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Mestrado Profissional em Agroecossistemas
A FORMAO TERICO-PRTICA DO TCNICO EM
AGROECOLOGIA NA ESCOLA 25 DE MAIO DE
FRAIBURGO/SC.
Mestrando: Paulo Davi Johann
Orientadora: Prof. Dr Marlene Ribeiro - UFRGS
Co-Orientadora: Prof.. Dr. Sandra Luciana Dalmagro - UFSC
Florianpolis/SC
Maro 2015
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC CENTRO DE CINCIAS AGRRIAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM
AGROECOSSISTEMAS
Mestrado Profissional em Agroecossistemas
A FORMAO TERICO-PRTICA DO TCNICO EM
AGROECOLOGIA NA ESCOLA 25 DE MAIO DE
FRAIBURGO/SC.
Mestrando: Paulo Davi Johann
Dissertao apresentada como pr-requisito para a obteno
do grau de Mestre em Agroecossistemas sob a orientao da
Dr Marlene Ribeiro e a co-orientao da Dr Sandra
Luciana Dalmagro.
Florianpolis/SC
Maro - 2015
3
RESUMO
Essa pesquisa tem o objetivo de estudar a formao tcnica em agroecologia de
nvel mdio realizada pela Escola 25 de Maio em vista de localizar articulaes e
desarticulaes entre a formao terica e prtica, e dessa forma contribuir para o avano
da qualificao destes profissionais/militantes. O referencial terico que embasa a pesquisa
materialismo histrico dialtico. Nessa perspectiva procuramos analisar a
educao/formao humana no processo histrico do desenvolvimento da sociedade
humana. Buscamos compreender a relao teoria e prtica na educao a partir do trabalho.
Como procedimento metodolgico utilizemos a entrevista com sujeitos envolvidos no
processo de formao dos tcnicos em agroecologia oferecida pela Escola 25 de Maio,
assim como a observao dos espaos pedaggicos da referida escola e a leitura
documental. A partir disso procuramos compreender como aparece a relao teoria e
prtica na referida Escola. Partimos do pressuposto que o ser humano se forma no e pelo
trabalho na atividade prtica-terica, ou seja, pela prxis enquanto atividade
especificamente humana. Nesse sentido procuramos compreender a agroecologia que se
produz no trabalho agrcola como matriz produtiva e tecnolgica, que, alm de se
contrapor a matriz produtiva do agronegcio, potencializa unir trabalho manual e trabalho
intelectual que a sociedade de classe dividiu em campos opostos. A partir desse referencial
trilhamos o caminho da anlise dos dados fornecidos pelos instrumentos metodolgicos
utilizados. Diante dos dados analisados chegamos a algumas concluses que nos permitam
momentaneamente afirmar que a Escola/Curso estudado, por ser uma escola vinculada ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tem possibilidades de avanar na
formao dos educandos no sentido da omnilateralidade. Porm essa Escola/Curso por
ser uma escola pblica apresenta limites que precisam ser superadas para atingir o objetivo
pela qual ela foi construda. Os limites encontrados se referem a questes relacionadas a
formao poltico pedaggica dos professores/educadores no que se refere a compreenso
do trabalho como princpio educativo, trabalho que abre possibilidade para unir teoria e
prtica na formao dos sujeitos do processo educativo, pois a compreenso de trabalho
4
que a Escola/Curso tem no passa do trabalho como princpio pedaggico, ou seja, aquele
trabalho que contribuiu no aprendizado do contedo. Ou seja no fazer para aprender.
Outro grande limite encontrado na parte da contratao dos professores/educadores
qualificados para trabalhar uma educao emancipatria, principalmente os da rea tcnica.
Pela constante rotatividade dos professores, pela falta de professores da rea tcnica que se
possam dedicar exclusivamente a esta escola. A no compreenso na sua totalidade da
auto-organizao dos estudantes, embora a escola/Curso tenha a auto-organizao dos
estudantes como princpio educativo, da forma como esta aparece na escola carece de
maior significado, pois esta fica restrita aos momentos formais institudos, no se concebe
que esta dever perpassar todos os espaos de vida da escola.
Palavras chaves: relao teoria e prtica, formao tcnica, agroecologia, trabalho. MST.
5
RESUMEN
Esta investigacin tiene como objetivo estudiar la formacin tcnica en
agroecologa de nivel medio en poder de la Escuela 25 de mayo con el fin de localizar las
articulaciones y dislocaciones entre la teora y la prctica, y de este modo contribuir a la
promocin de la cualificacin de estos profesionales / activistas. El marco terico que apoya
la investigacin es el materialismo histrico dialctico. En esta perspectiva analizamos la
educacin / desarrollo humano en el proceso histrico del desarrollo de la sociedad humana.
Buscamos entender la relacin entre la teora y la prctica en la educacin de la obra. Como
un procedimiento metodolgico utilizamos la entrevista con los sujetos que intervienen en el
proceso de formacin de tcnicos en agroecologa ofrece la Escuela 25 de mayo, as como la
observacin de los espacios pedaggicos de la escuela y la lectura documental. A partir de
este buscamos entender como aparece la relacin entre la teora y la prctica en esa escuela.
Suponemos que el ser humano se forma en y por medio del trabajo en la prctica y la
actividad terica, es decir, la prctica como especficamente la actividad humana. En este
sentido buscamos entender la agroecologa que se produce en el trabajo agrcola como
matriz productiva y tecnolgica, que, adems de contrarrestar la matriz de produccin del
agronegocio, mejora unir trabajo manual e intelectual que la sociedad de clases divide en
bandos opuestos. A partir de esta referencia recorrer el camino de anlisis de los datos
proporcionados por las herramientas metodolgicas utilizadas. Antes de que los datos
analizados proceden a algunas conclusiones que nos permitan afirmar brevemente que la
Escuela / Curso estudi, siendo una escuela vinculada al Movimiento de Trabajadores
Rurales Sin Tierra, es probable que avanzar en la educacin de los estudiantes hacia
omnilaterality. Pero esta Escuela / Curso para ser una escuela pblica tiene unos lmites que
se deben superar para lograr el objetivo para el que fue construido. Los lmites de refieren a
cuestiones relacionadas con la formacin pedaggica poltica de profesores / educadores en
cuanto a la comprensin del trabajo como principio educativo, el trabajo que se abre la
posibilidad de vincular la teora y la prctica en la formacin del proceso educativo, como la
comprensin de la obra que la Escuela / Curso no tiene ms trabajo como principio
6
pedaggico, es decir, que el trabajo que contribuy a los contenidos de aprendizaje. Es decir,
para aprender a hacer. Otra limitacin importante se encuentra en la contratacin de
profesores / educadores calificados para trabajar una educacin emancipadora,
especialmente el rea tcnica. Por la rotacin de maestros constante, la falta de rea tcnica
de profesores que puedan dedicarse exclusivamente a esta escuela. No entender en su
totalidad la auto-organizacin de los estudiantes, aunque la escuela / curso tiene la
auto-organizacin de los estudiantes como principio educativo, la forma en que aparece en la
escuela necesita una mayor importancia ya que este se limita a los momentos formales
establecidos, es inconcebible que este debe impregnar todas las reas de la vida escolar.
Palabras clave: relacin entre la teora y la prctica, la capacitacin tcnica, la
agroecologa, el trabajo.
7
LISTA DE SIGLAS
ABEEF- Associao Brasileira Estudantes de Engenharia Rural.
ASCAR/RS- Associao Sulina de Crdito Rural do Rio Grande do Sul.
ACT- Admisso por Contrato Temporrio.
ATER_ Assistncia Tcnica e Extenso Rural.
CADCR- Centro de Apoio e Desenvolvimento Comunitrio Rural.
CIMI- Conselho Indigenista Missionrio.
CPT- Comisso Pastoral da Terra
EMATER/RS- Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Rio Grande
do Sul
FEAB- Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil
GO- Grupo Orgnico.
INCRA- Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria.
MAB- Movimento Atingidos Por Barragens.
MMC- Movimento de Mulheres Camponesas.
MPA- Movimento dos Pequenos Agricultores.
MSP- Movimentos Sociais Populares.
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
NB- Ncleo de Base.
PJR- Pastoral da Juventude Rural.
PPP- Projeto Poltico Pedaggico.
PRONERA- Programa Nacional de Educao em reas de Reforma Agrria.
PRV- Pastoreio Racional Voizin.
SED-SC Secretaria Estadual de Educao de Santa Catarina.
SISCAL- Sistema de Criao ao Ar Livre.
TE- Tempo Escola.
TC- Tempo comunidade
8
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................... 9
I CAPTULO A RELAO TEORIA E PRTICA NA EDUCAO ................... 21
1. 1 O trabalho e a formao humana. ...................................................................... 22
1. 2 Unidade teoria e prtica para a educao emancipatria ................................ 28
1. 3 Unidade teoria e prtica na educao escolar ................................................... 32
II CAPTULO A FORMAO EM AGROECOLOGIA NO MST E A RELAO
TEORIA E PRTICA NA FORMAO DO TCNICO EM AGROECOLOGIA.. 43
2.1 Agroecologia e o processo de formao humana ............................................... 45
2.2- Agroecologia no MST e a formao tcnica ......................................................... 59
3.3- A relao da teoria e prtica na Escola 25 de Maio ............................................ 89
3.4 A realidade do Curso Tcnico em Agroecologia na Escola 25 de Maio ........... 99
3.5 O desafio da Escola 25 de Maio na formao do Tcnico em Agroecologia .. 110
ALGUMAS CONSIDERAES FINAIS .................................................................... 115
Referncias ....................................................................................................................... 124
ANEXOS .......................................................................................................................... 130
9
INTRODUO
A pesquisa aqui apresentada aborda a formao terico-prtica a partir da relao entre
trabalho e educao, trabalho manual e trabalho intelectual, como unidade dialtica
necessria formao do Tcnico em Agroecologia. Esta pesquisa, em particular a sua
abordagem acima especificada, justifica-se pela contribuio que poder oferecer s escolas
do campo de modo geral, e, de modo especial, s escolas de formao tcnica para avanar,
no s no sentido estritamente tcnico, mas, principalmente, na oferta de uma formao que
contemple a totalidade do ser humano.
A problemtica da formao tcnica est presente nas discusses do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em suas diferentes instncias. Como militante do
MST e no sentido de poder colaborar na qualificao desse debate, escolhi, como tema, a
articulao da teoria com a prtica, ou do trabalho manual com trabalho intelectual, na
formao do Tcnico em Agroecologia, na Escola 25 de Maio, que est localizada no
Assentamento Vitria da Conquista, no municpio de Fraiburgo, no estado de Santa
Catarina. A Escola 25 de Maio, que oferece a formao tcnica em Agroecologia integrada
ao Ensino Mdio, vincula-se, por um lado, rede estadual de educao de Santa Catarina, e,
por outro lado, tem um vnculo orgnico com o MST. No seu Projeto Poltico Pedaggico
(PPP) ela incorpora o vnculo da teoria com a prtica, tendo o trabalho como princpio
educativo alm de instrumento didtico pedaggico para auxiliar no aprendizado.
A educao ligada ao mundo do trabalho no pode ficar alheia s
exigncias complexas dos processos produtivos e a ao educativa deve
refletir sobre estas questes selecionando contedos vinculados ao mundo
do trabalho e acompanhando experincias de trabalho educativo. O
trabalho torna-se, tambm um recurso pedaggico ao provocar, atravs, de
sua prtica, necessidades de aprendizagem, bem como pela sua condio
de construtor das relaes de classe (PPP, 2013, p. 7-8).
A formao do Tcnico em Agroecologia, vinculada ao MST, muito discutida nesse
Movimento, em particular nos setores de Educao e Produo. A discusso que o MST est
fazendo est relacionada a esta formao de tcnicos em Agroecologia, de modo que possam
se apropriar dos elementos tcnicos vinculados aos elementos polticos, ou ainda, realizar a
articulao terico-prtica. Em outras palavras, a questo : como a Escola poder formar
10
este Tcnico em Agroecologia, com capacidade tcnica e compromisso poltico para atuar
junto aos camponeses e contribuir, tanto no aumento da produo de base agroecolgica,
como na organizao dos camponeses, enquanto classe, para a luta pela construo do
paradigma da agroecologia em contraposio ao paradigma do agronegcio. Nesse sentido,
a formao tcnica pensada pelo MST procura aliar os elementos tcnicos aos elementos
polticos. Mas, a partir da, podem ser formuladas novas questes como: possvel numa
sociedade de classes, que separa o trabalho manual do intelectual e que produz uma
educao escolar divorciada do processo produtivo, aliar a teoria prtica como uma
unidade dialtica? Ou ainda: formar simultaneamente para o trabalho manual e o trabalho
intelectual? E como fazer isso na prtica do cotidiano escolar?
O MST tem, como um dos seus princpios, que a escola dever trabalhar a formao
omnilateral do ser humano. Esta formao segundo Marx (2001) s se torna possvel a partir
da unio da educao com o trabalho. Trata-se, portanto, de uma educao que articula a
teoria com a prtica, no sentido da prxis. A prxis inerente formao do ser humano
omnilateral, ou seja, formao nas dimenses fsica, moral, espiritual, artstica, etc. Nessa
concepo, o trabalho deixa de ser uma atividade puramente prtica para se converter em
atividade terico-prtica. uma atividade em que se articulam o pensar e o fazer como uma
unidade dialtica.
esta unidade dialtica, fazer e pensar, prtica e teoria que, no caso de uma formao
omnilateral, sustenta a ao educativa da escola. Mas, apesar disso, pela convivncia como
agricultor assentado, e como liderana do MST, com alguns dos tcnicos em agroecologia
egressos, muitas vezes acompanhando-os no trabalho junto aos agricultores, nas reunies
de planejamento das atividades que iriam desenvolver, assim como de tcnicos egressos
dessa escola que foram assentados, percebia-se, a existncia de um conhecimento superficial
a respeito das tcnicas agroecolgicas, tanto prtico como terico, mas por outro lado, tem
um discurso poltico sobre agroecologia bastante avanado. Pode-se tambm perceber no
trabalho desses tcnicos a dificuldade em relacionar a atividade prtica relacionada
assistncia tcnica com o conhecimento poltico-organizativo, no sentido de uma melhor
compreenso da unidade do conhecimento prtico com o conhecimento terico. Este poderia
ser um caminho estratgico em contraposio ao agronegcio, e, ao mesmo tempo, para a
construo do paradigma da Agroecologia, como instrumento na luta pela construo de
uma sociedade em que a diviso de classes possa ser superada.
11
O objetivo da Educao do Campo projetada pelos movimentos sociais populares do
campo, unificados na Via Campesina1 de forma geral, e de modo particular pelo MST, a
compreenso articulada prtica da educao como instrumento de emancipao humana.
Por isso, a Educao do Campo se articula luta pela Reforma Agrria, com a terra para os
que nela trabalham e vivem deste trabalho, e por um projeto popular de sociedade, que penso
seja socialista. Mas, para que a Educao do Campo possa cumprir com esta funo
necessrio trabalhar a formao do ser humano em todas as suas dimenses, ou seja,
segundo Marx e Engels (1978), uma educao omnilateral em oposio educao
unilateral do liberalismo.
A partir da compreenso do trabalho como princpio educativo e da forma pedaggica
de estabelecer a relao entre a teoria e prtica, trabalho manual e trabalho intelectual na
educao escolar, que esta pode contribuir no avano da formao tcnica, no sentido de
formar tcnicos, no s comprometidos com os Movimentos Sociais Populares (MSP), que
lutam pela terra de trabalho no/do campo, mas tambm com capacidade tcnica e poltica de
contribuir na construo de processos de mudana social e cultural do campons, incidindo
sobre a produo agropecuria. Em outras palavras: contribuir na construo de processos de
converso da agricultura oriunda da revoluo verde 2 para a agricultura com base
orgnica, preservando e respeitando a natureza e compreendendo o homem como parte da
natureza. E, ainda, organizando-se de forma solidria para definir alternativas de defesa
deste trabalho, e da sociedade humana que o exige.
A escolha do tema articulao teoria e prtica na educao escolar, tendo o trabalho
como mediao na formao do tcnico em Agroecologia se deu em virtude da
necessidade da formao de tcnicos agrcolas com capacidade terico-prtica, de modo que
possam contribuir com os camponeses para a construo de processos agroecolgicos de
1 Via Campesina uma organizao social do campo formado pelo Movimento dos trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Federao dos
Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Comisso Pastoral da Terra (CPT), Associao Brasileira dos
Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), Conselho Indigenista Missionrio (CIMI) e Pescadores e
Pescadoras Artesanais. 2 A revoluo verde foi concebida como um pacote tecnolgico insumos qumicos, sementes de
laboratrio, irrigao, mecanizao, grandes extenses de terra conjugado ao difusionismo tecnolgico, bem como a uma base ideolgica de valorizao do progresso (PEREIRA, Mnica, 2012, p. 685). Este era um amplo programa idealizado pelo capital para aumentar a produo agrcola no mundo por meio da introduo
de melhorias genticas em sementes, uso intensivo de insumos industriais (agrotxicos), mecanizao e
reduo do custo de manejo com a promessa de acabar com a fome no mundo.
12
produo. A formao exigida pelos MSP do campo no sentido da formao unitria, que
decorre de uma formao tcnica aliada formao humanista (GRAMSCI, 1982). Esta
proposta est fundamentada em documentos do MST, em que foram definidas as linhas
polticas para a construo da Agroecologia3, como paradigma de desenvolvimento do
campo em contraposio ao agronegcio4. Portanto, a escolha da Escola 25 de Maio, como
objeto de minha pesquisa, explica-se pelo fato de ela estar organicamente vinculada ao MST.
A Escola 25 de Maio tem, por objetivo, a formao omnilateral do tcnico em
Agroecologia, no sentido de capacitar seus educandos tcnica e politicamente para
contribuir na construo da Agroecologia como paradigma de desenvolvimento do campo,
em contraposio ao paradigma hegemnico do agronegcio. Em outras palavras, a
formao do tcnico deve contribuir na luta pela transformao no s do campo, mas de
toda sociedade, ou seja, na construo de uma sociedade sem classes, em que seja superada a
dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual. Os objetivos que deixam esta afirmao
mais clara constam nos princpios filosficos e organizativos das escolas do MST5.
Agroecologia o estudo de processos econmicos e de agroecossistemas,
como tambm, um agente para as mudanas sociais e ecolgicas
complexas que necessitam ocorrer no futuro a fim de levar a agricultura
para uma base verdadeiramente sustentvel (BALEM; SILVEIRA, 2002, p.
4).
3 Agroecologia, mais do que simplesmente tratar sobre o manejo ecologicamente responsvel dos recursos
naturais, constitui-se em um campo do conhecimento cientfico que, partindo de um enfoque holstico e de uma
abordagem sistmica, pretende contribuir para que as sociedades possam redirecionar o curso alterado da
coevoluo social e ecolgica, nas suas mais diferentes inter-relaes e mtua influncia (CAPORAL, 2009,
p.4). 4 Consiste o agronegcio numa articulao empresarial voltada exportao de produtos primrios, ou que
agregam pequena parcela de tecnologia, tratando-se, principalmente, de minrios e gneros agrcolas que so
produzidos em larga escala e comercializados no Brasil e no exterior. Envolve o setor de mquinas (tratores,
ceifadeiras, colheitadeiras, etc.), a produo agrcola, as tecnologias associadas a esta produo, a
industrializao dos produtos, o setor de distribuio e servios e o setor bancrio, responsvel pelo
financiamento da produo. Com isso, gera pequena quantidade de postos de trabalho. A definio do Brasil,
no plano econmico nacional e internacional, como produtor e exportador de produtos primrios, est
associada ao poder, importncia e fortuna dos empresrios do agronegcio, grandes proprietrios de terras
que se articulam com o sistema financeiro tanto para financiar a produo quanto para aplicar lucros no
mercado de aes (RIBEIRO, 2013, p. 674). 5Princpios filosficos: 1) educao para a transformao social; 2) educao para o trabalho e a cooperao; 3)
educao voltada para as vrias dimenses da pessoa humana; 4) educao com/para valores humanistas e
socialistas; e 5) educao como um processo permanente de formao/transformao humana. Princpios
pedaggicos: 1) relao entre prtica e teoria; 2) combinao metodolgica entre processos de ensino e de
capacitao; 3) a realidade como base da produo do conhecimento; 4) contedos formativos socialmente
teis; 5) educao para o trabalho e pelo trabalho; 6) vnculo orgnico entre processos educativos e processos
polticos; 7) vnculo orgnico entre processos educativos e processos econmicos; 8) vnculo orgnico entre
educao e cultura; 9) gesto democrtica; 10) auto-organizao dos/das educandos; 11) criao de coletivos
pedaggicos e formao permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude e habilidades de pesquisa; e
13) combinao entre processos pedaggicos coletivos e individuais (MST, 1999, p 04).
13
Na definio de Agroecologia dada por Balem e Silveira, na obra citada, pode-se
perceber como se faz necessrio formar tcnicos agrcolas que no s se capacitem, ou se
formem tecnicamente, mas tambm politicamente para poderem contribuir na interveno
da complexa realidade do campo. Na Escola 25 de Maio, segundo Mohr e Ribas (2010, p. 2),
desde o princpio de sua fundao, esto presentes os ideais da pedagogia socialista, de
Makarenko (s/d) e Pistrak (2000), pedagogia esta que considera a organizao coletiva e o
trabalho como princpios educativos.
Na luta pela mudana do paradigma de desenvolvimento do campo, empreendida
pelos MSP do campo, de forma geral e, em particular pelo MST, a educao,
formao/capacitao fazem parte desta luta. nesse intuito que o MST luta por escolas de
forma geral e, em especfico, por escolas tcnicas para formar os sujeitos que vivem nos
assentamentos. A formao que as escolas vinculadas ao MST pretendem oferecer s
pessoas que vivem nos assentamentos a formao omnilateral, como afirmado antes.
Formao esta que possibilite ao estudante compreender no s a Agroecologia, mas
tambm a agricultura convencional e como este modelo contribui para o desequilbrio da
natureza, afetando o clima, a flora e a fauna, mas, acima de tudo, sendo concentrador da
terra, de renda, e excluindo, cada vez mais, um nmero maior de camponeses.
A compreenso de que o educando no seu processo de formao na escola deva
incorporar conhecimentos que possam contribuir na construo do novo, fundamental.
Novo, aqui, significa a mudana do paradigma de desenvolvimento do campo. Ou seja, a
construo de uma matriz produtiva com tecnologias de base agroecolgicas. E na escola
que o estudante deve aprender estes conhecimentos tcnicos cientficos e articulando-os com
seus conhecimentos emprico-populares enquanto filho de camponeses. A articulao entre
conhecimento o cientfico e o conhecimento emprico-popular vai se dando, no na teoria,
mas na prxis social. Penso que apreender este conhecimento fundamental para o tcnico
que pretende atuar junto aos camponeses, sejam eles assentados ou no.
Compreendendo a importncia do trabalho como prxis social na vida do ser humano
que as escolas ligadas ao MST incorporam o trabalho nos seus objetivos pedaggicos. Esta
incorporao se d porque atravs das prxis (Engels,1999) se forma o ser humano. Prxis
social aqui entendida como trabalho, pois no ato de trabalhar, quando o trabalho livre,
que se mesclam a teoria com a prtica. Pois, foi assim que, durante milhes de anos, o ser
humano foi se produzindo a partir do trabalho. A relao dialtica entre o ato do fazer, a
14
prtica do trabalho e, por sua vez, o ato de pensar sobre o trabalho, ou seja, a prxis social
precisa estar presente na educao escolar. A esta questo voltaremos adiante no primeiro
captulo.
Passo, agora, apresentao do problema que d origem s questes de pesquisa as
quais orientam a escrita desta dissertao. Assim, neste meu trabalho de pesquisa, cujo tema
a formao terico-prtica na formao do tcnico em Agroecologia, tenho as seguintes
indagaes: de que forma a Escola 25 de Maio vincula o trabalho educao? Ou melhor,
como a referida Escola estabelece o vnculo entre o trabalho e educao escolar? Que lugar a
escola d s atividades de trabalhos manuais realizadas pelos estudantes? Ou ainda, como
articula teoria e prtica, estudos tericos e trabalhos manuais? E, em base a estas indagaes,
formulo a seguinte questo de pesquisa: como a escola 25 de Maio articula estudos tericos e
trabalho prtico na formao do Tcnico em Agroecologia?
Estas questes, ou interrogaes, me despertaram o interesse em estudar para poder
contribuir com a Escola, com a formao dos tcnicos em Agroecologia, e com o MST, na
discusso sobre a relao trabalho-educao no processo de formao para a emancipao
humana. Estas, a meu ver, so questes que implicam no alcance ou no dos objetivos da
educao qual o MST discute em suas instncias organizativas, objetivos estes que esto
direcionados emancipao humana.
E a partir das questes suscitadas foram formulados os objetivos de modo a definir os
caminhos que foram trilhados nesta pesquisa, atravs da qual me propus a averiguar se os
estudos tericos esto, de fato, articulados aos trabalhos prticos desenvolvidos pelos
estudantes da Escola 25 de Maio, considerando que esta Escola pretende formar tcnicos em
Agroecologia, orientada pelos princpios e mtodos do MST. Para isso, foi necessrio
identificar o lugar do trabalho prtico efetuado na e pela Escola 25 de Maio; analisar a
concepo de educao e de formao tcnica associadas formao poltica, alm de
refletir sobre os limites e as possibilidades que a Escola apresenta no que concerne
formao tcnica em Agroecologia. Assim, com o estudo sistematizado nesta Dissertao
pretendo estar contribuindo para a formao do tcnico militante, com capacidade para
intervir junto agricultura camponesa, visando fortalecer a produo agroecolgica.
Para desenvolver esta Dissertao sero apresentados alguns elementos da relao
entre trabalho e educao, a partir da teoria marxista. Nesse sentido, tentarei trazer uma
15
viso histrica de como esta relao foi se distanciando do mundo da produo, durante
determinado tempo, na medida em que os seres humanos iam organizando a produo de
modo a organizar, tambm, a sociedade de classes sociais em contradio e que, portanto, se
contrapem. Da emerge a pergunta: como que a unio entre o trabalho e a educao
poder contribuir na formao humana em todas suas dimenses, incluindo a luta pela
emancipao, quando estamos imersos nesta sociedade de classes? Esta a questo que
orientou o estudo aqui desenvolvido sobre a formao do Tcnico em Agroecologia
efetuado pela Escola 25 de Maio.
A pesquisa que fundamenta a Dissertao foi desenvolvida na Escola de Educao
Bsica 25 de Maio, que oferece, tambm, a formao tcnica em Agroecologia, situada em
Fraiburgo/SC, mais especificamente, com turmas de estudantes ingressados nos anos de
2012 e 2013, no curso Tcnico em Agroecologia, tendo como sujeitos de pesquisa:
professores, estudantes, integrantes do Conselho Escolar, pais de alunos e lideranas locais
do MST, com o qual a escola tem vnculo orgnico. Para isso, adotou-se uma metodologia de
carter predominantemente qualitativo.
Os dados obtidos atravs de entrevistas, observaes, leituras de documentos, foram
analisados com base no referencial do materialismo histrico-dialtico, onde o real se
apreende a partir da anlise do fenmeno, partindo do emprico (abstrato) para o concreto
(apropriao do concreto em nossa mente), considerando as relaes que se estabelecem
entre o fenmeno particular com o geral-universal. Segundo Marx (2006) o concreto
concreto por que expressa as mltiplas relaes que o determinam. Ou seja, o fenmeno no
se se deixa conhecer pela aparncia, mas pela essncia que ocultada na sua aparncia por
um invlucro produzido pela diviso do trabalho na sociedade de classes. Kosik (1976)
aprofunda esta questo proposta por Marx, na obra citada, ao apontar que a essncia desta
forma de organizao injusta, que histrica, se mostra como aparncia, ocultando a real
explorao/expropriao da classe trabalhadora e, com isso, dificulta a percepo da
sociedade que no como se mostra.
Nesse sentido, busquei compreender o fenmeno a ser estudado a partir das
informaes coletadas pela observao in loco, pelas entrevistas, leituras de documentos
produzidos pela Escola 25 de Maio, tentando captar o fenmeno e como este se manifesta e
por ela manifestado, o que exigiu uma anlise capaz de ir alm das aparncias, para
penetrar na essncia. E, para isso, ou seja, para chegar essncia do fenmeno torna-se
16
necessrio, em primeiro lugar, buscar as relaes que se estabelecem entre o fenmeno a ser
conhecido como totalidade, ou seja, com a forma como a sociedade se organiza para
produzir a vida. E, em segundo lugar, no se pode analisar o fenmeno em si
desconsiderando as relaes internas e externas que o fazem ser tal como . Assim, s
possvel conhecer verdadeiramente os fenmenos sociais, quando se utiliza um mtodo e
uma abordagem que vo para alm das aparncias. Este mtodo o materialismo histrico
dialtico, que sustenta esta abordagem substancialmente qualitativa.
Para realizao deste estudo foram utilizados os seguintes procedimentos
metodolgicos: pesquisa bibliogrfica, pesquisa documental, e pesquisa de campo.
Na pesquisa bibliogrfica realizei leituras de livros, revistas, artigos, dissertaes de
mestrado, teses de doutorado, assim como pesquisei em stios da rede mundial de
comunicao, buscando compreender como que, historicamente, o tema da relao teoria e
prtica, do trabalho manual e trabalho intelectual, vem se configurando na educao, de
forma geral, e, em especfico, na educao escolar, sobretudo, na relao ensino e trabalho
Em relao pesquisa documental procurei ler documentos produzidos pela Escola 25 de
Maio tais como: atas do Conselho Escolar desde a criao da Escola 25 de Maio, que somam
quase uma centena; o Projeto Poltico Pedaggico, o planejamento anual de 2013 e 2014 que
cada um dos professores elaborou em suas reas de atuao, ou as disciplinas que
desenvolvem.
A pesquisa de campo foi realizada a partir de entrevistas e observaes in loco. Para as
entrevistas foi usado um roteiro com perguntas semiestruturadas. Num universo de vinte e
quatro estudantes, entrevistei sete, ou seja, trs ingressos no ano de 2012 e quatro ingressos
no ano de 2013. Alm dos estudantes, entrevistei quatro professores, incluindo o diretor. As
entrevistas foram assim distribudas: alm do diretor, trs professores que trabalham
disciplinas da rea tcnica, num universo de oito professores, assim como um representante
do Conselho Escolar e uma liderana regional do MST. Para cada categoria de entrevistados
foi utilizado diferenciado. Ou seja, as perguntas construdas para a entrevista com
professores, pais de alunos, concelho escolar e alunos eram diferentes umas das outras. A
escolha do roteiro de entrevistas foi formulada de forma que pudessem fornecer informaes
necessrias para responder a questo central da questo de pesquisa. Para que pudesse
apreender todos os significados das respostas as entrevistas foram gravadas e transcritas na
integra. J as observaes foram feitas em trs momentos, atravs de visitas Escola,
17
perfazendo um total de vinte e sete dias. As visitas aconteceram no ms de agosto de 2013,
abril de 2014 e outubro de 2014. A primeira e a segunda visita foram de dez dias cada uma e
a terceira visita foi de sete dias. Nas visitas foram observados os seguintes aspectos:
a) Em relao s aulas ministradas pelos professores:
Abordagem dos aspectos pedaggicos dos contedos do currculo, alm da
abordagem didtica, ou seja, como se processou a articulao entre teoria e prtica
no trabalho do/a professor/a, seja em sala de aula ou no trabalho de campo;
Como que o princpio da Escola, ou seja, o trabalho aparecia, enquanto articulao
teoria e prtica, no planejamento do professor, no seu trabalho pedaggico;
Se havia ou no a articulao da teoria e prtica na escola como um todo, ou eram
s algumas disciplinas que trabalhavam esta relao;
Como que se mostrava a relao teoria e prtica no trabalho escolar;
Como que o/a professor/a abordava, em sala de aula, o trabalho prtico realizado
pelos estudantes;
Como se processava o vnculo das disciplinas tcnicas em relao s disciplinas do
Ensino Mdio;
Como aparecia o vnculo entre teoria e prtica nas disciplinas tcnicas e nas
disciplinas tericas do Ensino Mdio;
Se, de fato, existia, uma relao dos contedos tericos com os trabalhos prticos
realizados pelos alunos;
Quais os procedimentos didticos metodolgicos que o/a professor/a utilizava nas
atividades pedaggicas;
Como se dava o processo de interao entre o/a professor/a e os estudantes em sala
de aula;
Como que o processo de planejamento das atividades da escola, realizado pelos
alunos, era abordado em sala de aula;
Como que o professor estabelecia o vnculo da teoria com o trabalho concreto.
b) Em relao ao trabalho prtico realizado pelos estudantes: conforme os
princpios da educao das escolas vinculadas ao MST os estudantes realizam
18
trabalhos prticos. Foi, ento, observado, se a Escola 25 de Maio aplicava este
princpio em relao aos trabalhos prticos:
Estudantes se envolviam na limpeza do ambiente de convivncia, ou seja, sala de
aula, alojamento, refeitrio, recolher o lixo, cuidar dos animais, etc.,
Como que os estudantes percebiam este trabalho;
Este trabalho expressava vnculo com a formao procurada pela escola;
Como que os estudantes aplicavam a relao teoria e prtica nos espaos de sua
auto-organizao, como Ncleos de Base (NB), ou nos encontros destes Ncleos.
c) Em relao ao coletivo de professores e grupo orgnico da Escola:
Como era abordada a relao teoria e prtica no coletivo de professores e no grupo
orgnico;
E como estes coletivos compreendiam esta relao.
d) Em relao organizao da Escola 25 de Maio:
Se a forma de organizao do trabalho escolar era condizente com o projeto
poltico pedaggico da Escola;
Como que se mostrava a relao teoria e prtica na organizao Escola;
O Conselho Escolar era ou no parte constitutiva da Escola,
Como este Conselho era percebido por estudantes e professores/as.
Para registrar os dados coletados atravs da observao, utilizei um caderno de campo
para anotar as percepes dos fatos, do que era observado. Este registro foi efetuado durante
o processo de observao, ou seja, durante a observao foi anotado tudo o que dizia respeito
aos aspectos acima descritos, assim como eram feitas reflexes em torno do observado.
Para anlise dos dados e informaes coletadas buscarei utilizar o mtodo dialtico.
Este mtodo consiste em compreender o fenmeno a ser estudado a partir das determinaes
e relaes que se estabelecem entre este com o todo do processo. Ou seja, determinaes e
relaes existentes entre trabalho e educao que ocorrem na escola a ser estudada, em
relao ao que se estabelece entre trabalho e educao na sociedade burguesa.
19
O ponto de partida para o mtodo dialtico na pesquisa a anlise crtica
do objeto a ser pesquisado, o que significa encontrar as determinaes que
o fazem ser o que . Tais determinaes tm que ser tomadas pelas suas
relaes, pois a compreenso do objeto dever contar com a totalidade do
processo, na linha da intencionalidade do estudo, que estabelecer as
bases tericas para sua transformao. (WACHOWICZ, 2001, p. 01).
Segundo a mesma autora, o mtodo dialtico se caracteriza pela contextualizao do
problema a ser pesquisado. Podendo efetivar-se mediante respostas s questes: quem faz
pesquisa, quando, onde e para que? (WACHOWICZ, 2001). Nesse sentido, o mtodo
dialtico requer que o objeto de pesquisa seja analisado dentro do contexto histrico
poltico-social, em que est inserido. Nesse sentido, historicismo, totalidade e contradio
foram categorias que acompanharam todo processo de anlise dos dados, materiais,
informaes coletadas acerca do fenmeno. Alm dessas categorias metodolgicas da
dialtica, tambm foi possvel utilizar categorias simples do contedo, conforme o tema
investigado. Por isso utilizei as categorias trabalho, educao, alienao, prxis, e
emancipao.
Os dados obtidos atravs de entrevistas, observaes, leituras de documentos, foram
analisados com base no referencial do materialismo histrico-dialtico, onde o real se
apreende a partir da anlise do fenmeno, partindo do emprico (abstrato) para o concreto
(apropriao do concreto em nossa mente), considerando as relaes que se estabelecem
entre o fenmeno particular com o geral-universal. Segundo Marx (2006) o concreto
concreto por que expressa as mltiplas relaes que o determinam. Ou seja, o fenmeno no
se se deixa conhecer pela aparncia, mas pela essncia que ocultada na sua aparncia por
um invlucro produzido pela diviso do trabalho na sociedade de classes. Kosik (1976)
aprofunda esta questo proposta por Marx, na obra citada, ao apontar que a essncia desta
forma de organizao injusta, que histrica, se mostra como aparncia, ocultando a real
explorao/expropriao da classe trabalhadora e, com isso, dificulta a percepo da
sociedade que no como se mostra.
Nesse sentido, busquei compreender o fenmeno a ser estudado a partir das
informaes coletadas pela observao in loco, pelas entrevistas, leituras de documentos
produzidos pela Escola 25 de Maio, tentando captar o fenmeno e como este se manifesta e
20
por ela manifestado, o que exigiu uma anlise capaz de ir alm das aparncias, para
penetrar na essncia. E, para isso, ou seja, para chegar essncia do fenmeno torna-se
necessrio, em primeiro lugar, buscar as relaes que se estabelecem entre o fenmeno a ser
conhecido como totalidade, ou seja, com a forma como a sociedade se organiza para
produzir a vida. E, em segundo lugar, no se pode analisar o fenmeno em si
desconsiderando as relaes internas e externas que o fazem ser tal como . Assim, s
possvel conhecer verdadeiramente os fenmenos sociais, quando se utiliza um mtodo e
uma abordagem que vo para alm das aparncias. Este mtodo o materialismo histrico
dialtico, que sustenta esta abordagem substancialmente qualitativa.
Para responder a questo central da pesquisa nos levou a organizar a presente
dissertao em trs captulos. No primeiro captulo abordo a relao teoria e prtica na
educao, tendo por base o processo histrico que aponta o vnculo terico prtico na
formao humana, considerando a unidade teoria e prtica na educao emancipatria e
como esta unidade pode ser possvel ou no, na educao escolar.
A relao entre a formao humana e a Agroecologia ser o tema do segundo captulo,
no qual aprofundarei esta questo ao incluir a educao desenvolvida pela Escola 25 de
Maio, mais propriamente, a formao do Tcnico em Agroecologia.
No terceiro captulo, abordo a unidade entre teoria e prtica na formao do Tcnico
em Agroecologia que feita pela Escola acima identificada, situada em Fraiburgo, no estado
de Santa Catarina. Para isso, trago a histria da luta para a conquista desta Escola, como
espao de uma formao de tcnicos em Agroecologia demandada pelo MST, ao qual esto
vinculados os estudantes. Ainda nesse capitulo caracterizo a Escola 25 de Maio como uma
escola que por um lado est vinculada ao MST, e por outro lado a Secretaria Estadual de
Educao de Santa Catarina SED-SC. Ainda nesse captulo apresento a anlise que vai
responder a pergunta inicial da questo da pesquisa.
Por ltimo nas consideraes finais a partir do estudo realizado, das anlises feitas
tecemos algumas consideraes sobre quais questes ainda permanecem que precisam ser
aprofundadas e quais as contribuies que ficam para o MST apontamos os limites e as
possibilidades dessa escola para avano na formao do tcnico em agroecologia.
21
I CAPTULO A RELAO TEORIA E PRTICA NA EDUCAO
O objetivo central desse capitulo compreender a relao da teoria e prtica na
educao de forma geral e em particular na educao escolar. Para isso, buscarei na histria
da formao da sociedade humana como o trabalho se constitui no elemento central na
formao/educao do ser humano.
Para compreender esta relao buscarei a fundamentao, principalmente, nas obras
de: Karl Marx; Friedrich Engels, Antnio Gramsci, Istvn Mszros, Gaudncio Frigotto,
Ivo Tonet, Mario Alighiero Manacorda, Demerval Saviani, Accia Kuenzer, entre outros. E
para compreender a relao entre trabalho agrcola e educao escolar, acrescento: Moisey
M. Pistrak, Anton S. Makarenko, Clia Vendramini, Marlene Ribeiro, Moacir Gadotti, entre
outros.
As questes apresentadas nesse capitulo se constituem no referencial terico pelo qual
est embasada esta dissertao. Questes que procuram compreender o trabalho como fator
fundamental na formao do ser humano no processo histrico de sua existncia. Se o
trabalho foi essencial na formao humana na sociedade sem classes sociais, porque nele
estava a possibilidade de essencialmente formadora, pois ele no estava dividido. Nesse
sentido teoria e prtica se encontrava em unidade. J sob a sociedade de classes, e
principalmente sob o modo capitalista o trabalho (Marx 1968) o trabalho aparece dividido
sob a forma de trabalho manual e trabalho intelectual. Essa diviso fruto da diviso da
sociedade em classes sociais. Nessa sociedade o trabalho tambm assume um duplo carter
de positividade e negatividade.
Compreender que o trabalho, sob a sociedade de classes, diga-se sociedade capitalista,
assume esse duplo carter, nos possibilita entender que ele pode ser formador e deformador.
Nesse sentido este capitulo na primeira parte abordar o trabalho como princpio
formativo/educativo do ser humano no processo histrico da formao da sociedade. Nessa
abordagem ser visto como o trabalho de pura positividade na sociedade sem classe social
passa a ter um duplo carter de positividade e negatividade, formador e deformador. Na
segunda parte ser discutido o trabalho como elemento que possibilita a educao
22
emancipatria. Se possvel sob a sociedade de classes onde o trabalho aparece dividido este
ser elemento que contribui para a formao/educao que contribua com a emancipao
humana. Ou ainda, como o trabalho poder ser elemento que une teoria e prtica na
formao/educao no sentido emancipatrio do ser humano. A questo da unidade da teoria
e prtica na educao escolar tendo o trabalho como princpio educativo, assim a
compreenso do que o trabalho como princpio educativo e o trabalho como princpio
pedaggico e como este aparece na educao escolar ser abordado na terceira e ltima
parte.
1. 1 O trabalho e a formao humana.
O conceito de trabalho, segundo a acepo marxista, a ao do ser humano sobre a
natureza para transformar esta natureza em coisas teis de modo a satisfazer suas
necessidades. O trabalho, ao modificar a natureza para a produo de coisas para satisfazer a
necessidade do homem, tambm produz modificaes nele prprio. Nesse sentido d para
dizer que o trabalho cria/recria o prprio homem. Ou seja, nas palavras de Marx (1968, p.
202) trabalho :
(...) um processo de que participam homem e a natureza. Processo em que o ser
humano com sua prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercambio
material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas foras.
Pe em movimento as foras naturais de seu corpo, braos e pernas, cabea e
mos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma til
vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a ao mesmo
tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela
adormecidas e submete ao seu domnio o jogo das foras naturais.
Ou ainda, conforme Engels (1999, p. 05): a condio bsica e fundamental de toda
a vida humana. E em tal grau que, at certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o
prprio homem. Se o trabalho uma eterna necessidade humana de produzir coisas para
atender as necessidades por ele criadas, permite ao ser humano se criar/recriar
continuamente como humano. Ento, foi atuando sobre a natureza, produzindo coisas teis
para satisfazer suas necessidades, ou seja, foi trabalhando que o homem se educou e se
humanizou. Nesse sentido, pode-se dizer que existe uma relao de origem entre trabalho e
educao. Dito de outra forma, o ser humano foi se educando no processo do trabalho.
Trabalho este compreendido como a unidade dialtica teoria e prtica, ou trabalho manual e
23
trabalho intelectual, pensar e fazer, conceber e aplicar. nessa compreenso que trabalho e
educao nascem juntos.
Para compreender como o trabalho foi se configurando no processo histrico da
existncia humana, ou seja, como o trabalho que, na sua origem, criou o prprio homem e no
processo histrico da existncia humana foi se transformando em algo que levou e leva o ser
humano desumanizao, preciso pesquisar sobre como a sociedade foi se constituindo.
Isto quer dizer, compreender como os seres humanos foram organizando o processo
produtivo e estabelecendo relaes entre si e com a natureza, para produzir a sua existncia.
O conhecimento perdido sobre o processo de produo por parte dos
trabalhadores parciais se concentra no capital, com o qual se confrontam.
um produto da diviso manufatureira do trabalho se opor-lhes as foras
intelectuais do processo material de produo como propriedade alheia e
poder que os domina. Esse processo de dissociao comea na cooperao
simples, em que o capitalista representa em face dos trabalhadores
individuais a unidade e a vontade do corpo social de trabalho. O processo
desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, convertendo-o em
parcial. Ele se completa na grande indstria, que separa do trabalho a
cincia como potncia autnoma de produo e a fora a servir ao capital
(MARX, ENGELS 1978, p. 283-284).
Na sociedade primitiva em que no havia diviso de classes e nem diviso social e
tcnica do trabalho, os seres humanos se educavam no e pelo trabalho. Em um determinado
momento histrico a sociedade se divide em classes sociais, entre proprietrios dos meios de
produo e no proprietrios. Esta diviso da sociedade em classes condiciona a diviso do
trabalho. A diviso da sociedade em classes e a consequente diviso do trabalho que
possibilita aos proprietrios dos meios de produo, at o modo de produo feudal, viver
sem trabalhar com isso cria para si um espao prprio para se educar chamada de escola. Por
outro lado, a classe que vive do trabalho, a no proprietria, continua se educando no e pelo
trabalho.
A diviso do trabalho que se inicia com a diviso sexual do trabalho, depois, com a
gerao de excedentes a diviso ocorre entre aqueles que gestam/administram e aqueles que
realizam o trabalho manual. Neste processo vo se constituindo as classes sociais que, na sua
forma de organizao, do origem diviso social do trabalho, entre trabalho manual e
intelectual, que perpassa desde a sociedade escravista, feudal e burguesa, depois tambm se
expressa numa diviso internacional do trabalho. Para efetivao da diviso do trabalho, ou
melhor, para que a diviso do trabalho pudesse se consumar era preciso separar os homens
24
entre os que pensam o processo produtivo e os que o fazem acontecer. Ou seja, separar o
trabalho intelectual do manual, do pensar e do fazer. Nesse sentido, a diviso do trabalho em
manual e intelectual produz um ser humano parcial que no consegue mais compreender o
todo, tornando-o unilateral.
A diviso do trabalho s surge efetivamente a partir do momento em que se
opera uma diviso entre o trabalho material e intelectual. A partir deste
momento, a conscincia pode supor-se algo mais do que a conscincia da
prtica existente, que representa a de fato qualquer coisa sem representar
algo de real (MARX; ENGELS. 1978, p. 16, em itlico no original).
Sendo a diviso da sociedade em classes que condiciona a diviso do trabalho, essa s
pode se realizar no momento em que se separa trabalho manual do intelectual. Nesse sentido,
a diviso da sociedade em classes, em ltima instncia, produto da diviso entre trabalho
manual e trabalho intelectual.
O modo capitalista de produo revolucionou as relaes de produo, primeiro com a
manufatura e depois sob a grande indstria, destruindo as antigas formas de propriedade
camponesa, libertando o servo da terra, assim como provocou a destruio das antigas
formas artesanais de produo, transformando, com isso, o campons e o arteso em
trabalhadores livres livres sob todos os aspectos. Ou seja, livres da propriedade e livres
para vender sua fora de trabalho. Neste sentido, a inveno das mquinas proporcionou um
aumento extraordinrio de industrializao e isto condicionou a um aumento da diviso do
trabalho.
O aumento da diviso do trabalho propiciou a cooperao no processo de produo.
Isso porque a diviso social do trabalho e a incorporao da mecanizao no processo
produtivo necessitam da cooperao. Esta nova forma de organizao do processo produtivo
aumenta a produtividade do trabalho, assim como produz o homem dividido. Esta diviso se
apresenta como trabalho manual e intelectual. Referindo-se obra de Marx, afirma
Manacorda (2010, p. 83):
A diviso do trabalho condiciona a diviso da sociedade em classes e, com
ela, a diviso do homem; e como esta se torna verdadeiramente tal apenas
quando se apresenta como diviso entre trabalho manual e trabalho mental,
assim as duas dimenses do homem dividido, cada uma das quais
unilateral, so essencialmente as do trabalhador manual, operrio, e as do
intelectual.
A diviso da sociedade em classes sociais, condicionada pela diviso do trabalho, se
mostra sob a diviso do trabalho manual e trabalho intelectual transformando o trabalhador
em trabalhador parcial. Isto quer dizer que este perde o conhecimento sobre o todo do
25
processo produtivo. Ou seja, o trabalhador parcial no mais consegue compreender o
porqu, para que e para quem produz. Nesse sentido, ao no compreender o processo de
produo o trabalho torna-se algo estranho a ele. Em vez de ser a sua autorrealizao
torna-se algo penoso, fadigoso. Em outras palavras, o trabalho perante os trabalhadores um
sacrifcio, uma tortura, algo alheio a ele, que, em vez de trazer satisfao traz insatisfao.
As potncias intelectuais da produo ampliam sua escala por um lado
porque desaparecem por muitos lados. O que os trabalhadores parciais
perdem, concentra-se no capital com que se confrontam. um produto da
diviso manufatureira do trabalho opor-lhes as foras intelectuais do
processo material de produo como propriedade alheia e poder que os
domina. Esse processo de dissociao comea na cooperao simples, em
que o capitalista representa em face dos trabalhadores individuais a
unidade e a vontade do corpo social de trabalho. O processo desenvolve-se
na manufatura, que mutila o trabalhador, convertendo-o em trabalhador
parcial. Ele se completa na grande indstria, que separa do trabalho a
cincia como potncia autnoma de produo e a fora a servir ao capital.
Com o advento da sociedade burguesa o capital no s se apropria do
conhecimento historicamente produzido pela humanidade pelo e no
trabalho, mas tambm expropria do trabalhador o produto do seu trabalho.
Ao efetuar esta dupla explorao do conhecimento e do trabalho, promove
e intensifica, cada vez mais, uma maior diviso de trabalho. Todas estas
condies impostas aos trabalhadores resultam numa maior acumulao de
capital, que aumenta na proporo em que a maquinaria utilizada reparte as
tarefas produtivas at ao extremo de fazer do trabalhador apenas um
apndice das mquinas. Assim, o aumento da diviso do trabalho por um
lado, e por outro, a acumulao do capital, produzem uma dependncia
cada vez maior do trabalhador para com o capital (MARX. 1996, p. 475).
Outro elemento que contribui para o aumento da diviso do trabalho a incorporao
de novas tcnicas de produo, condicionando cada vez mais a simplificao do trabalho.
Dessa forma exige cada vez menos uso das capacidades intelectuais do trabalhador,
transformando-o em complemento da mquina, como afirmado no pargrafo anterior. Com a
introduo da produo mecanizada e a inveno de tcnicas de produo exige uma maior
diviso do trabalho e, ao mesmo tempo, simplifica o trabalho. O trabalho torna-se mais
simples e exige cada vez menos uso das capacidades intelectuais do trabalhador,
transformando o trabalhador em apndice da mquina. Nesse sentido, o trabalho de uso de
capacidades espirituais e fsicas transformado em trabalho puramente mecnico. Em outras
palavras, o capital transforma o trabalho em pura atividade corporal em que s se usam os
braos, as pernas, o corpo ara sua execuo. Ou seja, um trabalho unilateral.
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O acmulo do capital aumenta a diviso do trabalho e a diviso do trabalho
aumenta o nmero de trabalhadores; mutuamente, o nmero crescente de
trabalhadores aumenta a diviso do trabalho e a diviso crescente
intensifica a acumulao do capital. Como resultado da diviso do trabalho,
por um lado, e da acumulao do capital, por outro, o trabalhador torna-se
mesmo mais inteiramente dependente do trabalho e de um tipo de trabalho
particular, demasiadamente unilateral, automtico. Por este motivo, assim
como ele se v diminudo espiritual e fisicamente condio de uma
mquina e se transforma de ser humano em simples atividade abstrata e em
abdmen (MARX, 2006, p. 68).
Este tipo de trabalho (re)produzido pelo modo de produo capitalista que, alm de
separar trabalho intelectual e manual, o pensar do fazer, a teoria da prtica, nega ao
trabalhador a apropriao do fruto do seu trabalho, nega tambm o direito de ele se
reproduzir enquanto humano pelo trabalho. Pois, o salrio que lhe pago pelo empresrio
capitalista serve apenas para que se reproduza enquanto trabalhador e no enquanto ser
humano. Alm disso, cria uma dependncia deste trabalhador e de sua famlia em relao ao
capital, pois se ficar desempregado no tem a garantia de sua reproduo como trabalhador e
nem como ser humano. Nesse sentido, para Marx (2006), o modo de produo capitalista
transforma o trabalho em algo estranho a si prprio, pois o trabalhador no se realiza pelo
trabalho. Mas, pelo contrrio, o trabalho se torna algo penoso. Assim, sob o modo de
produo capitalista o trabalho, que no processo histrico da constituio do homem o
humanizou (Engels, 1999), agora deforma o ser humano tornando-o apenas um apndice da
mquina, aniquilando-o como humano, uma vez que se torna mercadoria. Nesse sentido:
A produo no produz somente o homem como uma forma mercadoria, a
mercadoria humana, o homem sob a forma de mercadoria; de acordo com
tal situao, produz ainda a ele como um ser espiritual e fisicamente
desumanizado Imoralidade e deformidade dos trabalhadores e capitalistas... O seu produto a mercadoria autoconsciente e ativa... A
mercadoria humana (MARX, 2006, p 124).
O capital no s se apropria do conhecimento historicamente produzido pela
humanidade pelo e no trabalho, mas tambm expropria do trabalhador o produto do trabalho.
Ao efetuar esta dupla explorao do conhecimento e do trabalho, condiciona cada vez a uma
maior diviso de trabalho. Todos estes fatores combinados resultam em uma maior
acumulao de capital. O aumento da diviso do trabalho por um lado, e por outro lado, a
acumulao do capital, produz uma dependncia cada vez maior do trabalhador para com o
capital.
27
Dessa forma, de produtor de coisas para satisfazer as necessidades humanas e de autor
da realizao do ser humano, o trabalho passa a ser um fardo, deixando de ser um
instrumento de humanizao. De produtor de produtos para sua realizao ou do trabalho
livre, voluntrio, o trabalhador passa ao trabalho forado, que no lhe pertence mais, que no
lhe permite a realizao enquanto humano, inibindo, portanto, a sua capacidade de
(re)criao da realidade. Ou seja, de produtor da sua humanizao passa a (re)produzir a sua
prpria desumanizao. Com isso, o trabalhador se sente estranho em relao ao produto do
seu trabalho, ao processo de produo, em relao aos outros homens e em relao a si
mesmo.
Este tipo de trabalho produzido pelo modo de produo capitalista que, alm de
separar trabalho intelectual e manual, nega ao trabalhador a apropriao do fruto do seu
trabalho, nega, tambm, o direito de ele se reproduzir enquanto humano pelo trabalho. Isso
porque o salrio que a empresa capitalista paga ao trabalhador serve para ele se reproduza
enquanto trabalhador e no enquanto ser humano. Alm disso, cria uma dependncia deste
trabalhador e de sua famlia em relao ao capital, pois se ficar desempregado no tem a
garantia a sua reproduo como trabalhador e nem como ser humano.
(...) o trabalhador se relaciona com o produto do seu trabalho como a um
objeto estranho. Com base nesse pressuposto, claro que quanto mais o
trabalhador se esgota a si mesmo, mais poderoso se torna o mundo dos
objetos, que ele cria diante de si, mais pobre ele fica na sua vida interior,
menos pertence a si prprio (MARX, 2006, p 112).
Ao produzir o trabalhador sob a forma mercadoria, o capital tambm aliena o
trabalhador do produto do seu trabalho, que ele no mais reconhece como seu. Sob esta
forma, ao trabalhador produtor de toda riqueza negado o direito de se apropriar da riqueza
por ele produzida. Esta negao causa ao trabalhador uma estranheza em relao ao produto
produzido por ele, pois o produto no lhe pertence. No s alienado em relao ao produto
por ele produzido, mas tambm em relao ao processo de produo e aos demais seres
humanos com os quais reparte as condies de vida e de (re)produo.
E esta realidade da separao do trabalhador do produto do seu trabalho que vai
determinar a organizao da escola na sociedade capitalista, na qual se produz uma educao
dualista separando, assim, a formao intelectual da formao prtica, ou educao e
trabalho. De produtor de produtos para sua realizao ou do trabalho livre, voluntrio, o
trabalhador passa ao trabalho forado que no lhe pertence mais, que no lhe permite a
realizao enquanto humano, inibindo, portanto, a sua capacidade de (re)criao da
28
realidade. Ou seja, de produtor da sua humanizao passa a (re)produzir a sua prpria
desumanizao. Com isso, o trabalhador se sente estranho em relao ao produto do seu
trabalho, ao processo de produo, em relao aos outros homens e em relao a si mesmo.
Nesse sentido sob o modo capitalista de produo o trabalho assume um duplo carter.
Alm de produtor de valor de uso que segundo Marx (1968) uma eterna necessidade do ser
humano para produo de coisas necessrias para satisfazer suas necessidades para se
produzir e reproduzir como humano, produz valor de troca. E este duplo carter do trabalho
por um lado enquanto produtor de valor de uso que ele se apresenta como formador do ser
humano, e, por outro lado enquanto produtor de valor de troca (mercadoria) este se apresenta
como deformador do ser humano. Isto quer dizer que o trabalho segundo Marx (1968)
apresenta tanto a positividade quanto a negatividade,
1. 2 Unidade teoria e prtica para a educao emancipatria
A partir do conceito de trabalho elaborado por Marx, pode-se dizer que existe uma
relao de origem entre trabalho e educao. Ou seja, o ser humano foi se educando no
processo do trabalho. Portanto teoria e prtica, trabalho manual e trabalho intelectual,
trabalho e educao nascem juntos. Porm, na sociedade capitalista, que divide, separa e
contrape as classes sociais, coloca-se a diviso entre trabalho manual e trabalho intelectual,
que aparece na escola sob a forma de diviso entre trabalho e educao. Isso porque, sendo a
escola um produto desta sociedade dividida em classes, ela tambm reproduz esta sociedade.
Portanto, diviso do trabalho e diviso entre trabalho e educao tem relao direta. A
educao, que antes da diviso do trabalho acontecia no e pelo trabalho no processo de
produo, agora, sob a sociedade de classes e o trabalho dividido, se afastou do processo
original de produo/formao humana. Isto quer dizer, formao omnilateral no sentido da
emancipao humana, em contraposio formao unilateral que se d nas relaes de
produo capitalista, e que se reflete na maioria das escolas, onde se reproduz a separao do
trabalho manual do trabalho intelectual, em que a teoria separada da prtica, gerando o
trabalho de forma alienada. Dessa forma, reproduz a sociedade de classes e a diviso do
trabalho que se materializa na sociedade burguesa.
29
A prtica do cotidiano escolar para a educao voltada formao omnilateral numa
sociedade de classes, como a atual, que separa o trabalho manual do trabalho intelectual, o
fazer do pensar, a teoria da prtica, est sendo estudada por diversos pesquisadores crticos
da rea da educao e tambm da sociologia. Sobre esta problemtica j se tem produzido
diversas teses, dissertaes, artigos cientficos, assim como livros.
Os autores que abordam as questes relacionadas ao trabalho como princpio
educativo, a relao trabalho manual e trabalho intelectual, teoria e prtica como uma
unidade dialtica, partem do pressuposto marxista de que o ser humano produziu-se como
humano, no e pelo trabalho, ou seja, foi se educando no processo produtivo, na ao prtica
de atuar sobre a natureza produzindo coisas para satisfazer suas necessidades. Dessa forma,
o ser humano foi transformando a natureza e transformando, tambm, a si mesmo. Se o
trabalho base da educao do ser humano, e, se desde a sociedade primitiva, trabalho e
educao, teoria e prtica, trabalho manual e trabalho intelectual, pensar e fazer esto
articulados, com o surgimento da sociedade dividida em classes, e, mais especificamente
com a sociedade burguesa que divide trabalho manual do intelectual, a educao tambm
sofre a separao em relao ao trabalho e a teoria em relao prtica. Desta forma,
torna-se impossvel alcanar a emancipao a qual pressupe a relao dialtica entre
trabalho-educao como base da formao humana (MARX; ENGELS, 1978).
A sociedade burguesa sob o modo capitalista de produo ao produzir o trabalhador
parcial, que separa trabalho manual e intelectual, necessita de outro espao para fazer a
educao, que se chama escola. Esta educao se d fora do processo de trabalho. Nesse
sentido no capitalismo a escola torna-se espao principal de educao, e nela se materializa a
separao entre a teoria (conhecimento) e a prtica (trabalho).
O modo como a sociedade se organiza para a produo da vida que condiciona o tipo
de educao e o espao que ela ocupa como principal, pois, nos diversos modos de produo,
cada uma tinha um tipo e um espao privilegiado para a educao. Nesse sentido, para
compreender a escola e como ela determina a educao preciso historicizar esta escola e
olhar as mltiplas determinaes que a configuraram, no seu processo de constituio, nos
diversos modos de produo. Isto quer dizer, olhar o desenvolvimento da instituio escolar
no processo do desenvolvimento histrico da sociedade humana, e perceber como ela foi-se
constituindo e se distanciando em relao ao mundo do trabalho, at um dado momento em
que ela se reaproxima, novamente, do trabalho.
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Segundo Manacorda (1989, p. 10), a origem da escola como espao especfico de
educao dos filhos da classe dominante remonta ao antigo Imprio Egpcio, por volta do
quarto milnio A.C. A escola desde o seu surgimento no processo histrico de sua
constituio, vai passando por transformaes a partir das transformaes que ocorrem na
base material da produo da vida. Nesse sentido, desde a sua origem at os nossos dias, a
escola passou por profundas mudanas nas formas de organizao, assim como nos mtodos
de ensino e nos contedos a serem trabalhados. Ou seja, conforme o processo de produo
da vida do ser humano vai se transformando, a educao tambm vai se modificando para
formar o ser humano que a sociedade necessita e, ao mesmo tempo, a educao vai se
condicionando s mudanas nas formas de organizao da produo da vida.
O processo de mudana na organizao da escola condicionada pela transformao da
base material da produo da vida no acontece de forma linear e continuada. Isto se pode
perceber ao ler a obra de Mario Alighiero Manacorda: A histria da Educao: da
Antiguidade aos nossos dias (1989). Nos processos de mudana h continuidades com
descontinuidades, tanto modificaes como permanncias. Ou seja, nesse processo h
incorporao de elementos novos com a permanncia de elementos antigos. Nesse sentido,
h uma relao dialtica entre educao e forma de organizao da base material da vida.
Isto quer dizer que a educao, tanto condicionada a ser instrumento de manter a forma de
organizao social para a produo da vida, quanto ela poder condicionar a mudana dessa
forma em outra forma superior.
Nas sociedades de classes que antecederam a sociedade burguesa, a educao escolar
se dava desvinculada do trabalho, pois esta educao era destinada classe dominante que
vivia fora do processo produtivo, ou seja, classe que vivia sem trabalhar, que vivia do
trabalho alheio. A classe que vivia do trabalho se educava do processo produtivo. Ou seja,
nessas sociedades a educao dava-se de forma principal no e pelo trabalho. Era no espao
do trabalho onde a grande maioria das pessoas se educava para poder trabalhar e, assim,
sobreviver. Ou seja, o filho do arteso, o aprendiz se educava na oficina do arteso junto ao
processo produtivo.
Segundo Manacorda (2010, p. 127), nessas sociedades s a classe dominante tinha um
espao especifico para a formao das futuras geraes, espao este que foi chamado de
escola. J a classe dominada no conhecia este espao. Nesse sentido, nas sociedades de
classes, anteriores sociedade burguesa, segundo o mesmo autor, a oposio de classe,
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quanto educao, no se dava em torno da escola do trabalho e escola de formao geral,
mas em torno de escola e no escola. A escola se coloca frente ao trabalho como no
trabalho e o trabalho se coloca frente escola como no escola (MANACORDA, 2010, p.
127).
A oposio entre escola do trabalho e escola de formao geral, ou escola
desinteressada e escola profissional, comea a surgir com a revoluo industrial quando a
escola torna-se acessvel para todos. Na sociedade burguesa, diferentemente das
sociedades de classes anteriores onde a classe dominante vivia do no trabalho, o trabalho
torna-se necessidade de toda sociedade, porm, nessa sociedade, aprofunda-se o divrcio
entre o trabalho manual do trabalho intelectual. A separao entre trabalho manual e
intelectual cria uma escola tambm dividida entre educao geral para a classe burguesa e
educao profissional para a classe trabalhadora. Superar este dualismo na educao s
possvel se for superado na sua totalidade, ou seja, quando superada a sociedade de classes, e
com ela, a superao do trabalho dividido.
Se nas sociedades pr-capitalistas h um profundo divrcio entre educao escolar e
educao pelo trabalho, na sociedade burguesa, com a revoluo industrial, comeam a se
organizar as escolas para o produtor, trabalhador, pois a sociedade emergente passa a
necessitar de trabalhadores que tenham um mnimo de conhecimento para poder operar
novas tecnologias em constante desenvolvimento. Nesse sentido, a educao escolar se
vincula ao trabalho. Porm, este vnculo se d de forma abstrata ou de forma prtica. Ou seja,
tendencialmente ensina-se teoria sem prtica, ou o contrrio, a prtica sem teoria, ou ainda, a
escola educa de uma forma unilateral. Isso quer dizer que a escola concentra-se na formao
de apenas uma das dimenses do ser humano, ou formao para o trabalho intelectual ou
formao para o trabalho manual.
Ainda segundo Manacorda (2010), Marx discute a questo do trabalho em vrios dos
seus escritos, dentre os quais pesquisamos para esta Dissertao: Manifesto do Partido
Comunista (s/d), Manuscritos Econmicos e Filosficos (2006), O Capital (1968), que o
germe da educao do futuro est na unio entre o trabalho e a educao. Isso porque o
trabalho historicamente determinado na sociedade burguesa, em que ele aparece dividido
entre manual e intelectual, no s negatividade, ou trabalho alienado, unilateral,
desumanizador, produo de misria fsica e espiritual. Apesar de significar a
desumanizao completa do homem, o trabalho tambm apresenta aspectos positivos, pois:
32
sendo a atividade vital humana, ou manifestao de si, uma possibilidade universal de
riqueza no trabalhador tambm est contida tambm uma possibilidade humana
universal, conforme Marx, segundo Manacorda (2010, p. 68).
O duplo carter do trabalho apresentado por Marx negatividade-positividade.
inerente a sociedade burguesa. Compreender esta dupla face do trabalho mister, pois isto
nos permite dizer que o trabalho apesar de desumanizar tambm tem a possibilidade de
humanizar. O trabalho sob a forma capitalista de organizar a sociedade para produzir a vida
divide no s a sociedade em classes, mas tambm divide o trabalho em manual e intelectual,
e, com isso, divide o trabalho em sua representao assumindo aspectos negativos enquanto
alienao, deformando o ser humano, produzindo por um lado a riqueza para os que
concebem a produo, e por outro lado, produzindo a misria para os que produzem com o
trabalho prtico.
Pelo fato de conter no trabalho a possibilidade universal de riqueza no trabalhador est
contida a possibilidade universal da humanizao. A partir disso pode-se afirmar que mesmo
no modo de produo capitalista possvel pensar uma educao para alm do Capital que
possa unir teoria e prtica (Mszros 2010). Esta possibilidade no se torna possvel realizar
no mundo da produo, mas sim na compreenso da classe trabalhadora de como o modo
capitalista de produo a partir da diviso da sociedade em classes divide o trabalho entre
concepo e execuo. E que a diviso do trabalho produz seres humanos unilaterais
deformando-os, desumanizando-os. Nesse sentido torna-se necessrio lutar para construir
uma outra sociedade que no seja mais dividida em classes, como forma de unir trabalho
manual e trabalho intelectual, concepo e execuo, teoria e prtica. Dessa forma o trabalho
no mais dividido possa assumir seu papel na formao do ser humano emancipado.
1. 3 Unidade teoria e prtica na educao escolar
Na sociedade burguesa, onde o trabalho aparece dividido entre trabalho manual e
trabalho intelectual, cria-se uma escola em que a educao tambm se d de forma dividida
entre educao de formao geral e educao profissional, ou melhor, educao do
conhecimento terico cientfico e educao do conhecimento prtico. Nesse sentido, a
educao produto da forma como a sociedade se organiza para produzir a vida. Ou seja, a
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educao aparece dividida tal qual como a sociedade tambm aparece dividida. Em outras
palavras, assim como a sociedade burguesa divide o trabalho manual e trabalho intelectual,
na escola se divide e separa a educao que fornece o conhecimento geral e a educao que
forma o profissional pelo conhecimento prtico. Em outras palavras, a educao escolar
reproduz a sociedade dividida entre os que pensam o processo produtivo e os que fazem o
trabalho prtico, todos direcionados para a reproduo do capital.
Esta diviso est ligada diviso da sociedade entre proprietrios dos meios de
produo a terra, os bens materiais, as mquinas e as tecnologias avanadas aplicadas na
produo e os no proprietrios, ou seja, os que vivem do seu trabalho (ANTUNES, 2003).
Isto quer dizer que, na sociedade capitalista, destina-se aos proprietrios dos meios de
produo a funo de pensar a organizao do processo de produo e aos no proprietrios
as funes de execuo das tarefas.
Nesse sentido, para compreender a educao de forma geral, e a educao escolar em
particular, preciso buscar compreender a forma como se realiza o trabalho sob o modo de
produo capitalista. Como vimos anteriormente, o modo de produo capitalista,
comeando pela manufatura e se complexificando sob a grande indstria, condiciona, cada
vez mais, a uma maior diviso do trabalho. Esta diviso transforma o trabalhador em
trabalhador parcial. Este processo produz a alienao do trabalhador diante do produto do
seu trabalho e do processo de produo. Pois, a realidade social em que o ser humano est
inserido, ou seja, a forma social da organizao do trabalho e do processo de produo, que
determinam a forma de pensar e de agir.
O primeiro pressuposto de toda existncia humana naturalmente a
existncia de indivduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar , pois,
a organizao corporal destes indivduos e, por meio disto, sua relao
dada com o resto da natureza. [...] Tal como os indivduos manifestam sua
vida, assim so eles. O que eles so coincide, portanto com sua produo,
tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os
indivduos so, portanto, depende das condies materiais de sua produo
(MARX; ENGELS, 1986, p.27-28).
Admitindo que as condies reais de produo determinem a forma de ser e de pensar
do ser humano, torna-se necessrio criar escolas que ultrapassem a viso liberal de articular
trabalho e educao, sob a forma de estgios, nas empresas. Nessa viso, a unio da
educao ao trabalho meramente uma questo do aprendizado das tcnicas para aumentar a
produtividade do trabalho e, dessa forma, o trabalhador se integrar ao mercado de trabalho
com melhor qualificao, possibilitando aumentar a produo de mais valia ao capital.
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Portanto, a unio entre educao e trabalho pode ser funcional ao capital. Esta viso no
possibilita uma formao omnilateral, mas, ao contrrio, ao reproduzir a sociedade dividida
em classes, mantm dividido o homem entre trabalhador manual e trabalhador intelectual.
Portanto reproduz um ser humano unilateral.
A viso marxista de unio da educao com trabalho na escola a possibilidade de
formar um ser humano que compreenda que foi o trabalho que o produziu. Nesse sentido,
permite a este ser humano compreender o processo histrico de sua (de)formao. Em outras
palavras, deixa claro como que o trabalho que produziu o humano, sob a sociedade de
classes foi se desumanizando pela diviso do trabalho. Isto quer dizer, compreender que a
diviso do trabalho foi produzindo uma sociedade de classes e esta, sob a diviso do trabalho
entre trabalho manual e trabalho intelectual, foi produzindo um homem parcial, unilateral.
Ou seja, que foi a sociedade de classes, fruto da diviso social do trabalho, que dividiu aquilo
que unido formou o ser humano, o trabalho manual e o trabalho intelectual o fazer, o
pensar e o agir.
Nesse sentido, a escola no muda aquilo que produzido nas relaes de produo.
Para se mudar as relaes de produo indispensvel a luta revolucionria da classe
trabalhadora. Nessa perspectiva, com certeza a escola tem uma funo importante, que a de
formar corpos/sentimentos/conscincias dos homens e das mulheres sobre a necessidade de
revolucionar as relaes de produo, para que possam se produzir efetivamente como seres
humanos. Pois o humano est na unio do trabalho manual com o trabalho o intelectual. E
isto s ser verdadeiramente possvel numa sociedade sem classes, pois na sociedade de
classes, fruto da diviso do trabalho, a separao do trabalho manual do intelectual parte
integrante, essencial, como vimos mostrando at aqui. Sem a diviso do trabalho e com ele
o humano parcial, unilateral, deformado, desumano, sem isso a sociedade de classes no
subsiste. O homem omnilateral, emancipado, completo, s ser possvel numa sociedade
sem classes sociais antagnicas que se contraponham, como o caso da sociedade forjada
pelo capitalismo.
Segundo Marx (1968), no modo de produo capitalista o aparato escolar surge como
aparelho ideolgico do Estado burgus, no s pelas funes temtica e explicitamente
ideolgicas implicadas na organizao escolar, mas tambm pela criao de um marco em
que a alienao da fora de trabalho vista como algo natural, e, ainda, por que ela reproduz
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a diviso do trabalho, uma necessidade que advm da diviso da sociedade em classes
sociais.
...atravs da diviso do trabalho torna-se possvel aquilo que se verifica
efetivamente: que a atividade intelectual e material, o gozo e o trabalho, a
produo e o consumo, caibam a indivduos distintos; ento a
possibilidade que esses elementos no entrem em conflito reside
unicamente na hiptese de acabar de novo com a diviso do trabalho
(MARX, 1968, p. 16, em itlico no original).
Neste sentido, para que a educao possa ser instrumento na luta pela emancipao
humana, que ultrapasse os limites da emancipao social, torna-se necessrio, de alguma
forma, mudar a estrutura organizacional da escola. Nesse sentido, no basta mudar os
contedos curriculares, pois a forma de organizao do trabalho escolar educa, de certo
modo, muito mais do que os componentes curriculares. Isso porque, segundo Marx (1968)
no a conscincia que determina o ser social, mas, pelo contrrio, o ser social que
determina a conscincia.
A formao omnilateral como necessidade para emancipao humana proposta por
Marx e Engels (2011) e Gramsci (1982) implica em unir trabalho e educao, trabalho
manual e trabalho intelectual no s no sistema educacional, mas, sobretudo, nas bases
materiais da produo. Ou seja, superar a sociedade de classes e com ela o homem dividido
entre trabalho manual e trabalho intelectual. O rompimento da escola dual, em que se
trabalha a formao propedutica, a formao geral com conhecimentos da cultura universal
para a classe dominante e a formao para o trabalho para a classe trabalhadora,
fundamental quando se pensa a educao voltada para a formao integral do ser humano.
Pois a educao unilateral criticada por Marx (2011) e por Gramsci (1982) contribui para a
manuteno do modo de produo capitalista, reproduzindo a diviso entre trabalho
intelectual e manual e, consequentemente, a alienao. E, com isso, a desumanizao.
Para a democratizao da educao do atual sistema educacional, de modo a superar a
educao dual, ou seja, educao profissional para a classe trabalhadora e educao geral
para a classe dominante preciso transformar todo sistema de ensino, desde a questo dos
contedos at a forma de organizao do funcionamento das escolas. Caso contrrio, a
democratizao anunciada pelo Estado no passa de uma falcia.
Na escola atual, em funo da crise profunda da tradio cultural e da
concepo da vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva
degenerescncia: as escolas de tipo profissional, isto , preocupadas em
satisfazer interesses prticos imediatos, predominam sobre a escola
formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside
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em que este novo tipo de escola aparece e louvado como democrtico,
quando na realidade, no s destinado a perpetuar as diferenas sociais,
como ainda a cristaliz-las em formas chinesas (GRAMSCI, 1982, p. 136).
Na obra de Gramsci (1982) encontra-se uma crtica escola dual existente na Itlia,
no sculo passado. Esta dualidade expressa na separao entre uma escola de formao
geral, para a elite dirigente (escola desinteressada) e uma escola de formao para o trabalho,
para a classe trabalhadora. (escola interessada). Nessa crtica, o autor usa o conceito de
escola imediatamente desinteressada para designar a escola em que os educandos aprendem
contedos relacionados aos conhecimentos gerais, da cultura universal e das cincias
humanas e fsico-naturais. caracterizada como desinteressada por no ter uma finalidade
prtica imediata. O conceito de escola imediatamente interessada aquela em que os
educandos aprendem somente como operar os instrumentos de trabalho para produzir mais
valia ao capital. imediatamente interessada porque serve para o trabalho imediato, ou tem
uma finalidade prtica. Podemos estender esta crtica ao sistema educacional brasileiro, pois,
na essncia, este no se diferencia muito daquela escola existente na Itlia, na poca de
Gramsci. Sobre isso assim se manifesta Kuenzer (1991, p. 13-14):
O fato da dualidade estrutural no ter sido resolvido no interior do sistema
de ensino, apesar da tentativa feita pela Lei n 5.6 92/71, no deve causar
espanto, na medida em que ela apenas expressa a diviso que est posta na
sociedade brasileira, enquanto separa trabalhadores intelectuais e
trabalhadores manuais e exige que se lhes d distintas formas e
quantidades de educao. Ao mesmo tempo, essa impossibilidade revela,
mais uma vez, a ingenuidade das propostas que pretendem resolver,
atravs da escola, problemas que so estruturais nas sociedades capitalistas.
Neste sentido, a escola brasileira, antes de resolver a dicotomia educao/trabalho no seu interior, referenda, atravs do seu carter seletivo
e excludente, esta separao, que uma das condies de sobrevivncia
das sociedades capitalistas, uma vez que determinada pela contradio fundamental entre capital e trabalho.
Para a superao da escola dual existente no modo de produo capitalista preciso
articular a luta pela mudana no sistema de ensino, no s na rea dos contedos escolares,
mas tambm na forma de organizao escolar junto luta pela transformao social. Abrir
espaos, no sentido de propor mudanas no atual sistema de ensino significa transformar a
educao escolar, que reproduz no seu interior a sociedade de classes, a diviso do trabalho e
a alienao, em uma educao que possa ser instrumento da emancipao humana. Para isso,
Gramsci (2001, p. 33) prope a escola unitria que se contrape escola dual como forma de
superao da dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual, de modo a formar todos os
seres humanos como dirigentes ou com a capacidade de serem dirigentes. Escola () de
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cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da
capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento
das capacidades de trabalho intelectual.
Nesse sentido, no pensamento de Gramsci a construo da escola unitria teria por
finalidade a formao da classe trabalhadora para a construo de uma nova cultura se
contrapondo cultura burguesa.
O desafio era o de pensar uma escola socialista, que articulasse ensino
tcnico-cientfico ao saber humanista. Esta seria uma chave para que os
trabalhadores pudessem perseguir a sua autonomia e desenvolver uma
nova cultura, antagnica quela da burguesia. A luta dos trabalhadores
para garantir e aprofundar a cultura e para se apropriar do conhecimento,
traria consigo o esforo e o empenho para assegurar a sua autonomia em
relao aos intelectuais da classe dominante e ao seu pode