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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO TEXTO E DO DISCURSO LINHA DE PESQUISA: DISCURSO, MEMÓRIA E IDENTIDADE DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA PRODUTIVA DO JORNAL DE FATO MARIA IVANÚCIA LOPES DA COSTA PAU DOS FERROS RN 2013

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - PPGL

MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO TEXTO E DO DISCURSO

LINHA DE PESQUISA: DISCURSO, MEMÓRIA E IDENTIDADE

DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA

PRODUTIVA DO JORNAL DE FATO

MARIA IVANÚCIA LOPES DA COSTA

PAU DOS FERROS – RN

2013

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Maria Ivanúcia Lopes da Costa

DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA PRODUTIVA

DO JORNAL DE FATO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL, do Departamento de Letras – DL, do Campus Avançado “Profª Maria Elisa de Albuquerque Maia” – (CAMEAM) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestra em Letras. Área de concentração: Estudos do discurso e do texto.

Orientadora: Profª. Dra. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes

PAU DOS FERROS – RN 2013

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Costa, Maria Ivanúcia Lopes da.

Discurso e relações de poder: uma análise da rotina produtiva do Jornal de Fato. / Maria Ivanúcia Lopes da Costa. – Pau dos Ferros, RN, 2013.

89 f. Orientador(a): Profª. Dra. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes. . Dissertação ( Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Discurso - Dissertação. 2. Saber - Dissertação. 3. Relações de poder - Dissertação. I. Mendes, Marcília Luzia Gomes da Costa . II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título.

UERN/BC CDD 401.41

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Bibliotecária: Elaine Paiva de Assunção CRB 15 / 492

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Maria Ivanúcia Lopes da Costa

DISCURSO E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA PRODUTIVA DO JORNAL DE FATO

Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como requisito final necessário à obtenção de grau de Mestre em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN.

Dissertação defendida e aprovada em 31 de Janeiro de 2013.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profª.. Dra. Marcília Luzia Gomes Costa Mendes (UERN)

Presidente da Banca

_______________________________________________________ Prof. Dr. Daniel Dantas Lemos (UFC)

Examinador

_______________________________________________________ Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho Martins (UERN)

Examinador

_______________________________________________________ Prof. Dr. Ivanaldo Oliveira dos Santos Filho (UERN)

Examinador - Suplente

PAU DOS FERROS – RN 2013

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À minha mãe Lúcia (in memoriam), que em vida me ensinou a viver, e “além da vida” me

faz querer continuar.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela fortaleza e discernimento.

Ao meu pai Ivonaldo, que me oferece a benção diária para que eu acorde todos os

dias querendo ser alguém de quem ele se orgulha.

À minha mãe Lúcia (In memoriam), que me fez querer ser quem sou, tornando-me

capaz.

À minha irmã Ivanúbia, o presente mais significativo que já recebi de meus pais,

para que eu pudesse crescer junto, cuidar e amar.

À Wandison, pela alegria contagiante e pela forma leve e apaixonante com que

entrou em minha vida.

A todos os familiares e amigos, que acompanham minha trajetória e torcem pela

minha realização pessoal e profissional.

À minha orientadora Dra. Marcília, por me conduzir neste caminho da pesquisa

sempre dando o auxílio necessário, e por acreditar em meu potencial. A nossa

parceria continua.

Aos colegas do mestrado Thulho, Ananias, Francisco e Márcia que souberam ser

além de colegas, companheiros. Em nome deles agradeço aos demais que

partilharam comigo momentos de desabafo, de crescimento, de tensão, e de

descontração. Saudades!

Aos professores Dr. Gilton Sampaio e Dr. Marcos Von Zuben, pela atenção e

recomendações na minha qualificação de mestrado.

Agradeço ao Jornal de Fato por terem contribuído de forma tão significativa com a

nossa pesquisa.

Aos queridos secretários do PPGL/UERN Marília e Ricardo, pela simpatia e

atenção com que sempre estiveram à disposição para qualquer dúvida.

Ao Programa de Pós Graduação em Letras – PPGL – da Universidade do Estado do

Rio Grande do Norte e seus professores por toda dedicação no processo constante

de melhoria do Programa.

À Capes pela bolsa auxílio concedida, que foi de grande ajuda para que pudesse

me dedicar exclusivamente aos estudos e à elaboração da dissertação durante o

Mestrado.

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“A ordem é ao mesmo tempo aquilo que se oferece nas coisas como sua lei interior, a rede secreta segundo a qual elas se olham de algum modo umas às outras e aquilo que só existe através do crivo de um olhar, de uma atenção, de uma linguagem...”

(Michel Foucault)

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RESUMO

A nossa proposta é analisar o discurso e as relações de poder presentes no processo de construção da notícia no Jornal de Fato. Para esta análise fundamentamo-nos nas teorizações da Análise do Discurso (AD) de orientação francesa, área do conhecimento que produz seu próprio tecido através das contribuições de outras áreas das ciências sociais. Neste campo recorremos principalmente aos aportes de Foucault (2007, 2009, 2010, 2011) como as noções de ordem, poder e verdade, observando as artimanhas do saber-poder presentes na rotina produtiva do Jornal de Fato. São objetivos desse estudo analisar quais acontecimentos motivam a noticiabilidade do Jornal de Fato; investigar os mecanismos de produção de uma vontade de verdade e analisar os elementos que, na ordem do saber, contribuem para o estabelecimento de relações de poder, considerando a ordem do discurso. Metodologicamente, realizamos a leitura do corpus observando os aspectos que figuram como constitutivos do sujeito informador, considerando o lugar social que ocupa, sua relação com o fato, e a ordem discursiva do Jornal. A análise apontou que a rotina produtiva do jornal é marcada pela discursivização de verdades, comandada pelos efeitos de sentido produzidos no discurso do próprio jornal e naqueles regulados para tal condição, incluindo aí os discursos dos atores envolvidos diretamente no processo de construção da notícia. Em síntese, o presente estudo constatou ainda que o discurso em geral e o discurso jornalístico, em particular, irrompe de um conjunto de arranjos, de possibilidades que dependem de relações já estabelecidas e de enunciados já propalados e que o sujeito-informador é uma construção discursiva, produto do poder e do saber. Palavras-Chave: Discurso. Saber. Relações de Poder.

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ABSTRACT Our proposal is to analyze the discourse and the power relationships present in the process of building the news in the De Fato Journal. For this analysis we have been grounded in theories of Discourse Analysis (DA) French oriented, knowledge area that produces its own tissue through contributions from other areas of the social sciences. In this field we have appealed mainly to the contributions of Foucault (2007, 2009, 2010, 2011) as the notions of order, power and truth, observing the antics of the knowledge-power relation present in the routine production of the De Fato Journal. The objectives of this study are: Analyzing events which motivate the newsworthiness of the De Fato Journal; Investigating the mechanisms of production of truth willingness and Analyzing the elements that in order of knowledge, contribute to the establishment of power relations, considering the order of discourse. Methodologically, we accomplished the reading of the corpus observing aspects which appear as constitute the informant subject, considering the social position he occupies, his relationship with the fact, and the discursive order of the newspaper. The analysis showed that the routine production of the newspaper is marked by discursive-based truths, led by the effects of meaning produced in the discourse of the newspaper itself and those regulated for such condition, including the speeches of the actors directly involved in the process of news-building. In summary, the present study also found that the speech in general and journalistic discourse, in particular, breaks out from a set of arrangements, of possibilities that depend on relationships already established and already publicized statements and that the informant subject is a discursive construction, product of power and knowledge. Keywords: Discourse; Knowledge. Power Relationships.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – ORGANOGRAMA ................................................................................53 FIGURA 2 – LOGOMARCA E SLOGAN ...................................................................53

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 11

1 NA REDE DO DISCURSO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A

ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA ...................................

14

1.1 O CAMPO TEÓRICO DA ANÁLISE DO DISCURSO:

FUNDAMENTOS E PRÁTICAS ..................................................................

14

1.1.1 Enunciado e acontecimento ........................................................... 16

1.1.2 Formações Discursivas (FDs) ........................................................ 17

1.1.3 O sujeito discursivo ........................................................................ 18

1.1.4 Arquivo e Memória .......................................................................... 19

1.2 A MÍDIA E A ORDEM DO DISCURSO ................................................. 21

1.3 A NOÇÃO DE PODER E VERDADE E SUAS RELAÇÕES COM O

SABER NA MÍDIA .......................................................................................

24

1.4 TRAJETO TEMÁTICO .......................................................................... 28

1.5 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO

CORPUS ....................................................................................................

29

2 INFORMAÇÃO COMO DISCURSO: O PROCESSO DE

CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA ....................................................................

32

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................ 32

2.2 DISCURSO E/DE INFORMAÇÃO ........................................................ 33

2.3 O DISCURSO JORNALÍSTICO E O SABER INSTITUCIONALIZADO. 35

2.3.1 A notícia: enlaçando conceitos ..................................................... 37

2.3.2 O newsmaking e a notícia como produto ...................................... 40

2.3.2.1 O fato e as fontes ........................................................................... 41

2.3.3 O gatekeeper e os valores-notícia ................................................. 42

2.3.4 O discurso reportado ...................................................................... 44

3 RELAÇÕES SABER/PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA

PRODUTIVA DO JORNAL DE FATO ........................................................

46

3.1 CONHECENDO O JORNAL DE FATO ................................................ 46

3.2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS: DO PROJETO ATÉ A REDAÇÃO . 47

3.3 A ROTINA PRODUTIVA NO JORNAL DE FATO ................................. 48

3.4 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA E A TRAMA DOS

SENTIDOS .................................................................................................

51

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3.4.1 Hierarquia e organização geral da redação: Caracterizando os

sujeitos ......................................................................................................

52

3.4.2 O Jornal de Fato: Construção de sentido e valor de verdade...... 53

3.4.3 Garimpando o fato, lapidando a notícia ........................................ 54

3.4.4 Noticiabilidade: entre fatos e critérios .......................................... 58

3.4.5 As fontes de informação .............................................................. 64

3.4.6 Construção da notícia e a ordem discursiva ................................ 66

3.4.7 Onde está o foco: A empresa, a linha editorial e os

mecanismos de controle ..........................................................................

69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 78

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 80

APÊNDICE ................................................................................................. 82

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INTRODUÇÃO

O interesse por trabalhar com o discurso e entender o processo de

construção das notícias dentro das rotinas produtivas na redação foi o que nos

instigou a realizar essa pesquisa. Muito certamente, por interesse pessoal e

profissional, nos permitimos justificar pela graduação em jornalismo no ano de 2008,

para então dialogar com os estudos desenvolvidos na área de linguística e

compreender a produção discursiva que circula em nosso cotidiano, advinda dos

meios de comunicação de massa, especificamente os meios impressos.

O anseio de desenvolver esse trabalho se tornou mais intenso pela

constatação dos vínculos estreitos entre o jornalismo e os estudos da linguagem, o

que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa dentro do Programa de Pós

Graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

(UERN). Ao longo do primeiro ano dentro do PPGL aprimoramos o projeto e

refletimos com mais afinco a proposta, tendo a oportunidade de articular sua base

teórica e pensar metodologicamente o seu desenvolvimento.

Esta dissertação parte do pressuposto de que os produtos da mídia são

recebidos por indivíduos que estão sempre situados em específicos contextos sócio

históricos, e esses contextos se caracterizam por relações de poder relativamente

estáveis e por um acesso diferenciado aos diversos discursos produzidos

institucionalmente. Nosso objetivo é analisar o discurso e as relações de poder

presentes no processo de construção da notícia no Jornal de Fato, e para isso

observamos as relações entre os sujeitos envolvidos neste processo, considerando

a linha editorial do veículo e seus critérios de noticiabilidade, a fim de perceber a

articulação entre o poder e o saber.

Um dos principais desafios que trazemos para este estudo é a visão de que a

verdade e o poder estão mutuamente interligados, através de práticas

contextualmente específicas, que por sua vez, estão intimamente intrincados à

produção do discurso, que é regulado pelas formações discursivas atuantes entre si.

Sendo assim, é possível reconhecer que as práticas – desenvolvidas

especificamente no âmbito do jornalismo impresso – seguem uma rotina de trabalho

determinada pela prática editorial, sendo o discurso jornalístico, lugar de relações de

poder. Partindo disso, tratamos o discurso com base na Análise do Discurso (AD),

que o trata como constitutivo do sujeito e de sua história.

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Em vista disso, pareceu-nos adequado considerar que a mecânica da

construção do sentido só é possível a partir das trocas sociais e da necessidade de

significar as coisas. Sendo assim, pode-se considerar o ato de informar como sendo

a natureza do saber transmitida sob efeito de verdade, de modo que os meios

discursivos empregados provem a autenticidade ou a verossimilhança dos fatos.

E, sendo a notícia o resultado pretendido do processo jornalístico de

produção de informação, diz-se que ela indicia os aspectos da realidade que refere,

ocupando-se dos fatos e de sua representação, que nasce da interação entre vários

discursos. É de nosso interesse, portanto, acompanhar o modo pelo qual os

“construtores da notícia” constituem os seus discursos sobre o processo dentro da

rotina produtiva do jornal.

No que diz respeito à organização, nosso trabalho distribui-se em três

capítulos. O primeiro deles, intitulado “Na rede do discurso: algumas considerações

sobre a Análise do Discurso de linha francesa” destina-se à apresentação dos

dispositivos operacionais a partir dos quais esta investigação/análise se pauta.

Inicialmente, fazemos uma breve abordagem sobre o trajeto epistemológico da

Análise do discurso francesa. Em seguida, discutimos conceitos basilares, como:

enunciado, acontecimento, formação discursiva, saber, poder e ordem do discurso.

Posteriormente, expomos e justificamos a escolha do nosso corpus. Finalizamos o

capítulo, com uma abordagem, em linhas gerais, do modo de operacionalização

empregado na/para a leitura do corpus.

No segundo capítulo intitulado “Informação como discurso: O processo de

construção da notícia” fizemos inicialmente uma contextualização para em seguida

apresentar as demais fundamentações teóricas do trabalho. Enquanto o capítulo

inicial apresenta os procedimentos teórico-metodológicos para a análise, este

segundo enfoca principalmente as considerações teóricas sobre a informação e o

discurso noticioso. Para isso, preocupamo-nos em descrever, conceituar e empregar

os conceitos para compreender o universo da nossa pesquisa, dentro da redação de

jornal impresso. Abordamos conceitos como: notícia, newsmaking, fatos, fontes,

gatekeeper, entre outros.

O terceiro e último capítulo é dedicado ao corpus, à análise propriamente dita.

É o momento no qual, debruçados sobre ele, mobilizamos os conceitos e

dispositivos analíticos sobre os quais nos deixamos guiar ao longo da pesquisa, na

descrição e interpretação do corpus. Para isso, não perdemos de vista nossa

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experiência de pesquisa de campo e expomos a rotina produtiva no jornal.

Por último, a fim de condensar os resultados a que chegamos e promovê-los

sob efeito de finalização, expomos as considerações finais.

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1 NA REDE DO DISCURSO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE

DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA

1.1 O CAMPO TEÓRICO DA ANÁLISE DO DISCURSO: FUNDAMENTOS E

PRÁTICAS

Tecida em um momento de fervor na política francesa, a Análise do Discurso

(AD) nasce como uma teoria perturbadora, isto porque tanto os seus fundadores

quanto os que influenciaram sua feitura: Louis Althusser, Michel Pêcheux, Julia

Kristeva, Michel Foucault, Michel De Certeau, eram membros integrantes do Partido

Comunista francês (PCF) – órgão alicerçado no Marxismo, que liderava as

discussões da época.

Fruto das interpretações feitas por Althusser, Bakhtin, Lacan e Foucault sobre

Saussure, Marx e Freud, a AD promoveu o encontro entre a linguística e a história,

questionando o “corte1” e a delimitação do campo da linguística, e rearticulando o

sistema linguístico com as condições históricas da língua em uso, por meio das

condições de produção desses discursos.

Ela surge, então, como uma disciplina que entremeia as adjacências teóricas

formadas pelo que Pêcheux chamou de tríplice aliança, com contribuições da

Linguística, do Marxismo e da Psicanálise.

Quatro nomes, fundamentalmente, estão no horizonte da AD derivada de Pêcheux e vão influenciar suas propostas: Althusser com sua releitura das teses marxistas; Foucault com a noção de formação discursiva, da qual derivam vários outros conceitos (interdiscurso; memória discursiva; práticas discursivas); Lacan e sua leitura das teses de Freud sobre o inconsciente, com a formulação de que ele é estruturado por uma linguagem; Bakhtin e o fundamento dialógico da linguagem, que leva a AD a tratar da heterogeneidade constitutiva do discurso (GREGOLIN, 2003, p.25 grifos da autora).

A ideia de descontinuidade parece intrínseca à disciplina, que já passou por

várias mudanças em seus conceitos. Por conta disso, localizam-se três fases: a

1 Aqui nos referimos ao corte língua-fala feito por Saussure. De acordo com o Curso de Linguística

Geral, Saussure toma o signo como arbitrário e oferece uma interpretação da língua que coloca do lado a abstração, para afastá-la do empirismo e das considerações psicologizantes. A crítica ao corte reflete sobre a questão do sentido e que permite estabelecer uma nova relação, pensada então entre a língua e o discurso.

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primeira atrelada à ideologia, e influenciada pelas teses althusserianas em que

Pêcheux vê o sujeito atravessado pela ideologia e como assujeitado à máquina

discursiva do Estado. A segunda, quando constata-se a existência do Outro no

discurso, e quando a noção de Formação Discursiva (FD) tomada de empréstimo de

Foucault fragiliza a ideia de máquina discursiva presente no primeiro momento da

AD e entra em jogo a noção de interdiscurso e memória discursiva, que veremos

mais detalhadamente no decorrer do trabalho. A terceira fase começa a ser

encaminhada quando a heterogeneidade discursiva se mostra nas discussões,

quebrando a noção de máquina discursiva estrutural e de um discurso homogêneo.

Deste modo, a Análise do Discurso surge com o intuito de integrar aos

estudos da linguagem aspectos como o sujeito e a história, relacionando língua e

discurso, conforme Orlandi (2007, p. 22):

A Análise do Discurso relaciona língua e discurso. Em seu quadro teórico, o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes linguísticos ou determinações históricas, nem a língua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos. As sistematicidades linguísticas – que nessa perspectiva não afastam o semântico como se fosse externo – são as condições materiais de base sobre as quais se desenvolvem os processos discursivos. A língua é assim condição de possibilidade do discurso.

Entende-se, desse modo, que há uma relação fundamental entre o linguístico

e o histórico, e que esse campo transdisciplinar determinou inúmeras pesquisas que

se voltam para a compreensão de como se dá a produção e interpretação de textos

em um determinado contexto histórico, em uma determinada sociedade.

De acordo com Gregolin (2003), esses estudos no Brasil vêm se

desenvolvendo desde o final dos anos 1970 e consolidaram um fértil campo de

investigação que associa os estudos linguísticos com as problemáticas sociais da

História. Partindo disso, a AD não trata da língua, não trata da gramática, embora

tudo isso lhe interesse. Ela trata do discurso. E a palavra discurso,

etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de modo que pode ser

entendido como a palavra em movimento, um objeto sócio histórico (ORLANDI,

2007). Em suma, a AD trata do discurso como constitutivo do sujeito e de sua

história.

Diante do que já vimos nos voltamos agora para os dispositivos teórico-

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analíticos que alicerçam a AD. E, assumindo o lugar de analista de discurso é

preciso considerar algumas categorias de análise para descrever/interpretar as

materialidades discursivas. Vejamos algumas delas:

1.1.1 Enunciado e acontecimento

Incorporados à teoria (AD) pelo próprio Michel Pêcheux nos anos 1980 –

período que demarca a terceira fase – os conceitos de enunciado e acontecimento

têm se revelado de grande importância para esse campo do saber. Além de

categorias teóricas, ambos se integram a ela como dispositivos analíticos,

imprescindíveis no/para o processo de leitura dos corpora discursivos.

As noções de enunciado e acontecimento aparecem em Arqueologia do

Saber2, quando Foucault (2007) se propõe a escavar as práticas discursivas,

visando evidenciar as correlações existentes entre os discursos e as condições de

possibilidades que determinam e sua produção. Inscrito na Ordem do discurso, o

acontecimento de que trata Foucault é o próprio discurso; o discurso que, em meio à

dispersão e a descontinuidade dos fatos, desaba, num dado momento da história, na

Ordem de discursividade como algo autorizado.

No que se refere ao enunciado propriamente dito, em Foucault (2007) ele é

concebido como a unidade elementar do discurso, “como um grão que aparece na

superfície de um tecido de que é o elemento constituinte; como um átomo do

discurso” (FOUCAULT, 2007, p. 90).

O enunciado se insere em um campo enunciativo, onde passa a

desempenhar um papel específico, delimitado de acordo com as relações que

mantém com os outros enunciados do campo. Além disso, o enunciado estabelece

uma estreita relação com a memória, na medida em que se constitui sempre, e de

todo modo, na reatualização de outros enunciados, seja para ratificá-los ou divergi-

los, de modo que “não há enunciado que não suponha outros” (FOUCAULT, 2007,

p. 114).

2 Texto de teor eminentemente explicativo publicado em 1969, no qual Michel Foucault se dedica a

explanar toda a lógica em torno da qual se ergue seu método de investigação empregado em trabalhos anteriores, como em História da Loucura (1962), O nascimento da Clínica (1963) e As palavras e as coisas (1966).

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É, preciso, no entanto, considerar que a memória que a AD utiliza no

tratamento de seus objetos é aquela memória da qual fala Pêcheux (2007, p. 50):

“memória deve ser entendida aqui não no sentido diretamente psicologista da

„memória individual‟, mas nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da

memória social inscrita em práticas, e da memória construída do historiador”. Desta

maneira, a memória que a AD se refere é um espaço de descontinuidades, de

reconstruções, “um espaço móvel de disjunções, de deslocamentos e de retomadas,

de conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas

e contra-discursos” (idem, p. 56).

Nesta perspectiva é que retomamos o enunciado e dizemos que ele é

caracterizado pela sua existência material, e que de acordo com Foucault (2007)

essa materialidade desempenha um papel central na sua constituição, uma vez que

“o enunciado precisa ter uma substância, um suporte, um lugar e uma data”

(FOUCAULT, 2007, p. 116). Além do que, a identidade do enunciado é determinada

pela sua materialidade, cujo regime a qual obedece situa-o na complexa ordem

institucional. Logo, a identidade do enunciado é sempre relativa nunca absoluta,

variando conforme o saber da posição que ocupa diante de outros enunciados.

Não se pode esquecer que o enunciado é dialeticamente constituído: pela

singularidade e pela repetição; o que o remete a um paradoxo suposto e encarnado

por ele mesmo. Foucault (2007) esclarece que, enquanto espessura material, o

enunciado é tranquilamente passível de repetição, entretanto, enquanto evento,

acontecimento discursivo, produto de uma prática (também discursiva), ele é único,

sob quaisquer condições. Deste modo, mesmo quando se repete não se trata do

mesmo enunciado, mas de outro enunciado-acontecimento que esse mesmo

introduz.

1.1.2 Formações Discursivas (FDs)

O enunciado está ligado a uma formação discursiva (FD). É preciso, portanto,

atentar que as Formações Discursivas (FDs) compõem um complexo sistema de

onde surgem as determinações do que pode ou não ser dito num dado momento,

dentro de uma Ordem do discurso onde “não se pode falar tudo em qualquer

circunstância” (FOUCAULT, 2009, p. 9). São as FDs que possibilitam o

estabelecimento de uma certa regularidade entre os enunciados, o que os torna

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objetos (discursos) passíveis de análise. Ou seja, “se puder definir uma regularidade

(uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por

convenção, que se trata de uma formação discursiva” (FOUCAULT, 2007, p. 43).

Deste modo, entendido como prática, o discurso está localizado entre a

estrutura e o acontecimento, relacionando a língua com outras práticas no campo

social. Sendo assim, o conceito de FD está fundamentado na concepção de prática

discursiva, portanto em um conjunto de regras históricas determinadas no tempo e

no espaço numa época dada.

Pelo que vimos, Foucault (2007) concebe os discursos como sendo formados

por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade. Sendo

assim, cabe à AD descrever essa dispersão, buscando estabelecimento de regras

capazes de reger a formação dos discursos. Deste modo, “as regras de formação

são condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de

modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva”

(FOUCAULT, 2007, p. 43).

Por esta razão, ao analisar o discurso é possível compreender que o

processo de comunicação não se apresenta de forma seriada e mecânica, como se

pudesse ser reduzido à transmissão de informações, de forma linear e inequívoca,

mas partimos do pressuposto de que o diálogo e a discursividade presente neste

fenômeno se caracteriza pelos sentidos construídos a partir dos sujeitos que

interagem, o que inclui como condição básica para o acontecimento, não só as

experiências, como também a representação do objeto central da enunciação, a

visão de mundo e o pertencimento a determinada classe social, entre outros

aspectos que determinam o dizer e o não dizer.

1.1.3 O sujeito discursivo

As práticas discursivas geram sujeitos constituídos de forma heterogênea.

Longe de ser uma entidade imanente, Foucault concebe o sujeito como resultado do

entrecruzamento de diversos discursos. Ao falar, o indivíduo retoma outros discursos

dentro de uma rede de memória e de sistemas de controles, ativando e atualizando

o artefato discursivo mediante o interdiscurso. Seu dizer (do sujeito) é determinado

pelas formações discursivas. São elas que determinam o que pode/deve ser dito

(FOUCAULT, 2007).

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É importante destacar que o discurso não é atravessado pela unidade do

sujeito e sim pela sua dispersão; dispersão decorrente das várias posições possíveis

de serem assumidas por ele no discurso.

Nesses termos, o sujeito postulado por Foucault é um sujeito discursivo.

Tecido nas malhas do discurso, ele representa uma pluralidade de posições. Além

disso, é preciso dizer que sujeito é o alvo central das investigações foucaultianas.

Para o autor, a constituição do sujeito se dá, indefinidamente, mediante os jogos de

verdade aos quais este se vincula.

1.1.3 Arquivo e Memória

O arquivo está intimamente relacionado à memória. Esta associação foi,

inclusive destacada por Courtine (2009) quando da explanação da nova forma de

montagem de corpus que ele havia proposto. De acordo com o autor citado, operar

com o arquivo na composição do corpus significa estar inadvertidamente atento à

memória discursiva, aos seus movimentos e deslocamentos, aos efeitos que ela

provoca no discurso. Ao trazer a noção de memória para os quadros da AD,

Courtine parece ter ciência já da importância que esse gesto representa e,

sobretudo, representará para a área daí para frente.

Não nos referimos aqui à memória individual, mas àquela em dimensão mais

ampla. Quando pensada em relação aos discursos, a memória é tratada como

interdiscurso, definido como “aquilo que fala antes, em outro lugar,

independentemente” (ORLANDI, 2007, p. 31). É o que a AD chama de memória

discursiva, sendo o saber discursivo que torna possível o dizer. Deste modo, o

interdiscurso disponibiliza modos de dizer que afetam a significação de uma dada

situação discursiva. “O fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade

mesma de todo dizer, é fundamental para se compreender o funcionamento dos

discursos, a sua relação com os sujeitos e com a ideologia.” (ORLANDI, 2007, p.

33).

A noção de memória discursiva é fundamental na descrição do enunciado.

Esse, na perspectiva foucaultiana, não é frase, não é proposição e nem ato de fala.

Ele vai além. Face aos sentidos já estabilizados, a memória opera no sentido de

provocar ao mesmo tempo retomada e o deslize destes para outros. Nesse caso, é

preciso dar à memória seu valor como aquela que “aciona” os discursos já

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produzidos em situações diferentes, nas tramas da linguagem. É isso que torna

possível os dizeres.

Sendo assim, tomamos o interdiscurso como importante conceito para

analisar o discurso, considerando, sobretudo, o modo como o sujeito significa em

uma dada situação, uma vez que o dizer não é particular, mas as palavras significam

pela história e pela língua. Em outras palavras, não existe um discurso fundador,

dizemos que há uma estreita relação entre o que já foi dito e o que se está dizendo,

logo, o “interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que

determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que

elas já façam sentido” (ORLANDI, 2007, p. 33).

Nesta perspectiva, é relevante destacar que o interdiscurso faz sentido pelo

acionamento da memória, mas que o sentido nunca é dado antecipadamente. Ele é

construído pelo homem em suas situações de trocas sociais por meio da linguagem.

Ele é tido como a matéria-prima da AD, por fazer a amarração dessa teia tão

estilhaçada. Como vimos, nesse estilhaço, eis que surge a memória para acionar e

movimentar a máquina dos sentidos.

Ou seja, o interdiscurso corresponde ao eixo de possibilidades do dizer.

“Produzido no fio do discurso, todo enunciado constitui uma materialidade discursiva

por onde depreende o cruzamento da língua com a história, ou seja, do intra com o

interdiscurso” (SILVA, 2008, p. 37).

Foucault (2007) apresenta que o conceito de arquivo é importante para o

tratamento do corpus na Análise do Discurso. Para isso, é importante destacar que o

corpus não é dado a priori e a ideia que se tem dele está atrelada a noção de

arquivo. Para isso implica olhar o corpus, sem esquecer, em hipótese alguma, de

volver esse mesmo olhar para o arquivo onde se abrigam todas as memórias.

Foucault não compreende o arquivo como a soma de textos de uma época,

seu interesse é saber por que razões certos enunciados aparecem em detrimento de

outros. Ele afirma que o aparecimento do enunciado está ligado a um jogo de

relações que caracteriza o nível do discurso. Eis aqui a primeira lei do arquivo. “O

arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento

dos enunciados como acontecimentos singulares.” (FOUCAULT, 2000, p. 147, grifos

do autor).

O conceito de arquivo é o mais amplo da Arqueologia do saber, e a partir dele

podemos incluir o enunciado, a formação discursiva, as práticas discursivas, enfim, o

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arquivo rege o sistema de enunciabilidade e funcionamento dos enunciados:

O arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas; [...] é o que, na própria raiz do enunciado – acontecimento e no corpo em que se dá, define, desde o início, o sistema de sua enunciabilidade. O arquivo não é, tampouco, o que recolhe a poeira dos enunciados que novamente se tornaram inertes e permite o milagre eventual de sua ressurreição; é o sistema de seu funcionamento. Longe de ser o que unifica tudo que foi dito no grande murmúrio confuso de um discurso, longe de ser apenas o que nos assegura a existência no meio do discurso mantido é o que diferencia os discursos em sua existência múltipla e os especifica em sua duração própria (FOUCAULT, 2007, p. 147).

A noção de arquivo proposta por Foucault na Arqueologia do saber não pode

ser confundida com a ideia de soma de textos. Além de ser a lei que rege o

aparecimento do enunciado-acontecimento, aquilo que pode e deve ser dito, o

arquivo permite, também, que os enunciados possam ser atualizados, tendo sempre

um campo associado e uma substância material, linguística.

1.2 A MÍDIA E A ORDEM DO DISCURSO

Há um desejo que diz não querer entrar na ordem. E há uma instituição3 que

regula e justifica suas práticas. É assim que Foucault (2009) começa sua aula

inaugural no Collège de France, em 2 dezembro de 1970, quando justifica a

inquietação e o perigo dos discursos se proliferarem indefinidamente. Para ele, a

produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo

número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos,

dominar o aleatório e se esquivar da materialidade.

Existem muitos procedimentos de controle do discurso. Os externos, por

sistemas de exclusão, e os internos que obedecem à própria ordenação. São

discursos que se adequam conforme as circunstâncias, obedecendo suportes

institucionais que permitem ou proíbem sua realização. Em a “Ordem do Discurso”

Foucault (2009) apresenta uma reflexão sobre a vontade de verdade, apoiada sobre

3 Segundo Foucault, geralmente se chama instituição “todo comportamento mais ou menos coercitivo,

aprendido. Tudo em uma sociedade funciona como sistema de coerção, sem ser um enunciado, ou seja, todo social não discursivo é a instituição.” (FOUCAULT, 2010, p. 247).

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um suporte e uma distribuição institucional, e que as relações de poder movem a

verdade nos discursos.

Ao falar de ordem, Foucault está se referindo às normas que selecionam,

organizam, regulam e redistribuem os discursos. Representa um conjunto de

procedimentos que tem a função de exorcizar poderes e perigos, refrear o

acontecimento aleatório, “disfarçar a sua pesada e temível materialidade”

(FOUCAULT, 2009, p.9).

Um dos principais desafios foucaultianos que se pode trazer para este estudo é

a visão de que a verdade e o poder estão mutuamente interligados, através de

práticas contextualmente específicas, que por sua vez, estão intimamente

intrincados à produção do discurso, que é regulado pelas formações discursivas

atuantes entre si, e que determinam o que pode e o que deve ser dito.

Do ponto de vista institucional, citando Foucault (2009, P. 9), “não se tem o

direito de dizer tudo, não se pode falar tudo em qualquer circunstância, qualquer um

não pode falar de qualquer coisa”. Temos, nesse caso, procedimentos de exclusão,

e a mais conhecida forma de interdição. Segundo Foucault (1996, p. 10) “por mais

que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem

revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”. Para o autor

não há nada de espantoso nisso já que o discurso não é simplesmente aquilo que

manifesta ou oculta o desejo, nem aquilo que traduz os sistemas de dominação, mas

aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.

O princípio de rejeição também se manifesta na sociedade, impedindo falas e

manifestações. Foucault (2009) cita o exemplo do louco, cujo discurso não pode

circular na ordem dos demais, sendo considerado falso.

Sendo assim, é possível reconhecer que as práticas – desenvolvidas pela

mídia, especificamente no âmbito do jornalismo impresso – seguem uma rotina de

trabalho determinada pela prática editorial. Nesse ponto, convém-nos citar o viés

sociológico da Teoria Organizacional4, para apresentar as notícias como das

condicionantes organizacionais em que são fabricadas, como as hierarquias, as

4 A Teoria Organizacional, do sociólogo norte americano Warren Breed, publicado em 1955, na

revista Forças Sociais, é apresentada por Traquina (2001) ao demonstrar que o idealismo e as convicções dos profissionais de jornalismo, geralmente os recém formados, são tragadas pela política editorial dos órgãos de informação, seja pela autoridade institucional, pelos sentimentos de obrigação, ou pelo prazer da atividade.

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formas de socialização, os recursos humanos e financeiros desse órgão, a

respectiva Política editorial, etc.

Pelo que se observa, os discursos institucionais, com seus procedimentos,

tendem a solidificar sua legitimidade perante a comunidade que os recebe. Mas para

compreender a mídia como uma ordem discursiva Navarro (2010) argumenta que é

preciso tomar a palavra ordem no sentido lato do termo: execução de uma ação que

segue regras. É nesse sentido que a mídia impressa pode ser caracterizada como

uma empresa na qual os funcionários seguem uma rotina de trabalho determinada

pela pauta editorial.

Partindo disso, o jornalista não pode falar como quiser, pois tem que se

submeter a certas regras internas e externas da instituição midiática. Ou seja, é a

realidade e seus conflitos de interesse gerados por questões políticas, pessoais e/ou

financeiras que influenciam diretamente o fazer jornalístico e o enquadra numa

ordem. A ordem do discurso.

A noção de ordem discursiva articulada à prática midiática supõe a existência

de regras preestabelecidas que controlam e determinam a produção, num jogo de

legitimação e controle. Acima disso, estão as motivações ideológicas e econômicas

que enquadram e/ou padronizam os discursos em seu lugar institucional. São estas

mesmas razões que, segundo Navarro (2010, p. 83) determinam a produção de

notícias:

[...] os aspectos ideológicos e econômicos determinam aquilo que o jornalista pode e deve escrever. [...] Essa prática impõe ao fazer jornalístico certa configuração na produção e na veiculação da notícia, que abrange desde a seleção, passa pela forma de organização e chega à sua forma de apresentação.

A partir disso, observa-se que o discurso apresenta certas estratégias que

definem o que se pretende dizer, qual o sentido que se quer transmitir naquele

momento, sujeitando os relatos a outros condicionantes, como o econômico e o

político, por exemplo.

O que se nota, a partir destas reflexões, é que o sujeito – profissional

jornalista – deve considerar o lugar de onde fala e a posição que ocupa no contexto

social. Consequentemente, estes não assumem a posição de sujeitos livres para a

formulação de discursos, mas de sujeitos submetidos às autorizações que regulam

esta prática.

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Nesse processo, visualizam-se constantes movimentos entre as instâncias de

poder. Desde a utilização das fontes até a seleção dos acontecimentos e as

modalidades de confecção do noticiário, por exemplo.

Sob a instância institucional, e na perspectiva de seus condicionantes,

Marcondes Filho (1986, p. 13) afirma que a informação sofre tratamentos para

adaptar-se às normas mercadológicas:

[...] a notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo.

Contudo, considerando que os eixos de poder e instâncias produtivas estão

sempre se movimentando, cabe à imprensa gerir seu discurso de verdades, uma vez

que estas são produzidas graças aos efeitos regulamentados de poder.

1.3 A NOÇÃO DE PODER E VERDADE E SUAS RELAÇÕES COM O SABER NA MÍDIA

A análise do poder em Foucault está presente em dois momentos de sua

obra: na fase arqueológica e genealógica. Na primeira, com a discussão

saber/poder, enfatizando que os enunciados são determinados como verdadeiros ou

falsos de acordo com o sistema de poder. Na fase genealógica o poder passa a ser

analisado a partir de suas práticas, sugerindo os micro poderes.

Primeiro, é preciso considerar que os poderes pesam sobre quem fala. Logo,

se a imprensa incorpora como sua, a missão de ser os olhos da sociedade, cai

sobre ela o arriscado compromisso de propagar o discurso legitimado e verdadeiro,

embora submetido às regras coercitivas de controle de produção. Mas Foucault

(2010, p. 8) na “Microfísica do Poder” indagou: “Se o poder fosse somente

repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer você acredita que seria

obedecido?”. Por conseguinte, uma resposta:

O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. (idem).

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Como se vê a manutenção de sistemas torna indispensáveis os dispositivos

de saber. Como afirma Szpacenkopf (2003, p. 54) “não existe a relação do poder

sem o campo do saber, que só pode ser exercido por meio do investimento do

poder”. Nesta perspectiva, “Os dispositivos de poder, de saber, de verdade, atuam

com frequência, seja nos discursos, seja nos mecanismos de controle exigidos para

a manutenção de situações em cuja perpetuação haja interesse.” (SZPACENKOPF,

2003, p. 60).

E, partindo desta análise, compreende-se que a verdade está circularmente

ligada a sistemas de poder que a produzem e a apoiam. De fato, entende-se por

verdade um “conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a

repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 2010, p.

14). Ainda sobre a verdade e o poder Foucault (2010) salienta:

Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. (p. 14).

Em algumas situações, portanto, a verdade inscrita nas notícias, por exemplo,

surge como efeito, agindo em favor de uma vontade de verdade já estabelecida

socialmente – como consequência de regras institucionais, o que torna insuficiente a

definição de que o jornalismo mantém conexão com uma verdade amparada em

fatos, uma vez que os critérios e o tratamento dado aos eventos são também

resultados circunstanciais, que envolvem jogo de poder.

É oportuno destacar que no jornalismo, a verdade está sujeita a um mero

efeito de poder, e efeitos de sentido, dentro e fora daquela formação discursiva e,

significar o verdadeiro seria produzir um valor de verdade por meio de um discurso

de relatos.

Segundo Charaudeau (2007, p. 48) não se deve confundir valor de verdade e

efeito de verdade. O valor de verdade estaria mais para aquilo instrumentalizado

cientificamente; enquanto que o efeito estaria ligado à subjetividade do sujeito e sua

relação com o mundo, julgando a verdade como aquilo passível de

compartilhamento e adesão convicta.

Diferentemente do valor de verdade, que se baseia na evidência, o efeito de

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verdade baseia-se na convicção [...] O que está em causa aqui não é tanto a busca de uma verdade em si, mas a busca de credibilidade, isto é, aquilo que determina o “direito à palavra” dos seres que comunicam, e as condições de validade da palavra emitida. (CHARAUDEAU, 2007, p. 49). (Grifos do autor)

Sendo assim, é possível compreender que cada tipo de discurso esboça seus

efeitos de verdade de forma particular. No caso do discurso jornalístico, por

exemplo, aciona-se aquilo que se converte em credibilidade, seja pelo informante ou

pelo fato comprovado e apresentado de forma noticiosa.

Ainda parece-nos necessário endossar esta reflexão. Amparada nas

concepções de Foucault, é necessário pensar a verdade como um efeito, uma vez

que ela estaria mais para uma consequência, um efeito, do que para um valor que

possa ser comprovado mediante a análise de sua relação com a realidade.

Segundo Foucault (2010) a verdade não existe fora do poder, ou sem poder.

Para ele, a verdade é produzida por múltiplas coerções e cada sociedade tem sua

“política geral” de verdade. Sobre isso, Foucault se refere aos discursos que

funcionam como verdadeiros.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2010, p. 12).

Com base nisso, parece-nos apropriado situar os meios de comunicação com

o encargo de dizer aquilo que deve funcionar como verdadeiro, sob efeito de

verdade, produzido para circular e ser consumido, estando submetido a constante

incitação econômica e política, e transmitida sob controle, passível de lutas

“ideológicas”.

Contudo, que formas seriam essas de provar a verdade de uma informação?

Charaudeau (2007) explica que elas são da ordem do imaginário e se baseiam nas

representações de um grupo social quanto ao que pode garantir o que é dito. Nesse

caso, os meios discursivos empregados devem aproximar-se da autenticidade ou da

verossimilhança dos fatos e o valor das explicações dadas. Sendo assim, a verdade

não se situa no discurso, mas no efeito que este produz.

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Desse modo, a AD se propõe a analisar as condições que permitem o

aparecimento de certos enunciados e a proibição de outros. Isso significa que, em

um momento histórico, há algumas ideias que devem ser enunciadas e outras que

precisam ser caladas, funcionando como estratégias que controlam os sentidos e as

verdades.

Essa premissa de que as relações de poder têm relação direta com uma

ordem discursiva podem ser verificadas nas relações com as fontes jornalísticas,

oficiais ou não, com os sujeitos envolvidos e com outros interesses, nem sempre os

dos cidadãos que desejam ser informados.

É oportuno trazer para esta reflexão o dito de Foucault (2011, p.192) sobre a

eficácia do poder em campos de visibilidade. Este pensamento está presente no

livro Vigiar e Punir (2011), quando Foucault explica o panoptismo.

As considerações feitas com relação ao panóptico de Bentham5 revela o

efeito mais importante deste dispositivo que é o funcionamento automático do poder

assegurado pela permanente visibilidade. Segundo ele, “quem está submetido a um

campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-

las funcionar espontaneamente sobre si mesmo”.

Deste modo, seguindo o pensamento foucaultiano este dispositivo automatiza

e desindividualiza o poder. Para Foucault “o panóptico é uma máquina maravilhosa

que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder"

(2011, p. 192). Nesta perspectiva, o panóptico deve ser compreendido como modelo

generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com a

vida cotidiana dos homens.

Em vista disso, por trás de todo saber o que está em jogo é a luta constante

pelo poder. Em suma, o saber é poder: fruto de relações de luta, gerador de

relações de poder, instrumento de guerra, meio de dominação, etc.

Os discursos veiculados pela mídia, baseados em técnicas como as

reportagens e entrevistas, por exemplo, baseiam-se na regulamentação de saberes,

e essa rede de discursos pode ser percebida nas articulações de enunciados.

5 O panóptico de Jeremy Bentham está entre os dispositivos de vigilância do início do século XIX. O

mecanismo arquitectural, de cunho coercitivo e disciplinatório, era utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies (manicômios, prisões, escolas, fábricas), sendo um edifício em formato de anel, com pátio e torre no centro, onde havia um vigilante. O anel dividia-se em celas observáveis. Nesse caso, os indivíduos nas celas eram vigiados, mesmo sem ver o observador e sem saber em que momento estava sendo observado.

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É o poder quem determina a validação desses enunciados. No entanto, o que

interessa não é a verdade ou falsidade dos enunciados, mas a produção histórica e

concreta de saber.

Em resumo, a intenção é analisar aquilo que se constitui como objeto de

saber, considerando a formação discursiva como uma prática histórica, situada em

um dado contexto.

1.4 TRAJETO TEMÁTICO

A noção de tema que ora adotamos parte do entendimento de acontecimento

discursivo. Nesta perspectiva, este não é, nem a notícia, nem o fato, mas uma

materialidade que emerge nos movimentos de entrecruzamento de certos

enunciados, mais precisamente naqueles observados a partir do trajeto temático.

Adotamos aqui a noção de trajeto temático como “o vai e vem” de

determinados atos linguageiros presentes na extensa gama de formas escritas, de

gêneros, etc. Nesse curso o que nos interessa é o novo no interior da repetição, isto

é, a visualização do tema nas recorrências linguísticas.

Nesse aspecto, o trajeto temático compreende um mecanismo a partir do qual

é possível observar a dinâmica dos enunciados em sua acontecimentalização. Esse

trajeto habilitará a articulação entre corpus e arquivo.

É relevante destacar que o caminho é vislumbrado mediante as possibilidades

sinalizadas pelo corpus. Para nossa pesquisa definimos o trajeto de leitura Discurso,

Mídia e Poder, e a partir desse roteiro, procedemos na leitura dos fundamentos

teóricos que abordam sobre tais campos, para em seguida nos debruçarmos sobre

os enunciados proferidos pelos sujeitos da pesquisa em entrevistas realizadas no

Jornal de Fato, nosso campo de estudo. Os sujeitos aqui referidos são profissionais

que lidam diretamente com a notícia e que ocupam diferentes funções no jornal,

desde a produção, seleção, edição e distribuição do produto.

Considerando a discursivização apresentada pelos sujeitos entrevistados,

sobre as relações conservadas dentro da redação do jornal no processo de

construção da notícia, enveredamos pelas malhas dos seus discursos a fim de

investigar os pilares que dão sustentação a seus enunciados, e, para tanto, partimos

de algumas questões que ora nos inquietam, a saber:

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Quais acontecimentos influenciam o processo de construção da notícia no

Jornal de Fato? Que efeitos de sentido legitimam o poder da mídia como portadora

da verdade? Quais os movimentos de memória permitem os dizeres dos

profissionais da notícia? Nesse sentido, nos debruçamos, nesta pesquisa, na busca

pela resposta à seguinte problemática que constitui na nossa pontual questão de

pesquisa: Como as relações de poder influenciam os discursos noticiosos?

Uma vez definido o fio condutor das nossas análises, resta-nos expor os

objetivos que nos motivaram a trilhar esses caminhos. Assim, analisar o discurso e

as relações de poder presentes no processo de construção da notícia no Jornal de

Fato é o nosso objetivo geral, a partir do qual estabelecemos outros três objetivos

específicos. São eles: analisar quais acontecimentos motivam a noticiabilidade do

Jornal de Fato; investigar os mecanismos de produção de uma vontade de verdade

e Analisar os elementos que, na ordem do saber, contribuem para o estabelecimento

de relações de poder, considerando a ordem do discurso.

1.5 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

Para delinear este estudo torna-se oportuno destacar esta pesquisa como

sendo uma atividade de busca e de descobertas, configurando-se como um conjunto

de dados e reflexões. Sendo assim, ao refletir sobre a notícia, como discurso

materializado por meio de uma rotina de produção coletiva, busca-se reconhecer os

mecanismos do processo de produção e efeitos de sentido, de modo que ela se

constrói através dos recortes que estabelece nos fatos e pela refração desses

mecanismos adotados, por meio de relações de poder.

Cabe-nos, portanto, caracterizar esta pesquisa segundo alguns teóricos, para

então, esboçá-la em seus aspectos específicos. Nesse caso, é preciso considerar as

contribuições de Minayo (1998), que vê a pesquisa por um prisma mais filosófico e a

considera como atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da

realidade, e como uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define

um processo intrinsecamente inacabado e permanente. Pelo viés apresentado,

extrai-se a noção de que a pesquisa se constitui como uma combinação particular

de teoria e dados, aproximados continuamente da realidade.

Ainda sobre pesquisa, consideramos as exposições de Chizzotti (2008, p. 20)

de que a ciência e as pesquisas cresceram e se desenvolveram a partir de um

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processo de busca metódica das explicações causais dos fatos ou da compreensão

exaustiva da realidade, utilizando-se por meio de informações colhidas por meio de

observações atentas ou outros recursos adequados de compilar os dados singulares

que fundamentam afirmações mais amplas.

Em vista disso, esta pesquisa é interpretativa e de natureza qualitativa, e se

propõe a responder o nosso objetivo principal. Diante da impossibilidade de analisar

o discurso e suas relações por meio de dados estatísticos, esta pesquisa é de

caráter qualitativo, que está ligada às relações humanas não passíveis de serem

quantificados.

As pesquisas qualitativas não têm um padrão único porque admitem que a

realidade seja fluente e contraditória, enquadrando-se mais frequentemente com as

análises voltadas para a subjetividade dos sujeitos envolvidos, e claro, considerando

a percepção e intuição do pesquisador, já que os processos de investigação

dependem também dele. Compreendemos, assim, como modos de aquisição

sistemática que busca conhecer o ser humano e a natureza de suas relações, para

então acompanhar o objeto de estudo.

Esta pesquisa configura-se como Estudo de Campo, que é classificada por

muitos autores como um caso particular da pesquisa qualitativa. A pesquisa de

campo não possui um amplo alcance (próprio do levantamento), mas em

compensação aprofunda muito mais a investigação, o que exigiu maior participação

enquanto pesquisadora.

Como a nossa intenção nessa pesquisa é acompanhar a rotina de produção

na redação do Jornal de Fato, pareceu-nos mais adequado realizar este tipo de

pesquisa, uma vez que esta visa a observação de fatos e fenômenos exatamente

como ocorrem no real. Além disso, se propõe a coletar os dados e, finalmente,

analisar esses dados, com base numa fundamentação teórica consistente, para

então compreender o assunto pesquisado.

Tendo feita a caracterização deste estudo, voltamo-nos para a apresentação

do corpus desta pesquisa que é constituído de um conjunto de sequências

discursivas, obtidas em entrevistas realizadas durante a visita de campo ao Jornal

de Fato, veículo de comunicação que ora se configura como universo de estudo e

que será apresentado detalhadamente no terceiro capítulo deste trabalho.

As entrevistas foram realizadas com seis profissionais da empresa, e todas

foram devidamente gravadas e transcritas para análise. O roteiro da entrevista

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encontra-se ao final do trabalho.

O nosso trabalho de visita e acompanhamento da rotina produtiva do Jornal

de Fato permitiu-nos ainda fazer alguns apontamentos e observações em um diário

de campo, a fim de nos auxiliar em nossas análises.

Entrevistamos profissionais que lidam diretamente com a notícia e que ocupam

diferentes funções no jornal. Ao todo, foram seis entrevistados, e cada entrevista foi

pensada individualmente, considerando suas especificidades e flexibilidade de

horários para realização, de forma que não houvesse prejuízo nas declarações.

Optamos pela entrevista por considerar que, muitas vezes, a observação não

dá conta dos objetivos propostos. Para isso, adotamos o tipo de entrevista

semiestruturada, que combina perguntas abertas e fechadas e permite ao

entrevistado conversar mais „livremente‟ sobre o tema proposto. Com o material em

mãos, nos propomos a analisar os discursos destes profissionais, considerando a

rotina produtiva como uma das condições de produção desses discursos.

O detalhamento dos procedimentos de coleta de dados e informações

adicionais sobre os procedimentos metodológicos serão retomados no capítulo de

análise, quando da apresentação do universo de estudo e técnicas adotadas.

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2 INFORMAÇÃO COMO DISCURSO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA

NOTÍCIA

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

O reconhecimento do importante papel exercido pelos meios de comunicação

nas sociedades modernas talvez justifique o interesse por estudos como esse. Hoje,

muito claramente, conseguimos visualizar o quanto esses meios têm participado e,

muitas vezes, direcionado o modo de vida em sociedade por meio do discurso, que

só é possível pela manifestação da linguagem.

Nesta perspectiva, a linguagem não tem apenas a função de informar, ela

comunica também a posição que o falante ocupa, e, portanto se constitui em uma

arena de jogos onde se travam disputas e se exercem formas de poder.

Neste sentido, imersos nesta rede de dizeres mediados pelos meios de

comunicação, reconhecemos a necessidade de buscar nos estudos da linguagem,

mais precisamente, na perspectiva da Análise do Discurso (AD)6, os fundamentos

teóricos que dão sustentação à reflexão sobre o papel da linguagem nos discursos

da mídia e na estruturação de suas relações.

Localizando a mídia em uma posição de poder: a de informadora (divulgadora

de conhecimento) que determina a informação, optamos por analisar o discurso e as

relações de poder, mais precisamente no processo de construção da notícia,

considerando o conceito de discurso como efeito de sentidos.

Sendo assim, se os discursos constituem o espaço primeiro, no qual se dão

os embates sociais, os efeitos de sentidos são construídos a cada situação de

comunicação a partir das disputas de sentido e das relações de poder, uma vez que

o discurso é uma prática contextualizada. Nesse caso, pode-se dizer que o sentido

está para a Análise do Discurso (doravante AD) assim como o fato está para a

notícia: ambos, matérias-primas.

6 O campo teórico da AD foi apresentado no primeiro capítulo deste trabalho.

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2.2 DISCURSO E/DE INFORMAÇÃO

O direito à informação é fundamental ao ser humano. Não é um dos aspectos

da distração moderna, mas uma disciplina cívica cujo objetivo é formar cidadãos

(RAMONET, 2004.p. 138). Segundo Montalbán (1971, p. 18) é um dos direitos

fundamentais nos quais se baseiam os pilares da sociedade democrática:

Um dos direitos fundamentais do ser humano, reconhecido na carta das Nações Unidas e na doutrina política da Igreja (concretamente na Pacem in Terris e no Esquema XIII), e no qual se baseiam dois pilares fundamentais da sociedade democrática: a liberdade de expressão e a opinião pública. O direito à informação, a liberdade de expressão e a opinião pública aparecem tão estreitamente ligados que é difícil saber onde começa uma e acaba outra. Efectivamente, sem informação a opinião pública não pode existir da mesma forma que não existe liberdade de expressão. (Grifos do autor)

Desse modo, a informação se mostra essencialmente como uma questão de

linguagem, e linguagem não é, de fato, transparente ao mundo, ou seja, é ilusão crer

que a informação reflete o mundo tal como ele é, afinal, sendo linguagem, não é

límpida, mas ao contrário, recobre-se de opacidade. É daí que surgem aspectos

importantes como as relações saber-poder, a representação da realidade e os

efeitos de sentido. E tudo isso só é possível devido à densidade do discurso neste

emaranhado complexo da linguagem.

Ao refletir sobre a informação é preciso compreendê-la, pois, como um

recorte do real e não como “a realidade”. Afinal sendo fruto da linguagem, ela

constrói um espaço público através dos recortes que estabelece nos fatos do mundo

referencial que, de certa forma, passa por um processo de recriação através dos

recursos midiáticos específicos de cada tipo de mídia. Sendo assim, a informação é

pura enunciação, ou seja, uma apropriação que o informador faz da língua para falar

- uma relação do sujeito com a língua, tornada discurso, que, por sua vez, depende

do dispositivo pelo qual se materializa:

A informação não existe em si, numa exterioridade do ser humano, como podem existir certos objetos da realidade material (uma árvore, a chuva, o Sol) cuja significação, certamente, depende do olhar que o homem lança sobre esses objetos, mas cuja existência é independente da ação humana. A informação é pura enunciação. Ela constrói saber e, como todo saber, depende ao mesmo tempo do campo de conhecimento que o circunscreve, da situação de enunciação na qual se insere e do dispositivo a qual é posta em funcionamento. (Charaudeau (2007, p. 36).

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Além do dispositivo pela qual a informação funciona é preciso considerar,

sobretudo, o tratamento da informação. Ou seja, a forma pela o qual o “sujeito

informador”7 decide arranjar em linguagem os fatos selecionados, em função do

público destinatário com o efeito devido. Este processo depende, e muito, das

escolhas discursivas feitas pelo sujeito informador. O tratamento dado à informação

aclara determinados aspectos e, em contrapartida, apaga outros, isto é, o próprio

momento da escolha evidencia um aspecto em detrimento de outro, causando aí

diversos sentidos.

Neste caso, não se trata apenas de dizer alguma coisa para alguém, mas

para alguém e com outrem, levando em conta a alteridade, o interlocutor, os modos

e as circunstâncias da interação verbal, em uma dada condição de produção do

discurso. Neste aspecto, é importante destacar a concepção bakhtiniana ao

considerar a comunicação como um terreno de interações, conflitos e disputas

sociais. Para Bakhtin (2006), o interlocutor (leitor, ouvinte ou espectador) também é

personagem ativo do processo de comunicação. Além disso, Bakhtin estuda o signo

e o situa nos estudos sobre discurso e ideologia. Para ele, “a existência do signo

nada mais é do que a materialização dessa comunicação. É nisso que consiste a

natureza de todos os signos ideológicos.” (BAKHTIN, 2006, p. 34).

É dentro desta arena de luta de classes que há uma diversidade de

significações ideológicas possíveis pela interação social. Isso ajuda a compreender

porque não se pode considerar as palavras (que são signos ideológicos por

excelência, segundo a teoria bakhtiniana) como um simples reflexo, ou a

representação pura da realidade material, mas sim como uma refração (ou

refrações) desta realidade.

Deste modo, a linguagem, em seu funcionamento, põe em relação sujeitos e

sentidos afetados pela ideologia, promovendo não apenas a transmissão de

informações, mas a interação social. Por conseguinte, os indivíduos que se

comunicam devem levar em conta, sobretudo, o contexto da comunicação, afinal,

“todo discurso depende, para a construção de seu interesse social, das condições

específicas da situação de troca na qual ele surge” (CHARAUDEAU, 2007, p. 67).

Sendo assim, é preciso considerar que este cenário comunicativo é, de fato,

uma referência para os discursos, afinal, é preciso que haja um lugar de produção

7 Considerando o foco deste trabalho, este sujeito corresponde ao profissional jornalista.

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para que existam as trocas sociais e se convencionem as normas, os valores e os

comportamentos linguageiros da comunicação humana.

2.3 O DISCURSO JORNALÍSTICO E O SABER INSTITUCIONALIZADO

O sujeito fala de um determinado lugar, e a sua voz revela seu lugar social,

representando um conjunto de outras vozes. Tudo isso só é possível por ser a

linguagem cheia de armadilhas, e por ser o ato comunicativo, situado por sujeitos,

instituições, tempos e espaços definidos, permitindo ao jornalista utilizar a palavra

para representar a realidade.

Portanto, se todo discurso se constrói em um tempo e num lugar históricos, e

o jornalismo é um discurso, é preciso considerá-lo sempre em uma situação de

comunicação, já que nesse lugar a fala é criada por alguém, a partir de um direito

reconhecido. No jornalismo, o discurso noticioso, que passa por verdadeiro e que

veicula saber institucional, é gerador de poder.

É por isso que a posição do jornalista também é levada em consideração

quando se analisa seu discurso de informação, institucionalizado, regrado. Nesse

caso, sendo o discurso o espaço onde saber e poder se articulam, suas posições se

manifestam no processo de organização da linguagem e do discurso.

É atributo do discurso jornalístico contemporâneo se postular no papel de

remissor da verdade, testemunha do fato. No entanto, o que vemos é uma

apropriação deste real através de estratégias enunciativas, tanto verbais como não-

verbais, tendo formulados seus enunciados não só a partir do sujeito que fala – a

partir de outras falas, mas também na interação com o sujeito que recebe ou que se

supõe que receberá.

Essas apropriações do real não são condutoras de significados por elas

mesmas, mas pela memória discursiva acionada em um dado contexto, por meio do

interdiscurso e pelas relações de sentido que só se constroem pela interação entre

os sujeitos em uma dada situação de comunicação.

Para Bakhtin (2006), o processo comunicativo é um processo interativo, muito

mais amplo do que a mera transmissão de informações. Nesta linha, Charaudeau

(2007, p. 74) argumenta que a informação preexiste à transmissão, mas é o

jornalista que coleta, trata e transmite:

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O jornalista tem por função transmitir informação. Mas essa informação se compõe de um conjunto de acontecimentos ou de saberes que aparentemente preexistem ao ato de transmissão, o que faz com que o jornalista se encontre numa posição que consiste em coletar os acontecimentos, e os saberes, e não em criá-los, antes de tratá-los e transmiti-los (CHARAUDEAU, 2007, p. 74).

Nos estudos da linguagem, é importante destacarmos que Bakhtin (1997)

distingue, de forma bem abrangente, dois tipos de gêneros do discurso: os gêneros

primários (aqueles constituídos nas circunstâncias de uma comunicação verbal

espontânea como a réplica do diálogo cotidiano ou a carta, por exemplo) e os

gêneros secundários (aqueles predominantemente escritos, que surgem nas

condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito

desenvolvido e organizado), a exemplo do artístico, científico, sociopolítico, etc.

Nesse caso, para Bakhtin (1997), os gêneros secundários (romance, teatro, discurso

científico, discurso jornalístico etc.), que se constroem em circunstâncias complexas

de comunicação, absorvem e modificam, durante o processo de sua formação, os

gêneros primários. E isso só é possível pelo caráter dialógico e pela diversidade de

vozes que repercutem suas ideologias, através da produção de sentidos gerada pela

heterogeneidade discursiva. Sendo assim, compreende-se o discurso não como

uma obra acabada, de apenas um indivíduo, mas como um processo heterogêneo.

Desta forma, imaginar o discurso como dotado de um sentido único e portador

de uma única voz é não concebê-lo como produto social, como ação social, já que

para a AD, é fundamental reconhecer os discursos como práticas descontínuas, sem

transformá-los em um jogo de significações prévias. Sendo assim, deve-se levar em

consideração que

Sempre que tentamos dar conta da realidade empírica, estamos às voltas com um real construído, e não com a própria realidade. [...] O espaço social é uma realidade empírica compositória, não homogênea, que depende, para sua significação, do olhar lançado sobre ele pelos diferentes atores sociais, através dos discursos que produzem para tentar torná-lo inteligível. (CHARAUDEAU, 2007, p. 131).

De acordo com Navarro (2010, p. 86) “as estratégias de construção de efeitos

de realidade funcionam como índices de referencialidade que conferem ao discurso

um caráter verossímil, assegurando-lhes a credibilidade”. No entanto, delimitamo-

nos ao discurso jornalístico para afirmar que isto não exclui a carga de subjetividade

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dos profissionais envolvidos e a política editorial do veículo que determinam,

prioritariamente, a articulação de forças, e sua ordem discursiva.

Neste caso, é preciso considerar que produtos da mídia são recebidos por

indivíduos que estão sempre situados em específicos contextos sócio históricos, e

esses contextos se caracterizam por relações de poder relativamente estáveis e por

um acesso diferenciado aos diversos discursos produzidos institucionalmente. E,

sendo a notícia o resultado pretendido do processo jornalístico de produção de

informação, diz-se que ela indicia os aspectos da realidade que refere, ocupando-se

dos fatos e de sua representação, que nasce da interação entre vários discursos.

2.3.1 A notícia: enlaçando conceitos

Os jornalistas observam os acontecimentos que passam na realidade e

produzem relatos que objetivam e apresentam esses mesmos acontecimentos sob

várias formas, entre elas, sob a forma de notícias, conferindo ao fato uma

materialidade singular reproduzida por um conjunto de práticas discursivas.

Ao refletir sobre a notícia, como discurso materializado por meio de uma

rotina de produção coletiva, busca-se reconhecer os mecanismos do processo de

construção e seus efeitos de sentido, sem esquecer a base institucional que

submete sua produção a uma ordem discursiva de padronização que tende a

exercer pressões e a difundir o discurso “verdadeiro” no interior da sociedade.

A legitimação da prática jornalística, como instituição que retrata a realidade,

problematiza uma série de discussões sobre os valores até hoje associados a esta

prática discursiva, a exemplo da verdade e da objetividade.

Pensar a verdade como um valor do jornalismo incide em refletirmos como o

seu discurso reflete na cotidianidade e no conhecimento que se tem da realidade,

principalmente através das notícias.

Vivo e dinâmico, o processo de produção da notícia envolve, sobretudo, as

condições que determinam a sua construção, tais como o tempo, o espaço e a

hierarquização dos discursos que convertem o fato em notícia, uma vez que estes

que se produzem são, em número, bem superior, aos midiatizados, o que sugere

uma reflexão sobre como se manifesta a seleção de uma notícia e como os filtros

interferem em sua elaboração, até legitimá-la como “verdade”.

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Primeiro, é imprescindível condensar definições de notícia – produto do

jornalismo – a fim de permitir maior compreensão de seu processo de fabricação. De

acordo com Lage (1985), é mais fácil fazer notícias do que explicar como se faz. O

autor aponta definições de caráter textual (considerando a estrutura). Para ele, a

notícia se define como “o relato de uma série de fatos a partir do fato mais

importante ou interessante; e de cada fato, a partir do aspecto mais importante ou

interessante” (LAGE, 1985, p. 16).

Nesta perspectiva de exposição dos acontecimentos, Melo (1985, p. 49)

define a notícia como sendo o “relato integral de um fato que já eclodiu no

organismo social”. Nesse caso, ao aparecerem por ação dos meios jornalísticos elas

participam da realidade social e criam referentes coletivos.

Considerando-as como artefatos linguísticos que representam aspectos da

realidade, Souza (2000, p. 13) descreve que elas resultam da interação de diversos

fatores:

[...] resultam de um processo de construção e fabrico onde interagem, entre outros, diversos fatores de natureza pessoal, social, ideológica, cultural, histórica e do meio físico/tecnológico, que são difundidos pelos meios jornalísticos e aportam novidades com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sociocultural (ou seja, num determinado contexto), embora a atribuição última de sentido dependa do consumidor da notícia.

Há uma dificuldade em se conceituar notícia, sabe-se, no entanto, que elas se

configuram como uma sequência do acontecer. Erbolato (1984, p. 49) explica que

ela deve ser recente, inédita, ligada à realidade, objetiva, de interesse público,

provocar impacto, ter interesse pessoal e humano, ser relevante para a sociedade, e

ser original.

Para melhor definir, Charaudeau (2007, 132) propõe chamar a notícia de “um

conjunto de informações que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um

caráter de novidade, proveniente de uma determinada fonte e podendo ser

diversamente tratado.”.

Para esclarecer, o autor denomina de espaço temático o domínio do lugar

público em que o fato está circunscrito, e que por essa razão pode ser reportado.

Sobre a determinada fonte, Chauraudeau (2007) se refere à instância que converteu

o acontecimento em informação e que a partir dela, sua credibilidade será avaliada.

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Nesta perspectiva, as notícias ocupam-se com as exterioridades dos

fenômenos que ocorrem na realidade social e com as relações que esses

fenômenos estabelecem entre si. Sendo assim, como já dissemos, pela opacidade

da linguagem e suas limitações, elas não refletem a realidade, mas contenta-se em

representar partes dessa realidade. Essa representação indicia, inclusive, as

circunstâncias de produção, uma vez que ela, a notícia, não existe enquanto não é

contada, e são as regras de controle que determinam, ou pelo menos direcionam o

que pode ou não ser noticiado.

Desse modo, do ponto de vista da produção de notícias, é preciso considerar,

sobretudo, as restrições e/ou limitações ligadas às condições de fabricação. Wolf

(2003) argumenta que as notícias resultam da conjunção de dois fatores: de um

lado, a cultura profissional, entendida como um emaranhado de estereótipos,

representações sociais e rituais relativos às funções dos meios de comunicação de

massa e dos jornalistas, à concepção do principal produto – a notícia – e às

modalidades que presidem a sua confecção. De outro, as restrições ligadas à

organização do trabalho, sobre as quais se criam convenções profissionais que

determinam a definição de notícia e legitimam o processo produtivo.

Neste sentido, é a partir dos acontecimentos que explodem na superfície da

mídia que se pode detectar, ou sentir seus efeitos de sentido construídos dia após

dia nas instâncias comunicativas.

O jornalismo tem sido uma dessas instâncias, que, ao longo das últimas

décadas, conquistou legitimidade para descrever e interpretar discursivamente a

realidade. É por isso que, segundo Traquina (1999), o público lê as notícias

acreditando que “elas são um índice do real”, o que sustenta os principais valores

associados a esta prática, como o compromisso com a verdade e esta com a

realidade. Neste caso, o significado de “verdade” e “verdadeiro” em Foucault pode

ou não guardar semelhança com o sentido mais corriqueiro que a palavra assume

como conformidade com o real, servindo como uma justificativa racional para o que

consensualmente se acredita ser verdade, e como uma qualificação de importância

ordenada discursivamente.

Assim, a transformação dos eventos da realidade, através de notícias,

depende, também das relações de poder estabelecidas no processo.

Veremos mais sobre isso adiante, contudo, neste caso, convém-nos

compreender que são as regras, normas e valores que controlam, selecionam e

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filtram o real, apresentado em notícias, e consumido como verdade.

2.3.2 O newsmaking e a notícia como produto

A notícia não concerne primariamente nem ao futuro nem ao passado, mas

ao presente. São características como a efemeridade e transitoriedade que

constituem a verdadeira essência da notícia. Mas até que cheguem ao público elas

passam por um específico processo de construção, o chamado newsmaking, que se

constitui como o estudo da forma como são produzidas.

Contudo, antes de conceituar o newsmaking é preciso compreender que a

noticiabilidade está diretamente ligada aos processos que criam um padrão e uma

rotina para as práticas de produção. E, sendo assim, é importante destacarmos a

necessidade de se criarem rotinas de trabalho, de modo que “sem uma certa rotina

de que se possa valer para fazer frente aos acontecimentos imprevistos, as

organizações jornalísticas, como empreendimentos racionais, faliriam” (TUCHMAN

apud WOLF, 2003, p. 196).

Segundo Wolf (2003), o newsmaking se articula em dois elementos: o

primeiro diz respeito à cultura profissional do jornalista e/ou comunicador. Ou seja, a

forma como um comunicador produz uma informação está relacionada à sua

formação profissional – e à formação discursiva – aos seus princípios, aos

elementos culturais que possui, aos dizeres propagados no meio em que convive e

que são constantemente acionados pela memória discursiva, fazendo sentido pelo

interdiscurso. É esse seu repertório que dá forma ao discurso que será transmitido,

em forma de notícias.

O segundo elemento refere-se à organização do trabalho e dos processos de

produção. O trabalho de comunicação segue um padrão estabelecido e

convencionado pelos profissionais.

Aqui cabe um parêntese. É importante destacar que o sujeito do discurso não

é o autor do texto, no caso, nem o jornalista, mas aquele que pode usar

determinados enunciados por seu treinamento, em função da ocupação de um lugar

institucional, de sua competência técnica.

Se o processo de construção da notícia é regrado por normas, valores e

outros condicionantes institucionais que definem o que será ou não noticiado,

dizemos que o jornal – e a mídia em seu conjunto – está situado no fim de uma

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longa cadeia de transformações que apresenta um real já domesticado, com os fatos

mais importantes devidamente selecionados, e submetido a uma série de filtros até

que cheguem ao destinatário, de forma mais organizada e verdadeira. Sendo assim,

elas se configuram como artefato construído pela interação de várias forças: das

pessoas, do sistema social, da cultura, da ideologia e da história.

2.3.2.1 O fato e as fontes

Incontáveis fatos, acontecimentos ou eventos ocorrem em todos os espaços e

contextos. Mas apenas uma parcela ganha visibilidade e ocupa os meios de

comunicação. São os fatos, tidos como matéria-prima, saliência do ordinário, que,

sendo processado, é consumido como notícia.

Primeiro é preciso destacar que “fato” deriva do latim factum, particípio do

verbo facere, que significa fazer. “Fato” pressupõe, portanto, eventos ou

acontecimentos que “realmente” aconteceram. Mas o próprio termo “fato” tem sido

bastante discutido, em várias dimensões, inclusive em vertentes epistemológicas e

ontológicas. Seja numa perspectiva do que é real, ou dado bruto, ou ainda do

resultado dos estímulos externos, incluindo decisão, concretização, seleção e

atualização.

A estas dimensões pode acrescentar-se ainda a dimensão comunicativa.

Neste aspecto o ditado de Aristóteles “Contra fatos não há argumentos” ilustra

melhor. Essa citação tem sido usada frequentemente no jornalismo para exprimir a

ideia de que o fato revela a realidade, por si. Contudo, preocupa-nos delimitar esta

reflexão àquilo que é tido como parcela do real, passível de verificação,

representação e materialização. Daí o processo de construção da notícia faz

sentido.

Como sabemos nem tudo que acontece será noticiado e muito menos com os

detalhes que levem à “verdade”, no entanto, se não foi noticiado, é como se não

tivesse acontecido.

Neste caso, a redação de uma notícia pressupõe que exista realmente um

fato interessante para que o jornal possa dá-lo à luz; e, nesse fato, estejam

envolvidas algumas pessoas - os produtores do acontecimento - que chamamos

fontes de informação.

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As fontes de informação tanto podem ser as pessoas envolvidas no fato

propriamente dito, como aquelas que tenham algum conhecimento específico e que

possam dar explicações contextuais. Entre as fontes estão, em uma ponta, o sujeito

narrador, o jornalista, e, na outra, os leitores, aqueles que irão consumir a notícia. Ao

descrever/escrever sobre um fato, o jornalista lança mão do seu poder de escolha,

embora submetido às regras, e procura a melhor forma, a melhor estrutura

morfológica, sintática, fonética, para contá-lo com precisão e com clareza. Ao fazer

isso, os discursos das fontes originam novos enunciados – as notícias – que

pressupõem um sentido e uma significação em um dado contexto.

2.3.3 O gatekeeper e os valores-notícia

O jornal é uma grande loja, com produtos diversificados, separados em

estantes e linhas. Partindo dessa ilustração, a primeira página de jornal comporta-

se, portanto, como uma vitrine, com amostras dos produtos do interior da loja (no

jornal, o conteúdo das páginas internas). Motivados por essa analogia, perguntamo-

nos então quais os critérios que transformaram aquele fato em notícia e ainda

rendeu-lhe uma “bonita roupa” na capa? Que valores incidiram sobre o produto para

que obtivesse tamanha visibilidade? Ou ainda, por que nenhuma amostra, mesmo

discreta, foi apresentada sobre aquele outro fato? Estas são apenas algumas, entre

tantas indagações recorrentes sobre o trabalho de seleção e construção das

notícias.

Primeiro, para chegar à capa, realizou-se todo um processo. E neste,

estiveram presentes vários valores. Estes valores refletidos nos fatos direcionam e

indiciam sua valoração enquanto produto, no entanto só se confirma, ou não depois

de passar pelo processo de seleção e transformação de vários pequenos pedaços

de informação na quantidade limitada de mensagens que chegam às pessoas

diariamente (SHOEMAKER, 2011). Esse processo percorre vários caminhos, desde

a escolha da pauta até a sua apresentação no jornal. Neste processo de construção

da notícia (Newsmaking) elas têm de passar por uma espécie de portões (Gates) e

nesses portões encontram-se os gatekeepers (guardiões do portão).

O fluxo nesse portão é acompanhado nas redações pela figura do editor, que

controla e filtra os fatos que merecem ser noticiados, além de influenciar no ângulo e

aprofundamento da notícia. Esses gatekeepers decidem quais as notícias que serão

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veiculadas pelos meios de comunicação (as que “passam" pelo portão), e quais as

que não possuem tamanha importância e são “barradas”. Como o discurso é

contextual, e o discurso jornalístico também, é justificável que as notícias barradas

em um dado momento sejam liberadas em outro para circular pela loja (jornal),

dependendo de seu valor ora imbuído.

É importante explicar que o conceito gatekeeper refere-se à pessoa que toma

várias decisões, e sendo o processo de produção da informação, uma série de

escolhas, é o gatekeeper responsável por determinar o que fica e o que sai do

noticiário.

Nesse processo em que a informação passou por vários portões, foram

utilizados critérios de noticiabilidade, citados por Wolf (2003), e que determinaram se

a notícia seguia em frente, ou se seria deixada de lado. Para esses critérios são

levados em consideração os valores-notícia, o grau de relevância, a proximidade, e

se a notícia é factual ou não.

Segundo Bourdieu (1997, p. 25) “os jornalistas têm “óculos” especiais a partir

dos quais veem certas coisas e não outras; eles operam uma seleção e uma

construção do que é selecionado”. Antes disso, porém convém frisar que os valores-

notícia – atributo que seleciona o que entra e o que não entra na pauta da imprensa

– agem em conjunto com outros critérios de noticiabilidade que envolvem desde o

julgamento do jornalista às características do veículo e da empresa de comunicação,

e apoiam-se em padrões culturais para que as notícias se realizem e produzam

sentido e sejam consumidas.

Se a notícia é um bem simbólico de consumo universal, como considera Lage

(1985), ela é um produto à venda, conforme Medina (1988). Logo, precisa atrair,

seduzir e conquistar o leitor/consumidor. Contudo, as variáveis a respeito de um fato

(noticiável ou não) são tantas que se faz necessário dosar, selecionar e encaminhar,

quando pertinentes, aos processos mais avançados da produção. No sentido de

simplificar a tarefa e organizar os estoques crescentes de fatos é que se fazem

necessários critérios que definam a sua noticiabilidade, isto é, sua capacidade para

ser transformado em notícia. Sousa (2001, p. 39) apresenta:

Os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais. Por outro lado, são, frequentemente, de natureza esquiva, opaca e, por vezes, contraditória. Eles funcionam conjuntamente em todo o processo de fabrico e difusão das notícias e dependem da forma de operar da organização noticiosa, da sua hierarquia interna e da maneira como ela confere ordem

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ao aparente caos da realidade. Além disso, os critérios de valor-notícia mudam ao longo do tempo (assuntos que há algum tempo não seriam notícia são-no hoje).

Sendo assim, pela infinidade de fatos, é que eles são selecionados conforme

os chamados valores-notícia. Para Wolf (2003, p. 208-213), os valores-notícia

básicos seriam o interesse e a importância da notícia. A importância de um fato está,

segundo ele, ligada a quatro valores:

1) Grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável; 2) Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional; 3) Quantidade de pessoas que o acontecimento (de fato ou potencialmente) envolve; 4) Relevância e significatividade do acontecimento em relação aos desenvolvimentos futuros de uma determinada situação.

Além destes valores outros aspectos são observáveis, e, por sinal,

determinantes, a exemplo das decisões subjetivas do jornalista ao acompanhar o

fato e construir a notícia, considerando desde a fonte de informação, o ângulo

observado, as palavras usadas, as testemunhas consultadas, e o olhar humano

revestido de valores e ideologias, pessoais, profissionais e institucionais.

Neste caso, as notícias são definidas pelos critérios que o jornalista vê como

relevantes para relatá-las. Com isso, os valores-notícia se apresentam como

norteadores na seleção das notícias que compõem o jornal. Pelo que se vê, na

vitrine (capa) ou no interior da loja (jornal) é a busca pelo novo, pelo extraordinário.

Nesse caso, a “novidade” ou o inesperado da notícia lhe consagra um peso

importante na cesta de atributos que selecionam um fato, dentre as miríades de

fatos cotidianos, como merecedor do status de “notícia”. Contudo, quando o produto

é notícia, os valores funcionam em diferentes momentos com pesos diferentes,

considerando, sobretudo, os mecanismos ideológicos do profissional, do ambiente

em que ele trabalha e dos proprietários dos meios de produção.

2.3.4 O discurso reportado

Ao refletir sobre a notícia enquanto discurso, observamo-la como resultado da

interação sócio ideológica, da qual emerge uma multidão de vozes. Sendo assim,

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esta perspectiva torna-se, então, ponte de apoio para os estudos da notícia

enquanto prática discursiva construída de diferentes olhares e vozes, e permeável –

pela pureza da palavra – em vários espaços. A partir disso, não parece remota,

então, a ligação da teoria bakhtiniana com os estudos de comunicação social,

principalmente se compreendermos que um dos fenômenos linguísticos mais

discutidos por Bakhtin – o discurso reportado – é figura constante na mídia que,

explicitamente, recorre aos discursos de outrem.

Neste caso, o caráter intertextual da notícia é fator constituinte de sua prática

discursiva, sendo esta a condição que todo texto tem de estar ou ser repleto de

fragmentos de outros, os quais podem ser facilmente identificados ou não.

Charaudeau (2007) explica que as mídias têm por tarefa reportar os

acontecimentos do mundo. Nesse caso, “reportar não é fundamentalmente

reproduzir, repetir; é principalmente estabelecer uma relação ativa entre o discurso

que reporta e o discurso reportado; uma interação dinâmica dessas duas

dimensões” (FARACO, 1988, p. 140).

[...] o discurso reportante e o discurso reportado só têm uma existência real, só se formam e vivem através dessa inter-relação, e não de maneira isolada. Ou em outras palavras, entre os dois discursos estabelecem-se relações dialógicas e eles se formam e vivem nessas relações. (FARACO, op cit)

No caso das notícias elas se situam no campo da intertextualidade sempre

que os jornalistas lançam mão de discursos diretos ou indiretos para fazer sentido.

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3 RELAÇÕES SABER/PODER: UMA ANÁLISE DA ROTINA PRODUTIVA DO

JORNAL DE FATO

3.1 CONHECENDO O JORNAL DE FATO

Com sede em Mossoró-RN e sucursal em Natal-RN, o Jornal de Fato é um

dos periódicos impressos que circulam no Rio Grande do Norte, chegando a mais de

80 cidades do estado. Além do Jornal de Fato, o cenário local conta com mais três

jornais diários com sede em Mossoró, e com a circulação dos jornais da capital.

Criado em 2000 com a proposta de fazer um jornalismo “diferente”, o semanário

tornou-se diário em menos de um ano, circulando das terças feiras aos domingos.

Atualmente conta com cadernos temáticos, uma revista semanal e um Portal de

notícias, lançado em maio de 2012.

Desde que surgiu, tem alcançado resultados importantes que aos poucos

delineia o perfil da empresa e de seus produtos. Um dos pioneiros no estado na

utilização da policromia, o Jornal de Fato tem buscado inovações na área gráfica e

tem apostado, sobretudo, no investimento em softwares, em profissionais

capacitados e no desenvolvimento de iniciativas e projetos sociais.

O Jornal de Fato desenvolve atualmente alguns projetos sociais, a exemplo

do “De Fato em Ação”, que é uma ação cidadania promovida anualmente com o

objetivo de levar serviços de forma gratuita para a população. Além deste, o jornal

executa o projeto “Formando Novos Leitores”. Por meio dessas iniciativas o jornal

tem também conseguido agregar valor à marca e consolidar-se no mercado.

Com cerca de 70 profissionais, sendo 20 repórteres, o Jornal de Fato está

organizado em vários setores, sendo a diretoria, editoria, gerência administrativa,

gerência de marketing e assinaturas, além do setor gráfico, de logística e circulação.

É preciso tornar de fácil acesso a informação entre as pessoas. Nesta

perspectiva, a proposta do Jornal de Fato é ser um canal de comunicação entre os

poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a população, relatando os fatos e

abrindo espaços de utilidade e opinião pública. De acordo com as informações Hoje,

o jornal tem um público bem direcionado nas classes A e B.

Do ponto de vista comercial, além dos anúncios, o Jornal de Fato conta com a

venda por assinaturas, o que representa mais de 70% das edições vendidas,

garantindo segurança de mercado. No entanto, é proposta da empresa conquistar a

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fatia de mercado com a venda avulsa dos exemplares. O periódico mantém ainda

um canal de relacionamento com o leitor através do Clube do Assinante. Ao assinar

o jornal o leitor tem o direito de participar de várias promoções.

O Jornal de Fato incentiva a produção de matérias especiais na redação.

Onde o repórter e fotógrafo recebem incentivo para a viabilização da pauta e

publicação de cadernos especiais temáticos. Este incentivo fez do jornal o veículo de

comunicação impresso mais premiado em 2008 no Rio Grande Norte. O jornal

acumula prêmios como o Ayrton Senna, BNB, Amigo da Criança - UNICEF, UERN,

FIERN, Petrobras, Leica e Governo Federal.

Em maio de 2012 o periódico passou por reforma gráfica, adotando uma

diagramação mais próxima da revista, com cores, linguagem e tipologia

diferenciadas em cadernos especiais.

As informações expressas anteriormente foram coletadas através de

entrevistas.

3.2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS: DO PROJETO ATÉ A REDAÇÃO

Definimos desde o início que, devido à viabilidade de desenvolvimento da

pesquisa, o Jornal de Fato seria nosso campo de estudo, em que aí estudaríamos

suas relações de poder. A partir daí mantivemos os contatos necessários para que a

execução desta fosse possível. Enquanto isso, em períodos bem anteriores a

pesquisa, decidimos acompanhar as edições do periódico a fim de reunir o maior

número de informações sobre o perfil da empresa e de suas publicações,

acreditando que isso facilitaria nosso desenvolvimento. Além disso, demos

continuidade às leituras que dariam base de sustentação para nossa dissertação.

Os trabalhos de campo começaram a ser realizados de forma mais intensa no

3º semestre do PPGL, principalmente porque nesse período já tínhamos cursado

todas as disciplinas e amadurecido a proposta.

No momento de articulação da pesquisa, constituição de corpus e análise,

decidimos ir à campo para conhecer o universo de estudo, firmarmos compromisso

para realização da pesquisa, delimitarmos a amostragem, e definirmos o tempo de

coleta de dados.

Feitas essas articulações, foi dada a largada. Chegamos à redação, e os

procedimentos para a coleta de dados se deram da seguinte forma: primeiro, por

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decisão metodológica realizamos nossa pesquisa em quatro semanas, considerando

o tempo necessário para a utilização das técnicas de observação e aplicação de

entrevistas. Na primeira semana, iniciada em 26 de março de 2012, realizamos

apenas observação da rotina produtiva na redação do Jornal de Fato, e a partir da

segunda semana, inserimos, concomitantemente, a aplicação das entrevistas que

ora se constituem corpus desse estudo.

Na observação, embora seja uma técnica até certo ponto, tomamos cuidado

para sistematizá-la e aperfeiçoar suas potencialidades. Primeiro, optamos pela

observação não participante na tentativa de preservar o contexto pesquisado,

mantendo certa distância dos sujeitos para atenuar as interferências que poderiam

ser causadas devido às causas externas, embora saibamos que no meio científico

que é impossível garantir a absoluta neutralidade no processo de investigação.

Optamos pelas entrevistas semiestruturadas que tiveram as perguntas

roteirizadas sistematicamente para abranger o objetivo desse trabalho, versando

sobre as motivações de pauta, o modelo hierárquico da empresa, as relações

profissionais, a linha editorial, critérios de noticiabilidade, angulação das notícias,

formação dos profissionais envolvidos, entre outros assuntos.

3.3 A ROTINA PRODUTIVA NO JORNAL DE FATO

O jornal começa a ser feito muito antes de ser impresso. Ele é resultado do

trabalho de vários profissionais que vivem rotinas específicas. Uma forma de

perceber as rotinas na redação é entrar nela. Foi o que fizemos. Para acompanhar

essa rotina produtiva, analisar o discurso e as relações de poder presentes nesse

processo é que nos propomos a realizar esta pesquisa no Jornal de Fato.

Para a realização deste trabalho entramos em contato com o jornal para

apresentar a proposta da pesquisa e conseguir autorização para tal.

Primeiro, convém-nos apresentar que as atividades desenvolvidas pelos

profissionais da empresa seguem uma rotina de trabalho. Ao todo foram seis

entrevistados. Todos exercem funções específicas dentro do jornal, e por isso é

importante apresentá-los a fim de conhecer melhor esta rotina, o processo de

construção da notícia, as relações entre fontes, a organização da empresa e outras

atividades.

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Sabe-se que a noticiabilidade liga-se aos processos de padronização criados

dentro de uma rotina específica, já que “a atenção às interações rotineiras das

redações ou às relações com as fontes constitui um dos meios mais fecundos de

compreender as realidades do trabalho jornalístico” (NEVEU, 2006, p. 75).

Nesta perspectiva, a técnica de observação não participante permitiu-nos

notar como a rotina diária conduz ao cumprimento de pautas e a “confecção” do

produto – notícia, de modo que o relato dos fatos seja adaptado ao processo de

produção.

Iniciamos nossa observação no dia 26 de março de 2012. Logo no primeiro

dia assinamos um termo de compromisso e autorização desta atividade, de modo

que nos comprometemos a não interferir na rotina produtiva do veículo, nem

acarretar danos e prejuízos para a empresa. A autorização foi devidamente

assinada, conforme apêndice 1.

Achamos necessário, inicialmente, apresentar o processo de mudanças pela

qual o veículo passou dentro de sua rotina. Compreendemos, pelas informações

captadas, que o veículo começou a utilizar, de forma gradativa, novas práticas que

possibilitaram maior produtividade aliada a otimização do tempo. Sobre isso é

relevante destacar que o deadline8 do jornal, antes às 2h da manhã, foi alterado para

as 18h, o que mudou consideravelmente a rotina de produção no veículo. Os

jornalistas que antes passavam mais tempo na redação, agora dispunham de um

tempo reduzido, no entanto, ajustado para o cumprimento de suas funções. Para

gerar maior produtividade, os próprios softwares de diagramação foram modificados,

permitindo aos jornalistas e diagramadores trabalharem em conjunto, otimizando o

tempo disponível, possibilitando o fechamento às 18h.

O ritmo é acelerado. Principalmente quando o deadline se aproxima. Há uma

sede ávida por fatos e furos. Uma pressão justificada pelo relógio e definida pela

rotina de produção, com a chegada dos fatos à redação.

Os fatos existem aos montes. Chegam por várias vias. Mas até que sejam

relatados e se tornem notícias, percorrem longos caminhos, até serem selecionados,

apurados e noticiados. Convém-nos destacar que o processo de seleção, exclusão e

enquadramento obedece às critérios de noticiabilidade incorporadas pelos

8 Literalmente “linha da morte”, o termo é usado para definir o prazo final, hora-limite, de fechamento

da edição.

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profissionais do jornal, norteados pela linha editorial do veículo, numa rotina de

produção específica.

A rotina começa logo pela manhã, quando os jornalistas são escalados a

estarem na redação para apuração de informações. À tarde essa rotina se torna

mais intensa depois da reunião de pauta9. Mas antes mesmo dessa reunião, os

jornalistas já têm se pautado, previamente, ou pelo menos, idealizado uma pauta

que poderá, ou não, ser cumprida. Essa pauta será apresentada na reunião para

que seja dada a ela, com base nos critérios de noticiabilidade, e na linha editorial, o

enquadramento adequado. As reuniões também têm sido momentos usados para

divulgações internas e comunicados oficiais.

Durante as reuniões os jornalistas são indagados pelo editor sobre quais os

fatos de destaque naquele dia e quais poderiam render matérias. Os fatos são

pinçados conforme os critérios de noticiabilidade adotados pela empresa, que

chamamos de valores-notícia. Entre esses critérios estão os de abrangência,

interesse social, utilidade pública e ineditismo. São esses valores que dão

visibilidade aos fatos.

Um a um, os jornalistas apresentam suas possíveis pautas que são aos

poucos ratificadas ou descartadas. A editoria também orienta sobre qual ângulo a

matéria deve ser apresentada na edição, uma vez que a hierarquia profissional

submete o profissional à política editorial, tendo por sua vez, uma autonomia

consentida em face da necessidade de absorver as normas da empresa.

Tendo definido quais fatos serão cobertos, é hora de coletar informações,

consultar fontes, entrevistar testemunhas e escrever a notícia. Esse processo – o

newsmaking – foi relatado pelos repórteres entrevistados. E veremos ainda neste

capítulo.

Contudo, é importante refletir que dentro deste processo tem-se a

participação efetiva de vários profissionais na construção da notícia. Pelo observado,

o processo inclui a participação direta de editor, repórter, fotógrafo, revisor e

diagramador, e de forma indireta participam: telefonista, motorista, e profissionais

dos setores de gráfica, comercial, de assinatura e de entrega. Como resultado deste

9 É o planejamento de uma edição ou parte da edição, com a listagem dos fatos a serem cobertos

pelo jornal, e dos assuntos a serem abordados em reportagens, além de eventuais indicações logísticas e técnicas: ângulo de interesse, dimensão pretendida da matéria, recursos disponíveis para o trabalho, sugestões de fontes etc.

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processo, vê-se que a notícia é um produto derivado de várias etapas, até chegarem

ao consumidor/leitor. Desde os portões que permitem a entrada de sua matéria-

prima – o fato, até a fase de apuração, escrita, disposição nos cadernos, impressão

e entrega.

A relação com as fontes de informação é um elemento importante. Pelo que

observamos durante nossa pesquisa, os repórteres têm métodos muito pessoais de

lidar com essas fontes, evitando envolvimento de amizades. O contato se dá de

forma pessoal, pela internet e por telefone. Convém aqui diferenciar fonte de

informação de testemunha do fato.

A primeira diz-se do lugar/grupo/pessoa que dispõe de certa quantidade de

informações, sem que seja revelada sua natureza, e a segunda trata-se de pessoas

que testemunharam o fato ou são afetadas por ele. As testemunhas podem tornar-se

personagem da notícia devido à informação que dispõem. Neste caso, são os

“óculos especiais” do jornalista que permitem enxergar na testemunha, um

personagem para a notícia, agregando ao discurso de relatos o efeito de verdade.

Além da relação com as fontes é preciso destacar que as relações entre os

membros da equipe também são muito importantes, e podem interferir no processo

de construção da notícia. Todos os entrevistados disseram ter boas relações no

ambiente de trabalho. A sintonia entre os profissionais permite que eles absorvam a

lógica da empresa e se adaptem aos novos projetos propostos por ela.

3.4 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA E A TRAMA DOS SENTIDOS

A rotina produtiva em jornal envolve, sobretudo, a dinâmica dos sentidos, e a

propriedade de significar. É essa dinâmica que confere à linguagem a capacidade de

produzir enunciados e constituir seus discursos, revelando, sobretudo, a posição que

o sujeito ocupa na trama discursiva da linguagem, e as disputas ideológicas, por

meio das relações de poder. É essa, portanto, nossa proposta: analisar o discurso e

as relações de poder presentes no processo de construção da notícia no Jornal de

Fato.

Para isso, voltamo-nos ao corpus, apresentado anteriormente, a fim de

analisá-lo, guiados pelo método da AD. O mais importante, porém, é analisar os

aspectos essenciais e acidentais do contexto que figuram como constitutivos do

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sujeito informador, considerando o lugar social que ocupa, sua relação com o fato, e

a ordem discursiva do jornal. É o caso de considerar a rotina produtiva e o processo

de construção da notícia como constituídos de relações entre saber e poder,

partindo da condição de que o poder fabrica o saber por meio do discurso.

Há diversos modos de dizer e, consequentemente, diversas formas de se

interpretar o que é dito. Desse modo, partimos do pressuposto de que toda realidade

transformada em linguagem é uma forma de interpretação ou uma representação

desta realidade.

Por esta razão, convém-nos articular conceitos que darão sustentação a esta

análise, a exemplo da Formação Discursiva (FD), memória, interdiscurso e

heterogeneidade discursiva. O corpus será analisado de modo que se identifiquem

suas marcas discursivas.

3.4.1 Hierarquia e organização geral da redação: Caracterizando os sujeitos

A hierarquia dos profissionais dentro das redações é claramente definida e

reconhecida em termos de autoridade e função. As posições ocupadas representam

níveis de poder, prestígio e status profissional. Dentro dos jornais, todos sabem a

quem cabe executar determinada tarefa ou tomar uma decisão específica.

Obviamente, aqueles que ocupam os níveis mais altos da hierarquia têm maior

responsabilidade sobre o produto final, o jornal impresso, e, de modo geral, detêm

maior prestígio e status em relação aos colegas.

Os sujeitos desta pesquisa ocupam espaços e funções específicas na rotina

produtiva do Jornal de Fato. Dos seis, três lidam diretamente com o processo de

construção da notícia, são os repórteres. Considerando o número de repórteres

atuando na redação no período da pesquisa, selecionamos um terço do total, o que

corresponde ao número citado.

Os três demais entrevistados ocupam posições diferenciadas. Se pensarmos

de forma estratificada, conforme figura 1, observamos que ocupam diferentes níveis

hierárquicos.

Demos aos sujeitos entrevistados as codificações: Repórter A, Repórter B,

Repórter C, Chefe A, Chefe B, Chefe C.

É importante destacar, que pela representatividade que se tem dos jornais, a

sua imagem está ligada à credibilidade de poder dizer/transmitir determinado saber.

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Nesta perspectiva, a posição de cada sujeito/profissional aponta a formação

discursiva a que pertencem, e esta é consequentemente revelada pelas marcas de

seus enunciados.

FIGURA 1 – Organograma

Fonte: A autora, 2012. (Dados coletados em entrevistas).

3.4.2 O Jornal de Fato: Construção de sentido e valor de verdade

Optamos por apresentar agora o Jornal de Fato, num viés menos

burocratizado como já fizemos, para explorá-lo numa perspectiva analítica.

Comecemos pelo título e slogan, conforme o recorte a seguir:

FIGURA 2 – Logomarca e Slogan

Fonte: Jornal de Fato, 2012.

Temos na figura acima a logomarca do jornal. Pelo exposto, podemos

analisar, sobretudo, a própria denominação: “Jornal de Fato” e o slogan situado na

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parte superior: “Jornalismo de Verdade”. Pelo que observamos há uma

intencionalidade de aliar-se aos valores atribuídos ao jornalismo, como aquele que

“mostra a realidade” e a verdade dos fatos. Nesta perspectiva, denuncia um

interesse de que seja este uma resposta, uma solução para muitos dos problemas

porque passam a sociedade, seja de ordem social, política ou cultural. É possível

reconhecer, além do que está posto – um trocadilho – a movimentação de sentidos

em torno daquilo que se tem como verdade, contrário à mentira e “diferente” dos

demais.

Um dos problemas centrais na filosofia, a questão da verdade, é também um

dos pontos pertinentes em trabalhos sobre a prática jornalística. No caso específico

a que nos voltamos observamos que o próprio conceito de “fato” está muito

relacionado ao de verdade, que para alguns é obrigatoriamente uma relação.

O sentido de verdade varia conforme as diversas formações discursivas em

que aparecem, e pelas memórias que determinam os sentidos permitidos para

aquelas palavras, de modo que, o sentido de verdade não se mostra transparente ou

linear. No entanto, apesar da impossibilidade de um relato imparcial, os jornais, de

forma geral, são apresentados e recebidos por significativa parcela de seu público

como um instrumento de descrição da realidade, o que oferece status de verdadeiro

a seu conteúdo impresso.

Sendo assim, pensar a verdade como um valor do jornalismo incide em

pensarmos como o seu discurso reflete na cotidianidade e no conhecimento que se

tem da realidade, principalmente através das notícias, legitimadas

convencionalmente como verdadeiras.

Ao observarmos mais atentamente percebemos que, em outras palavras, a

compreensão do discurso pressupõe a existência de uma comunidade discursiva, na

qual os sujeitos são chamados a compartilhar do mesmo universo de efeitos de

sentido pré-construídos. Um já-dito construído socialmente que confere valor à

“verdade” e ao “fato”, mobilizando outros discursos que são operacionalizados

através da memória para além do texto. Desse modo, consideramos que os sentidos

são constituídos, entre outras coisas, pela capacidade do texto de articular com

maior ou menor proporção a memória discursiva do leitor.

3.4.3 Garimpando o fato, lapidando a notícia

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Na redação, a busca por notícias é a missão de cada dia. Há que se atender

à demanda de público leitor e à exigência de um mercado cada dia mais competitivo,

seguindo o ritmo de produtividade, sem permitir-se fugir dos interesses da empresa,

frente ao mercado. Além de atentarmos curiosamente para sabermos como essa

“missão diária” se realiza, debruçamo-nos sobre o nosso corpus, a fim de perceber

que elementos atravessam à rotinização para tornar-se elemento discursivo na voz

desses profissionais da notícia.

O primeiro contato entre os sujeitos informadores se dá na reunião de pauta.

Ao observar o desenrolar das reuniões, percebemos que todos os presentes

dominam certo código comum que define quem fala o quê e em que ordem, quem

inicia e encerra o encontro, quem senta em que lugar da mesa, tudo isso

normalmente indicado por pequenos sinais que passariam despercebidos. Contudo,

mesmo discutindo, e manifestando sua posição, é a palavra final do editor e chefe

de redação que demarca até onde a discussão deve ir, e o que será acatado.

Indagados sobre essas reuniões tivemos os seguintes enunciados:

Excerto 01 Repórter A: São importantes. Tem que haver. Tem que haver, até para existir a interação entre todos os setores. Às vezes o repórter que atua na editoria de política, de segurança, de esportes, às vezes tem uma sugestão com o viés diferente do que aquele repórter que está todo dia naquela área. Excerto 02 Repórter B: Bom, primeiro, tem o processo da pauta, né? De você ou perceber o fato e saber se aquilo vira notícia, ou então ser pautado no jornal. No Jornal de Fato você tem a reunião ao meio dia, onde os assuntos são expostos, talvez o primeiro crivo do dia seja esse. Excerto 03 Repórter C: A reunião de pauta é justamente pra isso, a gente chega apresenta, ele concorda ou dá sugestão pra gente mudar.

Para analisar os enunciados apresentados acima é preciso trazer duas

questões importantes à nossa discussão: o não-dito e as condições de produção do

discurso. O não dito, que por apresentar-se intimamente ligado ao dito, mostra-se

como uma marca importante da ideologia, permitindo ao mesmo tempo a

concretização daquilo que deve ser dito e impedindo a presença do que é proibido

se dizer em uma determinada Formação Discursiva (FD). E as condições de

produção do discurso por remeterem a discursividade à exterioridade necessária

para compreender os mecanismos de produção de sentido utilizados pelos sujeitos.

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Desse modo, considerando as circunstâncias de enunciação, dizemos que

elementos como o local da coleta, a condição de entrevistado, e as tensões

emocionais, bem como a posição deste sujeito no jornal implicam em suas

respostas.

No excerto 01 o repórter diz que a reunião é importante e enfatiza a sua

necessidade pela repetição do termo “tem que haver”. A utilização desse enunciado

marca seu posicionamento na medida em que escolhe dizer algo de tal maneira, e

não de outra, permitindo a ele concordar com o modelo de reunião que existe no

veículo sem manifestar pelo dito sua condição de aceitabilidade, ou de

assujeitamento. Com isso, ele cria a ilusão de uma naturalidade entre as palavras e

reforça a ideia de linearidade do discurso na medida em que sugere um exemplo

que permite sua fala, embora sem dizer que o “viés diferente” muitas vezes é

licenciado pela linha editorial do veículo.

No excerto 02 o repórter enuncia como se suas palavras fossem a prova fiel

do seu pensamento. De acordo com ele, a reunião é o momento de triagem, “de

você perceber o fato e saber se aquilo vira notícia”. Contudo, a articulação linear de

seu discurso tenta apagar o seu assujeitamento às regras do jornal, suavizando a

ideia de repreensão em caso de desvios.

No excerto 03 o enunciador se expressa com brevidade e traz a reunião de

pauta para um contexto de relações hierárquicas, quando se referia às opiniões de

seus superiores. Pelo enunciado, o repórter C transparece a existência de posições

hierarquicamente diferenciadas, de modo que a sequência mecanicista dos atos

limita a possibilidade de autonomia do sujeito, fazendo-o condicionar-se às regras de

controle, seleção e distribuição dentro da empresa.

Para compreender o contexto é preciso conhecer os demais discursos que

permeiam este espaço a fim de detectar suas condições de produção. Eis que

apresentamos os seguintes enunciados sobre as reuniões de pauta:

Excerto 04 Chefe A: Eu participo, não com frequência, das reuniões de pauta, muito mais como observador como propriamente para acompanhar o trabalho dos jornalistas. Eu deixo os jornalistas aqui muito a vontade. Excerto 05 Chefe B: Então nós buscamos, planejamos, analisamos, buscamos refletir sobre alguns assuntos, e as reuniões de pautas servem para fazer essa apresentação, que no final, os repórteres escrevem essas matérias, e no final do dia esperamos que o que foi combinado na reunião né? Seja publicado.

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Excerto 06 Chefe C: É porque a equipe da gente é pequena, mas em equipes maiores eu acho interessante quando as reuniões acontecem de manhã, a tarde .e horário de fechamento. Porque de manhã você vai ter uma equipe que não vai estar à tarde, mas que precisa estar em harmonia, e prepararia aquele material...ok? A equipe da tarde que chegar vai analisar aquele material, ou seja, não tem como sugerir muitas mudanças pra quem trabalhou de manhã. Então tem que complementar com alguma coisa? Tem. Então o repórter da tarde complementa aquele material. E aí o fechamento faz a análise geral e já deixa a pauta para o dia seguinte.

Os enunciados apresentados foram proferidos por outros profissionais da

empresa que executam funções diferenciadas. Se compararmos com o primeiro

grupo de respostas dos repórteres, observamos nitidamente que a posição ocupada

dentro do jornal é transferida para o enunciado. Enquanto que os repórteres se

expõem como submissos ao processo, os demais sujeitos revelam suas posições

enquanto condutores do mesmo.

No excerto 04 há no discurso uma contradição facilmente detectável, movida

pela carga de sentidos que sua posição hierárquica lhe traz. Neste momento

escapa-lhe o sentido, e a observação parece muito mais um alerta que inspeciona e

disciplina, do que uma expressão de liberdade, conforto e bem estar. Afinal, como

seria estar à vontade enquanto se é observado? Neste aspecto, há um exercício de

poder, já que, segundo Foucault (2011), aquele que está submetido a um campo de

visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder, e faze-as

funcionar sobre si mesmo. O enunciado inscreve as relações de poder presentes no

jornal, a partir de suas primeiras etapas, como a reunião de pauta.

O excerto 05 apresenta um enunciado aparentemente simples, porém

permeado de sentidos. A forma verbal na terceira pessoal do plural carrega

acepções de pluralidade e de participação, causando efeitos de homogeneidade do

grupo, sem apontamentos de conflitos ou discordâncias. No entanto, ao final do

enunciado esse sentido é retomado, e o enunciador, afiançado pela sua posição,

revela sua tarefa de controlar e filtrar os fatos que merecem ser noticiados.

No excerto 06, o enunciador escorrega de sua realidade para explicar outra

que não é vivida em seu contexto. O efeito de sentido do não dito, no início de suas

palavras, reproduz o desejo de mudança dentro do jornal, seja no tamanho da

equipe ou no modo como as reuniões de pauta são conduzidas. Com a articulação

das palavras, através do chamamento para a concordância, e das expressões

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sequenciais que dão ideia de continuidade, quando o dito tenta apagar o não dito.

3.4.4 Noticiabilidade: entre fatos e critérios

Diante de tantos fatos que se apresentam no cotidiano, parece desafiadora a

tarefa de pinçá-los e distribuí-los em algumas páginas. Para isso, é preciso

compreender que a noticiabilidade está diretamente ligada aos processos que criam

um padrão e uma rotina para as práticas de produção. É bem aí que se materializam

os discursos noticiosos, encorpados de efeitos de sentidos. Como a nossa pesquisa

se realiza durante esses processos, interessa-nos compreender como os fatos

chegam à redação, quais os critérios que os tornam noticiáveis e quais os efeitos de

sentido produzidos pelos enunciados dos sujeitos informadores.

Indagados sobre como tomam conhecimento dos fatos, os repórteres nos

deram as seguintes respostas:

Excerto 07 Repórter A: Internet, rádio, telefonemas, às vezes dos próprios policiais, às vezes leitores ligam pro jornal pra avisar. E a outra maneira mais simples é visitar as delegacias, uma por uma, pra saber se tem alguma ocorrência, prisão... Excerto 08 Repórter B: Olha, eu acho que se você colocar numa escala de 100%, acho que 40% é pela internet. Pelo que eu leio em outros sites de notícias, por redes sociais, ou até mesmo em contato pelo bate papo com outros colegas. Sempre tem quem venha dizer alguma coisa e tal...Acho que o restante você vai colocar aí, da percepção mesmo, da percepção diária. E o restante, os outros 30% talvez do pautado. Pautado pela editoria do jornal. Excerto 09: Repórter C: Através de jornais, blogs e internet, e alguma pauta que o editor passa, e a partir daí a gente vai ligando para as fontes oficiais e procurando as pessoas envolvidas diretamente.

Pelos enunciados apresentados constatamos que os três sujeitos apontam a

importância da mídia em determinar o que deve ser repercutido, ou não. Utilizam-se

da internet, do rádio e de outros jornais para a tomada de conhecimento do fato.

Em outros casos recorrem aos locais permitidos, ou às pessoas/instituições

autorizadas para tal, ou seja, as posições ocupadas autorizam a fala dos sujeitos e

determinam o exercício do poder. E quando falamos em autorização reafirmamos

que não se pode falar tudo em qualquer lugar, mas que há uma instituição que

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regula o dizer. E, sendo assim, analisamos que há incutido uma preservação do

poder exercido, uma forma de manutenção daquilo que já se tem convencionado

como verdade, e como dissemos não é possível libertar a verdade do poder, dado

que a própria verdade é poder.

De acordo com os excertos 07, 08 e 09 é possível visualizar o quanto a

construção da notícia vem daquilo que já é carregado de “verdade”, por ter circulado

em meios de informação, ou serem advindas de instituições autorizadas. Com base

nisso é possível afirmar que as informações veiculadas nos meios de comunicação

de massa tem o poder de modificar estereótipos e de se firmarem como verdades. E,

não à toa são elas que também pautam outras pautas.

Em seguida, para melhor compreender a rotina produtiva no jornal,

evidenciando suas especificidades, indagamos sobre como os fatos que surgem são

considerados noticiáveis ou não e posteriormente fizemos nossas análises:

Excerto 10 Repórter A: A gente sempre sabe os assuntos que tem maior repercussão, por exemplo, se você pega casos que se utilizam de violência exacerbada com certeza vai ter maior repercussão. Excerto 11 Repórter B: Mesmo com pouco tempo de profissão, mas desenvolve um certo feeling, né? E você passa a perceber o que tem um certo valor-notícia e o que não tem. Obviamente que nem tudo que você sabe que tem valor-notícia acaba virando notícia, por outras questões, né?[quais questões?] Ah por questões editoriais, por questões ideológicas do jornal. Ou então viram, mas não viram como você acha que deveriam. Excerto 12 Repórter C: Depende do interesse que ele [o fato] provoca. Se naquele momento a gente já sente o interesse de procurar saber, o leitor também vai ter interesse de saber. Depende da importância para a sociedade, que relevância ele vai ter para a sociedade.

Analisando os enunciados acima, é possível perceber pelas vozes dos

sujeitos A, B e C, que o fato já traz uma natureza interessante ou não, mas que esse

atributo é intensificado a partir do tratamento noticioso. Contudo, se considerarmos

que o jornalismo é produzido não apenas por aquele que escreve, mas também por

quem lê, vamos observar que o repórter A celebra essa condição quando utiliza a

expressão “A gente sempre sabe”, revelando sua vontade de verdade ao aludir à

ideia de que não há meios impositivos que determinem isto ou aquilo como notícia,

mas uma aceitação homogênea, e natural. A própria referência ao exemplo é um

convite ao pensamento comum, intensificando o desejo do sujeito de se revelar justo

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na tarefa de dar ou não visibilidade ao fato. Com isso, mobiliza-se o ideal de

neutralidade, numa tentativa de distanciar-se das opiniões e juízos de valor,

evidenciando que os fatos se tornam noticiáveis de forma natural.

No excerto 11, além de ter a vontade de verdade como marca discursiva de

seu enunciado, o repórter B assume obediência a uma ordem discursiva e desliza

em alguns momentos ao revelar a não neutralidade desse processo. Essas marcas

estão presentes quando ele expõe as formas de percepção da noticiabilidade e

quando indicia a sua posição. A vontade de verdade se torna frágil quando o sujeito

resvala de seu discurso e evidencia que os critérios de noticiabilidade distanciam-se

daquilo que é lógico afirmando que “nem tudo que você sabe que tem valor notícia

acaba virando notícia”. A condição de assujeitamento está expressa no enunciado

quando o repórter ratifica sua fala apresentando razões da ordem do discurso,

amparadas pelas relações de poder expressas na linha editorial e na ideologia do

jornal. A ideia de submissão se repete ao final do enunciado quando o sujeito parece

assumir implicitamente que não concorda, mas obedece.

O excerto 12 revela um sujeito atravessado pela ilusão da objetividade. Para

ele, a mecânica estímulo-resposta parece funcionar como algo crível, lógico e

aceitável na tarefa de apontar o que torna o fato noticiável ou não: “Se naquele

momento a gente já sente o interesse de procurar saber, o leitor também vai ter

interesse de saber”. Contudo, inquieta-nos estes tais interesses, principalmente

quando o sujeito inicia dizendo que “Depende do interesse que ele [o fato] provoca.”.

A não clareza na expressão indicia ainda um possível silenciamento na medida em

que permite um efeito de ambiguidade. Este efeito tolera duas possíveis análises,

uma que sugere interesse informativo provocado na coletividade, e outra que atende

aos interesses provocados no próprio jornal, sejam eles comerciais ou mesmo

ideológicos.

Temos, convencionalmente, que os jornais e as revistas são espelhos de uma

comunidade em determinado espaço de tempo, e os assuntos tratados

obrigatoriamente tem que ser do interesse do público. Com isso, para ser noticiável

dizemos que os fatos precisam atender aos critérios adotados pelo veículo, os

chamados valores-notícia. Deste modo, pelo que analisamos até aqui, os valores-

notícia – atributo que seleciona o que entra e o que não entra na pauta– agem em

conjunto com outros critérios de noticiabilidade que envolvem desde o crivo do

jornalista às características do veículo e da empresa de comunicação. Prossigamos

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então às nossas análises tomando como ponto de partida os enunciados que

seguem:

Excerto 13 Repórter A: Quem primeiro faz essa seleção é o próprio repórter. Eu acho que quanto mais pessoas você consiga atingir, o assunto for de realmente interesse público, você vê o interesse que parte da necessidade não só do âmbito privado, mas do âmbito público...são alguns dos elementos que a gente olha todos os dias, na hora de publicar ou não. Se esse assunto vai ter interesse do público.

No enunciado anterior o repórter justifica os valores-notícia como elementos

de seleção do recorte factual que será relatado, e assume uma posição específica

no discurso. Considerando a qualidade de entrevistado, o repórter alimenta-se da

discursividade que lhe insere nesta dada FD e enuncia dentro de determinada

ordem. Pelo enunciado, o sujeito admite experimentar, mesmo que a “curto prazo” o

papel de seletor desse material. Contudo, esse papel se esvai no decorrer do

processo por ele experienciado na rotina produtiva do jornal. A breve condição de

seletor se mostra evidente quando este enuncia a ordem de seleção, sendo ele o

“primeiro”, literalmente, nesse encadeamento de ações. Em seguida, o repórter se

refere ao interesse como elemento de valor-notícia e alega que este “parte da

necessidade não só do âmbito privado, mas do âmbito público”. Ao expressar-se de

tal forma e não de outra, analisamos que há uma preocupação deste de não aliar-se

aos valores atribuídos a este ou àquele âmbito, mas de parecer atento a ambos de

forma igualitária, alheando-se dos julgamentos. Esse alheamento é acionado pela

memória discursiva, que move os efeitos de sentidos, adiantando ao sujeito que o

ato de aliar-se a este ou àquele âmbito individualmente, poderia repercutir

negativamente para ele e/ou para a empresa que ele trabalha, no caso, o jornal.

O excerto que segue também relata os valores notícia, mas para isso o sujeito

lança mão de diferentes estratégias, uma delas se manifesta quando este apresenta

a questão de forma geral e detalhada até adquirir a adesão do interlocutor às suas

ideias, demarcando sua vontade de verdade. Ao apresentar-se intencionalmente

como aquele que tem muitos argumentos sobre os critérios no jornal o repórter

revela-se como sujeito marcado discursivamente por sua vontade de verdade, na

medida em que, pela regularidade entre seus enunciados, entrega a FD a que

pertence, conforme podemos constatar:

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Excerto 14 Repórter B: Eu acho que de uma forma bem geral, e acho que mais simplória também, talvez o que você veja com mais recorrência seja a questão da quantidade, né? O fato de você saber que vai atingir muita gente. A questão do valor de serviço público, da utilidade pública da informação. Acho que esses dois seriam os maiores. Um material que atinge muita gente, e outro material que tenha um valor de serviço muito grande ou então o inusitado. A gente acha que não, mas é muito comum matérias acabarem se tornando reportagens pelo seu valor inusitado.

Dando prosseguimento, tomaremos o enunciado seguinte como objeto de

análise:

Excerto15 Repórter C: Assim, geralmente a gente procura coisas que estão ligadas ao cotidiano e que vão afetar, as vezes assim, tem um evento da universidade, mas aquele evento as vezes nem é de interesse publico porque é uma coisa mais interna, então não vale a pena noticiar. Mas como o resultado de um vestibular que vai mexer com muita gente, o resultado de um concurso, ou então a divulgação de um edital de um concurso vale a pena noticiar. E alguns problemas da comunidade como a questão de alguma obra da CAERN [Empresa de abastecimento d‟água no estado do Rio Grande do Norte], cronograma obras das ruas que vão ser interditadas, isso afeta de alguma forma a vida daquela comunidade, do bairro e da rua onde isso vai acontecer. Então a gente procura esse tipo de assunto, exatamente.

Por meio de forte expressão de um discurso pedagogizante o excerto 15

revela um sujeito catalisador das técnicas presentes no Jornal. Pelo enunciado

percebemos a presença de um profissional marcado pelas práticas discursivas que

demarcam aquilo que pode e o que não pode ser feito para abreviar o atendimento

às regras estabelecidas institucionalmente pelo discurso do comportamento

adequado no jornal. De certo modo, o enunciado revela um profissional ligado à sua

FD e atento para não sair dela. O sujeito chama o interlocutor a repartir de sua

opinião na medida em que conta linearmente os procedimentos que determinam ou

não a noticiabilidade de um fato. Sendo assim, é a pretensão de ser entendido, e a

sua vontade de verdade, que o faz apresentar vários elementos até que esse

enunciado pareça legítimo e verdadeiro.

Como vimos, o discurso localiza-se entre a estrutura e o acontecimento,

relacionando a língua com as práticas sociais. É a partir dessa concepção que

compreendemos a FD como prática regrada historicamente, determinada pelo

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contexto, tempo e espaço.

Além dos “operários da notícia10” é importante também considerar os

enunciados daqueles que são superiores na cadeia hierárquica da empresa, e que

implica em suas atuações dentro do processo de construção da notícia.

Consideremos então, os enunciados que seguem:

Excerto 16 Chefe B: Aí a gente usa critério né: importância, se aquela noticia tem interesse social, se vai ter um apelo junto a sociedade. Se vai ter alguma influência. E depois os critérios podem ser o ineditismo, a notícia inédita ela tem um caráter importante para publicação. Não apenas o ineditismo e o interesse, mas há outros valores que nós podemos dar à informação, como abrangência, que ela deve significar pra gente como uma noticia que deve ser publicada. Excerto 17 Chefe C: Pela proximidade, tem que ser assim...qual o perfil do Jornal de Fato? é um jornal local e também regional, que tem circulação em algumas cidades. Então se o fato tem como ter alguma relação com o seu público então interessa ao jornal. Entre os principais critérios de noticiabilidade...o impacto que vai ter no publico, nas cidades...com as matérias...

O excerto 16 revela o enunciado daquele que tem nas mãos, a “chave do

portão11”. De forma atenta, localizamos certa ansiedade em apresentar,

precisamente, os valores que, agregados aos fatos, os tornam notícias. A sequência

enunciativa manifesta a posição desse sujeito como aquele que, no encargo que lhe

compete, assume a postura de condutor desse processo e conhecedor dos valores

notícia. Pelo analisado, é o saber que ajusta o discurso em suas relações de poder,

na medida em que permite tal dizer.

Ao analisar o excerto 16 consideramos, primeiramente, a utilização de uma

estratégia discursiva. Marcado pela vontade de verdade em dada condição de

produção, o enunciador inicia de forma sucinta, mas sente a necessidade de

prosseguir.

Ao apresentar prontamente a “proximidade” como critério de noticiabilidade do

fato, o sujeito apresenta uma interrogação seguida de resposta, recorrendo ao

discurso institucionalizado como forma de justificar seu enunciado, proferido com

efeito de autoridade.

10

Aqui nos referimos aos repórteres, sendo eles responsáveis por construir a notícia. 11

A expressão designa metaforicamente o papel do gatekeeper, apresentado no segundo capítulo deste trabalho

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3.4.5 As fontes de informação

É de fundamental importância lembrar que os atores sociais com os quais os jornalistas interagem não são passivos. Possuidores de estilos de vidas distintos e visões de mundo particulares, as fontes acabam por tornarem-se interlocutores influentes e, de certa forma, leitores tão vorazes quanto os próprios jornalistas. Sendo assim, as fontes de informação tanto podem ser pessoas envolvidas no fato, como aquelas que têm algum conhecimento contextual. Nesta pesquisa, interessou-nos saber qual a relação estabelecida entre sujeito informador e fontes de informação. Para isso, julgamos necessário considerar os excertos a seguir:

Excerto 18 Repórter A: Eu procuro manter sempre uma relação um pouco distante, não me envolver, por exemplo, com policiais. As pessoas que eu convivo no meio de trabalho elas ficam no meio de trabalho. O contato com as fontes se dá de forma pessoal, por telefone, alguns deles ligam e avisam, outros a gente se encontra nos locais, nas delegacias, nos presídios... Excerto 19 Repórter B: Eu tenho um método muito pessoal com elas. Primeiro, eu evito ter uma relação pessoal, de amizade, com qualquer um deles, principalmente fontes mais importantes, que tem um grau de importância maior e eu tenho de procurar mais vezes. Até para não interferir no material. Enfim, mas hoje eu tenho um bom leque de fontes porque eu tive a sorte de começar em cotidiano né? Então quando você entra em cotidiano, você já dá de cara entra em contato com vários assuntos diferenciados. Então assim, hoje eu tenho um bom contato em várias áreas. Quando eu preciso em determinada matéria eu já sei a quem procurar...outro método que eu adoto é diversificar sempre as fontes. Material de economia eu procuro nem sempre falar com o mesmo economista. Às vezes não dá tempo, e você acaba recorrendo aos de sempre. Mas eu procuro fazer dessa forma. Excerto 20 Repórter C: Com as fontes a gente procura, às vezes as fontes vem até a gente, se for alguma denuncia, procuram...Hoje por exemplo, tinha um problema no IDIARN, eu fui querer saber se era a questão dos abatedouros, só que quando eu cheguei lá no órgão os funcionários mesmos fizeram algumas denúncias de que o local estavam sem estrutura, tanto sem telefone, como sem veículo, sem estrutura para trabalhar, o que acabava atrapalhando o trabalho do órgão. Então ou as fontes vem até a gente ou a gente tem conhecimento de alguém e vai procurar, entrar em contato.

Considerando os enunciados apresentados anteriormente podemos afirmar

que, não coincidentemente, os três repórteres se valem de discursos comuns, em

alguns aspectos. Estes revelam pertencimento à mesma FD na medida em que não

se constituem independentemente uns dos outros, mas se formam de maneira

regulada no interior de um já dito – um interdiscurso.

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Ora, se as FDs compõem um intricado sistema de onde acontecem as

determinações do que pode ou não ser dito, dentro de uma Ordem do discurso,

analisamos, neste caso, que foram elas que tornaram possível o estabelecimento de

uma certa regularidade entre os enunciados.

No excerto 18 o Repórter A afirma que procura manter uma relação de não

envolvimento com a fonte. Há nesse enunciado, produzido nesta dada condição de

produção, uma inquietação explícita em deixar claro que não há tal relação. Deste

modo, é possível localizar nesse dito, nuances de um interdiscurso acionado pela

memória e pelos seus movimentos de sentido, uma vez que no código de ética da

profissão – jornalismo – estão as normas que regulam suas relação, inclusive com

as fontes de informação, e isso poderia desencadear efeitos de sentido diversos.

Nesta perspectiva, considerando os deslocamentos da memória, entre esses efeitos

esta relação poderia emanar certa carga de negatividade, uma vez que arranha o

valor da objetividade, tão “perseguida e desejada” pelos jornais.

No excerto 19 o repórter B assume um método pessoal de lidar com as fontes

de informação, e afirma que evita relações de amizade: “evito ter uma relação

pessoal, de amizade, com qualquer um deles, principalmente fontes mais

importantes, que tem um grau de importância maior e eu tenho de procurar mais

vezes”. Pelo extrato, o enunciador revela seu vínculo de dependência das fontes,

mas enfatiza a necessidade de distanciamento. Essa necessidade, no entanto,

aponta a fragilidade do sujeito ao adentrar em outra ordem do discurso. Segundo

Foucault (2009) a entrada nesta Ordem estrita, seleta e excludente, não é tarefa

fácil. Nesse caso, o enunciador apenas reforça que não se pode dizer qualquer

coisa em qualquer circunstância. Há uma ordem que evita esse caos, e é essa

ordem que trava tais envolvimentos. Exemplo disso é quando o sujeito afirma que

evita o relacionamento “até para não interferir no material”. O efeito de sentido

evidencia quão tênue é a linha que separa a objetividade do fato e da subjetividade

advinda das relações mantidas pelo repórter.

O excerto 20 revela um sujeito marcado discursivamente pela vontade de

verdade, explicitamente quando convoca o interlocutor a acompanhar sua sequência

discursiva. No entanto, pelas armadilhas do discurso, o repórter deixa escapar o tom

de superficialidade ao se referir às fontes, detendo-se prioritariamente à rotina que

participa.

Este comportamento evidencia uma postura de sujeito que assegura o

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funcionamento automático do poder à serviço da regularidade discursiva ali

apresentada, ou da FD.

O chefe C também acompanha os repórteres nesse momento de contato com

as fontes. Para analisar sua participação enquanto sujeito do discurso,

consideremos o enunciado que segue:

Excerto 21 Chefe C: Acredito que é uma coisa primordial, mas vai de cada repórter. É aquela parte do trabalho que é mais a relação do repórter do que da empresa com a fonte. Então vai muito do próprio repórter conquistar aquela fonte, pra que? Pra que ela tenha confiança em você, quando tiver uma matéria passar informação. Aí é uma coisa muito particular. [Como é que se dá esse contato?] – Telefones...conversas, mesmo...

A tonalidade do discurso resulta na construção de um efeito de transparência

ou de verdade ao que é dito. Para isso, o enunciador assume uma posição de

distanciamento, deixando claro no discurso que essa relação “é uma coisa muito

particular”. O sujeito insiste em afirmar que esse método “vai de cada repórter” e

isenta a empresa de qualquer relação com essas fontes de informação. Pelo jogo

discursivo, tal postura poderia enfraquecer o efeito de verdade buscado pela

empresa/jornal.

3.4.6 Construção da notícia e a ordem discursiva

O processo de construção da notícia envolve condições de produção. São

essas condições que moldam os enunciados através do discurso jornalístico, inscrito

sob o gênero da notícia. Para saber mais sobre o processo perguntamos aos

repórteres sinteticamente sobre a dinâmica de construção da notícia e obtivemos as

seguintes respostas:

Excerto 22 Repórter A: Na verdade é assim, o repórter chega na redação com algumas sugestões de pauta. Ele apresenta essas pautas na reunião, e aí na reunião é definido se essa pauta vai ser matéria principal, ou se ela vai ser só uma rápida, ou se é um assunto irrelevante...geralmente o processo é esse. E às vezes a pauta vem de cim..(engoliu a palavra) da editoria para o repórter, né? Mas o normal é o repórter levar e ela ser discutida.”

Excerto 23

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Repórter B: Bom, primeiro, tem o processo da pauta. Os assuntos são expostos e são divididos. Além disso é discutido o que que aquele material merece, o que não merece, como deve ser feito e como não deve, o que vai ganhar destaque o que não vai, quem ouvir, quem não...sobretudo quem ouvir. E depois daí vem a produção, propriamente dita, que é você ouvir as fontes, checar a informação, você checar os dados, você cruzar informações, você produzir o material visual, que é a foto, a infografia, aí depois você elaborar o texto, e depois que você conseguiu colher tudo, e que o material está jornalisticamente desenvolvido...aí você vai pra fase mais do produto em si. Que é escrever o texto, ver a questão da foto, destaque de foto, o que que vai, o que que não vai...se vai ganhar infografia ou não... Excerto 24 Repórter C: A gente chega, dá uma olhada nos jornais do dia, na internet, considera tudo vê no dia anterior no telejornal, em conversas com alguém, aí a gente separa o que daria pra fazer uma matéria. Na redação conversamos com os editores para saber também se aquilo vale a pena noticiar, se tem interesse do jornal. Depois vai procurar por telefone entrar em contato, através do site da instituição, ou até mesmo conversando com alguém. Por exemplo, se aconteceu algum problema em um posto de saúde e temos conhecimento de alguém que foi diretamente afetado por aquele problema, a gente vai procurar a pessoa, vai até o local, conversa com pessoas próximas até conseguir as informações. Depois a gente volta pra redação e vai escrever. A gente tenta definir o foco.

Pelos enunciados acima é possível acompanhar o processo pelo qual o fato

passa até que seja transformado, ou não, em notícia. A sugestão de pauta, levada

pelo repórter chega à reunião ainda sem forma, tendo que passar pelo portão, que

permite ou não sua passagem para a próxima fase. É importante reconhecer nos

enunciados acima que o discurso noticioso tende a ser submetido à uma ordem. E

esta ordem reflete a organização da empresa.

No excerto 22 o não dito, literalmente, no momento em que engole parte de

seu enunciado pressupõe uma dispersão em seu discurso. Observemos: “E às

vezes a pauta vem de cim..(engole a palavra) da editoria para o repórter, né? Mas o

normal é o repórter levar e ela ser discutida”. Essa dispersão pode ser observada

com a retomada ao final do enunciado.

A dispersão apresenta-se como marca da opacidade da linguagem, e

caracteriza, sobretudo, a possibilidade de ocupação de várias posições assumidas

pelo sujeito no discurso. É na dispersão que o sujeito revela sua heterogeneidade e

desliza de sua formação discursiva.

Além da dispersão, encontramos marcas da rotina produtiva que revelam o

estabelecimento de regras capazes de reger a formação dos discursos. Por

exemplo, o passo a passo apresentado aponta a necessidade de submeter-se a

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essas normas institucionais que como afirmou Foucault (2009) controlam

selecionam, organizam e redistribuem seus discursos. Nesta perspectiva, o excerto

23 ilustra bem: “Além disso, é discutido o que aquele material merece, o que não

merece, como deve ser feito e como não deve, o que vai ganhar destaque o que não

vai, quem ouvir, quem não”. O enunciado apresenta a sujeição deste a uma ordem

específica, evitando o caos discursivo e a ameaça ao poder institucionalizado. O

aparecimento dessa ideia revela a homogeneidade do sujeito ao assegurar essa

condição, ou seja, o sujeito manifesta um acordo “consciente” dessas regras

editoriais.

O excerto 24, por sua vez, revela uma posição condicionada. Essa atitude

desponta aquilo que pode ser entendido como submissão às regras internas e

externas da instituição. E, mais que isso, delineia os conflitos de interesse gerados

por questões políticas, pessoais e/ou financeiras que influenciam diretamente o fazer

jornalístico, enquadrando-o numa ordem. Observemos: “Na redação conversamos

com os editores para saber também se aquilo vale a pena noticiar, se tem interesse

do jornal”.

Pelo que acompanhamos, existem muitos procedimentos de controle do

discurso. São discursos que se adequam conforme as circunstâncias, obedecendo a

suportes institucionais que admitem ou impedem sua realização. E como toda e

qualquer instituição, o Jornal de Fato é gerido por regras que visam a organização e

disciplina enquanto empresa.

Vale rememorar nesta pesquisa que os jornais são concebidos, antes de tudo,

como práticas discursivas institucionais. E, em sendo assim, a exemplo do que

ocorre com outras práticas, os jornais se investem de/por saberes-poderes definidos

pelas FDs com as quais se articulam e de onde advêm as determinações sobre o

que dizer e o como dizer, bem como do que não dizer e como fazê-lo.

Ao assumirem a condição de práticas discursivas institucionais, os jornais

gozam de uma prerrogativa: a de terem lugar garantido na Ordem do discurso.

Resultantes de tais práticas, os discursos são legitimados, autorizados e qualificados

em dizeres de verdade. Ou seja, seus discursos/notícias são tomados por essa aura

que os torna poderosos, vivos, assertivos e praticamente incalculáveis em termos de

alcance e influência face aos sujeitos.

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3.4.7 Onde está o foco: A empresa, a linha editorial e os mecanismos de

controle

Apesar de muitos fatos acontecerem desordenadamente, o fluxo de notícias

no jornal está longe de ser um caos. Há uma ordem discursiva que ajusta as notícias

aos princípios ideológicos da empresa, fazendo com que o discurso noticioso seja

determinado por uma Formação Discursiva (FD) que reproduz a regularidade entre

os enunciados. Essa formação ainda pode ser identificada pelas correlações,

posições e funcionamentos desses discursos, numa dada condição de produção. No

jornal, sua FD reflete a linha editorial, que ordena seus discursos.

A ordem desses discursos evidencia-se no foco das notícias, desde a seleção

dos fatos até seu fluxo contínuo, submetido aos mecanismos de controle, e é

inerente à posição ocupada pelo sujeito enunciador. Dizemos que a linha editorial do

veículo determina a regularidade entre as notícias, e consequentemente os

discursos dos sujeitos sobre elas.

Mas uma questão parece incitar esse ponto de análise: Se há uma ordem a

ser seguida, como os “fazedores” da notícia são orientados para isso?

Relacionamos a seguir alguns enunciados que podem ser analisados nessa

perspectiva:

Excerto 25 Repórter A: Não, na verdade não há essa orientação não. Nem há discussão, de, por exemplo, quando o assunto não deve ser veiculado ele é simplesmente informado e o repórter cumpre, não há uma orientação digamos...agora, a gente percebe subliminarmente há uma questão política e comercial que muitas vezes interfere. Excerto 26 Repórter B: Nunca me foi passado uma cartilha, obviamente, do que pode e do que não pode falar. Ou com qual tom deve ser falado. Mas, obviamente, você percebe a qual grupo a gestão do jornal está ligada, por vários fatores. Pelas relações pessoais, pela importância que é dada a algumas pautas e outras não. Então, tudo você vai pegando meio que por osmose. Você passa a entender. Excerto 27 Repórter C: Eu acho assim que a gente já conhece, que todo veiculo de comunicação tem sua linha editorial, e a gente não pode fugir disso. Mas eu acho que a gente tem que procurar escrever, pelo menos eu, eu tento pegar os dois lados da notícia, e tentar conversar com o máximo de pessoas possíveis para poder tentar trazer a realidade do fato.

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Os enunciados destacados acima são reforço do poder que constitui a

empresa de comunicação, convencionalmente tida como aquela que transmite a

verdade. Esse poder ganha reforço com a discursivização em torno das verdades

que propaga. No entanto, há que se considerar o revestimento dos sujeitos

informadores pelas marcas dessa FD, ao condicionar-se às regras e restringir o

discurso ao espaço institucional. No excerto 25, por exemplo, encontramos um

sujeito pertencente à FD. Sua posição apresenta traços de um enunciador submisso,

mas que revela sua heterogeneidade ao reconhecer no final de sua fala a sutil

interferência dos fatores políticos e comerciais.

O enunciado presente no excerto 26 mostra prontamente sua posição no

discurso. Ele apresenta marcas da FD ao manifestar que os costumes e práticas se

tornam intrínsecos, e se aprendem “meio que por osmose”. O efeito metafórico do

termo “osmose” apresenta-se como um fenômeno semântico produzido por uma

substituição contextual, na qual determinadas palavras se substituem ao longo da

discursividade, lembrando que esse deslizamento de sentido é constitutivo tanto do

sentido de um como de outro. A metáfora permite colocar em relação discurso e

língua, objetivando o modo de articulação entre estrutura e acontecimento,

desvelando a ideologia presente na base da discursividade que a determinou.

Pelo enunciado o sujeito expõe que no jornal “se passa a perceber”

intencionalidades que revelam as restrições, o permitido, as relações e as

determinações.

O Repórter C declara que a linha editorial do veículo é algo lógico, e que

todos têm. Pelo excerto 27 visualizamos um sujeito submisso a FD. Através dessa

declaração reconhecemos a tessitura do discurso, e armadilhas da linguagem,

principalmente quando o mesmo afirma que “a gente não pode fugir disso”. Ao final

de seu enunciado, ele amarra com uma dispersão da FD, reconhecendo que mesmo

assim deve tentar fazer diferente. É essa dispersão que revela sua heterogeneidade,

em que mesmo submetendo-se ao que está posto, mobiliza novos discursos.

O excerto que segue revela contrariedade nos enunciados. Enquanto os

repórteres negam orientação da linha editorial, este revela que há oportunidades

dentro do jornal que apontam os direcionamentos para ordenação desses discursos

noticiosos:

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Excerto 28 Chefe B: As reuniões de pauta elas oferecem essa possibilidade. Na discussão dos temas apresentados a editoria procura oferecer o andamento de como devem ser abordadas as reportagens. Esse foco, esse viés é oferecido com base na linha editorial da empresa.

Observamos na fala acima, a busca pela conformidade do discurso, uma

tentativa de assujeitamento do indivíduo à FD do jornal, permitindo uma

compreensão de justiça, uma vez que o enunciador se coloca como possibilidade, e

não como a opção, extinguindo as chances de coação pelo discurso.

A linha editorial do veículo define aquilo que entra ou não na ordem. É através

dela que os discursos se inscrevem na trama dos sentidos, e reforçam seu poder

através do saber transmitido. Nesta perspectiva, cabe aqui uma análise sobre as

restrições que podem ou não consolidar essa ordem.

Excerto 29 Chefe C: Cada jornal tem sua linha editorial. A linha editorial implica vínculo em vários setores. Sejam setores políticos, empresariais...então se o jornalista disser que qualquer matéria será publicada ele corre um risco. Não é questão de censura é questão da linha editorial. Você pode ter uma matéria e ai não ir de acordo com a linha editorial, e não vai sair. Não há uma reunião que diga isso pode, isso não pode, são coisas que você vai percebendo.

O jornalista está ciente tanto da linha editorial do jornal, quanto da cultura

organizacional. Então, eles sabem de acordo com esses critérios o que pode e deve

ser dito. Em análise entrevemos um sujeito dotado de compreensão crítica, ou pelo

menos que pensa que é, imerso em suas formações discursivas, tanto que se

percebe diante do que está posto, um sujeito consciente e acomodado à empresa.

Neste mesmo excerto localizamos uma tentativa frustrada de retomada do discurso

quando o sujeito deixa entender que o termo censura é carregado negativamente.

Vê-se neste momento, a tentativa de distanciamento das cargas trazidas pela

memória, a fim de reconduzi-lo à ordem do discurso.

E por falar em ordem, o enunciado que segue permite-nos uma análise

específica dessa batalha discursiva. Há inicialmente um reconhecimento da cultura

organizacional da empresa, e por fim uma justificativa da ordem em que tais

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discursos estão situados.

Excerto 30 Repórter B: Outras notícias já aconteceram sim de não entrarem por questões editoriais, se vai de encontro com a linha editorial do jornal então acaba não entrando. Salvo, realmente, quando aquela notícia tem um valor muito alto, aí entra, mas nem sempre entra como deveria.

Sobre as restrições de publicação, destacamos as seguintes respostas:

Excerto 31 Repórter B: Qualquer informação, não. E sem restrição, não. Porque por mais que fosse algo de extrema importância, de valor notícia altíssimo, mas se fosse de encontro à linha do Jornal seria noticiado, mas com restrições. Alguns pontos seriam dados, alguns pontos seriam omitidos. Excerto 32 Repórter C: Todo veículo tem questões de restrições. Pronto, um exemplo, se a gente vai divulgar o fato de aprovação no vestibular, se a gente tem um cursinho parceiro nós vamos buscar essa fonte. Do mesmo jeito o contrário. O comercial também participa, eu acho que tem de participar.

O repórter B esclarece que nem toda informação é publicada sem restrição.

Na sua fala, o sujeito apresenta sua conformidade com a cultura organizacional que

participa, salientando a possibilidade de apagamento ou de realce em alguns dados,

conforme interesse editorial. O que se constata, no enunciado, é a expressão de um

repórter consciente e conformado com as regras de poder e controle.

Embora Foucault (2010) defenda a existência de micropoderes que impedem

os indivíduos de escapar das tramas do poder, ele dá espaço para a liberdade dos

indivíduos. O que acontece é que os mecanismos estabilizadores da trama social

disciplinam os sujeitos por meio das articulações entre poder e saber. Ao que se vê,

no excerto 32, distanciam-se desse enunciado as marcas de sujeito resistente o qual

fala Foucault em sua terceira fase12, citando os focos de resistência pelos quais os

grupos e indivíduos podem operar transformações. O que encontramos, pelas falas,

12

O pensamento de Foucault é ordinariamente divido em três principais fases. Arqueologia do saber

é como denominam a primeira fase (1961-1969), em que o autor destina-se à investigação do surgimento das ciências humanas. Em um segundo momento (1970-1979), o filósofo direciona sua pesquisa para um aspecto mais político, realizando a chamada genealogia do poder. No último Foucault, ou na fase em que se dedica a pensar sobre ética (1980-1984), o cuidado e o conhecimento de si tornam-se os conceitos privilegiados. Tem-se, assim, reflexões que tendem à uma perspectiva ora epistemológica, ora política e ora ética.

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são sujeitos conformados, sem perfil mobilizador de transformação, possibilitando o

prolongamento desta cultura.

Ao selecionar determinado discurso para ocupar um lugar no jornal recorre-se

aos mecanismos de seleção e controle que os enquadra na FD do veículo. É o caso

de considerarmos os direcionamentos sugeridos para entrarem na ordem como

estratégia de efeito de sentidos. Observemos os enunciados para uma análise

posterior:

Excerto 33 Repórter A: Já tive matéria reescrita, cortada. Bloqueada. Vetada. Sim. Aqui e nas outras empresas que trabalhei. Excerto 34 Repórter B: Já aconteceu de ser produzida com o crivo do chefe de redação, do editor e no outro dia não sair. Já aconteceu pior. De produzir a matéria e sair no outro dia com alguns trechos de extrema importância terem sido cortados. Excerto 35 Repórter C: O foco já foi modificado. Já, mas por questões editoriais, assim... Às vezes a gente muda alguma coisa, mas não, ter que mudar a matéria porque aconteceu alguma coisa ou então por causa da linha editorial do jornal não. Até agora não tive esse problema. Até porque todo mundo já é bem consciente dessa linha editorial aqui do jornal.

Os enunciados acima ilustram os mecanismos de controle e seleção daquilo

que pode ou não ser publicizado no jornal, considerando a linha editorial e

interesses da empresa. O repórter A, no entanto, além de vincular-se à empresa

pelas experiências narradas, liga-se de forma geral à formação discursiva da

profissão. Mesmo considerando que a empresa atual “corta, bloqueia e veta”, o

sujeito lança mão do exemplo alheio para não incomodar a imagem atual do jornal.

Dando a ele o distanciamento necessário para apagar possíveis efeitos negativos.

O repórter B reafirma a experiência do controle exercido sobre ele através de

seus superiores. Por meio deste enunciado o sujeito ilustra claramente os

procedimentos pelos quais passa o processo de construção da notícia até que se

torne produto consumível pelo público, saciando interesses do próprio jornal.

Outro ponto fundamental para a nossa pesquisa está no excerto 35, e diz

respeito às mudanças de direcionamento pelas quais passam as notícias. Embora o

enunciador garanta que já teve o foco modificado, ele retoma o discurso e afirma

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que nunca teve que mudar a matéria. O sujeito conclui a fala afirmando que “todo

mundo já é bem consciente dessa linha editorial aqui do jornal”. Pelas palavras, o

repórter C manifesta sua conformidade com a linha editorial do veículo e enfatiza

que esta é parte da cultura, e que por isso, todo mundo já sabe e dela participa.

Outro aspecto que merece ser analisado diz respeito à escolha e seleção das

matérias de capa do jornal. Primeiro porque é a capa que anuncia as notícias, e

segundo porque é ela que reveste o jornal com o status de verdadeiro,

departamentalizando as notícias e dando a estas um espaço específico. É preciso,

no entanto, considerar o processo pelo qual as notícias são submetidas até que

sejam enquadradas na capa. Indagados sobre a escolha das matérias de capa,

obtivemos as seguintes respostas:

Excerto 36 Repórter A: Como repórter eu às vezes discordo. Em algumas circunstâncias eu escolheria outro tema, outro assunto, mas de uma maneira geral, eu seguiria a mesma linha do que é publicado no conteúdo da capa no jornal. Excerto 37 Repórter B: Tem aquele ditado que diz “cada cabeça, uma sentença”, quer dizer cada editor uma capa. Porque como aqui há um rodízio muito grande de editores, você percebe nitidamente a diferença. Não é que sejam errados, mas eles tem uma noção de valor-noticia diferenciada. Se existirem dois fatos de igual importância dificilmente os dois vão chegar a consenso. Excerto 38 Repórter C: Acho que depende da relevância do assunto mesmo, da notoriedade, assim, num sei se a comoção, mas se aquele fato...até mesmo a gente escolhe para manchete do jornal a gente escolhe uma coisa nacional, porque? Porque aquele fato teve mais relevância e mexeu com todo mundo do país, e traz aqui pra Mossoró pra gente. Mas se tiver alguma coisa na cidade que tenha uma relevância pra gente, então a gente prioriza isso, depende do valor da notícia para a realidade do jornal.

O repórter A começa sua fala resistindo ao que está posto, isto é, à

materialidade discursivizada nas capas do periódico. Ele enuncia expressando-se

“como repórter”, ou seja, conforme a posição sujeito que ocupa na instituição. O

efeito deste enunciado é a compreensão de que, por ser repórter, cabe a ele aceitar

a mesma linha antes adotada. Este sentido pode ser percebido enquanto ao passo

em que constrói a ideia resolve retomar ao ponto inicial, associando-se à ideia

anteriormente discordada.

O repórter B, por sua vez, recorre ao ditado popular para tonificar seu

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discurso, e enfatiza as diferenças entre os sujeitos e suas concepções de valores-

notícia. O repórter faz a afirmação de forma cautelosa, o que sugere certo receio

quanto ao comprometimento deste na própria equipe em que se insere e na

formação a que pertence.

No excerto 38 o repórter se permite comentar com mais desprendimento

sobre a questão. Sua marca discursiva situa o enunciado dentro da sua formação,

comprometendo-se com a linha editorial do jornal. O sujeito recorre aos exemplos

para convencer, por meio do discurso, a coerência entre os critérios de seleção das

notícias. O efeito de sentido produzido pela fala do repórter sugere que seu discurso

esteja encravado nesta formação, e que seja papel deste não sair da ordem.

Aqueles que também exercem cargos hierarquicamente superiores, através

das funções de chefia, também enunciaram a respeito:

Excerto 39 Chefe B: As matérias de capa são escolhidas a partir das discussões que foram feitas nas reuniões de pauta, onde nós avaliamos aqueles critérios de abrangência, interesse e tal...ganham espaços nas suas editorias...e com isso a capa se propõe a ser um espelho, um resumo, uma vitrine, desse assuntos que foram escolhidos para ser destaque dentro das suas editorias internas. Excerto 40 Chefe C: Não é aleatório. Vai muito da matéria mais quente. Na produção do dia tem de ter uma ou duas matérias quentes, que você que pode repercutir tanto no dia a dia das pessoas como nas outras esferas, nas esferas politicas...então quanto mais quente a matéria for, mais chances de ir pra casa ela tem.

Sobre o processo de escolha das capas, o Chefe B apropria-se de um

discurso mais social para expressar que os espaços das capas não priorizam esta

ou aquela editoria. Pela afirmação, observamos um sujeito que ao aliar-se à imagem

da empresa dá a ela um status de confiabilidade, o mesmo status que pretende

receber, por ser parte dela. O excerto 40 é enfático e reproduz a fala de um sujeito

que se revela em seu discurso como um ser consciente de sua função, e da

capacidade que as notícias têm de repercutir na vida das pessoas. No entanto essa

consciência também é frágil e questionável. Seria o caso de interpretarmos até que

ponto o sujeito é consciente ou pensa que é, e até que ponto a ordem de sua cultura

o faz preso a tais funções.

Embora o termo “preso” nos remeta a condição de liberdade, é importante

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compreender a relação entre poder e liberdade não em termos de exclusão mútua,

mas como um par que se provoca a cada instante.

Nossa análise vai além ao constatar que o Chefe C vislumbra chegar em

outras esferas. Nesse aspecto, observamos o reconhecimento do valor da mídia e

do saber por ela produzido.

Além da capa, que vende o produto é importante destacar a relação com o

mercado. Para isso, julgamos necessário analisar como o jornal se comporta diante

da conjuntura atual. Primeiro, partimos do princípio de que para conquistar clientes,

vender o produto e consolidar-se no mercado a empresa precisa passar uma

imagem positiva. É esta imagem que identifica sua postura, sua linha e seus valores.

Para isso, buscam-se constantes formas estratégias que possam atrair e fidelizar

clientes. No jornal acontece algo parecido: além do trabalho rotineiro de apuração,

redação e publicação de notícias, o jornal preocupa-se ainda com a imagem que a

concorrência e os leitores fazem dele. Neste caso, é oportuno analisar:

Excerto 41: Chefe A: A gente se preocupa muito mais com o assunto em si do que com a forma com que o assunto foi dado pela concorrência. Como nós temos uma linha diferente dos outros, nós entendemos que não há necessidade de fazer uma comparação.

Através do enunciado acima localizamos um sujeito que ocupa uma posição

de hierarquia. Essa posição é enfatizada na sua postura com relação à empresa

concorrente. O enunciador “veste a camisa” do jornal e evidencia um diferencial.

Dentro do contexto, é a diferença que torna o jornal superior aos demais.

Questões políticas e comerciais são sempre questionadas quando tratamos de

empresas. A própria imagem é construída no ir e vir entre esses eixos. Sobre o

aspecto comercial no jornal analisaremos o seguinte enunciado:

Excerto 42: Chefe A: Jornal fechado não existe. Jornal bom é jornal aberto. Partindo desse princípio você começa a comparar ele com uma empresa. Precisa vender seu produto. Pra que? Pra você pagar seus encargos, pra pagar seus funcionários, pagar suas contas. E aí, eu tenho um cliente bom e alguém chega e denuncia esse cliente, o que é que eu faço? É complicado. Eu fico entre a notícia e uma dificuldade financeira. E aí você pode me perguntar e o que você tem feito? Eu tenho buscado o equilíbrio. A matéria sai. Mas não sai sob o ponto de vista de quem veio denunciar. Sai sobre o ponto de vista global. Vai ouvir as duas partes, sem tirar valor de juízo.

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Coloca as duas versões pra rua. O leitor que vai fazer o valor de notícia. Teve alguma vez que o apelo foi muito forte a matéria não saiu? Teve!

O Chefe A enfatiza aspectos passíveis de análise. Vejamos o seguinte: O

sujeito recorre à exemplos para defender sua tese. Pelos argumentos reconhecemos

um discurso imbuído de poder de decisão, em que, pelo discurso, abraça as

responsabilidades que lhe são postas. A sequencia de interrogações e afirmações

contundentes produz um efeito de sentido de identificação no interlocutor que é

chamado a ser cumplice de sua enunciação, colocando-se no lugar deste. Não se

trata apenas de um sujeito que justifica sua tese, mas de um enunciador contido

pela posição que ocupa, mas que se utiliza dela para argumentar.

O enunciador continua em outro momento seguindo a mesma estratégia

discursiva:

Excerto 43 Chefe A: É...você é jornalista e aí eu pergunto se você tivesse um jornal e um pai, ou uma mãe se envolvesse num escândalo, qual seria sua posição? É muito complicado. Então essa questão, do material sair ou não sair, ela não tá estritamente ligada a questão financeira.

O enunciador acima recorre ao aspecto emocional em seu discurso. Sem sair

de sua formação discursiva e sem negar sua posição, o sujeito endossa o efeito de

suas palavras ao chamar o interlocutor a experimentar a situação. Ao final do

enunciado percebemos que há uma preocupação em evidenciar que as restrições

não tem influências financeiras. Percebe-se aí, o apagamento da carga negativa que

essas influências poderiam acarretar para a imagem do jornal. Para complementar,

o sujeito fala sobre a linha editorial do veículo e sua relação com a mídia local.

Excerto 44 Chefe A: Quando eu falo de linha editorial eu não falo criticando. Se o jornal A tem uma linha editorial policial, essa linha editorial não é errada. É uma linha editorial. Se essa linha editorial dá resultado, quem tem que saber é a empresa. Se tem um jornal que tem uma linha editorial baseado em política, num grupo político e se dar resultado pra esse grupo, essa empresa que deve saber. Ela oferece um tipo de leitura. Cabe ao leitor ir lá e absorver.

O excerto 44 traz a fala de um sujeito com a constante preocupação de

preservar sua imagem. Como vimos anteriormente, a imagem de credibilidade

advinda do slogan “jornalismo de verdade” (Figura 2) denuncia interesse de ser a

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voz da verdade, e absorver os efeitos desse poder. Ao afirmar que “não fala

criticando” o Chefe A experimenta suprimir o tom acirrado de concorrência que pode

se instalar com seu discurso. Para isso, lança mão de estratégias que atraiam a

simpatia do interlocutor, recorrendo a argumentos que apagam sutilmente os efeitos

pejorativos do tom de seu discurso. Nesse caso, o não dito é percebido quando o

sujeito esconde os fios de interesse da empresa ao citar os “resultados” obtidos, e

evidenciar as relações políticas e comerciais presentes no jornal, onde estabelecem

relações saber/poder. Pelo que analisamos, o poder financeiro é determinante para

a produção noticiosa do veículo. E embora haja argumentos emocionais, é o fator

comercial que influencia as decisões institucionais, que se refletem no saber

produzido pelo veículo. E em todo caso, se o exercício do poder cria perpetuamente

o saber, é o saber que acarreta efeitos de poder.

De forma geral, entrevemos nos discursos um reforço aos princípios do jornal

e aos efeitos produzidos por meio de suas notícias. Há, nesse caso, uma

constatação dos discursos dos chefes como a ordem de suas práticas, e dos

repórteres como as práticas em ordem. Há, de certo modo, efeitos das relações de

poder e saber. Afinal, trata-se de um campo permeado por vários discursos,

condutas e comportamentos, mas demarcado pelo poder institucional que ordena o

caos e produz verdades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mídia responde pela produção de uma parcela significativa dos discursos

que circulam na sociedade, exercendo influência inegável sobre a dinâmica social, e

funcionando como uma espécie de fábrica de verdades. Nesta conjectura, o discurso

da mídia codifica e dissemina ideias, valores e princípios que respondem

diretamente na sociedade e nos modos de agir das pessoas e dos grupos. É através

desse discurso, permeado de sentidos, que se pode falar em circulação de saberes,

por meio das relações de poder.

E por falar em verdade, saber e poder, é que nos permitimos considerar

alguns aspectos importantes deste estudo, embora saibamos dos riscos ao precisar

conclusões em estudos do discurso e do campo da linguagem.

Diante do nosso trabalho de acompanhamento da rotina produtiva no Jornal

de Fato, e das análises engendradas podemos extrair alguns resultados. Tão logo

montamos o nosso corpus, nos demos conta de que estávamos imersos numa

Formação Discursiva específica, a do jornalismo, constituída pelos costumes,

valores e verdades, envolta de largas divisórias que a tornaram resistente, com

poucas margens para fundir-se com outras influências. Nesta perspectiva,

constatamos as peculiaridades de pertencimento a esta formação, e

consequentemente às especificidades da linha editorial do veículo.

Ao analisar a articulação entre saber e poder, e a forma como se relacionam,

consideramos que a capacidade de produzir o discurso noticioso revela, sobretudo,

a posição que o sujeito ocupa na trama discursiva da linguagem, e as disputas

ideológicas, por meio das relações de poder. Logo, a posição do sujeito no discurso

revela sua posição na instituição e o espaço que este ocupa.

Nas análises constatamos a necessidade de homogeneizar os discursos e

materializar o poder, seja através da seleção e/ou da condução de uma notícia, na

abordagem à fonte ou nas formas restritivas de lidar com os fatos.

Os discursos institucionais são, pois, controlados a fim de manter a sua

ordem. Para exemplificar, citamos a rotina de seletividade dos fatos e as orientações

de noticiabilidade. Durante a pesquisa, raras vezes, entrevemos discursos de

resistência dos envolvidos no processo, apontando, deste modo, o conformismo dos

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sujeitos à formação discursiva a que pertencem, e à organização institucional que

estão inseridos.

A análise mostrou ainda que a rotina produtiva do jornal é marcada pela

discursivização de verdades, comandada pelos efeitos de sentido produzidos no

discurso do próprio jornal e naqueles regulados para tal condição, incluindo aí os

discursos dos atores envolvidos diretamente no processo de construção da notícia.

Em síntese, o presente estudo constatou que o discurso em geral e o discurso

jornalístico, em particular, irrompe de um conjunto de arranjos, de possibilidades que

dependem de relações já estabelecidas e de enunciados já expressados e que o

sujeito-informador é uma construção discursiva, produto do poder e do saber.

Como vimos, este trabalho reveste-se de relevância para os estudos da

linguagem na medida em que possibilita o diálogo entre diferentes campos do saber,

como da comunicação, do discurso e do jornalismo, por exemplo. Através desta

pesquisa, foi possível ampliar as discussões existentes e instigar mais pesquisas,

seja sobre o mesmo objeto ou sobre tantos outros que vão surgindo ao longo do

trabalho, de sua problematização, teorização e discussão de resultados.

Por fim, estamos certos de que as investigações empreendidas nos fornecem

subsídios importantes para pensar as relações de poder no processo de construção

das notícias e o funcionamento da mídia no seu papel de (re)produção e circulação

de sentidos no seio social. Por ora pensamos ter conseguido elementos

suficientemente ousados para trazer à tona algumas questões pertinentes.

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APÊNDICE 1 – Solicitação de Autorização para Pesquisa Científica

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APÊNDICE 2 – Roteiro de entrevistas

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Chefe A

Há quanto tempo atua no campo da comunicação? Qual sua formação?

Como foi que o Jornal de Fato entrou então na sua vida?

Acompanha o processo de construção da notícia e a rotina produtiva na redação?

Qual a diferença do Jornal de Fato lá em 2001 para hoje em 2012?

Qual a relação do Jornal de Fato com os concorrentes?

O Jornal de Fato é uma empresa. O que tem sido feito pra atrair leitores, anunciantes?

O setor comercial de alguma forma influencia nas noticias aqui?

Como é sua relação com as pessoas que trabalham na redação?

Como avalia a atuação dos repórteres?

Você tem acesso ao material antes de ser publicado? Como você faz suas observações?

Chefe B

Há quantos anos atua no jornalismo? Qual sua formação?

Qual sua função na empresa?

Qual sua relação com os demais profissionais da empresa?

É assessor de comunicação em algum órgão ou instituição? Em caso positivo, isso já interferiu no seu trabalho?

Como o jornal está organizado? Estrutura? Departamentos?

Quantos profissionais atuam na empresa? Citar funções.

Quantos repórteres?

O jornal se pauta por outras mídias?

O que mudou na rotina produtiva do jornal com a utilização das tecnologias móveis?

Como os fatos chegam à redação?

Como saber se são ou não noticiáveis?

Como se dá a apuração ou confecção das notícias?

O que justificaria o não rendimento de uma matéria?

Em caso de não rendimento da matéria, o que fazer?

Quem escolhe ou determina o tamanho das matérias?

O que acha das reuniões de pauta?

Quando não se tem notícia, o que fazer? Como recorrer?

Como são escolhidas as matérias de capa?

Você assume a função de gatekeeper, aquele que julga, escolhe, seleciona o que será noticiado, considerando claro o valor noticia a linha editorial e outros critérios... Eu pergunto: quais os principais critérios de noticiabilidade adotados pelo jornal? Como é sua relação com os demais profissionais?

Qual a relação entre a escolha das matérias e o comercial da empresa?

Há um arquivo de edições para possíveis retomadas ou mesmo para questão de segurança do veículo?

Quantos profissionais se envolvem na apuração de uma matéria?

Participa da escolha, redação ou disposição das matérias na capa?

Como se dá o contato com as fontes de informação?

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Os repórteres costumam se deslocar até o fato?

Quais os cadernos são prioridade? E quais editorias?

Que tipo de informação modificaria, ou seja, tomaria espaço em página que já estivesse pronta?

Sua atuação influencia na produção dos repórteres?

O jornal de fato noticiaria qualquer informação, sem restrição? Por quê?

Quais as principais orientações com relação ao que produz para que se adeque a linha do jornal?

Em caso de envolvimento de patrocinadores em escândalos qual a postura do jornal?

Como noticiar diferente para atrair leitores?

Há uma preocupação com a concorrência? O que tem trazido de novo? O portal é uma alternativa?

O que barraria uma matéria? Já barrou alguma?

Haveria algum interesse do jornal em noticiar um escândalo do governo estadual, por exemplo?

Já deixou de publicar alguma matéria, mesmo que esta tenha sido sugerida na reunião de pauta? Por quais razões?

Que tratamento deve ser dado a notícia para encobrir interesses ideológicos, ou políticos e comerciais?

Que tipo de notícia rende mais?

Qual a relação do jornal de fato com a mídia local?

Chefe C

Há quantos anos atua no jornalismo? Qual sua formação?

Qual sua função na empresa?

Qual sua relação com os demais profissionais da empresa?

É assessor de comunicação em algum órgão ou instituição? Em caso positivo, isso já interferiu no seu trabalho?

Como os fatos chegam à redação?

Como saber se são ou não noticiáveis?

Como se dá a apuração ou confecção das notícias?

O que justificaria o não rendimento de uma matéria?

Em caso de não rendimento da matéria, o que fazer?

Quem escolhe ou determina o tamanho das matérias?

O que acha das reuniões de pauta?

Quando não se tem notícia, o que fazer? Como recorrer?

Como são escolhidas as matérias de capa?

Quais os principais critérios de noticiabilidade adotados pelo jornal?

Há um arquivo de edições para possíveis retomadas ou mesmo para questão de segurança do veículo?

Qual sua condição hierárquica na empresa?

Quantos profissionais se envolvem na apuração de uma matéria?

Participa da escolha, redação ou disposição das matérias na capa?

Qual a sua relação com a fonte de informação?

Como se dá o contato com essas fontes? Costumam se deslocar até o fato?

Quais os cadernos são prioridade? E quais editorias?

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Que tipo de informação modificaria, ou seja, tomaria espaço em página que já estivesse pronta?

Sua atuação influencia na produção dos repórteres?

O jornal de fato noticiaria qualquer informação, sem restrição?

Quais as principais orientações com relação ao que produz para que se adeque a linha do jornal?

Em caso de envolvimento de patrocinadores em escândalos qual a postura do jornal?

Como noticiar diferente para atrair leitores?

Há uma preocupação com a concorrência?

O que barraria uma matéria? Já barrou alguma?

Haveria algum interesse do jornal em noticiar um escândalo do governo estadual, por exemplo?

Que tratamento deve ser dado à notícia para encobrir interesses ideológicos, ou políticos e comerciais?

Que tipo de notícia rende mais?

Qual a relação do jornal de fato com a mídia local?

Repórter A, B e C.

Há quantos anos atua no jornalismo? Qual sua formação?

Produz para algum caderno, editoria ou área em específico?

Qual sua relação com os demais profissionais da empresa?

É assessor de comunicação em algum órgão ou instituição? Em caso positivo, isso já interferiu na apuração ou confecção de alguma notícia?

Como toma conhecimento dos fatos noticiáveis?

Como saber se são ou não noticiáveis?

O que justificaria o não rendimento de uma matéria?

Quais os principais critérios de noticiabilidade adotados por você/pelo jornal?

Como se dá esse processo de construção da notícia?

Há um arquivo de edições para possíveis retomadas ou mesmo para questão de segurança do veículo?

Quantos profissionais se envolvem na apuração de uma matéria?

Qual a relação com o diagramador? E com o fotografo?

Qual a sua relação com a fonte de informação?

Como se dá o contato com essas fontes?

Você costuma se deslocar até o fato?

Quais os cadernos são prioridade? E quais editorias?

Que tipo de informação modificaria, ou seja, tomaria espaço em página que já estivesse pronta?

Alguma matéria sua já foi reescrita?

Quais as principais orientações com relação ao que produz para que se adeque a linha do jornal?

O jornal de fato noticiaria qualquer informação, sem restrição?

Qual a influência do editor geral e do chefe de reportagem nas suas produções?

Como o chefe de reportagem orienta a confecção da notícia?

Em caso de não rendimento da matéria, o que fazer?

Quem escolhe ou determina o tamanho das matérias?

O que acha das reuniões de pauta?

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Quando não se tem notícia, o que fazer? Como recorrer?

Como são escolhidas as matérias de capa?

Como noticiar diferente para atrair leitores?

Há uma preocupação com a concorrência?

O que barraria uma matéria? Já teve alguma notícia censurada?

Haveria algum interesse do jornal em noticiar um escândalo do governo estadual, por exemplo?

Que tratamento deve ser dado à notícia para encobrir interesses ideológicos, ou políticos e comerciais?

Como noticiar de forma diferente da concorrência?

Que tipo de notícia rende mais?

Qual a relação do jornal de fato com a mídia local?