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Direitos Humanos Para Quilombolas

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Copyright @ 2006 - Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Autora: Vilma Maria Santos Francisco

Colaboradores: André Luiz Rodrigues, Ana Cristina Macedo, Carlos Moura, Delvair

Montagner, Gloria Moura, Luiz Leite, Shirley de Jesus Soares, Luciano Santana Leite e

Verônica Gomes

Adaptação de linguagem: Tâmara Vicentine

Ilustração: Jô Oliveira

Reprodução autorizada, desde que citada a fonte de referência.

Distribuição gratuita

Produção Gráfica: Arte Contexto Ltda.

Tiragem: 6.000 exemplares

Instituto Brasileiro de Ação Popular - IBrAP

Brasília, DF

Telefone/fax: (61) 3274-6467

E-mail: [email protected]

M294 Direitos humanos para quilombolas: consciência e atitude. --Brasília:

Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Subsecretária de Gestão da Política de Direitos Humanos, 2006.

40 p. - (Coleção Caminho das Pedras; v. 1) 2a ed.

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Sumário

Sumário .............................................................................................................................. 3

Prefácio ................................................................................................................................. 4

Apresentação ......................................................................................................................... 5

Introdução.............................................................................................................................. 6

Conhecendo os Quilombolas ............................................................................................ 8

Quais são os direitos humanos?............................................................................................ 11

Onde encontramos os direitos humanos? .............................................................................. 23

Como garantir estes direitos ? ............................................................................................... 25

O direito de titulação de terra dos quilombolas ....................................................................... 29

Onde buscar ajuda? ............................................................................................................. 34

Para saber mais ................................................................................................................... 35

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Prefácio

A história dos quilombos contemporâneos, também chamados comunidades

remanescentes de quilombos, mocambos, terras de preto e ainda, terra de santo ou santíssimo é secular, mas sua visibilidade é recente. Havia um

desconhecimento dessa parte de nossa história essencial para afirmação da identidade do povo brasileiro.

O conceito emitido pelo Conselho Ultramarino em 1740... “toda habitação de

negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”, ficou no imaginário do brasileiro.

Esse conceito foi ampliado e ressignificado e atualmente pode-se definir

quilombos contemporâneos como comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos escravizados que mantêm laços de parentesco e vivem, em

sua maioria, de culturas de subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente. Os negros dessas comunidades chamadas remanescentes de quilombos valorizam as tradições culturais dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no

presente. Possuem uma história comum e têm normas de pertencimento explícitas, com consciência de sua identidade. Sabe-se da existência dessas comunidades em todo o

país. Relegadas, até bem pouco tempo, ao esquecimento pela chamada história oficial,

ou colocadas à margem desta mesma história, essas comunidades dão prova de extremo

vigor. A base da manutenção da identidade nos quilombos contemporâneos é, além da posse imemorial da terra, a recriação das festas e rituais religiosos herdados dos

antepassados. As festas são momentos privilegiados em que os membros da comunidade se reencontram e revivem sua história. Os moradores dessas comunidades vivem um processo dinâmico de criação e recriação de sua identidade étnica.

A propriedade da terra é um dos sustentáculos da unidade dos quilombolas e é garantida pelo dispositivo constitucional que determina: "Aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir- lhes os títulos respectivos" (Art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)

Aproximadamente há 20 anos, em razão do trabalho desenvolvido por militantes do Movimento Negro e aliados, os quilombos começaram a ser conhecidos e

reconhecidos pelo Estado e pela sociedade. Constata-se a existência de avanços nas políticas públicas para as áreas quilombolas, garantindo o direito étnico e enunciando um novo conceito fundiário, que enfatiza a cultura, a memória, a história e a

territorialidade (Decreto 4887/2003). É oportuna a publicação "Direitos humanos para quilombolas - Consciência e

Atitude" no momento em que os habitantes dos quilombos se organizam em entidades de classe para buscar a titulação da terra e a garantia do seu desenvolvimento sustentável.

Gloria Moura,

Professora da Universidade de Brasília, Doutora pela USP e pioneira em estudos e pesquisas sobre quilombos.

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Apresentação

O Manual de Direitos Humanos Quilombolas é uma importante e inovadora

contribuição para o fortalecimento da consciência, da defesa e das atitudes de apoio à causa quilombola em nosso País.

O Manual é fruto de cuidadosa pesquisa e de redação original e sensível, a cargo da Professora Vilma Francisco e tem a preocupação de situar os direitos fundamentais e os direitos humanos ao alcance dos quilombolas, por meio de uma linguagem que facilita o seu entendimento e as suas condições de exercício.

Não é uma tarefa fácil, mas é uma tarefa urgente. Numa sociedade em que o racismo orienta fortemente as disposições ideológicas desde o pós-abolição (SANTOS, Sales Augusto dos, 4 Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro, (in Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n° 10.639/03/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC, Brasília, 2005), assumir atitude, defesa ou firmar a consciência da subjetividade aspirante a direitos iguais e plenos pelos excluídos da cidadania, requer sentido de imediatidade e comprometimento his tórico.

Trata-se, por isso também, quando se cogita de um Manual de Direitos Humanos Quilombolas, de procurar abrir a doutrina jurídica nacional, para a relevância desses direitos, uma vez que "o povo negro teve o seu direito mantido separado da lei oficial', elaborada e mantida pelas oligarquias econômicas que estavam no poder" (SAULE JR, Nelson, org. A situação dos direitos humanos das comunidades negras e tradicionais de Alcântara, MA - Brasil. Relatório da Missão da Relatoria Nacional do Direito à Moradia Adequada e à Terra Urbana. São Paulo, Instituto Polis, 2003).

O Manual carrega esta pretensão auspiciosa. Além de oferecer aos próprios sujeitos membros das Comunidades Quilombolas o conhecimento que emancipa, colocando o Direito e os meios para os exercer ao alcance de sua capacidade de ação, quer ainda "despertar a consciência da sociedade em geral no sentido de perceber a necessidade que se impõe para o respeito às comunidades quilombolas. Não apenas pela importância simbólica de sua existência concreta, mas pelo reconhecimento dos seus direitos já garantidos e legitimados na Constituição e nos tratados internacionais".

Para um País que se construiu sobre bases escravistas, lembra Ivair Augusto Alves dos Santos (/Ações afirmativas: farol de expectativas, in SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de et ai., org. Educando para os Direitos Humanos. Pautas Pedagógicas para a cidadania na Universidade, Porto Alegre: Síntese, 2004), "mais de um século pós Abolição, não foi capaz de elaborar um programa de promoção de igualdade ou um conjunto de políticas sociais que contemplasse a questão das desigualdades raciais".

O Manual aponta para esse esforço de construir igualdade. Na medida em que abre o horizonte dos direitos, opera com a expectativa da enorme disposição dos quilombos contemporâneos para se fazerem sujeitos de sua própria inserção. Citando Glória Moura, com um pequeno ajustamento de contexto (O Direito à Diferença, in MUNANGA, Kabengele, org. Superando o racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Brasília, 2005). Cuida-se de imaginá-los "como fator formador e recriador de identidade - para, através dos direitos fazê-los - veículo de transmissão e internalização de valores que possibilitam a afirmação e a expressão da diferença/alteridade e, ao mesmo tempo, a negociação dos termos de inserção das comunidades rurais negras na sociedade como um todo".

É um belo projeto, sem dúvida e, como diz Propércio, nos grandes empreendimentos, basta o projeto.

José Geraldo de Sousa Júnior

Professor da Faculdade de direito e do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília.

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Introdução

CONHECER PARA PODER AGIR. Agir sem medo buscando com segurança os seus direitos, sabendo o que se está fazendo. Dizendo de outra forma, significa que, quem sabe, pode ir a qualquer lugar. Quem sabe, não se perde por onde anda. O

conhecimento faz com que cada pessoa se sinta forte, com coragem de buscar o melhor para sua vida, para o seu grupo ou para toda a sociedade.

Como o conhecimento das coisas pode mudar a vida das pessoas? Que tipo de conhecimento pode levar todo mundo a ter uma vida cada vez melhor?

É o conhecimento dos seus direitos fundamentais. Esses direitos podem ser

chamados também de direitos humanos fundamentais ou, ainda, direitos da pessoa. Eles são fundamentais por serem os direitos principais para a vida de todas as

pessoas. E são tão importantes que estão escritos na Constituição Brasileira. Você sabe o que é a Constituição?

A Constituição que está valendo hoje no Brasil é a de 1988 que foi aprovada

pelo Congresso Nacional (formado pela Câmara de Deputados e pelo Senado).

O quilombola, ou seja, a pessoa que nasce e que vive em territórios quilombolas, também faz parte do povo brasileiro, por isso tem todos os direitos e deveres como toda

a sociedade. Não custa dizer de novo que estes direitos são os direitos fundamentais ou direitos básicos que protegem a vida das pessoas e que precisam ser lembrados a todo o momento para que não sejam esquecidos ou desrespeitados.

Os quilombolas são parte da nossa História e seus direitos devem ser observados e respeitados por todos. Escrever sobre isso é importante para mostrar à sociedade

brasileira um pouco de sua história e de sua importância. Assim podemos despertar a atenção de todo o povo no sentido de que percebam a necessidade de respeitar as comunidades quilombolas pelo que representam, por ser parte da memória viva da

História Brasileira. Informar aos quilombolas seus direitos de cidadãos e cidadãs é a intenção desse

manual. Ele pretende contribuir para aumentar o conhecimento dos quilombolas e assim terem mais força para exercer sua cidadania e lutar pela garantia dos seus direitos humanos.

A Constituição é um livro onde estão escritos todos os direitos e deveres dos

brasileiros e dos estrangeiros que moram no Brasil. Todas as regras/normas

mais importantes estão escritas lá e todos os direitos também!

Quando esses direitos não forem respeitados têm que ser exigidos pela

população para que sejam garantidos a todos.

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Além de conhecer os direitos, é necessário também saber onde, como e a quem

procurar para facilitar a realização e o cumprimento desses direitos. Este manual traz informações sobre os órgãos do governo que auxiliam a população nessas questões.

Assim os quilombolas podem saber como e o que fazer para encaminhar suas reinvidicações e alcançar seus objetivos.

Cidadania

É o direito de participação das pessoas nas decisões importantes para a

comunidade nos aspectos políticos, sociais, culturais, econômicos. Por exemplo,

é direito de todo cidadão e cidadã participar e exigir melhorias nas áreas da

educação, saúde, moradia, saneamento básico, transportes coletivos, diversão,

cultura, previdência social e política partidária.

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Conhecendo os Quilombolas

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"É da terra e na terra que desenvolvem todas as atividades da vida, É onde plantam e colhem o fruto de seu trabalho e é,

Também, onde marcam a sua história".

(Gloria Moura-1997)

A TERRA REPRESENTA O PATRIMÔNIO MAIS PRECIOSO DOS

QUILOMBOLAS. Também é lícito (correto) o desejo que todos os brasileiros têm de

possuir um pedaço de terra para plantar, morar e viver. Compreender a importância da terra é reconhecer os quilombolas e seu modo de

vida, sua cultura. Quem é esse povo que tem a terra como fonte de vida? 0 que é a terra para os quilombolas?

Os territórios dos quilombolas, também chamados de "Terras

de Preto", "Terras de Quilombos", "Terras de Santo" ou "Mocambos" têm, ainda, grande valor, por ser o lugar onde os antepassados deles viveram. Os quilombolas permaneceram na terra

de seus antepassados e, por isso, o tempo não apagou a memória histórica desses antepassados. É também, nesse território

quilombola, onde encontramos as formas tradicionais do uso da terra, seus costumes, e manifestações culturais e religiosas.

O que são quilombos atualmente?

São comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos

escravizados que mantêm laços de parentesco e vivem, em sua maioria, de

culturas de subsistência

(produção de alimento suficiente para as necessidades do grupo).

Essas comunidades ocupam sua terra há mais ou menos dois séculos.

Ela pertence a um quilombo que resistiu à escravatura ou foi doada pelos

senhores de escravos, ou comprada pelos escravos alforriados (libertos) com

recursos próprios.

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Existem comunidades negras rurais espalhadas por todo o Brasil, mas ainda não se sabe o número certo. O trabalho de contar essas comunidades ainda não terminou, pois é preciso primeiro identificar onde elas estão e iniciar sua titulação, ou seja, que as

comunidades recebam a escritura de suas terras devidamente passada em cartório. Ter a escritura significa ter oficialmente a propriedade da terra.

Desde outubro de 1988 - data em que a atual Constituição brasileira começou a valer - poucas dessas áreas foram tituladas. Há conflitos constantes e ameaças de invasão por fazendeiros, que se dizem "donos das terras" habitadas pelas comunidades

quilombolas. Como você percebe, o grande desafio é fazer valer os direitos que já existem e

estão garantidos na Constituição brasileira e incluir novos direitos. É por isso que os direitos humanos devem ser a todo o momento, reafirmados.

Zumbi de Palmares

Falar da história dos quilombos e da cultura negra no Brasil é falar da história

de Zumbi.Ele foi um grande líder do Quilombo dos Palmares, que se localizava

em Alagoas, resistindo aos ataques dos senhores donos das terras, durante cem

anos. Zumbi morreu em 20 de novembro de 1695.

Em sua homenagem essa data foi escolhida para comemorar o "Dia Nacional da

Consciência Negra".

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Quais são os direitos humanos?

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OS DIREITOS HUMANOS SÃO OS DIREITOS E GARANTIAS

FUNDAMENTAIS DE TODA A PESSOA HUMANA. Estes direitos estão na Constituição Federal e tem como objetivo garantir na prática que a dignidade da pessoa

humana não seja desrespeitada. Desrespeitar a dignidade humana é, entre outras coisas, discriminar a pessoa,

dizendo que ela não é gente, que ela não tem nenhum valor porque ela é de outra raça, cor, sexo, religião ou porque não tem estudos ou dinheiro. É também excluir as pessoas dos direitos básicos para a sobrevivência. Direitos como, alimentação, moradia, saúde,

educação, trabalho, cultura, religião, lazer (recreação) e outros que proporcionem o bem estar da pessoa na sociedade em geral.

Esses direitos podem ser individuais (são para cada pessoa) ou coletivos (são

para todo um grupo) e estão escritos na Constituição brasileira em seus princípios e fundamentos, por serem de grande importância para todo mundo. Por isso, não devem

ficar apenas no papel. Todos devem lutar para que a maioria deles seja cumprida na prática.

São muitos os direitos existentes na Constituição, mas também existem direitos

escritos em outros livros. Vamos falar agora dos mais importantes na vida diária, principalmente aqueles que mais interessam aos quilombolas. Esses direitos estão na

Constituição e serão explicados para que todos possam exigir a sua realização da melhor forma possível.

Direitos Humanos

Todo ser humano, assim como tem direito ao ar que respira, tem também o

direito a terra, às ferramentas para trabalhar na roça, a um local para vender

seus produtos, a participar das associações comunitárias e a escolher o seu

candidato nas eleições.

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Explicando por partes: na Constituição, o Brasil não é chamado apenas de

Brasil, mas de República Federativa do Brasil. Ser uma república quer dizer que todos os brasileiros e brasileiras têm o direito a

ter acesso às riquezas do País. Como a terra é uma riqueza para os quilombolas, estes devem lutar para defender o que lhes pertence.

Ser uma república federativa quer dizer que o Brasil é formado pela união

indissolúvel, ou seja, que não pode ser separada ou dividida, formada pelos estados, municípios e o Distrito Federal. E o que está escrito na Constituição vale para todos os

lugares do país. E, por último, dizer que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito

quer dizer que nosso país é um lugar onde todo mundo deve ter direitos iguais,

manifestar suas idéias e ser respeitado. Então, nosso país tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa

humana. Vamos ver o que isso significa? Cidadania é conhecer os direitos e os deveres (seus e dos outros) e fazer com que

sejam respeitados na prática. O cidadão ou cidadã deve conhecer seus direitos e cumprir

seus deveres. Ser cidadão ou cidadã é ter respeitada a sua dignidade humana, é ser tratado de

forma decente, com o acesso aos direitos à vida, à segurança, à alimentação, à saúde, educação, moradia, e outros direitos básicos para a sobrevivência. Cidadania diz respeito também ao direito de votar e ser votado, mas não é só isto.

A cidadania é a participação das pessoas na sociedade em que vivem, tendo direito aos bens materiais, sociais, econômicos, políticos

e culturais. Ser cidadão é participar ativamente de reuniões

de associações, das reuniões que envolvam projetos de

desenvolvimento social. É participar nas decisões que interessem à comunidade.

Art.1°

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados

e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

II

A cidadania;

III

A dignidade da pessoa humana.

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Todas as pessoas são consideradas dignas de humanidade. A dignidade é qualidade de toda a pessoa humana. Dizer que alguém teve um tratamento digno significa dizer que essa pessoa foi tratada com atenção e respeito, teve um tratamento

apropriado, adequado, decente. O Estado (a nação organizada) tem a responsabilidade de oferecer as condições

para que a dignidade das pessoas seja respeitada, garantindo a todos o acesso à alimentação, moradia, educação, trabalho, saúde, esporte, diversão e preservar sua cultura e tradição. Cabe ao governo garantir o respeito a esses direitos.

Um dos caminhos para alcançar o bem de todas as pessoas é não existir

preconceito. Preconceito é quando a gente pensa mal de uma pessoa porque ela é diferente de nós (é de outra cor, raça, idade, tem alguma deficiência) e por causa disso

ela é afastada, maltratada. O preconceito faz com que uma pessoa se ache melhor do que a outra. As pessoas negras conhecem bem o que é preconceito, pois ainda são discriminadas e, muitas vezes, não podem exercer os seus direitos por conta do

preconceito racial.

Os direitos humanos têm prevalência, quer dizer, tem muita importância para o Brasil. Prevalência significa que os direitos humanos estão acima dos outros direitos.

Ou seja, o respeito aos direitos humanos predominam frente a outros direitos por ser um princípio da nação brasileira.

Art. 3º

São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil entre outros:

IV

Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos

seguintes princípios, entre outros:

II

Prevalências dos direitos humanos.

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Os direitos humanos existem também para proteger e preservar os direitos fundamentais dos mais fracos que não têm recursos para garantir seus mínimos direitos ou ainda para as pessoas que estão em situação de risco sem condições para buscarem

proteção.

Este artigo da Constituição (quer dizer, esse pedacinho dela) significa que

ninguém é melhor do que ninguém. Todos possuem os mesmos direitos e deveres na

sociedade, quer seja homem ou mulher, branco, negro ou indígena, brasileiro ou pessoa de outro país que more aqui.

A inviolabilidade de um direito quer dizer que ele não pode ser desrespeitado. Por exemplo, está escrito na Constituição que a todo brasileiro é garantida a inviolabilidade do direito à propriedade. Então, ninguém pode desrespeitar invadir ou

tomar a propriedade de ninguém. Fazer isso com as terras dos quilombolas é crime, pois eles têm o direito à propriedade assegurada na lei como todos os brasileiros.

Art. 5o

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (sem

nenhuma diferença) garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

(aos estrangeiros que moram) no País a inviolabilidade ao direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

VI

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e

garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto

e as suas liturgias (orações, rezas)

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O direito de viver livremente a sua religião tem que ser respeitado por todos porque a Constituição diz isso sem deixar nenhuma dúvida. Todos são livres para escolher sua religião e fazer manifestações religiosas. Embora muitas pessoas queiram

impedir, por exemplo, os cultos dos ancestrais africanos, isto não é permitido. Ninguém pode invadir os terreiros, as igrejas ou qualquer local onde as pessoas estejam rezando,

realizando seus cultos ou cerimônias religiosas.

Ninguém pode entrar ou permanecer em uma casa sem ser chamado, sem ser convidado. Isto quer dizer que só quando a gente permite é que a pessoa pode entrar e

ficar. Ninguém pode entrar na casa dos outros sem pedir licença - isso nos diz tanto a boa educação quanto a lei. É crime invadir a casa de alguém.

A casa dos quilombolas é tudo aquilo que eles dizem que pertencem a eles desde

muito tempo como: as terras de seus antepassados, os terrenos por eles cultivados, os locais onde plantam, colhem e criam animais. Essas terras devem ser respeitadas como

deles e ninguém pode entrar lá sem que a comunidade permita.

Quando um grupo de pessoas decide criar associações ou cooperativas, a lei

manda que o governo não dê nenhuma opinião e que não impeça que a associação funcione; ou seja, é vetada a interferência estatal, do jeito que está escrito na

Constituição. Portanto, os trabalhadores, as comunidades, os grupos organizados do movimento popular são livres para se organizarem em associações e cooperativas, sem pedir licença nem autorização de ninguém.

XI

A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem

consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito (a pessoa foi

encontrada quando estava cometendo um crime) ou desastre, ou para prestar

socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (quando o juiz manda um

oficial de justiça para cumprir uma ordem)

XVIII

A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de

autorização, sendo vetada a interferência estatal em seu funcionamento.

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Isso quer dizer também que todo mundo é livre para se organizar em associações ou cooperativas. As pessoas devem se unir e se organizar em grupos, sociedades, associações para ficarem mais fortes e fazerem mais pressão para que suas solicitações

possam ser atendidas. Só através da organização é possível tirar a lei do papel. É muito fácil quebrar um palito. Mas é mais difícil quebrar um monte de palitos

bem amarrados. As associações são esses montes de palitos que, unidos, não podem ser quebrados com facilidade.

Quando pertencemos a uma associação de moradores ou outro tipo de

associação, cada associado tem a garantia de que seus direitos vão ser defendidos pela

associação. Ela representa os interesses de todos, seja na justiça ou nos órgãos do governo.

No caso do acompanhamento da titulação das terras quilombolas, deve existir uma associação lutando junto aos órgãos onde é preciso para que esse direito seja garantido.

Todo mundo deve ter direito a um lugar para morar. E deve ter garantida a conservação de sua casa, de seu terreno, sem que outras pessoas possam invadir, desrespeitando o seu direito. Ou seja,

ninguém pode tomar a casa ou o local em que uma pessoa ou um grupo de pessoas moram, trabalham e cultivam para manter o seu

sustento e de sua família. É por isto que os quilombolas lutam para que seja cumprido o

direito da propriedade de suas terras por meio da titulação. A lei é

quem garante este direito. O processo de titulação será explicado passo a passo quando falarmos do artigo 68 da Constituição, pois ele é muito

importante para a vida dos remanescentes quilombos.

XXI

As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade

para representar seus filiados (quer dizer associados) judicial ou

extrajudicialmente (na justiça ou fora dela)

XXII

É garantido o direito de propriedade.

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Por enquanto, basta saber que para garantir os seus direitos de propriedade, os quilombolas têm que passar por um longo caminho: reconhecimento, identificação, delimitação, demarcação e, finalmente, a titulação e registro para o reconhecimento da

propriedade definitiva das terras.

Ninguém pode deixar no abandono uma terra, um terreno, quando existem

milhões de pessoas sem terra para plantar, sem casa para morar, sem um lugar para

viver. O direito de trabalhar e o direito de morar são mais importantes que o direito de propriedade. A propriedade da terra, dos terrenos ou das casas tem que beneficiar

primeiro à sociedade. Principalmente, se a propriedade é improdutiva, ou seja, nela nada é plantado nem produzido.

Vamos primeiro entender o que é desapropriação. Desapropriar significa tomar a

propriedade mediante pagamento. Este pagamento chama-se indenização. Acontece uma desapropriação quando o governo decide que precisa de um

terreno de uma pessoa para uso em benefício da sociedade ou de um determinado grupo, define um preço para essa propriedade e por suas benfeitorias e paga ao dono dela esse valor (a indenização). Nesse caso, não é a pessoa que decide se vai vender a terra ao

governo ou não; a decisão é tomada pelo governo. Se o governo quiser desapropriar um terreno para dar a propriedade a pessoas

que não têm casa ele pode fazer isso; se precisarem desapropriar as casas de uma rua para a construção de um viaduto, também poderão fazê- lo.

XXIII

A propriedade atenderá a sua função social.

A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização

(pagamento por alguma coisa que a pessoa tem direito) em dinheiro,

ressalvados (resguardados) os casos previstos nesta Constituição.

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A herança são os bens que uma pessoa deixa para seus descendentes (filhos,

netos) após a sua morte. Herdar os bens de pais e avós é um direito. Ninguém pode tirar. É o que ocorreu com algumas comunidades quilombolas - elas herdaram a terra

através do direito de herança. Ninguém pode tomar essas terras.

Quando se necessita saber alguma informação de interesse de uma pessoa ou de uma comunidade, como o andamento de um processo na justiça, os órgãos do governo

têm a obrigação de fornecer essa informação. E se isto não acontecer, todos podem reclamar esse direito e exigir que seja respeitado. Assim, por exemplo, quando a comunidade quilombola precisar saber sobre o andamento da titulação, ou outras

informações, as pessoas que trabalham nesses órgãos devem responder e com muita boa vontade, pois são obrigadas por lei a fazer isso.

XLI

A lei punirá qualquer discriminação

atentatória (que vá contra, que ameace) dos

direitos e liberdades fundamentais.

XXXIII

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse

particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,

sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo (segredo) seja

imprescindível (fundamental, muito necessário) à segurança da sociedade e do

Estado.

XXX

É garantido o direito de herança.

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O que é discriminar? É distinguir, diferenciar, separar. Discriminamos as pessoas quando não permitimos que um empregado doméstico suba pelo elevador social em um prédio; ou quando o vendedor de uma loja atende melhor as pessoas de uma

determinada cor/raça do que de outra. A lei afirma que não é permitido distinguir, discriminar as pessoas por nenhum

motivo para impedir que elas possam exercer seu direito de ser livre, de se realizar como ser humano.

Vamos entender cada pedacinho desse texto. O racismo é uma idéia que defende que umas pessoas são superiores a outras,

isto é, acreditam que existem raças e que os negros pertencem a uma raça inferior. O

racismo impede a pessoa de exercer os seus direitos de forma ampla e exclui as pessoas das possibilidades de crescimento na vida. A lei deixa bem claro que isso é crime e que

dá cadeia. Ou seja, a pessoa que comete racismo está sujeita à pena de reclusão. E mais ainda: é um crime inafiançável - quando a pessoa é presa por crime de

racismo, não pode pagar fiança. Ela fica na cadeia. Fiança é um valor que a justiça

determina que a pessoa pague para poder sair da cadeia e aguardar o processo em liberdade.

Racismo é um crime imprescritível, ou seja, a pessoa pode ser acusada por ele mesmo depois de muitos anos, diferente de outros crimes, quando a pessoa depois de 25 anos não pode mais ser acusada.

Um caso comum de racismo ocorre quando pessoas brancas divulgam que são melhores do que outras. Embora isto pareça estranho porque ninguém é melhor do que

ninguém é real e existe no Brasil. As pessoas muitas vezes praticam o racismo impedindo a outra de trabalhar, de entrar em alguns lugares ou tratam mal a pessoa apenas pela sua cor. Muitas pessoas negras sofrem o racismo, mas devem sempre

reclamar, botar a boca no trombone, ir à imprensa, ir à delegacia de polícia. Elas precisam fazer isso para que aquele que pratica o racismo seja severamente punido

dentro da lei e seja denunciado. No nosso país as pessoas ficam sem jeito quando são acusadas de praticar um crime tão grave e absurdo como o racismo. No entanto, o racismo é praticado o tempo todo, mesmo que de forma disfarçada. É tão verdadeira a

existência do racismo que á lei disse diretamente que é crime.

A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à

pena de reclusão, nos termos da lei.

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Nenhuma pessoa pode ser presa sem ter praticado algum crime ou se já passaram 24 horas depois do crime ter sido cometido ou sem uma ordem escrita pelo juiz ou juíza.

O governo tem obrigação de oferecer de graça assistência jurídica para aquelas

pessoas que e não puderem pagar um advogado. Ou seja, se a pessoa não pode pagar para resolver seus problemas na justiça, o governo tem que ajudar a pessoa gratuitamente oferecendo um defensor público, ou seja, um advogado ou advogada para defender os direitos

dessa pessoa.

A Constituição garantiu às pessoas pobres receber de graça a certidão de nascimento e o registro de certidão de óbito (documento que diz quando e como a

pessoa morreu). A Lei 6 015 de 31 de dezembro de 1973 que trata dos registros públicos foi alterada pela Lei 9 534 de 10 de novembro de 1997. Com esta Lei os registros de nascimento e óbito, inclusive a primeira certidão, passaram a ser gratuitos a todas as

pessoas reconhecidamente pobres ou não.

LXI

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de

transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

LXXIV

O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos

LXXVI

São gratuitos para os reconhecidamente às pessoas pobres, na forma da lei:

a) o registro civil de nascimento;

b) a certidão de óbito.

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Todos os trabalhadores possuem os mesmos direitos, estejam eles na cidade ou no campo. Os trabalhadores rurais passaram a ter os mesmos direitos dos trabalhadores

da cidade desde 25 de julho de 1991. Mas para obter esses direitos o trabalhador rural tem que se inscrever (registrar) na Previdência Social.

Basta se informar sobre os documentos necessários e não deixar o tempo passar.

Alguns dos benefícios previdenciários: aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e salário-matemidade.

As leis que falam dos direitos dos trabalhadores e das causas trabalhistas estão na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 7o

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social:

Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa

causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (o trabalhador não pode ser demitido

sem que haja um motivo justo; se isso acontecer ele tem direito a receber um valor para compensar sua demissão)

Seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário (sem pedir para

sair do emprego);

Fundo de garantia do tempo de serviço;

Salário mínimo, fixado em lei;

Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

Remuneração (pagamento) do trabalho noturno superior à do diurno;

Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

(ou seja, o patrão ou qualquer outra pessoa não podem ficar segurando, de propósito, o salário do trabalhador)

Salário- família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda

nos termos da lei

Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (o

trabalhador tem direito a um dia de descanso na semana, e não pode ser

descontado por causa desse repouso previsto em lei).

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Onde encontramos os direitos humanos?

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CONFORME JÁ DISSEMOS, OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE

TODA PESSOA ESTÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Como nem sempre a Constituição explica como cumprir todas as leis, existem outros livros onde são escritas

as explicações para aplicar corretamente as leis, obedecendo ao que diz a Constituição. Bem, mas onde estão escritas essas outras leis?

As leis estão organizadas em vários livros que são chamados de códigos: O Código Civil fala da vida das pessoas, do direito de comprar e de vender, de

pagar, de fazer registro de nascimento, de usucapião (uso da terra pela mesma pessoa

por mais de cinco anos seguidos), de título de propriedade da terra, de certidão de óbito, dos direitos de herança.

O Código Penal trata da punição das pessoas quando praticam crimes de qualquer tipo, como matar e praticar racismo.

O Código Comercial fala das leis comerciais, da compra a crédito e das

obrigações que as empresas e pessoas devem cumprir. O Código do Consumidor ensina os direitos que as pessoas devem ter quando

compram mercadorias nas lojas, nos mercados, na far¬mácia, em todos os lugares. Há ainda muitas outras leis para falar dos artigos (são explicações de normas

jurídicas) que estão na Constituição e até mesmo para explicar outras leis. Por exemplo,

a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB) que fala da obrigação do Estado de oferecer ensino público e gratuito à

população. Existem também pequenos livros, cartilhas e panfletos (folhetos) para ajudar as

pessoas sobre assuntos que estão nas leis, porém sua leitura exige mais tempo, mais

atenção. É importante agora, saber como fazer para que sejam cumpridos e garantidos

estes direitos escritos na Constituição e nesse outros livros que falamos.

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Como garantir estes direitos ?

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PARA GARANTIR QUALQUER DIREITO É NECESSÁRIO QUE SE SAIBAM

OS MEIOS QUE OBRIGAM OS ÓRGÃOS PÚBLICOS, privados ou as pessoas a

cumprirem o que já está garantido por lei. Existem alguns recursos (meios) jurídicos criados pela Constituição Federal que

estão no artigo 5o. Destacamos por serem formas urgentes na garantia de alguns direitos que, ao serem negados ou desrespeitados, comprometem a vida da pessoa. Chamaremos esses recursos de remédios jurídicos, pois socorrem as pessoas rapidamente.

O habeas corpus tem um nome difícil, mas é um remédio de efeito rápido. Ele é

um recurso jurídico que se dedica a guardar a liberdade de todo ser humano que sofre constrangimento (a pessoa é tratada com desrespeito ou forçada a fazer alguma coisa que não deseja) ou que está em risco de sofrê- lo.

Qualquer pessoa pode requerer (pedir) habeas corpus, desde que esteja sofrendo ou em risco de sofrer um constrangimento (vergonha, embaraço) ilegal (que vai contra a

lei), um atentado a sua liberdade. Por exemplo, se a pessoa for presa e puder resolver o problema em liberdade, deve utilizar o habeas corpus para sair de imediato da prisão. É um direito fundamental da pessoa.

Habeas corpus

Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado

de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou

abuso de poder.

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Habeas data é uma forma que a Constituição criou para que as pessoas

conheçam as informações a seu respeito, permitindo ainda que seja feita a correção dos dados que possam estar errados. Por exemplo: Uma pessoa suspeita que haja erros nos seus dados de aposentadoria junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS.

Solicita informações e acesso aos registros e o INSS se nega a fornecer. Assim, o aposentado poderá entrar com um habeas data para que o órgão seja obrigado a mostrar

as informações.

As ações ou os pedidos de habeas corpus e habeas data são de graça. Ninguém precisa pagar nada, pois são

ações necessárias para exercer a cidadania.

Habeas data

a) para assegurar (garantir) o conhecimento de informações relativas à pessoa

do impetrante (é aquela pessoa que fez o pedido), constantes de registros ou

bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo

sigiloso (aquele pedido ou solicitação que ninguém pode saber só a pessoa que

pede), judicial ou administrativa.

São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas-

data, e, na forma da lei, os atos necessários ao

exercício da cidadania.

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O mandado de segurança é o meio constitucional para proteger o direito individual ou coletivo, líquido e certo, quando o ato que vai contra a lei ou o abuso de

poder vem de uma pessoa que trabalha para o governo e comete o ato ilegal em nome do poder público. Portanto, cabe um mandado de segurança quando um direito ao patrimônio de alguém e sobre o qual não há dúvida ou contestação possível, foi violado

por uma autoridade do governo. Por exemplo, o Estado não pode chegar querendo fazer reforma agrária nas

terras quilombolas já tituladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, pois a Constituição garante esse direito e o título prova que a terra pertence à comunidade. Nesse momento, pode ser utilizado o mandado de segurança

para fazer com que a autoridade que pretende a reforma agrária no território quilombola respeite o direito que é líquido, certo e garantido pela Constituição Federal de 1988 que

está sendo ameaçado. O mandado de segurança coletivo pode ser utilizado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Mandado de Segurança

Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não

amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela

ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa

jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

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O direito de titulação de terra dos quilombolas

Artigo 68 e decreto 4.887/03

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FOI NECESSÁRIO QUE MILITANTES (PARTICIPANTES) DO

MOVIMENTO NEGRO, em parceria com alguns deputados e senadores, lutassem para que fosse escrito o artigo 68 da Constituição brasileira sobre os direitos dos

quilombolas.

O artigo 68 da Constituição Federal de 1988 garante aos remanescentes de

quilombos o reconhecimento da propriedade definitiva das terras que ocupam desde os

tempos dos seus ancestrais. Logo, o titulo é o documento que prova a propriedade da terra é a escritura dada pelo INCRA e registrada em cartório.

Embora esteja na lei, às terras ainda não foram tituladas, ou seja, a escritura passada em cartório (título de propriedade) não foi entregue a todas as comunidades quilombolas do Brasil.

Porém para complementar o que o artigo 68 fala, foi necessário criar um decreto

que ensinasse todos os passos para a regularização das terras quilombolas. É o Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003, que traz os procedimentos (passos) administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da

propriedade definitiva das terras quilombolas e define que tal procedimento é de responsabilidade do INCRA.

Para uma melhor compreensão apresentamos, a seguir, o que é necessário para a regularização das terras quilombolas:

Passo 1 - ORGANIZAR A COMUNIDADE

É preciso que a comunidade permaneça unida para que o direito de titulação das terras possa ser solicitado.

A comunidade deve organizar-se sob a forma de uma associação, ou seja, unir os

esforços e criar uma pessoa jurídica para representá-la diante das instituições de

Artigo 68 da Constituição

"Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando

suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes

(passar-lhes) os títulos respectivos".

O que é Movimento Negro?

É muito parecido com uma associação de pessoas negras que se organizaram há

muito tempo para não aceitar todas as formas de racismo e discriminação racial

contra todo o povo negro, promovendo a igualdade e o exercício dos direitos.

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governo. Vale lembrar que a associação para ter valor legal deve ser registrada em cartório.

É bom procurar a orientação de um advogado, de um contador, de um estudante de Direito ou de uma pessoa que já tenha criado uma associação, ou, ainda, de uma

pessoa que tenha experiência em organização de comunidades. Passo 2 - ENCAMINHAR O PEDIDO DE AUTO-DEFINIÇÃO

O pedido de auto-definição, ou seja, o reconhecimento da comunidade como

remanescente de quilombo é uma declaração escrita pela própria comunidade e assinada por seus integrantes (moradores). Este pedido deve ser encaminhado à Fundação Cultural Palmares - FCP e ficará registrado no Cadastro Geral, criado especificamente

para este fim. A FCP enviará uma cópia ao INCRA de cada Estado para fazer parte do processo de regularização das terras da comunidade.

Passo 3 - ABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TITULAÇÃO

O processo de titulação é aberto pelo INCRA mediante o pedido ou requerimento de uma associação ou de qualquer pessoa da comunidade interessada na

titulação. Mesmo sem o pedido da comunidade ou da associação o INCRA, de vontade própria, poderá dar início ao processo de titulação. De todas as maneiras, o processo de titulação só tem validade se nele estiver contida a declaração de auto-definição.

3.1. Identificação: dizer qual o nome da comunidade e onde está localizada. Esta

identificação será feita com a ajuda da comunidade envolvida. Notificação prévia de

proprietários ou ocupantes de terras localizadas no território.

3.2. Delimitação e levantamento ocupacional: falar qual o limite, confrontações (terras que estão em volta da comunidade), tamanho do território ocupado pelos quilombolas e se há fazendeiros na área ou outros ocupantes, benfeitorias,

existência de rios, lagos e lagoas e outras informações. 3.3. Levantamento cartorial: verificar se há títulos, registros e matrículas

sobre aquela área. Saber se as terras solicitadas pelas comunidades estão em nome de outras pessoas ou se pertencem à União, ao Estado ou ao Município, aos indígenas ou à segurança nacional.

3.4. Publicação do edital: será publicado o relatório de todo este trabalho realizado.

3.5. Notificação: o INCRA mandará a algumas entidades do governo, para conhecimento, uma cópia do relatório publicado. No prazo de 30

dias, essas entidades precisam falar sobre este relatório: se há patrimônio histórico, área de

preservação ambiental, terras de enchentes, superposição de terras indígenas, área de defesa nacional (terras das forças armadas militares –

aeronáutica, marinha e exército) ou outra situação que possa interferir (intrometer) direta ou

indiretamente na titulação.

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São estas as entidades de governo que precisam dar respostas ao relatório do INCRA:

■ Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN/MinC;

■ Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA/Ministério do Meio Ambiente - MMA;

■ Secretaria do Patrimônio da União - SPU/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

■ Fundação Nacional do índio - FUNAI/Ministério da Justiça - MJ;

■ Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional/Ministério da Defesa; ■ Fundação Cultural Palmares - MinC.

Passo 4 - REGISTRO EM CARTÓRIO

A última etapa é o registro do título de reconhecimento de domínio (propriedade) quilombola em Cartório que deverá ser feito pelo INCRA. Para tanto, é

preciso a assinatura do Presidente da associação da comunidade, pois o título de propriedade é coletivo e por isso emitido em nome da mesma.

Percebe-se que há um longo caminho a ser percorrido. Por isto é que a

comunidade deve manter sempre o contato com o INCRA para ficar informada a respeito de cada passo do processo para ter o título em mãos o mais rápido possível.

Outras informações

Alguns artigos do Decreto 4.887/03 devem ser destacados por serem de muita

importância o seu conhecimento para os quilombolas: "Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das

comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência (função) da titulação das suas terras."

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"Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus (instâncias judiciais), aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra

esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada, e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que

prestem esta assistência."

Outras legislações que são aplicadas à titulação da terra

■ Instrução Normativa - INCRA n° 20/05 - traz detalhes ao procedimento de titulação previsto no Decreto 4.887/03.

■ Artigos 215 e 216 da Constituição Federal - falam sobre preservação da

cultura e do patrimônio da União ■ Lei 4.132 - define os casos de desapropriação por interesse social (retirar o

fazendeiro da área, indenizando, em benefício de uma comunidade/grupo) e dispõe sobre sua aplicação.

■ Lei 4.504 - regula os direitos e obrigações relativas aos bens imóveis rurais, a

Reforma Agrária e a promoção da Política Agrícola.

Esbulho

É uma violação a tomada da posse, que pode ser parcial ou total, quer dizer,

poderá tomar toda a área ou parte dela.

Turbação

É uma perturbação à posse da terra sem a perda dela. Por exemplo quando o

gado ou porcos do vizinho invadem a terra e destroem a plantação.

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Onde buscar ajuda?

QUANDO ACONTECE UMA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA É

NORMAL QUE SE TENHA UMA PREOCUPAÇÃO e que a pessoa se sinta amedrontada. Só então a gente se pergunta: o que fazer a quem procurar para resolver

esse problema? Existem alguns problemas que a própria comunidade unida pode tomar as providências e resolver, como por exemplo, pequenos conflitos dentro da

comunidade. Mas existem outros conflitos maiores que envolvem a segurança, a vida e a

permanência da comunidade. Nesses casos é bom procurar ajuda especializada. Lembre-

se de que a comunidade tem sempre que se organizar em grupo e nunca ir uma pessoa sozinha. Portanto, não esqueça: diante de qualquer problema a comunidade deve se

juntar para discutir, e depois escolher um grupo para defender os seus interesses, já que nem sempre existem condições para que todo mundo saia para resolver a questão.

Conforme o tipo de problema é bom saber a quem procurar:

Caso necessite de registro de nascimento gratuito e o cartório não quiser fazer,

busque ajuda: ■ Na Defensoria Pública do seu estado; ■ Na Promotoria de Justiça do seu estado.

Em casos de invasão de fazendeiros em sua terra, problemas com os vizinhos, discriminação e racismo, procure ajuda:

■ Nas cidades do interior, com o Promotor de Justiça no Fórum local; ■ Na Delegacia de Polícia mais próxima; ■ Na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB do seu estado;

■ Na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do estado; ■ Nas organizações não-governamentais de movimentos negros ou em outras

organizações conhecidas que defendem os direitos humanos. Em Brasília procure:

■ Câmara Federal - Comissão de Constituição e Justiça; Comissão de Direitos Humanos. Congresso Nacional - Praça dos Três Poderes

- Brasília/DF - CEP 70160-900. Disque - Câmara: 0800 619 619. ■ Ministério Público Federal - Procuradoria dos Direitos do Cidadão. SAF Sul -

Qd. 04 - Conjunto C - Brasília/DF - CEP: 70.050-900. PABX: (61) 30315100.

■ Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. SBN

- Edifício Palácio do Desenvolvimento - CEP: 70.057-900 - Brasília/DF. PABX: (61) 34117474.

■ Fundação Cultural Palmares - FCP, órgão vinculado ao Ministério da Cultura.

SBN - Qd. 02 - Ed. Central Brasília - 1o Subsolo CEP 70.040-904 - Brasília/DF. PABX: (61) 3424 0100. SBN Ed. Central Brasília.

■ Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR, órgão da Presidência da República - Esplanada dos Ministérios - Bloco A -9º andar - CEP: 70.054-900, Brasília/DF. Ouvidoria - (61) 3411 4978.

■ Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH, órgão da Presidência da República. Esplanada dos Ministérios - Bloco T- Sala 420 - Edifício Sede do Ministério

da Justiça - CEP: 70.064-900 - Brasília/DF. Ouvidoria - (61) 3429 3116. ■ Organizações não-governamentais de movimentos negros e outras que

defendem os direitos humanos.

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Para saber mais

ANDRADE, Lúcia. Terra de Quilombo. Herança e Direito. Comissão Pró-Índio. São Paulo, 2005.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 8a ed.

Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros

Editores, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Org. Juarez de

Oliveira. São Paulo: Saraiva 1994.

FRANCISCO, Vilma. Você e seus Direitos. Cartilha Popular (mimeo). Aracaju, 1999.

LOAS. Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília, 2003 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1990.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2a. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

MOURA, Gloria. Ritmo e Ancestralidade na Força dos Tambores Negros. Tese de doutorado, USP. São Paulo, 1997

Guia do Trabalhador. Ministério da Previdência Social, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21a. ed, São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2002.