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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES ESCOLA DE MÚSICA PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA O PIANISTA BRASILEIRO: DO "MITO" DO VIRTUOSE À REALIDADE DO INTÉRPRETE GUILHERME ANTONIO SAUERBRONN DE BARROS

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES ESCOLA DE MSICA PS-GRADUAO EM MSICA O PIANISTA BRASILEIRO: DO "MITO" DO VIRTUOSE REALIDADE DO INTRPRETE GUILHERME ANTONIO SAUERBRONN DE BARROS

2. RIO DE JANEIRO, JULHO DE 1998 GUILHERME ANTONIO SAUERBRONN DE BARROS O PIANISTA BRASILEIRO: DO "MITO" DO VIRTUOSE REALIDADE DO INTRPRETE Dissertao apresentada Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Msica, sob a orientao da Dr Vanda Lima Bellard Freire (UFRJ) e co- orientao da Dr Martha Tupinamb de Ulha (Uni-Rio). 3. ii RIO DE JANEIRO JULHO /1998 FICHA CATALOGRFICA Barros, Guilherme Antonio Sauerbronn de, 1971 O Pianista Brasileiro: Do Mito do Virtuose Realidade do Intrprete. Rio de Janeiro. UFRJ, Escola de Msica, 1998. vii 114p. Dissertao. Mestre em Msica (Piano) 1. Educao musical. 2. Formao do pianista I. Universidade Federal do Rio de Janeiro II. Ttulo 4. iii RESUMO Nosso objeto de estudo o pianista erudito brasileiro: sua histria, sua formao musical, suas perspectivas futuras. Com o objetivo de compreender as razes da tradio pianstica no Brasil, realizamos uma reviso bibliogrfica que deu origem ao primeiro captulo. Cobrimos um perodo que principia em 1808 e termina nas primeiras dcadas do sculo XX, procurando relacionar as grandes transformaes pelas quais o pas passou nesse perodo ao papel do piano na sociedade brasileira. Em seguida, realizamos entrevistas com os pianistas e pedagogos Heitor Alimonda, Saloma Gandelman e Luis Carlos de Moura Castro. No segundo captulo, elaborado a partir dessas entrevistas, tratamos da histria do piano no Brasil ao longo do sculo XX e discutimos aspectos relacionados ao trabalho e formao do intrprete de msica erudita. A fim de embasar essa discusso, escolhemos como referencial terico a "Esttica - Teoria da Formatividade" de Luigi Pareyson (1918-1991). Pareyson analisa a obra de arte a partir de um ponto de vista dinmico, "formativo" e dedica especial ateno ao processo interpretativo. Nosso objetivo no era chegar a concluses absolutas ou definitivas. Confirmamos porm a nossa premissa de que o ensino de piano erudito no Brasil necessita de reformulao, no sentido de reaproximar o intrprete da criao musical e preparar o msico para o mercado. 5. iv ABSTRACT The subject of this work is the Brazilian classic pianist: his history, his education, his future perspectives. With the purpose of finding the roots of pianistic tradition in Brazil, we undertook a bibliographical research that originated the first chapter. This chapter covers a period that begins in 1808 and ends in the first decades of the 20th century. We sought to relate the great changes that took place in Brazil during this period with the role of the piano in the Brazilian society. After that, we conducted a series of interviews with the pianists and pedagogues Heitor Alimonda, Saloma Gandelman and Luis Carlos de Moura Castro. These interviews were the basis for the elaboration of the second chapter, in wich we discuss piano history in Brazil in the 20th century, as well as aspects related to the education and work of the classical interpreter. To base these discussions we have chosen the "sthetics - Theory of Formativity", from Luigi Pareyson (1918-1991). Pareyson considers the work of art from a dynamic point of view and has a particular interest in the concept of interpretation. Our goal was not to reach absolute or definitive conclusions. Nevertheless, we have confirmed our premise that the classical pianist's education must change, so that the interpreter gets more acquainted with musical creation and more versatile as a professional. 6. v AGRADECIMENTOS A Marta Ulha, Paulo Pinheiro, Luis Carlos, Mnica, Teresinha, Laura, Tiago, Theodoro, Jacintha, Vanda Freire e CAPES. 7. vi NDICE Pgina RESUMO iv ABSTRACT v INTRODUO ........................................................................................................... 2 1 CAPTULO ......................................................................................................... 5 2 CAPTULO ........................................................................................................ 43 CONCLUSO ............................................................................................................ 95 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 102 8. vii "(...) os pensamentos postos no papel nada mais so que pegadas de um caminhante na areia: vemos o caminho que percorreu, mas para sabermos o que ele viu nesse caminho, precisamos usar nossos prprios olhos." Schopenhauer, Sobre Livros e Leitura, 292 9. 2 INTRODUO Este trabalho fruto de um interesse por questes relativas carreira de pianista concertista no Brasil e teve origem na minha prpria experincia como aluno de piano. Minha formao inicial foi feita atravs de professores particulares e teve prosseguimento na Universidade, nos cursos de Bacharelado e de Mestrado. Foi principalmente na Universidade que eu pude observar, a partir do convvio com msicos de outras reas e que traziam uma experincia musical diferente da minha, as contradies que envolviam o trabalho do pianista erudito nos dias de hoje. Contando com um pblico numericamente pouco expressivo, sua msica no tem muito valor para o mercado fonogrfico. Isolado no estudo dirio do instrumento, ele raramente participa de atividades musicais coletivas. Esses problemas se tornam ainda mais graves quando pensamos no contexto brasileiro, onde existe uma forte tradio musical popular e onde os meios de comunicao so dominados pela cultura de massa. Como explicar ento a fora e a imutabilidade da tradio pianstica no Brasil ao longo do sculo XX? A resposta se encontra nas origens dessa tradio, no prprio surgimento do pianista erudito brasileiro. Ele surge da cultura das classes mais favorecidas e ainda hoje um smbolo dessa cultura. Atualmente, sua situao semelhante de um nobre que j no possui fortuna, mas ainda mantm as aparncias e o seu ttulo. Se no for capaz de assumir as dificuldades que envolvem sua profisso, tender cada vez mais a fechar-se para o mundo. Ao contrrio, encarando de 10. 3 frente sua situao, ser talvez capaz de modific-la e de modificar-se a si mesmo. Neste trabalho, defendemos o princpio de que, tanto a formao como os objetivos profissionais do pianista erudito precisam ser reformulados, a fim de que ele venha a se tornar um intrprete melhor preparado e um msico mais verstil. O trabalho foi dividido em dois captulos: o primeiro, essencialmente histrico, trata do processo de assimilao do piano pela sociedade brasileira e do surgimento da tradio pianstica no Brasil. Esse captulo abrange um perodo que vai do incio do sculo XIX, com a transferncia da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, at as primeiras dcadas do sculo XX, quando pela primeira vez pianistas brasileiros alcanam prestgio internacional. O segundo captulo foi elaborado a partir de trs entrevistas, realizadas com os seguintes pianistas: Heitor Alimonda, Saloma Gandelman e Luis Carlos de Moura Castro. As entrevistas foram, segundo a definio de Selltiz, do tipo no estruturado 1. As perguntas no foram pr estabelecidas, obedecendo, porm, a um roteiro de tpicos relativos ao trabalho e histria do pianista intrprete no Brasil. Os entrevistados puderam desenvolver suas respostas com liberdade, atendo-se aos temas e aos fatos que consideraram mais importantes. O contedo das entrevistas foi ento dividido em assuntos e deu origem a dez sees: ESTUDOS DE FORMAO ESCOLAS PIANISTICAS O PUBLICO E OS CONCERTOS REPERTORIO 1MARCONI, Marina de Andrade e Lakatos, Eva M. Tcnicas de Pesquisa. So Paulo, Ed. Atlas, 1990, p. 85 11. 4 O INTRPRETE E O COMPOSITOR INTERPRETAO PROFESSORES E PEDAGOGIA FORMAO ACADEMICA ACADEMIA E MERCADO CARREIRA PROFISSIONAL O principal referencial terico, que serviu de base para os comentrios sobre as entrevistas, foi a "Esttica - teoria da formatividade" de Luigi Pareyson. Apresentamos essa obra, em seus pontos essenciais, no incio do segundo captulo, na seo intitulada "REFERENCIAL TEORICO". Este trabalho reforou o nosso ponto de vista inicial, atravs da constatao de que, nos dias de hoje, o pianista erudito brasileiro carece de uma formao musical mais ampla; de uma formao que possibilite a ele adaptar-se s exigncias do mercado; que o transforme num intrprete melhor, com uma conscincia mais profunda daquilo que executa; que faa dele, enfim, um msico mais completo. Essa formao subentende uma maior intimidade com o processo composicional, uma maior proximidade entre as matrias tericas e as prticas, uma base pedaggica mais consciente e consistente. E depende diretamente, por parte dos pianistas e intrpretes em geral, da vontade de refletir e de buscar solues para os problemas da profisso. 12. 5 1 CAPTULO Neste captulo, revisaremos a trajetria do piano na sociedade brasileira, desde os primeiros registros da sua presena, como artigo de luxo, at o perodo de hegemonia sobre os demais instrumentos. Perodo esse que culmina com a consagrao de diversos virtuoses nacionais e estrangeiros no cenrio musical brasileiro e com a consolidao do "repertrio de concerto", estruturado basicamente nas obras do classicismo-romantismo germnico. Na virada do sculo XVIII para o sculo XIX, j se observava "(...) a decadncia do uso do violo como principal instrumento acompanhador dos saraus familiares no Rio de Janeiro,(...). O socilogo Gilberto Freyre liga o fato ao panorama maior das transformaes urbanas da primeira metade do sculo passado, onde se inscreve a passagem de um Brasil rural, patriarcal, feudal, para o mundo burgus, que vai se concretizando na "aristocracia dos sobrados"2 Cabe aqui explicitar que o "panorama maior das transformaes urbanas" assinalado por Gilberto Freyre, se insere num processo ainda mais amplo de "(...) transformaes sociais, polticas e econmicas ocorridas na Europa a partir do final do sculo XVIII, determinadas pela nascente industrializao e pelas novas modalidades de exerccio do poder."3 O novo modo de vida, burgus e urbano, ao chegar no Brasil confrontou- se com uma sociedade bastante rstica, fundada principalmente na propriedade 2FARIA, Paulo Rogrio Campos de. Pianismo de Concerto no Rio de Janeiro do sculo XIX. Tese de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ, 1996, p. 67 3MURICY, Katia. A Razo Ctica : Machado de Assis e as Questes de Seu Tempo. So Paulo, Companhia das Letras, 1988, p. 14 13. 6 rural, no modelo familiar patriarcal e nas relaes escravocratas.4 O poder latifundirio, das grandes famlias rurais, "() manifestava-se nos rituais pblicos das festas religiosas. A famlia no recebia para festas privadas, no tinha o hbito dos sales."5 medida que as cidades cresciam, formava-se uma elite urbana que guardava muitos dos costumes da famlia rural e, assim como ela, teimava em fazer "de seu confinamento uma marca de distino"6. Gradualmente essa elite passa a abrir os "() sales dos sobrados para as reunies 'burguesas', onde eram tramadas negociatas, intrigas e alianas polticas."7 O piano foi um beneficirio direto dessas mudanas, pois nos sales ele ocupava um lugar de destaque. O piano desempenhava um importante papel no iderio do "lar" burgus e Max Weber fala de sua propagao na Europa: "Sua atual posio imperturbvel baseia-se na universalidade de sua utilizao para a apropriao domstica de quase todo o patrimnio da literatura musical, na imensa abundncia de sua prpria literatura e, finalmente, na sua especificidade como instrumento universal de acompanhamento e aprendizagem."8 Mais adiante, continua: "A construo do piano condicionada pela venda em massa, pois o piano tambm , de acordo com sua essncia musical, um instrumento domstico burgus."9 A integrao das principais cidades brasileiras ordem burguesa se intensifica com a transferncia da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. 4Ibidem, p. 13 -19 5Ibidem, p. 55 6Ibidem, p. 55 7Ibidem, p. 55 8WEBER, Max. Os Fundamentos Racionais e Sociolgicos da Msica. So Paulo, EDUSP, 1995, p. 149 9Ibidem, p. 150 14. 7 A soberania portuguesa estava com os dias contados. Sob a iminncia de uma invaso de Portugal pelas tropas napolenicas e pressionada politicamente pela Inglaterra, a corte portuguesa foge para o Brasil, aps esvaziar os cofres de seu prprio pas.10 Chegando ao Rio de Janeiro, D. Joo VI toma uma srie de medidas que modificam radicalmente a vida da cidade: funda a Biblioteca e Museu Reais, a Imprensa Rgia, o Banco do Brasil, cria o Horto Real (atual Jardim Botnico), o curso de agricultura, a cadeira de economia. A criao dessas instituies no representava apenas "a transferncia das instituies portuguesas" para a nova capital, mas buscava "promover o territrio e a populao brasileiros a objetos de um conhecimento positivo, fundamentado na observao."11 O sucesso da integrao do Brasil nova realidade dependia de uma transformao do modo de vida do brasileiro, da "produo de um novo tipo de indivduo e de populao, necessrio existncia da sociedade capitalista nascente e eficcia poltica do poder estatal."12 A sociedade portuguesa, italianizada nos seus gostos artsticos, vivia intensamente as temporadas lricas e a Famlia Real (que trouxe em sua comitiva cantores italianos) deu todo o apoio necessrio para que o hbito de freqentar a pera aqui fosse estimulado, prestigiando com a sua presena todos os espetculos importantes. A pera no era um acontecimento meramente musical; era um evento de extrema importncia social, onde cada camarote era um palco em miniatura, ao qual os notveis compareciam para serem vistos e para verem tudo e a todos. 10ALENCAR, Francisco. Histria da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Tcnico, 1985, p. 80 - 81 11MURICY, Katia. Op. Cit, p. 26 12Ibidem, p. 27 15. 8 Era, em suma, parte fundamental da engrenagem que movia a boa sociedade de ento. Em 1813 inaugurado o Real Theatro de S. Joo, o maior das Amricas, com a pea dramtica "O Juramento dos Numes" de D. Gasto Fausto da Cmara Coutinho. Ao que tudo indica, a montagem de peras nesse teatro comeou em 1814 com "Axur, Rei de Ormuz", de Salieri, um ano aps a sua inaugurao.13 A partir de ento o nmero de apresentaes foi aumentando a cada ano: at 1820, no passava de trs apresentaes por ano, mas em 1821 esse nmero salta para onze. O maior compositor brasileiro da poca, o Pe. Jos Maurcio Nunes Garcia, compositor titular da S Catedral do Rio de Janeiro, escreve, nesse ano de 1821, seu "Mtodo de Pianoforte". Compositor de msica sacra, sinfnica, de modinhas e divertimentos, era grande instrumentista (dominava o violo e os instrumentos de teclado, sendo exmio improvisador) e tambm educador. Ensinou durante 28 anos num curso que ele prprio dirigia e que era oferecido gratuitamente, visando formao de jovens msicos. Essa iniciativa, alis era uma excesso regra, uma vez que "O ensino de msica, como de resto, toda a educao, se fazia em aulas particulares, que s os mais ricos podiam pagar."14 Nas lies e fantasias contidas no seu "Mtodo", "As peas demonstram tambm a enorme penetrao do estilo operstico italiano no Brasil: utilizao amide de forma da aria da capo , citao de temas de pera de Rossini, estilo vocal. Muitas dessas obras sugerem um estilo improvisatrio que o corte 13ANDRADE, Ayres de. Francisco Manoel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Edies Tempo Brasileiro Ltda, 1967, 2 v. V.I, p. 111 14FONSECA, Anna Cristina Cardozo da. Histria Social do Piano -Nacionalismo/Modernismo- Rio de Janeiro 1808/1922. Tese de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ, 1996, p. 19 16. 9 ternrio da forma citada acima vem a favorecer: na reprise, a ornamentao e a improvisao eram atributos esperados do msico profissional [grifo meu]."15 O piano, que vinha sendo comercializado no Rio de Janeiro desde 181016, conquistava um espao cada vez maior na sociedade. Mrio de Andrade fala da propagao do piano no meio burgus brasileiro: "A expanso extraordinria que teve o piano dentro da burguesia do Imprio foi perfeitamente lgica e mesmo necessria. Instrumento completo, ao mesmo tempo solista e acompanhador do canto humano, o piano funcionou na profanizao da nossa msica, exatamente como seus manos, os clavicmbalos, tinham funcionado na profanizao da msica europia. Era o instrumento por excelncia da msica do amor socializado com casamento e bno divina, to necessrio famlia como o leito nupcial e a mesa de jantar."17 Na seqncia dos fatos temos a independncia do Brasil, em 7 de setembro de 1822, com o pas elevado condio de Imprio. D. Pedro I coroado Imperador e, no ambiente de prosperidade desse ano, so encenadas peras em dezesseis ocasies.18 No ano seguinte, porm, a realidade se mostra nua e crua: num pas extremamente endividado - principalmente aps a independncia, que custou ao Brasil uma enorme indenizao, paga a Portugal - a crise poltica se agrava. D. Pedro I sendo portugus, trazia a ameaa de uma reunificao do Imprio do Brasil com o Reino de Portugal. Neste ano de 1823 a temporada lrica entra em declnio e em 1824 o teatro de S. Joo arde em chamas. A cidade fica 15FARIA, Paulo Rogrio Campos de. Pianismo de Concerto no Rio de Janeiro do sculo XIX. Tese de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 1996, p. 96 16MAGALDI, Cristina. Concert Life in Rio de Janeiro, 1837-1900. Tese de Doutorado, UCLA (University of California), 1994 17ANDRADE, Mrio de. Aspectos da Msica Brasileira. Rio de Janeiro-Belo Horizonte, Villa Rica Editoras Reunidas Limitada, 1991, p. 12 18ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.I, p. 120 17. 10 temporariamente sem um palco para a pera, mas em dezembro do mesmo ano inaugurado o "teatrinho" S. Pedro de Alcntara. De dimenses mais modestas (ocupava a rea correspondente ao salo de frente do teatro incendiado) no podia abrigar montagens muito faustosas e foi inaugurado com "L'Inganno Felice", de Rossini.19 Nessa poca, ganham destaque as primeiras Sociedades Musicais, iniciativas particulares que promoviam concertos para seus scios e que existiam desde pelo menos 1815, como o caso da "Assemblia Portuguesa".20 Ainda que tenha sido pouco marcante nessa poca, o advento das sociedades musicais ser importante para que venhamos a compreender o surgimento dos concertos instrumentais e a popularidade dos virtuoses, numa fase posterior. Em 1824, no salo do novo teatro, a sociedade musical dos "Acadmicos Filarmnicos" patrocinou uma srie de concertos estritamente musicais, sem qualquer tipo de representao dramtica. Como ressalta Ayres de Andrade, "Naqueles dias, instrumentistas ou cantores que pretendessem exibir-se em concertos tinham de o fazer nos intervalos das representaes dramticas ou das peras"21. A novidade foi bem recebida pelo pblico e teve prosseguimento no ano seguinte. Os concertos eram tambm uma forma de manter em atividade os msicos que, neste momento de crise, encontravam dificuldade em conseguir trabalho. Em 1826, a reabertura do teatro S. Joo, inteiramente reconstrudo e rebatizado com o nome de Imperial Teatro S. Pedro de Alcntara, vem interromper a realizao de concertos. Desse momento em diante "(...) a situao voltava a ser praticamente o que era antes: representaes dramticas, 19Ibidem, p. 125 20Ibidem, p. 128 21Ibidem, p. 131 18. 11 rcitas de peras e, intercaladas nestas e naquelas, porm em reduzida proporo, nmeros isolados por cantores e instrumentistas."22 At 1829 as temporadas lricas sucedem-se sem maiores contratempos. Paralelamente, o mercado de partituras vinha crescendo: em 1829 "(...) J. Christian Mller, mestre, consertador e afinador de piano (...) anuncia que pretende 'mandar abrir uma chapa para uma coleo de msica para piano, tirada dos seguintes autores: Rossini, Mozart, Haydn, Beethoven, C. M. de Weber, Gelinek, Tolbecque, Boldoin, Conde de Oginski, etc.' "23 So obras derivadas, em parte, do repertrio operstico e tambm de compositores que faziam sucesso em Paris. No plano poltico, porm, a situao de D. Pedro I , cada vez mais, insustentvel: o imperador perde o apoio de suas prprias bases governistas ao mesmo tempo em que uma grave crise econmico-financeira assola o pas. Complicando ainda mais sua situao, D. Pedro convocado a assumir o trono portugus, vago desde a morte de D. Joo VI em 1826. S lhe resta renunciar, e o que ele faz em 7 de abril de 1831.24 O herdeiro do trono, D. Pedro II, contava apenas oito anos em 1831 e, at que pudesse assumir o posto de imperador, o que s seria possvel aps sua maioridade, cabia Assemblia Geral (pela Constituio de 1824) eleger uma Regncia Trina.25 Dividida entre liberais e conservadores, a unidade poltica do Brasil estava enfraquecida e foi este o sinal para que eclodissem revoltas populares em diversos pontos do pas - todas violentamente reprimidas.26 22Ibidem, p. 133 23Ibidem, p. 135 24ALENCAR, Francisco. Op Cit, p. 109 - 112 25Ibidem, p. 117 26Ibidem, p. 120 - 125 19. 12 A instabilidade poltico-social se reflete no panorama das artes, ficando o Rio de Janeiro sem temporadas lricas de 1832 a 1843.27 Nesse contexto, as Sociedades Musicais foram se tornando um importante e prestigiado espao de msica na cidade. "A partir de 1831 observa-se na vida musical da cidade como que uma tendncia para a descentralizao. J no s nos teatros, nos intervalos das representaes, que agora se exibem os cantores e instrumentistas, como faziam at ento, mas um pouco por tda parte, onde quer que encontrem espao suficiente para reunir um auditrio. (...) o que certo que os concertos - as academias como ento eram chamados - comeam a realizar-se em locais onde jamais se pensara poder reunir gente para faz-la ouvir msica."28 O sucesso das "Sociedades" dependia diretamente da presena de pessoas importantes e influentes em seus quadros. Era importantssima tambm a presena de um bom diretor musical, em geral um msico de projeo no meio artstico da cidade. Os concertos e bailes, que podiam ser semanais, quinzenais ou mensais, assim como a pera, eram um acontecimento social: "Cronistas de jornais preenchiam regularmente as colunas sociais com descries destes saraus privados, os comentrios sobre as performances e as descries dos vestidos e penteados aparecendo lado a lado."29 Ayres de Andrade fala resumidamente do papel que as sociedades musicais desempenharam na vida musical do Rio de Janeiro: "A histria da msica em concertos no Rio de Janeiro est intimamente ligada s sociedades musicais."30 27ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.I, p. 195 28Ibidem, p. 227 29"Newspaper chroniclers regularly filled social columns with descriptions of such privately organized saraus, comments on performances appearing alongside descriptions of dresses and hair styles."MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 51 30ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.I, p. 236 20. 13 Em 1834 criada a Sociedade Beneficncia Musical (Conhecida tambm como Sociedade de Msica), tendo como diretor o ex-aluno do Pe. Jos Maurcio, Francisco Manoel da Silva. Os concertos eram mensais e constavam, em geral de peas curtas executadas por diversos msicos. Transcrevemos aqui o programa de um desses concertos ou Partidas Musicais, como eram tambm chamados: "Academia de Msica Vocal e Instrumental" em benefcio da Sociedade Beneficncia Musical em 16 de outubro de 1837, no Theatro Constitucional Fluminense. 1 Parte 1-Nova Abertura de "Lestocq" de Auber 2-Introduo de "Coradino": Gabriel F. da Trindade, Joo dos Reis Pereira e cro 3-Variaes para Corne Ingls de Janurio da Silva Arvelos: Francisco Motta 4-Dueto de "Bianca" e "Faliero" de Rossini: Elisa Piacentini e Candido Igncio da Silva 5-Variaes para Clarinete: Joo Bartolomeu Klier 6-Aria de Tancredi de Rossini: Joo Francisco Fasciotti 7-Introduo de Semiramide de Rossini: Elisa Piacentini, Candido Igncio da Silva, Joo dos Reis Pereira e cro 2 Parte1-Nova Abertura do "Le Cheval de Bronze" de Auber 2-Aria de Vaccai: Candido Igncio da Silva e cro 3-Allegro do Concerto para pianoforte de Kalkbremner: Francisco Muniz 4-Dueto de Tancredi de Rossini: Joo Fasciotti e Gabriel Fernandes da Trindade 21. 14 5-Novas Variaes para "corneta de chaves" de Candido Igncio da Silva: Desiderio Dorison 6-Introduo de Adina de Rossini: Candido Igncio da Silva, Gabriel Fernandes da Trindade e joo dos Reis Pereira *nota: Ingressos venda na casa de Candido Igncio da Silva, Rua da Alfndega, 50"31 De um modo geral, era este o padro dos programas de concerto nessa poca: uma coleo de trechos de pera, intercalados por variaes instrumentais, tambm sobre temas opersticos. Extremamente importante foi o papel das editoras e lojas de msica para a consolidao do gosto musical caracteristicamente urbano no sculo XIX. Em 1837, o mesmo J. Christian Mller, anteriormente citado, dinamarqus chegado ao Brasil em 1828, inaugura sua "Biblioteca de Aluguel", na Rua do Ouvidor n 36. Com uma lista de mais de mil e quinhentas peas, a biblioteca oferecia "no s as [msicas] antigas como as mais modernas, tanto instrumentaes como vocaes"32 As chamadas msicas modernas eram em sua maioria "variaes e fantasias sobre temas opersticos. Escritas por virtuoses do piano, (...) a maioria era para piano solo ou a quatro mos."33 Desde 1839 comeavam a apresentar-se no Brasil pianistas estrangeiros. Nesse ano, visitou o Brasil o pianista Charles Neyts; em 1840, o pianista portugus Joo Domingos Bontempo; em 1841, Corty executou, pela primeira 31MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 41 32Catlogo da Biblioteca Musical de J. C. Mller e H. E. Heinen, pg. 6 in MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 123 33"(...) variations and fantasies on operatic themes. Written by virtuoso- pianist composers,(...), the majority were for solo piano or piano duet." Ibidem, p. 123 22. 15 vez no Brasil, uma obra de Liszt.34 No existia ainda, porm, o concerto de um nico solista tal qual concebemos hoje. A situao econmica do pas comea a tornar-se estvel com a introduo em larga escala do cultivo do caf, produto altamente cotado no mercado mundial. Inicialmente plantado nas encostas dos morros da cidade do Rio de Janeiro, o caf rapidamente se espalha pelo Vale do Paraba. A partir de 1840 j o principal produto de exportao brasileiro. Nesse mesmo ano assume Dom Pedro II, garantindo a unidade nacional e consolidando a monarquia. O governo se torna mais conservador e o clima de agitao poltica esfria. As oligarquias rurais e a monarquia vm seu poder confirmado e garantido pelo Monarca. Com o governo unificado na figura do Imperador, segue-se um perodo de tranqilidade poltica que vai caracterizar o Segundo Reinado.35 O ensino de msica tambm ganhou um novo impulso no Segundo Reinado. Em 1838 havia sido criado, no Colgio Pedro II, um curso especializado em msica, sendo nomeado para dirigi-lo Janurio da Silva Arvelos.36 Mas a partir de 1841 que comea-se a falar na criao de um conservatrio. Nesse ano aparece no jornal O Brasil um artigo apontando para "(...) a convenincia da instituio de um conservatrio de msica sob o ponto de vista econmico e poltico".37 O autor do artigo argumenta que o conservatrio "(...) deve ser considerado como uma indstria e assim produzindo todas as 34ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.I, p. 231 35ALENCAR, Francisco. Op. Cit, p. 136 36Ibidem, p. 247 37Ibidem, p. 248 23. 16 vantagens de outra qualquer, prestando uma ocupao honesta, civilizando por via do trabalho."38 O artigo se referia a um requerimento, feito ao governo pela Sociedade de Msica, pleiteando a concesso de duas loterias anuais durante oito anos para a criao do dito conservatrio. Os autores do requerimento foram: Fortunato Mazziotti, Francisco Manuel da Silva, Jos Joaquim dos Reis, Joo Bartolomeu Klier, Pe. Manuel Alves Carneiro, Francisco da Mota e Pe. Firmino Rodrigues da Silva.39 No entanto, apenas em 1847 o governo concederia os subsdios necessrios empreitada. O Conservatrio de Msica do Rio de Janeiro seria finalmente inaugurado em1848, tendo frente Francisco Manoel da Silva (segundo o decreto n 496, de 21 de janeiro de 1847). A instituio teria "(...) por fim no somente instruir na Arte da Msica as pessoas de ambos os sexos que a ela quiserem dedicar-se, mas tambm formar artistas que possam satisfazer as exigncias do Culto e do Teatro."40 Objetivava-se ento a formao de msicos profissionais. Poder-se-ia, a partir da, contar com msicos profissionais brasileiros como uma alternativa ao grande nmero de msicos estrangeiros que vinham radicar-se no Brasil. Era uma forma de proteger e preparar o msico nacional para o mercado da msica oficial. No ano de 1844 retomavam-se as temporadas lricas, interrompidas havia doze anos, para uma nova fase que viria a ser a de maior esplendor alcanado pelo gnero no Brasil. A pera era a expresso da arte oficial, seu apogeu estava diretamente ligado estabilidade poltica. 38Ibidem, p. 248 39Ibidem, p. 247 40Ibidem, p. 249 24. 17 "Enquanto nos sales e no grande nmero de sociedades musicais surgidas na segunda metade do sculo XIX, os bailes, saraus e concertos privados tornavam-se grandes acontecimentos sociais, a pera tomava conta dos teatros do Rio de Janeiro, constituindo-se, talvez, na mais importante expresso da msica erudita no Brasil do sculo XIX, fosse ela europia ou nacional, influenciando todo o meio musical, inclusive os pianistas e a msica por eles praticada."41 Voltamos a frisar que os catlogos de msica do sculo XIX, como um todo, refletem exatamente essa sujeio do repertrio instrumental ao canto. O piano s viria a se tornar mais independente, s passaria a ser encarado como um instrumento completo, rico de possibilidades e merecedor de um repertrio especificamente pianstico, a partir das visitas de importantes virtuoses, que iriam mudar a concepo do instrumento entre os brasileiros. O primeiro deles foi Thalberg. Chegou ao Rio de Janeiro em 1855 e causou enorme fascnio com sua tcnica brilhante e refinada. Era conhecido como rival de Liszt e consta que fora elogiado por Clara Schumann, Hans Von Blow, Mendelssohn e pelo prprio Schumann, "o inimigo constante do virtuosismo vazio."42 Suas fantasias sobre temas opersticos serviram de modelos para muitos de seus contemporneos. Conhecedor de tcnicas contrapontsticas, dominando os recursos tcnicos do piano com maestria, Thalberg trazia para o piano sonoridades orquestrais insuspeitadas para os brasileiros. Seus concertos foram incansavelmente louvados pela crtica e pelo pblico e suas obras permaneceram nas listas dos editores e no repertrio dos pianistas at o final do sculo. 41FONSECA, Anna Cristina Cardozo da. Op. Cit, p. 24 42"(...) the constant enemy of empty piano virtuosity." MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 248 25. 18 "Antes de Thalberg, o piano era geralmente encarado como instrumento de salo para acompanhar cantores, mas, aps sua visita, passou a servir como meio para composies mais srias."43 O pianista de concerto do sculo XIX preservava uma tradio de improvisao na performance que vinha dos clavicinistas barrocos. Era ainda um msico de formao completa, estudando com profundidade as regras de harmonia e contraponto, aprendendo a fazer variaes sobre um tema, enfim, dominando um legado que atualmente est reservado queles que escolhem a carreira de compositor. "O aspecto 'criativo' das obras virtuossticas, especialmente seu carter improvisatrio, teve especial interesse para os compositores brasileiros, que incansavelmente exploraram novas tcnicas na maneira de trabalhar os temas em variaes e fantasias."44 Na dcada de 1850 o Rio de Janeiro teve um grande crescimento urbano, com a implantao de gs e gua encanada nas residncias e nas ruas. Havia at aqueles que lamentassem a presena dos bicos de gs nas noites de luar, muito mais romnticas antes dessa inovao. Novos hbitos mundanos, imagem dos parisienses, foram institudos entre os cariocas. A vida noturna intensificou-se e a boemia tomou conta dos cafs.45 Na noite de 4 de setembro de1861 o Conservatrio tem sua primeira grande glria: Carlos Gomes, aluno da instituio, estria sua primeira pera, A Noite do Castelo, 46 e dois anos depois recebe uma bolsa do governo para 43"Before Thalberg, the piano was commonly regarded as a salon instrument to accompany singers, but after his visit it began to serve as a medium for more serious compositions." MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 250 44"The 'creative' aspect of the virtuoso works, particularly their improvisational character, especially interested Brazilian composers, who continually explored new techniques of working out themes in variations and fantasies." MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p.316 45ALENCAR, Francisco. Op. Cit, p. 148 46ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.I, p. 269 26. 19 estudar na Europa.47 O prestgio do Conservatrio aumenta e a pera nacional se torna uma promessa. Porm, preciso ver os dois lados da moeda. Ainda que diversos historiadores exaltem a qualidade da msica feita no Brasil nesta poca, existem crnicas, preconceituosas talvez, que atestam o contrrio. Por ocasio de sua primeira visita ao Rio de Janeiro, em 1861, o pianista e organista alemo Hugo Bussmeyer escreveu um documento criticando o panorama musical da cidade. "Chamar de msica dar valor demais ao desenvolvimento desta Arte entre os brasileiros; ensaio da Msica, seria expresso mais apropriada. Como em tda parte, aqui tambm o piano o instrumento predileto do povo educado. raro faltar um piano em casa mais ou menos arranjada. Muitas vzes ouve-se o som de piano em casas modestas onde no se podia esperar sse mvel de luxo. (...) Quando eu era convidado para tocar em alguma festa, sempre levava minha chave forquilha para afinar o piano convenientemente s minhas necessidades, embora o proprietrio do instumento no deixasse de me assegurar que o piano fra afinado expressamente para mim; ento respondia que algumas cordas tinham afrouxado e que eu desejava endireit-las, tendo s vzes que recorrer a elogios quanto afinao e ao som do piano e conseguindo assim, sair do embarao. Quanto aos professres de piano, havia alguns verdadeiros artistas, que no receiavam alguma rivalidade; no podiam impor a arte ao pblico e, entretanto, eram obrigados a se sujeitarem ao gsto dle. (...) Aparecia diariamente um anncio no Jornal do Comrcio e outras flhas, indicando que um professor de piano aqui estabelecido, preparava alunos em dois meses, segundo um novo mtodo por le inventado, fazendo dos ditos alunos perfeitos 47Ibidem, p. 270 27. 20 pianistas (...). Lendo diriamente sse anncio, resolvi procurar sse colega, Arvelos*, para descobrir o seu importante e rico mtodo de ensino. (...) Entrando numa porta baixa, num quarto pequeno, vejo um mulato sentado em cima duma mesa balanando as pernas, fumando um charuto e vigiando os exerccios dum aluno que estava ao piano. (...) Depois de uma pequena conversa fui diretamente ao objetivo da minha visita, querendo saber como era possvel le preparar, em to pouco tempo, os artistas. (...) Explicou-me ento, que cobrando preos mnimos sempre encontrava pais que lhe confiassem seus filhos para receber aulas de piano e que, apesar de estarem convencidos da impossibilidade de prepar-los em dois meses, deixavam que os filhos continuassem desde que, ensinasse com ateno e pontualidade. Outros, ao contrrio, bastante imbecis (em acreditar no impossvel e, no conseguindo a realizao dos artistas formados), depois do tempo marcado, ficavam furiosos; (...) Entre os professres de piano, havia no Rio, alm de alguns oficiais prussianos, polacos, condes e condessas italianos e sardnicos, viajantes dos vinhos de Frankfort, antigos escreventes de advogados, diversos ex-empregados do comrcio, sendo que stes ltimos gostavam de tocar para danas e festas particulares, ocupao que at os condes aceitavam, pois dava um lucro regular. (...)" Aps criticar duramente a qualidade da msica e do ensino de piano no Rio de Janeiro, Bussmeyer passa anlise da pera. Ele reconhece a qualidade dos solistas estrangeiros radicados na cidade, mas extremamente severo com os compositores brasileiros desse gnero musical. "Passemos agora a um outro ramo da msica, a pera, que sustentada aqui por artistas italianos. O Rio pode glorificar-se de ter tido alguns dos melhores astros * "Trata-se de Janurio da Silva Arvelos, filho do velho msico do mesmo nome (...)" [Arvelos, o pai, foi diretor do curso de msica do colgio Pedro II (ver p. 8)] 28. 21 italianos, como Tamberlick, Mme. Stolz e Anna de la Grange, nomes stes que os amigos da msica conhecem suficientemente, sem precisar fazer outros elogios. (...) Tratemos dos compositores dramticos brasileiros, Lbo e Mesquita [Elias Alvares Lbo e Henrique Alves de Mesquita]. O primeiro escreveu uma pera "Noite de So Joo", que caiu no desagrado, e uma outra que nunca chegou a ser representada. (...) Quanto ao segundo, maestro Mesquita, no o conheo, porm dizem que no melhor que o Sr. Lbo. Durante minha estada no Rio, le tinha ido aperfeioar-se em Paris. (...)" Passando novamente para outro campo da msica, ele ataca agora a msica religiosa, e suas mais duras crticas dirigem-se ao fundador do Conservatrio Musical, Francisco Manuel da Silva. "Acabada a missa na pequena igreja, dirigi-me Capela Imperial, a principal igreja do Rio, situada no Largo do Pao, para ouvir a missa do galo, comeada meia noite; subi ao local do cro, onde estava tambm todo o instrumental, dirigido pelo seu grande maestro Francisco Manuel da Silva, compositor do celebrado "Hino Nacional a D. Pedro II". Nessa noite seria tocado um "Oratrio" do dito compositor; eu estava muito curioso por ouvir essa grande e nova orao, que devia ser uma obra prima do festejado compositor. Quando cheguei fui saudado por um conhecido que era o 1 violino e ste apresentou-me a obra do grande maestro, pedindo-me para passar uma vista na mesma; assim fiz e confesso que era quase impossvel a sua execuo. As dificuldades eram enormes, pois que a corda mais baixa do violino vai smente at sol, e o compositor foi at o mi e uma vez at o d. 29. 22 Grande homem, que faz grandes trabalhos instrumentais e que no conhece o diapaso do quarteto de cordas! O cu lhe d muitos anos de vida para beneficiar a terra com semelhantes obras musicais!"48 desconcertante ler crtica to destrutiva acerca do panorama musical do Rio de Janeiro Imperial. Porm, no podemos nos esquecer que "A vida musical do Rio de Janeiro na segunda metade do sculo XIX continuava sendo um eco dos precedentes parisienses. (...) era o produto de uma sociedade orientada para a Europa, e a partir da encarada como uma "sociedade de imitao."49 Aos olhos de Bussmeyer, a msica feita no Brasil nada mais era do que uma tentativa ingnua de reproduo da msica europia. Contudo, Bussmeyer veio a instalar-se definitivamente no Rio de Janeiro a partir de 1874. No nos cabe aqui especular quais foram os motivos que o trouxeram de volta cidade; o que sabemos que ele ocupou uma cadeira de professor no Conservatrio de Msica e foi nomeado Mestre da Capela Imperial, vindo a falecer em 1912.50 Apesar de apresentar deficincias e contradies, o panorama musical brasileiro estava em pleno processo de efervescncia. Paralelamente msica erudita, "(...) a msica popular percorria um caminho que levaria sua nacionalizao. Ainda no era brasileira; apenas esboava formas que s neste sculo [XX] viriam a tornar-se mais definidas. Portanto, a partir da dcada de 1870 que podemos falar de uma cultura melaninada, onde o pigmento fundamental a singulariz-la foi o do elemento negro."51 48"A Msica No Brasil - do desenvolvimento dessa arte entre ns" por Hugo Bussmeyer em SIQUEIRA, Baptista. Ernesto Nazareth na Msica Brasileira, Rio de Janeiro, 1967, p. 65 - 75 49"Musical life at Rio de Janeiro in the second half of the 19th century continued echoing Parisian precedents. (...)it was the product of a society oriented towards Europe, and therefore viewed as "a society of imitation."" ALENCAR, Francisco. Histria da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Tcnico, 1981, p.133 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 2 - 3 50ANDRADE, Ayres de. Op. Cit. V. II, p.152 51DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga - Uma Histria de Vida. Rio de Janeiro, CODECRI, 1984, p.87 30. 23 Enquanto a msica erudita era amplamente divulgada nos peridicos e agitava a vida social das classes abastadas, a msica do povo era gerada e consumida fora desse crculo notvel, mas possua uma fora prpria que se faria sentir no momento propcio. As condies para sua criao e desenvolvimento foram enunciadas por Edinha Diniz: "(...) alta concentrao populacional nos estratos baixos da sociedade, analfabetismo ou baixa escolaridade dos seus integrantes e ausncia ou precrio atendimento de suas exigncias sociais. O fato de ser um grupo numericamente expressivo e com uma cultura singularizada assegura(va) a produo e consumo de produtos culturais dentro do prprio grupo. Por ser uma manifestao artstica plenamente sustentvel pela tradio oral, favorece(u) os menos letrados e, por fim, mas no por ltimo, fornece(u) tambm um canal para a expresso de sentimentos, anseios, desejos, gostos, crenas e reivindicaes coletivas."52 As transformaes pelas quais a cidade passou durante o 2 reinado possibilitaram que essa produo cultural popular chegasse at o grande pblico, transpondo os limites do grupo onde se originara. Ao longo desse perodo: "Multiplicam-se os veculos capazes de gerar a difuso da msica popular. O teatro musicado constitui um espao importante de divulgao. O mercado de trabalho para o msico se amplia: cafs cantantes, confeitarias, praas (e seus coretos), bailes saraus domsticos, lojas de msica (que mantm sob contrato um executante das peas venda). J possvel o profissionalismo em msica."53 Gradativamente, o msico popular, vivendo margem da sociedade erudita, vai conquistando terreno e ganhando o reconhecimento do pblico. 52Ibidem, p. 88 53Ibidem, p. 94 31. 24 Contratados para tocar nos bailes que freqentemente sucediam aos saraus, msicos "profissionais" varavam a madrugada tocando msica para danar, bem diferente daquela ouvida no incio da noite, executada por amadores, pelas donzelas de famlia e seus professores. Ilustrando essa cena, temos uma passagem de Lima Barreto no "Triste Fim de Policarpo Quaresma" : "Chegaram sala. Era vasta. Tinha dous grandes retratos em pesadas molduras douradas, furiosos retratos a leo de Albernaz e da mulher; um espelho oval e alguns quadrinhos, e a decorao estava completa. Da moblia no se podia julgar, tinha sido retirada, para dar mais espao aos danantes. Havia um ou outro decote, poucas casacas, algumas sobrecasacas e muitos fraques. Por entre as cortinas de uma janela, Ricardo pde ver a rua. A calada defronte estava cheia. A casa era alta e tinha jardim; s de l os curiosos, os "serenos", podiam ver alguma cousa da festa. Lal, no vo de uma sacada, conversava com o Tenente Fontes. O general contemplou-os e abenoou- os com um olhar aprovador... A moa, a famosa filha do Lemos, disps-se a cantar. Foi ao piano, colocou a partitura e comeou. Era uma romanza italiana que ela cantou com a perfeio e o mau gosto de uma moa bem-educada. Acabou. Palmas gerais, mas frias, soaram. O doutor Florncio que ficara atrs do general, comentou: - Tem uma bela voz esta moa. Quem ? - a filha do Lemos, o doutor Lemos da Higiene, respondeu o general. - Canta muito bem. - Est no ltimo ano do conservatrio, observou ainda Albernaz. Chegou a vez de Ricardo. Ele ocupou um canto da sala, agarrou o violo, afinou-o, correu a escala; em seguida, tomou o ar trgico de quem vai representar o dipo-Rei e falou com voz grossa: 'Senhoritas, senhores e senhoras". Parou. Concertou a voz e continuou: "Vou cantar 'Os teus braos', modinha de minha composio, msica e versos. uma composio terna, 32. 25 decente e de uma poesia exaltada". Seus olhos, por a, quase saam das rbitas. Emendou: "Espero que nenhum rudo se oua, porque seno a inspirao se evola. o violo instrumento muito... mui...to 'de-li-ca-do'. Bem." A ateno era geral. Deu comeo. Principiou brando, gemebundo, macio e longo, como um soluo de onda; depois, houve uma parte rpida, saltitante, em que o violo estalava. Alternando um andamento e outro, a modinha acabou. Aquilo tinha ido ao fundo de todos, tinha acudido ao sonho das moas e aos desejos dos homens. As palmas foram ininterruptas. O general abraou-o, Genelcio levantou-se e deu-lhe a mo. Quinota, no seu imaculado vestido de noiva, tambm. Para fugir aos cumprimentos, Ricardo correu sala de jantar. No corredor chamavam-no: "Senhor Ricardo, Senhor Ricardo!" Voltou-se. "Que ordena minha senhora?" Era uma moa que lhe pedia uma cpia da modinha."54 Na anlise de Gilberto Freyre, "A modinha, (...), foi um agente musical de unificao brasileira, cantada, como foi, no Segundo Reinado, por uns, ao som do piano, no interior das casa nobres e burguesas; por outros, ao som do violo, ao sereno ou porta at de palhoas."55 As rias de pera eram tambm um gnero muito popular. Muitas delas transpunham os limites do teatro e vinham servir de tema para modinhas ou se misturar s danas da moda. Temos ttulos sugestivos como "Quadrilha Anna Bolena, Valsa Rigoletto e Mazurka Manon Lescaut [que] so exemplos de gneros hbridos derivados do teatro, mas transformados por mudanas na mtrica e na acentuao originais."56 54BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma -19 ed. Rio de Janeiro, EDIOURO, 1996, p. 66 - 67 55FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso, p. 119 em DINIZ, Edinha. Op. Cit, p. 95 56MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 37 33. 26 Essa circularidade no processo de trocas entre cultura europia (da elite) e mestia (do povo), foi a grande responsvel pela formao de uma cultura legitimamente nacional. Os concertos promovidos pelas sociedades musicais, e que a essa altura no so mais acontecimentos excepcionais e isolados, trazem uma novidade: percebe-se uma exaltao da figura do concertista, que tem para si um espao maior e mais exclusivo na apresentao. "Lyrico Fluminense: Sexta feira, 6 de julho de 1866 Concerto de ARTHUR NAPOLEO e Sr. Vasques, artista do Theatro Gymnasio, em uma de suas melhores cenas cmicas. Grande Fantasia sobre motivos da pera Luiza Miller, composta e executada por ARTHUR NAPOLEO. Pea em 4 atos, Heloisa Paranquet do Theatro Gymnasio Entre o segundo e terceiro atos Fantasia-Concerto sobre motivos da pera Africana de Mayerbeer, para piano e grande orquestra, composta e tocada por ARTHUR NAPOLEO. Aps a pea Heloiza Paranquet, ser apresentado o Grande Capricho sobre a valsa e dueto da pera Fausto composto e tocado por ARTHUR NAPOLEO."57 Arthur Napoleo, pianista portugus que se apresentou pela primeira vez no Brasil ainda muito jovem, aos quatorze anos, viria mais tarde, em 1868, a fixar-se definitivamente no Rio de Janeiro, abrindo uma casa de msica em parceria com Narciso Jos Pinto Braga. Esta viria a tornar-se uma das mais importantes editoras de msica do sculo passado no Brasil: Narciso & Arthur 57Ibidem, p. 42 34. 27 Napoleo. As editoras de msica foram, durante a segunda metade do sculo XIX, um negcio prspero e de grande importncia social, fornecendo o repertrio domstico e, dessa forma, funcionando como formadoras do gosto musical da sociedade burguesa. Um compositor que teve inmeras publicaes de sucesso no Brasil e cujas msicas foram tocadas por importantes pianistas nacionais, foi o norte-americano Louis Moreau Gottschalk. Desde a vinda de Thalberg, a realidade musical do Rio de Janeiro mudara bastante. "O estabelecimento da Imperial Academia de msica e Opera Nacional estimulara a busca de uma identidade musical nacional atravs da montagem de peras em portugus e de peras de compositores brasileiros. Alm disso, no final da dcada de 1850, msica nativa como modinhas, lundus, miudinho, sorongos e outras danas de origem hispnica [porm transformadas e assimiladas pela cultura brasileira] comearam a aparecer como motivos para variaes e fantasias."58 A valorizao dos elementos tipicamente nacionais foi certamente um dos motivos pelo qual Gottschalk fez um sucesso to absoluto. Suas obras exploravam desde os ritmos regionais de New Orleans at os batuques tropicais. Apresentando-se pela primeira vez em 1869 no salo da Sociedade Philarmnica Fluminense, seus concertos tiveram sempre os ingressos esgotados com antecedncia e foram infalivelmente enobrecidos com a presena da Famlia Real. Em reconhecimento calorosa acolhida, Gottschalk comps sua Grande fantaisie triomphale sur l'hymne national brsilien, Op. 69. 59 58"The establishment of the Imperial Academia de Msica e Opera Nacional stimulated the desire for national musical identity through the production of operas in Portuguese and for national operas by native composers. Also, by the late 1850s, native music such as modinhas, lundus, miudinho, sorongos and other Spanish-related dances began appearing as motives for variations and fantasies." Ibidem, p. 251 - 252 59Ibidem, p. 252 35. 28 "Uma vez que os virtuoses tocavam apenas o repertrio por eles composto, as vendas das partituras desse repertrio "decolavam" aps suas visitas. Alm disso, essas publicaes inspiravam peas similares entre os compositores locais;"60 Entretanto, medida em que caminhamos para a virada do sculo, a tradio do msico ao mesmo tempo compositor e performer vai se perdendo: os virtuoses instrumentistas so, cada vez mais, intrpretes de composies alheias. Passaremos, portanto, a analisar as causas dessa transformao. Na Europa, a partir da segunda metade so sculo XIX o gosto pela pera italiana estava ficando demod e cedendo lugar msica "sria" dos compositores germnicos. importante notar a ascenso da Alemanha, tanto nas artes como na poltica, durante esse perodo. Unificada por Bismarck em 187161, ela se tornava a nao mais forte, econmica e politicamente, do continente europeu. A msica germnica estava de acordo com os novos ideais de "arte pura" difundidos e adotados nos grandes centros. O conceito de "boa msica", em voga em Paris e trazido ao Rio por intelectuais e aristocratas, defendido em artigo do Jornal do Commercio de 21 de julho de 1870: "O tempo das chimeras passou; a fantasia despida de sentido teve seu tempo; lugar ao verdadeiro, aos divinos chefes de obra, applaudidos e adorados do outro lado do equador. A hora do progresso intellectual musical soou para o Brazil..."62 Esse novo direcionamento esttico foi adotado e difundido principalmente pelas sociedades musicais. O grande momento dessas instituies no cenrio cultural brasileiro estava comeando e elas viriam a desempenhar um importante papel nas dcadas de 1880 e 1890, ou seja, na transio do Imprio 60"Since virtuosos played solely their own repertory, sales of their sheet music 'took off' after their visits. Moreover, their publications inspired similar pieces by local composers;" Ibidem, p. 171 61Encyclopdie Alphabtique Larousse, Paris, Librairie Larousse, 1977, 2v. VI (omnis), p. 254 62Jornal do Commercio, 21 de julho de 1870 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 83 36. 29 para a Repblica. Numa reao ao repertrio derivado da pera, os concertos tinham agora mais peas instrumentais no programa; acompanhava tambm uma mudana de postura, tanto por parte do msico como por parte da audincia: do primeiro, era esperada uma performance sem excessos, buscando a "() satisfao mais honrosa e elevada, de exprimir em toda a sua plenitude a creao do compositor, conservando-se por assim dizer na penumbra e fazendo reverter a esta toda a luz!"63 O pblico, por sua vez, devia conter-se e no interromp-lo com "bravos" no decorrer da pea. Devia esperar at que a obra chegasse ao fim para, ento, manifestar-se. Para um pblico habituado com o teatro lrico, onde o entusiasmo da platia chegava muitas vezes a prejudicar o andamento do espetculo, essas normas de conduta eram excessivamente rgidas e antinaturais. O repertrio clssico, em si, no era compreendido e apreciado seno por aqueles iniciados na nova esttica. "Apesar das preferncias do pblico, a prevalescncia da msica clssica nos programas de concerto tornou-se um fato concreto. Os organizadores ignoravam o gosto do pblico em geral, em favor de uma minoria de espectadores educados, capazes de apreciar 'msica verdadeiramente artstica.'"64 Extremamente elitistas, as Sociedades seguiam normas rgidas na seleo dos seus scios, que eram cuidadosamente escolhidos entre a nata da sociedade carioca. O Club Mozart, por exemplo, exigia em seus estatutos que seus membros demonstrassem "boa conduta e uma posio decente na sociedade".65 63Revista Musical e de Bellas Artes 19 (10 de maio de 1879) :5 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 229 64"The organizers disregarded the taste of the general public in favor of a minority of educated spectators, who were able to enjoy "true musical art."" Ibidem, p. 117 65Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro, Captulo II, Art. 3, 6 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 64 37. 30 Alm de elitistas, alguns desses clubs tinham uma filosofia claramente machista e conservadora, como o caso do Club Beethoven, um dos mais importantes nas dcadas de 1880 e 1890 no Rio de Janeiro, que no admitia mulheres no quadro de scios e limitava a sua participao a eventos especiais que aconteciam umas poucas vezes por ano. O Club Beethoven era tambm um dos maiores divulgadores da msica germnica (tanto de cmera quanto sinfnica) na cidade. Um outro detalhe que o diferenciava das demais sociedades era a quase total ausncia de amadores nos concertos, o que garantia o alto nvel musical da execuo.66 O novo direcionamento musical impunha tambm uma nova formao, voltada para um ideal de msica que no era o da pera: uma formao instrumental que atendesse s necessidades tcnicas impostas pelo repertrio clssico e romntico. Nesse sentido, o Club Beethoven "(...) mantinha um quarteto de cordas (...) [e] tambm uma escola, oferecendo cursos de iniciao musical, solfejo, piano solo, acompanhamento ao piano, flauta, clarineta, obo, violino, viola, cello, contrabaixo, trompa e outros instrumentos de spro, quarteto de cordas, conjunto, harmonia, contraponto e composio. Todos os cursos eram voltados para o 'cultivo da grande msica.'"67 significativa a ausncia de um curso de canto no programa dessa escola, pois, num levantamento feito a partir da listagem dos msicos registrados no Rio de Janeiro entre os anos de 1808 e 186568, observamos que 66MAGALDI, Cristina. Op.Cit, p. 67 67"(...) maintained a string quartet (....) [and] also a music school, which offered courses of music initiation, solfge, piano solo, piano accompaniment, flute, clarinet, oboe, violin, viola, cello, bass, horn and other wind instruments, string quartet, ensembles, harmony, counterpoint, and composition. All courses were directed towards the 'cultivation of high music.""Estatutos da Academia de Msica do Club Beethoven, cap. VII, art. 18 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 69 68listagem extrada de ANDRADE, Ayres de. Op. Cit, 2 v. V.II, Apndice p. 131 38. 31 aproximadamente dois teros dos professores de piano ensinavam tambm canto. O ensino instrumental se tornava, cada vez mais, independente da pera. Acontece tambm uma redescoberta dos grandes compositores do passado, especialmente de Bach. Para Antoine-Franois Marmontel, "(...) pianista francs e professor do Conservatrio de Paris, (...) [Bach foi um] 'msico filsofo' que preparou a 'gloriosa era' de Mozart, Haydn, Gluck, Beethoven e Cherubini."69 Segue-se uma onda de historicismo na msica, ligando os grandes compositores entre si, de Bach a Brahms, formando uma linhagem musical qual convencionou-se chamar de "grande msica". Essa forma de ver o passado , segundo Nietzche, resultado de uma viso "monumental" da histria. O passado monumental funda-se num olhar que contempla as grandes obras e seus autores como modelos a serem seguidos. Porm, "(...) a crena de que tudo o que grande deve ser eterno suscita, justamente, a mais terrvel das lutas, porque tudo aquilo que vive fora desta atmosfera de grandeza protesta. preciso que nada de monumental possa nascer [grifo meu], eis o lema que nos opem."70 Como criar sob a sombra dos grandes artistas do passado, se tudo que vem depois deles j , por princpio, inferior a eles? Como vencer esse dilema, seno buscando uma expresso original, pessoal, atravs de uma linguagem artstica prpria? "Enquanto a histria tal como escrita tiver por centro os grandes impulsos que o homem poderoso dela tira, enquanto se apresentar o passado como digno de imitao, 69MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 225 70NIETZCHE, Friederich. Da Utilidade e dos Inconvenientes da Histria para a Vida - Segunda Consideraes Intempestivas. ____ , p. 118 39. 32 como imitvel, enquanto se acreditar que pode repetir-se, a histria estar em perigo de sofrer um ligeiro desvio, de ser embelezada e aproximada da livre criao potica. (...) grandes sectores desse passado ficam esquecidos e desprezados, escoando-se numa onda cinzenta e uniforme, donde emergem ilhotas de factos isolados e embelezados; as raras personalidades que a possvel descortinar tm algo de artificial e de milagroso, como a costela de oiro que os discpulos de Pitgoras pretendiam distinguir no seu mestre."71 O distanciamento temporal em geral engrandece e embeleza fatos, obras e personalidades do passado. Para os compositores brasileiros, as grandes obras clssicas trazem um terrvel desafio: o de alcanar um lugar no panteo dos imortais. Distanciados do contexto no qual viveram os grandes mestres europeus, essa dificuldade agravada pela falta de compreenso das condies histricas e sociais que levaram ao surgimento de tais autores e tais obras. Ernesto Nazareth, por exemplo, entre 1884 e 1886 "(...) interrompe o fluxo de suas composies do gnero ligeiro, para se dedicar msica sria dos recitais."72 Assim como ele, o Pestana, personagem criada por Machado de Assis no conto "Um Homem Clebre", aspirava a obras srias. No entanto, de sua pena saem apenas polcas, to entranhado estava o gnero em sua alma. "Quando o prto acendeu o gs da sala, Pestana sorriu e, dentro d'alma, cumprimentou uns dez retratos que pendiam da parede. Um s era a leo, o de um padre, que o educara, que lhe ensinara latim e msica, e que, segundo os ociosos, era o prprio pai do Pestana. (...) Os demais retratos eram de compositores clssicos, Cimarosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, e ainda uns trs, alguns gravados, outros 71Ibidem, p. 122 72SIQUEIRA, Baptista. Op. Cit, p. 55 40. 33 litografados, todos mal encaixilhados e de diferente tamanho, mas postos ali como santos de uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da noite l estava aberto: era uma sonata de Beethoven."73 A personagem passa a noite executando sonatas, primeiro Beethoven, depois Mozart e, por fim, Haydn. Enquanto isso uma moa, enamorada dele, "dormia ao som da polca, ouvida de cor, enquanto o autor desta no cuidava nem da polca nem da moa, mas das velhas obras clssicas, interrogando o cu e a noite, rogando aos anjos, em ltimo caso ao diabo. Por que no faria le uma s que fsse daquelas pginas imortais?"74 Cansado de perseguir madrugada adentro a inspirao que no lhe vinha para compor uma grande obra, na manh seguinte a personagem rende-se polca. "Comeou a tocar alguma cousa prpria, uma inspirao real e pronta, uma polca, uma polca buliosa, como dizem os anncios. (...); os dedos iam arrancando as notas, ligando-as, meneando-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo. (...) esquecera at os retratos que pendiam gravemente da parede. Compunha s, teclando ou escrevendo, sem os vos esforos da vspera, sem exasperao, sem nada pedir ao cu, sem interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tdio. Vida, graa, novidade, escorriam-lhe da alma como de uma fonte perene."75 Porm, tempos depois, novamente ansioso por criar "pginas imortais", compe um noturno. Ao mostr-lo a sua mulher, sem dizer "o que era nem de quem era", ela indaga: "- Acaba, disse Maria; no Chopin? (...) 73ASSIS, Machado de. Obras Completas. Um Homem Clebre. Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, W.M. Jackson Inc. Editres, 1955, 30 v. V. 12, p. 71 74Ibidem, p. 72 75Ibidem, p. 73 - 74 41. 34 Maria assentou-se ao piano, e, depois de algum esforo de memria, executou a pea de Chopin. A idia, o motivo eram os mesmos; Pestana achara-os em algum daqueles becos escuros da memria, velha cidade de traies."76 Perdido na busca de uma essncia que no a sua, desencontrado de si prprio, Pestana morre "(...) bem com os homens e mal consigo mesmo."77 Ernesto Nazareth tambm teve um triste fim: passou os ltimos anos de sua vida internado louco em um hospital de Santa Teresa e um dia, aps fugir e perder-se na mata da floresta carioca, foi encontrado morto. A frustrao desses compositores via-se confirmada no desprezo e preconceito que eles sofriam por parte da elite: tinham acesso vetado s grandes salas de concerto e sua msica era vista como de menor valor, em relao s obras dos mestres europeus. Mas, "o criador est sempre em posio de inferioridade relativamente ao simples espectador, que no meteu a mo na massa."78 Para esses crticos que se arvoram a juzes da arte "(...) apreciarem a arte que ainda no monumental, porque actual, falta-lhes , antes de mais, a necessidade de uma arte, depois a pureza do gosto e, finalmente, a autoridade que a histria d. (...) Por nada no mundo dever nascer uma nova arte monumental, e exactamente para isso que serve a autoridade que a arte monumental vai buscar ao passado."79 "Deixai os mortos sepultar os vivos"80, seria a mxima daqueles que se apiam no passado para sufocar o presente e o futuro. A arte brasileira, apesar 76Ibidem, p.79 77Ibidem, p. 84 78NIETZCHE, Friederich. Op. Cit, p. 123 79Ibidem, p. 123 80Ibidem, p. 124 42. 35 de sua fora e originalidade, carecia de um passado histrico clssico para ser reconhecida e devidamente apreciada. O final do sculo XIX foi tambm marcado pela propagao das idias positivistas. O Positivismo teve inmeros e fervorosos adeptos no Brasil. Fundado por Auguste Comte, matemtico francs, foi por ele definido como sendo a "Religio Universal" ou "Religio da Humanidade". Dizendo-se herdeiro de Hume e Kant, Condorcet e De Maistre, Comte se considerava diretamente ligado "() aos trs pais sistemticos da verdadeira filosofia moderna, Bacon, Descartes e Leibnitz."81 Ele ainda se dizia sobordinado, atravs de Toms de Aquino, Roger Bacon e Dante, ao "() prncipe eterno dos verdadeiros pensadores, o incomparvel Aristteles."82 O objetivo final do positivismo era promover uma reorganizao racional e sistemtica da sociedade atravs da aplicao do seguinte princpio: "Agir por afeio, e pensar para agir O primeiro hemistquio corresponde espontaneidade e o segundo sua consecutiva sistematizao. Apesar dos incovenientes que suscita a atividade irrefletida, somente ela capaz de fornecer a matria prima para uma meditao eficaz, que permitir melhor agir."83 O Positivismo teve uma grande influncia no tratamento da tcnica instrumental. Os virtuoses, na busca da execuo perfeita, passaram cada vez mais a trabalhar a tcnica em estudos e exerccios, no raramente desprovidos 81"() trois pres systmatiques de la vraie philosophie moderne, Bacon, Descartes et Leibnitz." COMTE, Auguste. Cathchisme Positiviste - Deuxime dition. Paris, Ernest Leroux diteur, 1874, p. 8 82"() prince ternel des vritables penseurs, l'incomparable Aristote." Ibidem, p. 8 83" Agir par affection, et penser pour agir/ Le premier hmistiche correspond la spontanit, et le second la systmatisation conscutive. Quelques inconvnients que suscite l'activit irreflchie, elle seule peut ordinairement fournir les premiers matriaux d'une mditation efficace, qui permettra de mieux agir." Ibidem, p. 62 - 63 43. 36 de sentido musical, que visavam apenas superao dos limites do instrumento. Separada da interpretao, a tcnica tornou-se um fim em si mesma. Numa publicao cujo ttulo era "O Professor de Piano (ou a arte de educar um pianista desde os rudimentos at o ensino transcendental)", Oscar Guanabarino, um dos mais importantes crticos musicais da virada do sculo fornece uma verdadeira "receita" de ensino. Recomenda uma srie de estudos progressivos, comeando por Clementi, Cramer, Moscheles, Czerny, Herz, Thalberg, passando por Gottschalk, Hummel, etc; fala da virtude tcnica e das especialidades de cada um destes autores, para em seguida criticar o gosto musical do brasileiro, defendendo uma slida cultura musical, baseada nos clssicos, como caminho rumo ao bom gosto musical. Ele lamenta que no Rio de Janeiro "O gosto pela msica no significa admirao pelas grandezas da arte. As polkas- lundus, as quadrilhas, os tangos e outras composies chorosas, fazem parte das predileces da generalidade do pblico - isto na capital - calcule-se agora o que vai pelas provncias onde a modinha tem um throno que desafia a todos os republicanos* do mundo..."84 Ele procura tambm definir o que seria o conceito de "Msica Clssica" e desfazer o erro que muitos cometem relacionando-o essencialmente com msica do passado: "No so poucos aquelles que julgam que a escola classica que dizer musica antiga - como se as antigas banalidades das operas de Gnecco ou de Federici fossem musica * Note-se que o movimento republicano nesta poca j era muito forte. Os republicanos eram os mais comprometidos com os ideais positivistas e viam na instaurao de um regime republicano a condio necessria para o progresso da nao. 84Revista Musical e de Bellas Artes 22 (21 de agosto de 1880): 176 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 235 44. 37 classica. verdade que essa escola determina uma poca no muito precisamente, que talvez se eleve ao decimo quinto seculo em que encontram-se Orlando Lasso, Claude Goudimel, Nicolo Gombert, Bassiron, Phinot, Cornelio, Arcadelt e outros cujos nomes escaparam memoria. Foram elles os primeiros que, de accordo com o espirito de seu tempo, coordenaram as leis da musica e da composio segundo o princpio da f religiosa que ento dominava e assentaram as pedras que deviam constituir o monumento altivo edificado por Palestrina; mas successivamente encontram-se, no seculo dezeseis -Merulo, Frescobaldi, e Allegri; Rameau, Scarlatti Haendel e Bach no seculo immediato; Haydn, clementi, Mozart, Dussek, Beethoven, Hummel, Schubert, Cramer, e tantos outros no seculo dezoito; Mendelssohn, Chopin e Schumann no principio do atual- e portanto a denominao de musica antiga tem tanta razo de ser como -musica moderna em relao ao titulo de classica."85 E para complementar: "... em musica, enfim, chama-se clssicos aos mestres que como Beethoven e Mozart, collocam a expresso dos sentimentos e dos pensamentos acima do cuidado de agradar aos ouvidos."86 Em outro artigo, a crtica musical ganha uma abordagem mais "cientfica" e passa a atribuir uma hierarquia aos elementos componentes da msica: "A msica pela ordem da sua importncia dividi-se em trs partes: rythmo, melodia e harmonia. O rythmo tanto pertence ao selvagem como ao homem civilizado; a melodia o effeito musical mais accessvel e mais fcil ao ouvido humano, e por isso que ella impressiona com preferncia os povos meridionais, to propensos a tudo que lhes d pouco trabalho; a harmonia a ltima perfeio da arte, a sua parte mais bella e mais 85Revista Musical e de Bellas Artes 36 (27 de novembro de 1880): 228 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 236 86Revista Musical e de Bellas Artes 37 (11 dezembro de 1880): 296 em MAGALDI, Cristina. Op. Cit, p. 236 45. 38 scientfica e a que indica mais o estado de adiantamento da arte entre qualquer povo. O rythmo , de todos, a melodia de muitos, a harmonia de alguns."87 Por todos esses motivos que analisamos, o repertrio "leve" derivado da pera vinha aos poucos sendo substitudo pela msica germnica. Essa mudana no se limitava aos concertos, mas se fazia sentir tambm no repertrio domstico, pois o pianismo de salo "tinha o papel de repetidor e simbolizador, em miniatura, do que ocorria musical e politicamente na sociedade."88 O regime monrquico, enfraquecido pelas transformaes capitalistas assistia ao crescimento do Partido Republicano, comprometido com a modernizao da economia brasileira. Essa modernizao implicava na substituio dos antigos grupos detentores do poder poltico - proprietrios de terra ligados produo aucareira decadente e ao caf do vale do paraba - por outros mais fortes economicamente e mais "modernos", no sentido de estarem mais adaptados aos mtodos capitalistas de produo. O poder econmico deslocava-se para So Paulo. Em15 de novembro de1889 o marechal Deodoro da Fonseca, enquanto o imperador encontrava-se em Petrpolis fugindo do calor do Rio, instaura a Repblica e o Brasil passa a se chamar Estados Unidos do Brasil.89 A relao do regime republicano com o pensamento positivista transparece na nova bandeira adotada, que traz o lema "Ordem e Progresso".* A reao antiga ordem poltica implicava num repdio pera, manifestao artstica que melhor sintetizava os valores da Monarquia. O novo 87Revista Musical e de Bellas Artes 8 (28 de fevereiro de 1879): 1 em MAGALDI, Cristina, Op. Cit, pg. 232 88FONSECA, Anna Cristina Cardozo da. Op. Cit, p. 76 89ALENCAR, Francisco. Op. Cit, p. 17 *O lema positivista, em sua forma original um pouco diferente: "O Amor por princpio e a Ordem por base, o Progresso por fim." 46. 39 regime pedia uma nova esttica e, "(...) em certa medida, o piano e o concerto sinfnico simbolizaram para a Primeira Repblica o que o canto e a pera representaram dentro do regime monrquico."90 No ano de 1899 apresentou-se no Rio e em So Paulo o compositor, pianista e organista francs Camille Saint-Sans. Assim como Thalberg e Gottschalk, Saint-Sans marcou profundamente o meio musical brasileiro com as suas apresentaes. No entanto, sua msica j no era baseada em motivos opersticos ou em temas de gosto essencialmente popular. Ele era basicamente um compositor de msica sinfnica e foi um dos ltimos virtuoses-compositores dessa poca. No sculo XX a separao entre compositor e intprete se tornaria muito mais profunda do que havia sido no sculo anterior. Nos primeiros anos do sculo XX, tivemos uma legio de pianistas - em sua maioria mulheres - formados no Brasil, muitos deles indo estudar no exterior. Foi o caso, por exemplo de Ivone de Geslin (RJ, 1885), que estudou com Pugno, na Frana, para em seguida retornar ao Brasil; de Alcina Navarro de Andrade, aluna de Alfredo Bevilaqcua no Instituo Nacional de Msica (nome dado ao Conservatrio de Msica aps a Repblica) e, depois, aluna de Harold Baur, em Paris; de Fanny Guimares (RJ, 1887), que conquistou prmios e honrarias na Europa, morrendo jovem, em 1920, no Rio de Janeiro. E tambm de Hernani Torres, Alfredo Sangiorgi, Barroso Netto, Luciano Gallet, Ernani Braga, entre muitos outros que fizeram do piano uma profisso.91 Os nomes que mais se destacam nesse grupo so os das pianistas Antonieta Rudge, Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro. As duas primeiras, alunas de Luigi Chiaffarelli em So Paulo, tiveram grande projeo internacional. 90FONSECA, Anna Cristina Cardozo da. Op. Cit, p. 108 91CERNICHIARO, Vincenzo. Storia Della Musica nel Brasile - Dai tempi coloniali ai nostri giorni (1545- 1925). Milano, Fratelli Riccioni, 1926, Cap. XXI 47. 40 Magdalena Tagliaferro tornou-se residente em Paris e tambm construiu uma brilhante carreira.92 Tivemos importantes professores de piano que fizeram "escola", como por exemplo Guilherme H. Fontainha e Lucia Branco, entre outros, que deixaram discpulos que divulgaram e desenvolveram suas idias e seus ensinamentos.93 No s o Brasil estava produzindo pianistas como os pianistas internacionais passaram a incluir o Rio de Janeiro e So Paulo em suas tournes . Segundo Anna Cristina Fonseca, "(...) a partir de 1915, mais ou menos, a cidade [do Rio de Janeiro] passa a ser brindada com recitais quase dirios de artistas estrangeiros em tourne pelo Brasil. Rubinstein, por exemplo, executou programas diferentes praticamente a cada dois dias, apresentando-se no Teatro Lrico (1919) e no Teatro Municipal (1920), diga-se de passagem os palcos mais freqentes de apresentaes profissionais."94 Com o advento das primeiras gravaes em disco, o piano comea a perder sua funo de instrumento musical de lazer domstico. O piano se torna, cada vez mais, objeto de um estudo srio, visando ao profissionalismo e ao virtuosismo. O prprio estado brasileiro procurou dar ao ensino de piano dimenses de linha de produo nos moldes industriais. Em pouco tempo, o curso de piano era o mais importante nas instituies oficiais de ensino, tanto no Rio como em So Paulo. Mario de Andrade fala sobre o piano em So Paulo nas primeiras dcadas do sculo XX: "Ora, certamente no foi Chiaffarelli quem produziu a genialidade intrnseca de Guiomar Novaes e Antonieta Rudge. Porm, a importao natural desse grande professor para a 92Ibidem, Cap. XXI 93Ibidem, Cap. XXI 94FONSECA, Anna Cristina, Op. Cit, pg. 119 48. 41 sociedade italianizada de So Paulo, produziu a florao magnfica com que a escola de piano da Cafelndia ganhou vrias maratonas na Amrica. Mas que esta florao pianstica de So Paulo era uma excrescncia social, embora lgica em nossa civilizao e no explendor do caf, se prova no apenas pela sua rpida decadncia, como pela pouca funo, pela quase nula funo nacional e mesmo regional dessa pianolatria paulista. O prprio, e incontestavelmente glorioso em seu passado, Conservatrio de So Paulo, justificado por essa pianolatria, inspirado por ela, dourado inicialmente pelo nome dos seus professores pianistas, (...) mesmo contra sua orientao voluntariamente pianoltrica, teve que readaptar-se s exigncias tcnicas e econmicas do Estado, e adquirir uma funo cultural muito mais pedaggica, profunda e variada que o internacionalismo industrial da virtuosidade pianstica."95 Curiosamente, "(...) na Semana [de arte Moderna de 1922], o piano, como alis, toda a parte musical, teve uma participao um tanto paradoxal, evidenciando bem a situao da msica de ento, principalmente no tocante ao eixo Rio-So Paulo. Ao mesmo tempo em que eram questionados quanto ao repertrio, quanto interpretao, quanto ao seu papel na sociedade e na cultura musical da poca pelos artistas modernistas, que os consideravam anacrnicos, os pianistas que participaram da Semana de 22, incluindo a cameristas e virtuoses conhecidos e cultuados pelo pblico, eram, em grande parte, os responsveis pelo comparecimento desse mesmo pblico aos concertos e aos demais eventos."96 Como vimos, a trajetria do piano na sociedade brasileira rica, porm repleta de contradies. A imagem do pianista erudito est carregada de um simbolismo e de uma aura que se justifica por todo um passado que o glorificou. Essa imagem, no entanto, est distante da realidade dessa profisso em nossos 95ANDRADE, Mrio de. Op. Cit, p. 12 - 13 96FONSECA, Anna Cristina Cardozo da. Op. Cit, p. 27 49. 42 dias. A situao do pianista erudito no sculo XX ser o assunto do prximo captulo. 50. 43 2 CAPTULO At agora as informaes histricas revisadas neste trabalho tiveram como objetivo delinear a trajetria do piano no Brasil, para que melhor pudssemos compreender o surgimento do pianista concertista brasileiro - sua funo na sociedade, seu campo de atuao profissional, seu prestgio. Buscando completar o quadro histrico com informaes de primeira mo - mais vivas e relevantes - realizamos trs entrevistas, entre os meses de julho e agosto de 1997, com pianistas de longa data e conceituados no meio artstico e acadmico: Heitor Alimonda, professor da Escola de Msica da UFRJ, Luis Carlos de Moura Castro, professor da Universidade de Harttford (EUA) e Saloma Gandelman, professora da Uni-Rio. Foram levantadas questes relativas formao musical e carreira de cada um dos entrevistados, relao do pianista com o mercado, funo da msica erudita na sociedade, s transformaes pelas quais o msico vem passando ao longo desse sculo alm de outros temas pertinentes que surgiram no decorrer das entrevistas. Queremos frisar que todos os entrevistados so pedagogos, cada qual dentro das suas caractersticas e que, portanto, as entrevistas tiveram um enfoque bastante pedaggico. Os diferentes pontos de vista apresentados so, alm de reflexo da personalidade, produto da formao e da experincia profissional de cada um deles. REFERENCIAL TEORICO 51. 44 Para a anlise das entrevistas, baseamo-nos na "Esttica - teoria da formatividade" de Luigi Pareyson (1918/1991). A escolha dessa obra foi motivada pelo fato dela no estar limitada a uma atividade artstica especfica, mas trabalhar conceitos de aplicao universal. Alm disso, apesar de estritamente filosfico, o texto no recorre a uma terminologia tcnica preestabelecida, sendo portanto "aberto a todos". Pareyson foi basicamente um filsofo da arte e, segundo sua prpria definio, "a filosofia da arte toda a filosofia voltada para a especulao terica sobre a arte."97 No prefcio de seu livro, ele aponta para a necessidade de uma teoria que servisse de contraponto esttica de Benedetto Croce (1866/1852). Na Itlia, aps a segunda grande guerra, a esttica croceana era ainda a principal fonte de referncia e, na viso de Pareyson, "Era mais que tempo, na arte, de pr a nfase no fazer mais que no simplesmente contemplar"98 Sua teoria aparece sob a forma de vrios artigos, publicados entre 1950 e 1954 para uma revista filosfica. O ponto de partida para sua formulao a atividade dos artistas, analisados em seu trabalho e nos seus depoimentos e reflexes, assim como a atividade dos intrpretes, leitores e crticos de arte. Segundo Pareyson: "A esttica proposta neste livro no portanto uma metafsica da arte, mas uma anlise da experincia esttica: no uma definio da arte considerada abstratamente em si mesma, mas um estudo do homem enquanto autor da arte e no ato de fazer arte."99 So abordados diversos problemas especficos da esttica: a relao entre tcnica e inspirao; o dilogo do artista com a matria; o desenrolar do 97PAREYSON, Luigi. Esttica - Teoria da Formatividade. Petrpolis, RJ, Editora Vozes, 1993, p. 7 98Ibidem, p. 9 99Ibidem, p. 11 52. 45 processo artstico, desde a adoo do "tema" at a obra terminada; a funo da crtica; o momento da concluso da obra e a subseqente contemplao da mesma. Discute-se tambm a exemplaridade da obra de arte; a formao e a tcnica do artista; a noo de estilo como resultado e reflexo da pessoa do criador; a possibilidade de interpretao da obra de arte; a relao entre "fidelidade" e "liberdade" na execuo; a tradio e a historicidade na arte. Ao assunto "Interpretao" Pareyson dedica dois captulos, nos quais concentramos nosso estudo. Ele faz a anlise do processo interpretativo, salientando os aspectos produtivo e formativo que o caracterizam. A abrangncia e importncia desse processo est no Carter formativo do conhecimento sensvel : "Sem dvida, a interpretao conhecimento - ou melhor, no h conhecimento, para o homem, a no ser como interpretao."100 Ao mesmo tempo em que Pareyson considera a obra de arte aberta a infinitas interpretaes, procura definir quais os critrios que permitem diferenciar uma boa interpretao de uma interpretao ruim. Ele analisa tambm os aspectos que diferenciam criao e interpretao, ao mesmo tempo em que demonstra a complementaridade e inseparabilidade dessas atividades. Finalmente, faz uma srie de recomendaes que se dirigem ao intrprete, recomendaes mais de ordem espiritual do que tcnica e que visam a reforar o compromisso de fidelidade do intrprete para com o objeto de sua interpretao. ESTUDOS DE FORMAO 100Ibidem, p.172 53. 46 Comearemos analisando uma poca a qual poderamos chamar de "apogeu" do piano no Brasil, perodo que coincide com a fase de formao musical dos entrevistados. Heitor Alimonda conta que iniciou o estudo da msica por influncia, principalmente, da sua me. "Minha me foi uma pessoa, filha de italianos imigrantes bem daqueles da batosta, como se diz em italiano, cabeas duras, que achavam que uma mulher tocar piano era um negcio feio e tinham uma poro de preconceitos com relao liberdade da mulher, essa coisa toda... Minha me no pde estudar nunca, ento ela transferiu isso quando ela se casou - meu pai era um industrial mas um cara com uma tremenda veia artstica, um escultor amador, mas muito bom, fez coisas muito boas - e essas duas coisas, o artstico do meu pai e esse germen que no parava nunca dentro da minha me, de tocar piano, fez com que ela colocasse todos ns para tocar piano." Apesar da grande penetrao do piano nos lares brasileiros, ainda havia uma mentalidade conservadora em vrios setores da sociedade, especialmente em se tratando de cidades menores, distantes dos grandes centros urbanos do Rio e de So Paulo. "Dependia-se de professores que passassem por Araraquara, minha terra natal, at chegar a um determinado ponto em que minhas irms comearam a viajar semanalmente ou quinzenalmente para So Paulo, at que ns todos nos transferimos para So Paulo." Ao ser perguntado sobre como foi esse contato inicial com a msica, se houve algum mtodo, algum direcionamento especfico, H.A. apontou para um importante detalhe da sua formao que no estava ligado figura de nenhum professor em especial, mas de seu pai. 54. 47 "Tnhamos ento esse piano em casa e meu pai, como era uma pessoa interessada, um dia chegou em casa com os doze volumes de "A Melhor Msica do Mundo". Isso foi um negcio que chegou ao Brasil por volta de mil novecentos e vinte e poucos, uma edio revista por Paderewski, uma coleo universal que contm tudo: canes transcritas para piano, trechos de pera, mas j comea a ter tambm um bocado do repertrio clssico, isto , repertrio escrito especificamente para piano. Esses doze volumes, cada um com uns quatro ou cinco centmetros de grossura, foram todos lidos. Essa uma questo muito importante na minha formao de pianista. Meu pai obrigava depois do jantar (a gente jantava s cinco da tarde, que era a hora que fechava a fbrica dele, uma fbrica em casa mesmo), das cinco e meia at s oito e meia, nove horas, cada um sentava no piano e lia algumas pginas. Tinha que ir lendo, ir lendo... Quer dizer, foi um dos negcios pedagogicamente mais perfeitos que aconteceu na minha vida. Porque voc v, hoje se diz: no se pode ter [livro de] msica, a gerao do xerox - que uma coisa horrorosa e que vai acabar com a msica, msica no sentido de educao. Aqui na Escola [de Msica da UFRJ] e no s aqui, mas eu digo Escola porque aqui um foco que serve como exemplo, um exemplo universal. Voc pergunta a um aluno hoje: - "Quais sonatas de Beethoven que voc tem?" - "Ah, eu tenho o primeiro movimento da Sonata tal porque meu professor mandou estudar e eu xeroquei." Ento ele nem sabe que existe um lbum com as trinta e duas sonatas. Ele no teve nunca a curiosidade , nem nunca ter os meios, de ler as trinta e duas sonatas como eu li. Como os pianistas da minha poca e anteriores, da fase urea do piano, do piano comeando realmente como instrumento, todos liam o repertrio inteiro. Eu li todo o Chopin, eu li todo o Schumann, todo o Brahms, tudo que tinha pra ler... Em vez de ler gibi, que faz parte da formao 55. 48 literria da nossa juventude, que fica lendo revistinha em vez de ler literatura, da mesma forma, o instrumentista que no l... Essa sua preocupao de procurar saber, de analisar, a leitura constante das obras musicais abre esses caminhos e explica muita coisa." Aparentemente, podemos pensar na leitura como passividade: o leitor recebe a obra pronta, sem que dele seja exigido qualquer trabalho. No entanto, se olharmos mais profundamente, a leitura se nos revela uma atividade extremamente rica. Segundo Luigi Pareyson, "Ler significa 'executar'. E efetivamente a obra de arte s se mostra como tal a quem a sabe ler e verdadeiramente executar."101 Para executar, o leitor precisa estabelecer um dilogo entre sua prpria personalidade e a obra, precisa interpret-la atravs do seu imaginrio pessoal. "Ler no quer dizer abandonar-se ao efeito da obra, sofrendo-o passivamente, mas assenhorear-se da prpria obra, tornando-a presente e viva, ou seja, fazendo-lhe o efeito operativo."102 Dessa forma, a leitura se revela como uma atividade complexa e dinmica, agindo sobre o leitor e provocando nele uma ao. Por este motivo, entendemos a importncia que H.A. d ao fato de, ainda muito novo, ter lido uma grande quantidade de msica. Essa, com certeza, foi uma experincia decisiva no seu desenvolvimento artstico e musical. ESCOLAS PIANISTICAS Atravs do relato de Heitor Alimonda, observamos que na primeira metade do sculo XX a popularidade das "selees" de obras para piano era ainda muito grande. Essa tradio remonta ao sculo XIX, quando essas 101Ibidem, p. 211 102Ibidem, p. 213 56. 49 selees traziam principalmente arranjos para piano de peras conhecidas, arranjos elaborados de modinhas populares, fantasias e coisas do gnero. Muita coisa mudara, mas as gravaes em disco dos anos trinta ainda conviviam com essa prtica musical domstica, preservada em grande parte pelo papel que o piano desenpenhava na educao das moas de famlia. Paralelamente, o piano passou a desempenhar um papel mais importante dentro da sociedade na virada do sculo. Ele j deixara de ser apenas um instrumento domstico e se tornara um instrumento de concerto desde meados do sculo XIX, desde Thalberg... Mas isso ainda no fora o bastante para acabar com a primazia da pera. Isso s aconteceria efetivamente nas primeiras dcadas da Repblica. A figura do concertista, intrprete de msica "sria", era agora um smbolo dos novos tempos. No virtuose solista, bravura e tcnica estavam em equilbrio (como no ideal positivista) e ele vinha substituir o sopranista do teatro lrico e as divas do Bel Canto. Mais de acordo com os novos tempos, era natural que o pianista fosse favorecido pelo sistema e assim surgiram importantes escolas piansticas, concentrando-se principalmente no Rio e em So Paulo. "Quando eu fui morar em So Paulo, em 1930 (meu Deus, l se vo 67 anos!), fui estudar com Agostinho Cant. Ele era o genro do Lus Chiaffareli e herdou a escola, a casa, tudo enfim. A grande fora em So Paulo nos anos trinta, at quarenta, eram as escolas piansticas. As escolas piansticas tinham uma fora tremenda. Naquela poca as grandes escolas eram Cant, herdeiro do Chiaffareli e um outro grupo que foi se formando e ento apareceu o professor Kliass, que foi um outro elemento importante. Os representantes da escola Kliass foram, primeiramente Ana Estela Schiek, a maior intrprete de Villa-Lobos, qualitativa e quantitativamente. E a outra representante da escola Kliass Yara Bernete. 57. 50 Essa primazia da escola pianstica era vista de uma determinada maneira, de um ponto de vista unilateral, porque esse pessoal s pensava em piano, s interessava o piano, etc... No entanto, esse Cant, seguindo uma tradio do Chiaffareli, fazia mensalmente uma audio onde se apresentavam violinistas, cantores e os bons alunos de piano, tocando a dois pianos. Na casa havia dois pianos de cauda Bechstein maravilhosos e um rgo, fora outros dois ou trs outros pianos espalhados pela casa. Com isso, eu consegui com que essa mentalidade pianstica burra fosse se abrindo no sentido de que msica no s piano." Essa viso "unilateral" da msica, adquirida pelos pianistas, resutado de um direcionamento exclusivista do ensino, que atribui ao piano sempre a funo de solista, de destaque, de "rei dos instrumentos", limitando seu uso e seu repertrio. Conseqentemente, o entrosamento do pianista com outros instrumentistas se torna mais raro e difcil e para muitos a msica uma experincia bastante solitria. "Do ponto de vista de uma certa conscincia e tudo mais, at de uma certa civilidade, vamos dizer assim, o pianista um solitrio absoluto. Acaba virando um egocntrico. Porque a msica do piano egocntrica num certo sentido. Mas ento, com esse desenvolvimento todo, minha cabea se abriu para essa idias: o que que o piano representa dentro da msica, qual a funo do piano?" Uma das respostas que H.A. encontrou estava na msica de cmara. O relacionamento com outros msicos, de diferentes instrumentos, obrigou-o a conhecer outros usos do seu prprio instrumento. Tocando com um violino, por exemplo, o piano obrigado a sustentar os graves a maior parte do tempo, a atingir uma intensidade relativa quela que o outro instrumento pode alcanar, e assim por diante. Com um violoncelo, a 58. 51 histria outra. Com um fagote, ainda outra. Ento o pianista se v obrigado a adaptar-se e a conseguir diferentes sonoridades; a ora tocar o solo, ora o acompanhamento; a buscar diferentes cores em funo do equilbrio sonoro. Dessa forma, acaba encontrando o lugar do piano no meio dos outros instrumentos. "Com isso, essa mentalidade que desenvolvi em criana dessa pesquisa atravs da leitura, foi o que me abriu o campo da prpria leitura: vamos ler fazendo msica de cmera, vamos ler acompanhando, vamos ler assim assado, etc. etc... E nessa poca uma outra coisa me aconteceu, so coisas assim fortuitas que acontecem na minha vida e que tm me ajudado muito. Eu entrei no conservatrio de So Paulo nos anos trinta e dois, trinta e trs (eu acabei o conservatrio em trinta e nove), mas eu no tinha dinheiro para pagar o conservatrio. Ento eu consegui (naquele tempo no se falava em bolsas de estudo) uma ajuda, eu teria os cursos de graa se eu acompanhasse todas as aulas de canto, e ainda outras. Foi outra escola. Uma escola que me foi imposta por problemas econmicos e que acabou sendo um grande ganho pra mim outra vez. Porque a eu acompanhei tudo. Eu me lembro que quando algum de repente dizia assim: - "Ah, eu vou estudar a transcrio do quarteto do Rigoletto(*)" Eu j tinha estudado aquilo vinte vezes, de trs pra diante e o cara que ia tocar o quarteto do Rigoletto jamais havia sequer escutado o quarteto, essa obra que cavalo de batalha de centenas de pianistas..." Essa experincia narrada por H.A. diz respeito postura do um msico que deixa de ser apenas aluno para ser tambm um profissional. A prtica de conjunto no apenas abre seus horizontes como o torna mais responsvel e verstil. Capaz de atuar em diferentes situaes, ele encontra mais facilmente 59. 52 condies de trabalho; idealizando menos o momento do "concerto", lidando com situaes menos pr-determinadas ele amplia o espao da msica na sua vida e ganha autonomia. "As mudanas vm vindo no sentido da ampliao do campo musical do pianista. Eu tenho um aluno agora, precisando ganhar dinheiro e que j est acompanhando du