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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa TÓPICO: Tendências significativas das Literaturas Africanas de Línguas Portuguesa. Narrativa PROFª. Dra. Maria Nazareth Soares Fonseca Grupo 1: Anna Motta, Leocádia Chaves e Roberta Alves. Grupo 2: Francesco, Jucilene e Juliana Salvadori Texto base: DISSEMINAÇÃO: TEMPO, NARRATIVA E AS MARGENS DA NAÇÃO MODERNA, de Homi K. Bhabha “Argumentei contra o uso do conceito «choque de civilizações». Antes de mais nada, porque não acredito que as culturas tenham antagonismos regionais ou essenciais. Podem existir sistemas de crença distintos, noções muito diversas de hábitos e práticas, mas não acredito que as culturas continuamente se querem opor ou erradicar. [..] Os antagonismos [..] devem-se a decisões políticas, a matérias geográficas e políticas, à história." BHABHA, Homi K. 1. Quem é HOMI K. BHABHA? Nascido em Mumbai, na Índia, no seio de uma família Parsi. Estudou e graduou-se na Universidade de Mombai – Elphinstone College transferiu-se mais tarde para os EUA, para a Universidade de Sussex, onde permaneceu por mais de dez anos. Como Professor visitante trabalhou primeiro na Universidade de Princeton e depois na Universidade da Pensilvânia, onde trabalhou com Richard Wright. No Darmouth College foi seguidor da Escola da Teoria Crítica. De 1997 a 2001 Bhabha foi professor de Humanidades na Universidade de Chicago. Em 2001 e 2002 trabalhou como emérito professor visitante, em Londres. Desde 2001 é professor de Inglês e Literatura Americana na Universidade de Harvard. 2. Introdução

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras

DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

TÓPICO: Tendências significativas das Literaturas Africanas de Línguas Portuguesa. Narrativa

PROFª. Dra. Maria Nazareth Soares Fonseca

Grupo 1: Anna Motta, Leocádia Chaves e Roberta Alves.

Grupo 2: Francesco, Jucilene e Juliana Salvadori

Texto base: DISSEMINAÇÃO: TEMPO, NARRATIVA E AS MARGENS DA NAÇÃO

MODERNA, de Homi K. Bhabha

“Argumentei contra o uso do conceito «choque de civilizações». Antes de mais nada, porque não acredito que as culturas tenham antagonismos regionais ou essenciais. Podem existir sistemas de crença distintos, noções muito diversas de hábitos e práticas, mas não acredito que as culturas continuamente se querem opor ou erradicar. [..] Os antagonismos [..] devem-se a decisões políticas, a matérias geográficas e políticas, à história."

BHABHA, Homi K.

1. Quem é HOMI K. BHABHA?

Nascido em Mumbai, na Índia, no seio de uma família Parsi. Estudou e graduou-se na Universidade de Mombai – Elphinstone College transferiu-se mais tarde para os EUA, para a Universidade de Sussex, onde permaneceu por mais de dez anos. Como Professor visitante trabalhou primeiro na Universidade de Princeton e depois na Universidade da Pensilvânia, onde trabalhou com Richard Wright. No Darmouth College foi seguidor da Escola da Teoria Crítica. De 1997 a 2001 Bhabha foi professor de Humanidades na Universidade de Chicago. Em 2001 e 2002 trabalhou como emérito professor visitante, em Londres. Desde 2001 é professor de Inglês e Literatura Americana na Universidade de Harvard.

2. Introdução

A teoria de Bhabha deve muito ao pós-colonialismo e ao pós-estruturalismo. Foi influenciado por Jacques Derrida e sua teoria da Desconstrução, Jacques Lacan e sua psicanálise lacaniana, os trabalhos de Michel Foucault e, principalmente, reconhecido por ele mesmo, seu pensamento foi muito influenciado pelos escritos de Edward Said. É considerado um dos maiores teóricos sobre o pós-colonialismo e a experiência diaspórica no mundo, segundo Lawrence Buele.

O que é irônico é que Bhabha - talvez mais do que qualquer outro teórico pós-colonialista - tem toda a sua carreira suscetível a acusação de elitismo, eurocentrismo, privilégio acadêmico burguês, e uma dívida para com os princípios do pós-estruturalismo europeu o que faz com que muitos dos seus críticos mais severos retratem isso como determinante de seu “desconhecimento” dos novos modos dominantes de discurso "neo-imperial" ou "neo-colonial" que despontam em colonizados do Terceiro Mundo.

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Em seu trabalho, o teórico, tem incentivado uma rigorosa reavaliação do nacionalismo, a representação, resistência e que acima de tudo salienta a "ambivalência" ou "hibridismo" que caracteriza o plano Colonial de contestação - um espaço limítrofe no qual as diferenças culturais, como ele argumenta, realmente produzam a imaginada "construção" da identidade cultural e nacional.

Em outras palavras, argumenta que identidades culturais não podem ser imputadas à pré-determinados, padrões irredutíveis, a traços históricos culturais que definam as convenções da etnia. Também não pode o "colonizador" e o "colonizado" serem vistos como entidades distintas que se definem de forma independente. Em vez disso, sugere que a negociação da identidade cultural envolve interfaces e trocas culturais que, por sua vez, produzem um reconhecimento mútuo e mutável (ou representação) da diferença cultural.

Escreveu trabalhos significativos e reconhecidos que - a título de enriquecimento bibliográfico futuro - acrescentamos:

(1990) Nation and Narration (editor) (2004) The Location of Culture (1st edition 1994)

(2007) A Global Measure

(2007) The Right to Narrate

(2007)A Measure of Dwelling: Reflections on Vernacular Cosmopolitanism

Livros editados por Bhabha

(1984) Identity: The Real Me, ed. (2000) "Cosmopolitanisms" in Public Culture 12.3, ed.

(2005) Edward Said Continuing the Conversation, ed.

(2007) Frantz Fanon Reader, ed.

Jornais, artigos & cap. de livros

(1998) Modernity, Culture, and The Jew, with Laura Marcus & Bryan Cheyette (2004) The Third World of Theory with Henry Louis Gates

(2000) On Cultural Choice

(2001) V.S. Naipaul

(2002) Democracy De-Realized

(2003) On Writing Rights

(2003) Making Difference: The Legacy of the Culture Wars

(2004) Adagio

(2004) Still Life

(2004) 'Foreword' to The Wretched of the Earth by Frantz Fanon, trad. Richard Philcox

(2005) Framing Fanon

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(2006) Without Boundary, with Fereshteh Daftari & Oehan Pamuk

(2006) The Black Savant and the Dark Princess

3. O Ensaio

DisseminNação: tempo, Narrativa e as Margens da Nação Moderna apresenta-se dividido

em “sete subtítulos”, a saber:

a. o tempo da nação

b. o espaço do povo

c. sobre margens e minorias

d. anonimato social e anomia cultural

e. a diferença cultural

f a natureza estrangeira das línguas

g. o clima britânico

Nessas partes narrativas Bhabha apresenta o que ele denomina de tensão produtiva da

perplexidade da linguagem em várias localizações do viver (p. 569). A partir da própria

vivência como “expatriados”, propõe entender e questionar, desde o início, as tensões

dualísticas e/ou dialéticas entre: povo – sociedade – cultura - colonizador e povo; minoria -

social – cultura - imigrante – expatriada - colonizado.

Assim, dependendo do “lugar de onde se olha”, da nação da qual se faz objeto de observação,

percebe-se um determinado movimento-deslocado de um povo: seja de dispersão desse povo,

seja de união desse mesmo povo. Esse faz parte de minorias ou micro-sociedades citadas, como

expatriados, exilados, emigrantes ou refugiados, que se encontram em espaços de “culturas

estrangeiras”, nos ghettos e cafés no centro das cidades. Bhabha considera que essas pessoas

vivem uma espécie de semi-vidas, porque nem são considerados, nem consideram a si mesmos

integrantes da sociedade na qual deveriam estar inseridos. A separá-los concorrem o “não

domínio dos idiomas estrangeiros”, a “não fluência dessas línguas”, ou ainda uma “fluência

sinistra”, gauche, da língua do Outro. Eles - os semi- cidadãos - não têm um “dialet coach” para

ajudar a limpar o sotaque, a melhorar a dicção, aprimorar a entonação. Na fala da língua

estrangeira, o falante tende a transferir sua entonação nativa para o segundo idioma – o que não

só muda o sentido do que é dito como conteúdo a forma ficam comprometidos.

“Aprendeu vinte palavras da nova língua. Mas para seu espanto, o sentido destas

mudou quando ele as proferiu. Pediu um café”. (p.564).

No texto, é possível perceber as estratégias de identificação cultural de um povo, num espaço-

nação, que corresponde a uma invenção histórica arbitrária. Para Bhabha, a construção da

nacionalidade é fomentada por um movimento ambivalente entre os discursos pedagógicos da

nação e o perfomático da unidade política. O discurso das minorias e a afirmação das diferenças

culturais no seio de um povo são com muita freqüência assombradas pela inquietante imagem

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do discurso monolítico e castrador. Ressalta-se que o problema identitário foi o dominante

durante o século XIX.

4. Notas sobre as estratégias discursivas/narrativas

DISSEMINAÇÃO: TODO TEXTO APRESENTA UMA “PLURALIDADE DE FILIAÇÕES”

Pluralidade

Disseminação Multiplicidade

Indecidibilidade

Migração

Dispersão

DissemiNação Reunião

Diáspora

Exílio

Disseminação como Descentramento/Deslocação/Derrapagem/Deslizamento

“(...)Rushdie parece sugerir [em Os Versículos Satânicos] que é apenas através do processo de dissemiNação – do sentido, do tempo, dos povos, das fronteiras culturais e das tradições históricas – que a alteridade radical da cultura nacional criará novas formas de viver e de escrever” (p.565)

Metáfora base do texto: cozer/costurar → texto/textum – tecido

“O que faço tensão de [estou a tentar] formular neste ensaio são as estratégias complexas de identificação cultural e de alocução discursiva que operam em nome do ‘povo’ ou da ‘nação’ e fazem destes os sujeitos e os objectos imanentes de uma multiplicidade de narrativas sociais e literárias” (p.534).

Na citação de Gellner sobre “[o]s retalhos e remendos culturais usados pelo nacionalismo” (p.536)

“Os recortes, os remendos e os farrapos da vida quotidiana têm de se tornar repetidamente signos da cultura nacional” (p.541), retoma na p. 542

“Só procuro alinhavar algumas notas sobre o tempo intermitente, e o espaço intersticial, que emerge como estrutura da indecidibilidade nas fronteiras da hibridez cultural” (p.559).

Na citação que faz do texto de Rushdie “(...) Aquela manta de retalhos embrulhada pela memória era na realidade o cerne, o âmago da sua pessoa, o seu auto-retrato” (p.567).

Colapso entre discurso teórico e o artístico-literário: seu texto se coloca como uma narrativa que dialoga com outras narrativas, sejam elas de natureza teórica ou literária: exemplo disto são os textos citados-analisados neste ensaio (Gellner, Foucault, Anderson, Kristeva, Fanon, Rushdie, Harlem Renaissance etc). Nesta concepção, a nação, seja em textos literários, seja em textos teóricos aparece como narrativa:

Nação como estratégia narrativa

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Nação como metáfora – “É necessário também que haja uma tribo de intérpretes destas metáforas – os tradutores da disseminação de textos e discursos através das culturas” (p.535)

Nação enquanto narração

Contra-narrativa

Ato disseminatório da narrativa

Inversão ou circulação da narrativa

Apropriação/Deslocamento de conceitos: A aproximação entre o Passado Futuro (Future Perfect) de Kristeva e a indecidibilidade cultural de Fanon, a tradução de Benjamin tradução cultural. Outro exemplo disto são as notas de rodapé:

“Abreviei o argumento de Foucault para minha conveniência” (p546)

“Para minha conveniência, construí uma citação composta a partir das várias descrições que Althusser faz dos efeitos ideológicos do historicismo.” (p.547)

“Alterei ligeiramente a apresentação deste passo de modo a enquadrar-se com a seqüência de minha argumentação.” (p.568)

Suplemento

“A estratégia suplementar sugere que, apesar de se acrescentar, não se tem que forçosamente somar, mas é possível que o resultado final do cálculo seja afetado” (p.551)

No texto, o discurso da minoria aparece como o suplemento do discurso nacional: “A totalidade da nação é confrontada com um movimento suplementar de escrita e atravessada por ele” (p.551)

Na estratégia discursiva, o nacionalismo é o suplemento da discussão posta: “O discurso do nacionalismo não é o objeto central deste ensaio” (p.534), ou seja, “Os muitos como um” evoca o lema do nacionalismo “Um povo, uma nação, uma língua”. O conceito-chave de povo-nação (nation-people) e espaço-nação (nation-space) evoca o de estado-nação (nation-state), a definição clássica de estado rondando o texto: “[c]omunidade humana que exige (com sucesso) o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um dado território” (WEBER apud GUIBERNAU p. 56)

Povo: “estratégia retórica” (p.540); objeto do discurso pedagógico e sujeito de um processo de significação (p.540); “forma de discurso” (p.550); “emerge (...) como uma integração marginal de indivíduos” (p.546)

Exilados, emigrantes, refugiados, acantonados: (fronteiras, silêncio)

Povo-Nação As pessoas

Os indivíduos: “a fronteira divisória entre os poderes totalizantes do social e as forças que significam os discursos mais específicos” (p.541)

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O sujeito: “é concebível apenas na passagem entre contar e contado” – “divisão narrativa do sujeito da identificação” (p545)

Fronteira [boundary] como espaço liminar, o “lugar da minoria, do exilado, marginal, emergente”

Texto “sem uma lógica causal ‘centralizada’” (p535), “teoria viajante”, flutuante: contra o historicismo, contra o encadeamento causa-conseqüência, contra o centro:

ESCRITA- DUPLA – DISSEMI-NAÇÃO TEMPO-DUPLO – TEMPO DISJUNTIVO

Isso acontece textualmente pela ausência das marcas características de um discurso/texto dito teórico, como por exemplo, os conectores (portanto, logo), o uso de citações descontextualizadas; o não encadeamento dos argumentos, mas sim a disseminação destes pelo texto, como uma série de linhas discursivas que se entrelaçam vez ou outra e que durante o transcorrer do texto irrompem aqui e acolá, numa espécie de repetição que nunca é a mesma.

Texto que se opõe à síntese, a uma totalização, assim como “a nação enquanto estratégia narrativa” (p.535):

(...) é contra a certeza histórica e contra a natureza fixada deste termo [nacional ismo ] que eu procuro escrever a nação ocidental como uma forma obscura e ubíqua de viver a localização da cultura. Esta localização radica mais á volta [around] da temporalidade do que sobre [about] a historicidade: é uma forma de existência mais complexa do que ‘comunidade’; mais simbólica do que ‘sociedade’; mais conotativa do que ‘país’; menos patriótica do que patriae; mais retórica do que razão de estado; mais mitológica do que ‘ideologia’; menos homogênea do que hegemonia; menos centrada do que o cidadão; menos coletiva do que ‘o sujeito’; mais psíquica do que civilidade; mais híbrida na articulação entre diferenças e identidades culturais – gênero, raça ou classe – do que uma estruturação hierárquica ou binária do antagonismo social é capaz de representar” (p.534).