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DIRIGISMO CONTRATUAL E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................
........ 02
CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS
........................................................................... 04
1.1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS
CONTRATOS .................................................... 04
1.2. A TEORIA CLÁSSICA DO PACTA SUNT
SERVANDA ............................................. 07
1.3 . O DOGMA DA AUTONOMIA DA VONTADE E A RELATIVIZAÇAO
DE SEUS
EFEITOS .................................................................................................... 09
CAPÍTULO 2 – A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
.............................. 10
2.1. O SURGIMENTO DOS NOVOS DIREITOS
SOCIAIS ............................................. 10
2.1.1. Primeira geração de direitos: civis e
políticos ................................................. 11
2.1.2. Segunda geração de direitos: os
sociais ........................................................... 12
2.1.3. Terceira geração de direitos: da
solidariedade ............................................... 12
2.2. A CONCEPÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E
NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR ....................................................... 13
CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS SOCIAIS DO CONTRATO
...................................................... 14
3.1. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO
CONTRATO .............................................. 15
3.2. PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA
MATERIAL ........................................................ 17
3.3. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS
EM
GERAL ................................................................................................................... 18
CAPÍTULO 4 – A LIBERDADE DE CONTRATAR E O DIRIGISMO
CONTRATUAL ........................................................................................
........ 19
4.1. AS CLÁUSULAS ABUSIVAS X INTERVEÇÀO DO
ESTADO ............................. 22
4.2. CONTRATAÇÃO
COATIVA ...................................................................................... 25
CONSIDERAÇÕES
FINAIS .................... .................................................................................... 25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
......................................................................................... 28
INTRODUÇÃO
O confronto entre a liberdade de contratar e o dirigismo contratual trouxe para o
direito um novo paradigma, acrescentando e modificando os parâmetros já conhecidos na
aplicação das regras contratuais. Esta tutela do Estado sobre a vontade dos particulares foi
construída sobre uma mudança estrutural experimentada em toda matéria legal e não apenas
no mundo das relações contratuais, em que a função social passou a ser observada,
perseguida e respeitada nas mais diversas áreas do direito.
As teorias e a forma como se desenvolveu esta dicotomia entre a liberdade de
contratar e o dirigismo contratual será o foco deste estudo. Os doutrinadores do Direito
Civil estão criando sua nova formatação, posto que a forma conhecida e inicial de relação
contratual não mais existe, sendo apenas utilizada como ponto de partida para o estudo
desta nova matéria. Há muitas questões sem resposta e há muitas respostas que não são
aceitas por todos, criando muitas polêmicas.
Dentro desta nova expectativa de demonstrar efetividade dos contratos firmados
pelos particulares, justiça social e ao mesmo tempo manter o cerne da liberdade de
contratar , os doutrinadores mantêm uma busca pela melhor teoria que deverá ser
aplicada nas relações contratuais, a partir do que se emprega hoje em matéria de contratos.
Diante do interior deste universo de construções teóricas polêmicas utilizadas para
explicar as regras, que permeiam a liberdade de contratar e o dirigismo contratual, têm
destaque: a aplicação da Teoria do pacta sut servanda e a nova Teoria da função social dos
contratos, sendo esta polêmica o objeto de estudo deste trabalho. De um lado temos a força
obrigatória dos contratos e de outro a certeza de que a simples vontade dos contratantes não
é mais vista como suficiente para garantir o equilíbrio dos contratos..
Há uma grande importância para o Direito Civil na discussão em torno destas duas
vertentes, que parecem distantes e impossíveis de serem aplicadas juntas quando se trata de
matéria contratual, porque as conseqüências são muito diferentes no momento de buscar, na
prática, o respeito da vontade dos contratantes e a necessidade da ingerência do Estado.
O objetivo deste trabalho será discutir esta nova visão que o Direito aplica na
relação contratual e como isto está refletindo diante da legislação vigente no país.
O tema justifica-se pela importância de discutir a forma de inserir nas relações
contratuais a função social, que nos dias atuais têm uma relevância significativa para o
Direito, pois muda completamente a maneira jurídica que permeava a disciplina contratual.
Todos os esforços realizados neste sentido, devem ser analisados de maneira cuidadosa,
pois o assunto merece muito respeito e cuidado. No entanto, pelo bem do fortalecimento da
democracia é fundamental que possamos discutir a forma como as normas estão sendo
aplicadas e se desta aplicação deriva a verdadeira intenção de justiça contida na norma.
As inovações na disciplina legal que regem as regras de proteção as relações
contratuais e as pessoas nelas envolvidas, bem como a própria sociedade alcançaram nos
últimos anos grandes avanços e, sem dúvida, estão buscando cada vez mais proteger os
interesses da coletividade em detrimento dos individuais. Este trabalho não tem pretensão
de esgotar todas as considerações pertinentes ao tema, todavia, voltada para a busca de
fundamentação deste novo olhar nas relações contratuais pautadas primeiramente na
Constituição da República Federativa do Brasil, busca demonstrar os valores além do
normativo nesta discussão como a função social e a dignidade da pessoa humana.
A metodologia que será utilizada é basicamente a da pesquisa bibliográfica, método
que por excelência dispõe o pesquisador de direito, aproveitando-se fundamentalmente das
contribuições dos autores citados sobre o tema em tela e, principalmente do estudo da
doutrina, bem como das leis que regem o tema.
O trabalho está dividido em quatro capítulos, sendo que o primeiro demonstrará
como surgiu e evoluiu os contratos, fará um breve relato sobre a Teoria do pacta sunt
servanda, a autonomia da vontade e a relativização dos direitos dela oriundos. O tema da
constitucionalização do direito civil terá no segundo capítulo uma abordagem específica,
bem como qual é a nova concepção social do contrato na esfera civil e do direito do
consumidor. Os princípios que norteiam o contrato, será o tópico do terceiro capítulo, com
ênfase na boa-fé, na função social e na equivalência material. Por fim, discutirá as cláusulas
abusivas e a intervenção estatal., abordando a questão da contratação coativa.
Finalmente, no quarto e último capítulo haverá uma demonstração da necessidade
de aplicação do dirigismo contratual por parte do Estado, através da discussão das cláusulas
abusivas e da contratação coativa.
CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS
1.1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS
Assim como outros institutos do Direito Civil, o contrato constitui-se num dos mais
antigos institutos do Direito Romano. Na história da humanidade, a figura contratual passou
por diversas e contínuas transformações, evoluindo do “formalismo para o não-formalismo,
do apego excessivo à forma para um abrandamento ininterrupto, em benefício do
conteúdo, da intenção das partes....”1[1]
Inicialmente, o contrato era entendido como um vínculo jurídico, cuja obrigação
dele decorrente exigia a prática de ato solene. Importa lembrar que a importância
extraordinária que a forma representava para os romanos em todos os sentidos, vale dizer,
na religião, nas festas e, como não podia deixar de ser, no direito, fazendo o Direito
Romano formalista, por excelência. O formalismo trazia algumas vantagens como: (a)
estabelecimento preciso do momento da conclusão do contrato; (b) as partes gozavam de
mais tempo para pensar antes do ajuste obrigacional; (c) facilidade da ação do Juiz, a quem
cabia, tão-somente, verificar se a forma foi obedecida, não carecendo indagar sobre a
intenção das partes em firmar o compromisso; e; (d) as partes ficavam despreocupadas com
relação à dívida, cujo estabelecimento não ficava ao arbítrio do Juiz, pois já vinham escritas
ou era determinada com rigor, por palavras.
Mas, o formalismo, trazia, também os pontos negativos, que assim se apresentavam:
(a) a dificuldade de preenchimento dos requisitos formais (testemunhas, partes, objetos
exigidos, etc) dava causa à morosidade na resolução das operações jurídicas; (b) apego
excessivo ao que estava escrito ao pé da letra; (c) a não-análise pelo Juiz da intenção das
partes levava a uma posição injusta do devedor (que se comprometia por motivos de dolo,
erro ou violência) frente ao credor.
A forma não prosperou no Direito Romano, vindo o rigor do formalismo a ser
abrandado devido ao grande aumento na quantidade de negócios realizados em Roma,
quando, então, surgiram os contratos mais simples que não demandavam formalidades.
Necessário se torna, então, distinguir entre pacto e contrato, à luz do Direito
Romano.
1
Segundo leciona J. Cretella Júnior, em seu livro Curso de Direito Romano, nos dias
atuais, o mútuo consentimento entre os contratantes é suficiente para que surja a obrigação
contratual, “porque do acordo de vontades de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto,
consubstanciado em normas que passam a reger a vontade dos pactuantes, nasce o
instituto do contrato”.” ...o acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto, ou
pacto ...” “....e a convenção, ou seja, reunir-se num mesmo lugar os que vêm de diversos
lugares ... não bastam para gerar a obrigação contratual”.
Cita-se que os contratos de venda, locação, mandato e sociedade foram os primeiros
contratos aos quais se atribuiu a relevância da vontade, exigindo para a sua consecução, o
mútuo consentimento. Por isso, são chamados de consensuais.
Os demais contratos, o surgimento do direito de ação carecia da necessidade do
preenchimento das formalidades e a sua conseqüente vinculação com as partes. Segundo o
jurisconsulto Paulo, do simples pacto não nasce ação (Ex nudo pacto non nascitur actio”)2
[2] . Ulpiano aperfeiçoou tal conceito, afirmando que “o simples pacto não dá nascimento
a uma obrigação, mas a uma exceção (Nuda pactio obligationem non parit, sed parit
exceptionem”). Assim, quando duas pessoas contratavam, se uma inadimplisse, a outra
podia mover-lhe uma ação, com base no princípio “Contractus parit obligationem”. De
outra forma, na ausência das formalidades legais , ou seja, mero pacto, a parte demandada
podia defender-se somente através da exceção, de acordo com o princípio “pactio parit
exceptionem” .
Assim no Direito Romano, para que surjam obrigações é necessário que o acordo de
vontades seja o contrato é o pacto seguido de formas.
As formalidades no Direito Romano são de três espécies:
1ª.) Bronze e balança (“aes et libra”): concretiza o mais antigo dos contratos
solenes, ou seja, o NEXO (“nexum”) que deu origem aos contratos vinculados a pecúnia;
2ª.) Palavras trocadas entre o credor e o devedor (“verba”): a forma contratual
consistia num diálogo entre o credor e o devedor: (“Prometes me dar cem? Prometo”); e
3ª.) Inscrição em um registro privado (“litterae”): isto concretiza a convenção com
as devidas formalidades.
2[2] CRETELLA JÚNIOR, J – Curso de Direito Romano – 15ª. Edição – Ed. Forense – Rio de Janeiro – p.246.
Ainda sob a égide do Direito Romano, os contratos foram divididos de acordo com
vários critérios e sua esquematização ainda se perpetua em nossos dias, não obstante as
sucessivas transformações ocorridas no âmbito do Direito. Importa notar que a segunda
divisão se refere ao critério de formação dos contratos e, de acordo com a mesma, os
contratos podem ser reais ou consensuais. Como reais, eles podem ser: (a) de direito estrito
se aperfeiçoa com a entrega da coisa ou "res" (mútuo); e (b) de boa fé (incluem-se aqui a
fidúcia, o comodato, o penhor e o depósito). Aqui, nos contratos de boa fé, pode-se ver a
força da autonomia da vontade agindo. No Direito Romano, "a violência é o
constrangimento físico ou moral que impede uma pessoa a celebrar um contrato, contra a
vontade. A violência ("vis") leva ao temor ("metus"), viciando o consentimento."3[3] Assim,
nos contratos de direito estrito, quando o devedor contrata por medo, ele pode se defender
contra ação do credor, por meio da exceptio metus, porque o contrato é válido jure civili.
Nos contratos de boa fé, presume-se a exceptio metus, não sendo necessário inserir tal
cláusula na fórmula. No caso, o devedor pode agir pela actio metus ou por ação do
contrato, sendo esta última mais simples, distintamente da primeira, é transmissível e
perpétua.
A idéia da força obrigatória nos contratos foi reforçada na Idade Média, em que os
contratos sofreram modificações, inspiradas nas práticas religiosas, segundo as quais, o
juramento, com a invocação das divindades passou a compor a forma do contrato. Somente
na Idade Moderna houve o retorno à concepção do solo consensu.
O contrato adquiriu a característica de "acordo de vontades", a partir da evolução da
teoria de Kant, em França nos séculos XVIII e XIX, onde o individualismo prevaleceu no
período, e o homem era apresentado como centro do universo, consagrando-se, então, a
liberdade e a igualdade política.
Foi, assim, consagrado o princípio do pacta sunt servanda, adquirindo o contrato o
caráter de acordo de vontades, mediante o estabelecimento de vínculo jurídico, capaz de
produzir efeitos jurídicos.
A concepção clássica de contrato não foi alterada pelos códigos que começaram a
surgir a partir do século XIX, como se pode observar no Código de Napoleão (1804), o
3[3] CRETELLA JÚNIOR, J - Curso de Direito Romano -15a. edição-1993- Ed. Forense: Rio de Janeiro - p. 258.
italiano (1865), o português (1867), o espanhol (1889), o alemão (1896) e o brasileiro
(1916).
Conforme leciona o Desembargador Sylvio Capanema,4[4] O código de 1916 se sustentava
em dois pilares: (a) a autonomia da vontade, que refletia a liberdade de contratar resultante
da vontade dos contratantes; e (b) a cláusula do pacta sunt servanda, ou seja, a força
obrigatória dos contratos, que não admitia que uma das partes fosse ao Judiciário pedir
alteração do contrato, o que infringia a cláusula do pacta sunt servanda, mitigada pela
cláusula do rebus sic standibus, ou seja, as coisas permanecem iguais, que foi recepcionada
no Direito Canônico. Com a Revolução Francesa, no Estado liberal clássico, a cláusula
rebus sic standibus perdeu a sua força, em função do pacta sunt servanda. Com a eclosão
da 1a Guerra Mundial, os aliados impuseram a substituição do regime imperial por uma
república, surgindo, assim, a "República de Weimar".
Windscheid ressuscitou, então, a cláusula do rebus sic standibus, principalmente
nos momentos de crise econômica, afetando as obrigações pecuniárias, que passou a ser
denominada de Teoria da Imprevisão, ou Teoria da Onerosidade Excessiva ou, ainda,
Teoria da Pressuposição. Na Alemanha, essa teoria era conhecida como Teoria da Quebra
da Base Econômica do Negócio.
Passamos, então, à análise dos dois princípios basilares dos contratos: a força
obrigatória e a autonomia da vontade dos contratantes.
1.2. A TEORIA CLÁSSICA DO PACTA SUNT SERVANDA
Este princípio tem seu berço nos primórdios do Direito Romano, tendo,
posteriormente, se consolidado na França, conforme abordado acima.
Trata-se do princípio da força obrigatória dos contratos que resguarda, não somente
a vontade determinada pelas partes, como também, a segurança jurídica existente na
negociação, garantindo à contraparte o exato cumprimento da palavra empenhada.
Determinava tal princípio que o que houvesse sido pactuado formava lei entre as
partes, uma vez que, ao contratar, os contratantes o faziam de forma livre e em iguais
4[4] SOUZA, Sylvio Capanema - Curso de Teoria Geral dos Contratos - ministrado pelo CEPAD - 2006.
condições de negociação. Era a intangibilidade do contrato, que não permitia a
irretratabilidade do acordo de vontades com reflexos nas alterações de suas cláusulas.
Ressalte-se, por oportuno, que tal força obrigatória, além das partes, vinculava
igualmente o juiz, o qual ficava a respeitar e fazer respeitar o que houvesse sido pactuado,
não permitindo, inclusive, que nenhum fato superveniente pudesse dar causa a quaisquer
modificações que pudessem desequilibrar o contrato firmado.
Importa considerar, no entanto, que a rigidez do princípio não coaduna com a
realidade do mundo capitalista, da era pós-século XIX, em face da prevalência do poder
econômico que sujeita as partes economicamente mais fracas a assentirem às condições que
são impostas nos contratos, limitando, assim, o elemento “liberdade”.
Destarte, surge daí a necessidade de se promover a intervenção judicial nos casos
em que houver excessiva vantagem de uma das partes sobre a outra, ficando o princípio
reservado à aplicação somente nos casos de igualdade entre as partes.
Assim, pode-se dizer que a realidade do mundo globalizado e capitalista requer uma
postura diferente na interpretação do instituto do contrato, mediante a conjugação da lei
com os princípios da força obrigatória, da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
Frise-se, ainda, que as novas demandas sociais passaram a requerer um
aprimoramento da segurança das relações jurídicas estabelecidas nos contratos e não
significa dizer de forma alguma que ela sofreu algum tipo de vulnerabilidade.
1.3. O DOGMA DA TEORIA DA VONTADE E A RELATIVIZAÇÃO DE SEUS
EFEITOS
Conforme leciona Orlando Gomes5[5], a concepção sobre o voluntarismo jurídico
desenvolvida por juristas alemães no século XIX, preconiza que o ato volitivo é fator
essencial na criação, modificação e extinção dos direitos e obrigações.
Na sua essência, a autonomia da vontade significa que o contrato é o acordo de
vontades livres e soberanas, não passível de modificações. Ou seja, os contratantes podem
escolher em celebrar ou não o contrato e definir os seus contornos e características.
O entendimento do Prof. Desembargador Sylvio Capanema6[6] o princípio da
autonomia da vontade, também conhecido como princípio da liberdade de contratar,
constitui o outro pilar de sustentação da Teoria dos Contratos.
No Estado Liberal, constituído a partir da Revolução Francesa, as relações privadas,
econômicas e mesmo aquelas estabelecidas entre o Estado e os particulares eram reduzidas
a termos contratuais.
Ao Estado, no caso, caberia a função de garantir que as partes fossem livres para
contratar. Segundo Planiol “dit contractuel, dit just”, ou seja, disse contratual, disse justo.
Assim, as partes podiam ajustar as condições que lhes conviessem, desde que calcadas em
objetos lícitos, podendo celebrar contratos nominados, ou típicos, ou então, fazer
combinações, o que deu origem aos contratos inominados, ou atípicos. Distintamente dos
típicos, os contratos atípicos resultam de um acordo de vontades, cujas características e
requisitos não estão definidos em lei, bastando para sua validade, que haja consenso, que as
partes sejam livres e capazes e que o objeto seja lícito7[7]. Manifestada a vontade, esta
deveria ser respeitada, pois fazia lei entre as partes.
Este princípio teve seu apogeu na Revolução Francesa, tendo o contrato nítida
função individualista, centrada na figura do contratante.
Com o decorrer do tempo, a simples liberdade dos contratantes passou a não ser
vista como suficiente para garantir o equilíbrio do contrato.
CAPÍTULO 2 – A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL.
5[5] GOMES, apud CARRASQUEIRA, Simone. Título do artigo e a página da citação e demais é igual.. São Paulo: RT, 1980, p.116[6] SOUZA, Sylvio Capanema; FABIÃO, Paulo Sérgio. Coletânea de Textos CEPA. Espaço Jurídico – Rio de Janeiro, 2005 – p.7.7[7] GONÇALVES, Carlos Roberto – Sinopses Jurídicas – Vol.6 – Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos – Ed. Saraiva – SP- 2004 – p.37
O Direito Civil, ao longo de sua evolução, deu prioridade às relações jurídicas
patrimoniais assegurando aos seus protagonistas – contratante, proprietário, marido e
testador – a tutela dos seus interesses, por meio da neutralidade do Estado, consagrando-
lhes liberdade para a realização dos fins pretendidos. Ao Estado resta apenas o papel de
fazer respeitar a lei. O intervencionismo econômico era inconcebível. A atividade privada
estava sujeita aos riscos inerentes ao capitalismo e à inteligência de cada um. O Código
Civil assumia a função de constituição do Direito Privado.
Em 1988, o constituinte passa a tratar de matérias relacionadas ao direito privado. A
Constituição passa a regular temas até então limitados ao Código Civil como, dentre outros,
o contrato. Assim, pretende-se que o Estado exerça o papel de Estado Social, provedor do
bem comum. As relações de direito civil, antes circunscritas à esfera da liberdade
individual, devem ser adaptadas aos valores definidos pela Lei Suprema, que condiciona a
validade de toda a legislação infraconstitucional. Passam a subsistir apenas os atos
normativos do Estado que estão em conformidade com os princípios e normas da
Constituição. O Direito Civil se obriga ao texto constitucional.
A constitucionalização submete o direito positivo aos fundamentos de validade
constitucionalmente estabelecidos. Ela confere ao direito positivo um novo fundamento de
validade constitucional. É a inserção constitucional dos fundamentos de validade jurídica
das relações civis.
2.1. O SURGIMENTO DOS NOVOS DIREITOS SOCIAIS
As lutas pela busca de condições justas e dignas de convivência foram responsáveis
por estabelecer essas condições na forma de direitos. Assim, tornou-se possível que
diferentes grupos vivam em harmonia. As conquistas desses direitos têm sido expressas em
Declarações, Acordos, Constituições, Estatutos e outros. A expressão genérica “Direitos do
Homem e do Cidadão” que hoje diz respeito aos direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais, foi originariamente usada nas primeiras declarações.
A noção de “Direitos do Homem e do Cidadão” para ser entendida deve ser
desmembrada em duas expressões: “Direitos do Homem” e “Direitos do Cidadão”. A
expressão “Direitos do Homem” refere-se ao que todo homem é e tem por direito,
independentemente do país em que ele vive. Já a expressão “Direitos do Cidadão” diz
respeito à relação do indivíduo com nação em que ele vive. Em situações específicas, um
indivíduo pode ter alguns de seus direitos de cidadão suspensos, mas nunca perderá os
direitos de homem.
Por se tratarem de direitos inerentes a essência da pessoa, como a vida, igualdade,
liberdade, alimentação, saúde, educação, os direitos do homem são fundamentais. São,
ainda, considerados universais por serem válidos para todas as pessoas.
2.1.1 Primeira geração de direitos: civis e políticos
Surgiram na Europa e nos EUA, no momento da consolidação da burguesia como
classe social questionando o poder absoluto da monarquia, coincidindo ainda com as
aspirações dos setores populares em sua luta contra os privilégios da aristocracia.
No “Bill of Rights”, primeira carta de direitos que surgiu na Inglaterra nos
desdobramentos de uma revolução oposta ao rei absolutista Jaime II, afirmaram-se os
direitos e as liberdades costumeiras do povo inglês, restringindo o poder do soberano. E
assim, os americanos inspiraram-se e incorporaram à Constituição Americana os direitos e
liberdades individuais.
Mas foi na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, proclamada na
França, em que houve a afirmação dos direitos humanos. Proclamou-se a liberdade e a
igualdade dos direitos de todos os homens, reivindicando seus direitos naturais e
imprescritíveis (liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão). E,
diferentemente dos ingleses, a declaração francesa afirmou os direitos do homem e do
cidadão para a humanidade inteira e não só daqueles nascidos no seu país. Surgindo então,
os direitos universais.
2.1.2. Segunda geração de direitos: os sociais.
Com a Revolução Francesa e sob a influência do pensamento socialista questionou-
se a distancia entre os princípios escritos nas declarações de direitos e a dura realidade,
principalmente a vivida pelos operários. Os direitos propostos eram insuficientes diante da
realidade. Houve uma luta, por parte dos operários, insistindo na necessidade da presença
do Estado para garantir o efetivo exercício desses direitos a todos. Surgia, então, a chamada
“segunda geração de direitos” que tinha como referência a igualdade.
Eles também são chamados de direitos sociais, econômicos e culturais e incluem,
dentre outros, o direito ao trabalho, organização sindical, greve, saúde, educação gratuita e
moradia.
Na busca de padrões aceitáveis de convivência entre as nações surgiu a “Declaração
Universal de Direitos Humanos” que incorpora a primeira e a segunda geração dos direitos,
ou seja, os direitos civis e políticos formulados nas lutas contra o Absolutismo e os direitos
sociais, econômicos e culturais, propostos pelos movimentos sindicais e populares.
Cumpre notar que esta segunda geração dos direitos foi pela primeira vez editada,
de modo significativo, pela Constituição Alemã de 1919, a famosa Constituição de
Weimar.
2.1.3. Terceira geração de direitos: de solidariedade.
Hoje se fala numa terceira geração de direitos fundamentais, a dos direitos de
“solidariedade”. Seriam estes o direito à paz, desenvolvimento, meio ambiente saudável
entre outros. Porém, trata-se de um tema ainda controvertido apesar dos reflexos do art.
225, na atual Constituição.
Portanto, os direitos e responsabilidades do homem e do cidadão surgem a partir de
suas reivindicações para superar necessidades e conflitos vividos. A busca e o surgimento
do direito são infinitos. A violação dos direitos pré existentes nos encorajam a transformar
as condições que impedem a sua efetivação.
2.2. A CONCEPÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E NO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O liberalismo acentuado tornou o contrato o negócio jurídico mais relevante
celebrado entre pessoas, vinculando as partes juridicamente, mas nem sempre de forma
equânime, justa e ética. O princípio da autonomia da vontade e pacta sunt servanda foram
elevados às suas conseqüências máximas. Criou-se um modelo de contrato centrado em
bases individuais, que faz lei entre as partes. No entanto, essa liberdade contratual não
passava de uma ficção tendo em vista o desequilíbrio econômico entre as partes.
Esse modelo de contrato não mais atende às necessidades da sociedade atual, haja
vista que não se pode mais admitir uma relação contratual sem equilíbrio, celebrada com
ausência da boa-fé, ser considerada válida, sob o argumento de que existe a autonomia
privada e as partes são livres para contratar.
O perfil atual do contrato modificou-se. Ele passa a ter uma concepção social, para
o qual não só o momento da contratação importa com a manifestação de vontade. Devem-
se observar seus efeitos. A eficácia jurídica depende também, e principalmente, dos seus
efeitos sociais e das condições econômicas e sociais das partes que o celebram. O rigor de
sua intangibilidade foi abandonado em busca de uma relação justa entre os contratantes.
O Código Civil de 1916 trazia como noção de contrato aquela de um acordo de
vontades centrado em bases eminentemente individuais, prevendo uma igualdade formal
dos contratantes. Porém em razão da transformação da sociedade o contrato modificou-se
ao longo do tempo tanto com relação ao seu conteúdo quanto às suas funções.
Tornou-se necessária a busca pelo equilíbrio contratual e assim a lei passou a
proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as
expectativas e a boa-fé das partes contratantes. Cumpre notar que não há o abandono dos
conceitos tradicionais, mas o espaço destinado para auto-regulação dos particulares é
reduzido por normas imperativas, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor.
O Estado Social dá superioridade à vontade social, agindo com intervencionismo
nas relações contratuais para atender as exigências sociais tornando o contrato um
instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas limitado e
eficazmente regulado para o alcance de sua função social.
Com efeito, antes do advento do CDC, os contratos celebrados entre consumidores e
fornecedores tinham tratamento inadequado do Código Civil de 1916, que tratava as partes
segundo uma igualdade formal. O CDC modificou os princípios da autonomia da vontade,
da força obrigatória e da relatividade dos contratos, revolucionando verdadeiros dogmas do
Direito Civil.
A autonomia da vontade foi limitada evitando os abusos cometidos pela parte mais
forte da relação contratual. A imutabilidade contratual também sofreu transformações, na
medida em que foi relativizada.
É inegável a função social do contrato de consumo na medida em que o tratamento
dado às partes é mais equânime e justo. O equilíbrio, a boa-fé objetiva, a transparência e a
realização da justiça contratual são a tônica dos contratos de consumo.
E ainda, com relação ao Código Civil de 2002, que regulará as relações entre os
particulares, dispõe em seu artigo 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato.” Busca-se o ideal de justiça por meio da
concepção social do contrato.
Não mais se pode conceber um contrato em que impere o desequilíbrio, a ausência
da boa-fé e equidade, a vantagem exagerada para um dos contraentes e o prejuízo
acentuado para o outro, mesmo nas relações entre particulares, que continuam reguladas
pelo Código Civil.
CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS SOCIAIS DO CONTRATO
A transformação do Estado Liberal em Social, que tem a dignidade da pessoa humana
como um de seus fundamentos, colocou ao lado da autonomia da vontade e da
obrigatoriedade dos contratos os chamados princípios sociais, com o objetivo de alcançar
uma justiça contratual, através da sobreposição dos interesses coletivos sobre os
individuais8[8].
Os princípios sociais do contrato, a que o Código Civil se refere, são típicos da
terceira fase histórica do Estado Moderno, ou seja, do Estado social, como seguem:
- princípio da função social do contrato;
- princípio da boa-fé objetiva;
- princípio da equivalência material do contrato.
Os princípios sociais do contrato não eliminam os princípios liberais (ou que
predominaram no Estado liberal), a saber, o princípio da autonomia privada (ou da
8[8] NARDI, Francieli Trevisan De; SILVA, Kelly Vasconcelos da. Re-análise dos princípios contratuais frente a uma visão civil-constitucional da função social do contrato. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria, RS. Disponível em: Acesso em: 6 jun. 2006.
liberdade contratual em seu tríplice aspecto, como liberdades de escolher o tipo contratual,
de escolher o outro contratante e de escolher o conteúdo do contrato), o princípio de pacta
sunt servanda (ou da obrigatoriedade gerada por manifestações de vontades livres,
reconhecida e atribuída pelo direito) e o princípio da eficácia .relativa apenas às partes do
contrato (ou da relatividade subjetiva); mas limitaram, profundamente, seu alcance e seu
conteúdo 9[9].
3.1. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
O artigo 421 do Código Civil estabelece o seguinte: A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
A liberdade de contratar não é mais absoluta como no século XIX, estando limitada
pela supremacia da ordem pública.
O interesse social prevalece ao das partes, em outras palavras, o interesse coletivo é
prevalecente ao interesse individual conforme disposto no art. 421 do Código Civil, não
podendo haver conflito entre eles, pois qualquer contrato repercute no ambiente social.
A norma citada anteriormente tem como escopo repelir os excessos de
individualismo, que por sua vez limita a autonomia da vontade pela intervenção estatal e
atende ao bem comum e aos fins sociais.
O exercício do princípio da autonomia de vontade está condicionado aos princípios
da função social do contrato, da boa-fé e da probidade (art. 422 do Código Civil). Fica
mantido o poder conferido aos contratantes de estabelecer o vínculo obrigacional, desde
que o contrato se submeta às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse
coletivo.
Hodiernamente, o que se busca é a realização de um contrato que detenha a função
social, ou seja, de um contrato que além de desenvolver uma função translativa-circulatória
das riquezas, também realize um papel social atinente à dignidade da pessoa humana e à
9[9] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2796>. Acesso em: 06.jun.2006.
redução das desigualdades culturais e materiais, segundo os valores e princípios
constitucionais10[10] .
A constitucionalização do Direito Civil encontra respaldo no princípio da função
social do contrato que, apesar de não vir expressamente previsto na CF/88, pode ser
percebido com a interpretação dada a vários de seus dispositivos. Assim, a CF, além de
estabelecer, em seu art. 1º, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da
República, inclui também os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art.1º, inc. IV)
como referenciais na busca de uma justiça social e solidária, visando o bem comum e
garantindo as prestações necessárias a uma existência humanamente digna11[11].
O Código Civil prevê a função social do contrato, mas não disciplina de forma
sistemática e específica a sua aplicabilidade, cabendo a doutrina e a jurisprudência seus
parâmetros, principalmente em relação aos princípios informativos da ordem econômica e
social traçados pela Constituição Federal de 1988.
A verificação da função social do contrato pode ser feita de várias formas,
conduzindo à declaração de nulidade de determinadas cláusulas ou até mesmo de todo o
conteúdo contratual.
O Código Civil confere marcante poder aos magistrados, devendo ser utilizado com
equilíbrio e moderação.
O dirigismo contratual gerou restrição ao princípio da autonomia da vontade
possibilitando a intervenção estatal nos contratos.
O Estado fica autorizado a proteger os economicamente mais vulneráveis,
resultando no sacrifício, às vezes, de interesses particulares em prol da coletividade.
Em casos graves e tipificados na lei como a repressão à fraude contra credores, à
simulação, à usura, aos negócios atentatórios dos preceitos da ordem pública, os quais
geram distorções intoleráveis e impossibilitam a execução do contrato tornando-o
insuportável, é possível a sua revisão judicial.
3.2. PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA MATERIAL
10[10] HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002 . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2006.11[11] NARDI, Francieli Trevisan De; SILVA, Kelly Vasconcelos da. Re-análise dos princípios contratuais frente a uma visão civil-constitucional da função social do contrato. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria, RS. Disponível em: Acesso em: 6 jun. 2006
Com intuito de realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no
contrato, o princípio da equivalência material tem como escopo manter a proporcionalidade
inicial dos direitos e obrigações e corrigir os desequilíbrios supervenientes.
Neste princípio, torna-se irrelevante a exigência do cumprimento do contrato. No
entanto, a sua execução é de suma importância, pois irá verificar se há vantagem excessiva
de uma parte e desvantagem excessiva de outra.
O princípio da equivalência material desenvolve-se em dois aspectos distintos:
subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual
dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. A lei presume juridicamente
vulneráveis o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão.
Essa presunção é absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. O
aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode
estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude
de circunstâncias supervenientes que levem a onerosidade excessiva para uma das
partes12[12].
3.3. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS EM GERAL
Para atender aos anseios da moralização e socialização do contrato, os juristas
lançam mão da boa-fé objetiva, a qual tem suas fontes no Direito Romano, com a finalidade
de atenuar e limitar a autonomia da vontade, corrigindo seus reflexos, que desencadeiam no
desequilíbrio entre as partes. De fato, é difícil definirmos o conceito do princípio da boa-fé,
não só porque ele apresenta múltiplos sentidos relacionados à idéia de justiça que auxiliam
na formulação e interpretação dos contratos, mas também por transitarmos em um sistema
dogmático-formalista, o qual passa a ceder espaço para um modelo ético-jurídico,
obrigando-nos a re-analisarmos os conceitos solidificados através dos tempos13[13] .
12[12] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2006.13[13] NARDI, Francieli Trevisan De; SILVA, Kelly Vasconcelos da. Re-análise dos princípios contratuais frente a uma visão civil-constitucional da função social do contrato. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria, RS. Disponível em: Acesso em: 7 jun. 2006
Conforme disposto no artigo 422 do Código Civil, pelo princípio da boa-fé, as
partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, colaborando na formação e
execução do contrato.
Por seu turno, o art. 422 do Código Civil de 2002 associou ao princípio da boa-fé o
que denominou de princípio da probidade ("... os princípios da probidade e boa-fé"). No
direito público a probidade constitui princípio autônomo da Administração Pública,
previsto explicitamente no art. 37 da Constituição, como "princípio da moralidade" a que se
subordinam todos agentes públicos. No direito contratual privado, todavia, a probidade é
qualidade exigível sempre à conduta de boa-fé. Quando muito seria princípio complementar
da boa-fé objetiva ao lado dos princípios da confiança, da informação e da lealdade. Pode
dizer-se que não há boa-fé sem probidade14[14].
Tanto a boa-fé dos contratantes, quanto à transparência negocial e a efetivação da
justiça contratual são perseguidas pela função social do contrato.
Cada parte deve colaborar para que a outra parte também obtenha os objetivos
perseguidos através do contrato. Tal colaboração, no entanto, se satisfaz com a mera
abstenção, tampouco se limitando a função de justificar o gozo de benefícios. A boa-fé
exige uma atuação que permita o resultado pretendido com o negócio jurídico seja
efetivamente alcançado15[15].
CAPÍTULO 4 – A LIBERDADE DE CONTRATAR E O DIRIGISMO
CONTRATUAL
O contrato é um acordo entre as partes. Participar de uma empresa, comprar
produtos e serviços é fazer parte de um contrato. Os interessados ao tratarem de um objeto
a ser contratado, discutem todas as cláusulas minuciosamente, negociam a respeito de
preços, prazo, condições, formas de pagamento, dentre outros interesses em comum. Essa
liberdade de contratação se constitui na autonomia da vontade, no direito do cidadão de
exercer a liberdade de contratar com os seus iguais, cujo objeto da relação jurídica sejam
únicos e individualizados. Nesse caso estamos falando no patrimônio da pessoa física, cujo
14[14] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2006.15[15] CARRASQUEIRA, Simone de Almeida. As Transformações do Direito Contratual – Função Social do Contrato e Boa-Fé Objetiva.
contrato é secundário, uma vez que cada vez menos se contrata com uma pessoa física. 16[16]
Os grandes detentores do Capital, a pessoa jurídica, a empresa, enfim, o Estado são
os que mais fornecem bens e serviços para o consumidor final. Os negócios são contratos
de massa. Há contratos que são impostos a um número indeterminado de pessoas que
necessitam de bens e serviços comuns. O Estado com muita freqüência ingressa na relação
contratual proibindo ou impondo cláusulas. Há vontades que se impõem, quer pelo poder
econômico, quer pelo poder político.
A liberdade de contratar nunca foi ilimitada, pois sempre esbarrou nos princípios de
ordem pública[1]. A liberdade de contratar significa, então, a escolha de contratar ou de se
abster de contratar, liberdade de escolher com quem contratar, fixar o conteúdo e os limites
das obrigações que quer assumir, liberdade de exprimir a sua vontade na forma que desejar,
contando com a proteção do direito. A liberdade de contratar pode ser vista sob dois
aspectos, os quais vejam:
Conteúdo do contrato - as partes criam para si direitos e obrigações segundo seu
consenso e interesses, com seus efeitos tutelados pelo ordenamento jurídico. A liberdade
das partes é ampla, considerando a liberdade de contratar ou não, de querer fazer parte do
negócio jurídico.
Modalidade do contrato - contrato típico - modelo contratual constante do
ordenamento jurídico ou atípico – modelo de contrato conforme as necessidades das partes.
As partes podem elaborar cláusulas, estipular direitos e conferir obrigações.
Nesse contexto, a supremacia da autonomia da vontade impera. As normas civis são
aplicadas de forma supletiva ou dispositiva. Entretanto, vale ressaltar que a liberdade de
contratar sofre limitação diante de uma norma de ordem pública e de ordem econômica. A
interferência do Estado na relação contratual privada mostra-se crescente e progressiva.
Na análise de Orlando Gomes:
“No século XIX, a disciplina do contrato concentrava-se na manifestação de vontades, no exame dos vícios do consentimento. O que importava era verificar se o consentimento era livre. No contrato de nossa época, a lei prende-se mais a contratação coletiva, visando impedir que as cláusulas contratuais sejam injustas para uma das partes. Assim a lei procurou dar aos mais fracos uma
16[16] VENOSA, Silvio de Salvo - Teoria Geral dos Contratos. Vol 3. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p 56
superioridade jurídica para compensar a inferioridade econômica. Nem sempre o Estado se mostrou bem sucedido na tarefa. A excessiva intervenção na ordem econômica privada ocasiona distorções a longo prazo.”17[17]
Vale destacar também, o que nos ensina Humberto Theodoro Júnior:
“Por meio das leis de ordem pública, o legislador desvia o contrato de seu leito natural dentro das normas comuns dispositivas, para conduzi-lo ao comando daquilo que a moderna doutrina chama de ”dirigismo contratual”, onde as imposições e vedações são categóricas, não admitindo possam as partes revogá-las ou modificá-las.” 18[18]
O dirigismo contratual caracteriza-se pela intervenção do estado por meio de
legislação específica com objetivo de valer a prevalência do interesse coletivo, protegendo
o economicamente mais fraco do domínio do poderoso, minimizando as desigualdades
entre as partes, dirigindo a atividade econômica e a atividade contratual de modo a
corresponder às exigências fundamentais da justiça social ou distributiva e da garantia a
todos da existência digna, garantindo a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou
em caso de perigo, mesmo que contrarie a autonomia da vontade.
A autonomia da vontade, logo, a liberdade de contratar é direcionada pela
supremacia do bem-estar social e pela função social do contrato. O dirigismo do estado nas
relações contratuais induz as partes a suplantar o sentimento egoístico necessário às
relações humanas em busca do melhor para a sociedade e do equilíbrio entre as partes. A
intervenção do Estado é necessária para garantir a prevalência dos interesses comuns e
coletivos, bem como, para preservar a igualdade dos direitos ou sua manutenção nas
avenças, podendo o desrespeito às cláusulas contratuais, levar a revisão ou resolução do
contrato. Ao estado cabe estabelecer normas gerais com esse intuito. Ressaltamos,
entretanto, que o vínculo das partes ao contrato somente poderá sofrer intervenção pela
autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, quando não
for possível uma negociação que estabeleça os interesses comuns entre as partes.
Nélson Nery Junior19[19] esclarece o caráter relativo da intervenção do Estado
quando afirma:
17[17] VENOSA, Silvio de Salvo - Teoria Geral dos Contratos. Vol 3. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p 45.18[18] MENESES, Rinaldo Mendonça Biatto;, “Os Modernos Princípios Contratuais e o Código Civil de ?[19] BRAVO, Maria Celina e Souza, Mario Jorge Uchoa ; “O Contrato do Terceiro Milênio”; Jus Navigandi disponível em http://jusnavegandi.com.br . Acesso em 05/06/2006.. 19
“O dirigismo contratual não se dá em qualquer situação, mas apenas nas relações jurídicas consideradas como merecedoras de controle estatal para que seja mantido o desejado equilíbrio entre as partes contratantes.”
A intervenção do sistema jurídico em vigor ocorre também, nas questões atinentes a
ordem pública, por meio de legislação específica, nos casos, por exemplo, que dizem
respeito à organização familiar, vocação hereditária, organização política e administrativa
do estado.
Destacamos, então, o que nos ensina Pontes de Miranda3:
“Não há autonomia absoluta ou ilimitada de vontade, a vontade tem sempre limites, é alusão ao que se pode querer dentro desses limites.”
Em função disso, identificamos que cada vez mais, a distinção entre o público e o
privado fica atenuada. Os espaços públicos e privados aproximam-se do direito social, cuja
função é patrocinar o bem-estar dos que compõem sua estrutura, ficando cada vez mais
difícil delimitar onde começa um e termina o outro.
A presença do Estado, subsidiando a produção e propiciando o crescimento da
economia firma-se na necessidade constante de limitar a liberdade de contratar e a
liberdade de iniciativa econômica, destituída de fins sociais, com objetivo de fortalecer a
economia com formas mais justas, igualitárias e distributivas, possibilitando a oportunidade
real de acesso a todos que desejem entrar no mercado.
A regulação da ordem econômica e social pela Constituição estabeleceu uma série
de mudanças para o direito civil, em especial ao contrato.
O dirigismo contratual se dá sob duas dimensões: publico – quando é exercido pelo
estado e privado – mediante as condições gerais dos contratos.
4.1. CLÁUSULAS ABUSIVAS X INTERVENÇÃO DO ESTADO
A intervenção do Estado nos contratos de consumo iniciou com o surgimento das
cláusulas abusivas. Surgindo, então, o dirigismo contratual, quando o Estado verifica que a
liberdade plena das partes contratantes gera um desequilíbrio no contrato. As cláusulas
abusivas desfavorecem a parte mais fraca na relação contratual, que via de regra, é o
consumidor.
Cláudio Belmonte20[20] ao tratar de cláusula abusiva explica:
“Assim, o ponto fulcral da caracterização da abusividade consiste na existência de cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem contratual exagerada em relação ao fornecedor, independentemente de essa situação ter sido gerada em face do díspar poder econômico entre as partes, ou do uso de condições gerais, ou, ainda, pelo simples fato de se estar utilizando contratos por adesão.”
A interferência estatal não é generalizada, atinge apenas relações onde a
desigualdade gera um enorme prejuízo para uma das partes. Podemos citar a título de
exemplo, a Lei nº 8.245/91 – conhecida como lei do inquilinato e a Lei nº 8.078/90 –
conhecida como código de defesa do consumidor. Nestas leis o Estado dirige alguns atos
dos contratos para não haver abuso da parte mais forte.
Esse abuso aparece através das chamadas cláusulas abusivas e ocorre
freqüentemente nos contratos de adesão. O fato de uma das partes deterem o privilégio da
elaboração das normas gera maior possibilidade de serem incluídas cláusulas desfavoráveis
ao aderente e a negociação entre as partes não garante que cláusulas abusivas não serão
inseridas no mesmo. Para que o contrato esteja sobre o manto da legislação do Consumidor
é necessário que a relação seja de consumo, e assim receba proteção contra a cláusula
abusiva.
Todavia, é possível encontrar as seguintes afirmações: nos contratos em que as
partes possuem condições de negociar, haveria a possibilidade da parte se opor à inserção
de cláusula abusiva; outro fato é que o contrato faz lei entre as partes, uma vez formulada
deve ser cumprido. Essas afirmações são facilmente derrubadas, pois as cláusulas abusivas
aparecem nos contratos de consumo onde uma das partes é o chamado hipossuficiente, por
estar em posição de desvantagem. Há situações em que o hipossuficiente não possui
condições para impedir a inclusão de cláusulas abusivas.
Maria Helena Diniz21[21] nos ensina:
20[20] BELMONTE, Cláudio; Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil e em Portugal; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 141.21[21] MENESES, Rinaldo Mendonça Biatto;, “Os Modernos Princípios Contratuais e o Código Civil de ?[22] VENOSA, Silvio de Salvo - Teoria Geral dos Contratos. Vol 3. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p 33.
“A força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração do conteúdo da avença, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contraentes.”
A proteção aos direitos do consumidor está presente em nosso ordenamento
jurídico. A Constituição de 1988, no inciso XXXII, do artigo 5º estabelece:
“O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”
Mais adiante, a própria Constituição, estabelece no art. 24 incisos VIII, que será
competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal:
“Responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao Consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”
Além disso, no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, no Capítulo I –
Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, a defesa do consumidor é destacada no
inciso V, como princípio a assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social.
O Código de Defesa do Consumidor – CDC veio amparar o Consumidor perante a
economia de massa, o poder econômico público e privado, e “permitiu que se afugentasse a
crise de identidade desse grande anônimo da economia moderna, mas seu personagem
fundamental. 22[22]”
Esse cliente no mais das vezes abstrato na urgência dos negócios obtém definição,
extensão e compreensão amplas no seu estatuto: “Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Ao Jurista cabe analisar a posição do contratante individual, o consumidor, já que na
sociedade capitalista ele é ao mesmo tempo a pessoa mais importante e, paradoxalmente,
mais desprotegida na relação negocial.
22
4.2. CONTRATAÇÃO COATIVA
O contrato coativo direciona a liberdade de contratar, já que o acordo é imposto.
Integram-se nesse contexto as relações entre as concessionárias de serviço público de
fornecimento de luz, água, telefone, gás e o consumidor. A empresa não pode se recusar a
contratar com o usuário, quando este se sujeita às condições gerais e desde que existam
condições para prestação do serviço. O usuário por sua vez não pode dispensar nem recusar
esses serviços, dada à necessidade de utilizá-los. Nesse caso, ambas as partes são forçadas a
contratar.
A atuação do poder público na atividade econômica limita a forma de contratar, a
liberdade ou não de contratar, como exemplo, podemos citar o seguro obrigatório dos
automóveis, já que nesse tipo de contrato o particular é obrigado a contratar desde o
momento em que adquira um automóvel, tendo em vista que o seguro é uma espécie de
contrato no nosso direito positivo. O particular deve contratar e, não pode determinar com
qual seguradora, ficando o mesmo “condicionado” a contratar com o Departamento
Nacional de Trânsito – DETRAN.
Ao Estado cabe então, o poder de impor uma condição ao particular para contratar o
serviço, manifestando assim seu poder coercitivo sobre as atividades econômicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Dirigismo contratual, que outrora levantava muitas dúvidas, principalmente na
época em que vigia o antigo sistema oitocentista do Código de Beviláqua, em que tanto a
doutrina como a jurisprudência não admitiam a intervenção do estado para regular
determinadas situações decorrentes de obrigações firmadas entre particulares ou de
particulares com o ente público, pois deveria ser respeitado o princípio do pacta sunt
servanda.
Entretanto, com a evolução do direito contratual, em que surgiram novos contratos,
em sua grande totalidade, contratos de massa, em que as cláusulas muitas das vezes, não
tem como ser discutidas, a doutrina pós-oitocentista começou a admitir a intervenção do
Estado para regular as normas advindas dos contratos, principalmente quando estas
causassem ou viriam prejuízos inicialmente irreparáveis, ou quando um dos contratantes
sofresse um revés em sua situação econômico-financeiras.
Os Tribunais lentamente passaram a admitir tal intervenção, como se verifica em
algumas poucas decisões do STF, das décadas de 1950 e 1960, merecendo destaque as dos
Ministros Mário Guimarães e Luis Otávio Gallotti, sendo que os Estaduais, só passaram a
admitir tal hipótese no final das décadas de 1980 e
início da década de 1990, quando adveio o Código de Defesa do Consumidor e outras
legislações que apareceram no cenário jurídico nacional.
Há que se registrar que um das primeiras normas com evidente e claro cunho de
intervenção Estatal nos contratos, se encontra no Decreto-Lei nº. 22.626/1950, que trata dos
juros nos contratos bancário e nesta seqüência, a Lei Usura, que trata da usura pecuniária.
Entretanto, na década de 1990, com o advento da Lei nº. 8.078/1990 (CDC), após o
clamor da comunidade jurídica e social, que exigiam que determinadas matérias contratuais
sofressem intervenções do Estado, tais como, a questão sobre juros; sobre cláusulas
adesivas leoninas; taxa de permanência; cláusula de eleição de foro; cláusula de mandato
com cobrança de honorários advocatícios etc.
Com o advento do citado diploma legal, que institutos anteriormente inexistentes
legalmente, mas doutrinaria e jurisprudencialmente reconhecidos passaram a reger os
contratos, como por exemplo, a teoria da imprevisão, que permite a revisão dos contratos
quando ocorrer a onerosidade excessiva, coibindo os institutos da lesão, do enriquecimento
sem causa e do abuso de direito, que são praticados ostensivamente no mercado atual, por
meio dos contratos de adesão, merecendo especial destaque, os contratos financeiro
(contratos de cartão de crédito; contratos de leasing imobiliário e de automóveis; contratos
de mútuo feneratício; contratos de financiamento da casa própria etc).
A teoria da imprevisão ganhou maior reforço, com o advento do Novo Código Civil
Brasileiro, que seguindo a onda reformista européia e sulamericana dos códigos civis e,
reformas ou adventos dos códigos de defesa do consumidor, sendo o Código de proteção e
defesa do consumidor brasileiro, legislação modelo, reconhecida pela doutrina nacional e
estrangeira, vem inspirando a elaboração de tal legislação em outros países da América do
Sul e, que deu maior status a intervenção do domínio econômico sobre determinadas
matérias.
Com surgimentos destes novos diplomas legais, que deram maior ênfase a
intervenção do Estado nos contratos, fortalecendo o Estado interventor, em sua forma de
Estado – Juiz, em que os Poderes Judiciários ganharam maior liberdade para intervir nas
relações contratuais quando uma das partes se sentir lesada ou se encontrar em eminente
estado desfavorável para manter o pactuado no contrato, em decorrência de alguma
imprevisão que tenha afetado uma das partes contratantes, podendo o Estado-Juiz até anular
ou rescindir o contrato, quando evidenciado estiver que a onerosidade excessiva, tinha o
cunho de lesar, enriquecer-se sem causa ou abusar do direito da parte inferior na relação.
Um dos exemplos clássicos, se encontra no acórdão da Ministra Fátima Nancy
Andrighi, ao relatar o AgRg no REsp nº. 807.052-RS: “O regime jurídico dos contratos
mercantis que embasam relação de consumo mitiga o princípio da autonomia da vontade
em favor de um prevalecente dirigismo contratual; admite-se, em conseqüência, a revisão
judicial das cláusulas contratuais que colidam com as normas jurídicas em vigor. Aplica-se
o CDC às relações jurídicas entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços.”
Merece destaque, o acórdão na Ação direta de inscontitucionalidade proposta em
abril de 2002 pela Consif, recentemente julgada pelo STF, que reconheceu a aplicabilidade
do CDC nos contratos de instituições financeiras, no magistral voto do Ministro Eros Grau.
O STJ a respeito da questão da aplicação da Lei nº. 8.078/1990 em contratos
financeiros, sumulou a matéria, por meio do verbete 297, que assim menciona: “O Código
de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” .
O ponto alto da intervenção estatal no domínio econômico encontra-se no § 2º. do
art. 3º. e inc. VIII do art. 6º., ambos do CDC, onde os serviços bancários, financeiros, de
crédito e securitários foram considerados serviços oferecidos ao mercado de consumo,
sendo admitida a inversão do ônus probatório, institutos que até recentemente tinham
alguma resistências dos Tribunais Estaduais.
Conclui-se que atualmente, mesmo ainda havendo algumas resistências de parte de
alguns Tribunais, em especial, nos contratos decorrente de relações entre usuários de
serviços de instituições financeiras, o dirigismo contratual vem sendo admitido em larga
escala pelos Tribunais nacionais, merecendo especial destaque o STJ e, mais recentemente
corroborado pelo STF ao apreciar a ADI ajuizada pela Consif, onde a intervenção no
domínio econômico se faz cada vez mais necessário, principalmente com a onda de
contratos adesivos que surgem dia após dia, sempre com alguns aperfeiçoamentos, no
intuito de beneficiar sempre a parte mais forte na relação contratual em detrimento da parte
mais fraca.