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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ LUIZ PAULO GONZAGA RODRIGUES OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA Rio de Janeiro 2009

Dissertação Luiz Paulo - estacio.br · LUIZ PAULO GONZAGA RODRIGUES OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA Rio

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

LUIZ PAULO GONZAGA RODRIGUES

OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA

Rio de Janeiro

2009

LUIZ PAULO GONZAGA RODRIGUES

OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá. Orientador: Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho.

Rio de Janeiro

2009

PROGRAMA DE POS GRADUAÇÃO EM DIREITO

VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A dissertação:

OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA

elaborada por:

LUIZ PAULO GONZAGA RODRIGUES

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de

Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, 19 de agosto 2009

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho Presidente

Universidade Estácio de Sá

____________________________________________

Profº Drª Renata Braga Klevenhusen Universidade Estácio de Sá

____________________________________________

Prof°. Dr. Flavio Mirza Maduro Universidade do Estado do Rio de Janeiro

À Judi e Melina, que com muito amor

estiveram sempre presentes e são presentes da

minha vida.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Humberto Dalla, pela dedicação e paciência.

Ao João Paulo e Fábio Prior, sempre dispostos a atender.

RESUMO

A presente dissertação, dentro da Área de Concentração Direito Público e Evolução Social, na linha de pesquisa Acesso à justiça e efetividade do processo é orientada pelo Professor Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho, docente do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá. Analisa o contexto histórico bem como a evolução conceitual e a aplicação dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, tendo como corte paradigmático o pós-positivismo. Seguindo essa linha, procura situar os institutos da arbitragem, da mediação e a conciliação, como mecanismos de resolução de conflito numa perspectiva de acesso à justiça que vai além daquela proposta pelo exercício da jurisdição estatal. Diante de tal orientação teórica busca-se um novo método de interpretação constitucional em que se valoriza a dimensão axiológica dos direitos fundamentais, mais precisamente os princípios expressos e não expressos orientadores do acesso à justiça. De posse de orientações e fontes normativas, incluindo regras e princípios, tanto no plano constitucional e infraconstitucional, assim como jurisprudenciais e doutrinárias, procura demonstrar que por meio dos institutos da arbitragem, da mediação e da conciliação é possível concretizar o acesso à justiça na sua mais plena acepção e não somente no sentido técnico tradicional contido na acepção do Poder Judiciário. O pós-positivismo indica um rumo distinto daquele que caracterizava o juspositivismo, no qual o formalismo legal é a base para a aplicação jurídica, onde as relações na sociedade deveriam se subsumir à ordem legal anteriormente posta. A experiência de aplicação dos métodos alternativos de solução de conflito, de acordo com as orientações doutrinárias, são formas de concretização de uma forma de justiça redimensionada para uma concepção filosófica, numa sociedade amplamente diversificada que por sua vez intensifica as relações. Os resultados são, por sua vez, uma maneira de pacificação social menos dolorosa, onde os personagens do litígio não são meros figurantes mas sujeitos do processo de recomposição das relações anteriormente estabelecidas. Palavras-chave: Mecanismos alternativos de solução de conflitos, acesso à justiça e Pós-

positivismo.

ABSTRACT To present dissertation, inside of the Area of Concentration Public Right and Social Evolution, in the line of research Access to the justice and effectiveness of the process is guided by the Professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Professor of the Master's degree in Law of the Universidade Estácio de Sá. It analyzes the historical context as well as the conceptual evolution and the application of the Alternative Dispute Resolution, tends as model the post-positivism. Following that line, it tries to place the institutes of the arbitration, mediation and conciliation, as Alternative Dispute Resolution Mechanisms in an access perspective to the Justice that is going besides that proposal for the exercise of the state jurisdiction. Due to such a theoretical orientation a new method of constitutional interpretation is looked for in that the dimension of value of the fundamental rights is valued, more precisely the beginnings expressed and no guiding expresses of the access to the Justice. Of ownership of orientations and normative sources, including rules and beginnings, so much in the constitutional plan and infraconstitucional, as well as decisions and doctrinaire, it tries to demonstrate that through the institutes of the arbitration, of the mediation and of the conciliation it is possible to render the access to the Justice in her fuller meaning and not only in the traditional technical sense contained in the meaning of the Judiciary Power. The post-positivism indicates a direction different from that characterized the Positivism Rights, in which the legal formalism is the base for the juridical application, where the relationships in the society would be under a prior legal order piece. The experience of application of the alternative Dispute Resolution, in agreement with the doctrinaire orientations, they are forms of materialization in a way of justice for a philosophical conception, in a society thoroughly diversified that for her time intensifies the relationships. The results are, for her time, a way of less painful social pacification, where the characters of the litigation are not mere actors but subject of the process of composition of the relationships previously established.

Key Words: Alternative Dispute Resolution, Access to the Justice and Post-positivism.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................12 CAPÍTULO I – NEOCONSTITUCIONALISMO, PÓS-POSTIVISMO E ACESSO À JUSTIÇA...............................................................................................................................18 1.1 NEOCOSNTITUCIONALISMO: UM NOVO MODELO DE INTERPRETAÇÃO

CONSTITUCIONAL..........................................................................................................18 1.1.1 Introdução.......................................................................................................................18 1.1.2 Neoconstitucionalismo e interpretação constitucional....................................................23 1.2 A CRISE DA TRADICIONAL DICOTOMIA PÚBLICO X PRIVADO PERANTE A

INTERPRETAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DA CONSTITUIÇÃO...................................27 1.2.1 Evolução histórica e social do público e do privado..........................................................27 1.2.2 A visão de kelsen...............................................................................................................32 1.2.3 A nova dimensão das relações jurídicas............................................................................35 1.3 O PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA E A DIMENSÃO FILOSÓFICA DE ACESSO À

JUSTIÇA.............................................................................................................................39 1.3.1 O positivismo jurídico.......................................................................................................39 1.3.2 O paradigma pós-positivista..............................................................................................41 1.3.3 A dimensão filosófica de acesso à justiça no pós-positivismo..........................................44 CAP II MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E O ACESSO À JUSTIÇA..............................................................................................................50 2.1 GÊNESE E EVOLUÇÃO HISTÓRICA..............................................................................50 2.2 MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS, FORA DA JURISDIÇÃO COMO FORMA DE PACIFICAÇÃO SOCIAL...............................................55 2.2.1 Conciliação........................................................................................................................63 2.2.2 Mediação............................................................................................................................66 2.2.3 Arbitragem.........................................................................................................................72 2.3 MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO COMPARADO...........................................................................................................................82 CAPÍTULO III A CONSECUÇÃO DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA POR INTERMÉDIO DOS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS.............................................................................................................................88 3.1. CONCEITO DE PRINCÍPIOS............................................................................................88 3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: BREVE INTRÓITO E SUAS FUNÇÕES...............91 3.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA...........................................................................95 3.4 OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA..........................................................................................................99 3.5 OBSTÁCULOS E EMPECILHOS: CONTRA O ACORDO............................................105 CONCLUSÃO.........................................................................................................................113 REFERÊNCIAS......................................................................................................................118

INTRODUÇÃO

Recorrer à Justiça sempre remete à idéia de que um órgão estatal, mais

precisamente, um componente do Poder Judiciário, será requisitado. Significa dizer que a

Justiça é uma instituição concreta que guarda em si o poder de solucionar questões não

solvidas que, via de regra, envolvem conflitos de interesses. Nessa linha de raciocínio, não

há efetivamente justiça se esse órgão do Estado não comparecer de maneira quase que

onipresente.

Hodiernamente a ingerência do Estado nas relações sociais tem novo

desdobramento. Não que essa instituição tenha deixado de cumprir importante papel na

vida das pessoas que o integram. Apenas deixa essa participação de ser direta e exclusiva.

Assim, novos institutos e instituições aparecem para ajudar na composição de funções que

outrora apenas o Estado, através de seus inúmeros órgãos, era responsável para executar.

Os Estados nacionais caminham ou evoluem no sentido de cada vez menos

intervir nas relações constituídas pelos seus comandados. Ao mesmo tempo, surgem novas

relações sociais, sejam elas políticas, econômicas ou culturais que, por conseguinte geram

novas relações jurídicas. Nessas, os significados implicam em novos significantes que

exigem nova postura de atuação do Estado, tanto no âmbito disciplinador normatizante

quanto no que se refere á solução dos conflitos. Vislumbra-se um novo agir do poder

estatal de julgar e decidir: o Poder Judicante não é mais o único a dar o veredicto final nos

litígios, mas atua também no sentido de reconhecer e dar caráter jurídico às soluções

deliberadas pelos particulares.

Surgem então mecanismos que se portam como auxiliares e alternativos à

função estatal de solucionar conflitos. No presente trabalho, estes são estudados numa

perspectiva de acesso à justiça carreada de uma dimensão valorativa que coaduna com uma

interpretação constitucional que tem por base os princípios dela extraídos. Essa forma de

interpretação onde se valoriza os princípios e as regras oriundas da Constituição Federal

está inserida numa perspectiva mais ampla, denominada de Pós-Positivismo.

Em uma sociedade pluralizada e permeada cada vez mais de novas relações

de aproximação e separação, a letra fria da norma não tem conseguido mantê-la organizada.

Dessa forma, faz-se necessário buscar meios diferentes dos que já existem para atender a

essa diversidade de interesses e conflitos. O significante justiça carece de uma interpretação

extensiva. Mas, a problematização dessa interpretação deve ir além, não apenas no sentido

de alargar o seu significado, mas ao pensar dessa forma, fazer o questionamento de por que

está se pensando assim. Ora, muito se fala em nova dimensão de acesso à justiça visando

basicamente aumentar o rol de formas de solução de conflitos e desafogamento do Poder

Judiciário. Para isto, novas leis são criadas como a lei da arbitragem, o projeto de lei da

mediação e de incentivo à conciliação como a lei dos juizados de pequenas causas. Mas, ao

querer implementar novas formas de solução de conflitos e essas vindo em forma de leis é

tomar um caminho novo mas que vai dar no formalismo legal, indicando o Poder Judiciário

como o detentor da palavra final. A interpretação que buscará se dar é que a Constituição,

por meio de seus princípios, fala que a justiça deve ser feita, dando margem para uma

interpretação que não necessitará obrigatoriamente de uma lei para a sua consecução via

Judiciário.

Porém, antes de efetivamente problematizar a questão, é importante alertar,

contudo, que não se pregará o formalismo infraconstitucional em prol de uma interpretação

principiológica da Constituição como o caminho para, de uma vez por todas, solucionar o

problema da aplicação do direito. Nesse sentido, faz-se menção ao alerta proferido por

Cifuentes1 para a qual “una excesiva constitucionalizacion del derecho podria ocasionar

um anquilosamiento del derecho, acabando así com el campo de accion requerido y

reclamado por el legislador dentro del corsete constitucional.”

A constituição possui, além do sentido formal e sentido substancial, um

sentido prospectivo, que tem a função de constituir e reconstituir o significado dos

significantes que compõe o discurso jurídico2. Sem renegar os dois primeiros aspectos, a

discussão de adoção de meios alternativos de solução de conflitos está ligada a um novo

sentido da realidade social, fruto de uma alteração de tempo e espaço. Discutir o

fundamento e a aplicação desses mecanismos frente a essa nova dimensão que se tem da

Constituição, em virtude da maneira como irá interpretar os princípios que dela emana,

constitui a questão norteadora que se busca neste trabalho. A postura que deverão tomar os

atores protagonistas dessa nova realidade constituirá o desafio a ser enfrentado e o que

deverá ser descoberto.

1 CIFUENTES. Marcela de Castro. Constituicion e derecho privado. Revista de derecho privado nº 18. volumen X. Iniversidade de Los Andes. Junio de 1996. p. 2. 2 FACHIN, Luis Edson. Teoria crítica do Direito Civil à luz do novo Código Civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro. Editora Renovar: 2003.

O Neoconstitucionalismo pretende dar ao direito uma dimensão filosófica,

ressaltando os valores que dela se extrai, diferentemente do juspositivismo que o

antecedeu. Por mais amplo que seja o termo, nota-se de pronto a valorização de

fundamentos como justiça, dignidade, direitos humanos etc. Esses direitos passam, então, a

constituir a base dos Estados contemporâneos, principalmente no pós-guerra, fazendo com

que sejam verdadeiros Estados Constitucionais. É o reconhecimento do poder normativo da

constituição.

Da questão da constitucionalização do direito, parte o fio condutor do

presente trabalho. Contudo, falar em Neoconstitucionalismo pressupõe uma digressão

acerca da interpretação constitucional. As regras constitucionais para o

Neoconstitucionalismo têm interpretação diferente daquela adotada no Positivismo, ou seja,

a subsunção. O método de interpretação constitucional vê na Constituição Federal um

conjunto de normas harmonizadas entre si, cada qual desempenhando uma função sem

hierarquização.

Mas, o Neoconstitucionalismo com o seu método de interpretação

constitucional está contido dentro de um movimento maior denominado de pós-

Positivismo. O pós-Positivismo encerra uma expressão de alcance por vezes de difícil

delimitação tendo em vista a possibilidade de sua abrangência interpretativa. Nesse sentido,

é feito um delineamento envolvendo dois importantes aspectos, quais sejam, a crise da

dicotomia público/privado tendo como parâmetro a interpretação principiológica da

constituição e a dimensão filosófica de acesso à justiça.

O pensamento no pós-Positivismo envolve uma reestruturação daquilo que é

considerado, de um lado, como Direito Público e, do outro, Direito Privado. Se a sua

finalidade é garantir valores jurídicos, esses se aplicam indistintamente a todos os ramos do

direito. Sem pretender abdicar da tradicional dicotomia, pretende-se demonstrar que a

interpretação constitucional pós-positivista está mais preocupada em, sob a égide de seu

princípio valorativo, proteger o ser humano na sua totalidade. Sob essa perspectiva, todas

as relações sociais encontram amparo constitucional desde que o que quer se garanta sejam

o desenvolvimento e a dignidade da pessoa humana.

Daí que o conceito de justiça ganha uma conotação filosófica para que não

fique adstrita ao caráter técnico, formal, conforme disposto nas regras infraconstitucionais.

Como o pano de fundo da pesquisa é pretender demonstrar que se pode fazer justiça

paralelamente ao Poder Judiciário, sem, contudo, esvaziar-lhe de sua função, o significado

de justiça ganha uma dimensão axiológica ou filosófica.

Sendo a função precípua do Poder Judiciário a resolução de conflitos, este

tem que assumir uma postura mais ativa, sem ficar restrito a praticar aplicar a lei aos casos

concretos. O poder Judiciário no Pós-Positivismo vive um momento em que não consegue

acompanhar a demanda de procura por sua intervenção tendo em vista o aumento de

processos, fruto dessa diversidade de relações jurídicas.

Por outro lado, a concepção de estado mínimo que é pleiteada pela doutrina

moderna, cunhada de neoliberalismo, depara com uma sociedade que está sofrendo um

crescente aumento de demandas judiciais. Se por um lado a abertura de capital propicia aos

cidadãos facilidade de acesso ao crédito, aos planos de telefonia ou a internet, traz junto

consigo uma gama de relações contratuais que uma vez descumpridos carecem da

intervenção de um terceiro para julgar e determinar o seu cumprimento. A expansão da

capacidade de absorção de informações pelas pessoas faz com elas estejam sempre atentas

a exigirem cumprimento do que fora contratado.

Na questão do pós-Positivismo procura-se delinear esse momento em que

sob a égide de uma nova interpretação constitucional, o interesse dos cidadãos tem que ser

resguardados mesmo tendo cada indivíduo a liberdade plena de contratação.

Atender aos indivíduos em suas solicitações acerca dessas questões que são

comuns a esse momento impregnado de novas relações, o Estado deverá promover o acesso

justiça. Esse é um mandamento constitucional fundamental característico do pós-

Positivismo. Nesse sentido, o presente estudo apresenta os mecanismos alternativos de

solução de conflitos, não pleiteando, porém, que sejam a solução para o problema, mas sim

outro meio a contribuir. Esses meios (arbitragem, mediação e conciliação) operam fora do

poder judiciário, mas pretendem contribuir para o acesso à justiça. E neste momento

pautará a pesquisa em demonstrar as vantagens trazidas por esses mecanismos.

A aplicação desses mecanismos é realçada na origem do movimento

denominado de Acesso à Justiça, que possui como marco temporal a década de 70 por meio

dos estudos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth. É difundido como instrumentos a mais

para a promoção do acesso à justiça, epíteto que será tratado no presente estudo como um

direito fundamental erigido à condição de princípio constitucional.

A mediação, a conciliação e arbitragem, se aplicadas, podem evitar que o

exercício da jurisdição não se concentre nas questões típicas que somente o judiciário pode

solucionar. Aplicados, incentivam os litigantes a solucionar suas demandas. Assim, o

presente estudo se presta a demonstrar que a pacificação social é uma das funções do

exercício da jurisdição e que por meio da aplicação dos mecanismos alternativos de solução

de conflitos o judiciário terá um forte aliado nessa tarefa.

A conciliação, que em larga escala já é aplicada no Brasil, tanto fora ou na

jurisdição, incentiva as partes a chegarem a um acordo A mediação, por meio do estudo do

seu projeto de lei será analisada, visto que pode ser artifício que pode desencorajar os

litigantes a formarem uma demanda que poderá culminar no Poder Judiciário. Por

derradeiro, o estudo da arbitragem, tratada por alguns como uma forma de privatização do

poder de julgar, visto que um terceiro estranho ao Poder Judicante proferirá a decisão. A

presente pesquisa tenta, ainda, fazer um breve cotejo entre alguns sistemas jurídicos acerca

da aplicação destes instrumentos, levantando as virtudes que eles trouxeram na missão a

que se prestam: a pacificação de conflitos sociais.

Na medida em que os mecanismos alternativos de solução de conflitos vão

auxiliar na pacificação das relações sociais, eles se propõem à consecução de um

importante direito fundamental contido na Constituição que é o acesso à justiça. Esse,

tendo em vista a sua importância ganha status de princípio constitucional, já que além das

regras expressas que se presta a garanti-los, têm as exortações axiológicas garantidoras

desse importante meio de concretização de uma sociedade mais justa. A pesquisa, neste

momento, pretende demonstrar a importância dos princípios, e, mais especificamente, os

princípios constitucionais, para a consecução de valores como ética, moral, justiça,

dignidade, todos carreados de imprescindíveis atributos norteadores dos modernos

ordenamentos jurídicos.

O fio condutor e norteador do presente estudo é dimensão que se deve dar a

essas formas paralelas de consecução do valor justiça, dentro de uma nova perspectiva

diferentemente daquela que se via no juspositivismo e que aqui será tratada de pós-

Positivismo.

Nesse espectro se presta a defender os mecanismos alternativos de solução

de conflitos como autênticas formas de acesso à justiça, valor esse perseguido na atualidade

por todas as nações que têm por meta a consecução do verdadeiro Estado Democrático de

Direito.

Em suma, o trabalho apresenta três momentos que podem, assim, ser

resumidos: num primeiro momento terá o Neoconstitucionalismo como o marco a ser

seguido dentro de uma preceptiva maior que é o pós-Positivismo. Nesse, será analisada a

dimensão filosófica de acesso à justiça condizente com a forma de pensar nesse contexto,

que é diferente da herdada do Positivismo jurídico.

No segundo, a condução do trabalho será guiada pela análise dos

mecanismos alternativos de solução de conflitos fora da jurisdição, ou seja, a conciliação, a

mediação e a arbitragem, bem como um breve estudo destes no Direito Comparado. Neste

momento, se pretende demonstrar o quanto eles são importantes para a pacificação social.

E por fim, num terceiro momento, a consecução do princípio do acesso à

justiça, por meio dos institutos jurídicos ora em estudo, fazendo as ponderações

doutrinárias acerca dos limites e riscos que estes podem acarretar.

Para seguir o fio delineador proposto, a pesquisa será orientada pelo método

crítico-dialético, fazendo uso de uma pesquisa exploratória de documentos como textos

legais, jurisprudências e doutrinas, visando delinear uma linha da evolução histórica da

sociedade e do direto.

CAPÍTULO I

NEOCONSTITUCIONALISMO, PÓS-POSITIVISMO E ACESSO À

JUSTIÇA

1.1 NEOCONSTITUCIONALISMO, UM NOVO MODELO DE

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

1.1.1 Introdução

Tendo como tema central do trabalho os mecanismos alternativos de solução

de conflito e sua contribuição para o acesso à justiça, no que está sendo chamado de Pós-

Positivismo, torna-se primordial traçar algumas linhas acerca desta nova maneira de

interpretação constitucional denominada de Neoconstitucionalismo. A justificativa é que

não é possível tratar de um termo dissociando-os um do outro, ou seja, tratar do que vem a

ser pós-Positivismo, implica necessariamente falar do que vem a ser

Neoconstitucionalismo.

O tema, atualmente, tem sido objeto de discussão constante no meio

acadêmico. Por se tratar de uma nova maneira de interpretação da Constituição, extraindo

dela princípios carreados de dimensão axiológica, implica, por sua vez também, numa nova

maneira de aplicação constitucional. Tem como conseqüência uma extra valorização das

regras constitucionais.

O que se fará aqui é uma tentativa de desenvolver o trabalho no sentido de

demonstrar como surgiu essa corrente jusfilosófica, qual a sua proposta e as vantagens por

ela trazidas. Cumpre salientar que o Neoconstitucionalismo, corrente que vai de encontro

aos métodos interpretativos propostos pelo Positivismo Jurídico, nasce no momento em que

o direito volta a se reaproximar da Filosofia. Daí falar em corrente jusfilosófica. Dessa

forma, deixa de ser a aplicação e interpretação dedutiva como muito se fez e ainda se faz.

Observar-se, então, que o Neoconstitucionalismo está intimamente ligado à

forma como deve ser tratada e interpretada a Constituição, qual seja, aplicação de

princípios indutivos de uma ideologia racional mais aberto às especificidades dos fatos e

acontecimentos tutelados pelo Direito.

Extrair um conceito puro e acabado de Neoconstitucionalismo é tarefa

hercúlea, já que se trata mais de ampliação do domínio constitucional já existente do que a

proposição de um novo constitucionalismo, como induz o termo. Porém, há efetiva

alteração ou mudança paradigmática de aplicação das normas constitucionais que torna

necessário elencar algumas diretrizes conceituais de autores que têm tratado o referido

tema.

Barroso3 alerta para a questão de quanto é amplo o termo, podendo ser

enfocado sob as perspectiva histórica, teórica e filosófica. Na primeira, leva-se em conta o

constitucionalismo que se empreendeu na Europa no pós-guerra, e consequentemente

influenciada por esta. Ou seja, os efeitos devastadores da grande guerra impuseram

automaticamente às nações resguardar direitos considerados fundamentais e garanti-los na

Constituição. Dessa dimensão, tem-se que tais direitos, de tão importantes, são

transformados em princípios.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1998 nasce logo em seguida ao

regime militar, que, guardando as devidas proporções, causa, também, efeitos devastadores

na sociedade, mobilizando-a no sentido de forçar o constituinte a fundamentá-la com

direitos de dimensão humana.

Sob o ponto de vista teórico, Barroso4 salienta que são três as

transformações em relação ao conhecimento constitucional: o reconhecimento da força

normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o surgimento de uma

nova forma de interpretação constitucional5.

O marco filosófico do novo Constitucional é apontado por Barroso6 como

sendo o pós-Positivismo. Esse será dimensionado em tópico próprio a seguir.

Assim, sob essa ótica, é que se desenvolverá o presente trabalho em que o

enfoque é aplicação do princípio do acesso à justiça enquanto princípio constitucional

fundamental, tendo como pano de fundo o pós-Positivismo.

Porém, no momento, o que se almeja é conceituar em linhas gerais o

constitucionalismo. Mas, além dessa dificuldade conceitual, conforme já exposto, tem que

ser levado em consideração a diversidade de acepções da expressão Neoconstitucionalismo.

3 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo. Disponível em: <http//.www.jus2.uol.com.br/doutrina>. Data de acesso: 10/06/2007. 4 BARROSO, Op. cit. 5 Ibid,oOp. cit. 6 Ibid, op. cit.

Pois, qualquer forma de constitucionalismo diferente do já existente implicaria obviamente

um novo constitucionalismo. Uma Constituição democrática que é substituída por uma

outra de cunho autoritário, ensejaria o uso da expressão neoconstitucionalismo. Dessa

forma, a expressão aqui está limitada ao movimento de interpretação e aplicação

constitucional tendo como parâmetro basicamente as nações ocidentais, no plano territorial

e a segunda metade do século passado, no plano temporal. Para o momento, porém, segue a

linha de interpretação do tema ora em estudo no sentido de referir-se ao Estado

Constitucional de Direito que teve a sua gênese num movimento pós-segunda guerra

mundial. Esse tipo de Estado vem exatamente em movimento contrário, ou seja, apresentar-

se como oposição ao modelo estatal liberal burguês. Este modelo estatal, mesmo com

acentuada preocupação social, já não mais atende às novas demandas.

Então, a passagem do Estado de direito para o Estado de direito

constitucional marca a gênese do que se chama de Neoconstitucionalismo. A clássica

divisão entre direito e moral em que cada um tem seu campo de atuação, ou seja, a moral

não deve intervir no direito, é revisada. Normas com grande apelo ético e moral passam a

ser as bases das constituições instituídas em formas de princípios e elevadas à ordem de

direitos fundamentais.

Assim, têm-se algumas concepções de Neoconstitucionalismo ou algumas

tentativas conceituais.

Segundo Cleve7, O Neoconstitucionalismo impõe uma renovada visão dos

direitos fundamentais. O papel da jurisdição constitucional é ampliado e, paradoxalmente, o controle de constitucionalidade sofre uma verticalização. Essas novas considerações exigem uma compreensão adequada da súmula vinculante e também da coisa julgada, esta que, nesse contexto, passa a ser compreendida não apenas como um fenômeno processual, mas já como um direito fundamental que importa, em certos casos, na sua relativização.

Continua o autor:

“Portanto, o Neoconstitucionalismo implica uma renovada visão de um direito constitucional que deve ser adequado a uma sociedade contemporânea, pós-industrial, aberta às transformações que ocorrem de maneira veloz, quebrando a possibilidade de consensos definitivos. As distintas concepções a propósito do que é a vida digna, por exemplo, manifestam-se em questões nada fáceis de se resolver que, ao serem levadas

7 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Estado Constitucional, Neoconstitucionalismo e Tributação. Disponível em: <http//.www.jus2.uol.com.br/doutrina> . Acessado em 10/06/07. p. 03

aos tribunais, não poderão ser desconsideradas como se fazia no contexto do velho Positivismo”.8

Como se deve notar, não há um conceito teleológico da expressão

Neoconstitucionalismo, mas sim, como bem pondera o autor supra, importa em mudar ou

renovar a maneira de interpretar e aplicar os comandos constitucionais. O contexto de

aplicação do Direito Constitucional numa sociedade pós-moderna, onde as mudanças vêm

em ritmo acelerado, exige uma releitura constitucional adequada a esta época.

Além do ritmo acelerado dos acontecimentos, há uma ampliação do domínio

constitucional. E mais: há que se caminhar no sentido de ampliar esse domínio. O

constitucionalismo deve estar sempre sendo reinventado acompanhando a evolução social.

Dessa forma, mais do que conceituar Neoconstitucionalismo é mostrar como

ele atua ou age, já que se trata de um movimento que surge apresentando uma releitura

constitucional, contrapondo principalmente com o então Positivismo vigente. Não se tem

uma “teoria” ou uma “doutrina” neoconstitucional. O que se vislumbra é uma tendência

que oferece um leque muito mais abrangente de aplicação dos princípios constitucionais,

bem como a ampliação desse domínio.

O delineamento então do que vem a ser o Neoconstitucionalismo, passa pela

forma ou maneira nova de interpretação e aplicação das normas constitucionais. Para

clarear a assertiva, recorre-se à Barroso9:

A locução constitucionalização do Direito é de uso relativamente recente na terminologia jurídica e, além disso, comporta múltiplos sentidos. Por ela se poderia pretender caracterizar, por exemplo, qualquer ordenamento jurídico no qual vigorasse uma Constituição dotada de supremacia. Como este é um traço comum de grande número de sistemas jurídicos contemporâneos, faltaria especificidade à expressão. Não é, portanto, nesse sentido que está aqui empregada. Poderia ela servir para identificar, ademais, o fato de a Constituição formal incorporar em seu texto inúmeros temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito. Trata-se de fenômeno iniciado, de certa forma, com a Constituição portuguesa de 1976, continuado pela Constituição espanhola de 1978 e levado ao extremo pela Constituição brasileira de 1988. Embora esta seja uma situação dotada de características próprias, não é dela, tampouco, que se estará cuidando.

8 Ibid. Op.cit. p. 03. 9BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 351.

O marco histórico do Neoconstitucionalismo remonta à Europa pós-segunda

grande guerra, principalmente na Alemanha e Itália. Nesse sentido, continua Barroso10: A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a

2a. Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. Seria mau investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas na matéria.

A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subseqüente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.

No campo doméstico o marco histórico é a constituição Federal de 1988,

momento esse que coincide exatamente com o ambiente de redemocratização do país.

Simultaneamente, tem-se a reconstitucionalização nacional. A Constituição da República

assume um papel central, normativo, onde princípios e regras estão num mesmo nível.

Sobre o movimento neoconstitucional Barroso11 afirma: No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional

se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito.

O movimento neoconstitucional pátrio coincide com um período sem

precedente de constitucionalismo em termos de importância. O país viveu, e ainda vive,

sob intensa valorização e respeito aos dizeres constitucionais. O que aqui está sendo tratado

como Neoconstitucionalismo é nada mais do que uma evolução e valorização dos preceitos

10 Ibid, Op. cit. p. 353. 11 BARROSO, Op. cit. 360

constitucionais, seguindo a onda européia. Essa tendência abarca os mais diversos ramos

do direito de maneira que ramos do Direito considerados como privado na tradicional

divisão, ganham dimensão constitucional, tornando, por sua vez, um direito de natureza

privado, mas com características de direito público tendo em vista a aplicação dos

princípios oriundos da Constituição12. Da mesma maneira, regras dos ramos do direito

infraconstitucional recebem forte influência dos princípios contidos na constituição,

passando-se a guiar por estes.

1.1.2 Neoconstitucionalismo e interpretação constitucional

Ao Neoconstitucionalismo sucede o Positivismo jurídico já que tem como

um de seus fundamentos o movimento de oposição a esta corrente de pensamento jurídico.

O Positivismo jurídico, enquanto corrente jurídica, nasce como uma forma de oposição ao

Direito Natural, corrente jusfilosófica defendida pelos jusnaturalistas. Tem como

fundamento a tentativa de dar ao Direito o caráter científico, sendo uma espécie jurídica do

gênero Positivismo, projetando o Positivismo filosófico no setor do Direito.

Fiel aos princípios do Positivismo filosófico, o Positivismo jurídico rejeita

todos os elementos de abstração na área do Direito, principalmente a idéia do Direito

Natural, por entender ser ela metafísica e anti-científica. Assim, a única ordem jurídica que

se deve aceitar é aquela comandada pelo Estado e esta deve ser a soberana. Por tentar

impor à ciência do direito as características das demais ciências, principalmente as ciências

físicas e naturais, o Positivismo jurídico abstrai das normas em geral o seu caráter

valorativo, afastando delas todo tipo de lucubração. Ao declarar que as normas jurídicas

são o que são, ou seja, nada além do que diz o texto, as considerações filosóficas, históricas

e sociológicas figuram apenas como caracteres auxiliares, não merecendo qualquer tipo de

consideração ao que implica interpretar e aplicar o direito.

Noutro sentido, o argumento central do Neoconstitucionalismo é exatamente

a maneira de interpretar o direito, mais especificamente as normas constitucionais.

Considerações históricas, sociológicas e filosóficas, e nesta última, as considerações

axiológicas e éticas são fundamentais na aplicação e interpretação do direito.

12 Em item a parte e a seguir, abordará a crise da tradicional dicotomia público/privado.

Para o Neoconstitucionalismo, o aplicador do direito não pode estar ou se

posicionar de maneira indiferente ao que está acontecendo ao seu redor no momento de

interpretar e aplicar a Constituição. De tal forma que o Direito, e principalmente a norma

constitucional além de seu caráter axiológico, deve funcionar como um princípio norteador

e irradiador de justiça, sempre atento às mudanças e alterações sociais.

É o Neoconstitucionalismo uma nova maneira de pensar o Direito

Constitucional que tem reflexo também na técnica de aplicação e interpretação desse

importante ramo do Direito. Passa a existir uma força normativa dos princípios e das regras

constitucionais.

Dessa forma, por questão de nomenclatura, um dos termos que passa a ser

empregado por aqueles que defendem essa nova forma de aplicação do Direito

Constitucional é o Neoconstitucionalismo. O Positivismo, aquele que dá o caráter científico

na aplicação do Direito, conforme defendia Kelsen13, já não é mais a melhor maneira de

aplicar e operar o Direito; e, principalmente, o Direito Constitucional, que já não é mais

apenas um ramo do Direito cuja função é organizar e estruturar o Estado. O Direito

Constitucional é também um Direito Social, atento às mudanças sociais e que penetra a

sociedade, estando ao alcance de todos os indivíduos. Daí ser o Neoconstitucionalismo a

corrente nova que vem suceder o Positivismo jurídico.

Há aqueles que empregam ainda o termo “neo-republicanismo”14, como

usado na literatura jurídica portuguesa e anglo-saxônica. No presente estudo não se ocupa

em aprofundar o sentido exato da expressão, mas a menção é apenas no sentido de informar

que a interpretação da expressão se assemelha à de Neoconstitucionalismo. Para o neo-

republicanismo o sentido de liberdade é ampliado, ganhando uma conotação positiva e

outra negativa, não consistindo liberdade qualquer tipo de dominação15.

Vem a ser então o Neoconstitucionalismo a justificativa jusfilosófica de um

novo Positivismo jurídico, podendo dizer que é a face pós-positivista do

constitucionalismo, como sendo o Direito expresso por meio de princípios e de regras

valorizando a força normativa dos princípios, constituindo uma nova teoria das normas

constitucionais, contrapondo a idéia do Positivismo jurídico.

13 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 14PINTO, Ricardo Leite. Sobre Neo-Republicanismo. Disponível em: http: analise social.ics.ul.pt/documentos/1218726793R5fMU7mi5Rz78WY7.pdf. Acessado em 18/07/2009 15 Ibid. Op. cit

As regras constitucionais no Neoconstitucionalismo têm estrutura diferente

das demais regras. Se tem estrutura diferente, então deve ter forma de aplicação e

interpretação diferente. A doutrina caminha no sentido de informar princípios

interpretativos da constituição, dentro da concepção neoconstitucionalista. Esses princípios,

por sua vez, exigem uma metodologia interpretativa nova. A abordagem das regras

constitucionais ou da interpretação constitucional principiológica é uma nova idéia,

condizente com o que se denomina de Neoconstitucionalismo.

Esse novo método interpretativo, baseado em princípios, é o oposto do

método baseado na subsunção, muito criticado por alguns autores como Streck.16

O Positivismo abre espaço para a discricionariedade judicial, que tanto pode dar-se na análise da lei como da Constituição. Desse modo, o que deve ser considerado como superado no Positivismo – nas suas mais variadas formas – é a análise que deve ser feita não apenas sobre a vigência da lei, mas sobre a sua validade substancial. E isto faz a diferença, exatamente porque é na diferença – que é ontológica – entre texto e norma e entre vigência e validade, que se encontra o ponto de superação da lei plenipotenciária, "blindada" pelas posturas positivistas contra os valores substanciais da Constituição e da intervenção da jurisdição constitucional. Dito de outro modo, a superação do Positivismo (exegético e dedutivo) pelo Neoconstitucionalismo implica um salto sobre as concepções hermenêuticas que entendem o processo interpretativo como parte de um processo em que o intérprete "extrai o exato sentido da norma" (sic), como se fosse possível, isolar a norma de sua concretização, sem considerar, ademais, que esse tipo de entendimento – característico do paradigma de direito formal burguês – ignora a parametricidade constitucional!" Ora, não há pura interpretação; não há hermenêutica "pura". Hermenêutica é faticidade; é vida; é existência, é realidade. É condição de ser no mundo. A interpretação não se autonomiza da aplicação.

A interpretação constitucional consoante com o Neoconstitucionalismo

procurar afastar a idéia Positivista que, na sua maneira de ser e de pensar, cria uma série de

obstáculos na interpretação das leis, conseqüentemente na aplicação dos princípios

constitucionais. Dessa forma, uma determinada maneira intepretativista em que se faz uso

do método dedutivo está ultrapassada, como quer dizer o autor. Observa-se ainda, a dura

crítica feita nas entrelinhas da citação ao efeito da aplicação das Súmulas Vinculantes pelo

Supremo Tribunal Federal. A aplicação delas constitui um paradoxo, já que o julgador pode

decidir contrário à lei, mas ser obrigado a decidir de acordo com o posicionamento do

Tribunal, guardião da Constituição17.

16 STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. in ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz (Org.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 157/158.

Mas o que se pretende aqui é mostrar como essa interpretação constitucional

moderna apresenta-se como a base do Neoconstitucionalismo. E de acordo com essa

interpretação, as normas jurídicas, principalmente as constitucionais, não possuem sentido

único, de modo que abarca todas as possíveis situações e fatos sociais. Se assim fosse, para

cada novo fato social surgido bastava a aplicação fria e exata da norma, não deixando ao

interprete espaço para desempenhar um papel mais criativo na sua consecução.

Se a maneira de interpretar é baseada em princípios, esses princípios exigem

uma metodologia interpretativa nova. Um novo método que suponha uma organização

jurisdicional compatível e um modelo de constituição concebida como norma e ponto

axiológico central ao qual todo o direito deve convergir.

O método de interpretação principiológico requer do aplicador do Direito,

percepção no momento de sua aplicação. Assim, a ideologia contida na norma, ou o seu

conteúdo, é dependente da realidade à qual será aplicada.

Na aplicação dos princípios de interpretação constitucional, a constituição é

observada como um todo, de maneira que as normas se encontram harmonizadas entre si. A

prioridade entre elas é realçada, mas não implicando necessariamente em hierarquia: cada

qual tem a sua função dentro do ordenamento jurídico, exigindo aplicação e interpretação

sistemáticas.

O resultado prático é observado de maneira ponderada. Isto implica em

evitar que as normas ou os princípios entrem em contradição uns com os outros. É a

exigência de acomodação de direitos fundamentais guiados pela busca de otimização e de

maior eficácia possível, aumentando o alcance das normas constitucionais que, por

conseguinte, aumentará o leque de situações a serem tuteladas por elas.

Do exposto até o momento é possível perceber a importância dos princípios

constitucionais como nova metodologia interpretativa. E como já mencionado alhures, o

surgimento de um novo método de organização jurisdicional compatível.

A ampliação do domínio constitucional é muito mais do que uma nova

corrente doutrinária, já que agindo assim, além de um constitucionalismo visto por outra

forma ou outro ângulo, é um constitucionalismo reinventado. Mas “reinventado” para

trazer muito mais efetividade no momento de aplicação dos dizeres constitucionais. E esse

é o novo papel da constituição: centralizadora, normativa, onde, mais do que regras, ela

deixa fluir princípios que estão no mesmo nível daquelas. A Constituição deixa de ser

17 Ibid. Op. cit. p. 158

apenas a normatização máxima, ou a “Carta Magna”, como chamada pelos juristas e

doutrinadores. Através dos seus princípios interpretativos e aplicativos ela penetra no seio

da sociedade irradiando e tutelando os valores almejados por ela.

1.2 A CRISE DA TRADICIONAL DICOTOMIA PÚBLICO x PRIVADO PERANTE A

INTERPRETAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DA CONSTITUIÇÃO.

1.2.1 Evolução histórica e social do público e do privado

O surgimento do Estado Liberal acentua o limite de atuação do Estado,

delineando o seu agir e o agir do indivíduo que tem como marco fundamental a

consolidação do ideal de liberdade. Principalmente, uma liberdade frente a esse Estado,

onde ele deve intervir o mínimo possível nas relações sociais, aparecendo apenas como

“juiz”, quando provocado pelos particulares. O desenvolvimento desse paradigma

consolida ainda mais a dicotomia público/privado, tradicional divisão do direito revestida

de dogma pela Ciência do Direito.

Porém, em função da diversidade das relações sociais e do surgimento de

novos sujeitos de direitos, uma maior participação do Estado começa ser reivindicada e

essa se dá com o surgimento das constituições que, além de institucionalmente normativas,

refletem também princípios fundantes.

Neste tópico pretende-se analisar como a tradicional dicotomia sofre uma

crise nesse novo panorama jurídico que para efeito deste trabalho será denominado de pós-

Positivismo. Neste contexto, torna-se relevante delimitar o que se quer ao usar o termo

“crise”, que adquire aqui um sentindo salutar, ou seja, é a dissociação existente ente o

disposto pela teoria e o que efetivamente ocorre na prática. Dentre os vários sentidos

dispostos no Dicionário Aurélio, pode-se destacar os seguintes: “estado de dúvida e

incertezas; situação em que os acontecimentos da vida social, rompendo padrões

tradicionais, perturbam a organização de alguns ou de todos os grupos integrados na

sociedade”18. 18 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa. Folha/Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1994/1995.

Assim, num primeiro momento, é elaborada uma evolução social e histórica

da tradicional dicotomia entre público e privado. Para tanto, tem-se como pano de fundo a

obra de Saldanha19.

Em um segundo momento, recorrer-se a Kelsen20, que há quase um século

defendia a inconsistência da cisão do Direito em Público e Privado, segundo o qual todo

direito é público oriundo da fonte estatal. E os fundamentos sustentados por este autor em

muito se assemelham ao defendido neste trabalho, ou seja, os ideais do pensamento pós-

positivista também valorizam a norma constitucional como sendo a sustentadora e

irradiadora de preceitos que irão dar validade às demais. Neste contexto, está inserida a

nova sistemática ou a nova posição que conquistou os sujeitos das relações jurídicas

modernas, que neste novo patamar estão sobre os auspícios dos ditames principiológicos

insculpidos na nova ordem constitucional.

Desde a antiguidade o ser humano, por meio da demarcação de seu espaço

na sociedade, criava ou formulava o status almejado perante seus pares. Assim, possuidor

de determinados direitos, e talvez isento de certas obrigações, conseguia se destacar

sobressaindo-se socialmente. Esse locus abstrato refletia em um lugar físico ou material.

Assim, era mais possuidor de direito e ocupava posição mais elevada na sociedade o sujeito

que detinha o direito de oratória na praça. Essa analogia, é desenvolvida de maneira

interessantepor Saldanha21, que é a base para o desenvolvimento ao que se propõe neste

tópico.

O autor faz analogia do público e do privado tendo como figuras

emblemáticas ou metafóricas o jardim e a praça, traçando a evolução da sociedade e suas

relações sociais desde a antiguidade clássica. A evolução das mais diversas relações sociais

culmina com o surgimento dos estatutos jurídicos, tanto os de Direito Público quanto os de

Direito Privado que perduram até a contemporaneidade. Ao mensurar a importância desses

dois espaços na evolução da dicotomia público e privado, Saldanha22 afirma:

No âmbito Grego, a referência principal ou mais ilustre para a imagem do jardim corresponde ao nome de Epicuro. O jardim, como refúgio do pensador, não só em relação à vida pública em geral mais em face da adversidade política ou da inutilidade do esforço político; o epicurismo como

19 SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça: ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1986. 20 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 21 SALDANHA. Op. cit. 22 Ibid. Op. cit p. 16

cultivo da vida privada (e de seus prazeres) em face da inoperância dos velhos ideais da polis, que eram ideais da agora. Em correlação com semelhantes referências podemos aludir à praça como algo “oposto” ao jardim. A praça constitui, ao contrário do jardim, uma coisa distante da natureza: um espaço aberto na natureza, senão mesmo contra a natureza, e transformando às vezes em espaço sagrado como um modo de compensar a violentação que o origina. Seriam então dois modos de ser do cultural: o jardim, que concentra a privacidade, retendo uma porca da natureza para dar espaço à vida pública.

Das palavras acima nota-se que, desde a antiguidade clássica, o direito já era

tratado ora do ponto de vista público, ora do ponto de vista privado. Assim, tenta esclarecer

o autor, que a idéia dicotômica já vem da antiguidade clássica, sendo que nessa época já se

podia identificar ou correlacionar o público e o privada através dos dois espaços. No trecho

a seguir, o autor faz outra analogia desses espaços23.

Em princípio o jardim se diz fechado, a praça aberta. No caso seria lírico, a praça épica – no jardim a biografia, na praça a história. Por outro lado, o jardim seria convexo; a praça côncava. Corresponderia a praça, como “ar aberto”, ao advento da ordem institucional (e portanto não mais pessoal) das coisas. Seria talvez introvertido o jardim, extrovertida a praça: dois momentos do humano e de sua projeção espacial sobre as coisas. E mais: talvez o principal na praça seja o próprio espaço, em função do qual se dispõem árvores e/ou monumentos; no jardim a vegetação como o principal, pondo-se o espaço em função dela.

Como se observa são disposições que demonstram lugares opostos como

estão situados. Para o primeiro momento, o público e o privado, ainda que o jardim e a

praça enquanto locais antagônicos guardam em si certa complementaridade. Mas falar em

complementaridade entre o direito público e privado, neste momento, é antecipar

inoportunamente o raciocínio que aqui se busca. Assim, o mais importante para o momento

é observar que a diferenciação entre as duas figuras já se dava em tempos remotos, no caso

na era grega clássica. E de forma interessante, no caso grego, como tradicionalmente foi e

continua sendo, há preponderância do público sobre o privado, ou seja, havia na Grécia

uma supervalorização da vida em público, como atesta o autor24.

No caso romano não seria muito diferente, tendo em vista que nessa

sociedade a divisão entre a ordem pública e ordem privada já se manifestava. Ou como

23 SALDANHA. Op. cit. p. 17 24 Ibid. Op. cit. p.19

expressa o autor supracitado, “com os romanos completou-se a idéia da coisa pública com a

da ordem pública, e a ambas as idéias acompanhou o direito”25.

Na idade Média, a dicotomia público/privado não foi tão realçada, tendo em

vista a predominância das estruturas privadas. Saldanha26 observa que, de acordo com os

estudos de Garcia-Pelayo27, na Idade Média somente a igreja possuía um caráter público.

Houve uma pulverização do espaço público, com a dispersão do poder que

antes era delimitado na democracia Grega e na Republica romana. Findo o império romano,

o senhor feudal é quem passa a dominar, já que era o dono da propriedade e quem

determinava, pois dele também vinha a autoridade. Não se observa um poder estatal, onde

se pode afirmar a existência de relações de direito público. O único poder diferente a se

destacar é o da igreja.

Com o fim do feudalismo, a idéia de soberania é retomada e juntamente com

o ela o surgimento do Estado, sendo inclusive a base do Estado moderno28. Mas o Estado,

apesar de soberano é absolutista, com grande concentração de poder nas mãos dos reis,

voltando a sobressair o público, sendo a pulverização agora do privado.

Consolidado o pensamento liberal no século XIX, que de certa forma

implicou, para o mundo ocidental, a afirmação da classe burguesa no sentido de acesso ao

poder político. Nesse contexto surgem as grandes aglomerações populacionais, ou seja, as

cidades. No contexto de surgimento do pensamento liberal, mais precisamente no caso da

Revolução Francesa, é sacramentado o direito de liberdade. Com a consagração deste

importante direito, o indivíduo é blindado de direitos de proteção contra o Estado, ou seja,

já não se tem mais um Estado dominador. Pode-se dizer então que há um realce da

dicotomia publico/privado que não estava tão evidenciada.

Do ponto de vista de espaço, afirma Saldanha29: Acabou-se com a extinção das casas, o que havia de estável nos lugares. Outrora nas cidades, cada coisa tinha seu lugar: a igreja, a casa de Fulano, a escola, a casa de Beltrano. A privacidade luta hoje por sobreviver, mas a morada coletiva não a propicia, nem nos play-grounds dos apartamentos do granfinos nem nos cortiços e favelas. Entram em agonia os velhos esquemas, bem como as imagens tradicionais. A burguesia promoveu no século XVIII e

25 Ibid. Op. cit p. 19 26 SALDANHA, Op. cit. p. 19 27 PELAYO-GARCIA. In. SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça: ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1986. 28 BARROSO, Op. cit. p. 65. 29 SALDANHA, Op. cit. p. 19

XIX a idéia de que todo homem é homem público, ao implantar o conceito de Staatsbürger (cidadão), considerando que há uma identificação entre as vontades de cada um e vontade governamental. Mas este tipo de idéia foi destruído pelos problemas sociais do século XIX e XX, e com ele as formas de vida social que o haviam acompanhado.

Apesar do cunho sociológico da obra de Saldanha30 ela é importante por

mostrar que a questão do público e do privado está ligada ao espaço de atuação do Estado,

representando primeiro o público e a atuação do poder negocial do individuo por meio do

contrato, representando o privado. O autor, porém, faz ressalva ao deixar claro que para ele

a idéia de identificação do contrato com privatismo é muito vaga. Mas, tradicionalmente e

em termos dogmáticos, o contrato representa o lado privado, ainda que o Estado

regulamente esse contrato. Quanto ao fato de que o Estado também contrata, e mais

contemporaneamente contrata com o particular, esta é uma questão a ser abordada mais em

sede de considerações conclusivas, visto que essas situações servirão de base exemplar para

a idéia central que aqui se pretende.

Mas a idéia de público e privado, apesar de aparecer em todas as épocas,

ganha contornos diferentes em cada uma delas. A própria idéia de casa, que é o símbolo do

privado na época atual, praticamente não existe. O autor31 bem retrata isto ao confirmar o

que se sabe que a “casa” deu lugar aos aglomerados de pessoas (construções), sem a

identificação específica de uma pessoa ou uma família. Por outro lado, aumentou o número

de interferência estatal na vida das pessoas, o que o autor32 cita como se fosse a “relevância

do setor público”, de tal sorte que vai ficando cada vez mais difícil a distinção entre as duas

categorias.

Com a predominância do Estado Liberal houve também uma tentativa

velada de se buscar equilibrar aquilo que é de ordem pública e de ordem privada. E como

pondera o autor33, a imagem burguesa desse equilíbrio do viver entre público e privado

preservou as melhores configurações de cada um desses lados no momento contemporâneo.

A dicotomia é retomada com o surgimento dos ideais iluministas,

culminando com a consumação do Estado Liberal. Frisa-se de um lado o Estado

constitucional e do outros os seus seguidores, delineando o público e o privado.

30 SALDANHA. Op. cit. 31 Ibid. Op. cit. 32 Ibid, Op. cit. 33 Ibid. Op. cit.

Porém, no século XX, surge do Estado Social. É a égide de um Estado

intervencionista que procura propiciar aquilo que, mesmo tendo liberdade para almejar, os

indivíduos não conseguem. Denominado de welfare state, esse modelo do início do século,

dá lugar ao estado neoliberal, nem tanto intervencionista e nem tanto liberal, tentando

sopesar as duas frentes. Para Barroso34, o marco desse processo se dá com a posse da líder

conservadora Margareth Tatcher, que toma posse como primeira ministra na Inglaterra, em

1979, e com Ronald Reagan, que assume a presidência dos Estados Unidos em 1980. A

expressão neoliberalismo no contexto ora empregado demarca mais uma dimensão

temporal do que ideológica. Do ponto de vista ideológico, o neoliberalismo trata-se

também de um paradigma político e econômico que acarretou várias implicações no final

do século que findou, de acordo com o pensamento de Chomsky35. O público e o privado

aqui ganham nova dimensão.

1.2.2 A visão de kelsen

O jurista austríaco36, autor de vários estudos sobre questões fundamentais do

direito, deixou um grande trabalho sobre a dicotomia público/privado. Pode-se de pronto

afirmar a posição do autor sobre a dualidade ora em estudo. Para ele não há diferença

substantiva entre o Direito Público e o Direito Privado.

A base de sistematização do direito foi construída sobre essa distinção e

apesar de ser considerada, como diz o próprio autor, a “espinha dorsal da sistemática da

teoria do direito”37, distinção essa que carece de fundamentação unitária, já que o direito

privado foi totalmente assimilado pelo direito público. É importante frisar que essa idéia

vai ao mesmo sentido da interpretação pós-positivista de que, em linhas gerais, os ramos do

direito privado são guiados por princípios constitucionais.

Sobre essa fundamentação, é importante observar os dizeres de Sgarb38,

estudioso da obra de Kelsen:

34 BARROSO, Op. cit. p. 66 35 CHOMSKY, Noan. O lucro ou as pessoas: neoliberalimso e ordem global. Tradução de Pedro Jorgensen Jr. 2ª ed. – Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2002. 36 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000 37 SGARBI, Adrian. Hans Kelsen: ensaios introdutórios (2001-2005). Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2007.

Em um interessante ensaio chamado “Direito Público e Privado”, de 1924, publicado inicialmente em italiano, Kelsen aproveitando-se de algumas considerações específicas a respeito do assunto, procura explicitar as fragilidades das teorias comumente apresentadas, até reduzir e eliminar qualquer pretensão apolítica ou pré-política do direito privado, promovendo a sua total assimilação pelo direito púbico. Isso porque entende que o direito privado nada mais é que um elemento intrínseco à unidade do Estado. Essa afirmação na verdade não é nova em seus estudos.

Como se observa, para Kelsen não há qualquer fundamentação para insistir

com a tradicional divisão do direito, principalmente porque as bases dessa cisão do direito

em público e privado são inconsistentes. Elas não passam de “uma tendência universal do

pensamento, de se transformar aquilo que não passa de mero instrumento do conhecimento

em outro objeto do conhecimento”39. Assim, para o autor, trata-se apenas de tautologia

oculta.

Outra passagem de Kelsen40 demonstra esse pensamento: Como o dualismo de direito objetivo e direito subjetivo, também o de direito público (“öffentliches”) e direito privado provoca fraturas no sistema unitário do direito que forma este livro. Todo esse contraste, eu domina toda a nossa sistemática cientifica deriva da teoria romana do direito e é, como aquele entre direito objetivo e direito subjetivo, a máscara dentro da qual, na exposição do direito positivo, se insinuam certos elementos políticos, isto é, jusnaturalistas.

A idéia unitária do direito é defendida há muito por Kelsen41. Para ele, o

direito deveria ser tratado como uma ciência positiva, livre de “paixões” morais, éticas,

sociológicas ou políticas42. Ao dar esse caráter de pureza ao direito, Kelsen o tratava de

forma análoga a uma ciência exata como a Matemática. Para ele, uma norma fundante seria

a origem de todos os demais ramos do Direito. Essa norma seria a norma constitucional que

teria a sua origem na primeira constituição de determinado país. Para esse trabalho não é

necessário o aprofundamento desse pensamento no sentido de se buscar a origem dessa

primeira constituição, momento em que Kelsen vai se valer da “lógica transcendental” de

Kant.

O importante, para elucidar e fundamentar o que se pretende aqui, é

observar como a base de todos os ramos do direito, inclusive os ditos ramos do direito

38 Ibid. Op.cit. p. 32 39 SGARB, Op. cit. p. 32. 40 Ibid. Op. cit. p. 32. 41 KELSEN. Op. cit. 42 Ibid. Op.cit.

privado, é a norma ou o Direito Constitucional que, como ramo do Direito Público,

contaminaria ou faria com que os demais fossem oriundos de uma única norma, não

fazendo qualquer sentido falar em uma dualidade do Direito.

Kelsen43, ao estudar de forma sistemática o Direito, defendia que o mesmo

tivesse um tratamento unitário, ou seja, uma doutrina geral formulada por conceitos

jurídicos fundamentais unitários, dando origem a uma ciência una e pura. Daí que o autor

formula a idéia de que o ordenamento jurídico é disposto de forma piramidal, concentrada

no topo desta pirâmide a norma fundamental, que é a norma constitucional.

Mas poderia ponderar sobre um negócio jurídico particular, como bem

evidencia um contrato que é celebrado entre dois sujeitos sem a participação do Estado. Em

um primeiro momento, a manifestação de vontade de ambos é totalmente particular ou

privado. Mas, ao possuir a possibilidade ou o direito de fazer valer o disposto no contrato,

se por ventura uma das partes não veio a respeitar alguma disposição, há participação do

Estado, ao que evidencia o caráter público deste negócio. Sobre essa situação ilustra

Sgarb44:

Conforme observa Kelsen, tanto uma eventual ordem administrativa como um contrato, matem assento, em último plano de consideração, na constituição jurídico-positiva. Sendo assim, quando o direito prescreve que se “deve obedecer a ordem de um determinado grupo de agentes”, ou “que os contratos devem ser observados”, e estabelece para o caso de uma eventual desobediência ao prescrito que uma sanção deve ser aplicada, o que está ocorrendo é que o castigo que seve ser aplicado ao desobediente da ordem, e o castigo que deve ser aplicado ao descumpridor do contrato, exigem, como condição para ambas as obrigações, uma vontade que apenas continua o processo de criação do direito, ou seja, o processo de individualização de normas gerais. Portanto, a pretensa ordem superior e o contrato não passam de duas manifestações de normas individuais; tanto uma ordem advinda do Estado, como a Lex contractus decorrente do negócio jurídico privado são manifestações que, apenas, prosseguem preceitos normativos hierarquizados constitucionalmente estabelecidos.

O próprio Kelsen45 elenca outro exemplo que merece transcrição: O dever de pagar um empréstimo origina-se do contrato entre devedor e credor. A ordem jurídica delega aos indivíduos a regulamentação de suas relações econômicas por meio de contratos. Ou seja, a ordem jurídica estipula: “se dois indivíduos fazem um contrato, se um deles rompe, e se outro move uma ação contra o primeiro, então o tribunal deve executar uma

43 KELSEN, Op. cit. 44 SGARB, Op. cit. p. 38 45 KELSEN apud SGARB, p. 38

sanção contra o primeiro”. Com base nesta norma geral, a obrigação do indivíduo é determinada pela norma individual que o contrato cria. Essa norma individual é de natureza secundária e pressupõe a norma geral acima mencionada.

Na situação acima disposta, a possibilidade de fazer valer o contratado, com

a possibilidade da sanção não é de vontade dos particulares, mas sim do Estado. Daí que é

ilusória a idéia de tratar-se de um direito privado ou particular, já que a verdadeira

manifestação de vontade é do Estado e não dos particulares.

No mesmo diapasão, não há superioridade entre as normas de direito

privado e as de direito público. No entendimento Kelsiano46 prevalece uma única vontade,

a vontade soberana do Estado insculpida na norma constitucional. Kelsen denomina essa de

“Razão de Estado”47. E nesse ponto, volta-se à idéia defendida precipuamente na obra

“Teoria Pura do Direito”, ou seja, os imperativos morais, pessoais e éticos devem ser

deixados de lado, prevalecendo uma única vontade, a vontade do Estado.

No que concerne à questão da não superioridade de uma norma em relação à

outra, idéia defendida pelo autor, faz-se necessário mencionar, ainda que em rápidas linhas,

as tradicionais teorias da divisão do direito em público e privado. As mais diversas obras

ou manuais jurídicos encampam a idéia de que o Direito é público por basicamente

apresentar as seguintes características, entre outras: a prevalecer o interesse geral em

detrimento ao particular; a presença do Estado de forma direta ou indiretamente através de

um de seus órgãos caracterizando como um ramo do Direito Público; e o fato de ser as

normas dos ramos deste direito superior às demais, ou seja, àquelas consideradas de Direito

Privado. Principalmente nesse último critério, está concentrada a idéia de que ao prevalecer

a Razão do Estado, não há que falar em dicotomia no Direito.

1.2.3 A nova dimensão das relações jurídicas

Até o momento foi traçado uma evolução da tradicional dicotomia público e

privado, passando pelo desenvolvimento histórico e social, bem como o olhar de Kelsen48.

Essa cisão, no momento atual atravessa uma crise tendo em vista a diversidade de relações

46 KELSEN apud SGARB. Op.cit. 47 Ibid. Op. cit. 48 KELSEN, Op. cit

sociais que por conseqüência faz surgir novas relações jurídicas. Kelsen49 há quase um

século atrás já não concebia que o direito se dividisse em Público e Privado por entender

que ambos têm apenas um núcleo que lhe dá validade uníssona, qual seja, a norma

fundamental constitucional. Esse pensamento veio encontrar sustentação no que se

denomina pós modernidade ou contemporaneidade. Essa pós modernidade, do ponto de

vista jurídico trabalha com uma dimensão ou sentido prospectivo. Esse sentimento

contemporâneo, que passa essencialmente por uma nova interpretação constitucional não

pretende diluir os dogmas da Teoria do Direito, mas repensá-los nessa nova perspectiva.

Nessa linha de pensamento, pretende-se neste tópico, através destas linhas

repensar a dicotomia público e privado, já que da constituição emerge princípios que

afetam os diversos ramos do direito, inclusive aqueles considerados, tradicionalmente

ramos do direito privado. A constituição não é mais apenas um texto estruturador que dá

vida jurídica ao Estado e suas instituições. Ao contrário, a Constituição assume um papel

regulamentador dessas novas relações jurídicas, incidindo comandos sobre elas. Isso se dá

através dos princípios que têm caráter axiológico. Nesse sentido discorre Fachin50: A Constituição Federal de 1988 erigiu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana. Tal opção colocou a pessoa como centro das preocupações do ordenamento jurídico, de modo que todo o sistema, que tem na Constituição a sua orientação e seu fundamento, se direciona para a sua proteção. As normas constitucionais (compostas de princípios e regras), centradas nessa perspectiva, confere unidade sistemática a todo ordenamento jurídico. Opera-se, pois, em relação ao Direito Dogmático tradicional, uma inversão do alvo de preocupações do ordenamento jurídico, fazendo com que o direito tenha como fim último a proteção da pessoa humana, como instrumento para seu pleno desenvolvimento.

Esse novo pensar se dá também, no que se refere ao lugar ou aos novos

ramos do Direito que surgiram em função da demasiada quantidade de novas relações

jurídicas. Aquele pensamento muito descrito por Saldanha51 e desenvolvido alhures, ganha

contornos novíssimos. O próprio autor já previa essa nova situação ao colocar, da

necessidade de se encontrar uma nova medida para aquilo que é publico e para aquilo que é

49 Ibid. Op. cit. 50 FACHIN, Luiz Edson. Sobre o projeto do código civil brasileiro: crítica à racionalidade patrimonialista e conceitualista. In: Boletim da Faculdade de Direito. VOL. LXXVI (Separata). Universidade de Coimbra: Coimbra, 2000. p. 130. 51 SALDANHA, Op.cit.

considerado privado. Não é redundante e nem inoportuno recorrer novamente à um trecho

da obra do autor para fundamentar o exposto52.

Um dos ideais por assim dizer implícitos do liberalismo consistiu precisamente – sob certo aspecto – na procura de um equilíbrio entre a ordem privada e a pública. Este equilíbrio terá sido mais uma das conciliações visadas ou propiciadas pelo relativismo liberal, porquanto o anarquismo repudiava a esfera pública, ao recusar todo governo e todo comando exterior ao indivíduo e o socialismo (com seus diversos gêneros) se inclinava a preocupar-se muito mais com o social e com sua reordenação do que com os indivíduos. Foi, porém a imagem burguesa do equilíbrio entre o lada público e o lado privado do viver, que preservou melhores configurações de cada um destes lados na experiência histórica contemporânea.

Houve, como pode ser observado, uma inversão do lugar do qual a

dogmática tradicional reservava para o público e para o privado. Com a supremacia da

Constituição nos modernos ordenamentos jurídicos, o Direito civil, até então o ícone do

Direito Privado, perde em parte essa condição. E de que forma isso se dá? Ora, a

prevalência da autonomia de vontade no momento da contratação encontra limite na

proteção da dignidade da pessoa humana, princípio de ordem axiológica extraído do texto

constitucional.

Uma outra situação que muito demonstra tal situação pode ser observada na

transcrição a seguir, conforme Fachin53. A Constituição Federal de 1988 impôs ao Direito Civil o abandono da postura patrimonialista herdada do século XIX, em especial do Código Napoleônico, migrando para uma concepção em que se privilegia o desenvolvimento humano e a dignidade da pessoa concretamente considerada, em suas relações interpessoais, visando a sua emancipação. Nesse com texto, à luz do sistema constitucional, o aspecto patrimonial, que era o elemento de maior destaque é deixado em segundo plano. Não tem mais guardiã constitucional uma codificação patrimonial imobiliária, traço que marcou a edição do Código Civil em 1916.

O que se tem para o momento é a nova dimensão que as relações jurídicas

alcançaram nessa nova era jurídica que pode ser denominada pós-positivista. O direito

ganha uma nova forma de pensar em que o sujeito assume um protagonismo na relação

jurídica, forçando esta a adquiri ruma nova feição, uma feição mais humanista que tem

como pano de fundo os princípios constitucionais.

52 Ibid. Op. cit. p. 26 53 FACHIN, Op. cit. 130.

Essa nova dimensão se dá, principalmente com a consolidação do Estado

dito liberal. Nesse sentido observa-se o magistério de Barroso54: Esse Estado da busca do bem-estar social, o Welfare satate, chegou ao final do século amplamente questionado na sua eficiência, tanto para gerar e distribuir riquezas como para prestar serviços públicos. A partir do início da década de 80, em diversos paises ocidentais, o discurso passou a ser o da volta ao modelo liberal, o Estado mínimo, o neoliberalismo. Dentre seus dogmas, que com maior ou menor intensidade correram mundo, estão descentralização e desregulamentação da economia, a redução das proteções sociais ao trabalho, a abertura de mercado e a inserção internacional dos paises, sobretudo através do comércio. O neoliberalismo pretende ser a ideologia da pós-modernidade, um contra-ataque do privatismo em busca do espaço perdido pela expansão do papel do Estado.

Nesse movimento descrito pelo autor notam-se as diversidades das relações

jurídicas que deixam de ser puramente públicas ou privadas. Com a internacionalização dos

países, formando-se grandes blocos econômicos e culturais, as legislações nacionais foram

sendo revisadas, dando lugar inclusive ao o surgimento de mecanismos alternativos de

solução de conflitos para solucionar questões em contratos internacionais.

Da mesma maneira, o Estado promove as privatizações, e libera o capital de

empresas que administravam setores essências da economia como petróleo, energias, etc. o

mesmo se dá com as parcerias público-privadas, momento no pode se dizer que Estado

chama o particular para com ele contratar.

O Estado contemporâneo tem perfil diferente, tendo em vista o

afrouxamento das fronteiras, fruto da globalização e da perda da rigidez soberana. Ele se vê

forçado a dividir com setores da iniciativa privada determinadas prestações. Esse

movimento gera um novo paradigma dando novas dimensões às relações jurídicas. Sem

contudo perder o seu espaço, o publicismo inicia um momento de repartir demandas com o

privatismo, ocorrendo o revalorização deste, que para efeito desta pesquisa denominará

pós-Positivismo.

Feitas tais considerações cumpre sequenciar caracterizando o paradigma

pós-positivista.

54 BARROSO. Op. cit. p. 66.

1.3 O PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA E A DIMENSÃO FILOSÓFICA

DE ACESSO À JUSTIÇA.

1.3.1 O Positivismo jurídico

O Positivismo jurídico surge como corrente a suceder aqueles que

defendiam que o mundo jurídico deveria ser regulado por leis naturais, qual seja, um

Direito Natural. Mas, antes de se delinear a gênese e evolução do Positivismo jurídico, faz-

se necessário traçar breves linhas acerca do Positivismo, já que este forneceu as bases

metodológicas e científicas para Juspositivismo.

Assim como as demais ciências, que tem métodos de investigação e

princípios próprios, a ciência da sociedade também o tem. O mundo social, ou seja, a

sociedade também poderia ser estudada como as demais ciências. Os métodos de

investigação das demais ciências da natureza poderiam ser aplicados para poderem

identificar na vida social as mesmas relações e princípios através dos quais os estudiosos

explicavam a vida natural.

O contexto de surgimento do Positivismo é o da ascensão da burguesia ao

poder, substituindo o velho regime feudal, consolidando o capitalismo. No mesmo

momento, os paises europeus, responsáveis por essa grande ascensão cultural e econômica,

passam a disseminar esse domínio através da colonização de outros territórios.

Com o francês Augusto Comte, o estudo da sociedade fora

metodologicamente esquematizado. Para ele, as sociedades nasciam, cresciam e evoluíam,

de forma que sempre haverá um estágio superior sucedendo um inferior. Assim, como na

natureza em que as espécies vão evoluindo e sucedendo umas às outras, as sociedades

também evoluem e sucedem umas às outras.

Johnson55, assim assevera acerca do Positivismo: Comte acreditava que a vida social era governada por leis e princípios básicos que podiam ser descobertos através do uso dos métodos mais comumente associados às ciências físicas. Da forma como evoluiu desde os dias de Comte, o Positivismo afirma também que a sociologia devia interessar-se apenas pelo que pode ser observado com os sentidos e que as teorias de vida social deveriam ser formuladas de forma rígida, linear e metódica, sob uma base de fatos verificáveis.

55 JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997. p. 179.

Ao tentar aplicar esses, métodos ao Direito, nasce o Positivismo Jurídico.

Da mesma maneira que a sociedade podia e deveria ser estudada metodicamente, o Direito

deveria ser aplicado com base naquilo que a lei, posta de forma técnica, determinava. Para

o Positivismo jurídico, o Direto é somente o que dispõe a lei, emanada do Estado. O

Positivismo jurídico sucede o jusnaturalismo, corrente para a qual o Direito é composto por

leis naturais, divinas. Seguindo e aplicando estas, aplica-se o direito.

Fatores exteriores, como a moral, a ética devem estar desassociados da lei.

O Direito é exclusivamente o que o Estado positivou através da lei. Do ponto de vista de

Kelsen56, todo direito, e somente o é, as normas oriundas da fonte estatal.

O surgimento do Positivismo jurídico coincide com o auge da formação dos

estados modernos, que tem como base as idéias advindas do Iluminismo. Por ser um

momento de grande evolução científica, esses ideais são levados para o universo jurídico,

fazendo com que o direito também seja pensado de forma tecnicista. Partindo do

pressuposto iluminista de que deveria existir um direito científico, o direito começa a ser

codificado, missão que cabe à Ciência do Direito.

Se para Reale57 o direito é fato, valor e norma, para o Positivismo jurídico

os valores devem ser abstraídos do direito. A norma contém uma disposição que,

dependendo do fato ocorrido, aplica-se subsumidamente o fato à norma.

Para Bobbio58, o Positivismo jurídico foi um movimento pela codificação do

direito, levando em conta regras pré-estabelecidas. Esse movimento por muito tempo

dominou a cultura jurídica ocidental, chegando a influenciar diversas constituições. O

jusPositivismo defendia a aplicação do direito livre de qualquer característica axiológica.

No estudo do direito deve ser abstraída qualquer fundamentação baseada em juízos de

valores 59.

É o direito apenas um conjunto de comandos advindos da fonte estatal, que

devem ser observados, indiferente ao que está nas entrelinhas do disposto na norma, sendo

que o seu descumprimento implicará a uma sanção60.

56 KELSEN, Op. cit. 57REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. – 27 ed. ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002. 58 BOBBIO, Noberto. Positivismo jurídico: lições de filosofia do direto: São Paulo, Ícone. 1999. 59 Ibid. Op.cit. 60 Ibid. Op.cit.

Por esse critério, o Estado não poderia ser discricionário, pois só usaria a

força diante do texto normativo. Sendo assim, de antemão já estaria definida como e em

que quantidade a força seria aplicada, garantindo aos cidadãos a tranqüilidade quanto ao

uso da coerção pelo Estado61.

Diante do exposto se observa que o Juspositivismo se opõe claramente ao

jusnaturalismo que para o qual o direito é oriundo de leis divinas. Ao contrário, para o

Juspositivismo, o direito é oriundo da vontade do legislador, autêntico e único

representante do Estado.

1.3.2 – O paradigma pós positivista

Traçadas, de maneira simples, as origens e as bases evolutivas do

Juspositivismo, bem como delineando essa corrente diante do Positivismo sociológico,

dedicar-se-á, para o momento, o estudo do pós-Positivismo. Por implicar vastidão e

amplitude, cumpre delimitar, resumidamente o que quer dizer o termo pós-positivsmo para

efeito deste trabalho.

A evolução jusfilosófica do direito sempre esteve calcada nos paradigmas

que constituíam e ratificavam os sistemas vigentes de períodos em períodos. Antes, porém,

se delimitará o paradigma no qual se quer inserir a dimensão de acesso à justiça que

coaduna com este modelo, que aqui será considerado como o vigente ou que apela para

assim proceder. Para isso é necessário o delineamento do termo paradigma para clarear a

exposição.

O referido conceito, identificador de padrões sociais sempre foi usado pelas

mais variadas ciências, principalmente as filosóficas e sociais. A expressão é amplamente

citada, mas carece em determinadas situações de sua delimitação epistemológica,

principalmente o seu papel no desenvolvimento do saber na era científica moderna. Alguns

autores se dedicaram à função do delineamento do termo.

Para Kuhn62, todas as ciências se desenvolvem no interior de paradigmas,

que constituem suas premissas e demarcam o campo de debate da comunidade científica. 61 Ibid. Op.cit. 62 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo, Editora Perspectiva. 2000.

De acordo com esse pensamento, os paradigmas são tradições cientificas que exemplificam

teses aceitas pelos cientistas sem criticarem os seus pressupostos. Os paradigmas seriam,

reciprocamente, incomensuráveis, vale dizer não há um ponto externo pelo qual se possa

valorar qual paradigma é melhor que o outro. Paradigmas diferentes, sob esse prisma, são

incompatíveis, e não deverá haver possibilidade de comunicação interparadigmática63.

Habermas64 diz que os paradigmas “abrem perspectivas de interpretações

nas quais é possível referir os princípios do estado de direito ao contexto da sociedade

como um todo”. Essa acepção em muito interessa a este trabalho tendo em vista que a

proposta aqui é de exatamente referir-se á dimensão de justiça dentro do epíteto “acesso à

justiça” no contexto paradigmático do Estado Pós positivista.

A expressão, numa conotação original é citada na obra de Morin como de

suma importância para a amplitude e importância numa pesquisa. Para tanto, o autor

resgata o sentido empregado pelos filósofos Platão e Aristóteles: para o primeiro, a origem

do significado da palavra se divide em “exemplificação de modelo ou regra”. Para

Aristóteles é “argumento que, baseado em um exemplo, destina-se a ser generalizado”.

A noção de paradigma vem evoluindo de acordo com a aplicação da

expressão nas diversas formas de saber e de acordo com o emprego da mesma no contexto

de cada ciência. Assim, pode ser o princípio, o modelo, a regra geral ou até mesmo casos

exemplificativos.

Feitas as considerações sobre o uso da expressão paradigma cumpre

sequenciar caracterizando o paradigma pós-positivista.

Do ponto de vista cronológico o Juspositivismo sucede o jusnaturalismo, já

que as idéias daquele já não coadunam com pensamento deste. Da mesma forma, no

paradigma ora em estudo as idéias limitadoras da aplicação do direito, oriundas do

Positivismo jurídico, já não encontram respaldo. No pós-Positivismo, a anterior restrição

imposta à aplicação jurídica deve ser abandonada, dando lugar à uma interpretação

carreada de valores como ética, justiça, dignidade, razoabilidade.

63 Ibid. Op. cit. 64 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. vol. II, Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, p. 181.

O Positivismo jurídico, como já mencionado alhures, enquanto corrente

jurídica, nasce como uma forma de oposição ao Direito Natural, corrente jusfilosófica

defendida pelos Jusnaturalistas. Tem como fundamento a tentativa de dar ao direito o

caráter científico, sendo uma espécie jurídica do gênero Positivismo, projetando o

Positivismo filosófico no setor do Direito.

Fiel aos princípios do Positivismo filosófico, o Positivismo jurídico rejeita

todos os elementos de abstração na área do direito, principalmente a idéia do Direito

Natural, por entender ser ela metafísica e anticientífica. Assim, a única ordem jurídica que

se deve aceitar é aquela comandada pelo Estado e esta deve ser a soberana. Há uma

valorização exacerbada do Poder legislativo em detrimento aos demais poderes de estado.

Já no Pós-Positivismo, o Estado deixa de ser totalmente liberal e passa a ser

um Estado “amigo” dos direitos contidos na lei, principalmente dos Direitos Sociais. Se no

Pós-Positivismo o poder dominante era o legislativo, no Pós-Positivismo há espaço para o

Poder Executivo e o Judiciário. Aquele com as políticas públicas, exigindo uma atuação

garantidora de direitos de maneira positiva, onde não se tem mais aquele Estado absenteísta

O Poder Judiciário passa a ter força com o controle jurisdicional, garantindo que os

princípios emanados da Constituição possam ser aplicados. Esses princípios não

necessariamente precisam estar escritos ou codificados, bastando que sejam abstraídos das

Constituições. E mais, a aplicação da lei fica submissa à aplicação dos princípios.

No mesmo sentido há a positivação dos direitos sociais. Isso implica na ação

do Estado para proteger os mais fracos, a garantia dos ideais éticos de liberdade. Dá-se a

dimensão de proteção por parte do Estado aos grupos de pessoas, os chamados direitos

difusos e coletivos, em detrimento da idéia que até então estava vigente, de que cada um

tinha o direito de se proteger, pois a lei e a justiça, na sua acepção jurídica, estavam à

disposição de todos.

O Estado que anteriormente pregava apenas a igualdade de todos perante a

lei, no momento pós-positivista tem que garantir ou promover efetivamente essa igualdade,

atuando, como já mencionado anteriormente de maneira positiva. Ou seja, não há satisfação

plena de direito apenas com o mero reconhecimento destes, mas há sim uma necessidade

imperiosa de ações práticas para garantir condições materiais para uma igualdade plena.

Sobre a dualidade Estado Liberal X Estado Social, pondera Sarmento65:

O Estado social, na sua vertente democrática, não é outra coisa senão uma tentativa de composição e conciliação entre as liberdades individuais e políticas e os direitos sociais, possibilidade descartada tanto pelos teóricos do liberalismo ortodoxo como pelos marxistas. Apesar de lamentáveis desvios em que incorreu o Estado Social, com sua degenerescência para experiências totalitárias, sobretudo na primeira metade do século XX, o fato é que em boa parte do mundo desenvolvido, e durante um razoável período de tempo no século XX, esta solução compromissória entre o capitalismo e o socialismo foi possível e teve razoável sucesso”.

É evidente, atualmente a força normativa, ou “normatividade”, encontrada

nos princípios. Juntamente com os direitos fundamentais, e alguns princípios são direitos

fundamentais, tem-se uma outra característica de norma jurídica, simplificando muito mais

do que simples valores ou direitos. Além dos direitos fundamentais e princípios, todos

expressos, tem-se uma outra categoria que são os princípios que se deduz da Constituição,

ainda que não expressos. No mesmo sentido, direitos fundamentais não expressos. Mas

nem por isso, ou seja, não é pelo fato de não estarem expressos que não evidenciam valores

jurídicos.

Neste sentido há que se falar em uma nova concepção de justiça ou, mais

propriamente de acesso à justiça. Os operadores do Direito, mais especificamente juristas e

julgadores, estão vinculados em colocar a lei nessa perspectiva, qual seja, harmonizar

sistematicamente o ordenamento jurídico à luz dessa nova interpretação.

1.3.3 A dimensão filosófica de acesso à justiça no pós-Positivismo

A ideia de ressaltar alguns direitos básicos do ser humano, e elencá-los

como fundamentais, nasce em um momento em que as nações ocidentais começam a

questionar o ideal liberalista da Revolução Francesa. No liberalismo, via de regra, o Estado

se posicionava de maneira omissa, sem intervir nas relações sociais. Neste sistema estatal

os indivíduos por si só deveriam fazer valer seus direitos, calcados efetivamente na lei, que

tinha como premissa básica a idéia de liberdade. O Poder legislativo, evidentemente o

competente para elaborar a lei, representava a vontade das pessoas que queriam liberdade

65 SARMENTO. Op. cit. p. 387

contra, principalmente, o Estado, que no regime anterior, absolutista, era quem detinha, de

forma concentrada, o poder e a fonte de validade de todo o direito, centrado na figura do

monarca.

Esse ideal justificou algumas barbáries, principalmente no início do século

XX. Nesse momento ocorrem as duas grandes guerras mundiais e a implementação de

regimes comunistas totalitários onde, calcados em suas constituições, programam uma

concepção tecno-judiciária da justiça.

No Estado Liberal positivista qualquer ação era justificada, desde que não

proibida pela lei. Era a vigência efetiva do princípio da legalidade, garantidora do Estado

Liberal de Direito, forçando a submissão do Estado à vontade geral insculpida na lei.

Através deste princípio a lei é erigida ao ápice do Direito com a finalidade precípua de

solapar todos os resquícios da ideologia que anteriormente vigia na verve do Ancien

Regime. Não havia um equilíbrio de força entre os poderes do Estado, de tal maneira que o

Executivo e o Judiciário ficavam limitados ao que dizia o Legislativo na lei, sobrando-lhe

muito pouco poder para pleitear qualquer direito ou razão. Marinoni66 assim descreveu essa

situação:

O princípio da legalidade, porém, constituiu apenas a forma, encontrada pela burguesia, de substituir o absolutismo do regime deposto. Nesse sentido se pode dizer que na Europa continental o absolutismo do rei foi substituído pelo absolutismo da Assembléia Parlamentar. Daí a impossibilidade de confundir o rule of law inglês com o princípio da legalidade. O parlamento inglês eliminou o absolutismo, ao passo que a Assembléia Parlamentar do direito francês, embora substituindo o rei, manteve o absolutismo através do princípio da legalidade. Diante disso, e grosso modo, no direito inglês a lei pôde ser conjugada com outros valores, dando origem a um sistema jurídico complexo – o common law -, enquanto que nos países marcados pelo princípio da legalidade o direito foi reduzido à lei. Tal princípio, assim, constituiu um critério de identificação do direito; o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua correspondência com a justiça, mas somente de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência normativa.

E continua o autor67:

66 MARINONI, Luis Guilherme. A jurisdição no estado constitucional. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6550>. Data de acesso: 19/03/2006. p. 3. 67 Ibid. Op. cit. p.3

Na verdade, ainda que não houvesse a consciência de pluralismo, somente com uma ausência muito grande de percepção crítica se poderia chegar à conclusão de que a lei não precisa ser controlada, por ser uma espécie de fruto dos bons, que se colocam acima do bem e do mal, ou melhor, do executivo e do judiciário. Ora, a própria história se encarregou de mostrar as arbitrariedades, brutalidades e discriminações procedidas por leis formalmente perfeitas. Portanto, ainda que se ignorasse a idéia de pluralismo e se aceitasse que a lei expressa a vontade de um "poder político", jamais se poderia concluir que o seu texto é perfeito, e assim deve ser simplesmente proclamado pelo juiz, apenas por ser o resultado de um procedimento legislativo regular.

Em função desses acontecimentos e da implementação das novas

concepções de Direitos Fundamentais garantidos nas constituições, um novo ideal de

justiça começa a emergir. Apesar do modelo pós-positivista negar o jusnaturalismo,

resgata, porém, uma dimensão de justiça, semelhante à idéia fundante na crença do ideal

principiológico de justiça que reativa valores universais.

Assim, há um clamor por uma nova interpretação da lei com a conseqüente

desvalorização do método da subsunção, característico do Positivismo Jurídico. Segundo o

critério da subsunção, um método lógico, todas as situações que carecessem de decisão do

julgador, bastava que este apoderasse a lei que no caso concreto deveria ser aplicada. O

papel do julgador se reverte em um mero aplicador normativo, submisso ao exato texto da

lei.

Diante de tal situação é imprescindível o resgate da essência da lei, tirando-

lhe o véu para apoderar-se de seu verdadeiro fundamento. Mais do que isso, o Estado tem

que dispor de instrumentos garantidores desse fundamento, ou seja, os princípios de justiça.

Colocados no ápice da cadeia normativa, esse novo ideal de justiça é injetado na

constituição, tornando-se princípio fundamental.

Atualmente, é evidente a eficácia normativa dos princípios constitucionais.

Ou, como diz Sarlet68, “esses princípios e os direitos fundamentais têm qualidade de

normas jurídicas e, assim, estão muito longe de significar simples valores”.

A Constituição Federal do Brasil coloca como princípio fundamental o

acesso à justiça. É consenso que acesso à justiça não se resume ao direito de peticionar ao

68 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. rev. Atual e ampl. Porto Alegre:Livraria do Advogado Ed., 2006, p.390.

Poder Judiciário. Por muito tempo houve um entendimento secular nesse sentido. Como

princípio constitucional e fundamental que é, o termo carece de entendimento amplificado,

subentendendo que esse direito pode ser garantido tanto com ou sem a participação do

Poder Judiciário, bem como uma ordem valorativa e fundamental a todo ser humano.

Assim, acesso à justiça pressupõe também um aparato institucional em uma

determinada sociedade, abarcando outros mecanismos organizados, tendo como

fundamento o ditame principiológico constitucional, já que se trata de direito inerente à

natureza humana. Rawls69 assim fala do papel das instituições na consecução da justiça.

Para ele:

A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns, se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto, numa sociedade justa as liberdades das cidadanias igual são consideradas invioláveis.

Diante desses dizeres, nota-se uma dimensão mais profunda, mais

fundamental na determinação constitucional de justiça. Obviamente que a expressão

“acesso à Justiça”, como princípio constitucional, não pode resumir um mero acesso a

Justiça estatal. Apesar de ser uma justiça política na denominação de Rawls70, isto é, a

justiça da constituição tem de abarcar valores supra-institucionais que passam por outros

Direitos Fundamentais como, por exemplo, a liberdade. Novamente se recorre a Rawls71

para ratificar tal estrutura de pensamento. Para este,

A justiça política tem dois aspectos que se origina do fato de que uma constituição justa é um caso de justiça procedimental imperfeita. Em primeiro lugar a constituição deve ser um procedimento justo que satisfaz as exigências da liberdade igual; em segundo lugar, deve ser estruturada de modo que dentre todas as ordenações viáveis, ela seja a que tem maior probabilidades de resultar num sistema de legislação justo e eficaz. A justiça

69 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça: tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímolli Esteves, - 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 5. 70 RAWLS, Op. cit. 71 Ibid. Op. cit. p. 241.

da constituição deve ser avaliada sob os dois aspectos, à luz do que as circunstâncias permitem, e as avaliações são feitas a partir do ponto de vista da convenção constituinte.

Efetivar esse Direito Fundamental constitucional é então o desafio do

Estado pós-positivista. É de se reconhecer a dificuldade de delimitar o alcance da expressão

“acesso à justiça”, porém não se deve jamais perder o foco dessa dimensão filosófica de

justiça como bem supremo que já vem sendo o desafio do Estado desde a Antigüidade

Clássica.

A consecução do acesso pleno à justiça passa, conforme Cappelletti72, “na

determinação das duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as

pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do

Estado.”

Do ponto de vista técnico de garantia constitucional como Direito

Fundamental, o acesso à justiça deve ser estendidos a todos os indivíduos de uma

sociedade. Da mesma forma, alcançando resultados socialmente justos, desvencilhando do

paradigma liberal onde cada indivíduo poderia se assim optasse e tivesse condições

materiais e informativas para tanto, recorrer à justiça. No paradigma pós-positivista essa

concepção de que o Estado garantiria a justiça através de sua omissão não tem mais

fundamento. No pós-positivsmo a justiça, na sua acepção mais plena deve ser direito

perseguido pelo Estado em todos os seus níveis que não deverá se omitir, mas implementar,

de ofício, os mais diversos mecanismos visando assegurar o gozo de todos os direitos

sociais básicos.

Como se observa, a evolução social se dá de maneira que determinado

número de caracteres se sedimentam formando modelos, os estudiosos denominados

paradigmas. Esses têm a finalidade, dentre outras, de estratificar épocas que vão delineando

a leitura histórica da evolução do Direito nas mais diversas formas de concepção de Estado.

E na concepção de Estado pós-positivista, tema central do estudo ora apresentado, necessita

de adequar à prática o ditame constitucional de que todos na sociedade têm direito ao

acesso à justiça. Direito esse chancelado pela Constituição Federal como Direito

Fundamental. Direito fundamental que, por se tratar de direito inerente à pessoa humana,

72 CAPPELLETTI, Mauro, GARTH Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleeth. Porto Alegre. 1988. p. 8

exige uma atuação paralela sintonizada com os mais diversos mecanismos organizadores e

estruturadores da sociedade com ou sem a presença do Poder Judiciário.

Nesse diapasão o Estado deve reconhecer e garantir o Estado Democrático

de Direito, que só será consecutivo se, mais do que eleger o acesso à justiça como direito

fundamental, garantir para que esse seja pleno e efetivo.

O acesso à justiça atualmente tem relevância e caráter global, sendo

positivado por quase todas as constituições ocidentais, cabendo ao Estado primar pela

garantia das vias desse acesso.

CAPÍTULO 2

MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

2.1 GÊNESE E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Quando da assertiva mecanismos alternativos de solução de conflitos há a

presunção de que existe um comando ou um poder oficial para dirimir conflitos e que os

demais são apenas alternativos ou subsidiários aqueles. Obviamente que qualquer

instrumento que por meio do qual se resolve um conflito, observados os padrões morais e

os princípios do sistema jurídico, a conseqüência é a mesma: a paz social. Assim, em que

perspectiva se pode afirmar que existem mecanismos considerados paralelos ou

substitutivos de outros que são os “oficiais” na difícil tarefa de composição litígios?

Várias são as maneiras existentes em que se compõe uma lide na sociedade.

Desde a existência da primeira célula social, já havia, inserido nesta, alguma

maneira de resolver e solucionar conflitos. Os indivíduos se valiam da força física para se

impor e o conflito se dava por resolvido de forma unilateral. Era a auto-tutela ou auto

defesa.

A evolução social impôs o aperfeiçoamento das técnicas destinadas a

resolver os conflitos interindividuais. No mesmo sentido, os conflitos evoluíram e

passaram, também, a ser coletivos. Concomitantemente, as partes entendem que a busca

para a solução conflituosa carece da intervenção de um terceiro neutro. Este se

institucionaliza, concentra essa função e se torna o detentor exclusivo para dirimir o

conflito, aditando, ainda, a função coercitiva. A auto-tutela é substituída pela auto-

composição, onde um terceiro arbitra quem tem o direito ou a razão. Essa função é

entregue ao Estado.

Mesmo tendo o poder para solucionar o conflito, o Estado o faz de maneira

que o interesse, não da maioria, mas apenas de poucos é atendido. O Estado se torna uma

instituição de poder exclusivo, não tendo obrigação de atender ao interesse geral e não

recaindo sobre ele o efeito coercitivo que ele impõe ao outro. É a gênese da soberania,

porém de forma absoluta onde apenas um indivíduo, o rei, detinha a verdade incontestável.

Este tipo de Estado é então substituído por um outro onde o poder se

descentraliza e através de um pacto contratual é entregue ao povo73. O Estado é

Democrático e também de Direito, pois as imposições coercitivas por ele empregadas

também lhes são atribuídas.

Do ponto de vista jurídico, ou seja, sob a perspectiva do Direito, os litígios

passam a pressupor a participação do Estado, através do Poder Judiciário. No momento em

que, em função de variados fatores, mas principalmente pela multiplicidade e variedade das

demandas sociais, o Estado já não se mostra capaz de ser o detentor oficial da tarefa

judicante e nesse ínterim surgem outros meios paralelos de composição de conflitos.

O detentor da titularidade judicante é o Estado-juiz, representante da Justiça

na acepção formal, enquanto Poder Estatal. O Juiz de Direito tem a exclusividade desse

poder emanado da norma legal que funciona como freio contra qualquer discricionariedade

ou arbitrariedade por parte deste no momento de atuar. É a regra que consolida o Estado de

Direito, a forma de atuação dessa instituição considerada a mais adequada e equilibrada.

A titularidade do Estado para a consecução da finalidade pacificadora,

através do poder de julgar, é o que se denomina de jurisdição. Com assinala Grinover74 ao

exercer a jurisdição, o Estado está exercendo a capacidade que tem de decidir

imperativamente e impor decisões. E a diferença da jurisdição das demais funções do

Estado é exercer a função de pacificar, ou seja, de por fim aos conflitos gerados no seio da

sociedade. A autora complementa o raciocínio afirmando que na realidade, são de três

ordens os escopos visados pelo Estado, no exercício da jurisdição: sociais, políticos e

jurídico75.

Para composição da lide o julgador estatal se vale das normas

procedimentais estatais que ditarão o rito a seguido. Essas normas procedimentais, que têm

caráter meramente ritualístico, se dão através do Processo, que na esfera civil é o Processo

Civil e na esfera criminal é o Processo Penal. Neste trabalho, onde o que se pretende é

analisar mecanismos paraestatais e solução de conflito, o foco será nos procedimentos

relacionados à esfera de atuação cível, já que na esfera penal o Estado intervém também de

maneira coercitiva, função a qual não pode ser delegada.

73 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social: princípios de direito político. Tradução Antônio de Pádua Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 74 GRINOVER, Ada Pellegrini, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido R.. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1996. 75 Ibid.Op. cit..

Via de regra, desde a origem do Estado, este sempre monopolizou, das mais

variadas formas, a função de dirimir conflitos. Porém, com a evolução das sociedades e a

diversificação dos conflitos, o Estado já não se mostra plenamente eficiente para esta

tarefa, gerando uma crise do Poder Judiciário. Estudiosos do Direito então começam a

propor soluções que não passem pelo Poder Judiciário, mas que efetivamente solucionam

os conflitos. Esse movimento tem marco temporal na segunda metade do Século XX.

Outro fator que merece destaque é a contextualização jusfilosófica desse

momento, tendo como paradigma o modelo de Estado vigente, um Estado que busca

consolidar os direitos fundamentais.

Os países, principalmente após Segunda Guerra, voltam suas Constituições

para a consecução dos direitos fundamentais. As constituições voltam seus olhos para

tentar dar ao indivíduo um ideal de justiça em sua plenitude. A fundamentação do Estado

democrático está calcada numa participação comunicativa daqueles que são os sujeitos do

conflito. Há uma destituição do Estado-juiz como o único capaz de solucionar o conflito. A

participação individual, como salienta Pinho76, da relação processual, bem como as suas

prerrogativas, seus direitos e seus deveres, são conseqüência de uma relação interna do tipo

de Estado no qual estão inseridas. Ou seja, a atuação jurisdicional do Estado e a presença

dos equivalentes jurisdicionais, objeto deste estudo, é o reflexo do modelo de Estado no

qual estão sendo aplicados77.

Novos direitos são postos em evidência, assim como em relação aos já

expostos são empregados esforços no sentido de implementá-los. A dignidade da pessoa

humana é ressaltada com a supervalorização do indivíduo enquanto sujeito daquilo que é e

do que manifesta. Neste sentido afirma Amado78: Para Habermas a ordem social é possível graças à comunicação lingüística e graças à linguagem. Somos seres sociais e vivemos em sociedade porque falamos, porque podemos nos entender. Logo, a chave do social está na linguagem, e a partir daí habermas irá construir os fundamentos de toda a sua filosofia, incluindo o fundamento do direito válido e do direito justo, o fundamento da democracia e dos direitos humanos, o ancorará. Ou seja, irá apoiar Habermas na existência da linguagem, da comunicação lingüística. Os pressupostos que cada falante assume, aceita, dá por aceitado e dá por tacitamente aceito ao dirigir-se a outro comunicativamente ao argumentar, repetirá Habermas, é a alternativa à violência. Se eu quero algo de você, que

76 PINHO, Humberto Dala Bernardina de. Mediação e solução de conflitos no Estado democrático de direito. Disponível em www.humbertodalla.pro.br/. Acessado em 29/01/2009 77 Ibid, op. cit, p. 2 78 AMADO, J.A. Garcia. Racionalidade sistêmica contra a racionalidade dialógica no Direito. Palestra degravada realizada no PPG em Direito da UNISINOS. [s.d].

esvazie os bolsos, ou que me convide a ir ao cinema, temos duas alternativas: uma suar a força; outra convencer-lhe, dar-lhe razões, argumentar. No momento e que eu, para convencê-lo a fazer algo, no lugar de atacá-lo ou forçá-lo, decido falar, esta é uma ação, segundo Habermas, que racionalmente me prende, ata. Ata-me porque assumo, dou por pressuposto ao fazer esta escolha.

O Estado democrático e agora social, que tem as suas bases na

supervalorização das liberdades individuais, posiciona o Poder Judiciário no sentido de

respeitar e valorizar os sentimentos individuais de tal maneira que o julgador não estará

engessado por uma norma fundamental a qual terá que recorrer, sendo aquele que apenas

vai “manusear” a norma. O juiz vai induzir a participação dos indivíduos no processo de

resolução da lide, para que estes sejam também sujeitos dela. O que as partes têm a dizer,

assim como seus sentimentos, angústias e desejos passam a fazer parte do direito como um

todo. O direito não é mais somente a norma, na sua acepção formal. Regras e princípios,

principalmente, passam a compor o rol daquilo que é fundamental na solução da lide para

que se tenha uma nova dimensão de acesso à justiça.

Sobre esse novo modelo estatal de participação na solução de conflitos,

assim esclarece Pinho79: A base jurídica deste Estado, portanto, não pode ser a rígida e cega base do Positivismo clássico. A realização de fins sociais exige um direito mais flexível, adaptável às diferentes realidades fáticas, atento as particularidades do caso concreto. O agigantamento estatal, a atuação sobre a economia e a adoção de uma Constituição que é um verdadeiro projeto social, exigem um sistema jurídico dinâmico, um sistema aberto de regras, princípios e valores. Neste modelo, ao contrário de um monismo normativo e político, têm-se um pluralismo de fontes diretas do direito e um pluralismo de poderes competentes para emaná-lo.

Esse modelo tem por parâmetro o sistema jurisprudencial norte-americano80.

A jurisprudência passa a ser valorizada e começa a integrar e compor a fundamentação das

decisões. Da mesma maneira, as sentenças ganham bases sociológicas e filosóficas, não

sendo apenas subsunção da norma.

Dessa forma, o monopólio do Estado como o único responsável para dirimir

os conflitos sociais; o corporativismo das entidades, estatais ou não, que se beneficiavam

de algumas benesses; o aumento e/ou diversificação das relações sociais que,

79 PINHO, op. cit, p. 7. 80 Ibid, Op.cit. p. 8.

conseqüentemente, faz surgir novos tipos de conflitos, entre outros, estão entre as

principais causas da crise do poder judicante.

Meirelles81, assim comenta essa situação: É corrente a idéia da crise do Judiciário a partir da segunda metade do século XX, determinada, entre outros motivos, pela crescente judicialização da política e das relações sociais. Tal questão, especialmente sensível na realidade dos países periféricos e a busca pela constitucionalização e efetivação de direitos fundamentais, alia-se ao problema da constante complexidade da interpretação jurídica de novos conflitos e conseqüentes questionamentos à legitimidade judicial estatal para dirimi-los. Mas esta crise da legitimidade não se restringe às deficiências interpretativas nesta reconfiguração dos conflitos sociais. Merece também destaque a luta de diversos movimentos sociais para a derrubada de barreiras à tutela jurisdicional plena, pressionando os Estados a pensarem em políticas públicas inclusivas, conhecidas como movimentos de Acesso à Justiça, analisadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, no revolucionário projeto de Florença.

Em virtude dessa crise, começam então a surgir estudos onde são

apresentadas propostas, debates e possíveis soluções. Inicialmente se fala na racionalização

da administração do Poder Judiciário, já que é evidente que este não é mais capaz ou não

está pronto para sozinho solucionar todos os tipos de conflitos. Para que possa ocorrer tal

racionalização, propostas surgem no sentido de limitar ou condicionar o despacho judicial a

uma forma de tentativa de solução do conflito extrajudicialmente.

A sentença judicial possui limitações já que não captam as questões

subjacentes ao litígio, questões estas, principalmente de ordem psicológica.

O acordo começa a ser mais valorizado e proposto, já que este vislumbra a

possibilidade de diminuir a famosa “cultura do litígio”. O culto ao litígio está ligado à

questão cultural já que o indivíduo nutre a sensação de que somente o julgador,

representante do Poder Judiciário, é que vai realmente e efetivamente solucionar o conflito.

Soma se a isto o mito de que acordo, para ter validade, só aquele celebrado perante o juiz.

Subsidiariamente a essa cultura tem a resistência do advogado ao acordo, em função

também do corporativismo institucional oriundo da representação da entidade de classe. A

falta de informação, também somado à necessidade da lide, contribui para que prevaleça o

litígio em detrimento a solução prévia do mesmo.

O movimento, que tem sua gênese na década de 70, se propagando

mundialmente com o nome de Access-to-justice Movement, ratifica e consolida o Florence 81 MEIRELLES, Delton R.S. Meios alternativos de resolução de conflitos: justiça coexistencial ou eficiência administrativa? Disponível em www.revistaprocessual.com em 15/02/2009.

Project, que tinha como coordenadores Mauro Cappelletti e Bryant Garth82. O projeto pode

ser considerado como o marco temporal para a efetivação desses novos mecanismos

considerados alternativos à solução das lides.

Dessa forma, pode-se afirmar que o surgimento desses novos instrumentos

processuais tem como pano de fundo a questão do acesso à justiça.

Os novos instrumentos de solução de conflitos fazem parte da terceira onda

renovatória, movimento defendido por Cappelletti. Formam as denominadas “ondas

renovatórias”, a assistência judiciária, os direitos coletivos e os instrumentos alternativos de

solução de conflitos. Esses, tanto dentro do processo jurisdicional, como flexibilização dos

procedimentos ou enxugamento das vias recursais; ou fora da jurisdição como os

mecanismos alternativos de solução de conflitos.

Nos anos 80 começa o interesse de pesquisadores brasileiros por este tema,

concomitantemente à realidade pós-ditadura militar em que se começa a pleitear direitos de

minorias e grupos até então marginalizados e discriminados. É bem verdade que no

contexto brasileiro o acesso à justiça pugnava mais pela expansão para a toda a população

de direitos considerados evidentes e básicos, que por aqui, em função do contexto político,

não existiam.

Em virtude desse contexto, surgem então algumas possibilidades de resolver

os conflitos de maneira alternativa, ou seja, deixa o Estado de ser o único capaz de

solucionar os litígios.

2.2 – MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

FORA DA JURISDIÇÃO COMO MEIO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL

Taxada a origem e evolução histórica dos mecanismos alternativos de

solução de conflitos, passa-se neste momento a delineá-los, especificando aqueles que

interessam para efeito desse estudo, quais sejam, os praticados fora da jurisdição.

82 CAPPELLETTI, Mauro, GARTH Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleeth. Porto Alegre. 1988.

Os mecanismos alternativos de solução de conflito nascem visando antecipar

a tendência de crise que se instala no Poder Judiciário em virtude de vários fatores, mas

principalmente em virtude da “judicialização” dos conflitos inerente a uma sociedade que

se organiza e se torna mais complexa. A diversificação das relações sociais, onde as

pessoas passam a contratar mais em virtude da globalização da evolução tecnológica

aumenta a demanda de litígios que invariavelmente sobrecarrega o Poder Judiciário,

forçando-o a lançar mão de mecanismos que não os costumeiramente adotados. Novas

relações sociais, consequentemente novos direitos nascem, juntamente com as pretensões

dos indivíduos.

Bobbio83 ao traçar a evolução dos direitos na sociedade relata que esses

evoluem e multiplicam tanto no plano teórico quanto prático. Aduz o autor84: Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titulares de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo. É supérfluo notar que, entre esses três processos, existem relações de interdependência: o reconhecimento de novos direitos de (onde “de” indica o sujeito) implica quase sempre o aumento de direitos a (onde “a” indica objeto). Ainda mais supérfluo é observar, o que importa para nossos fins, que todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam, de modo cada vez mais evidente e explícito, a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado.

A isto se somam a tendência contemporânea de constitucionalização e

efetivação dos direitos fundamentais e, nesse sentido, da Constituição Federal emerge o

princípio fundamental do acesso à justiça. A partir do momento em que, em função da

proeminente crise do Judiciário, bem como da tendência de colocar em primeiro plano o

efetivo acesso à justiça, novas normas processuais são criadas e ritos processuais alterados

fazendo com que nascesse um Processo Civil contemporâneo tentando diminuir as barreiras

que impedem os indivíduos de verem seus pleitos satisfeitos.

Inicialmente esses instrumentos alternativos aos já consagrados nas normas

processuais são implantados dentro da jurisdição, ou seja, nas demandas devidamente

instauradas no seio do Poder Judicante. Assim, os mecanismos de solução de conflito

83 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 68. 84 Ibid. Op.cit. p. 68

podem ser implementados dentro do judiciário ou fora deste. Mesmo sendo o presente

trabalho acerca dos praticados fora da jurisdição, cabe fazer menção àqueles para efeito

taxonômico.

A composição do conflito pode se dar por meio da autocomposição, da auto-

tutela e pelo Poder Judiciário.

Na autocomposição, conforme Barbosa85, a solução se dá de forma altruísta.

Ambas as partes cedem, ou seja, tanto aquele que ocasionou o conflito quanto o que deve

ter o dano reparado. Há o uso do bom senso. De maneira unilateral, uma das partes tem que

abrir mão daquilo que entende ser o seu direito, para que do outro lado exista o mesmo

comportamento, tornando-se as concessões recíprocas.

A autocomposição pode ser através da renúncia ao direito por uma das

partes, ou seja, o possuidor de algum direito dele se desinteressa. Pode ser a

autocomposição através da aceitação ou do reconhecimento do direito alheio. A transação,

em um sentido estrito, também é uma forma de autocomposição, sendo nessa as partes

cedem de maneira recíproca.

No caso da autotutela ou autodefesa, aquela que detinha o monopólio da

força impunha a sua vontade sobre o mais fraco86. Essa força se dá tanto do ponto de vista

material, como maior possessão de bens ou valores ou quanto do ponto de vista da força

corporal ou militar. Esse tipo de solução de conflito, atualmente quase não é mais praticado

tendo em vista a consolidação dos Estados de Direito, onde todos os que querem ver os

seus direitos tutelados devem fazê-lo através da norma previamente positivada. O Estado

assume o monopólio de aplicar as diferentes formas e modalidades de coerção. Nesse

diapasão expõe Cintra87: O extraordinário fortalecimento do Estado, ao qual se aliou a consciência da sua essencial função pacificadora, conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano a ao longo dos séculos, à afirmação da quase absoluta exclusividade estatal no exercício dela. A autotutela é definida como crise, seja quando praticada pelo particular (exercício arbitrário das próprias razões, art. 345 do CP”), seja pelo próprio Estado (exercício arbitrário ou abuso de poder, art. 350). A própria autocomposição, que nada tem de anti-social, não vinha sendo particularmente estimulada pelo Estado.

85 BARBOSA, Hugo Leonardo Penna. O Judiciário como opção e não como regra. Texto não publicado. Material cedido pelo professor orientador. p. 3,4 86 BARBOSA. Op. cit. p. 4. 87 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo,; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1996.

Em raras exceções pode se valer da autotutela no Estado Democrático de

Direito. Para efeito de exemplificação cita-se a legítima defesa, disposta no Art. 160 do

Código Civil Brasileiro de 1916. Outro exemplo de autotutela na solução de conflitos se dá

no âmbito coletivo, no Direito do Trabalho que é o exercício da greve. Nesse caso, porém,

a greve raramente completa o seu ciclo autotutelar, funcionando mais como uma forma de

pressão, na tentativa de conseguir resultados mais favoráveis88.

Finalmente, a jurisdição que é a atuação do Poder Judiciário enquanto

responsável pela solução dos litígios. A jurisdição é uma forma de heterocomposição de

conflitos já que há a intervenção de um terceiro. Na heterocomposição há sempre a

submissão do conflito a um terceiro para que este busque a solução. No decorrer deste

trabalho a jurisdição será automaticamente definida bem como traçando questões acerca de

suas vantagens e desvantagens.

Os mecanismos de solução de conflitos, diferentes daqueles tradicionais

regidos pelas regras processuais, podem propiciar que a prestação jurisdicional pelo Estado

se dê de maneira mais eficiente e efetiva. No momento em que as partes de um litígio se

conciliam ou negociam, o Poder Judiciário poderá direcionar seus esforços para solucionar

com sucesso as causas que realmente demandem a necessidade de sua intervenção.

Cappelletti89 ao propor uma nova concepção de acesso à justiça dividiu em

três os obstáculos a serem transpostos para consecução dessa empreitada. Aqui cabe

ressaltar o que autor aduz ao introduzir o tema90: Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito socialmente básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas a questão é saber até onde avançar no objetivo utópico e a que custo em outras palavras, quantos dos obstáculos ao acesso à justiça podem e devem ser atacados.

Para identificar e atacar tais obstáculos enumerados acima pelo autor, o

mesmo propõe que três tarefas sejam realizadas. O autor as denomina de “ondas

88 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2004. p. 1443. 89 CAPPELLETTI, op. cit. 90 Ibid.Op. cit. p. 15.

renovatórias”91. A primeira passaria pela questão da assistência judiciária, ou seja, a

gratuidade da justiça para aqueles que não têm como arcar com as custas de um processo92.

O segundo obstáculo seria a representação dos direitos difusos e coletivos

que necessitaria de intervenção governamental.

E, finalmente, a terceira onda, que aborda um novo enfoque de acesso à

justiça, imaginando no que seriam os métodos alternativos para decidir causas judiciais93.

Como alhures mencionado, a solução do conflito pode se dar dentro ou fora

da jurisdição. E na jurisdição, com o processo devidamente iniciado começa-se a implantar

novos mecanismos no sentido de induzir o fim da demanda ou fazer com a sentença

proferida pelo magistrado fosse mais célere. Nesse sentido fala-se em novos instrumentos

de resolução de conflitos dentro da jurisdição, ou mecanismos alternativos de solução de

conflitos híbridos.

No rol dos primeiros estão o Art. 331 do Código de Processo civil94; a Lei

9.099/90 (Lei dos juizados especiais cíveis e criminais), os Termos de Ajustamento de

Condutas, entre outros.

Os métodos de resolução de conflitos fora da jurisdição ou os mecanismos

alternativos de solução de conflitos puros têm como característica principal o fato de que a

demanda é resolvida antes de se chegar ao Poder Judiciário95. A conciliação, a mediação e

a arbitragem constituem esses três mecanismos, que ao tentar solucionar as disputas o faz

sem o envolvimento do poder judiciário. Tem como maior virtude o fato de serem

privados, de tal sorte que se implantados e realizados com sucesso implicam em uma

demanda a menos no Poder Judiciário.

Esses mecanismos, em fase de implementação em alguns países e já

amplamente aplicada em outros, têm demonstrado inúmeras vantagens. Em que pese os 91 Ibid. Op. cit p. 31. 92 Os obstáculos referidos pelo autor são nesse momento citados apenas no intuito de situar o contexto dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, visto que serão amplamente abordados quando for ser tratada a questão do acesso à justiça. 93 CAPPELLETTI, op. cit. p. 81. 94 Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7-5-2002) 95 Fica a ressalva para o caso principalmente da arbitragem, já que mesmo com a demanda transigida, a parte pode recorrer ao Poder Judiciário para fazer o acordo. Tal polêmica será tratada quando abordada a natureza jurídica da Arbitragem.

posicionamentos contrários, há de ser ressaltado que em muitas situações tem evitado que o

número de demandas aumente desproporcionalmente nos tribunais.

Evitar o aumento do número de demandas no Poder Judiciário é uma das

finalidades desses mecanismos. Mas, além dessa vantagem é possível vislumbrar outras

que podem ser acarretadas caso se aplique a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Principalmente no tocante à demora de determinadas demandas, que poderiam e podem ser

resolvidas se valendo do acordo, de uma maneira geral. A demora no transcurso de uma

ação no poder judiciário é uma das causas da não consecução da justiça no seu sentido mais

amplo, como será comentado oportunamente. Em artigo recente, Nascimento96 traz à

colação dados impressionantes onde em pesquisa realizada pelo Banco Mundial colocam o

Brasil como a 30º justiça mais lenta do mundo, fator, que no entendimento desse organismo

impede o crescimento do país97. No ranking de duração do processo para a cobrança de uma dívida, o tempo exigido por nossos tribunais é de 380 dias; na Holanda, o prazo é de 39 dias; na Nova Zelândia e Cingapura, 50; no Japão, 60; na Coreia do Sul, 75, e no Haiti, 76 dias. As razões dessa demora processual devem-se ao excessivo número de processos, à insuficiência de magistrados, serventuários e estrutura física da Justiça, ao excesso de formalismo da legislação processual e aos vários recursos às instâncias de julgamentos superiores. Dessa forma, são necessárias soluções para minimizar o acúmulo de processos nos tribunais; reduzir os custos da demora do trâmite do processo; incrementar a participação da comunidade na resolução de conflitos; facilitar o acesso à Justiça, e fornecer à sociedade uma forma mais efetiva de resolução de disputas.

Mais do que esses dados que através de pesquisa foram comprovados

cientificamente, tem o descrédito das pessoas com o judiciário. O Judiciário brasileiro,

ainda que muitas vezes eficiente, em virtude da dedicação de seus operadores, não

consegue transmitir essa idéia aos jurisdicionados. Mas, na mesma proporção que o

indivíduo descrê do Poder Judiciário, este tem em mente que ainda assim é o único que

seria capaz de resolver o conflito. Por diversos outros fatores, mas principalmente por não

acreditar na capacidade que têm para solucionar a lide empenhando em superar os

obstáculos pessoais, o indivíduo tem arraigado em si a tradicional idéia de que somente o

Estado é capaz de lhe prover a solução para o embate. A isto acrescenta a falta de

percepção para que seja observado o quanto é inviável do ponto de vista financeiro a

96 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Brasil e os meios alternativos de solução de conflitos. Jornal Agora. Disponível em http://pagina-um.blogspot.com/2009/02/brasil. Acesso em 08/03/2009. 97 Ibid. p. 01.

demanda judicial perante os mecanismos alternativos, como a mediação ou arbitragem.

Sobre esse aspecto é importante que seja observados interessantes dados cotejando os

custos empenhados em um processo no judiciário com os custos empregados nos meios

alternativos de solução de conflito como a arbitragem e a mediação, levantados pelo

Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC98.

O IBGC é o que, segundo os dados levantados na Justiça Comum, tem os

seguintes investimentos: valor da causa, oficial de justiça, advogados, periciais, recursos de

apelação e pagamento de custas recursais99. Na arbitragem os investimentos são: custos da

câmara, taxas e registros da administração, honorários dos árbitros e advogados e perícias,

se necessário100. E na Mediação, têm-se os custos da câmara, se institucional, honorários do

mediador e honorários dos advogados101.

Outro dado interessante publicado pelo referido instituto é um diagnóstico

do Poder Judiciário levando em conta tempo e dinheiro gasto para se executar uma dívida

ou um contrato. Tem-se assim que 546 dias é o tempo que se leva para recuperar um bem

que não foi pago102. Ainda, 6l% dos juizes brasileiros consideram mais importante atender

às necessidades sociais, do que respeitar as regras de um contrato103. E finalmente informa

o levantamento que R$37.500,00 é o custo médio para recuperar o crédito não pago de

R$50.000,00, ou seja, gasta 75% do bem para recuperá-lo104.

Através deste interessante levantamento nota-se a diferença de custos que os

mecanismos alternativos de solução de conflitos podem propiciar, no caso, a arbitragem e a

mediação105.

98 www.ibgc.org.br/Download.aspx?Ref=Eventos&CodArquivo=135. Dados extraídos do site do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, publicados em slides por “Fachada Bonilha Acessória Jurídica e Mediação Empresarial”. Acessado em 19/03/2009. 99 Ibid. Op. cit. p. 10. 100 Ibid. Op. cit. p. 10. 101 Ibid. Op. cit. p. 10. 102 www.ibgc.org.br/Download.aspx?Ref=Eventos&CodArquivo=135. Dados extraídos do site do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, publicados em slides por “Fachada Bonilha Acessória Jurídica e Mediação Empresarial” que cita como fonte deste levantamento estudo feitos por Mckinsey Consultoria. Acessado em 19/03/2009. 103 Ibid. Op. cit. p. 5. 104 Ibid. Op. cit. p. 5. 105 É importante observar que os dados levam em conta, no caso da mediação, projeção tendo como base locais ou paises onde tem instalada a mediação, já que no Brasil ainda não houve a aprovação do projeto de lei que a institui.

Além de poder ajudar a resolver problemas como os mencionados acima,

tem o fator primordial que é a efetiva participação dos envolvidos na questão. Essa,

inclusive é uma das mais importantes virtudes dos referidos mecanismos. Na resolução dos

litígios via a forma tradicional, qual seja, a decisão proferida pelo juiz com a participação

dos advogados as partes muita vezes se sentem inibidas, retraídas e quase nunca explanam

o que efetivamente querem. Os seus sentimentos, desejos sempre esbarram nas questões

técnicas de conhecimento apenas dos procuradores que em certas situações não se

interessam pelo acordo em função, principalmente do que podem vir a auferir em forma de

honorários.

Ademais, os mecanismos de solução de conflitos não querem concorrer com

o Poder Judiciário no sentido de esvaziar ou enfraquecer a sua relevante função enquanto

poder estatal. Ao contrário, esses mecanismos subsidiários podem e serão importantes

aliados na pacificação dos conflitos individuais e coletivos.

O Poder Judiciário estará sempre à disposição dos indivíduos em qualquer

situação. A Constituição Federal de 1988 garantiu esse direito e o colocou em nível de

direito fundamental, funcionando como base para a consecução do Estado Democrático de

Direito. O que se pretende com as opções de solução de controvérsia aqui em debate, é que

o Judiciário tenha um aliado no sentido de filtrar determinadas demandas que não

necessitaria movimentar a custosa máquina estatal.

Em profícuo ensaio, Barbosa106 defende a tese de que o judiciário deve

funcionar como opção e não como regra. Para tanto, dispõe o autor107: Devemos buscar a solução dos conflitos na sua origem, na sua formação. Mais dois questionamentos podem complementar o rol anterior: o que tem sido feito para que os problemas sejam evitados? Podemos resolvê-los sem a intervenção do Estado? Determinados conflitos jamais serão pacificados pelo Judiciário, ainda que a decisão seja proferida pelo mais qualificado juiz de um Tribunal. Dependendo da natureza, o conflito permanecerá internamente com os envolvidos, sendo irrelevante a solução apresentada pelo magistrado, representante do Estado. Pense em um conflito de vizinhança ou um conflito de família. A decisão encontrada pelo juiz, ainda que seja cumprida pelo derrotado, nem sempre conseguirá pacificar as partes. É necessário buscar uma via alternativa, utilizando técnicas mais altruístas que estão presentes entre nós desde os períodos primitivos. As partes envolvidas no conflito devem ser aproximadas e o conflito deve ser analisado por profissionais comprometidos com a pacificação. O credor precisa saber o motivo que impediu o devedor de pagar o montante devido na data aprazada, a vítima do furto, precisa conhecer a realidade do punguista.

106 BARBOSA. Op. cit.p. 8,9 107 Ibid. Op.cit p. 15.

Assim, nota-se que os mecanismos ora em estudo têm como benesses, no

que se refere à pacificação social, o fato de levar em conta que os mesmos vão sempre à

gênese do litígio. Muitos sentimentos ligados à condição humana que passariam

despercebidos no judiciário podem ser considerados nos mecanismos alternativos para

solução de litígios. Isso talvez seja uma das causas que faz com que o judiciário não

consiga resolver determinados litígios. Preso ao tecnicismo e à norma, o julgador se sente

incapaz para levantar questões que envolva os sentimentos das partes.

2.2.1 – Conciliação

Em breve explanação, passa-se à exposição das características e da ideologia

dos mecanismos de solução de conflitos fora da jurisdição. Como o enfoque principal do

presente trabalho é o sentido que tais institutos podem e devem auxiliar no acesso à justiça,

tendo como corte paradigmático o pós-Positivismo, cuidar-se-á aqui de fazer ligeira

menção.

Em primeiro plano tratar-se-á da conciliação que, dos mecanismos aludidos,

há mais tempo tem sua aplicação no direito brasileiro. A conciliação, enquanto mecanismo

de solução de conflito autocompositivo busca o acordo, onde o conciliador interfere

esclarecendo às partes as suas vantagens, bem como as induzindo a pôr fim à demanda. A

principal característica da conciliação é o fato de que nela há o induzimento por parte do

conciliador na celebração do acordo. Este, além de mostrar as vantagens da composição,

vai trabalhar no sentido de por fim à demanda, oferecendo-se diretamente para isso.

Serpa108 conceitua a conciliação como sendo um mecanismo onde o

conciliador apaziguará as questões sem se preocupar com as qualidades das soluções. Pode

interferir, sugerir, levando em conta os conhecimentos acerca dos fatos e do mérito da

questão, bem como participar com aconselhamentos técnicos-jurídicos109.

A única forma de êxito na conciliação é a consecução da celebração do

acordo. Não ocorrendo este, não se considera o sucesso da empreitada daquele que tenta

108 SERPA, Maria de Nazareth. APUD, NOGUEIRA, Leandro Gadelha Dourado. Conciliação e Mediação no cardápio: as escolhas do legislador. Dissertação de mestrado não publicada. p. 02. 109 Ibid. Op. cit. p. 02

dar um fim à demanda. Na conciliação, a celebração do acordo é a única forma de se

considerar êxito. Já que o conciliador tem como finalidade a obtenção do acordo, este vai

trabalhar apenas no sentido de convencimento das partes sobre como fazer concessões

mútuas.

Delgado110 expõe acerca da conciliação:

A conciliação, por sua vez, é o método de solução de conflitos em que as partes agem na composição, mas dirigidas por um terceiro, destituído do poder decisório final, que se mantém com os próprios sujeitos originários da relação jurídica conflituosa. Contudo, a força condutora da dinâmica conciliatória por esse terceiro é real, muitas vezes conseguindo implementar resultado não imaginado ou querido, primitivamente, pelas partes.

A conciliação pode ser dentro ou fora da jurisdição, denominada a primeira

de judicial e a segunda de extrajudicial. Aquela, normalmente é feita por um órgão

constituído especificamente para isso, como no caso das Comissões de Conciliações

Prévias no Direito do Trabalho111. Essas comissões têm por finalidade evitar que

110 DELGADO. Op. cit. p. 1447. 111A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em 2000 instituiu as chamadas Comissões de Conciliações Prévias, conforme disposto no Art. 625, que se segue: Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. Parágrafo único. As Comissões referidas no caput deste artigo poderão ser constituídas por grupos de empresas ou ter caráter intersindical. Art. 625-B. A Comissão instituída no âmbito da empresa será composta de, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros, e observará as seguintes normas: I - a metade de seus membros será indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, fiscalizado pelo sindicato da categoria profissional; II - haverá na Comissão tantos suplentes quantos forem os representantes titulares; III - o mandato dos seus membros, titulares e suplentes, é de um ano, permitida uma recondução. § 1o É vedada a dispensa dos representantes dos empregados membros da Comissão de Conciliação Prévia, titulares e suplentes, até um ano após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave, nos termos da lei. § 2o O representante dos empregados desenvolverá seu trabalho normal na empresa, afastando-se de suas atividades apenas quando convocado para atuar como conciliador, sendo computado como tempo de trabalho efetivo o despendido nessa atividade. Art. 625-C. A Comissão instituída no âmbito do sindicato terá sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo. Art. 625-D.. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. § 1o A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados. § 2o Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista. § 3o Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição inicial da ação intentada perante a Justiça do Trabalho. § 4o Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.

determinados conflitos cheguem aos fóruns trabalhistas. Uma vez instituídas as comissões

dentro das categorias de trabalho, as partes não podem recorrer à Justiça do Trabalho sem

antes tentar a conciliação nessas instituições. Nesse sentido, as comissões tem o escopo das

principais formas alternativas de solução de conflito, que é primeiro esgotar as vias

resolutivas sem a presença do órgão julgador estatal.

A conciliação é uma das mais antigas formas de solução de conflito sem que

o um terceiro tenha que dizer quem tem o direito. No caso do Brasil, faz parte do

ordenamento jurídico desde a Constituição Imperial, conforme ensinamentos de Cintra112: Da conciliação já se falava a Constituição Imperial brasileira, exigindo que fosse tentada antes de todo processo, como requisito para a sua realização e julgamento de causa. O procedimento das reclamações trabalhistas inclui duas tentativas de conciliação (CLT, art. 847 e 850). O código de Processo civil atribui ao juiz o dever de a “qualquer tempo tentar conciliar as partes” (art. 125, inciso I) e em seu procedimento ordinário inclui-se uma audiência preliminar (ou audiência de conciliação), na qual o juiz, tratando-se de causas versando direitos disponíveis, tentará a solução conciliatória antes de definir os pontos controvertidos a serem provados. Tentará a conciliação, ainda, ao início da audiência de instrução e julgamento.

Outra forma de aplicação da conciliação de grande importância nos sistema

brasileiro se dá nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais em virtude da Lei 9.099/95. A

Lei inova em grande dimensão já que a ideologia de todos os atos praticados no rito por ela

estipulado induz, de maneira geral, a conciliação. Por esse procedimento foi instituído um

sistema conciliatório com a preparação de conciliadores leigos. Por exigir a obrigatoriedade

da conciliação, evidencia o caráter de simplificação do procedimento em detrimento ao

formalismo dos ritos processuais considerados óbice ao acesso à justiça. A conciliação, no

Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes. Parágrafo único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas. Art. 625-F. As Comissões de Conciliação Prévia têm prazo de dez dias para a realização da sessão de tentativa de conciliação a partir da provocação do interessado. Parágrafo único. Esgotado o prazo sem a realização da sessão, será fornecida, no último dia do prazo, a declaração a que se refere o § 2o do art. 625-D. Art. 625-G. O prazo prescricional será suspenso a partir da provocação da Comissão de Conciliação Prévia, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto no art. 625-F. Art. 625-H. Aplicam-se aos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista em funcionamento ou que vierem a ser criados, no que couber, as disposições previstas neste Título, desde que observados os princípios da paridade e da negociação coletiva na sua constituição." 112 CINTRA, Op. cit. p. 27,28.

rito da Lei 9.099/95 vem de forma expressa no Art. 2º113 que, visando as deformalizações

do processo deverá buscar sempre a conciliação114.

2.2.2 – Mediação

A mediação surge na Terceira Onda proposta por Mauro Cappelletti115, onde

ao autor pretende, através de estudos atacar as barreiras de acesso à justiça de maneira mais

eficaz. O intuito da mediação é fazer com que o acesso à justiça seja facilitado numa

perspectiva que vai além do simples direito de que todos têm de pleitear resoluções de

conflitos no Poder Judiciário. Nessa nova perspectiva Cappelletti propõe a medição como

meio para que todos, em igualdade de situação, possam ter seus conflitos de

relacionamentos sociais solucionados, com produção de resultados que sejam individual e

socialmente justo116.

Inicialmente cumpre apontar alguns conceitos de mediação. Do ponto de

vista técnico, a legislação ainda não tem aplicação no sistema jurídico brasileiro. Tramita

no Congresso o Projeto de Lei nº 4.827/2002117 de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, que

institui a medição. Como se observa na conceituação contida na lei, na aplicação da

mediação o mediador vai induzir as partes, mostrando-lhes os benefícios do não

prosseguimento da demanda, de maneira tal que as mesmas devem chegar a essa conclusão.

Essa talvez seja a característica básica da mediação, que a difere das demais formas de

solução de conflito aplicadas no sistema brasileiro, já que nas demais técnicas há sempre a

sugestão para que o acordo seja celebrado.

113 Art. 2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. 114 A Expressão “deformalização” foi empregada por Ada Pellegrini Grinover, na obra “Deformalização do processo e deformalização das controvérsias” RePro, v. 46, indicando uma necessidade de romper com o formalismo típico dos procedimentos do Judiciário brasileiro. 115CAPPELLETTI, op.cit. 116 Ibid. Op.cit. p. 8. 117 Segundo o Art. 2º do Projeto de Lei 4.827/02, mediação é atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhida ou aceito pelas partes interessadas, as escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual.

Para Barcellar118 a mediação constitui uma técnica que se destina a

aproximar pessoas interessadas na resolução de um conflito a induzi-las a encontrar, por

meio de uma conversa, soluções criativas com ganho para ambas as partes, mantendo entre

elas o relacionamento. Frisa-se na extração do conceito acima que o intuito na mediação é

incentivar as próprias partes a chegarem a um consenso para que as mesmas possam

perceber as vantagens disso. Como um terceiro alheio ao mérito da questão propiciará

meios para as partes solucionem o conflito, mister se faz que elas mesmas enxerguem os

pontos controvertidos, reinicie um diálogo ou uma comunicação para se beneficiarem dos

benefícios da composição para que seja restabelecida a paz. Mesmo que a situação

pontualmente não seja resolvida, porém as partes irão vislumbrar um futuro mais

promissor. Isso porque as próprias irão perceber e compreender, de maneira geral, as

causas do conflito, fazendo que as mesmas então possam administrá-lo.

Ainda em caráter de conceituação, Pinho119 traz a colação importante

informação: Nessa linha de raciocínio, entendemos a mediação, numa definição bastante singela, como o instrumento de solução de um conflito, por meio do qual os litigantes buscam o auxílio de um terceiro imparcial, e que seja detentor de sua confiança. Esse terceiro, como visto, não tem a missão de decidir (e nem a ele foi dada autorização para tanto); e é justamente isso que faz com que as partes procurem o mediador e exponham de forma mais sincera os seus problemas. Cabe ao mediador auxiliá-las na obtenção da solução consensual, fazendo com que elas enxerguem os obstáculos ao acordo e possam removê-los de forma consciente, como verdadeira manifestação de sua vontade e de sua intenção de compor o litígio como alternativa ao embate. Normalmente, ao fim de um procedimento exitoso de mediação, as partes compreendem que a manutenção do vínculo que as une é mais importante do que um problema circunstancial e, por vezes, temporário.

Por outro lado, é bom que se observe que a mediação é uma técnica voltada

para solução de determinados tipos de conflitos. Como mencionado alhures, a diversidade

das relações sociais consequentemente diversificou os conflitos socais. Isso faz com que

nasçam diferentes conflitos com as mais variadas características. Dessa forma, a medição é

uma forma de solucionar situações pendentes que envolvam principalmente relação entre

pessoas. Não é indicada para solução de conflitos que envolvam questões técnicas que não

118 BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados especiais – a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.174 119PINHO, Op. cit. p. 14.

os relacionamentos pessoais. Além disso, é mais indicada para relações cujo

relacionamento é duradouro120.

Assim, torna-se importante para o sucesso da mediação o interesse das

partes em dialogar no sentido de entrarem em um acordo. Dessa maneira, excetuando os

sujeitos dispostos no Art. 34121 do projeto de lei, qualquer outra pessoa poderá tentar, via

diálogo, compor uma demanda, observando para isso, alguns princípios.

A mediação é um processo que envolve basicamente o interesse da parte em

chegar a um acordo. Sem esse interesse ou uma voluntariedade, dificilmente a composição

do conflito se efetivará, já que a parte deverá ser sujeito do processo.

Nogueira122, ao traçar a evolução da condição humana nas evoluções do

conflito fala da importância de se valorizar a ação do indivíduo em função das diferenças

inerentes a ele. Assim é que o conflito é conseqüência das diferenças, de tal forma que

sempre existirá. Porém, o interesse em agir do próprio indivíduo é o elemento básico para o

sucesso da solução do conflito de forma que atenda o que as partes desejam, não apenas do

ponto vista material, mas no sentido de restabelecer e manter a convivência. Nesse sentido,

comenta o autor123:

A ação só é possível em razão das diferenças entre os homens, no âmbito de um mundo comum formado por uma diversidade de pontos de vista sobre os mesmos objetos. Nesse sentido, demanda a liberdade de agir, a possibilidade de estar entre pares sem que haja comandantes e comandados.

A ação não permite o controle pleno dos resultados dos negócios humanos, em vista da imprevisibilidade de suas conseqüências, mas permite a autodeterminação do agente, a sua autonomia. Disso já decorre uma satisfação. Nas palavras de Dante, citadas por Hannah Arendt, “assim é que todo agente, na medida em que age, sente prazer em agir; como tudo o que existe deseja sua própria existência e como, na ação, a existência do agente é, de certo modo, intensificada, resulta necessariamente o prazer”.

120 Ibid. p. 15 121 Art. 34. A mediação incidental será obrigatória no processo de conhecimento, salvo nos seguintes casos: I – Ação de interdição; II – quando for autora ou ré pessoa de direito público e a controvérsia versar sobre direitos indisponíveis; III – na falência, na recuperação judicial e na insolvência civil; IV no inventário e no arrolamento; V – Nas ações de imissão de posse, reivindicatória e de usucapião de bem imóvel; VI – na ação de retificação de registro público; VII – quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou pela arbitragem; VIII – na ação cautelar; IX – quando na mediação prévia, realizada na forma da seção anterior, tiver ocorrido sem acordo nos cento e oitenta dias anteriores ao ajuizamento da ação. 122 NOGUEIRA, Op.cit., p. 6. 123 Ibid. p. 7.

Diante do exposto fica clara a importância da participação dos co-

participantes da demanda. Mas, além de participarem, deve ser uma participação com ação,

com uma integração para que o conflito seja resolvido não apenas momentaneamente, mas

visando a convivência harmônica e futura. A mediação vai propiciar isso a partir do

momento que prepara o terreno para um discurso, o diálogo, consequentemente buscando a

ação124. Daí a importância do preparo do mediador para alcançar esse objetivo, pois se trata

de técnica de solução de conflito um pouco diferente das comumente aplicadas já que

envolve as partes a trabalharem com os mais diversos sentimentos como insegurança,

incerteza, descrédito, vingança, etc.125.

O projeto de lei da mediação126, pensando na importância da formação do

mediador, valorizando o preparo do mesmo para lidar com questões de relacionamento

pessoal, fala da importância de buscar auxílio de profissional de outra área de

conhecimento subjacente ao litígio, denominados de co-mediadores. Nesse sentido, talvez

fosse interessante que os mediadores fossem pedagogos, psicólogos ou assistentes sociais.

Nesse diapasão, o interesse e a voluntariedade das partes envolvidas no

conflito tornam-se imprescindíveis na solução do conflito. O mediador deve estar atento no

intuito de observar se as partes estão predispostas a negociarem, para, ao contrário

incentivá-las a isso. Por outro lado, não havendo interesse real das partes a resolverem a

demanda, ou se as mesmas voluntariamente não se dispuserem, não faz sentido a imposição

da mediação. É a mediação um instrumento onde o incentivo à tentativa de solução deve

estar associado à autonomia e à independência das partes, mostrando-lhes que o controle do

processo é de exclusividade delas.

124 Ibid. p. 8. 125 Neste sentido, serve de exemplo as técnicas ou formas de tentativa de conciliação aplicadas pelos julgadores nas demandas no Judiciário brasileiro. Ressalta as tentativas de conciliação muito comumente usadas pelos juizes nas causas trabalhistas. Os julgadores insistem no acordo até aonde podem, muitas vezes sem considerar o que ocorreu durante o a relação com vista no futuro. Fica em jogo apenas o valor pecuniário a ser recebido pelo demandante contrapondo com o valor pago pelo demandado. Assim, não é feito algo no sentido de, através dos acordos celebrados no presente, tendo por objetivo a melhoria das relações trabalhistas futuras. 126 Art. 16 É lícita a co-mediação quando, pela natureza ou pela complexidade do conflito, for recomendável a atuação conjunta do mediador com outro profissional especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio. § 1º A co-mediação será obrigatória nas controvérsias submetidas à mediação que versem sobre o estado da pessoa e Direito de Família, devendo dela necessariamente participar psiquiatra, psicólogo ou assistente social. § 2º A co-mediação, quando não for obrigatória, poderá ser requerida por qualquer dos interessados ou pelo mediador.

A mediação tem recebido da doutrina a classificação em mediação ativa e

mediação passiva. Na primeira, o mediador intervém incentivando as partes a conciliarem.

Assim, funciona o mediador como uma espécie de conciliador, apresentando sugestões e

propostas, tanto do ponto de vista do mérito quanto do ponto de vista técnico jurídico127.

Na mediação ativa o mediador atua como se fosse um conciliador, fazendo com que esse

tipo de mediação em muito se assemelhe à conciliação. No ordenamento jurídico pátrio a

mediação ativa já vem sendo praticada, inclusive já positivada. Trata-se dos artigos 331,

447 e 265 do Código de Processo Civil128.

A mediação, por sua vez, apresenta várias vantagens para a solução de litígio

em detrimento ao prosseguimento do litígio ou mesmo em relação a outras formas de

solução da lide. Uma das vantagens está relacionada com o fato das partes participarem

efetivamente do processo, ou seja, as partes não ficam inertes, mas agem buscando, elas

mesmas, os caminhos para vislumbrarem o acordo.

A ação por parte dos litigantes é a grande vantagem da aplicação da

mediação. No processo jurisdicional esse elemento praticamente não existe, não possuindo

as partes a liberalidade de demonstrarem o que querem expressando seus sentimentos.

Através da ação, as partes reatam um diálogo onde elas criam as próprias normas e regras

de acordo com os seus interesses, diferentemente do que ocorreria numa decisão deferida

no judiciário129. Na mediação, as partes têm autonomia para se portarem perante o

mediador que não está hierarquicamente acima delas, de forma que a reestruturação da

situação se dá em virtude apenas de seus esforços130.

127 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: A Redescoberta de um Velho Aliado na solução de Conflitos. In: Acesso a Justiça e Efetividade do Processo. Lumen Juris Editora. Rio de Janeiro. 2005. p. 112.

128 Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir..Art. 448. Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz mandará tomá-lo por termo.

Art. 449. O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de sentença.

Art. 265. Suspende-se o processo:

II – pela convenção das partes. 129 NOGUEIRA, op.cit. p., 11. 130 Ibid, op.cit., p. 12.

No que se refere ao comportamento das partes no processo da mediação,

Nogueira131 resume:

Assim, a mediação (passiva) tem a vantagem e o mérito de criar um foro de debate e ação entre as partes. Além disso, a mediação pode ser uma técnica eficiente de resolução de conflitos, ainda que esse não seja seu objetivo primário, uma vez que busca transformar as partes em negociadores confiantes de si e sensíveis às situações alheias. Com o tempo, espera-se que elas ganhem autonomia e passem a depender menos da providência estatal.

No mais, as partes têm a opção de optarem pela privacidade, já que incide

sobre a mediação a obrigação constitucional da publicidade dos atos já que os mesmos não

estão a acontecer no Poder Judiciário. Porém, nada impede que as mesmas abram mão de

tal prerrogativa. Da mesma forma, o procedimento da mediação é todo baseado na

informalidade dos atos, até mesmo para que as partes possam chegar a um consenso dentro

dos limites culturais de cada uma. Garantida essa informalidade, garantida estará a

flexibilidade do procedimento da mediação.

Finalmente há que ressaltar a diferença entre a mediação e a conciliação, já

que as técnicas, apesar de possuir características que se assemelham, podem propiciar

diferentes resultados. Pinho132, em três aspectos, aponta as diferenças entre a mediação e a

conciliação: quanto à finalidade, quanto ao método e quanto aos vínculos. Quanto à

finalidade, a mediação procura resolver os conflitos de forma abrangente, ou seja, em sua

totalidade. Já a conciliação solucionará o litígio apenas sobre aquilo que foi levantado pelas

partes.

Quanto ao método, o conciliador, intervindo mais, conduz o processo

induzindo as partes a celebrarem um acordo, ao contrário do mediador que toma postura

mais de observação daquilo que as partes estão colocando, intervindo apenas no sentido de

facilitar a comunicação entre elas133.

Finalmente, quanto aos vínculos tem-se que a conciliação é técnica que faz

parte do Poder Judiciário, movimentando para tanto juizes togados e leigos, com formação

especificamente para esse fim; ao passo que a mediação é atividade privada, não compondo

a estrutura do Poder Judiciário134.

131 Ibid, op.cit., p. 13. 132 PINHO, op. cit., p. 21 133 Ibid. op. cit., p. 21 134 Ibid. op. cit., p. 21.

2.2.3 Arbitragem

Alguns pontos serão abordados sobre este instituto que nos últimos anos tem

sido assunto corrente no meio doutrinário e jurisprudencial, tendo em vista a sua dimensão

moderna na tentativa de solucionar conflitos. Assim, em um primeiro momento será

comentado o universo jurídico do qual faz parte o instituto, qual seja, os mecanismos

alternativos de solução de conflitos. Neste momento também será feito um cotejo da

arbitragem com os demais mecanismos alternativos de solução de conflitos como a

conciliação e a mediação. Frisa-se, entretanto, que não se trata de estudo aprofundado da

Lei 9.307/96, muito menos comentário a esta, tendo em vista que o que se pretende é

analisar de forma crítica alguns aspectos da arbitragem como suas vantagens, natureza

jurídica e a questão de sua efetividade, como forma de fundamentação da presente

dissertação. Mas, faz-se necessário levantar, na Lei da Arbitragem, os pontos ou os

mecanismos dos quais se lança mão para que seja colocada em prática essa forma de

solucionar conflitos.

Da mesma forma, é importante fazer menção ao que seja a Convenção de

Arbitragem que contém a Cláusula Compromissória ou o compromisso Arbitral. O

conhecimento destes dois requisitos é fundamental para compreender como se dá

efetivamente a aplicação, nos contratos, da arbitragem.

A entrada em vigor da Lei 9.307 em 1996 imprime uma nova sistemática ao

instituto da arbitragem no universo jurídico brasileiro, antes regulado apenas pelo Código

de Processo Civil. O seu advento dissipa alguns vícios que contribuíam para o descrédito a

quem recorria ao referido instituto. Dentre outros, tem o fator histórico como muito bem

demonstra Júnior135: A justificativa histórica para fenômeno da ausência de efetiva utilização e conseqüente falta de tradição do instituto no Brasil pode ser apontada, principalmente como sendo os entraves criados pelas respectivas legislações, sempre hábeis a desencorajar o pretenso interessado em solucionar seus conflitos através da arbitragem, a ponto de fazê-lo terminar por escolher a burocrática, dispendiosa e lenta justiça estatizante.

Outros motivos concorriam e ainda concorrem para certo descrédito por

parte da população brasileira ao uso deste instituto jurídico que acompanha uma tendência

de modernização e privatização da resolução de conflitos intersociais. Porém, não se deve

135 JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ed. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999. p. 96.

omitir alusão à característica marcante no Brasil da dependência de recorrer ao Estado e

assim tê-lo como a única opção confiável para solucionar conflitos sociais. Este motivo

decorre basicamente, senão unicamente, por ser o Direito brasileiro um direito codificado,

ou seja, é o Estado quem dita, de maneira antecipada uma conduta a ser seguida por todos

na sociedade, sendo esse mesmo ser dotado de jurisdição que deverá dizer quem está

seguindo ou não esta conduta.

Desde a antiguidade clássica já existia a aplicação da arbitragem.

Obviamente se tratava de uma forma de arbitragem muito rudimentar. Alvim136 diz que: Quem se disponha a fazer uma busca sobre a origem da arbitragem, na sua forma mais primitiva, por certo não vai encontra-la, pois ela se perde nas dobra do tempo, mas, na sua forma mais civilizada, vai, sem dúvida, encontra-la em Roma, primeiro de forma exclusiva e, depois, convivendo com justiça estatal.

No regime monárquico os reis eram tidos ou se portavam como árbitros. Na

Idade Média já se desenvolvia a arbitragem, através dos clérigos que tinham como

inspiração o direito divino. A arbitragem era por equidade e desenvolvida pelo Chanceler

do Reino. Com o advento do Estado moderno, mais precisamente o Estado de Direito, essa

função é assumida pelo Juiz de Direito, mandatário do Poder Judicante do Estado.

Na atualidade a arbitragem já é muito aplicada em alguns países, caso dos

Estados Unidos em que recorrer ao árbitro para solução de litígios é prática constante,

culminando no surgimento de grandes instituições, ou grandes tribunais que disponibilizam

árbitros. Na Alemanha, já amplamente praticada nos dissídios coletivos. Da mesma

maneira, no Direito Internacional, visto que nos negócios entre nações ou entre empresas

transnacionais, a dificuldade de aplicação de legislação, tendo em vista o envolvimento de

diversos ordenamentos jurídicos, invoca a necessidade de uma figura neutra, daí recorrer-se

ao árbitro.

Os tribunais137 de justiça arbitral começaram a serem criados em virtude da

entrada em vigor da Lei 9.307 de 1996. Não vieram com intuito de concorrer com os

Tribunais Estatais, mas sim a estes somar na árdua missão de reverter o quadro de

morosidade, que por via de conseqüência contribui para o descrédito por que passa o

136 ALVIM, J. E. Carreira. Comentários à lei da arbitragem. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2007. p. 17. 137 Há posicionamentos doutrinários no sentido de que não poderia usar a expressão “Tribunal” para designação destas instituições onde se disponibiliza árbitros para a solução de litígios. Em sentido contrário Carlos Alberto Carmona.

Direito brasileiro. E em muito têm contribuído para o acesso à justiça, pois efetiva de

maneira célere e menos burocrática o direto do postulante, minimizando os efeitos

decorrentes da obrigação do postulado. Martins138, ao fazer uma análise do aniversário de

10 anos de surgimento da lei, discorre: O sucesso da arbitragem no Brasil se deve também em grande parte à posição dos juízes. O supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da lei. Por sua vez, o Tribunal superior de Justiça, facilitou a homologação das decisões arbitrais estrangeiras, aplicando, de imediato, a nova lei, admitindo a convenção de arbitragem tácita, definindo mais adequadamente a ordem pública e consagrando a arbitrabilidade dos conflitos nos quais uma das partes é sociedade de economia mista. Finalmente, os juizes de primeiras instâncias e os tribunais estaduais passaram a apreciar as decisões arbitrais com menor formalismo, só decretando a sua nulidade em raros casos de violação do direito de defesa ou de suspeição dos árbitros. O século XXI se caracteriza pela velocidade. Em virtude das novas tecnologias e da globalização, a solução de litígios não pode eternizar-se. É preciso, todavia, que as decisões dos conflitos não sejam tão somente rápidas, sendo imprescindível que também sejam eficientes e justas. Num mundo conturbado, com tribunais sobrecarregados, a arbitragem é a melhor alternativa para determinados casos, em que se pode obter soluções eficientes, justas e éticas. Eis o mérito da Lei 9.307/96.

Assim, verifica-se que os principais e possíveis entraves que poderiam

impedir a efetivação deste moderno instituto jurídico já foram superados. A

constitucionalidade da lei 9.307/96, que doutrinariamente ainda há posicionamento

contrário, já foi devidamente reconhecida por quem de direito compete, o STF139. Dessa

forma, o instituto da arbitragem, através dos seus tribunais, pode proporcionar grande

contribuição para a resolução de conflitos de natureza disponível, reduzindo e eliminando

prolongadas demandas judiciais que são verdadeiras barreiras para a consecução da

efetividade processual, importante princípio constitucional.

A arbitragem vem no mesmo sentido da conciliação e da mediação, atender

à grande demanda de conflitos gerados em função da diversificação das relações sociais.

Os estudos acerca do instituto da arbitragem estão concentrados,

principalmente, no plano doutrinário. Mesmo porque, para os padrões brasileiros, a sua

criação se deu num passado recente. No plano de sua aplicação podemos distinguir dois 138 MARTINS, Ives Gandra da Silva, Dez anos da Lei de Arbitragem. Disponível em: < www.jus2.uol.com.br/doutrina> Data de acesso: 18/12/2006. 139 A constitucionalidade da Lei 9.307/96, mesmo após o seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, ainda é motivo de vasta discussão doutrinária. Porém, para este estudo é irrelevante tal polêmica, já que o quer se quer aqui é verificar, in loco, a contribuição efetiva e prática, da eficiência dos tribunais de justiça arbitrários.

diferentes âmbitos. No primeiro, que podemos chamar de âmbito geral, é a aplicação da

arbitragem nos contratos internacionais, para o qual existe a Corte Internacional de

Arbitragem, entidade vinculada à Câmara de Comércio Internacional. Este, já mais

difundido e aplicado, tendo em vista a participação de outros países cuja tradição reconhece

há mais tempo a intervenção do árbitro na solução de conflitos.

No âmbito doméstico, implica em analisar a aplicação do referido instituto

na sociedade brasileira via os denominados Tribunais de Justiça Arbitral. Por ser uma das

formas de democratização do acesso à justiça, visto que desobriga as partes a estarem sob

égide do Estado, faz com que ele seja um dos mais importantes métodos alternativos de

solução de conflitos, culminando no mais efetivo Acesso à justiça e dando mais efetividade

ao processo.

O instituto da Arbitragem no Direito brasileiro, fundamentado pela Lei nº

9.307 de 23 de setembro de 1996, integra o rol das chamadas “formas alternativas de

Resolução de Conflitos” ou “meios alternativos de resolução de conflitos.”140

Conhecida como Lei Marco Maciel, por ser esse parlamentar o autor do

anteprojeto, pode ser considerada, guardando as devidas proporções, como uma forma de

“privatização” de funções que até então só cabiam ao Poder Judiciário.

Caracteriza a referida lei por proporcionar julgamentos com grande

flexibilidade processual e não serem públicos, características dos mecanismos alternativos

de solução de conflitos.

Pode ser definida como um procedimento consensual, no qual uma terceira

parte neutra, o árbitro, ouve os argumentos das outras duas sobre o litígio, considera as

evidências e emite uma decisão final. Essa decisão, por sua vez, tem valor de coisa julgada.

Segundo Silva141:

Derivado do Latim arbiter (juiz, louvado, jurado), embora por vezes tenha a mesma significação de arbitramento, é, na linguagem jurídica, especialmente empregado para significar o processo que se utiliza, a fim de se dar solução a litígio ou divergência, havida entre duas ou mais pessoas. quando a arbitragem ocorre entre pessoas de Direito Internacional, para a solução de litígios ou conflitos internacionais, a matéria é regulada pelas convenções anteriormente instituídas, ou pelas regras que forem admitidas no momento

140Deve-se ressaltar que as expressões são usadas por diversos doutrinadores. Dessa forma, no presente trabalho não se fará menção a este ou aquele no sentido de justificar a gênese da expressão. 141 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaib Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2006. p. 129.

de sua admissão. A arbitragem tanto pode ser obrigatória como facultativa. A maior inovação da Lei 9.307 é a equiparação entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, como forma de composição extrajudicial de litígios, cuja adoção exclui a causa do âmbito do processo jurisdicional.

Extrai-se do conceito acima que a parte será obrigada a constituir

procedimento arbitral em virtude da cláusula compromissória. Uma vez os signatários do

contrato instituírem a cláusula compromissória, só se instalará procedimento judicial

obrigando a parte omissa recorrer ao juízo arbitral.

A busca pelo aperfeiçoamento e efetivação do acesso a justiça é luta que

pode ser verificado no mundo todo. No Brasil, então, tornou-se questão de honra tendo em

vista a burocratização que aqui reina em todos os níveis estatais, mormente no judiciário.

A Arbitragem é assim descrita por Pinho142:

Na arbitragem, as partes maiores e capazes, divergindo sobre direito de cunho patrimonial, submetem o litígio ao terceiro (árbitro) que deverá, após regular procedimento, decidir o conflito, sendo tal a decisão impositiva. Há aqui a figura da substitutividade, eis que há a transferência do poder de decidir para o árbitro, que por sua vez é um juiz de fato e de direito.

Feita a conceituação da arbitragem, passa-se então a uma breve análise do

instituto, no sentido de demonstrar quais são suas vantagens, desvantagens e sua

contribuição para o acesso à justiça cotejando-a com as regras processuais civis

tradicionais. Nesse sentido, não custa frisar novamente que o referido instituto já vem

sendo analisado de forma crítica e dogmática, de maneira que, tirando algumas questões a

estas subjacentes, como inconstitucionalidade para alguns ou tentativa de privatização da

jurisdição estatal para outros, a arbitragem já tem sólida base doutrinária.

No plano doutrinário há posicionamento uníssono no sentido de considerar o

instituto da Arbitragem como grande evolução processual e modernização das formas de

acesso à justiça. Mas a aceitação social e sua aplicação tornam-se a grande questão desta

forma ou de qualquer outra, que vem como tentativa de modernizar as técnicas processuais

ou de maneira mais abrangente, facilitar o acesso à justiça, mormente frente ao disparate de

instrumentos protelatórios e impeditivos da eficácia processual. Neste sentido, vários

142 PINHO. Op. cit., p. 109

outros institutos jurídicos forma criados, mais ou menos na mesma época de criação do

instituto ora em estudo, que não teve grande aceitação social ou não trouxeram

efetivamente os resultados esperados no momento que antecedeu as suas criações. Foi

assim com as Comissões de Conciliações Prévias trabalhistas, instituídas pela Lei de nº

9.958 de 2000143.

A Arbitragem se assemelha à conciliação e à mediação no que tange à

ideologia, que é contribuir de maneira autônoma, já que não é necessária ou obrigatória a

busca pela jurisdição estatal para a consecução e resolução do litígio, funcionando como

uma forma paralela ou, como frisado alhures, uma privatização do processo.

Mas a dificuldade da aceitação pela sociedade brasileira das modernas

formas de resolução de conflitos encontra sustentação na tendência que aqui predomina de

confiar ou enxergar no Estado o único capaz de resolver os conflitos sociais. Essa tendência

é decorrente, dentre vários outros fatores, evidentemente, no sedimentado direito

codificado escrito, ou seja, legislado, que o Brasil herdou da tradição romana. Neste

diapasão, institutos jurídicos como a arbitragem e outros similares têm elevado índice de

aceitação nos países de tradição do direito costumeiro ou aqueles que já estão seguindo

essa tendência.

A arbitragem inova em vários aspectos, trazendo inúmeros benefícios no

sentido de resolver o litigo. Estes contrastam com o sistema judiciário brasileiro que,

infelizmente continua inoperante e arcaico, beneficiando pequena parcela social sem

conseguir atingir sua finalidade mor, a justiça. Com propriedade, Carvalho144 faz

comentário dessa situação nas palavras que se seguem:

Esse é o drama maior da Justiça: ter que ser justa, convencer os outros de que está sendo justa, mas fazê-lo de modo rápido, pois o bem justiça é essencial, é um tesouro, e temos de colocar esse tesouro dentro do tempo, pois de nada adiantam os tesouros que não podem ser usufruídos.

Nesse sentido a arbitragem consegue alcançar inúmeros benefícios, em

contraste com o sistema do Poder Judicante que ainda luta para se livrar de inúmeros

vícios, principalmente na seara processual. Sendo o excessivo número de formalidade um

143 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: História e Teoria Geral do Direito do Trabalho. 21 ed. Ed. Saraiva . São Paulo. 2006. 144 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinette Castanho de. Constituição, Medidas Cautelares e Ordem Pública. In: Acesso à Justiça e Efetividade do Processo. Lumen Iuris Editora. Rio de Janeiro. 2005. p. 222.

dos entraves da função jurisdicional estatal, a arbitragem traz como um de seus benefícios

exatamente o fato de conter menos formalismos.

Wald145 comentando sobre a busca de eficácia da arbitragem expõe:

A relativa rigidez das leis e a necessidade de maior flexibilidade no direito dos negócios encorajaram as partes a recorrerem à arbitragem, que pode aplicar o direito flexível, ao qual faz alusão o decano Jean Carbonier e da qual a empresa comercial do século XX necessita. E a arbitragem deve ser eficaz, ou seja, a decisão dos árbitros deve poder ser executada, sem dificuldade nem oposição, no mesmo oportuno, de tal forma que em caso de infração contratual as partes possam retornar imediatamente à situação anterior, ao status quo ante. Infelizmente, nem os juízes, nem os árbitros têm a capacidade de julgar em tempo real, ou seja, no exato momento em que as partes o solicitam. Assim, um arsenal de recursos em medidas provisórias é utilizada pelos juízes e árbitros, sob as mais diversas formas.

Santos146 enumera como vantagens da arbitragem os seguintes benefícios:

Experiência particular de quem soluciona a lide; Especialização dos árbitros. Ora, as partes ao recorrerem ao árbitro têm a possibilidade de direcionar a escolha para alguém especialista naquilo que é objeto da lide. Assim, diferentemente do Juiz de Direito que deve analisar e julgar todos as causas a ele apresentadas, a escolha do árbitro poderá ser voltada para alguém que é conhecedor profundamente apenas daquela matéria.

Não exposição do problema. É a possibilidade da confidencialidade. Já que as partes escolhem livremente aquele que elas querem que solucione o litígio, elas têm a prerrogativa de exigência da confidencialidade, ao contrário do Judiciário que, salvo em alguns casos, há obrigatoriedade constitucional da publicidade.

Das decisões não cabem recursos. Outra marcante vantagem da arbitragem frente à jurisdição tradicional. Daí porque a questão da arbitragem está intimamente ligada ao acesso à justiça. O número excessivo de possibilidade de recursos autorizados pela legislação processual converte em flagrante barreira de almejar a justiça no seu sentido mais amplo. Ao diminuir drasticamente a possibilidade de recursos, está-se invariavelmente elevando a possibilidade de conseguir com mais efetividade o acesso à justiça.

Constitucionalidade reconhecida. Essa questão advém do princípio constitucional do acesso ao Poder Judiciário. Em determinado momento a inconstitucionalidade da arbitragem foi aventada sob o argumento de que feriria o referido princípio. Neste trabalho não é pertinente esmiuçar essa questão, já que desvirtuaria o seu intuito. Porém, cabe ressaltar que o STF já entendeu ser constitucional a arbitragem, conforme já comentado anteriormente.

145 WALD, Arnold. A evolução do direito e a arbitragem. In LEMES, Selma Ferreira, CARMONA, Carlos Alberto, MARTINS, Pedro Batista (Coord.). São Paulo: Atlas, 2007. p. 456. 146 A presente fonte tem como autor o Professor Theóphilo de Azeredo Santos, em aula ministrada no Programa de Mestrado da Faculdade Estácio de Sá no Rio de Janeiro em maio de 2008.

Informalidade que gera rapidez e economia. As partes no procedimento arbitral deverão arcar com os honorários dos árbitros. Mas, frente às custas processuais e honorários advocatícios presentes em ação judicial, a despesa com os árbitros é mínima. Subsidiariamente tem a economia com informalidade dos atos e a rapidez na decisão.

Reconhecimento internacional. Esse reconhecimento dá à arbitragem dimensões universais, aspecto não presente na aplicação das legislações nacionais que se caracterizam por nuances próprias advindas de seus sistemas e ordenamento jurídicos.

Desta feita, notadamente tem-se um instituto jurídico que inserido no

ordenamento jurídico pátrio muito tem a contribuir para que efetivamente possa destravar o

emaranhado processual que impede a consecução do princípio constitucional do direito de

acesso à justiça, sob o prisma de que justiça é bem mais importante e mais amplo do que

possibilidade de recorrer-se ao Poder Judicante do Estado.

Polêmica maior é suscitada quando o assunto é a natureza jurídica do

instituto jurídico da arbitragem. Tem a arbitragem natureza jurídica contratual ou

jurisdicional? Os pontos de vistas divergem e aqui se tentará buscar as mais relevantes

posições a fim de enriquecer o debate. Antes de enveredar-se para os posicionamentos

acerca da natureza jurídica do instituto objeto do estudo, cabe frisar a crise por que passa as

dicotômicas classificações como Público/Privado, disponível/indisponível ou, como no

caso, contratual/jurisdicional. Essa crise tem conotação benéfica, pois lança mão de

questionamentos acerca daquilo que “é” sob o ponto de vista teórico, em detrimento ao que

está ocorrendo na prática. Assim, novos institutos jurídicos advindos de novas relações

sociais conclamam por alterar as tradicionais formas de classificação. Para ratificar esse

posicionamento é ilustrativo o pensamento de Gomes147:

O propósito de dar ao equilíbrio social sentido mais humano e moralizador conduziu a política legislativa para vigorosa limitação da autonomia privada. Dimanam as restrições, mais enérgica e ostensivamente, da direção estatal da economia, que se tornou corrente até nos países mais apegados ao liberalismo. Em conseqüência da política intervencionista, deixou de ser livre em vários contratos, a determinação do seu conteúdo ou de um de seus elementos típicos; em outros, perdeu uma das partes a liberdade de escolher a outra; certas pessoas são obrigadas a contratar; a formação de alguns contratos necessita da autorização ou da aprovação da autoridade administrativa, e assim por diante. Surgiram, em conseqüência, novas figuras jurídicas que excedem o modelo clássico do contrato, lhe alteram a configuração e impõem a necessidade de rever seu próprio conceito.

147 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. – 2ª ed. aum. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980. p. 6.

O instituto da arbitragem, carreado de uma nova dimensão no sentido de

atender a uma das mais antigas reivindicações sociais, a de decidir o conflito, encontra

dificuldade de subsumir-se nas tradicionais classificações. Isto porque no ordenamento

jurídico brasileiro sempre vigorou a idéia de que apenas o Estado detinha o poder ou a

função de julgar quem tem o direito. A partir do momento em que tal ofício é entregue a

um particular, o tradicional conceito de jurisdição se depara com um novo instituto que

nele não se encaixa perfeitamente.

Natureza jurídica implica em assinalar a essência ou atributos essências, do

ponto de vista do direito, daquilo que se quer nomear. Nos dizeres de Silva148:

Assim, a natureza se revela pelos requisitos ou atributos essenciais e que devem vir com a própria coisa. Eles se mostram, por isso, a razão de ser, seja do ato, do contrato ou do negócio. A natureza da coisa, pois, põe em evidência sua própria essência ou substância, que dela não se separa, sem que a modificação ou a mostre diferente ou sem os atributos, que são de seu caráter. É, portanto, a matéria de que se compões a própria coisa, ou que lhe é inerente ou congênita.

Dessa forma, a natureza jurídica ao ser revelada pelo que apresenta de

atributos essenciais ou requisitos, como mencionado pelo autor, passa a identificar

determinado instituto jurídico. Os atributos ou os requisitos da arbitragem dão a ela a

natureza jurídica contratual ou jurisdicional?

Diversos autores abordam a questão da natureza jurisdicional da arbitragem

para demonstrar de como é diverso e pluríssono seus entendimentos149:

Alexandre Câmara nega ao arbitramento caráter jurisdicional, entendendo que o árbitro, embora exerça função pública, não exerce atividade jurisdicional; a arbitragem é um processo, “não, porém um processo jurisdicional, pois a jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é um ente privado.”

José Cretella Neto, reportando-se a José Carlos de Magalhães, sustenta, como esse autor, que a arbitragem tem natureza mista, sui generis, contratual em seu fundamento, e jurisdicional na forma da solução dos litígios e nas conseqüências que provoca no mundo do Direito”.

Cândido Rogério Dinamarco considera a arbitragem como um “meio alternativo” para a solução de conflitos, processando-se “fora do âmbito do exercício do poder estatal pelo juiz”.

148 SILVA, De Plácido e. Op. cit. p. 944. 149 CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e Imperium. Medidas Cautelares e Antecipatórias. Civil Law e Common Law. Incompetência da Justiça Estatal. Revista dos Tribunais – Setembro de 2005 – 94º ano. p. 131.

Teori Zavascki nega peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional: “nem se poderia, mediante lei ordinária, igualar ato privado com ato de jurisdição, já que isso importaria rompimento do monopólio da função jurisdicional, que pertence ao Estado por força da constituição Federal (art. 5º, XXXV)” e, destarte, considera inapropriada a inclusão da sentença arbitral entre os títulos executivos judiciais”.

Como se observa, só na citação anterior três posicionamentos diferentes são

aventados sobre a classificação da natureza jurídica da arbitragem. Em sentido contrário

aos posicionamentos daqueles que a consideram como de natureza contratual ou

jurisdicional, ainda têm aqueles que dão a ela caráter misto.

Alvim150, ao comentar a Lei da Arbitragem, expõe o pensamento da doutrina

estrangeira quanto á tentativa de classificação da atuação dos árbitros quanto a sua natureza

jurídica.

Não é pacífica nem na doutrina estrangeira a natureza jurídica da arbitragem e da função arbitral, ou se exercem ou não os árbitros função verdadeiramente jurisdicional. Na Itália, o clássico Mortara via na arbitragem a natureza jurisdicional, ao sustentar que os árbitros são investidos de jurisdição, pelo que a lei lhes concede o cumprimento de ato de soberania; Carnelutti vacilou ao tratar da natureza jurídica da arbitragem. Depois de situá-la em seu sistema, no terreno processual, estimando que ela não devia ser incluída entre os equivalentes processuais, veio a considerá-la, em suas Instituições, como um equivalente do processo ou um sub-rogado processual. Calamandrei tece encômios à doutrina que, em vez de considerar os árbitros como encarregados de funções jurisdicionais, considera-os como substitutivos da jurisdição ou equivalentes do processo, ou meios de defesa extrajudicial, mas prefere, ele próprio, considera-los como verdadeiros auxiliares da justiça, que desenvolvem a sua atividade sobre controvérsias pertencentes à jurisdição do Estado e sobre os quais os órgãos jurisdicionais continuam sendo competentes no momento essencial da jurisdição, que é o mandato.

Através destes posicionamentos pode-se enriquecer o debate acerca da

questão da natureza jurídica da arbitragem. Como são diversos os posicionamentos, através

de variadas manifestações, nota-se a questão polêmica anteriormente relevada. Porém, não

o fato de ser diversos os entendimentos que tira o mérito deste novo instituto jurídico

enquanto um meio de solucionar os conflitos oriundos principalmente de contratos ou

negócios disponíveis. Mesmo por que, além da polêmica da natureza jurídica, outras ainda

existem ou estão por vir, como a questão da disponibilidade/indisponibilidade, não 150 ALVIM, Op.cit., p. 42,43.

considerada neste trabalho. O fato é que as classificações dogmáticas positivistas carecem

de um realinhamento para se adequarem à realidade atual, qual seja, novos fatos sociais

demandando novos institutos jurídicos.

Diante do exposto e defendido nestas breves linhas em que se pretendeu

traçar a evolução e aplicação da arbitragem como mecanismo alternativo de solução de

conflito, nota-se que o referido instituto tem, e ainda terá, um longo caminho a ser

percorrido até ser consolidado no ordenamento jurídico pátrio. Outros pontos ou questões

ainda carecem de discussão aprofundada para ser aparadas as arestas que ainda embaraçam

a aplicabilidade da arbitragem no direito brasileiro e quiçá no direito alienígena.

Mas em que pese à característica marcante que impera no Direito brasileiro,

ou seja, o descrédito com novos institutos jurídicos como os conciliatórios, a arbitragem

tem sido objeto de muitos estudos e mais do que isso, tem tido aceitação pela população

como meio de solução de conflitos. Desta forma, nota-se o surgimento de considerável

número de Tribunais de Justiça de Arbitragem, disponibilizando à sociedade solução

alternativa de resolução de conflitos. É evidente que muitos destes têm sua ideologia

desvirtuada, ou seja, ao que deveriam funcionar como mecanismos de solução de conflitos

na sociedade, têm servido a um sem número de aproveitadores. Essa, porém, não é a

questão, mesmo porque nas instituições oficiais e já consagradas também encontramos os

mesmos tipos, sem que deixem de prestar essenciais serviços à sociedade.

Destarte, o que se vislumbra é a efetivação de um mecanismo que poderá e

deverá, em muito, contribuir para auxiliar na solução daquele que é o maior desafio do

direito na atualidade: acesso efetivo à justiça.

2.3 MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

NO DIREITO COMPARADO

Os mecanismos alternativos de solução de conflitos, apesar de recentes, se

comparados à forma tradicional, a jurisdição, já são amplamente difundidos e aplicados em

alguns países. Porém, para uma melhor fundamentação da aplicação desses processos em

alguns Estados Nacionais, é importante cotejar os sistemas jurídicos basilares no mundo

ocidental.

A globalização trouxe consigo a universalização das relações sociais

fazendo surgir, por conseguinte, novas relações jurídicas. As transações comerciais e

contratuais extrapolam as fronteiras das nações se tornando verdadeiras relações

supranacionais. Muito embora a globalização seja diversificada, atingindo as mais diversas

conjunções pessoais ou comerciais, o mesmo não ocorre no âmbito do direito. Ou seja, não

nasce um sistema jurídico universal que atenda a essas novas demandas. Continua a

prevalecer os sistemas normativos de cada Estado Nacional.

Os conflitos de interesses oriundos dessa diversificação fazem com que as

partes envolvidas vão ficando desamparadas do ponto de vista normativo, em função da

divergência legislativa. A aplicação das regras processuais e materiais, bem como os

princípios advindos dos diferentes sistemas jurídicos não atendem aos interesses de todas

as partes envolvidas.

Diante desse quadro, formas alternativas de solucionar conflitos começam a

ser aplicadas tendo em vista que estas se adaptam aos mais diversificados sistemas

jurídicos. Como a maioria das relações entre nações são transações do ponto de vista

comercial, ou seja, direitos disponíveis, a aplicação dos mecanismos alternativos de

solução de conflitos funciona como forma viável para dirimir possíveis demandas.

Os sistemas de direitos dominantes no universo do direito ocidental são os

denominados de Common Law e o Civil Law. Aquele, cuja gênese está nos países de

origem anglo-saxônica, tem como fundamento a jurisprudência. As decisões pretéritas são

basilares paras solucionarem litígios futuros, prevalecendo o posicionamento dos tribunais

sobre a lei.

Já nos sistemas do Civil Law há a predominância da lei sobre as decisões dos

tribunais. Os tribunais, ao decidirem, pautarão pela lei como fundamento para

sentenciarem. Esse é o sistema adotado pela maioria dos países, principalmente os de

origem latina. É o caso do Brasil, que tem um número excessivo de leis.

Porém, em virtude da já citada globalização, as nações têm perdido o

tradicional conceito de soberania, já que assumem obrigações através de acordos, tratados

ou convenções, aumentando o grau de interdependência. E com a concretização do Estado

Democrático de Direito, os valores contidos nas Constituições passam a indicar a aplicação

do direito, de tal sorte que passa a sobressair principalmente o respeito mútuo, valorizando

a interação jurídica, econômica e cultural.

Mas, inerente que é aos seres humanos e às instituições, os conflitos não

deixam de existir. E assim, as formas de solucioná-los vão moldando essa nova realidade,

fazendo com que as nações passem a aplicar mecanismos que não os tradicionais para

poder dirimir os conflitos.

De maneira geral, os mecanismos alternativos de solução de conflitos são

aplicados em vários países nas formas em estudo. Nesse sentido, discorre Reis151: No Canadá as Alternative dispute Resolution (ADR) crescem de forma impressionante das seguintes formas: a) Rules of Civil Procedure (ocorre nos países da Common Law) visa incentiv ar as partes a ngociarem o resultado do processo. “se o autor ou réu faz proposta, recusada pela outra parte, esta é punida (com aumento das custas) caso o resultado do processo não se iguale ou supere à proposta, e como conseqüência o acordo se tornou comum. b) mediação judicial na audiência preliminar (que estão se tronando regra no Common Law)com tentativa de intermediar um acordo sendo feita por juiz deiverso do julgador. C) mediação familiar – que podem ser voluntárias ou obrigatórias com mediadores judiciais ou particulares. D) remessa obrigatória a mediação. E) “Tribunal Privado” (arbitragem) com advogados experientes e juizes aposentados. Em Ontário tem lei arbitral que reforça o efeito das cláusulas arbitrais e limita o reexame judicial. F) aumento judicial de 1000 para 6000 do limite de competência por valor dos juizados de pequenas causas, especialmente em Ontário. Nos Estados Unidos o acesso à justiça não é um “direito social”, mas um “problema social” e solução foi retirar dos tribunais boa quantidade de litígios, e então as Alternative Dispute Resolutions passaram a ser tão importantes que se tornaram objeto de cursos em faculdades de Direito e a possibilidade de arbitragem existem em quase todo tribunal. O tribunal remete ao árbitro, devendo as partes ser submissa compulsoriamente ao árbitro, no entanto a decisão arbitral pode ser impugnada, mas há sanção de condenação de custas caso o reexame em juízo seja infrutífero. Destaca-se ainda, que a American Bar Association possui sessões e comissões especiais para a promoção das ADRs.

Na França existe os “Conciliateurs”, que são pessoas leigas, indicadas pelo

presidente do tribunal com a função de descobrir a possibilidade de acordo. Além dos

“Conciliateurs”, há os “Mediateurs”, que, como auxiliar do juiz, têm a função de incentivar

as partes a desistirem da demanda, mostrando-lhes as vantagens de chegarem a uma

solução de maneira amigável152.

A adoção dos mecanismos alternativos de solução de conflitos tem aplicação

diferenciada nos diversos países. Isso se dá, principalmente, em função da ideologia dos

sistemas jurídicos adotados. Nos Estados Unidos, por ser um sistema jurídico típico do

Common Law, ou seja, sobressai a atuação do julgador face a criação da lei, tem-se muito a 151REIS, Suelen Agum. Meios alternativos de solução de conflitos. Disponível em bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/18287/2. Acessado em 24/03/2009. p. 152 REIS, Op. cit. p. 18.

aplicação da arbitragem. Conforme Júnior153, nos Estados Unidos há aplicação da

arbitragem em todos os estados e a lei estadual não pode limitar o cumprimento de cláusula

arbitral. Nesse sistema, não há diferença entre a cláusula arbitral ou o compromisso

arbitral, sendo que os contratantes convencionam por escrito o desejo de recorre-se ao

árbitro em caso de desacordo no cumprimento contratual154.

Pode ser observado também, que o poder conferido ao árbitro é mais

ampliado do que ocorre com a legislação pátria. Os árbitros podem adotar medidas que

visem melhor esclarecimento acerca do proferimento da decisão. No mesmo sentido, a

sentença arbitral tem força de coisa julgada155.

Na Argentina, a arbitragem é aplicada em função de disposição no código de

Processo Civil. De acordo com essa disposição, as causas passíveis de transação podem ser

aplicadas à arbitragem156.

Cappelletti157, de forma resumida, aponta o uso do juízo arbitral em alguns

países: Na França, por exemplo, desde 1971 as partes tem a opção de encaminhar causas a um juiz para que proceda como “árbitro amigável”. Da mesma forma, em 1971, um programa experimental de juízo arbitral voluntário, na Califórnia, propunha-se a reduzir custos através da utilização de advogados voluntários, não remunerados como árbitros. Esse sistema foi tão bem sucedido em reduzir custos tanto para as partes como para o Estado, que foi substituído em meados de 1976 por um sistema formal de arbitramento compulsório, disponível por requisição do demandante. Dadas as delongas e despesas frequentemente características dos litígios, essas alternativas podem reduzir barreiras de custas para as partes e, pela utilização de julgadores mais ativos e informais, beneficiar, substancialmente as partes mais fracas. Vantagens semelhantes têm sido obtidas com a remessa automática ao juízo arbitral, como é praticada na cidade da Filadélfia, Estado da Pensilvânia.

A mediação é uma forma de resolução de conflito muito aplicada em

diversos paises, principalmente nas ações que versam sobre o Direito de Família, conforme

Vilela158.

153 JÚNIOR, Op. cit. 154 Ibid. Op. cit. 155 Ibid. Op. cit. 156 Ibid. Op. cit. 157 CAPPELLETTI. Op. cit. 82,83. 158 VILELA, Sandra Regina. Meios alternativos de solução de conflito – arbitragem, mediação e conciliação. Disponível em: www.pailegal.net/mediation.asp?rvTextoId. Acessado em: 19/07/2009. p. 10.

Na Austrália, existe um órgão especializado em aplicar formas alternativas

de solução de conflitos, denominado NADRAC (Conselho Consultivo Nacional de Solução

Alternativa de Disputa). Tem a função de estudar e divulgar a implementação dos meios

alternativos de solução de conflito, principalmente aqueles voltados em litígios de família.

O mesmo se deu na França, que em 2001 editou legislação sobre a mediação familiar,

tornando-se bastante difundida nesse país159.

Em Buenos Aires, a aplicação da mediação se dá por imposição da Ley

Nacional 24.573, de 04 de outubro de 1995. A lei impõe o uso da mediação em diversas

matérias, inclusive penal, conforme o art. 2º160:

ARTICULO 2° — El procedimiento de la mediación obligatoria no será de aplicación en los siguientes supuestos: 1. — Causas penales. 2. — Acciones de separación personal y divorcio, nulidad de matrimonio, filiación y patria potestad, con excepción de las cuestiones patrimoniales derivadas de éstas. El juez deberá dividir los procesos, derivando la parte patrimonial al mediador. 3. — Procesos de declaración de incapacidad y de rehabilitación. 4. — Causas en que el Estado Nacional o sus entidades descentralizadas sean parte. 5. — Amparo, hábeas corpus e interdictos. 6. — Medidas cautelares hasta que se decidan las mismas, agotándose respecto de ellas las instancias recursivas ordinarias, continuando luego el trámite de la mediación. 7. — Diligencias preliminares y prueba anticipada. 8. — Juicios sucesorios y voluntarios. 9. — Concursos preventivos y quiebras. 10. — Causas que tramiten ante la Justicia Nacional del Trabajo.

Como se observa, o artigo 2º da Lei 24.573 elenca um rol extenso de

situações que devem ser aplicadas tanto à mediação quanto à conciliação. Conforme

informação de Nogueira161, observou-se que nos quatro primeiros anos da vigência da lei,

apenas 4% dos casos foram submetidos à mediação, quando esta foi facultativa.

Segundo Cappelletti162, outro sistema jurídico que tem interessante forma de

aplicação e é usualmente aplicada à conciliação é o japonês. O sistema é composto por uma

159 Ibid. Op. cit. p. 10 160Lei Nacional da Argentina nº 24.573. Mediacion y Conciliacion Disponível em: www.puntoprofesional.com/P/MEDIACION/LEY_24573. Acessado em 20 de julho de 2009. 161 NOGUEIRA. Op. cit. p. 20 162 CAPPELLETTI, Op. cit. p. 84.

corte de conciliação, integrada por dois membros leigos e por um juiz. As próprias partes

podem requerer a conciliação ou ela pode ser remetida por um juiz de direito.

Ainda sobre a aplicação da mediação no Direito Comparado, relata

Cappelletti163:

Muitos paises ocidentais, em particular a França e os Estados Unidos, estão comprovando a veracidade da instituição dos relatores japoneses. A experiência dos Estados unidos, em 1978, com os centros de justiça de vizinhanças em conexão com os tribunais populares constitui um exemplo importante da renovada atenção dada A conciliação, e a nova instituição francesa do conciliador local já passou do nível experimental. A experiência começou em fevereiro de 1977, em quatro departamentos franceses e, em fins de março de 1978, foi estendida a todos os 95 departamentos franceses.

Na França, observa-se então a dimensão dada aos conciliadores, tendo

inclusive escritórios nas prefeituras e possuindo mandato amplo, gozando de muito

prestígio. Os conciliadores têm, inclusive, a função de aconselhar e informar aos cidadãos

acerca dos seus direitos e obrigações, existindo muita procura por estes serviços164.

Extrai-se das breves linhas que a aplicação dos mecanismos alternativos de

solução de conflitos já se encontra bem difundido nos mais importantes e tradicionais

sistemas jurídicos. E alguns países já somam séculos de existência, comprovando ser

instrumentos passíveis de apresentar eficácia. Sistema jurídico como o brasileiro que, por

possuir dimensão temporal recente, tem a oportunidade de espelhar-se naqueles que em

longa data faz uso destas importantes formas de apaziguar a sociedade, servindo de alicerce

para concretização do verdadeiro ideal de justiça, fundamento da democracia.

163 Ibid. Op. Cit. p. 85. 164 Ibid. Op. cit. p. 85.

CAPÍTULO 3

A CONSECUÇÃO DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA POR

INTERMÉDIO DOS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE

CONFLITO

3.1 CONCEITO DE PRINCÍPIOS

Visando uma melhor introdução ao tema em estudo neste item, mister é

delinear uma definição do que sejam os princípios, notadamente no que se refere ao estudo

jurídico. Apesar de muito ampla e abstrata a conceituação de pronto, pode-se frisar,

principalmente para efeito do presente estudo, o caráter geral que tem os princípios, bem

como a função de prescrever direitos num plano acima do objetivo.

Os princípios são característicos de todas as ciências, servindo como

alicerce orientador e basilar destas. Das ciências, os princípios são as normas elementares,

os requisitos primordiais, funcionando como a base ou alicerce para a existência de uma

determinada ciência165. Filosoficamente, significa proposições diretora e dogmática da

ciência, de tal maneira que toda essa ciência tem de estar fundamentada naquilo contido no

princípio. Ao funcionarem como dogmas, não carecem de comprovação.

Do ponto de vista jurídico, não difere muito do que já anteriormente fora

conceituado. Porém, para efeito de enriquecimento do tema, a seguir algumas definições.

Silva166 assim discorre sobre os princípios no direito:

E, assim, os princípios revelam o conjunto de regras e preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas.

E nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos das ciências jurídicas, onde

165 Silva, Op. cit. p. 1052. 166 Ibid, Op. cit. p. 1052.

se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio direito.

Ainda sobre os Princípios jurídicos, comenta Gomes167:

Os princípios gerais do direito poderiam ser cogitados como uma de suas fontes formais, se definidos como a cristalização, em que termos abstratos, do conjunto de preceitos normativos do ordenamento legal. Noutra significação, sua exposição não interessa na sede desta matéria, mas, sim, na temática da interpretação da lei, por isso que servem para preencher lacunas e ajudam a determinação do alcance e do verdadeiro sentido da lei. Não se deduza de sua função na analogia júris que se convertam em fonte formal do direito. no equívoco de confundirem as causas originárias do direito objetivo com a aplicação subsidiária de outras manifestações de caráter normativo, como o costume, ou de técnicas de complementação, como a analogia, incidem jusnaturalistas ansiosos para emprestar vaidade e eficácia ao direito natural.

Finalmente, é importante observar os ensinamentos de Cavalieri168:

O Direito brasileiro atual, principalmente a partir da constituição de 1988, voltou a dar ênfase aos valores, o que tem conseguido alcançar por meio da consagração de princípios. Princípios são valores éticos, morais e sociais aprendidos pelo legislador e que, consagrados em um preceito, passam a ser instrumentos de interpretação de outros preceitos, enquanto normas são regras de comportamento que estabelece como deve ou não deve ser a conduta e as conseqüências que daí de correm. Regras oferecem soluções, enquanto que os princípios oferecem paradigmas, critérios para se encontrar a solução para o caso concreto.

Como se observa das definições acima, os princípios têm função basilar em

qualquer sistema jurídico. Uma regra, uma vez erigida ao status de princípio, dominará

todas as ações dela decorrente. Notadamente, os princípios têm tido atualmente uma nova

dimensão no direito. Mais do que exortar, informar e dogmatizar, os sistemas jurídicos têm

status de regras, no sentido de que direcionam a aplicação do direito, funcionando muitas

vezes como lei no seu sentido amplo.

Ainda em sede de conceituação, é importante a hierarquização dos

princípios em cotejo com normas. Tradicionalmente leis em sentido amplo, ou seja, as

167 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro. Estácio Ensino Superior/Companhia Editora Forense, 2008. p. 331. 168 CAVALIERE, Sergio Filho. Programa de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: forense, 2004. p. 60,61.

normas jurídicas constituem gênero do qual fazem parte as regras e os princípios. Neste

sentido, aduz Barroso169:

Tal distinção tem especial relevância no tocante às normas constitucionais. O reconhecimento da distinção qualitativa entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essências do pensamento jurídico contemporâneo. Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fontes secundárias e subsidiárias do direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá, irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do direito.

Os princípios, enquanto espécie do gênero norma, é uma das grandes

contribuições dessa moderna maneira de interpretação constitucional. Essa interpretação

busca a consolidação do Estado Democrático de Direito, alicerce das constituições cuja

gênese se dá no século XX, principalmente após a segunda grande guerra. A nova forma de

interpretação e aplicação constitucional ganha epíteto de Neoconstitucionalismo.

Os princípios sempre deram ensejo à discussão, do ponto de vista de serem

ou não fontes do direito. Nos tradicionais manuais de Teoria do Direito sempre foram

tratados como meros instrumentos de integração do direito, ou seja, serviam para suprirem

as lacunas da lei. Na legislação civil pátria, expressamente assumem essa função na lei de

introdução ao Código Civil Brasileiro.170 Nesse sentido, restringem os princípios à sua

dimensão lógica, funcionando como “verdades fundantes” de um sistema ou de uma

ciência, já que foram devidamente comprovados171.

Hodiernamente, os princípios ganharam status de enunciações normativas,

de valor muito além dos tradicionalmente já mencionados. Isso fez que, em alguns deles,

principalmente os constitucionais, o legislador lhes conferisse força de lei. E enquanto

princípios em força cogente, constituindo um direito prévio e exterior à lei172.

169 BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 203. 170 Art. 4º da Lei de Introdução ao Código civil postula que “quando a norma jurídica for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. 171 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 303. 172 Ibid, Op. cit. p. 305.

3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: BREVE INTRÓITO E SUAS

FUNÇÕES

Uma vez conceituado de modo geral os princípios, cumpre, em breve linhas,

abordá-los sob a ótica do Direito Constitucional, delineando as suas funções. A Teoria

constitucional contemporânea tem dado uma nova dimensão aos princípios oriundos das

Constituições. A compreensão da ideologia das modernas constituições está intimamente

ligada ao estudo dos princípios que delas emergem. Tanto do ponto de vista histórico,

político e ideológico. Os princípios, de um modo geral, fornecem ao estudioso o

fundamento e a essência do ordenamento jurídico.

Mas, na aplicação dos modernos ordenamentos jurídicos, cumpre aos

princípios o importante papel que é a sua normatividade. Mais do que nunca, os mais

diversos ramos do direito têm abusado da força normativa dos princípios.

Emerge da Constituição do Brasil de 1988, principalmente no título “Dos

Direitos e Garantias Fundamentais”, vários princípios que cada vez mais tem orientado a

aplicação do direito. A atual supervalorização da interpretação constitucional,

principalmente se tratando da constituição pátria, potencializou a aplicação dos princípios,

dando aos mesmos o caráter de norma. Nesse diapasão, os princípios fundamentais

contidos na Constituição se revestem, além das tradicionais funções informadora e

supletiva da ausência legal, as funções positivadora e vinculativa do direito.

Se os princípios gerais do direito têm caráter normativo, o mesmo se dá com

os princípios constitucionais. O fato de possuírem essa característica, porém, não lhes

privam de outras.

Os princípios constitucionais ganham a atual dimensão e notoriedade, com o

advento do pós-Positivismo173. Começam a ser valorizados, passando a ter essa grande

importância jurídica fruto de uma nova onda de valorização de direitos abstratos ligados a

uma ampla valorização do ser humano na sua totalidade e plenitude. Valores como

dignidade, respeito à integridade física, abuso de poder e discriminação, que não eram

respeitados por alguns estados nacionais, induzem o aparecimento desses princípios como

173 No capítulo seguinte deste trabalho será desenvolvida a questão do surgimento e evolução do pós-positivismo, delineando a evolução histórica e sua fundamentação.

forma de garantir que esses direitos sejam observados na sua totalidade, visando à sua

garantia futura.

Em breves linhas, Barroso174 assim comenta:

As normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade, aptas a tutelar direta e indiretamente todas as situações que contemplam. Mais do que isso, a constituição passa a ser a lente através da qual se lêem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais. A Lei Fundamental e seus princípios deram novo sentido e alcance ao direito civil, ao direito processual, ao direito penal - enfim, a todos os demais ramos jurídicos. A efetividade da Constituição é a base sobre a qual se desenvolveu, no Brasil, a nova interpretação constitucional.

Os princípios, enquanto orientadores de direitos fundamentais petrificados

nas constituições são carregados de valores, onde a ética e a moral passam a ser

norteadores das condutas que os mais variados ramos do direito têm que estar atentos. O

mesmo incide sobre as ações praticadas por instituições públicas, principalmente os órgãos

administrativos, bem como os da administração privada. Assim, o alcance dos princípios

constitucionais, notadamente aqueles que têm características fundamentais, ensejam não

apenas um sentido, exato ou formal, como é característico das regras.

O sentido de aplicação objetivo das regras é característico do Positivismo

jurídico, cujo grande precursor foi Kelsen175. As regras, que têm também um importante

papel a cumprir, carecem de sentido valorativo ético, sendo de interpretação uníssona. A

aplicação se dá via subsunção já que por trazer consigo sentido único e objetivo, aplicam-se

a todas as situações reais de incidência conforme o disposto nas regras. A função do

intérprete resume-se num trabalho mecânico de uma atividade de simples revelação do

conteúdo preexistente contido na norma, sem usar a criatividade176. O sentido de aplicação

dos princípios constitucionais fundamentais é, senão outro, como atesta Barroso177:

A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de ta proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura

174 BARROSO, Luis Roberto, BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Artigo publicado na revista Interesse Público. 19/51-80. 2003. p. 273. 175 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 176 BARROSO, Op. cit. p. 275. 2003 177 BARROSO, Op. cit. p. 275.

dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas a produção de solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido.

Por serem constitucionais, sendo, portanto o fundamento de validade do

ordenamento jurídico, as situações advindas da realidade serão orientadas e norteadas pela

ideologia contida no princípio. A regulamentação dessas novas situações, fruto da

acelerada miríade de relações sociais, estará sempre orientada pelos valores contidos nos

princípios. Assim, além de orientar positivamente a regulamentação da nova relação, o

princípio, por outro lado funciona como freio, especificando o que não deve ser feito, tendo

em vista não poder contrariar o seu norte. Esse limite pode ser aplicado no momento de

atuação de julgador, assim como impedir o legislador de criar norma que o contrarie.

Do exposto, observa-se importante função dos princípios constitucionais,

que são a fundamentação dos sistemas jurídicos, como observa Bonavides178. Como não

estão isoladas, os princípios atuam como vínculos para todas as relações jurídicas, sendo o

“berço” para as instituições jurídicas.179 A realidade social, assim como o conteúdo das

normas jurídicas, passam a ter validade diante da ideologia contida nos princípios

constitucionais.

Neto180, ao discorrer sobre as funções dos princípios alerta:

Entendemos que “princípio” tanto pode se converter em norma jurídica como em valor normativo. Melhor explicando: os princípios de interpretação da constituição podem ser incorporados ao sistema de direito positivo pelo legislador constituinte originário ou pelo corpo legislativo ordinário, quando, no particular passam a assumir feição de norma jurídica”

178BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. Em apêndice texto da Constituição Federal de 1988, com as Emendas Constitucionais até a de n. 44, de 30.6.2004 e das Leis 9.868, de 10.11.1999 e 9.882, de 3.12.1999. 179 Ibid. Op. cit. 180 NETO, SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. Edição atualizada até a EC 52/2006. p. 105.

O autor cita como exemplo a Lei nº 9.868/99, um exemplo de interpretação

constitucional consubstanciado em norma jurídica181. E finaliza com os seguintes

dizeres182:

Princípio, repita-se, tanto é susceptível de adotar uma compostura de norma jurídica – nomeadamente ao figurar como objeto positivado no ordenamento -, como, ao receber um influxo axiológico da Ciência do Direito, se transforma em valor normativo, cuja aceitação e autoridade estão na razão direta de sua conexidade lógica com o sistema do direito positivo, não se podendo presumir “inteligência dos textos positivos contrária aos princípios científicos. Os princípios de interpretação constitucional despontam na condição de revelantíssimos vetores interpretativos toda vez que surgir uma situação de dúvida acerca do sentido da norma; e, portanto, o correto manejo por parte do intérprete será eficaz instrumento de solução da controvérsia.

Hodiernamente observa-se, sobremaneira, a preocupação em evitar que as

normas infraconstitucionais venham a ferir os princípios que fluem da constituição. Os

juristas e operadores do direito em geral têm dedicado imensuráveis esforços no sentido de

observar possíveis desvios nas leis, jurisprudências e atos da administração que possam vir

a contrariar indicações fundamentais oriundas dos princípios que a constituição irradia.

Essa preocupação faz sentido, já que fundamentos da constituição, transformados em

princípios, são por vezes implícitos, necessitando de profundo delineamento por serem

munidos de alta carga valorativa.

Decisões tomadas por operadores do Estado, que num primeiro momento

eram apenas políticas, passam a ser monitoradas pelos tribunais atentos aos valores que

emergem da constituição enquanto fundamento principiológico. A função fundamentadora

do Estado, que exerce os princípios constitucionais atualmente, levou o Supremo Tribunal

Federal, através de voto prolatado em julgamento pelo Ministro Celso de Melo, a colocá-

los como valores imprescindíveis para o equilíbrio do sistema republicano183.

Com essas breves linhas, faz-se um apanhado, de forma bem geral, sobre os

princípios constitucionais e, principalmente, as suas funções. O que se pode observar dos

pontos de vista anotados é que essa nova forma de interpretação constitucional, que 181 Ibid, Op.cit. p. 106. 182 NETO, Op. cit. p. 109,110. 183 MELLO, Celso. Em julgamento proferido na Pet 1458/CE na data de 26/02/1998, o Ministro Celso de Melo afirmou: “o respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores - que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos - introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder".

efetivamente é moda entre os especialistas no assunto, chegou para ficar. E, como também

se observa é imprescindível para a interpretação e aplicação do Direito Constitucional,

sobretudo por valorizar as cláusulas fundamentadoras do estado, fazendo que este seja

efetivamente Democrático de Direito. Além das cláusulas fundamentais expressas, a nova

interpretação principiológica da constituição abstrai na sua “ante-sala”, valores basilares

para consolidação de uma sociedade justa e igualitária.

Contudo, faz-se uma ressalva, com base nos escritos de Virgílio Afonso da

Silva 184, de que essa nova interpretação da constituição não poderá ser confundida com a

interpretação jurídica em geral. Da mesma forma, deve continuar a ter espaço,

principalmente sob a ótica da constituição brasileira, uma discussão de base, indo além da

discussão metodológica, no sentido de valorizar também o conteúdo. O autor, ressalva

ainda, que não faz alusão ou manifestação pela volta aos métodos clássicos de interpretação

constitucional. Mas que, a busca desenfreada pelo abandono da forma clássica de

interpretação pode trazer mais prejuízo do que benefícios185.

Diante desse breve estudo acerca dessa nova forma de interpretação

constitucional, frisando a função dos princípios constitucionais, passa-se ao comento

especificamente do princípio do Acesso à Justiça.

3.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

A evidente valorização das normas constitucionais, principalmente aquelas

em forma de princípios, é o eixo central do Neoconstitucionalismo, ressaltando a força

normativa da Constituição. Tendo por base essa orientação norteadora, neste tópico

discorrerá sobre o princípio do acesso à justiça.

Não se pode então, olvidar que na constituição estão normas que são direitos

fundamentais, podendo vir insculpidas em forma de princípios, devendo prevalecer sobre

184 SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. Virgílio Afonso da silva (organizador). São Paulo: Malheiros Editora. p. 141 185 SILVA.Op. Cit. p. 141.

as infraconstitucionais, e que necessitam que todo o aparato jurídico esteja a postos no

sentido de sua efetivação.

A expressão Acesso à Justiça ganha dimensão de princípio no momento em

que se começa a questionar a ação do Poder Judiciário na consecução daquela que é a sua

função precípua, qual seja, oferecer prestação jurisdicional ampla e efetiva num

determinado espaço de tempo razoável. Diante dessa séria dificuldade, estudiosos e

aplicadores do direito começam a questionar a atuação do Poder Judicante, tendo como

fundamento para tanto o não cumprimento do disposto no Art. 5º, inciso XXXV da

Constituição Federal que assim assevera: “A lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça de direito”186.

Aliado à manifestações de cunho universal no sentido de democratização do

judiciário, juntamente como o movimento de acesso à justiça proposto pó Cappelletti187, o

acesso à justiça ganha dimensão de Direito Fundamental, revertendo-se em importante

princípio constitucional. Com esse novo dimensionamento, a sua interpretação deixa de ser

apenas direito de poder recorrer ao Judiciário para ganhar conotação mais ampla e profunda

que é acesso à justiça em todos os níveis.

Assim, pode se afirmar que o epíteto “acesso à justiça” vai além de acesso

ao judiciário, conforme objetivamente disposto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição. E

neste sentido, talvez seja melhor dizer que o princípio do acesso à justiça seja mais amplo

do que o princípio do acesso ao judiciário. Isto porque aquele pressupõe a possibilidade de

efetivação de um direito fundamental que para a sua consecução necessita que vários outros

princípios constitucionais expressos sejam realizados. O acesso á justiça amplo, conforme

direito fundamental amplo, efetiva direitos humanizo como civis, políticos, cidadania e

sociais. Nesse sentido, Pinho188 aduz:

A acessibilidade significa a existência de sujeitos de direito, capazes de estar em juízo, sem obstáculos de qualquer natureza, utilizando adequadamente o instrumental jurídico e possibilitando a efetivação de direitos individuais e coletivos.

Isso de dá através do direito à informação, da garantia de uma legitimidade adequada e da gratuidade da justiça para os necessitados.

186 BRASIL Op. cit. p. 153 187 CAPPELLETTI, Op. cit. 188 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. 2ª edição ampliada, revista e atualizada até a Lei nº 11.694, de junho de 2008. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora. 2009. p. 14.

Da análise formal e objetiva do Art. 5º, XXXV da Constituição,

possivelmente não incluirá como passiveis de tutela os direitos coletivos. Esses, na

concepção ampla de acesso à justiça são direitos fundamentais que não devem ser

olvidados.

Para a efetiva consecução do princípio do acesso à justiça na sua mais ampla

acepção devem ser observadas outras garantias constitucionais. Dessa forma, a Emenda

Constitucional nº 45 inseriu no Art. 5º o inciso LXXVIII que “a todos, no âmbito

jurisdicional e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios

que garantam a celeridade de sua tramitação”189. Com essa garantia, considerada um

princípio expresso da Constituição, o constituinte procurou estabelecer condições para que

mais uma vez fosse efetivado o princípio amplo de acesso à justiça, assegurando

especificamente o princípio constitucional de ação. Com esse mandamento constitucional,

o judiciário além de receber e decidir a demanda deverá propiciar uma decisão justa na

mais ampla dimensão de justiça.

Da mesma maneira, dispõe a Constituição Federal em seu Art. 5º inciso

LXXIV190: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos”. Com esse mandamento, o constituinte procurou propiciar a

todos que não tiverem condições materiais, sem qualquer distinção, a possibilidade de

poder ter acesso ao judiciário sem gastos. Para tanto, no plano concreto foram criadas as

defensorias públicas que atendem aqueles que comprovarem insuficiência de recursos.

Nesse princípio é importante frisar a expressão jurídica e não judiciária. Isso implica que

mesmo sendo uma necessidade de apoio administrativo que vise necessidade jurídica,

deverá o Estado deverá prestar. No mesmo sentido, ressalta o inciso, que esta prestação

deverá ser integral, abrangendo as custas bem como honorários, certidões, alvarás, etc. Esse

princípio se dá, conforme Pinho191, “através da informação, da garantia de uma

legitimidade adequada e da gratuidade da justiça para os necessitados”.

Todas essas garantias expressam verdadeiros suportes para que a

consecução do princípio do acesso à justiça. Não é por menos que vieram em forma de

princípios expressos na Carta Magna. Porém, faz parte de um rol que juntamente com

dimensões axiológicas vão compor o princípio do acesso à justiça na sua plenitude, pois 189 BRASIL, Op. cit. p. 155. 190 BRASIL, Op.cit. p. 155. 191 PINHO, Op. cit. p. 14.

falar em justiça pressupõe equidade, moralidade, legitimidade e tantos outros valores

éticos. Assim, se porventura um líder de uma determinada comunidade, tendo por base a

cultura ou conhecimentos técnicos jurídicos ou ainda capacidade psicológica para solver

um litígio, por não ter havido a participação do judiciário não quer dizer, necessariamente

que a justiça não tenha sido feita. Da mesma maneira, o exercício de um cargo público por

um determinado político em que não foram observados valores como honestidade ou

dignidade, o acesso à justiça está sendo comprometido.

Para corroborar com essa dimensão que se dá ao princípio do acesso à

justiça, aduz Watanabe192:

A problemática do Acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça, enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do acesso à justiça traz a tona não apenas um programa de reforma como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti.

Nesse tópico, a concepção que se quis dar ao princípio do acesso à justiça,

sintetiza todas as garantias constitucionais, expressas ou não para a consecução, numa

acepção que extrapola a conotação jurídica, tendo por vezes uma dimensão filosófica, mais

precisamente axiológica e equânime. Abarca além das garantias do processo, tanto em

nível constitucional e infraconstitucional, as bases doutrinárias, jurisprudenciais e

administrativas. Pois é sendo um pilares da democracia que o acesso à justiça foi erigido ao

patamar de direito fundamental, imprescindível para o momento em muito se fala em

defesa de direitos humanos. Os sistemas jurídicos modernos só efetivarão o princípio se

pensarem em estender o leque de busca de solução para organizar ao máximo uma

sociedade cada vez mais plúrima e por conseqüência, mais passível de relações litigiosas.

Nesse diapasão, os mecanismos alternativos de solução de conflitos tornam-se alternativa

viável nessa empreitada, como se pretende demonstrar no tópico que se segue.

192 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais. 1988. p. 128.

3.4 OS MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE

CONFLITOS COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA

Tentado demonstrar, como se pretendia, a dimensão ampla que pode e deve

ser estendida ao princípio do acesso á justiça, passa-se a digressão de breves linhas acerca

dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, posto que no presente trabalho

defende-se a tese de que os mesmos muito tem a contribuir para a consecução daquele

princípio.

A conciliação, a mediação e a arbitragem são os mecanismos alternativos de

solução de conflitos fora da jurisdição que por meio de sua aplicação poderá dar uma nova

dimensão à forma tradicional de solucionar contenciosos. A implementação desses

mecanismos poderá auxiliar o Poder Judiciário na realização de justiça, obviamente

alargando o sentido de justiça, como defendido alhures.

A iniciativa de buscar soluções alternativas de auxílio ao judiciário tem

origem no pensamento de Mauro Cappelletti193 por meio das ondas renovatórias por ele

propostas. O formalismo inerente às ações do Poder Judiciário, fruto principalmente do

Positivismo jurídico em que se exige que se recorra impreterivelmente aos ditames

normativos, faz com que na maioria das vezes os verdadeiros sujeitos da demanda fiquem

num segundo plano. Assim, vivendo às turras com uma vasta gama de novos paradigmas e

problemas, gerando por sua vez as mais diversas relações, tanto de aproximação quanto de

afastamento, o Judiciário se depara com uma nova realidade social, tornando-se inoperante.

Dessa forma, incapaz de atender às esses novos tipos de conflitos, por estar preso às

amarras do formalismo legal, há a dissociação da teoria contida nas regras com a prática,

advinda das relações sociais, gerando por conseqüência, uma crise.

Os mecanismos alternativos de solução de conflito surgem então como uma

alternativa à essa realidade, à medida que ao expandir o significado de acesso à justiça

propiciam soluções idênticas àquelas almejadas pelo Poder Judicante. Esse, busca

incessantemente atender à sociedade que cada vez mais o provoca esperando ser atendida

no que entende por justiça.

193 CAPPELLETTI. Op.cit.

Falcão194, sobre a crise do judiciário e o sentimento de justiça perseguido

pela sociedade diz:

A atual crise do Poder Judiciário, entendida como um desequilibro entre a demanda da sociedade por justiça e a capacidade do judiciário de produzir decisões que coloque um fim, reconhecido como justo, aos conflitos que lhe são encaminhados.O que se pretende dizer é simples: todo indivíduo tem um “sentimento de justiça” e um “sentimento constitucional”. Esse sentimento é também uma demanda que precisa ser atendida. A sociedade necessita que o valor justiça estruture a convivência social. Por isto, em vez de ser apenas demanda pragmática é demanda simbólica também. Faces da mesma moeda. Cabe ao judiciário não só alocar e realocar bens na sociedade capitalista, mas concretizar, tornar visível o valor justiça, sem o qual dificilmente as sociedade sobrevivem a longo prazo. É a instituição especializada em transformar o ideal de justiça em experiência social.

Essa crise é crise da justiça é, pois, a incapacidade do Judiciário em pôr fim aos conflitos, bem como de concretizar valores. É crise ética e gerencial ao mesmo tempo.

A sociedade, em função do que traz consigo desde a sua gênese, como

padrões morais, éticos e religiosos, adota um parâmetro de justiça e espera que o Judiciário

se provocado possa suprir tal carência. Se o Poder Judiciário, atrelado ao formalismo legal,

não busca aproximar-se desse sentimento de justiça, invariavelmente cairá em descrédito. E

isso é que tem acontecido na maioria das vezes.

A finalidade da atuação dos órgãos do Poder Judiciário é a pacificação

social, ou seja, promover a justiça na medida em que procura solucionar conflitos entre as

pessoas, tornando a sociedade mais livre e justa. A partir do momento que os mecanismo

alternativos de solução de conflitos conseguem atuar nesse mesmo sentido, eles empenham

a mesma função do Poder Judiciário, de maneira que a finalidade de sua adoção e atuação

estaria justificada. O que se busca com a implementação da conciliação, a mediação e a

arbitragem é a paz social, a liberdade, a igualdade, a segurança e, de modo geral, a justiça.

São valores de cunho axiológicos que a jurisdição estatal sempre perseguiu através do

exercício formal da aplicação do cumprimento das leis e da sanção. Os mecanismos

alternativos têm como propiciar esses mesmos valores na medida em que estão mais

próximos da realidade social.

Não se esquece, por outro lado que a atuação do Poder Judiciário vai além

do que faz os mecanismos alternativos de solução de conflitos. A aplicação de sanções é

exclusividade do órgão jurisdicional estatal, não restando essa competência à conciliação, à

194 FALCÃO, Joaquim. O desequilíbrio entre a demanda da sociedade civil e oferta do poder judiciário. Disponível em: ww.bibliotecacidade.sp.gov.br/produtos/spp/v08n02_05pdf. Acessado em 26/03/2009. p. 01.

mediação ou à arbitragem. E, como já mencionado no momento em que se estudou cada

um desses mecanismos, a atuação deles fica restrita às situações dispostas em lei.

Mas mesmo com atuação restrita, não deixa de possuir mérito a atuação dos

equivalentes jurisdicionais. Isso porque uma mediação ou uma conciliação eficaz pode

evitar uma ação em que implicaria a atuação do Poder Judiciário na aplicação da sanção.

Isto incorreria no desafogamento do Judiciário, um dos grandes males que o assola.

As causas da inoperância do Judiciário brasileiro são as mais variadas

possíveis. O abarrotamento de processos que induz a morosidade é apenas uma delas e que

muito contribui para a lentidão da justiça, conforme já mencionado alhures nos dados

trazidos por Mascaro195. Não se quer, contudo, defender a tese de que os mecanismos

alternativos de solução de conflitos é o remédio para tal mal, ou seja, a implementação

desses mecanismos resolverá o problema da morosidade da justiça, pois diminuirá ou

acabará com a demanda processual. O Poder Judiciário tem como função precípua julgar e

determinados julgamentos é de sua exclusividade. Dessa forma, os mecanismos

alternativos de solução de conflitos não vem para tomar do Judiciário essa função. São,

esses instrumentos um método alternativo de contribuição para a consecução do ideal de

justiça que toda sociedade almeja. Pois da mesma maneira que determinadas demandas

requer exclusividade de julgamento pelo Poder Judiciário, outras, em virtude de sua

natureza, não necessitam de intervenção do Poder Estatal.

O acesso à justiça tem como pretensão, enquanto princípio constitucional,

dar uma nova dimensão de justiça, alargando o seu conceito que tradicionalmente esteve

preso às amarras legais e formais. Os mecanismos alternativos de solução de conflitos

podem atender à essa dimensão no momento em que, por meio de um processo

democrático as partes são autoras e participam substancialmente do desenrolar da demanda.

Esse é o sentido democrático que se pretende no princípio do acesso à justiça e que, em

determinadas situações o Poder Judiciário não tem atendido.

O exercício da jurisdição estatal procura atender a consecução do princípio

do acesso à justiça que tem como objetivo mediato consolidar direitos fundamentais como

liberdade, segurança, bem estar, etc. Por meio dos mecanismos alternativos de solução de

conflitos pode se chegar à concretização e consolidação desses direitos fundamentais,

funcionando como meios propiciadores e efetivadores do acesso à justiça. E por estarem

195 MASCARO, Sônia. Op. cit.

fora da jurisdição, esses mecanismos estão mais próximo ao que a sociedade vem tomando

como padrão de justiça. E mais, eles não são implementados de maneira geral, atendendo à

um dispositivo legal que possui essa característica. Eles estão no seio da sociedade, de

maneira que sua implementação poderá ser de acordo com cada caso, de maneira mais

informal. Vide o caso de uma conciliação ou uma mediação, por exemplo. Se versar sobre

demarcação de terra numa região em que ocorrem muitos conflitos deste tipo, observar-se-á

os costumes, a linguagem, de maneira que o mediador ou o conciliador deverá ser alguém

que é líder e que tem a confiança de todos na região.

O acesso à justiça pode vir através do aconselhamento jurídico, conforme

disposto no Art. 5º, inciso XXXV, onde o constituinte assegurou esse direito fundamental

ao mencionar a “Assistência Jurídica”.

Greco,196 sobre esse direito fundamental discorre:

Parece-me que o direito não estará concretamente assegurado se o Estado não oferecer a todo cidadão a possibilidade de receber aconselhamento jurídico a respeito dos seus direitos. A Constituição de 88, no seu Art. 5º, inciso LXXIV, assegurou a todos “assistência jurídica” a englobar assistência judiciária e assessoramento jurídico extrajudicial. É preciso que este direito esteja assegurado na prática. A vida moderna e o direito tornaram-se excessivamente complexos. A consciência jurídica do homem comum, que deve ser adquirida na família e na escola não é mais suficiente para a tomada de decisões na vida diária das pessoas.

Num mundo em que a informação e conhecimento são imprescindíveis para

a realização das mais variadas relações, a consciência jurídica é vital197. Por meio dos

mecanismos alternativos de solução de conflitos é possível contribuir para a implementação

desse direito. De posse de conhecimentos técnicos jurídicos elementares, o indivíduo na

sociedade estará minimamente preparado para os atos passiveis de surgimento de litígios. A

justiça, dessa forma será efetivada no momento em que, por meio da consciência jurídica

impede-se o surgimento do conflito que poderia terminar no Judiciário, afogando-o ainda

mais. Nesse sentido, deverá se estender a noção de medição ou conciliação. Uma

associação ou um centro de medição ou de conciliação e, porque não um tribunal arbitral

deveria prestigiar a orientação jurídica daqueles que venha os procurar.

196 GRECO, Leonardo. Acesso ao Direito e á justiça. Disponível em: www.mundojurídico.adv.br/sis. Acessado em 17/03/2009. p. 7. 197 GRECO, Op. cit.

Cappelletti198 indicou várias possibilidades de solução para alargar o

enfoque do acesso à justiça, dentre elas os métodos alternativos para solucionar litígios.

Segundo o autor, além das reforma dos tribunais regulares, deve-se incentivar a criação de

procedimentos mais simples e julgadores mais informais.

Para o autor199 os mecanismos alternativos de solução de conflitos,

juntamente com a assistência judiciária para os pobres e a representação dos interesses

difusos, são as soluções práticas para os problemas do acesso à justiça. Não cabe

aprofundar o assunto sobre essas duas últimas soluções já que o tema do presente trabalho é

a defesa dos meios alternativos de solução de conflitos como forma de acesso á justiça. E

nesse sentido já se defendeu que os mecanismos alternativos é apenas uma entre outras

maneiras de promover o acesso à justiça. E cada vez mais está sendo utilizada pelos

reformadores, podendo ser obrigatórias ou não200. Ou seja, dependendo do tipo particular

de causa aplica-se ou não os mecanismos alternativos de solução de conflitos. Isso faz com

que não se tenha objeção aos mecanismos, pois não sendo obrigatórios e não sendo

aplicados em todas as demandas, apresentam-se como apenas mais uma possibilidade de

tentativa de concretização do verdadeiro acesso à justiça.

Sobre o juízo arbitral Cappelletti201 aduz:

O juízo arbitral é uma instituição antiga, caracterizada por procedimentos relativamente informais, julgadores com formação técnica ou jurídica, e decisões vinculatórias sujeitas a limitadíssima possibilidade de recurso. Seus benefícios são utilizados há muito tempo, por convenção entre as partes. Embora o juízo arbitral possa ser um processo relativamente rápido e pouco dispendioso, tende-se a tornar muito caro para as partes, porque elas devem suportar o ônus dos honorários dos árbitros.

A arbitragem é uma das possibilidades sugeridas pelo autor como forma

alternativa de promover justiça. Sua aplicação no Brasil ainda é tímida, tendo em vista a

força da tradição de se recorrer aos tribunais estatais202.

Segundo Cappelletti, as formas alternativas de solução de litígios vão além

das discutidas neste trabalho. Para o autor, ainda pode colaborar com o acesso à justiça, na

198 CAPPELLETTI, Op. cit. 199 Ibid, Op. cit. 200 CAPPELLETTI, Op. cit. p. 81 201 Ibid, Op. cit. p. 82. 202 A situação de aplicação da arbitragem no Brasil será tratada em item a parte.

forma de meios alternativos, além da conciliação a mediação e arbitragem, incentivos

econômicos no sentido de encorajar os acordos203. Pois, sabendo que ao dar

prosseguimento à ação a parte pode perder com inflação, a demora para obter o desejado ou

o risco de perder a demanda. Assim, ela estará com disposição influenciada no sentido de

conciliar204.

Por outro lado, é inerente ao Estado Democrático de Direito a eficácia

concreta dos direitos constitucionais fundamentais. Esses, petrificados na Constituição, tem

a tutela jurisdicional como meio de efetivação. Para Greco205:

Foram a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias supra-nacionais de Direitos Humanos, como a Corte Européia de Direitos Humanos, que revelaram o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental, minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias fundamentais do processo, universalmente acolhidas em todos os países que instituem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito

As garantias fundamentais do processo são instrumentos garantidores da

efetivação dos princípios da inafastabilidade da tutela jurisdicional, do devido processo

legal e do contraditório e da ampla defesa, todos expressos no Art. 5º da Constituição

Federal206. Essas garantias valem do ponto vista do direito objetivo para todos os ramos de

um sistema jurídico. Por se tratar de Direitos Humanos Fundamentais, além de dispostas na

Constituição Federal, são garantidas também em forma de convenções e tratados supra-

nacionais. Comoglio207 as dividem em garantias individuais e garantias estruturais. No rol

das primeiras estão: acesso amplo à justiça por todos os cidadãos; imparcialidade do juiz;

ampla defesa; direito do pobre; juiz natural; inércia, contraditório; oralidade; coisa julgada

e renúncia à tutela jurisdicional. Já as garantias estruturais estão: impessoalidade e

permanência da jurisdição; independência do juiz e motivação das decisões; igualdade

concreta; inexistência de obstáculos ilegítimos; efetividade qualitativa; procedimento legal,

203 CAPPELLETTI, Op. cit. p. 87. 204 Ibid. Op. cit. p. 8. 205 GRECO, Op. cit. p. 01. 206 BRASIL, Constituição Federal. Op. cit. 207 COMOGLIO, Apud, GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 02/02/2009.

flexível e previsível; publicidade; legalidade estrita no exercício do poder de coerção; prazo

razoável e respeito à dignidade humana.208.

Procede-se à enumeração exaustiva das garantias, pois observadas essas

garantias, efetivando-se está a tutela jurisdicional efetiva que pro via de conseqüência a

promoção do acesso à justiça. Algumas dessas só podem ser promovidas por meio de ações

exclusivas do Poder Judiciário, já que existem limitação para sua promoção via órgão

privado. No entanto, por meio dos mecanismos alternativos de solução de conflito, direta e

indiretamente pode-se proceder a promoção de várias dessas garantias, concretizando o

acesso à justiça.

3.5 OBSTÁCULOS E EMPECILHOS: CONTRA O ACORDO

O que se discute neste tópico tem como pressuposto teórico o interessante

posicionamento de Fiss209, que dá uma nova dimensão à função da adjudicação210 no

sentido de que está deve cumprir uma função social. O judiciário, no entendimento do

autor, deve se preocupar em garantir justiça e equidade social, se valendo, portanto dos

princípios processuais constitucionais e não se atendo a mecanismos que garanta apenas

pretensões individuais211. Assim, devem ser valorizadas as formas jurisdicionais revestidas

de características fundamentais de solução dos litígios, visando atingir a finalidade para

qual a adjudicação foi instituída.

A função dos tribunais nas sociedades modernas certamente teve que ser

ampliada, não apenas em função do aumento do número de demandas, mas por ter a

208 Ibid. Op. cit. 209 FISS, Owen. Um novo Processo Civil: Estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Coordenação da tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 210 A expressão “Adjudicação” na literatura jurídica norte-americana tem sentido equivalente, no Direito brasileiro de exercício da atividade jurisdicional. 211 FISS, Op. cit. p. 11

sociedade se diversificada de tal maneira que surgiram novos direitos a serem tutelados.

Numa sociedade pluralizada e diversificada, a preocupação do Estado em garantir e fazer

valer os direitos se volta também para o coletivo, mas tendo como fundamento o respeito e

a dignidade do individuo. Daí que os direitos começam a se tornarem fundamentais e as

suas garantias vêm em forma de princípios imbricados nas Constituições. O poder

judiciário tem que garantir a paz na sociedade como um todo, sociedade essa, revestida de

uma modernidade que está abarrotada das mais diferentes pretensões e interesses. Os

direitos a serem tutelados já são difusos ou coletivos, assim como direitos que até bem

pouco atrás não eram motivos de intervenção dos tribunais agora já o são como no caso de

meio ambiente, consumidores, homossexuais, etc. Nesse sentido, o Estado, atua através do

Poder Judicante para que todos tenham seus direitos e ideais de justiça satisfeitos inseridos

em uma perspectiva coletiva.

Nesse universo, Fiss se contrapõe aos acordos ou aos seus defensores, já que

esses visam atender aos interesses particulares ou controvérsias entre vizinhos. Nesse caso,

o acordo está mais para uma trégua do que para a solução do litígio social, como comenta o

autor:212

Entretanto, em meu entendimento, essa visão da adjudicação e o movimento favorável ao acordo, baseiam-se em premissas questionáveis. Não acredito que o acordo como prática genérica, seja preferível ao julgamento ou deva ser institucionalizado em uma base extensa e ilimitada. Deveria ser tratado, ao contrário, como uma técnica altamente problemática para a simplificação dos dockets.213O acordo, no processo civil, é análogo à transação penal: geralmente, o consentimento é obtido via coação: a transação pode ser realizada por alguém que não possui autoridade; a ausência de instrução processual e de julgamento cria um subseqüente e problemático envolvimento do juiz; e embora os dockets sejam abreviados, a justiça não pode ter sido feita. Assim como a transação penal, o acordo é uma rendição às condições da sociedade de massa e não deveria ser encorajado e valorizado.

A descrença do autor se baseia principalmente na premissa de que qualquer

meio que não o da jurisdição de solução de conflito, carece da legitimidade da função

primordial da jurisdição, que regida por princípios tem o intuito da pacificação social.

212 FISS. Op. cit. p. 122. 213 Dockets, de acordo com os próprios tradutores da obra do autor em questão, são os registros dos vários atos processuais ocorridos durante o desenvolvimento do processo.

Outro argumento é de que o acordo não observa o equilíbrio entre as

partes214. Na jurisdição, o julgador, por meio das regras e princípios restabelecerá ou

manterá a igualdade entre os litigantes. De três formas o acordo pode ser influenciado pela

disparidade de recurso entre as partes, conforme Fiss215: a parte mais pobre terá dificuldade

em se equiparar à mais rica nas possibilidade de reunir e analisar as informações

concernentes ao litígio; em segundo, a necessidade da pretensão do pobre é infinitamente

superior à da parte mais abastarda; finalmente, a parte mais pobre pode se sentir forçada ao

acordo tendo em vista a possibilidade de ter que arcar com as despesas oriundas da

demanda. Esses são os entraves ao acordo, tendo como fundamento o desequilibro entre as

partes como conseqüência de suas capacidades materiais e culturais.

Mas o que talvez seja o apelo mais interessante do autor contra o acordo é o

fato de que o este visa apenas a paz, mas não alcança a justiça. Para Fiss, é imprescindível

que as cortes que representam o poder estatal de julgar manifestem acerca de determinadas

questões. O acordo as priva disto.216 O que por sua vez não quer dizer que o judiciário

tenha que ser provocado e consequentemente se manifestar acerca de todas os litígios que

ocorrem na sociedade. Mas, a participação do Poder Judiciário na solução do conflito pode

não apenas remediar a situação por um instante ou para um indivíduo singularmente, mas

buscar um sentimento de que foi feito justiça para toda a sociedade e para um longo

período. Os julgamentos não comportam apenas decisões judiciais isoladas, mas propiciam

um processo contínuo de salvaguarda dos valores públicos e sociais, alcançando por vezes

a reestruturação política e burocrática da sociedade, como no caso Brown vs Board of

Education.217 Para a pacificação e organização social é necessário que as cortes se

manifestem acerca dos litígios.

A propósito, a paz nem sempre é a consecução e efetivação do direito. Para

Ihering218, o direito sempre pressupôs luta efetiva das partes, na medida em que por meio 214 O autor se vale da expressão acordo abarcando aos meios alternativos de solução de conflitos de maneira geral. 215 FISS, Op. cit. p. 125. 216Ibid. Op. cit. p. 140. 217 A partir do caso Brown vsBoard of Education começa no Estados Unidos o movimento que põe fim a segregação racial nas escolas. Até 1954, ano de proferimento da sentença havia escolas em que só estudavam brancos enquanto outras que só estudavam os negros. Essa decisão foi o marco inicial para o fim deste processo discriminatório. Para Fiss, se nesse caso tivesse acontecido um acordo, o Estado através do Poder Judiciário não teria se manifestado que, por conseguinte esse processo talvez não tivesse sido desencadeado. 218 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

do processo, as pessoas irão provocar o Estado para que através da decisão tenham o seu

direito satisfeito. Para o autor, “o direito no seu movimento histórico apresenta-nos, pois

um quadro de lucubrações, de combates, de lutas, numa palavra de penosos esforços”219.

Nesse sentido, para ter o direito efetivamente satisfeito, o acordo apresenta como um óbice.

O acordo, no ponto de vista do autor é oposição ao verdadeiro sentimento de justiça que se

pleiteia através do direito.

A parte, em determinados momento se curva ao acordo tendo em vista a sua

posição de fragilidade em relação à demanda. Essa fragilidade pode ser do ponto de vista

econômico – essa é que mais incide e a que é mais influencia -, cultural ou social. Muito

comum se torna, em determinadas situações, o demandante ou demandado sopesar no

sentido de continuar ou não com o litígio, mesmo sabendo que poderia vir a vencer a

demanda. A questão do equilíbrio entre as partes é tida como garantia fundamental do

processo por Leonardo Greco220 e será tratada no item a seguir.

Ihering221, em brilhante explanação cita o exemplo do compônio que aciona

o Judiciário para ver a sua pretensão satisfeita, ainda que se trate de valor irrisório. O

julgador propõe pagar-lhe o objeto da demanda para que esta se dê por finalizada. Porém, o

compônio quer a sentença, já que está lhe devolverá a sua honra que é mais importante do

que o valor material da pretensão, recusando a proposta do julgador.

O autor assim discorre, complementando o raciocínio:222

Num semelhante caso, querer dissuadir uma parte de um processo fazendo-lhe ver as despesas e as outras conseqüências, como seja a incerteza do resultado, constitui um erro psicológico; porque não se trata para esse contendor de uma questão de interesse, mas da lesão do seu sentimento jurídico. O único ponto sobre o qual alguém poderá se apoiar com êxito é a suposição de sua intenção contra o adversário por meio do qual a parte se deixa conduzir; se ela se limita a refutar esta suposição, o verdadeiro nervo da resistência está cortado e poder-se-á convidar o litigante a examinar a questão sob o ponto de vista de seu interesse e, por conseguinte a transigir.

Assim é que a tese de Ihering223 já antevia o posicionamento de Fiss224. Para

aquele autor, o direito cumpria importante papel social, pois por meio dele é que a

219 Ibid, Op. cit. p. 8. 220 GRECO, Op. cit. 221 IHERING, Op.cit. 222 Ibid, Op. cit. p. 22,23. 223 IHERING, Op.cit.

sociedade se organizará e buscará o verdadeiro ideal de justiça. Esse sentimento era tão

forte e importante para o autor que este, em conclui da seguinte forma:225 O direito e a justiça só prosperam num país, quando o juiz está todos os dias preparado num tribunal e quando a polícia vela por meio de seus agentes, mas cada um deve contribuir pela sua parte para essa obra. Toda gente tem a missão e a obrigação de esmagar, em toda a parte, onde ela se erga, a cabeça da hidra que se chama o arbítrio e a ilegalidade. Todos aqueles que fruem os benefícios do direito devem também contribuir pela sua parte para sustentar o poder e autoridade da lei; em resumo, cada qual é um lutador nato, pelo direito, no interesse da sociedade.

Por outro lado, os tribunais ou cortes dos Estados contemporâneos têm cada

vez mais abocanhando um espaço que até bem pouco tempo atrás não possuíam. Seja do

ponto de vista político, freando os desmandos dos Poderes Executivo e Legislativo, ou seja,

do ponto de vista sociológico interferindo em questões que a sociedade resolvia através da

petrificação de seus costumes. Sobre a primeira Santos226 a denomina de judicialização dos

conflitos políticos e assim discorre: No entanto, o novo protagonismo judiciário partilha com o anterior uma característica fundamental: traduz-se num confronto com a classe política e com outros órgãos de poder soberano, nomeadamente com o Poder Executivo. E é, por isso que, tal como anteriormente, se fala agora da judicialização dos conflitos políticos. Sendo certo que na matriz do Estado moderno o Judiciário é um poder político, titular de soberania, a verdade é que ele só se assume publicamente como poder político na medida em que interfere com outros poderes políticos. Ou seja, a política judiciária, que é uma característica matricial do Estado moderno, só se afirma como política do Judiciário quando se confronta, no seu terreno, com outras fontes de poder político. Daí que a judicialização dos conflitos políticos não possa deixar de se traduzir na politização dos conflitos judiciários.

Nos Estados modernos é praticamente impossível a não existência e

participação dos tribunais nos mais diversos ou em todos os setores da sociedade. Por meio

das mais diferentes decisões proferidas tem-se a interferência do judiciário nos rumos de

uma nação, tanto do ponto de vista político e econômico. O posicionamento dos tribunais

influencia diretamente os rumos da economia. As grandes empresas estão sempre atentas

ao que tem sido decidido por eles. Basta que se observe, a título de exemplo, o sentido que

as decisões dos tribunais na questão das taxas de juros aplicadas pelos bancos em 224 FISS, Op.cit. 225 IHERING, Op.cit.p. 50. 226 SANTOS, Boaventura de Souza, MARQUES, Maria Manuel Leitão, PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Disponível em www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm. Acessado em 10/03/2008. p. 2.

detrimento ao entendimento dos tribunais que era pela aplicação pelo juro legal de 12% ao

ano227.

O aumento do número de demanda reflete, por outro lado, a valorização que

a sociedade tem dado ao judiciário. Em um primeiro momento pode parecer um contra-

senso, tendo em vista o descrédito dos brasileiros face ao judiciário. Esse aumento faz com

que o próprio Judiciário comece a aceitar e incentivar a implementação dos mecanismos

alternativos de solução de conflitos. Fiss, nesse sentido, mas uma vez se posiciona contra o

acordo. Para o autor, o judiciário está mais preocupado com a diminuição da demanda de

processos para serem solucionados e que contribuem para a morosidade dos julgamentos.

Nesse sentido, a critica de Fiss228:

O juiz Burger não é movido pelo amor ou pelo desejo de encontrar novos caminhos para restaurar ou preservar as relações amistosas, mas sim por preocupações relativas à eficiência e à ordem política. Ele busca alternativas para a litigância com o propósito de diminuir o volume de casos no Judiciário ou, de forma mais plausível, de isolar o status quo da possibilidade de reforma pelo Judiciário.

A posição de daqueles que se contrapõe ao acordo reflete um ideal de justiça

no qual há uma valorização do Estado, mas precisamente do Poder Judiciário, como sendo

o principal responsável na aplicação do direito. Para tanto, deve se considerar o momento e

a ideologia das sociedades das quais advém o referido pensamento. Ou seja, a realidade

atual implica a atuação do Estado no sentido de revisar as técnicas de consecução de

justiça, bem como trabalhar visando à implementação de novos meios que atendam a essa

nova demanda e ideal do que vem ser justo.

Cappelletti,229 um dos precursores do acesso á justiça, também faz algumas

advertências, sobre limitações e riscos do referido movimento. Possuindo os mais diversos

méritos, trata-se de uma reforma sofisticada e inter-relacionada230, como aduz o autor

movimentos dessa natureza e dessa grandeza, que envolve uma séria de modificações para

227 Os tribunais de 1ª e 2ª instancia entendiam pela aplicação do percentual de 12% de juros por ano, conforme dispunha o Art. 192 da Constituição Federal, mesmo não sendo regulamentado. 228 FISS, Op. cit. p. 123. 229 CAPPELLETTI, Op. cit. 230 Ibid. Op. cit.

a sua tradução em realidade, não é fácil vencer a oposição tradicional. Nesse sentido, diz o

autor231:

Ao saudar o surgimento de novas e ousadas reformas, não podemos ignorar seus riscos e limitações. Podemos ser céticos, por exemplo, a respeito do potencial das reformas tendentes ao acesso à justiça em sistemas sociais fundamentalmente injustos. É preciso que se reconheça, que as reformas judiciais e processuais não são substitutos suficientes para as reformas políticas e sociais.

Ora, a implementação das formas alternativas de solução de conflitos

certamente deverá observar as questões políticas e sociais inerentes a cada sociedade. Por

isso, não são passíveis de aplicação a qualquer custo. Obviamente que no caso brasileiro

entende-se que o país já vive um indício de amadurecimento democrático propício a se

iniciar a implementação de algumas das técnicas de resolução de litígios paralelas às do

Poder Judiciário.

Outro risco apontado por Cappelletti232 se refere à limitação das fronteiras

de atuação das novas instituições que forem criadas para a operarem os mecanismos

alternativos de solução de conflitos. Os riscos de um conflito de competência são muito

grandes, podendo, ao invés de acelerar um julgamento ou o desfecho de uma demanda,

retarda-la. No caso brasileiro, pode-se notar o problema do surgimento do grande número

de tribunais de arbitragem, levantando inclusive, questão acerca do uso da palavra

Tribunal233. Assim, as reformas implantadas com intuito de eliminar barreiras, podem ao

contrário induzir ao surgimento de outras234.

O acordo, em sentido genérico, ou seja, no sentido que está nas entrelinhas

dos mecanismos alternativos de solução de conflito esbarrão em obstáculos que implicarão

na impossibilidade de sua aplicação. Porém, a não aplicação dos mesmos em virtude de tais

empecilhos não solverá e muito menos será um passo na contramão dos problemas que

afligem o Poder Judiciário, que inegavelmente assola principalmente o Direito pátrio. A

verdade é que uma crise se instalou no judiciário brasileiro afetando a principal forma de

solução de conflito, qual seja o processo.

231 Ibid. Op. Cit. p. 161. 232 CAPPELLETTI. Op. cit. p. 163,163 233 Questão que será tratada ao comentar a realidade brasileira. 234 Ibid. Op. cit. p. 163.

Se faz sentido os questionamentos aqui levantados acerca da aplicação dos

mecanismos alternativos de solução, também o faz a busca por novas fórmulas e meios de

pacificação da sociedade, ainda mais no caso doméstico em que quem o processo não tem

cumprido são função precípua. A busca pelo aperfeiçoamento das técnicas de resolução de

litígios na sociedade sempre foi e será luta constante dos mais variados sistemas jurídicos.

A implementação e aplicação estes é apenas mais uma batalha nessa árdua guerra.

CONCLUSÃO

Em sede de conclusão, observa-se que a sociedade na atualidade está repleta

de conflitos os mais diversificados possíveis. Essas relações sociais implicam em novas

relações jurídicas, impondo uma mudança de padrão e de comportamento dos órgãos ou

instituições que tem por finalidade a organização social. Mesmo sendo uma idéia primária,

persiste a noção de que o Direito é um conjunto de normas de conduta social cuja

finalidade é a segurança e o bem comum. Posto que os mecanismos de solução de conflito

tenham a mesma finalidade, a sua não aplicação consiste em num erro mediato.

O momento em que se denomina de Neoconstitucionalismo está voltado

para uma concepção de Direito renovada do ponto de vista de interpretação e aplicação da

Constituição. Há um alargamento da função da jurisdição constitucional já que o seu papel

é indicar o norte interpretativo dessa nova ordem jurídica. Ordem jurídica que impõe

obrigações, tanto no momento da criação da lei quanto da sua aplicação no plano

infraconstitucional. Nesse diapasão, as exortações advindas da constituição em forma de

mandamentos fundamentais devem ser observadas.

Esse tipo de ação não é apenas uma nova técnica jurídica que está sendo

aplicada como se desenvolvida num laboratório pelos operadores do Direito. É um novo

agir em função do que está sendo posto pela realidade social. Esse é o motivo e o

fundamento dessa nova forma de interpretação constitucional. Tem como pano de fundo

uma realidade social plural e fragmentada que se transforma numa rapidez virtuais onde o

que é pleiteado pelos indivíduos é direitos que já não podem mais deixar de ser atendidos.

Regras, somente, já não são mais o que é posto pela Constituição. Dela

agora emana valores e princípios, numa dimensão axiológica que não era pensada no

Positivismo jurídico. Daí que se fala em pós-Positivismo. É redimensionar o campo de

aplicação jurídica, estendendo ou saindo do campo normativo constitucional para uma

realidade efetivamente constitucional. O valor dignidade da pessoa humano sempre foi tido

como o exemplo de mandamento constitucional exemplificativo de como se aplica o

Direito no Neoconstitucionalismo. O mesmo se dá com acesso à justiça. Se para efetivar

aquele é dar ao indivíduo um lar, ainda que esse direito não conste de uma norma

positivada, pode-se concretizar direito do acesso à justiça mediando um litígio em que as

sujeitos deste se sintam satisfeitos.

Assim, o pós-Positivismo é a supressão das técnicas de aplicação jurídicas

que não mais coadunam com esse novo viver em sociedade. É mais do que abandonar o

método da subsunção. É não fazer dele a única forma de aplicação do direito, abrir mão de

aplicá-lo para que em função de ditames constitucionais com grande carga valorativa se

possa atingir os mais variados anseios sociais. A interpretação principiológica atua numa

seara e a subsunção noutra, já que o todo ordenamento jurídico é composto de princípios e

regras.

A multiplicidade de argumentos teóricos está ai pra a prática do que foi

delineado como Neoconstitucionalismo. A constituição permite que se faça uso do tempo

para cumprir as previsões feitas por ela, que para isso deixou margem. Por isso, a sua

dimensão prospectiva não deve ser esquecida.

O pós-Positivismo é um momento em que o pensamento filosófico deve

fazer parte do pensamento jurídico. As normas constitucionais fundantes são eivadas de

dimensão axiológica, dando margem para questionamentos e expansão dos seus sentidos.

Conceitos como verdade, justiça, dignidade, ética, por exemplo, não podem ter limites para

lhes sugar os seus significados. A cada dia, as tão faladas novas relações sociais trazem

consigo elementos que obrigatoriamente força a todos, principalmente os aplicadores do

direito, a rever esses conceitos.

A justiça é um bem que pode ter a sua consecução proporcionada pelas mais

diversas instituições, implicando uma ampliação da interpretação do disposto na

Constituição Federal. Essa, por meio de suas regras e de seus princípios exige a atuação de

todos em uma sociedade. A constituição não é mais apenas um documento direcionado à

um grupo pequeno de burocratas operadores do Direito. A tarefa de construir uma

sociedade calcada num ideal de justiça democrático é um processo constante e perpétuo em

que todos, indivíduos e instituições são atores. Fazer justiça deixou de ser exclusividade do

Poder Judiciário.

Nesse contexto, os mecanismos de solução de conflitos processados fora da

jurisdição são uma alternativa para a consecução do princípio do acesso à justiça. Porém, o

sentido de acesso à justiça deve ser interpretado como reclamado no início do texto

conclusivo. Não se deve, no momento, pensar que acesso à justiça é apenas exercer o poder

de demandar, tendo como resultado uma sentença proferida por um tribunal. O acesso aos

valores que se extrai da Constituição, notadamente em forma de princípios ou direitos

fundamentais, indiretamente se promove acesso à justiça.

Obviamente, os tribunais são os protagonistas desse processo. E quanto a

estender o sentido do acesso à justiça, eles exercem função primordial, já que podem e vão

ser os responsáveis para dizer ao final se deve ou não e em que situações os mecanismos de

solução de conflitos fora da jurisdição poderão ser aplicados. Pois, certo é que os tribunais

não estão conseguindo exercer a contento a sua função precípua, pois nem sempre estão

devolvendo para a sociedade as respostas acerca de suas demandas litigadas. Nesse sentido,

para ficar claro, vide as demoras para que sejam proferidas as sentenças no caso do

Judiciário brasileiro. E não se pretende aqui, por meio dos mecanismos de solução de

conflitos fora da jurisdição, atacar um mal que se desconhece totalmente as causas. Porém,

não custa lembrar que em determinadas situações quanto menos o judiciário intervier será

melhor, como no caso da economia. Para tanto, deve se buscar, por meio de um processo

ainda que longo, um diagnóstico conciso da situação.

E quando se fala de um dos principais problemas na tentativa da consecução

da justiça, qual seja, a morosidade com que são proferidas as sentenças sem que caibam

recursos, o Poder Judiciário acaba aparecendo como sendo o único responsável. Esse

pensamento, porém, não reflete de maneira fiel a realidade. A morosidade observada no

Poder Judiciário tem na sua raiz diversos elementos que envolvem os demais poderes de

Estado, tanto no momento de elaboração do processo legislativo bem como a excessiva

regulamentação advinda do Poder Executivo por meio do excessivo número de atos

regulatórios oriundos dos órgãos da Administração direita e indireta.

Mas, sabendo que a morosidade no Judiciário é influente fator para impedir

o acesso pleno à justiça, os mecanismos alternativos de solução de conflitos não são

propostos com a missão única de tentar solver tal problema. Esses instrumentos são, na sua

essência, novas formas de resolução de novos tipos de conflitos. Ou seja, além do já

amplamente discutido problema da lentidão do Judiciário, tem-se um momento social novo,

com uma série de novas demandas litigiosas que implica em pensar em novos meios para

solucioná-las. Pois, essa nova realidade social com inúmeras novas relações implica no

surgimento de novas relações jurídicas que para o Poder Judiciário apresentam-se como

estranhas.

Destarte, as soluções apresentadas nesse estudo visam ser apenas mais um

meio para efetivar o ideal de justiça que nesse momento a sociedade globalizada e

impregnada de novas demandas reclama. E aqueles que vão fazer parte desse processo

podem ser outros, além dos integrantes do Poder Judiciário. Os procuradores de uma forma

geral, lançando mão dos conhecimentos técnicos que trazem em virtude de sua formação e

da bagagem profissional, podem desempenhar importante papel, na medida em que puder

apresentar aos litigantes possibilidades de conciliarem ou acordarem.

Porém, não se esquece aqui que os mecanismos objetos da presente pesquisa

apresentam limitações que não devem ser olvidadas, principalmente no seu processo de

concretização e implementação. A diversificada realidade dos sistemas jurídicos globais,

com suas ideologias políticas, impõe que em algumas situações um ou outro mecanismo

encontrará resistência de efetivação ou quiçá, impedimento. Se os meios aqui aludidos são

formas que tem o intuito de tentar propiciar um vasto acesso à justiça, devem ser

respeitadas a tradição e a ideologia dos sistemas e ordenamento jurídicos postos. Da mesma

forma, algumas decisões advindas do Poder Judiciário são imprescindíveis e insubstituíveis

para alcançar a paz e a estabilidade social. A sociedade, em determinadas questões se

sentirá segura a partir do momento em o vier do Poder estatal o parecer que indicará um

norte ou um sentido, servindo de alicerce na sedimentação das posturas a serem seguidas.

Finalmente há que se ressaltar que o processo, de uma maneira geral tem suas garantias

fundamentais que se não seguidas, estariam na contramão do que aqui se propõe, ou seja, a

importância de um direito enquanto garantia constitucional fundamental.

A mediação, a conciliação e a arbitragem, enquanto meios de solução de

conflitos fora da jurisdição não é solução para todos os males e conflitos da sociedade. Os

conflitos individuais, à medida que se intensificam e se diversificam, vão minando a

sociedade a ponto de desestabilizá-la. A partir do momento que um ou outro conflito

individual é solvido, fazendo uso dos mecanismos em debate, ainda que insignificante à

primeira vista, na sociedade está sendo plantada a semente da pacificação. Dessa forma,

posicionar-se de pronto contra o uso e aplicação desses meios de solução de litígio,

constitui uma afronta ao espírito cientifico por meio do qual se tem base da evolução, ou

seja, a experimentação. Nesse diapasão, não faz sentido se posicionar contrário à

implantação da mediação, cuja gênese ainda está num projeto de lei, pois, ela é apenas uma

tentativa de solução do conflito ou uma forma de evitar que ele se agrave.

Muito já se falou e escreveu sobre os mecanismos alternativos de solução de

conflitos, tanto na jurisdição ou fora dela, como forma de acesso à justiça. Porém, aqui eles

são tratados na perspectiva de um novo pensar. Pensar este que tem como parâmetro as

bases metodológicas do Neoconstitucionalismo, dentro de um movimento mais amplo

denominado de Pós-Positivismo. E nesse novo paradigma, a aplicação da justiça vai além

do conhecimento técnico, pois o significante justiça é também vivência e sentimento, de tal

sorte que numa sociedade em que se almeja a pacificação, todos tem que fazer parte desse

processo.

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