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EDILSON MENDES DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA 2012

DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO ... · 7 RESUMO Com o grande aumento dos conflitos armados ocorridos nos séculos XIX e XX, o homem objetivou diminuir a dor

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EDILSON MENDES

DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO

DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

2012

EDILSON MENDES

DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO

DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.

Dissertação apresentada para o curso de Mestrado em Direito, da Universidade Metodista de Piracicaba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do professor Dr. Rui Décio Martins.

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

2012

3

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO

DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.

Autor: Edilson Mendes

Orientador: Prof. Dr. Rui Décio Martins

Comissão Julgadora:

Prof. Dr. Rui Décio Martins

Prof. Dr. Jorge Luis Mialhe

Profa. Dra. Evelyn Priscila Santinon

Este exemplar corresponde à redação

final da Dissertação de Mestrado

defendida por Edilson Mendes e aprovada

pela Comissão Julgadora.

Data: _____________________________

Assinatura: ________________________

A Banca, após examinar o candidato, considerou-o __________________________,

com o conceito ______________.

Piracicaba, ______________________ de 2012.

4

DEDICATÓRIA

Certa feita os judeus indagaram a Jesus a respeito dos tributos que eram pagos aos

romanos e Jesus lhes perguntou sobre qual era a imagem que estava estampada na

moeda, obtendo com resposta que era César. Então respondeu Jesus ―...dai a César

o que é de César e a Deus o que é de Deus‖ (Evangelho de Mateus Cap. 22. vv-15

ao 21). Devemos honrar a quem a honra é devida.

Dedico esta pesquisa a todas aquelas pessoas que direta ou indiretamente têm

contribuído para alertar a humanidade sobre acontecimentos iguais aos genocídios

ocorridos, ressaltando que não podem, jamais, cair no esquecimento.

Ao meu orientador Professor Rui Décio Martins por ter, na qualidade de aluno

especial, ao assistir às suas aulas em meados de 2009, ajudado-me na escolha do

meu tema. Foram exatamente naqueles momentos de exposição de saber e

experiência que decidi escrever e pesquisar, ainda que timidamente, sobre os

acontecimentos que abarcam os Direitos Humanos, o Direito Internacional e os

Genocídios, e tentar, de alguma maneira, entender um pouco dessa complexidade

chamada ―ser humano‖.

Resumindo, dedico esta dissertação a duas categorias de pessoas: àquelas que

anunciam e denunciam o que acontece ao seu redor e no mundo e a todas aquelas

que foram, na história, vítimas do ódio, da intolerância e de toda sorte de barbárie.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada seria possível.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para que este trabalho

conseguisse atingir os objetivos propostos.

As dificuldades não foram poucas...

Os desafios foram muitos...

Os obstáculos, muitas vezes, pareciam intransponíveis.

Muitas vezes me sentia sozinho, mas isto nunca se concretizou...

O desânimo quis me contagiar, porém, a garra e a tenacidade foram mais fortes,

sobrepondo esse sentimento, fazendo-me seguir a caminhada, apesar da

sinuosidade do caminho.

Agora, ao olhar para trás, a sensação do dever cumprido se faz presente e posso

constatar que as noites de sono perdidas, a ansiedade em querer fazer e a angústia

de muitas vezes não o conseguir, não foram em vão.

Aqui estou, como sobrevivente de uma longa batalha, porém, muito mais forte e

hábil, com coragem suficiente para mudar a minha postura, apesar de todos os

percalços.

Aos meus pais Geraldo e Célia, à minha eterna e amada Nancy, companheira de

todas as horas e que me deu dois presentes preciosos: Bianca e Guilherme. A eles

o meu mais profundo e sincero OBRIGADO.

6

EPÍGRAFE

―Amanhã fico triste, amanhã.

Hoje não. Hoje fico alegre. E todos os dias, por mais amargos que sejam,

Eu digo: Amanhã fico triste, hoje não‖. Autor anônimo.

Poema, sem autoria, que teria sido encontrado na parede de um dos dormitórios de crianças no campo de extermínio nazista

de Auschwitz.

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RESUMO

Com o grande aumento dos conflitos armados ocorridos nos séculos XIX e XX, o homem objetivou diminuir a dor e a carnificina decorrentes das batalhas ao criar normas que controlassem as atividades militares nas guerras. Após inúmeras convenções e conferências, surge o Direito Internacional Humanitário, cujo escopo é o de regulamentar os conflitos beligerantes ao coibir práticas e atos não ortodoxos exercidos em tempo de guerra. Todavia, a simples existência de tais normas não impedia a ocorrência de massacres, genocídios e sofrimento da população civil, que se tornou a principal vítima dos combates armados. Por isto, houve no decorrer da história, tribunais que julgaram os criminosos de guerra que infringiam as normas do Direito Internacional Humanitário, como os Tribunais de Nuremberg, Tóquio, Ruanda e da antiga Iugoslávia. Para que não se criassem diversos tribunais no decorrer das guerras existentes, fora idealizado no ano de 1998 em Roma, um tribunal permanente que fosse o responsável pelo julgamento dos criminosos de guerra. Nasce o Tribunal Penal Internacional, instituído pelo Estatuto de Roma, que passa a ser o órgão responsável pela aplicação de uma parte do Direito Internacional Humanitário, prevista em seu estatuto constitutivo. Deve-se ressaltar, entretanto, que para que o Tribunal Penal Internacional possua efetividade, é necessária a cooperação dos Estados signatários do Estatuto de Roma, pois serão estes os responsáveis pelo cumprimento das deliberações da Corte Penal Internacional. Palavras-chave: Direito Internacional Humanitário. Tribunal Penal Internacional. Cooperação.

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ABSTRACT

With the large increase in armed conflicts that occurred in the nineteenth and twentieth centuries, the man aimed to lessen the pain and bloodshed resulting from the battles to create regulations that govern military activities in war. After numerous conferences and conventions arises international humanitarian law, whose purpose is to regulate the belligerents to halt conflicts and acts unorthodox practices exercised in time of war. However, the mere existence of such rules did not prevent the occurrence of massacres, genocide and suffering of the civilian population, which became the main victim of armed combat. Therefore, there was throughout history, the courts that judged war criminals who breach the rules of international humanitarian law, as the Courts of Nuremberg, Tokyo, Rwanda and the former Yugoslavia. Not to create various courts during the wars, was conceived in 1998 in Rome, a permanent court which was responsible for trial of war criminals. Born International Criminal Court, established by the Rome Statute, which is the body responsible for and be a part of the application of international humanitarian law, as provided in its charter of incorporation. However, it should be noted that for the International Criminal Court has effectively requires the cooperation of States Parties to the Rome Statute because they are responsible for compliance with the resolutions of the International Criminal Court. Keywords: international humanitarian law. International Criminal Court. Cooperation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1. DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO ............... 16

1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS ......................... 16

1.2. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HUMANIZAÇÃO DO

DIREITO INTERNACIONAL ...................................................................................... 22

1.2.1. DIFERENÇA ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

(DIREITO DE GENEBRA), O JUS IN BELLO (DIREITO DE HAIA) E O DIREITO

INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ....................................................... 24

1.2.2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................. 29

1.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ............................................ 36

2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO .................................. 38

2.1. PRINCÍPIOS ....................................................................................................... 38

2.2. O DIREITO DE HAIA, GENEBRA E NOVA IORQUE ......................................... 40

2.3. APLICABILIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO ................ 45

3 A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS

HUMANOS NO DIREITO INTERNO ......................................................................... 54

3.1. DA APROVAÇÃO ............................................................................................. 54

4. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INCORPORADOS PELO DIREITO

BRASILEIRO ............................................................................................................. 60

4.1. INCORPORAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

.................................................................................................................................. 61

4.2. TEORIAS ............................................................................................................ 68

4.3. POSICIONAMENTO DOS TRATADOS ............................................................. 69

10

5. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS ........................ 74

5.1. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA ............ 75

5.2. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA RUANDA .................................... 78

6. O ESTATUTO DE ROMA E A CONSOLIDAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL ..................................................................................................... 83

6.1. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ..... 85

6.2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ............................. 87

6.3. O CRIME DE GENOCÍDIO ................................................................................. 88

6.4. OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE ......................................................... 103

6.5. OS CRIMES DE GUERRA ............................................................................... 104

6.6. O CRIME DE AGRESSÃO ............................................................................... 105

6.7. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................................ 107

6.8. PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................................. 109

6.9. PENAS APLICADAS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................ 113

7. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA APLICAÇÃO DO

DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO .......................................................... 116

7.1. A ATUAÇÃO DOS ESTADOS-PARTES NO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL ................................................................................................... 118

8. ANÁLISE PRELIMINAR DOS CASOS QUE ESTÃO SOB A JURISDIÇÃO DO

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL .................................................................... 123

8.1. OS CASOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO ........................... 124

8.2. O CASO DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA ............................................. 126

8.3. O CASO DA REPÚBLICA DE UGANDA .......................................................... 127

8.4. OS CASOS DA REPÚBLICA DO SUDÃO ....................................................... 128

8.5. OS CASOS DA REPÚBLICA DO QUÊNIA..... ................................................. 130

11

8.6. OS CASOS DA LÍBIA ....................................................................................... 131

8.7. O CASO DA REPÚBLICA DA COSTA DO MARFIM ....................................... 132

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 137

SÍTIOS DA INTERNET PESQUISADOS ................................................................. 144

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INTRODUÇÃO

Na atual conjuntura, observam-se frequentes violações aos direitos

humanitários em diversos conflitos armados, sendo estes na seara internacional ou

no âmbito interno de um Estado Nacional. Como exemplos mais recentes, pode-se

mencionar as atrocidades cometidas pelas milícias dentro do Sudão e a tortura de

prisioneiros iraquianos na guerra entre Estados Unidos da América e Iraque.

Neste contexto, existem mecanismos na esfera internacional que

possuem o propósito de atenuar as barbáries cometidas em conflitos e guerras.

Dentre estes mecanismos se destaca, no campo da ciência jurídica, o Direito

Internacional Humanitário, como ramo do Direito Internacional, que rege os direitos

dos cidadãos civis em tempos de guerra. Isto tudo ocorre dentro do aspecto

jurisdicional, com a existência do Tribunal Penal Internacional, órgão responsável

por julgar e punir os responsáveis pelas violações dessas leis humanitárias.

O Tribunal Penal Internacional possui jurisdição apenas sobre uma

pequena parte do todo que representa o Direito Internacional Humanitário (na

qualidade de ciência jurídica, é muito mais abrangente que um tribunal), sendo esta,

descrita no Art. 5º de seu Estatuto. Logo, o Tribunal Penal Internacional possui a

competência para julgar os crimes de genocídio e agressão, bem como os crimes

contra a humanidade e os de guerra.

Todavia, não há, ainda, conhecimento pleno de que maneira o

Tribunal Penal Internacional pode auxiliar na aplicação do Direito Internacional

Humanitário, considerando que entrou em funcionamento no ano de 2002. E,

também, ainda não há um interesse em divulgar amplamente este órgão, quer

devido à questão de soberania, quer devido a outros interesses por parte de

Estados, que não obstante o fato de serem considerados grandes potências

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mundiais, se veem em situação difícil em assinar o Estatuto, sendo esse o exemplo

da China e Estados Unidos da América. Detentoras deste conhecimento, as pessoas

poderiam impedir ou diminuir as afrontas às leis humanitárias.

O tema a ser pesquisado é afeto à área de Direitos Humanos, numa

análise histórica e atual. Em nome de uma suposta superioridade de determinados

líderes, como exemplo, Adolf Hitler em relação ao Holocausto judeu. Cabendo

também destacar a situação dos países africanos, em especial o genocídio de 1994,

em Ruanda, entre a maioria hutus e a minoria tutsis. Em ambas ocorrem diversas

tentativas de aniquilação de determinadas raças e etnias.

Os tratados que versem sobre a dignidade da pessoa humana,

sejam em qual seara forem, devem prevalecer em relação a todos os demais

tratados, criando assim uma hierarquia entre eles, priorizando uns em relação a

outros.

Aborda-se também o Direito Internacional Humanitário que tem o

surgimento com os tratados internacionais, que versam sobre a situação dos

beligerantes nos conflitos armados, bem como a situação da população civil.

No Direito Internacional Humanitário, as normas protetivas eram

direcionadas aos civis, no período de conflito, também aos militares feridos e ainda

aos prisioneiros capturados.

A criação destas normas em 1864, na Convenção de Genebra

assinada em 22 de agosto daquele ano, com o intuito de melhorar a sorte dos

militares feridos nos exércitos em campanha, por iniciativa da Cruz Vermelha,

consolidou-se com as Convenções de Genebra de 1949.

A Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do

Crime de Genocídio de 1948, o define, no caput do Art. 2º como aquele cometido

14

com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupos nacionais, étnicos, culturais

ou religiosos1.

A Organização das Nações Unidas, através do Conselho de

Segurança, criou o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia e o Tribunal

Penal Internacional para Ruanda; o de Ruanda com sede em Arusha, na Tanzânia,

com competência para julgar os crimes de genocídio ocorridos naquele país entre a

maioria hutus, em desfavor da minoria tutsis e o da antiga Iugoslávia para julgar o

genocídio ocorrido naquele país, tendo como um dos principais autores daquele

acontecimento, o ex-presidente Slobodan Milosevic.

Todos os esforços culminaram na criação do Tribunal Penal

Internacional, de caráter permanente, com o objetivo de ser, reconhecidamente

pelos signatários do Estatuto de Roma, o foro competente para a punição dos

crimes de genocídio, de guerra, de agressão e contra a humanidade, iniciando uma

nova era no palco internacional.

A presente dissertação poderá servir para conscientização daqueles

que dela utilizarem, em relação à necessidade de se buscar, a cada dia, a

valorização da vida. Conscientização essa, pregada pelo general canadense Romeo

Dallaire, que comandou a tropa de paz da ONU, em um dos genocídios mais

sangrentos havidos da história, que foi o de Ruanda, quando proferiu as seguintes

palavras em palestras ocorridas em escolas canadenses: ―como o século XX foi

marcado pelo século dos genocídios, que seja o século XXI o século da

humanidade” 2.

1 Legislação de Direito Internacional, colaboração: Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos

Santos Windt e Lívia Céspedes. 3ª Ed, Editora Saraiva, 2010. Convenção para a Prevenção e a Repressão do

Crime de Genocídio. 2 Frase proferida pelo General em palestras realizadas no Canadá. Disponível na internet

http://www.romeodallaire.com/ http://malay-2008.blogspot.com/2011/06/um-novo-ruanda-hoje.html. Acesso em

21/11/2011.

15

A sociedade internacional passa por um processo de insegurança,

de incerteza e de impunidade, onde todos estão inseridos.

Não obstante a globalização que se insere a sociedade mundial,

onde são alcançados vários setores, como o econômico, o político, e o tecnológico,

o que se extrai é que toda essa inserção não foi e não tem sido suficiente para se

evitar as guerras étnicas e raciais. Somam-se a isso, ainda, a falta de

sustentabilidade ambiental, a fome, a pobreza, e os demais fatores presentes no

cotidiano.

Serão estudados aspectos do Direito Internacional Humanitário para

que seja possível entender e compreender do que se trata tal ramo do direito. Do

mesmo modo o Tribunal Penal Internacional também será analisado, demonstrando

a sua estrutura e funcionamento, para melhor compreensão da matéria.

Por fim, será realizada uma análise dos casos que estão em trâmite

no Tribunal Penal Internacional para que seja possível visualizar a sua atuação.

Desta forma, será possível compreender a importância de haver mecanismos no

cenário internacional que regulam a atuação das partes em um conflito armado, com

o desígnio de diminuir a dor e o sofrimento dos cidadãos envolvidos nas guerras.

16

1. DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

O Direito Internacional Humanitário é o ramo do direito que regula a

atuação das partes envolvidas nos conflitos beligerantes. Todavia, há aqueles que

não conhecem este ramo do direito e o confundem com o Direito Internacional dos

Direitos Humanos.

Por isso, o objetivo do presente capítulo é aclarar o que é o Direito

Internacional Humanitário, apontando suas definições, princípios e aplicabilidade,

com o escopo de compreender a sua importância no âmbito do Direito Internacional.

1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS

Os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da

igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica e no pensamento

cristão. Tais ideias vieram a influenciar a corrente jusnaturalista do direito,

englobando o que se pode chamar de "pré-história" dos direitos fundamentais

(SARLET; 2006: p. 45).

É na Inglaterra do século XIII, que se encontra o principal

documento, referido por todos aqueles que se dedicam ao estudo da evolução dos

direitos humanos. Trata-se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215

pelo rei João I da Inglaterra ou João Sem Terra, bispos e barões ingleses. Tal

documento, apesar de ter servido de fato para garantir privilégios feudais, serviu

também como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos,

tais como o habeas corpus, o devido processo legal e o direito de propriedade

(SARLET; 2006: p. 49).

17

Ainda no século XVI, merecem citação os nomes dos jus filósofos

alemães: Hugo Dornellus que, já em 1589, ensinava aos seus discípulos, que o

direito à personalidade englobava os direitos à vida, à integridade corporal e à

imagem, bem como o de Johannes Althusius que, no início do século XVII (1603),

defendeu a ideia da igualdade humana e da soberania popular. No século XVII, a

ideia de direitos naturais inalienáveis e a consequente submissão das autoridades

aos direitos naturais, encontraram eco nas obras do holandês Hugo Grócio, do

alemão Samuel Pufendorf e, ainda, dos ingleses John Milton e Thomas Hobbes.

Milton defendeu o reconhecimento dos direitos de autodeterminação do homem, da

tolerância religiosa, da liberdade de manifestação oral e de imprensa, ao passo que

Hobbes atribuía ao homem à titularidade de certos direitos naturais, contudo

condicionada à vontade e disposição do soberano (SARLET; 2001: p. 47).

O reconhecimento de direitos inerentes à pessoa humana nos

movimentos revolucionários do século XVIII ocorreu diretamente pela influência da

corrente jusnaturalista que se desenvolvia desde a Idade Média a começar pela

relevância do pensamento cristão de Santo Tomás de Aquino que já no século XVI

professava, além da igualdade dos homens perante Deus, a existência dos direitos

naturais do homem, que deveriam ser respeitados por seus pares e seus

governantes. Assim, desenvolveu-se a ideia de que a personalidade humana tem

valor próprio e único, ante a dignidade de ser humano, que nasce na qualidade de

valor natural, inalienável e incondicional (SARLET; 2001: p. 46).

Posteriormente, com a formação do pensamento jusnaturalista,

ocorre uma laicização da concepção de direito natural, pelas teorias contratualistas,

jusracionalistas atingindo seu ápice com o movimento iluminista (LAFER; 1991:

p.122 – 123)

18

Neste contexto, foi decisiva a contribuição de John Locke lecionando

sobre os direitos inalienáveis do homem (vida, propriedade, liberdade e resistência)

quando possuem eficácia oponível aos detentores do poder, com base na teoria do

contrato social. Entretanto, tais direitos seriam garantidos apenas aos cidadãos, ou

seja, proprietários poderiam valer-se do direito de resistência uma vez que seriam

sujeitos de direito e não meros objetos. Sobre Locke e Hobbes, LAFER esclarece:

Cumpre salientar, neste contexto, que Locke, assim como já havia feito Hobbes, desenvolveu ainda mais a concepção contratualista de que os homens têm o poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo com a sua razão e vontade, demonstrando que a relação autoridade-liberdade se funda na auto vinculação dos governados, lançando, assim, as bases do pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII, que, por sua vez desaguou no constitucionalismo e no reconhecimento de direitos de liberdade dos indivíduos considerados como limites ao poder estatal (LAFER; 1991: p.122 – 123).

Assim, no âmbito do iluminismo de inspiração jusnaturalista,

culminou o processo de elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos

direitos naturais do indivíduo, tendo sido Tomas Paine na sua obra ―A Idade da

Razão‖ que popularizou a expressão "direitos do homem" no lugar do termo "direitos

naturais‖. Contudo, para BOBBIO, é o pensamento kantiano que marca o final desta

fase da história dos direitos humanos. Para Kant, todos os direitos estão abrangidos

pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em

virtude de sua própria humanidade, encontrando-se limitado pela liberdade

coexistente dos demais homens (BOBBIO; 1992: p.41 a 45).

Conforme ensina BOBBIO, Kant, inspirado em Rousseau, definiu a

liberdade jurídica do ser humano como a faculdade de obedecer somente às leis as

quais ele deu seu livre consentimento. Esta concepção fez escola no âmbito do

pensamento político, filosófico e jurídico (BOBBIO; 1992: p.73 - 78).

19

O processo de reconhecimento dos direitos fundamentais, que é

essencialmente dinâmico é marcado através dos séculos por avanços, retrocessos e

contradições, desprendendo-se de sua concepção inicial de inspiração

jusnaturalista. Sendo assim, tal processo de reconhecimento e afirmação, marcado

pela evolução destes direitos, revela uma categoria completamente aberta e

mutável. A evolução histórica destes direitos ocorreu através de um processo

cumulativo, a partir daquelas concepções jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII.

Contudo, apesar de representarem valores universais, tais direitos

só adquiriram sua afirmação concreta de âmbito internacional com a Declaração

Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948.

Ensina o Professor BONAVIDES sobre a universalidade destes

direitos:

(...) procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser um homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade. (BONAVIDES; 1997: p.25)

A universalidade, contudo, não equivale à uniformidade total, como

ensina CANÇADO TRINDADE. Desta forma o sistema de reconhecimento e

proteção dos direitos humanos foi enriquecido por instrumentos de âmbito regional

como: o sistema europeu na Convenção Europeia de Direitos Humanos, em 1950; o

interamericano da Convenção de San José da Costa Rica, em 22 de novembro de

1969; o africano de proteção dos direitos humanos, aprovado em Ouagadougou,

Burkina Faso em 10 de Junho de 1998, dentre outros (CANÇADO TRINDADE; 2000:

p.103).

Mas todos estes instrumentos regionais têm como fonte de

inspiração a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ponto de

20

irradiação dos esforços em prol do ideal de universalização dos direitos humanos

(CANÇADO TRINDADE; 2000: p.103).

Tais instrumentos se completam na medida em que não se

restringem aos limites da competência de cada um destes tratados e, portanto,

constituem um aparato mais eficaz na proteção dos direitos humanos. Em face deste

complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo, que sofreu

violação de direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que,

eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de

alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial. (CANÇADO

TRINDADE; 2000: p.103).

Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos

interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Na visão de CANÇADO

TRINDADE:

O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos humanos, contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravelmente as pretensas possibilidades de conflitos entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui em segundo lugar para obter maior coordenação entre tais instrumentos em dimensão tanto vertical (tratados e instrumentos de direito interno) quanta horizontal (dois ou mais tratados). (...) Contribui em terceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos - garantindo os mesmos direitos - são no sentido de ampliar e fortalecer a proteção (CANÇADO TRINDADE; 2000: p.103).

Já no Brasil, o processo de reconhecimento dos direitos humanos foi

atrasado pelos 20 anos de ditadura que perdurou no país de 1964 a 1985. Mas este

processo culminou juridicamente com a promulgação em 05 de outubro de 1988 da

atual Constituição Brasileira, que iniciou as bases no novo regime político e

democrático do país.

21

A partir da Constituição de 1988, os direitos humanos tiveram um

considerável relevo, sendo a mais completa Carta nesta matéria e a mais

abrangente e pormenorizada que todas as outras Constituições que foram vigentes

no país.

Neste sentido, os direitos humanos no âmbito da ordem jurídica

interna também começaram a se impor como tema fundamental na agenda

internacional do país, sendo a primeira Constituição Federal Brasileira a elencar o

princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental em suas

relações internacionais, em seu Art. 4°, inciso II e, ainda, ampliar suas garantias,

reconhecendo como parte de seu ordenamento as garantias e os direitos

especificados em tratados internacionais.

Sobre a matéria o Art. 5°, § 2° da CF/88 assim preceitua: ―Os direitos

e as garantias nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte‖.

A partir disto, discutem certos autores a respeito da questão da

soberania do Estado brasileiro afirmando seu condicionamento ou não à questão

dos direitos humanos e a consequente sujeição do Estado a tratados internacionais

em oposição à concepção tradicional da soberania estatal absoluta.

A professora PIOVESAN adota a seguinte posição:

A partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo à existência de limites e condicionamentos a noção de soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado brasileiro fica submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório à prevalência dos direitos humanos (2011: p.92).

22

Ao final deste item, antecedentes históricos dos direitos humanos,

tais controvérsias são propositalmente mostradas, desde a sua origem histórica de

âmbito internacional, chegando até seu reconhecimento e ordenação no Brasil.

1.2. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HUMANIZAÇÃO DO

DIREITO INTERNACIONAL

Este subcapítulo tem como objetivo compreender o processo de

internacionalização dos Direitos Humanos e a humanização do Direito Internacional,

demonstrando a concepção contemporânea dos Direitos Humanos e seus desafios

na ordem internacional hodierna.

De uma forma geral, encontram-se em evidência diversos conflitos

armados, fatos estes que nos submetem à importância de se estabelecer controles e

limites aos crimes, bem como às barbáries cometidas pelas partes envolvidas, com o

fito de atenuar a dor e o sofrimento dos envolvidos pela guerra.

Desta forma, surgiu o Direito Internacional Humanitário, cujo

desígnio é impor regras que limitassem a atuação das partes envolvidas num conflito

armado. Segundo HAUG (1993, p. 491) o Direito Internacional Humanitário pode ser

definido como ―um conjunto especial de leis que regulam os conflitos armados

através da imposição de limites para os métodos utilizados na condução das

operações militares‖.

Ainda sobre o tema, KRIEGER elucida que o Direito Humanitário:

[...] se refere à salvaguarda da própria vida dos indivíduos em confrontos decorrentes de conflitos bélicos. A vida, o maior bem da humanidade, por isso, protegido a todos os seres humanos, logo da universalidade, ou dito de outra forma, o fenômeno que constitui a própria humanidade, é o objeto material desta disciplina (2004, p.201).

23

Na mesma linha, SASSÓLI e BOUVIER definem:

O Direito Internacional Humanitário pode ser definido como um ramo do Direito Internacional, limitando o uso da violência em conflitos armados: a) poupando aqueles que não participam ou deixaram de participar diretamente das hostilidades; b) limitando a quantidade de violência necessária para atingir os propósitos do conflito, o qual pode ser – independente das causas da luta – apenas para enfraquecer o potencial militar do inimigo (1999, p. 67).

A partir de tais definições, pode-se extrair que o Direito Internacional

Humanitário possui o propósito de salvaguardar a vida e os direitos básicos dos

indivíduos que se encontram envolvidos em conflitos bélicos, direta ou

indiretamente, através da limitação da violência, para se alcançar um objetivo na

guerra, como reduzir o potencial bélico da outra parte.

Todavia, deve-se ressaltar que o Direito Internacional Humanitário

defende a paz e não legitima ou legaliza a guerra e a violência. O objetivo do Direito

Internacional Humanitário é o de estabelecer regras e limites que diminuam os

efeitos causados por conflitos armados.

Acerca da matéria KALSHOVEN e ZEGVELD ensinam:

[...] o direito humanitário de modo algum pretende fazer da guerra uma atividade de ‗bom tom‘ e essencialmente humana [...] se propõe a impedir que as partes em um conflito armado atuem com uma crueldade cega e implacável, e proporcionar a proteção fundamental que os mais diretamente afetados pelo conflito necessitam, sem que por ele, a guerra deixe de seguir sendo o que sempre há sido: um fenômeno aterrador (2003, p.12).

Entretanto, deve-se ressaltar que não se deve confundir o Direito

Internacional Humanitário com Direitos Humanos.

Segundo KRIEGER:

Uma das diferenças básicas entre o Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos é que o primeiro é aplicável, basicamente, em tempo de

24

conflitos armados, enquanto o segundo, em qualquer tempo e lugar (2004, p. 226).

Desta forma, extrai-se que o Direito Internacional Humanitário pode

ser definido como um conjunto de regras que regulamenta os conflitos armados

nacionais e internacionais e busca, através da imposição de suas normas, a

proteção dos civis envolvidos nas guerras.

1.2.1. DIFERENÇA ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

(DIREITO DE GENEBRA), O JUS IN BELLO (DIREITO DE HAIA) E O DIREITO

INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

O Direito de Haia, o jus in bello, é considerado o direito aplicável na

guerra, sendo aquele que inclui todos os regulamentos que estabelecem direitos e

deveres dos beligerantes na condução das operações militares e também a restrição

à liberdade na escolha dos meios e métodos de combate. O Direito de Genebra que

se conhece como Direito Internacional Humanitário é aquele que tem o objetivo de

salvaguardar os militares fora de combate, bem como pessoas que não participam

das hostilidades. As razões para o início de um conflito em particular, o jus ad

bellum, não faz parte da apreciação da lei humanitária internacional. O jus ad bellum

é entendido como direito à guerra, isto é, a possibilidade que os Estados teriam de

resolver suas pendências por meio de conflitos armados. O interesse é apenas ao

jus in bello, ou seja, a maneira pela qual irá regular a conduta das hostilidades,

independentemente da razão pela qual eles começaram, representa as regras que

devem reger os conflitos, no tocante aos meios empregados e ao tratamento das

vítimas e aos prisioneiros de guerra (GUERRA: 2011; p.31-31).

25

Podem-se dividir em dois temas que estão inseridos este direito, que

são as relações entre Estados em períodos de paz e as relações decorrentes de

conflitos armados: um, o direito da guerra, o outro, o direito da paz. Um direito

preventivo e outro que busca assegurar que as partes em conflito não usem de

meios insidiosos no momento do combate, preservando-se, dentro do possível, a

pessoa humana em caso de conflito armado, o que se mostra unânime em todas as

definições que se possa encontrar a respeito do objetivo do Direito Internacional

Humanitário (COMPARATO: 2010; p.185).

Nas palavras de COMPARATO:

O direito da guerra e da paz, cuja sistematização foi feita originalmente por Hugo Grócio em sua obra seminal do início do século XVII (De Iure Belli ac Pacis), passou, deste então, a bipartir-se em direito preventivo da guerra (ius ad bellum) e direito da situação ou estado de guerra (ius in bello), destinado a regular as ações das potências combatentes (2010, p.185).

CELSO MELLO traz a seguinte definição como possibilidade:

Talvez se possa definir o Direito Internacional Humanitário como o sub-ramo do Direito Internacional Público Positivo que integra o Direito Internacional dos Direitos Humanos, tendo por finalidade proteger a pessoa humana em conflitos armados. A definição acima parte da consideração que o conflito armado é uma realidade e que faz parte, infelizmente, da natureza humana (1997, p.137).

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha definiu este direito como

sendo as regras internacionais, de origem convencional ou costumeira. Elas são

especificamente destinadas a reger os problemas humanitários decorrentes

diretamente de conflitos armados, internacionais ou não-internacionais e que

restringem, por razões humanitárias, o direito das partes em conflito de utilizar

métodos e meios de guerra à sua escolha. Tudo isso, de modo a proteger as

pessoas e os bens afetados ou que puderem ser afetados, pelo conflito (JAPIASSU:

2004; p.7-8).

26

O Direito Internacional Humanitário está inserido nos demais ramos

do direito internacional, mantendo relações estreitas com o Direito Internacional dos

Direitos Humanos.

Segundo PISCIOTTA, a Conferência de Direitos Humanos

convocada pelas Nações Unidas em Teerã em 1968 é especialmente representativa

da relação entre Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário, pois:

A partire dalla fine degli anni sessanta si è andata affermando l‘idea secondo la quale durante i conflitti armati, a prescindere dalla loro natura interna o internazionale, rimane in vigore quel settore del diritto internazionale posto a tutela dei diritti umani e delle libertà fondamentali. In occasione della prima Conferenza internazionale delle Nazioni Unite (NU) sui diritti umani, svoltasi a Teheran nel 1968, l‘organizzazione si occupò di un tema che aveva sempre ritenuto escluso dal proprio ambito di competenza: avendo la Carta delle NU bandito la guerra, ed essendo la pace internazionale l‘obiettivo principale dell‘organizzazione, il diritto bellico era pensato come estraneo al sistema. L‘Assemblea Generale, attraverso la nota Risoluzione 2444 (XXIII) sulla tutela dei diritti umani nei conflitti armati, pose fine a quell‘atteggiamento e fece propri diversi principi posti dalla Croce Rossa Internazionale, in particolare il principio per cui il diritto dei belligeranti di scegliere i metodi di combattimento non è un diritto illimitato, il divieto di attaccare la popolazione civile, nonché il dovere di distinguere sempre tra obiettivi civili e militari, risparmiando i primi dalle

sofferente della guerra 3 (PISCIOTTA: 2007; p. 68).

Em sua Resolução nº 2444 (XXIII), a Assembleia Geral das Nações

Unidas destacou que a paz é condição primordial para o pleno respeito aos direitos

humanos e que a guerra é a negação desse direito. Destacou-se, por conseguinte

que é muito importante fazer com que as regras humanitárias aplicáveis em

3 Em tradução livre: Desde finais dos anos sessenta vem se trabalhando a ideia de que durante os conflitos,

independentemente se doméstico ou internacional, permanece em vigor por parte do direito internacional para

proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais. Na primeira Conferência Internacional das Nações

Unidas (ONU) Direitos Humanos realizada em Teerã em 1968, a Organização tratou de um assunto que sempre

se sentiu excluído do seu âmbito de competência: tendo a Carta das Nações Unidas proibido a guerra, e sendo a

paz o objetivo principal da Organização, a lei da guerra foi pensar como estranho ao sistema. A Assembleia

Geral, pela Resolução 2444 (XXIII), relativa à proteção dos direitos humanos em conflitos armados, pôs fim a

essa atitude e fez seus vários princípios definidos pela Cruz Vermelha Internacional, em particular o princípio de

que o direito dos beligerantes de escolher os métodos de guerra não é um direito ilimitado, a proibição de atacar

civis, e o dever de sempre distinguir entre civis e alvos militares, salvando o primeiro sofredor da guerra.

27

situações de conflito armado sejam consideradas como parte integrante dos Direitos

Humanos.

Conforme ensina PISCIOTTA:

Il rapporto tra la disciplina dei diritti fondamentali e la disciplina dei conflitti armati costituisce un problema giuridico di non facile e immediata soluzione, dati gli elementi di convergenza e divergenza

4 (PISCIOTTA:

2007; p. 74).

Há três teorias internacionalmente consideradas:

a) a teoria integracionista é aquela que idealiza a união do Direito

Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos. O Direito Humanitário não é

outra coisa senão uma parte dos Direitos Humanos, sendo ambas voltadas para a

proteção da pessoa e da dignidade humana. O direito humanitário está contido nos

Direitos Humanos, que protege as pessoas, principalmente na situação específica

de conflito armado, ainda que se possa considerar que no aspecto cronológico o

Direito Internacional Humanitário é anterior aos Direitos Humanos.

b) a teoria separatista tem como sustentáculo a ideia de que se

tratam de dois ramos do direito totalmente distintos, de um lado está à lei

internacional dos Direitos Humanos e de outro o Direito Internacional Humanitário e

que uma integração dos dois sistemas seria totalmente inútil, por não dizer

prejudicial. Acentua a diferença entre as finalidades dos sistemas de proteção dos

Direitos Humanos que protege o indivíduo contra o aspecto arbitrário da própria

ordem jurídica interna e do Direito Internacional Humanitário que o protege em

situações em que a ordem nacional já não pode garantir-lhe uma proteção eficaz,

quando este indivíduo é vítima de um conflito armado.

4

Em tradução livre: A relação entre a disciplina dos direitos fundamentais e as regras de conflito armado

constitui um problema legal não é a solução fácil e imediata, dados os elementos de convergência e divergência.

28

c) A teoria complementarista, por sua vez, afirma que os Direitos

Humanos e o Direito Internacional Humanitário são dois sistemas diferentes que se

complementam. O Direito Internacional Humanitário está integrado ao Direito de

Genebra, que tende a proteger os militares fora de combate, assim como as

pessoas que não participam das hostilidades. Porém, ocorre uma área de atuação

comum entre os direitos humanos e o direito humanitário, especificamente no que

tange a proteção do cidadão em qualquer situação (PISCIOTTA: 2007; p. 74).

PISCIOTTA descreve que:

Numerosi studi in dottrina hanno individuato tre possibili approcci nell‘analisi del problema. Una prima teoria, che si può denominare ―separatista‖, sostiene che il diritto internazionale umanitario e il diritto internazionale dei diritti umani costituiscano due sotto-ordinamenti diverbi e separati del diritto internazionale, privi di interconnessione. Si può già constatare, alla luce di quanto brevemente esposto sopra, che un tale approccio non sia da considerare corretto. In base ad una seconda teoria, denominata ―integraziomsta‖, la categoria del diritto internazionale dei diritti dell‘uomo incorporerebbe il diritto umanitario come sotto-categoria che si occupa di situazioni e problematiche più specifiche e limitate. Utilizzando un‘immagine per chiarire il concetto, si potrebbe pensare il rapporto tra diritti umani e diritto umanitario come dato da duo cerchi conccntrici, dove quello più ampio dei diritti umani include totlmente in sé il cerchio più piccolo del diritto bellico. Questa teoria non pare reggersi alla luce del diverso contenuto normativo dei due settori: non è corretto sostenere che tutte le norme del diritto bellico, comprese dunque quelle in materia, di mezzi e metodi di combattimento, appartengano alla categoria più ampia del diritto internzionale dei dirriti umani. Infine, una terza teoria, detta ―complementarista‖ condivisa dalla maggioranza della dottrina, pur riconoscendo le differenze esistenti dei due settori distinti del diritto internazionale pubblico, ne rileva i legami e la possibilità di applicacione congiunta e complementare; ricorrendo nuovamente ad un‘immagine, bisogna qui pensare a due cerchi distinti sovrapposti solo parzialmente. Diverse ragioni sembrano propendere a favore della teoria ―complementarista‖. Innanzitutto, da un punto di vista storico, si può ritrovare nella c.d. ―clausola Martens‖ una sorta eli denominatore comune tra diritto umanitario e diritti umani, consistente nell‘obiettivo di proteggere in ogni situazione i diritti della persona umana. La clausola, che prende il nome dal diplomatico russo che propose di inserire la formula nel preambolo della Convenzione dell‘Aja sulle leggi e consuetudini della guerra terrestre (1899), stabilisce che le popolazioni e i belligeranti, per quelle situazioni non regolate dal diritto, restano in ogni caso ―sotto la salvaguardia e sotto l‘impero dei principi del diritto delle genti, quali risultano dagli usi stabiliti fra nazioni civili, dalle leggi dell‘umanità e dalle esigenze della coscienza pubblica

5‖ (PASCIOTTA: 2007; p. 74 e 75).

5 Em tradução livre: Numerosos estudos têm identificado três abordagens de ensino possíveis na análise do

problema. Uma teoria, que pode ser chamado de "separatista", argumenta que o direito internacional humanitário

29

Em síntese, as funções são distintas, a função precípua do Direito

Internacional Humanitário é a proteção do indivíduo durante o conflito armado,

enquanto que no Direito Internacional dos Direitos Humanos a proteção ao indivíduo

é observada em todo o tempo, de maneira integral.

1.2.2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A internacionalização dos direitos humanos pode ser vista como

manifestação cultural filosófica, política ou jurídica. Contudo, o que se quer pôr em

relevo é a internacionalização dos direitos humanos como fruto do reconhecimento

da comunidade internacional organizada, sendo um bem comum primordial e, a

partir disso, a transformação da pessoa humana em sujeito de direito internacional

(PIOVESAN; 2011, p. 175).

Sendo assim, a normatividade dos direitos humanos não é

reservada apenas aos Estados. A multiplicidade de fontes caracteriza a matéria,

e o direito internacional dos direitos humanos são dois argumentos separados e subssistemas do direito

internacional, sem interligação. A luz do que brevemente acima, já pode ser visto, que uma tal abordagem não é

para ser considerada correta. De acordo com uma segunda teoria, chamada de "integracionista" a categoria do

direito internacional dos direitos humanos deve incorporar o direito humanitário como uma sub-categoria que

lida com situações e problemas mais específicos e limitados. Usando uma imagem para clarificar o conceito,

você pode pensar que a relação entre direitos humanos e direito humanitário como dado por círculos

concêntricos, onde os direitos humanos mais amplos inclui totalmente em círculo menor o direito bélico. Esta

teoria não parece estar à luz do conteúdo normativo, portanto de forma diferente dos dois setores: não é correto

argumentar que todas as regras da lei de guerra, incluindo, portanto, objeto, meios e métodos de combate,

pertencem à categoria mais ampla do ensino de Direitos Humanos Internacional. Finalmente, uma terceira teoria,

chamada de "complementarista" compartilhada pela maioria da doutrina, embora reconhecendo as diferenças

entre as duas áreas distintas de direito internacional público, ele encontra os links e a possibilidade de aplicação

conjunta e complementar, mais uma vez recorrer a uma imagem, aqui temos de considerar dois círculos distintos

que apenas se sobrepõem parcialmente. Diversas razões parecem se inclinar a favor da teoria

"complementarista". Primeiro, do ponto de vista histórico, você pode encontrar no c.d "Cláusula Martens", uma

espécie de denominador comum entre direitos humanos e direito humanitário, nomeadamente para proteger em

qualquer situação de direitos humanos. A cláusula, que leva o nome do diplomata russo, que propôs a inserir a

fórmula no preâmbulo da Convenção de Haia sobre as leis e costumes da guerra em terra (1899), afirma que não

as populações e os beligerantes, por essas situações regidas pelo direito, permanecem em qualquer caso, "sob a

proteção e sob o império dos princípios do direito internacional, tal como resultam dos usos estabelecidos entre

as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e das exigências da consciência pública".

30

além das possíveis fusões entre fontes de direito interno e internacionais (tratados,

pactos, convenções, jurisprudência internacional) (PIOVESAN; 2011, p. 68).

Para que o indivíduo fosse reconhecido como sujeito de direito

internacional, foi necessário o rompimento de diversas barreiras. Através de

evolução gradual, aos poucos, minou a ideia de que um indivíduo só existe para um

mundo jurídico se for um sujeito pertencente a um Estado e ainda, de que a

titularidade destes direitos apenas se opera através do Estado do qual faz parte

(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).

Assim, nesta concepção, o indivíduo não se insere diretamente na

comunidade internacional, mas, insere-se sim, primeiramente, em um Estado e

como parte dele, em seu próprio mundo jurídico, ostentando a investidura de direitos

conforme o status que o direito interno de seu Estado reconhece (CANÇADO

TRINDADE; 1991, p. 25-33).

Alega-se que tal assertiva é verdadeira, mesmo quando uma

jurisdição internacional confere acesso direto ao indivíduo lesionado em seus

direitos. Há dois princípios fundamentais: primeiro, que a lesão configure violação de

obrigação internacional assumida pelo Estado e, segundo, que antes de a instância

internacional ser acionada, tenham-se esgotadas todas as vias jurídicas internas

(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).

A regra do esgotamento dos recursos internos deve ser considerada

como uma oportunidade dada aos Estados pelo direito internacional de reparar a

violação de direito causada à vítima. No entanto, esta regra não pode ser usada de

má-fé pelos Estados, impedindo que a vítima tenha acesso à jurisdição

internacional. Sendo que para o exercício das petições de indivíduos, o vínculo

exigido, ao invés do que pertence a nacionalidade, é antes o da relação entre o

31

reclamante e o dano ou violação dos direitos humanos que este denuncia

(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).

No âmbito do sistema interamericano de proteção de direitos

humanos admitem-se exceções ao princípio do esgotamento dos recursos internos

especificados no Art. 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentre tais

exceções, está a demora injustificada do atendimento a tais recursos. Desta forma,

verifica-se que a Convenção Americana é sensível ao problema da demora das

soluções para as questões envolvendo violações a direitos humanos, que por sua

vez podem tornar ineficazes ações que venham tentar reparar o dano sofrido pelo

decurso do tempo.

De outro lado, ainda, encontram-se as reservas impostas pelos

países signatários de Convenções que impedem que seja ampliado o leque de

proteção. São medidas restritivas feitas pelos Estados que limitam o alcance das

garantias expressas nas determinadas convenções.

A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, em seu

parágrafo 26, encoraja os Estados a evitarem, tanto quanto possível, a formulação

de reservas aos instrumentos de proteção dos direitos humanos. Em seu parágrafo

5°, recomenda aos Estados que considerem a possibilidade de limitar o alcance de

quaisquer reservas que, porventura, tenham adotado em relação a instrumentos

internacionais de direitos humanos, bem como orienta os Estados a formular tais

reservas da forma mais precisa e estrita possível, de modo a que não adotem

reservas incompatíveis com o objeto e propósito do tratado em questão e que ainda,

reconsiderem regularmente tais reservas com vistas a eliminá-las.

Uma das reservas impostas pelo Estado brasileiro diz respeito às

visitas in loco, previstas pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos

32

termos dos arts. 43 e 48, ‖d‖, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O

que o Brasil alega é que tais visitas dependem do expresso consentimento do

Estado brasileiro. Deste modo, o Brasil buscou evitar que a Comissão tenha o direito

automático de efetuar visitas ou inspeções, isto no âmbito regional (PIOVESAN;

2011, p. 362).

Diferentemente da reserva da visita em loco, o Brasil, reconheceu a

competência do Comitê de Direitos Humanos6, no âmbito mundial, para receber e

apreciar comunicações individuais que tratam de denúncias de violação de direitos

previstas no Pacto, pois ratificou o Protocolo Facultativo relativo ao Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos em 25 de setembro de 2009 (PIOVESAN;

2011, p. 362).

No âmbito regional, o Brasil não habilitou a Comissão

Interamericana ao examinar comunicações entre Estados-Partes. Entende-se que,

deste modo, o Brasil restringe o alcance de uma das funções principais da Comissão

Interamericana: justamente aquela que diz respeito às missões especiais de caráter

humanitário que poderiam ajudar a coibir práticas constantes de desrespeito a

direitos humanos.

O Estado brasileiro, quanto às petições individuais, conquistou os

seguintes avanços: a) acolheu a cláusula facultativa das petições quando ratificou a

Convenção sobre Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher

em 28/06/2002; b) acolheu a cláusula facultativa das petições em relação à

Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial em

6 O Conselho de Direitos Humanos, estabelecido pela Assembleia Geral em 15 de março de 2006, e respondendo

diretamente a ela, substituiu a Comissão sobre os Direitos Humanos da ONU, que existiu por 60 anos, como o

órgão intergovernamental responsável pelos direitos humanos. Os indivíduos que tiveram seus direitos violados

podem fazer denúncias diretamente aos Comitês de direitos humanos. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-

onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos/. Acesso em 06/04/2012.

33

17/06/2002; c) acolheu a cláusula facultativa das petições quanto à Convenção

contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes

em 26/06/2006 (PIOVESAN; 2011: p. 362 e 363).

Contudo, compreende-se que certas precauções não poderiam

deixar de ser tomadas, a exemplo das condições de admissibilidade de

reclamações, a fim de evitar abusos do direito de petição e assegurar sua

compatibilidade com as Convenções Internacionais.

Na realidade necessitam conviver harmonicamente diversos

instrumentos legais de âmbito internacional, regional e de direito interno. Além disso,

ainda existem os tratados e instrumentos gerais de direitos humanos e também os

tratados e instrumentos especializados, voltados a aspectos mais específicos de sua

proteção, também em nível global e regional.

Com a multiplicidade de procedimentos internacionais de proteção,

se faz necessária a sua busca, para se evitar o conflito de jurisdição, evitando a

duplicação de procedimentos e a interpretação conflitiva de instrumentos

internacionais coexistentes. Dentre as maneiras discutidas, há a coordenação do

sistema de relatórios das Nações Unidas, através de sua padronização e, ainda, a

coordenação do sistema de investigações também da ONU, que pode facilitar o

intercâmbio regular de informações e as consultas entre os órgãos de proteção.

(PIOVESAN; 2011, p. 360).

Deste modo, ao dificultar o trabalho da Comissão Interamericana

impondo restrições às visitas in loco, o Brasil se coloca na contramão desta

tendência. Em última análise, torna custosa a obtenção de informações que seriam

necessárias para salvaguardar as garantias previstas na Convenção em que o Brasil

34

é signatário e ainda torná-las visível aos olhos da comunidade internacional

(PIOVESAN; 2011, p. 360).

Existem várias expressões utilizadas para designar direitos

humanos, tais como direitos naturais, direitos públicos subjetivos, liberdades

fundamentais, liberdades públicas, direitos individuais, direitos fundamentais do

homem e direitos humanos fundamentais, de forma que são tratados, inclusive por

muitos autores, como sinônimos de direitos fundamentais. Todas estas expressões

são análogas, suscetíveis de inúmeros sentidos que guardam semelhanças entre si,

mas cada uma com seu próprio significado.

Os direitos humanos nascem na condição de reivindicações morais,

que foram surgindo aos poucos, com o passar dos anos através de lutas e ações

sociais. Vários autores definem direitos humanos de diferentes formas. E entre eles

podemos citar Hannah Arendt que entende que os direitos humanos não são um

dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de

construção e reconstrução (PIOVESAN; 2011: p.32).

Para Joaquim Herrera Flores, os direitos humanos compõem uma

racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abram e

consolidem espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, neste sentido, uma

plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana (PIOVESAN;

2011: p.31).

Os direitos humanos são as cláusulas básicas, superiores e

supremas que todo indivíduo deve possuir na sociedade em que está inserido.

Construído em longo prazo, elege os bens jurídicos mais relevantes, dando início às

reivindicações morais e políticas que todo ser humano almeja perante a sociedade e

o governo. Neste sentido, esses direitos dão ensejo a um especial conjunto de

35

direitos subjetivos públicos7 que, em cada momento histórico, concretiza as

exigências de liberdade humanas, igualdade e dignidade, categorias estas

reconhecida positivamente pelos sistemas jurídicos no plano nacional e internacional

(SIQUEIRA JÚNIOR; OLIVEIRA; 2009: p. 30).

Assim podemos dizer que direitos humanos são aqueles válidos

para todos os povos em todos os tempos e épocas, constituindo-se através das

cláusulas mínimas que o homem deve possuir, em face da sociedade em que está

inserido.

Quando os direitos humanos são reconhecidos pelo Estado eles são

denominados de direitos fundamentais, uma vez que, via de regra, passam a ser

inseridos na norma fundamental do Estado, a Constituição, e vigente no sistema

jurídico concreto, sendo limitados no tempo e no espaço.

Pode-se afirmar que, do ponto de vista histórico e, portanto,

empírico, os direitos fundamentais decorrem dos direitos humanos, correspondendo

a uma manifestação positiva do direito. O que se observa é que há uma verdadeira

confusão, na prática, entre os dois conceitos. Saliente-se, entretanto, que os direitos

humanos se colocam num plano ideológico e político.

7 “Direitos públicos subjetivos surgiram dentro da concepção liberal do Estado como uma alternativa técnica a

noção de direitos naturais, sendo utilizados para indicar a posição jurídica do cidadão em relação ao Estado.

García de Enterría distingue dois tipos de direitos públicos subjetivos: 1) típicos ou ativos: são os que

incorporam pretensões ativas do cidadão perante o Estado, abrangendo as prestações de que ele precisa para o

desenvolvimento pleno de sua existência individual e identificando-se com os atuais direitos econômicos, sociais

e culturais; 2) racionais ou impugnatórios: surgem para defender a esfera vital do particular perante qualquer

atividade estatal ilegal, assistindo-lhe o direito subjetivo de público da paralisação do dano e do restabelecimento

da situação anterior e correspondendo aos atuais direitos individuais”; ENTERRÍA, Eduardo García de. Sobre

los derechos públicos subjetivos. Madri: Redá, 1975, p. 445. Apud Siqueira Junior; Oliveira; 2009: p. 30.

36

1.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

A construção moderna dos Direitos Humanos, propiciada pela

cumulação de tratados internacionais e pelo aprimoramento dos mecanismos de

monitoramento e promoção, implicou no surgimento de características próprias que

iluminam sua compreensão, direcionando a interpretação de suas normas no sentido

de sua máxima eficácia8.

8 Para MAZZUOLI (2009: p.739-740), as principais características dos direitos humanos são: a) Historicidade:

os direitos humanos são construídos ao logo do tempo, isto é, são históricos, sendo que, passaram a se

desenvolver no plano internacional a partir de 1945 com o nascimento das Organizações das Nações Unidas e

com o fim da Segunda Guerra. b) Universalidade: basta ter a condição de “ser humano” para ter direitos de

invocar os direitos humanos, isto é, toda pessoa é titular de direitos humanos, seja no plano interno ou

internacional, independente de cor, raça, sexo, religião, condição econômica, social ou cultural. Esta

universalização, entretanto, deve ser limitada a determinados campos, como observam alguns doutrinadores,

para quem essa universalidade não se aplicaria aos direitos sociais e nem mesmo aos direitos políticos, sendo

válida apenas no caso das liberdades negativas8. Realmente, ao se retornar à formulação da universalidade

contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e direitos...”), verifica-se que o modelo com o qual se trabalha é o do liberalismo, para o qual o sentido

da igualdade consistia na uniforme abstenção do Estado diante da esfera individual de todo e cada ser humano,

aqui desprovido de um sentido concreto da existência, tido como mera formulação racional genérica e abstrata.

Para que se obtenha esta efetividade, é necessário que os meios voltados à sua obtenção estejam adequados às

realidades sociais, culturais e econômicas das sociedades que buscam a efetivação do seu exercício, ou seja, a

universalização, antes de ser fórmula pronta a ser aplicada, é objetivo geral maior que deve adequar-se à

realidade local. A universalidade dos direitos sociais pode ser entendida no contexto mais amplo da dignidade

humana, a que toda pessoa tem direito. Desta forma, ainda que aqueles direitos digam respeito somente a certos

grupos sociais, isso se deve ao fato de se almejar a garantia efetiva, e para todas as pessoas, de um nível de vida

condizente com aquele princípio moral universal. Em consequência, a promoção dos direitos econômicos,

sociais e culturais, com a adoção de políticas voltadas a determinados setores da sociedade – atualmente

denominados “grupos vulneráveis” - é condição necessária para o respeito pleno da universalidade dos Direitos

Humanos, os quais não se realizam integralmente sem a adoção das medidas previstas nos documentos que

compõe o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Não há mais como pensar em respeito aos direitos

humanos sem que o Estado tome as providências que lhe compete, em vista a assegurar a elevação das condições

de vida ao que se convencionou chamar de padrão mínimo de dignidade humana. c) Essencialidade: os direitos

humanos são essenciais ao ser humano sob um duplo aspecto: 1) aspecto material: são essenciais porque

privilegia o ser humano como fonte do direito; 2) aspecto formal: quer dizer que os direitos humanos, por serem

essenciais têm especial posição normativa dentro do sistema jurídico brasileiro (é tratado logo no início da

Constituição). Isso não ocorria na Constituição de 1967 e na Emenda n.º 01/69 que tratavam de forma bem

sucinta dos mesmos direitos nos artigos mais distantes do seu texto. Assim, a CF/88 inverteu os valores das

constituições passadas. d) Irrenunciabilidade: os direitos humanos não são passíveis de renúncia, isto quer dizer

que mesmo a autorização do seu titular não justifica ou convalida qualquer violação do seu conteúdo. e)

Inalienabilidade: os direitos humanos são inalienáveis, não é possível sua transferência, seja a titulo gratuito ou

oneroso, isto é, não permitem sua desinvestidura por parte de seu titular, a outrem. f) Inexauribilidade: os direitos

humanos são inexauríveis no sentido de que podem sempre se expandir, serem acrescidos de novos direitos, a

qualquer tempo, isto é, qualquer tratado ou documento que verse sobre direitos humanos e os dite num rol, será

meramente exemplificativo, nunca taxativo, conforme disposto no Art. 5º, §2º da Constituição Federal Brasileira

de 1988, quando preceitua que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte” [grifo nosso]. g) Imprescritibilidade: os direitos humanos não se perdem pelo

decurso do tempo, podem ser a qualquer tempo vindicados, salvo as limitações expressamente expostas nos

37

As características dos direitos humanos elencadas neste subitem não

se exaurem em si mesmas. Surgem outras decorrentes das necessidades que se

apresentam de tempo em tempo, principalmente considerando as mudanças que

ocorrem na própria sociedade.

Apesar dessa consolidação dos conceitos, essas características

nunca foram consideradas um rol que se fecha em si mesmo, sem permitir o

acréscimo de outras. Há sempre uma abertura à convergência de outros aspectos

que caracterizem cada uma delas.

tratados internacionais que preveem procedimentos em cortes ou instâncias internacionais. h) Vedação do

Retrocesso: os Estados não podem deixar de proteger os direitos humanos, pelo contrário, devem proteger cada

dia mais, sempre agregando algo de novo e melhor ao ser humano. 8 Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/Congresso/xtese3.htm. Tese do

Procurador do Estado de São Paulo Carlos Weis, membro e primeiro coordenador do Grupo de Trabalho de

Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Acesso em 01/06/2011.

38

2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

No presente item, serão estudadas as principais fontes que orientam

e servem de sustentáculo para o Direito Internacional Humanitário. Dentre elas,

merecem destaque os princípios do Direito Internacional Humanitário, os Direitos de

Haia, de Genebra e o de Nova Iorque.

2.1. PRINCÍPIOS

Os princípios9 fundamentais que norteiam o Direito Internacional

Humanitário foram originados a partir de tratados, costumes e princípios gerais do

direito. Dentre eles, merecem destaques: humanidade, necessidade e

proporcionalidade.

a) O Princípio da Humanidade

O princípio da humanidade pode ser definido, segundo BORGES

(2006, p.19) como o princípio responsável pelo desenvolvimento do Direito

Internacional Humanitário, e é dele que se originam os outros princípios. Este

princípio destaca a prevalência da dignidade da pessoa humana,

independentemente das circunstâncias.

9 Conforme Dicionário Jurídico: Princípios são grandes preceitos abstratos que são chamados a integrar o direito

positivo em caso de lacuna, ou seja, quando para o caso concreto não há regra ou norma estabelecida. (1991,

p.441)

39

b) O Princípio da Necessidade

O princípio da necessidade é aquele que ampara os civis de ataque

e retaliações pelas partes conflitantes, através de determinações que prescrevem

que os cidadãos não podem ser utilizados como alvos de forma indiscriminada nos

conflitos beligerantes.

BORGES explica que ―uma vez que o princípio da necessidade

determina que os ataques dos beligerantes devem ater-se a uma finalidade militar

específica, sua aplicação tem de ser feita, portanto, de maneira restritiva‖. (2006,

p.19).

c) O Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade prescreve que nenhum alvo militar

deve ser agredido se os resultados que se almejam com a operação forem menores

que os danos acarretados.

Sobre o tema, BORGES salienta:

Desse princípio decorre uma série de limitações à condução das hostilidades entre os beligerantes, uma vez que a base para qualquer decisão de ataque proporcional é a constante preocupação em se poupar a população e os bens de caráter civil. (2006, p.20).

Ressalta-se, ainda, que o princípio da proporcionalidade possui

aplicabilidade em todo o tipo de conflitos armados, independentemente de seus

objetivos.

40

2.2. OS DIREITOS DE HAIA, GENEBRA E NOVA IORQUE

Além dos princípios, existem três fontes principais que sustentam o

Direito Internacional Humanitário. Estas fontes são conhecidas como os Direitos de

Haia, Genebra e Nova Iorque.

a) O Direito de Haia

O Direito de Haia “[...] tem a finalidade de regulamentar a condução

das hostilidades entre os beligerantes [...].” (BORGES, 2006, p.23). O Direito de

Haia é fruto da junção de duas normas que já existiam: o Código de Lieber, de 1863

10 e a Declaração de São Petersburgo de 1868.

Sobre o tema, BORGES ensina:

A finalidade primordial dessas normas era limitar o sofrimento das pessoas, envolvidas em um conflito por meio de uma regulamentação de como as forças combatentes deveriam conduzir suas ações, limitando ou proibindo certos meios e métodos de guerra (2006, p.14).

Com o escopo de estabelecer métodos que causassem óbice à

execução de conflitos beligerantes, fora realizada no ano de 1899 uma Conferência

Internacional, a I Conferência de Paz de Haia, que contou com a presença de 10

Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), o presidente dos Estados Unidos da América (do Norte na

guerra), emitiu em 1863, em Washington, uma ordem famosa intitulada "Instruções para o Governo das Forças

Armadas dos EUA". O texto foi preparado por Francis Lieber, um advogado internacional de origem alemã que

emigrou para os Estados Unidos. As Instruções (ou Código Lieber, como muitas vezes são chamados) fornecem

regras detalhadas sobre todos os aspectos da guerra terrestre, a partir da condução da guerra e o tratamento de

civis, até o tratamento que devem receber as categorias específicas de pessoas, como prisioneiros de guerra,

ferido e atiradores. KALSHOVEN, Frits; ZEGVELD, Liesbeth. Restricciones en la Conducción de la Guerra:

Introducción al derecho internacional humanitário. 2.ed. Buenos Aires, 2003; p. 22-23)

41

delegados de vinte e seis Estados. A despeito de os membros e fundadores terem

consciência da impossibilidade de coibir os conflitos armados, a conferência buscou

discutir “acerca de uma série de propostas relativas à regulamentação da condução

das ações das forças armadas estatais em conflito‖ (BORGES, 2006, p.24).

No ano de 1907, realizou-se a II Conferência de Paz de Haia. Tal

conferência teve a participação de quarenta e quatro nações que almejavam a paz.

Todavia, esse objetivo não foi totalmente alcançado, porquanto, poucos anos

depois, houve a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Nos períodos subsequentes à Guerra, o Direito de Haia conquistou

importância fundamental. Dentre as conquistas, destaca-se a regulamentação da

guerra marítima e aérea, que não podem mais utilizar-se de armas químicas e

tóxicas.

b) O Direito de Genebra

As atividades realizadas por Henry Dunant podem ser avaliadas

como idealizadoras para o surgimento do Direito de Genebra. Dunant escreveu o

livro ―Memórias de Solferino‖, relatando os horrores presenciados, após vivenciar os

flagelos deixados pelo conflito armado em razão da Segunda Guerra da

Independência Italiana, ocorrido em 21/06/1859, ao norte da Península Itálica, entre

a Áustria e a França que saiu vencedora, resultando em grande número de feridos,

além de lhes prestar ajuda. Ele recomenda duas ações indispensáveis para suavizar

a dor e o sofrimento dos soldados e combatentes feridos: a) a criação de sociedades

de socorro privadas em cada país, que segundo KALSHOVEN E ZEGVELD (2003;

p.21–41), teriam o desígnio de colaborar com os serviços sanitários militares; b) a

42

aceitação de um tratado que legitimasse esta atividade e facilitasse o desempenho

dessas organizações.

Nessa conjuntura, no ano de 1864, realizou-se uma convenção em

Genebra, na Suíça, que tinha o propósito de proteger os militares feridos nas

guerras.

Segundo BORGES, as principais medidas da Convenção de

Genebra de 1864 foram:

[...] o reconhecimento de neutralidade das ambulâncias e hospitais militares; a proibição da prisão do pessoal médico ou de ataque contra ele, o qual, enquanto exercer suas funções será considerado neutro; o recolhimento e a medicação dos militares feridos e enfermos independentemente de sua nacionalidade; e a imposição de que as ambulâncias tenham um sinal distintivo caracterizado por uma cruz vermelha sobre um fundo branco (2006, p.28).

No ano de 1929, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha

organizou outra convenção, após a lamentável carnificina ocorrida na Primeira

Guerra Mundial, com o fito de garantir maior amparo aos atingidos pelos conflitos de

guerra.

Em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, realizou-se nova

reunião em Genebra, que buscou revisar as normas até então vigentes. Desta

reunião, foram criadas as quatro Convenções de Genebra.

Sobre as Convenções de Genebra, BORGES leciona:

A primeira relativa à proteção dos feridos e enfermos; a segunda, quanto aos náufragos, feridos e enfermos no mar; a terceira, relativa aos prisioneiros de guerra; e a quarta, consagrando proteção aos civis em tempo de guerra. (2006, p.28).

43

Com o desígnio de preencher as lacunas deixadas pelas

Convenções de Genebra, foram ainda anexados dois Protocolos Adicionais no ano

de 1977.

Conforme ensinamento de KALSHOVEN E ZEGVELD:

Esse desenvolvimento acelerado culminou finalmente na Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável nos conflitos armados, realizado em 1974 em Genebra, organizada pelo Governo suíço. Em quatro sessões por ano e com base em um número de projetos apresentados pelo CICV, a Conferência estabeleceu o texto dos Tratados chamados Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra de 1949. Protocolo I trata da proteção de vítimas de conflitos armados internacionais e II Protocolo para a Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados não Internacionais

11. Ambos são uma combinação de

Direito de Haia e de Genebra lei, com elementos importantes dos direitos humanos. (2003; p.38–39).

c) O Direito de Nova Iorque

Segundo BORGES (2006, p.30), O Direito de Nova Iorque é

resultado dos esforços da Organização das Nações Unidas para a divulgação do

Direito Internacional Humanitário.

Inicialmente, a ONU não demonstrou muito interesse, porquanto se

acreditava que este ramo do direito ia contra a manutenção da paz, pois o Direito

Internacional Humanitário possui o desígnio de regulamentar as guerras. Desta

11

Protocolo I: adotado em 8 de junho de 1977 pela Conferência diplomática sobre a reafirmação e

desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável a conflitos armados. Entrou em vigor em 7 de

dezembro de 1979. Concerne à proteção das vítimas de conflitos armados internacionais, considerando que

conflitos armados contra a dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas devem ser considerados

como conflitos internacionais. Até 12 de janeiro de 2007, havia sido ratificado por 167 países dos 188

participantes das Convenções de Genebra de 1949. Dentre os países que não ratificaram o protocolo, estão:

Estados Unidos, Israel, Irã, Paquistão, Afeganistão e Iraque. Protocolo II: também adotado em 8 de Junho de

1977 pela mesma Conferência, passou igualmente a vigorar a partir de 7 de dezembro de 1979. Refere-se à

proteção das vítimas durante conflitos armados não internacionais (guerras civis). Até 12 de janeiro de 2007,

tinha sido ratificado por 163 países. Entre os que não ratificaram o protocolo, os mais notáveis são Estados

Unidos, Israel, Irã, Paquistão, Afeganistão e Iraque, embora, em 12 de dezembro de 1977, os Estados Unidos, o

Irã e o Paquistão tenham manifestado a intenção de ratificá-lo. Fonte:

http://www.icrc.org/ihl.nsf/INTRO/470?OpenDocument

44

forma, entedia a ONU que se caminhava em sentido contrário ao que se propugnava

a Organização.

Todavia, em 1968, com a Conferência de Teerã12, a Organização

das Nações Unidas obteve maior interesse pelo Direito Internacional Humanitário e

passou a buscar garantias para a maior efetividade na aplicação das normas e

convenções internacionais humanitárias presentes nos conflitos armados, segundo

BORGES (2006, p.56).

KALSHOVEN E ZEGVELD complementam:

Perante a aprovação da resolução 2444, as atividades da ONU em relação ao desenvolvimento do direito aplicável nos conflitos armados se dividiram em duas categorias completamente distintas. Por um lado, em uma série de informes anuais [...] Por outro lado, em repetidas ocasiões, a Assembleia Geral e suas diversas comissões debateram e aprovaram resoluções sobre questões específicas bem definidas, em particular, a proteção das mulheres e das crianças, a situação dos jornalistas e a condição dos combatentes para a liberação nas guerras de liberação nacional (2003, p.35).

Ainda de acordo com estes autores (Kalshoven e Zegveld), nessa

conjuntura, é importante destacar que a atuação da ONU foi muito importante, pois

foi idealizada a inserção do assunto na agenda desta Organização, além da eleição

da necessidade de abrigo dos direitos fundamentais da pessoa humana, foram

12

De acordo com a Resolução n. 2.081 (XX), de 20 de dezembro de 1965, pela qual a Assembleia Geral das

Nações Unidas convocou a Conferência Internacional dentro da programação do “Ano Internacional dos Direitos

Humanos” – conforme 1968 havia sido designado para marcar o vigésimo aniversário da Declaração Universal

(A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia

Geral, reunida em Paris, em 10 de dezembro de 1948. A designação de 1968 como “Ano Internacional dos

Direitos Humanos” foi feita pela Resolução n. 1.961 (XVIII), adotada pela Assembleia Geral, em Nova York,

em 12 de dezembro de 1963) –, os objetivos do encontro seriam de: a) rever os progressos realizados desde a

adoção da Declaração Universal; b) avaliar a eficácia dos métodos utilizados pelas Nações Unidas no campo dos

direitos humanos, especialmente com respeito à eliminação de todas as formas de discriminação racial e as

práticas da política de apartheid; c) formular um programa de medidas a serem tomadas na seqüência das

celebrações do Ano Internacional dos Direitos Humanos. Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/Revista%20PGE%2053.pdf, acessado em 04/03/2012.

45

consignadas questões particulares e controversas, como aquelas relativas aos

combatentes de guerrilha e movimentos de libertação nacional (2003, p.35-36).

Destaca-se que essas três correntes que compõem as fontes do

Direito Internacional Humanitário convergem entre si cada vez mais no que enseja à

complementação de suas deliberações.

Nesse sentido, BORGES explica:

[...] dando início à criação de um único corpo de normas jurídicas que engloba as disposições de proteção das vítimas de conflitos, as regras de limitação aos meios e métodos de combate, e a proteção internacional dos direitos humanos nos conflitos armados (2006, p.32)

Com a celebração da Conferência Diplomática sobre a

Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável em

Conflitos Armados, realizada entre 1974 e 1977, em Genebra, foram adotados os

Protocolos Adicionais que podem ser, segundo BORGES, considerados como uma

união do direito de Haia e do direito de Genebra. A partir da adoção desses

Protocolos, essas duas correntes do Direito Internacional Humanitário tornam-se

praticamente uma só, possuindo apenas distinção histórica (2006, p.58).

2.3. APLICABILIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

O Direito Internacional Humanitário possui aplicabilidade nos

conflitos armados internacionais e internos. Os conflitos internacionais podem ser

definidos como:

[...] todos os casos de guerra declarada ou de qualquer outro conflito armado o qual pode acordar entre duas ou mais das Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra não seja reconhecido por uma delas (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.88).

46

De acordo com os mesmos autores, os conflitos internacionais

também podem agregar os casos de: ocupação total ou parcial de território alheio,

ou seja, de outro Estado-Nação, mesmo realizado sem resistência, bem como as

guerras para libertação nacional – guerras contra dominação colonial e contra

regimes racistas (1999, p.88).

Quanto aos conflitos não-internacionais, ou seja, internos, não há

uma definição muito clara sobre o tema e podem ser igualmente denominados de

guerra civil. De acordo com a Conferência Diplomática de 1974-1977, ficou

estabelecido que as normas do Direito Internacional Humanitário se aplicariam aos

casos anteriormente descritos e em situações nas quais os conflitos armados

acontecessem:

SASSÒLI e BOUVIER elucidam que tais normais se aplicam

também:

No território de uma das Altas Partes Contratantes entre as forças armadas e forças armadas dissidentes, ou outros grupos armados organizados, os quais, sob comando responsável, exercem controle sobre uma parte do território [...] (1999; p.89).

Ainda de acordo com os mesmos autores, o Direito Internacional

Humanitário não se aplica em casos de tensões e violência interna ou situações de

perturbação, tais quais: baderna, tumulto, greves, manifestações, atos de violência

isolados e esporádicos e, ainda, outros atos de natureza semelhante, visto que não

se enquadram como conflitos armados. (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.89)

Os referidos autores ainda ensinam que:

47

Teoricamente, deve-se estudar, interpretar e aplicar o Direito Internacional Humanitário de conflitos armados internacionais e o Direito Internacional Humanitário de conflitos armados não internacionais como duas ramificações separadas da lei [...] Além disso, conflitos armados não internacionais ocorrem hoje em dia com muito mais frequência e conferem mais sofrimento que conflitos armados internacionais (1999, p.202).

SASSÒLI e BOUVIER, afirmam ainda que em relação à aplicação

temporal do Direito Internacional Humanitário:

[...] O Direito Internacional Humanitário começa a ser aplicado assim que um conflito armado aparece, assim que a primeira pessoa é afetada pelo conflito, a primeira porção de território ocupada, o primeiro ataque iniciado, etc. (1999, p. 203).

Em relação ao final da aplicação do Direito Internacional Humanitário

em um determinado território, pode-se assegurar que é muito difícil definir

exatamente este momento, dependendo muito do caso em específico e das

consequências provocadas naquele lugar.

Cabe destacar que, segundo BORGES, o Art. 1º do Protocolo II, de

1977, adicional as Convenções de Genebra de 1949, caracteriza a atuação temporal

do Direito Internacional Humanitário em conflitos internos:

Nos casos de guerra civil, exige-se um nível de intensidade mínimo das hostilidades para que haja a necessidade de aplicação das normas de Direito Internacional Humanitário, assim como algumas características materiais, que determinam que aquela situação seja, efetivamente, um conflito interno, com certa organização do grupo dissidente, presença de um comandante responsável, controle sobre uma parte do território, etc. (2006, p.49)

As normas humanitárias não se aplicam somente durante um conflito

armado, mas também após o seu término, bem como em tempo de paz. Com a

conclusão de uma luta armada, muitos indivíduos continuam sofrendo as

consequências da violência gerada pela guerra e permanecem nesse estado sob a

48

égide do Direito Internacional Humanitário, como pessoas que ainda não foram

repatriadas ou que não obtiveram libertação definitiva, como o caso de refugiados

(BORGES; 2006, p.50).

Obviamente, que nem sempre os refugiados são pessoas que se

encontram presas, servindo apenas como exemplo no caso acima, pois refugiados

são aquelas pessoas que são forçadas a fugirem de seus países, individualmente ou

parte de evasão em massa, devido a questões políticas, religiosas, militares ou

quaisquer outros problemas. Como definido na Convenção Relativa ao Estatuto dos

Refugiados das Nações Unidas de 1951, um refugiado é toda pessoa que:

Devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer à proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em conseqüência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira a ele regressar

13.

O Direito Internacional Humanitário também possui aplicação

permanente, a saber, suas normas devem estar sendo sempre ensinadas e

divulgadas. As partes de um conflito e os comandantes dos exércitos e de grupos

armados devem passar instruções para os combatentes relativas ao respeito e ao

uso das normas humanitárias (BORGES; 2006, p.51).

No âmbito de aplicação geográfica, o Direito Internacional

Humanitário: ―... se estende por todos os locais alcançados pelas atividades

beligerantes, sejam elas, frise-se, de preparação ou concretização dos atos hostis.‖

O autor afirma que, segundo o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia,

os prisioneiros de guerra, que são combatentes em poder do inimigo também são

protegidos pelo Direito Internacional Humanitário, mesmo estando em localidades

vizinhas às hostilidades (BORGES, 2006, p.55).

13

Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas de 1951. obra citada. p. 1033.

49

BORGES ressalta sobre a aplicabilidade geográfica do Direito

Internacional Humanitário:

Assim, percebe-se que sua aplicabilidade espacial não se relaciona com a exata localização da pessoa afetada no território do Estado beligerante, sendo o Direito Internacional Humanitário, portanto, aplicado em todo o território do Estado em conflito, e não somente no contexto geográfico estreito do atual teatro de operações de combate (2006, p.57).

As leis humanitárias se aplicam também na esfera pessoal, em

relação às vítimas e combatentes de conflitos armados, bem como, aos Estados,

Organizações Internacionais, grupos armados e movimentos de libertação nacional.

De acordo com BORGES (2006, p.60) ―Não há a menor dúvida de

que o Estado é a entidade central ou o principal sujeito ativo das normas do direito

humanitário.‖ Ele também é responsável pelas forças armadas, sendo sua obrigação

garantir a aplicação e a efetividade das normas do Direito Internacional Humanitário.

Outro segmento passível de aplicação do Direito Internacional

Humanitário são os grupos armados em conflito interno, que devem respeitar as

normas do direito humanitário, bem como os movimentos de libertação nacional que

reafirmam o direito de autodeterminação dos povos que lutam contra as potências

coloniais.

Como já foi mencionado, o Direito Internacional Humanitário é

aplicado na esfera pessoal, de forma a proteger os seres humanos envolvidos ou

afetados por conflitos armados. Nesse caso, é possível ressaltar que existem

algumas distinções, como é o caso dos civis e dos combatentes.

Os civis podem ser caracterizados como todos aqueles que não são

combatentes. Eles não tomam parte direta nas hostilidades e nem possuem esse

50

direito, ao contrário dos combatentes, que devem participar diretamente dos

conflitos, porém sempre observando o Direito Internacional Humanitário. (SASSÒLI;

BOUVIER, 1999. p.150 a 160).

A população civil tem o direito de proteção, pois ela não participa do

conflito, ao passo que os combatentes são protegidos quando não mais participam

das forças armadas, seja por terem caído em poder do inimigo ou por estarem

feridos, doentes ou naufragados. (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a 160).

Nesta linha, BORGES ensina:

Os primeiros indivíduos objeto de preocupação do Direito Internacional Humanitário foram os feridos e enfermos que, também como os náufragos, constituem um grupo de pessoas que não mais tomam parte nas hostilidades e, portanto, não devem ser atacadas. Com a finalidade de proteger esse grupo e lhe prestar auxílio necessário, as Convenções de Genebra estenderam igualmente ao pessoal sanitário e religioso. [...] Por fim, como estabelecido pelo próprio Comitê Internacional da Cruz Vermelha, os civis constituem a imensa maioria das vítimas dos conflitos armados, mesmo tendo o Direito Internacional Humanitário estipulado expressamente que ataques só podem ser efetivados contra os combatentes da parte inimiga e contra os objetivos militares (2006, p.66).

O Direito Internacional Humanitário também possui recomendações

no tratamento de prisioneiros de guerra, na sua repatriação, quanto à proteção dos

náufragos, feridos e doentes, em relação aos bens e objetos médicos, às zonas de

neutralidade, aos mortos e perdidos, entre outros.

Segundo SASSÒLI e BOUVIER (1999, p.150 a 160) os civis têm se

tornado o grupo mais atingido pelos conflitos armados. De acordo com o Direito

Internacional Humanitário, os ataques deveriam ser somente contra combatentes e

alvos militares, o que não tem sido respeitado. Existem leis específicas aplicáveis às

organizações de assistência e socorro, mulheres, crianças, jornalistas, etc.

Como exemplo, temos as Convenções de Genebra de 1949 assim

como seus Protocolos Adicionais de 1977, que foram elaboradas para oferecer

51

proteção àquelas pessoas que não tomam parte no conflito. O Primeiro Protocolo

Adicional se aplica à conduta baseadas no sexo. Os dispositivos relativos a não-

discriminação são devidos a proteção de mulheres civis durante um Conflito

Armado. As mulheres civis que não participam nas hostilidades têm a proteção do

Direito Internacional Humanitário. O Art. 3º comum às quatro Convenções de

Genebra e o Segundo Protocolo Adicional nos Art. 4º e 5º, estabelecem garantias. O

Direito Internacional Humanitário proíbe qualquer ataque à honra da mulher,

incluindo estupro, prostituição forçada ou qualquer outro tipo de atentado ao pudor

(CG IV, Art. 27, 1º P, Art. 75 e 76; 2º P, Art. 4º) (ROVER: 2005; p.333).

Outro exemplo que temos é em relação à medida protetiva do Art. 38

da Convenção sobre os Direitos da Criança, onde os Estados-Partes devem

respeitar as normas de Direito Internacional Humanitário nas situações de conflito

armado em relação às crianças. Eles devem adotar medidas que assegurem a não

participação e também o não recrutamento de crianças que não tenham atingido a

idade de quinze anos (ROVER: 2005; p.353).

Um grupo que merece destaque é o dos refugiados e pessoas

deslocadas. Segundo SASSÒLI e BOUVIER (1999, p.150 a 160): ―Pessoas

deslocadas são civis que fogem de conflitos armados dentro dos seus próprios

países‖. O Direito Internacional Humanitário protege esses deslocados durante

conflitos internacionais armados, garantindo seu direito de receber itens essenciais

para sua sobrevivência. Civis deslocados por conflitos internos possuem proteção

similar, porém menos detalhada.

Por outro lado, os refugiados são aqueles que escapam do seu país

para outro. Nestes casos, o Direito Internacional Humanitário os protege como civis

52

afetados por conflitos, apenas se o país de destino for parte de um conflito

internacional.

Entre as normas básicas do Direito Internacional Humanitário

aplicáveis em conflitos armados, cabe citar:

1. As pessoas fora de combate e aquelas que não participam diretamente das hostilidades têm direito ao respeito à sua vida e à sua integridade física e moral. Deverão elas ser, em todas as circunstâncias, protegidas e tratadas humanamente, sem qualquer distinção de natureza desfavorável. 2. É proibido matar ou ferir o inimigo que se rende ou que se encontra fora de combate. 3. Os feridos e enfermos serão recolhidos e assistidos pela Parte em conflito que os detenha em seu poder. A proteção também se estenderá ao pessoal sanitário, estabelecimentos, transportes e equipamento. O emblema da Cruz Vermelha (ou do Crescente Vermelho) é o sinal desta proteção e deverá ser respeitado. 4. Os combatentes capturados e civis que estejam em poder da Parte inimiga têm direito ao respeito à sua vida, à sua dignidade, aos seus direitos e convicções pessoais. Serão protegidos contra todos os atos de violência e represálias. Terão o direito de corresponder-se com suas famílias e de receber socorro. 5. Todos terão o direito de beneficiar-se das garantias judiciais fundamentais. Ninguém poderá ser considerado responsável por ato que não tenha cometido. Ninguém será submetido à tortura física ou mental, a castigo corporal, ou a tratamento cruel e degradante. 6. As partes em conflito e os membros de suas respectivas forças armadas não têm direito ilimitado no que diz respeito à escolha dos métodos e meios de guerra. É proibido usar armas ou métodos de guerra de natureza tal que venham causar perdas desnecessárias ou sofrimento excessivo. 7. As Partes em conflito deverão sempre distinguir a população civil dos combatentes, poupando a população e os bens civis. Não serão objeto de ataque nem à população civil como tal e nem as pessoas civis. Os ataques se dirigirão contra os objetivos militares. (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1983)

14.

Conforme ensinamento de CELSO MELLO:

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é quem produziu e continua a lutar pelo aperfeiçoamento e expansão do Direito Internacional Humanitário. Este só começou a ser mencionado após as quatro convenções de Genebra de 1949 e se consolidou com os dois protocolos de 1977. Atualmente, no entanto, coloca-se como pertencendo ao Direito Humanitário às convenções anteriores, promovidas pelo CICV. Na verdade, não existe qualquer equívoco em se fazer isso, vez que elas visavam igualmente à proteção do homem (1996: p.51).

14

Disponível em: http://www.icrc.org/por/. Acesso em 01/12/2011.

53

O Art. 3º, comum às Convenções de Genebra, deixa claro que o

Direito Internacional Humanitário não deve afetar no status legal das partes do

conflito, não interferindo assim, na sua soberania, tampouco nas responsabilidades

do Estado em manter e restabelecer a lei ou defender sua unidade territorial

(SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a 160).

Os principais mecanismos previstos pelo Direito Internacional para

garantir seu respeito e para sancionar suas violações são insatisfatórios e

ineficientes em relação ao Direito Internacional Humanitário, tanto que a

implementação desse Direito é feita, muitas vezes, por outras ramificações do Direito

Internacional. Nos conflitos armados, esses mecanismos são insuficientes e alguns

são até mesmo opostos ao Direito Humanitário (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a

160).

54

3. A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO INTERNO

Este item é de suma importância, pois irá tratar de assunto relativo à

questão dos tratados internacionais, utilizando as Convenções de Viena de 1969 e

198615, sendo que a doutrina ao se debruçar sobre o estudo dos tratados,

especificamente sobre a sua aprovação e incorporação, estabelece entendimentos

para esse instituto de direito internacional.

3.1. DA APROVAÇÃO

Conforme magistério de ACCIOLY, os tratados, para serem

considerados válidos, necessitam que algumas condições sejam observadas. São

as chamadas condições de validade: capacidade das partes contratantes, a

habilitação ou competência dos agentes, objeto lícito e possível e, ainda, o

consentimento mútuo (2002; p.30).

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 aponta

as hipóteses que justificam considerar um tratado inválido. Aquelas elencadas na

parte V, dos Art. 42 ao 72, da referida convenção. O Art. 42 é possuidor das

situações que legitimam os Estados-Partes a invocarem a nulidade dos tratados

internacionais, o que somente pode ser feito com base nas cláusulas da própria

Convenção, conforme disposição expressa no Art. 42 e seus parágrafos.

15

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre

Organizações Internacionais foi um tratado assinado em 21 de Março de 1986, redigido para complementar a

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, somente entre os Estados. Legislação de Direito

Internacional, obra citada, p. 844 a 864.

55

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e

Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, também

traz os dispositivos referentes à nulidade dos tratados internacionais.

As Convenções (1969 e 1986) se preocupam com a proteção da

validade formal dos tratados e com a manifestação de vontade das partes

contratantes. Desta forma é que o Art. 42, parágrafo 1º enuncia que a validade de

um tratado ou do consentimento de um Estado e de uma organização internacional

em se obrigar por um tratado só pode ser contestada mediante a aplicação da

presente Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e

Organizações Internacionais (1969) ou entre Organizações Internacionais de 1986.

Quanto à situação das nulidades que podem viciar os tratados

internacionais, as convenções preveem as hipóteses de arguição, ficando claro que

o objetivo é fazer prevalecer o respeito à vontade dos contratantes, bem como a

validade dos tratados internacionais. Este parece ser o intuito das convenções:

restringir as possibilidades de serem declaradas nulas às cláusulas isoladas dos

tratados internacionais. As hipóteses previstas pelo Art. 44 de ambas as

convenções, em seu parágrafo 2º, deixam claro que uma causa de nulidade de um

tratado só pode ser alegada em relação à sua totalidade, com exceção das

condições previstas nos parágrafos seguintes ou no Art. 60, que, em suma, tratam

de uma violação substancial de um tratado.

Neste sentido, o STF apreciou a medida cautelar em Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 1480-3, impetrada pela Confederação Nacional dos

Transportes e a Confederação Nacional da Indústria que ajuizaram a Ação com

pedido de medida cautelar, visando sustar os efeitos da Convenção n° 158 da

Organização Internacional do Trabalho (que trata da garantia do emprego contra a

56

dispensa imotivada). Ao examinar o pleito cautelar, a Corte Constitucional, em

acórdão da lavra do Ministro Celso de Mello, examinou a questão da internalização

dos tratados e atos internacionais no Brasil.

Para o Pretório Excelso, a Constituição da República não prevê um

rito específico para a incorporação de Tratados e Convenções Internacionais. Exige

sim, consoante o disposto pelos Art. 49, I, 59, VI e 84, VIII da Lei Maior, a

intervenção do Legislativo na ratificação dos tratados, como forma de controle

democrático. Para integrar o direito positivo interno, os tratados internacionais

devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo e

promulgados pelo Presidente da República, por meio de decreto presidencial,

procedimento que foi seguido no caso dos dispositivos convencionais atacados por

meio de referida ADI. Por isto, os dispositivos da Convenção foram incorporados ao

direito positivo interno e são tidos como válidos. Posteriormente, ao julgar o Recurso

em Habeas Corpus n° 79.785, o STF reiterou mais uma vez sua posição sobre a

primazia da Constituição sobre as normas convencionais. Por se tratar de decisão

que concerne diretamente à questão da internalização dos tratados internacionais de

direitos humanos, este acórdão será examinado mais adiante.

De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o

tratado internacional, uma vez celebrado pelo Presidente da República (Art. 84, VIII,

CF/88), referendado pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo (Art.

49, I, CF/88) e promulgado e publicado por decreto presidencial, entra em nosso

ordenamento jurídico com o status de norma infraconstitucional. Acolhe-se, assim, a

equiparação jurídica do tratado internacional à lei ordinária federal.

Disso tudo, resulta que, para ser um tratado internalizado no Brasil,

se impõe a prática de dois atos jurídicos distintos. O primeiro, a promulgação pelo

57

presidente da república, destinada a atestar a existência, a validade e a

executoriedade de um tratado internacional firmado pelo país. O segundo, a

publicação também pelo presidente da república, destinada a comunicar o teor das

normas convencionais, introduzindo o tratado no direito interno e determinando o

seu cumprimento. Mais importante, o tratado somente começa a produzir efeitos

quando de sua publicação. De pronto se conclui que as doutrinas monistas se

afastam do modelo brasileiro, já que para estas a prática de qualquer ato de

incorporação é desnecessária, convivendo em um único sistema subordinado em

ambas as esferas normativas. A incorporação ou internalização das normas de

direito internacional é expressão que discrepa completamente dos preceitos teóricos

do monismo16 (SOARES; 2002: p. 204-205). Em não se tratando da edição de um

diploma legislativo que crie direito novo, mesmo que seu teor se limite a repetir os

termos adotados pela convenção internacional, não é possível afirmar que o modelo

brasileiro adota o dualismo17 (SOARES; 2002, p. 204-205), mas uma versão

16

A formulação da teoria do monismo partiu do jurista austríaco Hans Kelsen, em outro curso igualmente na

Academia da Haia, publicado no Recueil des Cours (KELSEN, H. Lês rapports de système entre Le droit

international et le droit interne. In: Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, v. 14, p. 231-

331), em 1926, elaborada, portanto, no mesmo momento histórico em que emergira o dualismo de H. Triepel, a

qual passaria a ser conhecida como monismo. Partindo do pressuposto de que as normas internas e as

internacionais constituem um único fenômeno normativo, que têm em mira regular o comportamento livre dos

homens e sua natural sociabilidade, em qualquer circunstância, inclusive em seu relacionamento fora da própria

comunidade, somente existiria um único sistema jurídico, sendo os ordenamentos jurídicos nacionais sistemas

normativos parciais, que se integram no ordenamento jurídico internacional. Sendo assim, as convenções e

tratados internacionais, bem como o costume internacional, têm vigência imediata nos ordenamentos jurídicos

internos, sem necessidade de qualquer ato formal de recepção (e mesmo exigindo-se um ato de internalização,

como uma lei nacional ou atos complexos de cooperação entre o Executivo e o Legislativo nacionais), as ordens

jurídicas seriam a mesma realidade normativa, com particularidades em sua feitura. 17

A formulação teórica da questão do dualismo, como sabemos, deveu-se ao jurista alemão Heinrich Triepel,

que a expôs de forma sistemática num curso da Academia de Direito Internacional da Haia, por sinal, um dos

primeiros a ser publicado no famoso Recueil des Cours (TRIEPEL, H. Lês rapports entre le droit interne et le

droit international. In: Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, v. 1, 1923. p. 77-118), em

1923, e que teria como seguidor e genial sistematizador o eminente Prof. Dionizio Anzilotti, da Universidade de

Pádua (ANZILOTTI, D. Corso de diritto internazionale, Pádua, 1928). Posteriormente denominada de teoria

dualista, essa concepção parte do pressuposto da existência de dois ordenamentos jurídicos totalmente distintos,

originários de fontes diversas e com destinatários de suas normas diferenciados, sistemas esses que se ignoram

reciprocamente e não se superpõem, salvo nos casos de haver uma recepção das normas internacionais nos

ordenamentos jurídicos nacionais, o que se realiza por meio de uma lei ou de um ato expresso do Poder

Executivo dos Estados. Apud. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público.

Volume 1. São Paulo: Atlas, 2002.

58

moderada, o que justifica a seguinte conclusão: Primeiro, no Brasil, todos os

tratados internacionais precisam ser internalizados através de um ato complexo que

inclui a aprovação congressual e a promulgação executiva, sem o que não se

integram ao ordenamento jurídico interno. Segundo, este sistema, de acordo com as

teorias doutrinárias dominantes, só pode ser classificado como dualista.

Uma vez estabelecido que os tratados, na praxe constitucional

brasileira, têm de ser incorporados ao ordenamento jurídico interno, sem o que não

têm validade ou eficácia, aparece, como uma verdade inafastável, que o direito

brasileiro não admite a possibilidade de conflito entre norma contida18 (SILVA: 2007;

p. 101 e 116) de direito internacional e direito interno. Por não ser o tratado

internacional, antes de sua promulgação e publicação, aplicável dentro da República

Federativa do Brasil, não é possível ser ele invocado em defesa de qualquer

pretensão perante os tribunais brasileiros.

A Constituição Brasileira de 1988, no Art. 84, inciso VII, diz competir

privativamente ao Presidente da República "manter relações com Estados

estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos". Esta competência

normalmente é delegada ao Ministro das Relações Exteriores no caso do Estado

Brasileiro (Ministro dos Negócios Estrangeiros ou Assuntos Estrangeiros em alguns

Estados) ou aos Chefes de Missão Diplomática em acordos bilaterais, ou seja, aos

plenipotenciários tácitos. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou

credenciado pelo País estrangeiro, pode ser agente plenipotenciário. Nesse sentido

é que o Decreto nº 7.304, de 22 de setembro de 2010, em seu anexo I, capítulo I,

18

Conceituando, normas constitucionais de eficácia contida, “são aquelas em que o legislador constituinte

regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva

por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de

conceitos gerais nelas enunciados”. Por outro lado, são normas constitucionais de eficácia plena aquelas que,

"desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos

essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e

normativamente, quis regular". SILVA, Jose Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucional. São Paulo:

Malheiros, 2007.

59

sobre a natureza e competência, diz que: ―Art. 1º... parágrafo único. ―Cabe ao

Ministério (das Relações Exteriores) auxiliar o Presidente da República na

formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações

com Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais‖19.

Cabe ainda ressaltar que é na fase da negociação que os tratados

internacionais sofrem o primeiro controle de constitucionalidade (de natureza

política), ou seja, na elaboração do texto dos tratados, são apreciados os

pressupostos de constitucionalidade referentes à matéria (constitucionalidade do

objeto do tratado), com a finalidade de se obter o texto final que possa ser assinado.

É uma espécie de controle prévio saneador, preparatório do instrumento para sua

assinatura posterior.

Corroborando com tal assertiva, LOUREIRO (2005, p. 88) afirma que

o regime jurídico dos tratados internacionais sobre direitos humanos tem foco

constitucional no disposto na cláusula final do parágrafo 2º do Art. 5º da atual

Constituição Federal, na qual os direitos e garantias fundamentais decorrentes de

tratados internacionais ratificados pelo Governo brasileiro integram o texto

constitucional.

Como consequência, junto aos direitos e garantias fundamentais

expressos concentrados no Título II ou esparsos ao longo do texto da Constituição

Federal, e dos direitos e garantias não expressos (implícitos ou decorrentes do

regime democrático e dos princípios constitucionais), estão às normas incorporadas

através de tratados internacionais sobre direitos humanos, as quais possuem a

mesma natureza jurídica das categorias das normativas referidas (LOUREIRO,

2005, p. 88).

19

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7304.htm#art6. Acesso

em 17/01/2012.

60

4. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INCORPORADOS PELO DIREITO

BRASILEIRO

Os tratados internacionais são acordos juridicamente obrigatórios e

vinculantes celebrados entre duas entidades de direito internacional. A partir da

Convenção de Viena, concluída em 196920, foram estabelecidas regras para a

formação e princípios a que se devem ater os tratados celebrados entre nações. A

primeira regra estabelecida é que os tratados se aplicam aos Estados-Partes, ou

seja, somente aos Estados que concordaram com a sua adoção.

Deste modo, os tratados são, por excelência, expressões de

consenso e, uma vez aceitos, os Estados que o assinaram se comprometem a

cumpri-los. A exigência do consenso é estabelecida no Art. 52 da Convenção de

Viena de 1969 quando dispõe que o tratado será nulo se sua aprovação for obtida

por ameaça ou uso da força em violação aos princípios de Direito Internacional.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 198821, em seu Art. 84,

inciso VIII, determina que é de competência privativa do Presidente da República

―celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do

Congresso Nacional‖. Entretanto, o Art. 49, inciso I, prevê ser da competência

exclusiva do Congresso Nacional ―resolver definitivamente sobre tratados, acordos

ou atos internacionais‖, consagrando assim a divisão de atribuições entre o Poder

Legislativo e Executivo, respeitando-se o princípio da divisão de poderes.

20

Convenção dos Tratados de Viena de 1969, obra citada, p. 844 a 864. 21

CF/88, obra citada, p. 6.

61

4.1. INCORPORAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS

HUMANOS

Considerando que o processo de elaboração de convenções sobre

assuntos relacionados aos direitos humanos estabelece órgãos de supervisão

internacional e que tais convenções possuem efeitos jurídicos vinculantes e

obrigatórios entre os Estados-Partes, é necessário cumprir o que foi acordado.

Deste modo, quando há descumprimento de preceitos estabelecidos nessas

convenções, ocorre a violação das obrigações assumidas no âmbito internacional, o

que implica na responsabilização do Estado que o feriu.

Os órgãos de supervisão internacional22 têm se proliferado nas

últimas décadas, a ponto de cada um deles ter que afirmar a capacidade de agir à

medida que entraram em vigor.

Antes de se contraporem, estes órgãos de supervisão se completam

aumentando ainda mais o leque de garantias ao indivíduo. CANÇADO TRINDADE

vai além da visão de outros autores e defende que o princípio da reciprocidade

inerente às convenções e aos tratados internacionais é suplantado em tratados

relativos a direitos humanos. Isto porque a invocação da reciprocidade para o não

cumprimento de obrigações relativas a estes tratados não pode ser alegada, pois

estaria ferindo a própria Convenção de Viena, citada anteriormente, sobre o direito 22

Podendo ser citados: o Comitê de Direitos Humanos, previsto no Pacto Internacional das Nações Unidas de

Direitos Civis e Políticos de 1966; o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

(CERD), convocado pela Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Racial de 1965; o Comitê sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher, criado pela Convenção que traz igual denominação de 1979; o Comitê contra a Tortura, criado pela

Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou

Degradantes de 1984; a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, convocada pela Carta Africana

sobre Direitos Humanos e dos Povos de 1981. Além também dos órgãos de supervisão próprios no sistema

interamericano, a saber: a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos previstas na Convenção

Americana de Direitos Humanos de 1969, complementando-se ainda com a Convenção Interamericana para

Prevenir e Punir a Tortura de 1985; e ainda, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) de 1994 (PIOVESAN; 2011: 148-160).

62

dos tratados que, dispõe sobre as condições em que uma violação de um tratado,

pode acarretar sua suspensão ou extinção, excetuando expressa e especificamente

os "tratados de caráter humanitário" Art. 60, V. (CANÇADO TRINDADE: 1999; p.

69). A mesma Convenção, em seu Art. 27, preceitua que uma parte não pode

invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um

tratado23.

Os autores nacionais ligados à escola dualista, atrelados à ideia da

soberania absoluta24, defendendo que a adoção de preceitos de direito internacional

decorre de faculdade discricionária, citam reiteradamente o leading case25 do ano de

1977, portanto anterior a atual Constituição e prolatado em pleno regime de

exceção, que afirma o seguinte (Rec. Ext. 80.004)26: tratados internacionais são

equivalentes a leis, desta forma, não possuem status constitucional. Apesar de muito

contestada, é ainda a ideia que se apegam autores contrários ao critério da primazia

da norma internacional. Contudo, pronuncia-se CELSO MELLO, em sua obra Direito

Constitucional Internacional:

Haverá, por fim, aqueles que a luz da posição adotada no RExt. 80.004, que configura o leading case da matéria, pretenderão que os tratados envolvendo direitos fundamentais não se distinguem dos demais tratados no que se refere as suas relações com o direito interno. Daí porque, aduziriam, uma vez aprovados pelo Congresso, ratificados e, então, promulgados pelo Executivo, passariam a se incorporar a ordem jurídica interna no mesmo patamar hierárquico da lei ordinária federal. Neste caso, lei ordinária posterior poderá perfeitamente afastar a eficácia da normativa internacional.

23

Convenção de Viena sobre Tratados de 1969, obra citada, p. 850. 24

Segundo REZEK, “O direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente

independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua

sintonia com a ordem internacional”. (2008: p.4). Desta forma a norma internacional deve ser transformado em

norma de direito interno para que tenha eficácia. E, diferentemente, do dualismo moderado onde se exige a

aprovação por via de decreto legislativo e presidencial, o dualismo extremado exige a aprovação através de lei. 25

Em tradução livre: leading case - precedência legal. 26

Brasil, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 80004/SE (Tribunal Pleno), Relator Ministro

Cunha Peixoto. Convenção de Genebra. Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Aval

aposto na nota promissória não registrada no prazo legal. Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo

pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-Lei nº 427, de 22.10.1969. Revista Trimestral de Jurisprudência.

Brasília, v. 83, p. 809-848, mar. 1978.

63

O raciocínio, todavia, não é suficiente para afastar a incidência da norma internacional no presente caso. Sim, porque se admitindo que o tratado incorporado pelo direito brasileiro reside no mesmo nível hierárquico da lei ordinária federal á luz do novo texto constitucional não se pode admitir esta tese em relação aos tratados envolvendo direitos do homem. (1994; p.188).

O Art. 5°, § 2° da Constituição de 1988, ordenamento de caráter

aberto, refere-se textualmente que os direitos e garantias expressos no texto não

excluem outros decorrentes do regime de princípios adotados por ela ou dos

tratados internacionais que o Brasil seja parte. Assim, ao ratificar Pactos

Internacionais relativos a esta matéria, o Estado Brasileiro estaria, automaticamente,

incorporando garantias, previstas nestes documentos internacionais e conferindo a

elas status constitucional.

O impacto jurídico, decorrente da incorporação do Direito

Internacional dos Direitos Humanos pelo direito interno, resulta no alargamento de

direitos nacionalmente garantidos, reforçando a Carta de direitos prevista

constitucionalmente, complementando-a com a inclusão de novos direitos.

Cita-se o julgado do STF no Habeas Corpus nº 70.389-5 de

23/06/1994, em que o Ministro Celso de Mello, baliza seu julgamento nos

instrumentos internacionais, a saber: a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos da

Criança de 1990, a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembleia Geral da

ONU de 1984, a Convenção Interamericana contra a Tortura de 1985 e a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 (OEA), onde a Corte

Suprema entendeu que tais instrumentos de direitos humanos permitem a

integração da norma penal em aberto a partir do reforço do universo conceitual

relativo ao termo tortura (PIOVESAN; 2011: 148-160).

64

Se quanto à incorporação de tais garantias relativas a direitos

humanos em nosso universo jurídico as dúvidas diminuem, resta ainda a questão de

um eventual conflito entre a norma internacional de direitos humanos e o direito

interno. Tal questão pode ser resolvida com a aplicação de dois critérios: o primeiro,

o antigo brocardo jurídico de que a norma posterior derroga a anterior, simplificando

o problema de forma taxativa, ou o segundo, da norma mais favorável à vítima.

Desta forma, deve prevalecer o princípio da primazia da norma mais benéfica em

relação aos direitos humanos, fazendo-se referência, subsidiariamente, até a antiga

Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 10, § 1° (hoje, Lei de Introdução às normas do

Direito Brasileiro - redação dada pela Lei nº 12.376, de 30/12/2010), que beneficia os

herdeiros em detrimento às próprias normas de sucessão brasileiras, caso a lei do

país do de cujus seja mais favorável.

Para CANÇADO TRINDADE:

Cabe aos tribunais internos, e outros órgãos dos Estados, assegurar a implementação a nível nacional das normas internacionais de proteção, o que realça a importância de seu papel em um sistema integrado como o da proteção dos direitos humanos, no qual as obrigações convencionais abrigam um interesse comum superior de todos os Estados-Partes, o da proteção do ser humano (1999; p.69).

A partir da Constituição de 1988, importantes tratados internacionais

de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles: a Convenção

Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; a

Convenção sobre Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de Janeiro de 1992; o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de Janeiro de

1992; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em 25 de setembro de

65

1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995 (PIOVESAN; 2011: 148-160).

Todos estes instrumentos ratificados pelo Brasil foram consequência

da reorganização da agenda internacional do Brasil, imposta pelas transformações

internas decorrentes da nova ordem constitucional, que por sua vez decorreu do

processo de democratização. Ou seja, o Estado brasileiro, após um longo regime de

exceção onde abusos de toda sorte contra garantias fundamentais foram cometidos,

buscou compor uma imagem mais positiva perante a comunidade internacional

como país que garante, cumpre e respeita os direitos humanos.

Portanto, tendo o país ratificado tais tratados, de acordo com os

trâmites obrigatórios, passando pelos poderes legislativo e executivo, sendo

promulgado legitimamente, não poderia haver lugar para a invocação do dogma da

soberania com o fim de descumprir obrigações decorrentes destes tratados, pois,

além disto, os Estados contraem tais obrigações internacionais no pleno exercício de

sua soberania e, deste modo, devem cumpri-las.

Conforme ensinamentos do constitucionalista José Afonso da Silva,

a respeito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aduz que foi:

Assinada no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos) em San José da Costa Rica em 22.11.1969, conhecida também como Pacto de San José da Costa Rica, entrou em vigor em 1978 quando o 11º instrumento de ratificação foi depositado e no Brasil, somente em 1992, pela adesão, considerando que o Estado brasileiro não havia assinado. Dos 35

27 Estados-membros da OEA, 25 são hoje partes da Convenção

Americana, são eles: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela (SILVA: 1994; p. 165).

27

A participação do Governo de Cuba, país-membro, está suspensa desde 1962, consequentemente apenas 34

governos têm participação efetiva. Assim, somente os Estados-membros da Organização dos Estados

Americanos têm direito de aderir a Convenção Americana. Dos 35 Estados-membros da OEA, 25 Estados são

hoje partes da Convenção Americana (março de 2010). (PIOVESAN: 2011; p. 312).

66

Ao versar a respeito dos direitos resguardados, a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos28 se configura como uma das que possuem o

mais extenso documento de âmbito internacional. Ao longo de seus 82 artigos,

garante, entre outros, o direito à personalidade jurídica, ao tratamento humano, ao

livre-arbítrio, a um julgamento justo, à privacidade, ao nome, à nacionalidade, à

participação no governo, à igualdade perante a lei e à justiça. A Convenção

Americana proíbe a servidão, apregoa a liberdade de consciência, religião,

pensamento e expressão, liberdade de associação, movimento, residência,

proibindo ainda a retroatividade da lei penal.

Quanto ao direito à vida, inova a Convenção Americana ao ditar que

o Estado que já tenha abolido a pena de morte não poderá restabelecê-la, conforme

Art. 4º, parágrafo 3º. Tendo o Brasil ratificado a Convenção, em 25 de setembro de

1992, consubstancia-se mais um argumento além da própria vedação constitucional

do Art. 5°, inciso XLVII, ―a‖, contra as insistentes discussões a respeito da possível

adoção no país desta medida extrema de punição.

O Supremo Tribunal Federal é unânime no sentido de que a

internalização dos tratados internacionais depende de um ato destinado a incorporar

a Convenção ao ordenamento interno. Os opositores desta tese contestam a

posição do Supremo com base no argumento de que, enquanto o §2°, do Art., 5° da

Carta de 1988, determina que direitos e garantias expressos na Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, o

parágrafo primeiro do mesmo artigo dispõe que as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais têm aplicação imediata.

28

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, obra citada, p. 420 a 485.

67

Não só as normas convencionais teriam hierarquia constitucional,

como seriam incorporadas ao direito interno de forma automática. Formalmente, esta

tese se justificaria em função de uma interpretação destinada a dar eficácia máxima

aos dispositivos constitucionais. Existe, ainda, um fundamento de direito material, o

princípio da dignidade da pessoa humana que necessariamente impõe à conclusão

adotada pelos adeptos da incorporação automática das normas internacionais de

direitos humanos, com status de normas fundamentais.

A Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu o §3º no Art. 5º, da

CF/88, prevê que os tratados de direitos humanos terão status constitucional se

aprovados com o quorum de emenda constitucional. Caso não aprovados com este

quorum, serão considerados infraconstitucionais, causando uma grande celeuma

entre os doutrinadores brasileiros.

Na atual conjuntura, mesmo após a EC 45/04, poderemos ter um

tratado que verse sobre Direitos Humanos, aprovado, conforme previsão do §3º no

Art. 5º, da CF/88, portanto, com status constitucional e, ainda, um tratado de Direitos

Humanos que verse também sobre a mesma matéria, não aprovado pelo quorum

qualificado de 3/5 de cada casa congressual em dois turnos, para qualificação de

status constitucional, portanto, um Tratado de Direitos Humanos, de segunda

categoria, com o status de Lei Ordinária; desta forma, infraconstitucional, se ainda

assim o considerarmos aprovado. Pois, ao analisar o processo de aprovação

anterior a EC 45/04, deveria o Tratado de Direitos Humanos, hipoteticamente, aqui

comentado, ser aprovado através de Decreto Legislativo e Decreto Presidencial para

ter o status infraconstitucional.

68

4.2. TEORIAS

Ao se analisar a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, percebe-se que existem diversos dispositivos versando acerca da relação do

Brasil com a ordem internacional.

Todavia, cabe dizer que não existe uma norma que estabeleça a

prevalência e a superioridade dos tratados internacionais no ordenamento interno.

No entanto, destaca-se o parágrafo único do Art. 4° da CF/88, que

determina a busca da integração econômica com os demais países da América

Latina, deixando transparecer a intenção do legislador em conduzir o país a uma

real integração, o que, porém, não é suficiente para que se possa afirmar a

superioridade dos tratados diante de norma de direito interno.

O Supremo Tribunal Federal consolidou, na década de 1970, o

Recurso Extraordinário n°. 80.004, onde se discutia o conflito existente entre a Lei

Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, tratado

devidamente promulgado no Brasil e o Decreto-Lei n°. 427/69.

Mediante a decisão proferida no referido julgamento, tem-se que a

posição de recepção plena do tratado internacional fora ressaltada, sem, contudo,

apresentar um status supra legal.

Portanto:

Os tratados internacionais gerais integram-se ao ordenamento pátrio no mesmo nível hierárquico de uma norma ordinária. Dessa forma, o tratado internacional e a lei interna convivem no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro e, do ponto de vista hierárquico, equiparam-se, prevalecendo, em hipótese de antinomia, a norma mais recente, adotando-se a aplicação do princípio lex posterior derogat legi priori (lei posterior derroga lei anterior) ou,

69

então, lex posterior generalis non derrogat priori speciali (lei geral posterior

não derroga especial anterior) (MARTINELLI; VIEIRA, 2007) 29.

4.3. POSICIONAMENTO DOS TRATADOS

No que concerne à relação dos tratados internacionais sobre direitos

humanos à luz do direito interno brasileiro, deve-se destacar algumas correntes,

como a posição de hierarquia constitucional e a posição de natureza

infraconstitucional.

Em relação à primeira corrente supracitada, tem-se que os tratados

internacionais sobre direitos humanos ganham hierarquia constitucional em razão do

disposto no parágrafo 3°, do Art. 5°, da CF/88.

Indo ao encontro desta corrente, configura-se o voto do Ministro do

Supremo Tribunal Federal, Carlos Veloso, nos autos do habeas corpus n°.

82.424/RS, onde se manifesta pela ―posição hierárquica superior de tais tratados,

indicando, inclusive uma ideia de supra legalidade dos direitos humanos‖.

Por outro lado, em relação à segunda corrente, tem-se que os

tratados internacionais, independentemente da matéria versada, possuem força de

norma infraconstitucional, ou seja, de lei ordinária.

Destaca-se que esta corrente é majoritária no âmbito do Supremo

Tribunal Federal, mediante julgamento do habeas corpus n°. 72.131/RJ.

A respeito da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos e

garantias individuais, mediante o parágrafo 2º do Art. 5º da CF/88, destaca-se que o

Supremo Tribunal Federal, afirma que ―qualquer tratado internacional, qualquer que

seja a matéria nele veiculada, uma vez integrado ao direito interno, tem status

29

Disponível em: http://www.cantareira.br/thesis2/atual/thesis7_hierarquia.pdf. Acesso em: 17/11/2010.

70

apenas de norma infraconstitucional‖, o que exclui definitivamente os argumentos

dos defensores do status constitucional desses tratados.

Percebe-se que a Emenda Constitucional nº. 45 acrescentou o

parágrafo 3º ao Art. 5º da CF/88, conferindo aos tratados internacionais que versem

sobre direitos humanos o status de direito constitucional, desde que sendo

aprovados pelo mesmo processo legislativo das emendas.

Portanto, passaram a ter status de norma infraconstitucional os

tratados internacionais que forem recepcionados pelas vias legislativas ordinárias,

ou seja, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que sejam

recepcionados pelo direito interno mediante o procedimento legislativo das emendas

à CF/88, terão status de direito constitucional.

Destaca-se que o tratado internacional que ingressar no direito

interno pelo mesmo processo deliberativo das Emendas, diz respeito a um direito

constitucional sob o aspecto material, formando o denominado ―bloco de

constitucionalidade‖, que considera como constitucional todos os preceitos,

positivados ou não, de conteúdo constitucional, como integrante de um grande bloco

com força constitucional.

Para a corrente dos tratados internacionais sobre direitos humanos

como hierarquia constitucional, o parágrafo 2° do Art. 5° da CF/88 confere força

constitucional ao tratado que verse sobre direitos fundamentais, onde a Emenda nº.

45 não promoveu qualquer alteração.

A força de normatividade constitucional para tais tratados independe

de seu reconhecimento especial.

71

O Supremo Tribunal Federal ratifica a posição de que, se os tratados

não versarem sobre os direitos humanos, não poderão ter outra força a não ser de

norma infraconstitucional, não cabendo qualquer outra interpretação.

Todavia, ao se analisar o Art. 5º da CF/88, percebe-se que os

tratados terão, sim, status de norma infraconstitucional, independentemente se

versarem ou não acerca dos direitos humanos.

Mas, existe uma exceção, ou seja, se os tratados forem inseridos no

ordenamento jurídico através do processo legislativo indicado no referido artigo, os

mesmos não terão status de norma infraconstitucional, o que contaria a preservação

dos direitos fundamentais.

Acerca desse assunto, ROCHA destaca que:

Por outro lado, mesmo que venha a se filiar à corrente que vê nos tratados internacionais força apenas infraconstitucional, duvidável a necessidade desse preceito constitucional para que se possa conferir aos tratados sobre direitos humanos natureza constitucional. Ora, se se consegue o procedimento proposto no § 3º, poder-se-ia muito bem elaborar uma emenda à Constituição, não servindo de argumento a via estreita dos legitimados à apresentação da emenda a justificar a votação de um tratado em vez da elaboração, discussão e votação de uma proposta de emenda (ROCHA, 2006)

30.

Nesse diapasão, a respeito do parágrafo 3º do Art. 5º da CF/88,

deve-se salientar, também, que o Supremo Tribunal Federal não admite preceito

constitucional fora do texto formal da CF/88.

O poder legislativo ordinário, ao se manifestar pelo procedimento

legislativo especial, colabora para a inserção dos tratados internacionais com força

de direito constitucional no sistema legislativo brasileiro.

30

O direito constitucional e o novo tratado internacional. Autor Zélio Maia da Rocha. Disponível em:

http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22076/21640. Acesso em: 7/1/2011.

72

Para que os direitos humanos sejam a base de um Estado

republicano, é fundamental que a constitucionalidade como um todo seja base de

compreensão do direito constitucional.

Destaca-se a posição do Ministro CELSO DE MELLO, explicitando

que:

No que concerne ao primeiro desses elementos (elemento conceitual), cabe ter presente que a construção do significado de Constituição permite, na elaboração desse conceito, que sejam considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter supra positivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado

31.

Todavia, atualmente, a partir da Emenda Constitucional nº. 45

existem preceitos com status de constitucional, mesmo não estando dispostos

especificadamente na CF/88, como por exemplo, a Lei de Introdução às normas do

Direito Brasileiro.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro passará a ter um direito

constitucional fora da CF/88, já que receberá um tratado internacional integrado à

ordem interna brasileira; mediante o parágrafo 3º, do Art. 5° da CF/88.

Salienta-se que:

Talvez, a partir daí, poderemos pensar em estender o controle de constitucionalidade tendo como base de parametricidade outros integrantes do bloco de constitucionalidade, como regras de direito natural independentemente de sua veiculação por tratados internacionais ou pelo texto da constituição formal (ROCHA, 2006)

32.

31

Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Trib_Sup/STF/ADINS/2010_04.html. Acesso 7/1/2011. 32

O direito constitucional e o novo tratado internacional. Zélio Maia da Rocha. Disponível em:

http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22076/21640. Acesso em: 7/1/2011.

73

Nesse contexto, ressalta-se a importância das cláusulas pétreas,

bem como a sua expansão.

Tais cláusulas se encontram dispostas no Art. 5º da CF/88; mas

podem também ser vistas nos demais artigos constitucionais.

Mediante a possibilidade de se admitir preceitos normativos

constitucionais através dos referidos tratados internacionais, deve-se destacar que

tais preceitos não podem, posteriormente, ser retirados do ordenamento jurídico

constitucional, seja por novo tratado, por emenda à CF/88 ou por denúncia do

tratado, pelo fato de versar sobre cláusula pétrea.

74

5. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS

Com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, surge um

contexto histórico propício para a criação de um tribunal que fosse responsável por

julgar os criminosos de guerra. Nessa conjuntura, foram criados os Tribunais de

Nuremberg, Tóquio, Ruanda e da antiga Iugoslávia para julgar tais criminosos.

Todavia, esses tribunais não são permanentes, pois foram criados

especificamente para julgar os criminosos de guerra em casos particulares, isto é,

logo após um conflito armado.

Houve debates no sentido de se criar um tribunal que julgasse os

criminosos de guerra, mas que tivesse caráter permanente. Após o término da

Guerra Fria em 1991, isso foi possível, sendo elaborado o Estatuto de Roma que

criou o Tribunal Penal Internacional, o primeiro tribunal permanente responsável

para julgar os infratores das normas que regulamentam a guerra, também os casos

de agressão, genocídios e crimes contra a humanidade.

Colaciona-se aqui a explicação de ACCIOLY, NASCIMENTO e

SILVA e CASSELLA:

A ideia da criação de tribunal criminal internacional permanente já havia sido cogitada em 1948, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas pediu à CDI (Comissão de Direito Internacional) que examinasse a possibilidade de ser criado tribunal para julgar os casos semelhantes aos que haviam sido submetidos aos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, mas o agravamento da Guerra Fria impediu que a iniciativa tivesse prosseguimento (2009, p.792) (grifei).

Acerca da idealização do Tribunal Penal Internacional, KRIEGER

ensina:

Com os precedentes mais remotos dos Tribunais Militares de Nuremberg e de Tóquio, no término da Segunda Guerra Mundial, e mais recentemente com os Tribunais Penais Internacionais da antiga Iugoslávia e de Ruanda, O Tribunal Penal Internacional, que será sediado em Haia, surge como a primeira instância penal realmente planetária e aberta à participação

75

responsável de todos os Estados, não se levando em consideração o poderio bélico, sua maior ou menor importância regional ou sua capacidade de exercer tutela militar (2004, p. 168-169).

No próximo título, será realizada uma breve análise acerca do

Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, do Tribunal Penal Internacional

para o Ruanda e o Estatuto de Roma, que consolidou com a criação do Tribunal

Penal Internacional.

5.1. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA

Conforme sítio oficial do Tribunal Penal Internacional para a antiga

Iugoslávia33, sua criação se deu através da Resolução do Conselho de Segurança da

Organização das Nações Unidas, nº 827, de 25 de maio de 1993, com instalações

na cidade de Haia, na Holanda.

O motivo para a sua criação ocorreu por causa da guerra que

eclodiu na antiga Iugoslávia em 1991, desencadeando nas violações ao Direito

Internacional Humanitário, haja vista os crimes realizados, tais como: homicídios,

limpeza étnica, estupros, transferências em massa da população civil, dentre outros.

O governo da antiga Iugoslávia atravessou uma crise muito forte,

quer econômica, quer politicamente falando, mas a principal crise foi a pluralidade

étnica existente que acarretou nos conflitos étnicos entre as populações locais. Em

1987, Slobodan Milosevic assumiu o comando do Partido Comunista Sérvio. As

diversas etnias enfrentavam dificuldades de conviver entre si, o que ocasionou lutas

pelo poder e o desejo de desintegração do território. Diante de tal situação,

33

Disponível em: http://www.icty.org/. Acesso em 02/01/2012.

76

ocorreram as independências da Eslovênia e da Croácia em 1991, cujo

reconhecimento foi dado pela União Européia e logo em seguida, a Macedônia. Em

1992, foi a vez de a Bósnia-Herzegovina declarar sua independência. Os sérvios da

Bósnia isolaram cidades e conquistaram parte do território da Bósnia Ocidental.

Assim, os conflitos foram aumentando e tornando-se cada vez mais violentos (MAIA;

2001: p 103).

Em lição, KRIEGER afirma que, outros fatores concorreram para a

existência dos conflitos:

A razão da criação do Tribunal da antiga Iugoslávia deu-se pelo motivo da desintegração da República nos anos 1990. A Iugoslávia, formada após a Segunda Guerra Mundial pelo marechal de origem croata, Josip Broz Tito, ascendendo então o partido comunista, organizado de forma federada através da Liga dos Comunistas da Iugoslávia, em que reunia seis repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia e duas províncias autônomas: Voivodina e Kosovo. A complexidade étnica das repúblicas formadoras da antiga Iugoslávia mostra-se em destaque. Essa composição pode ser considerada uma das causas do desmantelamento da antiga República Popular Federal da Iugoslávia. Entre tantos fatores, o desmoronamento do Estado da antiga Iugoslávia deve-se ao falecimento do marechal Josip Broz Tito em 1980, e ao fim do império da União Soviética, pois, apesar de a Iugoslávia haver mantido total independência política perante a União Soviética, veio a ser levada a abolir o regime de partido único comunista sendo este outro elemento de agregação nacional que deixou de existir estes fatores em linhas gerais, foram as variáveis que culminaram na desintegração política iugoslava (2006; p. 151-152).

Ainda segundo lição de KRIEGER, o Tribunal Penal Internacional

para a antiga Iugoslávia possui competência ratione materiae, em conformidade com

seu Estatuto; quais sejam:

Art. 2º: graves violações às Convenções de Genebra (por exemplo: homicídio, tortura ou atos desumanos); Art. 3º: violações às leis ou costumes de guerra (por exemplo: emprego de armas venenosas, destruição injustificada de cidades, vilas ou vilarejos, assassinatos e tratamento cruel); Art. 4º: genocídio (ato contra um grupo nacional, étnico, racial ou religioso para destruí-lo no todo ou em parte); Art. 5º: crimes contra

77

a humanidade (por exemplo: escravidão, deportação, homicídio, estupro e outros atos contra a população civil) (2005, p. 154).

A acusação mais notória ocorreu no ano de 1999, em desfavor do

então presidente da antiga Iugoslávia, Slobodan Milosevic, que apresentava um rol

de sessenta e seis crimes. Milosevic foi o primeiro chefe de Estado a sofrer

acusações. Dentre elas, a expulsão dos kosovares de origem albanesa da Província

sérvia de Kosovo e o assassinato dos habitantes dos vilarejos de Racak, Bela Crkva

e Velika Krusa. Milosevic teve seu julgamento iniciado no ano de 2002, porém

devido ao seu falecimento em 2006, não houve desfecho.

Outro líder da importância de Milosevic que teve processo

instaurado em seu desfavor foi o do ex-líder servo-bósnio, Radovan Karadzic, mais

conhecido pela alcunha de ―o carniceiro de Belgrado‖. Karadzic, preso em 21 de

julho de 2008, foi indiciado por crime de genocídio, crimes de guerra e crimes contra

a humanidade, por ter dado ordens ao massacre de Srebrenica no ano de 1995,

onde cerca de oito mil mulçumanos foram exterminados. Há uma estimativa daquele

Tribunal de que o processo se encerre neste ano de 2012 (PIOVESAN: 2011: p. 27).

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas

determinou ao Tribunal Penal Internacional para Ruanda que adote "todas as

medidas possíveis para rapidamente concluir todo o trabalho que permanecem o

mais tardar até 31 de dezembro de 2014‖34, sendo tal solicitação estendida também

ao Tribunal Penal Internacional para a ex Iugoslava.

34

Disponível em: www.un.org/Conselho de Segurança das Nações Unidas. Acesso em 02/01/2012.

78

5.2. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA RUANDA

Ruanda é um país da África, sem costa marítima localizado na

região dos Grandes Lagos da África centro-oriental, fazendo fronteira com Uganda,

Burundi, República Democrática do Congo e Tanzânia. Colonizado após a Primeira

Guerra Mundial pela Bélgica. A etnia tutsis era considerada superior pelos

colonizadores. Quando os belgas colonizaram o território de Ruanda, as expressões

tutsis e hutus serviam para identificar e diferenciar uns dos outros.

O povo de Ruanda, independente de sua etnia, passou por um

episódio de desrespeito jamais vivenciado por um povo.

Os cientistas trouxeram balanças, fitas métricas e compassos e saíram pesando ruandeses, medindo sua capacidade craniana e realizando análises comparativas da protuberância relativa de seus narizes. Claro que os cientistas encontraram aquilo em que haviam acreditado o tempo todo. Os tutsis tinham dimensões mais nobres, mais naturalmente aristocráticas que as dos rústicos e brutos hutus. No índice nasal, por exemplo, o nariz médio tutsi era dois milímetros e meio mais longo e quase cinco milímetros mais fino que o nariz hutu médio (GOUREVITCH; 2006: p. 54).

Apesar de todas essas diferenças físicas, o que se evidencia com o

passar do tempo é a miscigenação, fazendo com que à medida que o tempo

passava, ficava mais difícil de identificá-los, a não ser através dos documentos de

identidade onde se poderia diferenciar uns dos outros.

Com o tempo, hutus e tutsis passaram a falar a mesma língua, seguir a mesma religião, casar-se entre si e viver misturados, sem distinções territoriais, nas mesmas montanhas, compartilhando a mesma cultura política e social [...] Por causa de toda essa miscigenação, os etnógrafos e historiadores chegaram ultimamente à conclusão de que os hutus e os tutsis não podem propriamente ser considerados grupos étnicos distintos (GOUREVITCH; 2006, p. 45).

79

O ódio tribal se acentuou e o sentimento de violência cresceu,

instigados por líderes e pela rádio local, principalmente por parte dos hutus em

relação aos tutsis.

Em abril de 1994, meia hora após a queda do avião que conduzia o

presidente de Ruanda Juvenal Habyarimana, a rádio Mille Collines, propagadora do

ódio, afirmava que os não patriotas deviam morrer. Os hutus usariam o fato ocorrido

como pretexto para dar início ao genocídio (POWER; 2004: p. 381).

Uma febre apoderou-se de Ruanda. Listas de vítimas haviam sido preparadas de antemão. Isso ficou claro nas transmissões da rádio Mille Collines, que fornecia os nomes, endereços e placas dos automóveis de tutsis e hutus moderados (POWER; 2004: p. 383).

O conflito avançava e desta forma o ódio, a vingança e o sentimento

genocida tornavam-se mais explícitos. Enquanto isso, a tropa de paz da ONU

quedava-se inerte diante da situação, principalmente considerando a insuficiência de

homens e o descaso internacional, não restando alternativa se não a sua retirada de

Ruanda.

Os Dez Mandamentos Hutus, divulgados e bem aceitos entre eles,

tinham o status de lei. O oitavo assim dizia: ―Os hutus devem parar de ser clementes

com tutsis‖ (POWER; 2004: p. 389).

Como corolário desta não clemência foi o genocídio de cerca de

oitocentas mil pessoas da etnia tutsi incentivado pelo governo hutu, que no prazo de

cem dias atingiu o número de mortos que resulta numa média de oito mil mortos por

dia.

O jornalista Philip Gourevitch assim registrou o que viu em Ruanda,

durante a sua peregrinação pós genocídio:

80

De vez em quando, covas coletivas eram descobertas e escavadas, e os restos mortais eram transferidos para sepulturas coletivas e adequadamente consagradas. Ainda assim, nem mesmo os ossos eventualmente expostos, o número notável de pessoas amputadas ou deformadas por cicatrizes e a superabundância de orfanatos lotados poderiam ser tomados como evidência de que o que havia acontecido em Ruanda era uma tentativa de eliminação de todo um povo. Para isso, só havia as histórias das pessoas (GOUREVITCH, 2006, p. 21).

Para o Secretário Geral da ONU e para o Ministro do Exterior da

França a mortandade em Ruanda tinha um nome: Genocídio. Porém para a

Comissão de Direitos Humanos da ONU: um possível genocídio. Para os Estados

Unidos da América o genocídio não era bem visto. Afirmou Christine Shelley, porta-

voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que não era possível falar em

genocídio, pois não era advogada, portanto não havia como definir genocídio do

ponto de vista acadêmico do direito internacional (GOUREVITCH, 2006, p. 148).

Shelley chegou um pouco mais perto da resposta certa, quando declarou rejeitar a denominação de genocídio porque ‘há obrigações que aparecem em conexão com o uso do termo’. Ela quis dizer que, sendo um genocídio, a Convenção de 1948 exigia que as partes contratantes agissem. Washington não queria agir. Então Washington fazia de conta que não era um genocídio (GOUREVITCH, 2006, p. 149).

A discussão gira em torno de uma situação mundialmente

insustentável, onde não quiseram usar a palavra genocídio, pois se assim o

fizessem teriam que agir, tanto Estados, como Organizações Internacionais, citando,

a título de exemplo, os Estados Unidos da América e a ONU, respectivamente.

Registra-se o episódio de maior afronta aos direitos humanos pós Segunda Guerra

Mundial. Uma colonização como a que ocorreu em Ruanda traz consequências

terríveis no cotidiano de um povo. De semelhante modo ocorrem tais situações em

outros países do continente africano. Talvez a tentativa de punições aos

responsáveis possa servir de exemplo aos outros conflitos.

81

Como resultado do genocídio ocorrido em Ruanda, o Tribunal Penal

para aquele país foi criado pela Resolução do Conselho de Segurança da

Organização das Nações Unidas de nº 955, de 8 de novembro de 1994, na cidade

de Arusha, na Tanzânia.35

O Tribunal foi criado com a finalidade de julgar os responsáveis pelo

genocídio e outras violações das leis internacionais acontecidas no território nacional

de Ruanda em 1994, no período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1994,

sendo tais responsáveis, os oficiais e os cidadãos ruandeses.

O Tribunal Penal Internacional para Ruanda é regido pelo estatuto

que se encontra anexo à resolução 955 do Conselho de Segurança36.

Quanto à Jurisdição do Tribunal ela se divide em:

1. Ratione materiae: genocídio, crimes contra a humanidade,

violação do Art. 3º, comum às Convenções de Genebra e do Protocolo Adicional II;

2. Ratione temporis: crimes cometidos entre 01 de janeiro e 31 de

dezembro de 1994;

3. Ratione personae et ratione loci: crimes cometidos por ruandeses

no território de Ruanda e no território de Estados vizinhos, bem como não-cidadãos

ruandeses por crimes cometidos em Ruanda.

Dentre as condenações do Tribunal Penal Internacional para

Ruanda, destacam-se as duas mais recentes que ocorreram em 21 de dezembro de

2011, sendo condenados à prisão perpétua dois dos principais responsáveis pelo

genocídio de Ruanda em 1994, Édouard Karemera e Matthieu Ngirumpatse. Eles

foram considerados culpados por incitação direta e pública ao genocídio, extermínio,

35

Disponível em: www.un.org/Conselho de Segurança das Nações Unidas Resolução 955 S-RES-955(1994):

Acesso em 02/01/2012. 36

O Conselho de Segurança da ONU adotou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, fazendo

adaptação do Estatuto para o Tribunal da ex-Iugoslávia. Disponível em: http://www.un.org/Conselho de

Segurança das Nações Unidas. Resolução 955 S-RES-955(1994). Acesso em 03/01/2012.

82

agressão sexual e assassinato. Matthieu Ngirumpatse era presidente do então

partido da situação Movimento Revolucionário para o Desenvolvimento (MRND) e

Édouard Karemera era vice-presidente, além de Ministro do Interior do governo

interino37.

37

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas determinou ao Tribunal Penal Internacional para

Ruanda que adote "todas as medidas possíveis para rapidamente concluir todo o trabalho que permanecem o

mais tardar até 31 de dezembro de 2014”, sendo tal solicitação estendida também ao Tribunal Penal

Internacional para a ex Iugoslávia. Disponível em: http://www.onu.org.br/dois-organizadores-do-genocidio-em-

ruanda-sao-condenados-a-prisao-perpetua/. Acesso em 02/01/2012.

83

6. ESTATUTO DE ROMA E A CONSOLIDAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL

Após a criação dos Tribunais Penais ad hoc, que possuíam o escopo

de condenar os infratores das normas do Direito Internacional Humanitário, decidiu-

se criar um tribunal que julgasse os crimes de guerra, de agressão, de genocídio,

bem como os contra a humanidade e que possuísse caráter permanente. Deste

modo, houve uma mobilização internacional para criar o Tribunal Penal Internacional

permanente, que seria consolidado através do Estatuto de Roma.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um tribunal permanente, criado pelo Estatuto de Roma, em 1998. Por seu caráter permanente, distingue-se dos dois tribunais ad hoc instalados por Resolução do Conselho de Segurança da ONU, exclusivamente para julgar crimes cometidos durante um determinado período nos territórios da extinta Yugoslávia e em Ruanda. Distingue-se também desses tribunais por ser um Tribunal independente do sistema das Nações Unidas

38.

No mesmo sentido, o sítio oficial do Tribunal Penal Internacional

informa:

O Tribunal Penal Internacional (TPI), regido pelo Estatuto de Roma, é o primeiro tribunal permanente criado para ajudar a pôr fim à impunidade de autores que cometem os mais graves que preocupam a comunidade internacional

39.

O Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional, fora

aprovado em 17 de julho de 1998, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários,

para o estabelecimento da Corte Internacional Penal, realizada na capital italiana

que compõe o título do Estatuto, sendo aprovado por maioria dos votos. Cento e

vinte Estados votaram a favor, sete nações contra (China, Estados Unidos, Israel,

38

Disponível em http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/About+the+Court/. Acesso em 12/12/11. O Estatuto de

Roma é um tratado, que entrou em vigor em 2 de julho de 2002. O Brasil ratificou o Estatuto de Roma pelo

Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002. 39

Disponível em http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/About+the+Court/. Acesso em 12/12/11.

84

Sri Lanka, Filipinas, Índia e Turquia) e, ainda, vinte e uma abstenções. Entre os

países signatários, destaque para o Brasil e, dentre os que votaram contra,

merecem menção os Estados Unidos da América e a China.

Após a aprovação do Estatuto de Roma, abriu-se documento para

as assinaturas, com o propósito de preencher o requisito exigido pelo Art. 126 do

supracitado Estatuto, que prescrevia a necessidade de haver a ratificação de

sessenta países para a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional.

Sobre o tema, KRIEGER elucida:

Com a aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ao se findarem as atividades da Conferência de Roma em 17 de julho de 1998, e conforme disposto em seu Art. 125, o documento ficou aberto para assinaturas naquela data, junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, em Roma. Após, o tratado foi depositado para assinaturas junto ao Ministério de Relações Exteriores da Itália até 17 de outubro de 1998, e depois dessa data o Estatuto esteve aberto para assinaturas na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque (2006, p. 166)

Em 11 de abril de 2002, sessenta e seis Estados já haviam ratificado

o Estatuto, ultrapassando o requisito exigido pelo Art. 126 do Estatuto de Roma

(eram necessárias sessenta ratificações). No dia 01 de julho de 2002, data

significativa para efeito de sua competência, entrou em vigor, oficialmente, o

Tribunal Penal Internacional. No dia 11 de março de 2003, em Haia, tomaram posse

os dezoito juízes, eleitos no dia 07 de fevereiro de 2003, formando, assim, a primeira

e histórica composição do Tribunal (PIOVESAN: 2011; p. 286).

Segundo KRIEGER:

[...] Em 1º de julho de 2002, entrou finalmente em vigor o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, após ter vencido uma longa caminhada de dificuldades. [...] O novo Tribunal Internacional, cuja plena operacionalidade deu-se em meados de 2003, vai aplicar uma parte mínima do Direito Internacional Humanitário [...]. (2004, p. 166).

85

Destaca-se que o Brasil ratificou o Estatuto de Roma e instituiu o

Decreto n. 4.388/2002, o qual tem por finalidade regular as normas do Tribunal

Penal Internacional no Estado brasileiro.

Logo após a consolidação do Tribunal Penal Internacional, passou a

figurar no cenário internacional um órgão permanente, cuja finalidade é julgar os

criminosos de guerra.

Quando KRIEGER menciona que o Tribunal Penal Internacional irá

aplicar tão somente uma pequena parte do Direito Internacional Humanitário, o

referido autor quer elucidar que serão apreciadas pelo Tribunal, somente as

condutas inseridas no Art. 5º de seu estatuto constitutivo, conforme se vê:

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) crime de genocídio; b) crimes contra a humanidade; c) crimes de guerra; d) crime de agressão

40.

6.1. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Conforme informações extraídas do sítio oficial do Tribunal Penal

Internacional41, será demonstrada neste subitem a estrutura organizacional, bem

como a composição do Tribunal.

O Tribunal Penal Internacional é formado por quatro órgãos: a)

Presidência; b) Divisões Judiciais (uma Seção de Recursos, uma Seção de

Julgamento em 1ª Instância e uma Seção de Instrução); c) Gabinete da Promotoria;

d) Secretaria.

40

Estatuto do Tribunal Pena Internacional, obra citada. 41

Disponível em: http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0105/Cent

ral+African+Republic.htm

86

Esta é uma breve descrição acerca dos órgãos mencionados neste

parágrafo:

a) Presidência: é o órgão responsável pela administração do

Tribunal Penal Internacional, salvo o Gabinete da Procuradoria e também por

deliberações atribuídas especificamente à presidência de acordo com o Estatuto. O

Presidente é eleito pelos juízes da corte e possui o mandato de três anos.

Atualmente, ocupa o cargo de presidente do Tribunal Penal Internacional o Juiz

Sang-Hyun Song, da Coréia do Sul. A 1ª Vice-Presidente é a Juíza Fatoumata

Dembele Diarra, da República do Mali e o 2º Vice-Presidente é o Juiz Hans-Peter

Klau, da Alemanha. De acordo com o Art. 38 do Estatuto de Roma, os juízes do

Tribunal eleitos à Presidência, em 11 de março de 2009, têm mandato por 03 (três)

anos.

b) Divisões Judiciais: são compostas por dezoito juízes divididos em

três sessões. A primeira sessão é a divisão de pré-avaliação, responsável pela

verificação da legalidade e integridade das investigações realizadas pelo promotor,

bem como, pela aceitação do processo e as medidas que devem ser tomadas para

garantir a efetividade do procedimento. Também possui a função de realizar o

exame de admissibilidade dos processos. A segunda sessão é composta pela

divisão de avaliação, responsável pelo julgamento que determinará a inocência ou a

culpa do acusado. A terceira sessão é formada pela divisão de recursos, onde se

processará e julgará os possíveis recursos interpostos pela promotoria ou pelo

acusado, com o fito de atender ao duplo grau de jurisdição.

c) Gabinete da Promotoria: é o órgão responsável pelas

investigações e por instaurar processo contra os infratores dos crimes tipificados

87

pelo Art. 5º do Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional. O órgão é

composto pelo promotor e seus assistentes. Atualmente, quem comanda este órgão

é o Promotora Fatou Bensouda, de Gâmbia 42.

d) Secretaria: é o órgão responsável pela parte administrativa do

Tribunal Penal Internacional e pelo suporte para os outros órgãos.

6.2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

O Tribunal Penal Internacional possui competência para julgar os

crimes descritos no Estatuto de Roma. Tais crimes estão insertos no Art. 5º do

Estatuto constitutivo do Tribunal e são explicados dos arts. 6º ao 9º do mesmo

Estatuto.

Desta forma, de acordo com o Estatuto de Roma, o Tribunal Penal

Internacional possui competência para julgar, tão somente, os crimes descritos no

Art. 5º do Estatuto de Roma, quais sejam: a) o crime de genocídio; b) os crimes

contra a humanidade; c) os crimes de guerra; d) o crime de agressão.

Transcrevem-se os termos do Art. 5º do Estatuto do Tribunal Penal

Internacional:

1. A jurisdição do tribunal se limitará aos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional em seu conjunto. O Tribunal terá jurisdição, em conformidade com o presente Estatuto, sobre os seguintes crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os crimes de guerra; d) o crime de agressão

43.

42

A Décima Sessão da Assembleia dos Estados-Partes, realizada na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque

entre os dias 12 a 21 de dezembro de 2011, elegeu formalmente Fatou Bensouda, de Gâmbia, como a nova

Promotora-Chefe do Tribunal Penal Internacional. O nome de Bensouda foi o único proposto pelos 120 Estados

Membros na eleição que ocorreu na sede das Nações Unidas. O o fato de que uma africana será a nova face

pública do Tribunal foi saudado como uma vantagem, já que a carga de trabalho cresce e, como explanado, nesta

dissertação, vem exclusivamente do continente africano. Como atual Vice-Promotora do Tribunal, Bensouda irá

assumir o lugar de seu chefe, Luis Moreno-Ocampo, da Argentina. Disponível em http://www.rnw.nl/ Acesso em

01/01/2012. Sítio holandês da Radio Nederland Wereldomroep. 43

Estatuto de Roma, obra citada. p. 556.

88

Como demonstra o Art. 5º do Estatuto de Roma, tais crimes foram

escolhidos, porquanto são considerados os mais graves e mais preocupantes para a

comunidade internacional.

Destaca-se ainda que o Tribunal Penal Internacional apenas poderá

exercer a competência para julgar o rol das condutas penais expostas no Art. 5º de

seu estatuto após a sua entrada em vigor, que oficialmente, ocorreu em 1º de julho

de 2002. Tal disposição está expressa no Art. 11, § 1º, do Estatuto do Tribunal. Caso

algum Estado venha a aderir ao presente Estatuto, aplicar-se-ão os termos do Art.

11, §2º, do referido estatuto que prescreve:

2. Se um Estado se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua entrada em vigor, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do presente Estatuto relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração nos termos do parágrafo 3° do Art. 12.

44

A seguir, os crimes passíveis de punição pelo Tribunal Penal

Internacional, nos termos do Art. 5º do Estatuto de Roma.

6.3. O CRIME DE GENOCÍDIO

Tipificado pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do

Crime de Genocídio, aprovada e aberta à assinatura e ratificação ou adesão pela

Resolução nº. 260 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 9 de

dezembro de 1948, o genocídio é deliberado por meio de uma lista exaustiva de atos

que englobam não apenas o assassinato em massa com fim de destruição, mas

também a submissão a condições degradantes, que possam levar ao

44

Estatuto de Roma, obra citada. p. 561. A declaração permitirá que o Estado submeta ao Tribunal a

competência em relação ao crime em questão. Artigo 12, parágrafo 3º do Estatuto.

89

desaparecimento de um determinado grupo, ou seja, um ato criminoso de barbarizar

comunidades, grupos étnicos e religiosos ou partidários político-ideológicos hostis

que tornara-se prática logo no início do século XX, mas ganhou classificação tardia.

Os massacres dos hererós pelos alemães na Namíbia (1904-1907),

dos armênios na 1ª Guerra Mundial (1914-1919), de haitianos residentes na

República Dominicana, em 1937, representaram as primeiras dessas barbáries

(TEIXEIRA DA SILVA; 2006, p. 1).

Assim a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de

Genocídio, define em seu Art. 2º 45:

Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (a) matar membros do grupo; (b) causar lesão grave à integridade de física ou mental de membros do grupo; (c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; (d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

O genocídio é o primeiro crime inserto na competência do Tribunal

Penal Internacional, definido no Art. 6º do Estatuto de Roma.

Na mesma linha, Pietro Verri, complementa que:

El genocídio incluye también: la asociación para cometer genocidio, la instigación directa y pública a cometerlo, la tentativa de genocidio y lacomplicidad en su perpetración. Si se comete en tiempo de guerra, el genocídio es um crimen de guerra. No está considerado como delito político para los efectos de la extradición. (2002, p. 55).

46

45

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, obra citada. p. 383. 46

Em tradução livre: O crime de genocídio abarca também: a conspiração e a tentativa, bem como a incitação

direta e pública para o cometimento de tal crime. Se cometido em tempo de conflito beligerante é considerado

um crime de guerra. Não pode ser considerado como um crime político para os efeitos da extradição.

90

KRIEGER corrobora:

O crime de genocídio pode ser cometido em momentos de guerra interna ou internacional ou de paz, sendo imprescritível; logo, os procedimentos judiciais podem ser iniciados independentemente de quanto tempo possa ter passado desde os fatos [...] (2004, p. 175).

Surgem os experimentos eugênicos dentro deste contexto47. O

Holocausto, prática nazista para eliminar os judeus (primeiro através da emigração,

depois com o extermínio nos campos construídos na Polônia) configurou-se no auge

da violência coletiva. Mas, num primeiro momento, crer em um plano para

aniquilação pura e simples, plano até então nunca visto, não podia ser imaginado.

As histórias sobre os crematórios e as câmaras de gás alemães, pareciam

invencionices. Era como se o ceticismo dominasse a Europa.

Defendia BAUMAN que:

47

Ao lado desses eventos é importante destacar o avanço dos experimentos eugênicos desenvolvidos a partir de

fins do século XIX. Ignorá-los, nesse contexto, seria não compreender por completo o Holocausto e as práticas

utilizadas para promovê-lo. A eugenia, proposta pelo inglês Francis Galton em 1865 (Francis Galton, 1822-1911,

era primo de Charles Darwin, o principal defensor da Teoria da Evolução das Espécies. O trabalho de Darwin

influenciou Galton, que começou a escrever sobre as possibilidades de os humanos dirigirem sua própria

evolução. Em um livro publicado em 1869, Galton usou estudos sobre famílias de homens importantes para

demonstrar que "seria bem prático produzir uma raça de homens superdotados através de casamentos bem

planejados durante várias gerações sucessivas". Galton não estava sozinho em sua busca pelo melhoramento da

espécie humana. (Revista Ciência Hoje, vol. 19/ nº 109, maio de 1995). Era “a ciência do aperfeiçoamento da

raça humana”. Flávio Limoncic explica que o momento de intensas transformações industriais e urbanistas

contribuiu para a pesquisa e o desenvolvimento das ideias sobre a constante evolução da raça humana,

consequentemente compreendida como evolução moral. Com isso, nas primeiras décadas do século XX, os

estudos eugênicos apressavam o trabalho da natureza, sendo incorporados a “políticas de saúde pública, métodos

de esterilização e legislações sobre imigração”, tanto em regimes políticos identificados como conservadores

quanto progressistas. As pesquisas e as práticas eugênicas alcançaram o mundo, Dinamarca, Estados Unidos,

Inglaterra, Noruega e até mesmo o Brasil, no âmbito das discussões acerca do embranquecimento da sociedade

brasileira e da miscigenação nas décadas de 1920 a 1940 (FRY: 2005; p. 196).

E sob forte financiamento

voltaram-se contra pobres, estrangeiros, negros, judeus e outros grupos, em suma, aquele que fosse considerado

estranho. Estes procedimentos levaram, em dado grau de deturpação, ao anti-semitismo, ao Holocausto e ao

apartheid, dizendo que “a genética diferenciada dos homens deveria explicar a história”. LIMONCIC, Flávio.

Eugenia. Disponível em: www.ifc.s.ufrj.br/tempo.dcpd15.html.

91

O Holocausto foi o encontro único entre as velhas tensões que a modernidade sempre ignorou, desdenhou ou fracassou em resolver, e os poderosos instrumentos da ação racional e eficaz aos quais a evolução moderna deu origem (1998; p.20).

Para BAUMAN:

A linguagem e a retórica de Hitler transbordavam de imagens de doença, de infecção, de contágio, de putrefação e de pestilência. Ele comparava o cristianismo e o bolchevismo à sífilis ou à peste, ele falava dos judeus como se estes fossem bacilos, germes de decomposição ou vermes (1998; p.125).

Assim, segundo Zygmunt Bauman, os executantes da vontade de

Hitler falavam da execução dos judeus como "cura" da Europa, "autolimpeza" e

"limpeza da mancha judaica" (1998; p.126).

Segundo BIZZO, os atos de Adolf Hitler e do Partido Nazista, por ele

controlado, foram estimulados por teorias eugenistas. Estima-se que entre dezoito e

vinte e seis milhões de pessoas, das quais cerca de metade eram judeus, foram

mortos em campos de concentração devido à crença nazista de que indivíduos

"inferiores" deveriam ser controlados pela raça superior germânica, raça ariana.

Durante esses mesmos anos, nos Estados Unidos, muitos eugenistas defendiam a

esterilização de indivíduos considerados defectivos. (1995, p. 28-35).

Em contrapartida aos números apresentados por BIZZO, PIOVESAN

considera que cerca de dezoito milhões de pessoas foram enviadas a campos de

concentração, resultando na morte de onze milhões, sendo seis milhões de judeus,

além de comunistas, socialistas, homossexuais, testemunhas de Jeová e ciganos.

(PIOVESAN; 2004: p. 40).

Assim, a linguagem não tinha palavras para expressar o Holocausto,

já que assassinato em massa teria soado, diante daquela totalidade sistemática e

92

planejada, como alguma coisa vinda dos bons tempos dos assassinatos em série,

ou como escreveu Primo Levi no romance intitulado: ―É isto um homem?‖. No

momento em que o homem está despido, após ser submetido à seleção e a

desinfecção argumenta: ―pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa

língua não tem palavras para expressar essa ofensa, a aniquilação de um homem‖

(1997; p. 24).

A exploração do homem pelo homem é histórica. Assim, quando não

se podia mais ignorar os mortos e os relatos das atrocidades venceram o ceticismo,

a expressão genocídio surgiu em 1944, com a publicação do trabalho original Axis

Rule in Occupied Europe48, obra sem tradução em Língua Portuguesa, do jurista

polonês de ascendência judaica, Raphael Lemkin. POWER conta que o livro era

uma extensa compilação, na época com 712 páginas, das leis e decretos impostos

pelas potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), nos territórios ocupados na 2ª

Guerra Mundial. Explica também que fora extremamente influenciado pelo contato

do autor com as atrocidades cometidas contra os armênios ainda nos anos da

graduação em linguística na Universidade de Lovov (POWER; 2004, p.61). Nele,

Lemkin especificava o estatuto jurídico daquela violência maciça contra minorias.

Para o autor, o genocídio correspondia:

To declare the destruction of racial, religious or social crime under the law of nations" [...] "the criminal intent to destroy or weaken permanently a human group. The acts are directed against each of the groups and the individual is selected for destruction only because they belong to this group

49.

(ANDREOPOULOS; 1997: p.1).

48

Em tradução livre: O domínio do Eixo na Europa ocupada. 49

Em tradução livre: “Declarar a destruição de grupos raciais, religiosos ou sociais um crime sob a lei das

nações” [...] “a intenção criminal de destruir ou enfraquecer permanentemente um grupo humano. Os atos são

dirigidos contra cada um dos grupos e o indivíduo é selecionado para a destruição somente porque pertence a

esse grupo”.

93

Lemkin questionava duramente o fato de haver na legislação

internacional menção à pirataria, ao comércio de drogas e mulheres, e à escravidão,

enquanto sobre o genocídio se fazia silêncio. Ele dizia que:

Parece incoerente com nossos conceitos de civilização que vender uma droga a um indivíduo seja um problema de interesse mundial enquanto envenenar com gás milhões de seres humanos possa ser um problema de interesse interno. Também parece incoerente com nossa filosofia de vida que o rapto de uma mulher para prostituição também seja um crime internacional enquanto a esterilização de milhões de mulheres permanece um assunto interno do país em questão (POWER; 2004, p.73).

Algum tempo depois, Lemkin alcançou seu objetivo e o genocídio

passou a dispor de amplo reconhecimento internacional e cobertura jurídica.

Desde o término da 2ª Guerra Mundial e da fundação da

Organização das Nações Unidas (1945), Lemkin tornou-se um militante por uma

legislação contra o genocídio. Reuniu esforços nesse intuito e recebeu apoio

especialmente nos Estados Unidos. Em 1946, a ONU instituiu uma resolução em

relação ao crime de genocídio, onde se buscava pela primeira vez definir o crime e

arregimentar apoio para as ações jurídicas que seriam movidas dali em diante em

resposta ao Holocausto.

No dia 11 de dezembro de 1946, as Nações Unidas aprovaram a

Resolução nº 96, que assim grafou o conceito de genocídio na lei internacional.

Genocídio é a negação do direito de existência de grupos humanos inteiros, porque o homicídio é negação do direito individual de viver dos seres humanos; tal negação do direito de existência de conflitos conscientes da humanidade resulta em grandes perdas para humanidade, na forma de contribuições culturais entre outras representadas por estes grupos humanos e é contrária à lei moral e ao espírito e alvos das Nações Unidas

50.

50

Resolução 96. O crime de genocídio. Assembleia Geral das Nações Unidas. Nova Iorque, 11/12/1946.

Disponível em: http://www.un.org/spanish/documents/ga/res/1/ares1.htm. Acesso em 14/12/2011.

94

A dimensão jurídica proposta em Lemkin conformou a concepção da

Organização das Nações Unidas sobre o genocídio e assim o conceito foi

institucionalizado. Segundo Giorgio Bianchi, ele indica ―a destruição em massa de

um grupo étnico, assim como todo o projeto sistemático que tenha por objetivo [..]

destruir no seu todo, ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso [...]‖

(2004; p. 543-544).

Tal concepção definia-o como um crime contra o Direito

Internacional, contrário ao espírito e aos fins das Nações Unidas, e que o mundo

civilizado condenaria com veemência. Além disso, invocava aos Estados Membros

da ONU a criação de um estatuto que consolidasse medidas para a precaução e a

punibilidade do genocídio. Como consequência, a Assembleia Geral da ONU

aprovou, em 9 de dezembro de 1948, a Convenção para a Prevenção e a

Repressão do Crime de Genocídio, através da Resolução nº 260.

Para a Convenção, o genocídio consiste na destruição total ou

parcial de grupos minoritários. Dessa feita, de acordo com o Art. 2º:

Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.51

A Convenção passa a considerar crime, além do próprio genocídio, a

cumplicidade, a conspiração, o conluio, a incitação direta e pública para o genocídio

e mesmo a tentativa de cometê-lo. Dessa forma, de acordo com o Art. 4º, em

51

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, obra citada. p. 383.

95

Estados que ―indivíduos que tiverem cometido o genocídio [...] serão punidos, sejam

governantes, funcionários ou particulares‖ 52.

Os artigos subsequentes destacam as várias obrigações impostas

aos Estados signatários do documento com relação à criação de mecanismos para

punição dos acusados, mas informa que o genocídio não constitui matéria para

crime político suscetível à extradição. Nesse sentido, caso seja comprovada a culpa

de algum acusado noutro país e seja necessário extraditá-lo, o trâmite deverá ser

feito em concordância com a legislação e os tratados em vigor entre as partes53.

O texto prossegue, com exceção dos nove artigos finais, que são

essencialmente processuais no intento de impor diversas obrigações às partes

signatárias da Convenção, para decretar medidas domésticas que visem evitar e

punir o genocídio. Os Art. 8º e 9º do texto fornecem os mecanismos essenciais para

que os Estados procedam tais medidas: recorrer, quando necessário, aos órgãos

competentes da ONU para que esses tomem medidas em concordância com a Carta

da Organização de 1945, para a prevenção e a repressão de qualquer dos atos

mencionados no Art. 3º. Define também que a responsabilidade para solucionar

qualquer controvérsia quanto à interpretação, aplicação ou execução da Convenção

e à responsabilidade dos Estados perante a mesma cabe essencialmente à Corte

Internacional de Justiça (CIJ)54.

Logo, o genocídio passa a ser compreendido como o crime

imprescritível que tem como objetivo a obliteração ou o enfraquecimento de um

grupo de pessoas que devem ter a mesma nacionalidade, etnia, raça e religião,

através de métodos não ortodoxos, como o homicídio e graves moléstias à

integridade física e mental.

52

Idem.

54

idem, obra citada. p. 383 e 384.

96

Todavia, deve-se ressaltar que o Estatuto do Tribunal Penal

Internacional não estabeleceu parâmetros quantitativos para a configuração do

crime de genocídio, pois este independe do número de pessoas mortas para ser

caracterizado. Desta forma, a intenção de cometê-lo, torna-se passível de

apreciação pelo referido órgão julgador.

AMBOS e CHOURK elucidam:

O fato de a definição referir-se a qualquer um nas condições da definição empregada não significa que alguém deva morrer para que o crime seja caracterizado. Esta interpretação também se aproxima dos propósitos da Convenção do Genocídio, que é a prevenção de sua ocorrência, e não apenas punir os perpetradores depois que os crimes tenham sido praticados (2000 p. 199).

Quando se sustenta a necessidade de pensar sobre o genocídio,

não só para compreender aquilo que aconteceu, mas também para detectar futuras

situações nesse sentido, devem-se abordar outras dimensões dessa discussão.

Para isso foram escolhidos Zygmunt Bauman, Israel Charny, John Langshaw Austin

e Theodor Adorno.

Zygmunt Bauman (1925), sociólogo polonês e professor emérito das

Universidades de Leeds e Varsóvia, descreve em ―Modernidade e Holocausto‖, obra

emblemática sobre o tema, o anti-semitismo, suas motivações e propósitos e,

especialmente, as consequências da industrialização dos assassinatos em massa.

Origina-se no Holocausto, para ele, uma fratura fundamental na Sociologia, que

levaria à criação de uma ciência pós-Auschwitz, capaz de ajudar a compreender

aquele estado de coisas e o mundo dali em diante (BAUMAN: 1998; p.30).

Ele considera o anti-semitismo polimorfo, uma das possíveis

consolidações das fobias antimodernistas. Mas concentrar-se numa explicação

97

racista ou heterofóbica para o Holocausto, isto é, ele só ocorreu porque se odiava

judeus, por exemplo, é ao mesmo tempo fonte de horror e potencialmente perigoso,

pois acaba por desviar a atenção das verdadeiras causas do desastre, as quais são

fundadas em certos aspectos da mentalidade moderna e na organização moderna

(BAUMAN: 1998; p.102-103).

BAUMAN sustenta a tese de que:

O Holocausto foi um choque único entre as velhas tensões que a modernidade ignorou, negligenciou ou não conseguiu resolver e os poderosos instrumentos de ação racional e efetiva que o próprio desenvolvimento moderno fez surgir (BAUMAN: 1998; p.16).

Nessa seara, o autor destaca a existência de duas vertentes

explicativas acerca do Holocausto e sobre isso se constitui um dos aspectos mais

significativos de sua análise, senão o mais. A primeira delas guardaria aqueles

acontecimentos na gaveta das ―patologias‖ daquela sociedade específica, isto é,

torná-lo-ia como um evento social único, histórico e, portanto, não suscetível à

repetição, demarcando-o apenas como o capítulo mais brutal do anti-semitismo. A

segunda, de outro modo, garantir-lhe-ia a condição de clímax, mas inseriria o

Holocausto num extenso rol de genocídios religiosos, culturais, étnicos, sem

considerar que, de fato, quaisquer crimes desse tipo são mais que delitos contra a

lei internacional (BAUMAN: 1998; p.19).

Não obstante a disseminação dos dois vieses, ambos apresentam,

para o autor, uma limitação e vedam a implicação da modernidade sobre o

Holocausto. Em verdade, trata-se tanto de uma ―engenharia social‖, fruto da

racionalidade moderna, quanto o resultado da disposição moderna em planificar e

controlar. Nas palavras de BAUMAN: ―A civilização moderna não foi à condição

98

suficiente do Holocausto, mas ela foi sua condição necessária. Sem ela o

Holocausto seria inimaginável‖ (BAUMAN: 1998; p.32).

Por conseguinte, ao contrário do que se argumenta habitualmente,

alheio ao tratamento oferecido por BAUMAN, o Holocausto não é irracionalidade ou

extravagância de violência, em verdade, ele se legitima na modernidade, conforme

explicita o autor:

O Holocausto, porém, seria claramente um jorro impensável dos resíduos ainda não plenamente erradicados de barbárie pré-moderna. Era um morador legítimo da casa da modernidade; com efeito, um morador que não poderia se sentir em casa em nenhum outro lugar (BAUMAN: 1998; p.37).

Para Israel Charny, psicólogo de origem judaica, o genocídio merece

ser compreendido na sua dimensão psicológica, o que envolveria três categorias: a

vítima, o espectador e o perpetrador. Nesse sentido, a sua percepção escapa do

aspecto jurídico e está focado no Estado da Convenção e dos autores apresentados

anteriormente.

Na visão do autor, a vítima não tem participação na escolha de seu

destino e geralmente desconhece essa condição até que certa fúria esmagadora e

assassina volta-se contra ela. O espectador encarna aqueles que conhecem a

execução do genocídio e a escolha das vítimas, porém decidem não lutar pela vida

dos outros. Por fim, há o perpetrador ou algoz, aquele que seleciona as vítimas,

produz e executa as mortes.

O autor afirma ainda ―clareza absoluta do fato de que

os perpetradores continuam inteiramente responsáveis pelo mal que cometem, e

não as vítimas‖ (CHARNY: 1988; p.14-17).

CHARNY pontua uma questão bastante interessante: o homem

normal como genocida. Não se trata de especificidade deste ou daquele povo — por

exemplo, os alemães tinham pré-disposição genocida, os brasileiros não a possuem

99

— ou de um determinado contexto, mas da disponibilidade de condições para que a

motivação e a intenção genocida se desenvolvam. Da mesma forma aos

espectadores, basta serem seduzidos pelo ―espetáculo emocionante‖ ou temerem

aquilo que presenciam.

Para o autor, em termos psíquicos, perpetradores e

espectadores não são mentes adoecidas, mas pessoas submetidas a um tipo de

sociedade que ―provoca, justifica, ordena e torna legítima a violência‖ contra o outro

e com isso ―o homem [normal] é obnubilado ou embriagado pelo processo coletivo‖

(CHARNY: 1988; p.76).

Diz o autor que não se deve pensar em genocídio como um ato

praticado por loucos incontroláveis, monstros inacreditáveis ou somente o governo,

tal qual se pensa comumente que ―Fulano (nome do ditador) estava louco. Todo

mundo vai sofrer enquanto houver loucos como ele andando soltos por aí‖

(CHARNY: 1988; p.212), Pois os genocídios são assuntos do presente e do futuro e

não somente em eventos decorridos - não é só no passado que se encontram

pessoas aptas a perseguir minorias e que buscam a eliminação das diferenças.

O filósofo da linguagem John Austin (1911-1960), de origem inglesa,

desenvolveu parte significativa da Teoria dos Atos Discursivos, perspectiva

altamente festejada, inclusive no campo das Ciências Sociais. Para o autor o

discurso possui três dimensões concomitantes: a locucionária (o enunciado estrito

de cada elemento linguístico), o ato de assegurar a execução daquilo que se fala,

que é a dimensão ilocucionária e, por fim, o ato perlocucionário, aquilo que se

realiza pela linguagem.

Essas dimensões estão presentes em todo discurso, seja ele

falado ou escrito, segundo a perspectiva austiniana (AUSTIN: 1990; p. 88-89).

De fato, o genocídio precisa sim de um catalisador: geralmente um

louco ou ditador sanguinário - mas o seu papel se restringe, na maioria das vezes,

100

ao convencimento dos demais. Decorre invariavelmente de uma ampla adesão do

Estado, institucionalmente ou de forma implícita.

Essa dimensão corresponde ao que

os linguistas denominam ação perlocutória ou ato perlocucionário, ou seja, aquilo

que transforma a palavra em ação. Para AUSTIN, ―o efeito equivale a tornar

compreensível o significado e a força da locução‖ e assim, o ato perlocucionário

implica ―produzir consequências no sentido de provocar estado de coisas de

maneira normal, isto é, mudanças no curso normal dos acontecimentos‖.

E isso

produz um efeito sobre o interlocutor, medo, convencimento, questionamento etc.

(AUSTIN: 1990; p. 100).

Este discurso55 perde a capacidade de ser apenas um enunciado

locucionário e por se tratar de um mandamento ganha o peso de uma promessa ou

compromisso ilocucionário, induzindo o interlocutor a dadas atitudes. Por isso,

podemos dizer que o genocídio corresponde a uma ação perlocutória.

Ratificando a Convenção, genocídios são determinados pelo

propósito de eliminar, de várias formas, total ou parcialmente, um determinado grupo

selecionado segundo características étnicas, nacionalistas, políticas ou religiosas,

catalisados pelo convencimento do sujeito — o homem normal — a partir de um

discurso cujos elementos linguísticos são perlocutórios e, portanto, garimpam a

adesão para a violência coletiva. Logo, não são somente os números de mortos e

câmaras de gás que estão contidos e precisam um genocídio.

Por fim, mas indubitavelmente importante, é necessário recuar no

tempo para dispor as reflexões chaves de Theodor W. Adorno (1903-1969), filósofo

alemão, acerca do genocídio.

55

Por exemplo, quando em Ruanda foi publicado os “Dez Mandamentos dos Hutus” e este afirmava em seu 8º

mandamento que: “os hutus têm de parar de ter pena dos tutsis” (GOUREVITCH; 2006: p. 86).

101

Sobre a barbárie do Holocausto, num texto bastante sintético, quase

pequenas pílulas de suas reflexões sobre diversos temas, inicialmente ADORNO

sublinha a ausência de um nome para a situação vivenciada naquela época. A

carência de vocabulário, ―diante daquela totalidade sistemática e planejada‖,

representava mais que uma deficiência linguística, mas a incomparabilidade daquilo

com o que era conhecido até então, fossem assassinatos em massa ou série. Por

isso, nomeá-lo era tanto necessidade comunicativa quanto fundamentar uma

terminologia legal sobre aquilo. Genocídio, portanto, passava a dimensionar o

sofrimento de inúmeras vítimas sem a insensatez de propor a lembrança do nome

de todas, ―mas, ao ser codificado, tal como é estipulado na Declaração Internacional

dos Direitos Humanos, o inominável tornou-se, para fins de protesto, comensurável‖,

com isso, a elevação da expressão genocídio à categoria de conceito, implica que

―sua possibilidade foi virtualmente reconhecida‖. Decorre, então, uma

institucionalização que determina o comprometimento das sociedades em discutir,

rejeitar e proibir os genocídios (ADORNO 1996; p. 39-50).

Por fim, interroga-se ADORNO se:

Um dia, talvez haja negociações na assembleia das Nações Unidas para determinar se alguma nova atrocidade se enquadra na categoria de genocídio, se as nações têm o direito de intervir [...] e se, diante da dificuldade imprevista de empregá-lo na prática, todo conceito de genocídio não deveria ser eliminado dos estatutos (1996; p. 39-50).

É possível deduzir que o autor antevia o que estava por vir no

cenário mundial. Como o fatídico genocídio ruandês ou tantos outros genocídios que

viriam a ocorrer, ao mesmo tempo em que ele questionava e alertava quanto aos

perigos da banalização do conceito.

102

Desde que a Organização das Nações Unidas se reuniu e legalizou

o repúdio aos crimes nazistas, ficou inteligível que os direitos humanos deveriam ser

preservados e que suas violações teriam que ser evitadas. A Guerra Fria indicou

haver problemas maiores que os chamados humanitários, isto é, o antagonismo

entre capitalismo e socialismo estava no centro das relações internacionais. Evitar

ou frear genocídios ou quaisquer outras variações desse crime era menos

importante que alterar a balança de poder bipolar. Os Estados e a própria ONU se

encontravam comprometidos com seus próprios inimigos (TEIXEIRA DA SILVA:

2004; p. 354).

Enquanto os olhos estavam voltados para evitar a catástrofe nuclear,

o regime comunista de Pol Pot, líder do Partido Khemer Vermelho, assassinou mais

de um milhão e setecentas mil pessoas no Camboja, na década de 1970, com uma

imprudente reforma política comuno-ruralista, que obrigou a eliminação da

população urbana (TEIXEIRA DA SILVA: 2004; p. 354).

Outros eventos, erroneamente caracterizados como de menor

dimensão: os massacres das milícias cristãs libanesas em Sabra e Chatila, em 1982;

a perseguição do governo indonésio no Timor Leste (1975-1999); o uso de gás

venenoso que vitimou civis curdos em Halabja em 1988; a recriação de campos de

concentração pela Sérvia e os assassinatos em Srebrenica na década de noventa

que também engrossam a lista de genocídios.

As práticas genocidas, assim, foram

mais comuns do que deveriam (TEIXEIRA DA SILVA: 2004; p. 354).

Com o fim do conflito bipolar, a emergência da chamada agenda

ética, doou novo fôlego às questões humanitárias e à própria percepção do conceito,

ao mesmo tempo em que conflitos nacionalistas, religiosos e étnicos escapavam do

obscurantismo em que se encontravam do período anterior. Deu-se então um

103

processo de reivindicação pelo reconhecimento como genocídios, por grupos que

também se sentiram atacados, como os poloneses, as Testemunhas de Jeová, e as

antigas colônias na África e na Ásia, quando acusaram o imperialismo, colocando

em discussão o conceito e suas medidas legais. O ponto alto desse debate foi em

2001, na Conferência das Nações Unidas contra o racismo, em Durban. Antes desse

encontro, porém, o ódio étnico e a rivalidade nacional, há muito inflados e

represados, produziram extrema brutalidade em Ruanda (TEIXEIRA DA SILVA:

2004; p. 354).

6.4. OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Os crimes contra a humanidade que constam no Art. 5º do Estatuto

do Tribunal Penal Internacional, segundo Krieger (2004), podem ser entendidos

como uma ofensa que afeta certos princípios gerais do Direito Internacional e que

preocupam a comunidade internacional.

Os atos que constituem os crimes contra a humanidade estão

descritos no Art. 7º, §1º e §3º, do mesmo Estatuto.

1 - Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por «crime contra a Humanidade» qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência à força de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais do direito internacional; f) Tortura; g) Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de sexo,

104

tal como definido no n.º 3, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis em direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste número ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento, ferimentos graves ou afetem a saúde mental ou física.

56

Pode-se perceber, desta forma, que os crimes contra a humanidade

previstos pelo Estatuto de Roma são atos de barbárie que causam sofrimento e

danificam a integridade física da população civil em um conflito armado.

Sobre essa modalidade de crime prevista no Estatuo de Roma,

Jupiassú ensina que:

Essa categoria de delito surgiu com os processos de Nuremberg, embora o termo crimes contra a humanidade seja conhecido, desde a IV Convenção de Haia de 1907, referente às leis e aos costumes da guerra terrestre por meio da chamada cláusula Martens

57 (2004: p. 21).

6.5. OS CRIMES DE GUERRA

Os crimes de guerra estão dispostos no Art. 8º do Estatuto do

Tribunal Penal Internacional. São uma série de atos que violam as disposições da

Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949:

Crimes de guerra, para efeitos do Estatuto de Roma, as violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, tais como qualquer dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente, in verbis: 1) Homicídio doloso; 2) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; 3) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; 4) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; 5) O ato de

56

Estatuto de Roma, obra citada. p. 556 e 557. 57

“Uma cláusula da maior transcendência merece destaque: a chamada cláusula Martens...Originalmente

apresentada pelo Delegado da Rússia, Friedrich von Martens, à I Conferência de Paz de Haia (1989)...Seu

propósito...era o de estender juridicamente a proteção às pessoas civis e aos combatentes em todas as situações.

A cláusula Martens sustenta a aplicabilidade continuada dos princípios...da lei de humanidade...CANÇADO

TRINDADE, Antonio Augusto. A humanização do Direito Internacional. Editora Del Rey. 2006: p. 94-96.

105

compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; 6) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial; 7) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; 8) Tomada de reféns.

58

Em cumprimento ao disposto no Art. 123, parágrafo 1º do Estatuto

de Roma, ocorreu em Kampala, no Uganda, de 31 de maio a 11 de junho de 2010, a

Conferência de Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Art. 123. 1º. Sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará uma conferência de revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto. A revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente, sobre a lista de crimes que figura no Art. 5.º[...] 59

Nesta Conferência, um grupo de trabalho contemplou, além do tema

que veremos a seguir (o crime de agressão), a questão dos crimes de guerra, com a

seguinte proposta de alterações ao Art. 8º do Estatuto de Roma, que dispõe sobre o

que se entende por crimes de guerra de caráter não internacional, para acrescentar

ao parágrafo 2º, alínea ―e‖, que trata de outras violações graves nos conflitos

armados, com doze atos, mais três atos, sendo eles os seguintes: XIII) emprego de

venenos ou armas químicas; XIX) emprego de gases asfixiantes, produtos tóxicos

ou outro e todos os líquidos, matérias ou dispositivos análogos; XV) emprego de

balas ―expansivas‖60.

6.6. O CRIME DE AGRESSÃO

Assim preceitua o Art. 5º, § 2º do Estatuto de Roma:

58

Convenção de Genebra, obra citada. p. 556 e 558. 59

Estatuto de Roma, obra citada. p. 608. 60

Disponível em: http://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10-

b&chapter=18&lang=en. Acesso em 20/12/2011.

106

O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que seja provada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a tal crime 2 - O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos Art. 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.

61

Define desta maneira o Art. 2º, § 4º da Carta das Nações Unidas

prevê que:

Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas.

62

Considerando que o Crime de agressão possuía apenas a

conceituação da Carta das Nações Unidas, havendo também a necessidade de uma

revisão, na mesma Conferência de Kampala de Revisão do Estatuto de Roma, um

grupo de trabalho contemplou, além de outros temas, a definição do crime de

agressão.

Na definição de agressão acertada em Kampala, os Estados que

fazem parte do Estatuto de Roma, acordaram que, em 2017, o Conselho de

Segurança das Nações Unidas poderá encaminhar os casos de agressão ao

Tribunal Penal Internacional para que líderes de todas as nações que tenham

cometido o crime de agressão possam ser processados, independentemente de

terem aderido ao Tribunal.

Por outro lado, se um Estado ou o Promotor do Tribunal encaminhar

o caso de agressão ao Tribunal Penal Internacional, o Conselho de Segurança da

ONU terá de verificar se, no caso encaminhado, ocorreu ou não um ato de agressão

61

Estatuto de Roma, obra citada. p. 556. 62

Carta das Nações Unidas, obra citada. p. 1128.

107

pela nação acusada, caso contrário, se o Conselho de Segurança não chegar a

nenhuma decisão, depois de decorrido seis meses, os Juízes de Instrução do

Tribunal poderão decidir sobre a questão e autorizar o Promotor a investigar a

agressão63.

6.7. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Segundo definição extraída do Dicionário Jurídico Brasileiro64:

Jurisdição (Latim jurisditione.) é o poder que é atribuído a uma determinada autoridade, para que esta faça cumprir determinadas classes de leis e punir quem as infringir em determinada área territorial. Pode ser compreendida como a atividade precípua de um órgão jurisdicional, com o desígnio de resolver as controvérsias através dos meios previstos em lei (SANTOS: 2001; p.137).

No caso do Tribunal Penal Internacional, sua jurisdição é

complementar, porquanto é subsidiária às jurisdições dos Estados que fazem parte

do Tribunal. Isso significa que o Tribunal exercerá sua jurisdição tão somente

quando o Estado-Nação, que violou as disposições contidas no Estatuto de Roma,

não a exercer.

Para melhor compreensão, colaciona-se o Art. 1º do Estatuto

Constitutivo do Tribunal Penal Internacional:

É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto

65.

63

Vide site oficial das Nações Unidas. Notificação de Depósito C.N.651.2010. Tratado-8, 29/11/2010. O

Tribunal poderá exercer a sua jurisdição se o Conselho de Segurança não se pronunciar num prazo de seis meses

após a notificação pelo Procurador da sua intenção em abrir um inquérito relativo a um ato de agressão.

Disponível em http://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10-

b&chapter=18&lang=en. Acesso em 20/12/2011. 64

Dicionário Jurídico Brasileiro, Washington Santos, Belo Horizonte, Del Rey, 2001. 65

Estatuto de Roma, obra citada. p. 555.

108

Na mesma linha, ACCIOLY, NASCIMENTO e SILVA e CASELLA

complementam:

O principal dispositivo do Estatuto, que figura no Art. 1º, é o princípio da complementaridade, nos termos do qual a jurisdição do Tribunal Penal Internacional terá caráter excepcional e complementar, isto é, somente será exercida em caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição primária. Ou seja, os Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes previstos no Estatuto do Tribunal (2009, p. 792-793).

MAZZUOLI ainda elucida:

A consagração do princípio da complementaridade, segundo o qual a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária às jurisdições nacionais (salvo o caso de os Estados se mostrarem incapazes ou sem disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes cometidos), contribui sobremaneira para fomentar os sistemas jurídicos nacionais a desenvolver mecanismos processuais eficazes, capazes de efetivamente aplicar a justiça em relação aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que passam também a ser crimes integrantes do direito interno dos Estados-Partes que o ratificaram (2004, p.175-176)

A jurisdição do Tribunal Penal Internacional está descrita nos arts.

12 e 13 de seu Estatuto66, que prescreve e regula a aceitação e o exercício

jurisdicional do Tribunal.

Nesse sentido, AMBOS e CHOUKR ensinam que:

Os arts. 12 e 13 contêm as provisões fundamentais para o regime jurisdicional da Corte Internacional Criminal. O Art. 12 (―pré-condições do exercício da jurisdição‖) regula o requerimento da aceitação, pelo Estado signatário, da jurisdição da Corte e o escopo desta aceitação. O Art. 13 (―exercício da jurisdição‖) informa como a jurisdição da Corte pode ser ativada ou exercitada, desde que as pré condições estejam presentes (2000, p. 223).

66

Estatuto de Roma, obra citada. p. 555.

109

6.8. PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Os princípios utilizados pelo Tribunal Penal Internacional estão

enumerados dos arts. 22 a 28 do Estatuto de Roma. Dos princípios descritos no

Estatuto do Tribunal, merecem destaque os princípios: a) da legalidade; b) da não

retroatividade; c) da responsabilidade criminal pessoal; d) da irrelevância do cargo

ou função.

Destaca-se também o princípio da inimputabilidade penal para os

menores de dezoito anos, nos termos do Art. 26 do Estatuto de Roma.

a) Princípio da legalidade.

O princípio da legalidade possui previsão legal no Art. 22, do

Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional, que prescreve:

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal. 2. A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada. 3. O disposto no presente artigo em nada afetará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente do presente Estatuto

67.

Segundo AMBOS e CHOUKR (2000, p. 158), o princípio da

legalidade é um princípio básico de justiça que prescreve que uma pessoa não pode

ser punida se os atos incriminados, quando no tempo de sua prática, não possuíam

previsão legal.

67

Estatuto de Roma, obra citada. p. 565.

110

Os mesmos autores elucidam ainda que o princípio da legalidade

fora uma das poucas regras que não apresentou qualquer ressalva ou derrogação

na maior parte dos direitos humanos (2000, p. 158-159).

Para fazer constar, o Art. 23 do mesmo diploma legal, denomina-se

nulla poena sine lege68 (2001: p. 307) e traz o enunciado que: ―qualquer pessoa

condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições

do presente Estatuto‖69.

b) Princípio da não retroatividade.

O princípio da não retroatividade está positivado no Art. 24 do

Estatuto de Roma, que dispõe:

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto. 2. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada

70.

A partir dos termos do referido dispositivo legal, pode-se afirmar que

sua redação possui o mesmo objetivo do princípio da retroatividade consagrado no

Art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal do Brasil, que não permite a retroatividade

da lei penal, com exceção se a retroatividade ocorrer em benefício do réu.

c) Princípio da responsabilidade criminal pessoal ou individual.

O princípio da responsabilidade criminal pessoal está contido no Art.

25 do Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional, in verbis:

68

Dicionário Jurídico Brasileiro, obra citada. Nullum crimen, nulla poena, sine lege (Lê-se: núlum crímen, núla

pena, síne lége.) Nenhum crime, nenhuma pena, sem (prévia) lei. 69

Estatuto de Roma, obra citada. p. 566. 70

Idem.

111

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas. 2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto. 3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática; d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso: i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime; e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática; f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso. 4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional

71.

Acerca do princípio da responsabilidade criminal pessoal, AMBOS e

CHOUKR explicam:

―Crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por entidades abstratas, e apenas punindo os indivíduos que cometeram tais crimes poderão as leis internacionais serem respeitadas‖, escreveu-se no Tribunal de Nuremberg em 1946. [...] A maior parte de sua clientela será não dos atuais perpetradores de crimes, mas de seus mentores, aqueles que organizam, planejam e incitam o genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. (2000, p.163-165).

71

Estatuto de Roma, obra citada. p. 566.

112

d) Princípio da irrelevância do cargo ou função.

O princípio da irrelevância do cargo ou função está consagrado no

Art. 27 do Estatuto de Roma, que prescreve:

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. 2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa

72.

Para AMBOS e CHOUKR, o princípio da irrelevância do cargo ou

função pode ser sintetizado como:

O Estatuto de Roma declara e aponta para os cargos de Chefe de Estado ou de Governo, estatuindo ser irrelevante esta condição para a determinação da responsabilidade penal e, ainda mais, como causa de diminuição de pena. Imunidades ou procedimentos especiais, os quais pudessem dizer respeito à função ou ao cargo, não são óbice à jurisdição da Corte. (2000, p. 173).

O princípio da irrelevância do cargo ou da função não admite

qualquer modalidade de privilégio. Todos, sem exceção, serão responsabilizados

pelos ilícitos cometidos, sejam eles Chefes de Estado ou de Governo, Ministros,

Parlamentares ou quaisquer outras autoridades que possuam cargos maiores dentro

dos Estados.

72

Legislação de Direito Internacional, obra citada. p. 566 e 567.

113

e) Princípio da responsabilidade dos comandantes e outros superiores.

O princípio da responsabilidade dos comandantes e outros

superiores está positivado no Art. 28 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e,

segundo AMBOS e CHOUKR, indicam que:

―A noção de comandantes militares é relevante para a determinação da responsabilidade de seus subordinados, ainda que não se possa provar que tivessem conhecimento do ato praticado‖. (2000, p. 174)

À semelhança do Código Militar Brasileiro, seja o Penal ou

Processual Penal, que possui pena também àqueles que detém o poder de mando,

o presente princípio que atribui a responsabilidade aos comandantes e outros

superiores, exige que todos os militares em posição de comando, ainda que não

estejam fisicamente presentes no local aonde os crimes venham a ser cometidos,

responderam pelo crime devido à função.

6.9. PENAS APLICADAS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

O rol de penas passíveis de punição aos infratores das normas do

Direito Internacional Humanitário está descrito no Art. 77 do Estatuto Constitutivo do

Tribunal Penal Internacional, contendo em seu teor e podendo ser aplicadas as

seguintes penas: prisão, multa e confisco.

a) Prisão:

De acordo com o Art. 77, parágrafo 1º, alíneas ―a‖ e ―b‖, do Estatuto

de Roma, a pena de encarceramento pode ser por um determinado número de anos,

114

desde que não ultrapasse o limite de 30 (trinta) anos, ou, no caso de o grau de

ilicitude ser muito elevado, a prisão pode ser perpétua73.

Sobre a pena de prisão, AMBOS e CHOUKR (2000, p.132)

lecionam:

Na fase preparatória da conferência, ficou claro não ser possível introduzir penas específicas para cada crime do Estatuto. A solução só podia então consistir em uma lista de penas aplicáveis para todos os crimes. A lista está no Art. 77 e tem como penas principais a prisão perpétua e encarceramento por até trinta anos.

Não obstante o fato do número de crimes existentes, a melhor

solução seria ter uma pena para cada modalidade delituosa, desta feita, atendendo

os princípios que norteiam os países democráticos, onde existem todos os crimes

positivados num Código Penal. Haveria, desta forma, um aprimoramento ao Estatuo,

criando um Código Penal Internacional, com penas individualizadas para cada crime.

b) Multas e Confiscos:

Previstas nas alíneas ―a‖ e ―b‖, do parágrafo 2º, do Art. 77 do

Estatuto de Roma, as multas e confiscos, de acordo AMBOS e CHOUKR são penas

acessórias, porquanto é imposta de forma complementar a pena de prisão. Nos

termos do Art. 79 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, os bens arrecadados

e o dinheiro decorrente da multa serão destinados a fundos escolhidos pela

Assembleia Geral dos Estados Signatários e deverão ser utilizados em benefício das

vítimas (2000, p. 133).

O Art. 75 do Estatuto que trata da reparação às vítimas estabelece

princípios aplicáveis às formas de reparação, tais como a restituição e a indenização

a ser entregue à vítima, podendo, mediante requerimento, ou de ofício, em

73

Estatuto de Roma, obra citada. p. 591.

115

circunstâncias excepcionais, determinar na sentença o alcance e dos danos, perdas

ou prejuízos causados às vítimas.

O Art. 79 do Estatuto prevê que, quando couber indenização, o

Tribunal poderá ordenar que seja entregue a título de reparação em pagamento por

meio do Fundo Fiduciário.

116

7. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA APLICAÇÃO DO DIREITO

INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

Após o estudo nos capítulos anteriores, que elucidaram aspectos

importantes sobre o Direito Internacional Humanitário e o Tribunal Penal

Internacional, ficou possível aferir que o Tribunal é um mecanismo importante para a

aplicação das normas desse ramo do direito. Isto se deve ao fato de o Tribunal

possuir jurisdição e competência para julgar e condenar os infratores das normas do

Direito Internacional Humanitário, nos crimes descritos no Art. 5º do Estatuto de

Roma do Tribunal.

Deste modo, verifica-se que a existência de um órgão, mais

precisamente um Tribunal permanente, que possui legitimidade para processar e

julgar crimes cometidos em tempos de guerra, acarreta em uma maior preocupação

dos envolvidos nos conflitos beligerantes, para que suas condutas no futuro não

deem ensejo a um processo no Tribunal Penal Internacional.

Todavia, deve-se ressaltar a necessidade da cooperação entre os

Estados signatários do Estatuto de Roma, com o fito das deliberações do Tribunal

Penal Internacional serem cumpridas.

É necessário elucidar a importância da cooperação entre os

Estados-Partes para que a atuação do Tribunal Penal Internacional tenha eficiência

e eficácia, pois serão esses que auxiliarão na aplicação das deliberações do

Tribunal, como na entrega de um indivíduo e na investigação de crimes humanitários

cometidos sob sua jurisdição, a teor do disposto no Art. 89 do Estatuto de Roma do

Tribunal.

117

Nesse sentido, KRIEGER corrobora:

Para o Tribunal Penal Internacional operar atuantemente, os Estados deverão cooperar em sua totalidade. De nada adiantará o esforço em torno das disciplinas do Direito Internacional Humanitário se houver omissões destas unidades estatais quando for necessário seu apoio em momentos críticos, como a prisão de indivíduos responsáveis por atrocidades dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e agressão (KRIEGER, 2004 p. 284).

Ademais, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional possui caráter

complementar, ou seja, atua de forma subsidiária às jurisdições dos Estados-Partes,

porquanto o objetivo do Tribunal não é o de substituir o poder jurisdicional das

Nações, mas sim o de atrair a jurisdição para si quando o país não o faz.

Acerca da complementaridade do Tribunal Penal Internacional,

MAZZUOLI:

A consagração do princípio da complementaridade, segundo o qual a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária às jurisdições nacionais (salvo o caso de os Estados se mostrarem incapazes ou sem disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes cometidos), contribui sobremaneira para fomentar os sistemas jurídicos nacionais a desenvolver mecanismos processuais eficazes, capazes de efetivamente aplicar a justiça em relação aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que passam também a ser crimes integrantes do direito interno dos Estados-Partes que o ratificaram (2004, p.175-176).

BECHARA complementa:

Eis o primeiro sentido do princípio da complementaridade, segundo o qual a atuação do Tribunal Penal Internacional tem o caráter subsidiário diante da jurisdição nacional, cujos critérios delimitadores são a existência ou não: a) de coisa julgada; b) de vontade e disposição de punir por parte do Estado considerado; e c) a gravidade da infração. Nessa linha, reconhece-se que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional não antecede, nem tampouco se sobrepõe à jurisdição nacional, mas simplesmente a complementa, pressupondo sempre o fundado receio de que os responsáveis pelas condutas descritas no Art. 5.o do Estatuto de Roma possam permanecer injustificadamente impunes. Seja a intenção deliberada por parte do Estado que detenha jurisdição para o caso em não punir determinado fato, seja a ausência de capacidade ou mesmo estrutura para tal fim, em ambas as hipóteses, verificada a ocorrência de um dos crimes descritos no Art. 5.o e seguintes do Estatuto, a atuação do Tribunal Penal Internacional estará legitimada

74.

74

BECHARA, Fábio Ramazzini. Tribunal Penal Internacional e o princípio da complementaridade. Jus

Navigandi, Teresina, ano 9, n. 234, 27 fev. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/4865. Acesso em

24/01/2012.

118

Logo, pode-se afirmar que o Tribunal Penal Internacional é um

importante órgão para o cumprimento de uma pequena parte do Direito Internacional

Humanitário, mas que sozinho não conseguirá cumprir seu objetivo. É fundamental a

atuação dos Estados que ratificaram o Estatuto de Roma, auxiliarem o Tribunal

Penal Internacional ao atrair a jurisdição para si, julgando os infratores das

disposições do Direito Internacional Humanitário ou ainda, ajudando nas

investigações e no cumprimento das deliberações do referido Tribunal.

7.1. A ATUAÇÃO DOS ESTADOS-PARTES NO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL

Como elucidado no início do capítulo, os Estados membros do

Tribunal Penal Internacional possuem grande importância para a efetividade das

decisões e deliberações do Tribunal.

As atuações dos países membros do Tribunal Penal Internacional

estão positivadas nos Art. 86 ao 93 do Estatuto de Roma75. Os referidos artigos

tratam primeiramente acerca da necessidade de adequação dos Estados-Partes à

legislação do Tribunal, depois do auxílio dos países membros no procedimento de

entrega de pessoas e, ainda, de outras formas de cooperação.

a) A adequação dos Estados-Partes à legislação do Tribunal Penal

Internacional.

O Art. 88 do Estatuto de Roma dispõe que: ―Os Estados-Partes

deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que

75

Estatuto de Roma, obra citada. p. 554 a 609.

119

permitam responder a todas as formas de cooperação especificadas neste

Capítulo‖76.

Pode-se extrair, desta forma, que os países membros do Tribunal

Penal Internacional necessitam adequar sua legislação interna, com o desígnio de

haver previsão legal do direito interno que permita a cooperação com a Corte Penal

Internacional, bem como o cumprimento de suas determinações.

Sobre o assunto, Ambos e Chourk ensinam que: ―Os parlamentares

nacionais devem a partir de agora considerar a edição das leis internas de

implementação, que diz respeito em muito ao contido na Parte 9‖ (2000, p. 147) 77.

b) A ―entrega‖ de pessoas. AMBOS e CHOURK definem: ―o termo entrega para denominar o

encaminhamento de uma pessoa por um Estado à Corte, consoante o Estatuto de

Roma‖ (2000, p. 136). Tal procedimento está previsto no Art. 89 do Estatuto de

Roma, que preceitua:

1. O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no Art. 91, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos 2. Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega perante um tribunal nacional com, base no princípio ne bis in idem previsto no Art. 20, o Estado requerido consultará, de imediato, o Tribunal para determinar se houve uma decisão relevante sobre a admissibilidade. Se o caso for considerado admissível, o Estado requerido dará seguimento ao pedido. Se estiver pendente decisão sobre a admissibilidade, o Estado requerido poderá diferir a execução do pedido até que o Tribunal se pronuncie. 3. a) Os Estados Partes autorizarão, de acordo com os procedimentos previstos na respectiva legislação nacional, o trânsito, pelo seu território, de uma pessoa entregue ao Tribunal por outro Estado, salvo quando o trânsito por esse Estado impedir ou retardar a entrega

78.

76

Estatuto de Roma, obra citada. p. 595. 77

Idem. Traz o Capítulo IX que trata da Cooperação Internacional e Auxílio Judiciário. 78

Estatuto de Roma, obra citada. p. 598.

120

Destaca-se que o §3º, alínea ―a‖, do Art. 89, do referido diploma

legal, sublinha a necessidade de existir no ordenamento jurídico dos países

membros do Tribunal Penal Internacional a previsão de ―entrega‖ de pessoa ao

Tribunal.

Deve-se ressaltar ainda a diferença entre entrega e extradição, pois

segundo KRIEGER: ―se entenderá a entrega de um indivíduo por um Estado-Parte

ao Tribunal Penal Internacional, enquanto extradição ocorre quando se entrega um

indivíduo por um Estado a outro Estado‖ (2004, p. 196).

KRIEGER elucida, ainda, a posição do Supremo Tribunal Federal do

Brasil, que admite à entrega de brasileiro ao Tribunal Penal Internacional quando:

a) caso a autoria do delito seja perpetrado por brasileiro, sendo ou não em território nacional a sede da infração (ratione temporis); b) que o crime cometido seja punido no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e tenha sido cometido após 1º de julho de 2002 (ratione temporis); c) que o conteúdo do pedido de prisão e entrega esteja em conformidade ao Art. 91 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e com a legislação brasileira pertinente à matéria; d) que o acusado brasileiro não seja julgado em qualquer outra Corte Internacional, senão e tão-somente pelo Tribunal Penal Internacional; e) que o crime não tenha sido julgado em Corte Brasileira com jurisdição para julgar o caso (ne bis in idem) (2004, p. 197).

Logo, a admissibilidade exigida pelo Supremo Tribunal Federal do

Brasil se coaduna com as normas do Tribunal Penal Internacional.

c) Outras formas de cooperação.

A legislação do Tribunal Penal Internacional prevê ainda outras

formas de cooperação, como a prisão preventiva (Art. 92 do Estatuto de Roma), bem

121

como cooperações que visam o auxílio dos inquéritos e procedimentos criminais

(Art. 93 do Estatuto de Roma)79.

A prisão preventiva pode ser requerida tão somente em caráter de

urgência de acordo com AMBOS e CHOURK (2000, p. 141) e o Art. 92 do Estatuto

do Tribunal Penal Internacional. As outras cooperações previstas no Art. 93 do

Estatuto de Roma são relativas ao auxílio dos Estados-Partes com o Tribunal, para a

obtenção de provas que instruirão os procedimentos criminais.

Entretanto, para verificar se realmente o Tribunal Penal Internacional

é um agente atuante na aplicação do Direito Internacional Humanitário da qual é

incumbido, é necessário observar se o referido Tribunal está processando ou

julgando casos de afronta ao Art. 5º de seu Estatuto constitutivo.

Estatuto de Roma, obra citada. p. 598.

122

8. ANÁLISE PRELIMINAR DOS CASOS QUE ESTÃO SOB A JURISDIÇÃO DO

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Os casos que estão sob a égide do Tribunal Penal Internacional

possuem algumas particularidades que merecem destaques. Primeiramente, fica

possível constatar que todos os casos envolvem a violação das normas do Direito

Internacional Humanitário no continente africano. Tal fato se deve a atual conjuntura

da África, fruto do colonialismo Europeu, dos séculos XIX e XX, que acarretou na

agravação do ódio tribal já existente em inúmeras ditaduras nos países africanos

que regem seus governos de forma autoritária e repressiva, fato que dá ensejo a

conflitos armados.

Corrobora com a ideia do colonialismo Europeu exacerbado Albert

Adu Boahen quando afirma que:

Em primeiro lugar, o desenvolvimento do nacionalismo, não obstante toda a sua importância, não foi somente uma consequência ocidental da colonização: antes de ser resultado de um sentimento positivo de identidade, de compromisso ou de lealdade para com o novo Estado nacional ele se animou por um sentimento de cólera de frustração e de humilhação sustentado por certas medidas de opressão, de discriminação e de exploração introduzidas pelas autoridades coloniais. (BOAHEN: 2010).

Tais conflitos armados normalmente infringem as normas do Direito

Internacional Humanitário, tendo em vista que, em boa parte dos casos, há

influência do baixo índice de escolaridade e de instrução da população africana que

desconhece as normas existentes que regulam os conflitos beligerantes.

A existência de líderes de governo africano que estão sob

julgamento do Tribunal Penal Internacional é originada pela falta de democracia e de

ponderação destes Chefes de Estado, que buscam acabar com os conflitos internos

123

através do uso da força desproporcional e de métodos não ortodoxos com o fito de

alcançarem seus objetivos.

Desta forma, encontram-se sob julgamento do Tribunal Penal

Internacional, líderes milicianos e líderes ou membros de governos de países

africanos. Ressalta-se, ainda, que nenhum julgamento transitou em julgado, pois o

Tribunal Penal Internacional é uma instituição que carece de respaldo das grandes

potências, dentre elas China e Estados Unidos da América, que fazem parte do

Conselho de Segurança da ONU, que decidem sobre questões de crimes

internacionais, mas não assinaram o Tratado de Roma e nem se vislumbra a

possibilidade de adesão.

Nesses quase dez anos de funcionamento do Tribunal Penal

Internacional, os questionamentos permanecem: Será que realmente funciona? E,

como seria possível punir Estados que cometeram e continuam cometendo

atrocidades e violações aos Direitos Humanos?

O tempo não tem sido o melhor remédio. Se ações não forem

tomadas, a omissão também caracteriza, diante das atrocidades que ocorrem no

mundo, crime contra a humanidade.

As leis do Direito Internacional foram feitas para toda a humanidade

e não apenas para alguns. Todos devem respeitar a autonomia dos outros Estados,

a fim de dar maior efetividade às questões que envolvem tanto o Direito

Internacional quanto o Tribunal Penal Internacional.

Segundo informações extraídas do sítio oficial do Tribunal Penal

Internacional80, há processos contra indivíduos da República Democrática do Congo,

República de Uganda, República Centro-Africana e República do Sudão.

80

Disponível em: < http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0204/>.

Acesso em 02/01/2012.

124

Recentemente, no início de 2011, foram recebidas denúncias contra a República do

Quênia, da Costa do Marfim e Líbia. Totalizando sete países envolvidos e vinte e

quatro pessoas processadas. Dentre estes Estados Africanos, temos as Repúblicas

de Uganda, do Congo, a Centro-Africana e do Quênia como Estados-Partes, o

Sudão e a Líbia como não Partes e a Costa do Marfim, que reafirmou a aceitação da

jurisdição do Tribunal, em 14 de dezembro de 2010. Devido à ordem de prisão do

presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al Bashir, em 2009 a União Africana

encerrou sua cooperação com o Tribunal Penal Internacional por não concordar com

aquela decisão do Tribunal.

A decisão da União Africana foi tomada durante uma reunião de

cúpula ocorrida na Líbia em julho de 200981. Os líderes divulgaram um comunicado

declarando que não cooperariam com a prisão de Bashir. O documento afirma ainda

que o pedido feito pelo grupo ao Tribunal, de adiamento da decisão sobre o caso do

líder sudanês, foi ignorado. Líderes africanos entendem o processo contra Bashir

como uma tentativa dos países ocidentais de interferir nos assuntos internos do

continente.

8.1. OS CASOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

Estão sob processo no Tribunal Penal Internacional quatro

indivíduos nacionais da República Democrática do Congo, acusados de infringirem

as disposições do Art. 5º do Estatuto de Roma. Estes violadores das normas do

81

Disponível em: < http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0204/>.

Acesso em 02/01/2012.

125

Direito Internacional Humanitário são: Thomas Lubanga Dyilo; Germain Katanga,

conhecido pela a alcunha de ―Simba‖; Mathieu Ngudjolo Chui e Bosco Ntaganda.

Thomas Lubanga Dyilo está respondendo por acusações relativas a

crimes de guerra, uma vez que existem indícios que o apontam como o responsável

por aliciar crianças menores de quinze anos a participarem de seu exército.

Lubanga foi o primeiro réu a ser julgado pelo Tribunal, em 2006. Ele

é acusado de recrutar crianças com menos de quinze anos para lutar nos conflitos

étnicos na região de Ituri entre 2002 e 2003, na República Democrática do Congo.

Lubanga é ex-líder de um movimento rebelde da República Democrática do Congo,

a União de Patriotas Congoleses (UPC). O processo foi remetido ao Tribunal pelo

governo da República Democrática do Congo, em abril de 2004. Em 2009, Lubanga

foi liberado, pois se chegou à conclusão que ele não teria um julgamento justo, mas

a acusação entrou com novo recurso, sendo que o julgamento continua em

andamento e ele sob custódia do Tribunal.

Conforme explica Kai Ambos, a acusação contra Lubanga perante o

Tribunal pelo cometimento de crimes de guerra na República Democrática do

Congo, em setembro de 2002, teve um histórico processual conturbado. Em 2004,

Lubanga foi processado. Em 2006 foi convocado pela primeira vez para tomar

conhecimento dos objetos principais de acusação e para esclarecimentos sobre os

seus direitos. Em 2008, foi descoberto que o Promotor tinha feito amplo uso ilícito do

direito da observância de sigilo com relação a determinados documentos e

informações. Ainda em 2008, o Tribunal proferiu duas decisões: primeiramente

confirmou a suspensão do processo; depois, a respeito da liberação de Lubanga, o

Tribunal entendeu não estar permanentemente impedido de exercer a jurisdição e,

portanto, a libertação incondicional não é uma consequência inevitável,

126

especialmente se a ordem de manutenção da prisão puder ser revogada em um

futuro não muito distante. Finalmente, em 2009, o julgamento de Lubanga começou

perante o Tribunal82.

O processo do congolês Lubanga está sendo concluído, sendo o

primeiro desde a sua criação. Em dois anos e quatro meses de julgamento, os

magistrados ouviram os depoimentos de trinta e seis testemunhas por parte da

Promotoria e de vinte e quatro pela defesa. As crianças explicaram o horror vivido

ao terem de lutar nas milícias rebeldes, sendo obrigadas a matar conhecidos, em

uma idade que mal podiam compreender o que estavam fazendo.

Germain Katanga, o ―Simba‖ e Mathieu Ngudjolo estão sob custódia

do Tribunal Penal Internacional e respondem processo, acusados de liderarem

milícia que recrutava crianças para seu exército, de atacarem populações civis de

forma deliberada e cometerem assassinatos e crimes bárbaros de ordem sexual.

Bosco Ntaganda possui processo em trâmite na divisão de pré-

avaliação que está analisando a procedência de acusação de crimes de guerra

imputados a ele.

8.2. O CASO DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA

Em 20 de novembro de 2011, foi iniciado no Tribunal Penal

Internacional o julgamento do líder rebelde congolês Jean-Pierre Bemba Gombo. Ele

é acusado de crimes de guerra cometidos há oito anos na República Centro-

Africana, quando então presidente daquele país. São estas as suas acusações:

assassinatos, estupros e pilhagens. Desde 2008, está preso em Haia. Foi o

82

A primeira confirmação da acusação do Tribunal Penal Internacional: o processo contra Thomas Lubanga

Dyilo, por Kai Ambos, disponível em http://www.reid.org.br, acesso em 18/03/2012.

127

responsável por graves mutilações, tanto na República do Congo como na

República Centro-Africana. Diante do Tribunal, Bemba está sendo acusado dos

crimes cometidos na República Centro-Africana. Os crimes de guerra cometidos na

República do Congo são anteriores ao Estatuto, através do qual o Tribunal Penal

Internacional entrou em vigor em julho de 2002, e por isso o Tribunal não pode

processá-lo.

8.3. O CASO DA REPÚBLICA DE UGANDA

No ano de 2005, a promotoria do Tribunal Penal Internacional

instaurou processo contra Joseph Kony, Vicent Otti, Okot Odhiambo, Dominc

Ongwen e Raska Lukwiya. Os referidos acusados são os líderes do grupo

guerrilheiro denominado Lord’s Resistence Army, LRA, em tradução livre, Exército

de Resistência do Senhor, o qual almeja tomar o poder de Uganda e formar um

Estado teocrático. O grupo foi formado em 1987. Hoje, passados quase sete anos, o

caso da República de Uganda vem sendo um dos conflitos mais longos da África.

O ex-promotor do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno

Ocampo, acusou os lideres da LRA por terem infringido trinta e três disposições do

Estatuto de Roma relativas a crimes contra a humanidade, como assassinatos,

estupros e trabalho escravo, bem como por crimes de guerra, concernentes a

pilhagens, agressões violentas e deliberadas à população civil e o aliciamento de

crianças para as forças armadas do grupo guerrilheiro.

128

8.4. OS CASOS DA REPÚBLICA DO SUDÃO

A guerra em Darfur, que eclodiu em 2003, já deixou pelo menos

trezentos mil mortos e obrigou dois milhões e setecentas mil pessoas a

abandonarem suas comunidades de origem, segundo dados da ONU83.

Existem três casos da República do Sudão que estão sob

julgamento no Tribunal Penal Internacional. Tais casos são de violações ao Direito

Internacional Humanitário ocorridas na cidade de Darfur.

O primeiro caso protocolado pela promotoria do Tribunal Penal

Internacional no ano de 2007, busca a condenação de Ahmad Harun, antigo ministro

de relações interiores do Sudão e Ali Muhammad Ali Abd-Al-Rahman, "Ali Kushayb",

suposto líder da milícia apoiada pelo governo Janjaweed pela prática de crimes de

guerra e crimes contra a humanidade. Supostamente, são responsáveis por

assassinatos, estupros, deslocamento em massas e agressão a civis não envolvidos

nos conflitos da questão de Darfur84.

O presidente da República do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al

Bashir, está sendo acusado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra

relativos às agressões a civis que não estariam envolvidos nos conflitos de Darfur e

crimes contra a humanidade, devido à prática de atos como o deslocamento de

massas, a tortura e o estupro. Houve a emissão, por parte do Tribunal, de uma

segunda ordem de prisão (12 de julho de 2010) contra Al-Bashir na qual se agregam

três novas acusações de genocídio pelos crimes cometidos na região ocidental 83

Disponível em www.un.org/. Acesso em 02/01/2012. 84

A questão de Darfur é reconhecida pela ONU como o primeiro genocídio do século XXI e é resultado de

combates, iniciados em 2003, por grupos guerrilheiros que acusam o atual governo de negligenciar a religião

islâmica, pois o Sudão é uma república islã. (Almanaque Abril, 2009, p. 595).

129

sudanesa de Darfur, sendo que sobre Al-Bashir já pendia uma ordem de prisão,

emitida no dia 4 de março de 2009, por crimes de guerra e crimes contra a

humanidade. As novas acusações contra Al-Bashir se referem aos supostos

genocídios cometidos contra os grupos étnicos dos Fur, os Masalit e Zaghawa de

Darfur, vítimas de assassinatos, bem como torturas e incalculáveis danos

psicológicos, supostamente ordenados pelo presidente do Sudão, conforme

denúncia ao Tribunal. Aquele Órgão deixou claro que a segunda ordem de prisão é

complementar a anterior e, portanto, não a revoga. Até o dia de hoje, as ordens de

prisão foram ignoradas pelas autoridades do Sudão, que não assinaram o Estatuto

de Roma.

O coordenador da milícia denominada United Resistence Front, em

tradução livre, Frente Unida para a Resistência, General Bahr Idriss Abu Garda,

responde no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, por ser,

supostamente, responsável pela morte de pessoas e destruição de edificações e

materiais de forças de paz que se encontravam no Sudão. Em decisão recente, 08

de fevereiro de 2010, o General Abu Garda não será processado, assim decidiu o

Tribunal: ―A Corte concluiu que não há provas suficientes de que ele seja

penalmente responsável, como coautor ou coautor indireto, dos crimes dos quais é

acusado". O General Abu Garda foi o primeiro suspeito a se apresentar por vontade

própria e o primeiro a comparecer por crimes cometidos em Darfur.

Há mais dois novos casos na Seção de Pré-Julgamento, com

confirmação das acusações em 7 de março de 2011, sendo: Abdallah Banda

Abakaer Nourain, comandante chefe de justiça e igualdade do movimento liderança

coletiva e Saleh Mohammed Jerbo Jamus, um dos componentes da Frente de

Resistência Unidos. São supostamente responsáveis criminalmente como coautores

130

de três crimes de guerra, nos termos do Art. 25 (3) (a) do Estatuto de Roma:

violência contra a vida seja cometido ou tentado, na acepção do Art. 8º (2) (c) (i) do

Estatuto; dirigir intencionalmente ataques contra pessoas, instalações, materiais,

unidades ou veículos que participem numa missão de paz, na acepção do Art. 8º (2)

(e) (iii) do Estatuto, e pilhagem, na acepção do Art. 8º (2) (e) (v) do Estatuto.

8.5. OS CASOS DA REPÚBLICA DO QUÊNIA

Também se encontram na Seção de Pré-Julgamento dois processos

que envolvem seis líderes quenianos. O primeiro processo envolve o ex-ministro da

Educação, Ciência e Tecnologia do Quênia, William Samoei Ruto e Henry Kiprono

Kosgey, membro do partido ODM (Orange Democratic Movement), em tradução

livre, sigla do Movimento Democrático Laranja no Quênia. São acusados de crimes

contra a humanidade, entre eles, assassinatos e perseguições à população civil.

Joshua Arap Sang, que trabalhava na rádio Kass FM, no Quênia, está sendo

acusado pelos mesmos crimes e, ainda, o de usar seu programa para incitar a

violência entre diferentes grupos.

O segundo processo é contra Francis Kirimi Muthaura, atualmente

ocupando os cargos de Chefe do Serviço Público e Secretário do Gabinete da

República, contra Uhuru Muigai Kenyatta, atualmente ocupando os cargos de Vice-

Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças da República e ainda contra Mohammed

Hussein Ali, que atualmente detém a posição de Chefe do Executivo da Empresa de

Correios do Quênia. Todos acusados de crimes contra a humanidade, entre eles,

assassinatos e perseguições à população civil.

131

As violências étnicas pós-eleitorais cometidas no Quênia, no final de

2007 e início de 2008, culminaram com a morte de um milhão e quinhentos mil

pessoas, além de trezentos mil deslocados.

8.6. OS CASOS DA LÍBIA

O ex-promotor do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno

Ocampo, havia pedido a prisão por crimes contra a humanidade do ditador líbio,

Muammar Kadhafi, antes de sua morte, em 22 novembro de 2011, também o pedido

da prisão de seu filho mais velho, Saif Al Islam e de Abdallah Al Senussi, Chefe dos

Serviços de Inteligência de seu regime, com base nas provas obtidas e evidências

diretas de que Kadhafi ordenou ataques contra civis, de que organizou o

recrutamento de mercenários e outras evidências diretas da participação de

ataques. Ocampo abriu as investigações para apurar os crimes contra a humanidade

cometidos na Líbia desde fevereiro de 2011. Entre as denúncias do Tribunal estão o

ataque a civis em vias públicas, disparos contra manifestantes com armas de fogo,

uso de armamento pesado em funerais e uso de franco-atiradores nos protestos.

Kadhafi foi o segundo Chefe de Estado contra quem o Tribunal pediu

uma ordem de prisão. O primeiro havia sido o presidente do Sudão, Omar Hassan

Ahmad Al Bashir.

Com a morte de Muamar Kadhafi, expira a ordem de captura

expedida pelo Tribunal Penal Internacional contra ele (mandados de prisão emitidos

em 27 de junho de 2011). Mas as ordens de prisão contra o seu filho Saif Al Islam e

contra o chefe de espionagem Abdullah Al Senussi continuam em vigor.

132

8.7. O CASO DA REPÚBLICA DA COSTA DO MARFIM

Laurent Gbagbo, ex-presidente da Costa do Marfim, responde a

quatro acusações de crimes contra a humanidade, incluindo assassinato e estupro.

Na crise, após a concorrida eleição presidencial na Costa do Marfim, cerca de três

mil pessoas foram mortas na onda de violência que se seguiu à recusa de Gbagbo

em aceitar sua derrota depois da contagem dos votos, em novembro de 2010. Mas

ele nega sua responsabilidade pela violência.

Gbagbo deve se apresentar novamente no dia 18 de junho de 2012,

quando o Tribunal irá deliberar as evidências e acusações contra ele.

Ocampo diz ter provas de que Gbagbo, após a divulgação do

resultado das eleições presidenciais do ano passado, atacou, assassinou e violentou

cidadãos por terem apoiado o outro candidato à presidência, Alassane Dramane

Ouattara. Na violência que eclodiu, mais de três mil pessoas morreram. Gbagbo foi

preso pelas tropas francesas em abril de 2011. Na acusação consta que o ex-

presidente e os seus confidentes planejaram a violência de maneira consciente.

Ouattara foi instalado como presidente legítimo na Costa do Marfim.

133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação teve o objetivo de aferir a importância da

atuação do Tribunal Penal Internacional para a aplicação das normas do Direito

Internacional Humanitário, sobre tudo em matéria de genocídio.

Primeiramente, foi realizado um estudo e análise sobre o Direito

Internacional Humanitário, com o propósito de compreender o significado e a área

de atuação deste ramo do Direito Internacional. Deste modo, observou-se que o

Direito Internacional Humanitário é uma importante ferramenta que regulamenta as

guerras. Isto porque, o seu escopo, ao regular os conflitos beligerantes, é: tentar dar

segurança aos civis envolvidos nas guerras; arrefecer os combates armados aos

restringir o uso de certas armas, munições ou métodos; e vedar as condutas que

podem causar a morte e dizimação de uma população.

Para que os responsáveis pelo cometimento dos crimes

considerados mais graves e preocupantes pelo cenário internacional fossem

punidos, idealizou-se o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

O Tribunal entrou em atividade em julho do ano de 2002 e passou a

ser o órgão responsável pela aplicação de uma pequena parte do Direito

Internacional Humanitário ao tipificar penalmente as condutas descritas no Art. 5º de

seu Estatuto Constitutivo. Logo, os crimes como o de genocídio, os de agressão, os

contra a humanidade e os de guerra, devem ser julgados, a partir de 1º de julho de

2002, quando se deu início da jurisdição daquele Tribunal, pois, é a partir desta data

que o Tribunal passa a ter competência para julgar os criminosos, caso os países

signatários do Estatuto de Roma não o façam.

134

Já existem casos que estão sob judice no Tribunal Penal

Internacional. Tais casos são todos do continente africano que desde o período do

neocolonialismo e, por conta disso, sofre com problemas de ordem política,

econômica e social.

Verificou-se na descrição dos casos que estão sob a égide do

Tribunal que em nenhum destes houve decisão transitada em julgado que

determinasse a pena a ser cumprida pelos infratores das leis humanitárias. Tal fato

se deve ao Tribunal ainda não possuir, no âmbito internacional, todo o respaldo

necessário que deveria ter, principalmente das grandes potências que não aderiram

ao Estatuto, como a China e os Estados Unidos da América, e também se deve à

complexidade na realização das investigações e no colhimento das provas que

instruirão as denúncias feitas àquele Tribunal.

Saltam aos olhos do mundo que os Estados Unidos da América não

respeitam as leis. Em campanha presidencial, o presidente norte americano Barack

Obama ventilou a possibilidade de aderir ao Tribunal e também de rever a situação

dos presos de Guantánamo, o que, até o presente, não foi feito.

Ademais, verifica-se que o Tribunal Penal Internacional realiza seus

julgamentos respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como

o princípio do duplo grau de jurisdição, o que proporciona aos acusados a

possibilidade de um julgamento justo que não viole seu direito de defesa.

É fundamental elucidar, ainda, a importância da cooperação dos

Estados-Partes do Tribunal Penal Internacional para que a atuação deste seja

eficiente e eficaz e a importância na aplicação das normas do Direito Internacional

Humanitário que o Tribunal protege.

135

A cooperação dos países signatários do Estatuto de Roma é

inestimável, pois a atuação do Tribunal Penal Internacional é complementar. Isso

significa que o Tribunal poderá atrair a jurisdição dos crimes previstos no Art. 5º de

seu Estatuto Constitutivo, tão somente quando os Estados não o fizerem.

Ademais, serão os Estados-Partes os responsáveis pelo auxílio nas

investigações que irão instruir as denúncias e por cumprir as determinações e

deliberações do Tribunal Penal Internacional como a entrega de pessoas, por

exemplo.

Logo, a atuação dos Estados é essencial, pois se estes aplicarem as

normas do Direito Internacional Humanitário não haverá a necessidade da

intervenção do Tribunal e os casos poderão ser julgados de formas mais célere.

A atuação deficiente dos países signatários acarretará no atraso da

punição dos infratores do Art. 5º do Estatuto de Roma, pois ao não atraírem a

jurisdição para julgarem essas controvérsias, o Tribunal Penal Internacional deverá

julgá-las e o não cumprimento de suas deliberações e determinações poderá gerar a

impunidade dos criminosos de guerra.

Desta forma, fica possível concluir a importância de haver um ramo

do direito que regulamente os conflitos armados e um órgão responsável pelo

julgamento dos criminosos de guerra. A guerra é uma realidade que está junto com

o ser humano desde os primórdios e são necessários métodos que coíbam e

diminuam a violência excessiva e o uso de métodos não ortodoxos que se mostram

presentes nos conflitos armados, uma vez que a paz ainda é uma realidade distante

em muitas regiões do planeta.

Por fim, destaca-se que mais importante do que haver métodos que

restrinjam os meios violentos presentes na guerra, é necessária a cooperação

136

internacional, não somente para a atuação efetiva do Tribunal Penal Internacional,

mas em todas as searas possíveis. A cooperação dos países para auxiliarem as

nações afligidas pela guerra e dos seres humanos entre si é indispensável para a

ajuda dos atingidos e para obtenção da paz.

137

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