158
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA CATALINA NAOMI KANETA Avaliação Psicológica: uma aplicação do Teste de Liderança Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte. São Paulo 2009

Disser Ta Cao Catalina

  • Upload
    lialuna

  • View
    271

  • Download
    3

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Devil

Citation preview

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    CATALINA NAOMI KANETA

    Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte.

    So Paulo 2009

  • 1

    CATALINA NAOMI KANETA

    Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana

    Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte.

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.

    rea de concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Orientadora: Prof. Dr. Walquiria Fonseca Duarte

    So Paulo 2009

  • 2

    AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicao Servio de Biblioteca e Documentao

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Kaneta, Catalina Naomi. Avaliao psicolgica: uma aplicao do teste de liderana

    situacional (TLS) em psicologia do esporte / Catalina Naomi Kaneta; orientadora Walquiria Fonseca Duarte. -- So Paulo, 2009. 157p.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Avaliao psicolgica 2. Psicologia do esporte 3. Liderana I. Ttulo.

    GV706.4

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    profa. Dra Walquiria Fonseca Duarte que me ensinou que para militar por uma causa preciso saber quando, onde e principalmente como fazer, pois

    perseguir um objetivo tambm as vezes significa no fazer e saber aguardar por mais que isso seja difcil para uma militante.

    profa. Dra Ktia Rubio que durante tanto tempo me acompanha e me ensinou o que militar por uma causa.

    profa. Dra. Eda Custdio que participou da banca de qualificao e que tem me apoiado neste processo.

    Ao prof. Kita que transformou em nmeros a minha militncia, mas como um

    bom fsico ao perceber que os tempos de um luta nem sempre seguem um padro

    retilneo sumiu na primeira curva do tempo.

    A todos os colegas que fazem diferena na minha vida, espero que leiam este

    agradecimento e se sintam homenageados.

    Por fim, agradeo a minha famlia (mame Keiko, T, minha sobrinha predileta Luna, Paulo e a cunhada Naia) que sempre me apoiou independente das minhas lutas, sonhos, ideais e at quando no tenho nada a fazer e quero rir ou

    chorar eu consigo encontrar eles.

    Este espao aqui para de alguma forma reforar que este processo foi

    durante este perodo importante para a minha vida. Mas para aqueles que esto

    sempre no meu corao, fao reverncias todos os dias, espero que saibam e

    sintam isso.

  • 4

    RESUMO

    KANETA, C. N. Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte. 2009. 170 f. Dissertao (Mestrado em Psicologia) Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo. 2009.

    A Psicologia do Esporte uma especialidade da Psicologia. A prtica tem sido produzida junto aos tcnicos, atletas e demais membros da equipe de esporte e tem conquistado uma constante valorizao do conhecimento produzido, mas o reconhecimento pleno ainda est distante de ser alcanado. Os estudos da liderana do tcnico so uma das vertentes das pesquisas atuais por ser uma varivel de grande influncia sobre o desempenho dos atletas e no clima motivacional dos treinamentos e das competies em si. A presente Dissertao teve como objetivo verificar os estilos de liderana e a flexibilidade de estilos em tcnicos esportivos de modalidades coletivas, utilizando-se o Teste de Liderana Situacional (TLS) desenvolvido por Agostinho Minicucci com base na teoria 3D de Reddin. Foram comparados os resultados obtidos entre uma amostra de 23 tcnicos de categorias de base (formao) e uma amostra de 12 tcnicos de equipes adultas (alto nvel). Para as anlises estatsticas, a diferena entre as mdias foi realizada atravs do teste t de Student (grupos independentes), adotando-se um nvel de significncia de 5%. Os resultados mostraram que a maioria dos tcnicos (56% formao e 75% alto nvel) utilizam como estilo de liderana dominante o estilo integrado, que quando o comportamento orientado para a tarefa e o comportamento orientado para as relaes so utilizados em grande quantidade. Observou-se tambm que o estilo de sustentao adotado por ambos os grupos o estilo relacionado, sendo que o estilo separado o estilo menos valorizado, tambm por ambos os grupos. Embora os resultados indiquem uma concordncia dos grupos em relao aos estilos dominante, de sustentao e sobre-rechaado, verificou-se que os tcnicos de alto nvel, em suas respostas, utilizam com maior intensidade o estilo integrado (p

  • 5

    ABSTRACT

    KANETA, C. N. Psychological Assessment: an application of the Situational Leadership Test (SLT) in Sports Psychology. 2009. Dissertation (Masters in Psychology) Psychology Institute, University of So Paulo, So Paulo. 2009.

    Sports Psychology is a Psychology specialty that has been developed in conjunction with coaches, athletes and other members of the sports team. The resulting knowledge has been gaining increasing acceptance, but is still far from being fully recognized. Studies in coaching leadership constitute one of the branches of current research, given that this variable has an enormous influence on athletic performance and the motivational climate of training sessions and actual competitions. The objective of this paper is to identify leadership styles and their flexibility in coaches of team sports using the Situational Leadership Test (SLT), developed by Agostinho Minicucci based on Reddins 3-D theory. The results from a sample of 23 coaches of base categories (development) and 12 coaches of adult teams (high level) were compared. In the statistical analysis, the difference between the groups was calculated through Pearson's chi-square test and the quantitative variables were compared through Student's t test (independent groups), with a significance level of 5%. The results show that the dominant leadership style of most coaches (56% in the development category and 75% in the high-level category) is the integrated style, i.e. when both task-oriented and relationship-oriented behaviors are largely used. We also observed that the sustainment style of both groups is the related style, with the separate style being less valued for both groups. Although the results indicate an agreement in the behavior of the groups in relation to dominant, sustainment and most rejected styles, the high-level coaches gave higher grades to the integrated style (p

  • 6

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a modalidade esportiva em que atuam os tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu..............

    93

    Tabela 2 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para as categorias das equipes j comandadas pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.....

    94

    Tabela 3 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a idade dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.......................................................

    95

    Tabela 4 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o tempo de experincia dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu......................................

    96

    Tabela 5 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a formao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.......................................................

    97

    Tabela 6 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a experincia em estgio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu...............................

    97

    Tabela 7 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a experincia como atleta dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu...............................

    98

    Tabela 8 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o gnero das equipes j comandadas pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.....

    99

    Tabela 9 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo dominante dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento............................................................................... 104

    Tabela 10 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo de sustentao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento........................................................................ 105

    Tabela 11 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo sobre-rechaado dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento........................................................................ 106

    Tabela 12 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a pontuao total de cada um dos estilos de liderana situacional, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................ 107 Tabela 13 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a flexibilidade de estilos dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade...................................................................................................................... 110

    Tabela 14 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o modo de interao dos tcnicos com as outras pessoas, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................ 113

    Tabela 15 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o modo de comunicao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm

    114

  • 7

    so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................

    Tabela 16 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a direo de comunicao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade.....................................................................................................................

    114

    Tabela 17 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a perspectiva de tempo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................

    115

    Tabela 18 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para tipo de trabalho com o qual os tcnicos se identificam, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    116

    Tabela 19 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o julgamento que os tcnicos fazem dos subordinados, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    117

    Tabela 20 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o julgamento que os tcnicos fazem dos superiores, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    118

    Tabela 21 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o comportamento em atividade em grupo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    119

    Tabela 22 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o ajustamento ao trabalho dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................

    120

    Tabela 23 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a relao com os subordinados dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................

    120

    Tabela 24 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao aos erros dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................

    121

  • 8

    Tabela 25 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao aos conflitos dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................

    122

    Tabela 26 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao as tenses dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................

    122

    Tabela 27 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para como os tcnicos estabelecem uma forma positiva de controle, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    123

    Tabela 28 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o manejo do grupo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................

    124

    Tabela 29 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o desempenho positivo dos subordinados valorizado pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade.......................................................................

    125

    Tabela 30 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a eficcia do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................

    126

    Tabela 31 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para as qualidades positivas do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    127

    Tabela 32 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para os temores do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................

    128

    Tabela 33 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para os temores do lder em relao ao grupo na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................

    129

  • 9

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Comparao da pontuao total mdia de cada estilo entre os tcnicos de equipes de formao e os tcnicos de equipes de Alto Nvel................................................ 108

    Figura 2 - Diagrama de disperso e coeficiente de correlao linear de Pearson entre a Flexibilidade 1 e o tempo de experincia profissional dos tcnicos da presente pesquisa...................................................................................................................................... 111

  • 10

    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................................. 12 1.1 A PSICOLOGIA DO ESPORTE E PSICOLOGIA: INTERFACES COM AS

    REAS DE CONHECIMENTO...................................................................... 27 1.2 APRESENTANDO O ESPORTE: HISTRICO E FORMAO DOS

    ATLETAS E TCNICOS NA LINHA DO TEMPO........................................... 37 1.3 O ESPORTE NO BRASIL: PERCURSO INICIAL E A TRAJETRIA DA

    FORMAO DO PROFISSIONAL DE EDUCAO FSICA E ESPORTES.................................................................................................... 52

    1.4 TCNICOS ESPORTIVOS NO BRASIL: HISTRICO E UM OLHAR SOB O PONTO DE VISTA DA LIDERANA.......................................................... 66

    2 OBJETIVOS..................................................................................................... 91

    3 MTODO.......................................................................................................... 93 3.1 SUJEITOS..................................................................................................... 93

    3.2 INSTRUMENTOS......................................................................................... 99

    3.3 COLETA DE DADOS..................................................................................... 102

    3.4 TRATAMENTO ESTATSTICO...................................................................... 103

    4 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS............................... 104

    5 CONCLUSES................................................................................................. 131

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 134 ANEXOS

    ANEXO A QUESTIONRIO SOCIODEMOGRFICO...................................... 150 ANEXO B TESTE DE LIDERANA SITUACIONAL (TLS)............................... 152 ANEXO C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............ 157

  • 11

  • 12

    1 INTRODUO

    Considerado um dos maiores fenmenos sociais do sculo XX, o esporte

    contemporneo tem estimulado diversas reas para o seu estudo, constituindo

    assim o que foi denominado de Cincias do Esporte. Esses grupos de profissionais

    que atuam nessa rea so compostos por mdicos, fisioterapeutas, fisiologistas,

    nutricionistas, biomecnicos e ainda englobam os da Antropologia, da Filosofia, da

    Sociologia e da Psicologia do Esporte (RUBIO, 2002). Segundo Rbio (2000) essa configurao das Cincias do Esporte foi

    proposta pelos autores como Gill (1986) e Haag (1979, 1994), que entendem ter no esporte contemporneo um campo especfico a ser estudado e com uma

    necessidade interdisciplinaridade.

    Como esporte contemporneo, compreendemos aquele que praticado e

    difundido nos dias de hoje; que tem a sua origem e desenvolvimento no seio da sociedade urbana e industrial (sculo XIX), e que sofreu as adaptaes polticas, econmicas e sociais da era moderna.

    Historicamente, a Psicologia do Esporte tem sua origem datada no incio do

    sculo XX na Rssia e nos Estados Unidos, a princpio, estudando aspectos

    prximos fisiologia relacionados aos reflexos e seus condicionadores (WEINBERG; GOULD, 2001). Com o passar do tempo, os temas como motivao, liderana, organizao de grupo, agressividade, ansiedade, personalidade, pensamentos e

    sentimentos dos atletas, aspectos esses relacionados prtica esportiva e atividade

    fsica, foram acrescidos ao campo de interesse dos pesquisadores (RBIO, 2002). Gill (1979) definiu a Psicologia do Esporte como o estudo cientfico de

    pessoas e de seus comportamentos nos contextos de esporte e de suas aplicaes

  • 13

    prticas de conhecimento. Desde a dcada de 1970, promoveu uma discusso

    apontando os cuidados para o fortalecimento da Psicologia do Esporte como

    acontece at os dias de hoje. A Psicologia do Esporte pode tambm ser entendida como uma rea de

    investigao dos processos psicolgicos e suas manifestaes nas atividades

    esportivas, atlticas e de educao fsica em geral, centralizando-se nas questes

    de adaptao do atleta, motivao, desempenho e aspectos psicossociais do

    esporte (PROMM NETTO, 1985). William e Straub (1991, p.30) assim a definiram: [...] identificao e

    compreenso das teorias e tcnicas psicolgicas que podem ser aplicadas ao

    esporte com o objetivo de maximizar o rendimento e o desenvolvimento do atleta. Para a European Federation of Sport Psychology (EFEPSAC) a Psicologia do

    Esporte consiste em:

    fundamentos psicolgicos, processos e consequncias da regulao psicolgica de atividades relacionadas com o esporte de uma ou vrias pessoas atuando como sujeitos da atividade. O foco pode ser o comportamento ou diferentes dimenses psicolgicas do comportamento humano (isto , as dimenses afetivas, cognitivas, motivacional ou sensrio motoras) (1996, p.221).

    De acordo com a American Psychological Association APA (1999), a Psicologia do Esporte o estudo dos fatores comportamentais que influenciam e

    so influenciados pela prtica esportiva, exerccio e atividade fsica, e a aplicao

    desse conhecimento adquirido. O interesse dos psiclogos do esporte, nesse caso,

    est voltado para duas reas: ajudar atletas a fazerem uso de princpios psicolgicos para alcanar um nvel timo de sade mental e otimizarem os seus desempenhos;

    e esclarecer como a participao em atividades fsicas e esportivas altera o

    desenvolvimento psicolgico, o bem-estar e a sade de atletas e no atletas.

    Weinberg e Gould (2001) reiteraram a definio de Gill (1979) afirmando que

  • 14

    a Psicologia do Esporte o estudo cientfico das pessoas e seus comportamentos

    em contextos esportivos e de exerccios e as aplicaes prticas de tal

    conhecimento.

    Segundo esses autores, os estudos da Psicologia Esportiva tm como

    principais objetivos compreender como os fatores psicolgicos afetam o desempenho esportivo e a influncia da participao esportiva no desenvolvimento

    psicolgico e o bem-estar de um indivduo:

    Psiclogos do esporte e do exerccio procuram entender e ajudar atletas de elite, crianas, indivduos portadores de limitaes fsicas e mentais, idosos e praticantes em geral a alcanarem um desempenho mximo, satisfao pessoal e desenvolvimento por meio da participao em atividades fsicas e esportivas (WEINBERG; GOULD, 2001, p.29).

    Apesar de muitos afirmarem que a Psicologia do Esporte no Brasil uma rea

    que foi descoberta recentemente para estudos, pesquisa e atuao, sua histria se

    iniciou por volta dos anos 1950 com o trabalho do psiclogo Joo Carvalhaes, um

    especialista em psicometria que atuou por cerca de 20 anos no So Paulo Futebol

    Clube e que integrou a comisso tcnica brasileira da Copa do Mundo de 1958

    (RBIO, 2000). O futebol, trazido pelos ingleses em 1894, foi a porta de entrada da Psicologia

    do Esporte no Brasil na dcada de 1950. Todavia, no propiciou um avano de

    maior significao na poca pelas prprias condies do esporte nesses tempos e

    da Psicologia em si, organizada como profisso a partir de 1962, como discute

    Rubio (2002). Santos (1982) apresenta o histrico do incio das teorias e tcnicas psicolgicas no Brasil e afirma, que a grande parte desses trabalhos, tinham como

    objetivo primordial conhecer a personalidade e no intervir no comportamento dos

  • 15

    indivduos assim analisados.

    O autor prossegue apontando os anos de 1920 a 1960 como o tempo do

    apogeu da psicometria e dos estudos estatsticos relacionados com a sensibilidade,

    preciso e validade dos instrumentos de avaliao psicolgica, poca em que a

    Psicologia passou ento a ser considerada como a cincia da medida.

    Esses procedimentos eram ento aplicados ao esporte. A resultante desse

    movimento para a Psicologia do Esporte, como discute Rubio (2007), foi a utilizao dos instrumentos psicomtricos ento desenvolvidos e que procuravam medir a

    inteligncia, a personalidade e o comportamento na seleo brasileira da poca.

    Nas dcadas seguintes de 1960 e 1970 muitos trabalhos foram feitos com

    atletas, times e grupos esportivos (RUBIO, 2007). Profissionais como Athayde Ribeiro, Joo Serapio, Paulo Gaudncio, Flvio Gikovate, Mauro Lopes de

    Almeida, e outros, realizaram as suas atuaes na rea e assim contriburam para a

    interface entre a Psicologia e o Esporte.

    Mas foi partir da dcada de 1990 que ocorreu uma grande expanso da

    Psicologia do Esporte com o aumento significativo de psiclogos que buscaram

    formas de conhecimento para uma atuao focada e especfica na rea, e em

    consequncia, surgiram os cursos de formao, as pesquisas e publicaes

    cientficas mais constantes (RUBIO, 2000). O Comit Olmpico Brasileiro (COB), nas ltimas participaes brasileiras nos

    Jogos Olmpicos (em 2000 e 2004), acenou para a importncia dos aspectos psicolgicos dos atletas. Sem muita clareza a respeito a quem competia realizar

    esse tipo de interveno, contratou profissionais para acompanhar as delegaes.

    Houve questionamentos por parte da imprensa brasileira acerca das tcnicas

    polmicas de trabalho dos profissionais contratados e, principalmente, sobre a

  • 16

    formao desses que no possuam graduao em Psicologia

    (www.folha.uol.com.br). O COB em 2008 (Olimpadas de Pequim) sugeriu para que as confederaes e federaes de cada modalidade esportiva optassem em levar os

    profissionais de Psicologia caso julgassem necessrio. Aps esse torneio, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, afirmou ser o

    trabalho do psiclogo um dos pontos a ser destacado no prximo ciclo olmpico

    (www.estadao.com.br), fortalecendo assim a importncia da atuao dos profissionais de Psicologia e ampliando a visibilidade desse caminho profissional no

    esporte.

    H ainda muitas discusses em torno de se considerar a Psicologia do

    Esporte como uma rea de especializao da Psicologia ou uma subrea das

    Cincias do Esporte (RBIO, 2004). Autores como Cratty (1989) e Schilling (1992) entendem que a Psicologia do Esporte como uma rea da Psicologia, incorporando

    seus modelos tericos e as linhas de atuao.

    Como especializao, a Psicologia do Esporte no Brasil foi legitimada em

    2000 pelo Conselho Federal de Psicologia por meio da Resoluo n014/00,

    atualizada e substituda em 2007 pela Resoluo n 013/07, que consolidou as

    deliberaes relativas ao ttulo profissional de especialista e disps as normas e

    procedimentos para seu registro, incluindo o do psiclogo do esporte

    (www.pol.org.br). Essa Resoluo especifica que a atuao do psiclogo pode ser tanto

    diagnstica, desenvolvendo e aplicando instrumentos para a determinao de perfil

    individual e coletivo, avaliando capacidade motora e cognitiva voltada para a prtica

    esportiva, como de interveno, onde o profissional trabalharia diretamente na

    transformao de padres de comportamento correlacionados com a prtica da

  • 17

    atividade fsica regular e/ou competitiva. Os profissionais que no sejam psiclogos s poderiam atuar em ensino e em pesquisa.

    Dessa forma, as aes dos psiclogos esto voltadas tanto para o esporte de

    alto desempenho (ajudando atletas, tcnicos e comisses tcnicas a fazerem uso de princpios psicolgicos para alcanar um nvel timo de sade mental, maximizando

    assim o rendimento), quanto para a identificao de princpios e padres de comportamentos de adultos e crianas participantes de atividades fsicas recreativas

    (www.pol.org.br). O psiclogo do esporte, alm da atuao com as modalidades competitivas,

    elaboraria programas e estudos de atividades esportivas educacionais, de lazer e de

    reabilitao, orientando a efetivao do esporte no competitivo de carter profiltico

    e recreacional, para conseguir o bem-estar e qualidade de vida dos indivduos

    (www.pol.org.br). Inclui-se ainda o entendimento de como os fenmenos psicolgicos podem

    afetar o desempenho fsico das pessoas e como a participao nesses contextos

    pode influenciar o estado de sade fsico e psicolgico.

    Em um aspecto psicossocial, o profissional pode orientar pais ou

    responsveis nas questes que se referem escolha da modalidade esportiva dos

    seus filhos e a consequente participao em treinos e competies, auxiliando-os

    assim no desenvolvimento de uma carreira profissional.

    Juntamente aos educadores e tcnicos, o psiclogo do esporte colaboraria

    para a compreenso e transformao das relaes destes com os alunos e atletas

    no processo de ensino e aprendizagem, e nas relaes inter e intrapessoais que

    ocorrem nos ambientes esportivos (www.pol.org.br). Para Rbio (2000), o trabalho do psiclogo no esporte vasto, por no se

  • 18

    restringir apenas aos aspectos dos esportes competitivos, de alto rendimento e

    indivduos com nveis timos de habilidade motora, como j foi apontado. A atuao abrange ainda, na descrio da autora, as questes relacionadas prtica de

    atividades fsicas em tempo livre, a iniciao esportiva no competitiva, a

    reabilitao de enfermos, o auxlio de pessoas com necessidades especiais e os

    projetos sociais. A Psicologia do Esporte tambm considerada por Feij (2000) como a

    transposio para o contexto esportivo das teorias e das tcnicas das vrias

    especialidades e correntes da Psicologia, seja no que se refere aplicao de avaliaes para a construo de perfis, assim como no uso das tcnicas de

    interveno para a maximizao do rendimento esportivo. O carter dessas

    intervenes , portanto, associado s questes de alto desempenho, aos

    processos educativos inerentes e s questes de bem estar e sade.

    Desse modo, vrios segmentos da Psicologia contriburam para a construo

    do conhecimento da Psicologia do Esporte. Destacamos a Psicologia Social, a

    Clnica, a Escolar e de Aprendizagem, a de Desenvolvimento Humano, a

    Organizacional e as teorias de personalidade. Podemos assim definir as reas de

    atuao do psiclogo do esporte, a saber, ensino, avaliao psicolgica, pesquisa e

    interveno.

    O que parece ser comum entre as definies de Psicologia do Esporte

    apresentadas a relao direta entre Psicologia e desempenho fsico e esportivo,

    como forma de melhoria, potencializao, promoo ou maximizao, independente

    da prtica ser competitiva, recreativa ou de reabilitao.

    Mas o que seria desempenho, to destacado na prtica esportiva?

    a execuo de um trabalho com eficincia e competncia (FERREIRA,

  • 19

    2004). No caso das atividades fsicas e esportivas, o desempenho se relaciona s competncias corpreas (estruturas fsicas), de aptido (flexibilidade, fora, equilbrio, coordenao e resistncia corporal), e aos aspectos psicolgicos e sociais (BHME, 2003). H, portanto, muitas facetas a serem consideradas.

    Segundo Kiss et al. (2004) o desempenho esportivo um fenmeno complexo resultante de vrios processos internos e externos ao indivduo, devendo ser

    compreendido como um sistema aberto, cujo resultado do atleta de um embasamento gentico, modulado por diferentes variveis ambientais, motivacionais

    e emocionais. O treinamento esportivo uma interferncia ambiental que possui

    uma nfase especial nesse processo como veremos a seguir.

    Cada pessoa ao nascer traz uma bagagem gentica que ir determinar as

    potencialidades fsicas e psicolgicas para a prtica esportiva. O treinamento ser o

    conjunto de procedimentos e meios utilizados para conduzir esse indivduo a sua plenitude fsica, tcnica e psicolgica objetivando executar um desempenho esportivo mxima em um perodo determinado (DANTAS, 1995). O treinamento em geral um dos principais recursos utilizados quando se objetiva a melhoria de um determinado desempenho.

    Segundo Matveiev (1986), treinamento esportivo um fenmeno pedaggico, caracterizado como um processo especializado da educao fsica orientada,

    objetivando alcanar elevados resultados desportivos e altos nveis de desempenho nos atletas.

    Martin, Klaus e Lehnertz (1991) apud Bhme (2003) definiram o treinamento esportivo como um processo de aes planejadas e orientadas que visa a melhoria do desempenho, tendo como base um objetivo predeterminado a ser alcanado. Acrescentam ainda a necessidade de uma situao em que possa haver a

  • 20

    comprovao da evoluo mensurada a partir de uma avaliao.

    Para Tubino e DaCosta (2006), focando essencialmente nos aspectos de competio, o treinamento esportivo um conjunto de meios utilizados para o desenvolvimento das qualidades tcnicas, fsicas e psicolgicas de um atleta ou de

    uma equipe, tendo como objetivo final coloc-lo em eficincia mxima em determinada prova esportiva. Contudo, para esses autores, existem outras formas

    de treinamento esportivo alm dessa vertente competitiva, incluindo a do tipo fsico e

    para a busca de lazer e sade.

    A preparao psicolgica faz parte do treinamento esportivo e tem como

    funo mobilizar a vontade do atleta para que esse suporte as exigncias das

    tarefas programadas com o objetivo de atingir o mximo desempenho (DANTAS, 1995).

    Alm dos aspectos motivacionais da prtica esportiva, o mesmo autor divide o

    trabalho de preparao psicolgica em quatro fases: psicodiagnstico; preparo

    psicolgico de treinamento; preparo psicolgico de competio; e psicolgico de

    pscompetio. Outras funes ainda esto includas, principalmente, a de um

    planejamento de atividades de preparo psicolgico que favorea o desempenho. Barreto (2003) e Dantas (1995) concluem que o trabalho de preparao

    psicolgica uma atividade na qual o psiclogo atua com e nos tcnicos

    esportivos. A primeira delas visa a implementao de um treinamento psicolgico

    dos atletas para a melhoria de rendimento. J o segundo, de interveno junto aos tcnicos para que esses possam estar orientados a respeito de sua atuao

    enquanto figura de liderana.

    Judadov (1990) apud Martini (2000) definiu o trabalho psicolgico como o desenvolvimento de conjuntos de propriedades e qualidades psquicas dos

  • 21

    esportistas as quais dependem as realizaes da atividade esportiva de modo

    perfeito e confivel nas condies extremas de treinamento e competio.

    Para Samulski (2002), os principais objetivos da preparao psicolgica esportiva so os seguintes:

    desenvolver capacidades psquicas para um bom rendimento.

    criar um bom estado emocional durante os treinos e competies.

    promover a qualidade de vida dos tcnicos, atletas e outras pessoas

    envolvidas com o esporte.

    Parece haver um consenso entre os autores destacados que definiram o

    treinamento esportivo no que se refere sua importncia (planejamento, orientao, conduo, pedagogia) para a melhoria do desempenho ou rendimento, mas nem sempre, seus agentes - os treinadores - recebem destaque nas publicaes a

    respeito do tema, embora sejam os principais responsveis pelos resultados. Em geral, a produo cientfica sobre treinamento esportivo (BENTO, 1989;

    BHME, 1994, 1995, 2002; BHME et al., 2001; BOMPA, 2000; BURWITZ,

    MOORE, WILKINSON, 1994; FERNANDES, 2001; FILIN, VOLKOV, 1998;

    FRANCHINI, 1999; HEBELLINCK, 1989; MALINA, 1997; MASSA, 1999; MATSUDO,

    1996; MORAES, DURAND-BUSH, SALMELA, 1999) tem como foco os atletas (estudos sobre talentos esportivos) e a investigao de suas capacidades e habilidades, principalmente as biolgicas, que podem interferir no desempenho.

    Poucos destacam a preparao psicolgica e o trabalho dos tcnicos em si.

    Casal (2000) afirma que, devido s relaes estreitas com as cincias biolgicas, as teorias do treinamento esportivo se apiam na crena de que o

    rendimento alcanado a partir do trabalho fsico e motor, acarretando na

    desvalorizao da importncia do verdadeiro processo pedaggico de ensino e,

  • 22

    principalmente da educao, que deveriam estar envolvidos.

    Possivelmente essa seja uma explicao para o tcnico esportivo no ser destacado nas pesquisas a respeito do treinamento esportivo, uma vez que so

    apenas reprodutores dos conhecimentos de fisiologia, bioqumica e biomecnica,

    no constituindo ainda em um agente com conhecimento prprio construdo.

    Durante 120 anos, a educao fsica sofreu influncias das cincias

    biolgicas e, consequentemente, com reflexos sentidos at os dias de hoje. As pesquisas realizadas na rea at a dcada de 1970 seguiram exclusivamente o

    modelo das cincias naturais de cunho positivista, valorizando a fisiologia, a

    biomecnica e a cineantropometria do treinamento e desempenho esportivos

    (CARLAN, 1997). Nas dcadas de 1980 e 1990 h uma anlise mais crtica dessas questes

    com base nas produes cientficas na rea, sinalizando para mudanas mais

    significativas e na tentativa de uma aproximao com as cincias humanas e sociais

    (NEVES; NETO, 2006). Foi nesse contexto que surgiram os principais tericos e pesquisadores da Psicologia e Sociologia do Esporte (ABBOTT, COLLINS, 2004; BLOOM, 1985; CT, 1999; CSIKSZNTMIHALYI, RATUNDE, WALEN, 1997; GOULD, 2001; HOLT, MORLEY, 2004; MORAES, RABELO, SALMELA, 2004;

    RUBIO, 2000; WEINBERG, GOULD, 2001) com a preocupao de estudar os fenmenos psquicos dos atletas e os aspectos ambientais que influenciam o

    desempenho esportivo, como os tcnicos e treinadores esportivos (JOWETT, COKERILL, 2003; MAGEAU, VALLERAND, 2003; SIMES, 1987; VAZOU, NTOUMANIS, DUDA, 2006).

    Um levantamento realizado por Castillo, lvarez e Balaguer (2005), com base em um total de pesquisas publicadas que tm como tema os aspectos psicossociais

  • 23

    do esporte encontrados na base de dados PsycInfo entre os anos de 1887 e 2001,

    indicou um total de 1988 trabalhos apresentados. Contudo, a maioria foi publicada a

    partir do ano de 1985, com 1661 trabalhos encontrados at o ano 2001.

    Alm de quantificarem os totais desses trabalhos, Castillo, lvarez e Balaguer (2005) classificaram o levantamento encontrado por temas como motivao, gnero, autoconceito, emoes, e coeso grupal. No utilizaram o tcnico esportivo como

    uma das categorias, o que sugere uma baixa frequncia de trabalhos especficos

    sob esse recorte e durante o perodo escolhido.

    Para Dobrnszky (2004), a Psicologia do Esporte tem procurado investigar, com uma maior regularidade a partir da dcada de 2000, o papel do tcnico no

    desempenho esportivo de um atleta. No Brasil, esses estudos so raros.

    Em um levantamento dos trabalhos publicados entre os anos de 1994 e 2004

    nos peridicos The Sport Psychologist (publicao americana) e Revista Paulista de Educao Fsica (publicao brasileira), o prprio autor obteve o total de 8% dos trabalhos no peridico estrangeiro com o tema tcnico esportivo, em contrapartida

    a 3% na revista brasileira.

    Embora ainda seja em nmero restrito, h o interesse dos pesquisadores em realizarem estudos centrados nos tcnicos, que at ento tinham um carter

    essencialmente de agentes (pessoas que exercem uma ao), passando a serem investigados como promotores (determina, favorece o progresso, fomentador) do treinamento esportivo.

    Para Gallon (1980), o treinador esportivo representa quatro personagens distintos: professor, representante, treinador e lder. As categorias tm em comum o

    papel de formador de grupos de pessoas para o alcance de metas no esporte.

    Segundo Daiuto (1981, p.16), os tcnicos das equipes esportivas so

  • 24

    elementos que, a par da preparao fsica, tcnica e ttica, devem conhecer

    profundamente cada um dos atletas para trabalharem com os pontos fortes e fracos

    de seus comandados, promoverem bem-estar pessoal, a harmonia do grupo, e, com

    todas essas informaes, organizarem os planos de treinamento e as tticas a

    serem empregadas.

    Dantas (1995) destacou tambm o papel do treinador enquanto um professor que ensina uma determinada modalidade esportiva, utilizando-se para isso os

    recursos da preparao tcnica e ttica. O tcnico recorre s suas caractersticas de

    liderana para influenciar na formao do carter do jovem competidor. Dobrnszky (2004) destaca esse papel de lder e situa o tcnico como

    principal responsvel pelo desenvolvimento de uma equipe ou do indivduo.

    Essas consideraes a respeito das funes do tcnico e de sua influncia no

    desempenho esportivo apontam para o carter de formao e desenvolvimento do

    atleta, nos mbitos fsico, tcnico, ttico, psicolgico e social.

    Para Ldorf (2002) grande parte dos estudos encontrados sobre treinamento esportivo, em geral, ainda esto sob influncia das matrizes positivistas que tendem

    a utilizar como metodologia as abordagens emprico-analticas que buscam teorias

    para predio e controle.

    Segundo Casal (2002), sendo o treinamento esportivo um processo pedaggico, uma das preocupaes do treinador deveria tambm ser com a

    dialtica instruo e educao. Por dialtica entende-se o modo de compreender a

    realidade como essencialmente contraditria e em permanente transformao

    (SINGER, 2003). As pesquisas a respeito do tcnico poderiam ento contemplar os referenciais

    tericos que propiciassem discusses filosficas e dialticas sobre a influncia do

  • 25

    modelo esportivo construdo durante os tempos na prtica esportiva em uma

    sociedade com os seus valores sociais vigentes. Castellani Filho (1994) discute essa questo.

    inegvel que o fenmeno esportivo complexo (FELTZ, 1989; GILL, 1989; MORGAN; 1989) e com mltiplas variveis, indicando que para a sua compreenso seja necessria a aproximao da Psicologia do Esporte com outras subdisciplinas das Cincias do Esporte no sentido de compor teorias, construtos, metodologias e

    instrumentos de investigao que caminhem em uma mesma direo (RBIO, 2004).

    A Psicologia do Esporte com nfase nas avaliaes de perfis individuais dos

    esportistas teve o seu incio na psicometria na dcada de 1950, sendo esse o

    suporte terico e tcnico para os primeiros trabalhos. Com isso as pesquisas

    realizadas, particularmente, podem partir dessa premissa uma vez que o

    nascimento da Psicologia cientfica tambm se deu num clima intelectual banhado

    pelo positivismo Comtiano (JAPAIASSU, 2001, p. 27). No entanto, a metodologia de pesquisa pode e deve ser ampliada, contemplando-se as abordagens

    fenomenolgicas e dialticas fazendo interfaces com outras reas da psicologia e

    estendendo para os estudos do campo esportivo sob o enfoque interdisciplinar.

    O alinhamento bsico para a sustentao de uma tarefa em Psicologia do

    Esporte envolve uma harmonizao das habilidades tticas e tcnicas, habilidades

    emocionais e habilidades fsicas que ocorrem dentro de um campo psicossocial. As

    variveis como motivao, ansiedade e outras j destacadas devem estar integradas com as de liderana dos tcnicos, coeso do grupo e rotinas pr-competitivas, apoio

    dos pais, influncias das torcidas, por exemplo. A construo do conhecimento do

    psiclogo esportivo est alm das Cincias do Esporte e ainda est se delineando

  • 26

    com o tempo.

    A proposta desta Dissertao de Mestrado foi ento realizar uma pesquisa

    que focalizasse os tcnicos esportivos de equipes coletivas sob embasamento

    terico da Psicologia do Esporte com especializao da Psicologia e no como uma

    subrea das Cincias do Esporte como tem sido encontrada nas pesquisas

    realizadas at ento.

    Como um educador, promotor de estratgias tcnicas de desempenho e

    motivacionais, o tcnico um dos elementos do par educativo que procuraremos

    investigar sob o ponto de vista da liderana e, assim, contribuir com os seus

    resultados para a ampliao das pesquisas na rea da Psicologia do Esporte.

  • 27

    1.1 A PSICOLOGIA DO ESPORTE E PSICOLOGIA: INTERFACES COM AS

    REAS DE CONHECIMENTO

    No captulo anterior foi mencionado como vrios segmentos da Psicologia

    contriburam para a construo do conhecimento da Psicologia do Esporte. Como

    subrea das Cincias do Esporte, ela tem um carter interdisciplinar, embora ainda

    no represente uma prtica desse porte propriamente dita, como aponta Rubio

    (2002). A Psicologia do Esporte busca uma compreenso das necessidades que

    esto implcitas nas atividades esportivas e sua relao com os processos de

    regulao psicolgica e diferentes dimenses da afetividade, cognio, motivao,

    conduta motora, tenacidade dirigida para metas, liderana, dinmicas de grupo,

    relaes grupais, criatividade, identidade, prtica da cidadania, sade psicolgica e

    bem estar (TOLEDO, 2000). A rea de atuao inclui os diversos contextos tericos de aprendizagem e

    desenvolvimento de atletas, alunos e praticantes de atividade fsica, os grupos

    esportivos em si, enfim, variveis que se interseccionam diretamente com a

    Psicologia Geral, do Desenvolvimento e Escolar, da Personalidade, Clnica e Social.

    inegvel como tambm j foi destacado, que ainda no h a valorizao plena da Psicologia do Esporte no cenrio do esporte no Brasil, quando comparada

    aos estudos de estratgias direcionadas aos fatores tcnicos, tticos e da fisiologia

    do corpo dos atletas.

    No obstante, foi observado como os avanos j consolidam um caminho diferenciado para o profissional da Psicologia, o que torna importante o

    delineamento de alguns eixos tericos e de tcnicas que especifiquem o trabalho do

  • 28

    psiclogo do esporte e que caracterizam a sua identidade profissional em uma rea

    de conhecimento da Psicologia que envolve o fenmeno esportivo propriamente dito.

    Segundo Lesyk (1998) o Centro Olmpico Americano em 1983 indicou trs reas de atuao para os profissionais de Psicologia do Esporte:

    Clnica: cuja funo atuar com atletas, equipes esportivas, clubes e selees. A formao desse profissional deve ser especialista em

    Psicologia Esportiva.

    Pesquisa: cujo objetivo o de estudar ou desenvolver um determinado conhecimento em/na Psicologia do Esporte. Esse profissional no

    necessita de uma formao especfica (especialista ou ps-graduao).

    Educao: que ministra a disciplina de Psicologia do Esporte na rea

    acadmica e que pode no possuir especificidade em sua formao que

    restrinja a sua atuao (exceto aquelas diretrizes de formao educacional que determinam a atuao acadmica em geral).

    Weinberg e Gould (2001) caracterizaram dois tipos de especialidades da Psicologia do Esporte:

    Psicologia Esportiva Clnica: psiclogos que possuem extensivos

    treinamentos em Psicologia para detectar e tratar indivduos com

    transtornos emocionais no esporte.

    Psicologia Esportiva Educacional: profissionais cujo conhecimento se restringe ao desenvolvimento das habilidades psicolgicas dos indivduos

    nas prticas esportivas sem, no entanto, lidarem com os transtornos

    emocionais.

    Gill (1986) procurou sistematizar as reas de especializao do psiclogo do esporte classificando-as em aprendizagem e controle motor, desenvolvimento motor

  • 29

    e Psicologia do Esporte.

    Rbio (2004) associou e caracterizou essas reas com o que seriam as de linhas de estudo da Psicologia:

    Aprendizagem e controle motor: aproximando-se dos estudos referentes

    cognio e percepo.

    Psicologia experimental, da aprendizagem e comportamento.

    Desenvolvimento de padres motores, que se aproxima da Psicologia do

    Desenvolvimento Humano.

    Psicologia do Esporte: englobando estudos dos aspectos scio-culturais

    que modelam e podem influenciar o desempenho esportivo, associando-os

    aos do desenvolvimento, aspecto cognitivo e da personalidade com

    influncias sociais.

    Com isso a Psicologia do Esporte no Brasil reconhecida como uma

    especialidade da Psicologia pelo Conselho Federal, oficializada por meio da

    Resoluo n 013/07, dentro de um conjunto de onze especialidades: Escolar/Educao, Clinica, Organizacional e do Trabalho, Trnsito, Jurdica,

    Hospitalar, Psicopedagogia, Psicomotricidade, Neuropsicologia, Social e do Esporte

    (www.pol.org.br). Para Barreto (2003) vrios campos da Psicologia Aplicada servem como base

    cientfica da Psicologia do Esporte. O autor aponta a Psicologia Experimental, do

    Desenvolvimento, da Personalidade, Educacional e Clinica como reas que auxiliam

    nessa construo do saber. As interfaces ocorrem, portanto, com as vrias reas de

    conhecimentos da Psicologia e que permitem uma especificidade do trabalho do

    psiclogo do esporte, ao mesmo tempo em que confere uma diversidade de

    conhecimentos para a rea.

  • 30

    Iniciamos com a interface com a Psicologia do Desenvolvimento Humano,

    rea que estuda o desenvolvimento do indivduo em sua totalidade, levando-se em

    conta os aspectos: fsico e motor (crescimento orgnico e maturao); intelectual (aprendizagem, pensamento e raciocnio); afetivo emocional (como o indivduo adquire e interage com as experincias afetivas); e o social (o indivduo em relao com as outras pessoas), desde o nascimento at a idade adulta, quando atinge o completo grau de maturidade e estabilidade (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1997).

    A Psicologia do Desenvolvimento Humano um dos pontos de partida

    importantes para a compreenso dos fenmenos psicolgicos no esporte.

    Considerando a Psicologia do Esporte uma cincia aplicada para a melhoria do

    desempenho esportivo (FREITAS, 2005), vrios fatores, em permanente interao, que afetam o desenvolvimento humano, como as cargas genticas que estabelecem

    o potencial do indivduo, o crescimento fsico e os aspectos proprioceptivos, a

    maturao neurofisiolgica que proporciona a aquisio de informaes, o meio

    ambiente e a oferta de estmulos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1997) so fundamentais.

    O conhecimento desse quadro amplo, mas relevante para a compreenso do

    indivduo, torna indispensvel para a Psicologia do Esporte, como j destacavam Serenini e Samulski (1997).

    Outra interface da Psicologia do Esporte a ser destacada com a Psicologia

    da Aprendizagem. Existem muitas teorias de aprendizagem e o conjunto destas compe as cincias do comportamento humano, cujo foco da ateno dirigido para como as pessoas aprendem e a determinao das condies que so necessrias

    para esse objetivo (EYSENCK; KEANE, 1994). O educador tem um papel primordial nesse processo ao desenvolver o

  • 31

    conhecimento, as habilidades e atitudes que permeiam cada uma das teorias dessa

    rea da Psicologia. O aluno, o professor e a situao de aprendizagem so os

    elementos centrais do aprendizado escolar. So equivalentes ao atleta ou no atleta,

    o tcnico e a situao de aprendizagem esportiva.

    As vrias teorias de aprendizagem tm como ponto de partida que o aprendiz

    um elemento ativo que busca o conhecimento dentro de um contexto significativo.

    Para haver a aprendizagem, a inteligncia, as habilidades e a construo do

    conhecimento so elementos importantes, mas tem que incluir a identificao

    pessoal e a relao por meio da interao entre as pessoas, para que o aprendizado

    se torne mais significativo.

    Nessa perspectiva, o interesse e a motivao so fundamentais para o

    aprendizado para que se obtenha um bom resultado (ROGERS, 1971). Vygotsky (1986), em sua teoria scio-cultural da aprendizagem, props que o

    desenvolvimento no precede a socializao. As estruturas sociais e as relaes

    sociais levam ao desenvolvimento das funes mentais. Nessa teoria, h um

    destaque para como o conhecimento surge primeiramente no grupo para depois ser

    interiorizado Quando os signos culturais so internalizados pelo sujeito quando esses adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada

    (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1991). O indivduo deve estar inserido em um grupo social, aprendendo o que o grupo produz.

    A experincia cognitiva caracterizada por um processo de integrao no

    qual os conceitos novos se integram com os j existentes, incorporando o novo material e, ao mesmo tempo, modificando-se (AUSBEL et al., 1990).

    Reconhece-se, dessa maneira, que as pessoas, em especial as crianas,

    aprendem por meio de aes partilhadas mediadas pela linguagem e pela instruo,

  • 32

    fazendo com que a interao entre adultos e crianas, e entre as crianas, seja fundamental na aprendizagem. A Psicologia da Aprendizagem, aplicada educao

    e ao ensino, busca valorizar a interao entre professor e alunos e o

    desenvolvimento conseqente de um saber e da cultura que assim vo se

    acumulando (POZO, 1998). Nessa interseco entre esporte, educao e aprendizagem esto localizados

    os estudos sobre interao de tcnicos e atletas, aquisio de valores como normas,

    condutas e regras, o fair-play, auto-estima e o planejamento do treinamento esportivo de longo prazo.

    Erikson (1976) aponta o perodo entre 13 a 18 anos do desenvolvimento como o estgio de aquisio versus confuso de identidade, quando o indivduo

    adquire sua identidade psicossocial: o adolescente necessita entender o seu papel

    no mundo, ao mesmo tempo em que obtm a conscincia de sua singularidade. Tal

    confuso apontada pelo autor como algo importante, pois a partir dela, recapitula-

    se e redefinem-se os elementos da identidade j adquiridos (BEE, 1997). A aquisio dessa uma nova identidade permite que os indivduos se identifiquem com

    grupos diferentes do ncleo familiar.

    Considerando que o grupo esportivo pode representar esse grupo de

    identificao distinto do ncleo familiar, o tcnico que coordena a prtica esportiva,

    assim como os professores das escolas, parecem ento representar um papel

    importante no desenvolvimento da criana e dos adolescentes em formao

    esportiva.

    Essa seria uma interface da Psicologia Esportiva com a Psicologia

    Escolar/Educacional que trata dos mtodos pedaggicos do ensino de uma

    determinada habilidade motora (BARRETO, 2003). De um modo mais amplo, a

  • 33

    interseco pode se ampliar com a rea da Psicologia da Aprendizagem como j destacado, que alm dos mtodos de ensino estuda as formas como o aprendizado

    ocorre (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA; 1997). Prosseguindo nos fundamentos da Psicologia da Aprendizagem que fazem

    interface com a Psicologia do Esporte, destacaremos o enfoque da abordagem

    behaviorista e dos estudos comportamentais.

    Pereira (2003) discute essa interseco que tem permeado o trabalho e as pesquisas de muitos profissionais em Psicologia do Esporte a partir da dcada de

    1980, como tambm assinalam Robins, Gosling e Craik (1999), apontando a dominncia do paradigma do behaviorismo em muitos desses campos de interesse.

    H um olhar diferenciado dos comportamentos decorrentes das funes

    cognitivas e emocionais visando a melhoria do comportamento esportivo, por meio

    de estudos de variveis como ansiedade e estresse.

    Dessa forma, as tcnicas e estratgias em anlise experimental do

    comportamento esto sendo cada vez mais aplicadas para o desenvolvimento das

    competncias que envolvem a parte tcnica, ttica, fsica e psicolgica, que no seu

    conjunto influenciam o desempenho esportivo. . Cillo (2000), ao discutir as caractersticas do treinamento sob esse enfoque,

    destaca a importncia dos tcnicos serem conscientizados para o uso de

    procedimentos especficos de modificao do comportamento cuja efetividade tem sido demonstrada em inmeras outras reas da Psicologia.

    Acrescenta ainda, que o automonitoramento e a avaliao dos prprios

    comportamentos do tcnico durante e depois das aplicaes das tcnicas de anlise

    comportamental, o conduz a uma atuao mais eficaz e estabelece ainda uma

    relao positiva entre a utilizao desses procedimentos e comportamentos

  • 34

    esportivos de bons resultados individuais e de grupo.

    A Psicologia Clnica outra rea da Psicologia que tem trazido as suas

    contribuies para a Psicologia do Esporte. Aqui so includos os estudos nos

    campos da ansiedade, estresse, biofeedback e o que se relaciona com os campos

    da sade psquica na prtica esportiva competitiva e no competitiva.

    Consultando o Diretrio dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPQ

    (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) encontramos a linha de pesquisa denominada Psicologia Clnica do Esporte. Partindo do princpio

    de que o procedimento em Psicologia Clnica uma maneira de escutar e olhar o

    fenmeno humano, os pesquisadores desse grupo (Observatrio de Psicologia do Esporte) desenvolvem estudos que objetivam a organizao de procedimentos de interveno no esporte com os recursos da rea (http://dgp.cnpq.br).

    Retomando a formao dos grupos e a incluso dos indivduos nessa unidade

    social, um dos objetivos da Psicologia do Esporte a compreenso dos comportamentos que se manifestam dentro de determinados grupos e os tipos de

    aprendizagem importantes ocorridos por meio dos grupos esportivos (MOSQUERA, 1984). Assim se estabelece a interface da Psicologia do Esporte com a Psicologia Social.

    Em geral, a compreenso do desenvolvimento de uma pessoa tem como

    base a identificao das mudanas de padres advindos da idade, ou levando-se

    em conta as experincias individuais, influenciadas pelas variaes ambientais.

    Existe, no entanto, a necessidade de entendimento dos modelos sociais pelas quais

    as experincias foram passadas, para que se possa compreender o indivduo atleta

    com o qual se est trabalhando e a sua influncia no grupo esportivo no qual est

    inserido. A relao da Psicologia do Esporte com a Psicologia Social auxilia a uma

  • 35

    melhor compreenso desse processo de formao, da coeso dos grupos esportivos

    e da identidade psicossocial.

    De acordo com Martins (2003) os autores, em geral, definem grupo como sendo uma unidade que se forma quando h uma interao entre os indivduos que

    compartilham algumas normas e objetivos. Paiva (2005) cita os autores Tajfel (1972, 1981) e Turner (1985, 1987) que definiram a compreenso da identidade psicossocial como a noo que o indivduo adquire de pertencer a um grupo a partir

    de categorizaes que provoca a distino inter grupos, isto , identificao com as

    caractersticas existentes em um grupo e no existentes em outro.

    Ainda em relao ao estudo de grupos, Albuquerque et al. (2005) citam Myers (2000) que discute as ocorrncias de uma identificao grupal:

    identificao cultural do sujeito com o grupo.

    o sujeito pessoalmente tem uma forte identificao com o grupo.

    uma situao de conflito ameaa a identidade de um grupo de status

    incerto e provoca identificao e coeso grupal.

    Um grupo de atletas tem a sua identidade a ser considerada no trabalho de

    treinamento da equipe e que consequente das percepes sociais de seus

    integrantes, da comunicao por eles estabelecida e dos papis sociais

    estabelecidos. So todos conceitos inerentes Psicologia Social e que o psiclogo

    do esporte tem que incluir em seu trabalho, alm do estudo das emoes, das

    crenas e dos estilos comportamentais que se formam ao longo do desenvolvimento

    dos atletas e suas relaes sociais.

    A prtica do esporte facilita os relacionamentos interpessoais, aspecto esse

    de grande importncia para a evoluo do atleta, em especial, nos esportes

    coletivos (EPIFHANIO, 2005). Primordialmente, o esporte envolve interao social

  • 36

    com o tcnico e atletas, e sofre influncia dos pais, familiares, torcedores,

    telespectadores e da mdia, com as variveis torcidas, violncia, agresso e

    cooperao. Todos esses temas tm na Psicologia Social o campo mais amplo e

    favorvel para os estudos dos comportamentos e da experincia social. Mostram-se,

    portanto, como fundamentais para a ampliao de conhecimento na Psicologia do

    Esporte, como discute Sousa Filho (2000). A Psicologia Social do Esporte e Estudos Socioculturais do Movimento

    Humano outra linha de pesquisa do CNPQ. Os estudos e pesquisas desse grupo

    (grupo de Estudos Olmpicos) partem da perspectiva social para a compreenso do fenmeno esportivo contemporneo. Ampliam as questes que envolvem

    essencialmente as habilidades dos esportistas e os situam em um contexto social

    (http://dgp.cnpq.br). As relaes destacadas neste captulo no esgotam a questo. Apenas do

    um destaque para a sua complexidade e a importncia de que a atuao em

    Psicologia do Esporte h vrios referenciais que os profissionais tm buscado.

    Seja o fenmeno esportivo visto a partir de seus elementos internos de desenvolvimento psicolgico e externo, inerentes formao nos grupos, o

    conhecimento a ser construdo vasto e que ainda carece de maiores estudos.

    Kremer e Scully (1994) j apontavam como o conhecimento do esporte dentro da Psicologia significativo para a rea, reforando a preocupao constante com a

    formao e reconhecimento crescente do futuro profissional.

    A proposta deste captulo foi de indicar algumas das inseres tericas que

    delimitaram e delimitam o campo de atuao em Psicologia do Esporte, ao mesmo

    tempo em que ampliam o conhecimento da Psicologia do Esporte.

    Ratificando. Este captulo no esgota a questo e nem foi essa a inteno.

  • 37

    Objetivou destacar a importncia das interfaces da Psicologia do Esporte com uma ampla gama de reas de conhecimento da Psicologia para a compreenso do

    fenmeno esportivo, como destaca Rbio (2004). Os recortes feitos procuram apresentar como alguns pesquisadores utilizaram e discutem o conhecimento da

    Psicologia para a produo de um conhecimento em Psicologia do Esporte.

    1.2 APRESENTANDO O ESPORTE: HISTRICO E FORMAO DOS ATLETAS E TCNICOS NA LINHA DO TEMPO

    Iniciamos com a apresentao da origem do esporte com o recuo nos tempos

    pr-histricos, quando o homem utilizava manifestaes corporais para rituais de

    reverncia, proteo e comemorao dos fenmenos da natureza, encantadores e

    aterrorizantes, dependendo das circunstncias.

    Nesse sentido, as competies que avaliavam fora, rapidez, velocidade e

    habilidade consistiam em prticas esportivas com objetivos ritualsticos: o salto em altura correspondia ao crescimento das espigas de milho, o jogo de futebol servia para espantar os maus espritos, enquanto que os rituais de velocidade valorizavam

    a plenitude da vida juvenil (RBIO, 2001). Machado (2006) aponta que existem indcios de que o Egito foi o bero das

    primeiras manifestaes atlticas, mas que a Grcia, com os seus jogos atlticos, pode ser considerada a principal referncia sobre a origem das prticas esportivas.

    Os gregos foram os primeiros povos europeus a atingir alto grau de civilizao

    e so considerados os pioneiros na sistematizao da prtica do esporte. Nenhuma

    outra cultura exerceu tanta influncia sobre o mundo ocidental como a grega.

    A Grcia localizada em meio ao mar Mediterrneo ficava em uma posio

    privilegiada entre as rotas comerciais e martimas. Constantemente em guerras pelo

  • 38

    domnio territorial, era necessrio ter homens capazes de defender suas cidades e,

    ao mesmo tempo, que conduzissem a agricultura, j que a topografia de sua regio no permitia o uso de animais, a fora humana predominava (MACHADO, 2006).

    Fortaleceu-se a imagem do homem guerreiro com profundo respeito s foras

    da natureza e dos deuses que as controlavam, os quais o povo grego era

    dependente em sua vida diria (MACHADO, 2006). No incio e por um longo perodo da histria, os Jogos eram manifestaes

    espordicas associados a rituais fnebres. Posteriormente, com um carter religioso

    incorporado a eles com o objetivo de homenagear divindades em troca de proteo, passaram a ter uma periodicidade definida, fazendo com que os eventos

    adquirissem cada vez mais prestgios (MACHADO, 2006). Em rituais religiosos o homem buscava transcender a condio de humano na

    tentativa de se aproximar dos deuses. Uma maneira encontrada foi por meio das

    demonstraes de destrezas fsicas em jogos atlticos. Essas manifestaes serviam para enaltecer a juventude que tinha a posse

    de um corpo capaz de resistir a todas as formas de disputa, seja na pista de corridas ou na fora fsica. A perfeio para essa sociedade representava a aproximao

    com Deus, sendo que um corpo esteticamente belo era to importante quanto uma

    mente brilhante na busca da divindade (MACHADO, 2006). Para os gregos, as participaes nas guerras e nos Jogos determinavam a

    notoriedade das pessoas pelo vigor fsico, feitos e inteligncia (RBIO, 2001). Assim foi atribuda a condio de heri ao mortal que realizava essa tarefa digna dos

    deuses, associando em suas conquistas a fora, a coragem e a astcia. Pelos

    desempenhos atlticos vitoriosos, os indivduos eram comparados aos heris

    mticos (RBIO, 2001).

  • 39

    O mito do heri, segundo Henderson (1990), o mais comum e conhecido em todo mundo. Pode ser encontrado na mitologia clssica da Grcia e Roma, nos

    contos da Idade Mdia, nas fbulas do extremo oriente e entre as tribos primitivas

    contemporneas.

    a histria do heri de nascimento humilde, que apresenta uma fora extrema de modo precoce. Este batalha triunfante contra as foras do mal e passa

    pelo declnio devido a uma traio ou sacrifcio herico, acarretando em muitos

    casos em morte.

    O grupo dos heris, seres humanos que mais se assemelham aos deuses, foi

    revelado em tempos de guerras e das grandes dificuldades na Grcia (MACHADO, 2006). Posteriormente, esses heris foram vinculados aos eventos atlticos que eram realizados para aproximar o ser humano da divindade. A associao entre

    heri e atleta permaneceu historicamente sustentando o imaginrio de todas as

    pessoas (RBIO, 2001). Os jogos atlticos eram celebrados em Delfos, Corinto e Nemia, mas foi em

    Olmpia, um santurio sagrado localizado s margens do rio Alfeu, que se realizaram

    as maiores manifestaes sociais, polticas e esportivas da antiguidade (MACHADO, 2006).

    Por volta de 776 antes de Cristo (a.C.) foi organizado o primeiro Jogos Olmpicos com periodiocidade quadrienal, passando-se a fazer os registros

    ininterruptos dos vencedores das disputas competitivas. O prmio era uma palma ou

    coroa de oliveira (rvore smbolo da Grcia, que representava proteo), alm de outras recompensas de sua cidade, para a qual a vitria representava uma grande

    glria (RBIO, 2001). De volta terra natal, os vitoriosos eram acolhidos de modo festivo, podendo

  • 40

    inclusive terem iseno de impostos, penso vitalcia e alimentao gratuita pelo

    resto de suas vidas. A homenagem podia consistir at na construo de uma esttua

    pelo feito conquistado e poemas escritos por Pndaro, poeta lrico que produziu

    diversas obras, destacando-se hinos em louvor s vitrias de atletas gregos (RBIO, 2001).

    Devido importncia social dos Jogos, os participantes eram motivo de

    orgulho para suas famlias. Recebiam um cuidado extremo com o corpo fsico e

    freqentavam, com privilgio, os ginsios estatais, lugares que proporcionavam as

    condies necessrias de treinamento e repouso (MACHADO, 2006). A prtica de atividades fsicas nas escolas tambm era um meio de

    desenvolvimento corporal de suma importncia. Alm de defender suas cidades nas

    guerras, os jovens gregos tinham que representar suas regies nos jogos que disputavam. A educao completa do cidado envolvia aulas de msica, tica,

    poesia e a prtica de atividades corporais (MACHADO, 2006). Para Jaeger (2003) apud Machado (2006) essa educao tinha incio desde o

    nascimento com os pais e a ama, que ensinavam valores de justia (justo e injusto) e esttica (belo e o feio), e continuava nas escolas, com a aprendizagem de ordem, leitura, escrita, manejo da lira, poemas e msica.

    Mais tarde eram introduzidos os estudos dos poemas lricos e ritmos, Seguia-

    se ento a educao realizada pelos Paidotribas (educadores) que ensinavam nas escolas a ginstica para o fortalecimento do corpo e preparo para as guerras e

    jogos. A educao grega, de certa forma, preparava os jovens com base nos ideais

    originados dos Jogos, isto , na busca de um homem equilibrado e perfeito dentro

    dos princpios da virtude (aret) e na busca da excelncia que era a aproximao

  • 41

    com os deuses, assim transcendendo sua condio de ser humano (RUBIO; CARVALHO, 2005).

    Com a popularizao dos Jogos atlticos, a educao passou a ser baseada

    nos princpios da kalocagathia, que segundo Machado (2006), um desdobramento dos princpios da aret, mas com uma maior nfase ao corpo.

    Na prtica da atividade fsica estava a base para tornar o corpo belo e, em

    consequncia, educar o esprito (JAEGER, 2003, apud MACHADO, 2006). Os jovens eram educados em suas cidades e buscava-se um nvel de

    formao atltica ideal e competitiva. Realizam treinamentos pelo menos dez meses

    ao ano e por um ms permaneciam nas Elis, local onde eram treinados pelo

    Helandicas (rbitros das competies), que aprovavam ou no as participaes nos eventos a serem realizados (DURANTEZ, 1979; MUNGUIA, 1992 apud MACHADO, 2006).

    No perodo ureo dos Jogos Olmpicos por volta do sculo VI a.C. o objetivo da educao no era selecionar um heri e sim formar uma cidade inteira de heris

    e de soldados dispostos da lutarem pela ptria (MACHADO, 2006, p.93). A decadncia dos Jogos Olmpicos da Era Antiga comeou por volta do

    sculo IV a.C. atribuda ao declnio dos valores simblicos e religiosos a eles

    inerentes.

    A importncia extrema concedida s prticas atlticas, em detrimento aos

    outros valores humanos, e o desejo exclusivo pela vitria a qualquer custo buscando honras e premiaes materiais feriam os conceitos de formao e perfeio humana

    em sua totalidade (MUNGUIA, 1992 apud MACHADO, 2006). Os Paidotribos educadores responsveis pela ginstica nas escolas e

    considerados treinadores estatais foram substitudos pelos treinadores particulares

  • 42

    que tornavam os atletas cada vez mais especialistas em provas especficas

    (MACHADO, 2006). Quando os romanos invadiram e dominaram a Grcia, por volta do sculo II

    a.C., o esprito original dos Jogos de integrao entre corpo e alma, em reverncia

    ao divino, foi aos poucos sendo deixado de lado. As disputas, antes cordiais,

    passaram a serem encaradas como combates.

    O pblico preferia a exibio de violncia, em especial a luta corporal. Os

    jogos e competies tinham carter marcadamente militar. A principal diferena entre a atitude grega e a romana era que os gregos organizavam seus jogos para os atletas e os romanos para o pblico. Os Jogos foram perdendo seu sentido original

    de carter religioso, para se tornar apenas uma diverso e entretenimento

    (BARROW; BROWN, 1988 apud MACHADO, 2006). Em 393 depois de Cristo (d.C.) o imperador romano Teodsio I extinguiu os

    Jogos em nome do cristianismo, por consider-los festas pags. Para Capinussu

    (2007) a completa distoro dos valores dos Jogos fez com que Teodsio I, seguidor da doutrina neo-platonista, proibisse a realizao dessas festividades, pois

    condenava o culto ao corpo.

    A partir desse perodo e durante toda a Idade Mdia, principalmente com a

    ascenso do cristianismo, o culto ao corpo era um verdadeiro pecado e, em

    consequncia, o esporte foi pouco praticado (MACHADO, 2006). A atividade fsica passou a ser utilizada somente em preparao militar das

    pessoas que participariam das Cruzadas e as guerras santas organizadas pela

    igreja durante os sculos XI, XII e XIII d.C. (CAPINUSSU, 2005). Alm dos exerccios fsicos requisitados pelos militares, durante a Idade

    Mdia so encontrados registros de uma prtica fsica por meio da esgrima, arco e

  • 43

    flecha, equitao e corrida, restritas apenas para a nobreza. Tambm eram

    promovidos os Torneios e Justas, jogos que tinham como objetivo enaltecerem a bravura, a lealdade e o esprito cavalheiresco (CAPINUSSU, 2005), mas que no possibilitaram um maior desenvolvimento do esporte (MACHADO, 2006).

    O perodo da Idade Mdia se encerrou por volta do sculo XV d.C., dando

    incio Idade Moderna a partir do Renascimento (ou Renascena), um perodo histrico caracterizado por uma ampla gama de transformaes culturais, sociais,

    econmicas, polticas e religiosas ocorrida na transio do feudalismo para o

    capitalismo.

    Durante a Renascena, o referencial humanista (antropocentrismo) fez explodir novamente a cultura fsica do ser humano proibido pelo cristianismo durante

    a Idade Mdia. A beleza do corpo, antes pecaminosa, era novamente explorada,

    surgindo grandes artistas como Da Vinci e Michelangelo (OLIVEIRA, 1983). Foi nesse perodo que surgiram os primeiros destaques nos estudos da

    anatomia humana e, em consequncia, o crescente interesse no desenvolvimento

    do indivduo em sua totalidade incluindo os ensaios sobre os movimentos.

    Considerado um dos referenciais da anatomia moderna, o mdico Andr

    Vesalius publicou em 1543 o atlas da anatomia humana, Human Corporis Fabrica.

    Os artistas como Da Vinci e Michelangelo realizavam estudos do corpo humano para

    usar em suas obras, em busca da simetria de um corpo belo e perfeito (ASSIS, 2007). O pensamento cartesiano contribuiu para uma nova abordagem do corpo; Descartes considerou o homem constitudo de duas partes, pensamento (natureza espiritual) e corpo (natureza material) que influenciou vrios pensadores da era moderna (NARCIZO, 2006).

  • 44

    O Renascimento e Idade Moderna foram marcados por transformaes na

    concepo do corpo. O novo olhar do homem para o mundo dessacralizado, o

    componente religioso substitudo pela natureza fsica e biolgica do corpo, agora

    objeto da cincia (NARCIZO, 2006). Para Oliveira (1983), o Humanismo renascido e inspirado nas obras da

    Antiguidade voltou a valorizar novamente o belo corpo e a Educao Fsica tornou-

    se o foco dos intelectuais na tentativa de reintegrar o fsico e o esttico nos objetivos educacionais.

    Para os pedagogos renascentistas, segundo Bononino (1931) apud Arantes et al. (2001, p.78), todos os exerccios e as atividades que desenvolvessem as faculdades fsicas e as energias morais do homem eram considerados meios

    educativos destinados as crianas e aos jovens. Essas atividades se tornavam mais complexas medida que as crianas cresciam, o que representava uma

    preocupao em destaque com o desenvolvimento biolgico (orgnico) dos indivduos (ARANTES et al., 2001).

    Na metade do sculo XVIII ocorreu um movimento intelectual filosfico

    nomeado de Iluminismo, que enfatizava a razo e a cincia como formas de explicar

    o universo. Rousseau, apud Arantes et al. (2001), um dos principais filsofos do Iluminismo, props a Educao Fsica como algo necessrio na educao infantil. A

    educao deveria formar o homem. A prtica dos exerccios fsicos, a alimentao e

    o ambiente saudvel foram considerados elementos essenciais para a sade e o

    desenvolvimento corporal.

    Para Rosseau, assim como para Pestalozzi (sucessor das obras de Rosseau), prosseguem os autores, acreditava que o desenvolvimento essencialmente orgnico e, portanto, que existia uma determinao biolgica e

  • 45

    gradativa no desenvolvimento infantil (NICOLAU, 1989). Essas caractersiticas consideradas inatas deveriam ter um ambiente propcio

    para se desenvolverem em sua plenitude e o professor (educador) era apontado como o principal responsvel pelo processo em manter o corpo forte para uma

    mente saudvel (NICOLAU, 1989). Com o idealismo de um estado democrtico que poderia garantir uma

    igualdade social, Rosseau (1979/2004) defendia o direito da educao para todos. Incluia a Educao Fsica que proporcionava o bom funcionamento da mente:

    Para aprender a pensar preciso, portanto, exercitarmos os nossos membros, nossos sentidos, nossos rgos, que so instrumentos de nossa inteligncia; para tirar todo o proveito possvel desses instrumentos preciso que o corpo que os fornece seja forte e so (ROUSSEAU, 1979/2004, p.121).

    O Iluminismo foi sobretudo intenso na Frana, onde influenciou a Revoluo

    Francesa com o lema liberdade, igualdade e fraternidade. No Antigo Regime (antes da revoluo), a sociedade era dividida em clero, nobreza, burguesia e os trabalhadores da cidade e do campo.

    Com o fim dessa estrutura, por consequncia da revoluo, os burgueses

    tiveram liberdade comercial para ampliarem significativamente seus negcios, uma

    vez que eliminado o absolutismo real, foram tirados no s os privilgios do clero e

    nobreza, como tambm permitiram aos burguesas as prticas mercantilistas que

    antes eram proibidas para a classe (GRESPAN, 2003). Essa nova estrutura social promoveu o progresso comercial e urbano,

    fortalecendo uma organizao poltica, econmica e social nomeada de Capitalismo.

    A estrutura capitalista surgiu antes mesmo das revolues promovidas pela

    burguesia. Suas caractersticas aparecem no final da Idade Mdia com a decadncia

  • 46

    do feudalismo e o centro da vida social e econmica transferidos dos feudos para as

    cidades. Ao mesmo tempo, o Mercantilismo em busca de ouro, prata, especiarias e

    matria prima que no eram encontradas na Europa, enriqueciam essas metrpoles.

    Muitos autores classificam essa fase como pr-capitalismo ou capitalismo comercial.

    A segunda fase capitalista caracterizada pela Revoluo Industrial, iniciada

    na Inglaterra, que se constituiu em uma srie de mudanas tecnolgicas nos

    processos produtivos que interferiam nas estruturas scio-econmicas da poca.

    O esporte contemporneo apresentado, praticado e difundido nos dias de

    hoje tem a sua origem no seio da sociedade urbana e industrial do sculo XIX, evoluindo e estruturando-se de acordo com o desenvolvimento do capitalismo

    mundial. Com isso, assumiu algumas formas e contedos que refletem

    essencialmente a ideologia burguesa (PRONI, 2002). De acordo com Tubino (1992, 1999), o primeiro registro da concepo de

    esporte moderno datada em 1828, Inglaterra, por Thomas Arnold, diretor do

    Colgio Rugby. Ele utilizou os jogos fsicos praticados pela aristocracia e pela burguesia, transformando-os em mtodos educativos de fair play (atitude cavalheresca), de respeito s regras, adversrios e arbitragens.

    A idia de Arnold se estendeu para alm dos muros escolares e por toda a

    Europa. Com a popularizao mundial dessa prtica esportiva, surgiram os clubes,

    associaes e federaes com o objetivo de coordenarem e regulamentarem a prtica e a competio (BHME, 2003).

    O esporte amador praticado nas escolas particulares inglesas, tornou-se no

    final do sculo XIX proletarizado e profissionalizado (HOBSBAWN,1984). Assim como no Grcia Antiga na qual as atividades corporais eram

    associadas educao, o esporte moderno tambm possuiu esse vnculo inicial. No

  • 47

    entanto, conforme atendia s necessidades sociais da poca, as atividades foram

    cada vez mais direcionadas para suprirem as demandas de defesa do Estado e ao

    aumento da produo capitalista (RBIO, 2001). O esporte moderno passou a ser metfora dos jogos capitalistas, voltados

    para a formao fsica e moral daqueles que iriam explorar e colonizar o mundo.

    Esses futuros lderes, por meio dos jogos, aprendiam noes de liderana, lealdade, cooperao, autodisciplina, iniciativa e tenacidade (RBIO, 2001).

    Brohm (1982) apud Proni (2002) considera que o esporte moderno foi organizado em torno da ideologia do capitalismo industrial, possuindo nfase no

    mximo rendimento, na especializao do trabalho e no movimento corporal

    robotizado. Servia ainda de aparelho ideolgico do Estado, que por meio dos

    espetculos, distraiam as massas com o intuito de desviar a ateno dos adultos da

    prtica poltica consciente.

    Nessa ideologia do capitalismo industrial de produo de um produto, o

    treinamento esportivo adquire um carter importante j que representa o principal meio de formao dos atletas competitivos.

    Para Dantas (1995) a evoluo do treinamento esportivo est relacionada histria dos Jogos Olmpicos dividindo-se em sete perodos:

    da arte (I Olimpada da antiga Grcia/778 a.C. at a I Olimpada da era Moderna/1886).

    da improvisao (de 1886 at 1920 na Anturpia).

    do empirismo (de 1920 at 1952 em Helsinque).

    do perodo pr cientfico (de 1952 at 1964 em Tquio).

    do cientfico (de 1964 at 1980 em Moscou).

    do tecnolgico (de 1980 at 1992 em Barcelona).

  • 48

    o perodo de marketing esportivo, at os dias atuais.

    Os Jogos Olmpicos foram proibidos por Teodsio em 393 d.C. Mas no final

    do sculo XIX, o francs Pierre de Frdy, conhecido como Baro de Coubertin,

    iniciou um movimento para a restaurao do evento extinto pelo Imprio Romano,

    retomando o iderio humanista de que o esporte poderia estimular as relaes

    humanas, valorizar a competio leal e sadia, o culto ao corpo e a atividade fsica.

    Em 1896, como resultado desse trabalho, foram realizados os I Jogos

    Olmpicos da Era Moderna (RUBIO, 2001; BHME, 2003). Assim, como os Jogos Olmpicos realizados na Grcia Antiga, esse evento idealizado por Coubertin ocorreu

    de quatro em quatro anos e em toda a histria (de 1892 a 2008) s foi cancelado trs vezes devido s guerras mundiais.

    Embora as idias defendidas por Coubertin fossem norteadas pelo ideal dos

    Jogos da Grcia antiga, Rubio (2001, p.133) considera que os Jogos da era moderna seguiram as tendncias internacionais ditadas pelos interesses que

    despertavam no momento, ou seja, em um cenrio capitalista, o amadorismo que foi um dos fundamentos do movimento olmpico da era moderna, aos poucos foi

    esquecido e substitudo pela profissionalizao dos atletas.

    Durante o sculo XX, a estrutura socioeconmica e cultural estabelecida pelo

    Renascimento e Iluminismo, alm das Revolues Francesa e Industrial, trouxeram

    transformaes ao papel do atleta que antes era praticante da atividade de forma

    amadorstica e que passou a assumir um papel de profissional, com habilidades e

    competncias especficas, desenvolvidas, praticadas e avaliadas dentro de um

    espao e tempo mensurveis (RUBIO, 2001). Acrescentam-se ainda as transformaes mundiais que ocorreram nos

    perodos de guerra e ps-guerra e as influncias sobre o esporte. A Primeira Guerra

  • 49

    (1914-1918) e, principalmente, a Segunda Guerra e a Guerra Fria trouxeram avanos tecnolgicos utilizados a favor dos atletas para melhoria do rendimento

    esportivo.

    As guerras se associaram s disputas polticas e de poder que tambm

    ressoaram no cenrio esportivo. Na Grcia Antiga os Jogos representavam perodos

    de trguas nas guerras e conflitos, mas os Jogos Olmpicos da era moderna foram

    interrompidos devido s Grandes Guerras. Sofreram boicotes dos Estados Unidos e

    da Unio Sovitica durante a dcada de 1980, com uma clara indicao de que o

    movimento olmpico no era apoltico como defendido por alguns (RUBIO, 2001). O perodo da Guerra Fria, caracterizado pelas disputas estratgicas e

    conflitos indiretos entre Estados Unidos e Unio Sovitica, pode ser destacado como

    exemplo de como o esporte e poltica possuem uma relao estreita.

    Segundo Bracht (2002, p.197) [...] o movimento olmpico foi o principal responsvel pela aderncia da categoria da nao ao esporte o que favoreceu com

    que os Jogos Olmpicos fossem um local de batalha entre as naes, substituindo-

    se assim os confrontos das guerras.

    Como a Guerra Fria se caracterizou pelas batalhas indiretas, a tecnologia e a

    cincia aplicadas no atleta para maximizar o desempenho esportivo substituram os

    armamentos blicos e as disputas por medalhas puderam ser as representaes do

    domnio territorial.

    O esporte contemporneo teve, portanto, o seu desenvolvimento no sculo

    XIX, sofrendo grandes influncias desse perodo histrico e principalmente das

    guerras, mas acumulando tambm influncias de todas as outras culturas das

    pocas em que as atividades fsicas e atlticas estiveram presentes. Desde os

    rituais pr-histricos at a prtica de alto rendimento dos tempos modernos.

  • 50

    Hoje o esporte um fenmeno construdo, desenvolvido e modificado pelas sociedades (RUBIO, 2002), adquirindo e refletindo os valores dos grupos sociais de cada perodo histrico. Em consequncia, os atletas protagonistas da prtica

    esportiva atual, so personalidades que representam vrios papis: heris,

    guerreiros, aprendizes, artistas, produtos e esportistas, que juntos, formam o conceito do atleta contemporneo. Um misto de todas as influncias possveis e

    inerentes sua constituio.

    No obstante, a predominncia de um papel sobre o outro, a classe de heris

    e no aprendizes, ou de guerreiros e no artistas dependem fundamentalmente de

    conquistas e vitrias.

    A meta de vencer ou vencer o objetivo a ser atingido nos esportes de competio no mundo atual. Diferentemente do que proclamava o Baro Coubertin

    quando dizia que o importante no era a vitria, mas a competio em si. A

    modificao imposta a base do espetculo exigido pelo esporte durante os tempos

    e at pelos reflexos dos valores da sociedade atual.

    So as vitrias e conquistas que conferem aos atletas, como na prpria

    histria do esporte, o papel de celebridades. Aqueles que alcanam o primeiro lugar

    so valorizados e suas proezas enaltecidas. Na persistncia, ao perseguirem seus

    objetivos, essas pessoas so com