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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM RAIONARA CRISTINA DE ARAÚJO SANTOS TRÂNSITO DE SABERES E CAMPO REPRESENTACIONAL NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE DA FAMÍLIA E DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PELO TRABALHO E PARA A SAÚDE NATAL - RN 2010

Dissertaçao do Mestrado Acadêmido de Raionara

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  • 0

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM

    RAIONARA CRISTINA DE ARAJO SANTOS

    TRNSITO DE SABERES E CAMPO REPRESENTACIONAL NA VISO DOS

    PROFISSIONAIS DA SADE DA FAMLIA E DO PROGRAMA DE EDUCAO

    PELO TRABALHO E PARA A SADE

    NATAL - RN

    2010

  • 1

    Raionara Cristina de Arajo Santos

    TRNSITO DE SABERES E CAMPO REPRESENTACIONAL NA VISO DOS

    PROFISSIONAIS DA SADE DA FAMLIA E DO PROGRAMA DE EDUCAO PELO

    TRABALHO E PARA A SADE

    Orientador: Prof. Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda

    NATAL - RN

    2010

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

    inserida na rea de concentrao Ateno Sade, linha de

    pesquisa Enfermagem na sade mental e coletiva, grupo Aes

    promocionais e de assistncia a grupos humanos em sade

    mental e coletiva, como requisito para obteno do ttulo de

    Mestre em Enfermagem.

  • 2

    Diviso de Servios Tcnicos

    Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

    Santos, Raionara Cristina de Arajo.

    Trnsito de saberes e campo representacional na viso dos profissionais da Sade da

    Famlia e do Programa de Educao pelo Trabalho e para a Sade / Raionara Cristina de

    Arajo Santos. Natal, RN, 2010.

    152 f.: il.

    Orientador: Francisco Arnoldo Nunes de Miranda.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de

    Cincias da Sade. Programa de Ps-Graduao em Enfermagem.

    1. Ateno primria sade Dissertao. 2. Sade da famlia Dissertao. 3.

    Pessoal da rea mdica Dissertao. I. Miranda, Francisco Arnoldo Nunes de. II.

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.

    RN/UF/BCZM CDU 614.39(043.2)

  • 3

    RAIONARA CRISTINA DE ARAJO SANTOS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    (PGENF-UFRN), rea de concentrao Ateno Sade, linha

    de pesquisa Enfermagem na sade mental e coletiva, grupo

    Aes promocionais e de ateno a sade mental e coletiva,

    como requisito para obteno do Ttulo de Mestre em

    Enfermagem.

    Aprovado em: 27/10/2010

    Prof. Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda

    Orientador

    Departamento de Enfermagem da UFRN

    Profa. Dra. Antonia Regina Ferreira Furegato

    Avaliadora Externa

    Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto EERP/USP

    Profa. Dra. Cllia Albino Simpson

    Avaliadora Interna

    Departamento de Enfermagem da UFRN

    Profa. Dra. Maria Teresa Ccero Lagan

    Avaliadora Interna

    Departamento de Enfermagem da UFRN

  • 4

    Ao meu querido orientador, o Professor Francisco

    Arnoldo, que desde a graduao acreditou em mim,

    guiou-me, com pacincia, pelos caminhos da cincia e

    do conhecimento, puxou-me as orelhas nas horas em que

    precisei, consolou-me diante das adversidades, vibrou

    por minhas conquistas e hoje me auxiliou na

    concretizao de mais um sonho. Pra mim, o senhor

    mais que um orientador, um amigo e mestre a quem

    sempre serei grata e por quem tenho grande admirao!

  • 5

    Agradecimentos

    Ao nosso querido Deus, maior mestre de todos, por sua infinita bondade e amor em

    proporcionar-me a realizao de mais um sonho. Obrigada por toda paz, sade, amor, fora e

    insights que me ajudaram, grandemente, na construo desse trabalho.

    A mim, por que no?! Pela perseverana, luta e vontade, pelas noites de sono perdidas,

    pelos finais de semana abdicados em nome da construo de um trabalho que pudesse

    responder a algumas das inquietaes que fervilham em minha mente.

    minha me, Cristina, que apesar de, inicialmente, no compreender minha deciso

    em cursar o mestrado, foi imprescindvel para a minha educao e formao pessoal e

    profissional, pois se no fosse pelos seus esforos talvez eu seguisse a inrcia e a acomodao

    presentes no meio do qual sou proveniente.

    Ao meu pai, Silvan (in memorian), e minha av, Luzia (in memorian), que

    acompanharam de um outro ngulo os meus passos e que, tenho certeza, confortaram-me nos

    momentos de tristeza e desespero.

    Aos meus irmos, Raul e Rener, que tambm compartilharam da incompreenso de

    minha me, mas que ao final tambm me apoiaram. Vocs, pra mim, so exemplos de irmos

    e homens, pois desde cedo assumiram a responsabilidade e o cuidado da nossa famlia.

    Ao amor da minha vida, Marcelo, vulgo Todzinho, que me deu carinho, amor e

    incentivo em muitos momentos da minha trajetria. Obrigada por, diversas vezes, ouvir

    minhas lamentaes, fazer-me perceber a beleza da vida e a pequenez dos meus problemas,

    proporcionar-me momentos de extrema felicidade e no me deixar abater diante dos

    obstculos e dificuldades.

    Aos meus queridos amigos do 3 ano do Colgio Diocesano Seridoense, onde tudo

    realmente comeou.

  • 6

    s minhas grandes amigas Carla e Gisele (in memorian), eternas companheiras do

    incio da graduao em Campina Grande. Com vocs, comecei a compreender o significado

    da Enfermagem.

    Aos meus amigos maravilhosos de graduao da Universidade Federal do Rio Grande

    do Norte que me receberam e acolheram em seus crculos de amizade, Ana Elosa, Betsabia,

    Dbora, Emeline, Gislene, Maurian, Rafinha e, em especial, Isabelle, Tersila e Victor com

    quem estabeleci um vnculo fraterno maior. Todos vocs so pessoas inesquecveis em minha

    vida.

    minha amada turma de mestrado 2009.1, pelos momentos prazerosos de

    aprendizado e enriquecimento pessoal e profissional. Com vocs, compreendi o significado da

    palavra UNIO e que podemos construir uma sade melhor e mais humana, basta, pra isso,

    deixarmos de lado nosso orgulho e pensarmos no prximo. Obrigada, especialmente, pelos

    conselhos (Isabelle, Marlia e Maria Coeli), pela inspirao (Antnia Lria, Lorrayne, Palmyra

    e Maria da Guia), pela ajuda na construo de novos saberes (Aline, Anglica, Luciana e

    Neyse), pelas saidinhas (Diego e Thiago) e pela grande amizade (Arieli, Neyrian, Rafinha e

    Tarcy).

    minha querida amiga Glacia que esteve sempre por perto para me escutar e

    aconselhar.

    Aos docentes do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da UFRN, pelos

    ensinamentos, pacincia e dedicao, em especial s professoras Akemi, Bertha, Cllia,

    Raimundinha e Rejane Dawin, por quem tenho grande admirao.

    banca de qualificao e defesa pelas valiosas sugestes e contribuies.

    professora Regina Furegato e Gilda Pacheco, da Escola de Enfermagem de Ribeiro

    Preto (EERP-USP), pelo apoio na preparao do material para submisso ao ALCESTE.

    Aos funcionrios do departamento de Enfermagem da UFRN, em especial, Dona

    Graa, Joo, Mirtes, Sebastio e Xexeu que sempre trataram a todos com cordialidade e

    respeito.

  • 7

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior do Ministrio da

    Educao (CAPES), pelo apoio que tornou possvel a realizao deste mestrado.

    Secretaria Municipal de Sade de Natal e ao coordenador do PET-Sade de Natal

    por permitirem a realizao dessa pesquisa.

    s enfermeiras, aos mdicos e aos odontlogos participantes do estudo, sou

    extremamente grata pela forma como fui bem recebida por todos. Obrigada pelo trabalho que

    vocs desenvolvem na ateno bsica e espero que, aps essa pesquisa, o mesmo seja

    reconhecido e valorizado por todos.

    E a todos os demais que, direta ou indiretamente, fazem parte de minha histria. A

    todos vocs o meu muito OBRIGADA!

  • 8

    SANTOS, R. C. A. Trnsito de saberes e campo representacional na viso dos

    profissionais da Sade da Famlia e do Programa de Educao pelo Trabalho e para a

    Sade. 2010. 152 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2010.

    RESUMO

    A Estratgia de Sade da Famlia (ESF) emerge como uma possibilidade de reestruturao

    dos servios e de novas prticas de interveno na ateno sade, requerendo profissionais

    capacitados para atuarem nesse mbito. Para tal, foi institudo o Programa de Educao pelo

    Trabalho e para a Sade (PET-Sade), visando integrar aes ensino-servio, com foco na

    ateno bsica. Com base nisso, definiu-se como objetivo desse trabalho apreender a

    representao social do enfermeiro, mdico e odontlogo (preceptores do projeto PET-Sade

    Natal RN) sobre a ESF, enquanto campo de prtica dos mesmos. Estudo descritivo-

    exploratrio, de abordagem qualitativa, realizado em 07 Unidades de Sade da Famlia (USF)

    que integram o PET-Sade Natal (RN). A populao foi composta por 35 profissionais das

    equipes bsicas de nvel superior das USFs vinculadas ao referido projeto. A amostra

    consistiu em 05 enfermeiros, 05 mdicos e 05 odontlogos, perfazendo um total de 15

    sujeitos. Os dados foram coletados atravs de trs instrumentos: o desenho-estria com tema,

    a entrevista individual semi-estruturada e o dirio de campo. Os dados referentes

    identificao dos sujeitos foram digitados e tabulados pelo software Microsoft Excel verso

    2007. A anlise e interpretao dos desenhos deram-se pela significao atribuda ao recurso

    grfico a partir do ttulo e das palavras-chave atribudas pelos sujeitos, tendo a ESF como

    termo indutor. As estrias e entrevistas transcritas e digitadas foram submetidas

    leitura/escuta flutuante do material e anlise lxica do ALCESTE. Terminado esse processo,

    o material discursivo foi analisado e discutido mediante o recurso terico-metodolgico da

    Teoria das Representaes Sociais. A maioria dos profissionais era do sexo feminino, com

    idade entre 46 e 52 anos, casados, renda mnima de 6 salrios, tempo de formado entre 22 e

    29 anos e de trabalho na ESF variando de 02 a 11 anos. A partir do sistema de classificao

    do ALCESTE foram elegidas as categorias identificadas por: Categoria 1 ESF: relaes e

    territrio; Categoria 2 Formao e desenho do vnculo; Categoria 3 Processos de trabalho

    na ESF; Categoria 4 Articulao ensino-servio; Categoria 5 Ateno sade e preveno

    de doenas. A construo do campo representacional, enquanto processo, seguiu a lgica dos

    ncleos estruturantes existentes nas categorias. Nesse sentido, inferiu-se que a ESF um

    ambiente com potencialidades como a relao muito sujeito-sujeito e o vnculo

    estabelecidos entre profissional-comunidade, mas que tambm apresenta algumas fragilidades

    como precrias condies de trabalho, falta de participao popular e apoio da gesto, alm de

    dificuldades na realizao do trabalho em equipe. Sendo imprescindvel, para tal, a articulao

    ensino-servio com vistas formao de um novo profissional de sade apto para o trabalho

    na ESF. Nessa pesquisa, a formao do campo representacional encontrou uma diversidade de

    ncleos estruturantes, ou pensamentos em formao, acerca da ESF devido maior nfase

    dada ao aqui-e-agora da interao entre os profissionais de sade, a ESF, a comunidade, o

    PET-Sade e os discentes da UFRN, ressaltando-se que tais propostas ainda so conceitos

    considerados como recentes no contexto da sade e que, portanto, no esto totalmente

    concretizados no imaginrio social.

    Palavras-chave: Ateno primria sade; sade da famlia; recursos humanos em sade;

    educao em sade; pesquisa metodolgica em Enfermagem.

  • 9

    SANTOS, R. C. A. Knowledge in transit and representational field in the professional

    view of the Family Health and Education Programme for Work and Health. 2010. 152 p.

    Dissertation (Master) Graduate Program in Nursing. Federal University of Rio Grande do

    Norte, Natal-RN, 2010.

    ABSTRACT

    The Family Health Strategy (ESF) is emerging as a possible restructuring of services and new

    practices of intervention in health care; it requires skilled professionals to work with that

    framework. Within this purpose, we established the Education Programme for Work and

    Health (PET-Sade), in order to integrate teaching and service activities, focusing on primary

    care. On this basis, the aim of this work is to apprehend the social representation of nurse,

    doctor and dentist (Project PET-Natal Health RN preceptors) on the ESF, while practice

    field of them. It is a descriptive and exploratory study, with a qualitative approach, carried out

    in 07 Family Health Units (USF) included in the PET-Sade Natal (RN). The population was

    composed of 35 professional components of the primary care team with bachelor's degree of

    the USF linked to this project. The sample was composed of 05 nurses, 05 physicians and 05

    dentists, for a total of 15 subjects. Data were collected through three instruments: the

    drawing-themed story, a semi-structured individual interviews and field diary. The data

    relating to the identification of the subjects were entered and tabulated by the Microsoft Excel

    software 2007 version. The drawing analysis and interpretation is given by the significance

    attributed to the resource chart from title and keywords assigned by the subjects, considering

    the ESF as an inductive term. The stories and interviews were transcribed and typed and then

    subjected to read/listen the material and a lexical analysis through Alceste. After this process,

    the discursive material was analyzed and discussed by theoretical and methodological feature

    of the Social Representations theory. The majority of health professionals were female, aged

    between 46 and 52 years old, married, income less than six minimum wage, time since

    graduation ranged from 22 to 29 years and working time in the ESF range from 02 to 11

    years. From the classification system ALCESTE were selected categories identified by:

    Category 1 - ESF: relations and territory; Category 2 - Training and bond profile; Category 3 -

    Working process in the ESF; Category 4 - Articulation between teaching and service;

    Category 5 - Health care and disease prevention. The representational field construction,

    while a process, followed the logic of structural cores in existing categories. In this sense, it is

    clear that the ESF is an environment rich in diversity, experience and relationships with

    potential such as the relationship "very subject-subject" and the link established between

    professional-community, but also has some weaknesses such as poor working conditions, lack

    of popular participation and management support, thus difficulties in the achievement of

    teamwork. Being essential to that end, the teaching-service aimed at the formation of a new

    health professional able to work in the ESF. In this research, the training of the

    representational field encountered a diversity of structural cores, or thoughts on training,

    about the ESF because of the greater emphasis on the here and now of the interaction between

    health professionals, the ESF, the community, PET Health-UFRN and students, emphasizing

    that such proposals are still considered as concepts in the context of recent health and that,

    therefore, are not fully realized in the social imaginary.

    Keywords: Primary health care; family health; Human resource for health; health education;

    methodology research in nursing.

  • 10

    SUMRIO

    1 INTRODUO..........................................................................................................

    20

    1.1 JUSTIFICATIVA...................................................................................................... 28

    1.2 PROBLEMTICA.................................................................................................... 30

    1.3 OBJETIVOS.............................................................................................................. 30

    1.3.1 Objetivo geral........................................................................................................ 30

    1.3.2 Objetivos especficos.............................................................................................

    30

    2 REVISO DE LITERATURA..................................................................................

    31

    2.1 A POLTICA NACIONAL DE ATENO BSICA: CONSTRUINDO UMA

    NOVA ATENO EM SADE....................................................................................

    32

    2.2 PRTICA DOS PROFISSIONAIS DE NVEL SUPERIOR NA ATENO

    BSICA: FATORES FAVORVEIS E DESFAVORVEIS AO

    DESENVOLVIMENTO DE SEU PROCESSO DE TRABALHO................................

    38

    2.3 FORMAO DOS PROFISSIONAIS DE SADE PARA A ATUAO NA

    ATENO BSICA......................................................................................................

    43

    2.4 A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS NO CAMPO DA SADE E

    DA ESTRATGIA DE SADE DA FAMLIA.............................................................

    47

    3 PERPECTIVA METODOLGICA.........................................................................

    53

    3.1 CARACTERIZAO DO ESTUDO....................................................................... 54

    3.2 OS CENRIOS DA PESQUISA.............................................................................. 54

    3.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA............................................................................... 57

    3.4 OS ASPECTOS TICOS DA PESQUISA............................................................... 58

    3.5 OS INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS............................................... 59

    3.5.1 Fazendo um desenho, contando uma estria..................................................... 59

    3.5.2 A entrevista propriamente dita........................................................................... 61

    3.5.3 O dirio de campo................................................................................................ 62

    3.6 PREPARAO DO CONJUNTO DE DADOS....................................................... 62

    3.6.1 Consideraes sobre o ALCESTE...................................................................... 63

    3.7 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS.....................................................

    65

    4 RESULTADOS E DISCUSSO...............................................................................

    67

    4.1 DESCREVENDO OS SUJEITOS DA PESQUISA.................................................. 68

    4.1.1 Perfil social dos profissionais: Quem so os enfermeiros, mdicos e

    odontlogos da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)....................................

    69

  • 11

    4.1.2 Trajetria profissional dos enfermeiros, mdicos e odontlogos da ESF,

    preceptores do PET-Sade Natal (RN)........................................................................

    73

    4.1.3 Perfil profissional na Sade da Famlia dos enfermeiros, mdicos e

    odontlogos da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)....................................

    77

    4.2 ANLISE DAS FALAS DOS PROFISSIONAIS DA ESF NA PESPECTIVA

    DO ALCESTE.................................................................................................................

    81

    4.3 SISTEMA CATEGORIAL NA APREENSO DAS REPRESENTAES

    SOCIAIS..........................................................................................................................

    83

    4.3.1 Em busca da apreenso das Representaes Sociais a partir do territrio,

    vnculo, trabalho, ensino-servio e fragilidades..........................................................

    84

    4.4 APREENSO DO CAMPO REPRESENTACIONAL............................................ 113

    5 CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................

    117

    REFERNCIAS............................................................................................................

    121

    APNDICES..................................................................................................................

    135

    ANEXOS........................................................................................................................ 141

  • 12

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Distritos Sanitrios do Municpio de Natal (RN)................................................ 55

    Figura 2: Unidades de Sade da Famlia do Municpio de Natal (RN).............................. 56

    Figura 3: Classificao Hierrquica Descendente das classes geradas pelo ALCESTE

    2010, porcentagem de UCEs existentes em cada classe e a sua relao com as demais.....

    82

  • 13

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Distribuio por faixa de idade dos sujeitos da pesquisa, conforme categoria

    profissional............................................................................................................................

    70

    Grfico 2: Distribuio por sexo dos sujeitos da pesquisa, conforme a categoria

    profissional............................................................................................................................

    71

    Grfico 3: Distribuio da renda dos sujeitos da pesquisa, conforme categoria

    profissional............................................................................................................................

    72

    Grfico 4: Distribuio do tempo de concluso do ensino superior dos sujeitos da

    pesquisa, conforme categoria profissional............................................................................

    74

    Grfico 5: Distribuio da freqncia curso de ps-graduao entre os sujeitos da

    pesquisa, conforme categoria profissional............................................................................

    75

    Grfico 6: Distribuio das categorias profissionais da pesquisa em relao realizao

    de curso introdutrio Estratgia de Sade da Famlia........................................................

    79

    Grfico 7: Distribuio dos principais cursos de atualizao, realizados a partir da

    Estratgia de Sade da Famlia, referidos pelos profissionais da pesquisa..........................

    80

  • 14

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Distribuio das USFs por Distrito Sanitrio.................................................... 55

    Quadro 2: Distribuio dos profissionais de nvel superior das USFs do projeto PET-

    Sade Natal (RN) 2009........................................................................................................

    57

    Quadro 3: Variveis atribudas para o estudo sobre as representaes sociais dos

    profissionais de nvel superior, preceptores do PET-Sade Natal (RN), sobre a ESF.........

    64

    Quadro 4: Caracterizao dos sujeitos participantes da pesquisa....................................... 69

    Quadro 5: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelas enfermeiras da

    pesquisa................................................................................................................................

    76

    Quadro 6: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelos mdicos da

    pesquisa................................................................................................................................

    76

    Quadro 7: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelos odontlogos da

    pesquisa. ..............................................................................................................................

    76

    Quadro 8: Correspondncia entre o Sistema Categorial e as Classes geradas pelo

    ALCESTE 2010 sobre os profissionais da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)...

    84

  • 15

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Categorias profissionais da pesquisa em relao ao estado

    civil........................................................................................................................................

    72

    Tabela 2: Categorias profissionais da pesquisa segundo Instituio de concluso do

    ensino superior......................................................................................................................

    75

    Tabela 3: Categorias profissionais da pesquisa em relao carga horria de trabalho na

    ESF........................................................................................................................................

    77

    Tabela 4: Categorias profissionais em relao ao tempo de trabalho na ESF..................... 78

    Tabela 5: Categorias profissionais da pesquisa em relao existncia ou no de outro

    vnculo empregatcio.............................................................................................................

    81

  • 16

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACD Agente de Consultrio Dentrio

    ACS Agente Comunitrio de Sade

    ALCESTE Analyse Lexicale par Contexte dum Ensemble de Segments de Texte

    ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    APS Ateno Primria Sade

    CHA Classificao Hierrquica Ascendente

    CHD Classificao Hierrquica Descendente

    DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

    DS Distrito Sanitrio

    ESF Estratgia de Sade da Famlia

    GT Grupo de Aprendizagem Tutorial

    IES Instituio de Ensino Superior

    INPS Instituto de Nacional de Previdncia Social

    LOS Lei Orgnica da Sade

    MEC Ministrio da Educao e Cultura

    MS Ministrio da Sade

    OPAS Organizao Panamericana de Sade

    PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PET-SADE Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade

    PCCS- Plano de Cargos Carreiras e Salrios

    PNAD Poltica Nacional por Amostra de Domiclios

    PR-SADE Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade

    PSF Programa Sade da Famlia

    SACI Atividade Integrada de Educao, Sade e Cidadania

    SESAP Secretaria de Estado da Sade Pblica

    SIAB Sistema Nacional de Informao na Ateno Bsica

    SILOS Sistemas Locais de Sade

    SMS Secretaria Municipal de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    THD Tcnico de Higiene Dental

    TNC Teoria do Ncleo Central

    TRS Teoria das Representaes Sociais

  • 17

    UC Universo Consensual

    UCE Unidade de Contexto Elementar

    UCI Unidade de Contexto Inicial

    UFPB Universidade Federal da Paraba

    UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    UR Universo Reificado

    URNE Universidade Regional do Nordeste

    USF Unidade de Sade da Famlia

    VD Visita Domiciliria

  • 18

    Apresentao

  • 19

    Meu interesse em realizar esse estudo partiu de inquietaes encontradas ao longo da

    minha formao acadmica e no pouco tempo de desenvolvimento da minha prtica

    profissional enquanto enfermeira. Nesse tocante, diversas vezes peguei-me refletindo sobre as

    seguintes interrogaes: At que ponto as prticas profissionais so responsveis pela baixa

    eficcia e efetividade do sistema de sade? So elas as causas ou as conseqncias do

    inadequado arranjo poltico-institucional do setor pblico de sade? Como os profissionais

    vivenciam seu ambiente de trabalho? De que maneira a formao dos mesmos influencia sua

    prtica profissional?

    No Brasil, ainda vivemos um processo incipiente de democratizao e de implantao

    de novas medidas no campo da sade, no qual os mecanismos de sustentao e financiamento

    no esto garantidos a priori e os dirigentes polticos ao invs de incrementarem a

    continuidade e os avanos advindos de experincias anteriores exitosas, geralmente optam por

    priorizar a (re)inaugurao de polticas e projetos, reduzindo a importncia dos j existentes.

    Com isso, a cada alternncia de governo, alternam-se tambm as polticas pblicas

    dificultando o acmulo e o fortalecimento de experincias que contribuam para um melhor

    desenvolvimento do pas de uma maneira geral.

    muito rara a realizao de pesquisas despretensiosas para detectar a eficcia dos

    programas governamentais por meio da busca de informaes junto aos verdadeiros

    consumidores dos servios - usurios - e seus servidores - trabalhadores - sobre as reais

    condies do modus operandi em que se encontram as polticas pblicas. No mbito da sade,

    so notrias as insatisfaes por parte de usurios e profissionais acerca da qualidade e da

    estrutura dos servios ofertados, com situaes que perpassam o cenrio do desrespeito e

    desprezo por parte dos governantes queles que fazem e que sentem as dificuldades

    encontradas na busca pela sade.

    Nesse sentido, optar pelo Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

    especificamente no Departamento de Enfermagem de tal instituio, de onde sou egressa, foi

    a forma que encontrei de procurar, no percurso metodolgico, a compreenso e a maturidade

    para tentar entender os questionamentos expostos acima. Mais do que um curso, descobri no

    Mestrado, uma possibilidade de reiterar a disposio em continuar buscando caminhos para o

    fortalecimento do Sistema nico de Sade a partir da Estratgia de Sade da Famlia e de

    novos modos de ensinar sade.

  • 20

    I

    ntrod

    uo

    Tropical Anita Mafalti (1889-1964):

    pintora, desenhista, gravadora e professora

    brasileira. Considerada um dos grandes

    nomes da Semana de Arte Moderna no

    Brasil.

    Estrada do mundo novo com Po de

    acar ao fundo Abigail Andrade (1864 -

    ?): pintora e desenhista brasileira, premiada

    com a medalha de ouro por trabalhos no

    Salo Imperial de 1884.

    Independncia ou Morte Pedro

    Amrico (1843 1905): pintor, romancista

    e poeta brasileiro. Suas maiores obras

    foram a enorme Batalha do Ava e

    Independncia ou Morte.

  • 21

    1 INTRODUO

    Ao longo dos anos, a produo social da sade no Brasil trilhou por diversos

    caminhos, desde as prticas mgico-religiosas dos indgenas utilizao de sofisticados

    aparelhos tecnolgicos; da excluso de milhes de indivduos considerados indigentes

    sanitrios incluso de toda a populao brasileira dentro de um sistema nico de sade

    pblica; de uma viso puramente biologicista de unicausalidade para uma preventiva e

    multicausal; da centralizao no profissional mdico para o trabalho em equipe

    multiprofissional e interdisciplinar.

    Pode-se considerar que o desenvolvimento das polticas de sade no Brasil foi

    realizado por meio de processos complexos, influenciados, majoritariamente, pela conjuntura

    econmica na qual o pas estava inserido (FRANCO; MERHY, 2007; PAIM, 2003). Tal fato

    confirmado por Mendes (1999) ao ressaltar que no momento em que a economia brasileira

    tinha por base a agroexportao, assentada principalmente na monocultura cafeeira, era

    exigido do sistema de sade nada mais do que uma poltica de saneamento dos espaos de

    circulao das mercadorias, particularmente os portos martimos, alm do controle ou

    erradicao das doenas que poderiam interferir nas exportaes.

    Dessa forma, ocorreu, em 1923, a promulgao da Lei Eloi Chaves, a qual garantia

    amparo previdencirio e assistncia mdica somente a alguns trabalhadores com a excluso

    dos demais sujeitos (ACIOLE, 2006; ELIAS, 2004). De acordo com Mendes (1999), o

    modelo mdico assistencial privatista esteve relacionado a um movimento de crescente

    integrao e universalizao da Previdncia Social, iniciando-se com as Caixas de

    Aposentadorias e Penses, na dcada de 1920, perpassando pelos Institutos de Aposentadorias

    e Penses, dos anos de 1930 a 1960, at a criao do Instituto Nacional de Previdncia Social

    (INPS), em 1966, elucidando a estreita relao existente entre sade e economia.

    Percebe-se, com isso, que a preocupao com o estado de sade dos indivduos esteve,

    inicialmente, atrelada questo da necessidade de uma mo-de-obra saudvel para exercer as

    atividades relacionadas ao mundo do trabalho, distanciando-se, substancialmente, das aes

    coletivas de sade. Assim, a sade possua muito mais um carter de mercadoria do que de

    direito.

    Acrescenta-se a isso, em conformidade com Franco e Merhy (2007), o interesse dos

    grupos hegemnicos, aos quais o Estado era e ainda permanece submisso, e que

    mudavam a partir das transformaes nas conjunturas polticas, gerando movimentos

    diferenciados na edio de polticas de sade, ao passo que as necessidades de sade da

  • 22

    populao eram, e ainda so, determinadas pelas mudanas das situaes sociais, econmicas

    e polticas. Sendo assim, mostra-se que o acesso aos servios de sade era um direito de

    poucos, os quais eram determinados pelo potencial econmico e poltico dominante.

    A consolidao da sade como poltica, segundo Elias (2004), ocorreu aps o trmino

    da Segunda Guerra Mundial com o advento do Estado de Bem-Estar Social e dos sistemas

    de sade na Europa e nos Estados Unidos, alm da realizao da Conferncia Internacional

    sobre Cuidados Primrios de Sade, em Alma-Ata, atual Cazaquisto, em 1978, que

    estabeleceu a Declarao de Alma-Ata, promulgando a necessidade de ao urgente de todos

    os governos, profissionais da sade e do desenvolvimento e da comunidade mundial de

    promover a sade de toda a populao.

    Durante o final da dcada de 1970 e incio dos anos de 1980, o Brasil passou por uma

    forte crise econmica repercutindo diretamente em suas polticas pblicas. No setor sade, o

    modelo de organizao do sistema pautado na lgica flexneriana com priorizao da medicina

    curativa centrada no hospital, na medicalizao e na compra de servios ao setor privado por

    parte do setor pblico, destacava o carter excludente de nossa cidadania ao restringir o

    acesso dos recursos e dos servios de sade a uma minoria da populao, excluindo os

    estratos de baixo nvel scio-econmico e de regies de difcil acesso (BRASIL, 2009a;

    MENDES, 1999).

    Diante de tais acontecimentos, multiplicaram-se os sentimentos de insatisfao frente

    ineficincia e ineficcia dos servios de sade, propiciando a criao do movimento

    sanitrio brasileiro, que se organizava desde a dcada de 1970, fruto das discusses de um

    grupo de profissionais de sade e das cincias sociais, universitrios, sindicalistas, usurios

    dos servios de sade, entre outros atores sociais. Esse movimento contestava o modelo

    mdico-assistencial privatista vigente, que se caracterizava por uma interveno fortemente

    clnica, individualista e fragmentada, com pouca resolutividade e gastos financeiros

    exorbitantes, no conseguindo atender satisfatoriamente toda a populao.

    Tal movimento favoreceu o surgimento da Reforma Sanitria Brasileira, que para

    Cassels (1995) apud Mendes (2001) consistiu num momento para estabelecer prioridades,

    redefinir polticas e reformar as instituies nas quais as mesmas eram executadas.

    O movimento da Reforma Sanitria, cujos esforos centraram-se em questes mais

    gerais das polticas de sade, culminou, em 1986, na 8 Conferncia Nacional de Sade,

    tornando-se marco fundamental para a construo das bases doutrinrias da criao e

    construo de um novo sistema de sade brasileiro.

  • 23

    A Constituio Federal promulgada em 05 de outubro de 1988, no seu Ttulo VIII da

    Ordem Social, Captulo II da Seguridade Social, Seo II da Sade, criou o Sistema nico

    de Sade (SUS), organizado em princpios e diretrizes que definiram a ateno primria

    sade (APS) como eixo norteador e articulador para a transformao do modelo de ateno

    sade vigente.

    Assim, a seo da sade na Constituio Federal de 1988 e as Leis Orgnicas da Sade

    (LOS) a Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei n 8.142, de 28 de dezembro de

    1990 compem as bases jurdicas do SUS, atribuindo sade o carter de direito de

    cidadania e dever do Estado (BRASIL, 2009a).

    Consoante Vasconcelos e Pasche (2006), o SUS compreende o modelo organizacional

    da poltica de sade do Estado brasileiro, constituindo-se num conjunto de aes e servios de

    sade das trs esferas de governo municipal, estadual e federal - aglutinando ainda os

    servios privados de sade, por meio de contratos ou convnios, que o integram

    funcionalmente, de forma complementar, para a prestao de servios aos usurios do

    sistema.

    Trata-se de um sistema diversificado e complexo que tem a finalidade de coordenar e

    articular as aes de preveno de doenas e promoo da sade, com as de cura e

    reabilitao, atravs da incorporao de uma concepo ampliada de sade incluindo os

    determinantes sociais, econmicos, biolgicos, culturais, ambientais, entre outros.

    O SUS est pautado em princpios e diretrizes, os quais concedem ampla legitimidade

    ao sistema e proporcionam racionalidade ao seu funcionamento. Os princpios doutrinrios

    compreendem a universalidade, a integralidade e a equidade, enquanto as diretrizes

    organizativas consistem na descentralizao e regionalizao, hierarquizao, resolutividade,

    participao comunitria e complementariedade do setor privado (SAITO, 2008;

    VASCONCELOS; PASHE, 2006; PEREIRA et al., 2005; COSTA; CARBONE 2004).

    Desse modo, o SUS produziu resultados imediatos, destacando-se o trmino da

    segregao entre os includos e os excludos economicamente atravs do princpio da

    universalidade, garantindo acesso sade a todos os brasileiros (BRASIL, 2009a; MENDES,

    2001). Alm disso, conferiu a equidade no acesso e atendimento, priorizando, na oferta de

    servios, os segmentos populacionais mais necessitados e com maior risco de adoecer e

    morrer em decorrncia de suas condies scio-econmicas (VASCONCELOS; PASHE,

    2006), considerando as diversas dimenses do processo sade-doena existentes no mbito

    individual e coletivo.

  • 24

    A idia bsica da organizao do SUS , de acordo com Elias (2004), estimular o

    usurio a procurar, inicialmente, as aes e servios ofertados na ateno primria. Os

    problemas no solucionados nesse nvel devero ser encaminhados para o setor secundrio

    que, por conseguinte, ir referir para o tercirio as situaes em que no se encontra

    capacitado para atender. No entanto, salienta-se que essa construo da ateno em sade no

    deve estar consolidada em um modelo piramidal, mas sim, em um modelo cclico no qual

    estes nveis se inter-relacionam por meio dos sistemas de referncia e contra-referncia.

    A participao comunitria, regulamentada pela Lei n 8.142/1990, ocorre atravs das

    Conferncias e Conselhos de Sade, sendo imprescindvel para a construo e implementao

    dos princpios e diretrizes do SUS na realidade cotidiana, visto que esse se constitui numa

    conquista de todos, requerendo dessa maneira o controle social na gesto dos servios de

    sade (VASCONCELOS; PASHE, 2006; MENDES, 1999).

    Com base no exposto acima, destaca-se que o SUS tem sido capaz de estruturar um

    sistema pblico de sade de incomparvel relevncia, apresentando resultados significativos

    para a populao brasileira. Entretanto, ainda persistem diversos problemas e desafios a serem

    enfrentados para torn-lo um sistema universal que possa realmente garantir sade de

    qualidade a toda populao.

    Dentre os desafios tericos, destacam-se a compreenso das relaes de governo e das

    possibilidades de uma gesto participativa e democrtica, o esclarecimento das obscuras

    relaes pblico-privadas, bem como a sustentabilidade de polticas tidas como universais. No

    aspecto prtico, o desafio consiste em alcanar a meta de garantir a sade de forma universal e

    equnime (MAIO; LIMA, 2009). Nesse tocante, faz-se mster a frase de Elias (2004, p. 14):

    o SUS delineia o que fazer, mas no diz o como se faz e muito menos para quem se faz.

    Diante disso, a partir da dcada de 1990, com a finalidade de implementar os

    princpios do SUS, o Ministrio da Sade (MS) reconheceu a importncia da assistncia

    integral ao indivduo tendo como foco principal o seu ambiente familiar, social e econmico,

    assim como uma nova concepo do conceito de sade, tida no somente como a mera

    ausncia de doenas, mas englobando a qualidade de vida (VIANA; POZ, 1998).

    Em 1994, adotou-se a estruturao do Programa Sade da Famlia (PSF), decorrente

    do Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS), sendo renomeado, em 1998, como

    Estratgia de Sade da Famlia (ESF), por ser considerada uma estratgia estruturante dos

    sistemas municipais de sade. Tem como objetivo reorientar o modelo assistencial no espao

    poltico-operacional por meio da ateno bsica, no mbito da Unidade de Sade da Famlia

  • 25

    (USF), com definio de responsabilidades entre os servios de sade e a populao

    (MENDES, 2002).

    Segundo Campos e Belisrio (2001), notria a reviso de paradigmas ocorrida

    atravs do processo de redemocratizao, da busca ao direito universal e equnime sade,

    assim como do progresso cientfico e tecnolgico ocorridos nos ltimos anos e sua influncia

    direta sobre os servios e aes de sade. Tal fato ocasionou uma mudana na qual o

    paradigma dominante deixa de ser flexneriano-cartesiano para privilegiar a prtica sanitria e

    a produo social em sade (MENDES, 1999).

    Nessa perspectiva, a ESF emerge como uma possibilidade de reestruturao dos

    servios e de novas prticas de interveno na ateno sade, visando substituio ao

    modelo assistencial curativista, centrado no hospital, na medicalizao, no individualismo, na

    fragmentao por especialidades e na cura das doenas.

    O foco de ateno est voltado para o atendimento integral e contnuo ao indivduo e

    sua famlia, abrangendo todos os ciclos da vida (desde o recm-nascido ao idoso),

    compreendidos a partir de diversificados contextos e ambientes, atravs de aes da

    preveno de doenas, promoo, proteo e recuperao da sade dos mesmos,

    possibilitando uma viso ampliada do processo sade-doena (RODRIGUES; LIMA;

    RONCALLI, 2008).

    A ESF constitui-se em um grande avano na sade brasileira, por proporcionar uma

    ateno voltada s reais necessidades do indivduo e sua famlia por meio da atuao de uma

    equipe interdisciplinar composta, em sua maioria, por mdico, enfermeiro, dentista, tcnico de

    enfermagem, agente comunitrio de sade (ACS) e auxiliar de consultrio dentrio (ACD).

    No entanto, destaca-se que a ocorrncia dessa mudana paradigmtica, por si s, no

    suficiente para garantir uma nova lgica na organizao do trabalho. Segundo Franco e Merhy

    (2007, p.115-6), faz-se imperativo

    (...) mudar os sujeitos que se colocam como protagonistas do novo modelo de

    assistncia. necessrio associar tanto novos conhecimentos tcnicos, novas

    configuraes tecnolgicas do trabalho em sade, bem como outra micropoltica

    para este trabalho, at mesmo no terreno de uma nova tica que o conduza. E, isto,

    passa tambm pela construo de novos valores, uma cultura e comportamentos

    pautados pela solidariedade, cidadania e humanizao na assistncia.

    Cotta et al. (2006) ressaltam que os profissionais da ateno bsica devem ser capazes

    de planejar, organizar, desenvolver e avaliar suas aes de acordo com as necessidades da

    comunidade. Disso resulta que a qualidade dos servios de sade depende de diversos fatores,

    dentre eles incluem-se os instrumentos usados para a definio e anlise dos problemas, assim

  • 26

    como para a avaliao do grau de comprometimento dos profissionais relacionados com as

    normas tcnicas, sociais e humanas.

    Percebe-se que para os profissionais de sade adquirirem a concepo descrita acima,

    torna-se imprescindvel uma formao que integre ensino, gesto, ateno e controle social

    (MELLO, 2000). A transformao dos problemas e dificuldades, atravs da melhor

    qualificao, no se dar de forma instantnea, mas exigir comprometimento daqueles que

    pensam e fazem a sade no Brasil.

    Nesse aspecto, o Ministrio da Sade em parceria com o Ministrio da Educao

    instituiu atravs da Portaria Interministerial MS/MEC n 1.802, de 26 de agosto de 2008, o

    Programa de Educao pelo Trabalho e para a Sade (PET-Sade) com o objetivo de

    fomentar a formao de Grupos de Aprendizagem Tutorial (GTs) relacionados com a ESF,

    caracterizando-se como instrumento para qualificao em servio dos profissionais da sade,

    bem como desenvolver aes indissociveis de ensino-pesquisa-extenso, na perspectiva da

    integrao dos cursos de graduao com o servio e a comunidade, na inteno de promover

    uma formao acadmica socialmente comprometida e cidad (BRASIL, 2009b; BRASIL,

    2008a).

    Diante disso, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria

    com a Secretaria Municipal de Sade de Natal (SMS/Natal) elaborou o Projeto do Programa

    de Educao pelo Trabalho e para a Sade (PET-Sade) do Municpio de Natal (RN), que

    compreende o desenvolvimento de atividades multiprofissionais e interdisciplinares, com

    nfase na ESF, envolvendo discentes, monitores e docentes de seis cursos de graduao na

    rea da sade da referida universidade (Enfermagem, Farmcia, Fisioterapia, Medicina,

    Nutrio e Odontologia), os quais se propem a realizar atividades de ateno sade,

    pesquisa e ensino, de forma interdisciplinar e integrada com o servio e com a comunidade.

    No processo de construo desse projeto foram resgatadas as estratgias j

    desenvolvidas de integrao multiprofissional no nvel da graduao, atravs da Atividade

    Integrada de Educao, Sade e Cidadania (SACI), e outras iniciativas relacionadas aos

    projetos do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (PR-

    SADE) I e II, os quais assentaram como eixos orientadores, rompendo-se com a lgica

    predominante de cursos isolados e projetos pedaggicos no relacionados.

    Foram definidos como objetivos do Projeto PET-Sade Natal (RN), os seguintes

    pontos:

  • 27

    Promover o avano da integrao educao x trabalho, considerando a

    indissociabilidade entre ensino/pesquisa/produo cultural, atravs da extenso

    universitria;

    Contribuir para a formao de profissionais de sade, tomando como referncia

    um perfil crtico, pautado em rigorosos preceitos tico-humansticos e adequado s

    necessidades sociais e epidemiolgicas da populao e ao SUS;

    Desenvolver atividades acadmicas no trabalho em sade, oportunizando

    experincias tutoriais para formao de profissionais com padres de qualidade de

    excelncia;

    Contribuir para o desenvolvimento das aes da poltica de educao permanente

    em sade das equipes da ESF integrantes do projeto;

    Estimular uma cultura de investigao no servio de sade;

    Desenvolver estudos e pesquisas no campo da ateno bsica em sade no

    municpio de Natal-RN;

    Contribuir para a formulao de um projeto pedaggico comum para os cursos da

    rea da sade da UFRN, no tocante ao desenvolvimento das habilidades e

    competncias gerais estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais;

    Desenvolver competncias e habilidades especficas dos alunos da rea da sade

    para o trabalho com a ateno primria e a ESF (UNIVERSIDADE FEDERAL

    DO RIO GRANDE DO NORTE, 2009, p. 3-4).

    Definiu-se, portanto, como objeto desse estudo os profissionais de nvel superior que

    compem a equipe bsica da ESF, especificamente o enfermeiro, o mdico e o odontlogo, os

    quais tambm so integrantes do Projeto PET-Sade do Municpio de Natal (RN).

    Consoante Leite e Veloso (2008) a idia da ESF visa enfatizar a concepo de trabalho

    em equipe de forma interdisciplinar a fim de cumprir o princpio da integralidade na sade e

    valorizar a integrao dos diversos saberes de cada profissional na construo do cuidado na

    ateno bsica. Dessa forma, a interdisciplinaridade constitui uma importante proposta de

    recurso de trabalho para o fortalecimento da ateno bsica, ao passo que ocasiona um

    rompimento da dinmica dos servios centrados na figura do mdico, configurando-se a

    possibilidade de uma abordagem mais integral e resolutiva.

    No entanto, Peduzzi (2001) ressalta que preciso superar a concepo de trabalho em

    equipe regularizado por meio de relaes assimtricas entre profissionais distintos, uma vez

    que no deve existe uma relao hierrquica e de subordinao entre os mdicos e os demais

    profissionais da sade. Alm disso, essa autora tambm destaca que para um melhor

  • 28

    desenvolvimento do trabalho em equipe, cada profissional deve incorporar uma lgica de

    flexibilidade na diviso do trabalho e a ideia de autonomia tcnica com interdependncia,

    valorizando a produo do cuidado em seus diversos mbitos: educativo, preventivo,

    psicossocial, comunicacional, que, muitas vezes, aparecem como perifricos ao trabalho

    nuclear da assistncia mdica individual.

    Deste modo, o estudo justificou-se pelo interesse dos autores em apreender o olhar do

    enfermeiro, mdico e odontlogo, preceptores do Projeto PET-Sade Natal (RN) e membros

    da equipe interdisciplinar da ESF, sobre essa estratgia, utilizando-se, para isso, o enfoque da

    Teoria das Representaes Sociais (TRS). A representao social busca compreender a forma

    como um grupo de indivduos constri um conjunto de saberes que revela a identidade desse

    grupo social, bem como as representaes que ele possui acerca de um determinado objeto ou

    fenmeno, tanto prximo quanto distante (OLIVEIRA; WERBA, 1998).

    O desejo em utilizar a ESF como cenrio de realizao da pesquisa tem por desgnio a

    sua constituio como um novo modelo integral de ateno sade, requerendo, portanto,

    profissionais comprometidos com o usurio em relao criao de vnculos, ao atendimento

    integral e de qualidade, ao conhecimento das necessidades e do contexto em que esse

    indivduo est inserido, resoluo de problemas, entre outros, permitindo, dessa forma, uma

    maior eficcia, eficincia e efetividade estratgia.

    A escolha de trabalhar com o profissional enfermeiro, mdico e odontlogo advm das

    expectativas de um trabalho integrado entre os mesmos para um melhor desenvolvimento da

    estratgia. Dessa forma, torna-se interessante compreender as representaes que essas trs

    categorias profissionais, cada qual com sua singularidade e processos de trabalhos

    diferenciados, possuem acerca da ESF.

    Alm disso, salienta-se que os profissionais que participam do Projeto PET-Sade

    exercem o papel de preceptores dos alunos de graduao dos referidos cursos (Enfermagem,

    Medicina e Odontologia), constituindo-se em um referencial para estes discentes. As novas

    diretrizes curriculares buscam eliminar a nfase nas especializaes e procuram formar um

    novo protagonista social, ou seja, um profissional com formao generalista, direcionado

    primordialmente para a ateno bsica (FEUERWERKER, 2003).

    Com isso, percebe-se a importncia desses profissionais junto s universidades, visto

    que os mesmos influenciam, direta ou indiretamente, o processo educativo e de trabalho dos

    discentes futuros profissionais no somente do ponto de vista tcnico-metodolgico, mas

    tambm do ponto de vista social.

  • 29

    A relevncia desse estudo residiu nas contribuies que o mesmo fornecer ao Projeto

    PET-Sade Natal (RN), bem como a todos os cursos de sade envolvidos direta ou

    indiretamente em tal projeto, uma vez que se conhecendo as representaes sociais dos

    profissionais de nvel superior que compem as equipes mnimas da ESF e que correspondem

    aos preceptores dos discentes que desenvolvem atividades nesse campo de prticas,

    compreender-se- a imagem que tais profissionais possuem sobre a ESF influenciando, de

    certa forma, no processo de trabalho desenvolvido pelos mesmos, bem como no processo de

    ensino-aprendizagem dos acadmicos por eles acompanhados. Alm disso, ajudar, de

    maneira indireta, a conhecer o perfil dos profissionais das equipes da ESF do municpio de

    Natal (RN).

    A motivao para a realizao desse estudo decorreu do encantamento da autora com a

    ateno bsica e com o processo de trabalho dos profissionais que a compe, sendo a ESF um

    ambiente complexo, com diversos matizes, dona de uma riqueza inexpressiva de experincias

    de vida e de aprendizados que mostram a relevncia da mesma sobre a vida e condies de

    sade-doena da populao em geral.

    Esse despertar para a sade da famlia surgiu, inicialmente, na graduao durante as

    aulas das disciplinas de Clnica Ampliada, Sade da Criana e Sade da Mulher em que me

    foi apresentada a ESF, intensificando-se no Estgio Supervisionado I em servios de ateno

    bsica, no qual pude realmente vivenciar o trabalho, mesmo enquanto acadmica, nesse

    servio, bem como conviver com outros profissionais que dela faziam parte.

    Logo aps a faculdade, adentrei a ESF, porm dessa vez no como estudante, mas sim

    como enfermeira e pude observar suas potencialidades, bem como algumas de suas

    fragilidades, deparando-me com alguns profissionais, que como eu, acreditavam no

    crescimento e fortalecimento da estratgia, e outros, que no evidenciavam tal

    comprometimento com o campo de trabalho em que atuavam, mostrando desinteresse, falta de

    dedicao e responsabilidade para com os usurios.

    Saliento tambm a esperana creditada nesse modelo de ateno em sade focado na

    preveno de doenas e promoo da sade em todos os ciclos da vida que diz respeito

    tessitura cotidiana dos sujeitos na perspectiva da vigilncia em sade. Sabedora de que esta

    ampliao da conscincia sanitria depende de um grupo de fatores conjunturais relacionados,

    prioristicamente, vontade e deciso do usurio em aderir proposta, mesmo assim, ouso, a

    partir do alcance dos objetivos, seguindo o transcurso da reflexo-crtica e compartilhando

    experincias e sugestes com os mesmos e para os mesmos, considerando-se os novos e os

  • 30

    velhos desafios para eles e os profissionais inseridos na ESF, minimizar a procura pela mdia

    e alta complexidade da ateno sade.

    Com base nas consideraes tecidas anteriormente, definiu-se como problemtica

    desse estudo a seguinte inquietao: Quais as representaes sociais dos profissionais

    integrantes do Projeto PET-Sade Natal-RN (enfermeiro, mdico e odontlogo), sobre a

    Estratgia de Sade da Famlia, enquanto campo de atuao dos mesmos?

    Assim, delineou-se como objetivo geral desse trabalho apreender as representaes

    sociais do enfermeiro, mdico e odontlogo (preceptores do projeto PET-Sade Natal RN)

    sobre a ESF, enquanto campo de prtica dos mesmos.

    Como objetivos especficos enumeraram-se os seguintes:

    Apresentar as caractersticas scio-demogrficas dos preceptores do PET-

    Sade Natal (RN) enfermeiros, mdicos e odontlogos da ESF;

    Descrever as competncias do enfermeiro, mdico e odontlogo, preceptores

    do PET-Sade Natal (RN), na ESF;

    Identificar, de acordo com o pensamento desses profissionais, os problemas e

    as potencialidades da ESF;

    Enumerar as contribuies e/ou interferncias ocorridas aps a insero dessas

    categorias profissionais no Projeto PET-Sade Natal (RN).

  • 31

    Mariposa Beatriz Milhazes (1960): pintora,

    gravadora, ilustradora e professora brasileira.

    Vem destacando-se em exposies no exterior.

    Cinco moas de Guaratinguet Di

    Cavalcante (1897 1976): pintor,

    desenhista e caricaturista brasileiro.

    Considerado um dos grandes nomes da

    pintura brasileira.

    Sem Ttulo Alice Soares (1917 2005):

    pintora e desenhista brasileira. As meninas

    foram o tema constante de suas obras.

    Revi

    so d

    e L

    iteratu

    ra

  • 32

    2 REVISO DE LITERATURA

    Para dar subsdio s discusses acerca do objeto de estudo dessa pesquisa, esse

    captulo foi dividido em quatro subsees, com a finalidade de auxiliar a leitura e organizao

    dos conceitos, buscando a fundamentao terica e compreenso da temtica. So

    participantes desse processo autores e estudiosos nas temticas da Sade Pblica, Ateno

    Bsica, formao de recursos humanos para a rea da sade, entre outros, sejam esses de reas

    afins ou sujeitos da prpria Enfermagem, como tambm demais envolvidos em tal processo.

    Nesse momento revisional, utilizaram-se diversos materiais didticos, tais como livros,

    manuais e documentos produzidos pelo Ministrio da Sade, artigos em peridicos impressos

    e digitalizados que serviram de embasamento terico para a construo das ideias e conceitos

    que permearam o objeto de estudo, assim como a problemtica elucidada.

    Destarte, o captulo foi subdividido da seguinte maneira: 2.1 A Poltica Nacional de

    Ateno Bsica: construindo uma nova ateno em sade; 2.2 Prtica dos profissionais de

    nvel superior na ateno bsica: fatores favorveis e desfavorveis ao desenvolvimento de

    seu processo de trabalho; 2.3 Formao dos profissionais de sade para a atuao na ateno

    bsica; 2.4 A Teoria das Representaes Sociais no campo da Sade e ESF.

    2.1 A POLTICA NACIONAL DE ATENO BSICA: CONSTRUINDO UMA NOVA

    ATENO EM SADE

    O movimento da Reforma Sanitria, a 8 Conferncia Nacional de Sade e a

    Constituio de 1988 foram marcos determinantes para se pensar e implementar a

    integralidade das aes no modelo da ateno em sade no Brasil, historicamente marcado

    pela predominncia da assistncia mdica curativa, individual e pelo entendimento do

    conceito de sade como a mera ausncia de doenas, princpios definidores do modelo

    flexneriano.

    O rompimento deste paradigma veio com o ordenamento jurdico-institucional da

    criao e implantao do SUS, visto que o modelo clnico/flexneriano no conseguia

    responder aos problemas da organizao das aes e servios de sade de maneira a atender

    s reais necessidades de sade de toda a populao (SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005).

    Dessa maneira, o SUS instituiu a necessidade de imprimir uma nova forma de produzir

    e distribuir as aes e servios de sade, ou seja, de configurar e definir um novo modelo de

    ateno sade estruturado no paradigma da produo social em sade, na concepo

  • 33

    ampliada do processo sade-doena e na prtica sanitria da vigilncia em sade (MENDES,

    1999).

    Dentre as estratgias utilizadas para substituio do modelo assistencial biomdico por

    um novo modelo pautado nos princpios da universalidade, equidade e integralidade da

    ateno propostos pelo SUS, destacou-se a formulao e implantao do Programa de Sade

    da Famlia (PSF) renomeado, posteriormente, como Estratgia de Sade da Famlia (ESF),

    por ser considerada uma estratgia ministerial em que diferentes segmentos sociais, tais como

    educao e segurana, articulam-se com o conceito ampliado de sade (MENDES, 2002).

    Com isso, importa que o indivduo tornou-se o centro das aes, deixando de ser visto

    de forma fragmentada e especializada, isolado do seu contexto familiar, social e de seus

    valores. Nesta perspectiva possvel o desenvolvimento de novas aes humanizadas,

    tecnicamente competentes, intersetorialmente articuladas e socialmente apropriadas

    (SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005; PAIM; ALMEIDA FILHO, 2000).

    Sinteticamente, a ESF emergiu, segundo Andrade, Barreto e Bezerra (2006), como

    uma maneira de expandir o acesso ateno primria para a populao brasileira, consolidar o

    processo de municipalizao da organizao da ateno sade, facilitar o processo de

    territorializao e regionalizao pactuada entre municpios adjacentes e, particularmente,

    promover o vnculo com a populao atravs do fortalecimento das aes inter-setoriais com

    o estmulo participao da comunidade.

    Como diretrizes operacionais da ESF, elencam-se o carter substitutivo de suas

    prticas, proporcionando a substituio das prticas convencionais de assistncia por um novo

    processo de trabalho, centrado na Vigilncia Sade; a integralidade e hierarquizao das

    aes, estando a USF inserida no primeiro nvel de aes e servios do sistema local de sade;

    a territorializao e adscrio de clientela, fazendo com que o trabalho das equipes seja

    desenvolvido em um territrio definido; e o trabalho atravs de uma equipe interdisciplinar

    (BRASIL, 1997).

    Para Costa e Carbone (2004) e Elias (2004), a sade da famlia constitui uma porta de

    entrada aos servios de sade, uma vez que estabelece um contato incipiente com o usurio,

    alm de determinar a referncia e a contra-referncia para os demais nveis de ateno

    (secundrio e tercirio). Organiza-se como uma estratgia instituindo a integrao e

    coordenao das atividades em um territrio definido a fim de identificar e solucionar os

    possveis problemas existentes.

    Assim, a ESF define-se como um modelo de ateno primria sade que inclui

    elementos de diferentes modelos, operacionalizado atravs de aes/estratgias de promoo,

  • 34

    proteo, recuperao e reabilitao, tanto para o indivduo quanto para sua famlia e

    comunidade, por meio de servios assistenciais (ambulatoriais, hospitalares e de apoio

    diagnstico) e de vigilncia em sade (ambiental, epidemiolgica e sanitria), valorizando os

    diversos contextos em que os usurios esto inseridos (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA,

    2006; BRASIL, 2006; SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005;).

    Tal estratgia adota, segundo Franco e Merhy (2007), a formao de vnculo proposta

    a partir da adscrio da clientela, entre seiscentas a mil famlias, em determinado territrio,

    por meio da construo dos chamados Sistemas Locais de Sade (SILOS) ou Distritos

    Sanitrios, que se constituem no planejamento local das aes atravs da

    (...) anlise da situao de sade e na definio da situao desejada. Desenham-se

    estratgias e um modelo de operao para estruturar a oferta de servios e atender

    demanda epidemiologicamente identificada e, ao mesmo tempo, captar os usurios

    provenientes da demanda espontnea. (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006,

    p. 801)

    A compreenso do SILOS/Distrito Sanitrio pode envolver duas dimenses, na

    primeira, relaciona-se como uma estratgia de construo do SUS num municpio e/ou

    conjunto de municpios; na segunda, refere-se menor unidade de territrio ou de populao

    adequada para o processo de planejamento e gesto (ALMEIDA; CASTRO; VIEIRA, 1998).

    No entanto, salienta-se que o impacto da ESF na sade dos usurios do SUS depende

    essencialmente da sua capacidade de integrao com as redes de ateno sade:

    ambulatorial especializada, hospitalar secundria e terciria, rede de servios de urgncia e

    emergncia, e rede de servios de ateno sade mental (MENDES, 2001).

    A atuao conjunta e integrada dos profissionais da ESF que compem a chamada

    equipe interdisciplinar destaca-se tambm como um ponto-chave para o impulso da mesma.

    Essa equipe formada minimamente por um mdico generalista, um enfermeiro, dois

    auxiliares de enfermagem e agentes comunitrios de sade (ACS) em nmero suficiente para

    cobrir 100% da populao adscrita, respeitando-se o teto mximo de um ACS para cada

    setecentas e cinquenta pessoas e de doze ACS para a equipe da ESF. Adiciona-se a esta

    composio a equipe de sade bucal e suas modalidades. A modalidade nmero 1 composta

    minimamente por um cirurgio-dentista e um auxiliar de consultrio dentrio (ACD),

    enquanto que na modalidade 2, acrescenta-se a presena de um tcnico de higiene dental

    THD (BRASIL, 2007a).

    A jornada de trabalho de todos esses profissionais deve ser de 40 horas semanais.

    Outros profissionais podem integrar essas equipes de acordo com o perfil epidemiolgico da

  • 35

    populao e da deciso do gestor municipal em conformidade com o Conselho Municipal de

    Sade.

    As equipes de sade da famlia devem estar preparadas para prestar assistncia

    integral, com nfase nas aes de promoo da sade e preveno de agravos; proporcionar

    atendimento humanizado, viabilizando a criao de vnculo; conhecer a realidade e

    desenvolver o cuidado em sade da populao adscrita pela qual responsvel; realizar busca

    ativa e notificao de doenas e agravos de notificao compulsria; solucionar, atravs de

    adequada utilizao do sistema de referncia e contra-referncia, os principais problemas

    detectados; desenvolver processos educativos para sade, voltados melhoria do auto-

    cuidado dos indivduos e promover aes inter-setoriais; participar das atividades de

    planejamento e avaliao das aes da equipe; promover a participao da comunidade;

    identificar parceiros que possam potencializar aes inter-setoriais; garantir a qualidade do

    registro das atividades nos Sistema Nacional de Informao na Ateno Bsica (SIAB); e

    participar das atividades de educao permanente (BRASIL, 2006).

    As atribuies especficas dos profissionais da Ateno Bsica devero constar de

    normatizao do municpio e do Distrito Federal, de acordo com as prioridades definidas pela

    respectiva gesto e as prioridades nacionais e estaduais pactuadas, sendo regulamentadas pelo

    Ministrio da Sade.

    Com isso, tem-se que ao enfermeiro compete realizar consulta de enfermagem,

    solicitar exames complementares e prescrever medicaes, conforme protocolos ou outras

    normativas tcnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou Distrito Federal; e planejar,

    gerenciar, coordenar, avaliar e supervisionar as aes desenvolvidas pelos ACS e equipe de

    enfermagem (BRASIL, 2006).

    Ao mdico cabe realizar atividades de demanda espontnea e programada em clnica

    mdica, pediatria, ginecologia e obstetrcia, cirurgias ambulatoriais, pequenas urgncias

    clnico-cirrgicas e procedimentos para fins de diagnsticos; encaminhar, se necessrio,

    usurios a servios de mdia e alta complexidade, respeitando-se os fluxos de referncia e

    contra-referncia locais, ou indicar a necessidade de internao hospitalar ou domiciliar

    mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano teraputico do usurio

    (BRASIL, 2006).

    E ao odontlogo, corresponde realizar diagnstico com a finalidade de obter o perfil

    epidemiolgico para o planejamento e a programao em sade bucal; desenvolver os

    procedimentos clnicos da Ateno Bsica em sade bucal, incluindo atendimento das

    urgncias e pequenas cirurgias ambulatoriais; encaminhar e orientar os usurios, quando

  • 36

    necessrio, a outros nveis de assistncia, mantendo sua responsabilizao pelo

    acompanhamento e segmento do tratamento do mesmo; e coordenar e participar de aes

    coletivas voltadas promoo da sade e preveno de doenas bucais (BRASIL, 2006).

    Alm disso, esses profissionais devem realizar consultas e procedimentos na USF e,

    quando necessrio, no domiclio do usurio e/ou nos demais espaos comunitrios

    (associaes, igrejas, escolas, creches); desenvolver e participar das atividades de Educao

    Permanente dos demais profissionais como o auxiliar de enfermagem, o ACD, THD e os

    ACS; e contribuir no gerenciamento dos insumos necessrios para o adequado funcionamento

    da USF.

    O desenvolvimento do trabalho da equipe, em essencial do enfermeiro, mdico e

    odontlogo, deve ocorrer de forma dinmica, integral e interdisciplinar com avaliao

    permanente de suas aes atravs do acompanhamento dos indicadores de sade de cada rea

    de atuao, visando readequao do processo de trabalho.

    Para a consolidao do modelo assistencial desejado torna-se necessrio que, os

    profissionais atuantes na ESF executem suas competncias pautados em trs pilares

    conhecimento, habilidade e atitude comprometendo-se com a sade da famlia, com a

    equipe e com a populao usuria (RIBEIRO et al., 2008). Com relao competncia

    profissional, Mello (2000) afirma que a mesma implica numa mobilizao de conhecimentos

    para que se consiga enfrentar uma determinada situao atravs do desenvolvimento de novas

    formas criativas e eficazes, requerendo, para isso, a integrao e a coordenao de um

    conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes.

    Para melhor compreenso destas palavras, buscaram-se os seus significados literais

    atravs de Ferreira (2008) onde o termo conhecimento relacionado informao ou noo

    adquiridas pelo estudo ou pela experincia; habilidade, descrita como inteligncia,

    capacidade e sagacidade; e atitude, como postura e forma de proceder em relao ao outro

    (pessoa e/ou objeto). Disso, depreende-se que os profissionais da sade devem possuir

    conhecimentos tcnicos compatveis com o desenvolvimento de sua prtica, agindo de forma

    coerente e organizada por meio de uma postura tica e humanizada.

    Em conformidade com Feuerwerker (2003), as transformaes ocorridas no mundo do

    trabalho exigem dos profissionais habilidades para avaliar, sistematizar e decidir a conduta

    mais apropriada, como tambm competncias para a tomada de decises, para desenvolver

    seu trabalho visando o uso apropriado, eficcia e custo-efetividade da fora de trabalho, de

    medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de prticas. Destaca-se que essas

    competncias se estendem ao campo da comunicao, visto que os profissionais de sade

  • 37

    devem ser acessveis e receptivos na interao com os usurios e a comunidade, fazendo-se

    imprescindvel, para isso, uma postura tica e de responsabilidade.

    O trabalho em equipe, nesse sentido, redimensiona o sentido da diviso de

    responsabilidades do cuidado entre os demais membros da equipe, descentralizando-o da

    figura do mdico, por meio da ao interdisciplinar e valorizao das diversas especificidades,

    proporcionando uma abordagem ampla e resolutiva e uma melhoria na qualidade da prestao

    das aes de sade (ARAUJO; ROCHA, 2007).

    A concepo da ESF como componente primrio de um sistema pblico de sade de

    abrangncia nacional redimensiona sua importncia frente s diversidades locorregionais,

    culturais, tnicas, de crenas, exigindo uma constante avaliao das aes particularizadas

    como forma de atender as demandas ou necessidades dos usurios. Nessa viso espectral do

    SUS, nos ltimos anos houve uma expanso relevante do acesso s equipes de sade da

    famlia e um aumento na cobertura da ESF nas zonas rurais e em cidades com menor

    densidade populacional (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006).

    Contextualizando a ampliao da cobertura, em 2003, existiam cerca de 19.000

    equipes de sade da famlia implantadas, atendendo 62,3 milhes de pessoas, ou seja, 35,7%

    em cerca de 4,4 mil municpios brasileiros. Em 2007, elevou-se comparativamente para

    46,6% da populao brasileira abrangendo cerca de 5.125 municpios (BRASIL, 2008b).

    Dessa forma, considerando-se a expanso da ESF e sua evoluo histrica e social,

    alm de paradigmtica, consolidada como uma ferramenta prioritria para reorganizao da

    ateno bsica no Brasil, foi aprovada, em 28 de maro de 2006, a Poltica Nacional de

    Ateno Bsica atravs da portaria n 648/2006 que garante a reviso de diretrizes e normas

    para a organizao da Ateno Bsica, do PSF e do PACS (BRASIL, 2006).

    Adensam-se s conquistas, garantias e tambm desafios de superao das disparidades

    que emergem com sua implantao nos diversos cenrios dos municpios brasileiros,

    incluindo aqueles dentro de um dado municpio. Um desses desafios, e talvez o mais grave,

    refere-se carncia de profissionais em termos quantitativos e qualitativos para atuar nesse

    cenrio (CAMPOS; BELISARIO, 2001).

    Paim (2001) chama a ateno para o fenmeno da criao de vrios postos de trabalho

    na ESF, em um intervalo de tempo relativamente curto. Tal evento requer a necessidade

    urgente e inadivel do surgimento de Plos de Capacitao em Sade da Famlia, no sentido

    de utilizar, da forma mais eficiente possvel, a capacidade das universidades e dos servios de

    sade.

  • 38

    Franco e Merhy (2007) identificam outros desafios a partir de um processo de trabalho

    centrado exclusivamente em aes higienistas, relegando a segundo plano a importncia da

    prtica clnica. Alm disso, ressalta-se a falta de garantia referente mudana na forma de

    relacionamento dos profissionais para com os usurios, por estar pautada sobre novos

    parmetros de trabalho (usurio-centrado) e a insegurana quanto ao desenvolvimento e

    consolidao do trabalho multiprofissional, ocasionando uma ruptura da dinmica mdico-

    centrada. E, ainda, o abandono da ideia de que altos salrios so sinnimos de garantia de

    bom atendimento.

    Como uma possibilidade para a soluo dos desafios, corrobora-se com Merhy (2001,

    p.149) sobre a necessidade de politizar o debate e a prtica profissional na ESF, instigando

    os sujeitos envolvidos com a implantao do SUS a serem sujeitos reflexivos, e no sujeitos

    da adeso pura e simples.

    2.2 PRTICA DOS PROFISSIONAIS DE NVEL SUPERIOR NA ATENO BSICA:

    FATORES FAVORVEIS E DESFAVORVEIS AO DESENVOLVIMENTO DE SEU

    PROCESSO DE TRABALHO

    A anlise da relao entre a organizao dos servios de sade e as prticas de

    ateno, da forma como ocorrem no cotidiano das famlias, na comunidade, imprescindvel

    para compreender o processo de trabalho das equipes de sade da famlia.

    De acordo com Franco e Merhy (2007), as caractersticas positivas da ESF esto

    relacionadas, essencialmente, adscrio de clientela, possibilitando estabelecer vnculos

    entre os usurios e suas famlias com os profissionais de uma determinada equipe, alm de

    permitir o reconhecimento das condies scio-econmicas e epidemiolgicas e suscitar um

    sentimento de responsabilidade pela assistncia quela populao.

    Nesse mbito, a visita domiciliria (VD) tida como um dos recursos mais valiosos

    para a equipe multiprofissional, ao possibilitar o entendimento de parte da dinmica das

    relaes familiares, atravs do contato direto e permanente do servio de sade com os

    usurios, mesmo na ausncia de problemas. Assim, atravs da mesma torna-se possvel,

    muitas vezes, detectar dificuldades antes que estas se agravem, evitar que as pessoas venham

    aos servios de sade por dvidas ou orientaes que podem ser solucionadas no mbito do

    domiclio, bem como descobrir indivduos doentes que no podem deslocar-se at o servio

    para receber um atendimento (CUNHA, 2005).

  • 39

    Para tal, a VD requer um conjunto de aes sistematizadas, que se iniciam antes e

    continuam aps a visita ao usurio em seu domiclio, permitindo, dessa forma, conhecer mais

    facilmente as condies de vida, trabalho e sade das famlias, bem como possveis causas de

    adoecimento, tais como: falta de saneamento bsico, condies de moradia, de alimentao,

    entre outras (TAKAHASHI; OLIVEIRA, 2001).

    As visitas domicilirias constituem-se em atividades externas unidade, contudo

    devem ser realizadas por toda a equipe, correspondendo a uma possibilidade de incorporao

    das tecnologias leves no cuidado. Percebe-se, porm, que o ACS o profissional que mais

    desenvolve esta tarefa, estando tal fato justificado pela responsabilidade do mesmo em

    integrar a equipe de sade e a populao adscrita unidade.

    Atualmente, de uma maneira geral no pas, a ESF representa um meio importante de

    insero de profissionais no mercado de trabalho, especialmente para aqueles em incio de

    carreira, requerendo dos mesmos, entre outros atributos, ateno, comprometimento e

    sensibilidade para as reais necessidades da populao (RONZANI; SILVA, 2008). No

    entanto, destaca-se que a permanncia desses profissionais em tal servio est, na maioria das

    vezes, condicionada falta de outras oportunidades de emprego e qualificao, contribuindo,

    indiretamente, para uma cultura de desprezo e baixo envolvimento na ateno bsica

    (CUNHA, 2005).

    Alm disso, ressalta-se como outro obstculo ESF, a proposio de programas de

    interveno culturalmente sensveis e adaptados ao contexto em que vivem as populaes aos

    quais so destinados. Esse desafio assume um desenho mais ntido e contrastante quando se

    refere a populaes vivendo e sobrevivendo em condies de misria, pobreza e desigualdade

    social. Aliado a isso, Franco e Merhy (2007, p. 113) destacam que a ESF

    (...) articula um discurso de conotao populista, voltado aos pobres, propondo-se

    como mecanismo efetivo para a sua incluso no campo da assistncia sade.

    Esconde, porm, neste discurso, suas limitaes e, pior ainda, a inteno velada de

    se promover um sistema de sade tecnologicamente empobrecido, de baixo custo,

    focado nos pobres.

    Tem-se que considerar que a equipe de sade, em especial os profissionais de nvel

    superior, geralmente, possui vivncias muito diferentes daquelas da populao adscrita ESF,

    por serem oriundos de classes sociais mais privilegiadas e viverem em ambientes que no lhes

    fornecem instrumentos que possibilitem compreender a vida (s vezes dura e difcil) da maior

    parcela de sua clientela (COSTA; CARBONE, 2004).

    De acordo com estudo de Campos e Wendhausen (2007), os profissionais de sade do

    mbito da sade da famlia, assim como os profissionais da assistncia mdica no Brasil,

  • 40

    possuem uma crena de que tudo para as classes menos favorecidas ocorre de forma mais

    difcil. Essa crena sobrevm de uma cultura repleta de conformismos, do famoso assim

    mesmo, explicado por uma sociedade marcada por desigualdade e excluso.

    Percebe-se tambm uma relao assimtrica gerada a partir da concepo de que as

    camadas mais pobres da populao tem que se submeter ao controle de agentes externos,

    neste caso, os trabalhadores de sade. Tal ajustamento hierarquiza prticas e saberes que a seu

    turno pode ser explicado pela falta de conhecimento das reais necessidades de sade daquela

    populao adscrita. Dessa forma, essa camada da populao tem que se submeter s

    imposies e normatizaes dos profissionais da sade por estes se acharem os detentores

    nicos do saber vlido ou cientfico no que se refere sade da comunidade.

    Nesse sentido, estes dois campos do saber que permeiam a vida cotidiana em sua

    tessitura, campo imanente das representaes sociais cujos contedos so compartilhados

    pelos sujeitos, gravitam em torno de dois universos que, para Moscovici (1978), so os

    universos reificado e consensual. Significa dizer que o universo reificado situa-se na esfera

    das explicaes dadas pela cincia, podendo ser evidenciado na realidade cotidiana do campo

    da sade, onde o pensamento e os saberes cientficos dos profissionais refletem este

    conhecimento. Ao mesmo tempo faz interface com as prticas e saberes do senso comum,

    presentes no dia-a-dia, inclusive dos prprios profissionais de sade, caracterizando um modo

    particular do sujeito apreender a realidade psicossocial, atribuindo significaes frente as

    subjetividades, as crenas, os valores sociais no contexto da comunicao intra, inter e extra

    grupo de pertencimento.

    Desta articulao dos diferentes saberes emanados da cincia e do senso comum,

    concorda-se com Costa e Carbone (2004) ao salientarem que os profissionais da USF em

    particular o enfermeiro, o mdico e o odontlogo devem vivenciar as famlias e sua

    realidade na rotina de um trabalho dirio para, assim, compreenderem e fazerem parte de seus

    contextos biopsicossociais, estimulando-as a frequentarem constantemente a USF como uma

    aceitao da aproximao real da equipe.

    A lgica da instituio de sade intra-muros contradiz aquela apregoada pelo SUS,

    extra-muros dos servios de sade a cargo de um nico profissional, o ACS, perpetuando o

    status quo do enfermeiro, mdico e odontlogo em suas prticas e saberes verticalizados pelas

    demandas ministeriais e do fluxo de informaes que alimentam os bancos de dados do

    mesmo, como uma questo de sobrevivncia para garantir os recursos necessrios estratgia.

    Oliveira e Albuquerque (2008), bem como Trad et al. (2002) ressaltaram que grande

    parte da populao da rea de atuao das USFs, possui uma dificuldade em compreender as

  • 41

    aes do trabalho educativo desenvolvidas pelos profissionais de sade por considerarem-no

    como uma de perda de tempo que deveria, prioristicamente, ser destinado ao atendimento

    curativo. Este conflito de interesses entre profissionais e comunidade gera uma resistncia por

    parte desta em aceitar as aes de preveno de doenas e promoo da sade, fato este

    relacionado, na maioria das vezes, com a realidade social de extrema precariedade,

    encontrando na USF a nica alternativa de acesso aos servios de sade (OLIVEIRA;

    ALBUQUERQUE, 2008).

    Reconhece-se que na ateno bsica, geralmente, a convivncia com a incerteza

    maior quando comparada ao ambiente hospitalar. Tal fato pode gerar ansiedade adicional no

    profissional de sade, pois embora a atuao naquele mbito se baseie em scripts ministeriais

    e programas verticalizados, resulta um novo posicionamento e um novo modo de fazer sade,

    que requer habilidades e competncias, acarretando aumento da complexidade do projeto

    teraputico, a ponto de serem necessrias negociaes na prpria conduta de cuidado e de

    tratamento. A expectativa de salvar vidas no se efetiva na ateno bsica (CUNHA, 2005).

    Corrobora-se com Franco e Merhy (2007) ao salientarem a normatizao imposta pelo

    Ministrio da Sade como mais um ponto desfavorvel atuao dos profissionais da ESF.

    Esta, diz respeito ao formato das equipes multiprofissionais e s funes que cada categoria

    profissional tem de cumprir na equipe de sade da famlia, determinando, com isso, o

    processo de trabalho de cada profissional. Prescreve ainda sobre o cadastro de um

    determinado nmero de famlias, sobre o levantamento dos problemas de sade existentes no

    territrio e os diversos modos de fazer a ESF, ocasionando um engessamento e estagnao da

    referida estratgia.

    Em um estudo realizado nas unidades de sade do municpio de Ribeiro Preto (SP)

    com mdicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e ACS pertencentes s equipes de

    Sade da Famlia, objetivando identificar e analisar a formao acadmica desses

    profissionais para atuarem no mbito da ateno bsica, constatou-se a necessidade de

    instruo dos mesmos para um trabalho em sade humanizado, com responsabilizao e

    vnculo com a comunidade, reconhecendo a sade como direito de cidadania. Alm disso,

    destaca-se a realidade scio-econmica da clientela atravs dos problemas cada vez mais

    diversificados, que a seu turno exigem conhecimentos da clnica ampliada, bem como

    habilidades no relacionamento interpessoal e inter-setorial (CAMELO; ANGERAMI, 2008).

    Dessa forma, observa-se que a ausncia de uma formao que inclua conhecimentos e

    aes voltadas para a ateno bsica ocasiona insegurana por parte do profissional ao lidar

  • 42

    com a populao, podendo prejudicar sobremaneira as relaes que deveriam se constituir

    entre o trabalhador e o usurio.

    Para Capozzolo (2002), os principais desafios encontrados pela classe mdica na ESF

    consistem na sobrecarga explicitada atravs do nmero excessivo de famlias, na presso da

    demanda por consultas individuais, na falta de retaguarda dos demais nveis de ateno, aliada

    s dificuldades estruturais como a falta de medicamentos, de materiais e a insegurana gerada

    pela falta de capacitao dos mesmos para exercerem a prtica de generalistas.

    Em relao aos odontlogos, ressaltam-se como desafios sua prtica na ESF,

    algumas caractersticas inerentes prpria profisso que conferem sade bucal

    particularidades as quais dificultam sua prtica no setor pblico como, por exemplo, a

    necessidade do uso de tecnologias duras na ateno bsica, assim como a integrao da equipe

    de sade bucal com a de sade da famlia para a realizao de um trabalho conjunto (SOUZA;

    RONCALLI, 2007).

    Em conformidade com estudo de Ermel e Fracolli (2006) desenvolvido no PSF do

    municpio de Marlia (SP) sobre os obstculos referidos pelos enfermeiros, tem-se que 62,5%

    dos entrevistados relataram encontrar dificuldades de interao com a equipe e consideravam

    que estas dificuldades eram decorrentes de dois tipos de ordem: pessoal (quando trabalham

    com pessoas com pensamentos muito diversos) e profissional (uma vez que cada profissional

    tem suas caractersticas prprias ou provem de diferentes estratos sociais).

    Frente aos desafios para a Enfermagem, Medicina e Odontologia, Cunha (2005)

    destaca tambm a problemtica das reunies em equipe, as quais devem fornecer condies

    mesma para lidar com a singularidade e o movimento dos sujeitos coletivos e individuais e

    no servir como um espao para brigas na medida em que um profissional da equipe distribui

    tarefas aos demais, querendo mostrar-se superior, verticalizando as decises e tomadas de

    posio.

    Noutro estudo realizado no interior do Nordeste por Silva, Silva e Losing (2006),

    identificou-se a dificuldade nas tentativas de integrao/articulao do trabalho na ESF e a

    inaplicabilidade dos princpios tericos, metodolgicos e filosficos da mesma, bem como

    seu curto alcance em termos de aes para alm do setor sade, interferindo frontalmente nos

    resultados das aes implementadas.

    Nesta sntese acerca dos desafios a serem enfrentados na ESF, adensa-se aos demais a

    questo salarial e de carreira profissional que geram nos profissionais sentimentos de

    desmotivao, desresponsabilizao na execuo das atividades e descompromisso para com

    os usurios do servio.

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    Assim, no que diz respeito s relaes de trabalho do profissional da ESF com o

    municpio, Senna (2002) aponta para os contratos informais de trabalho nos quais a

    contratao ocorre, na maioria das vezes, sem nenhum critrio, propiciando prticas

    clientelistas e vnculos contratuais ilegais ou at mesmo inexistentes em alguns casos. Ainda

    nessa discusso, Carvalho e Girardi (2002) verificaram, em uma pesquisa de mbito nacional,

    que contrataes eram realizadas na maior parte dos municpios pelas prefeituras municipais,

    constituindo-se como a principal forma de contratar profissionais de carter temporrio ou por

    meio da prestao de servios, enfraquecendo, tod