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Discurso do Prof. Dr. Fábio Jatene em cerimônia de posse como membro titular da Academia Nacional de Medicina, agradecendo o reconhecimento 10 de março de 2015, na Academia Nacional de Medicina Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Nacional de Medicina Acadêmico, Pietro Novellino. Excelentíssimo Senhor Doutor Arthur Chioro, Ministro de Estado da Saúde do Brasil. Excelentíssimo Senhor Doutor Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, Governador do Estado de São Paulo. Excelentíssimo Senhor Professor Doutor David Everson Uip, Secretário de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Jorge Felippe, Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Excelentíssimo Senhor Doutor Marco Antonio Zago, reitor da Universidade de São Paulo. Excelentíssimo Senhor Professor Doutor José Otávio Costa Auler Junior, Diretor da Faculdade de Medicina da USP e Presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Roberto Kalil Filho, Presidente do Conselho Diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Jorge Kalil, Diretor do Instituto Butantan de São Paulo e Presidente do Conselho Curador da Fundação Zerbini.

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Discurso do Prof. Dr. Fábio Jatene em cerimônia de posse como

membro titular da Academia Nacional de Medicina, agradecendo o

reconhecimento

10 de março de 2015, na Academia Nacional de Medicina

Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Nacional de Medicina

Acadêmico, Pietro Novellino.

Excelentíssimo Senhor Doutor Arthur Chioro, Ministro de Estado da

Saúde do Brasil.

Excelentíssimo Senhor Doutor Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho,

Governador do Estado de São Paulo.

Excelentíssimo Senhor Professor Doutor David Everson Uip, Secretário

de Estado da Saúde do Estado de São Paulo.

Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Jorge Felippe, Presidente da

Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Excelentíssimo Senhor Doutor Marco Antonio Zago, reitor da

Universidade de São Paulo.

Excelentíssimo Senhor Professor Doutor José Otávio Costa Auler Junior,

Diretor da Faculdade de Medicina da USP e Presidente do Conselho

Deliberativo do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP.

Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Roberto Kalil Filho, Presidente

do Conselho Diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da

Faculdade de Medicina da USP.

Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Jorge Kalil, Diretor do Instituto

Butantan de São Paulo e Presidente do Conselho Curador da Fundação

Zerbini.

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Excelentíssimo Senhor Doutor José Antonio de Lima, Diretor-Presidente

da Fundação Zerbini.

Excelentíssimo Senhor Doutor Florentino de Araújo Cardoso Filho,

Presidente da Associação Médica Brasileira.

Excelentíssimo Senhor Doutor Marcelo Cascudo, Presidente da

Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

Excelentíssimo Senhor Doutor Darcy Ribeiro Pinto Filho, Presidente da

Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

Excelentíssimo Senhor Doutor Américo Fialdini Júnior, Diretor Presidente

da Fundação Conrado Wessel.

Excelentíssimos Senhores Membros da Diretoria da Academia Nacional

de Medicina.

Excelentíssimas Senhoras Acadêmicas e Senhores Acadêmicos.

Excelentíssimos Professores.

Excelentíssimas Senhoras e Senhores Convidados.

Meus queridos e ilustres amigos.

Meus irmãos Marcelo, Ieda e Iara e meus familiares.

Minha querida mãe Aurice Biscegli Jatene.

Meus amados filhos Rodrigo, Guilherme, Melina e as noras Ana Beatriz e

Gabriela.

Meus adorados netos Pedro, Bruno e Luisa.

Minha querida e amada esposa Silvana.

Este é um dos momentos mais importantes de toda a minha vida. Ser

aceito nesta centenária e tradicional casa e tomar posse perante todos

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os senhores é algo que me honra muito, ao mesmo tempo em que me

preocupa, pela magnitude do que isto representa. Poder participar das

atividades da Academia Nacional de Medicina e opinar, em um Fórum de

tão alto nível, sobre os assuntos mais importantes relacionados à

Medicina e a vida brasileira, se por um lado muito me envaidece, por

outro, me reveste de um misto de sentimentos de responsabilidade e de

necessidade de participação, para buscarmos novos e mais promissores

caminhos para o nosso país.

Posso dizer aos senhores que iniciei minha trajetória para pertencer a

esta casa, há 25 anos, quando meu pai, aqui neste salão, foi empossado,

na cadeira de número 40. Naquele dia, a aura magistral desta casa me

marcou para sempre e pertencer a esta Academia foi um sonho que

acalentei por todos estes anos, buscando qualificação por um lado e

aguardando a oportunidade de se apresentar, por outro. Nesta noite ao

ver concretizado este sonho, meu coração se enche de alegria, rodeado

e prestigiado pelo carinho e pela presença ilustre e amiga de todos os

senhores. Confesso que daquelas pessoas tão queridas e que não

puderam aqui comparecer, por motivos diversos, a que mais falta me faz

é a figura de meu pai. Gostaria imensamente poder abraçá-lo forte nesta

noite e mostrar a ele que o sonho acalentado por 25 anos finalmente se

materializou. A última vez que ele esteve neste salão e nesta casa foi

para participar da eleição em que fui escolhido para ocupar a cadeira 29

e que por feliz sugestão do Acadêmico Sérgio Augusto Pereira Novis, ele

foi o primeiro a depositar seu voto na urna. O destino não permitiu que

sentássemos lado a lado, pai e filho, uma vez sequer, nas tribunas desta

casa, mas caprichosamente nos permitiu que a sucessão familiar fosse

mantida na Academia que ele tanto amava. Ao final deste discurso, tenho

convicção que ele aplaudirá como se aqui fisicamente estivesse e me

envolverá no seu abraço e me beijará a face, satisfeito e feliz, assim

como esteve ao final da apuração, no dia da minha eleição.

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Chego aqui após 36 anos de trabalho ininterrupto e intenso,

curiosamente com a mesma idade e o mesmo período de exercício

profissional de quando meu pai adentrou a esta casa. Tive e tenho

intenso envolvimento entre assistência, ensino e pesquisa e, na última

década, agregou-se também a atividade administrativa inerente aos

cargos de direção por mim ocupados. Oitenta por cento da minha

atividade até hoje se desenvolve em Serviço Público, no Hospital das

Clínicas e no Incor, onde obtive toda a minha formação e que considero

a minha segunda casa. Ressalto ainda que outras instituições foram

também importantes na minha formação e desenvolvimento profissional

e destaco aqui os Hospitais Sírio Libanês, HCor, Albert Einstein e

Oswaldo Cruz, onde atuamos com uma unida e coesa equipe há 20

anos. Hoje me apresento a esta casa depois de uma longa jornada,

tendo sido guiado, amparado e suportado, portanto por muitas pessoas,

de diferentes instituições, com as quais quero dividir esta conquista.

É desnecessário dizer que eu convivi com a Medicina desde o início da

minha vida e essa influência do pai médico sempre esteve presente em

casa e, dos quatro irmãos, três formaram-se médicos. Entretanto, essa

forte influência nunca foi exercida de forma direta. Meu pai nunca disse

ou fez entender que era sua vontade que seguíssemos a sua profissão,

mas a Medicina sempre teve intensa presença entre nós. A dedicação do

meu pai à profissão sempre foi total e aprendi a conviver com médicos,

enfermeiros, estudantes de Medicina e o ambiente hospitalar desde

pequeno e, meus irmãos e eu, desde cedo, aprendemos o significado de

termos como centro cirúrgico, evolução, extracorpórea, alta e tantos

outros. Aprendemos, ainda, que era uma profissão de muito trabalho e

intenso envolvimento, pois nosso pai saía sempre muito cedo, não

almoçava nunca em casa e, muitas vezes, quando íamos dormir, ele

ainda não havia chegado. Entretanto, a imagem que nos foi passada,

nesse período, tanto por meu pai quanto pela minha mãe, acostumada a

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esse ritmo, foi de que o exercício profissional estava acima de tudo e o

paciente era sempre o que mais importava.

Aprendemos ainda que a profissão deve ser exercida com muita

naturalidade, confiança, satisfação e na sua plenitude. Outro fator que

certamente nos influenciou muito foi o de acompanharmos, em casa, a

busca constante do aprendizado, da atualização, do aperfeiçoamento e a

importância desses valores. Conhecemos, também muito cedo, termos

como congressos, jornadas, mesas redondas, bem como aprendemos a

frequentar esses eventos. Portanto, a despeito de não ter havido em

nenhum momento uma solicitação ou pedido formal para que nos

encaminhássemos para a Medicina, diria que isso era desnecessário.

A faculdade cursada foi a de Medicina do ABC, em Santo André, SP,

que, se por um lado era uma escola nova, teve o mérito de me fascinar

pela profissão, tal era a garra dos seus professores e tamanho era o

companheirismo entre os alunos. Procurei interessar-me por todos os

cursos de maneira geral, embora tivesse, desde o início, forte tendência

pela área cirúrgica. Assim, aproximei-me de atividades nessa área, tendo

uma lembrança particularmente marcante, que foi a possibilidade de, a

partir do terceiro ano, frequentar o enorme centro cirúrgico do Hospital

Beneficência Portuguesa, para auxiliar operações após o término das

aulas na faculdade, nos fins de tarde e à noite. Na cirurgia geral, fui

introduzido pelo Prof. Dr. Renato Andretto, ao qual sou eternamente

grato e do qual guardo uma recordação inesquecível, para qualquer

cirurgião: foi ele quem me ensinou como lavar as mãos, calçar avental e

luvas e me introduziu na arte da cirurgia, auxiliando as suas operações,

de estômago, vesícula, cólon e tireoide.

Nos anos de internato sofri forte influência de outro grande mestre, Prof.

Dr. Dario Birolini, que me ensinou os meandros da metabologia cirúrgica

e das unidades de terapia intensiva, ambas as áreas ainda incipientes,

mas destinadas a ocupar espaço central no tratamento e evolução de

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doentes cirúrgicos. Os contatos semanais que mantivemos por esse

período me marcaram para sempre e sua capacidade didática e

dedicação moldaram a minha estrutura médica para os próximos anos.

Ao final da faculdade, já estava completamente decidido pela prática da

Cirurgia e o próximo passo era fazer residência médica. Ao final dos dois

anos fui reconhecido como o residente que mais se destacou no Pronto

Socorro Cirúrgico, tendo recebido o prêmio Mário Ramos de Oliveira, do

qual muito me orgulho até hoje. E estava decidido pela Cirurgia Torácica

e Cardiovascular. Neste período, a minha formação médica foi

novamente influenciada por um professor, recentemente falecido, aos 92

anos, Prof Nagib Curi. Pessoa extremamente modesta e capaz

respeitava o paciente como poucos e centrou a sua vida e a sua atuação

profissional a formar discípulos e atender aos pacientes com atenção,

carinho e um senso humanitário ímpar. Cirurgião de grande destaque,

dentre sem incontáveis ensinamentos, repetia como um mantra que o

que caracterizava um bom médico não era o conhecimento acumulado,

mas a atenção verdadeira dedicada ao doente, ao seu diagnóstico e

tratamento. A partir de 1983, me fixei no Instituto do Coração (Incor),

sendo aí possível atuar tanto em Cirurgia Torácica quanto

Cardiovascular. Pouco tempo após, por concurso, fui contratado para

vaga de Assistente pelo HCFMUSP e indicado para auxiliar de ensino da

Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular, sendo complementado

pela Fundação Zerbini para permanecer em tempo integral no Complexo

HCFMUSP. Estas rápidas palavras prestam um tributo e uma justa

homenagem a meus grandes mestres na fase inicial da minha formação

profissional, dentro da área cirúrgica, moldando meu comportamento, me

impondo limites e mostrando horizontes, criando alicerces para meu

desenvolvimento profissional.

Segundo Fernando Pessoa, “O valor das coisas não está no tempo que

elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem

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momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Indubitavelmente, essas pessoas foram ou são incomparáveis.

Mas sem dúvida alguma, meu grande mestre foi meu pai, em todos os

sentidos. Na vida e na profissão. Orientações de um humanista, de um

homem sábio, de um profissional competentíssimo, com quem conviver e

trabalhar foram um privilégio inimaginável. Qualquer tentativa de

expressar isto em palavras será muito pouco, diante da sua magnitude e

da sua envergadura. Ele nos deixou um legado imenso de sabedoria, de

conhecimento, de ética, de profissionalismo e de retidão de caráter. Por

ocasião de sua morte, há alguns meses, muitas foram as homenagens

recebidas, e vou me permitir reproduzir aqui um trecho do artigo escrito

pelo Prof. Paulo Pêgo Fernandes: “O Prof. Adib foi um pensador brilhante

e um trabalhador e inovador incansável na busca de respostas às

questões cruciais da sociedade de seu tempo. Reconhecido como

cientista, cirurgião e professor admirável, também foi um gestor público

audacioso (como Secretário de Estado da Saúde de São Paulo e Ministro

da Saúde) e chefe de uma família exemplar. Ouso opinar que todas

essas suas qualidades têm a nascente em uma de suas características

mais marcantes e geniais: o olhar sempre jovial para as coisas da vida

(ele invariavelmente descobria algo inusitado onde a maioria enxergava

apenas o óbvio) e a paixão pelo ser humano. Sim, o olhar compassivo

para seus semelhantes fez do Prof. Adib Jatene, exemplo de uma elite

intelectual que tem um compromisso verdadeiro com o país e seus

cidadãos. Seu esforço incessante e sua busca da perfeição, possível em

todos os seus atos, nada mais foram do que a sua aspiração, sempre

presente, de ajudar as pessoas que sofrem a se sentirem melhores. Não

foram poucas as vezes em que, em conversas reflexivas, o Prof. Jatene

citou a frase de madre Tereza de Calcutá para explicar a chama que

deve guiar a inteligência para a busca de solução dos mais diferentes

aspectos da vida humana: “Sem fé não existe amor, sem amor não existe

entrega de si, e quem não for capaz de fazer a entrega de si, não está

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preparado para tratar dos que sofrem”. “Médico, ser humano, chefe de

família, amigo, cientista, liderança inovadora, cidadão e homem público

exemplares. Assim foi o Prof. Adib. Foi? Não. Ele ainda é, pois um bom

exemplo assim é eterno. O Prof. Adib Jatene continua a ser uma grande

inspiração para todos nós e para as gerações futuras.”

Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Nacional de Medicina,

Acadêmico Pietro Novellino, a partir de seu exemplo de liderança, que

por três oportunidades presidiu esta tradicional e egrégia instituição,

tenha certeza que adento esta casa, imbuído de um interesse verdadeiro

em contribuir com o que estiver ao meu alcance para seguirmos

avançando e construir uma Medicina melhor e um país melhor, para as

nossas futuras gerações. Sou muito grato ao senhor, pela forma isenta,

mas ao mesmo tempo receptiva, austera, mas ao mesmo tempo fidalga

com que tratou a minha pretensão de vir a pertencer a esta casa. Foi um

contato que me fez admirar mais a sua figura e a investidura do cargo

que Vossa Excelência ocupa.

Aproveito ainda o momento para agradecer a todos os senhores ilustres

acadêmicos que tornaram possível o meu ingresso nesta casa e que de

várias maneiras me receberam, incentivaram, apoiaram, orientaram e até

mesmo guiaram meus passos para que o caminho trilhado fosse o mais

correto possível e eu conseguisse chegar ao meu destino. O momento

da campanha e das visitas acadêmicas foi para mim um dos momentos

mais enriquecedores da minha existência. A possibilidade de conhecer e

poder interagir com os mais ilustres médicos do nosso país, me marcou

para sempre. Em que outra situação eu teria tido a oportunidade de ser

recebido por um número tão grande de colegas com tamanha influência,

qualificação e responsabilidade e poder expressar meus pensamentos,

colocar meus pontos de vista, debater ideias e expandir meus

horizontes? Grande momento pessoal, profissional e como experiência

de vida. Agradeço ainda a forma tão correta e atenciosa com que fui

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tratado. Mais formal em algumas situações, menos em outras,

cerimoniosa até em algumas, mas de uma correção e atenção sem

precedentes para comigo.

Faz parte da tradição desta casa que um novo Acadêmico faça um

retrospecto dos que já ocuparam esta cadeira, a de número 29, que

passarei a ocupar a partir de agora. Antes, porém, lembro que a atual

Academia Nacional de Medicina foi fundada em 30 de junho de 1829,

com o nome de Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, sob a

presidência de Joaquim Cândido Soares de Meirelles. Um ano mais

tarde, por decreto do Imperador passou a se chamar Academia Imperial

de Medicina e, em 1889, com o advento da República, passou a se

chamar Academia Nacional de Medicina. Ao longo da sua história, mais

de 657 ilustres médicos tiveram o privilégio de pertencer a esta casa e

participar dos seus destinos.

Esta cadeira 29, já teve ocupantes notórios e tem para mim uma feliz e

rara coincidência.

O seu primeiro ocupante foi o Acadêmico Joaquim Antônio de Oliveira

Botelho, que nasceu em Salvador, em 1827, e colou o grau de doutor em

Medicina, em 1850, pela Faculdade de Medicina da Bahia.

Foi sucedido pelo Acadêmico Daniel de Oliveira Barros D’Almeida, que é

o patrono da cadeira 29. Nascido em Recife, em 1858, o Acadêmico

Barros D’Almeida cursou medicina na Faculdade do Rio de Janeiro e

tomou posse na ANM em 1901. A sua memória, apresentada à época da

sua admissão denominava-se “A peste Antiga e a Peste Moderna”.

Segundo Jorge Dória, desfrutava do julgamento exato e rápido, produto

preciso da experiência e da lúcida intuição. Ninguém até então havia

conseguido aliar, com maior sabedoria, o bom senso ao tino clínico. Teve

de Deus a dádiva de possuir, como ninguém, a intuição da coisa

cirúrgica. E foi por essa razão, que diante de um quadro clínico

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alarmante, declarava, sem receio, o termo cunhado por ele e que ficou

muito conhecido à época: “É um operoma, a situação é de urgência, a

intervenção se impõe, não percamos tempo”. Ele foi de fato um farol que

iluminou por muito tempo o difícil e trabalhoso caminho da nossa

medicina e é, sem contestação, um dos nomes tutelares da nossa

Academia. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1919, sendo sucedido pelos

Acadêmicos João Marinho de Azevedo e Jorge Moutinho Dória, ilustres

Acadêmicos, na arte da Cirurgia.

A coincidência que havia referido aos senhores, vem agora, pois conheci

muito o próximo ocupante da cadeira 29 e também tinha grande apreço

por ele. Quando iniciei na Cirurgia Torácica e fui ao meu primeiro

congresso da especialidade, em 1981, fiquei muito impressionado com a

sua postura, experiência e influência sobre seus pares. Era o Acadêmico

Professor Jesse Pandolpho Teixeira. Tinha assistentes com enorme

experiência e foi formador de grandes cirurgiões torácicos, líderes de

vários serviços pelo país. Aos poucos me aproximei dele e passei a

receber da sua parte um tratamento sempre muito cordial e amigo. Tive

grande admiração e respeito por ele e o acaso fez com que pudesse, um

dia, ocupar a cadeira, que tão brilhantemente havia sido ocupada por ele.

Ele costuma dizer que no seu aerviço, nenhum paciente era rejeitado,

seja pela gravidade da doença, seja pela sua situação econômica. O

professor Jesse tornou-se membro da Academia em 1971 e faleceu em

1994. Nesta ocasião, o Acadêmico José Camargo, meu grande amigo

aqui presente escreveu: Jesse Teixeira morreu. Foi uma agonia lenta e

sofrida, mas ele enfrentou o sofrimento e a morte com a mesma

dignidade com que vivera. Aquela altivez que distingue os homens

superiores, que são assim especiais, porque parecem naturalmente

dignos, sem se esforçar. Foi uma perda dolorosa para mim em particular

e, sem dúvida, para mais da metade dos cirurgiões de tórax que atuam

no país e que tiveram o privilégio de sua tutoria fidalga e paternal... Não

importa a extensão da dor que a morte do professor provoque nas

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pessoas. Enquanto existir algum cirurgião de tórax que trabalhe com

seriedade e que busque obstinadamente a inalcançável perfeição e que

valorize a dignidade e elegância, Jesse Teixeira continuará vivo. O corpo

que enterraram lá no Caju é a parte menos importante da história de um

grande homem e esta não morrerá. Morremos um pouco nós todos que

aprendemos a querê-lo e a respeitá-lo. Lamento os que não puderam

privar de sua amizade e, mais ainda, os que tiveram a oportunidade e

não souberam valorizá-la. Que o exemplo de dignidade que caracterizou

a sua vida sirva de consolo para os que lamentarão a sua morte.

O Acadêmico que o sucedeu o professor Jesse e que me antecedeu foi o

professr Donato D’Angelo, que nasceu em Petrópolis (RJ), no ano de

1919 e formou-se pela Faculdade Fluminense de Medicina, em 1939. Era

doutor pela Faculdade Nacional de Medicina (UFRJ) e foi chefe de

Clínica do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa

Teresa, em sua cidade natal.

Em sua vida profissional, exerceu os cargos de chefe do serviço de

ortopedia do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários do

Hospital de Ipanema, do Hospital São Zacharias e do Hospital Santa

Tereza de Petrópolis.

O professor D'Angelo ocupou o cargo de professor titular de ortopedia da

Faculdade de Medicina de Petrópolis, desde 1967. Entre os anos de

1971 a 1998, foi editor chefe da Revista Brasileira de Ortopedia. Foi

membro fundador da Sociedade Brasileira de Reumatologia, da

Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão e da Sociedade Brasileira de

Medicina e Cirurgia do Pé. Exerceu a presidência da Sociedade de

Medicina de Petrópolis, no biênio 1963-1964. Como se pode notar, atuou

como protagonista no desenvolvimento da ortopedia moderna em nosso

meio.

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Recebeu diversos prêmios ao longo de sua carreira, com destaques para

a Medalha da Ordem do Mérito Naval, o título de Médico Benemérito do

Estado do Rio de Janeiro e Moções Congratulatórias pela Câmara

Municipal de Petrópolis. O Colégio Brasileiro de Cirurgiões concedeu-lhe

o título de Membro Emérito, em 1991, por suas realizações profissionais.

Donato D'Angelo faleceu aos 95 anos, no dia 24 de abril de 2014. Fico

muito honrado e agradecido com o comparecimento de sua viúva,

senhora Wanda D’Angelo a esta solenidade. Esteja certa que tentarei

honrar da melhor maneira possível esta cadeira, tão brilhantemente

ocupado pelo querido professor D’Angelo.

Para Carlos Drummond de Andrade, "Eterno, é tudo aquilo que dura uma

fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e

nenhuma força jamais o resgata".

Também é tradição desta casa que uma comissão introduza o novo

Acadêmico ao salão. Embora tivesse recebido, por parte de todos os

acadêmicos da casa, durante o período de visitas acadêmicas, uma

atenção que superou em muito as minhas expectativas, alguns deles se

mostraram tão participativos e envolvidos com a minha campanha, que

integrar esta comissão foi um passo natural dos acontecimentos. A cada

um deles, de maneira muito especial o meu mais profundo

agradecimento.

Inicio pelo Acadêmico Ivo Abrahão Nesralla que conheço e admiro há

muitos anos. Ele foi um dos responsáveis por fazer do Instituto de

Cardiologia de Porto Alegre um centro cardiológico de referência

nacional e internacional, pela sua excelência e grandeza. Quando soube

da minha ida a Porto Alegre, como parte da Campanha à Academia, teve

a gentileza de promover um almoço, acompanhado por sua esposa

Paula Anita, em sua residência e convidar outros acadêmicos, para que

lá pudéssemos interagir, conhecê-los melhor e me apresentar. Foi de

fato de uma atenção ímpar para comigo.

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O Acadêmico José de Jesus Peixoto Camargo é grande amigo desde

quando eu era residente e ele já um dos mais respeitados cirurgiões

torácicos do país, apesar de muito jovem. É portador de uma das

inteligências mais argutas e vivas que conheço e só sinto que a distância

que nos separa fisicamente me impeça de encontrá-lo mais vezes e

partilhar mais da sua experiência e brilhantismo. Dono de uma

capacidade de trabalho ímpar, construiu um enorme centro de cirurgia

torácica e é detentor de uma das maiores experiência mundiais de

transplante pulmonar e pioneiro desta operação em nosso país. Na

minha visita acadêmica, que parecia um pouco desnecessária a ambos,

tal a nossa proximidade, ele gastou duas horas me mostrando a

resolução de casos complexos de cirurgia traqueal. Ao final, foi intimado

por mim a publicar este material, que reputo o mais rico do mundo, pois

desconheço uma série tão impressionante de casos tão difíceis com tão

bom resultado. E além de tudo é um escritor brilhante!

O Acadêmico Paulo Niemeyer Soares Filho é a demonstração viva de

que uma grande amizade não precisa ser antiga. Nos conhecemos à

relativamente pouco tempo, em uma visita de trabalho à Israel e a partir

daí observamos a presença de uma grande afinidade no nosso

relacionamento. Suas orientações foram muito importantes em relação

ao ritual da campanha, a melhor maneira de me comportar e me

conduzir, sempre com a redobrada atenção de me contatar, de tempos

em tempos, para alimentar minha confiança e dissipar eventuais

desânimos.

O Acadêmico Raul Cutait, apenas poucos anos à minha frente, na

residência médica é integrante de uma das turmas da Faculdade de

Medicina da USP conhecida por ser uma das que produziu o maior

número de cirurgiões de grande destaque em um só ano e ele

naturalmente contribuiu para a notoriedade desta turma. Dele recebi

desde cedo uma contribuição à minha vida profissional. Disse-me ele um

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dia: Fábio, alguns médicos e principalmente os cirurgiões tem o péssimo

hábito de visitar os pacientes no pós-operatório, de forma muito rápida,

às vezes permanecendo poucos minutos no quarto e em pé. Quando

você for visitar um paciente, procure sentar. Isto demonstra que você vai

gastar um pouco mais de tempo com ele e reforça a confiança do

paciente em você. Nestes 36 anos de exercício profissional tenho

procurado seguir à risca este ensinamento tão simples e tão profundo no

seu significado e quando entro em um quarto já vou logo procurando um

lugar onde me sentar! Conversamos sobre o meu ingresso na Academia

em várias oportunidades, sempre vendo meu interesse crescer e a minha

ânsia de participar mais viva e presente.

Conheci o Acadêmico Ricardo José Lopes da Cruz há relativamente

pouco tempo. O conheci em uma visita à Academia, quando me

preparava para pleitear uma vaga e aproveitar para conhecer melhor a

Academia e seus membros. Fui, em um destes dias, surpreendido por

uma aula magistral, ministrada pelo acadêmico Ricardo Cruz. Apesar de

eu estar afeito a alguns dos procedimentos cirúrgicos talvez mais

complexos de toda a cirurgia, fiquei muito impressionado com o alto nível

de suas operações e procedimentos. Como um dos membros recentes

da Academia, penso que ficou apreensivo com meu desconhecimento de

parte dos acadêmicos e passou a me auxiliar. As minhas visitas ao Rio

de Janeiro, onde mora a maior parte dos acadêmicos, sempre se iniciava

pelo seu consultório a partir de onde traçávamos uma estratégia

geográfica, a partir da qual seguia meu caminho, sendo várias vezes

acompanhado por ele, quando julgava importante a sua participação na

minha apresentação ao acadêmico. Sou muito grato por toda esta

atenção e dedicação para comigo, fundamental para o sucesso da minha

campanha.

Os Acadêmicos Samir Rasslan e José Osmar Medina de Abreu Pestana

foram os que mais dialogaram comigo sobre os aspectos práticos da

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campanha, alertando-me quanto a possíveis dificuldades que teria e o

dia a dia desta etapa, sempre com incentivos e sugestões. Afinal nem só

de rosas são feitos os caminhos.

Segundo Ralph Waldo Emerson, escritor, filósofo e poeta americano,

nascido no início do século XIX, “A glória da amizade não é a mão

estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia.

É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém

acredita e confia em você”.

Tive ainda a inestimável honra de ter sido saudado nesta casa pelo

Acadêmico Professor Silvano Raia. O Prof. Silvano foi um dos meus

mentores durante a minha trajetória profissional. Grande parte da ligação

e proximidade que tenho com transplantes de coração e pulmão vem do

convívio com o professor Silvano nos primórdios do transplante de fígado

no nosso país, onde participei, estimulado por ele. Grande amigo de meu

pai, o conheço e admiro há muito tempo. O seu espírito muito vivo, de

uma jovialidade impressionante, são invejáveis e a sua capacidade

inovadora, aliada a um espirito organizador é extraordinária. Há homens

que envelhecem ainda jovens quando abrem mão de seus sonhos e

convicções e há homens que atingem a idade avançada permanecendo

jovens de alma e fiéis aos sonhos e convicções da juventude. Tivemos

grandes conversas e bons projetos que resultaram delas e tem sido um

privilégio poder participar da sua amizade, dos seus ensinamentos e da

sua persistência em tentar materializar os seus sonhos. Tenho uma

passagem que exemplifica bem o nosso convívio. Eu ainda residente me

deparei na enfermaria de doenças do fígado, dirigida pelo professor

Silvano, com um paciente portador de um grande tumor hepático,

diagnosticado como hemangioma, tão grande cujas dimensões eram as

do fígado normal. A indicação cirúrgica se impunha em contraponto ao

enorme risco operatório, pelo sangramento copioso, previsto. Os

métodos diagnósticos eram ainda precários e não se conseguia

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determinar os limites da massa tumoral e do parênquima hepático

normal. Preparamo-nos para uma verdadeira batalha, que seria a

operação. O professor Silvano conseguiu fios importados, inexistentes no

nosso meio; instrumentos cirúrgicos inéditos para poder coibir o

sangramento anunciado. Curioso que à medida que nos preparávamos

mais e mais nos sentíamos mais seguros e a confiança com o resultado,

antes muito pessimista foi se tornando mais evidente. No momento da

operação, entretanto, com o paciente deitado na mesa de operações, já

anestesiado, e o abdômen protuberante pelo avantajado tumor a nossa

confiança, confesso, esmoreceu um pouco. Após a abertura do

abdômen, saltou pela incisão um tumor enorme, com um enovelado de

vasos evidentes e calibrosos que imediatamente reconhecemos como

inoperável. Professor Silvano não se abalou. Manuseou o tumor, para lá

e para cá e para nossa surpresa ele não fazia parte do fígado e era sim

um apêndice do mesmo, de 2 quilos, ligado ao fígado por um pedículo,

composto de calibrosos vasos, de onde vinha seu suprimento sanguíneo.

Inacreditável! Foi uma operação de 5 minutos, tempo gasto para ligar o

pedículo e retirar o tumor, com sangramento zero! Lições aprendidas

com professor Silvano, a partir deste caso, para toda a vida de um

cirurgião: organize-se ao máximo; prepare-se para o pior; minimize as

chances de erro; respeite seus limites; proteja o paciente. Pode até ser

que a sorte do professor Silvano te acompanhe!

Segundo Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda

Guerra Mundial, “Vivemos com o que recebemos, mas marcamos a vida

com o que damos”. E eu recebi muito do professor Silvano, assim como

seus pacientes, seus alunos e a comunidade médica brasileira. Assim,

neste momento, só tenho que lhe agradecer.

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Ao longo destes 36 anos de trabalho incessante no Complexo Hospitalar

do HC, sendo 32 dedicados ao Incor, tive a oportunidade de conviver

com realidades muito distintas dentro de um mesmo hospital público. Em

2014, obtivemos resultados que vínhamos perseguindo desde o início do

programa de transplantes do Incor há 27 anos: o recorde nacional em

números absolutos em transplante de coração e pulmão; a sétima

colocação mundial em relação ao número de transplantes cardíacos

realizados e resultados comparáveis aos melhores centros do mundo.

São números que enchem de orgulho qualquer brasileiro, pois isto é uma

representação objetiva e palpável da nossa capacidade em superar

dificuldades e obter os melhores resultados possíveis. Portanto, somos

capazes de chegar lá, apoiados pelo nosso sistema público, nos seus

diferentes níveis de poder e de atenção. Entretanto e paralelamente a

isso, somos confrontados diariamente, no mesmo Incor, com dificuldades

para organizar o atendimento aos pacientes de emergência, que vem ao

nosso pronto socorro, que por sinal está em reforma para ampliação: são

tantos e de tamanha gravidade que o Incor poderia fechar todos os seus

demais setores de ambulatório e pacientes externos, que seria

tranquilamente alimentado e estaria totalmente lotado, com os pacientes

oriundos exclusivamente da emergência ou pronto socorro. Portanto,

simultaneamente ao sucesso em alguns setores há deficiências

importantes em outros. E este exemplo que temos em casa se repete em

outras tantas situações: o primor em imunização e atendimento à AIDS

em contraste à carência de leitos de UTI em várias regiões do país. E

tantos outros exemplos semelhantes podem ser identificados.

É também inegável que vivemos dentro da área médica do nosso país

um momento de grandes transformações e mudanças, algumas cujo

impacto já estamos absorvendo e outras que se apresentarão ao longo

dos próximos anos. Dentro deste raciocínio o tema escolas médicas

surge quase que naturalmente na discussão. Se por um lado temos

carência de médicos no nosso país particularmente em algumas regiões,

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há enorme preocupação com o processo deflagrado para tentar formar

estes médicos, com abertura recente de novas faculdades. Nos últimos

20 o número de escolas médicas triplicou e há hoje perto de 250 escolas

em funcionamento. Se por um lado se impõe a necessidade deste

crescimento, por outro há forte preocupação com o controle da qualidade

destes egressos das escolas médicas, principalmente das mais recentes.

É conhecido todo o processo a que estas novas faculdades tem que se

submeter, mas é imperioso que os mecanismos de controle estejam

muito ativos e vigilantes, presentes e eficientes, para garantir protocolos

de qualificação compatíveis com o bom exercício profissional e a garantia

de um atendimento seguro aos nossos pacientes. Se no cenário anterior

a 2000 esta preocupação era real, é perfeitamente legítimo considerar

que esta preocupação deverá aumentar e muito, a partir de agora.

Há alguns meses, em uma visita a esta casa, tive a oportunidade de

fazer uma apresentação sobre um assunto que gostaria de discorrer

rapidamente aos senhores. Trata-se do impacto das novas tecnologias

na área médica. Na minha área, cirurgia cardiotorácica isto é

particularmente sensível, mas é algo que afeta praticamente todas as

demais áreas. A inovação tecnológica pressupõe o desenvolvimento e a

introdução de novas drogas, dispositivos e procedimentos, visando novas

formas de cuidado aos pacientes, através de melhores opções

diagnósticas e terapêuticas. E qual é o problema que isto tem em relação

ao nosso país e aos nossos profissionais de saúde? O problema é que

durante as últimas décadas o desenvolvimento de tecnologias mais

sofisticadas foi um privilégio de países e centros mais desenvolvidos,

onde nosso país não se inclui. Ou seja, tecnologia foi e é desenvolvida

para auxiliar e melhorar a vida das pessoas, mas infelizmente temos

dificuldade de acesso a ela. São na sua maioria equipamentos caros e

importados, difíceis de serem obtidos e quando aqui chegam, com muita

frequência, há a defasagem tecnológica, ou seja, recebemos produtos de

uma geração anterior àquela que já está em uso nos países que

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desenvolveram os equipamentos. Entretanto, está muito claro que há

forte apelo para a utilização destes equipamentos e drogas, proveniente

dos próprios profissionais de saúde e da própria população usuária hoje

muito mais informada sobre os avanços e inovações. E qual é o impacto

que esta nova tecnologia apresenta sobre os sistemas de saúde? É

enorme. Apenas para exemplificar, os gastos anuais com cuidados de

saúde nos Estados Unidos aumentaram de 2 trilhões de dólares em 2005

para 4 trilhões em 2015 e no Brasil mais que triplicou, no SUS, entre

2000 e 2010. E parte deste aumento de custos pode ser atribuída à

incorporação de novas tecnologias. Se tomarmos o exemplo do nosso

país podemos observar que os gastos com saúde são desiguais e feitos

de maneira muito heterogênea entre nós. O gasto per capita é cerca de 4

vezes maior entre os pacientes do sistema de saúde suplementar

(basicamente convênios) do que no sistema público (SUS). Se nós

consideramos que o próprio sistema de convênios já apresenta muita

limitação, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de novas

tecnologias, o que dizer do SUS, onde os recursos são ainda mais

limitados? Podemos, portanto reconhecer que o emprego de tecnologias

é feito no nosso país de uma forma heterogênea e que a maioria da

nossa população não tem acesso a tecnologia de ponta. E basicamente

qual é o problema? O problema é que novas tecnologias são muito

caras. A realidade é que não se conhece nenhum produto, dispositivo ou

medicamento novo que seja de baixo custo. Não há, não existe. Produto

novo, de alta tecnologia é de alto custo, é caro. Foi desenvolvido ao

longo de muitos anos, muita pesquisa, muito trabalho. E isto custa muito.

Estamos, portanto, diante de um dilema: não temos acesso porque é

caro e difícil de ser obtido, mas por outro lado a não utilização nos faz

ficar cada vez mais distantes das melhores formas de diagnóstico e

tratamento. Isto para não levar em conta a pressão que é feita pela

indústria que desenvolve os produtos. Ou seja, todos querem ser

tratados com o que há de melhor e mais moderno, mas a pergunta é:

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quem vai pagar por isto e onde está o recurso para tal? A resposta é

simples: não há este recurso, não pelo menos no montante necessário.

Portanto tenho insistido que a incorporação tecnológica, em países com

o nosso perfil tem que ser feita de forma inteligente e não a qualquer

custo, sob o risco de inviabilizar o processo. Quando me deparo com

alguém que diz: você pode usar o equipamento, porque a fonte pagadora

vai se responsabilizar pelo pagamento, já sei que a conta será cobrada

mais adiante, de alguma forma. Reforço que devemos buscar propostas

eficientes e inovadoras para encaminhar tal questão. Disseminação

desse conceito nas escolas médicas, para que haja consciência desse

assunto, desde o início da formação profissional; mecanismos que

propiciem o fortalecimento de tecnologia própria nacional e

desenvolvimento de centros de excelência, para utilização controlada e

monitorada de equipamentos de alta tecnologia, com avaliação de custo

efetividade, são possíveis soluções para o encaminhamento dessas

questões. E temos tantos outros exemplos, como a dificuldade no

atendimento a cardiopatas pediátricos, só para citar mais um.

Estes exemplos servem para retratar que há um sem número de

problemas que se interpõem para que a medicina brasileira possa atingir

um nível de excelência almejado por nós e disponível para a toda a

população brasileira, indistintamente. Não uma medicina dos que podem

pagar por ela e uma dos que não podem. Uma medicina única,

competente, abrangente e igualitária. Entendo, com toda a humildade

que procuro ter neste momento, que isto só será alcançado através de

uma união verdadeira dos vários setores interessados e responsáveis

pelo encaminhamento destas questões: governos, entidades

acadêmicas, associativas, conselhais e da sociedade civil. E não prego

esta união como algo vazio, mas sim como um mecanismo eficiente do

encaminhamento das soluções de problemas tão complexos. Tenho

certeza que a Academia Nacional de Medicina, na qual orgulhosamente

me incluo a partir de agora seguirá colaborando na atenção a estes

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problemas, que são permanentes e só serão superados ou minimizados

com muita união de todos os setores envolvidos. Tenho convicção que

propostas unilaterais terão muito mais dificuldade de encaminhamento

que propostas coletivas e previamente acordadas.

Ao final, quero agradecer, mais uma vez, a todos pela presença e

prestígio que emprestam a esta solenidade. Em especial à minha família,

que foi o início de tudo: à minha mãe, Aurice, diuturnamente ao nosso

lado, zelando em cada detalhe para que pudéssemos nos desenvolver

da melhor maneira e crescêssemos moral e profissionalmente,

emprestando seu amor incondicional a cada um de nós. Meu pai, muitas

vezes ausente de casa, pelo seu grande envolvimento profissional,

sempre dizia que quem havia criado e moldado o caráter dos seus filhos

era ela. A meus irmãos Ieda, Iara e Marcelo, cunhados, Bia, Binder e

meus sobrinhos, meus agradecimentos por todo nosso companheirismo

e união. À minha querida esposa Silvana, todo o meu agradecimento e o

meu amor, por estar sempre ao meu lado, com a sua força e a dedicação

de uma vida, que nos possibilitou criar uma linda família composta pelos

nossos queridos filhos Rodrigo, Guilherme e Melina, minhas noras/filhas

Ana Beatriz e Gabriela e nossos netos queridos, Pedro, Bruno e Luisa,

razão das nossas vidas. Acompanhar a evolução de vocês, como pais e

mães dedicados e profissionais competentes e vê-los crescer, nos enche

de orgulho, tornam as nossas existências completas e nos faz

humildemente agradecer a Deus por isso, todos os dias de nossas vidas.

Antes de encerrar gostaria de reproduzir um pequeno trecho do discurso

que meu pai proferiu neste majestoso salão há 25 anos, por ocasião da

sua posse. Não posso deixar de fazer isto, porque isto talvez alivie um

pouco a falta e a saudade que sinto dele, neste momento.

“Se tudo mudou nas últimas décadas e se a medicina também mudou,

não mudou o homem, que diante da doença continua inseguro, aflito e

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com medo. Quando diante do sofrimento da doença lhe falta a certeza de

poder contar com alguém que lhe desperte a confiança e a fé.

O oposto do medo não é a coragem, é a fé. Fé que justifica, conforta e

alivia. Fé que faz superar as dificuldades, os insucessos, as amarguras.

O homem deve ser movido por alguma coisa mais que o prêmio ou o

castigo. Alguma coisa que o engrandeça e o dignifique, diante de seus

próprios olhos. O prazer de combater o bom combate, sem esperar

recompensa e sem temer o castigo, apenas pelo prazer de cumprir uma

missão sublime. E essa missão os médicos a cumprem.

Costumo dizer que somos um grupo de privilegiados, porque temos a

oportunidade de sentir o sentimento mais nobre, que é o da gratidão e de

sermos agasalhados pela esperança e pela confiança dos que se

entregam aos nossos cuidados.

Não há recompensa material que supere o sentimento de lealdade que o

médico sente quando responde a essa entrega que o doente faz do seu

destino e da sua própria vida.

Todo o trabalho, todo o esforço e todo o sacrifício da profissão não

almeja prêmio nem teme castigo. Tudo é feito porque acreditamos que a

missão de aliviar, confortar e curar é uma dádiva que nos engrandece e

nos enobrece, porque cuidamos do que a pessoa tem de mais nobre,

que é a sua própria vida”.

Muito obrigado.