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DIREITOS EXISTENCIAIS E OS ENTES MORAIS. DO DIREITO À INTIMIDADE DA

PESSOA JURÍDICA: UMA ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUÇÃO FEDERAL E DO

CÓDIGO CIVIL.

Wesley Tomaszewski*

RESUMO

O presente artigo tem por escopo debater a aplicabilidade/incidêndia do direito personalíssimo à

intimidade e a vida privada aos entes morais. Tal problemática foi gerada por magistério da

doutrina que após uma construção jurídico-jurisprudencial assegurou as pessoas jurídicas direitos

de ordem personalíssima, como a honra e a imagem, bem como a garantia de indenização a tal

título. Destarte, vê-se a possibilidade do direito à intimidade percorrer a mesma vereda.

PALAVRAS-CHAVES: PESSOA JURÍDICA; DIREITOS EXISTENCIAIS; DIREITO À

INTIMIDADE;

ABSTRACT

The present article has for mark to debate the applicability of the right to the intimacy and the

private life to the moral beings. Such a problem was generated by teaching of the doctrine that

after a construction juridical-jurisprudencial it assured the legal entities right of order private, as

the honor and the image, as well as the compensation warranty the such title. Like this, sees

himself the possibility of the right to the intimacy to travel the same path, in spite of the

limitation created by the legislator infraconstitucional in face of the Constitutional dispositions.

KEYWORDS: LEGAL ENTITY; EXISTENTIAL RIGHTS; RIGHT TO THE INTIMACY;

* Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo CESUSC/BB&G. Bolsista CAPES.

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1. Introdução

Hodiernamente, observa-se o respeito a dignidade da pessoa humana como

objetivo central da republica e a tônica dos sistemas constitucionais. Tal tutela, transpôs as

barreiras setoriais existentes entre público e privado, bem como superou a técnica binomial –

ressarcitória e repressiva, de forma a promover e salvaguardar as prerrogativas mais congênitas

do homem.

Destarte, atrelado a dignidade de pessoa humana, encontra-se o

desenvolvimento perene da personalidade, que pode ser compreendida como o conjunto de

caracteres do próprio indivíduo e as suas projeções na sociedade em que vive.

Ato contínuo, depreende-se a compreensão de assegurar valores inerentes ao

corpo e a alma da pessoa revelando uma orientação antropocêntrica do direito, o que é

amplamente dissecado pela doutrina, ou seja, os ditos direitos personalíssimos intrinsecamente

associados a efígie humana e outras projeções da pessoa natural.

Nessa ordem de idéias, caminha a construção da conceituação dos direitos da

personalidade, resultantes dos desdobramentos da cláusula geral da dignidade da pessoa humana,

que ora se apresenta expressamente considerada no corpo constitucional como um dos

fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Tal norte, não pode ser olvidado pelo legislador infraconstitucional de forma a

atender o ditame constitucional e preparar o ordenamento a luz dos mandamentos do texto maior.

Seguindo esta seara caminhou o codex civil pátrio que trouxe em seu bojo um capítulo

denominado “Dos Direitos da Personalidade”.

A rigor, percebe-se que o fundamento de existência dos direitos da

personalidade é assegurar o respeito a dignidade humana e que esta seja feita de forma integrada

entre o texto constitucional e demais ramos do ordenamento jurídico.

Não obstante, tal orientação e adentrando ao tema epigrafado, questiona-se a

aplicabilidade e o alcance desses direitos às denominadas pessoas jurídicas, que são permeadas

por valoração diversa da até então vislumbrada, e que devem ser consideradas pelo intérprete,

como a ótica de mercado, obtenção de lucro e, contemporaneamente a socialidade das instituições

jurídicas.

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Ou seja, valores e princípios distintos dos que envolvem a pessoa física. Em

que pese, esta permeabilidade valorativa diferenciada, no concernente a aplicabilidade dos

direitos da personalidade as pessoas jurídicas, esta é assegurada pela construção jurisprudencial e

por dispositivo expresso do ordenamento civil. Entretanto, a problemática é gerada tendo por

base a locução trazida à baila pela aludida codificação, a qual dispõe: “Art. 52. Aplica-se às

pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”1(grifo nosso)

Nesse sentido, suscita-se a incidência ou não de direitos como a intimidade e a

privacidade, diga-se de passagem que a exatidão e alcance dos conceitos merecem análise, são

aplicados a ficção da pessoa jurídica e sem olvidar-se ao fato de, potencialmente ocorrer, atrás do

manto da pessoa jurídica encontrar-se o empresário individual.

Alinhadas, essas breves considerações iniciais, o presente artigo tem por

escopo percorrer os direitos da personalidade no concernente às pessoas jurídicas, em especial o

direito à intimidade e a aplicabilidade/alcançe deste as aludidas instituições.

2. Desenvolvimento: Considerações Gerais – Origem dos Direitos da Personalidade no Brasil. Dispositivos legais e construção jurídico-jurisprudencial. Adoção doutrinária dos Direitos Personalíssimos às Pessoas Jurídicas.

Antes de adentrar ao tema propriamente dito, necessário se faz como forma de

localizar o leitor em uma linha temporal e de discussões doutrinárias, tecer algumas

considerações acerca da positivação dos direitos da personalidade em terras tupiniquins, bem

como a absorção e aplicabilidade destes direitos às pessoas jurídicas.

Em nossa pátria, a tutela dos direitos da personalidade surgiu,

fundamentalmente, com o advento da Constituição de 1988, como consagração do princípio da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF)2, que ocupa posição superior no ordenamento

jurídico de forma a orientar o legislador e incidir imediatamente.

1 Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, institui o Código Civil. 2 Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III.A dignidade da pessoa humana.

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Em que pese, disciplinarem matéria de natureza privada os direitos

personalíssimos foram, primeiramente, assegurados pelo texto constitucional. Em atenção, a carta

maior, a legislação infraconstitucional apenas ratificou e arrolou alguns direitos da personalidade,

de forma que não seria equívoco reconhecer que os direitos da personalidade são terreno de

encontro privilegiado entre o direito privado, as liberdades públicas e o direito constitucional.3

A partir daí, tudo aquilo que diz respeito à natureza do ser humano e inerente a

este passaram a ser denominados de “Direitos da Personalidade”, como a vida, a liberdade ( de

pensamento, filosófica, religiosa, política, de expressão, dentre outras), a proteção a integridade

física e psicológica. Nesse sentido, sintetizando estas idéias, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

Pamplona Filho4 conceituam os direitos em apreço como aqueles que têm por objetos os

atributos físicos, psíquicos morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.

Sem dúvida, toda essa disposição foi destinada à proteção da pessoa física, já

em relação às pessoas jurídicas, o tema não comporta tanta tranqüilidade. Ao contrário, as

discussões foram bastante controvertidas.

Pode-se dizer que, dois motivos contribuíram para que somente

contemporaneamente fosse reconhecida a possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito de direitos

da personalidade. Reconhecimento este que ainda não é unânime na doutrina civilista.

Primeiramente, aduziu-se quanto a própria aceitação da personificação dos

entes morais, que foi objeto de intensos debates e geraram uma plêiade de teorias algumas,

inclusive, antagônicas5. Não obstante, tais linhas doutrinárias o sistema pátrio adotou a teoria da

realidade Técnica de Planiol, para tal concepção a pessoa jurídica resulta de um processo técnico,

3 AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução, 5ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. pág. 251. 4 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil : parte geral. Vol. 1 / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 144. 5 a) TEORIA DA FICÇÃO (SAVIGNY) parte do pressuposto de que só o homem é sujeito de direito, sendo a pessoa jurídica uma criação do legislador, contrária à realidade mas imposta pelas circunstâncias. A pessoa jurídica assim concebida não passa de simples conceito, destinado a justificar a atribuição de certos direitos a um grupo de pessoas físicas. (ficção jurídica) (questão política e jurídica) b) TEORIA ORGÂNICA OU DA REALIDADE OBJETIVA (OTTO VON GIERKE) Afirma que a pessoa jurídica é “uma realidade viva, um organismo social capaz de vida autônoma, e a semelhança da pessoa física, a pessoa coletiva realiza seus fins por meio de órgãos adequados”. c) TEORIA DA REALIDADE TÉCNICA (PLANIOL) para tal concepção a pessoa jurídica resulta de um processo técnico, a personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que a lei reconhece vontade e objetivos próprios. A essência não consiste no ser em si, mas em uma forma jurídica, pelo que se considera tal concepção como formalista. A forma jurídica não é, todavia, um processo técnico, mas a “tradução jurídica de um fenômeno empírico”, sendo a função do direito apenas a de reconhecer algo já existente no meio social.

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denominado de personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que

a lei reconhece vontade e objetivos próprios.

A teoria da realidade técnica é muito aceita no cenário jurídico contemporâneo

devido a previsibilidade e segurança que oferece, pois permite conhecer os efeitos que o

ordenamento jurídico atribui à personalidade jurídica. Nesse sentido, encontra-se o disposto no

artigo 45 do Código Civil.

“Art. 45. começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro de todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”

Por segundo, os direitos da personalidade foram desde o início associados aos

direitos humanos como liberdades públicas garantidas à pessoa natural para sua proteção frente

ao poder Estatal. Daí também a dificuldade de alguns civilistas aceitarem a possibilidade da

pessoa jurídica ser protegida na sua personalidade.

Evidenciando claramente a evolução dessas idéias, as considerações de

Gilberto Haddad Jabur: Todos os direitos da personalidade advêm do corpus, porque nele

centrados; ao corpo adere a personalidade para formar o conceito de pessoa. O corpo, como

ossatura, é a materialidade divina, por excelência, na qual se encarnam e da qual se propagam

todos os direitos da personalidade.6

Ainda nesse diapasão, conceitua Carlos Alberto Bittar: Consideram-se como

da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas

projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa dos valores

inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade.7

Evidente, que a pessoa humana e a pessoa jurídica são tuteladas com valores e

princípios distintos, tem-se a primazia da pessoa humana ao revés da instrumentalidade da Pessoa

Jurídica, ou seja, o valor do sujeito pessoa física é, sem dúvida, diverso do ente moral.

Nesse sentido, durante todo o processo de criação e evolução dos direitos da

personalidade, a pessoa jurídica sempre esteve excluída, idéia que norteou parte da doutrina e que

6 JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil in Questões Controvertidas no Novo Código Civil. coordenação Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, São Paulo: Editora Método, 2003. 7 BITTAR, Carlos Alberto. “Os direitos da Personalidade”, 4ª. Edição, Ed. Forense, pág.1.

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entende sendo apenas a pessoa física detentora de direitos da personalidade. Quanto a esta

distinção e acobertando de tutela as ficções jurídicas, pondera Gustavo Tepedino: é certo que a

pessoa jurídica, criada pelo homem e dotada de uma personalidade jurídica que com a dele

possui semelhança, é merecedora de tutela do ordenamento, assumindo, em alguns casos, uma

falsa semelhança com a tutela da personalidade humana.8

Seguindo esta ordem de idéias, entre os que são contrários à aceitação de

direitos de personalidade para a pessoa jurídica, as lições do autor italiano Pietro Perlingieri, que

colocou a questão nos seguintes termos:

“Para as pessoas jurídicas, o recurso à cláusula geral de tutela dos “direitos invioláveis” do homem constituiria uma referência totalmente injustificada, expressão de uma mistificante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a pessoa física é sujeito que tem tutela: a pessoa jurídica é sujeito; ergo, à pessoa jurídica deve-se aplicar a mesma tutela.”9

Com base nessa linha doutrinária, verifica-se que, os direitos da personalidade

são destinados à tutela da dignidade da pessoa humana. Entretanto, outras vozes se levantaram

no sentido de conferir proteção às pessoas jurídicas em sua esfera dos direitos da personalidade.

Com esse entendimento, Elimar Szaniawski afirma que o fato de a pessoa jurídica ter

personalidade reconhecida pela ordem jurídica faz com que automaticamente devam ser

reconhecidos e tutelados os atributos e prolongamentos desta personalidade10.

Ainda nesse esteio, Francisco Amaral:

Não obstante a teoria dos direitos da personalidade ter-se construído a partir de uma concepção antropocêntrica do direito, isto é, a pessoa natural como referência, também se admite serem as pessoas jurídicas titulares desses mesmos direitos, particularmente, no caso de direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra, ao crédito, ao sigilo de correspondência e à particularidade de organização, de funcionamento e de know how.11

Essa é a posição defendida por Carlos Alberto Bittar:

“Por fim, são eles (direitos da personalidade) plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (Código Civil de 16. arts. 13, 18 e 20) fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua esencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca a

8 Tepedino, Gustavo. Jornada de Direito Civil (Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior – organizador) Brasília: CJF, 2003. p.116. 9 Pietro Perlingieri, “Perfis do Direito Civil, Introdução ao Direito Civil Constitucional”, 2ª. Edição, Editora Renovar, pág. 157. 10 SZANIAWSKI, Elimar. Considerações sobre o Direito à intimidade das pessoas jurídicas. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 657, jul/1990, p.27. 11 Amaral, Francisco. Direito Civil – Introdução, 5ª edição, Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar.

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símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (com, por exemplo, como o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra)”.12

Não obstante, tal embate doutrinário, ao longo da última década arrefeceu-se o

entendimento de incompatibilidade dos direitos personalíssimos aos entes morais e as discussões

cresceram muito em prol da tutela da personalidade da pessoa jurídica, de forma a sedimentar o

entendimento da incidência destes direitos sobre elas. Destarte, desenvolveu-se um novo foco, a

saber quais direitos seriam aplicados a pessoa jurídica e se esta ensejaria reparação a título de

danos morais.

Tal foco é devido pois no dia 20/10/1999 foi publicada a súmula 227 do STJ,

com a seguinte redação A pessoa Jurídica pode sofrer dano moral. E posteriormente, aos

10/01/2003 entrou em vigência o artigo 52 do Código Civil Aplica-se às pessoas jurídicas, no

que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Reconhecida a possibilidade da pessoa jurídica ser titular de direitos da

personalidade pelo ordenamento legal, resta tentar identificar, dentre aqueles direitos, quais

seriam compatíveis com sua natureza, devido a vagueza de seus dispositivos e a amplitude de

suas locuções.

Nesse sentido, discute-se no cenário jurídico-jurisprudencial e doutrinário qual

seria a abrangência e aplicabilidade dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas. Sendo que,

o primeiro direito a ser evidenciado, até pela sua incidência cotidiana, foi o direito à honra da

pessoa jurídica. Quanto ao aludido direito, eis o entendimento de Carlos Alberto Bittar: prende-se

à necessidade de defesa da reputação da pessoa (honra objetiva), compreendendo o bom nome e

a fama de que desfruta no seio da coletividade, enfim, a estima que a cerca nos seus ambientes,

familiar, profissional, comercial ou outro e engloba ainda o sentimento pessoal de estima ou a

consciência da própria dignidade (honra subjetiva).13

É possível evidenciar que, o autor aludido no parágrafo anterior, apresenta

uma conceituação e incidência mais abrangente dos direitos da personalidade as pessoas

jurídicas.

12 Bittar, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade, 2º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995. 13 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da Personalidade, pág.125.

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Ainda nessa linha extensiva de incidência dos direitos personalíssimos,

Roberto Senise Lisboa entende que; às pessoas jurídicas podem ser atribuídas apenas os direitos

psíquicos e morais, e não os físicos, partindo da sua classificação de direitos da personalidade

em: a) direitos físicos: integridade física, corpo e partes separadas, cadáver e partes separadas,

imagem, voz e alimentos: b) direitos psíquicos: integridade psíquica, liberdade, intimidade,

sigilo, convivência social; c) direitos morais: identidade, honra, educação, emprego, habitação,

cultura, criações intelectuais.14

As lições de Maria Helena Diniz apontam que as pessoas jurídicas têm

direitos da personalidade como o direito ao nome, à marca, à honra objetiva, à imagem, ao

segredo etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenamento jurídico-positivo15.

Hodiernamente, a honra objetiva da pessoa jurídica é amplamente tutelada

pelo ordenamento jurídico e Tribunais Pátrio.

As considerações, até então tecidas foram realizadas com o condão de

apresentar ao leitor o processo de absorção dos direitos da personalidade pelas pessoas jurídicas e

pelo fato de alguns deles ainda estarem em processo de construção jurídico-jurisprudencial, como

é o caso do direito à intimidade.

3. Direito à intimidade da pessoa Jurídica. Considerações gerais. Conceituação. Direito à intimidade – segredos do negócio. Aplicabilidade às pessoas jurídicas. Redação do Artigo 22, III, d) da Lei 11.101/05 – uma crítica.

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” Constituição Federal, artigo 5º, inciso X. (grifos nosso) “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” Constituição Federal, artigo 5º, inciso XII. “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” Código Civil, Artigo 21. (grifos nossos)

14 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Teoria do Direito Civil. 3 ed. São Paulo: RT, 2003, pág. 251. 15 DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil comentado, coordenação Ricardo Fiúza, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 67.

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Sem dúvida, um dos direitos que são extremamente controvertidos quanto à

sua atribuição à pessoa jurídica, é o caso do direito à intimidade e à vida privada. Tal discussão é

devida justamente por conta do dispositivo legal do Código Civil, ora epigrafado, que estabelece

em seu artigo 21. “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do

interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a

esta norma”.(grifo nosso)

Não obstante, tal disposição legal, ainda existem outras reflexões que se fazem

necessárias para uma melhor compreensão da incidência do direito à intimidade a pessoa jurídica

como a própria conceituação de intimidade e privacidade.

É comum dentro da manualística, encontrar-se diversas denominações para o

direito à intimidade, tal variedade de nomenclaturas é devida as importações do direito alienígena

como o direito norte-americano ao referir-se ao right of privacy ou right to be alone, a referência

espanhola ao derecho a la esfera secreta, o direito francês do droit à la vie privée e no direito

italiano o diritto alla riservatezza.

Diante disso, a incidência de denominações além de direito à intimidade, como

direito a vida privada, ao resguardo, ao segredo, dentre outros que podem ser utilizados, os

autores acabam por empregar expressões diversas que dificultam ainda mais a precisão do termo

intimidade, bem como a abrangência do instituto. Assim, este acaba por adquirir característica

própria de cláusula geral ou preceito jurídico indeterminado e, por conseguinte, apresenta tão

somente uma diretriz cabendo a doutrina delinear o seu alcance.

Paulo José da Costa Júnior16, define intimidade como a necessidade de

encontrar na solidão aquela paz aquele equilíbrio, continuamente prometidos pela vida

moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade,

fechada na sua intimidade, resguardada dos olhares ávidos. A intimidade corresponderia à

vontade do indivíduo de ser deixado só.

16 COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 39.

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Neste entendimento, Adriano De Cupis17 define a intimidade (riservatezza)

como o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento pelos outros daquilo

que se refere a ela só.

Ainda nesta ordem de idéias, René Ariel Dotti18 aduz que a intimidade é a

esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais. E o

aludido autor noticia que em maio de 1967, em Estocolmo, foi realizada a Conferência Nórdica

sobre Direito à Intimidade19 e desta é possível perceber que o direito à intimidade é o direito do

homem de viver em forma independente a sua vida, com um mínimo de ingerência alheia.

De uma forma mais abrangente do conceito em debate, Carlos Alberto Bittar20

entende que entre os direitos de cunho psíquico, nele divisamos a proteção à privacidade, na

exata medida da elisão de qualquer atentado a aspectos particulares ou íntimos da vida da

pessoa, em sua consciência, ou em seu circuito próprio, compreendendo-se o seu lar, a sua

família e sua correspondência.

Não obstante, quaisquer reflexões recaintes sobre a lingüística21 da

expressão intimidade e o emprego de forma sinônima com outros termos22, o que se faz

deveras necessário é a compreensão da amplitude e abrangência do termo, bem como se este

se confunde com valores informadores da tutela das pessoas jurídicas como os segredos do

negócio.

Ato contínuo, necessária atenção aos demais desdobramentos da

intimidade como o sigilo de correspondências e comunicações, a preservação de ambientes a

17 DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade, trad. Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa:

Livraria Morais Editora, 1961, p. 129. 18 DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1980, p. 69. 19 Op. cit. p.73. 20 Op. cit. pág. 110/111. 21 Nesse sentido, Victor Drummond “não há entre os termos privacidade e privacy a similitude que a linguística talvez pudesse indicar. Ademais, é dizer que o termo privacidade já figura em nosso vocabulário corrente como sinônimo de intimidade e de intimidade da vida privada.” In DRUMMOND, Victor. Internet Privacidade e Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 11. 22 Nos contornos do presente artigo entenda-se intimidade e privacidade como expressões sinônimas.

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interferências externas23, a publicidade de determinados fatos ocorridos dentro das instalações

das empresas, dentre tantos outros aspectos que compõem a vida privada.

Desta forma, neste momento traz-se ao lume a ponderação doutrinária

acerca da amplitude do direito à intimidade e se este se confunde com outros valores que

tutelam o funcionamento das pessoas jurídicas e se estes têm aplicabilidade às ficções

jurídicas.

Não obstante, o comando da norma civil em dispor como aplicável o direito à

intimidade, restritamente, à pessoa natural nos termos do artigo 21 do Código Civil, ainda existe

uma plêiade doutrinária quanto a incidência ou não do direito em comento as pessoas jurídicas.

Discute-se se estaria o ente moral tutelado pelo direito à intimidade como

incidência de direito de personalidade, se este direito seria aplicado em virtude de princípios

próprios do ente moral como o sigilo comercial e industrial, a abrangência do termo intimidade,

bem como se o resguardo protegido seria o da ficção jurídica ou das pessoas naturais acobertadas

pelo seu manto.

Gustavo Tepedino, acredita ser inaplicável os artigos 13,14,15,16,19 e 21 as

pessoas jurídicas. Todavia aduz que a pessoa jurídica, criada pelo homem e dotada de uma

personalidade jurídica que com a dele possui semelhança, é merecedora de tutela do

ordenamento, assumindo em alguns casos, uma falsa semelhança com a tutela da personalidade

humana. Isso ocorre, por exemplo, na proteção do sigilo industrial ou comercial, que pode

assemelhar-se, mas não coincide com o direito à privacidade; assim é com o direito ao nome

comercial, cuja natureza não coincide com a do direito ao nome.24

Ou seja, segundo Tepedino o direito à intimidade é inaplicável às pessoas

jurídicas e este não se confunde com tutelas do ordenamento conferidas aos entes morais, como o

direito ao nome e sigilo comercial.

23 Nesse sentido, encontra-se o disposto no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. 24 TEPEDINO, Gustavo. Jornada de Direito Civil (Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior – organizador). Brasília:CJF, 2003, p.116.

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Por outro revés, tem-se as idéias de César Fiúza que entende como possível a

preservação da personalidade da Pessoa Jurídica, entretanto tal tutela é decorrente da preservação

das pessoas físicas que se encontram acobertadas pelo seu manto,

a pessoa jurídica recebe proteção na medida em que é meio para atingir fins almejados pelas pessoas naturais. Por detrás delas estarão sempre pessoas humanas, estas sim objeto da cláusula geral de tutela da personalidade. Quando se ofende a honra da pessoa jurídica, está se prejudicando as pessoas naturais que dela dependem ou dela se utilizam para a sua realização. Daí a proteção dispensada pela Lei, por exemplo, à honra e ao nome da pessoa jurídica.25

Seguindo este entendimento, tem-se a posição de José Paulo da Costa Junior

que sinaliza quanto a possibilidade do ente moral ser preservado em sua intimidade, no entanto,

uma tutela decorrente da necessidade de se preservar as vidas privadas dos indivíduos que

integram a pessoa jurídica.

Outra ótica seria a apresentada por José Antonio B. L. Faria Correa, que

entende como aplicável o direito à intimidade as pessoas jurídicas através da proteção do segredo

de negócio, isto o faz nos seguintes termos:

A posse de um segredo sobre processo industrial novo ou informações estratégicas que, como se viu retro, podem consistir em lista de clientes e fornecedores, dá nascimento a uma panóplia de direitos e pretensões. Há, primeiramente, direitos de personalidade, consistentes em velar pela intimidade, alinhados dentre os direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República. O direito à intimidade inscreve-se dentre as grandes realizações do processo civilizatório.[...] O direito à intimidade, exprime-se não só pelo respeito aos segredos de negócio como, também, pela proteção ao sigilo epistolar ao sigilo bancário, ao sigilo profissional, etc.26

Ou seja, segundo estas idéias a intimidade da Pessoa Jurídica seria preservada

não decorrente de um direito personalíssimo, mas sim em virtude da incidência de princípios

próprios dos entes morais.

Já a doutrina protetora da preservação da privacidade da pessoa jurídica como

ressoante de direito personalíssimo, arrolam este ao lado do direito à honra objetiva e ao nome.

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coellho entende que os direitos da personalidade que cabem nas

pessoas jurídicas têm por objeto o nome, imagem, vida privada e honra27.

Nessa linha, manifesta-se Gilberto Haddad Jabur a pessoa jurídica reúne –

não decerto com a mesma qualidade que a pessoa natural, mas de acordo como que necessita 25 FIUZA, César. Direito Civil:curso completo.6ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.143. 26 Faria Correa, José Antonio B. L., “A Atual Proteção aos Segredos Industriais e de Negócios”, Anais do XVIII Seminário Nacional de Propriedade Industrial, 1998, págs. 145 e seguintes. 27 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v.1. São Paulo: Saraiva, 2003, p.260.

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para a consecução se seus fins -, predicados responsáveis pelo êxito ou insucesso de uma longa

e, dificilmente estimável empreitada. Nesse sentido, merecem todos devida valoração.

Identificam-se, com realce, o bom nome, a honra objetiva, a imagem, e a própria intimidade, dos

quais derivam o prestigio e o crédito, o respeito a consideração.28

Ainda nesse diapasão de incidência do direito à intimidade da pessoa jurídica

como desdobramento de direito da personalidade, encontram-se as idéias de Carlos Alberto

Bittar:

Desse direito desfruta também a pessoa jurídica, que, a par do segredo, faz jus à preservação de sua vida interna, vedando-se, pois, a divulgação de informações de âmbito restrito. Há, inclusive, normas legais que proíbem a difusão de dados de cunho confidencial na empresa (assim no âmbito societário, no plano da publicidade; das comunicações). Mas, de outro lado, por exigências do mercado, ficam certas empresas obrigadas a divulgar informações (as companhias abertas), integrando-se, aliás, em mecanismos regulamentares próprios de fluxos de dados, sob controle estatal.29

Comungando deste entendimento as lições de Elimar Szaniawski:

Obviamente entendemos que o direito à intimidade genérico das pessoas jurídicas é diverso e não se identifica perfeitamente com o direito geral à intimidade das pessoas naturais. Não possui a pessoa jurídica uma vida familiar. Mas durante sua existência, cresce, se desenvolve e cumpre suas funções sociais e pessoais, necessitando, portanto, de uma esfera íntima que possibilite este desenvolvimento e o cumprimento de sua função social.30

O aludido autor prossegue e esclarece que a tutela da intimidade da pessoa

jurídica não se confunde com a das pessoas naturais que integram a sociedade. Isto o faz nos

seguintes termos Os prejuízos decorrentes dos atos de indiscrição praticados por terceiros,

através da intrusão na intimidade da pessoa coletiva não serão de seu presidente, nem dos

sócios, e muito menos dos funcionários da pessoa jurídica, que têm seus salários e direitos

garantidos por lei. E prossegue aduzindo que quem sofrerá os danos pelos ilícitos praticados

será somente a pessoa jurídica, não a pessoa de seus sócios, e muito menos a soma das vidas

privadas de seus vários componentes, pessoas naturais.

Por fim, cabe anotar a posição de Rui Stocco, que apresenta o seguinte

entendimento:

Não se pode deslembrar que a pessoa jurídica é detentora de personalidade e imagem próprias. Tem sua própria identidade, que não se confunde com a dos sócios dela

28 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.p.279. 29 Op. cit. Pág. 110. 30 Szaniawski, Elimar “Considerações sobre o direito à intimidade das pessoas jurídicas”, em RT 657, julho de 1990.

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integrantes [...] Por essa razão não há como afirmar que a vida privada da pessoa jurídica seja a soma das diversas vidas privadas de seus vários componentes. Não se pode confundir a pessoa jurídica da pessoa física de seu sócio ou sócios. Assume identidade peculiar e projeta imagem distinta da dos seus componentes. [...] O ingresso nas questões interna corporis da sociedade constitui agressão à sua intimidade e não dos sócios.31

Diante desse posicionamento, necessário se faz sinalizar concordância. Uma

vez que, a defesa da intimidade é fundamental para o desenvolvimento das pessoas e encontra

esteio no texto constitucional, não obstante a restrição gerada pelo legislador infraconstitucional,

a melhor doutrina posiciona-se no sentido da incidência do direito em comento aos entes morais.

Destarte, devido o ordenamento jurídico ter conferido personificação as sociedades, associações,

fundações e empresários individuais ao se falar em pessoas deve-se compreender tanto as naturais

como as jurídicas.

Por fim, e até como forma de justificar o comungo ao posicionamento

doutrinário amplamente apresentando, necessário se faz tecer algumas considerações quanto ao

Artigo 22, III, d) da Lei de Falências (Lei 11.101/05) positivado com a seguinte redação

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta lei lhe impõe:

[...]

III- na falência

[...]

d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa;(sem destaque no original)

Da interpretação do dispositivo legal, através da ordem dos verbos elencados,

vislumbrar-se uma possível ofensa ao direito à intimidade da pessoa jurídica e potencialmente de

seus sócios ou dirigentes. Uma vez que, o comando da norma determina, primeiramente, o

recebimento da correspondência, seguido de sua abertura e finalmente a separação do que seja ou

não de interesse da massa.

Da leitura da norma epigrafada, percebe-se que esta ofende a linha doutrinária

que preserva a intimidade da pessoa jurídica como decorrente da soma das vidas privadas dos

seus integrantes, bem como da parcela da doutrina que compreende a existência de uma

privacidade distinta de seus sócios.

31 Stocco, Rui. “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais. 5a Edição, pág. 1351.

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Entretanto, a presente crítica poderia estar eivada de erros e equívocos. Nesse

momento, alguns leitores diriam: olvidou-se o autor quanto a situações jurídicas em que se

constata uma certa relativização dos direitos personalíssimos como é o caso da falência! Quanto a

estas situações manifestou-se Adriano De Cupis colacionando as idéias de Santoro Passarelli:

Dois actos emanados da autoridade pública têm o poder jurídico de diminuir a honra pessoal: a

condenação penal e a declaração de falência. A esta legitima diminuição da honra

correspondem, em tais casos, determinadas limitações da capacidade do sujeito.32

Percebe-se que tal justificativa doutrinária encontra guarita no concernente ao

embate entre direito personalíssimo e o interesse público. Destarte, questiona-se a real

necessidade, dentro da problemática ressaltada, de primeiramente proceder a abertura da

correspondência para a posterior separação do que seja de interesse da massa?

Alguns leitores responderão ao questionamento aduzindo que a práxis caminha

por outras searas diversas da expressa no dispositivo infraconstitucional, bem como de que a

interpretação ora encenada é inadequada, considerar-se também os que concordem com a

existência de uma relativização de direito da personalidade em prol de um interesse público e que

o caso em tela se apresenta dentro destes pressupostos.

Encontra-se, também, a possibilidade da solução estar ampara pelo Direito

Civil Português que compreende os contornos e limites da tutela da privacidade como definidos

em conformidade com a casuística e a condição peculiar das pessoas envolvidas33. Desta forma,

estaria a violação justificada.

Não obstante, mantêm-se o entendimento de que o embate é desnecessário em

virtude da problemática estar localizada na ordem dos verbos compreendidos no corpo do artigo

de lei, e que, a simples mudança organizacional atalharia a potencialidade de ofensa de direito à

intimidade de entes morais e, principalmente, de empresários individuais.

Como dito, a problemática ressaltada pode ter sido oriunda de equívoco ou

erro, ou que esta fica adstrita ao plano da norma não atingindo concretude. Entretanto, de

qualquer sorte, a redação do artigo merece a crítica aqui sinalizada.

32 De Cupis, Adriano. O Direito à honra e o direito ao resguardo pessoal RT 110/145 pág. 118. 33 Nesse sentido encontra-se o Código Civil Português em seu artigo 80, “alínea 1) todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem; alínea 2) a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”.

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4. Considerações Finais

Em sede de considerações finais, em apertada síntese, é possível alinhar que o

direito à intimidade revela-se como atributo necessário para o desenvolvimento das

potencialidades de uma pessoa. Ela compreende aspectos matérias e espirituais que se encontram

jungidos ao seu titular.

Desta feita, diante da ressoante leitura do direito a intimidade como

fundamento basilar da tutela da pessoa natural oriunda de uma orientação antropocêntrica do

direito, gerou uma reluta por parte da doutrina civilista em brindar as pessoas jurídicas com tal

tutela.

Não obstante, tal resistência arrefeceu-se e, hodiernamente, a melhor doutrina

acautela a proteção da personalidade dos entes morais. Outrossim, essa mesma doutrina no

concernente ao direito à intimidade busca esteio em mandamentos constitucionais e vale-se,

semelhantemente, de locuções trazidas pela codificação civil.

Nesse sentido, deveras necessária a releitura dos dispositivos do ordenamento

codificado civil e da legislação infraconstitucional conforme a Constituição Federal, uma vez que

a restrição realizada no artigo 21 do Código Civil ao contornar os limites da privacidade

exclusivamente as pessoas naturais, bem como a potencialidade de ofensa ao direito em apreço

ofertada pelo disposto no artigo 22, III, d) da Lei de Falências, não encontram esteio e razão de

existência.

É notória a vagueza e imprecisão de alguns princípios e valores entalhados no

corpo constitucional. Sem dúvida, cabe ao legislador infraconstitucional alinhar os contornos

destes mandamentos, entretanto deve o fazer sem se olvidar as lições da doutrina pátria, os

entendimentos dos Tribunais e até as orientações do direito alienígena.

Por fim, evidencia-se que a incidência de direitos personalíssimos às pessoas

jurídicas é resultado de criações/transformações dentro das relações sociais que imediatamente

são observadas pela doutrina, que por sua vez, vai oportunizar a construção jurídico-

jurisprudencial que sobejará na tutela desses direitos. Outrossim, fora com a aplicabilidade do

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direito à honra e a reparação a título de danos morais aos entes morais, indubitavelmente assim

procederá a observância a intimidade das instituições jurídicas.

5. Referências

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