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Discurso, Cultura e Mídia: Pesquisas em Rede ORGANIZAÇÃO Giovanna G. Benedetto Flores Nádia Régia Maffi Neckel Solange Maria Leda Gallo

Discurso, Cultura e Mídia: Pesquisas em Rede

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  • Discurso, Cultura e Mdia:Pesquisas em Rede

    UNIVERSIDADE DO SULDE SANTA CATARINA

    O R G A N I Z A O

    Giovanna G. Benedetto FloresNdia Rgia Maffi Neckel Solange Maria Leda Gallo

  • Discurso, Cultura e Mdia:Pesquisas em Rede

  • UNIVERSIDADE DO SULDE SANTA CATARINA

    O R G A N I Z A O

    Giovanna G. Benedetto FloresNdia Rgia Maffi Neckel Solange Maria Leda Gallo

    Discurso, Cultura e Mdia:Pesquisas em Rede

  • U N I S U L U N I V E R S I DA D E D O S U L D E S A N TA C ATA R I N A

    R E I T O R

    Sebastio Salsio Herdt

    V I C E - R E I T O R

    Mauri Luiz Heerdt

    E D I T O R A U N I S U L

    D I R E T O R

    Laudelino Jos Sard

    A S S I S T E N T E E D I T O R I A L

    Alessandra Turnes Soethe

    C O O R D E N A O D E P R O J E T O S N A C I O N A I S

    Deonsio da Silva

    A S S I S T E N T E D E P R O D U O

    Amaline Mussi

    A S S I S T E N T E D E V E N D A S

    Larissa de SouzaA V E N I D A P E D R A B R A N C A , 2 5

    F A Z E N D A U N I V E R S I T R I A P E D R A B R A N C A 8 8 1 3 7 - 2 7 0 PA L H O A S C

    F O N E ( 4 8 ) 3 2 7 9 - 1 0 8 8 F A X ( 4 8 ) 3 2 7 9 - 1 1 7 0 E D I T O R A @ U N I S U L . B R

    F O T O D A C A PA

    Carolina Carvalho

    R E V I S O ( A B N T )

    Alexandra Espndola

    C O N C E P O G R F I C A

    Officio (officio.com.br)

    D63 Discurso, cultura e mdia : pesquisas em rede / Organizao Giovanna G. Benedetto Flores, Ndia Rgia Maffi Neckel, Solange Maria Leda Gallo. - Palhoa : Ed. Unisul, 2015. 136 p. : il. color. ; 21 cm

    Inclui bibliografias ISBN 978-85-8019-131-8

    1. Anlise do discurso. 2. Comunicao e cultura. 3. Cultura. I. Flores, Giovanna Benedetto, 1959-. 4. Mdia social. II. Neckel, Nadia Regia Maffi, 1975-. III. Gallo, Solange Leda, 1957-.

    CDD 21. ed. 401.41

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

    mailto:editora%40unisul.br?subject=http://www.officio.com.br

  • APRESENTAO

    Discurso, Cultura e Mdia: Pesquisas em Rede fruto de uma organizao que toma por base grupos de pesquisa na rea de Anlise do Discurso, na tentativa de fortale-cermos nossa rede, a partir dos diferentes projetos em andamento, dos pesquisadores envolvidos e de seus lugares de pesquisa, tanto os lugares discursivos, quanto os lugares institucionais.

    Os artigos aqui apresentados foram discutidos durante o II Seminrio Nacional Dis-curso Cultura e Mdia, realizado em junho de 2015 na Unisul em Palhoa, Santa Catarina. Esse seminrio reuniu os grupos de pesquisa em Anlise do Discurso da regio sudeste e sul do Brasil. Diferentes pesquisas que se debruam sobre diferentes materialidades pro-duzindo conhecimento em rede, ou, se preferirem, redes de conhecimento.

    A nomeao dessa publicao e tambm do seminrio enuncia nosso objeto: o Discurso, tomando a Cultura e a Mdia como macro instncias de produo discursiva. Poderamos enunciar, ainda, a Educao, a Poltica, a prpria Lngua como objetos, entre outros, que igualmente se prestariam a macro recortes. Fizemos uma escolha em funo das linhas de pesquisa que temos mais proximidade, e que so assim tematizadas. A esco-lha sempre poderia ser outra, e estamos aceitando que a evidncia um efeito. Todos es-to includos, com seus diferentes interesses discursivos.

    Esperamos que as pesquisas aqui discutidas suscitem profcuos desdobramentos dessa rede afetiva e terica formada por analistas de discurso: os que trilham o percurso a mais tempo e aos que iniciam agora essa trilha repleta de desafios e inquietaes dos di-zeres em curso.

    Boa leitura a todos!

    Giovanna Benedetto FloresNdia Rgia Maffi Neckel

    Solange Maria Leda Gallo

    Palhoa, vero de 2015

  • Projeto Metarede: investigando discursividades online e textualidades digitais Solange Leda Gallo, Mrcio Jos da Silva e Pedro Augusto Bocchese

    8

    Efeito desterritorializao no FacebookRita de Kssia Kramer Wanderley

    19

    Regimes de verdade e prticas pedaggicas contemporneas em (ciber)espaoTacia Rocha e Ismara Tasso

    30

    As condies de produo da autoria no processo de busca/pesquisa da/na internetKatia Cristina Schuhmann Zilio

    41

    Os discursos acadmicos sobre/da produo da voz cantada e a falha no ritual do processo ensino-aprendizagemJos Reginaldo Gomes de Santana e Nadia Pereira da Silva Gonalves de Azevedo

    52

    As narrativas a respeito do concurso negro e educaoCarina Merkle Lingnau

    60

    Repensando o ensino de histria: consideraes sobre objeto, discurso e ensino a partir da Lei 10.639Simone Rocha

    70

    Os enunciados e suas mltiplas significaes no contexto do Vestibular IndgenaLuana de Souza Vitoriano

    77

    A educao precisa de respostas: uma anlise discursiva acerca do posicionamento institucional da RBSLia Gabriela Pagoto

    86

    Dia das mulheres fail: discursos em publicidade e feminismoDebbie Mello Noble e Las Virginia Alves Medeiros

    95

    Vontade de verdade, mdia e poder: duelos entre os homens da lei e os sem leiFlvia Cristina Silva Barbosa

    104

    O deslizamento de sentido no funk ostentaoPriscilla Rodrigues Simes

    115

    Entre o objeto a lacaniano e a quase-causa deleuziana: la trahison des imagesJos Isaas Venera

    125

    O estranho, Das Unheimliche freudiano, como efeito da materialidade dos bebs hiper-reais: luz da teoria do simulacroMaria Cristina Carpes

    131

    SUMRIO

  • GIOVANNA G. BENEDE T TO FLORES, NDIA RG I A MAFF I N E CKE L E SOLAN GE MARI A LE DA GALLO ( OR GAN I Z A O)

    8VOLTA AO SUMRIO

    I PROJETO METAREDE: INVESTIGANDO DISCURSIVIDADES ONLINE E TEXTUALIDADES DIGITAISSolange Leda Gallo 1

    Mrcio Jos da Silva 2

    Pedro Augusto Bocchese 3

    Resumo: Esta pesquisa apresenta o processo de criao do site Metarede, um ambiente virtu-al colaborativo, criado pelo Grupo de Pesquisa em Produo e Divulgao do Conhecimento da UNISUL. A ideia desse ambiente surgiu a partir de estudos acerca de discursividades online e textualidades digitais, com o intuito de analisar discursivamente alguns aspectos da rede in-ternet, sobretudo no que diz respeito ao modo como ela responde s demandas individuais de seus usurios, ou seja, o modo como ela personaliza esses sujeitos-usurios e mobiliza seus filtros, elaborados por meio de algoritmos de programao, para selecionar dentro de sua me-mria metlica aquilo que ser apresentado como resposta, a partir da relao com a memria discursiva. A partir da criao de um perfil na internet, comum a todos os membros do grupo, criou-se o site Metarede tanto para promover a produo colaborativa de textos na rea de Anlise de Discurso, como tambm para funcionar como um laboratrio da web.

    Palavras-chave: Anlise de Discurso. Metarede. Internet. Autoria.

    INTRODUO

    indiscutvel a mudana que temos experimentado nos ltimos anos, na forma de nossas relaes sociais, cada vez mais mediadas por dispositivos tecnolgicos de comunicao.

    Particularmente a internet faz-se presente em grande parte das transaes da atualidade, tanto enquanto dispositivo disponvel nos ambientes de trabalho, quanto nas atividades de mbito pessoal, inclusive tornando esses aspectos da vida social cada vez mais prximos, de modo a tornar quase indiscernvel a divisa entre eles. Por muitos motivos, os sujeitos se vm cada vez mais atrados pelas possibilidades de produo na internet.

    Por outro lado, os ambientes digitas esto se sofisticando e, por meio de inmeros filtros e algoritmos, vem utilizando-se dessa assiduidade dos usurios, para obter deles informaes que alimentam os bancos de dados e os processos de indexao desses da-dos. Esse acmulo e indexao possibilitam uma resposta cada vez mais pertinente aos usurios que buscam informaes na internet.

    1 Doutora do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem UNISUL. Professora titular da Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL. E-mail: [email protected]

    2 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem UNISUL. Professor de Fsica na Escola de Aprendizes--Marinheiros de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

    3 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem UNISUL. Coordenador dos Cursos de Engenharia da Computao, Anlise e Desenvolvimento de Sistemas, Segurana da Informao e Gesto da Tecnologia da Informao da Faculdade da Serra Gacha. E-mail: [email protected]

  • DIS CURSO, CULTUR A E M D I A: P E S Q U I S A S E M R E D E

    9 VOLTA AO SUMRIO

    Temos a, portanto, um ciclo de auto sustentao: ao mesmo tempo em que a inter-net particulariza sua relao com o sujeito-usurio, oferecendo a ele respostas mais espe-cficas ao seu perfil, alm de oferecer sugestes diversas de produtos e servios que su-postamente podero atender suas necessidades dirias, ela tambm se vale do feedback desse sujeito para continuar a ser pertinente. Isso possvel pela presena de filtros que funcionam em camadas e vo estratificando os dados e, de certa forma, particularizando--os. No centro dessa redoma de filtros est um perfil especfico que, por um lado tem re-postas exclusivas para suas buscas, e por outro encontra-se isolado e protegido da diver-sidade, sendo produzido por meio de respostas cada vez mais semelhantes s suas pr-prias perguntas, seja em sites de busca (ex: google), seja em sites de servios (ex: netflix), seja em sites de vendas (ex: loja apple), etc.

    Imagem: Eli Pariser TED 2011 https://www.ted.com/talks/eli_pariser_beware_online_filter_bubbles?language=pt-br

    Uma das grandes objees de determinados profissionais, est relacionada ao que o buscador no traz, omitindo contedo sem a concordncia por parte do sujeito--usurio que realizou a busca. No TED (Technology, Entretainment, Design) de 2001, sur-giu um novo conceito, criado por Eli Pariser, denominado The filter bubble (a bolha do filtro, ou simplesmente filtro bolha). A figura acima apresenta a representao grfica da bolha do filtro de Pariser. possvel visualizar onde encontra-se o voc, bem como as bolhas iguais a si mesmas, que resultam do processamento dos filtros, e que vo consti-tuindo uma personificao.

    H vrias questes envolvidas aqui. A primeira delas uma concepo, no dita, mas que a significa, de que todo contedo seria possvel ser trazido pelo buscador, se o filtro no estivesse fazendo o processamento. Esse verdadeiro mito de que na inter-net tem tudo um dos efeitos de sentido com os quais temos que lidar. Michel P-

    https://www.ted.com/talks/eli_pariser_beware_online_filter_bubbles?language=pt-br

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    10VOLTA AO SUMRIO

    cheux, em 1994, em seu famoso artigo Ler o arquivo hoje, nos mostra que a leitura dos arquivos determinada por condies materiais relacionadas histria, ao social e ideologia. Nesse sentido, ela sempre resultante do que Pcheux denominou cli-vagens subterrneas. No caso do arquivo informatizado, especialmente nos bancos de dados, essas clivagens so ainda mais instigantes, pois obedecem no s a critrios discursivos, mas tambm a critrios tcnicos. Elas so definidas por corporaes/pro-fissionais que atuam na produo desses aparatos tecnolgicos e que, de certa forma, estabelecem os gestos de leitura possveis e no possveis ao sujeito-leitor. O filtro bolha, portanto, constitui-se em uma especialidade dessa condio que intrnseca composio do arquivo informatizado, que a condio de produzir textos sempre-j resultantes de clivagens discursivas e tcnicas. Sua especialidade a de produzir, como efeito, uma personificao.

    Uma outra questo envolvida no caso do filtro bolha (e no menos instigante) a tendncia do resultado do processamento dos filtros, para uma homogeneidade. Con-siderando que h motivaes mercadolgicas na base desses procedimentos, podemos inferir que os sujeitos-usurios so mais receptivos a esses resultados (mais iguais) do que a outros que trariam diferenas. Isso nos remete condio desse sujeito da con-temporaneidade, para quem, segundo Barus-Michel (2013, p. 15) saber tudo se tornou ver tudo num mundo em que a realidade igual ao imaginrio. Em tal sociedade, o sujeito parece estar em contato apenas com as aparncias e ser apenas um simulacro, um arreme-do de ser, engolfado num sonho em que o impossvel e o irreversvel, assim como a relao viva com o outro ou at mesmo com o mundo palpvel, tendem a no existir. Essas carac-tersticas podem ser identificadas nos sujeitos-usurios da internet, na medida em que eles se posicionam no centro da bolha.

    2. O PROJETO METAREDE

    Essas questes entre outras levaram-nos criao do projeto Metarede, que sur-giu de estudos acerca das discursividades online e textualidades digitais, particularmen-te da constatao de que a conexo de sujeitos-usurios em rede possibilita no s a (no)comunicao entre eles, como tambm o estabelecimento de novas formas de textualizao e autoria. Sobre esta questo, convm destacar que desde o incio da in-formatizao dos mtodos de tratamento do arquivo textual, as transformaes na constituio da autoria, tanto em seu processo quanto em sua forma, tornam-se cada vez mais evidentes e relevantes, sobretudo no mbito dos estudos da linguagem, e vm sendo objeto de constantes questionamentos por pesquisadores da Anlise de Discur-so (doravante AD).

    Pcheux (1994), nesse mesmo texto Ler o Arquivo Hoje, j em 1994, alertava- nos da necessidade de pesquisas multidisciplinares e, conforme demonstra Silveira (2002), esta multidisciplinaridade proposta por Pcheux algo vivel e necessrio para o avano das pesquisas na rea de Cincias da Linguagem, pois

  • DIS CURSO, CULTUR A E M D I A: P E S Q U I S A S E M R E D E

    11 VOLTA AO SUMRIO

    no estabelecimento de relaes entre diferentes reas que se enriquecem as discusses tericas e metodolgicas, no s no interior das Letras como tambm na relao que se estabelece entre as Letras e as outras Cincias de Formao Social, como o caso da Filosofia e da Sociologia, por exem-plo. (SILVEIRA, 2002, p. 121).

    Alm disso, Pcheux (1994) j apontava para a importncia de se constituir um es-pao polmico das maneiras de ler e prticas diversificadas de trabalho sobre o arquivo textual. Conforme evidencia Gallo (2009), a internet tem ensejado acontecimentos discur-sivos e vem instaurando novas discursividades tpicas do ciberespao (GALLO, 2011b). Es-tas novas formas de textualizao e autoria no ciberespao vm sendo constatadas/estu-dadas tambm por diversos pesquisadores-autores que realizam suas pesquisas/produ-es fora do campo das Cincias da Linguagem.

    Lemos (2009) afirma tratar-se de um fenmeno/processo de Liberao da Palavra ou Liberao do polo de emisso, que vem promovendo diversas transformaes nos modos de se produzir e publicar/disseminar informaes; em consonncia com Lemos (2009), Porto e Palacios (2012) consideram que essa liberao vem possibilitando a au-topublicao4 e redimensionando, inclusive no meio acadmico-cientfico, a figura do autor e tambm a do leitor, desafiando todo processo legitimador do texto e reconfi-gurando a indstria cultural.

    Em termos discursivos, diremos, inicialmente, que essa liberao s pode ser afir-mada levando-se em considerao as clivagens subterrneas determinantes das textuali-dades digitais e das discursividades online, conforme procuramos mostrar. Entendemos essas clivagens como instncias de mediao e de determinao.

    Em relao questo da autoria, temos relacionado o discurso da internet (enquan-to macro categoria discursiva) ao que denominamos Discurso de Escritoralidade, em opo-sio ao Discurso de Escrita e ao Discurso de Oralidade:

    Conforme j mostrei em trabalhos anteriores, fora do mbito da discursividade online, a forma discursiva que tem a publicao como condio da produo de sua textualidade a da Escrita. Ou seja, a publicao no uma condio dos textos que se inscrevem no Discurso de Oralidade. importante ressaltar que estou tomando essas noes (Escrita, Oralidade e Escritoralidade) na sua dimenso material (histrica, social e ideolgica) e no na dimenso emprica (escrita no grafia e oralidade no produo sonora).H textos que, embora inscritos em um discurso de Oralidade, tornam-se pblicos, o que no signifi-ca que tenham sido publicados. Nesse caso, passam a inscrever-se no discurso de ESCRITORALIDADE, pois caracterizam-se pela provisoriedade prpria do discurso de Oralidade, ao mesmo tempo que passam a circular como textos do discurso de Escrita (GALLO, 2015, p. 3).

    Na perspectiva aqui exposta, a autoria na Escritoralidade no tem o mesmo estatuto da autoria no Discurso de Escrita. Os fatores que impedem essa aproximao so de or-dem histrica, ideolgica e social. A legitimao de textos do Discurso de Escrita resul-tante de um longo processo e de incessante luta pelo poder (dizer). A autoria possibilitada pelo dispositivo tcnico, que a internet, no tem essa mesma materialidade e, conse-quentemente, tambm no tem a mesma legitimidade.

    4 Termo utilizado para designar as novas prticas de publicar por conta prpria. Possibilidade oferecida pela internet, que desafia as modalidades hierrquicas da indstria cultural e vem sendo amplamente adotada inclusive no meio acadmico-cientfico.

  • GIOVANNA G. BENEDE T TO FLORES, NDIA RG I A MAFF I N E CKE L E SOLAN GE MARI A LE DA GALLO ( OR GAN I Z A O)

    12VOLTA AO SUMRIO

    Apesar disso, a Escritoralidade se faz presente no apenas nas instncias do senso comum, mas tambm naquelas ditas cientficas. Para compreendermos melhor o fun-cionamento do discurso cientfico e/ de divulgao cientfica presentes na internet, tomamos, como possvel para o grupo de pesquisa, a proposio de um site colabora-tivo. Para essa produo, partimos da premissa de que a memria discursiva, quando mobilizada na produo textual da internet, tanto enquanto escritura, como enquanto leitura, relaciona- se, necessariamente, com a memria metlica, a memria do dispo-sitivo tcnico. Segundo Orlandi (2001), trata-se de uma memria seriada, em que no h esquecimento, uma memria achatada, sem profundidade, que no se produz pela historicidade e sim por acmulo, pela quantidade de informao. Essa memria met-lica, caracterstica da cultura cientfico-tecnolgica [ou simplesmente cientfica, como prope Pcheux (1994)], compe arquivos que se organizam no por sua inscrio lite-rria (autores, pocas, reas etc.), mas de acordo com seus significantes, organizados enquanto palavras-chave, enumerados em bancos de dados informatizados. O funcio-namento da memria metlica possui uma dinmica fluida, sem efeito de fecho, sem-pre priorizando o acesso rpido, fato que evidencia um efeito de achatamento do tem-po. O funcionamento da memria metlica incorpora aspectos caractersticos do Dis-curso da Oralidade e, diferentemente da memria de arquivo, no exige de seus usu-rios conhecimentos prvios sobre os contedos a serem pesquisados, nem domnio das tcnicas bsicas de pesquisa em arquivos tipicamente produzidos e disponibiliza-dos sob a tica do Discurso da Escrita.

    Nosso objetivo principal o de compreender o funcionamento de diferentes sujei-tos-usurios do site Metarede, relacionando esse funcionamento ao discurso no qual esse sujeito se inscreve.

    Este trabalho, de certa forma, relaciona- se com outros j desenvolvidos no mbito do Grupo de Pesquisa Produo e Divulgao do Conhecimento, por exemplo, o portal Feito a mo5, desenvolvido por estudantes e professores/pesquisadores da UNISUL com a colaborao de diversos sujeitos, usualmente tidos como no cientistas. Embora esse seja um dos pontos de contato do projeto, o presente trabalho prioriza formas de constituio da autoria em torno do prprio site, problematizando-as. Esta a motiva-o que levou ao incio do trabalho no site Metarede, cujo processo de criao estamos apresentando neste trabalho.

    O portal Metarede [www.metarede.wordpress.com] um ambiente colaborativo, constituindo-se como um espao-tempo de fronteiras permeveis, aberto a pesquisado-res e estudantes de Anlise do Discurso interessados em discutir sobre discursividades online e textualidades digitais, constituindo-se como um lugar no qual os diversos grupos de pesquisa na rea possam compartilhar suas experincias e trabalhar colaborativamen-te com novas formas de textualizao e autoria.

    5 Mais detalhes sobre o projeto e suas produes audiovisuais em: http://www.feitoamao.unisul.br.

    http://www.metarede.wordpress.comhttp://www.feitoamao.unisul.br

  • DIS CURSO, CULTUR A E M D I A: P E S Q U I S A S E M R E D E

    13 VOLTA AO SUMRIO

    Figura 2: Portal Metarede. Fonte: http://www.metarede.wordpress.com. Acesso em: 30 ago. 2015.

    O site ainda se encontra em construo e, nesta primeira etapa de implementao, a colaborao tanto pode ocorrer por meio de comentrios e o compartilhamento de postagens quanto por meio de sugestes de temas a serem discutidos em postagens fu-turas. Sugestes relativas prpria estrutura e ao funcionamento do Metarede tambm so aceitas. Por se tratar de um ambiente colaborativo, a proposta que esteja continua-mente aberto para assumir novas configuraes, que funcione tendo a incompletude como seu elemento estruturante (ser sempre uma verso beta).

    A administrao do site, nesta etapa de implementao, feita pelos prprios mem-bros do grupo de pesquisa, por meio de um perfil comum a todos: Sujeitos Errantes. Pos-teriormente, pretende-se convidar pesquisadores da rea de AD, tanto para colaborarem como autores no site quanto para participarem das reunies do grupo de pesquisa e atu-arem na administrao do site.

    Antes de seguir apresentando o processo de criao do projeto Metarede e nossa anlise preliminar de algumas experincias j realizadas, vamos detalhar um pouco mais sobre o que e como surgiu esse perfil comum a todos os membros do grupo de pesqui-sa que nomeamos Sujeitoserrantes.

    http://www.metarede.wordpress.com

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    14VOLTA AO SUMRIO

    2.1. O usurio sujeitoserrantes

    Primeiramente, preciso dizer que Sujeitoserrantes no , pelo menos aqui, um novo conceito ou categoria de anlise; o nome escolhido pelo grupo para designar um usu-rio na internet, no uma categoria de usurios, mas um usurio especfico criado para que seu perfil na internet seja compartilhado por todos os membros do grupo. A ideia surgiu antes mesmo de termos pensado em criar o site, a partir de estudos acerca de dis-cursividades online e textualidades digitais, com o intuito de analisar discursivamente al-guns aspectos da rede internet, sobretudo no que diz respeito s clivagens subterrneas.

    Aps algumas reunies do grupo, foram apresentadas diversas propostas de nome e definiu-se por meio de votao que este usurio comum a todos os membros teria o nome de Sujeitoserrantes. Para este usurio, criou-se conta de e-mail no Google e um perfil em diversas plataformas como Facebook, Youtube, Wikipdia, etc. Posteriormente, criou-se o site Metarede a partir da conta de e-mail do perfil Sujeitoserrantes.

    Figura 3: Perfil do Facebook do usurio SujeitosErrantes . Fonte: http://www.facebook.com.br. Acesso em: 30 ago. 2015.

    Cada integrante do grupo pode logar-se rede como Sujeitoserrantes para alimen-tar a rede tanto com demandas definidas, em comum acordo com outros membros, quanto de acordo com suas prprias demandas.

    http://www.facebook.com.br

  • DIS CURSO, CULTUR A E M D I A: P E S Q U I S A S E M R E D E

    15 VOLTA AO SUMRIO

    O objetivo principal dessa escolha foi o de testar o funcionamento dos filtros nos diferentes espaos (site facebook) em relao s buscas de um sujeito-usurio que no se identifica consigo mesmo, ou seja, que tem um comportamento heterogneo, com dife-rentes caractersticas em suas escolhas, embora se apresente como um mesmo. Ser que nesse caso apresentam-se resultados mais heterogneos do que a um perfil unitrio?

    Como primeiro teste, para fins ilustrativos, foi elaborada, em maio de 2015, uma si-mulao inicial com a palavra-chave balnerio camboriu. Foram analisados os resultados que o buscador Google traz sob os aspectos da personificao. O primeiro a realizar a bus-ca pela palavra-chave foi um dos membros do grupo, a partir de seu perfil pessoal, confor-me apresenta a figura 3. Como reproduo, foi utilizado o navegador Mozilla Firefox em um computador com conexo internet, contendo um protocolo IP fixo localizado na cidade de Caxias do Sul.

    Figura 4: Pgina do Google com base no perfil pessoal de um dos membros do grupo. Fonte: https://www.google.com.br/?gfe_rd=cr&ei=NZxHVenjHYGq8wf70oHQBA&gws_rd=ssl#q=balneario+camboriu. Acesso em: 15 mai. 2015.

    A figura 4 apresenta a pgina contendo os registros retornados pelo Google, basea-do no usurio sujeitoserrantes. Nesta busca, foi utilizado o navegador Mozilla Firefox em um computador com conexo internet, contendo um protocolo IP fixo localizado na cidade de Balnerio Cambori.

    https://www.google.com.br/?gfe_rd=cr&ei=NZxHVenjHYGq8wf70oHQBA&gws_rd=ssl#q=balneario+camboriu.

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    16VOLTA AO SUMRIO

    Figura 5: Pgina do Google com base no perfil sujeitoserrantes. Fonte: https://www.google.com.br/?gfe_rd=cr&ei=NZxHVenjHYGq8wf70oHQBA&gws_rd=ssl#q=balneario+camboriu. Acesso em: 15 mai. 2015.

    Notamos que a busca foi realizada utilizando os mesmos recursos e a mesma pala-vra-chave, no entanto, so apresentados dados diferentes. O primeiro retorno traz conte-dos relativos institucionalizao da cidade de Balnerio Cambori, em que aparecem os portais da prefeitura, da secretaria do turismo, Wikipdia, prefeitura de Cambori e ima-gens relativas ao municpio.

    Na segunda consulta, podemos notar que o buscador trouxe, em primeiro lugar, um portal relativo a viagens denominado Tripadvisor, este especializado em hotis, mostrando algo relacionado ao turismo. Notamos tambm uma lista de notcias, que no foram apre-sentadas na consulta anterior. As imagens com relevncia na primeira consulta ficaram como detalhes nessa segunda consulta. O link para a secretaria de turismo do municpio e a pgina da Wikipdia tambm no so apresentados.

    Por que as respostas so diferentes, embora ambas demandas tenham partido do mesmo IP com registro em Caxias do Sul? Por que um perfil diferente resulta em conte-dos diferentes?

    Essas e outras perguntas tm relao com a questo do modo de funcionamento dos sujeitos nas discursividades online, principalmente sobre o modo como esses sujeitos so determinados nessas discursividades.

    Segundo Francis Jaurguiberry (2013), o dispositivo tcnico de algumas platafor-mas permite que o indivduo experimente diferentes formas de si, que ele testa com a inteno de constatar o efeito que isso provoca. Uma multiplicidade de emprstimos de

    https://www.google.com.br/?gfe_rd=cr&ei=NZxHVenjHYGq8wf70oHQBA&gws_rd=ssl#q=balneario+camboriu.

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    17 VOLTA AO SUMRIO

    identidade passa a ser possvel na internet. Essas identidades podem se materializar em perfis variados, como o caso do perfil sujeitoserrantes. A pergunta que fazemos, neste caso, a seguinte: ser mesmo possvel uma invisibilidade na internet? Como vimos, no caso acima demonstrado, os diferentes perfis tiveram diferentes resultados. Isso no signi-fica que no tenha havido uma atribuio de caractersticas aos perfis, independente de sua correspondncia com uma realidade de fora da internet. A no correspondncia no significa invisibilidade, mas, ao contrrio, significa uma visibilidade que desconhecemos, que se produz na confluncia da memria discursiva com a memria metlica e que de-termina os sujeitos dessas discursividades.

    3 CONSIDERAES FINAIS

    A posio que tomamos no discurso enquanto pesquisadores ligados a um progra-ma de ps-graduao certamente traz determinantes para o funcionamento do nosso perfil na internet. O perfil criado pelo grupo sujeitoserrantes est determinado material-mente por essas condies de produo. Admitir isso j iniciar a pesquisa a partir de uma perspectiva materialista e discursiva. Estamos admitindo, com isso, que nossa hiptese para esta pesquisa (se que podemos assim chamar) a de que no possvel uma invi-sibilidade na internet. Tentaremos demonstrar isso por meio de buscas programadas e refletir teoricamente sobre os resultados encontrados, que podero ou no corroborar essa nossa hiptese inicial.

    REFERNCIAS

    ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideolgicos do Estado. 3. ed. Lisboa, Portugal. Editorial Presena/Martins Fon-tes. 1980.

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    http://www.jiedimagem.com.br/conteudo/110/anaishttp://www.jiedimagem.com.br/conteudo/110/anais

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    IEFEITO DESTERRITORIALIZAO NO FACEBOOKRita de Kssia Kramer Wanderley1

    Resumo: A partir da reflexo proposta por Cortes (2009) sobre os conceitos de territrio e de territorialidade no ciberespao, este trabalho pretende discutir a noo de desterritorializao dis-cursiva digital no funcionamento eletrnico e discursivo do Facebook, especificamente no espao de comentrios das publicaes. Ao constatarmos o efeito de desterritorializao no discurso so-bre as redes sociais, aqui representadas pelo Facebook, o confrontamos ao funcionamento efetivo dos discursos na rede social. Em nossas anlises, atestamos que a desterritorializao digital fun-ciona no Facebook como efeito, pois, nesse espao, continuam atuando o simblico e o poltico, e nas relaes de sentido ressoam relaes de poder institudas no plano virtual, afetadas pelo espao social e discursivo, cuja evidncia se d atravs de movimentos de silenciamentos (OR-LANDI, 2007), apagamentos e desautorizaes tanto na relao homem-mquina quanto no mo-vimento de interlocuo nos comentrios desse territrio digital. Assim, atravs de um olhar ma-terial sobre o discurso, entendemos que os deslocamentos que ocorrem no espao virtual (GRI-GOLETTO, 2011) do Facebook no so da ordem do tudo possvel, da desterritorializao, em-bora alterem as condies de produo dos discursos, mas que isso ocorre apenas como efeito.

    Palavras-chave: Facebook. Desterritorializao. Discurso digital.

    1 APRESENTAO

    Neste trabalho, parto da caracterizao do espao virtual como um espao interva-lar entre o espao emprico e entre o espao discursivo, no mesmo entendimento de Grigoletto (2011), que dialoga com as teorizaes do filsofo Lvy (1996). No entanto, enquanto a autora se prope a pensar esse espao intervalar observando os AVAs (am-bientes virtuais de aprendizagem), no funcionamento do discurso pedaggico, eu propo-nho uma reflexo sobre a caracterizao da rede social Facebook como um espao virtual em que o(s) discurso(s) te()m funcionado de modo especificamente particular por conta de essa rede estar situada nesse espao intervalar. Para isso, seleciono como corpus algu-mas postagens de cunho racista que circularam nessa rede. Acredito que esse fenmeno particular possa nos ajudar a pensar o Facebook como um espao discursivo de natureza virtual que propicia o surgimento de novas discursividades no mbito da escrita pblica.

    Assim, filiando-me Anlise do Discurso peucheutiana, busco, nesta reflexo, trabalhar o que Cortes (2009) entendeu em sua tese como desterritorializao do espao virtual. Mos-trarei nos recortes selecionados para anlise que essa ideia de desterritorializao se manifesta como um efeito do discurso sobre o espao virtual, sobretudo o das redes sociais, mas que h de fato um mecanismo de iluso do tudo poder e do tudo dizer, evidenciado pela manifesta-o de discursos escritos antes controlados por outras instituies sociais e polticas. Esses di-zeres antes possivelmente censurados dos espaos tradicionais miditicos (imprensa escrita,

    1 Doutoranda do Programa de Ps-graduao em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected].

    mailto:ritakramer42%40gmail.com?subject=

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    televiso, rdio), por eles estarem afetados mais explicitamente pelo poder jurdico, hoje se aparecem nas pginas do Facebook abertamente e aparentemente impassveis de censura. a essa aparncia equivocadamente evidente a que chamamos aqui neste trabalho de efeito desterritorializao, que funciona na base da saturao caracterstica do espao virtual.

    Iniciarei a discusso articulando os autores que esto na base do meu entendimen-to de espao discursivo e espao virtual. Assim, pretendo demonstrar que o espao virtual no est divorciado da realidade desde sempre experimentada pelo homem no espao discursivo. A tecnologia propicia um funcionamento diferente em termos de acesso, uso e interao entre homem-mquina, homem-homem e homem-discurso. A partir da, pre-tendo lanar algumas hipteses sobre a configurao de alguns funcionamentos no Face-book, rede social mais popular no mundo hoje.

    Em seguida, trabalharei a noo de territorializao realizada por Cortes (2009) a fim de demonstrar meu entendimento desse conceito no espao virtual da rede social do Facebook, que apresenta termos e condies de uso afetadas pelo discurso jurdico, assim como ocorre nas mdias tradicionais. Analisaremos alguns desses termos para entender por que e como se d a evidncia de desterritorializao nesse espao, apesar dos dizeres explcitos publicados pela administrao da rede social.

    Por ltimo, apresentarei algumas ocorrncias de eventos racistas coletados nessa rede social a fim de analisar os dizerem que podem ou no circular nesse espao. Opta-mos por essa temtica (racismo) apenas para observar o funcionamento da interao e/ou interlocuo discursiva em um tema tabu e polmico, em que observamos ora homoge-neidade ora heterogeneidade discursiva. Mas quero deixar claro que outras formaes discursivas2 tambm poderiam se prestar a esse mesmo propsito, dadas suas produtivi-dades no espao virtual das redes sociais.

    2 DISCURSO E ESPAO VIRTUAL

    O debate aqui colocado sobre o espao virtual o entende como um espao interva-lar, a partir da discusso de Grigoletto (2011). Segundo a autora, entende-se espao virtu-al enquanto lugar onde se constituem mltiplas materialidades, em que o emprico e o discursivo se entrelaam (GRIGOLETTO, 2011, p. 47).

    Michel Pcheux, em Anlise do discurso e informtica, texto de 1981, sublinha a hete-rogeneidade contraditria de todo campo de arquivo (PCHEUX, 2011, p. 281). Desse modo, como um espao de circulao de discursividades, o espao virtual e mais especificamen-te as redes sociais funciona tambm como um grande arquivo, nos termos que o conceito tomado por Pcheux ([1982]2010). O que, ento, pensando no dizer de Pcheux (2011), caracterizaria especificamente o espao virtual na reflexo sobre a heterogeneidade e con-

    2 Entendo que os discursos apresentados nesta anlise se inscrevem na formao discursiva racista. Uso o conceito de formao discursiva a partir da leitura de Pcheux e Fuchs (1975 [1990]), quando afirmam que as relaes de sentido entre as palavras se do a partir de uma matriz de sentido, que se organiza no interior de uma Formao Discursiva (FD). Tambm concordo com a viso de Foucault (1969), citado por Indusky (1997, p. 31), de que uma FD essencialmente lacunar em funo do sistema de formao de suas estratgias (INDURSKY, 1997, p. 31).

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    tradio nos discursos? esse questionamento a que pretendo responder nesta seo, evo-cando os autores que vm pensando sobre as propriedades do espao virtual.

    O filsofo Pierre Lvy no analista do discurso, mas suas ideias podem ser usadas a favor de pensarmos a complexidade constitutiva desse espao ao mesmo tempo antigo e recente, com que ainda estamos aprendendo a viver. Seu texto de 1996, quando ainda no havia acontecido o boom da Web 2.0 e o acesso no era to largamente disseminado quanto hoje, sculo 21.

    A respeito do imaginrio sobre o virtual, o autor demonstra que no uso corrente, a palavra virtual empregada com frequncia para significar a pura e simples ausncia de existncia, a realidade supondo uma efetuao material, uma presena tangvel (LVY, 1996, p.15). Contrapondo-se a essa evidncia de sentido sobre o real e o virtual, o terico sugere que pensemos outra relao entre esse binmio, propondo um terceiro conceito filosfico (a partir de sua leitura de Deleuze): o atual. Ele defende: o virtual no se ope ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade so apenas duas maneiras de ser diferentes (p.15). Assim, para Lvy (1996, p. 16, grifo nosso), o virtual existe como potncia:

    o virtual como o complexo problemtico, o n de tendncias ou de foras que acompanha uma situao [...] o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemtica, o n de tenses, de coeres e de projetos que o animam, as questes que o movem, so parte essencial de sua determinao.

    Esse n de tenses entre o atual e o real nos ajuda a pensar um pouco a complexi-dade do virtual em termos de espao do dizer que parece suspenso, mas, ao mesmo tempo, est ligado s instituies ideolgicas sempre j l no espao real, ou emprico. Lvy (1996, p. 17-18) insiste ainda que a virtualizao, como a passagem do estado atual para o virtual e no do real para o virtual, no uma desrealizao, mas uma mutao de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontolgico do objeto considerado.

    Considero, assim, na rea da Anlise do Discurso, bastante pertinente o dilogo que faz Grigoletto (2011) dessa teorizao de Lvy (1996) com a teoria. A autora parte, a princpio, dos conceitos de espao emprico e espao discursivo e das relaes que surgem nesses dois luga-res. O esquema da autora apresenta o entendimento do espao emprico e do espao discur-sivo como espaos distintos, mas constitudos um pelo outro, de modo que no possvel pens-los isoladamente. As relaes ideolgicas, institucionais e sociais que se do no espao emprico so afetadas e afetam, ao mesmo tempo, as relaes que se do no mbito das for-maes discursivas, determinando as relaes entre os sujeitos no plano do discurso. Esses espaos, juntos, articulam as relaes de poder e os lugares tanto na formao social quanto na discursiva. O quadro ilustrativo da autora pode ser conferido em Grigoletto (2011, p. 50).

    O espao virtual, e aqui estou pensando principalmente no mbito das redes sociais, em que se inclui meu objeto, o Facebook, est relacionado do mesmo modo com o espao emp-rico e com o discursivo, mas produz um funcionamento distinto devido sua materialidade, devido a esse deslocamento do centro de gravidade ontolgico de que fala Lvy (1996).

    O espao virtual tem provocado efeitos no s nas prticas sociais presentes no espao emprico, mas tambm nas prticas discursivas que constituem o espao discursivo [...]. Ele se caracteriza pelo entrelaamento das prticas sociais e discursivas, inscrevendo-se no entremeio do espao emprico e discursivo, formando uma teia discursiva no-linear, saturada de links, ns, lacunas, que supostamente possibilitam a deriva de sentidos para qualquer direo (GRIGOLETTO, 2011, p. 53, grifos nossos).

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    Figura 1 Quadro de Grigoletto (2011, p.54) sobre as relaes entre espao emprico, discursivo e virtual.

    2.1 Facebook, territorializao e espao virtual

    Em sua tese, Cortes (2015) discute as relaes entre os conceitos de espao, lugar e territrio, levando em conta a sua historicidade. A autora destaca que sua interpretao do conceito de lugar coaduna com o pensamento de Pcheux e Fuchs ([1975] 2010), que entendem os lugares como constitudos pela prtica social e discursiva. Esse lugar estaria situado sempre em uma formao discursiva (FD) com a qual os sujeitos podem ou no se identificar. Assim, com Grigoletto (2005; 2011), volto s noes de espao discursivo e virtual e assinalo que, no espao discursivo, funcionam processos sociais e discursivos pas-sveis de novas territorializaes, distintas daquelas pensadas nos territrios geogrficos.

    A noo de territrio pode ser pensada no campo da geografia ou no campo das relaes sociais de poder. Cortes (2015) nos traz Foucault ([1969] 2012) para frisar o papel do controle na noo de territorialidade, como uma noo jurdico-poltica. Nesse mbito do jurdico, o Facebook, apesar de o entendermos como uma entidade territorializada no espao virtual, ou extraterritorial (BAUMAN, 2001), estabelece princpios explicitamente discursivisados em sua pgina de Termos e Polticas do Facebook (www.facebook.com/policies). Isso , podemos ver materializados, nesse espao virtual extraterritorializado, que o Facebook no somente um espao privado (embora se invista do efeito de espao

    http://www.facebook.com/policieshttp://www.facebook.com/policies

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    pblico), como tambm est afetado pelo discurso jurdico, disponvel em sua pgina. Essa leitura dialoga com as observaes de Cortes (2015) sobre a abertura e o fechamento o espao virtual, contradies presentes tambm no Facebook.

    O virtual , por um lado, uma entidade desterritorializada, j que no se prende ao espao/tempo, um universo aberto [...] mas, por outro lado, o virtual e o hipertexto online se constituem tambm em um espao/lugar de novas territorializaes, uma arena de conflitos de interesses, que tambm prende e exerce controle, aberto, mas tambm pode ser fechado. (CORTES, 2015, p. 28, grifos nossos).

    Na pgina de abertura da rede social Facebook, apresentado um enunciado de boas-vindas no qual esto presentes alguns efeitos de sentido que circulam sobre a liber-dade nesse espao virtual, como podemos observar na imagem abaixo:

    Figura 2 - Pgina de apresentao do Facebook. Disponvel em: . Acesso em: 3 ago. 2015.

    No enunciado acima, gostaria de destacar algumas marcas lingusticas que inscre-vem esse efeito. Primeiro, aparece o pronome voc, que, no portugus brasileiro, pode funcionar como um pronome de tratamento, como um pronome pessoal (alternativa ao tu) ou como um pronome de generalizao. No contexto do enunciado do Facebook, entendo que h um funcionamento discursivo duplo da estrutura voc. Ela interpela os sujeitos internautas em usurios da rede. Voc quem est dentro da rede e quem pode se conectar e compartilhar o que quiser com quem importante em sua vida. Alm disso, o pronome pode produzir o efeito de generalizao e de restrio ao mesmo tempo. Voc qualquer um que esteja inscrito no Facebook, mas apenas quem est nesse espa-o se enquadra nessa posio-sujeito. Um espao aberto e fechado ao mesmo tempo. O adjunto no Facebook territorializa esse efeito de sentido, de modo que, para realizar as aes descritas no enunciado, o sujeito deve estar inscrito nesse espao virtual (marcado linguisticamente pelo adjunto adverbial de lugar no Facebook).

    http://pt-br.facebook.com

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    A partir desse enunciado, tambm entendo que o objeto direto o que quiser (voc pode compartilhar o que quiser) sustenta nossa interpretao de que o efeito de liberdade e de extra-territorialidade est explcito nos propsitos discursivos da rede social, de modo que funciona como um elemento de seduo para atrair os usurios-internautas a esse territrio.

    Em contrapartida, a respeito do funcionamento do discurso jurdico no fechamento desse territrio virtual, selecionei para anlise, no link Declarao de Direitos e Responsa-bilidades, algumas sequncias discursivas dos Termos de Compromisso do Facebook. Trouxe o tpico 5 dessa declarao, que deve ser assinada obrigatoriamente por qualquer usurio que decida entrar nessa rede social. Aqui j observamos uma interpelao3 que evidencia os limites que a rede determina para que o internauta seja um usurio, o que contradiz o primeiro enunciado apresentado.

    5. Proteo dos direitos de outras pessoas

    Ns respeitamos os direitos de terceiros, e esperamos que voc faa o mesmo.

    1. Voc no publicar contedo ou praticar qualquer ato no Facebook que infrinja ou viole os direi-tos de terceiros ou a lei.

    2. Ns podemos remover qualquer contedo ou informao publicada por voc no Facebook se julgar-mos que isso viola esta declarao ou nossas polticas.

    3. Ns fornecemos a voc ferramentas para ajud-lo a proteger seus direitos de propriedade intelec-tual. Para saber mais, acesse a nossa pgina Como denunciar reclamaes de infraes de proprie-dade intelectual.

    4. Se removermos seu contedo por infringir os direitos autorais de algum, e voc acreditar que o removemos por engano, forneceremos a voc a oportunidade de recorrer.

    5. Se voc violar repetidamente os direitos de propriedade intelectual de terceiros, ns desativare-mos sua conta quando apropriado.

    6. Voc no usar nossos direitos autorais, marcas comerciais ou quaisquer marcas semelhantes que possam causar confuso, exceto conforme expressamente autorizado pelas nossas Diretrizes de uso de marcas ou com nossa permisso prvia por escrito.

    7. Se coletar informaes dos usurios, voc dever: obter o consentimento deles, deixar claro que voc (e no o Facebook) quem est coletando as informaes e publicar uma poltica de privaci-dade explicando quais informaes sero coletadas e como elas sero usadas.

    8. Voc no deve publicar documentos de identificao ou informaes financeiras confidenciais de terceiros no Facebook.

    9. Voc no marcar usurios nem enviar convites por e-mail para no usurios sem o consenti-mento deles. O Facebook oferece ferramentas de denncia social para permitir que os usurios faam comentrios sobre a marcao.

    Nas regras acima afetadas pelo jurdico atravs do termo direitos podemos ob-servar, primeiramente, num movimento de parfrase, uma modalizao do enunciado respeite o direito de terceiros, formulado pelo Facebook como esperamos que voc faa o mesmo (ns respeitamos os direitos de terceiros). Essa formulao apaga o imperativo, que da ordem da lei e da coero, e faz escapar no enunciado o desejo do efeito de li-berdade. A escolha lingustica pelo subjuntivo e no pelo imperativo (esperamos que voc faa faa o mesmo voc) demonstra, no nvel da formulao, a tentativa de silen-ciar as coeres territoriais prprias da rede, como um espao virtual.

    3 Para Pcheux (1995), a partir de Althusser (1985), o conceito de interpelao consiste no paradoxo pelo qual o sujeito chamado existncia (PCHEUX, 1995, p. 154). Para o autor, a interpelao consiste em um efeito ideolgico em que o indivduo interpelado em sujeito.

    https://www.facebook.com/help/399224883474207https://www.facebook.com/help/399224883474207

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    No tpico 2 do item 5, observo tambm a questo dos silenciamentos4, mecanismo no apenas presente nas mdias institucionalizadas, mas tambm nessa rede social. Se o dizer do sujeito no se identificar com as polticas discursivas da rede, ele ser silenciado, e isso um direito dos administradores do Facebook, uma vez que, para participar da rede, preciso concordar com esses termos. Esse efeito tambm pode ser observado no tpico 5, em que se afirma que ns (o Facebook) desativaremos sua conta quando apropriado. da ordem do controle e do territrio virtual o julgamento do quando e o que ou no apropriado silenciar. Fica claro que no o voc quem decide o que pode e deve ser dito, mas o ns, o outro, o que detm o direito de administrao do espao.

    2.2 Facebook: um territrio de quais discursos?

    Como vimos anteriormente, a ideia de que o Facebook um lugar e um espao virtual em que podemos dizer tudo o que queremos funciona como um efeito, ora pro-duzido por quem controla a rede e ora produzido por quem usa. Afirmo isso porque esse efeito deve-se tambm ao uso que se tem feito da rede e aos discursos que tm ganhado espao nela, antes possivelmente censurados nas mdias tradicionais justamente por es-sas estarem afetadas pelo jurdico.

    O controle dos territrios no espao emprico e no espao discursivo tradicional tem como seus mecanismos de controle mais evidentes os Aparelhos Ideolgicos do Estado. Althusser (1985, p. 69), ao dialogar com Antonio Gramsci, afirma que o Estado, que o Esta-do da classe dominante, no nem pblico nem privado, ele , ao contrrio, a condio de toda distino entre o pblico e o privado. Seguindo esse raciocnio, o filsofo defende que as instituies privadas podem funcionar como Aparelhos Ideolgicos do Estado. Essa dis-cusso certamente demanda mais reflexes, que no cabem neste trabalho, mas gostaria de colocar uma questo a esse respeito: a Internet, com o poder que detm hoje, se caracteri-zaria como um Aparelho Ideolgico do Estado? O Facebook poderia ser tomado como uma instituio ideolgica, que configura num novo funcionamento, ou ele faz parte do Apare-lho Ideolgico Miditico, juntamente Internet? Podemos pensar a princpio em duas vias: ou a mdia, com a popularizao da Internet, precisa ser recaracterizada em termos de Apa-relho Ideolgico ou a Internet est produzindo um novo Aparelho Ideolgico Miditico, dis-tinto do primeiro. De um ou de outro modo, permaneo defendendo a ideia de que o espa-o virtual distinto do espao discursivo tradicional por causar esse efeito de desterritoriali-zao, devido ao seu funcionamento tecnolgico.

    O lugar social de autor (pensando a autoria no campo da escrita) sempre foi atravessa-do pelas posies-sujeito investidas de autoridade para tal. No Facebook, possuindo uma pgina, qualquer sujeito pode gozar da posio-sujeito autor e produzir sentidos na escrita. Apesar de esses sentidos serem cerceados pela administrao da rede (uma instituio priva-da imbuda de direitos sobre os dizeres de seus usurios), observamos uma grande circulao

    4 O conceito de silncio do qual parte essa noo de silenciamento o de silncio local, de Orlandi (2007), ou seja, o silncio como poltica de censura. O silenciamento tomado aqui, portanto, como funcionamento do silncio local ou da censura.

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    de dizeres que desafiam o critrio da publicizao por afetarem os direitos de terceiros, como est disposto na Declarao de Direitos e Responsabilidades da rede social. Esses sentidos no so silenciados pela rede, mesmo estando expressa a possibilidade de o serem.

    Esse o caso do discurso do racismo, que tem circulado com uma liberdade sem censura nessa rede social (e no apenas como efeito). Mesmo afetando o direito de tercei-ros, os negros, e mesmo desrespeitando uma lei nacional que criminaliza o racismo (Lei 7.7165), esses discursos se multiplicam e parecem at se naturalizar. Para observarmos o fenmeno, trouxe um caso recentemente publicizado (julho/2015) em vrias mdias: os comentrios racistas contra a jornalista da Rede Globo Maju (Maria Julia Coutinho). Na pgina oficial do Facebook do Jornal Nacional, da Rede Globo, em uma imagem em que a jornalista aparece apresentando o quadro do tempo, vrios comentrios de cunho racista foram publicados por usurios da rede. Observo que os usurios no publicaram esses textos em sua prpria pgina, mas no endereo oficial da empresa televisiva, no espao do outro. Podemos observar compilados alguns dos enunciados na imagem abaixo, publi-cada pelo site da Folha online:

    Figura 3 - Comentrios racistas na pgina do Jornal Nacional no Facebook. Compilao disponvel em . Acesso em: 4 ago. 2015.

    5 Criada h 25 anos, a Lei 7.716 define os crimes de preconceito racial. A legislao determina a pena de recluso a quem tenha cometido atos de discriminao ou preconceito de raa, cor, etnia, religio ou procedncia nacional. Fonte: . Acesso em: 8 ago. 2015.

    http://f5.folha.uol.com.br/televisao/2015/07/1651560-os-preconceituosos-ladram-mas-a-caravana-passa-diz-maju-ao-vivo-no-jornal-nacional.shtmlhttp://f5.folha.uol.com.br/televisao/2015/07/1651560-os-preconceituosos-ladram-mas-a-caravana-passa-diz-maju-ao-vivo-no-jornal-nacional.shtmlhttp://f5.folha.uol.com.br/televisao/2015/07/1651560-os-preconceituosos-ladram-mas-a-caravana-passa-diz-maju-ao-vivo-no-jornal-nacional.shtmlhttp://www.brasildefato.com.br/node/27017http://www.brasildefato.com.br/node/27017

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    No meu entendimento, a proliferao de discursos de dio (caracterizados aqui pelo discurso racista) no espao virtual do Facebook mais um fator que reproduz e cristaliza o efeito de desterritorializao do espao virtual. Os agentes jurdicos acionados no espao emprico no atuam ainda de forma efetiva nesse espao, apesar da vigilncia digital dispor de mais ferramentas tecnolgicas para tal. Do mesmo modo que destacamos o controle caracterstico tambm do espao virtual, h, em uma certa medida, um descontrole provo-cado por essa ferramenta de publicizao de dizeres antes controlados apenas pela mdia impressa e televisiva. A nova relao dos sujeitos com a escrita, propiciada pelo acesso aos meios de produo e reproduo miditica digitais, est materializando discursos antes dis-persos na saturao da lngua oral. Eles agora se dispersam na saturao da rede.

    Ainda sobre o caso Maju, a publicao desses dizeres produziu efeitos tambm no espao emprico e discursivo, confirmando nosso entendimento do espao virtual como um espao intervalar. O evento provocou uma ao antirracismo fora da internet. A cam-panha da ONG Criola, intitulada RACISMO VIRTUAL. AS CONSEQUNCIAS SO REAIS apre-sentou em outdoors esse slogan aps expor comentrios racistas retirados da pgina do Jornal Nacional.

    Figura 4 - Outdoor na cidade de Americana, interior de So Paulo. Fotografia coletada em: . Acesso em: 4 ago. 2015.

    Esse deslocamento de espaos (do virtual ao real/emprico) ilustra um pouco o modo como os dois espaos so caracterizados por diferentes funcionamentos, de modo que o prprio efeito de publicizao afetado por isso. Quando um usurio publica um comentrio racista de seu computador, talvez num ambiente em que est sozinho, sem pessoas a sua volta, numa pgina do Facebook, ele est afetado pela iluso de que aquele espao no real. Mas milhes de pessoas, assim como na televiso e no jornal impresso, esto lendo os textos daquelas pginas. Quando o mesmo comentrio ocupa outro su-porte e outro espao, desvendando a capacidade de midiatizao do Facebook, esse des-locamento revela essas transformaes que o espao virtual vem oferecendo circulao e publicao de dizeres na mdia.

    http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2015/07/1662998-ofensas-contra-maju-saem-da-internet-e-viram-outdoor-em-acao-antirracismo.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2015/07/1662998-ofensas-contra-maju-saem-da-internet-e-viram-outdoor-em-acao-antirracismo.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2015/07/1662998-ofensas-contra-maju-saem-da-internet-e-viram-outdoor-em-acao-antirracismo.shtml

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    3 ENCAMINHAMENTOS

    No Facebook, a abertura dos comentrios propicia um espao de interlocuo dis-cursiva6 aberto a derivas. Nesse sentido, tomando a Internet como uma mdia, vemos um funcionamento mais aberto considerando a reversibilidade. Essa abertura, ainda assim, funciona como efeito, pois as instncias gerenciadoras dos sentidos de cada pgina (ou a prpria instituio virtual Facebook) ainda tm o poder de apagar essas textualizaes.

    Por outro lado, a materialidade virtual, ao mesmo tempo em que parece saturada, voltil, perene, por sua dinamicidade, abre espao para outros sujeitos ocuparem a posi-o de gerenciadores do arquivo. Sempre se pode printar uma postagem e, mesmo que apagada, ela pode retornar. Foi assim que os comentrios racistas na pgina do Jornal Nacional puderam ser republicados em outro espao, por outros sujeitos (nesse caso, a ONG Criola), gerando novos efeitos de sentido, derivas.

    Entendemos, ento, que a desterritorializao existe como efeito, e ele que tem propiciado o surgimento de uma proliferao do discurso virtual de dio nesse ambiente. De outro lado, discursos silenciados pela mdia tradicional tm encontrado espao nesse territrio, provocando derivas nem sempre previstas, como o ativismo digital.

    Pensamos, portanto, o Facebook como um lugar de reterritorializaes. Esse espao virtual tem afetado profundamente o discurso das mdias a ponto de precisarmos (re)pensar o lugar da Internet do gerenciamento dos sentidos na comunicao contempor-nea. Esse ainda um desafio.

    REFERNCIAS

    ALTHUSSER, L. Aparelhos ideolgicos de estado. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1985.

    BAUMAN, Z. Modernidade lquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

    CORTS, G. R. Do lugar discursivo ao efeito-leitor: a movimentao do sujeito no discurso em blogs de divulgao cientfica. 2015. 268f. Tese (Doutorado em Lingustica). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

    FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitria, [1969] 2012.

    GRIGOLETTO, E. O discurso dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem: entre a interao e a interlocuo. In: GRIGOLETTO, E.; DE NARDI, F. S.; SCHONS, C.R. Discursos em rede: prticas de (re)produo, movimentos de resistncia e constituio de subjetividades no ciberespao. Recife: Editora Universitria UFPE, 2011.

    ______. O Discurso de Divulgao Cientfica: Um Espao Discursivo Intervalar. 269 f. Tese (Doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.

    INDURSKY, F. A fala dos quartis e outras vozes. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997.

    LVY, P. O que o virtual? So Paulo: Editora 34, 1996.

    ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 2011.

    6 O conceito de interlocuo discursiva com o que estou trabalhando o de Grigoletto (2011) e Indursky (1997). [...] ao se inscrever, num determinado discurso, afetado pelo que pode e deve ser dito na FD com a qual se identifica, o sujeito do discurso produz movimentos de (des)identidicao, de contra-identificao com outros discursos, que circulam em outras FDs, em outros discursos, estabelecendo relaes de intersubjetividade (GRIGOLETTO, 2011, p. 63). J a noo de reversibilidade diz respeito troca de papis entre os interlocutores no processo de constituio do discurso (GRIGOLETTO, 2011, p. 75). O conceito tomado a partir da discusso de Orlandi (2011).

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    ______. As formas do silncio no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Unicamp, 2007.

    PCHEUX, M. Anlise do discurso e informtica. In: PCHEUX, M. Anlise de discurso: Michel Pcheux. Textos selecio-nados de Eni Pucinelli Orlandi. 2. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, [1981] 2011.

    ______. Ler o arquivo hoje. [1982] In: ORLANDI, E. P. (Org.). Gestos de leitura: da histria no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.

    PCHEUX, M.; FUCHS, C. A propsito da anlise automtica do discurso: atualiz

    ao e perspectivas. In: GADET, F.; HAK, T. Por uma anlise automtica do discurso: uma introduo obra de Michel Pcheux. Campinas-SP: Editora da Unicamp, [1975] 2010.

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    IREGIMES DE VERDADE E PRTICAS PEDAGGICAS CONTEMPORNEAS EM (CIBER)ESPAOTacia Rocha1

    Ismara Tasso2

    Resumo: A sociedade contempornea em rede, impulsionada pelas Novas Tecnologias da In-formao (TICs) e sob o regime da biopoltica, faz circular no ciberespao prticas discursivas de subjetivao que instituem condutas para o profissional da educao bem sucedido. Um desses segmentos o Instituto Inspirare, cujos programas tm por misso inspirar inovaes em iniciativas empreendedoras, polticas pblicas, programas e investimentos que melhorem a qualidade da educao no Brasil. Trata-se de uma vontade de verdade das novas prticas pedaggicas correspondentes s inovaes na educao contempornea, amparada por um suporte institucional, reforada e reconduzida por saberes tecnolgico e pedaggico. A inves-tigao dos mecanismos de construo desses discursos est ancorada nos pressupostos te-rico-metodolgicos da Anlise do Discurso franco-brasileira, especialmente pela funo enun-ciativa derivada de Michel Foucault. Diante da condio de a inovao constituir a palavra de ordem da atualidade, a pesquisa, em nvel de Mestrado (2015-2017), desenvolvida na Universi-dade de Maring UEM e vinculada ao GEDUEM-CNPq, mobilizada pela questo: como o dispositivo inteligncia coletiva inovadora institui modos de conduta para a constituio do professor inovador no ciberespao Porvir?

    Palavras-chave: Novas tecnologias. Inovao na educao. Ciberespao.

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    A sociedade contempornea em rede, impulsionada pelas Novas Tecnologias da Informao (TICs) e sob o regime da biopoltica, faz circular no ciberespao prticas discur-sivas de subjetivao que instituem condutas para o profissional da educao bem suce-dido. Um desses segmentos o Instituto Inspirare, cujos programas tm por misso inspi-rar inovaes em iniciativas empreendedoras, polticas pblicas, programas e investimen-tos que melhorem a qualidade da educao no Brasil. O chamado ciberespao ou rede o novo meio de comunicao que surge da interconexo mundial de computadores. O termo especifica no apenas a infra-estrutura material da comunicao digital, mas tam-bm o universo ocenico de informaes que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (LEVY, 1999, p. 17). Sob tal conjuntura, navegar no ciberespao para realizar as possveis atividades sociais e interagir com a tecnologia ganha nfase e visibilidade na contemporaneidade. A recorrncia com que se trata desse tema no ambiente escolar, dada a expanso da Internet comercial a partir da dcada de 1990, justifica-se pela emergncia e existncia de polticas pblicas de incluso digital.

    1 Mestranda em Letras - Lingustica/ Anlise de Discurso, no Programa de Ps-Graduao em Letras da UEM (PLE/UEM). Docente no curso de Publicidade e Propaganda, da Faculdade Metropolitana de Maring (FAMMA). Pesquisadora do Grupo de Estudos em Anlise do Discurso da UEM (GEDUEM/CNPq). E-mail: [email protected]

    2 Ps-doutora pelo IEL/UNICAMP. Doutora em Lingustica e Lngua Portuguesa pela UNESP/Araraquara. Professora do Departamen-to de Lngua Portuguesa e do Programa de Ps-Graduao em Letras da UEM/PR. Lder do Grupo-CNPq GEDUEM. Email: [email protected]

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    Ressalta-se que esse paradigma tecnolgico foi estabelecido a partir do acontecimento discursivo implantao da ARPANET, nos anos 1960, e se difundiu de forma desigual por todo o mundo, transformando a poltica, a economia, a cultura, a educao, entre outros campos sociais (SILVA, 2001).

    A necessidade de insero das TICs no contexto escolar, bem como a urgncia da inovao nos mtodos didticos por meio delas, est em permanente discusso em m-bito nacional. Nesse quadro, os professores constituem-se agentes da prtica pedaggica contempornea, o que tem mobilizado a disponibilizao de subsdios em ambiente vir-tual a fim de preparar esses profissionais da educao, por meio da formao docente continuada, a usufruir da tecnologia como inovao. Nesse sentido, trata-se de uma von-tade de verdade da qual so as novas prticas pedaggicas correspondentes s inovaes na educao contempornea, amparada por um suporte institucional, reforada e recon-duzida por saberes tecnolgico e pedaggico. A anlise da circulao e da troca de enun-ciados no ciberespao permite descrever os discursos que constituem a prtica poltica e o tipo de educao produzidos pela rede enunciativa tecida nos diferentes sistemas de formao de discursos. Assim, os discursos veiculados, sustentados, descartados ou mes-mo silenciados no ciberespao constituem o sistema de enunciabilidade, de formao e transformao de enunciados do que pode ser dito. As regras internas ao discurso do que pode estar na visibilidade estabelece o que no se pode dizer, o que fica fora da nossa prtica discursiva. Nesse nterim, as tecnologias da governamentalidade vo constituindo e produzindo discretamente realidades por meio das disciplinas e de seus efeitos de nor-malizao (FOUCAULT, 2008).

    Nos campos de estudo da educao, sociologia, psicologia, comunicao social e cincias da informao, so abordadas questes sobre a inovao tecnolgica na educao e no cenrio aqui apresentado. No entanto, segundo levantamento pre-liminar de produes cientficas brasileiras por ns realizado, essa temtica ainda no se apresenta problematizada luz dos preceitos foucaultianos, especialmente, no que diz respeito aos estudos do texto e do discurso. Em entrevista concedida a Edwald (2004, p. 242), em meio de 1984, Foucault esclarece que problematizar no se limita em representar um objeto preexistente, muito menos a criao pelo discurso de um objeto que no existe. o conjunto das prticas discursivas ou no discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso e o constitui como objeto para o pensamento (seja sob a forma de reflexo moral, do conhecimento cientfico, da anlise poltica, etc.).

    Dessa maneira, a partir da emergncia e pela (co)existncia de discursos pedaggi-cos e tecnolgicos que tratam da compulsria atualizao do educador, este trabalho busca compreender como a formao enunciativa dada numa produo audiovisual possibilitando a (co)existncia e relao desses discursos, a fim de estabelecer regimes de verdade sobre a inovao na educao contempornea. O recorte requerido se liga no-o de Michel Foucault acerca da governamentalidade, da dcada de 1970, que passou a analisar os meios, procedimentos e instrumentos usados pelo poder para controlar e constituir o homem moderno. A investigao dos mecanismos de construo desses dis-cursos est ancorada nos pressupostos terico-metodolgicos da Anlise do Discurso

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    franco-brasileira, especialmente a partir da funo enunciativa e derivada de Michel Fou-cault. Como corpus, servimo-nos da plataforma digital Porvir, autointitulada como agncia de notcias livre sobre educao. A questo que inquieta esta pesquisa : como o disposi-tivo inteligncia coletiva inovadora institui modos de conduta para a constituio do pro-fessor inovador no ciberespao Porvir?

    2 ACONTECIMENTO DISCURSIVO: O SURGIMENTO DA SOCIEDADE EM REDE

    Acontecimento discursivo definido como a irrupo de uma singularidade histri-ca que continua gerando efeitos e se prolonga, atravessando os discursos (REVEL, 2005). Assim, seguindo o mtodo arquegenealgico, assume-se para a anlise proposta como acontecimento discursivo a criao da rede de computadores com o nome de ARPANET, em 1969, nos Estados Unidos. Pertencente ao Departamento de Defesa norte-americano, a rede era constituda por pontos que funcionavam independentemente e tinha como funo interligar laboratrios de pesquisa. Estava deflagrada a Guerra Fria e, mesmo que houvesse um bombardeio, a rede era a garantia de que a comunicao entre militares e cientistas persistiria. A partir de 1982, o uso da Arpanetse expandiu no mbito acadmico e se espraiou para outros pases. Desde ento, comeou a ser utilizado o nome internet. Uma dcada depois, surgiram as primeiras empresas provedoras de acesso internet em seu pas de origem. Para expanso da Internet, criou-se o protocolo World Wide Web (www), permitindo assim que fosse utilizada para colocar informaes ao alcance de qual-quer usurio da internet.

    A rede chegou ao Brasil em 1989, nas Universidades Federais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro e, na Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo (Fapesp), um ano depois. Somente em 1995, houve liberao para uso comercial. Atualmente, segundo a Pesquisa Brasileira de Mdia 2015 (PBM 2015), encomendada pela Secretaria de Comunica-o Social da Presidncia da Repblica (SECOM), cerca de 48% dos brasileiros usam inter-net. O crescimento desse outro espao de comunicao cresceu consubstancialmente e est alterando nossa maneira de produzir e distribuir as informaes:

    A internet e as redes produzem uma forma de distribuio de informaes complexa, que no pode ser apresentada como um repasse de informao do centro para a periferia; mas, ao contrrio, mais como a forma distribuda pensada por Paul Baran. Trata-se de um esquema por meio do qual pos-svel acessar todas as informaes acessvel a todos, independentemente de onde acessada a rede (LEMOS; MASSIMO, 2014, p. 35).

    So esses aspectos de disponibilidade e incomensurabilidade de informao que apontam o ciberespao como uma superfcie de emergncia, em que se encontram os enunciados sobre incluso digital, coexistindo com outros enunciados que se transfor-mam e desaparecem.

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    3 A EMERGNCIA DE POLTICA INCLUSIVA DIGITAL

    Em virtude do acontecimento discursivo que se constitui a internet, provocando transformaes nos campos econmico, social, cultural, jurdico e educacional, o campo poltico foi impactado diretamente por esse novo modelo de sociedade. A partir de 1970, Michel Foucault passou a denotar em seus trabalhos uma preocupao em analisar os meios, procedimentos e instrumentos usados pelo poder para controlar e constituir o homem moderno. Os mecanismos de normalizao disciplinar e as tcnicas de biopoder so tomados como formas de poder que, conjuntamente, so responsveis pela objetiva-o e subjetivao do indivduo. Para compreender o que biopoltica e biopoder, Rago e Veiga-Neto (2008, p. 47) declaram a necessidade de se entender alguns aspectos centrais da microfsica foucaultiana do poder: O poder no concebido como uma essncia com uma identidade nica, nem um bem que uns possuam em detrimento a outros. Poder plural e relacional e se exerce em prticas heterogneas e sujeitas a transformaes.

    Tal conceito de poder faz compreender que essa fora se constitui historicamente por meio de dispositivos que alcanam a todos, sem exceo. As relaes de poder se consti-tuem discretamente, produzindo realidades por meio das disciplinas e de seus efeitos de normalizao. Nessas condies, o sujeito torna-se subjetivado e disciplinado, pois o gover-no do sculo XVIII no agia apenas sob as formas institudas politicamente, mas o regime disciplinar agia no modo de ao dos indivduos. Nessa via, pode-se estender que a difuso das TICs depende do que Foucault denomina governamentalidade, o governo de si e do outro por meio de tcnicas, dispositivos que produzem condutas e procedimentos como instituies, organizaes e bases jurdicas que afetem a distribuio das informaes. A propagao do uso das TICs no Brasil possvel que se deu desigualmente, sendo isso refle-xo das diferenas econmicas e de escolaridade nas diferentes regies e cidades do pas. Para Mattos e Santos (2009), os nmeros da excluso digital no Brasil, especificamente as estatsticas que relacionam diretamente renda e acesso s TICs, confirmam a realidade social do pas, repleta de disparidades socioeconmicas. A governamentalidade coloca em funcio-namento por meio da biopoltica, polticas pblicas que prometem conferir a incluso digital aos cidados. Para coadunar, o filsofo Agamben (2009) esclarece que o dispositivo consti-tuinte da teoria de Foucault funciona como uma mquina da poltica para sujeio dos indi-vduos s diretrizes do poder. Assim, a relao dos seres viventes com os dispositivos que resulta nos sujeitos. O dispositivo , portanto, qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opinies e os discursos dos seres viventes (AGAMBEN, 2009, p. 12).

    Dentre as prticas agenciadas pela biopoltica em seu dispositivo para a penetrao da internet, cita-se o programa Avana Brasil: o Programa Sociedade da Informao, empre-endido pelo Conselho Nacional de Cincia e Tecnologia, em 1996. A finalidade era lanar os alicerces de um projeto estratgico, de amplitude nacional, para integrar e coordenar o de-senvolvimento e a utilizao de servios avanados de computao, comunicao e infor-mao e de suas aplicaes na sociedade, pontua Takahashi, idealizador do projeto (2000). O Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) dirime o Programa Sociedade da Informao no

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    Brasil - Livro Verde, construdo com base nas caractersticas dos programas existentes na Europa, contendo metas de implementao de: ampliao do acesso, meios de conectivi-dade, formao de recursos humanos, incentivo pesquisa e desenvolvimento, comrcio eletrnico, desenvolvimento de novas aplicaes. Em virtude do documento preocupar-se exclusivamente com os aspectos tecnolgicos, o governo lanou em 2002 um Livro Branco, que igualmente foi reformulado, pois, com o mandato presidencial de 2003, a meta passou a ser incluso digital com a criao de programas que valorizam a conectividade.

    Segundo o MCT, no houve pausas para implantao de polticas de incluso digital. Em 2011, criou o Programa de Incluso Digital com o objetivo de implementar Telecentros em comunidades menos favorecidas para viabilizar o acesso, por meio da capacitao em informtica bsica e navegao na rede (MCT, 2011). Neste ano, 2015, o Ministrio das Comunicaes prepara um projeto para levar internet a 98% dos domiclios com velocida-de de 25 Mbps at 2018 (OI, 2015). Os dispositivos mobilizados pelo Biopoder, como o Ministrio da Cincia e Tecnologia, visam dar visibilidade melhoria da educao, aperfei-oamento aos jovens para o mercado de trabalho e aos trabalhadores, em prticas relacio-nadas com a informtica, silenciando a excluso social e, consequentemente, a digital. Esses procedimentos atendem emergncia de uma sociedade em rede, presente no funcionamento discursivo da globalizao.

    4 INOVAO: O VERDADEIRO DA EDUCAO CONTEMPORNEA

    Como se salientou no tpico anterior, os regimes institudos pelo Biopoder visam assegurar ao cidado a democratizao das comunicaes, compartilhamento de conhe-cimento, valorizao da mulher, respeito diversidade e desmistificao das tecnologias, conforme declarao do MCT (2007). Nesse jogo enunciativo, institui-se uma vontade de verdade das novas prticas pedaggicas correspondentes s inovaes na educao con-tempornea, amparada por um suporte institucional, reforada e reconduzida por saberes tecnolgico e pedaggico. Para corroborar esse jogo de verdades, Foucault assevera que a ordem do discurso se refere quilo que pode e se deve dizer em um momento histrico, controlado por regras annimas que permitem o aparecimento de certos enunciados e a proibio de outros. Prevalece o que Foucault chama de discurso verdadeiro, pois essa vontade de verdade assim apoiada, sobre um suporte e uma distribuio institucional, tende a exercer sobre os outros discursos estou sempre falando de nossa sociedade uma espcie de presso e como que um poder de coero (FOUCAULT, 2012, p. 17).

    Dessa forma, os discursos veiculados, sustentados, descartados ou mesmo silencia-dos no ciberespao constituem o sistema de enunciabilidade, de formao e transforma-o de enunciados, do que pode ser dito. As regras internas ao discurso do que pode estar na visibilidade estabelece o que no se pode dizer, o que fica fora da prtica discursiva em questo. Sob tal perspectiva, as tecnologias da governamentalidade vo constituindo e produzindo discretamente realidades por meio das disciplinas e de seus efeitos de norma-lizao (FOUCAULT, 2008).

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    4.1 Inovao tecnolgica na educao: um gesto de interpretao

    Tomando os pressupostos foucaultianos para empreender o estudo terico-analti-co, a anlise de discursos consistir em analisar a funo enunciativa da produo audio-visual da plataforma Porvir e identificar como a emergncia e (co)existncia de discursos pedaggico e tecnolgico estabelecem regimes de verdade sobre a inovaes na educa-o contempornea.

    Em sentido amplo, a palavra porvir pode ser tomada como o futuro; aquilo que ain-da pode acontecer; o que est prestes a ocorrer. Desse modo abordada, a plataforma Porvir um dos programas idealizados pelo Inspirare Instituto, cujo objetivo propor pr-ticas inovadoras para melhorar qualidade da educao no Brasil nos momentos presente e futuro. Essa plataforma se descreve como uma iniciativa de comunicao e mobilizao social para produzir, difundir e trocar contedos sobre inovaes educacionais, para pro-mover polticas e investimentos, em resumo, ser uma agncia de notcias para subsidiar a educao contempornea com informaes quentes. Isso posto, consideramos a Platafor-ma Porvir agncia de sentidos numa dada ordem discursiva acerca da inovao tecnol-gica, possibilitando que determinados sentidos sejam ditos neste momento histrico e no em outro, dada as condies de produo s quais se circunscreve (FOUCAULT, 2012). Sites como este, que se prope a subsidiar sabedores educativos no mundo tecnologiza-do, conduz as prticas pedaggicas, j que o objeto do discurso tomado e abordado por saberes e suas verdades.

    Para empreender o movimento de descrio-interpretao arquegenealgico, apre-sentamos um quadro ilustrativo, constitudo por frames, sob o formato de decupagem dos principais pontos da sequncia narrativa, com transcrio da narrao em off, igual-mente pontuais.

    Na primeira imagem, identifica-se o estabelecimento de uma linha cronolgica de de-senvolvimento cientfico acarretado por ideias, que, em termos analticos foucaultianos, desig-na-se por acontecimentos e prticas discursivas, irrompidos nas disperses temporais, que modificaram o curso da histria (FOUCAULT, 2008). As imagens so construdas no formato de uma galeria de ilustres personalidades da histria e das cincias e, abaixo de cada moldura, cones representam a contribuio de cada um ao desenvolvimento da humanidade. O pri-meiro sujeito o alemo Johannes Gutemberg, a quem atribudo a autoria da prensa mec-nica no sculo XV e possibilitou a reproduo em grande escala de livros e o florescimento da imprensa, instituindo a comunicao de massa. Respeitando a ordem cronolgica, no obser-vada pela materialidade, sucederia o fsico e matemtico ingls Isaac Newton, sculo XVII, e seu mtodo para investigaes experimentais cheias de rigor matemtico, transformando-se em modelo de investigao para as cincias dos sculos posteriores. Na sequncia, Thomas Edison, sculo XIX, considerado um dos maiores inventores da humanidade, sua inveno mais not-ria foi a lmpada. Segue-se Albert Einstein, um fsico terico alemo que, j nas primeiras dca-das do sculo XX, desenvolveu a teoria da relatividade, fundando um dos dois pilares da fsica moderna. Ao mencionar tais figuras de vrios campos de saber, a plataforma ilustra e reitera o efeito de sentido de estarmos vivendo uma revoluo:

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    [...] o advento da comunicao digital uma das mais importantes revolues da nossa poca. A criao de uma arquitetura informativa que no se limita a distribuir informao, mas que tambm interativa, permitindo o dilogo frtil entre dispositivos de conexo, banco de dados, pessoas e tudo que existe, um marco na histria da comunicao, porque, pela primeira vez, altera-se a forma de transmisso das informaes (LEMPOS; DI FELICE, 2014, p. 7).

    Frame 1 (Muitas ideias j revolucionaram o mundo no passado).

    Frame 2 (No Porvir, a gente aprende juntos a construir a educao do futuro para revolucionar o mundo no presente).

    Frame 3 (Aqui voc conhece o que h de mais inovador no Brasil e l fora).

    Frame 4 (Descobre que tem muita coisa boa acontecen-do por toda parte. Na sala de aula, na rua, no meio da floresta, na nuvem...)

    Frame 5 (Se voc tem interesse em conhecer experin-cias incrveis, que j esto mudando a educao na prtica, comece navegando pela sesso Por!Fazer).

    Frame 6 (Voc tambm pode saber o que mais de 70 veculos de comunicao do mundo esto noticiando sobre inovaes educacionais).

    Imagem 1 Transcrio do vdeo institucional de divulgao do portal Porvir Educao (2013)

  • DIS CURSO, CULTUR A E M D I A: P E S Q U I S A S E M R E D E

    37 VOLTA AO SUMRIO

    Frame 7 (Agora, se voc tem dvidas em relao a novos termos, d uma olhada na nossa Wiki).

    Frame 8 (E a melhor notcia que todo contedo do Porvir livre e gratuito, ou seja, pode ser usado na ntegra, em partes, da forma que voc bem entender).

    Frame 9 (Contamos com a colaborao de uma rede internacional com cerca de 100 voluntrios).

    Frame 10

    Frame 11 (Comentrios, pautas e sugestes so sempre bem-vindas e no deixe de compartilhar ao mximo essas boas ideias e iniciativas).

    Frame 12 (... para juntos trazermos a educao brasileira para o sculo XXI).

    Imagem 2 Transcrio do vdeo institucional de divulgao do portal Porvir Educao (2013)

    As condies de produo permitem que, nessa metfora, a plataforma seja uma mdia capaz de revolucionar, assim como as personalidades citadas, na educao. No en-tanto, no se trata de qualquer educao, discurso pedaggico, antes aquela do futuro, revolucionria, inovadora discurso tecnolgico. No plano de visibilidade, Porvir oferece informaes sobre o que h de mais inovador no Brasil e l fora (frame 3). Inscrita no saber tecnolgico, a funo do portal construir a educao do futuro (Frame 2) e inspirar ino-vaes que melhorem a educao no pas (Frame 10), coletivamente. Enuncia-se duas das principais regularidades do discurso da sociedade em rede: unidade pela rede mundial de computadores e a projeo futurista. No frame 2, destaca-se o crculo de pessoas conecta-das, bem como no frame 3 a ilustrao de um globo terrestre cercado por cones de apren-dizado, sinalizando uma sociedade globalizada e conectada pela convergncia das mdias.

  • GIOVANNA G. BENEDE T TO FLORES, NDIA RG I A MAFF I N E CKE L E SOLAN GE MARI A LE DA GALLO ( OR GAN I Z A O)

    38VOLTA AO SUMRIO

    Abrem-se caminhos para a cultura participativa, que aqui compreendida como a inteli-gncia coletiva pode ser um dispositivo que rege os outros. Esse dispositivo possibilita tanto a produo de contedo no Porvir, em razo da colaborao de uma rede interna-cional com cerca de 100 voluntrios (Frame 9), quanto a divulgao do contedo atravs de mais de 70 veculos de comunicao do mundo esto noticiando sobre inovaes educacionais (Frame 6). Nesse mesmo frame, a imagem do globo terrestre trincado por uma ferramenta utilizada em garimpo para extrao de pedras preciosas, da a possibilida-de de extrair preciosidades sobre inovao em educao. De acordo com o saber da ciber-cultura, a gratuidade do contedo (frame 8), bem como a livre reproduo dele, mais uma caracterstica da cultura participativa, conforme aponta Jenkins (2009, p. 30):

    A cultura participativa marca uma noo de mudana contempornea dos espectadores, antes pas-sivos, dos meios de comunicao. Tais espectadores so alm de consumidores so tambm produ-tores de mdia, interagindo de acordo com um novo conjunto de regras.

    Conforme a citao acima, o saber tecnolgico estabelece a cultura participativa, e esta, por sua vez, estabelece a participao ativa dos usurios de internet, pois estes, alm de consumir, produzem informao. A cultura participativa, agenciada pela inteligncia coleti-va, pode tambm ser definida, em termos foucaultianos, como uma das verdades desta poca. Assim, parafraseando Veyne (2014), estamos encerrados em discursos, como prisio-neiros de um aqurio, cujas paredes so aparentemente transparentes, e estamos presos ao pensar de nosso tempo. O dizer verdadeiro da cultura participativa repetido quando se enuncia para juntos trazermos a educao brasileira para o sculo XXI (Frame 12). Seria, para Foucault, como sustenta Veyne (2014), jogos de verdade, dos quais as prticas discursivas, que no corroborarem com este verdadeiro, so interditadas (FOUCAULT, 2012).

    Ainda, no nvel da invisibilidade, pode-se compreender que o Porvir faz parte de um dispositivo da inteligncia coletiva, composto por leis, atos, falas ou prticas que constituem uma formao histrica (VEYNE, 2014, p. 54). A plataforma analisada entra nas ideias feitas de nossa poca. Sem a pretenso de dar conta das instncias que compem esse dispositivo, junta-se a ele as polticas pblicas em prol da acessibilidade internet, dos programas de insero de tecnologia nas escolas, promovendo infraestrutura fsica e investimento em dis-positivos eletrnicos. Trata-se de um procedimento da biopoltica, em que o poder atua dis-cretamente na produo de realidades, efeitos desejados, por meio de processos disciplina-res e normalizadores (RAGO; VEIGA-NETO, 2008, p. 47). A biopoltica se instaura no funciona-mento da sociedade em rede por meio da cultura participativa, sendo esta mediada pela inteligncia coletiva. Este ltimo termo foi cunhado por Levy (2009) pa