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Discurso Dr. Marco Antonio Santana

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Discurso de Formatura de Medicina da Universidade Federal da Bahia Turma 2009.1Por Dr. Marco Antonio Costa Campos Santana

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DISCURSO DE FORMATURA por Dr. Marco Antonio Santana

Senhores pais, amigos, familiares, convidados, homenageados, membros da mesa diretora,boa noite!

Queridos, muito queridos formandos de Medicina da Universidade Federal da Bahia! Quefelicidade é estarmos todos aqui hoje para celebrarmos nossa vitória! A emoçăo destemomento é algo impossível de ser mensurado pois envolve uma gama decomponentes e situaçőes, umas previsíveis outras absolutamente inimagináveis. Ofato é que adrenalina, as endorfinas, a serotonina estăo em turbulência colocandoem risco a minha homeostase.

Nesse momento, a voz fica apertada e as palavras parecem insuficientes porque nenhumadelas é capaz de traduzir a intensidade dos sentimentos que vivenciamos agora. Olho aoredor,e observo o rosto de cada um dos presentes, nesta noite tão especial e o que vejo?Jovens e radiantes médicos, cada um afogado em um mar de pensamento e deexpectativas, de mãos frias e explodindo de ansiedade por chegar ao baile.

Diante de tantas emoções, tentarei fazer da minha voz, ainda que com um pouco desotaque, a voz de cada um dos meus colegas, de forma que vocês, queridos, não devamestranhar se em determinados momentos vocês se reconhecerem naquilo que falo frasesproferidas e gravadas em minha memória durante todo esse período que passamos juntos.

Há cerca de sei anos, a maioria deste grupo vivia o êxtase de ser aprovado em um dosvestibulares que, mesmo antes das cotas, era um dos mais concorridos do Brasil.Entrávamos na tão sonhada faculdade de medicina da Universidade Federal da Bahia.

Nesse período tão inesquecível para cada um de nós, muitos dos convidados aqui presenteseram testemunhas da nossa alegria, vibraram com o nosso sucesso e nos fizeram crer queéramos especiais, inclusive imediatamente passaram a nos chamar de “doutor” e a solicitarconsultas. E estávamos todos exaltados, orgulhosos, cheios de si. A partir daquele dia cadamovimento de nossas vidas se deu em direção ao mesmo sonho: Nos tornarmos médicos.

Um longo caminho de pedras nos esperava, mas trazíamos a esperança no peito e a certezade que o nosso sonho seria o bastante para suportarmos todas as dificuldades. Mas éramostodos muito ingênuos. Ingênuos, porque nenhum de nós tinha a real noção datransformação que estava por vir.

Você se achava o mais inteligente da sua turma no colégio? Que pena. Com o início dasmatérias básicas o manto da humildade foi vestido sob o peso dos tomos de Anatomia,Histologia, Patologia, Imunologia Biologia... E da mais pura agonia. Um mundo novo edesafiador se revelou a nós em forma de partículas microscópicas e substâncias crípticasque pouco entendiam, mas que tinham o poder de vida e de morte sobre nossos corpos. Omassacre de informações só não era maior que a ânsia de saber e da fome de crescer.

Aí começaram os sacrifícios. Noites e mais noites perdidas estudando. Não que estudar sejaperda de tempo, longe disso, mas para um jovem de vinte e poucos anos, imbuído deenergia e disposição frutos do sentimento de emancipação causado pelo início da vidauniversitária, o tempo parece querer correr em sentido das festas, dos amores, dos amigos,ou mesmo do bar da esquina. Mas, heróis, seguimos estudando.E hoje, quando recordamos todas essas dificuldades, sentimos o gosto da vitória ainda maisacentuado e percebemos um sentido que não conseguíamos enxergar naquele momento:tudo fazia parte do processo de transformação a que seríamos submetidos. Era preciso ter acerteza do nosso sonho questionada para que pudéssemos reconstruir na realidade aquilo

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que apenas tínhamos na idealização.

Então chegou um momento pelo qual muito esperávamos: Nosso primeiro contato com ospacientes.

Muitas vezes tivemos vontade de fugir ao nos depararmos com eles na porta do consultórioou no leito da enfermaria. Nosso coração bateu forte e ansioso, nossas mãos tremeram enosso corpo suou frio. Mas logo nossos olhares se encontraram, o deles em busca de apoio,o nosso em busca de aceitação, foi amor à primeira vista. Eles se entregaram de corpo ealma, nos contaram sua história de vida, seus temores, seus desejos, suas dores, e nempor um minuto duvidaram de nossa capacidade, bem, talvez por um minuto ou dois, masenfim. Nós ouvimos atentamente, buscamos cada detalhe a procura da causa de seusmales. Passamos dias e noites estudando, pesquisando, perguntando. Sempre desejandoaprender mais com o intuito de lhe ajudar, até que um dia nos agradeceram apenas porsentar e ouvir, por lhes dar a mão e compartilhar de suas dores. Eles foram o estímuloprincipal para nosso crescimento. Nos fizeram enxergar que sem a compreensão e ocarinho, de nada vale a mais perfeita técnica e que deve haver harmonia entre a ciência e aalma, e isso não se aprende lendo os 2 volumes do Manual de Semiologia de Mario Lopes

Compreendemos ali a verdadeira lição sobre a profissão que tinhamos decidido seguir peloresto de nossas vidas. Não, não é uma profissão melhor ou mais importante que nenhumaoutra, mas é a única que permite conhecer e cuidar do ser humanos desde seus menoresfatores bioquímicos até a maneira como as pessoas se relacionam. Ser médico é serespecialista em ser humano.

Chegamos ao internato, e enfrentamos o dia-a-dia das enfermarias e dos ambulatórios.Experimentamos a sensação do cuidar, do aliviar, do confortar. Fomos desafiados acontinuar sensíveis, mesmo diante do repetido quadro de sofrimento e de mazelas sociaisque presenciávamos, das dificuldades do sistema de saúde brasileiro que força seusprofissionais a serem verdadeiros artistas de circo para lidar com seus problemas. Pena quesão por vezes malabaristas e por vezes palhaços.

Tivemos contato com a morte, nas suas mais diversas faces: vimos a morte da criança e dojovem, que se foram ainda com face angelical, imaculados, vítimas dos maus tratos sociais,vimos a morte da mãe de família acometida por doença incurável, vimos a morte do velho,que se por um lado parecia executar a música convencional da vida, por outro mostrava quea dor da ausência parece independer do momento em que o fim da jornada acontece.

Vimos a morte de pessoas honradas e de outros nem tanto. De todas as experiênciasvividas a morte escrevi esse poema que, me permitam, ler neste momento. Chama-se "OMédico".

O MÉDICO

Vê confiarem-lhe a vidaLida dia a dia com a morteMas quando encontra saídaÉ por saber ou é por sorte?De branco pelos corredores

Caminha o fantasmaSalvação dos sofredores

Perdição do miasmaVisão primeira do reanimadoE também do recém-nascido

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Porém a última sombra do finadoQue pelo fato de ter morridoTorna-lhe o dia por frustrado

E se com isso não for prevenido.Ao menos foi avisado.

Que a vida tem validadeIndepende de merecer

A morte rapida ou na agoniaPois se sabe que na verdadeO pre-requisito para morrerÉ ter vivido apenas um dia

Logo, por Deus não tome o nomePois a isso não tem direito

Não é mais do que um homemPressionado a ser perfeito

Sim, pressionados a ser perfeitos.

Com a aproximação de nossa formatura nossos pensamentos se desviaram bastante do queeram anteriormente. O velho idealismo romântico estudantil passou a dar lugar a umpensamento real, palpável e pragmático, o nosso futuro profissional.

Na constituiçăo de 88 foi decretada a extinçăo da humilhante figura do indigente, pois asaúde passou a ser direito de todos e obrigação do estado. Do mesmo modo desapareceu afigura do médico profissional liberal. O médico passou aracionar os seus horários para fazer frente às dificuldades e obstáculos e tentar manter o

seu padrão de vida. O avanço tecnológico e científico, “a famosa tecnologia de ponta”,abriu novoscaminhos para os profissional e pacientes porém o seu alcance é difícil e oneroso. E agoraneste ponto estão o médicos modernos. Tendo em vista o avanço estupendo das ciencias, edas informações acessíveis à velocidade da luz, o médico agora vê-se confrontado comuma população que cobra pelo que há de melhor e mais moderno, e ele vê-se limitado pelosentraves burocráticos mercantilistas e das deficiências econômicas que o forçam a sacrificara qualidade do seu trabalho em busca de uma suposta razão custo-benefício.

Além disso, na sociedade atual a figura do médico tem perdido o respeito que desfrutou nosúltimos 200 anos.Muito disso causado pela desova vergonhosa de profissionais malpreparados e materialistas, formados em instituições mambembes, que culminaram emuma enxurrada de processos ético-profissionais nos Conselhos de Medicina do Brasil afora.Mas há esperança.

Mas eu falo por uma turma que tem esperança. Uma turma formada com os pés fincadosnos preceitos da ética e da postura profissional.Uma turma que enfrentou unida asdificuldades de uma, duas, TRÊS greves consecutivas sem baixar a cabeça. Uma turma quefoi elogiada por onde passou pelos professores mais admirados e ilustres da Bahia.É um orgulho ser parte desta turma.

Uma turma que compartilhou das mais diversas emoções: dor, angústia, medo, limitação,superação, felicidade, reconhecimento. Fizemos amizades que levaremos por toda a vida,mesmo sabendo que nossos caminhos, neste momento, tomarão destinos diferentes. Fica acerteza de que estaremos ligados pela lembrança dos anos compartilhados.

Sabemos que a batalha que se iniciará em seguida não será fácil, mas fica o desejo de quenão percamos a vontade de ajudar as pessoas, a garra, o brilho do olhar e nem a nossacapacidade de indignar-nos, pois o futuro depende de nós. Mas antes devemos agradecer

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aos responsáveis por tudo isso.

Após anos de sacrifício e dedicação, na busca do conhecimento, acabamos por descobrir quenossos melhores mestres não foram os que nos ensinaram as respostas, mas sim aquelesque nos ensinaram as perguntas. Transmitiram-nos um pouco de si, suscitando em nós acritica, os sonhos e as expectativas.Talvez as respostas que aprendemos se percam ao longo do tempo, talvez não noslembremos daquela fórmula, daquele algoritmo, daquele critério diagnóstico específico,porém, jamais nos esqueceremos de quem me ensinou a questionar, a pensar, sonhar eaprender. Não se pode ensinar alguma coisa a alguém, pode-se apenas auxiliá-lo adescobrir por si mesmo. O processo da lapidação humana é árduo e exige dedicação,abnegação e experiência e por isso permitam-nos, mestres, render-lhes estes brevesagradecimentos, tão pequenos diante da atenção que recebemos de vocês. Obrigado.

E nossos pais. Posso dizer que hoje, sentados aqui nessa platéia, temos três tipos de pais:aqueles que vibram sem medo de serem ridículos, aqueles que falam pouco, tentam segurara emoção e disfarçadamente limpam uma ou outra lágrima que insiste em cair de sua face,e ainda temos aqueles mais durões, que tentam convencer a si próprios e aos outros quevão tirar de letra toda a emoção.

Não importa qual deles seja o senhor ou a senhora, sabemos que quando os nossos nomesforem anunciados, as palmas mais fortes partirão de suas mãos e as lágrimas maisverdadeiras cairão de suas faces.

E por mais que estivéssemos tão envolvidos com o nosso próprio caminho, reconhecemoshoje que sem vocês não teríamos chegado aqui e esse é momento de receber, comoreconhecimento da nossa mais sincera gratidão, o aplauso mais intenso e caloroso dos seusfilhos!

Por fim, por mais difícil que tenha sido o caminho até este momento, nada se compara como que ainda está por vir, mas nada disso é motivo para desanimar. Somos acima de tudovitoriosos, heróis, tenazes em busca de nossos objetivos. Faço reverência a vocês e a todosos que participaram desta conquista.

A todos, o meu muito obrigado pela paciência, atenção e respeito. Vamos celebrar.