Diretrizes Bioclimáticas Para o Planejamento Urbano

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  • Nmero 40, 2011 Engenharia Civil UM 75

    Diretrizes Bioclimticas para o Planejamento Urbano a partir da Aplicao de Metodologias de Anlise do Clima Local

    Gianna M. Barbirato1,, Simone C. Torres2

    Isabela C. S. Passos

    3, Ricardo V. R. Barbosa4

    Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU Campus A. C. Simes, Cidade Universitria, Macei-AL, Brasil

    RESUMO

    A presente investigao busca destacar a importncia da adequada concepo de espaos a partir de diretrizes climticas para o planejamento urbano. Assim, apresenta-se um estudo de caso em duas cidades de pequeno porte do Nordeste brasileiro, no interior do estado alagoano. Diante da carncia de dados histricos foram aplicadas e adaptadas as metodologias de caracterizao climtica: Ano Climtico de Referncia, Dias Tpicos de Projeto, Recomendaes de Projeto Mtodo de Mahoney e Carta Bioclimtica de Givoni. O tratamento estatstico de dados coletados em estaes locais e a anlise das metodologias citadas permitiram a identificao do perfil climtico das cidades estudadas, proporcionando a obteno de diretrizes bioclimticas para adequao dos assentamentos construtivos. Foi possvel constatar que a atual configurao urbana e os padres construtivos adotados nas edificaes presentes nas cidades correspondem, de uma maneira geral, a modelos inapropriados em relao s solicitaes climticas locais, apontando para a necessidade de requalificao dos espaos construdos. 1. INTRODUO

    de fundamental importncia para o planejador urbano conhecer as variveis climticas que atuam sobre determinado stio, de modo que todos os fatores e elementos climticos possam ser aproveitados da melhor forma no projeto dos espaos, em benefcio do homem. Nesse sentido, a climatologia aplicada constitui-se em importante ferramenta capaz de auxiliar no planejamento urbano com vistas obteno de equilbrio entre o desenvolvimento e a observao das premissas ambientais necessrias tanto para o meio ambiente, quanto para o homem (Higueras, 2006). Nesse contexto, os dados climticos representam importante fonte de informaes para o planejador urbano.

    No Brasil, os dados sobre o clima local so, geralmente, de difcil acesso e, quando disponveis, no so tratados para uso em projetos de arquitetura ou em planejamento das

    1 Professora Associada [email protected] 2 Professora Assistente 3 Pesquisadora 4 Professor Adjunto

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    cidades. Essa problemtica compromete o uso das poucas informaes disponveis, as quais acabam sendo subutilizadas pelos arquitetos e urbanistas (Goulart et al., 1998).

    Essa questo torna-se ainda mais evidente em Alagoas, estado localizado na Costa Leste do Brasil, onde a carncia de dados climticos e a dificuldade de acesso aos poucos dados existentes constituem os principais entraves no desenvolvimento de pesquisas e na atuao eficiente dos profissionais ligados rea de planejamento urbano. Em cidades de menor porte, situadas no interior do estado, a inexistncia de dados climticos faz com que os parmetros para projetos de arquitetura e para o desenho urbano sejam pautados nos dados climticos da capital, Macei. Esse procedimento leva generalizao das recomendaes de projeto e de planejamento, distorcidas da realidade do clima local.

    Em contraponto essa realidade, a intensa expanso urbana observada nos ltimos anos em algumas cidades do interior do estado e a obrigatoriedade da implantao de Planos Diretores Municipais para cidades da regio metropolitana ou com populao superior 20 mil habitantes, justificam a necessidade de informaes climticas locais que auxiliem, de forma efetiva, no planejamento urbano e de edificaes no que tange adequao ao clima local.

    Diante disso, o presente trabalho apresenta um estudo de caso no qual foram analisados dados climticos de duas cidades localizadas no interior do estado de Alagoas Arapiraca e Palmeira dos ndios a fim de obter diretrizes bioclimticas para o planejamento urbano. O estudo pretende contribuir para a diminuio do distanciamento entre o conhecimento cientfico e as atividades tcnicas ligadas ao planejemento ambiental e urbano, a partir da difuso de metodologias para o o entendimento climtico como forma de subsidiar o planejamento urbano. 2. METODOLOGIA 2.1. Mtodos de Anlise Climtica

    Os mtodos de tratamento e de anlise de dados climticos com o objetivo de indicar estratgias bioclimticas constituem ferramentas importantes para o planejamento das cidades, pois representam um bom indicativo de quais solues arquitetnicas e urbanas so mais adequadas ao clima local.

    Dentre os diversos mtodos de anlise climtica existentes, foram escolhidos os seguintes: Ano Climtico de Referncia e Dias Tpicos de Projeto (Stamper, 1977), Recomendaes de Projeto Mtodo de Mahoney (Naciones Unidas, 1973), Carta Bioclimtica de Givoni (Givoni, 1992) e tratamento estatstico dos dados, a fim de caracterizar climaticamente as cidades e extrair, informaes climticas teis ao planejamento urbano.

    O mtodo do Ano Climtico de Referncia ou Test Reference Year - TRY, consiste na determinao de um ano representativo, a partir de uma srie histrica de dados climticos. O ano climtico de referncia usado em diversos programas de simulao computacional para clculo de consumo de energia ou para determinao de estratgias bioclimticas, como o caso do software Analysis BIO v.2.1.3 (LABEEE, 2007).

    O dia tpico de projeto, por sua vez, usado em diversos estudos como base de recomendaes projetuais, a fim de obter o conforto trmico dos usurios no interior das edificaes. O dia tpico de projeto estimado a partir de mdias de temperatura do ar calculadas para o perodo de vero e de inverno, a partir das quais identificado um nico dia com caractersticas climticas prximas dos valores mdios, o qual denominado dia tpico, de inverno ou de vero.

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    O mtodo das tabelas de Mahoney foi desenvolvido inicialmente em 1969, quando o arquiteto Carl Mahoney foi incorporado a uma equipe de arquitetos cuja funo era elaborar diretrizes para o projeto de escolas secundrias na Nigria. O objetivo de Mahoney com as tabelas era saber como a arquitetura deveria mudar em resposta s variaes climticas daquele pas. Alm disso, Mahoney propunha saber em qual regio geogrfica se aplicam as recomendaes desenvolvidas atravs da anlise do clima.

    O mtodo desenvolvido por Mahoney tem sido usado desde ento, por quase trinta anos, em muitos pases e contextos climticos. Os dados disponveis em normais climatolgicas so anotados em planilhas e comparados com limites de conforto pr-estabelecidos. Essa comparao permite identificar grupos de problemas climticos dominantes e, para cada grupo, obter recomendaes tcnicas de projeto.

    O programa Analysis Bio (LABEEE, 2007) permite obter as estratgias de projeto adequadas para melhor adaptar a edificao ao clima local, por meio da avaliao de dados climticos inseridos sobre uma Carta Bioclimtica (Givoni, 1992). O procedimento consiste, basicamente, em inserir os dados de temperatura e umidade do ar de um ano tpico sobre a carta bioclimtica com a finalidade de visualizar a distribuio dos dados climticos nas diferentes zonas da Carta, calculando a porcentagem de horas do ano em que cada estratgia bioclimtica mais apropriada. O programa baseado na Carta Bioclimtica proposta por Givoni (1992), para pases em desenvolvimento, e que usa dados climticos das 8760 horas de um ano tpico o TRY (LABEEE, 2007).

    Os dados climticos tambm podem ser tratados a partir da Estatstica Descritiva que consiste em interpretar uma determinada base de dados, extraindo dela informaes teis e de fcil leitura (Goulart et al.; 1998). Esta tcnica aplicada a partir de calculos usuais prprios da estatstica. 2.2. Procedimentos metodolgicos

    As metodologias de avaliao climtica foram aplicadas a partir da tipologia de dados climticos disponveis para estudo. A anlise climtica, portanto, foi realizada por meio da aplicao de duas ou mais metodologias para a identificao de diretrizes bioclimticas.

    Nas duas cidades avaliadas Arapiraca e Palmeira dos ndios foram coletados dados climticos de temperatura e umidade relativa do ar, velocidade e direo dos ventos, junto a estaes climticas locais mantidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia - INMET. Os dados coletados foram tratados por meio de anlise estatstica, a partir da qual obteve-se mdias anuais, mensais e dirias, as quais foram usadas no presente estudo. 3. CIDADES EM ESTUDO

    Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, o estado de Alagoas, localizado no Nordeste brasileiro, ocupa uma rea de 27.767, 661 km e est limitado a Norte pelo estado de Pernambuco, a Leste pelo Oceano Atlntico, a Sul pelo estado de Sergipe e a Noroeste pelo estado da Bahia. Situa-se entre as latitudes 84852 e 103028 Sul e longitudes 350909 e 381415 Oeste, e divide-se poltico-administrativamente em 102 municpios (Figura 1).

    O estado de Alagoas possui trs regies climticas ou mesorregies, classificadas de acordo com a intensidade e a distribuio espacial da precipitao anual: Leste Alagoano, Agreste Alagoano e Serto Alagoano (Lins, 2006). Entretanto, apesar do clima ser classificado como quente e mido, a distribuio irregular das chuvas ocasiona diferenas significativas no clima de municpios localizados em mesorregies diferentes e at mesmo na

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    mesma mesorregio. As cidades escolhidas para o presente trabalho foram Palmeira dos ndios e Arapiraca, ambas localizadas na mesma Mesorregio Climtica do Agreste Alagoano.

    Figura1 - Localizao do Estado de Alagoas (Brasil), com destaque para a capital Macei. Fonte: PASSOS, 2009.

    4. RESULTADOS E DISCUSSO 4.1. Palmeira dos ndios: Anlise Estatstica e Ano Climtico de Referncia

    Para a cidade de Palmeira dos ndios foram analisados dados de 1997 a 2006. Antes de aplicar a metodologia Ano Climtico de Referncia (Test Reference Year TRY) foi necessrio realizar a anlise estatstica dos dados climticos da cidade.

    As temperaturas mdias mensais, do perodo analisado, apresentaram variao anual entre 22,1 C e 29,0C. Os valores de temperatura se apresentaram menos elevados entre os meses de abril a agosto e mais elevados entre os meses de setembro a maro. A mxima temperatura mdia (29,0C) ocorreu no ms de fevereiro de 1998 e a mnima temperatura mdia (22,1C) mensal em julho e agosto de 2005 (Figura 2).

    Figura 2 - Grfico das temperaturas mdias mensais ao longo dos anos em Palmeira dos ndios.

    Fonte: INMET, 2008.

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    A amplitude trmica diria tambm foi analisada ao longo dos meses. As maiores amplitudes mdias dirias ocorreram no ms de dezembro (perodo de vero), ao tempo que as menores amplitudes foram constatadas no ms de agosto (Figura 3).

    Figura 3 - Grfico de temperatura mdia diria em Palmeira dos ndios nos meses de agosto e

    dezembro. Fonte: INMET, 2008.

    Quanto precipitao, observou-se que h uma concentrao das chuvas entre os meses de abril e julho (perodo denominado quadra chuvosa) sendo a mdia mensal mxima de 150 mm, em junho, e a menor mdia mensal de 7,2 mm, no ms de novembro.

    Aps anlise Estatstica Descritiva, foi utilizada a metodologia do Ano Climtico de Referncia (Test Reference Year TRY) para determinar, a partir das sries histricas disponveis, um ano climtico representativo para cada localidade segundo a metodologia descrita por Goulart et al. (1998).

    Dessa forma, foi elaborada a tabela com as mdias mensais de cada ano. Em seguida, foram excludos da tabela os anos com valores extremos de temperatura do ar at restar apenas um ano indicado com ano representativo para a cidade. No caso de Palmeira dos ndios, o ano indicado foi o de 2002, como mostra a Tabela 1.

    Tabela 1 - Mdias de temperatura do ar mensais por ano no municpio de

    Palmeira dos ndios e o seu ano climtico de referncia: 2002.

    PALMEIRA DOS NDIOS

    JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ 1997 26,9 25,5 25,5 24,6 23,3 22,8 21,8 22,0 24,1 26,7 26,9 27,0 1998 26,5 28,1 28,4 27,0 24,4 22,9 22,4 22,2 23,0 25,0 27,3 27,1 1999 27,1 26,0 26,8 26,0 24,1 23,2 22,1 21,7 22,8 23,1 26,1 26,8 2002 25,0 25,0 25,7 25,3 24,2 22,6 22,8 22,6 24,0 24,9 26,3 27,0 2003 28,0 26,8 27,0 26,5 25,3 22,8 22,5 23,1 24,0 24,9 26,3 27,0 2004 26,2 25,6 26,4 26,0 25,1 22,9 22,6 22,7 23,4 25,2 26,8 27,0 2005 28,1 27,8 28,4 26,5 25,0 23,3 22,7 22,5 24,0 25,8 27,3 26,5 2006 26,5 28,5 28,5 27,0 24,8 23,2 22,7 23,0 24,1 26,2 27,2 27,4 2007 28,0 27,5 25,5 25,5 24,5 23,4 22,6 22,3 22,9 24,6 26,4 26,6

    4.2. Palmeira dos ndios: Dias Tpicos de Projeto e Carta Bioclimtica de Givoni

    Para a aplicao desta metodologia foram utilizados dados horrios de temperatura do ar

    do ano de 2008 para a cidade de Palmeira dos ndios, do qual havia o registro de dados horrios

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    atravs de estaes automticas implantadas em 2007. Os dias tpicos de vero e de inverno foram calculados conforme a metodologia de Sattler (1989). Em seguida, os dados de temperatura e umidade relativa do ar foram plotados na Carta Bioclimtica de Givoni.

    Para o dia tpico de vero, 48% das horas foram consideradas confortveis, 52% desconfortveis por calor e 4% por frio. Para as horas em desconforto por calor, as estratgias recomendadas foram: massa trmica para resfriamento para 24% das horas e resfriamento evaporativo para 28% das horas. Para 4% das horas desconfortveis por frio recomendou aquecimento artificial (Figura 4).

    10%

    20%

    30%

    40%50%60%70%80%90%

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    0

    5

    10

    15

    2

    2

    3

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

    TBU

    [C]

    1

    2

    3

    Evaporativo

    4

    rmica p/ Resfr. 5ado

    6

    7

    rmica/Aquecimento Solar

    8

    Solar Passivo

    9

    Artificial

    10

    ta Inrcia

    12Resf. Evap.

    Figura 4 - Carta Bioclimtica gerada pelo programa Analysis Bio (LABEEE, 2007)

    com dados do dia tpico de vero, para a cidade de Palmeira dos ndios e horas de conforto e desconforto resultantes.

    No dia tpico de inverno, apenas 4% das horas foram consideradas em conforto, sendo

    40% consideradas desconfortveis por calor, para as quais se recomenda a ventilao e 56% das horas, desconfortveis por frio, para as quais se recomenda a massa trmica com aquecimento solar e o aquecimento artificial.

    Verificou-se, na anlise do dia tpico de projeto, a ocorrncia de desconforto trmico por frio, o que no havia sido identificado na anlise relativa ao Ano Climtico de Referncia. Considera-se, portanto, que a anlise do Dia Tpico foi importante para identificar a demanda por utilizao de estratgias para vero e para inverno em Palmeira dos ndios (Figura 5).

    Figura 5 - Carta Bioclimtica gerada pelo programa Analysis Bio (LABEEE, 2007)

    com dados do dia tpico de inverno, para a cidade de Palmeira dos ndios e horas de conforto e desconforto resultantes.

    Em relao anlise do ano climtico de referncia determinado para a cidade de

    Palmeira dos ndios (ano de 2002, conforme descrito anteriormente), os resultados mostraram

    Palmeira dos ndios Dia Tpico de Inverno Conforto 4% Desconforto por calor Ventilao 40% Massa trmica p/ Resfriamento

    0%

    Resfriamento Evaporativo

    0%

    Ar-condicionado 0% Desconforto por frio Aquecimento Artificial 4% Massa Trmica/Aq.Solar 52%

    Palmeira dos ndios Dia Tpico de Vero Conforto 48% Desconforto por calor Ventilao 0% Massa trmica p/ Resfriamento

    24%

    Resfriamento Evaporativo 28% Ar-condicionado 0% Desconforto por frio Aquecimento Artificial 4%

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    maior porcentagem de horas em conforto trmico: 35,3%, sendo 63,7% das horas desconfortveis por calor e 1,01% desconfortvel por frio (Figura 6).

    10%

    20%

    30%

    40%50%60%70%80%90%

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

    TBU

    [C]

    UR [%]

    1

    2

    3

    Evaporativo

    4

    rmica p/ Resfr. 5ado

    6

    7

    rmica/Aquecimento Solar

    8

    Solar Passivo

    9

    Artificial

    10

    lta Inrcia 11rcia/Resf. Evap.

    12Resf. Evap.

    Figura 6 - Carta Bioclimtica gerada para Palmeira dos ndios contendo dados do ano climtico de referncia determinado (2002).

    Dentre as estratgias recomendadas esto: ventilao natural para 62,1% das horas,

    massa trmica para resfriamento em 13,6% das horas, resfriamento evaporativo para 12,6% e ar-condicionado para 0,2%. 4.3. Arapiraca: Mtodo de Mahoney e Carta Bioclimtica de Givoni

    A avaliao da cidade de Arapiraca foi caracterizada por uma problemtica diferenciada da cidade de Palmeira dos ndios, pois a mesma no apresenta registro de dados climticos histricos horrios para a aplicao das metodologias de Ano Climtico de Referncia e dia Tpico de Projeto. Desta maneira, foi necessria a diferenciao dos procedimentos metodolgicos para a obteno das diretrizes bioclimticas.

    Mediante o exposto, foi utilizada a metodologia de avaliao climtica pelo mtodo de Mahoney, utilizando-se dados referentes a valores mdios mensais das principais variveis climticos locais coletados por estao meteorolgica experimental de Arapiraca (perodo de 1984 a 1992), fornecidos pela EPEAL Empresa de Pesquisa Agropecuria de Alagoas S/A. Os dados mdios mensais de temperatura mxima e mnima do ar, umidade relativa do ar e pluviosidade foram utilizados para a obteno da tabela referente a uma caracterizao mdia anual.

    A anlise climtica apontou para uma caracterizao de clima composto definido por duas estaes de comportamento trmico diferenciado. Os meses de novembro a fevereiro correspondem ao perodo de ocorrncia de menores ndices de umidade relativa, coincidindo com altas amplitudes trmicas dirias (valores superiores a 10C) e baixa pluviosidade. Este perodo pode ser denominado como uma estao quente e seca (perodo correspondente ao final da primavera e aos meses de vero classificao G3). Nos demais meses do ano a umidade relativa do ar apresentou valores elevados (superiores a 70%), caracterizando perodo que pode ser denominado quente e mido (maro a outubro), com variaes da amplitude trmica diria entre 7C a 10C. A avaliao do rigor trmico a partir do diagnstico das condies e dos limites de conforto aponta para situaes de desconforto trmico durante o perodo diurno (sensao trmica de calor), exceto no ms de julho; e situaes de conforto trmico no perodo noturno em todos os meses do ano, exceto no ms de maro. Este resultado indicou que a amplitude trmica diria um fator relevante na definio de estratgias arquitetnicas bioclimticas, pois a

    Conforto 35.3% Desconforto por calor 63.7% Ventilao 62.1% Massa Trmica p/Resfriamento

    13.6%

    Resfriamento Evaporativo 12.6% Ar-condicionado 0.2% Frio 1.01%

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    situao de conforto noturno decorrente do comportamento trmico ameno das variveis climticas locais pode ser prolongada durante o dia com a utilizao de componentes arquitetnicos e urbanos baseados nos princpios de adequao bioclimtica. Esses componentes so destacados no prprio quadro de recomendaes apontado pelo mtodo de Mahoney (Tabela 2).

    Tabela 2 - Sntese do diagnstico das condies de rigor trmico em Arapiraca-AL

    TEMPERATURA (C) J F M A M J J A S O N D MXIMAS MDIAS

    MENSAIS 32,56 33,01 33,64 29,85 29,65 27,7 26,56 27,62 28,45 30,8 32,67 33,0

    CONFORTO DIURNO

    MXIMO 29 29 27 27 27 27 27 27 27 27 29 29 MNIMO 23 23 22 22 22 22 22 22 22 22 23 23

    MNIMAS MDIAS MENSAIS 21,26 21,46 21,8 19,71 20,52 18,9 19,14 18,51 19,6 20,63 20,53 20,35

    CONFORTO NOTURNO

    MXIMO 23 23 21 21 21 21 21 21 21 21 23 23

    MNIMO 17 17 17 17 17 17 17 17 17 17 17 17 RIGOR

    TRMICO DIA Q Q Q Q Q Q C Q Q Q Q Q

    NOITE C C Q C C C C C C C C C UMIDADE RELATIVA

    MDIA (%) 64,02 66,59 71,46 75,07 77,59 81,48 83,02 81,76 76,9 71,86 65,86 64,18

    GRUPO DE UMIDADE G3 G3 G4 G4 G4 G4 G4 G4 G4 G4 G3 G3 PLUVIOSIDADE(mm) 44,21 43,31 80,06 153,31 104,00 131,61 158,13 80,48 60,98 18,80 18,23 31,05

    CLASSIFICAO GERAL A1 A1 H1 H1 H1 H1 H2 H1 H1 H1 A1 A1

    H1 MOVIMENTO DO AR (INDISPENSVEL); H2 MOVIMENTO DO AR (CONVENIENTE); A1 ARMAZENAMENTO TRMICO

    De acordo com as recomendaes relativas ao projeto de implantao de edificaes

    em stios urbanos, a anlise climtica pelo mtodo de Mahoney para adequao climtica das edificaes locais apontou os seguintes resultados:

    Posio adequada de edifcios: disposio em fileira, com aberturas nas paredes norte

    e sul. Essa recomendao sugerida devido identificao da classificao H1 (movimento do ar indispensvel) por um perodo superior a dois meses no ano. Em relao orientao, deve ser priorizada a orientao na direo dos ventos dominantes. Para a identificao dos ventos predominantes foi realizado estudo a partir de dados coletados na estao do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), visto que os dados da estao experimental de Arapiraca no apresentavam a caracterizao desta varivel climtica. Os resultados do estudo a partir de dados recentes do ltimo ano (2008/2009) sero apresentados na seo seguinte.

    Caracterizao das aberturas: os edifcios devero ter vos e aberturas mdios (entre 25% e 40% da superfcie das paredes). De acordo com as recomendaes identificadas pelo mtodo essa necessidade deve-se ocorrncia da classificao A1 (armazenamento trmico) por um perodo inferior a 11 meses e superior a 3 meses no ano.

    Caracterizao das paredes: os edifcios devem ter paredes externas e internas pesadas, com grande capacidade calorfica. Essa estratgia de projeto recomendada em decorrncia da necessidade de armazenamento trmico A-1 durante um perodo superior a trs meses no ano.

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    Caracterizao da cobertura: os edifcios devem ter coberturas leves, mas isoladas. Essa recomendao apontada quando ocorre a necessidade de armazenamento trmico A-1 em perodos de at cinco meses ao ano.

    Alm do mtodo de Mahoney, foi usada a avaliao bioclimtica de Givoni (1992)

    com intuito de obter outras informaes sobre o levantamento de estratgias bioclimticas para o projeto arquitetnico e urbano na cidade de Arapiraca. Esse procedimento objetivou, ainda, conhecer o comportamento de outras variveis no identificadas a partir da avaliao de dados histricos fornecidos pela EPEAL, como a direo dos ventos predominantes locais.

    Implantada em abril de 2008, a estao Arapiraca A353 do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 2008) ir colaborar para a formao e a consolidao dos estudos de reconhecimento do perfil climtico da cidade. Apesar da ausncia de dados histricos, foi possvel verificar o comportamento trmico das variveis climticas a partir do tratamento de dados horrios fornecidos por essa estao.

    Os dados horrios de dois perodos analisados (perodo 1: primavera-vero e perodo 2: outono-inverno) foram plotados no Diagrama Bioclimtico de Givoni com auxlio do programa computacional Analysis Bio, com vistas dentificao de possveis estratgias bioclimticas de adequao da arquitetura ao clima local. Os resultados permitiram quantificar a porcentagem de horas situadas na zona de conforto ou fora dela (horas de desconforto) considerando-se as temperaturas na faixa de conforto (18C T 29C), conforme os limites fixados por Givoni (1992).

    Observando a Figura 7 referente plotagem de dados climticos horrios registrados pela estao Arapiraca A353 (INMET, 2008) correspondente ao perodo 1 de anlise, pode-se notar que necessrio a incorporao de duas estratgias bioclimticas principais para o enquadramento das condies climticas na zona de conforto: ventilao e massa trmica. possvel verificar, ainda, um percentual de dados horrios que se enquadraram na zona 3, correspondente a necessidade da resfriamento evaporativo para o alcance do conforto.

    Figura 7 - Resultado da plotagem de dados climticos horrios da estao Arapiraca A353

    (INMET) correspondente ao perodo 1 (primavera-vero).

    O resultado encontrado confirma as recomendaes de projeto identificadas pelo o mtodo de Mahoney, como a necessidade de promover a ventilao nos espaos edificados, e o uso da inrcia trmica. A inrcia trmica nos edifcios pode ser alcanada com uso de paredes externas e internas pesadas, com grande capacidade calorfica como foi verificado no primeiro mtodo.

    O uso da inrcia trmica de uma edificao pode diminuir a amplitude da temperatura do ar interior em relao exterior, evitando os picos trmicos. O calor armazenado na

    Resultado Geral

    Percentual de horas Estratgias

    Apontadas para Alcance do Conforto

    Conforto: 26.5% Ventilao: 63.8% Alta Inrcia p/ Resfr.: 22.7% Resfr. Evap.:

    22.8% Ar Condicionado:

    0%

    Desconforto:73.5% Por Frio:5.12% Por Calor:68.4%

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    estrutura trmica da edificao durante o dia devolvido ao ambiente somente noite, quando as temperaturas externas diminuem. A estrutura trmica resfriada durante noite mantm-se fria durante a maior parte do dia, reduzindo as temperaturas interiores nesses perodos. Alm do uso da massa trmica dos fechamentos, pode-se tirar partido da massa trmica da terra ou de emprego de materiais isolantes nas construes.

    A estratgia de ventilao natural destacada no diagrama deve ser recomendada quando a temperatura do interior da edificao ultrapassar os 29C ou a umidade relativa for superior a 80%. Por isso, extremamente apropriada a recomendao apontada pelo mtodo de Mahoney com relao caracterizao das aberturas das edificaes: vos e aberturas mdios (entre 25% e 40% da superfcie das paredes). importante, ainda, que essas aberturas permitam flexibilidade no controle de entrada de ventos para que possam barr-los quando os mesmos tornarem-se indesejveis. Dispositivos como as venezianas mveis so uma boa soluo para estas condies.

    A anlise dos dados do INMET apontou como direo predominante dos ventos locais a incidncia proveniente de sudeste e leste, diferenciando-se do comportamento dos ventos na capital do estado, Macei, onde esses so freqentes nas direes nordeste e sudeste.

    Segundo Givoni (1992), em regies onde a temperatura diurna maior que 29C e a umidade relativa inferior a 60%, o resfriamento convectivo noturno mais adequado. A ventilao diurna indesejvel nessa situao, pois implica calor adicional a ser armazenado na edificao. Nesse caso, quanto ao uso da ventilao natural e da inrcia trmica deve ser destacada a utilizao da ventilao noturna para a determinao de condies de conforto trmico interno de edifcios. A massa edificada urbana da cidade, portanto, deve apresentar porosidade capaz de facilitar o aproveitamento da ventilao natural no interior das edificaes. Em Arapiraca, verifica-se uma configurao urbana de baixa porosidade, definida, em sua maioria, por edificaes geminadas e com poucas aberturas para a recepo e dissipao dos ventos predominantes. Apenas nos bairros mais perifricos pode-se encontrar malha urbana mais dispersa representada por edificaes constitudas por aberturas em todas as fachadas. Dessa forma, o estudo aponta a inadequao climtica da estrutura urbana da cidade e destaca a necessidade de reviso e modificao dos padres de uso e ocupao do solo urbano local.

    Quanto estratgia de resfriamento evaporativo apontada no diagrama bioclimtico a partir da anlise do perodo 1 dos dados do INMET, correspondendo ao percentual de 22,8% das horas estudadas para o alcance das condies conforto, recomenda-se o uso da vegetao nos espaos externos imediatos das edificaes. O uso da arborizao urbana capaz de ampliar o percentual de umidade do ar, proveniente do processo de evapotranspirao realizado durante a fotossntese, propiciando, assim, amenizao trmica local, durante o perodo de exposio da vegetao radiao solar. indispensvel, portanto, o uso elementos vegetativos nos espaos urbanos da cidade. O uso do resfriamento evaporativo tambm pode ser alcanado com a implantao de elementos com gua, como fontes e espelhos dgua que tambm iro possibilitar a umidificao do ar, reduzindo o ganho de energia trmica em ambientes internos e externos.

    Sobre esse aspecto, o estudo destaca outra problemtica urbana na cidade representada pela ausncia de arborizao urbana nos logradouros e pela escassez de reas verdes como estratgia de amenizao trmica. Portanto, importante destacar que os instrumentos de planejamento urbano locais, como o Plano Diretor Municipal e o Cdigo de edificaes e urbanismo da cidade, devem revisar e incorporar a especificao dos parmetros urbanos, como taxa de ocupao e ndice de aproveitamento do solo, para que os mesmos possam estimular diferentes padres de ocupao, baseados nas condies climticas locais.

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    5. CONCLUSES

    Quanto s metodologias aplicadas, verificou-se que a anlise feita a partir do Ano Climtico de Referncia no evidenciou as diferenas climticas sazonais, visto que essa metodologia prev a excluso dos anos em que ocorreram temperaturas extremas, tanto mximas quanto mnimas. Na anlise a partir do Dia Tpico de Projeto, essas diferenciaes ficaram mais claras, evidenciadas pelos nveis de desconforto por calor no vero e por frio no inverno.

    As anlises a partir da Carta Bioclimtica de Givoni e a partir do mtodo de Mahoney apontaram estratgias bioclimticas para o projeto de edificaes e planejamento urbano nas cidades. As estratgias sugeridas por ambos os processos metodolgicos foram confirmadas para a cidade de Arapiraca e podero ser utilizadas em trabalhos futuros nas cidades em estudo. Alm disso, o trabalho evidenciou que, apesar de situadas no estado de Alagoas, a caracterizao climtica das cidades apresentou diferenas em relao ao clima da cidade de Macei, capital do estado. Portanto, os conhecimentos a respeito do clima da capital no devem ser generalizados para as demais cidades do estado, o que ocorre freqentemente.

    Verificou-se, ainda, que o atual padro de configurao urbana no corresponde s estratgias recomendadas pelas metodologias aplicadas, indicando necessidade de requalificao dos espaos e adoo de planejamento urbano adequado ao clima local.

    O presente estudo destaca, por fim, a importncia da informao climtica como critrio indispensvel para a atividade de planejamento urbano. As metodologias utilizadas a partir dos estudos de caso so exemplos de ferramentas capazes de auxiliar o projetista na identificao de diretrizes de adequao climtica e na atividade de avaliao de tipologias de assentamentos construtivos. Embora o enfoque das metodologias utilizadas seja a identificao das estratgias bioclimticas a partir da caracterizao do edifcio, preciso identific-las para que a proposta de desenho urbano ou projetos de interveno urbana possam favorecer a incorporao das mesmas. Ou seja, o desenho urbano deve atuar em conformidade com as necessidades de adequao climtica dos elementos construtivos da cidade para a minimizao dos impactos ambientais e em benefcio das condies de conforto trmico dos seus espaos internos e externos. REFERNCIAS

    Givoni, B., Comfort climate analysis and building design guidelines, Energy and Buildings, 18(1), 11-23 (1992).

    Goulart, S., Lamberts, R., Firmino, F., Dados climticos para projeto e avaliao energtica de edificaes para 14 cidades brasileiras, NPC/UFSC, Florianpolis (1998).

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    Stamper, E., Weather data. ASHRAE journal 47, Atlanta, GA, february 1977 (1977).

    4. RESULTADOS E DISCUSSOTabela 2 - Sntese do diagnstico das condies de rigor trmico em Arapiraca-AL