatribuir direitos, mas pelo dever das pessoas em relaoa eles, e a atribuio queles do direito vida e integridade fsica s poderia operar por via de alteraoda Constituio;- no plano teleolgico, a expresso necessidade constanteda lei no pode ser interpretada no plano puramenteeconmico, antes se impondo-se a ponderao de valores

    urdicos tutelados, em termos de a proteco dosanimais ceder a valores hierarquicamente superiores,

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    sem recurso a analogia;- a lei relativa arte equestre, s touradas, caa e investigao cientfica no contm normas excepcionaisinsusceptveis de aplicao analgica;- existe total semelhana entre a actividade do tiro ao vooaos pombos e as largadas nos campos de treino de caa -artigos 2, alnea l), da Lei n. 173/99, de 21 de Setembro,e 2, alnea s), e 51 do Decreto-Lei n. 227-B/2000, de 15de Setembro;- no tiro ao voo aos pombos a sua morte ocorreimediatamente ou muito rapidamente, sem sofrimentoprolongado e cruel, e no morrem pelo meio indicadopelos recorrentes;- o tiro aos pombos no substituvel pelo tiro aos pratos

    ou a hlices, existe h muito em Portugal, consta desde osculo passado em programas de inmeras festaspopulares de centenas de freguesias do Pas, parteintegrante do patrimnio cultural portugus;- a defesa do patrimnio cultural portugus, prevista naConstituio, e das tradiesjustificam as excepes daLei n. 92/95, de 12 de Setembro, pelo que importaoperar a extenso analgica do conceito de necessidade;- a vontade do legislador foi no sentido de manter alicitude da actividade de tiro aos pombos, tal como apesca desportiva, apesar de nesta os peixes teremsofrimento cruel e prolongado.

    II a seguinte a factualidade declarada provada nasinstncias:1. A autora, Sociedade A, uma associao zofila, comestatutos aprovados pelo Alvar n. 23/949, de 13 deJunho de 1949, cujos fins, entre outros, so os de impedire reprimir tudo quanto represente crueldade contra os

    animais e assegurar o respeito pelos seus direitos.2. A r B foi declarada pessoa colectiva de utilidadepblica por despacho do Primeiro-ministro de 15 deJunho de 1978, e foi-lhe concedido o estatuto de utilidadepblica desportiva pelo despacho do Primeiro-ministro de18 de Maro de 1994.3. A autora tem conhecimento de que as rs organizaramum concurso de tiro com chumbo, com utilizao depombos, e pretendem realiz-lo no dia 3 de Abril de1999, nas instalaes do segundo ru, prova integrada no

    calendrio oficial de 1999 de tiro com alvos vivos.4. A entidade responsvel pela organizao dessas provas

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    a primeira r, nos termos do seu regulamento, e arealizao em concreto da prova caberia ao segundo ru,e seria o contributo material, humano e financeiro doltimo que poria de p o referido torneio, e seria dacompetncia da primeira a coordenao, orientao esuperviso da dita prova.5. Uma das actividades dos rus a prtica de tiro comchumbo, com utilizao de alvos vivospombos, aosquais so arrancadas penas da cauda antes de seremlibertos, e, no mbito dessas provas, so mortos.

    IIIA questo essencial decidenda a de saber da legalidadeou ilegalidade em Portugal da modalidade de tiro aospombos, isto , com alvos vivos.

    Tendo em conta o contedo do acrdo recorrido e dasconcluses de alegao da recorrente e dos recorridos, aresposta referida questo pressupe a anlise daseguinte problemtica:- ncleo fctico provado relevante para a deciso:- ncleo normativo essencialmente aplicvel no casoespcie;- sentido literal das normas do artigo 1, n. 1, Lei n.92/95, de 12 de Setembro, no confronto com o casoespcie;- abrange a proibio do n. 1 do artigo 1 da Lei n.92/95, de 12 de Setembro, actividade desportiva de tiro aovoo de pombos?- soluo para o caso espcie decorrente dos factosprovados e da lei.

    Vejamos, deper se, cada uma das referidas sub-questes.

    1.Comecemos por mencionar o ncleo fctico relevante

    para a deciso do caso espcie.A B era, desde 15 de Abril de 1978, pessoa colectiva deutilidade pblica, e , desde 18 de Maro de 1994, umapessoa colectiva de utilidade pblica desportiva.Uma das actividades dos rus a prtica de tiro comchumbo com utilizao de alvos vivos pombos, eorganizaram, no mbito do calendrio oficial de 1999, umconcurso de tiro com chumbo aos pombos e pretendiamrealizar o torneio, nas instalaes do segundo ru, no dia

    3 de Abril de 1999.A B a responsvel pela organizao dessas provas,

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    orientando-as e supervisionando-as nos termos do seuregulamento, e ao C de Vila Verde cabia, no caso, a suarealizao por via de contributo humano, financeiro ematerial.Antes de serem libertos para as provas de tiro ao voo so-lhes arrancadas penas da cauda e, no seu mbito, somortos.Os factos em anlise no revelam, por um lado, oprocesso de libertao dos pombos, nem o modo como seconfrontam com os atiradores, nem o que acontece aosque no so atingidos, nem ao seu tempo de vida quandoos tiros os no matam imediatamente.Nem, por outro, revelam se os pombos abatidos soutilizados na alimentao humana ou se o no so por

    serem mortos sem condies de salubridade.Em razo da notoriedade geral, pela constatao daspessoas em vrias zonas do nosso Pas, deve tambmconsiderar-se assente que a actividade desportiva detiro aos pombos em Portugal antiga de mais de umsculo e meio (artigo 514, n. 1, do Cdigo de ProcessoCivil).

    2.Seleccionemos agora o ncleo normativo essencialmente

    aplicvel no caso espcie.A propsito das tarefas fundamentais do Estado, resultada Constituio da Repblica Portuguesa que entre elas secontam a proteco e valorizao do patrimniocultural do povo portugus e a defesa da natureza e doambiente (artigo 9, promio, e alnea e), primeiraparte).A Lei n. 30/86, de 27 de Agosto, que regia sobre oexerccio da caa aquando da publicao da Lei n. 92/95,

    de 12 de Setembro, estabelecia, alm do mais que aquino releva, por um lado, no n. 1 do seu artigo 30, que asassociaes e os clubes de caadores e de cunicultorespodiam ser autorizados a instalar e manter campos detreino destinados prtica, durante todo o ano, deactividades de carcter venatrio, nomeadamente a deexerccio de tiro e de treino de ces de caa nos termosem que viesse a ser regulamentado.E, por outro, estabelecia no n. 2 daquele artigo que noscampos de treino de caa somente eram autorizadas as

    largadas e o abate de espcies cinegticas criadas emcativeiro.

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    O Decreto-Lei n. 311/87, de 10 de Agosto, primeirodiploma que regulamentou a Lei n. 30/86, de 27 deAgosto, estabeleceu, por um lado, ser permitida a caa emcativeiro, designadamente para utilizao em campos detreino de caa, mediante autorizao da Direco-Geraldas Florestas, ouvida a Direco-Geral da Pecuria sobreos aspectos sanitrios (artigo 79, n.s 1 e 2).E, por outro, que a Direco-Geral das Florestas podiaconstituir ou autorizar a instalao de campos de treino decaa destinados prtica de actividades de carctervenatrio, durante todo o ano, nomeadamente o exercciode tiro com arma de fogo, arco ou besta, cetraria e treinode ces de caa, em termos a regulamentar por portaria doMinistro da Agricultura, Pescas e Alimentao (artigo

    80).Por seu turno, a Portaria n. 816-B/87, de 30 de Setembro,estabelecia ser autorizvel pela Direco-Geral dasFlorestas s associaes, sociedades ou clubes decaadores e de canicultores legalmente existentes, arequerimento deles, a instalao de campos de caadestinados prtica de actividades de carcter venatrio,nomeadamente o exerccio de tiro com armas de fogodurante todo o ano e em todos os dias da semana (artigos1 e 2, n. 1).O mesmo regime de criao de caa e aves de presa emcativeiro foi mantido pelo novo regulamento damencionada lei, o Decreto-Lei n. 274-A/88, de 3 deAgosto, que substituiu o Decreto-Lei n. 311/87, de 10 deAgosto, salvo o acrescentamento da finalidade derealizao de corridas de lebres).O referido regulamento foi, entretanto, substitudo peloDecreto-Lei n. 251/92, de 12 de Novembro, que manteveessencialmente o regime anterior relativo aos campos de

    treino de caa (artigos 87 e 88).No regulamento da lei da caa que se seguiu ao Decreto-Lei n. 251/92, de 12 de Novembro, ou seja, no Decreto-Lei n. 136/96, de 14 de Agosto, continuou a constar omesmo regime concernente criao de caa em cativeiroe aos campos de treino de caa (artigos 87 e 88).E a Lei n. 179/99, de 21 de Setembro, que estabelece asactuais bases de gesto sustentada dos recursoscinegticos, substitutiva da Lei n. 30/86, de 27 deAgosto, manteve a vigncia dos diplomas que a

    regulamentaram, incluindo o preceito que admite areproduo, criao e deteno de espcies cinegticas

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    em cativeiro para utilizao, alm do mais, em campos detreino de caa, definidos como reas destinadas prtica,durante todo o ano, de actividades de carcter venatrio,nomeadamente o exerccio de tiro e de treino de ces decaa e as provas de Santo Huberto quanto a essas espcies(artigos 2, alnea l) e 27, n. 1).As bases do sistema desportivo constam da Lei n. 1/90,de 13 de Janeiro. Por via dela, as federaes desportivas,sendo embora entidades de direito privado, podiamassumir, por via da atribuio do estatuto de utilidadepblica desportiva, na sua rea especfica, poderes deregulamentao, de disciplina e outros de naturezapblica (artigo 22, n. 1).A referida lei foi regulamentada por via do Decreto-Lei

    n. 144/93, de 26 de Abril, que contm o regime jurdicodas federaes desportivas.Decorre deste ltimo diploma, por um lado, que o estatutode utilidade pblica desportiva atribui a uma federaodesportiva, em exclusivo, a competncia para o exerccio,dentro do respectivo mbito, de poderes de naturezapblica, bem como a titularidade de direitosespecialmente previstos na lei (artigo 7).E, por outro, terem natureza pblica os poderes dasfederaes exercidos no mbito da regulamentao edisciplina das competies desportivas, quer sejamconferidos pela lei para a realizao obrigatria definalidades compreendidas nas atribuies do Estado eenvolvam, perante terceiros, prerrogativas de autoridade,quer se traduzam na prestao de apoios ou servioslegalmente determinados (artigo 8, n. 1).Na sequncia dos mencionados diplomas e, naturalmente,dos estatutos da B, foi a esta atribuda pelo Governo oestatuto de utilidade pblica desportiva (Dirio da

    Repblica, II Srie, n. 78, de 4 de Abril de 1994).Pouco mais de um ano depois, foi publicada a Lei n.92/95, de 12 de Setembro, proibindo o uso da violnciainjustificada sobre os animais, disciplinando o comrcio eos espectculos com recurso a eles e estabelecendonormas reguladoras da sua reproduo, identificao,transporte e eliminao pelas cmaras municipais e sobrea legitimidade das associaes zofilas para agir em juzoem sua defesa.Estabelece o seu artigo 1, n. 1, daquela Lei o seguinte:

    "So proibidas todas as violncias injustificadas contraanimais, considerando-se como tais os actos consistentes

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    em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimentocruel e prolongado ou graves leses a um animal".Expressa, por seu turno, o seu n. 3, promio, alnea e):"So tambm proibidos os actos consistentes em utilizaranimais para fins didcticos, de treino, filmagens,exibies, publicidade ou actividades semelhantes, namedida em que da resultem para eles dor ou sofrimentoconsiderveis, salvo experincia cientfica de comprovadanecessidade".Na determinao do sentido prevalente das referidasnormas partir-se- da sua letra e confrontar-se- o quedela parea resultar com a sua histria, inserosistemtica e escopo finalstico, tendo presente que sedeve presumir que o legislador consagrou as solues

    mais acertadas (artigo 9 do Cdigo Civil).Nessa tarefa interpretativa importa atentar em que o factode a lei proibir, em regra, a morte desnecessria dosanimais no significa que eles sejam titulares dedireitos subjectivos vida e integridade fsica, certoque, segundo a nossa ordem jurdica, trata-se decoisas mveis (artigos 202, n. 1, 205, n. 1 e 212, n. 3,do Cdigo Civil).

    Trata-se, com efeito, so coisas mveis, outrora

    designadas por coisas semoventes, apropriveis, pelo que,pelo menos na ordem jurdica portuguesa, no fazqualquer sentido a afirmao no sentido de que amorte de pombos por via de tiro ao voo ofende o seudireito vida ou integridade fsica.

    Na realidade, aquilo que se vem afirmando sobre adesignao de direitos dos animais so, afinal, osdeveres que as pessoas tem para com eles, alm do

    mais porque se trata de seres que com elas partilham anatureza e sem os quais a consecuo dos seus fins noseria vivel.As normas jurdicas tendentes proteco dos animaisou, noutra perspectiva, atinentes defesa da comunidadede pessoas face ao desconforto de terem de percepcionara desumanidade de algumas, visam essencialmente finssociais, sendo que as vantagens que delas resultampara eles so mero reflexo dessa normatividade de fimsocial.

    nesse sentido que devem ser entendidos os textos

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    internacionais sobre a proteco dos animais quandose referem ao seu direito vida, integridade fsica, liberdade e ao respeito (Declarao Universal dosDireitos do Animal, Unesco).

    3.Atentemos agora, confrontando-o com o caso espcie, nosentido das normas do artigo 1, n. 1, da Lei n. 92/95, de12 de Setembro, que resulta da sua letra.A previso desta parte do artigo reporta-se a violnciasinjustificadas contra animais por via de dois conceitosindeterminados, e a sua estatuio a da respectivaproibio.A referida previso normativa relativa a violncias

    injustificadas de algum modo densificada por via dosconceitos morte, sofrimento cruel e prolongado, gravesleses e desnecessidade.V-se, pois, que tambm a mencionada densificao doconceito violncias injustificadas ocorre por via deconceitos indeterminados, como o caso dos queenvolvem as expresses sem necessidade, sofrimentocruel e prolongado e de graves leses.A violncia injustificada no contexto da lei odesnecessrio acto de fora ou de brutalidade contraos animais.O conceito normativo de necessidade revela-se essencialna determinao mbito de aplicao do preceito emanlise, pelo que importa determinar-lhe o sentido,naturalmente por via do seu preenchimento de tipovalorativo, no confronto com o caso espcie.O conceito de necessidade polissmico, porque susceptvel de significar, alm do mais,indispensabilidade, justificabilidade, utilidade, e estado

    de privao, envolvendo as primeiras significaes umsentido essencialmente jurdico e a ltima um sentidoeconmico.Tendo em conta os termos da lei e a realidade das coisasanimais, o conceito jurdico sem necessidade aponta nosentido de significar, no confronto com o Homem e oseu desenvolvimento integral, sem justificaorazovel ou sem utilidade.A morte dos animais traduz-se na eliminao da suaestrutura vital, enquanto a sua leso grave se

    consubstancia no resultado de uma aco ou omisso, ouseja, no ferimento, golpe profundo ou extenso ou dor

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    intensa.O sofrimento cruel e prolongado dos animais , por seuturno, a sua dor fsica assaz intensa e por tempoconsidervel face ao circunstancialismo envolvente.Aproximando os referidos conceitos normativos dosfactos provados, no se vislumbra que no mbito daactividade desportiva em causa os pombos sejamafectados de sofrimento cruel e prolongado.Com efeito, a circunstncia de antes da libertao dospombos lhe serem arrancadas algumas penas da cauda, aoque parece com vista a imprimir-lhes a irregularidade dovoo, no pode ser considerada nem leso nem geradora desofrimento cruel.Acresce que o necessrio enquadramento dos factos

    disponveis na previso e na estatuio legal cinge-se morte dos pombos por via dos tiros dos concorrentesenvolvidos na indicada prova desportiva em e aosofrimento que isso necessariamente lhes provoca.

    4.Tendo presente o caso espcie, confrontemos agora osentido literal das normas do artigo 1, n. 1, Lei n.92/95, de 12 de Setembro, com o que resulta dospertinentes elementos extraliterais de interpretao.

    Na histria da lei, relativamente aos seus trabalhospreparatrios, assume particular relevncia o projecto delei n. 107/VI, da autoria do deputado Antnio MariaPereira, que inseria na alnea j) do n. 1 do artigo 3 aexpresso de que eram tambm proibidos os actosconsistentes em organizar provas de tiro a animais vivos(Dirio da Assembleia da Repblica, II Srie-A, n. 33, de6 de Abril de 1995, pg. 462).O referido projecto foi substitudo pelo Projecto n.530/VI, cuja alnea j) do n. 1 do artigo 3 aindaexpressava serem tambm proibidos actos consistentesem organizar provas de tiro a animais vivos.No debate parlamentar da lei na generalidade, o deputadoAntnio Maria Pereira afirmou que no artigo 1 seenumeravam os princpios gerais, nos quais se proibia,em termos genricos, a crueldade para com os animais,incluindo o seu abandono e se concretizavam depoisalgumas actuaes particularmente cruis.E no que concerne justificao do texto da alnea j) do

    n. 1 do artigo 3, afirmou proibir-se o tiro aos pombos,modalidade tambm proibida em numerosos pases da

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    Unio Europeia, designadamente na Inglaterra, Frana eno Gro-Ducado do Luxemburgo, nos quais o pombovivo era substitudo por um alvo lanado de um aparelho,soluo com que se obtinha o mesmo resultado de pr prova a percia dos atiradores sem o aspecto cruel quereveste o pombo acabado de ser liberto (Dirio daAssembleia da Repblica, II Srie-A, n. 88, de 17 deJunho de 1995, pg. 2955).Todavia, a referida proibio no passou para a Leiem anlise, e no resulta da discusso parlamentar amotivao dessa supresso.Perante esse circunstancialismo, razovel que ointrprete conclua no sentido de que o legisladorpretendeu manter a licitude da prtica desportiva de

    tiro ao voo de pombos.Mas tambm no absolutamente descabido oentendimento da recorrente no sentido de que talsupresso foi pensada em razo da considerao da suadesnecessidade por virtude de a proibio j constar dopromio e do n. 1 do artigo 1 da referida Lei.Da que o elemento histrico da Lei em causa no sejadecisivo para a determinao sobre se o seu artigo 1, n.1 inclui ou no a proibio da prtica desportiva de tiro aovoo de pombos.Dir-se- tambm, por antecipao, no assumir qualquerrelevo, neste ponto, o facto de oito deputados, cerca dequatro anos depois da publicao desta Lei, haveremapresentado um projecto de lei sobre a proteco dosanimais com vista a tornar lcita a prtica de tiro comalvos vivos desde que sob a gide de uma federaodesportiva, tal como no releva a circunstncia de osdeputados de um dos grupos parlamentares haveremapresentado, cerca de dois anos depois da publicao da

    Lei, um projecto para a sua alterao no sentido daproibio de forma expressa das provas de tiro comanimais vivos.

    No que concerne ao elemento sistemtico de interpretaoda lei, ou seja, no quadro da unidade do sistema jurdicoenvolvente, importa ter em conta o contexto normativoconcernente, os respectivos lugares paralelos e aenvolvncia sistemtica.

    No que concerne ao contexto do prprio normativo emapreciao, em sede de elenco complementar de

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    proibies de violncia contra os animais, logo seressalva a violncia na arte equestre e nas touradasautorizadas por lei, em casos de experincia cientficade comprovada necessidade e na prtica da caa (artigo1, n. 3 alneas b), e) e f), desta Lei).

    Quanto ao paralelismo normativo, tendo em conta prticadesportiva de tiro ao voo de pombos, a anterior lei dacaa e respectivos regulamentos, que vigoravam aquandoda publicao da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro,permitiam a existncia de campos de treino da prtica deactividades de carcter venatrio com largadas e abate deespcies cinegticas criadas em cativeiro, incluindo avesde presa em que se incluem, como natural, os pombos

    bravos.Assim, estamos perante normas que se reportam a umaprtica de tiro a alvos vivos, que no diverge na suaestrutura essencial da que ocorre no caso espcie, e que alei admite.Face aos ao artigo 2, alnea a), dos Estatutos da recorridaB, datados de 29 de Outubro de 1984, o seu objectoenvolve a competncia para orientar e dirigirsuperiormente o tiro ao voo e aos pratos (Dirio daRepblica, III Srie, de 9 de Janeiro de 1985).

    Foi-lhe inicialmente atribuda pelo Governo a posiourdica de pessoa colectiva de utilidade pblica e,

    posteriormente, a posio jurdica de pessoa colectiva deutilidade pblica desportiva (Dirio da Repblica, IISrie, de 20 de Junho de 1978, e de 4 de Abril de 1994).Por virtude de lhe ter sido atribudo o estatuto de pessoacolectiva de utilidade pblica desportiva, passou a exercerpoderes regulamentares e disciplinares e outros denatureza pblica no mbito, alm do mais, do tiro ao voo

    e aos pratos (artigos 22, n. 1, da Lei n. 1/90, de 13 deJaneiro, e 7 do Decreto-Lei n. 144/93, de 26 de Abril).O referido circunstancialismo no releva essencialmente,como natural, para a interpretao do promio e do n. 1do artigo 1 da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, nosentido de a respectiva proibio no abranger a prticadesportiva de tiro ao voo com pombos, mas no podedeixar de ser considerado no quadro dessa interpretao,porque se no compreenderia que o Governomantivesse recorrida Federao de Tiro Com Armas

    de Caa o estatuto de pessoa colectiva de utilidadepblica desportiva, exercendo por via dele, no mbito da

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    organizao e disciplina da actividade desportiva de tiroao voo de pombos, alm do mais, poderes de ordemadministrativa, no obstante a lei proibir essa prtica.A propsito do fim da lei em anlise, resulta da respectivadiscusso parlamentar a ideia de os homens, que nopodem prescindir da existncia dos animais, os nodevem torturar gratuitamente e devem reduzir, at ondefor possvel, o seu sofrimento, mas tendo em ateno arealidade cultural portuguesa (Deputados AntnioMaria Pereira e Joo Amaral, no debate parlamentarrelativo Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, Dirio daAssembleia da Repblica, I Srie, n. 88, 1995, pgs.2957 e 2959)Na realidade, o escopo finalstico desta Lei foi o de

    proporcionar o chamado bem estar dos animais,prevenindo que lhe sejam infligidos maus tratos por acoou omisso das pessoas, e proibindo as suas prticas decrueldade e violncia fsica e ou psicolgica.Tendo em linha de conta o pressuposto da proibioconstante do promio e do n. 1 do artigo 1 da Lei n.92/95, de 12 de Setembro, consubstanciado no conceitosem necessidade, a lei equaciona a proibio comoutros interesses considerados relevantes no nossoordenamento jurdico.Dir-se-, assim, numa breve sntese, que o fim da lei proteger os animais de violncias cruis ou desumanas egratuitas, para as quais no exista justificao outradio cultural bastante, isto , no confronto demeios e de fins envolvidos em funo do Homem.5.Atentemos agora, finalmente, na questo fulcral de saberse a proibio do n. 1 do artigo 1 da Lei n. 92/95, de 12de Setembro, abrange ou no a actividade desportiva de

    tiro ao voo de pombos.No releva nesta matria, ao invs do que do alegado pelarecorrente, o facto por ela invocado de a prtica damodalidade desportiva em causa visar o treino dapreciso do tiro e de os pombos poderem substitudos,sem perda da eficcia respectiva, por pratos ou hlices.Mas, tal como ela refere, no pode haver tradio, pormais antiga que seja, que justifique a infraco da lei queproba a prtica de actividade de violncia contra osanimais, mas no isso que est em causa no recurso,

    certo que se pretende saber se ocorre ou no essa

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    proibio.

    Tambm no relevam para o mesmo efeito as concepese a sensibilidade de cada um acerca da natureza comosuporte da vida e da prpria vida humana e dos outrosanimais, pois o que importa a determinao do sentido ealcance das normas interpretadas.

    Os factos no revelam, como j se referiu, que aospombos, na sua sujeio de alvos de tiro em voo nombito da prtica desportiva em anlise, seja infligidosofrimento cruel e prolongado ou leses graves diversasdaquelas que lhe provocam a morte.A soluo do caso espcie depende, por isso,

    essencialmente, conforme j se referiu, da ponderao devalores sociais envolvidos no conceito indeterminado denecessidade inserido na referida previso legal proibitivado n. 1 do artigo 1 da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro.Ao invs do que a recorrente alegou, o nico critrio dedeterminao da necessidade da morte dos pombos nopode ser apenas o que resulta do confronto valorativoentre o acrscimo da percia dos atiradores e o gozodestes e a morte e o sofrimento dos pombos.Nem h fundamento legal para considerar a exclusiva

    conexo desse conceito com razes de alimentao, desade pblica, de investigao cientfica, porque,conforme resulta do ordenamento jurdico globalmenteconsiderado, h outros valores a considerar nesta sede.

    Conforme resulta da experincia comum, os pombosreproduzem-se facilmente, no h risco da suaextino, e a prpria prtica desportiva em causaconstitui um facto de promoo do crescimento daespcie.

    Como resulta da prpria natureza das coisas, no mbitodas competies desportivas de tiro ao voo de pombosdesenvolve-se actividade econmica no quadro dosbens e dos servios, com a consequente produo deriqueza individual e colectiva.Tal como acima se referiu, o conceito de necessidade emanlise significa o resultado de uma valorao deconfronto entre a preservao dos animais na sua vida

    e integridade fsica e o seu sacrifcio socialmente til eustificado ou til em funo do interesse das pessoas

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    ou da comunidade.

    A referida justificao no excluda em absoluto emsituaes em que est em causa uma prticadesportiva de longa tradio integrante da cultura deuma comunidade humana.

    Ora, o tiro ao voo de pombos, em paralelo com a arteequestre e as touradas, traduz-se numa modalidadedesportiva com tradio e relevncia em Portugal,conforme resulta, alm do mais, designadamente donmero de clubes de tiro existentes em Portugal e, dealgum modo, de o Governo ter confiado a uma federaodesportiva o seu fomento, regulao e disciplina.

    Por isso, no caso espcie, a morte infligida aos pombosno meramente gratuita ou improvisada, porque seinscreve numa prtica desportiva j antiga, integradana tradio, como processo de ligao do passado aopresente, e, consequentemente faz parte do nossopatrimnio cultural, a exemplo do que ocorre com astouradas e a arte equestre.Decorrentemente, tendo em conta o que se prescreve noartigo 1, n. 1, da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, h nocaso espcie justificao e utilidade para a e na morte dos

    pombos no mbito das provas de tiro ao voo e para osofrimento que isso lhes implica, que se no revela cruel.Por conseguinte, a prtica desportiva de tiro ao voo depombos no se enquadra na proibio a que se reporta opromio e o n. 1 do artigo 1 nem no seu n. 3, alnea e),da Lei n. 92/95, de 12 de Setembro, pelo que no proibida no nosso ordenamento jurdico.

    Improcede, por isso, o recurso, com a consequncia dedever manter-se o contedo do acrdo recorrido.

    Vencida, a recorrente responsvel pelo pagamento dascustas respectivas (artigo 446, n.s 1 e 2, do Cdigo deProcesso Civil).

    Todavia, est dispensada de pagamento de custas nesteprocesso, ou seja, goza de iseno objectiva do seupagamento (artigo 10 da Lei n. 92/95, de 12 deSetembro).

    IV

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    Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

    Lisboa, 19 de Outubro de 2004.Salvador da CostaFerreira de Sousa

    Armindo Lus