36
159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof. Ms. Antonio Sales da Silva Curso de Licenciatura em Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected] Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br Site da UFPBVIRTUAL www.virtual.ufpb.br Site do curso www.mat.ufpb.br/ead Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257 Carga horária: 60 horas Créditos: 04 Ementa Semiótica e terminologia matemáticas. Cálculo Proposicional. Quantificadores. Demonstrações. Indução Matemática. Descrição Todo processo de ensino e aprendizagem em Matemática envolve um forte apelo comunicativo, seja nas formas escrita, falada, gestual ou em uma combinação destas. É por estas vias que são construídos e compartilhados conceitos e relações no âmbito da Matemática. Para a apreensão deles concorrem, portanto, as maneiras pelas quais são representados a fim de impressionar os nossos sentidos, uma vez que os objetos matemáticos não guardam uma efetiva relação de semelhança com a natureza das porções estruturadas da realidade física: os objetos matemáticos são, sob esta perspectiva, imateriais. A disciplina Argumentação em Matemática integra a estrutura curricular deste curso de licenciatura com a finalidade de prover ferramental teórico para o desenvolvimento de uma prática interpessoal, mas autônoma, visando à compreensão e à construção de discursos significativos em Matemática. Particular atenção é dedicada aqui às funções que desempenham o sistema simbólico e a terminologia, que na Matemática assumem características muito peculiares. Buscaremos ver o grau de imbricação da linguagem natural com o registro da Matemática. A falta de consciência desta gradação pode acarretar sérios obstáculos para a instauração de um processo de efetiva aprendizagem de conceitos matemáticos. Aqui você terá contato com contribuições que a lógica das proposições e os quantificadores dão à Matemática, para a elaboração de sentenças equivalentes; verá como negar rigorosamente uma dada sentença, o quanto é importante avaliar se há reciprocidade entre duas sentenças. Pode parecer pouco, mas trata-se de um projeto ambicioso, que, se concretizado, terá como resultado imediato o desenvolvimento de habilidades que o(a) tornarão independente, rigoroso(a) e transparente, tanto na emissão quanto na compreensão de discursos em Matemática. Apesar de parecer exclusivamente abstrato, todo este aparato intelectual tem uma importante destinação social, pois a apropriação deste conjunto de aptidões pode determinar as formas e o conteúdo de sua postura como cidadão(ã) no mundo, uma vez que este o(a) desafia permanentemente a percebê-lo e interpretá-lo, para nele intervir. Seguindo o espírito essencialmente virtual do nosso curso, vale destacar que o presente texto não tem a pretensão de ser auto-suficiente e, por isso, porções importantes, seja de material teórico ou prático, são apresentadas de modo complementar na plataforma moodle. Objetivos Conhecer termos matemáticos, seus símbolos, suas origens e seus usos. Distinguir raciocínio dedutivo de raciocínio indutivo. Compreender o significado formal dos quantificadores lógicos e identificar padrões nas estruturas de sentenças em que estes ocorrem. Conhecer princípios que dão sustentação a elaboração de demonstrações em Matemática. Compreender e elaborar demonstrações em Matemática. Elaborar e compreender discursos em Matemática.

Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

  • Upload
    lytuong

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

159

Disciplina: Argumentação em Matemática Prof. Ms. Antonio Sales da Silva

Curso de Licenciatura em Matemática – UFPBVIRTUAL [email protected]

Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br

Site da UFPBVIRTUAL www.virtual.ufpb.br Site do curso www.mat.ufpb.br/ead

Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257

Carga horária: 60 horas Créditos: 04 Ementa Semiótica e terminologia matemáticas. Cálculo Proposicional. Quantificadores. Demonstrações. Indução Matemática. Descrição

Todo processo de ensino e aprendizagem em Matemática envolve um forte apelo comunicativo, seja

nas formas escrita, falada, gestual ou em uma combinação destas. É por estas vias que são construídos e compartilhados conceitos e relações no âmbito da Matemática. Para a apreensão deles concorrem, portanto, as maneiras pelas quais são representados a fim de impressionar os nossos sentidos, uma vez que os objetos matemáticos não guardam uma efetiva relação de semelhança com a natureza das porções estruturadas da realidade física: os objetos matemáticos são, sob esta perspectiva, imateriais.

A disciplina Argumentação em Matemática integra a estrutura curricular deste curso de licenciatura com a finalidade de prover ferramental teórico para o desenvolvimento de uma prática interpessoal, mas autônoma, visando à compreensão e à construção de discursos significativos em Matemática. Particular atenção é dedicada aqui às funções que desempenham o sistema simbólico e a terminologia, que na Matemática assumem características muito peculiares. Buscaremos ver o grau de imbricação da linguagem natural com o registro da Matemática. A falta de consciência desta gradação pode acarretar sérios obstáculos para a instauração de um processo de efetiva aprendizagem de conceitos matemáticos.

Aqui você terá contato com contribuições que a lógica das proposições e os quantificadores dão à Matemática, para a elaboração de sentenças equivalentes; verá como negar rigorosamente uma dada sentença, o quanto é importante avaliar se há reciprocidade entre duas sentenças. Pode parecer pouco, mas trata-se de um projeto ambicioso, que, se concretizado, terá como resultado imediato o desenvolvimento de habilidades que o(a) tornarão independente, rigoroso(a) e transparente, tanto na emissão quanto na compreensão de discursos em Matemática.

Apesar de parecer exclusivamente abstrato, todo este aparato intelectual tem uma importante destinação social, pois a apropriação deste conjunto de aptidões pode determinar as formas e o conteúdo de sua postura como cidadão(ã) no mundo, uma vez que este o(a) desafia permanentemente a percebê-lo e interpretá-lo, para nele intervir.

Seguindo o espírito essencialmente virtual do nosso curso, vale destacar que o presente texto não tem a pretensão de ser auto-suficiente e, por isso, porções importantes, seja de material teórico ou prático, são apresentadas de modo complementar na plataforma moodle.

Objetivos

Conhecer termos matemáticos, seus símbolos, suas origens e seus usos.

Distinguir raciocínio dedutivo de raciocínio indutivo.

Compreender o significado formal dos quantificadores lógicos e identificar padrões nas estruturas de sentenças em que estes ocorrem.

Conhecer princípios que dão sustentação a elaboração de demonstrações em Matemática.

Compreender e elaborar demonstrações em Matemática.

Elaborar e compreender discursos em Matemática.

Page 2: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

160

Unidades Temáticas Integradas

Unidade I Comunicação em Matemática

• Objetos matemáticos: significados e representações.

Unidade II Rudimentos de Lógica Matemática

• Conectivos lógicos;

• Conjunção e Disjunção;

• Negação;

• O Condicional P Q→ ;

• Sentenças equivalentes;

• O Bicondicional P Q↔ ;

• Quantificadores Lógicos.

Unidade III Demonstração em Matemática

• Demonstrações envolvendo conectivos lógicos;

• Teoremas cujas conclusões são do tipo P Q→ ;

• Teoremas cujas conclusões são do tipo P Q↔ ;

• Demonstração por contradição (ou redução a um absurdo).

Unidade IV Indução Matemática

• Tipos de raciocínio

• Raciocínio por analogia

• Raciocínio indutivo

• Raciocínio dedutivo

• O Princípio de Indução Finita

Page 3: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

161

Unidade I Comunicação em Matemática

1. Situando a Temática Nesta unidade começaremos a pôr em prática as idéias que, na apresentação, anunciamos sobre o

papel da comunicação nos processos de ensino e aprendizagem de Matemática. Ou seja, abordaremos aspectos da construção de significados em Matemática tendo como foco genérico o ambiente escolar. Com isto queremos dizer que o palco para o desenrolar do enredo será a sala de aula, espaço este que é ponto de convergência de algumas necessárias ante-salas, as quais, por essa configuração, teremos de visitar.

Vale aqui observar que a generalidade a que nos referimos há pouco é devida ao fato de considerarmos a sala de aula como resultado de um feixe de relações que se dão entre pessoas, entre pessoas e objetos ou instrumentos e entre estes e outros dessa mesma natureza, todos mobilizados para atos de ensino e aprendizagem. Portanto, vemos a materialização desse entendimento como suporte indispensável à fluidez do nosso trabalho, que tem a especificidade de ser conduzido à base de trocas semipresenciais de informações visando à construção de conhecimentos.

Estudar processos comunicativos em qualquer âmbito é essencialmente voltar-se para a exploração de aspectos vitais da linguagem, o que, por sua vez, exige uma espécie de caminhada reveladora de como são construídos conceitos e seus significados. A comunicação em Matemática não escapa a essa cadeia de procedimentos. Na verdade, vistas desse ângulo, as coisas parecem ganhar especial dimensão quando abraçamos a tarefa de examinar os meandros da comunicação em Matemática.

Mas, afinal, do que se ocupam interlocutores engajados em eventos de comunicação em Matemática? De modo simplificado, diríamos que estão promovendo uma recíproca veiculação de fatos matemáticos, isto é, compartilham relações entre objetos da Matemática. Por esta razão é que nesta unidade nos deteremos - sem forte rigor mas com abrangência e profundidade adequadas aos propósitos da disciplina Argumentação em Matemática – a examinar a natureza dos objetos matemáticos, a multiplicidade de suas representações e a construção de seus significados.

2. Problematizando a Temática

Quem de nós não já se flagrou falando “Bombril” quando queria se referir a uma esponja de aço

qualquer, ou dizendo “Gillette” querendo fazer referência a uma lâmina de barbear qualquer? Ou, ainda, quantas vezes não já ouvimos alguém tentando se referir ao grande ator Lima Duarte dizer “aquele que era o Sinhozinho Malta na novela Roque Santeiro”? Pois bem, é que, por razões que vão desde o pioneirismo à qualidade, objetos dessas marcas viraram sinônimos das categorias às quais eles pertencem. Estamos aí diante de um problema de tomarmos um representante por aquilo que ele representa. Na maioria dos casos, uma substituição dessas não traz qualquer transtorno. Daí a adotarmos involuntariamente ou propositadamente no dia-a-dia.

Você já se perguntou por que o poema musicado Asa Branca, peça marcante do nosso cancioneiro popular, de autoria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, pode ser executado indistintamente em uma sanfona, um violão ou um piano? Aqui, uma questão que surge é saber onde “moram” os sons que compõem a melodia de Asa Branca. Habitam todo e qualquer instrumento musical? Ou a sua existência independe da existência de tais instrumentos, servindo estes apenas para promover uma espécie de materialização de acordes, harmonias e ritmos? Se é assim, qual é o mundo dos sons musicais? Em suma, qual é a natureza da música?

Antes de passar para o nosso próximo tópico, Conhecendo a Temática, procure descobrir relações entre as situações acima apresentadas e algumas que você porventura tenha encontrado em suas experiências matemáticas.

Esse preâmbulo tem por finalidade preparar o seu espírito para lidar com uma questão central na filosofia da Matemática: Qual é a natureza dos objetos matemáticos? Opa, não se assuste! A nossa intenção não é fazê-lo mergulhar profundamente nesse assunto. Isso escaparia aos objetivos da nossa disciplina. O que temos, sim, é a pretensão de trazer ao seu conhecimento aspectos determinantes nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática que, na grandessíssima maioria dos casos, são deixados de lado. Por puro desconhecimento mesmo. Portanto, é de bom grado que lhe dirigimos o convite com a firme expectativa de poder conduzi-lo(a) a fazer uma espécie de reconhecimento de tão fértil terreno. Vamos lá!

Page 4: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

162

3. Conhecendo a Temática

3.1 A natureza dos objetos matemáticos A existência dos seres humanos, vista como parte de um complexo conglomerado de formas de vida

e de coisas, acha-se impregnada de um permanente ir e vir em ambientes nos quais eles são convocados a realizar discriminações e efetuar identificações. Estes são processos que, de certo modo, se complementam: na identificação, dizemos o que algo é ou como está; na discriminação, dizemos o que esse algo não é ou como não está. Por trás disso está uma extremada compatibilidade do sistema sensório-motor, comum aos indivíduos da espécie humana, com os meios em que atuam.

Na maioria dos casos, discriminar e identificar não são atos que começam e se encerram em um único indivíduo. Mais explicitamente, são estimulados por um outro ato que visa a se consubstanciar num outro indivíduo: o compartilhar. Essa é uma ação-chave nos projetos e na execução de intervenções que realizamos nos vários mundos a que nos expomos ou que a nós são expostos, pois é nessa via de mão dupla que enriquecemos o nosso repertório de conceitos. É essa tal via que sustenta o que costumamos chamar de comunicação.

A propósito, vamos encontrar na versão eletrônica do Dicionário Hoauiss da língua portuguesa (http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=comunicar&stype=k) algumas acepções para o verbete ‘comunicar’, tais como: “transmitir, passar (conhecimento, informação, ordem, opinião, mensagem etc.) a alguém”; “estar ou entrar em contato mais ou menos direto (falando, escrevendo, gesticulando etc.) com; manter relações com; trocar idéias”; “passar (algo) de um possuidor ou detentor para outro; transmitir, transferir”; “pôr em comum, dividir, partilhar, ter relações com”. A partir daí, podemos considerar cada acepção dessas como um mapa daquilo que um ato comunicativo engloba. Mas, de olho nos nossos propósitos, podemos nos restringir a recortes desses mapas e determinar que basta-nos considerar o ato de comunicar como aquele em que se transmite, passa (conhecimento, informação, mensagem) a alguém, falando, escrevendo, gesticulando; em que se divide, partilha, tem relações com; em que algo de um possuidor ou detentor é passado para outro.

Agora, recortando mais ainda, detenhamo-nos um pouco no ‘comunicar’ como ato em que se transmite, passa (conhecimento, informação, mensagem) a alguém, falando, escrevendo, gesticulando. Pois bem, é justamente nessa confluência que parece nascer uma explicação para o modo como se dá a comunicação em Matemática. Segundo essa acepção que tomamos agora, o ato comunicativo envolve a transmissão de uma mensagem, que pode ser falada, escrita, gestual. Ora, lembrando que o nosso foco é a Matemática tal qual ela se dá em um ambiente de ensino e aprendizagem, vemos que, com pouquíssimas variações de uma para outra, essa ocorrência é típica dos eventos que as salas de aula de Matemática abrigam. Ou seja, praticamente em todo e qualquer empreendimento de ensino e aprendizagem de Matemática há pelo menos uma mensagem a ser transmitida cuja veiculação é feita quase sempre por uma conjunção de escrita, fala e gestos.

A mensagem acima referida tem como conteúdo central algum objeto ou relações entre objetos matemáticos. Agora, você deve estar se perguntando: Afinal de contas, o que vem a ser um tal objeto matemático? Tomados de supetão por essa pergunta, arriscamos afirmar que é quase certo que uma resposta salvadora será buscada na geometria ou na aritmética, porções da Matemática com as quais nos relacionamos de um modo particularmente natural. Assim, num primeiro ímpeto, apelaríamos para as formas geométricas que enchem de valores estéticos e funcionais as paisagens que nos rodeiam, ou pescaríamos no oceano dos algarismos alguns exemplares com os quais damos vida às contas que fazemos cotidianamente.

Mas, deixando de lado o supetão e o ímpeto, verificamos que os objetos matemáticos são dotados de uma configuração que extrapola as formas geométricas e os algarismos que nos pareceram chão firme na hora da resposta impetuosa. De saída, formas geométricas e algarismos são descartados como exemplos de objetos matemáticos porque um ingrediente que não faz parte da configuração de um objeto matemático é a concretude física. Os objetos matemáticos não ocupam um lugar em qualquer porção estruturada do mundo físico. Em outras palavras, eles escapam às familiares intervenções de que são capazes nossos velhos conhecidos cinco sentidos: olfato, visão, tato, audição e paladar. Com isso, somos guiados para bem longe das coisas que se realizam em nós através desses cinco sentidos. Então para onde ir se quisermos explorar o mundo dos objetos matemáticos? A resposta mais natural, mas também cheia de redundância, seria: vamos à Matemática. Neste caso, a naturalidade sobressai à redundância, e lá vamos nós, rumo à Matemática.

Logo ali acima, falamos que a concretude física não é atributo de um objeto matemático. Olhando atenciosamente o que dissemos parece que sinalizamos com a possibilidade de ocorrência de algum tipo de concretude na configuração dos objetos matemáticos. De fato, fora do plano físico, a nossa experiência faz-nos, por complementaridade, conjecturar que fica então reservada aos objetos matemáticos uma concretude essencialmente mental. O advérbio de modo ‘essencialmente’ vem como que qualificar a natureza mental

Page 5: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

163

dessa concretude porque a existência de um objeto matemático se consubstancia nos atos comunicativos, ou seja, a partir de alguma ação negociada e acatada por indivíduos que dele se aperceberam, assim como de conexões dele com outros cronologicamente anteriores a ele. Isso faz lembrar a quase consensual metáfora de que a Matemática é um edifício, no sentido de que é erguida a partir de adequadas conexões entre seus componentes: tijolo a tijolo (conceito a conceito), parede a parede (proposição a proposição).

Não poderíamos falar dos objetos matemáticos sem nos reportarmos ao que sobre eles pensa a corrente platônica da natureza da Matemática. Para essa corrente de pensamento, conceitos e relações são dotados de uma concretude que ignora os humanos como necessários à materialização de tais objetos. São, portanto, preexistentes ao que pode ser captado pela nossa consciência. Dessa forma, para os adeptos desse pensamento, no âmbito da Matemática não cabe o criar e sim o descobrir. Mesmo considerando que é assim que as coisas se dão, haveremos de levar em conta os obstáculos que se nos são apresentados quando pretendemos transmitir um discurso matemático.

A presença marcante de um ato comunicativo na consubstanciação de um objeto matemático encontra sua razão de ser na severa dependência da escrita que parece ser inerente à Matemática. Impossibilitados de discorrer oral ou gestualmente sobre uma idéia matemática, por um razoável período ininterrupto de tempo, somos empurrados ao recurso da escrita para garantir a condução do raciocínio, para nos fazermos entendidos. Em suma, a oralidade é, indubitavelmente, uma drástica limitação de que padece a Matemática vista como uma linguagem. Então, o que são mesmo aquelas “garatujas”

( 3, , , , , , ( ), log 81, ( )6

sen πφ ξ β≤ ∀ ∞ ∉ − +∫ ) que povoam densamente um discurso matemático

escrito? Pelo que vimos anteriormente, não podem ser objetos matemáticos, pois as percebemos com a visão ou com o tato, quando a escrita é feita em alto relevo, por exemplo. Ah, as tais “garatujas” são símbolos, e têm papel crucial na formulação de conceitos. Representam algo. Representam o quê? Objetos, relações entre objetos, operações. É das conexões entre objetos matemáticos, seus significados e suas representações que nos ocuparemos na próxima seção.

3.2 Objetos matemáticos: significados e representações

A fim de estruturar as conexões anunciadas no final da seção anterior, vamos imprimir um pouco

mais de rigor à abordagem que daremos aqui por tratar-se de um tópico que tem atraído a atenção de estudiosos com as mais variadas formações, o que nos leva a considerar de bom alvitre estirar o fio condutor do nosso raciocínio a partir dessas fontes abalizadas.

Nunca será demais lembrar que o nosso interesse central são as teias de relações que sustentam e/ou nascem durante a construção de discursos matemáticos em ambientes de ensino e aprendizagem de Matemática. Tendo isso em mente, centraremos nossa atenção para o que têm a dizer sobre o tema o professor Bruno D’Amore e pesquisadores a quem recorreu para escrever o interessantíssimo livro Epistemologia e didática da Matemática.

Comecemos por atentar para o fato de que ao tratar da natureza dos objetos matemáticos estaremos lidando essencialmente com duas importantes dimensões deles: seus significados e suas representações. Isso nos remete inescapavelmente para um mergulho nas estruturas da linguagem subjacente a tais objetos. Não é à toa que D’Amore (2003, p. 24) vai buscar em A. A. E. Dummet a seguinte reflexão sobre essas ligações:

Com o olhar voltado simultaneamente para uma sala de aula de Matemática e para o que nos fala

Dummet na frase acima, somos levados a considerar que a apreensão de um conceito passa necessariamente pelo que nele é revelado pelas estruturas da linguagem, assim como por aquilo que ele empresta à linguagem a fim de se revelar. Cabe, portanto, ao professor buscar permanentemente a construção colaborativa dessa dupla troca. Quem serão os colaboradores nesse processo? Os alunos, naturalmente. Assim, é vão o esforço de ensinar um conceito quando o tratamos de modo hipercentrado nos símbolos envolvidos na sua formulação. Queremos com isso dizer que a exploração adequada do enunciado de um conceito deve levar em conta, acima de tudo, a teia de significados ali presentes. Para complementar a idéia de Dummet citada acima, D’Amore (2003, p. 24) convida então A. Sierpinska:

“Uma teoria do significado é uma teoria da compreensão. Isso quer dizer que tudo aquilo a respeito do qual uma teoria do significado deve prestar contas é o que se conhece quando se conhece a linguagem, isto é, quando se conhecem os significados das expressões e dos discursos da linguagem.”

Ampliando o seu conhecimento...

Page 6: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

164

Um aspecto aqui enfatizado por Sierpinska para a apreensão de um conceito que merece especial

atenção é a necessidade de se instaurar um processo que inclui uma decomposição do enunciado em significados de outros conceitos nele presentes, assim como a compreensão do que significa uma síntese deles. Sierpinska faz então uma espécie de teorização de uma prática corrente entre professores e estudantes de Matemática. Tomemos, a título de ilustração, o seguinte enunciado: “Dois conjuntos, A e B , são iguais quando A é subconjunto de B e B é subconjunto de A ”. Trata-se de um enunciado que tem como ponto central o conceito de igualdade de conjuntos. Uma decomposição desse enunciado leva-nos a detectar a presença de um outro conceito nele presente, qual seja: subconjunto. Para a apreensão do significado do conceito de igualdade a partir desse enunciado torna-se necessário que compreendamos o significado do conceito de subconjunto. Feito isso, é hora de realizarmos uma síntese dos elementos conceituais que figuram no enunciado: no caso presente, descobrir o que significa a conjunção “ A é subconjunto de B e B é subconjunto de A ”. Portanto, é da confluência de uma tal decomposição com uma tal síntese que emerge o conceito que buscamos.

A partir daí vemos que a apreensão de um conceito exige sobretudo o estabelecimento de relações que envolvem elementos do conceito em questão e o indivíduo ou a instituição, aqui considerada como conjunto de pessoas, não existindo portanto aqui qualquer dicotomia entre sujeito e objeto. Nesse sentido, D’Amore (2003, p.30) vai buscar em Y. Chevallard uma formalização para esse processo:

Neste ponto, cabe ressaltar o papel da representação na apreensão de um conceito. As relações de

que fala Chevallard têm como elo fundamental a captura do significado mediada por símbolos, coisa que é possibilitada, como já dissemos, por essa estonteante homogeneidade do sistema perceptivo da espécie humana. Na verdade, o recurso representacional vai além da função de organizador do pensamento; as representações parecem estar impregnadas de partículas de conceitos mutuamente atraentes, mas que se acham encapsulados. É a efetivação de operações materializadas no plano simbólico que irá promover uma revelação do que está no plano mesmo do conceito. Para reforçar essa idéia, D’Amore (2003, p. 56) lembra que “durante a aprendizagem de Matemática, os estudantes são introduzidos em um mundo novo, conceitual e simbólico (sobretudo representativo)”.

No âmbito da semiótica, o termo registro designa o conjunto de conceitos, palavras, gestos e símbolos utilizados nos processos comunicativos de uma determinada comunidade. Assim, poderíamos falar de registro da Matemática, da Química, do Direito, da Medicina etc. Fizemos essa apresentação aqui para partilhar com vocês a seguinte reflexão de Chevallard encontrada em D’amore (2003, p. 29), que consideramos relevante para essa nossa discussão. Ele diz que um objeto matemático é:

“Compreender o conceito será (...) concebido como o ato de apreender o seu significado. Tal ação provavelmente será uma ação de generalização e de síntese de significados em relação a elementos particulares da ‘estrutura’ do conceito (a ‘estrutura’ do conceito é a rede de significações dos enunciados que foram considerados). Esses particulares significados devem ser apreendidos com ações de compreensão. (...) A metodologia dessas ações de compreensão preocupa-se principalmente com o processo de construção do significado dos conceitos.”

Trocando Experiência...

“Um objeto existe a partir do momento em que uma pessoa X (ou uma instituição I ) reconhece o objeto como existente (para si). Mais exatamente, dir-se-á que o objeto O existe para X (respectivamente para I ) se existe um objeto representado por ( , )R X O (respectivamente

( , )R I O ), denominado relação pessoal de X a O (respectivamente relação institucional de I a O ).”

Na plataforma moodle apresentamos ilustrações de como esse processo se instaura. Lá abordaremos também situações referentes a um tema correlato: o papel das imagens mentais na construção de conceitos em matemática. Visite-a!

No Moodle...

Page 7: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

165

“um emergente de um sistema da práxis no qual são manipulados objetos materiais que se decompõem em diferentes registros semióticos: registro oral, das palavras ou das expressões pronunciadas; registro gestual; domínio das inscrições, ou seja, aquilo que se escreve ou se desenha (gráficos, fórmulas, cálculos,...), isto é, registro da escrita”.

Aqui fica patente a complexidade presente na apreensão de um conceito matemático, uma vez que,

em geral, esta se realiza através do concurso dessas várias instâncias do registro matemático. A depender da metodologia utilizada, na prática a construção de um conceito matemático será efetivada na medida em que: o representemos em um dado registro; tratemos essas representações no interior de um mesmo registro; façamos a conversão de um dado registro para outro (D’Amore, 2003, p. 62).

Adotando um comedido otimismo, podemos afirmar que a combinação dessas três ações parece estar no cerne da tarefa de conduzir o processo de apropriação da natureza dos objetos matemáticos. Apóiam-se nesse paradigma professores que, por exemplo, no ensino de Cálculo dão ênfase à exploração balanceada dos seus aspectos simbólicos, gráficos e numéricos. Agora, caros alunos, esperamos que possam perceber que, longe de, gratuitamente, querer imprimir a vocês uma sobrecarga, o professor que assume tal postura acha-se pedagogicamente muito bem ancorado.

Porém, isso não quer dizer que esse processo se realiza em cada indivíduo segundo uma mesma seqüência de procedimentos. Mesmo nos casos em que isso ocorre, quase sempre haverá uma discrepância no que diz respeito ao ritmo. Essa construção é fortemente individual e, portanto, está intimamente ligada à história pessoal.

Entretanto, não estamos fazendo nenhuma apologia do “cada um por si”. Não, o que estamos tentando ressaltar é uma bidimensionalidade do processo. Ou seja, na sala de aula, o debate sobre fatos matemáticos é salutar para a instauração de um ambiente em que as informações fervilhem em abundância. Nesse clima, cada um as captura e organiza de um modo muito peculiar, que tem muito a ver com o grau de familiaridade com o tema central abordado, assim como com conceitos correlatos e interesse. Essa é uma situação que demonstra com eloqüência a indissociabilidade entre diversidade (multiplicidade) e singularidade (especificidade). Se a sessão é de resolução de problemas, o clímax é, por exemplo, alcançado com uma chuva de diferentes soluções para uma mesma situação problema.

O apelo estético é outro aspecto a considerar quando está na mira a apropriação de um conceito

matemático. É isso mesmo, gente. O interesse a que nos referimos acima pode ter pelo menos duas vertentes: uma, de caráter prático (a apreensão de um determinado conceito será primordial para a resolução de um problema, por exemplo) e outra, que tem aquela faculdade de fazer bem ao espírito. Neste caso, a beleza se manifesta (ou é percebida), tanto na esfera mental como no plano físico da visão.

Quem, diante de um quadro-de-giz tomado por gráficos e fórmulas matemáticas, entremeados com palavras em português, não já se regozijou e disse (nem que tenha sido de si para si): Que beleza! O termo ‘elegante’ não é exclusividade do registro dos(as) costureiros(as), estilistas e modelos; matemáticos costumam ver em certas soluções o atributo da elegância. Fala-se de “solução elegante”. Isso tem tudo a ver com os modos como ela foi concebida e representada. Portanto, a Matemática, particularmente no que diz respeito aos seus discursos, tem muito a ver com a semiótica.

Ampliando o seu conhecimento...

Vocês já notaram que no dia-a-dia não fazemos qualquer distinção entre os termos ‘dados’, ‘informação’ e ‘conhecimento’? Cuidado! Do ponto de vista técnico eles significam coisas distintas. A este respeito, vejamos o que nos diz o site http://www.contentious.com/archives/2004/07/29/what-do-we-know-the-great-info-knowledge-debate/ Informação geralmente inclui fatos, observações, sensações, e mensagens. Informação é conteúdo que informa nossas mentes. É combustível. Conhecimento, ao contrário, é a experiência humana da informação – é o que as nossas mentes fazem com todo aquele conteúdo. É o fogo na forja. No site http://prkarve.wordpress.com/2006/03/06/difference-between-knowledge-and-information/ vamos encontrar o seguinte: Conhecimento é o que possuímos e informação é o que intercambiamos. Portanto, informação é algo objetivo e o conhecimento é subjetivo. Procure pesquisar sobre o significado de ‘dados’, e sobre a etimologia da palavra informação.

Ampliando o seu conhecimento...

Que tal uma consulta a um bom dicionário para explorar a riqueza que o verbete práxis abriga?! Em que acepção ele foi usado na citação acima? Sugerimos também que você faça uma pequena lista de termos que integram os registros da Matemática, da Biologia, da Física, do Direito, da Informática, da Medicina, da Economia etc.

Page 8: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

166

Em tudo o que fizemos até agora o nosso conhecimento da língua portuguesa foi decisivo. Isso

porque os leitores que são destinatários dessa nossa mensagem são também proficientes nesse idioma. Nosso tema central tem sido a natureza dos objetos matemáticos, aqui tratados com o que nos permite essa linguagem natural. Se fosse um outro o contexto cultural, talvez precisássemos optar por um outro idioma, uma outra linguagem natural. Você deve estar se perguntando por que trouxemos para cá essa chamada de atenção. De fato, trata-se de uma chamada de atenção, uma sacudidela no intelecto. É que a naturalidade com que estão imbricadas a Matemática e as línguas naturais é tamanha que nem nos damos conta de que uma alimenta a outra mas sem perda de suas respectivas identidades. Inspirados no que pode ser encontrado no mundo da ecologia, diríamos que há entre elas uma relação simbiótica. No parágrafo anterior, demos ênfase na necessidade de trabalharmos com o sentido de que a sala de aula de Matemática seja um ambiente fértil para o debate. É nessa práxis que nos tornaremos co-autores da simbiose que acabamos de mencionar.

Você seria capaz de partilhar com alguém um simples discurso matemático sem recorrer a pelo menos uma palavra ou um signo de alguma língua natural? E que tal um discurso em alguma língua natural sem sequer um ingrediente matemático? Experimente. Esse é um exercício que serve para nos deixar conscientes da imbricação da qual temos falado. Imbricação sim, mas autonomamente.

No caso da Matemática, diríamos que há uma reciprocidade na constituição de um discurso matemático e seus objetos, como aprendemos com A. Sfard (Sfard, 1991): “É a atividade discursiva que cria a necessidade de objetos matemáticos e são os objetos matemáticos que influenciam o discurso matemático conduzindo-o para novas direções”. Isso equivale a dizer que a apreensão de um objeto matemático inclui duas dimensões: uma que é essencialmente conceitual e outra, de caráter eminentemente lingüístico, como bem observa G. Vergnaud (Vergnaud, 1998). Essa é, em suma, uma observação que confere às línguas naturais um status de imprescindibilidade para a construção de objetos matemáticos.

Como já vimos, a apreensão de um objeto não é uma ação isolada, isto é, não se realiza sozinha. Ela se faz acompanhar de um feixe de relações e representações. Isto mesmo, a Matemática não escapa de um processo que é inerente à “cinemática” de uma língua natural, qual seja: somos movidos por uma rigorosa necessidade de dar nomes a objetos, relações deles com outras entidades, atitudes, gestos, eventos e sentimentos. Mas essa tal necessidade não pára por aí, ou seja, na nomeação.

Etapa fortemente importante é a da representação. Tudo se passa como se a existência de um objeto fosse impossível de se firmar sem que ele ganhasse algum tipo de representação. É exatamente isso o que acontece na Matemática: objetos, relações, fatos são manipulados a partir de alguma representação, uma espécie de dimensão material deles.

Agora, experimente estabelecer conexões entre as perguntas com que abrimos esta unidade e a enunciação de um discurso matemático. Viu como a apreensão de um objeto matemático está intimamente ligada ao modo como se estrutura a língua natural em que o discurso matemático está sendo feito? Pois é, no cerne de uma tarefa como essas está, de um modo expresso ou implícito, a imbricação entre objetos, nomes e representações. Para corroborar o que estamos dizendo, apresentamos abaixo tabelas com símbolos que estão entre os mais usados em Matemática.

O alfabeto grego Tabela 1.1

Maiúscula Minúscula Nome Equivalência de uso no Português

Maiúscula Minúscula Nome Equivalência de uso no Português

Α α Alfa A Ξ ξ Csi X

Β β Beta B Ο ο Ômicron O (breve)

Γ γ Gama G Π π Pi P

Δ δ Delta D Ρ ρ Rô R

Ε ε Épsilon E (pronúncia breve) Σ σ Sigma S Ζ ζ Zeta Z Τ τ Tau T

Η η Eta E (pronúncia longa) Υ υ Ípsilon Y

Θ θ Téta Th (t) Φ ϕ Fi Ph (f)

Ι ι Iota I Χ χ Qui Ch (c)

Tabela 1.2 Notações comumente usadas na comunicação escrita em Matemática

Na plataforma moodle você encontrará mais informações sobre temas dos quais a semiótica se ocupa.

No Moodle...

Page 9: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

167

Uso do símbolo Significado possível Uso do símbolo Significado possível A B= A é igual a B A B∪ A união B A B≠ A é diferente de B A B∩ A interseção B x y> x é maior do que y A B⊂ A está contido em B x y< x é menor do que y A B⊃ A contém B x y≥ x é maior do que ou igual a y x B∈ x pertence ao conjunto B x y≤ x é menor do que ou igual a y y A∉ y não pertence ao conjunto A

x y≈ ou x y≅ x é aproximadamente igual a y

cA Complemento do conjunto A

S T≡ S é côngruo com T ou S é equivalente a T

( )xP x∃ Existe (algum, pelo menos um) x satisfazendo à propriedade ( )P x

x →+∞ x tende a mais infinito ! ( )xP x∃ Existe um único x satisfazendo à propriedade ( )P x

x →−∞ x tende a menos infinito ( )xQ x∀ Para cada (para todo, para qualquer que seja) x ocorre

( )Q x

x c−→ x tende a c por valores menores do que c

P¬ ou ~ P Não P (a negação de P )

x c+→ x tende a c por valores maiores do que c

P Q∧ Conjunção de P com Q

1 2 3 ... 100+ + + + Soma de todos os números naturais de 1 até 100

P Q∨ Disjunção entre P e Q

100

1jj

=∑

Soma de todos os números naturais de 1 até 100

P Q⇒ P implica (acarreta) Q

1 2 3 ... 100⋅ ⋅ ⋅ ⋅ Produto de todos os números naturais de 1 até 100

P Q⇔ P implica (acarreta) Q e Q

implica (acarreta) P 100

1kk

=∏

Produto de todos os números naturais de 1 até 100

∴ Daí (portanto, então, donde conclui-se que)

Chamamos sua atenção para o fato de que o uso adequado desses e de tantos outros símbolos na

comunicação escrita em Matemática tem como seus principais atributos concisão e precisão. Ou seja, em variadas situações podem auxiliar decisivamente na transmissão de quantidades de informações muito densas ocupando pouco espaço. Se usados sem a devida consciência do papel que desempenham, porém, podem acarretar sérios transtornos. Ao usá-los devemos mantê-los imbricados aos possíveis significados que pretendemos sejam por eles comunicados. Com isso, podemos, por exemplo, evitar corriqueiras confusões entre símbolos e objetos que os primeiros representam.

A título de ilustração, tomemos o caso da função modular, , 0

( ), 0

x se xf x x

x se x≥⎧

= = ⎨− <⎩, no modo

como é habitualmente definida. Em grande medida, é a confusão entre objeto e símbolo que deixa embaraçados muitos aprendizes de

Matemática quando lhes pedimos, por exemplo, que expressem 1t − através de duas sentenças matemáticas (abertas). É comum que nos dêem, incorretamente, como retorno a seguinte resposta:

1, 01

( 1), 0t se t

tt se t− ≥⎧

− = ⎨− − <⎩.

Se levassem em conta que o “ x ” que aparece na definição da função modular representa um número real, tenha ele a cara que tiver, os aprendizes veriam que o “ 1t − ” é simplesmente uma outra cara para um número real qualquer, ou seja, é um representante genérico dos números reais. Com isso em mente,

Ampliando o seu conhecimento: Na página 15 do livro Um convite à Matemática (vide bibliografia no final deste nosso texto sobre Argumentação em Matemática), você encontrará interessantes informações adicionais sobre símbolos listados na tabela 1.2. Para um exame da história dos primeiros usos de uma variedade enorme de símbolos matemáticos, sugerimos a exploração do site http://jeff560.tripod.com/mathsym.html

Ampliando o seu conhecimento...

Page 10: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

168

dariam, corretamente, a seguinte resposta: 1, 1 0

1( 1), 1 0t se t

tt se t− − ≥⎧

− = ⎨− − − <⎩ , ou, ainda,

1, 11

1, 1t se t

tt se t− ≥⎧

− = ⎨− + <⎩ .

Portanto, nunca será demais enfatizar que o “ x ” é uma espécie de “guardador de lugar” de números

reais, qualquer que seja a aparência deles. Nessa linha de pensamento, não cometeríamos nenhum excesso se apresentássemos a definição em questão da seguinte maneira:

@, @ 0@

@, @ 0sese

≥⎧= ⎨− <⎩

,

em que @ é um guardador de lugar de números reais, qualquer que seja a configuração que assumam, estejam sob a ação de quaisquer que sejam as operações. A escolha do símbolo @ aqui é declaradamente proposital, uma vez que o seu uso é incomum na comunicação escrita em Matemática e, portanto, tem a serventia primeira de quebrar o mito de que números reais só podem ser representados por x , y , z etc.

Ainda na linha de ter em mente que a construção de um conceito em Matemática pode ser facilitada pelo caráter de forte indissociabilidade do universo vocabular da Matemática com a linguagem natural tal como é usada no cotidiano, achamos que vale a pena lançar mão dos seguintes exercícios lingüísticos: buscar associar ao significado dos objetos matemáticos a etimologia dos seus nomes; procurar ver as eventuais aproximações existentes entre significados de termos que são usados, tanto na Matemática quanto na linguagem natural.

Você já parou para pensar sobre a etimologia das palavras geometria, logaritmo, escalonamento, eqüipolente, perpendicular, polígono? E que tal procurar ver até que ponto os significados assumidos por certos termos no dia-a-dia podem auxiliar na compreensão dos seus usos na Matemática? Veja, por exemplo, o que acontece com expressões tais como: ângulos adjacentes, discriminante de uma função quadrática, pontos colineares, derivada de uma função, triângulos congruentes, ângulo agudo.

Encerraremos essa unidade trazendo para sua reflexão uma situação do cotidiano em uma noção matemática que evidencia uma autonomia desta ao se projetar para além daquilo que o senso comum incorporou. Pois bem, tendo falado de aproximações entre a linguagem do dia-a-dia e o universo vocabular da Matemática, não poderíamos deixar de chamar a atenção para a ocorrência de distanciamentos que se verificam entre esses dois ambientes.

Uma ilustração emblemática pode ser feita com o que se dá com a multiplicação entre números reais. Trata-se de uma ação cujo resultado, no modo como ela é concebida no dia-a-dia, está intimamente associado a aumento, crescimento. Quando partimos para observar certos efeitos do ato de multiplicar em um ambiente rigorosamente matemático deparamo-nos com situações em que o resultado da multiplicação é menor do que a quantidade sobre a qual essa operação foi realizada. Veja, por exemplo, o que acontece

quando multiplicamos 45 por 13

. Aproveite a deixa para elaborar observação semelhante quando a

operação é a divisão, tomando por base que, no dia-a-dia, o resultado dessa operação acha-se fortemente associado a diminuição, decréscimo.

A consciência de tais aproximações e distanciamentos é de importância vital para uma exploração adequada do vastíssimo universo do que convencionou-se chamar argumentação em Matemática.

Não deixe de visitar a plataforma moodle para enriquecer o seu repertório de situações que explicitam essa relação de simbiose da linguagem natural com a Matemática, no que diz respeito a apreensão de conceitos desta última

No Moodle...

Page 11: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

169

Unidade II Rudimentos de Lógica Matemática

1. Situando a Temática Dando continuidade à nossa tarefa de explorar o mundo da construção de significados em

Matemática, reservamos para esta unidade um breve passeio pelo que se convencionou chamar Lógica Matemática, hoje um campo de conhecimentos cujas ramificações podem ser encontradas nas mais variadas áreas do saber. É sobre pilares dessa ciência que a Matemática assenta grande parte de seus fundamentos.

Esse tópico comparece aqui em plena sintonia com os propósitos da disciplina Argumentação em Matemática que, indo além de propiciar maestria na manipulação de algoritmos, pretende mesmo é estimulá-lo(a) a, quando do desempenho de uma atividade matemática, buscar compreendê-la no como, nos porquês e no quando. Ou seja, sempre que lhe for proposto um desafio ao seu repertório matemático, esperamos que a sua postura seja a de pinçar as ferramentas (argumentação) adequadas à situação sabendo por que as convocou. Com isto queremos dizer que uma solução para um problema matemático ou assemelhado passa necessariamente por um planejamento, uma execução, uma interpretação e, finalmente, exige um registro escrito de como você foi impactado intelectualmente pelo conjunto dessas ações. De modo bastante simplificado, diríamos que é aí que reside a essência dessa nossa disciplina.

A Lógica Matemática terá entre nós um papel especial: o de um poderoso recurso organizador do pensamento. Com ela, estaremos em boa companhia para nos apropriarmos de objetos matemáticos, suas representações e definições, teoremas e suas demonstrações. Como pano de fundo de tudo isso se situa a nossa meta de penetrar nos modos peculiares de raciocínio dos quais a Matemática se utiliza.

2. Problematizando a Temática

Considere a afirmação: “Quem envereda por uma atividade matemática está sempre às voltas com a necessidade de emitir juízos de valor de dois tipos: falso ou verdadeiro, mas não ambos.” De fato, o labutar matemático consiste em viver em um mar de situações cujo desvendamento requer a invocação de fatos consagrados da Matemática com os quais montamos uma teia para dar sustentação aos juízos a serem emitidos. Não nos esqueçamos de que para que tudo isso seja possível é necessário que os interlocutores compartilhem uma língua natural através da qual a troca de idéias se realiza.

Fazemos, pois, uso desse pressuposto para convidá-lo(a) a julgar como falsa ou verdadeira cada uma das seguintes afirmações:

1. Todo triângulo eqüilátero é isósceles. 2. Ser um triângulo isósceles é condição necessária para ser um triângulo eqüilátero. 3. Ser um quadrado é condição suficiente para ser um retângulo. 4. Se x é um número primo, então 2x = ou x é ímpar. 5. Se x é um número par ou x é ímpar, então x é um número natural. Guarde suas respostas de agora para confrontá-las com as que dará ao final da nossa viagem por esta

unidade.

3. Conhecendo a Temática

3.1 Conectivos lógicos Logo ali acima, dissemos que uma língua natural é suporte indispensável para proferimento de

discursos. Um discurso concatenado é caracterizado por conexões apropriadas de idéias e a materialização dessas conexões é realizada por partículas da linguagem comumente chamadas conectivos. Se o discurso é sobre matemática, então devemos dar atenção a conotações peculiares que tais partículas podem expressar. A não-observância desse cuidado pode levar-nos a cometer erros ou tropeçar em imprecisões.

As palavras que aparecem negritadas no parágrafo anterior assim o foram propositadamente. Recorremos a esse dispositivo gráfico para realçar a intenção de apresentar-lhe um exemplo da ocorrência de conectivos através de uma porção viva da língua portuguesa. Vale salientar que o vocábulo ‘conectivo’ está sendo usado aqui não no sentido estrito que o seu sinônimo ‘conjunção’ tem no âmbito da gramática portuguesa. Daí, a inclusão do ‘não’, sabidamente um advérbio, nessa nossa lista de termos destacados. Mas, a intenção maior é tratar de peculiaridades que eles assumem quando o discurso é essencialmente matemático. Mais explicitamente, veremos até que ponto as funções que eles denotam na língua portuguesa se aproximam ou se afastam daquelas de que se revestem no discurso matemático. Dediquemos, pois, a devida atenção aos usos dos conectivos ali destacados: e, ou, não, Se ... então.

Page 12: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

170

Comecemos por tecer uma breve consideração sobre o conectivo ‘e’. Em português, a presença do conectivo dele numa frase expressa conjunção (simultaneidade, concomitância) de eventos (fatos). Exemplos disto:

• Água potável é incolor e insípida. • A Paraíba e o Maranhão são dois estados nordestinos. • O Brasil é rico em minério de ferro e o teor de umidade relativa do ar de Brasília é muito

baixo. Já o conectivo ‘ou’ aparece em uma frase para exprimir disjunção (separação no tempo, no espaço)

de fatos (eventos) como a declará-los mutuamente excludentes, isto é, não ocorrem dois deles concomitantemente. É o que podemos ver em:

• João toma café com adoçante líquido ou com açúcar mascavo. • Agende uma audiência ou prepare-se para um chá de cadeira. • Pague R$3,00 ou leve 1kg de alimento não-perecível. Agora, passemos a examinar o que ocorre com esses conectivos em discursos proferidos no âmbito

da Matemática. Antes, porém, precisamos introduzir a noção de sentença em Matemática. Diremos que uma sentença matemática (ou, simplesmente, uma sentença) é uma frase declarativa portadora de um valor-

verdade (ou valor lógico): falso ou verdadeiro. Assim, por exemplo, 6 1

47−

+ , 4

ba

− − Δ e 2r hπ não são

sentenças, uma vez que não faz sentido classificá-las como falsas ou verdadeiras. Na Matemática, conectivos têm essencialmente o mesmo papel que assumem em um idioma, isto é,

interligam sentenças para gerar sentenças mais complexas (mais ricas em significados). Sentenças assim formadas são denominadas sentenças compostas. Assim, o conectivo ‘e’ permanece expressando caráter de concomitância de fatos em uma sentença matemática composta. Vejamos alguns exemplos:

• Três é um número ímpar e a função 3( )f x x= é contínua. • A área de um quadrado cujo lado tem medida igual a l é 2l e o número dois não é primo. • Para dois conjuntos dados, A e B , sua interseção, A B∩ , é definida como o conjunto

formado por todos os elementos, x , que pertencem ao conjunto A e ao conjunto B . Detenhamo-nos um pouco nesta definição que acabamos de apresentar. Ali, a porção “pertencem ao

conjunto A e ao conjunto B ” indica enfaticamente em que circunstâncias dizemos que um elemento pertence à interseção A B∩ : é quando tal elemento pertence tanto ao conjunto A como ao conjunto B .

Agora, vejamos mais de perto quais cuidados devemos ter quanto ao uso do conectivo ‘ou’ em

sentenças matemáticas. Primeiramente, observemos que a presença do conectivo ‘ou’ em uma sentença matemática composta dá a esta um caráter mais liberal no seguinte sentido: as sentenças que a compõem não precisam mais ser mutuamente excludentes. Mais explicitamente, cada uma das sentenças componentes deve ser interpretada como uma ocorrência possível. As situações pontuadas a seguir servem de ilustração para o que acabamos de afirmar.

• Para dois conjuntos dados, A e B , sua união, A B∪ , é definida como o conjunto formado por todos os elementos, x , que pertencem ao conjunto A ou ao conjunto B . Não se esqueça de que dizer que x é um elemento do conjunto A B∪ significa que estamos falando de três possibilidades: x é elemento apenas do conjunto A , x é elemento apenas de B , x é elemento de ambos, A e B .

• Admita que t represente genericamente um número real. É fato bastante conhecido que “ 1t ≥ − ” lê-se: “ t é maior do que 1− ou t é igual a 1− ”. No dia-a-dia, esta leitura é abreviada para: “ t é maior do que ou igual a 1− ”. Trata-se de uma sentença composta, que, por ação do conectivo ‘ou’, é formada pelas sentenças “ t é maior do que 1− ” e “ t é igual a 1− ”.

Exercitando o seu senso crítico: 1. Em que circunstâncias, a sentença “ t é maior do que 1− ou t é igual a 1− ” é verdadeira? Sob

quais condições ela é falsa? 2. A partir do raciocínio adotado para dar respostas às duas perguntas acima, classifique como falsa

ou verdadeira cada uma das seguintes sentenças:

a) 13 9− ≥ − , b) 2 17≥ , c) 8 8≥ , d) 27 12≤ − , e)

4 85 9− −

≤ .

3. Agora, suponha que x represente, genericamente, um número real. É sabido que “ 2 6x≤ ≤ ” lê-se: “ x é maior do que ou igual a 2 e x é menor do que ou igual a 6 ”. Estamos aqui diante de uma

Page 13: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

171

sentença composta, que, pela ação do conectivo “e”, é formada pelas sentenças: “ x é maior do que ou igual a 2 ” e “ x é menor do que ou igual a 6 ”.

a) Quais condições um número real x deve satisfazer, de modo que a sentença “ x é maior do que ou igual 2 e x é menor do que ou igual a 6 ” seja falsa?

b) Quais devem ser as características de um número real x para que a sentença “ x é maior do que ou igual 2 e x é menor do que ou igual a 6 ” seja verdadeira?

4. De acordo com o raciocínio utilizado para dar respostas às perguntas da questão 3 acima, classifique como falsas ou verdadeiras as sentenças seguintes:

a) 458 4546

≤ ≤ .

b) 7 é ímpar e 43 243= .

c) Se a e b são números reais, então ( )3 3 2 2 33 3a b a a b ab b+ = − + + e 14

tg π = .

d) 9 9 9< ≤ . A idéia por trás de convidá-lo(a) a trabalhar com os casos particulares acima foi prepará-lo(a) para

uma tarefa mais arrojada, qual seja: estabelecer critérios para julgar como falsas ou verdadeiras sentenças matemáticas quaisquer em que comparecem os conectivos ‘ou’ e ‘e’. Nestes casos, eles recebem uma adjetivação: são chamados conectivos lógicos. Inicialmente, veremos como estes conectivos podem contribuir para a geração de novas sentenças a partir de sentenças dadas. É o que vamos encontrar na definição seguinte.

Conjunção e Disjunção Definição 3.1-1 Consideremos que P e Q representem duas sentenças. Usamos a notação P Q∧ para representar a

sentença “ P e Q ”, denominada conjunção de P e Q . Adotamos a notação P Q∨ para representar a sentença “ P ou Q ”, chamada disjunção entre P e Q . Neste contexto, ∧ e ∨ são conhecidos como símbolos de conectivos lógicos.

No ambiente matemático, para que a conjunção P Q∧ seja é verdadeira é necessário que, tanto a

sentença P como a sentença Q sejam verdadeiras. Portanto, basta que uma das sentenças componentes, P ou Q , seja falsa para que a sentença P Q∧ seja falsa. No caso da disjunção P Q∨ , esta só será falsa se ambas as componentes, P e Q , forem falsas. Para que P Q∨ seja verdadeira, basta que uma das sentenças componentes seja verdadeira.

Pelo que temos visto, o valor lógico de sentenças compostas é fortemente determinado pelos valores

lógicos de suas componentes, assim como pelo modo como estas se combinam (ou seja, depende também do conectivo que as liga). Considerando que a quantidade de componentes de uma sentença composta é finita, concluímos que são também finitas as possibilidades de se combinarem os valores lógicos de sentenças compostas. Tais possibilidades podem ser organizadas em tabelas especiais que recebem a denominação de tabelas-verdade. Nelas, o valor lógico de uma sentença verdadeira é representado pela letra V enquanto o valor lógico de uma sentença falsa é denotado pela letra F .

Com as considerações acima, podemos, por

exemplo, construir tabelas-verdade para a conjunção P Q∧ e para a disjunção P Q∨ .

P Q P Q∧V V V

V F F

F V F F F F

Fig. 3.1-1 – Tabela-verdade de P Q∧ .

P Q P Q∨V V V V F V F V V F F F

Fig. 3.1-2 – Tabela-verdade de P Q∨ .

Page 14: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

172

Exercícios 3.1-1 Com base nas tabelas 3.1-1 e 3.1-2, realize as tarefas seguintes. 1. Tomando como universo de discurso o conjunto dos números reais R , e considerando a

sentença “ 0x > ou 0y > ”, classifique como verdadeira ou falsa cada uma das seguintes afirmações: a) x pode ser negativo. b) y pode ser zero. c) y não pode ser negativo. 2. Determine o valor lógico da sentença “Existem dois números primos entre os números 23 e

42 , ou 22π> ”.

3. Considere os conjuntos { }; 4A y R y= ∈ ≥ − , { }; 4B t R t= ∈ > − e { }4C = − . Então, podemos afirmar:

• A B C= ∪ • A B C= ∩ 4. Se x e y são números reais tais que 0x y⋅ < , então classifique como falsas ou verdadeiras as

seguintes sentenças: a) 0x > e 0y > b) 0x < ou 0y > c) 0x > ou 0y > d) 0x < e 0y > e) ( 0x > ou 0)y < e ( 0x < ou 0)y > f) ( 0x < e 0)y > ou ( 0x > e 0)y < 5. Classifique, justificadamente, como falsa ou verdadeira a sentença “Para todo número real, a ,

ocorre 2a a= e cos 14π< ”.

Como na vida, saber negar (dizer um “não”) em Matemática requer muita cautela. É chegada a hora

de trabalharmos com o conectivo lógico que expressa a negação de uma sentença. Negação Definição 3.1-2 Se P representa uma sentença, a negação de P é a sentença “não ocorre P ” (ou, simplesmente,

“não P ”), e é denotada por P¬ . É também comum o uso da notação ~ P para representar a negação de P . A definição 3.1-2 fica materializada nas seguintes relações: “Se P

é falsa, então P¬ é verdadeira” e “Se P é verdadeira, então P¬ é falsa”. Esta materialização pode ser expressa da seguinte maneira em uma tabela-verdade.

Por achar que a compreensão do uso deste conectivo ganha mais densidade em situações que

envolvam todos os quatro aqui destacados: ou, e, não, se ... então, é que vamos voltar a atenção para este último agora.

O Condicional P Q→ Definição 3.1-3 Sendo P e Q são sentenças, a sentença no formato “Se P , então Q ” é chamada implicação (ou

condicional), e é representada por P Q→ . A sentença P chama-se antecedente enquanto Q recebe a denominação de conclusão (ou conseqüente).

P P¬V F F V

Fig. 3.1-3 – Tabela da negação P¬

Page 15: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

173

Faremos a construção da tabela-verdade deste

conectivo com inspiração na análise de um caso bem particular da ocorrência dele no nosso idioma. Adiantamos que a tabela-verdade para o conectivo “Se P , então Q ” é a seguinte:

Suponhamos que um amigo tenha afirmado: “Se amanhã fizer sol, então irei à praia”. Em que

circunstâncias diríamos que o amigo não falou a verdade ao afirmar isso? Examinemos as possibilidades segundo o que está expresso na tabela 3.1-4.

• No primeiro caso (primeira linha da tabela), em que realmente fez sol e o amigo foi à praia,

ele falou a verdade. • No segundo caso (segunda linha da tabela), em que fez sol e o amigo não foi à praia, ele não

falou a verdade. • Nos terceiro e quarto casos, não fez sol. Nestes, não é razoável considerar o amigo

mentiroso, porque ele fez uma afirmação que dependia da ocorrência de um dia ensolarado. Vale observar que o conectivo “Se P , então Q ” pode ser formulado de várias maneiras. Aqui

listamos algumas: • “ Q é verdadeira sempre que P é verdadeira” • “ Q , se P ” • “ P é condição suficiente para Q ” (significando que basta que P ocorra, para que Q também

ocorra). • “ Q é condição necessária para P ” (significando que para que P aconteça é necessário que

Q aconteça). • “ P ocorre somente se Q ocorre”. Uma outra observação que vale a pena ser feita é que, diferentemente do que se passa na linguagem

natural, em que dizer “ P implica Q ” é afirmar que entre P e Q existe uma relação de causa e efeito, a implicação, nos âmbitos da Lógica e da Matemática, não está sujeita a tal relação. Em outras palavras, o valor lógico de P Q→ depende unicamente dos valores lógicos de P e de Q , não sendo necessária qualquer conexão factual (“palpável”, “perceptível”) entre P e Q . Por isso, faz sentido atribuir um valor lógico a sentenças do tipo “Se π é um número racional, então 216 não é múltiplo de 9 ”. A propósito, você consegue enxergar alguma relação de causa e efeito entre as componentes desta sentença? Qual é o valor lógico desta sentença? Aproveite para se lembrar de situações do cotidiano em que o uso do “se .., então” expressa claramente relações de causa e efeito.

Ainda sobre o condicional P Q→ , há algo importante a ser dito. Trata-se de sentenças

correlacionadas a ela que têm papel fundamental na comunicação em Matemática. Vejamos isto. • A sentença Q P→ é chamada recíproca de P Q→ . • A sentença Q P¬ →¬ é denominada contrapositiva de P Q→ .

Desmanchando uma confusão. Como dissemos ali atrás, recíprocas e contrapositivas de sentenças são peças-chave na comunicação em Matemática. Por causa disso, vale a pena examinar algumas particularidades delas. O que queremos ressaltar pode ser obtido a partir de uma comparação de tabelas-verdade. Portanto, compare as tabelas-verdade de P Q→ , Q P→ e Q P¬ →¬ . A que conclusão chegou?

É isto mesmo: - O grau de parentesco entre uma sentença e a sua recíproca é incerto. - Já o parentesco entre uma sentença e a contrapositiva dela é total: elas são equivalentes. Em termos

puramente simbólicos, isto pode ser expresso assim: )()( PQQP ¬→¬≡→ . Uma aplicação. Considere a proposição “Se n é um inteiro par, então n é um múltiplo de 2”. Formule a recíproca e a contrapositiva desta proposição.

P Q P Q→V V V V F F F V V F F V

Fig. 3.1-4 Tabela-verdade da implicação P Q→

Page 16: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

174

A versatilidade da linguagem natural possibilita-nos dispor de várias sentenças para expressar uma mesma informação. No cotidiano, é o contexto que determina qual, entre várias sentenças, é mais adequada para transmitir a informação que queremos. Versatilidade e conveniência como essas quando aplicadas a situações matemáticas dão origem à noção de equivalência entre sentenças. Informalmente, diríamos que duas sentenças que transmitem uma mesma informação são equivalentes. Pondo certa dose de formalidade, poderíamos adotar a seguinte definição para sentenças equivalentes.

Sentenças equivalentes Definição 3.1-4 Sendo 1 2 3, , ,..., nR R R R representações de n sentenças simples, usaremos a notação

1 2 3( , , ,..., )nP R R R R para representar uma sentença, P , composta pelas sentenças 1 2 3, , ,..., nR R R R . De modo análogo, adotaremos a notação 1 2 3( , , ,..., )nQ R R R R para representar a sentença composta, Q , cujas componentes são as sentenças simples 1 2 3, , ,..., nR R R R . Diremos que as sentenças P e Q são equivalentes quando possuem valores lógicos iguais para cada combinação possível dos valores lógicos das sentenças simples 1 2 3, , ,..., nR R R R . Para indicar que duas sentenças, P e Q , são equivalentes será usada a notação P Q≡ .

A essência do conteúdo da definição 3.1-4 é que duas sentenças equivalentes possuem tabelas-verdade iguais. Sendo assim, sugerimos que você recorra a tabelas-verdade para constatar as equivalências listadas logo depois deste parágrafo. Com isso, terá dado início à organização de uma pequena coletânea de sentenças equivalentes que estão entre as mais usadas. As referidas equivalências são algumas importantes propriedades da conjunção e da disjunção:

1. Idempotência a) P P P∧ ≡ b) P P P∨ ≡ 2. Comutatividade a) P Q Q P∨ ≡ ∨ b) P Q Q P∧ ≡ ∧ 3. Associatividade a) ( ) ( )P Q R P Q R∧ ∧ ≡ ∧ ∧ b) ( ) ( )P Q R P Q R∨ ∨ ≡ ∨ ∨ 4. Distributividade a) ( ) ( ) ( )P Q R P Q P R∧ ∨ ≡ ∧ ∨ ∧ b) ( ) ( ) ( )P Q R P Q P R∨ ∧ ≡ ∨ ∧ ∨ Exercícios 3.1-2 Parece que agora reunimos condições para armar um caleidoscópio de sentenças em que os

conectivos lógicos que vimos estudando têm papel determinante. Construa tabelas-verdade para verificar as equivalências, quando for o caso. Vamos lá.

1. P P¬¬ ≡ (Dupla negação) 2. Leis de De Morgan a) ( )P Q P Q¬ ∧ ≡ ¬ ∨¬ b) ( )P Q P Q¬ ∨ ≡ ¬ ∧¬ c) Estabeleça um paralelo entre as Leis de De Morgan e as seguintes conhecidas relações

encontradas na Teoria dos Conjuntos envolvendo a operação de complementação de união e interseção de dois conjuntos, A e B :

c1) ( )C C CA B A B∪ = ∩ c2) ( )C C CA B A B∩ = ∪ d) Pesquise sobre a vida e a obra do matemático e lógico Augustus De Morgan. 3. Considere que x e y representem números reais quaisquer. Escreva por meio de símbolos

lógicos e matemáticos a negação de cada uma das seguintes sentenças: a) 0x ≤ b) 0x < c) 0z ≥ d) 0z >

Page 17: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

175

4. Encontre sentenças equivalentes às sentenças dadas a seguir. Por meio de tabelas-verdade confira a veracidade dos resultados encontrados.

a) ( )P Q¬ ∨¬ b) ( )P Q¬ ¬ ∧ c) ( )P Q¬ ∧¬ d) ( )P Q¬ ¬ ∧¬ 5. Examine a tabela-verdade para a sentença ( )P Q¬ ∧¬ que você construiu no item c) da questão

anterior. Compare-a com a tabela da implicação (Fig. 3.1-4). A que conclusão chegou? 6. Considere a sentença “Se i é um número natural par, então i é um número inteiro não-

negativo”. Formule uma sentença equivalente a esta, baseando-se no que obteve na questão anterior. Esperamos que, trabalhando na questão 5 acima, você tenha concluído que as sentenças ( )P Q¬ ∧¬

e P Q→ são equivalentes. Agora, aplicando De Morgan à sentença ( )P Q¬ ∧¬ , chegamos também à seguinte conclusão: P Q→ é equivalente a P Q¬ ∨ .

Como falamos anteriormente, no nosso cotidiano somos levados a conviver com formulação e

compreensão de modos distintos de expressar uma mesma informação. Também dissemos que a escolha por essa ou aquela formulação é, em grande medida, ditada pelo contexto. Ou seja, às vezes fala mais alto a agilidade na veiculação/captação da informação, enquanto em outras ocasiões é a precisão o item que deve sobressair. Parece claro que situações ideais seriam aquelas em que conseguíssemos reunir as duas coisas. Pois bem, em ambientes formais, como no caso da Matemática e da Lógica, isso também se passa.

Tomemos como exemplo o conteúdo do parágrafo anterior. Como você formularia a negação da

implicação P Q→ ? Saiba que esta não é uma tarefa muito fácil se partimos dela própria. Entretanto, se partimos de uma sentença equivalente a ela, digamos, P Q¬ ∨ , temos:

P Q P Q→ ≡¬ ∨ , e, assim, vem: ( ) ( )P Q P Q¬ → ≡ ¬ ¬ ∨ , o que, por De Morgan, leva-nos a: ( ) ( )P Q P Q P Q P Q¬ → ≡ ¬ ¬ ∨ ≡ ¬¬ ∧¬ ≡ ∧¬ . Vale a pena observar que esta cadeia de equivalências

é uma espécie de retrato de um específico processo mental que experimentamos para construir modos diferentes de veicular uma mesma informação. Ressalte-se, porém, que a marca da individualidade em cada um de nós imprime modos peculiares de organizar o pensamento e, portanto, a cadeia a que chegamos acima pode sofrer alterações de pessoa para pessoa. Depois desta breve digressão acerca de processo mentais, voltemos ao ponto em questão.

Da cadeia obtida no parágrafo anterior, fiquemos com a equivalência ( )P Q P Q¬ → ≡ ∧¬ . Esta

equivalência, como você deve ter notado no trabalho que pedimos para fazer, permite-nos formular textualmente a negação da implicação P Q→ a partir de sua equivalente, P Q∧¬ . Portanto, no modo textual, esta equivalência pode ser interpretada da seguinte maneira: Dizer que não ocorre a implicação P Q→ significa dizer que podem acontecer, simultaneamente, P e Q¬ . Em outros termos, pode ocorrer P sem que Q ocorra.

Com o que acabou de ver, formule textualmente uma negação para a sentença “Se k é um número

real qualquer, então 2 0k > ”.

Rigorosamente falando, o que fizemos até aqui foi trabalhar com formas de sentenças, isto é, com

representações delas, e não com sentenças propriamente ditas. Assim, por exemplo, ao tratar de ( )Q P Q→ ∨ estaremos, na verdade, falando de todas as sentenças que são da forma ( )Q P Q→ ∨ . Para

ilustrar mais explicitamente isto, observemos que a sentença “Se todo losango é um paralelogramo, então 12 é menor do que 39− ou todo losango é um paralelogramo” dota de significado (matemático) a forma de sentença ( )Q P Q→ ∨ . Ou, ainda, a sentença acima referida é uma instância da forma de sentença

No moodle exploraremos mais abundantemente estas relações de equivalência. Prepare-se para a viagem.

No Moodle...

Page 18: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

176

( )Q P Q→ ∨ . Para exercitar esta distinção (entre sentença e forma de sentença), faça o que pedimos a seguir.

Exercícios 3.1-3 Construa tabelas-verdade para as sentenças a seguir. Procure atribuir significados a cada uma delas,

isto é, associe-as a situações reais do universo matemático. 1a) ( )P P Q→ ∨ Uma solução:

P Q P Q∨ ( )P P Q→ ∨ V V V V V F V V F V V F F F F V

A sentença “Se x é um número real satisfazendo 3x > , então x é um número real satisfazendo

3x > ou 6 2,39< − ” é do tipo ( )P P Q→ ∨ . 1b) ( )Q P Q→ ∨ 2a) ( )P Q P∧ → 2b) ( )P Q Q∧ → 3) ( ) ( )P Q P Q∧ → ∨ Vejamos agora mais um interessante caráter utilitário de tabelas-verdade. Além do que já

aprendemos através delas, estas podem sinalizar quando no trabalho com sentenças estamos em uma das seguintes situações críticas (extremas): sendo redundantes ou caindo em contradição.

Definição 3.1-5 Uma sentença é denominada tautologia se, para cada possível combinação dos valores lógicos de

suas componentes, ela sempre assume o valor lógico verdadeiro (V ). Por outro lado, dizemos que uma sentença é uma contradição quando, diante de tais combinações, ela assume apenas o valor lógico falso ( F ).

Percebeu como uma tabela-verdade pode ser de grande utilidade na detecção de tautologias e

contradições? Exercite esta percepção construindo tabelas-verdade para as seguintes sentenças. Em seguida, classifique-as como tautologias ou contradições.

• P P∨¬ • P P¬ ∧ • ( ) ( )P Q P Q∧ ∨ ¬ ∨¬ Agora, assumindo uma postura bastante informal, experimente construir uma pequena lista de

expressões lingüísticas, comuns no nosso cotidiano, que lembram as formais tautologias e contradições. Aqui vai uma mãozinha: “Durante muito tempo, o rádio foi um dos principais elos de ligação entre o campo e a cidade”. Esta lembra uma tautologia, por ser redundante. Um lingüista diria que trata-se de um pleonasmo.

O Bicondicional P Q↔ Há situações matemáticas em que, metaforicamente, poderíamos dizer que ocorre uma simbiose

(aproveite para vasculhar o seu repertório conceitual da Biologia, e veja o que vem a ser simbiose no registro dela): duas sentenças “alimentando-se” mutuamente. Estamos falando de situações envolvendo duas sentenças, P e Q , em que são verdadeiras ambas as sentenças P Q→ e Q P→ .

Benditas contradições! No dia-a-dia, vivemos evitando redundâncias e contradições. Particularmente, as contradições parecem só encontrar guarida em âmbitos muito restritos, tais como as esferas de trabalho investigativo, pois ali uma condenação quase sempre acontece a partir de contradições em que se metem eventuais suspeitos (indiciados). Por mais incrível que possa parecer, fizemos esta pequena pausa para anunciar que na Unidade III lidaremos com situações matemáticas em que contradições serão objetos de desejo.

Page 19: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

177

Quando isto ocorre, dizemos que estamos diante de um bicondicional, que, como o próprio nome indica, é formado por dois “condicionais”. Formalmente falando, o bicondiconal é definido pela conjunção ( ) ( )P Q Q P→ ∧ → , e é, abreviadamente, denotado por P Q↔ . Usando o registro da Matemática, dizemos que a ocorrência do bicondicional, P Q↔ , significa que:

• “ P implica Q ” e “Q implica P ”, ou, equivalentemente, • “ P é condição suficiente para Q ” e “ Q é condição suficiente para P ”, ou, ainda, • “Q é condição necessária para P ” e “ P é condição necessária para Q ”. Também, • “Q , se P ” e “ P , somente se Q ”. Vejamos como fica a tabela-verdade do bicondicional P Q↔ . Fig. 3.1-5 Tabela do bicondicional P Q↔

P Q P Q→ Q P→ P Q↔ V V V V V V F F V F F V V F F F F V V V

Esta tabela fornece algumas informações importantes. A sentença P Q↔ é verdadeira em duas

situações: quando ambas P e Q são verdadeiras ou quando as duas são falsas, isto é, quando as duas possuem o mesmo valor lógico. Quando P e Q têm valores lógicos contrários, a sentença P Q↔ é falsa.

Vamos aproveitar a ocasião para ver uma aplicação do significado do bicondicional. Deixando de

lado as razões de cunho pedagógico que levam a isto, o certo é que a presença do bicondicional em proposições matemáticas tem altíssimas chances de trazer embaraços para o aprendiz, seja no entendimento da própria proposição ou na compreensão de uma demonstração sua.

Vamos abordar esta questão a partir de um caso particular. Tomemos a seguinte proposição:

“Considere que A e B sejam conjuntos. Sendo assim, A B A∩ = se, e somente se, A B⊆ ”. Tente encontrar a presença do bicondicional nesta proposição. Se não encontrou, siga nossos passos a partir daqui. Primeiramente, comecemos por observar que esta proposição tem a presença de duas sentenças, quais sejam: “ A B A∩ = ”, que representaremos por Q e “ A B⊆ ” , que será denotada por P . Agora, dirija a atenção para aquela listinha de significados de proposições do tipo P Q↔ que apresentamos logo acima da tabela 3.1-5. Uma delas diz que P Q↔ significa “ Q , se P ” e “ P , somente se Q ”. Com isto, vemos que, na verdade, a proposição que estamos estudando aqui é composta de duas sentenças, a saber: “ A B A∩ = , se A B⊆ ” e “ A B⊆ , somente se A B A∩ = ”. Em termos puramente simbólicos, a proposição em questão

pode muito bem ser “traduzida” como ( ) ( )P Q Q P→ ∧ → , ou seja, P Q↔ . Em suma, a proposição que estamos analisando pode ser reescrita da seguinte maneira: “Considere que A e B sejam conjuntos. Sendo assim, são válidas as sentenças: ‘Se A B A∩ = , então A B⊆ ’ e ‘Se A B⊆ , então A B A∩ = ’”.

Após esta breve discussão, uma conclusão a que podemos chegar é que uma proposição do tipo “ P

se, e somente se Q ” evidencia a ocorrência de um bicondicional. Portanto, sempre que você sentir algum desconforto para compreender o que um bicondicional quer dizer, não hesite em reescrevê-lo como a conjunção de dois condicionais. Tudo começa, claro, com a escolha adequada das sentenças que comporão a conjunção. Deste modo, o famoso “se, e somente se” não passa de uma forma abreviada para exprimir a conjunção de duas sentenças do tipo “se ... então”.

Faça agora mais aplicações do que já foi discutido até aqui. Exercícios 3.1-4 1. Justifique por que é razoável ler-se P Q↔ como “ P é condição necessária e suficiente

para Q ”. 2. Recorra a uma tabela-verdade para mostrar que a sentença P Q↔ é equivalente a

( ) ( )P Q P Q∧ ∨ ¬ ∧¬ .

Page 20: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

178

3. E, sem o uso de uma tabela-verdade, como você resolveria a questão do item 2? 4. Mostre que são equivalentes as sentenças ( ) ( )P R Q R→ ∧ → e ( )P Q R∨ → . 5. Encontre uma forma de sentença que seja equivalente à negação de P Q↔ . 6. Formule a negação da proposição “ A B A∩ = se, e somente se, A B⊆ ”.

3.2 Quantificadores lógicos Nesta seção trataremos de um tópico que também tem função de destaque nos processos

comunicativos em Matemática: os quantificadores lógicos. Surgem naturalmente como são na comunicação em geral. Sempre que precisamos nos referir a características de seres ou coisas de determinadas categorias, é conveniente destacar a quantidade dos que são detentores de tais propriedades: São todos? Somente alguns? Nenhum?

Estes cuidados são fundamentais para a comunicação em Matemática, pois estão intimamente

ligados às operações de identificação e de discriminação. Previnem contra erros e imprecisões, por exemplo. “Ser par” é característica de quantos números divisíveis por 2 ? Quantos são os números pares que são primos? São quantos os triângulos retângulos cuja soma dos ângulos internos é menor do que 180o ? Nossa experiência permite responder, segundo a ordem das perguntas acima, o seguinte: Todos, um e nenhum.

Aqui, trataremos de variados conjuntos, que serão nossos universos de discurso cujas denominações

e representações serão anunciadas conforme a necessidade. Usaremos letras minúsculas de alfabetos conhecidos, para representar elementos genéricos de tais conjuntos: x , y , α , entre outras. Estas serão chamadas variáveis. Vale observar que expressões tais como: “para cada”, “para todo(a)”, “algum(a)”, “existe algum(a)” exprimem quantificação. Daí serem denominadas quantificadores.

Seguindo notação convencionalmente adotada, usaremos o símbolo ∀ para representar expressões

tais como: “para todo(a)”, “para cada”, “qualquer que seja”. Dada a natureza daquilo que representa, o símbolo ∀ é, de modo simplificado, chamado quantificador universal. Analogamente, o símbolo ∃ , associado a expressões do tipo “algum(a)”, “existe algum(a)”, é chamado quantificador existencial.

Uma sentença, ( )P x , que exprime algo a respeito da variável x , em um dado universo de discurso

U , pode ser falsa para certos valores de x ou verdadeira, para outros valores de x . Para significar que ( )P x é verdadeira para todo x U∈ , escrevemos ( ( ))x P x∀ . De modo semelhante, para dizer que ( )P x é

verdadeira para algum (pelo menos um) x U∈ , escrevemos ( ( ))x P x∃ . • ( ( ))x P x∀ lê-se: Para todo x , ocorre ( )P x . • ( ( ))x P x∃ lê-se: Existe (pelo menos) um x para o qual ocorre ( )P x . Fixado o universo de discurso, U , o conjunto formado pelos elementos x U∈ que tornam a

sentença ( )P x verdadeira é chamado conjunto-verdade de ( )P x . Assim, quando ( )P x é verdadeira para todo x U∈ , o conjunto-verdade de ( )P x é o próprio U . Se existe algum x U∈ , para o qual acontece

( )P x , o conjunto-verdade de ( )P x é não-vazio. Vejamos alguns usos dos símbolos de quantificação. • Se U R= é o conjunto dos números inteiros, a forma de sentença ( 0)x x∃ < significa que

existe (pelo menos) um número inteiro negativo. Trata-se, portanto, de uma sentença verdadeira. Qual seria o valor lógico desta sentença se U fosse o conjunto dos números naturais?

• Se U é o conjunto dos números reais, a sentença 2( 4 0)y y∃ + ≠ significa que existe um número real y , tal que 2 4 0y + ≠ . Uma sentença falsa, portanto. Agora, estamos diante de uma sentença falsa. O que aconteceria com o valor lógico desta sentença se U fosse o conjunto dos números complexos?

• Se U Q= é o conjunto dos números racionais, a forma de sentença ( )x y x y∀ ∃ > significa que para cada número racional x , existe um número racional y de tal modo que x y> .

Já vimos a necessidade de trabalhar com a negação de sentenças suportadas por implicação,

disjunção e conjunção. Chegou a vez de lidarmos com a negação de sentenças que exprimem quantificação. A formalização deste tipo de negação parte de situações bastante intuitivas, inspiradas no cotidiano. Por exemplo, negar que “todo animal é mamífero” equivale a dizer que “existe pelo menos um animal que não é

Page 21: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

179

mamífero”. Por sua vez, negar que “existe pelo menos um boi alado” equivale a dizer que “qualquer que seja o boi, ele não é alado”.

A formalização da negação de sentenças que expressam quantificação pode ser apresentada da

seguinte maneira: • ( ( ( )) ( ( ))x P x x P x¬ ∀ ≡ ∃ ¬ • ( ( ( )) ( ( ))x P x x P x¬ ∃ ≡ ∀ ¬ Para os dois exemplos a seguir, considere que o universo de discurso seja o conjunto dos números

reais. Assim, temos: • ( ( 0)) ( ( 0)) ( 0)x x x x x x¬ ∃ < ≡ ∀ ¬ < ≡ ∀ ≥ • ( ( 0)) ( ( 0)) ( 0)z z z z z z¬ ∀ ≤ ≡ ∃ ¬ ≤ ≡ ∃ > A esta altura, vale lembrar que o valor lógico de uma sentença está intimamente ligado ao contexto.

Porque o universo de discurso é o conjunto dos números reais, para os exemplos dados acima, a primeira seqüência é de sentenças falsas. Já a segunda seqüência é formada por sentenças verdadeiras. Experimente o jogo de alterar o universo de discurso, para ver o que acontece.

Achamos conveniente apresentar aqui dois importantes casos particulares dos tipos de negação sobre

os quais estamos falando, desta feita envolvendo o condicional. • 1 2 1 2 1 2( ( ( ) ( ))) ( ( ( ) ( ))) ( ( ) ( ))x P x P x x P x P x x P x P x¬ ∀ → ≡ ∃ ¬ → ≡ ∃ ∧¬ • 1 2 1 2 1 2( ( ( ) ( ))) ( ( ( ) ( ))) ( ( ) ( ))x P x P x x P x P x x P x P x¬ ∃ → ≡∀ ¬ → ≡∀ ∧¬ Baseados nisto que acabamos de estabelecer, temos, por exemplo: - A negação da proposição “Para qualquer que seja o número natural x , se x é primo então x é

ímpar ou x é igual a 2 ” pode ser feita observando que a sentença que queremos negar é do tipo:

1 2( ( ( ) ( ))x P x P x¬ ∀ → em que 1( )P x representa a sentença “ x é primo” e 2 ( )P x representa a sentença “ x é ímpar ou x é igual a 2 ”. Recorrendo à primeira das duas cadeias de equivalências vistas acima, notamos que para chegar à negação pedida precisaremos construir a conjunção 1 2( ) ( )P x P x∧¬ . Ora, mas

2 ( )P x é uma disjunção (“ x é ímpar ou x é igual a 2 ”) e, para sua negação, o recurso a De Morgan é recomendável. Por uma de suas leis, a negação de 2 ( )P x é a conjunção da negação de “ x é ímpar” com a negação de “ x é igual a 2 ”, isto é, “ x é par” e “ x é diferente de 2 ”. Com isto, a tarefa está realizada e negação é dada por: “Qualquer que seja o número natural x , se x é primo então x é par e x é diferente de 2 ”. É claro que o que fizemos aqui foi uma tradução literal do rigor da Lógica para o Português, resultando em um linguajar pouco elegante. Reunindo elegância e rigor, a negação que foi solicitada poderia ser expressa assim: “Qualquer que seja o número natural x , se x é primo então x é um número par diferente de 2 ”.

Que tal um efetivo exercício intelectual agora? As questões que apresentamos no seguinte bloco de

exercícios têm por finalidade fazê-lo(a) usar adequadamente os quantificadores lógicos que estamos estudando nesta seção.

Exercícios 3.2-1 Considere, aqui, o conjunto dos números reais como o universo de discurso. 1. Use símbolos da Lógica e da Matemática para “traduzir” as seguintes sentenças. a) Todo número real t , diferente de zero, satisfaz à relação 2 0t > . Uma solução: 2( ( 0) 0)t t t∀ ¬ = → > . b) Existe um número irracional, y , tal que 2 3 0y − = . c) Não existe um número racional w que seja um natural. d) Nem todo número real, z , tal que 0z ≤ , satisfaz 5z < e 2z > − . e) Para todo número real, x , tal que 3x > , ocorre 2 2 3 0x x− − = . f) Existe um número inteiro, w , tal que, para cada número real s , tem-se s w< . 2. Expresse, por escrito, a negação de cada uma das sentenças que aparecem na questão 1 acima.

Page 22: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

180

Unidade III Demonstração em Matemática

1. Situando a Temática

“Esta afirmação, Cassandra, você vai ter de provar por a mais b”. Você arriscaria afirmar que a frase que acabou de ler, dita em tom tão imperativo assim, só poderia ter como contexto uma sala de aula de Matemática? Nós, mesmo sem poder ouvir o que você tem a falar diante desta pergunta, arriscamos dizer que acabou de pronunciar, nem que tenha sido de si para si, um sonoro “Não”. É que as nossas (minhas e suas) interconexões culturais garantem que a frase em questão cabe em qualquer ambiente social. Ela habita o imaginário popular, e apenas toma de empréstimo o rigor com que, ainda segundo este mesmo imaginário, a Matemática trata a verdade.

Falando de modo bastante simplificado, diríamos que a verdade em Matemática materializa-se através de uma complexa teia de objetos e relações entre eles, que são estabelecidas através de afirmações “indefectíveis”: axiomas e teoremas. Os axiomas são, para uma dada teoria (geometria, álgebra etc.), sentenças geradoras, sobre as quais se assenta todo e qualquer processo de dedução ou resultado. Os teoremas constituem as afirmações que são geradas pelos axiomas. Cada teorema segue uma estrutura padronizada, em que sobressaem dois blocos: o das hipóteses e o da conclusão. As primeiras reúnem as condições sob as quais “algo” acontece; a conclusão é justamente o “algo”.

Parece que é a engenharia desta articulação, apresentada de modo supersimplificado acima, que provoca uma sensibilização no senso comum sempre que estão em jogo rigor ou harmonia para uma tomada de decisão. Tudo se passa como se o senso comum se apropriasse profundamente de um uma espécie de modo matemático de ser. Exemplos disto não faltam: expressões tais como “provar por a mais b”, “chegar a um denominador comum”, “como dois e dois são quatro”, juntamente com outras tantas, caíram no domínio público.

Vale salientar que o estabelecimento de um teorema requer um processo de elaboração que inclui etapas importantes. Por vezes, acontece um lampejo e o matemático parece apossar-se de um palpite segundo o qual o que ele tem diante de si é um fato matemático; em outros casos, é levado a uma suspeita destas pelo reconhecimento de padrões que surgem de um apurado senso de observação de interligações. Achamos oportuno trazer ao seu conhecimento que esta última modalidade ganhou mais ênfase com o advento de recursos de cálculos computacionais de alta precisão e velocidade.

Enquanto um lampejo e uma suspeita, da maneira como foram descritos acima, não são provados ou refutados estes assumem a condição de uma conjectura. Aquilo que serve para refutar uma conjectura é denominado contra-exemplo, isto é, um exemplo que contradiz a conjectura.

2. Problematizando a Temática

A história da Matemática registra o aparecimento de conjecturas que se tornaram mundialmente famosas, quer pela temática envolvida ou pela simplicidade dos seus enunciados. Entre estas, destaca-se a conjectura que por mais de 350 anos ficou conhecida como “O Último Teorema de Fermat”, hoje reverenciada como Teorema de Fermat-Wiles, em homenagem ao matemático britânico Andrew Wiles, que, em 1995, apresentou uma prova deste teorema. Segundo a literatura sobre o tema, por volta do ano 1637, o matemático francês Pierre de Fermat afirmou ter elaborado uma prova cabal e simples (mas que não cabia naquele espaço onde escreveu tal declaração) para o seguinte: “Se 2n > é um inteiro, então não existem inteiros, não simultaneamente nulos, x , y , e z , que satisfaçam à relação n n nx y z+ = ”.

O termo “último” foi atrelado àquela conjectura porque era a última que, dentre várias conjecturas de Fermat, ficou durante muito tempo sem solução. Todas as outras foram provadas verdadeiras ou foram refutadas. No meio das poucas que foram refutadas, está a seguinte: “Se p é um número natural, então o

número 22 1p+ é primo”. A refutação foi apresentada pelo matemático suíço Leonhard Euler, mostrando

que, para 5p = , a afirmação é falsa, pois 522 1 4.294.967.297 6700417 641+ = = ⋅ . Com isto, Euler

apresentou um contra-exemplo para essa conjectura de Fermat.

Page 23: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

181

A situação descrita acima deve servir de inspiração para a postura que devemos adotar diante de uma frase declarativa em Matemática. No caso em questão, foram necessários apenas seis passos para Euler derrubar a declaração de Fermat. Portanto, muita prudência e procura por argumentos bem fundados são procedimentos recomendáveis para o trabalho de elaboração de discursos em Matemática.

3. Conhecendo a Temática

3.1 Demonstrações envolvendo conectivos lógicos

Para falar sobre demonstração no contexto em questão convém uma palavrinha acerca de um tipo de raciocínio que é vital para a construção de significados em Matemática: o raciocínio dedutivo.

Grosso modo, dizemos que o raciocínio dedutivo se caracteriza por possibilitar que se obtenham informações acerca de eventos (situações) específicos a partir de eventos (situações) gerais. Essa versão traz desconforto aos lógicos, pois há raciocínios dedutivos válidos que partem do particular para o geral: “Água potável é insípida. Portanto, existe algo insípido”.

De um modo menos informal do que isto, diríamos que o raciocínio dedutivo é empregado na

construção de um argumento em que a conclusão é implicação direta de premissas conhecidas. Ou seja, se as premissas são verdadeiras então a conclusão é verdadeira.

Este é o tipo de raciocínio que dá sustentação final a boa parte do trabalho desenvolvido por

matemáticos. Estes, para se convencerem e se fazerem convencidos por seus pares, recorrem a vários procedimentos: fazem simulações com casos particulares, fazem tentativas para ver até que ponto são confiáveis as conexões entre suas hipóteses e suas conclusões, isto é, até que ponto aquelas podem conduzir a erros; além disso, matemáticos, como já foi dito anteriormente, recorrem inevitavelmente à intuição.

Mas, a sua convicção acerca do que se lhe é apresentado como fato matemático só se realiza se o tal

fato passa nos testes dos princípios do raciocínio lógico. Isto se dá através de um procedimento a que os matemáticos denominam prova ou demonstração.

Quem de vocês já não viu uma prova matemática? Mais do que isto, muitos já realizaram demonstrações. Vamos dedicar um olhar mais atento a este tema por tratar-se de algo que é inerente ao cotidiano do trabalho matemático.

A construção de uma prova matemática tem, como diz Daniel Velleman (Velleman, p. 82) no seu

livro “How to Prove It”, forte analogia com a montagem de um quebra-cabeça, pois, por exemplo, não há uma receita universal para se obter êxito em uma tarefa destas, mas certos procedimentos parecem levar a bons resultados:

• Não parece sensato sair colocando as peças no modo “uma sim, outra não”, e depois voltar preenchendo as lacunas que ficaram.

• Tampouco é produtivo começar pelo topo e ir assim até a base, ou vice-versa; da esquerda para a direita, ou vice-versa.

• A prática nos diz que vale a pena começar pelas bordas e tentar montar porções a partir delas, avaliando se estamos no caminho certo.

• Tentativas às vezes podem conduzir a uma colocação que descobrimos não ser legal; neste caso, tratamos de fazer as correções que consideramos convenientes.

• É sempre bom parar e dar uma olhada panorâmica, a fim de vermos se o que temos feito até ali apresenta fortes indícios daquilo que queremos alcançar. Somos tomados por uma sensação prazerosa ao perceber que aquilo que já conseguimos indica, por exemplo, a formação de

Ampliando o seu conhecimento. Procure saber mais sobre as vidas e as obras de Fermat e Wiles, particularmente sobre O Último Teorema de Fermat. Para começo desta viagem, sugerimos visitar a enciclopédia virtual Wikipedia, no endereço www.wikipedia.org. Além disso, vale a pena ler o livro “O Último Teorema de Fermat” de autoria de Simon Singh, publicado no Brasil em 1998 pela Editora Record.

Ampliando o seu conhecimento...

Page 24: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

182

partes de corpos, porções de um jardim, picos de montanhas por detrás e por cima das quais já vislumbramos o sol a espraiar seus raios em um céu azulado etc.

• Aí, mais uma daquelas paradinhas, e mãos à obra, para, minutos, horas, quem sabe, dias depois, termos as peças enlaçadas de modo harmônico, enchendo de brilho de satisfação o nosso olhar diante de uma obra construída com doses equilibradas de racionalidade e intuição.

Uma vez composto o quebra-cabeça, será que nos desfazemos dele imediatamente? É quase certo

que não, o deixamos ali e a ele voltamos para, admirando-o, reviver o ato da construção: Qual porção nos deu mais trabalho? Qual surgiu com mais facilidade? Qual porção foi geradora imediata de várias outras?

Informalmente falando, é deste modo que se dá a construção de uma demonstração em Matemática,

objeto de trabalho nesta seção. Esperamos, com a presente abordagem, contribuir para que você compreenda estruturas e funcionamento de demonstrações, mas, mais que isso, torne-se capaz de construí-las com autonomia.

Pois bem, agora, apropriemo-nos mais formalmente de alguns conceitos e nomes. Teorema é o nome que os matemáticos dão a um texto que serve de resposta definitiva a alguma

indagação que é feita no universo matemático. Nesta resposta, há condições que conduzem a um fato bem definido. Essas condições recebem a denominação de hipóteses do teorema e o fato bem definido é a tese deste.

Normalmente, nas hipóteses e na tese são encontradas variáveis livres que ali representam,

genericamente, objetos do universo de discurso do teorema. Quando substituímos tais variáveis por valores particulares obtemos o que se chama uma instância do teorema.

Uma afirmação com “jeito” de teorema é de fato um teorema quando se mostra válida para toda e

qualquer instância sua. Quando, para alguma instância, a validade é quebrada, estamos diante de algo que tem apenas jeito de teorema, mas não é um teorema. Neste caso, aquela instância é chamada um contra-exemplo para aquela afirmação.

3.1.1 Teoremas cujas conclusões são do tipo P Q→

Consideremos o seguinte teorema: “Suponha que x e y sejam números reais quaisquer

satisfazendo 5x > e 2y < . Então, 2 3 19x y− > ”. No teorema acima, o universo de discurso é o conjunto dos números reais. Como hipóteses, temos

“ x e y são números reais tais que 5x > e 2y < ”. A tese do teorema é “ 2 3 19x y− > ". Ao substituir, a título de ilustração, x por 7 e y por 4− , vemos que

27 3( 4) 49 12 61 19− − = + = > . Ou seja, temos aqui uma instância do teorema: “Como 7 5> e 4 2− < , então 27 3( 4) 19− − > ”.

Atenção! Não confunda uma instância de um teorema com a prova deste. A prova só estará

realizada quando mostrarmos que a afirmação aplica-se a toda e qualquer instância dele. Aqui vai um desafio para você: construa uma prova para o teorema acima. Compare o que você fez

aqui com aquilo fará, nesta mesma tarefa, depois de ter estudado demonstrações em que a conclusão é do tipo P Q→ .

Mais uma tarefa. Mostre, por meio de um contra-exemplo, que a proposição “Se x e y são

números reais quaisquer, sendo 5x > , então 2 3 19x y− > ” não é um teorema. Agora, vejamos com mais detalhes como responder à pergunta: O que fazer para demonstrar um

teorema em que a conclusão é do tipo P Q→ ?

Page 25: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

183

Uma primeira providência é admitir que P seja verdadeira, o que equivale a acrescentar P ao nosso conjunto de hipóteses. Feito isto, partimos para provar que Q é verdadeira. Observe que, com isto, alteramos o conjunto inicial de hipóteses mas não modificamos a lógica dos nossos objetivos. Explicitamente, inicialmente tínhamos de provar P Q→ , ao passo que agora a conclusão a que queremos chegar é Q .

Vale salientar que este procedimento tem como finalidade principal enriquecer o nosso conjunto de

hipóteses que, esperamos, faça com o que a demonstração flua mais naturalmente. Mas, observemos que isto não encerra a demonstração; gera, na verdade, um novo problema que, provavelmente, seja menos complexo do que o original.

É também oportuno ressaltar que não é comum que uma demonstração seja feita de um só fôlego,

nem que uma técnica sozinha dê conta do recado. Normalmente, começamos com um esboço que inclui o recurso a fatos matemáticos que não constam do rol de hipóteses do teorema, além de, às vezes, ser necessário trazer à cena outras técnicas.

O conjunto resultante da agregação de novas hipóteses ao conjunto de hipóteses iniciais recebe a

denominação de dados, enquanto a conclusão, que nesse processo resta ser provada, é chamada meta. Façamos uma aplicação disto que acabamos de teorizar. Teorema 3.1.1-1 Considere que x e y sejam números reais positivos. Se x y> , então 2 2x y> . Esboço de demonstração Comecemos por fazer uma radiografia do teorema em questão. Aqui, temos como hipótese que x e

y são números reais. A nossa conclusão é do tipo P Q→ em que : 0P x y> > e 2 2:Q x y> . A fim de organizar o pensamento, recorramos à seguinte tabela, que chamaremos quadro

organizador do pensamento, e refletirá a situação inicial do processo de demonstração:

Dados Meta x e y são números reais positivos 2 2( ) ( )x y x y> → >

De acordo com o que discutimos anteriormente, deveremos considerar x y> como um fato

(acrescentando-o à nossa lista de hipóteses) e, partir daí, tentar provar que 2 2.x y> Isto implica que o nosso quadro inicial agora se altera para o seguinte:

Dados Meta

x e y são números reais positivosx y>

2 2x y>

É chegada a hora de pôr a mão na massa, ou melhor, nos dados. Partamos, pois, para articular os

dados a fim de chegarmos à meta: Iniciamos por identificar algum “parentesco” entre os dados. Pois bem, ao comparar as

desigualdades x y> e 2 2x y> , somos levados a imaginar que a multiplicação da primeira delas por x ou por y parece nos aproximar da meta. De fato, teremos x x x y⋅ > ⋅ ou x y y y⋅ > ⋅ , isto é, 2x x y> ⋅ ou

2x y y⋅ > . (Por que o sentido destas desigualdades não se altera?) Agora, basta observar que 2 2y x y x< ⋅ < para concluir que, em qualquer um dos dois casos acima, teremos: 2 2x y> , que é a nossa meta.

O que fizemos acima foi um esboço descritivo (explicitação das entrelinhas) da demonstração do

teorema. A demonstração propriamente dita, segundo os padrões dos matemáticos profissionais, é normalmente composta por um texto “enxuto”, ou seja, que deixa implícitas as entrelinhas.

Como ilustração, apresentamos a seguir o que vem a ser uma demonstração do teorema 3.1.1-1.

Page 26: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

184

Demonstração Suponhamos que x e y sejam números reais positivos quaisquer satisfazendo x y> . Ao

multiplicar a desigualdade x y> pelo número positivo x , obteremos 2x x y> ⋅ ; fazendo o mesmo, agora com y , chegaremos a 2x y y⋅ > . Ou seja, 2 2y x y x< ⋅ < , o que nos dá 2 2y x< , que é o mesmo que

2 2x y> , a nossa meta. De uma maneira geral, a estratégia adotada acima pode ser estruturada da seguinte maneira. Para provar uma meta do tipo P Q→ , admita que P seja verdadeira e então prove que Q é

verdadeira. Um esboço da demonstração assume, inicialmente

(antes de usar a estratégia), a seguinte forma: Depois da estratégia, o quadro organizador

torna-se: Nesta altura dos acontecimentos, mobilizamos o nosso repertório de fatos matemáticos para tirar o

melhor proveito das interconexões dos dados (hipóteses + P ), a fim de alcançar a meta, Q . Em suma, tendo admitido que P é verdadeira e provado que a sentença Q também o é equivale a

ter provado que P Q→ é verdadeira, a conclusão do teorema. Uma abordagem alternativa Às vezes, torna-se difícil ou trabalhoso demonstrar diretamente um teorema cuja conclusão é do tipo

P Q→ segundo a estratégia que acabamos de ver. Quando isto ocorre, mantemos a estratégia, mas optamos por uma demonstração indireta. Mais explicitamente, uma iniciativa que se mostra bastante conveniente é recorrer ao fato de que a sentença P Q→ é equivalente à sua contrapositiva, Q P¬ →¬ .

Em tais situações, admitimos que a sentença Q seja falsa, isto é, que a sentença Q¬ seja

verdadeira, procedemos à incorporação dela às hipóteses iniciais, e isto faz com que a nossa meta passe a ser provar que a sentença P é falsa, ou seja, que a sentença P¬ é verdadeira. Os dois primeiros quadros organizadores do pensamento assumem a seguinte configuração:

Antes da estratégia Dados Meta

Hipóteses P Q→ Depois da estratégia

Dados MetaHipóteses

Q¬ P¬

Façamos agora uma aplicação desta abordagem alternativa. Teorema 3.1.1-2 Suponha que x , y e z sejam números reais satisfazendo à relação x y> . Prove que se xz yz≤ ,

então 0z ≤ .

Nota digna de destaque. Procure identificar quais diferenças há entre o esboço da demonstração do teorema 3.1.1-1 e a demonstração do mesmo. Achamos oportuno chamar a sua atenção para uma diferença fundamental entre um e a outra, a saber: o esboço é caracterizado por explicações de como o raciocínio da demonstração é desenvolvido, ou seja, trata-se de um conjunto de ações essencialmente psicológicas; enquanto isto, a demonstração propriamente dita é marcada pela reunião de justificativas técnicas para as conclusões (inferências), isto é, trata-se da realização de atos essencialmente matemáticos. Estas observações extrapolam o caso particular aqui estudado, são características válidas em geral.

Dados Meta Hipóteses P Q→

Dados Meta Hipóteses

P Q

Page 27: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

185

Esboço de demonstração Aqui, consideremos : ( )P xz yz→ e : ( 0)Q z ≤ . Deste modo, chegamos ao seguinte quadro: Quadro 1, antes da estratégia

Dados Meta x , y e z são números reaisx y> ( ) ( 0)xz yz z≤ → ≤

Observemos que a contrapositiva da meta é ( 0) ( )z xz yz¬ ≤ →¬ ≤ , ou seja, ( 0) ( )z xz yz> → > ,

que é equivalente a ( ) ( 0)xz yz z≤ → ≤ . Assim, obtemos o seguinte quadro: Quadro 2, antes da estratégia

Dados Meta x , y e z são números reaisx y> ( 0) ( )z xz yz> → >

A meta que temos agora é ( 0) ( )z xz yz> → > , ou seja, Q P¬ →¬ . Assim, para aplicar a

estratégia que escolhemos para estes casos, admitamos que a sentença Q¬ seja verdadeira, isto é, que a sentença 0z > seja verdadeira. Incorporando-a ao conjunto de hipóteses, a meta torna-se ( )xz yz> e o próximo quadro organizador do pensamento assume a seguinte configuração:

Quadro 3, depois da estratégia

Dados Meta x , y e z são números reaisx y>

0z >

xz yz>

Demonstração A demonstração pode, então, ser redigida da seguinte forma: Por conveniência, adotaremos a estratégia que apela para a contrapositiva da conclusão do teorema.

Assim, suponhamos, por hipótese, que 0z > . Multiplicando ambos os membros da desigualdade x y> pelo número positivo z , vamos obter xz yz> . Portanto, concluímos que se xz yz≤ então 0z ≤ .

A seguir, convidamos você a fazer uma crítica utilizando o que acaba de ver sobre demonstrações

que envolvem conclusões do tipo P Q→ . Considere o seguinte teorema: Teorema 3.1.1-3

Suponha que x seja um número real diferente de 5 . Se 7 3 6

5x

x+

=−

, então 33x = − .

Você concorda que o que apresentamos a seguir seja uma demonstração deste teorema? Justifique a sua resposta.

“Tome 33x = − . Então, teremos: 7 3 7( 33) 3 228 6

5 33 5 38x

x+ − + −

= = =− − − −

. Logo, se 7 3 6

5x

x+

=−

, então 33x = − ”.

Caso tenha discordado, apresente uma demonstração do teorema 3.1-3. Exercícios 3.1.1-1 1. Em cada situação seguinte, identifique a hipótese e a conclusão.

Page 28: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

186

a) A soma dos quadrados dos n primeiros números naturais é ( 1)(2 1)

6n n n+ +

.

b) Considere que C seja um círculo, 1P e 2P sejam os pontos extremos de um diâmetro qualquer de C . Se 1r e 2r são retas tangentes a C nos pontos 1P e 2P , então 1r e 2r são paralelas.

c) Considere que a , b e c sejam números reais. Se 0a < , 0b < e 2 4 0b ac− = , então a única solução da equação 2 0ax bx c+ + = é negativa.

d) Se a e b são números reais não-negativos, então a média aritmética deles não é menor do que a sua média geométrica.

e) Se :f A B→ e :g B C→ são funções bijetivas, então a função :g f A C→ é bijetiva. f) Se :f A B→ é uma função bijetiva, então 1( )( )f f x x− = , para todo x A∈ e

1( )( )f f y y− = , para todo y B∈ . 2. Demonstre as proposições b), c), d), e) e f) da questão anterior.

3.1.2 Teoremas cujas conclusões são do tipo P Q↔ Como já vimos, o conectivo “se, e somente se” é caracterizado por uma sentença bicondicional, ou

seja, do tipo P Q↔ . Esta, por sua vez, é equivalente a ( ) ( )P Q Q P→ ∧ → . Logo, para realizar a demonstração de um teorema cuja conclusão seja do tipo em questão, basta que apliquemos, separadamente, a estratégia adotada na seção 3.1-1 às sentenças P Q→ e Q P→ .

Vejamos um caso ilustrativo. Teorema 3.1.2-1 Considere que A e B sejam conjuntos. Nestas condições, A B A∪ = se, e somente se, B A⊆ . Esboço de demonstração Primeiramente, mostraremos que “se B A⊆ , então A B A∪ = ”. Feito isto, provaremos que “se

A B A∪ = , então B A⊆ ”. Observemos que a prova de “se B A⊆ , então A B A∪ = ” requer que mostremos serem

verdadeiras as afirmações: “se B A⊆ , então A B A∪ ⊆ ” e “se B A⊆ , então A A B⊆ ∪ ”. Para provar a sentença “se B A⊆ , então A B A∪ ⊆ ”, suponhamos que B A⊆ e tomemos

x A B∈ ∪ . Sendo assim, x A∈ ou x B∈ . Se x A∈ , a prova está realizada. Se x B∈ , temos que x A∈ pois, por hipótese, B A⊆ .

Agora, provemos que “se B A⊆ , então A A B⊆ ∪ ”. Para tanto, suponhamos que B A⊆ e tomemos x A∈ . Ora, mas isto significa que x A B∈ ∪ . Ou seja, A A B⊆ ∪ .

Nos dois parágrafos acima está a prova de que “se B A⊆ , então A B A∪ = ”. Resta mostrar que “se A B A∪ = , então B A⊆ ”. Para isto, suponhamos que A B A∪ = , para

chegar a B A⊆ . Tomando x B∈ , obtemos x A B∈ ∪ . Ora, mas, por hipótese, A B A∪ = , o que implica x A∈ , que é aonde queríamos chegar.

3.1.3 Demonstração por contradição (ou redução a um absurdo)

Esta situação, corriqueira no cotidiano de quem faz Matemática, consiste em manter todas as

hipóteses do teorema e acrescentar a elas uma suposição “estranha” mas providencial, qual seja: admitir que diante das condições dadas pelo teorema, a conclusão por ele anunciada é falsa. Se tal suposição nos conduz a uma contradição (absurdo), esta foi gerada pela negação da conclusão que foi acrescentada ao conjunto de hipóteses do teorema. Portanto, o que é falso é a nossa “estranha” suposição, implicando na veracidade da conclusão do teorema.

O teorema seguinte constitui um caso clássico entre aqueles cuja demonstração pode ser feita por

redução a um absurdo.

Page 29: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

187

Teorema 3.1.3-1 O número 2 não é racional. Demonstração A demonstração será feita por redução a um absurdo. Comecemos, pois, negando a conclusão do

teorema, ou seja, vamos supor que 2 seja um número racional. Nossa expectativa é que esta suposição leve-nos a uma contradição. Vamos lá!

Admitindo que 2 é um racional, existem números inteiros, p e q , tais que 2 pq

= . Por razões

de simplificação, suponhamos que a fração pq

já esteja no modo irredutível ( p e q são primos entre si). Da

igualdade 2 pq

= , vem: 2q p= , ou seja, 2 22q p= . Isto significa que o número 2p é par. Sendo assim,

p é também um número par. Logo, existe algum inteiro n de modo que 2p n= , implicando 2 24p n= . Assim, obtemos: 2 22 4q n= , ou seja, 2 22q n= , evidenciando que o número 2q é par. Sendo 2q um número par, o mesmo acontece o número q . Daí e do que obtivemos logo acima, vemos que os números p e q são pares e, portanto, admitem (pelo menos) um divisor comum: o número 2 . Mas, entra em choque com o fato de termos admitido que p e q são primos entre si. Esta contradição nasceu da negação da

conclusão do teorema. Portanto, o número 2 não pode ser um racional, e a demonstração está concluída. Mais uma aplicação Agora, considere o teorema abaixo e um esboço da demonstração dele, apresentada logo em seguida. Teorema 3.1.3-2 Suponha que A C B∩ ⊆ e a C∈ . Prove que ( )a A B∉ − . Esboço de demonstração

Dados Meta A C B∩ ⊆ ( )a A B∉ −a C∈

Observemos que a meta é uma sentença constituída de uma negatividade, isto é, refere-se a algo que deixa de

acontecer ( a não está em ( )A B− ). Vamos substituí-la por uma sentença marcada por uma positividade, ou seja, que expresse algo que acontece. Indo ao nosso repertório de sentenças equivalentes, vamos encontrar:

( )a A B∉ − ≡ ( ) ( ) ( )a A a B a A a B¬ ∈ ∧ ∉ ≡ ∈ → ∈ Assim, podemos substituir a meta ( )a A B∉ − pela

sentença ( ) ( )a A a B∈ → ∈ , e o próximo quadro assume o aspecto seguinte:

No passo seguinte, o quadro torna-se: Trabalhando com os dados do quadro ao lado, vemos

que eles são incompatíveis e, portanto, levam a uma contradição, que é a nossa meta. Isto significa que não pode ocorrer ( )a A a B∈ ∧ ∉ , que equivale à sentença ( )a A B∈ − . Portanto, o que de fato ocorre é ( )a A B∉ − , que é aonde queríamos chegar.

Fica para você a tarefa de redigir uma demonstração para o teorema 3.1.3-2, assim como praticar um

exercício mental com as seguintes questões. Exercícios 3.1.3-1 1. Ao aplicar a técnica de demonstração por contradição às seguintes proposições, como

você redigiria o começo da demonstração? Mais explicitamente, começaria negando o quê?

Dados MetaA C B∩ ⊆ a B∈ a C∈ a A∈

Dados MetaA C B∩ ⊆ Contradiçãoa C∈ a A∈ a B∉

Page 30: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

188

a) Se A é uma matriz não-invertível, então as colunas de A não são linearmente independentes. b) Suponha que certos conjuntos 1C , 2C e 3C satisfaçam às relações 1 3C C⊆ , 1 2C C∩ = Φ .

Nestas condições, se 1a C∈ , então 2a C∉ . c) Considere que :f A B→ seja uma função injetiva. Nestas condições, para quaisquer que sejam

1a , 2a A∈ , tais que 1 2( ) ( )f a f a= , então 1 2a a= . 2. Finalizando, pela técnica de demonstração por contradição, uma prova para a sentença

P Q→ , Augusto escreveu: “... e, assim, a demonstração está concluída, pois mostramos que P é falsa”. Você concorda com Augusto? Justifique sua resposta.

3. Por redução a um absurdo, prove que se m é um inteiro e 2m é par, então m é par. 4. Por redução a um absurdo, prove que se n é um inteiro e 2n é ímpar, então m é ímpar. Uma pequena observação relacionada com o mundo dos signos e códigos, que, em suma, são objetos

destes nossos estudos. É comum encontrarmos ao final da demonstração de um teorema as seguintes inscrições: ‘(qed)’ ou ‘(cqd)’. A primeira representa o conjunto das letras iniciais da expressão latina “quod erat demonstrandum”; a segunda representa, em Português, a expressão “como queríamos demonstrar”, equivalente à expressão latina representada por “qed”. São uma espécie de declaração de regozijo diante de um desafio que acaba de ser vencido.

Na plataforma moodle, apresentamos material teórico e exercícios de consolidação que complementam a abordagem feita aqui sobre demonstração em Matemática.

No Moodle...

Narrativa escrita em Matemática: algumas recomendações.

Esperamos que você já tenha percebido que uma das mais importantes tarefas de um estudante de Matemática é a de ser um comunicador de fatos matemáticos. Como já descrevemos, a disciplina Argumentação em Matemática tem por finalidade principal prover condições teóricas com as quais você desenvolverá uma prática de compreensão e elaboração de narrativas em Matemática, o que implica convocá-lo(a) a assumir, efetiva e permanentemente, as funções de leitor e redator de textos matemáticos.

Pensando que tão importante quanto o que você tem a comunicar é a forma como o faz, resolvemos apresentar aqui algumas dicas que, segundo nossa expectativa, o(a) ajudarão a fundir estes dois aspectos mutuamente complementares de um ato comunicativo. Estão voltadas mais enfaticamente à redação de demonstrações em Matemática. Vamos a elas, pois!

Procure sempre deixar suficientemente claro, para você mesmo(a) e para o leitor, o que representa cada conjunto de símbolos que você adota. Este cuidado tem ligação direta com a construção de significados em Matemática.

Evite cometer ambigüidades no uso da notação: em uma demonstração nunca use um símbolo para representar mais de um objeto.

Siga à risca as normas gramaticais, especialmente no que diz respeito à composição de frases: sujeito, verbo e predicado têm presença obrigatória nelas.

Evite iniciar uma frase com um símbolo próprio da Lógica ou da Matemática, pois isto pode criar situações embaraçosas, além de comprometer o valor estético da frase. Qual das frases você acha mais inteligível e apresentável: “ ,x y A∀ ∈ , tem-se: x y≤ ” ou “Para quaisquer x e y do conjunto A , tem-se: x y≤ ”?

Procure fazer uma combinação equilibrada de símbolos e palavras. Não “esconda o leite”: diga de onde vai partir e aonde pretende chegar; de onde provém algum

fato que está usando, se é conseqüência de algum teorema etc. Explicite qual técnica de demonstração está usando.

Para atender ao item anterior, às vezes você não precisa fazer referência direta à técnica que está sendo usada, uma vez que certas expressões da nossa língua se encarregam de fazê-lo. É, por exemplo, o caso da expressão “Admitamos que a sentença Q seja falsa”, quando você está querendo demonstrar algo do tipo P Q→ . Esta expressão indica fortemente que ali está em curso um processo de demonstração por redução a um absurdo.

Sempre que as circunstâncias permitam, compartilhe a solução encontrada com alguém em quem você deposita confiança para o estabelecimento de uma parceria dessas.

Page 31: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

189

Unidade IV Indução Matemática 1. Situando a Temática

Temos sido insistentes em mantê-lo(a) atento(a) às relações que há entre objetos matemáticos e suas

várias formas de representação. Ao lado desta observação merece destaque o modo como é conduzido o raciocínio matemático quando estão em jogo a construção de significados, a elaboração de hipóteses assim como a obtenção de conclusões. Vista como parte do patrimônio cultural da humanidade, a Matemática mantém com outros ramos do saber vínculos que variam em grau no que diz respeito à sua estrutura e ao seu funcionamento. Estas organizações estruturais e funcionais estão intimamente ligadas à maneira como são conduzidos os raciocínios na urdidura e no fazer de cada área do conhecimento. Assim, por exemplo, a Matemática, no que tange aos parâmetros ‘estrutura’ e ‘funcionamento’, muito se parece com certas áreas do saber, enquanto de outras dessemelha-se.

Grosso modo, diríamos que há três categorias de raciocínio: raciocínio por analogia, raciocínio dedutivo (ou, simplesmente, dedução) e raciocínio indutivo (ou, simplesmente, indução). Como a própria denominação já anuncia, no raciocínio por analogia, situações semelhantes são consideradas fontes de efeitos semelhantes. Um exemplo marcante disto é o que acontece em grande parte das pesquisas biológicas visando à descoberta de cura para doenças em seres humanos, a partir da observação do que se passa em cobaias.

Já o ponto forte da indução é a repetição exaustiva (observação de uma quantidade razoavelmente grande), feita com uma instância do fenômeno como suporte para elaboração de uma generalização. Para ilustrar este tipo de raciocínio, consideremos o caso do nascer e do pôr do sol: esta ocorrência assumiu o status de uma regularidade astronômica que, por mais nublado que esteja o tempo, nem de longe nos ocorre imaginar que, por exemplo, a alegre algazarra de pardais e andorinhas não seja sinal de que, naquele momento, está em curso mais um de infinitos arrebóis.

Nos dois casos acima mencionados, a condução das experiências não pode prescindir do concurso dos aparatos anatomofisiológico e sensorial dos humanos. Além disso, apesar de marcados por premissas muito fortes, estas não garantem que as conclusões até então observadas ocorrerão haja o que houver. Estes dois aspectos, característicos no raciocínio por analogia e da indução, não são o traço fundamental do raciocínio dedutivo, o forte de uma atividade de cunho eminentemente matemático. Este se caracteriza pela assunção de certos fatos aceitos sem questionamento a partir dos quais são produzidas conseqüências verdadeiras. Entretanto, tal correlação de confiabilidade não se realiza de modo aleatório: tanto as premissas como as conclusões devem seguir cláusulas de reconhecido rigor.

O conhecido fato que a área de um retângulo de lados cujos comprimentos são 1l e 2l é dada pelo produto 1 2l l⋅ não poderia ser estabelecido a partir de intermináveis medições realizadas em uma quantidade infinita de tais retângulos. Chega-se a ela através de uma combinação de premissas e de outros fatos, a ela relacionados, que não levam em conta, por exemplo, a acuidade visual de quem está com a tarefa de obter a área em questão. O raciocínio dedutivo vale-se dos nossos conhecidos cinco sentidos, mas não se esgota neles; cria e trata rigorosamente de situações que não possuem correspondentes no mundo físico. Aliás, faz surgirem outros mundos, dá-lhes significados específicos.

Vale salientar, porém, que na prática as coisas não se dão de modo estanque, ou seja, apesar da prevalência do raciocínio dedutivo na exploração do universo matemático, as atividades neste âmbito são realizadas por uma mescla dessas três formas de organização do pensamento.

2. Problematizando a Temática

Convidado a provar que a soma dos n primeiros números naturais ímpares é dada por 2n , por onde

você começaria? Muito provavelmente, procuraria verificar que a anunciada regularidade acontece para alguns casos particulares, instâncias da proposição:

Para os dois primeiros ( 2)n = , veria que 21 3 4 2+ = = ; Para os três primeiros ( 3)n = , observaria que 21 3 5 9 3+ + = = ; Para os quatro primeiros ( 4)n = , veria acontecer 21 3 5 7 16 4+ + + = = ; E, assim por diante. Ou seja, 21 3 5 7 ... (2 3) (2 1)n n n+ + + + + − + − = . Como provar isto? Dá para perceber que você está diante de um problema que envolve uma propriedade que diz

respeito a todos os elementos de um subconjunto infinito do conjunto dos números naturais, e, por uma limitação essencial da nossa arquitetura biopsicológica em relação ao infinito, não pode ser verificada caso a

Page 32: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

190

caso. Você tem, portanto, de domar o infinito, ou, no dizer do poeta William Blake, deter o infinito na palma da mão. É este o tema da Unidade IV.

Trata-se de um tipo de demonstração, essencialmente dedutivo, mas que tem na sua base uma proposição cujo nome parece estar em desacordo com os procedimentos da dedução: O Princípio de Indução Finita. Mas, o desacordo pára por aí: fica apenas no nível da aparência.

3. Conhecendo a Temática 3.1 O Princípio de Indução Finita (ou Princípio de Indução Matemática)

Na abertura da Unidade IV deste texto (os números primos de Fermat), vimos que a verificação que

uma dada afirmação acerca de números naturais é válida para todo o conjunto destes números, tomando por base uma regularidade evidenciada somente através de exemplos, não constitui um método seguro de prova. Para ajudar a consolidar esta observação, consideremos um caso apresentado por Daepp & Gorkin (Daepp, 2003, p. 207): provocados a demonstrar que, “se n é um número natural qualquer, então o número

2 41n n+ + é primo”, certamente começaríamos a tarefa vendo se a afirmação se sustenta para uma quantidade razoável de casos. Representemos por ( )f n a sentença “ 2 41n n+ + é primo”. Assim, encontraríamos:

• 2(1) 1 1 41 43f = + + = , que é um número primo. • 2(2) 2 2 41 47f = + + = , que é primo. • 2(3) 3 3 41 53f = + + = , que é primo. • 2(4) 4 4 41 61f = + + = , que é primo.

Continuaríamos, nesse ritmo, obtendo números primos até o passo 39n = . Então, no quadragésimo passo, a falácia se descortinaria diante de nós, com a obtenção do número 2(40) 40 40 41 1681f = + + = , que é o quadrado de 41 e, portanto, não é um número primo.

Para superar desafios como os apresentados por afirmações, do tipo ( )P n , que são feitas acerca dos elementos de subconjuntos infinitos do conjunto de números naturais, a Matemática vale-se do Princípio de Indução Finita, que, em essência, consiste no seguinte: Para provar que uma afirmação ( )P n é válida para qualquer número natural n , basta:

1. Mostrar que a afirmação é válida para 1n = , isto é, que (1)P é verdadeira, e 2. Mostrar que sempre que a afirmação for verdadeira para um natural qualquer k , ela será

verdadeira para o natural seguinte, ou seja, será verdadeira para o número natural 1k + . Na prática, o que se passa é o seguinte: tendo verificado a veracidade da afirmação para 1n = , o

passo 2, acima, garante que ela é válida para 2n = . Reaplicando o passo 2, obtemos a validade da afirmação para 3n = , e, assim por diante, estendendo-se para todo e qualquer número natural.

Um enunciado formal para o Princípio de Indução Finita é: Teorema 3.1-1 O Princípio de Indução Finita Considere que ( )P n seja uma afirmação acerca de um número natural n . Suponhamos que: 1) (Passo Básico) (1)P seja verdadeira, e 2) (Passo de Indução) Para cada natural k , se ( )P k é verdadeira, então ( 1)P k + é verdadeira. Nestas condições, a afirmação ( )P n é verdadeira para todo número natural n .

Alerta Geral!! É muito comum cometerem-se erros na interpretação do passo de indução do Princípio de Indução Finita. O de maior ocorrência é confundi-lo com a conclusão, propriamente dita, do Princípio. Observe que se trata de uma sentença implicativa, dizendo que se a afirmação ( )P n é verdadeira para n k= , então ( )P n é verdadeira para 1n k= + . Portanto, o passo de indução não afirma que ( )P n é verdadeira para todo natural n . No passo de indução, o antecedente, ( )P n é verdadeira para n k= , é chamado hipótese de indução.

Page 33: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

191

Um comentário Este teorema pode ser demonstrado usando o fato do conjunto dos números naturais ser bem-ordenado. Trata-se de uma noção que escapa aos objetivos desta disciplina, mas, certamente, você será apresentado a ela em disciplinas posteriores, tais como Fundamentos de Matemática ou Matemática Elementar. Aguarde! Ponhamos o Princípio de Indução Finita à nossa disposição, para a realização de algumas tarefas

matemáticas. Exemplo 3.1-1 Use o Princípio de Indução Finita, para provar que a soma dos n primeiros números naturais é dada

por ( 1)

2n n +

.

Uma solução Em símbolos do registro da Matemática, o que temos de provar é:

( 1)1 2 3 4 ... ( 2) ( 1)2

n nn n n ++ + + + + − + − + = .

Representando por ( )P n a sentença ( 1)1 2 3 4 ... ( 2) ( 1)

2n nn n n +

+ + + + + − + − + = , vem:

Verificação do Passo Básico

Como 1(1 1)1

2+

= , constatamos que (1)P é verdadeira.

Verificação do Passo de Indução Seguindo o alerta lançado logo ali atrás, vamos admitir como verdadeira a hipótese de indução, a

saber: ( )P k é verdadeira, para, em seguida, mostrar que ( 1)P k + é verdadeira. Ou seja, vamos partir de ( 1)1 2 3 4 ... ( 2) ( 1)

2k kk k k +

+ + + + + − + − + = , para tentar chegar a

( 1)[( 1) 1][1 2 3 4 ... ( 2) ( 1) ] ( 1)2

k kk k k k + + ++ + + + + − + − + + + = .

Vejamos se isto acontece. Ora, usando a hipótese de indução, vemos que: ( 1)[1 2 3 4 ... ( 2) ( 1) ] ( 1) [ ] ( 1)

2k kk k k k k+

+ + + + + − + − + + + = + + . Ou,

( 1) 2( 1)[1 2 3 4 ... ( 2) ( 1) ] ( 1)2

k k kk k k k + + ++ + + + + − + − + + + = . Ou,

( 1)( 2)[1 2 3 4 ... ( 2) ( 1) ] ( 1)2

k kk k k k + ++ + + + + − + − + + + = . Ou,

( 1)[( 1) 1][1 2 3 4 ... ( 2) ( 1) ] ( 1)2

k kk k k k + + ++ + + + + − + − + + + = , que é justamente ( 1)P k + ,

aonde queríamos chegar. Com isto, verificamos que a afirmação com que estamos lidando satisfaz aos dois passos do Princípio de Indução Finita e, assim, é verdadeira para todo número natural n . (c.q.d.)

Exemplo 3.1-2 Usando indução matemática, prove que, para todo número natural n , o número 4 1n − é múltiplo de

3 . Uma solução Aqui, vale a pena transcrever para o âmbito das representações simbólicas o que significa dizer que o

número 4 1n − é múltiplo de 3 : existe um número natural p tal que 4 1 3n p− = .

Um lampejo de criatividade. Procure descobrir o que o matemático alemão Karl Friedrich Gauss tem a ver com um caso particular da fórmula que acabamos de provar. Mais explicitamente, o que ele, ainda criança, fez para obter o resultado da adição 1 2 3 4 ... 97 98 99 100+ + + + + + + + ?

Page 34: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

192

Representemos por ( )P n a sentença “ 4 1n − é múltiplo de 3 ”. Vamos à verificação dos dois passos do Princípio de Indução Finita.

Verificação do Passo Básico Como 14 1 3− = , constatamos que (1)P é verdadeira. Verificação do Passo de Indução Aqui, devemos considerar que a hipótese de indução é verdadeira, isto é, que ( )P k é verdadeira,

para, em seguida, ver se isto nos leva à veracidade de ( 1)P k + . Falando mais diretamente, vamos admitir que o número 4 1k − seja múltiplo de 3 , para, na seqüência, verificar se isto implica que o número 14 1k+ − é múltiplo de 3 .

Assim, admitindo que 4 1k − seja múltiplo de 3 , então existe um número natural q para o qual acontece 4 1 3k q− = . Assumindo isto, vejamos o que acontece com o número 14 1k+ − .

Ora,

14 1 (4 4) 1 4 4 1 (3 4 4 ) 1 3 4 (4 1)k k k k k k k+ − = ⋅ − = ⋅ − = ⋅ + − = ⋅ + − . Mas, pela hipótese de indução, temos: 4 1 3k q− = . Daí, a cadeia de igualdades acima, nos fornece:

14 1 3 4 (4 1) 3 4 3 3(4 )k k k k kq q+ − = ⋅ + − = ⋅ + = + , que é um múltiplo de 3 . Chegamos, assim, à conclusão que 14 1k+ − é um múltiplo de 3 . Isto mostra que a afirmação com que estamos trabalhando satisfaz ao Princípio de Indução Finita, e, desse modo, fica provado que ela é verdadeira para todo número natural. (c.q.d.)

Exemplo 3.1-3 Use o Princípio de Indução Finita, para demonstrar que, para todo número natural positivo n , vale a

desigualdade 2nn < . Uma solução Representemos por ( )P n a sentença “ 2nn < ”. Sigamos em busca da verificação dos dois passos do

Princípio de Indução Finita. Verificação do Passo Básico Observemos que 11 2< . Isto significa que (1)P é verdadeira. Verificação do Passo de Indução A esta altura, vamos considerar verdadeira a hipótese de indução, isto é, que ( )P k é verdadeira,

para, com isto, averiguar se ( 1)P k + é verdadeira. Mais formalmente, o que queremos é partir da suposição que 2kk < , para obter 11 2kk ++ < . Vamos ao trabalho, então.

Ora, 1 2 1kk + < + , porque, pela hipótese de indução, 2kk < . Agora, observando que, sendo k um natural positivo, 1 2k< , temos:

11 2 1 2 2 2 2 2k k k k kk ++ < + < + = ⋅ = , ou seja, 11 2kk ++ < , o que queríamos obter nesta etapa. Como a afirmação com que estamos trabalhando satisfaz ao Princípio de Indução Finita, ela é

verdadeira para todo natural n . (q.e.d.) Uma observação Pela formulação do teorema 3.1-1 e pelos exemplos apresentados até agora, você pode ser induzido a

achar que o passo básico consiste sempre da verificação da veracidade da sentença (1)P . Abrimos este espaço para dizer que nem sempre é assim que procedemos para verificar o referido passo. Tudo depende do enunciado da afirmação que pretendemos provar com o uso do Princípio de Indução Finita. Explicitando, se m é o menor dos números naturais a que a afirmação se refere, no passo básico, o que devemos examinar é a veracidade da sentença ( )P m . Vejamos isto no seguinte exemplo.

Exemplo 3.1-4 Usando o Princípio de Indução Finita, mostre que, para todo número natural 4n > , vale 22n n> . Uma solução Representemos por ( )P n a sentença 22n n> , e observemos que o menor número natural a que a

afirmação se refere é 5 . Assim, no passo básico, temos de checar se (5)P é verdadeira. Verificação do passo básico

Page 35: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

193

Como 5 22 5> , fica constatada a veracidade de (5)P . Verificação do passo de indução Admitamos que ( )P k seja verdadeira, isto é, 22k k> é verdadeira, para, em seguida, checar a

veracidade de ( 1)P k + , ou seja: Será que 1 22 ( 1)k k+ > + é verdadeira? Façamos isto, pois. Ora, 12 2 2k k+ = ⋅ . Pela hipótese de indução, 22k k> e, assim, temos:

1 2 2 22 2 2 2k k k k k+ = ⋅ > = + . Agora, como 5k ≥ então 2 5k k k k= ⋅ ≥ , o que conduz a:

1 2 2 2 22 2 2 2 5k k k k k k k+ = ⋅ > = + ≥ + . Observando que 2 25 2 3k k k k k+ = + + , e 3 1k > porque 5k ≥ , obtemos:

1 2 2 2 2 2 2 22 2 2 2 5 2 3 2 1 ( 1)k k k k k k k k k k k k k+ = ⋅ > = + ≥ + = + + > + + = + . A cadeia de igualdades acima nos fornece: 1 22 ( 1)k k+ > + , a constatação que ( 1)P k + é verdadeira. Tudo isto mostra que a afirmação em questão satisfaz ao Princípio de Indução Finita, ficando

provado, portanto, que ( )P n é verdadeira para todo natural 5n ≥ . (q.e.d.) É hora de consolidar o que acabou de ser discutido. Bom trabalho! Exercícios 3.1-1 Usando o Princípio de Indução Finita, prove as seguintes proposições. 1. A soma dos n primeiros números ímpares é 2n . 2. Para todo número natural p , acontece: 0 1 2 3 1 12 2 2 2 ... 2 2 2 1p p p− ++ + + + + + = − . 3. O número 2( )m m+ é divisível por 2 , qualquer que seja o natural m .

4. Para todo número natural n , tem-se: 2

3 3 3 3 3 ( 1)0 1 2 3 ...2

n nn +⎡ ⎤+ + + + + = ⎢ ⎥⎣ ⎦.

5. Sendo n um número natural, encontre uma fórmula para a soma 0 1 2 13 3 3 ... 3 3n n−+ + + + + . Por indução finita, prove que a sua fórmula está correta.

4. Referências Bibliográficas

CHEVALLARD, Y. Dimension instrumentale, dimension sémiotique de l’activité mathématique. Séminaire de didactique des mathématiques et de l’informatique de Grenoble. LSD2, IMAG, Université J. Fourier , Grenoble. 1991. CHEVALLARD, Y. Concepts fondamentaux de la didactique: perspectives apportées par une approche antropologique. Recherches em didactique des mathématiques. 12, 1, 73-112. 1992. DAEPP, Ulrich., GORKIN, Pamela. Reading, writing, and proving: a closer look at mathematics. New York: Springer, 2003. D’AMORE, Bruno. Epistemologia e didática da matemática. São Paulo: Escrituras Editora, 2005. DUMMETT, A.A.E. ¿Qué es una teoria del significado? In: Valdés L.M. La búsqueda del significado. Madrid: Tecnos. 1991. MACHADO, Nílson J. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. São Paulo: Cortez, 1990. MORAIS FILHO, Daniel C. Um convite à matemática. 2. ed. Campina Grande: EDUFCG, 2007.

Na plataforma moodle, apresentamos material e atividades para

aprofundamento do tema desta unidade. Visite-a!

No Moodle...

Page 36: Disciplina: Argumentação em Matemática - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/...em_matematica_1462969624.pdf · 159 Disciplina: Argumentação em Matemática Prof

194

SIERPINSKA, Anna. Some remarks on understanding in mathematics. For the learning of mathematics. 1990.10, 3, 24-36. SOLOW, Daniel. How to read and do proofs: an introduction to mathematical thought processes. New York: Courier Companies, Inc., 1990. VELLEMAN, Daniel J. How to prove it: a structured approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. VERGNAUD, Gérard. La théorie des champs conceptuels. Recherches en didatique des mathématiques. 1990. 19, 133-169. Sites na internet Wikipedia: www.wikipedia.org Dicionário Houaiss da língua portuguesa: http://houaiss.uol.com.br