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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Katia Aparecida Andrade Coutinho O cuidado prestado pela família à criança portadora de encefalopatia hipóxico-isquêmica no contexto domiciliar: contribuições para a enfermagem Rio de Janeiro 2015

Dissertacao_ Final_katia Aparecida Andrade Coutinho

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metodo criativo sensivel

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  • Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Centro Biomdico

    Faculdade de Enfermagem

    Katia Aparecida Andrade Coutinho

    O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia

    hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a

    enfermagem

    Rio de Janeiro

    2015

  • Katia Aparecida Andrade Coutinho

    O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-

    isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a enfermagem

    Dissertao apresentada, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,

    da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    rea de concentrao: Enfermagem, Sade e

    Sociedade.

    Orientadora: Prof. Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco

    Rio de Janeiro

    2015

  • CATALOGAO NA FONTE

    UERJ/REDE SIRIUS/CBB

    Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta

    dissertao, desde que citada a fonte.

    ________________________________________ _________________________

    Assinatura Data

    C871 Coutinho, Katia Aparecida Andrade.

    O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia

    hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a

    enfermagem / Katia Aparecida Andrade Coutinho. - 2015.

    172 f.

    Orientadora: Sandra Teixeira de Arajo Pacheco.

    Dissertao (mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

    Faculdade de Enfermagem.

    1. Crianas deficientes. 2. Crianas Cuidado e higiene. 3. Cuidadores.

    4. Famlia. 5. Enfermagem peditrica. 6. Hipxia-Isquemia Enceflica. I.

    Pacheco, Sandra Teixeira de Arajo. II. Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Ttulo.

    CDU

    614.253.5

  • Katia Aparecida Andrade Coutinho

    O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-

    isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a enfermagem

    Dissertao apresentada, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao

    Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,

    da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    rea de concentrao: Enfermagem, Sade e

    Sociedade.

    Aprovada em 16 de janeiro de 2015.

    Banca Examinadora:

    _________________________________________________

    Prof. Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco (Orientadora)

    Faculdade de Enfermagem - UERJ

    __________________________________________________

    Prof. Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues

    Faculdade de Enfermagem - UERJ

    __________________________________________________

    Prof. Dra. Liliane Faria da Silva

    Universidade Federal Fluminense

    Rio de Janeiro

    2015

  • DEDICATRIA

    Dedico esta dissertao aos meus filhos Felipe e Jlia, que souberam respeitar meus

    momentos de dedicao s leituras, conviver com minha ausncia e, embora ainda crianas, me

    incentivaram como gente grande.

    Dedico tambm s famlias das CRIANES, que participaram desde estudo abrindo as

    portas de suas casas, compartilhando suas histrias, sem as quais nada disto teria sido possvel.

    Minha gratido ser eterna.

  • AGRADECIMENTOS

    Segundo os dicionrios, a gratido o ato de reconhecimento de uma pessoa por

    algum que lhe prestou um benefcio, um auxlio, um favor etc. A gratido traz junto dela

    uma srie de outros sentimentos, como amor, fidelidade, amizade e muito mais.

    Em um contexto mais amplo, pode ser explicada tambm como recognio abrangente

    pelas situaes e ddivas que a vida lhe proporcionou e ainda proporciona.

    Neste sentido, sou grata...

    Primeiramente a Deus, ser superior, de bondade infinita que me possibilitou, h anos

    atrs, escolher a Enfermagem como profisso e dela viver e sobreviver, aprendendo e

    apreendendo diariamente o verdadeiro sentido do cuidar.

    Aos meus pais Moacyr e Ana por terem constantemente me estimulado tanto na vida

    pessoal quanto profissional e pelo apoio incondicional em todas as minhas empreitadas.

    A minha irm que no momento em que precisei, se disps a me ajudar de uma maneira

    simples, mas extremamente valiosa.

    Ao meu marido Milton, pela pacincia e compreenso devido as minhas ausncias

    neste processo de dedicao ao estudo; e aos meus filhos Felipe e Jlia, pelo fato de, mesmo

    ainda crianas, terem sido capazes de me oferecer o apoio necessrio nesta jornada.

    A minha secretria Vilma, por cuidar da minha casa e dos meus filhos para que eu

    pudesse me dedicar aos estudos.

    A todos os professores do Programa de ps Graduao Strictu Sensu da Faculdade de

    Enfermagem-UERJ, por partilharem seus saberes possibilitando, desta maneira, meu

    crescimento profissional.

    Aos Enfermeiros Rogrio Marques, Renata de Oliveira Maciel e Glria Regina Gomes

    da Silva, respectivamente, Coordenador de Enfermagem, Chefe de Servio de Enfermagem da

    Mulher e da Criana e Chefe da Unidade Neonatal do Hospital Universitrio Pedro Ernesto

    UERJ, por possibilitarem minha liberao parcial para a realizao do curso de mestrado.

    Aos meus colegas da Unidade Neonatal do HUPE, em especial s Enfermeiras

    Angelina Maria Aparecida Alves e Ana Beatriz Miranda de Freitas, pelo incentivo

    permanente e por compreenderem minhas ausncias.

    Edna Pineda, grande companheira, que tantas vezes se disps a me ouvir falar das

    visitas realizadas s casas das CRIANES e o quanto estas me impactaram, alm da grande

    ajuda na hora certa.

  • s Enfermeiras Michelle de Oliveira Guimares e Rosngela Barbosa, queridas

    amigas, pelo estmulo quando participar da seleo para o mestrado era apenas um projeto de

    vida e pelas trocas permanentes de nossas experincias profissionais.

    Enfermeira Ana Paula Monteiro, pela colaborao nos trmites burocrticos.

    Fonoaudiloga Renata Lobb, com quem partilhei minhas angstias acerca dos

    cuidados das famlias s crianas portadoras de necessidades especiais de sade, quando o

    mestrado nem era um projeto em minha vida, reforando o quanto importante trabalhar em

    equipe.

    s colegas que antecederam minha turma de mestrado, em especial, Mirian Carla

    Rosse Dionsio, Ana Paula Rocha Gomes e Glaucia Ranquine pela demonstrao de

    companheirismo ao compartilharem informaes otimizando, com isto, nosso tempo. Adoro

    vocs!

    Antnia Cylindro, colega de trabalho que como companheira de algumas disciplinas

    (ela como doutoranda e eu como mestranda) nos conhecemos melhor e certamente iniciamos

    uma duradoura amizade.

    Tas Folgosa, minha companheira de orientaes, com quem dividi as ansiedades

    tpicas desta trajetria e outras tantas. Espero poder contar com sua amizade para sempre!

    s funcionrias da Secretaria do Programa de Ps-Graduao/Mestrado, Aime Luana

    Rissi Paixo, Fabola Cardoso Santos e Glaucia Araripe de Paula Fonseca, por nos ajudarem

    com pacincia, competncia e dedicao na resoluo de nossas demandas administrativas.

    bibliotecria Krin Paz, pela presteza e competncia na correo do trabalho.

    Aos familiares cuidadores das crianas portadoras de encefalopatia participantes do

    estudo, agradeo por abrirem a porta de suas casas, dispensarem parte de seu tempo,

    oportunizando-me, desta maneira, conhecer mais de perto suas realidades e assim ter a

    possibilidade de ajudar outras famlias.

    Aos Professores componentes da banca examinadora, Prof.a Dra. Liliane Faria da

    Silva, Prof.a Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues, Prof.

    a Dra. Juliana Rezende

    Montenegro Medeiros de Moraes e Prof.a Dra. Maria de Ftima Hasek Nogueira, pela

    disponibilidade em ler o material apresentado desde a qualificao e partilharem seus saberes,

    contribuindo de forma valiosa para a construo do material final.

    querida Prof.a Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues, Ben, como ela

    prefere ser chamada e como respeitosamente conhecida no meio acadmico, quero

    agradecer profundamente pela maneira gentil e carinhosa com que sempre teceu suas

    observaes acerca deste trabalho, pela credibilidade que sempre depositou em mim e por

  • no ter se deixado contaminar pela vaidade destrutiva muitas vezes vista entre aqueles que

    possuem tantos ttulos e que, mesmo imbuda dos ttulos de que fez jus, mantm a docilidade

    e simplicidade dos tempos em que fui sua aluna na graduao.

    E, finalmente, mas com a importncia devida, sou grata a minha querida orientadora

    Prof.a Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco, que de forma inteligente e brilhante me

    iniciou no universo da pesquisa, conduzindo-me de forma magistral para a execuo deste

    trabalho e, mesmo em meio as adversidades que s ELE sabe o porqu necessitamos delas,

    me ofereceu seu exemplo de compromisso, responsabilidade, dedicao e amor ao que faz.

    Agradeo muito por voc compartilhar seus conhecimentos e dedicar-se de maneira

    to comprometida aos iniciantes na pesquisa; pela pacincia em nos conduzir, muitas vezes

    quase nos carregando nos braos por este caminho to difcil, mas to fascinante que a

    trajetria do pesquisador. Voc merece ser chamada de mestre!

  • As tarefas que nos propomos, devem conter exigncias que paream ir alm de nossas foras.

    Caso contrrio, no descobrimos nosso poder, nem conhecemos nossas energias escondidas e

    assim deixamos de crescer.

    Leonardo Boff

  • RESUMO

    COUTINHO, Katia Aparecida Andrade. O cuidado prestado pela famlia criana

    portadora de encefalopatia hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies

    para a enfermagem. 2015. 172f. Relatrio final da Dissertao (Mestrado em Enfermagem)

    Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

    Os avanos tecnolgicos ocorridos nas ltimas trs dcadas na rea da sade tm

    garantido a sobrevivncia de crianas nascidas extremamente prematuras ou asfxicas, o que

    acabou gerando as chamadas crianas com necessidades especiais de sade, dentre elas, as

    portadoras de encefalopatia hipxico-isqumica. A encefalopatia acomete as crianas em

    graus variados requerendo cuidados especficos, o que implica na incluso de suas famlias

    nas aes de cuidados a criana quando no domiclio. Objeto de estudo: o cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-isqumica no contexto domiciliar. Objetivos: descrever as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no

    domiclio, identificar as prticas de cuidados desenvolvidas pelos familiares cuidadores junto

    a essas crianas e discutir os desafios determinados por esses cuidados para os familiares

    cuidadores de criana com encefalopatia no domiclio. Metodologia: pesquisa qualitativa,

    desenvolvida a partir do mtodo criativo sensvel, utilizando a dinmica corpo-saber no

    domiclio de cinco grupos de familiares cuidadores, totalizando doze familiares. O perodo de

    gerao dos dados ocorreu de fevereiro a abril de 2014. Os dados foram analisados a partir da

    anlise de discurso, em sua corrente francesa, e interpretados luz da concepo freiriana, com destaque para os conceitos de crtica reflexiva, processo de conscientizao e educao dialgica e

    o cuidado centrado na famlia. Resultados: as prticas de cuidados dos familiares apontaram

    modificaes nos cuidados habituais de alimentao, higiene, desenvolvimento e

    medicamentoso. Na prtica da alimentao, os familiares expressaram suas condutas frente

    alimentao por via oral ou por gastrostomia e suas crenas e atitudes frente a essas prticas alimentares. Quanto higiene, revelaram a necessidade de adaptaes na prtica habitual do

    banho. No que se refere aos cuidados voltados ao desenvolvimento, apontaram o lazer e as

    brincadeiras como elementos adjuvantes ao favorecimento do desenvolvimento infantil. O

    cuidado medicamentoso emergiu como parte do universo das famlias, apontando a

    necessidade dos profissionais de sade, em especial, os da enfermagem, inclurem esta

    temtica em suas pautas de orientaes. Quanto aos desafios vividos pelos familiares, esses

    estiveram relacionados ao medo e a inexperincia no cuidar da criana, ao enfrentamento e a

    aceitao da necessidade especial de sade, a necessidade de uma rede de solidariedade

    cooperando nas dificuldades econmicas e ao atendimento em sade por diferentes

    profissionais e especialidades. Concluso: as mltiplas dimenses de cuidados apresentadas

    pelas crianas com necessidades especiais de sade apontam para o profissional de enfermagem a necessidade de desenvolver seu papel educador junto aos familiares pautado na

    dialogicidade e horizontalidade facilitando, assim, a relao com os estes, em benefcio da

    criana e promovendo a aproximao profissional/famlia, O estudo assinala a necessidade de

    dos profissionais de sade, em especial, o enfermeiro, perceberem a famlia como um

    elemento chave no processo de cuidar da criana com necessidades especiais de sade quando

    no domiclio.

    Palavras-chave: Criana com Deficincia. Cuidado da Criana. Cuidador. Famlia.

    Enfermagem

  • ABSTRACT

    COUTINHO, Katia Aparecida Andrade. The care provided by the family to children with hypoxic-ischemic encephalopathy in the home context: contributions to nursing. 2015.

    172f. Relatrio final da Dissertao (Mestrado em Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

    The technological advancements in the last three decades in health care have ensured

    the survival of extremely premature infants or with asphyxia, which has led to what is called

    children with special health care needs, among them, the carriers of hypoxic-ischemic

    encephalopathy. Encephalopathy affects children in varying degrees requiring specific care,

    which implies the inclusion of their families in child-care actions when at home. Object of

    study: the care given by the family to children with hypoxic-ischemic in the home context.

    Objectives: to describe the demands of care to child carrier of encephalopathy at home; to identify the care practices developed by family caregivers with these children and to discuss

    the challenges determined by such care for family caregivers of children with encephalopathy

    at home. Methodology: qualitative research, developed from the sensitive creative method,

    using the dynamic body-know in the household of five groups of family caregivers,

    amounting to twelve family members. The period of data generation occurred from February

    to April 2014. Data were analyzed from the speech analysis, in its French chain, and

    interpreted in the light of Freire's conception, especially the concepts of reflexive criticism,

    awareness process and dialogical education and family-centered care. Results: family care

    practices showed changes in usual care of feeding, hygiene, development and medical care. In

    the practice of feeding, family members expressed their behavior in face of oral or gastrostomy feeding and their beliefs and attitudes about these eating habits. As for hygiene,

    they revealed the need for adjustments in the bath usual practice. With regard to care aimed at

    the development, they pointed leisure and play as adjuvant elements to favor the child

    development. Medical care has emerged as part of the universe of the families, pointing to the

    need for health professionals, in particular nursing professionals, to include this issue in their

    agendas guidelines. On the challenges faced by families, these were related to fear and

    inexperience in caring for the child, to coping and acceptance of special health need, the need

    for a solidarity network cooperating in economic difficulties and in health care by different

    professionals and specialties. Conclusion: the multiple dimensions of care presented by

    children with special health care needs point to nursing professionals the need to develop their

    educational role with relatives ruled in dialog and horizontality, thus facilitating the relationship with them, for the benefit of the child and promoting professional/family

    approximation. This study points out the need for health professionals, especially nurses, to

    realize the family as a key element in the care process to child with special health care needs

    when at home.

    Keywords: Children with Disabilities. Child Care. Caregiver. Family. Nursing.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares

    criana portadora de necessidades especiais de sade ...............................

    30

    Quadro 2 - Descrio do planejamento e organizao da Dinmica de Criatividade e

    Sensibilidade Corpo Saber .........................................................................

    52

    Quadro 3 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Davi ............................... 55

    Quadro 4 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Ana ................................ 57

    Quadro 5 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Eva ................................ 60

    Quadro 6 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Ddimo .......................... 62

    Quadro 7 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Elisa .............................. 64

    Quadro 8 - Universo temtico relacionado aos cuidados com o corpo cognoscvel

    componente das demandas e prticas de cuidados das famlias de

    crianas com encefalopatia hipxico isqumica.........................................

    71

    Quadro 9 - Universo temtico relacionado aos desafios impostos pelas demandas e

    prticas de cuidados das famlias com as crianas portadoras de

    encefalopatia hipxico isqumica...............................................................

    129

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Fluxograma da operacionalizao do MCS ............................................... 49

    Figura 2 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Elisa................ 76

    Figura 3 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Ana................. 78

    Figura 4 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Eva ................. 90

    Figura 5 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Davi ............... 99

    Figura 6 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Ddimo ........... 106

    Figura 7 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Elisa................ 112

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AD Anlise de discurso

    AGE cido graxo essencial

    APGAR

    ABRASCO

    Parmetro utilizado na avaliao do recm nascido em sala de parto

    Associao Brasileira de Sade Coletiva

    BDENF Banco de Dados Bibliogrficos Especializada na rea de Enfermagem

    BIREME Biblioteca Regional de Medicina

    BPC Benefcio de Prestao continuada da Assistncia Social

    BVS Biblioteca Virtual em Sade

    CCF Cuidado Centrado na Famlia

    CEP Comit de tica em Pesquisa

    CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa

    CPAP(ingls) Presso positiva contnua na via area

    CRIANES Criana com necessidade especial de sade

    CSHCN Children with special healt care needs

    DBP Displasia broncopulmonar

    DCS Dinmica de Criatividade e Sensibilidade

    DNM

    IBGE

    Disfuno neuromuscular

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IG

    IPEA

    Idade gestacional

    Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada

    LILACS Literatura Latini-Americana em Cincias de Sade

    MCS Mtodo criativo sensvel

    NES Necessidades especiais de sade

    MS Ministrio da Sade

    PC Paralisia cerebral

    PNI

    RIPSA

    Programa nacional de imunizao

    Rede Interagencial de Informaes para a Sade

    SHI Sndrome hipxico-isqumica

    SIM Sistema de informao sobre mortalidade

    SINASC Sistema de informao sobre nascidos vivos

    SMS/RJ Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro

  • SNC Sistema nervoso central

    SVS Secretaria de Vigilncia em Sade

    TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido

    TMI Taxa de mortalidade infantil

    TMM5 Taxa de mortalidade entre menores de 5 anos

    UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    UTIN Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal

  • SUMRIO

    CONSIDERAES INICIAIS ............................................................. 16

    1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA ................................................... 26

    1.1 As demandas de cuidados da criana da criana portadora de

    encefalopatia hipxico isqumica ..........................................................

    26

    1.2 Localizando na literatura cientfica as prticas de cuidados dos

    familiares s crianas com necessidades especiais de sade ...............

    27

    2 REFERENCIAL TERICO ................................................................. 34

    2.1 Contribuies da concepo freireana para o cuidado familiar criana portadora de encefalopatia hipxico isqumica .....................

    34

    2.2 O cuidado centrado na famlia .............................................................. 38

    3 ABORDAGEM E MTODO DE PESQUISA ..................................... 42

    3.1 Tipo de Pesquisa e Mtodo .................................................................... 42

    3.2 Participantes do estudo .......................................................................... 44

    3.3 Procedimentos e estratgias de desenvolvimento da pesquisa ........... 46

    3.4 Descrio do planejamento e implementao da DCS corpo saber ... 50

    3.5 Aspectos ticos da pesquisa ................................................................... 53

    3.6 Critrios para o encerramento do trabalho de campo ........................ 53

    3.7 Perodo de produo de dados .............................................................. 54

    3.8 Os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de encefalopatia hipxico isqumica .................................................................................

    54

    3.8.1 Davi, sua famlia e suas condies de vida .............................................. 55

    3.8.2 Ana, sua famlia e suas condies de vida ............................................... 57

    3.8.3 Eva, sua famlia e suas condies de vida ................................................ 60

    3.8.4 Ddimo, sua famlia e suas condies de vida .......................................... 62

    3.8.5 Elisa, sua famlia e suas condies de vida .............................................. 64

    4 ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS ................... 66

    5 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................ 71

    5.1 Os cuidados cotidianos dos familiares junto s crianas com encefalopatia hipxico isqumica ..........................................................

    71

    5.1.1 A prtica de cuidados com a alimentao ................................................ 72

    5.1.2 A prtica de cuidados com a higiene corporal ......................................... 88

    5.1.3 A prtica de cuidados voltadas para o desenvolvimento da criana ..... 96

    5.1.3.1 Estmulo ao desenvolvimento propriamente dito ..................................... 96

  • 5.1.3.2 Estmulo ao desenvolvimento motor ........................................................ 98

    5.1.3.3 Estmulo ao desenvolvimento cognitivo .................................................. 102

    5.1.3.4 Estmulo ao desenvolvimento scio afetivo ............................................. 107

    5.1.4 A prtica de cuidados medicamentosos .................................................... 118

    5.2 Os desafios dos familiares no cuidar da criana com encefalopatia hipxico isquemica .................................................................................

    129

    5.2.1 O medo e a inexperincia no cuidar da criana ........................................

    130

    5.2.2 O enfrentamento e a aceitao da necessidade especial de sade............ 134

    5.2.3 A rede de solidariedade ajudando a superar as dificuldades econmicas 144

    5.2.4 O atendimento de sade por diferentes profissionais e diversas

    especialidades ...........................................................................................

    147

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................. 153

    REFERNCIAS .................................................................................... 157

    APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............ 167

    APNDICE B Instrumento de Entrevista Semi-Estruturada ............... 169

    ANEXO - Aprovao do Comit de tica em Pesquisa........................... 171

  • 16

    CONSIDERAES INICIAIS

    Aproximao com a temtica

    A atuao como Enfermeira, prestando assistncia na rea da Sade da Criana em

    instituies pblicas do Municpio do Rio de Janeiro, fez-me, ao longo de minha trajetria

    profissional, buscar constantemente a qualificao necessria condio de enfermeira lder

    de equipes.

    Neste percurso, surgiu a docncia na rea da Sade da Criana, em uma Faculdade de

    Enfermagem da rede privada, supervisionando acadmicos do 7 perodo em estgio

    curricular, o que me proporcionou experincias variadas e enriquecedoras relacionadas ao

    cuidado a esta clientela.

    Nos ltimos anos, a atuao assistencial e docente em um hospital peditrico da

    Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro possibilitou-me observar vrias mudanas

    no perfil das crianas admitidas. A Unidade de Internao Clnica, onde sou responsvel pela

    superviso dos acadmicos, atendia a uma clientela peditrica com patologias clnicas de

    baixa complexidade e de especialidades diversas. Com o passar dos anos, diante dos avanos

    tecnolgicos introduzidos na rea da sade, contribuindo para a sobrevivncia de crianas

    com diversos diagnsticos, esta clientela foi sendo constituda por crianas com patologias

    crnicas, muitas delas necessitando de tecnologias para suporte de vida.

    Neste contexto, participei da trajetria de muitas famlias que acompanhavam a

    hospitalizao de suas crianas por longos perodos ou vrias internaes durante o ano, e

    sempre me sensibilizei com suas vivncias. Na maioria das vezes, as famlias eram

    representadas pelas mes, muitas destas, mes de crianas portadoras de encefalopatias

    decorrentes de causas variadas.

    Durante a internao hospitalar, elas relatavam frequentemente que o diagnstico de

    encefalopatia de seus filhos havia provocado alteraes no contexto familiar, as quais

    precisaram se adaptar a fim de conviverem com essa nova realidade em suas vidas.

    Percebia que o impacto nessas famlias causado por essa doena crnica e/ou

    incapacitante era intenso e atingia-lhes social, econmica, fsica e emocionalmente.

    Para cuidar dessa criana com necessidades especiais de sade (NES), essas mulheres

    acabavam por no ter vida social, relacionada ao lazer, pois precisavam dedicar-se quase que

    24 horas do dia a este filho. Esta dedicao criana, normalmente, gera um aumento na

  • 17

    carga de trabalho da me, pois as demandas so muitas e variadas, e fazem com que elas

    deleguem aos familiares o cuidado com os outros filhos.

    Quanto aos aspectos financeiros, a extensa e pesada demanda de cuidados dessas

    crianas levava a maioria das mes a deixarem seus empregos, o que diminua a renda per

    capita das famlias.

    No que tange aos aspectos fsicos, era visvel o desgaste sofrido no decorrer dos anos,

    pois as crianas cresciam, o nvel de dependncia aumentava, tornando o esforo fsico

    demasiadamente grande.

    Em relao s questes emocionais, pelo fato de precisarem apropriar-se de novos

    saberes e prticas para cuidar de seus filhos, as mes acabavam se sentindo inseguras, com

    dvidas e medo de prestar cuidados a estes, apontando para ns, profissionais de sade, a

    necessidade de ajud-las a transpor essas barreiras.

    Recentemente, j determinada a candidatar-me a uma vaga no Programa do Ps-

    Graduao Strictu Sensu da Faculdade de Enfermagem UERJ, em nvel de Mestrado, cursei

    a disciplina Tendncias do Cuidar/Cuidado: um enfoque centrado na famlia, na qual se

    buscou discutir, dentre outros aspectos, a importncia do reconhecimento da famlia como

    unidade de cuidado da enfermagem e a valorizao dessa no cuidado criana seja no

    contexto hospitalar ou domiciliar.

    Assim, a partir dessa trajetria profissional, senti-me motivada a desenvolver este

    estudo dando voz s famlias acerca dos cuidados prestados aos seus filhos portadores de

    encefalopatia quando no domiclio.

  • 18

    Contextualizando a problemtica do estudo

    a) A criana com necessidades especiais de sade

    Nos ltimos anos, inmeros esforos tm sido realizados no sentido de atribuir um

    conceito que melhor identifique as vrias crianas que vivem em condies crnicas de sade,

    bem como o impacto que esta clientela provoca nos servios de sade e de assistncia social.

    (HOCKENBERRY; WILSON, 2011)

    De acordo com os autores supracitados, crianas com necessidades especiais de sade

    (CRIANES) so definidas como aquelas que apresentam ou esto em maior risco de

    apresentarem dficit na condio fsica, de desenvolvimento, comportamental ou emocional,

    alm de necessitarem dos servios de sade, especialmente os relacionados s especialidades,

    em maior demanda que as exigidas pela maioria das crianas.

    Cunha e Cabral (2001) retratam as dcadas de 80 e 90 como cruciais para o

    surgimento desta clientela especial devido aos avanos tecnolgicos relativos a equipamentos,

    medicamentos e tcnicas adotados nas Unidades Neonatais, objetivando a assistncia s

    crianas nascidas com extrema prematuridade, muito baixo peso ou patologias congnitas

    antes incompatveis com a vida, gerando uma clientela que elas denominaram de herdeiros

    da terapia intensiva.

    Nesta mesma linha de pensar, Almeida et al (2006) reforam que os investimentos

    tecnolgicos relativos assistncia hospitalar provocaram o aumento da sobrevida de

    pacientes graves e com doenas crnicas, o que contribuiu para o surgimento de outra

    situao peculiar que a alta hospitalar, numa frequncia cada vez maior de pacientes de

    todas as idades com sequelas e dependentes de cuidados temporrios ou permanentes.

    Tal situao afeta no somente as crianas com necessidades especiais de sade em

    razo das modificaes em suas vidas decorrentes dos cuidados especficos a que devem ser

    submetidas mas tambm a famlia que ganha destaque como cuidadora principal, j que no

    seio familiar podem ser observadas as principais alteraes de sade decorrentes do

    diagnstico. Assim, a famlia deve participar do processo de cuidado desde a hospitalizao,

    visto que a doena e a hospitalizao alteram a dinmica familiar, gerando o estresse que

  • 19

    permeia as relaes interpessoais, podendo at mesmo gerar uma crise entre os membros da

    famlia (SILVEIRA; NEVES, 2011).

    A singularidade e a complexidade dos cuidados de que necessitam apontam para a

    equipe de sade e tambm para o familiar /cuidador das CRIANES os desafios no cuidar

    destas crianas (NEVES; CABRAL, 2008a).

    Rezende e Cabral (2010) assinalam que, no Brasil, as classes econmicas menos

    favorecidas encontram-se mais expostas s doenas e agravos, pois possuem menos acessos s

    aes de ateno primria e aos servios de sade, diminuindo, portanto, a probabilidade de

    receber tratamentos essenciais e encaminhamentos a servios de nvel secundrio e tercirio.

    Deste modo, a CRIANES, cuja famlia encontra-se nesta situao socioeconmica, est em

    risco em funo de sua vulnerabilidade social, o que pode torn-la mais frgil clinicamente.

    Neste contexto, percebe-se que as necessidades de sade dos indivduos envolvem um

    conjunto de atributos que, presentes ou ausentes em suas vidas, influenciam de maneira direta

    ou indireta em seu estado de sade. Tais necessidades dependem das condies de vida, do

    acesso s tecnologias que melhoram ou prolongam a vida, do vnculo existente entre os

    usurios das aes/servios e os profissionais de sade, alm do grau de autonomia de cada

    indivduo na conduo da prpria vida (COLLET et al, 2012).

    b) Aspectos epidemiolgicos das crianas com necessidades especiais de sade no Brasil e no

    mundo

    No Brasil, o Ministrio da Sade (MS), por meio do Sistema de Informao sobre

    Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informao sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria

    de Vigilncia em Sade (SVS), se responsabiliza pela coleta, anlise e divulgao de dados

    relativos ao nascimento e sade da populao brasileira, e estes vm apresentando uma

    progressiva tendncia queda relativa s taxas de mortalidade desde a metade da dcada de

    1990 (HOCKENBERRY e WILSON, 2011).

    A Rede Interagencial de Informaes para a Sade (RIPSA) concebida por grupo de

    trabalho do qual fazem parte as principais estruturas do Ministrio da Sade, a Organizao

    Pan-Americana da Sade e instituies-chave da poltica de informaes em sade no Pas

    (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, Associao Brasileira de Sade

    Coletiva - ABRASCO, Faculdade de Sade Pblica da USP e Instituto de Pesquisa e

    Economia Aplicada - IPEA), apresenta os indicadores de mortalidade a partir de informaes

  • 20

    organizadas pelo Sistema de Informaes sobre Nascidos Vivo (SINASC) e Sistema de

    Informao sobre Mortalidade (SIM) (BRASIL, 2012).

    De acordo com a RIPSA, a taxa de mortalidade entre menores de cinco anos (TMM5)

    vem apresentando significativa queda com nmeros que variam de 53,7/1000 nascidos vivos

    no ano de 1990, para 30,1/1000 nascidos vivos em 2000 e 17,7/1000 nascidos vivos em 2011.

    A mesma fonte tambm informa uma progressiva queda nas taxas de mortalidade

    infantil TMI (menores de 1 ano), que no ano de 1990 apresentava-se com 47,1/1000 nascidos

    vivos, em 2000, 26,1/1000 nascidos vivos e em 2011 15,3/1000 nascidos vivos.

    Estes dados tornam evidente o impacto causado pelos avanos tecnolgicos na rea

    neonatal e peditrica apontado por Neves e Cabral (2009) como responsveis pelo

    prolongamento da vida de crianas clinicamente frgeis, provocando o crescimento de

    crianas sobreviventes com sequelas advindas da recuperao dos quadros agudos de doenas

    e/ou do processo teraputico.

    Para as autoras supracitadas, trs fatores contriburam de forma determinante para a

    mudana no perfil da infncia brasileira. Primeiramente, a melhoria das condies ambientais

    e nutricionais da populao infantil brasileira; a seguir, a implementao de programas,

    estratgias e aes de sade direcionadas ao quadro de morbimortalidade infantil, como por

    exemplo, o Programa Nacional de Imunizao (PNI) provocando impacto sobre a reduo das

    doenas infecciosas e imunoprevinveis; e, por ltimo, a incorporao de novas tecnologias na

    recuperao das doenas infantis por causas congnitas e adquiridas.

    No Brasil, no h estatsticas oficiais sobre as crianas com necessidades especiais de

    sade, porm dados resultantes de um estudo realizado no Municpio do Rio de Janeiro,

    relativos ao perodo de 1994 a 1999, demonstraram que 74,2% das crianas egressas da

    terapia intensiva neonatal necessitaram de terapia de longo prazo e 6,3% de 1.355 crianas da

    terapia intensiva peditrica possuam algum tipo de necessidade especial de sade (CABRAL,

    MORAES, SANTOS 2003; CABRAL et al., 2004).

    Vernier e Cabral (2006) referem que, no Sul do Brasil (Santa Maria - RS), o ndice de

    necessidades especiais atribudas a intercorrncias no perodo perinatal foi de 58,5%.

    O estudo de Neves e Cabral (2008b) apontam as causas perinatais como origem da

    necessidade especial de sade. Em seus estudos, as autoras referem que 58,5% dos

    diagnsticos iniciais de crianas com necessidades especiais de sade se relacionaram s

    causas perinatais, achados que coincidem com dados do Ministrio da Sade da mesma poca

    que apontam que 57,5% das causas de internaes hospitalares, entre menores de cinco anos,

    foram atribudas s afeces perinatais e malformaes congnitas.

  • 21

    Assim, pode-se observar que a rpida evoluo da tecnologia referente a

    medicamentos e equipamentos trouxe benefcios sade das crianas e gerou uma nova

    clientela, denominada, em 1998, pelo Maternal and Health Children Bureau (EstadosUnidos),

    de Children with Special Health Care Needs - CSHCN.

    Essas crianas representam um grupo especfico da clientela peditrica, pois

    demandam cuidados especiais de sade, seja de natureza temporria ou permanente, com uma

    pluralidade de diagnsticos mdicos, dependncia contnua dos servios de sade e de

    diferentes profissionais devido sua fragilidade clnica (NEVES; CABRAL, 2008b).

    No Brasil, estudos tm apontado que um percentual de crianas egressas da terapia

    intensiva peditrica pertence ao grupo de crianas com demandas de cuidado especiais

    (CABRAL; MORAES; SANTOS, 2003; CABRAL et al, 2004).

    Em pases desenvolvidos, esse panorama no diferente. O nmero de crianas

    portadoras de necessidades especiais de sade crescente.

    Nos Estados Unidos da Amrica, os avanos tecnolgicos tambm contriburam para o

    aumento substancial da sobrevida dos recm-nascidos de extremo baixo peso e muito baixo

    peso ao nascer. Como resposta a esta situao, observou-se uma estimativa de que 15 a 18%

    das crianas americanas vivem com alguma doena crnica ou incapacitante, exigindo uma

    demanda de cuidado especializado ou com uma magnitude superior geralmente requerida

    pela maioria das crianas (HOCKENBERRY; WILSON, 2011).

    Estes autores tambm afirmam que as doenas respiratrias, acompanhadas de

    comprometimento da fala, sentidos especiais e inteligncia retratam as condies que mais

    comumente causam incapacidade nas crianas americanas. Os transtornos mentais e do

    sistema nervoso representam cerca de 1/6 de todas as incapacidades na infncia.

    c) As necessidades especiais de sade da criana portadora de encefalopatia hipxico-

    isqumica

    Sendo o crebro responsvel pelo comando das funes fisiolgicas do nosso corpo

    como respirao, controle das eliminaes, movimentos, pensamento e os sentidos, uma

    agresso ainda que pequena nesta estrutura acarreta consequncias muitas vezes irreversveis.

    A leso, dano ou disfuno do sistema nervoso central (SNC) que acomete

    frequentemente crianas, no incio da vida e conhecida como paralisia cerebral, no deve ser

    vista como uma doena, e sim, como uma condio mdica especial. Esta condio

  • 22

    caracteriza-se como um termo coletivo para descrever as encefalopatias crnicas infantis no

    progressivas.

    Foi descrita pela primeira vez em 1843, sendo representada, principalmente, por

    rigidez muscular, podendo ser relacionada s intercorrncias no parto. A expresso Paralisia

    Cerebral (PC) foi sugerida por Freud, para se referir s crianas que apresentavam transtornos

    motores leves, moderados ou severos, devido leso no sistema nervoso central. Embora seja

    um distrbio no progressivo, as manifestaes clnicas evoluem com a maturao cerebral.

    (ANDERS; SOUZA, 2008; SIMES et al, 2013)

    A evoluo vertiginosa da neurologia, nos ltimos anos do sculo XX, trouxe novos

    paradigmas teraputicos associados a novos compostos farmacolgicos, aumentando a

    capacidade de diagnstico e interveno s crianas portadoras de distrbios desta ordem.

    Atualmente, as doenas neurolgicas em crianas e adolescentes ocupam um espao

    importante no grupo de patologias que acometem esta populao, gerando situao de

    dependncia para a criana e a famlia, repercutindo significativamente nas demandas fsicas,

    econmicas, sociais e emocionais (CARVALHO; BRITO, 2012).

    As alteraes ocorridas nas estruturas cerebrais podem gerar grandes limitaes fsicas e

    de desenvolvimento neuropsicomotor, transformando as crianas acometidas em indivduos

    que apresentam incapacidades de ordem motora, limitao para o desempenho de atividades

    que vo desde a simples movimentao ao relacionamento interpessoal (GODIM;

    PINHEIRO; CARVALHO, 2009).

    Autores como Kliegman et al (2006) referem que a encefalopatia na infncia pode ser

    decorrente de variadas causas sendo consideradas como principais as decorrentes de fatores

    pr-natais (prolapso de cordo umbilical, infeces uterinas etc.), perinatais (anxia

    decorrente de parto prolongado ou prematuridade etc.) e ps-natais (acidentes vasculares,

    intoxicaes, entre outros). Tal condio ocasiona distrbios na funo motora, de incio, na

    primeira infncia, caracterizados por paralisias, espasticidade e/ou movimentos involuntrios

    dos membros, anormalidades nos padres posturais, interferindo nas habilidades funcionais,

    podendo estar associada a alteraes cognitivas, visuais, auditivas e distrbios da fala.

    Desta forma, avalia-se que as leses neurolgicas desta ordem podem interferir de

    maneira considervel na interao da criana em contextos relevantes, influenciando a

    aquisio e o desempenho de marcos motores bsicos como rolar, sentar, engatinhar e andar, e

    tambm atividades da rotina diria, como tomar banho, alimentar-se, vestir-se, locomover-se

    em ambientes variados (MANCINI et al, 2004).

  • 23

    Em razo de o crescimento e o desenvolvimento nas crianas serem considerados

    processos que envolvem transformaes, aquisio de habilidades e competncias, alteraes

    relacionadas a estes fatores deixam-nas vulnerveis em cada etapa de suas vidas.

    Portanto, na perspectiva de atender s demandas de cuidados impostas por esta situao,

    devemos considerar as peculiaridades de sade de cada fase do processo de crescimento e

    desenvolvimento, alm das situaes existenciais concretas, que constituem as necessidades

    de sade dos indivduos, que envolve a possibilidade de acesso e consumo de toda tecnologia

    de sade capaz de melhorar e prolongar sua vida.

    Com relao situao de doena crnica na infncia, por ser um fator que interfere

    diretamente no desenvolvimento, impe limites s atividades dirias, cujas repercusses no

    processo de crescimento e desenvolvimento afetam o cotidiano de todos os membros da

    famlia, alm de requerer assistncia e seguimento por profissionais de sade de diversas

    especialidades.

    No que tange ao cuidado domiciliar criana portadora de encefalopatia, autores

    afirmam que esta necessita de um cuidado diferenciado, pois apresenta limitaes no

    desempenho das atividades da vida diria, como autocuidado, higiene, interao social,

    precisando da ajuda de familiares cuidadores (DANTAS et al, 2012).

    Godim, Pinheiro e Carvalho (2009) sinalizam que as famlias no esto preparadas para

    o nascimento de uma criana que apresente alteraes fsicas e/ou mentais, pois as

    expectativas esto voltadas para receber uma criana inteligente, produtiva, integrada e que

    seja, acima de tudo, saudvel e perfeita fisicamente.

    Para as autoras supracitadas, a notcia de uma criana com uma doena crnica ou

    incapacitante recebida com perplexidade pelos pais e, posteriormente, por toda a famlia,

    porm, Dantas et al (2012) afirmam que, na dinmica cotidiana, a famlia busca condio

    para se readaptar e enfrentar a nova situao, com o objetivo de resgatar o bem-estar comum.

    Cuidar de uma criana com o que se denomina padro de crescimento e de

    desenvolvimento normal uma tarefa complexa e que necessita de tempo. No que se refere

    criana portadora de encefalopatia, sentimentos e cuidados mais simples, esperados da me

    para com seu filho, como olhar, segurar no colo, aliment-lo, podem ser geradores de intensa

    dificuldade, tanto por limitaes desta, decorrentes das alteraes de tonicidade muscular,

    como pelo transtorno emocional vivenciado pela me. A superao de tais sentimentos requer

    mobilizao emocional da famlia para a aceitao do filho (DANTAS et al, 2010).

    A dependncia de um cuidador para realizar atividades consideradas habituais como

    higiene pessoal, alimentao ou caminhar notria, portanto, o cuidado a estas crianas torna-

  • 24

    se mais difcil, principalmente em decorrncia das alteraes clnicas da disfuno, como

    atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, distrbios de movimento, linguagem, cognitivo

    etc. Com o aumento da estatura, do peso da criana e o agravamento do quadro neurolgico,

    as dificuldades para o cuidado, sobretudo, relacionadas locomoo, aumentam; no entanto,

    com o passar do tempo, muitas famlias se adaptam a esta condio transformando estas

    dificuldades em atividades de rotina (DANTAS et al, 2012).

    De acordo com Godim, Pinheiro e Carvalho (2009), no que diz respeito ao cuidado s

    crianas portadoras de encefalopatias, fica evidente a importncia da instrumentalizao dos

    familiares cuidadores, uma vez que estas CRIANES trazem consigo necessidades de sade

    com maior nvel de complexidade. O surgimento dessas necessidades reflete diretamente no

    comportamento da famlia envolvida, devendo-se oferecer condies para minimizar as

    consequncias malficas da patologia, objetivando a qualidade de vida da CRIANES.

    A este respeito, para Barbosa, Balieiro e Pettengill (2012), a famlia de uma criana

    portadora de necessidades especiais apresenta dificuldades para reconstruir metas e escolher

    os caminhos para realizar os cuidados a seu filho com necessidades especiais de sade, pois

    esta vivncia permeada pela ausncia de informaes e pelo distanciamento do profissional

    de sade.

    As autoras ainda referem que diante desta experincia algumas famlias superam o

    desafio, enquanto outras apresentam maior dificuldade, no conseguindo reorganizar-se. Tal

    condio pode ser evidenciada pelas demonstraes de desesperana, desnimo e cansao

    diante da jornada imposta pelos cuidados com a criana, ameaando sua estrutura e sua

    capacidade de reagir frente s situaes de crise.

    Neste sentido, Neves e Cabral (2008b) apontam que as aes de sade devem incluir a

    famlia cuidadora no planejamento dos cuidados, favorecendo a interao entre cuidadores e

    profissionais, uma vez que eles precisam apreender diferentes saberes e prticas alheias ao seu

    cotidiano. Nesse contexto, a equipe de enfermagem se constitui como mediadora desses

    saberes e prticas, valorizando os aspectos scio-histrico-cultural e promovendo o

    empoderamento da famlia cuidadora para o processo de cuidar de uma CRIANES por meio

    da relao dialgica.

    Portanto, o dilogo estabelecido entre os profissionais de sade e a famlia representa

    um dos inmeros caminhos para negociar saberes e prticas sobre os cuidados s CRIANES e,

    portanto, a prtica dialgica (eu-tu no dilogo) um instrumento de conscientizao e

    cidadania, que implica dar voz ao outro, rompendo com a cultura do silncio, construindo

  • 25

    saberes de modo que o outro que est em mim influencia e influenciado pelo contedo

    scio- histrico- cultural e ideolgico que ele traz consigo (NEVES; CABRAL, 2008b).

    Diante do exposto, delineou-se como objeto deste estudo: o cuidado prestado pela

    famlia criana portadora de encefalopatia no contexto domiciliar.

    Assim, pretendeu-se responder s seguintes questes norteadoras:

    a) Quais as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no

    domiclio?

    b) Quais os cuidados realizados pelos familiares com a criana portadora de

    encefalopatia no domiclio?

    c) Quais os desafios dos familiares para cuidar da criana portadora de

    encefalopatia no domiclio?

    A fim de atender as questes acima, foram traados os seguintes objetivos:

    a) Descrever as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no

    domiclio;

    b) Identificar as prticas de cuidados desenvolvidas pelos familiares cuidadores

    junto a essas crianas;

    c) Discutir os desafios determinados por esses cuidados para os familiares

    cuidadores de criana portadora de encefalopatia no domiclio.

  • 26

    1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA

    1.1 As demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia hipxico isqumica

    A sndrome hipxico-isqumica (SHI) consiste em uma doena multissistmica, com

    acometimento generalizado, decorrente de significativa hipoperfuso tecidual e consequente

    diminuio da oferta de oxignio relacionada s mais diversas etiologias (PROCIANOY;

    SILVEIRA, 2001).

    A injria ao feto ou ao recm-nascido, decorrente da falta de oxignio (hipoxemia)

    e/ou falta de perfuso (isquemia), denominada como asfixia perinatal. Quando a asfixia

    compromete a perfuso tecidual cerebral pela diminuio significativa da oferta de oxignio,

    alterando o metabolismo celular aerbico para anaerbico, com consequente disfuno

    mltipla de rgos e graves leses cerebrais manifestadas por convulses e outros sinais

    neurolgicos, caracteriza-se a encefalopatia hipxico-isqumica (CRUZ; CECCON, 2010).

    As ocorrncias perinatais, incluindo aquelas relacionadas s condies de parto e

    nascimento, representam a causa principal para o surgimento da encefalopatia e consequente

    necessidade especial de sade na criana (CABRAL et al, 2004).

    Hockenberry e Wilson (2011) descrevem que os recm-nascidos so especialmente

    vulnerveis leso cerebral principalmente por isquemia causada pela variao do fluxo

    sanguneo cerebral decorrente da asfixia, tornando a paralisia cerebral um dos distrbios

    neurolgicos mais comuns entre recm-nascidos a termo ou pr-termo que sofreram

    encefalopatia hipxico-isqumica secundria asfixia perinatal.

    As crianas portadoras de encefalopatia hipxico isqumica apresentam

    hipertonicidade, dificuldades motoras finas e grossas, fraqueza motora, movimentos

    desconexos, involuntrios, comprometimento da coordenao, dificuldade de deglutio,

    atraso no desenvolvimento, comprometimento sensorial, convulses dentre outros

    (HOCKENBERRY; WILSON, 2011).

    Assim, como j descrito por Cabral (1998a), tais crianas representam um conjunto de

    crianas que demandam cuidados especiais de sade. Estas demandas foram classificadas em

    quatro tipos: cuidados tecnolgicos, habituais, de desenvolvimento e medicamentosos

    (CABRAL et al, 2004).

    Os cuidados de desenvolvimento so realizados junto s crianas que apresentam

    algum tipo de disfuno neuromuscular (DNM) que necessitam de acompanhamento

  • 27

    psicomotor; os cuidados habituais modificados dizem respeito ao conjunto de prticas

    implementadas nas atividades da vida diria da criana associadas ao processo de cuidar

    como, por exemplo: medidas antirrefluxo, higiene pessoal, alimentao, entre outros.

    J os cuidados tecnolgicos so aqueles dispensados s crianas que necessitam de

    algum tipo de tecnologia para sobreviver, tais como: oxigenoterapia, gastrostomia;

    finalmente, no que se refere aos cuidados relacionados terapia medicamentosa, estes esto

    dizem respeito administrao de medicamentos de maneira contnua ou prolongada no

    domiclio pelos familiares cuidadores (CABRAL et al, 2004; NEVES, 2008).

    Por terem maior possibilidade de adquirir doenas, apresentar distrbios nutricionais

    (desnutrio) e dificuldades motoras, as crianas com encefalopatia podem apresentar vrias

    demandas de cuidados, podendo variar entre os cuidados de desenvolvimento, cuidados

    habituais modificados, cuidados tecnolgicos e cuidados medicamentosos ou, ainda, a

    combinao de duas ou mais demandas.

    Assim, entendendo que, no domiclio, cuidar da criana portadora de encefalopatia

    representa uma tarefa complexa para a famlia, devido necessidade de ajuste nas demandas

    associadas ao seu processo de cuidar (por exemplo: banho, alimentao, higiene, dentre

    outros), penso ser relevante estudar as prticas de cuidado a essa criana a partir de seus

    familiares.

    Alm disso, no ambiente domiciliar que a famlia se depara com alguns desafios para

    a realizao do cuidado, visto no contar com a presena constante de um profissional de

    sade e, em especfico, o da enfermagem.

    Particularmente no grupo de crianas com encefalopatia hipxico-isqumica, todas as

    demandas de cuidado foram os focos desta investigao.

    1.2 Localizando na literatura cientfica as prticas de cuidados dos familiares s

    crianas com necessidades especiais de sade.

    Em uma busca sistemtica por estudos que pudessem demonstrar o panorama atual das

    pesquisas abordando a temtica das prticas de cuidados dos familiares junto s crianas com

    necessidades especiais de sade, observou-se que a realizao deste estudo ainda justificava-

    se pelo fato de haver escassez na literatura cientfica que abordasse o cuidado dos familiares

    frente criana portadora de encefalopatia.

  • 28

    Nos meses de janeiro e fevereiro de 2013, foi realizada uma pesquisa nas bases de

    dados BIREME relacionadas s Cincias da Sade da Biblioteca Virtual em Sade BVS

    (LILACS - Literatura Latino-Americana em Cincias de Sade e BDENF - Banco de Dados

    Bibliogrficos Especializada na rea de Enfermagem do Brasil), com recorte temporal no

    perodo de 2003 a 2012, em busca de publicaes nacionais, de estudos desenvolvidos por

    enfermeiros ou outros profissionais de sade e que tivessem como foco de pesquisa as

    prticas de cuidados dos familiares junto s crianas com necessidades especiais de sade e

    que estivessem disponibilizados com o texto na ntegra.

    Os descritores utilizados na busca foram: encefalopatia, crianas, famlia, cuidadores e

    enfermagem peditrica. Ao combinar os descritores encefalopatia e crianas, encefalopatia e

    famlia, encefalopatia e cuidadores e encefalopatia e enfermagem peditrica, nas bases de

    dados mencionadas, foi encontrada apenas uma publicao, que tinha como foco as

    dificuldades fsicas, emocionais e sociais envolvidas na relao familiar das crianas com

    encefalopatias. Em funo do estudo no abordar as questes referentes ao cuidado dessa

    criana, este no foi selecionado.

    Optou-se ento por substituir o descritor encefalopatia por crianas com

    deficincias e, assim, realizou-se nova busca com os descritores: crianas com deficincias,

    famlia, cuidadores e enfermagem peditrica, combinados inicialmente em pares e,

    posteriormente, em trios.

    Com estes descritores foram encontradas 48 publicaes das quais 21 foram

    inicialmente selecionadas como relevantes para o estudo, pois a partir da leitura dos resumos,

    observou-se tratarem de questes relacionadas aos cuidados das crianas portadoras de

    deficincias e suas famlias.

    Foram excludas as publicaes repetidas nas duas bases de dados pesquisadas, as

    indisponveis ao acesso, alm das produes do tipo estudo de caso, artigos de reflexo e de

    reviso.

    No banco de dados LILACS, usando o descritor crianas com deficincias e famlia,

    foram captadas 21 produes, das quais foram excludas: um resumo de conferncia, sete

    produes fora do recorte temporal estabelecido, uma tese que abordava a vivncia da me de

    uma criana portadora de deficincia e uma tese com foco nas prticas de educao em

    famlias de crianas com paralisia cerebral.

    Para anlise, permaneceram 11 artigos que, pela leitura dos resumos, apresentavam

    aderncia ao estudo. Dos 11 artigos selecionados, um tratava-se de artigo de reflexo e um

    artigo de pesquisa do tipo estudo de caso. Portanto, nove produes foram analisadas e apenas

  • 29

    dois estudos selecionados por terem sido desenvolvidos na perspectiva do cuidado prestado

    pelo familiar criana portadora de necessidades especiais de sade.

    Ao pesquisar os descritores crianas com deficincias e cuidadores, foram

    encontrados um artigo e uma tese, ambos repetidos na busca anterior.

    A busca pelos descritores crianas com deficincias e enfermagem peditrica

    apontou quatro produes sendo uma tese que objetivava resgatar vivncia e experincias de

    famlias de crianas portadoras de necessidades especiais de sade com foco na rede de

    atendimento e, portanto, sem aderncia com o estudo, dois artigos repetidos na busca anterior

    e uma publicao estrangeira, no restando publicaes para anlise.

    Um artigo que j havia aparecido em outra busca emergiu quando utilizados os

    descritores crianas com deficincias e famlia e cuidadores.

    Para os descritores crianas com deficincias e famlia e enfermagem peditrica,

    apareceu apenas uma dissertao cujo objetivo era revelar experincias e compreender a

    vivncia de mes de filhos deficientes, estando, desta forma, em dissonncia com o foco do

    estudo, alm de apresentar-se fora do recorte temporal.

    J com os descritores crianas com deficincias e cuidadores e enfermagem

    peditrica, puderam ser identificadas duas produes, sendo uma delas, uma tese, sem

    aderncia com o estudo e j vista em busca anterior e um artigo selecionado anteriormente.

    No banco de dados da BDENF, usando os descritores crianas com deficincias e

    famlia, emergiram trs produes, sendo: um artigo de reflexo, que tinha aparecido em

    outra busca, um estudo cujo foco foi a vivncia das mes de crianas portadoras de paralisia

    cerebral e outro cujo objetivo foi a de compreenso das mes de crianas portadoras de

    deficincias acerca do suporte social para atendimento de seu filhos; por isso, nenhuma

    dessas produes foram selecionadas para o estudo.

    Os descritores crianas com deficincias e cuidadores, crianas com deficincias e

    enfermagem peditrica, crianas com deficincias e cuidadores e enfermagem peditrica,

    crianas com deficincias e famlia e enfermagem peditrica apontaram uma publicao

    cujo objetivo foi discutir os desafios impostos pelos cuidados especiais de sade aos

    familiares cuidadores de CRIANES no contexto domiciliar e, desta forma, aderente ao estudo.

    Assim, destacamos e apresentamos no Quadro 1 os estudos selecionados como

    relevantes referente s produes cientficas relacionadas s prticas de cuidado dos

    familiares criana portadora de necessidades especiais de sade que emergiram a partir dos

    descritores: crianas com deficincias e famlia, crianas com deficincias e cuidadores e

    criana com deficincia e enfermagem peditrica.

  • 30

    Quadro1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade

    Brasil, 2003 2012 (continua)

    AUTOR

    TTULO

    TIPO DE

    PUBLICAO e

    FONTE

    OBJETIVOS DO

    ESTUDO

    RESULTADOS

    CONCLUSO

    GAIVA, M. A.

    M; NEVES, A. de Q.;

    SIQUEIRA, F.

    M. G. de

    O cuidado da criana com

    espinha bfida pela famlia no domiclio.

    Artigo.

    Esc. Anna Nery Rev Enferm 2009

    out-dez; 13 (4):

    717-25

    Descrever a experincia

    das famlias que tm crianas portadoras de

    Espinha Bfida no

    cuidado cotidiano

    O estudo revelou a condio de cronicidade

    das crianas portadoras

    desta m formao decorrente das sequelas e o

    quanto esta situao

    interfere no cotidiano das famlias em especial para

    as mes, so as que

    assumem os cuidados com a criana no domiclio.

    O estudo conclui que para

    as famlias, ter um filho portador de espinha bfida

    um processo associado a

    sofrimento e que a vivncia desta situao possui

    padres de comportamento

    semelhantes entre as famlias. As interferncias

    no cotidiano das famlias

    faz com que desenvolvam estratgias de auxlio dentro

    e fora do lar para a

    prestao dos cuidados. Refere necessidade de que

    os profissionais de

    enfermagem, assim como os demais profissionais de

    sade, reflitam sobre novos

    modelos de cuidar, centrados nas necessidades

    das famlias.

  • 31

    Quadro1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade

    Brasil, 2003 2012 (continuao)

    NEVES, E. T.; CABRAL, I. E.

    Cuidar de crianas com necessidades especiais de

    sade: desafios para as

    famlias e enfermagem peditrica

    Artigo. Rev. eletrnica

    enferm;11(3), set.

    2009. ilus.

    Descrever e discutir os desafios determinados

    pelos cuidados especiais

    de sade para as cuidadoras de CRIANES

    no domiclio.

    O estudo revelou a

    natureza complexa dos

    cuidados a uma criana

    com necessidades

    especiais de sade,

    apontando a relevncia de

    realiz-los embasadas por

    saberes e prticas que no

    fazem parte do cotidiano

    das famlias. Em virtude

    dos cuidados serem

    intensos, constantes,

    contnuos e complexos,

    passam a serem fontes

    geradoras de estresse e

    opresso pessoa que os

    realiza. Indicou tambm,

    que por ser um cuidado de

    sobrevivncia, as pessoas

    responsveis pelo cuidado

    sentem-se com um

    compromisso afetivo e

    moral na sua realizao.

    O estudo aponta as

    CRIANES como um grupo

    emergente na rea da Sade

    da Criana representando

    um desafio para a

    Enfermagem Peditrica.

    Conclui que a incluso das

    crianas e suas famlias na

    assistncia de enfermagem

    representa fator

    fundamental possibilitando

    enfermagem compartilhar

    seus saberes e suas prticas

    de cuidados cientficos,

    buscando ampliar o poder

    de negociao das mulheres

    no cuidado s CRIANES

    para alm do cuidado de

    sobrevivncia.

  • 32

    Quadro1- Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade

    Brasil, 2003 2012 (concluso)

    MATSUKURA, T. S.; SIME, M.

    M.

    Demandas e expectativas de famlias de crianas com

    necessidades especiais: de

    situaes do cotidiano aos tcnicos envolvidos no

    tratamento

    Artigo. Temas

    desenvolv;16

    (94):214-220, set.-out. 2008

    Identificar as principais demandas e expectativas

    de famlias de crianas

    com necessidades especiais, relativas ao

    enfrentamento do

    cotidiano e aos profissionais envolvidos

    no tratamento da criana.

    O estudo apontou que as mes destas crianas

    abdicaram do trabalho

    formal e de sua vida social, em funo da

    sobrecarga de trabalho

    domstico decorrentes dos cuidados com a criana.

    Tambm refere demandas

    emocionais relativas aceitao da criana pela

    prpria me, pela famlia e

    pela sociedade.

    O estudo refere a necessidade de reflexo a

    cerca das possibilidades de

    interveno com a famlia e tambm com a prpria

    criana buscando o

    enfrentamento da situao. Aponta tambm para a

    necessidade de polticas

    pblicas mais eficazes.

  • 33

    Diante destes achados, observou-se que os estudos, na maioria, tiveram como sujeitos,

    pais e familiares cuidadores.

    Entretanto, estiveram centrados: na experincia e nas interferncias no cotidiano

    familiar relativas ao cuidado; nas demandas, expectativas e desafios das famlias e cuidadores

    de criana portadora de espinha bfida; e nas alteraes no cotidiano das famlias de crianas

    portadoras de necessidades especiais, levando-as a desenvolver estratgias de auxlio para o

    cuidado dentro e fora de casa. Sinalizam tambm as estratgias de enfrentamento das

    dificuldades no cotidiano e o envolvimento dos pais/familiares com os filhos portadores de

    necessidades especiais, alm de apresentarem as demandas emocionais relativas aceitao

    da criana pela prpria me, pela famlia e pela sociedade.

    Apenas um estudo trouxe as demandas de cuidados apresentadas pelas crianas com

    necessidades especiais de sade, discutindo os desafios enfrentados pelos cuidadores na

    realizao dos cuidados revelando a sua complexidade.

    Portanto, diante do exposto, percebeu-se uma lacuna no que diz respeito ao cuidado da

    famlia criana portadora de encefalopatia no contexto domiciliar, apontando, desta forma, a

    relevncia e a justificativa para a realizao deste estudo.

  • 34

    2 REFERENCIAL TERICO

    Compreendendo que os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de

    encefalopatias adquirem novos saberes e prticas ao cuidar de sua criana, quando no

    contexto domiciliar, e que a dialogicidade entre o profissional de sade e esses familiares

    deve ser um dos caminhos para a negociao dessas prticas de cuidados, elegemos a

    concepo freiriana com destaque para os conceitos de crtica-reflexiva, processo de

    conscientizao e educao dialgica como suporte terico-filosfico deste estudo.

    Alm disso, tambm entendemos que o encontro da concepo freiriana com o

    cuidado centrado na famlia (CCF) deve articular-se como matrizes para um cuidado familiar

    individualizado, pois acreditamos que a adoo de uma assistncia de enfermagem peditrica

    pautada nos princpios do CCF deve estar alicerada na crena de que as necessidades

    emocionais e de desenvolvimento da criana, bem como o bem-estar de toda a famlia, podem

    ser alcanados de forma mais eficiente, quando os servios de sade ativam a capacidade da

    famlia para atender s necessidades da criana, o que se d atravs de seu envolvimento no

    planejamento dos cuidados (SHIELDS et al, 2009).

    2.1 Contribuies da concepo Freiriana para o cuidado familiar criana portadora

    de encefalopatia hipxico-isqumica.

    De acordo com a teoria de Paulo Freire1, ensinar no transferir conhecimentos,

    contedos, mas criar condies para a sua produo ou sua construo atravs de um processo

    educativo baseado na dialogicidade. Ele ainda refere que no h educador sem educando e,

    assim, reservadas as diferenas de cada uma das partes, ambos so sujeitos, no podendo ser

    reduzidos a condio de objeto um do outro. O ensinamento e o aprendizado so recprocos.

    1 Paulo Freire (1921-1997) foi um educador brasileiro que viveu um perodo difcil da histria do nosso pas,

    permanecendo em exlio poltico na dcada de 60 (sc. XX) durante a ditadura militar. Freire surpreendeu seus

    contemporneos com ideias inovadoras sobre o processo educativo, especialmente de adultos, na qual focou sua

    obra. Em meados da dcada de 80 do sculo XX, passado o perodo de 16 anos de exlio, Paulo Freire retornou

    ao Brasil, tendo seu trabalho mundialmente reconhecido, sendo considerado ainda hoje, um dos maiores

    pensadores educacionais do sculo XX. (MIRANDA e BARROSO, 2004)

  • 35

    Nesta forma de educar, Freire preconiza o respeito ao dilogo e a unio entre ao e

    reflexo. Dessa forma, classifica esta pedagogia como instrumento de libertao do oprimido

    (FREIRE, 2011a).

    Assim, se o educador se coloca como sujeito formador do processo educativo e os

    educandos como objetos, que necessitam ser formados, que recebem passivamente os

    conhecimentos, ocorrer um esvaziamento da relao dialtica no processo de aprendizagem.

    O educador v o educando como um ser vazio, que necessita de depsitos de

    conhecimentos e, para Freire (2001), esta pedagogia tem uma perspectiva opressora, a qual

    ele denominou de educao bancria. Esta forma de educar est pautada na verticalizao

    da comunicao, contrariando o dilogo, servindo como instrumento de domesticao e

    desumanizao.

    Portanto, Freire defendia a educao como possibilidade de libertao dos homens,

    porm, para que esta educao seja realmente prtica de liberdade, preciso que o homem

    tenha conscincia da sua realidade; no uma conscincia ingnua em que ele faa um mero

    reconhecimento da realidade sem uma insero crtica, sem transformao da realidade

    objetiva, mas uma conscincia crtica da realidade, pois s o indivduo capaz de distanciar-

    se do objeto para admir-lo, tornando a realidade objetiva e agindo conscientemente sobre ela

    a partir da ao e reflexo ou prxis humana. Sendo assim, para que haja conscientizao, o

    homem tem que ultrapassar a esfera de apreenso espontnea da realidade e chegar a uma

    esfera crtica e isto no pode existir sem o ato ao-reflexo (FREIRE, 2013).

    De acordo com Freire (2001), o nvel de conscincia crtica do homem ocorre em dois

    momentos: primeiro chamado de codificao, no qual o homem parte de uma situao

    existencial real, ou seja, de uma situao que faz parte da sua realidade. Ele ento se distancia

    do objeto cognoscvel e, neste momento, educador e educando passam a refletir juntos, de

    modo crtico, sobre o objeto que os mediatizam. Com a descodificao, que a substituio

    da abstrao pela percepo crtica do concreto, o homem atinge um nvel crtico de

    conhecimento.

    Desta forma, a teoria freiriana tem como finalidade o desenvolvimento da conscincia

    crtica, ocorrendo reflexo sobre a realidade a partir da dialtica reflexo-ao-reflexo, isto ,

    o sujeito transita da tomada de conscincia para a tomada de deciso. Assim, a

    conscientizao o desenvolvimento crtico da tomada de conscincia, na qual o indivduo

    supera a viso ingnua da realidade, obtendo uma viso crtica, em que a realidade se d como

  • 36

    objeto cognoscvel onde a pessoa assume uma posio epistemolgica, transformando-se em

    sujeito, produzindo cultura e histria (FREIRE, 2001).

    O entendimento de que o ser humano histrico e est submerso em condies

    espao-temporais resume o pressuposto inicial de Freire. Nesta situao, quanto mais o

    homem reflete de maneira crtica sobre sua existncia, mais ser influenciado e ter mais

    liberdade. Esta filosofia se apoia em seis pressupostos que Freire denomina de ideias-fora.

    (FREIRE, 2001, 2011b)

    A primeira ideia-fora enfoca que toda ao educativa deve estar precedida de reflexo

    sobre o homem e de uma anlise do meio de vida do educando, isto , a quem o educador quer

    ajudar a educar. Relaciona-se reflexo do sujeito e diz que a educao para ser vlida deve

    ter como ponto de partida o ser humano concreto e sua realidade concreta considerando sua

    vocao ontolgica de sujeito de suas aes.

    A segunda ideia refere-se reflexo do homem sobre a realidade concreta, afirmando

    que quanto maior a reflexo, maior o comprometimento do homem com a mudana a partir de

    uma atitude crtica. Desta forma, o homem torna-se sujeito pela reflexo sobre sua situao,

    sobre seu ambiente concreto. Ocorre o estmulo tomada de conscincia e reflexo crtica,

    acarretando mudana da realidade e possibilidade de libertao.

    A terceira aponta a capacidade de discernimento e tomada de deciso do sujeito.

    Atravs da integrao do homem com o seu contexto, haver a reflexo, o comprometimento,

    construo de si mesmo e o ser sujeito. O homem, consciente da sua temporalidade e

    historicidade, tem capacidade de discernimento, de reconhecer que existem realidades que lhe

    so exteriores e, por este motivo, relaciona-se com a realidade e com outros seres. Portanto,

    atravs dessas relaes o homem transforma-se em sujeito. O discernimento o leva a perceber

    a realidade externa compreendendo-a como desafiadora. Atravs da reflexo, ao, crtica e

    deciso, o homem responde a este desafio transformando a realidade, se constituindo como

    homem integrado e no adaptado.

    A quarta ideia-fora refere-se trajetria de vida do homem e a sua bagagem cultural.

    A integrao do homem ao seu contexto de vida faz com que ele reflita e obtenha respostas

    aos desafios apresentados criando, desta forma, cultura que, para Freire (2001), resulta de toda

    atividade humana atravs do esforo criador e recriador do homem sobre a natureza.

    Na quinta ideia, Freire revela que o homem criador de cultura e fazedor da histria,

    pois, na medida em que tem o poder da criao e da deciso, as fases vo se formando e

    reformando. Neste contexto, surge a historicidade e temporalidade do sujeito. O homem cria

    sua histria a partir da captao de temas referentes sua poca podendo, com isto, cumprir

  • 37

    tarefas referentes a estes temas. No entanto, ao surgirem novos temas e valores inditos, o

    homem prope uma nova formulao questo e lana uma mudana nas atitudes e

    comportamentos.

    Finalmente, a sexta ideia-fora de Freire revela a inteno do pressuposto inicial, pois

    aborda a educao como instrumento de liberdade que permite ao homem ser sujeito de sua

    prpria histria, dando-lhe a possibilidade de constituir-se como pessoa, transformar o

    mundo, estabelecer relaes de reciprocidade a fim de determinar sua cultura e sua histria.

    Ao incorporar as ideias freirianas ao cotidiano da prtica educativa/cuidativa da

    enfermagem, o profissional tem a possibilidade de transformar ou reconstruir saberes dentro

    de um grupo que no possui o conhecimento tcnico cientfico a partir do estmulo ao

    pensamento crtico e reflexivo, alm de apropriar-se dos conhecimentos provenientes do

    universo comum (ALVIM; FERREIRA, 2007).

    Logo, os conceitos de Freire podem ser entendidos como forma de compreender o

    mundo, refletir sobre ele, transformando a realidade a partir de uma ao consciente,

    colaborando de forma significativa na construo de uma educao reflexiva, crtica e

    problematizadora na enfermagem, tendo como propulsor o dilogo (MIRANDA; BARROSO,

    2004).

    Os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de encefalopatias necessitam

    adquirir saberes e prticas distantes de suas realidades concretas devido necessidade de

    estabelecer um novo modo de cuidar no contexto domiciliar. Sob esta tica, a enfermagem

    torna-se mediadora desses saberes e prticas medida que consegue valorizar o contexto

    scio-histrico-cultural das famlias destas CRIANES, possibilitando-as construir sua prpria

    histria, no como objetos, mas como sujeitos protagonistas desse processo.

    Acredita-se que a prtica educativa seja a fonte de transformao do ser humano em

    sujeito de sua prpria histria e a teoria freiriana pode ser o veculo desta transformao

    atravs da participao ativa dos sujeitos no processo ensino-aprendizagem.

    Assim, utilizar as concepes filosficas de Freire como suporte para o processo

    reflexivo decorrente da leitura do material emprico possibilitou compreender o modo de

    cuidar desenvolvido pelas famlias de CRIANES portadoras de encefalopatia hipxico-

    isqumica no contexto do domiclio.

    Para isto, utilizaram-se os princpios contidos nas obras: Conscientizao: Teoria da

    Libertao (Freire, 2001), Educao como Prtica de Liberdade (Freire, 2011a), Pedagogia da

    Esperana Um Reencontro com a Teoria do Oprimido (Freire, 2011b), Pedagogia da

    Autonomia (Freire, 2011c) e Pedagogia do Oprimido (Freire, 2013).

  • 38

    2.2 O Cuidado Centrado na Famlia

    H evidncias importantes de que antes da dcada de 1920 as enfermeiras prestavam

    cuidados que levavam em considerao as necessidades sociais e psicolgicas das crianas

    (CRUZ; NGELO, 2011).

    Em meados de 1969 o termo cuidado centrado na famlia (CCF) comeou a ser

    elaborado com o objetivo de definir a qualidade do cuidado hospitalar de acordo com a viso

    dos pacientes e suas famlias, alm de discutir a autonomia dos pacientes frente s suas

    necessidades de sade (PACHECO et al, 2013).

    As autoras ainda referem que, inicialmente, o termo utilizado era medicina centrada no

    paciente, que, posteriormente, evoluiu para cuidado centrado no paciente e em 1990 foi

    includo o termo famlia, com o objetivo de melhor descrever a abordagem pretendida.

    O CCF uma abordagem de assistncia que estende o cuidado famlia

    reconhecendo-a tambm como cliente e assegurando a participao de todos no planejamento

    das aes, revelando, deste modo, uma nova maneira de cuidar que oferece oportunidade para

    que a prpria famlia defina seus problemas (BARBOSA; BALIEIRO; PETTENGILL, 2012).

    A possibilidade dessa nova abordagem no cuidado surge ao mesmo tempo em que a

    enfermagem compreende que o comportamento do ser humano, seja em condies de sade

    ou de doena, influenciado por seu contexto cultural, social e histrico e portanto, a esse

    modelo assistencial garante que o cuidado seja planejado em torno de toda a famlia, e no

    somente da criana, sendo todos os membros reconhecidos como receptores de ateno

    (MARCON; ELSEN, 1999; CRUZ; NGELO, 2011).

    Diante desta perspectiva, as autoras supracitadas referem que a famlia passou a se

    constituir em objeto de investigao, trabalho e, portanto, objeto de cuidado de enfermagem,

    no se concebendo a partir deste enfoque, cuidar do indivduo (doente ou sadio) de forma

    completa sem considerar o seu contexto mais prximo, que a famlia qual ele pertence,

    pois vrios estudos demonstram que a famlia pode ser entendida tanto como geradora de

    sade como de doena para seus membros.

    Para Marcon e Elsen (1999), a sade dos indivduos possui estreita ligao com as

    crenas, valores e relaes do sistema familiar, pois as concepes culturais, a estrutura social

    e o ambiente em que vivem influenciam a sua percepo e vivncias acerca da sade e da

    doena e suas necessidades de cuidados, logo, tal condio determina o modo de cuidar das

  • 39

    famlias em relao a seus membros, pois possuem significaes de sade e doena e prticas

    prprias de cuidar, originadas de seu contexto sociocultural.

    Neste sentido, na anlise da relao entre sade e famlia, observa-se que com a

    formao de uma nova famlia, seus membros transportam suas foras biolgicas e

    emocionais, bem como suas vulnerabilidades, seus valores e hbitos referentes sade, sendo

    o estado de sade de cada famlia nico e distinto (MARCON; ELSEN, 1999).

    Sob esta tica de cuidado, alguns princpios importantes devem ser observados como:

    reconhecer a famlia como algo constante na vida do indivduo, j que o sistema de sade

    sofre modificaes peridicas; compreender que a famlia por possuir crenas, conhecimentos

    e dispositivos pessoais tem a possibilidade de agir, utilizando diferentes mtodos para lidar

    com as questes de sade nas quais esto envolvidas (PACHECO et al, 2013).

    Para Pacheco et al (2013), nesta perspectiva de cuidar, h a necessidade de ter a

    comunicao facilitada, manter a famlia informada, estimular o apoio interfamiliar,

    valorizando, assim, a participao efetiva da famlia no cuidado, reconhecendo seu direito de

    decidir e intervir em processos de sade e tambm rompendo com o paradigma da assistncia

    centrada na patologia e no profissional.

    O CCF beneficia todos os envolvidos: pacientes, famlias, profissionais de sade e

    gestores j que os benefcios gerados so considerveis, estando cada vez mais ligado a

    melhoras nos resultados de sade, tais como diminuio dos custos no cuidado em sade,

    melhor distribuio de recursos, reduo de erros e processos mdicos, maior satisfao do

    paciente, famlia e dos profissionais de sade em razo de seus princpios estarem cada vez

    mais relacionados com a qualidade e a segurana do cuidado (JOHNSON; ABRAHAM;

    SHELTON, 2009)

    Cunha e Cabral (2001) descrevem que a prtica do CCF, em especial para a

    enfermagem peditrica, requer do enfermeiro uma mudana no modelo assistencial, com

    atitudes que priorizem as relaes e outros aspectos familiares como centro da vida da

    criana, contemplando a famlia no seu plano de cuidados. Assim, torna-se imprescindvel

    reconhecer que o CCF abrange uma diversidade de estruturas familiares, desenvolvendo

    novas habilidades essenciais para a prtica do cuidado criana.

    De acordo com Wernet e ngelo (2003), incluir a famlia no cuidar implica em estar

    disponvel s interaes, ao impacto das vivncias, conhecendo as dinmicas, crenas, e

    formas de adaptao a situaes diversas. Porm, apenas esta compreenso no suficiente

    para possibilitar de fato o cuidado famlia, necessitando que o enfermeiro interaja com a

    famlia e compartilhe suas vivncias.

  • 40

    Na filosofia do CCF, a famlia includa como parceira na melhoria das prticas e do

    sistema de cuidado de seus membros por se considerar que esta exerce influncia direta sobre

    a sade do paciente. Pelo fato de a famlia ser considerada um elemento fundamental no

    cuidado de seus membros, o isolamento social um fator de risco para os indivduos doentes

    em especial para aqueles com maior grau de dependncia como as crianas e os portadores de

    doenas crnicas (PINTO et. al, 2010).

    Assim, Wernet e ngelo (2003) descrevem famlia como um grupo autoidentificado

    de dois ou mais indivduos, cuja associao se caracteriza a partir de termos especiais, que

    podem ou no estar relacionados consanguinidade ou linhas legais, cujo funcionamento faz

    com que se considerem como tal, portanto, cuidar de famlia envolve a compreenso de que

    ela quem ela diz ser.

    As autoras apresentam outra definio para famlia a qual consiste em uma comunho

    interpessoal de amor, cujo termo interpessoal refere-se interao de pessoas, comunho

    representa o compromisso entre estas e, no amor, encontra-se a base desta associao

    (WERNET; NGELO, 2003).

    Ainda de acordo com Wernet e ngelo (2003), estas concepes de famlia retratam o

    funcionamento e interao do sistema familiar no qual toda e qualquer vivncia poder

    interferir e alterar o seu funcionamento, no entanto, esta sempre ir buscar uma forma de se

    reestruturar a fim de dar continuidade aos seus ideais, sejam eles novos ou antigos. Com isto,

    a famlia demonstra possuir capacidade de adaptabilidade frente s novas situaes.

    Na perspectiva do CCF da criana portadora de encefalopatia, Milbrath et al (2012)

    enfocam que o vir a ser famlia desta criana um processo delicado e complexo, que exige

    de seus componentes um redimensionamento do seu modo de ser-no-mundo, e a adaptao

    familiar s novas situaes depender das experincias prvias, crenas, valores de cada um

    de seus integrantes, alm da influncia do espao que ocupam e dos papis que desempenham

    no contexto familiar.

    Milbrath et al (2012) ainda reforam que o processo de reorganizao do projeto

    existencial da famlia imprescindvel para o desenvolvimento da criana, pois, de forma

    organizada e consciente do seu papel como cuidadora, a famlia poder atender as

    necessidades da criana, compreendendo-a como um ser no mundo em processo de

    construo, tanto nos aspectos biolgicos como simblicos e que, portanto, necessita de amor

    e cuidado para manifestar-se plenamente.

    Neste processo de adaptao familiar sua nova condio, o profissional de sade

    desempenha importante papel medida que estabelece uma relao prxima e contnua com a

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    famlia e, por esta proximidade, consegue resgatar a essncia do cuidado integral para

    enxergar as necessidades do outro considerando os aspectos sociais, culturais e afetivos.

    Assim, o foco do cuidado no est centrado apenas no biolgico, mas amplia para a escuta

    sensvel e o dilogo reflexivo. Pelo fato de a doena apresentar um prognstico obscuro, com

    limitaes nas atividades de vida diria e dependncia, as famlias apresentam dificuldades na

    realizao de cuidados que poderiam ser classificados como simples (DANTAS et al, 2012).

    Dantas et al (2012) referem que, neste contexto, importante que a equipe de sade e

    a famlia compreendam a criana para alm da sua deficincia e construam juntas uma

    proposta de cuidado tendo, como fio norteador, o cuidado ampliado multidisciplinar.

    Embora as famlias estejam cada vez mais participativas nos cuidados de sade de

    seus membros, ainda no so vistas como clientes do cuidado pelos profissionais de

    enfermagem e sim como um suporte em favor do indivduo doente, permanecendo margem

    dos cuidados de sade e das tomadas de decises (MARCON; ELSEN, 1999).

    Nesse sentido, Cruz e ngelo (2012) apontam que para a prtica prevalente da

    abordagem de CCF em nosso meio, torna-se necessrio no s a mudana comportamental da

    equipe, mas a transformao nos modelos que atualmente orientam a assistncia dos servios

    de sade, abrangendo uma colaborao que reconhea o envolvimento da famlia como

    central tambm no cuidado ao paciente. Para que o processo de mudana se estabelea,

    inicialmente deve haver uma redefinio dos relacionamentos triviais empreendidos com as

    famlias por parte dos profissionais de enfermagem de modo que tenham como alicerce a

    parceria, a colaborao e a negociao.

    notrio o benefcio do CCF para a famlia, para os profissionais de sade e, em

    especial, para a criana que necessita do cuidado. Assim, compreender as mltiplas

    experincias vividas pelos familiares cuidadores e identificar a partir de suas demandas as

    possibilidades de ajud-los no manejo do cuidado no ambiente domiciliar um aspecto que

    necessita sobressair nas pesquisas na rea de enfermagem peditrica. Desta forma, estes

    profissionais sensibilizados podero aproximar-se das famlias entendendo-as tambm como

    cliente do cuidado, fomentando uma prtica assistencial pautada nos conceitos do CCF no s

    em mbito hospitalar, mas estendendo-se ao contexto domiciliar.

    Diante do exposto e frente problemtica da criana portadora de encefalopatia, pode-

    se afirmar que a abordagem do CCF um tipo de anlise que nomeia os familiares como

    participantes ativos no desenvolvimento das vrias demandas de cuidados que estas

    CRIANES apresentam no cenrio domiciliar.