DISSERTAÇÃO ORIGINAL- SOUZA, Paulo Roberto Elias

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

    Curso de Ps-Graduao em Cincias Humanas e Sociais

    Dissertao de Mestrado

    Paulo Roberto Elias de Souza

    DO BLOG SUJO COLETIVA DO PLANALTO

    Um estudo de caso de contrainformao poltica atravs de blogs

    Santo Andr

    2013

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    Curso de Ps-Graduao em Cincias Humanas e Sociais

    Dissertao de Mestrado

    Paulo Roberto Elias de Souza

    DO BLOG SUJO COLETIVA DO PLANALTO

    Um estudo de caso de contrainformao poltica atravs de blogs

    Trabalho apresentado como requisito parcial

    para obteno do ttulo de Mestre em

    Cincias Humanas e Sociais, sob orientao do Professor DoutorClaudio Luis de Camargo Penteado.

    Santo Andr2013

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    FOLHA DE ASSUNATURAS

    Assinaturas dos membros da Banca Examinadora que avaliou e aprovou aDefesa de Dissertao de Mestrado do candidato Paulo Roberto Elias deSouza, realizada em 07 de junho de 2013:

    Prof. Dr. Claudio Luis de Camargo Penteado Presidente (UFABC)

    Prof. Dr. Srgio Amadeu da Silveira Membro Titular (UFABC)

    Prof. Dr. Rafael de Paula Aguiar Arajo Membro Titular (PUC)

    Profa. Dra. Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho MembroSuplente (UFABC)

    Profa. Dra. Rosemary Segurado Membro Suplente (PUC)

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    Este exemplar foi revisado e alterado em relao verso original, deacordo com as observaes levantadas pela banca no dia da defesa, sobresponsabilidade nica do autor e com a anuncia de seu orientador.

    Santo Andr, ____de _______________ de 20___.

    Assinatura do autor: _____________________________________

    Assinatura do orientador: _________________________________

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    Para ngela Pereira de Souza (in memoriun)e Manoel Elias de Souza.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo especialmente ao meu orientador Professor Doutor Cludio Luis de

    Camargo Penteado. Sua inteligncia, competncia, senso crtico e pacincia foram

    fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. Acrescenta-se ainda a amizade.

    A CAPES e Fundao UFABC meu agradecimento pelo incentivo e possibilidade

    material que me permitiram uma dedicao exclusiva pesquisa.

    No poderia de deixar de agradecer a todo o programa de ps-graduao em cincias

    humanas e sociais e seus respectivos docentes, pela dedicao e seriedade na conduo do

    curso. Enfatizo meu orgulho de fazer parte da primeira turma deste programa.

    Agradeo tambm ao Professor Doutor Srgio Amadeu da Silveira pelas disciplinasministradas e principalmente pelos instigantes debates, questionamentos e contribuies

    durante a produo deste trabalho.

    Quero lembrar e agradecer corpo docente da FESPSP Fundao Escola de

    Sociologia e Poltica de So Paulo onde iniciei minha formao acadmica. Mas gostaria de

    agradecer especialmente Professora Doutora Roseli Martins Coelho por muito mais do que

    um comeo, assim como o Professor Doutor Rafael de Paula Aguiar Arajo que vem

    contribuindo qualitativamente desde o projeto inicial at o final deste trabalho.Agradeo ainda os colegas de mestrado, especialmente os amigos Bruno Arajo, Cau

    Pimentel, Thiago Battaglini e Thiago Mattioli pelas conversas nos almoos, cafs e na rede

    que, abastecidas com qualidade e bom humor, contriburam para que o esprito crtico e

    dialtico do mundo das ideias ficasse em constante dilogo com o mundo das coisas.

    Por fim, agradeo minha companheira Brbara Pereira Fernandes pelo amor,

    incentivo, pacincia, inteligncia e pelos constantes e interminveis dilogos que nos renovam

    e nos fazem ir adiante nesta audaciosa tarefa de se fazer cincias sociais.

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    No foram nem condenados nem julgados. Como um

    rastilho, a notcia correu veloz por todo o pas, os meiosde comunicao vituperaram os infames, as irmsassassinas, o genro instrumento do crime, choraram-selgrimas sobre o ancio e o inocentinho como se eles

    fossem o av e o neto que toda a gente desejaria ter tido,pela milsima vez jornais bem pensantes que actuavamcomo barmetros da moralidade pblica apontaram o

    dedo imparvel degradao dos valores tradicionais dafamlia, fonte, causa e origem de todos os males em suaopinio, e eis seno quando quarenta e oito horas depoiscomearam a chegar informaes sobre prticas idnticasque estavam a ocorrer em todas as regies fronteirias.

    (Jos Saramago, As intermitncias da morte)

    Voc no sente nem vMas eu no posso deixar de dizer, meu amigo

    Que uma nova mudana em breve vai acontecerE o que h algum tempo era jovem novo

    Hoje antigo, e precisamos todos rejuvenescer.

    (Belchior, Velha Roupa Colorida).

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    RESUMO

    O objetivo deste trabalho analisar lutas simblicas promovidas atravs da produo de

    contrainformao poltica dos jornalistas-blogueiros Paulo Henrique Amorim, Luiz CarlosAzenha e Rodrigo Vianna de forma colaborativa com outros blogueiros e leitores contraescndalos polticos miditicos veiculados pela grande mdia do Brasil durante as eleies2010. A fundamentao terica parte do dilogo entre a compreenso de hegemonia deGramsci com a teoria de campos sociais de Bourdieu. Em seguida, busca-se debater acategoria de contrainformao poltica como uma forma simblica especfica produzida paraquestionar o mainstream. Debatem-se tambm as transformaes das formas de comunicaomediadas, os tipos e caractersticas das principais formas simblicas produzidas pelasempresas de mdia e as caractersticas e importncia dos escndalos polticos miditicos na

    poltica contempornea, baseado em John B. Thompson e Castells. Em seguida, debatem-seas transformaes da poltica, do jornalismo tradicional e da mdia alternativa com o advento

    da internet, seguido da categorizao poltica de blog, blogosfera e do g rupo dos blogueirosprogressistas. Aps a identificao dos temas agendados pela mdia nas eleies 2010, apresentado o estudo de caso realizado atravs da metodologia de pesquisa em blogs de

    poltica que buscou identificar a contrainformao produzida pelos blogueiros contra o casoda quebra de sigilo, o caso Erenice Guerra e o caso da bolinha de papel. Os resultadosdemonstram que possvel identificar a contrainformao poltica particular de cada caso, asformas e contedos da produo, as fontes e colaboraes, mas tambm a interatividade comleitores, alm de indcios de uma reorganizao de uma mdia alternativa na rede.

    PALAVRAS CHAVES:Blogs; Eleies 2010; Escndalos Polticos Miditicos; Informao eContrainformao Poltica.

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    ABSTRACT

    The objective of this work is to analyze symbolic struggles promoted through the productionof counter-information politics of journalists-bloggers Paulo Henrique Amorim, Luiz CarlosAzenha and Rodrigo Vianna collaboratively with other bloggers and readers against politicalscandals media conveyed by mainstream media in Brazil during elections 2010. Thetheoretical part of the dialogue between the understanding of hegemony in Gramsci's theoryof Bourdieu's social fields. Then seeks to discuss the category of counter-information politicsas a symbolic form produced for specific questioning mainstream. Also discuss thetransformations of forms of mediated communication, the types and characteristics of majorsymbolic forms produced by media companies and the features and importance of politicalscandals media in contemporary politics, based on John B. Thompson and Castells. Thenstruggling up the transformation of political, traditional journalism and alternative media withthe advent of the Internet, followed by the categorization politics blog, blogosphere and the

    group of blogueiros progressistas. After identifying the issues by the media in electionsscheduled in 2010, is presented the case study conducted by research methodology in politicalblogs aimed at identifying the counter-information produced by bloggers against the case ofquebra de sigilo,the case Erenice Guerra and the case of bolinha de papel. The resultsdemonstrate that it is possible to identify the counter-information politics of each particularcase, the form and content production, sources and collaborations, but also interactivity withreaders, plus evidence of a reorganization of an alternative media network.

    KEYWORDS:Blogs; Elections 2010; Political Scandals Media; Information and Counter-Information Politics.

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    LISTA DE QUADROS E FIGURAS

    QUADROS:

    QUADRO 1.1:Meios de comunicao tradicionais e internet: diferenas............................ 56

    QUADRO 2.1: Desenvolvimento dos meios de comunicao e formas de interao

    interpessoal.............................................................................................................................. 70

    QUADRO 4.1:Posts e comentriosCaso da quebra de sigilo......................................... 113

    QUADRO 4.2: Enquadramento das mensagensCaso da quebra de sigilo(%). ............... 114

    QUADRO 4.3:Fontes utilizadasCaso da quebra de sigilo............................................... 122

    QUADRO 4.4:InteratividadeCaso da quebra de sigilo (%) ............................................ 126QUADRO 4.5:Posts e comentriosCaso Erenice Guerra............................................... 129

    QUADRO 4.6:Enquadramento das mensagensCaso Erenice Guerra (%)...................... 129

    QUADRO 4.7:Fontes utilizadasCaso Erenice Guerra.................................................... 135

    QUADRO 4.8:InteratividadeCaso Erenice Guerra (%) .................................................. 138

    QUADRO 4.9:Posts e comentriosCaso da bolinha de papel......................................... 141

    QUADRO 4.10:Enquadramento das mensagensCaso da bolinha de papel (%)............. 141

    QUADRO 4.11:Fontes utilizadasCaso da bolinha de papel............................................ 146QUADRO 4.12:InteratividadeCaso da bolinha de papel (%)......................................... 149

    QUADRO 4.13:Blogs utilizados como fontes (em ordem alfabtica).................................. 150

    FIGURAS:

    FIGURA 3.1:Ficha falsa do Deops de Dilma Rousseff.......................................................... 94

    FIGURA 4.1:Blog Conversa Afiada (parte 1)...................................................................... 106FIGURA 4.2:Blog Conversa Afiada (parte 2)...................................................................... 106

    FIGURA 4.3:Blog Conversa Afiada (parte 3)...................................................................... 107

    FIGURA 4.4:Blog Conversa Afiada (parte 4)...................................................................... 107

    FIGURA 4.5:Blog Viomundo (parte 1)................................................................................. 108

    FIGURA 4.6:Blog Viomundo (parte 2)................................................................................. 108

    FIGURA 4.7:Blog Escrevinhador (parte 1)......................................................................... 109

    FIGURA 4.8:Blog Escrevinhador (parte 2)......................................................................... 109

    FIGURA 4.9:Blog Escrevinhador (parte 3)......................................................................... 110

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    FIGURA 4.10: Vernica Serra e Vernica Dantas (Caso da Quebra de Sigilo) ................... 123

    FIGURA 4.11: Registro da empresa Decidir.com no Estado da Flrida, Estados Unidos

    (Caso da Quebra de Sigilo)................................................................................................... 124

    FIGURA 4.12:Montagem com Jos Serra (Caso da Quebra de Sigilo).............................. 124

    FIGURA 4.13: Charge ironizando o escndalo poltico miditico (Caso da Quebra de Sigilo)

    .... ........................................................................................................................................... 125

    FIGURA 4.14:Jos Serra desconfiado (Caso Erenice Guerra)....................................... 137

    FIGURA 4.15: Charge ironizando Jos Serra e ndio da Costa (Caso Erenice Guerra)..... 137

    FIGURA 4.16: Comparao entre a imagem da bolinha de papel e do borro causado por

    outra cabea atrs de Serra (Caso da Bolinha de Papel)..................................................... 148

    FIGURA 4.17:Montagem com o smbolo da Rede Globo e uma bolinha de papel ao centro(Caso da Bolinha de Papel)................................................................................................... 148

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    SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................................... 14

    PARTE 1: FUNDAMENTAO TERICA

    Captulo IMdia, Poltica e Sociedade .............................................................................. 27

    1.1. Caractersticas estruturais das sociedades modernas ........................................................ 27

    1.2. Campos sociais: campo econmico, campo poltico, campo jornalstico e habitus......... 29

    1.2.1. Conceitos de campo social e habitus............................................................................. 29

    1.2.2. Poder simblico, campo econmico, campo poltico e campo jornalstico................... 321.2.2.1. A matria prima: o poder simblico ........................................................................... 32

    1.2.2.2.Campo econmico ...................................................................................................... 34

    1.2.2.3.Campo poltico ........................................................................................................... 36

    1.2.2.4.Campo jornalstico ...................................................................................................... 37

    1.3. Contra-hegemonia e hegemonia alternativa ..................................................................... 40

    1.3.1. Contrapoder: verso contempornea ............................................................................. 44

    1.4. Contrainformao poltica: uma luta simblica................................................................. 46

    1.4.1. Caractersticas da contrainformao poltica produzida atravs blogs ........................... 49

    1.5. Visibilidade: conceito e transformaes ........................................................................... 50

    1.5.1. Expanso do espao de visibilidade: da copresena at a comunicao de massas ....... 51

    1.5.2. A Nova Visibilidade na autocomunicao de massas ..................................................... 54

    1.6. Espetacularizao e midiatizao da poltica .................................................................... 57

    1.7. Escndalos Polticos Miditicos: conceito, histria e relevncia ...................................... 61

    CAPTULO IIJornalismo, Poltica e Internet ................................................................. 69

    2.1.Mdia alternativa no Brasil: reorganizao atravs da internet ......................................... 77

    2.2. Blogs e blogosfera: definindo o dispositivo e o espao .................................................... 86

    2.3. Blogosferas: espaos de interao entre similares ............................................................. 89

    2.3.1. O Movimento dos Blogueiros Progressistas ................................................................... 90

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    PARTE 2: ELEIES 2010

    CAPTULO III Agenda da Mdia nas Eleies 2010 .......................................................... 93

    CAPTULO IV Informao e contrainformao poltica nas eleies 2010 ................... 101

    4.1. Histrico e descrio dos blogs ....................................................................................... 103

    4.2. Classificao dos blogs .................................................................................................... 105

    4.3. Anlise da estrutura dos blogs ......................................................................................... 111

    4.4. Caso da Quebra de Sigilo: descrio e anlise do escndalo .......................................... 109

    4.4.1. A informao: escndalo da quebra de sigilo............................................................ 112

    4.4.2. Anlise da contrainformao sobre o caso da quebra de sigilo................................ 1134.4.3. Anlise da interatividade no caso da quebra de sigilo.............................................. 125

    4.5. Caso Erenice Guerra: descrio e anlise do escndalo .................................................. 127

    4.5.1. A informao: escndalo Erenice Guerra .................................................................. 127

    4.5.2. Anlise da contrainformao sobre o caso Erenice Guerra...................................... 129

    4.5.3. Anlise da interatividade no caso Erenice Guerra.................................................... 137

    4.6. Caso da Bolinha de Papel: descrio e anlise do escndalo .......................................... 139

    4.6.1. A informao: escndalo... ............................................................................................ 1394.6.2. Anlise da contrainformao sobre o caso da bolinha de papel............................... 140

    4.6.3. Anlise da interatividade no caso da bolinha de papel............................................. 149

    4.7. Blogs em ao: fontes interconectadas nos casos ............................................................ 150

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 153

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA .................................................................................... 168

    STIOS E PORTAIS DA INTERNET ................................................................................ 174

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    INTRODUO

    A comunicao via internet vem ganhando mais importncia no campo poltico a cada

    nova disputa eleitoral no Brasil. O acompanhamento das campanhas pelo pblico mais

    interessado ocorre atravs de stios, portais e canais em redes sociais dos candidatos e de seus

    respectivos partidos, bem como a busca de informao atravs de portais jornalsticos que

    acompanham o dia-a-dia das campanhas. Dentre estas fontes jornalsticas se destacam novos

    canais alternativos fora do mainstream e blogs de poltica escritos por polticos, militantes,

    cidados comuns e especialmente por jornalistas.

    No dia 19 de agosto de 2010, o ento candidato presidncia da Repblica Jos Serra

    do PSDBPartido da Social Democracia Brasileira participou do "8 Congresso Brasileiro deJornais, onde assinou a Declarao de Chapultepec, assumindo o compromisso com a

    liberdade de expresso1dos meios de comunicao. Serra aproveitou o evento para criticar e

    acusar o governo federal sob o comando de Luiz Incio Lula da Silva do PT Partido dos

    Trabalhadores. O candidato tucano acusou o governo de financiar blogs sujos que davam

    norte do patrulhamento a jornalistas no pas, ou seja, atentariam contra a liberdade de

    expresso.

    Mesmo sem citar nominalmente, Serra se referia a um grupo de blogueiros queganharam crescente notoriedade produzindo notcias atravs de blogs e se organizando na

    internet. Um grupo recm-organizado naquele momento que contava com a participao de

    alguns jornalistas conhecidos na mdia tradicional e que, em virtude disso, ganharam

    relevncia na blogosfera. Em comum: apoio ao governo petista e constante oposio a

    governos de tucanos e aliados, especialmente na prefeitura de So Paulo e no governo do

    Estado, dos quais Serra fora prefeito e governador respectivamente.

    Se por um lado Serra acusava os blogueiros de atentarem contra a liberdade deexpresso, por outro lado, os blogueiros acusavam Serra de tentar promover o pensamento

    nico atravs da inter-relao dele e de seus aliados com as principais empresas de mdia do

    Brasil. Atravs de alguns de seus principais colaboradores, a grande mdia tambm acusa os

    blogueiros de serem financiados pelo governo federal, enquanto os blogueiros acusam a

    grande mdia de serem coniventes com os governos tucanos ao mesmo tempo em que tentam

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    Disponvel em http://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtml. Acesso em 18/10/2012. Declarao de Chapultepec disponvel emhttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepec. Acesso em18/10/2012.

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtml
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    prejudicar os petistas.

    Assim, sem espao na grande mdia para produzir contedo jornalstico sem

    interferncias superiores, diversos jornalistas passaram a utilizar blogs para produzir contedo

    de jornalismo poltico de forma direta e independente, isto , sem gatekeepers ou influncia

    de agentes externos, tais como patrocinadores e anunciantes.

    Estava montada a arena para se desenvolver vrias lutas simblicas durante o perodo

    eleitoral: de um lado, os meios de comunicao tradicionais jornais, revistas, rdio e

    televiso publicando ao longo de quase cinco meses diversas informaes gerando

    escndalos polticos que envolviam a candidata governista ou o seu partido. Do outro lado, os

    autodenominados blogueiros progressistas respondiam, questionando as informaes

    veiculadas nesses meios.A conjuntura nacional que combinava boa avaliao do governo Lula (2003-2010)

    no qual Rousseff ocupou dois ministrioseconomia em crescimento, desemprego em baixa,

    estabilidade poltica aliados ainda ao fenmeno do lulismo nas classes sociais mais baixas

    (SINGER, 2012), fez com que o favoritismo da candidata governista fosse questo de tempo.

    Entre os trs principais candidatos (Rousseff da situao, Serra da oposio e Marina Silva,

    ex-ministra de Lula como a terceira via), a disputa programtica girava em torno daquele

    que seria o herdeiro legtimo do lulismo.Diante da limitao de pontos crticos a serem explorados tanto pelos adversrios

    como pela grande mdia, o foco se voltou para fatos e factoides polmicos em torno da figura

    de Dilma Rousseff e sua militncia poltica em grupos de esquerda que aderiram luta

    armada durante o regime militar brasileiro (1964-1985), declaraes antigas em relao a

    temas polmicos como o aborto, mas tambm a tentativa de consolidao e explorao de

    escndalos polticos miditicos (ALENCAR, 2012).

    O desenvolvimento dos meios de comunicao possibilitou novos espaos de

    visibilidade para os agentes polticos, mas com carter ambguo, isto , permite que os agentes

    polticos apaream mais e apresentem-se positivamente, ao mesmo tempo em que os tornam

    mais vulnerveis a gafes e constrangimentos por desvios de conduta dentro de contexto social

    determinado. Estes desvios de conduta passaram a ser muito explorados pelos meios de

    comunicao que os transformam em escndalos polticos miditicos que tem como

    consequncia, a perda de capital social para os agentes envolvidos, assassinatos de reputaes

    e, em casos mais srios, derrubada de lderes, tal como ocorreu com o ex-presidente

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    estadunidense Richard Nixon, aps o consagrado caso de Watergate, marco inicial do gnero

    (THOMPSON, 2002; 2008).

    Assim, os meios de comunicao de massas, desde a imprensa de Gutenberg at as

    tecnologias de informao e comunicao (TICs), influenciaram e transformaram as prticas

    polticas, especialmente, durante os perodos eleitorais, ponto alto da visibilidade poltica.

    Consequentemente, os meios de comunicao de massas, principalmente a televiso

    (presente em quase todos os lares brasileiros) tornaram-se o principal palco de disputa da

    poltica contempornea (LIMA, 2001). neste espao que agentes sociais se concentram na

    busca de melhores vantagens particulares, polticas ou econmicas. Deste modo, as relaes

    entre os agentes do campo econmico, poltico e jornalstico ficaram mais intensas e cada vez

    mais marcadas por interdependncia e competio mtua, garantindo espaos privilegiadospara alguns grupos em detrimento de outros, ao mesmo tempo em que exercem influncia

    fundamental na construo de conjunturas, atores e at da agenda poltica.

    Em uma sociedade liberal-democrtica como o Brasil, a competio poltica

    geralmente ocorre atravs de eleies diretas em que grupos organizados em partidos polticos

    competem pelo poder institucional. Com os sistemas nacionais de comunicaes estando

    consolidados (LIMA, 2004), os meios de comunicao tradicionais (a mdia) tornam-se o

    principal instrumento de visibilidade para atores e agentes polticos, os principaisinstrumentos de transmisso dos projetos de nao, ideologias, valores culturais e opinio dos

    grupos organizados, como os partidos polticos, movimentos sociais e grupos de interesses

    presentes na sociedade, em suma, os maiores portadores de poder simblico (BOURDIEU,

    1997) capaz de agregar valor, ou melhor, capital aos agentes sociais.

    Porm, a obteno de espao para tornar-se visvel positivamente no to simples e

    homogneo: a veiculao de informaes e discursos pelos grandes meios de comunicao

    recebem enquadramentos de acordo com os interesses da instituio miditica, isto , deacordo os interesses dos donos da mdia, compreendida com uma empresa capitalista com

    interesses econmicos e polticos prprios, influenciada pelos patrocinadores e, em escala

    varivel, pelo prprio Estado que pagam a veiculao de propagandas comerciais, que acabam

    por influenciar na escolha do que deve ser ou no visto, bem como o enquadramento

    discursivo, gerando uma m reproduo da diversidade social (Ibidem).

    H tambm o problema da visibilidade ser negativa ou pior, nem existir. Determinados

    atores e grupos sequer conseguem aparecer nos meios de comunicao em razo dos seus

    posicionamentos e escolhas polticas opostos queles defendidos pelos meios de comunicao

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    Nasser sabia que aquela conversa era uma espcie de jogo no combinadoentre os dois. Ele se gabava de ter sido anti-Dutra quando o patro eradutrista, anti-Vargas quando Chateaubriand defendia a permanncia deVargas, e agora atacava Kubitschek em pleno idlio do chefe com Juscelino.David Nasser ficou. Semanas depois Chateaubriand sairia a pblico paradefender o presidente da campanha pertinaz que lhe movia O Estado de S.

    Paulo, que ele passara a chamar ironicamente de o porta-voz doesquerdismo udenista:o Estado agora deu de negar tudo o que a administrao Kubitschek tempromovido pelo progresso do Brasil. Se algum nesta terra tomasse a srioos vaticnios desse jornal, o abismo j haveria tragado este pas. A sorte que os leitores olham os articulistas do Estado como uma fauna delirante,recrutada entre o que o paroxismo partidrio tem de mais doentio.(MORAIS, 2011, p. 14).

    Eis aqui o primeiro problema: como considerar os meios de comunicao tradicionais

    como aqueles que nos informam a verdade se eles carregam consigo tantos interesses e

    tambm limitaes, tais como as de formatos, isto , nmeros de pginas ou tempo de

    transmisso da informao, alm das limitaes impostas tanto pelas empresas de mdia,

    como por outros grupos externos, como polticos, grandes empresas e, em menor grau, pelo

    perfil do consumidor das informaes?

    O trecho acima, extrado da biografia do primeiro dono de uma grande empresa de

    meios de comunicao de massas em seu formato mais bem acabado no sculo XX, que

    agregava em um s grupo mdia impressa, rdio e televiso (com a pioneira TV Tupi), nos

    permite compreender melhor a relao entre os campos poltico e jornalstico. Chateaubriand

    parece ter sido um agente perspicaz que soube explorar ao mximo o poder de influncia dos

    meios de comunicao no campo poltico e na sociedade brasileira durante boa parte do

    sculo passado: geralmente governista2, sabia utilizar seus meios para criticar quando

    necessrio e, com isso, obter vantagens para seus interesses particulares. Seu imprio entra em

    decadncia na dcada de 1960, a partir da debilitao de sua sade em consequncia de uma

    trombose que o deixa tetraplgico (MORAIS, 2011). Por outro lado, o perodo tambm

    coincide com o golpe militar em 1964 e com a ascenso das organizaes Globo, dirigida por

    Roberto Marinho, como maior indstria miditica do pas3.

    Voltando ao dilogo entre o Chateubriand e Nassser, o que ele refora que

    geralmente a opinio poltica veiculada pela mdia a opinio do dono da mdia. Assim,

    2 Assis Chateaubriand tambm foi senador entre 1952 e 1957. Disponvel emhttp://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39.

    Acesso em 18/10/2012.3 Em uma pesquisa com leitores, a revistaIsto elegeu em 1999, Roberto Marinho como o comunicador dosculo, enquanto Chateaubriand ficou com a segunda colocao. Disponvel emhttp://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+.Acesso em 16/10/2012.

    http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39
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    vises de mundo, posies polticas e interesses privados, tanto do jornal como o de qualquer

    outro meio de comunicao empresarial tendem a ser minimamente alinhados ao(s)

    proprietrio(s).

    Diante deste quadro, fica difcil supor que as empresas de mdia conceda espao

    significativo para que todos, ou para a maioria de grupos sociais sejam visveis e defendam

    suas bandeiras e interesses, apesar de alguns espaos cedidos para grupos ou agentes com

    perspectivas diferentes, tais como os token leftist (quota de esquerdistas) do jornalismo

    estadunidense; o restante geralmente excludo, sem voz para disputar as representaes do

    mundo social que so travadas nos meios de comunicao (MIGUEL, 2002). Assim, a sada

    para grupos que no obtm espao nos grandes meios de comunicao bem prxima daquela

    sugerida por Chateaubriand, isto , produzir um meio de comunicao prprio.E assim fizeram: nas sociedades modernas e tambm no Brasil grupos de agentes

    polticos e jornalistas produziram e consolidaram a mdia alternativa ou independente, isto ,

    um tipo de imprensa que produzia contedo poltico de acordo com as posies polticas

    prprias a fim de informar grupos e classes sociais, tais como sindicatos, partidos polticos

    radicais (na maioria de esquerda, mas tambm de direita) e minorias raciais e de gnero.

    No Brasil, este processo iniciou-se um pouco antes da proposio do Chat. No sculo

    XIX, os pasquins do perodo da independncia e da regncia no que, desordenadamente,atiravam para todo lado, mas com mais nfase na direo da Coroa e de seus personagens.

    Foi neste contexto que D. Pedro I fez de Frei Caneca personagem de um aviso espetacular

    queles que contestavam sua soberania (SODR, 1999).

    Na virada para o sculo XX, a imprensa operria desempenhou papel importante na

    mobilizao e organizao da classe trabalhadora a fim de reivindicar e conquistar melhores

    de condies de trabalho e de vida (FERREIRA, 1978); foi atravs dela que anarquistas e

    comunistas (e posteriormente trotskistas) organizaram greves, informavam sobre a situao daclasse trabalhadora principalmente na Europa e, os segundos conseguiram se organizar e

    fundar o Partido Comunista do Brasil em 1922 (PCB), e onde combatiam sindicalistas pelegos

    e os emergentes integralistas, inspirados no nazi-facismo europeu4. Neste perodo, esta

    imprensa era mais organizada, onde era possvel saber que alm da imprensa hegemnica

    existia tambm uma imprensa contra-hegemnica e alternativa (SODR, 1999).

    O perodo mais produtivo do gnero ocorreu durante o perodo do regime militar,

    especialmente entre os anos de 1964 e 1980. Mas, as perseguies polticas, escassez material

    4 O principal terico e lder do integralismo no Brasil, Plnio Salgado foi colaborador da ento imprensatradicional, com maior destaque para o peridico de So Paulo, Correio Paulistano.

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    e a perda das principais bandeiras de luta desta imprensa, condenou o gnero ao quase

    desaparecimento na dcada de 1980, apesar da reabertura poltica e da consequente liberdade

    de imprensa garantida na Constituio de 1988 (KUCINSKI, 1991).

    A imprensa alternativa retornou timidamente com a revista Caros Amigos em 1997,

    mas mesmo assim um marco positivo de retomada (FERREIRA FILHO, 2004). Entretanto,

    esses peridicos, assim como os ainda existentes de organizaes e partidos polticos, tm

    alcance fsico limitado de distribuio e acesso em todo o pas.

    Com a difuso da internet na virada do sculo, novas possibilidades de produo de

    mdia surgiram e, consequentemente, novas possibilidades de produo de contedo

    jornalstico alternativo: alm das mais diversas formas de comunicao direta entre duas ou

    mais (e cada vez mais) pessoas ao mesmo tempo para todo tipo de assunto cotidiano, ainternet vem se tornando tambm uma importante ferramenta para ao poltica. Inicialmente

    com maior nfase no hemisfrio norte e atualmente com a expanso contnua da rede que

    ultrapassa dois bilhes de pessoas no mundo5 cresce em relevncia o papel da internet na

    participao poltica, assim como se multiplicam as possibilidades de obter informao

    atravs de outros canais alternativos aos meios de comunicao tradicionais.

    Nas eleies brasileiras de 2006, a febre dos blogs de poltica (AUD et al., 2006)

    multiplicou os canais de informao na internet, mas trouxe consigo olhares desconfiados docampo jornalstico at o campo acadmico, assim como a emergente mdia alternativa em

    rede. Dentre as dvidas, destacam-se aquelas relacionadas qualidade e credibilidade do

    contedo veiculado e de seus respectivos produtores (HINDMAN, 2009) e a eficincia em

    promover a reflexo e o debate poltico, ao invs simplesmente reproduzir a doxa e pregar

    para convertidos (NORRIS, 2001b).

    Em parte, estes argumentos esto corretos, em parte, no. Passada a febre, muitos

    blogs que abordavam temas polticos parecem ter perdido relevncia. Entretanto, com aorganizao de blogosferas que produzem contedo e colaboram entre si, alguns grupos

    ganharam relevncia e parecem ter encontrado um lugar ao sol, principalmente pela

    credibilidade conquistada e compartilhada entre blogueiros e leitores. No que diz respeito ao

    debate, se os blogs ainda apresentam pouco debate nos comentrios que, geralmente so

    alinhados aos blogueiros, por outro lado possibilitam a um pblico incrdulo canais

    alternativos de informao alm da grande mdia, ou seja, nem toda blogosfera inova e

    reproduz, pregando para convertidos, mas algumas ocuparam um espao vago, para um

    5 Disponvel em Acesso em 13/04/2013.

    http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.html
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    pblico vido por heresia.

    Assim, na blogosfera possvel encontrar contedos novos e diversificados daqueles

    produzidos pela grande mdia, com temas ocultados ou tratados de modo superficial pelo

    jornalismo tradicional, chegando at em alguns casos a produzir contedo que questiona o

    contedo produzido pela grande mdia, travando uma luta simblica que, alm de produzir um

    contedo diferenciado promove um processo de transferncia de credibilidade na medida em

    que desconstri uma informao da grande mdia com a produo de uma contrainformao

    qualificada.

    Os convertidos no ficaram sem seus pastores, pois a maior parte da mdia

    tradicional j se reconfigurou para atender a demanda na internet: jornais, revistas e canais de

    televiso criaram seus espaos de difuso de contedo na rede, aumentaram seu capitalhumano para dar conta de noticiar em tempo real, apesar de algumas empresas, especialmente

    de mdia impressa, enfrentarem crises em funo do atraso e/ou da m qualidade de adaptao

    internet. Ainda assim, no que diz respeito ao jornalismo poltico, destacam-se os jornalistas

    conhecidos nas mdias tradicionais que ampliaram sua influncia atravs da manuteno de

    blogs com informaes polticas frequentes, tais como Ricardo Noblat, Josias de Souza e

    Kennedy Alencar, para citar alguns bem conhecidos vinculados grande mdia.

    Com seus mais diversos formatos que vo desde meios de divulgao de boletinsinstitucionais at a extenso do espao de publicao de comentrios por parte de colunistas

    de grandes meios de comunicao de massa, o blog tambm foi apropriado por jornalistas

    independentes para questionar o que eles denominam de grande mdia: jornalistas conhecidos

    pelos trabalhos nos grandes meios de comunicao tradicional passaram a publicar e manter

    blogs sem vnculo empregatcio com qualquer empresa de mdia, publicando contedo de

    autoria prpria ou em colaborao com outros blogueiros e leitores, sendo eles seus prprios

    gatekeepers e orientadores polticos de seus respectivos blogs.Dentre vrios jornalistas-blogueiros esto: Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos

    Azenha e Rodrigo Vianna que atualmente so funcionrios da TV Record, mas que mantm

    blogs independentes na internet colaborando para a reestruturao de uma mdia alternativa

    em rede. Os blogueiros produzem contedo poltico de temas no abordados pela grande

    mdia, alm de travar lutas simblicas diretas em alguns casos especficos em que so

    veiculados escndalos polticos miditicos pela grande mdia: quando a esta produz uma

    informao poltica com o objetivo de prejudicar determinado agente ou grupo poltico

    (geralmente apoiado pelos blogueiros), eles entram em ao atravs de uma investigao

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    paralela do caso que culmina na produo de contrainformao poltica, que tem como

    objetivo desconstruir a informao anterior, denunciando os objetivos e alinhamentos

    polticos da mdia tradicional, que se coloca como objetiva e neutra, ao contrrio dos

    blogueiros.

    Assim, os jornalistas viraram protagonistas na blogosfera, pois seus blogs geralmente

    so os mais acessados e as mensagens produzidas por eles ganham mais repercusso na rede,

    em funo a legitimidade dada por aquilo que Bourdieu chama de monoplio dos

    profissionais, isto , o poder simblico que legitima o que o agente especializado produz

    (BOURDIEU, 1997).

    No dia 24 de novembro de 2010 ocorreu o que talvez seja at o momento o

    reconhecimento poltico mais importante para o jornalismo produzido na blogosfera: o aindapresidente Lula recebeu no Palcio do Planalto alguns blogueiros progressistase concedeu a

    primeira entrevista coletiva exclusiva com durao de duas horas. Deste modo, estava

    completo o abrupto reconhecimento: dos adversrios, mas tambm dos aliados.

    As novas possibilidades de utilizao da internet para fins polticos parecem ir alm:

    ao redor do mundo mobilizaes sociais organizadas atravs da rede, principalmente a partir

    de 2011 quando a primavera rabe contribuiu para questionamentos e mudanas de governos,

    os indignados espanhis protestaram contra a inrcia administrativa do PP e PSOE que sealternam frente do pas e que no apresentaram alternativas para o pas superar a crise

    financeira cada vez mais agravada e os ocupadores de praas pblicas e dos grandes centros

    financeiros mundial, novos atores polticos ocuparam o espao poltico. Em comum, estes

    movimentos utilizaram novas ferramentas de comunicao e interao para se organizar e agir

    politicamente: no foram os partidos polticos, os sindicatos ou os movimentos sociais de

    outrora, mas sim a ao direta organizada e conduzida atravs da internet.

    Os dispositivos para produzir contedo na internet so variados, tais como redessociais, e-mails, fruns e blogs pelos quais agentes sociais se organizam para aes coletivas,

    mas tambm produz informao alternativa, em casos especficos, a contrainformao. Eles

    tambm driblam censuras, fortaleceram laos em rede e, em aes mais extremas, se

    organizam e ocupam ruas e praas para lutar pelos seus interesses comuns dentro de seus

    contextos, desde a necessidade de conduzir a queda de regimes, contestao dos modelos

    ditos democrticos vigentes, o abuso de poder de foras policiais, a falta de representatividade

    dos partidos polticos atuais, a crtica direta ao que consideram irresponsabilidade

    especulativa do sistema financeiro at, para ser mais pontual, o resgate do simples direito de

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    protestar. Estes e outros recentes movimentos mostram empiricamente as novas e variadas

    possibilidades de comunicao atravs da internet. E o mais importante para este trabalho, as

    possibilidades de conseguir visibilidade para fins polticos atravs desta nova forma de

    interao de caractersticas mais completas e de rpida expanso por todo o mundo.

    Da mesma forma, agentes e grupos passaram a utilizar blogs e stios na internet para

    produzir informao alternativa e contrainformao poltica, sendo esta ltima o grande

    interesse de investigao deste trabalho.

    Assim, o objetivo deste trabalho verificar se os blogs polticos de jornalistas

    independentes na rede so eficazes na produo de contrainformao poltica acerca de

    informaes polticas produzidas pelos meios de comunicao tradicionais, atravs de

    interao com outros blogueiros e tambm leitores, para isso ser estudado a atuao dosblogueiros Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna, ligados ao grupo

    dos blogueiros progressistas, durante os escndalos polticos conhecidos como o (i) caso da

    quebra de sigilo, (ii) caso Erenice Guerra e (iii) caso da bolinha de papel envolvendo

    direta ou indiretamente a ento candidata Dilma Rousseff, durante o perodo da campanha

    presidencial de 2010.

    A hiptese inicial de que existe uma ao poltica dos blogueiros que pode ser

    classificada de contrainformao poltica, cujo objetivo questionar determinadasinformaes produzidas pela grande mdia. Nas eleies 2010, a produo de

    contrainformao poltica se concentrou principalmente na contestao dos escndalos

    polticos miditicos acima descritos.

    A segunda hiptese que a atuao de jornalistas profissionais na produo de

    contrainformao pode aumentar a visibilidade em razo do capital simblico acumulado por

    eles, ou seja, o jornalista tem o poder dar maior legitimidade a determinada contrainformao

    poltica.

    A dissertao est dividida em duas partes, com dois captulos em cada. A primeira

    parte de referencial terico. No primeiro, o mais denso e extenso captulo, o objetivo

    debater o referencial terico-conceitual de construo e localizao do objeto desta pesquisa.

    Para tanto, apresentada a compreenso da sociedade contempornea partindo da estruturao

    de Gramsci, compreendendo a sociedade como uma estrutura conduzida por uma hegemonia

    que precisa reproduzir-se ideologicamente para promover sua manuteno, com os meios de

    comunicao tradicionais desempenhando um papel central nesta dinmica atravs da

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    produo de formas simblicas.

    Os campos sociais tm estruturas e regras de funcionamento especficas, mas no

    esto isolados, isto , qualquer campo social tem regras internas que so constitudas atravs

    das relaes hierarquizadas e legitimadas a partir de referncias internas, mas tambm

    externas, gerando o habitus do campo. Neste trabalho, como j dito, o campo econmico,

    poltico e jornalstico tm relaes mtuas de interdependncia e conflito especficos, que

    tambm busco compreender o tema central deste trabalho, a visibilidade, importante tanto

    para os agentes polticos quanto para os agentes jornalsticos na relao destes com o restante

    da sociedade, bem como a compreenso da contrainformao poltica produzida por estes

    meios. Alm do jornalismo hegemnico, busco compreender o lugar dos contra-hegemnicos

    e alternativos nos campos sociais. Em seguida, apresento o processo de produo da notcia,em especial a notcia poltica pelos meios de comunicao atravs dos processos de

    midiatizao e espetacularizao do que se quer informar.

    Por fim, ainda no captulo I, busco compreender os escndalos polticos miditicos,

    consolidados com o Watergate e que se multiplicam e se espalham globalmente com a

    internet. Nos ltimos anos os escndalos so produzidos com grande frequncia nos meios de

    comunicao tradicionais no Brasil e colaboraram para a renncia do primeiro presidente

    eleito ps-ditadura, prejudicou a imagem e minou a carreira poltica de outros tantos polticos,passando a ser protagonista no jornalismo poltico contemporneo.

    A relao entre jornalismo, poltica e internet o tema central do captulo II. Nele

    buscarei debater a apropriao da internet pela poltica e os respectivos estudos acerca das

    mais diversas formas de ao, especialmente o jornalismo alternativo digital que se apropria

    dos dispositivos e do espao da internet para se reestruturar e se consolidar, tais como as

    experincias da blogosfera, a partir da apropriao de blogs por jornalistas e agentes sociais e

    a distino entre blogs e blogosferas institucionais e alternativas.A segunda parte dedicada s eleies 2010. No terceiro captulo so debatidas

    algumas pesquisas acerca do papel da mdia nas eleies 2010, desde os principais temas at

    os mais polmicos como a ficha falsa de Rousseff publicada na capa daFolhae as discusses

    em torno da questo do aborto, tratado muito mais como uma questo moral do que de sade

    pblica por grupos conservadores, religiosos, mas tambm pelos candidatos e familiares,

    passando pelo enquadramento e cobertura dos principais candidatos presidncia, alm da

    relevncia da blogosfera durante a campanha.

    A pesquisa emprica apresentada no quarto e ltimo captulo. A metodologia da

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    pesquisa em blogs de poltica (SANTOS et al., 2009) apresentada juntamente com as

    adaptaes e inseres realizadas em razo das necessidades trazidas durante o processo de

    pesquisa. Com um total de 157 mensagens coletadas e analisadas, mais os comentrios

    correspondentes a cada mensagem, o objetivo apresentar detalhadamente a

    contrainformao produzida pelos blogueiros, os enquadramentos utilizados, a receptividade e

    interao dos leitores e a rede colaborativa envolvida no processo de produo de difuso das

    mensagens.

    Por fim, as consideraes finais deste trabalho esboam uma autoanlise do trabalho

    em geral, a eficincia da base conceitual, da metodologia, bem como a anlise dos resultados.

    Algumas consideraes, entretanto, buscam ir um pouco alm da produo de

    contrainformao poltica dos blogs, buscando levantar algumas questes acerca daconjuntura contempornea, possibilidades e desafios que a mdia alternativa emergente na

    internet, especialmente a blogosfera, tem de enfrentar dentro e fora da rede.

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    comunicao e o restante desempenham hoje um papel mais central noprocesso de controle social. (EAGLETON in ZIZEK, 2009, p. 198).

    Deste modo, a estrutura como um todo deve agir para que a sociedade consinta a

    manuteno da hegemonia dominante, isto , da cultura vigente. Ademais, necessrio que a

    hegemonia seja renovada, recriada, defendida e modificada (LIMA in RUBIM, 2004, p.

    12), sendo os meios de comunicao agentes importantes nos processo de legitimao de

    manuteno dostatus quo.

    A sociedade civil composta por diversos grupos e instituies organizados, tais como

    igrejas, partidos polticos, movimentos sociais e meios de comunicao de massas que,

    internamente, mantm estruturas hegemnicas ou dominantes em seus respectivos meios de

    reproduo e influncia.

    Entretanto, em todas as instncias h algum tipo de resistncia que gera alteraes e

    at ruptura, que se manifestam atravs da contra-hegemonia ou da hegemonia alternativa

    (LIMA in RUBIM, 2004). Um processo contra-hegemnico ou alternativo, na viso

    gramsciana, deve se apropriar dos espaos e modelos hegemnicos para fazer-se

    compreensvel e, consequentemente, conseguir mudanas radicais na sociedade. Portanto, a

    relao entre as diversas instituies ambgua, de interdependncia, mas tambm de

    competio, conflito e apropriao das instituies hegemnicas e de suas formas para ao

    mesmo tempo combat-la e/ou propor novos formatos para ela (EAGLETON, 1997).

    A construo do conceito de hegemonia ocorre a partir da luta de classes, ou seja, a

    hegemonia a forma que a classe dominante (burguesia) exerce seu poder sobre as classes

    subalternas. Seu limite est em seu jogo de soma zero: os indivduos das classes subalternas

    recebem a cultura hegemnica passivamente ou, ao contrrio, rompe com ela. Mas a prpria

    possibilidade do alternativo abre espao para a ao do indivduo, logo, no somente a

    resistncia, mas tambm a reproduo das prticas sociais ocorre a partir de aes dos sujeitosenvolvidos em determinada ao que, se no conseguem uma ruptura com a hegemonia

    dominante, consegue alteraes relativas, que podem ser mais ou menos relevantes de acordo

    com o contexto em questo.

    Estas aes podem ser mais bem compreendidas a partir de uma investigao

    intrainstitucional, isto , as instituies e grupos possuem estruturas internas que funcionam a

    partir de leis e regras pr-estabelecidas e que distribuem os agentes e permite que estes se

    redistribuam em diversas posies, mantendo ou alterando o espao e as regras imanentes.Estes espaos so campos sociais, na formulao de Pierre Bourdieu, onde o espao particular

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    tem uma singularidade e se relaciona com os demais. Na anlise bourdiana os indivduos so

    mais ativos nos processos de legitimao e manuteno da hegemonia atravs de aes e

    escolhas cotidianas que influenciam diretamente nos espaos em que se relacionam e nos

    demais com os quais se inter-relacionam.

    1.2. Campos sociais: campo econmico, campo poltico, campo jornalstico e habitus

    1.2.1. Conceitos de campo social e habitus

    De acordo com Bourdieu, um campo social pode ser compreendido como

    (...) um espao multidimensional de posies tal que qualquer posio atualpode ser definida em funo de um sistema multidimensional decoordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variveispertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimenso,segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimenso,segundo a composio do seu capital quer dizer, segundo o peso relativodas diferentes espcies no conjunto das suas posses. (BOURDIEU, 2011, p.135).

    Cada campo social um microcosmo que, em sua especificidade um sistema de

    relaes objetivas que determina o lugar que cabe a cada indivduo que a includo, que

    estabelece cada posio, quanto cada um vale, representa e acumula prestgio e

    reconhecimento (GOMES, 2004, p. 53). Internamente um campo possui posies desiguais e

    hierrquicas em que os indivduos so distribudos a partir de lutas com leis e regras

    especficas e que todos tm conhecimento prvio e as assimila para dar sentidos as suas aes

    orientadas para fins prprios. Trata-se de uma parte do social com leis prprias que orientam a

    ao dos indivduos.

    Para Bourdieu (1996), os indivduos devem ser compreendidos como agentes, isto ,

    sujeitos que agem, lutam por seus interesses. Os agentes esto distribudos em um

    determinado campo a partir de suas posies relativas, que determinada pela distino

    (hierarquias) dos agentes atravs do capital social distribudo e incorporado por cada um; este

    capital no somente ou necessariamente financeiro, mas tambm pode ser capital cultural,

    poltico, jornalstico, simblico etc. A obteno de capital ocorre em diversos campos que no

    somente o de atuao mais efetiva do agente: atravs da famlia, da escola, da classe social, da

    religio etc. A relao entre os agentes complexa, tal como entre os campos (instituies), hinterdependncia, competio, luta e, obviamente, resistncia.

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    Assim, da dialtica entre campo(s) e sujeito surge o que Bourdieu classifica como

    habitus, que pode ser compreendido como um

    (...) sistema de disposies [durveis] adquiridas pela aprendizagemimplcita ou explcita que funciona como um sistema de esquemas geradores, gerador de estratgias que podem ser objectivamente em conformidadecom os interesses objectivos dos seus autores sem terem sido expressamenteconcebidas para esse fim. (BOURDIEU, 2004, p. 125).

    A internalizao de regras especficas pelos agentes geram prticas particulares que

    podem ser racionais ou no, mas sempre imanentes, e que mediam as lutas para se ocupar

    espaos privilegiados em um campo determinado. Desta forma,

    (...) o habitus , com efeito, princpio gerador de prticas objetivamenteclassificveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificao (pricipiumdivisionis) de tais prticas. Na relao entre as duas capacidades que definemo habitus, ou seja, capacidade de produzir prticas e obras classificveis,alm da capacidade de diferenciar essas prticas e esses produtos (gosto), que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espao dos estilosde vida. (BOURDIEU, 2007, p. 162) (grifos do autor).

    () [so] sistemas de disposies durveis, estruturas estruturadaspredispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto , como

    princpio gerador e estruturador das prticas e das representaes que podemser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto de obedinciaa regras, objetivamente adaptadas ao seu fim sem supor a intenoconsciente dos fins e o domnio expresso das operaes necessrias paraatingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da aoorganizadora de um maestro. (BOURDIEU, 1983, p. 60-61)

    O habitus uma estrutura estruturada que antecede o sujeito, mas tambm estrutura

    estruturante, que modificada constantemente a partir das aes humanas, isto , a partir das

    lutas pela conservao e/ou transformao da configurao das relaes de fora. De acordo

    com Setton:

    Pensar a relao entre indivduo e sociedade com base na categoria habitusimplica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo sosimultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus umasubjetividade socializada (Bourdieu, 1992, p. 101). Dessa forma, deve servisto como um conjunto de esquemas de percepo, apropriao e ao que experimentado e posto em prtica, tendo em vista que as conjunturas de umcampo o estimulam. (SETTON, 2002, p. 63).

    Em suma, o habituspode ser considerado a predisposio do indivduo para ao, suasreferncias para agir dentro de um contexto especfico, adquiridas ao longo de sua vida social,

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    o que lhe possibilita desenvolver estratgias de ao em um determinado contexto.

    Alm da obteno de espao privilegiado no campo, os agentes mais antigos procuram

    conservar o habitusvigente, enquanto os mais novos tendem a tentar alter-lo (BOURDIEU,

    1997). Assim, o indivduo com maior conhecimento das regras e com maior quantidade de

    capitais incorporados determinantes dentro do campo especfico, teria melhores condies

    para ocupar posies de maior destaque na hierarquia deste campo de forma legtima. Em

    uma palavra, quanto mais capital, mais poder; quanto mais poder, mais autonomia para agir e

    para agregar valor, o capital social. E isso socialmente aceito tacitamente, ou seja, no

    necessrio ser enunciado para ser legitimado, naturalizado. Deste modo,

    A dialtica das condies e dos habitus o fundamento da alquimia quetransforma a distribuio do capital, balano de uma relao de foras, emsistemas de diferenas percebidas, de propriedades distintivas, ou seja, emdistribuio de capital simblico, capital legtimo, irreconhecvel sem suaverdade objetiva. (BOURDIEU, 2007, 164).

    A consequncia que um campo social distribui internamente os seus agentes e

    legitima os seus representantes externos (jogadores) que travam as disputas atravs da ao

    com os representantes dos outros campos sociais tambm legitimados como representantes

    destes e, por outro lado, protege seu campo da influncia de profanos e a arena de disputade jogadores extraordinrios, aventureiros sem legitimidade para disputar o jogo em

    questo, pois em todos os campos, os profissionais so os detentores do monoplio da ao

    (BOURDIEU, 1996; 2011). Tudo isso baseado na crena de que se assim, legtimo, por

    mrito.

    Quando falamos de poltica, possvel compreender os meios de comunicao como

    palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder poltico na contemporaneidade (LIMA,

    2001, p. 176) e a relao entre o campo econmico, poltico e jornalstico se apresentam comodas mais intensas: primeiro pela interdependncia, segundo pela luta pelo capital que parece

    ser o mais precioso para a manuteno do poder: o capital simblico aquele que legitima a

    verdade, uma viso de mundo. Assim, possvel compreender as lutas entre os campos

    como lutas simblicas. Da mesma forma ocorre internamente nos campos, isto , lutas

    simblicas entre empresas de mdia, entre profissionais e mdia, mas tambm entre empresas e

    profissionais, tal como o caso dos trs jornalistas-blogueiros abordados neste trabalho que

    enfrentam grandes meios de comunicao desenvolvendo com outros agentes meios de

    comunicao alternativos que produzem contedo diferente daquele produzido pela grande

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    mdia, priorizando temas no abordados ou desprezados pelo mainstream, mas tambm

    atravs da produo daquilo que ser abordado neste trabalho como contrainformao

    poltica.

    Para compreender melhor como so possveis estas lutas, necessrio compreender o

    que o poder simblico que permite a luta entre agentes e os trs campos envolvidos

    diretamente neste trabalho, de forma mais especfica e aprofundada e tecer as relaes entre

    ambos.

    1.2.2. Poder simblico, campo econmico, campo poltico e campo jornalstico

    1.2.2.1. A matria prima: o poder simblico

    Nos campos sociais os agentes precisam vender a sua verdadepara ocupar lugares

    privilegiados em seu campo especfico e na sociedade como um todo. O empresrio precisa

    convencer e contribuir para legitimar aes polticas e econmicas que tragam benefcios para

    si, mas tambm para o mercado. Um jornalista precisa convencer os seus espectadores que a

    narrao que constri acerca de determinado fato fiel ao que realmente ocorreu em

    determinada situao. O poltico por sua vez, precisa convencer os eleitores de que ele amelhor pessoa para conduzir a sociedade. Em todos os casos, os agentes com mais

    credibilidade so aqueles que tm maior quantidade de poder simblico acumulado,

    geralmente pela sua posio dentro do campo.

    Assim, de acordo com Bourdieu o poder simblico seria

    Um poder de construo da realidade que tende a estabelecer uma ordemgnosiolgica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo

    social). (...) Os smbolos so por excelncia da integrao social: enquantoinstrumentos de conhecimento e de comunicao (...), eles tornam possvel oconsensus acerca do sentido do mundo social que contribuifundamentalmente para a reproduo da ordem social: a integrao lgica a condio da integrao moral (BOURDIEU, 2011, p. 9-10).

    Segundo John B. Thompson (2011), a origem do poder simblico est na produo

    transmisso e recepo do significado das formas simblicas (Ibidem, p. 42) que, com o

    advento dos meios de comunicao, alguns agentes passaram a utilizar os mais variados

    recursos disponveis para construir suas formas simblicas.

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    Apesar de reconhecer o campo econmico como autnomo e a teoria econmica como

    consequncia em parte desta autonomia, Bourdieu (2005) prope uma reinsero da economia

    no social (RAUD, 2007), isto , assim como os demais campos o econmico tambm est em

    constante inter-relao e interdependncia com os demais campos sociais.

    Segundo Bourdieu, o campo econmico se distingue dos outros campos pelo fato de

    que as sanes so especialmente brutais e que as condutas podem se atribuir publicamente

    como fim a busca aberta da maximizao do lucro material individual (BOURDIEU, 2005,

    p. 22), mas isso no quer dizer que todas as relaes de trocas possam ser reduzidas ao

    comrcio de mercadorias comprveis. Assim, as trocas no so meramente econmicas, mas

    contm outras influncias e referncias extracampo, ou seja, so dependentes de uma histria

    anterior que orienta determinada ao econmica que pode ser poltica, escolstica, religiosaetc.

    A dinmica do campo econmico orientada pelas relaes de transao entre

    produtores e clientes e as relaes de concorrncia internas ao campo econmico (RAUD,

    2007, p. 213). Assim, a tendncia que os maiores grupos criem barreiras contra grupos

    novos e/ou menores a fim de manter a posio privilegiada no campo. Desta forma

    conseguem se proteger dos fatores de mudanas dentro do campo, que podem variar desde

    inovao que possibilite a ascenso de grupos antes dominados, a diviso em vriossubcampos at o surgimento de um novo campo que supere a dominao anterior, como no

    caso da informtica e das telecomunicaes (RAUD, 2007, p. 213) (grifo do autor).

    Porm, Bourdieu (2005) chama a ateno para a interao que considera a mais

    importante para o campo econmico, a interao com o campo poltico:

    A competio entre as empresas assume frequentemente a forma de umacompetio para o poder sobre o poder do Estado, - notadamente, sobre o

    poder de regulamentao e sobre os direitos de propriedade e para asvantagens asseguradas pelas diferentes intervenes do Estado, tarifaspreferenciais, patentes, regulamentos, crditos para pesquisa-desenvolvimento, compras pblicas de equipamento, ajudas para a criaode emprego, inovao, modernizao, exportao, habitao, etc.(BOURDIEU, 2005, p. 40).

    Ou seja, o campo econmico no tem vida prpria independente dos outros campos,

    especialmente, do campo poltico, do Estado. Aqui cabe lembrar tambm que o campo

    jornalstico formado por empresas de mdia que concentram diversos meios de comunicao

    e que, consequentemente, tem interesses claros na relao com o campo poltico, tais como

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    conseguir eleger aqueles grupos que mais lhe tragam benefcios polticos, mas tambm

    econmicos atravs da manuteno de concesses pblicas, incentivos fiscais e,

    principalmente financeiro, atravs da veiculao de propagandas governamentais e empresas

    estatais e tambm com a obteno de produtos destas empresas atravs de assinaturas ou

    compra de direitos autorais.

    1.2.2.3. Campo poltico

    Dentro da estrutura hegemnica contempornea no Brasil, a anlise bourdiana se

    apresenta como aquela considerada ideal para este trabalho. Com o objetivo de compreender o

    campo poltico nas sociedades liberais-democrticas, tais como o sistema poltico francs desua poca, Pierre Bourdieu considera que,

    Entendido ao mesmo tempo como campo de foras e como campo das lutasque tm em vista transformar a relao de foras que confere a este campo asua estrutura (...) [o campo poltico ] o lugar em que se geram, naconcorrncia entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtospolticos, problemas, programas, anlises, comentrios, conceitos,acontecimentos, entre os quais os cidados comuns, reduzidos ao estatuto deconsumidores, devem escolher, com possibilidades de mal-entendidos

    tanto maiores quanto mais afastados esto do lugar de produo.(BOURDIEU, 1996, p. 163-164).

    O campo de atuao dos agentes do campo poltico so as instituies do Estado

    institudo, mais especificamente, os poderes legislativo (no Brasil, Senado e Congresso no

    mbito federal, Assembleias Legislativas estaduais e Cmara dos Vereadores municipais) e

    executivo (Presidncia e Ministrios no mbito federal, Governo e secretarias estaduais, alm

    das Prefeituras e secretarias municipais). O judicirio outro campo autnomo, o campo

    jurdico. Os detentores do monoplio, os polticos, so alados posio de representantes

    pelos grupos de interesses, a partir do reconhecimento (reputao e qualidades especficas

    tcitas) e podem ter origens variadas: representantes de classes, sindicalistas, empresrios,

    profissionais liberais, lderes religiosos etc.; inclusive representantes do campo jornalstico

    e/ou dos meios de comunicao em geral. Segundo Bourdieu, o representante :

    o porta-voz dotado do pleno poder de falar e de agir em nome do grupo e,em primeiro lugar, sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, osubstituto do grupo que somente por esta procurao existe; personificaode uma pessoa fictcia, de uma fico social, ele faz sair do estado de

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    indivduos separados os que ele pretende representar, premitindo-lhes agir efalar, atravs dele, como um s homem. Em contrapartida, ele recebe odireito de se assumir pelo grupo, de falar e de agir como fosse o grupo feitohomem. (BOURDIEU, 2011, p. 158).

    So os representantes os lutadores simblicos, os agentes politicamente ativos que

    competem entre si para vender a melhor viso de mundo para o todo da sociedade,

    composta pelos agentes politicamente passivos, a partir da concesso da representao para

    os representantes, consentida como legtima. Bourdieu ainda acrescenta:

    O capital poltico uma forma de capital simblico, crdito firmadona crena e no reconhecimento ou, mais precisamente, nas inmeras

    operaes de crditos pelas quais os agentes conferem a uma pessoa (...). Opoder simblico um poder que aquele que lhe est sujeito d quele que oexerce, um crdito com que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que lheconfia pondo nele a sua confiana. (BOURDIEU, 2011, p. 188) (grifos doautor).

    A posio dos agentes dentro do campo varivel de acordo com a acumulao de

    poder simblico ou capital social acumulado, assim como nos outros campos sociais. No caso

    brasileiro possvel identificar a variedade de alinhamentos e lutas entre os agentes polticos

    que ocorrem alm da associao partidria, com o posicionamento nas bases aliadas ou

    oposicionistas, adeso a determinados grupos de interesses (as bancadas) e a luta simblica

    com outros grupos de acordo com a pauta em questo. Deste modo, funo do agente poltico

    parece ser difundir as ideias do seu(s) grupo(s) representado(s), fazendo com que estas sejam

    aceitas pela maioria da sociedade que ocorre geralmente atravs dos meios de comunicao de

    massas: aqui est instituda a relao entre o campo poltico e jornalstico e entre seus agentes.

    1.2.2.4. Campo jornalstico

    Assim como a abordagem dos campos econmico e poltico, o compreenso bourdiana

    parece ser a mais adequada para compreender o campo jornalstico contemporneo:

    Um espao social onde se busca, controla e distribui um recurso ou valorespecfico em funo do qual as prticas e representaes se ordenam comoum sistema. Esse recurso fundamental e especfico est relacionado autoridade jornalstica e comporta prestgio, reconhecimento, fama,celebridade, lugar de fala. Como tal, o jornalismo representa uma formaimanente de controle e distribuio de poder material e simblico e, aomesmo tempo, caracteriza-se como um sistema de conflito na busca,

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    controle e distribuio do capital simblico do campo. (GOMES, 2004, p.53).

    Segundo Bourdieu (1997) a estrutura do campo jornalstico pode ser compreendida a

    partir de dois tipos de legitimao opostos: o reconhecimento comercial e o reconhecimento

    dos pares. O reconhecimento comercial baseado na quantidade de receptores (leitores ou

    espectadores, dependendo do veculo) que consequentemente gera lucro em dinheiro a partir

    da compra de contedo miditico que gera a audincia mdia que tem como consequncia

    uma maior vitrine para anunciantes que compram espaos ou tempos para anunciar produtos.

    O reconhecimento dos pares concedido a atravs de respeito baseado em valores ou

    princpios internos que geram a reputaopositiva ou negativado agente.

    A distino entre os diversos meios de comunicao geralmente ocorre pelo contedo,

    isto , baseado no principal produto do jornal, sejam notcias de poltica, esportes, notcias de

    celebridades, indstria cultural etc.

    Da mesma forma que os outros campos, o campo jornalstico seria

    (...) uma arena de luta concorrencial pela autoridade jornalstica, pelaacumulao do capital jornalstico que d ao seu portador individual ouinstitucional a competncia jornalstica. A autoridade jornalstica o

    equivalente da credibilidade, s que voltada para dentro do campo e no paraos consumidores e assinantes muito embora a credibilidade sirva paraalimentar a autoridade e vice-versa. Acumulada ao mximo, assegura ao seudetentor um poder sobre a prpria estrutura e mecanismos constitutivos dojornalismo o poder de definir as regras do jogo. Em suma, disputa-se,juntamente com o prestgio, as estruturas das regras da disputa do prestgio.(...) A competncia jornalstica (...) a capacidade de falar e agir de maneiraautorizada e com autoridade. (GOMES, 2004, p. 54).

    Complementando definio de Gomes, h de se considerar que o valor simblico da

    credibilidade jornalstica tambm legitimador para agentes e assinantes, assim como para

    outros campos sociais. Para os agentes consumidores dos produtos jornalsticos, consumir o

    produto de As ou Bs, passa pela compreenso de que uns so mais confiveis do que os

    demais; a responsvel pela crena de que estes meios esto lhe informando o verdadeiro

    estado das coisas. Trata-se aqui do processo de legitimao do que Bourdieu denomina de

    doxa, isto , algo que as pessoas acreditam ser, pela falta de saber ante aqueles que acreditam

    ter este (dom de) saber (BOURDIEU et. al. 2010). Em uma palavra, o senso comum.

    Os outros campos sociais tambm reconhecem determinados agentes e empresas de

    jornalismos como mais legtimos, baseados em seus interesses especficos. Deste modo, a

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    retribuio do reconhecimento pode ocorrer com a veiculao de propagandas e/ou a

    reproduo do contedo produzido por determinado jornalista ou empresa de mdia.

    Desta forma, polticos e jornalistas tm posies privilegiadas para produzir vises de

    mundo (ortodoxia): de um lado, o representante legitimado pelo voto, que recebe o poder de

    representar determinado grupo a partir do consenso com o representado desenvolvido a partir

    da recepo e legitimao das formas simblicas, isto , o representado opta por conceder a

    determinado poltico legislar a seu favor, mediante a identificao com a viso de mundo

    deste. Por outro lado, o jornalista o agente legitimado para apresentar a informao, o

    feedback, a resenha da ao do poltico, a partir do seu ponto de vista acerca da poltica e de

    seus agentes.

    Porm, Bourdieu chama a ateno para a vulnerabilidade do agente poltico suspeitas, calnias e escndalos que podem desconstruir a crena que o legitima,

    (...) faz com o que o homem poltico esteja comprometido com o jornalista,detentor de um poder sobre os instrumentos de grande difuso que lhe d umpoder sobre toda a espcie de capital simblico (o poder de fazer oudesfazer reputaes, de que o caso Watergate deu uma mediada [verescndalos polticos miditicos]). (BOURDIEU, 2011, p. 190, nota 31).

    Deste modo, o campo jornalstico parece ter alguma vantagem em relao aos outroscampos sociais na construo das vises de mundo contemporneas e, certamente, com o

    advento da internet, cada vez mais. Enquanto o primeiro, baseado no seu ethosprofissional de

    informar a verdade (principal caracterstica do jornalismo investigativo), de ser o defensor dos

    interesses do pblico etc. aumenta sua credibilidade ao denunciar casos de corrupo, trfico

    de influncias, desvios morais etc.

    Entretanto, esta relao no to simples e determinada, mas ao contrrio, bastante

    complexa. Segundo Lus Felipe Miguel (2002), os campos da mdia e da poltica estointerligados, exercem influncia entre si, mas ainda assim, ambos guardam certo grau de

    dependncia. Porm, a dependncia varivel, dependendo da posio e do capital acumulado

    dos agentes envolvidos em uma determinada relao.

    Geralmente os agentes de ambos os campos necessitam ter relaes prximas que

    gerem benefcios para ambos. Assim, polticos e jornalistas desenvolvem e mantm relaes

    prximas para a viabilidade de interesses de um pelo outro. So polticos que podem dar

    informaes privilegiadas acerca de um acontecimento importante para os jornalistas, os

    chamados furos de reportagem, que permite que este se antecipe aos outros jornalistas,

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    agregando capital simblico e tambm econmico sua imagem. Por outro lado, os jornalistas

    tm o controle da visibilidade e da agenda, escolhendo aquilo que noticivel ou no

    (MIGUEL, 2002). Logo, determinado jornalista privilegia noticiar determinados polticos,

    seus respectivos grupos e agenda positivamente, em detrimento de outros, que aparecem mais

    negativamente, pouco aparecem ou sequer tm qualquer espao para pautar a agenda poltica,

    sendo obrigados a forjar aes espetaculares para adentrar ao campo jornalstico:

    Aqueles que esto situados na periferia dos agentes no campo poltico (...)so mais fortemente constrangidos a introjetar os critrios miditicos deapreciao da realidade e procurar a ao espetacular, como forma de rompera cortina da indiferena, e assim, incluir um novo item na agenda pblica. Jos que ocupam as posies centrais do campo poltico podem esperar uma

    ateno mais ou menos constante dos meios de comunicao para seus atos epalavras, o que significa a possibilidade de alcanar destaque com dispndiode esforo bastante menor. (MIGUEL, 2002, p. 172).

    Deste modo, o campo jornalstico contribui para a fixao de um campo poltico

    centrado em si mesmo, ou seja, orientado pela disputa do poder entre os agentes inseridos no

    campo, os parlamentares, governantes e lderes partidrios, dificultando o surgimento de

    novos agentes e da insero de mais questes polticas alm do estabelecido. Em poucas

    palavras, quanto menor o capital poltico acumulado, maior a dependncia da mdia

    (MIGUEL, 2002).

    Ademais, nesta interpendncia em relao apresentada por Miguel (2002) de sua

    forma mais complexa, quando tambm chama ateno para a problemtica de que o campo

    jornalstico , em grande medida, dependente do campo econmico, do qual incorpora

    objetivos deste campo. Do mesmo modo, o campo poltico que, influenciado por lobby e

    financiamento de campanha orienta muitas de suas aes prticas para a manuteno dos

    interesses do campo econmico. Assim, o campo hegemnico se fecha em torno de si mesmo,

    relegando os agentes periferia e com necessidade de buscar formas prprias de fazer poltica

    e de obter visibilidade alm da mdia tradicional. Esta periferia onde se localiza os campos

    contra-hegemnico e alternativo.

    1.3. Contra-hegemonia e hegemonia alternativa

    Compreendida a estrutura e dinmica social que contribui para a manuteno da

    hegemonia em uma determinada sociedade, cabe agora identificar aqueles grupos que dealguma forma buscam novas formas de aes orientadas para a superao da hegemonia

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    dominante ou para desenvolver formas alternativas. Estes grupos emergem em funo das

    possibilidades de manifestaes de agentes e grupos contra-hegemnicos ou alternativo nestas

    estruturas e passam a produzir formas simblicas diferentes daquelas produzidas pelos grupos

    dominantes. Deste modo, enquanto as formas simblicas da hegemonia reproduzem a doxa,

    os agentes e grupos contra-hegemnicos ou alternativos seriam os portadores da heterodoxia

    na concepo de Bourdieu.

    Tanto a contra-hegemonia como a hegemonia alternativa pode ser identificada nos

    mais diversos campos sociais, desde modelos educacionais construtivistas no campo da

    educao, at grupos que misturam elementos de diversas religies e concedem uma

    interpretao religiosa prpria no campo religioso. O mesmo ocorre com os campos

    econmico, poltico e jornalstico.A contra-hegemonia no campo econmico pode ser identificado nas propostas de

    modelos de produo e relaes de troca de teorias como o marxismo e o anarquismo.

    Enquanto que os modelos alternativos podem ser identificados naqueles que se baseiam na

    multiplicao ou novas formas de relaes econmicas de trocas, tal como os modelos de

    economia criativa.

    Dentro do campo poltico, a contra-hegemonia poltica juntamente com seus

    respectivos atores e agentes pode ser identificada em partidos polticos de pouca expressonas eleies diretas por sufrgio. Localizados ideologicamente nas extremas esquerda ou

    direita, em geral, estes partidos defendem a superao da hegemonia liberal-democrtica, seja

    para a superao da sociedade capitalista (esquerda), seja para evitar o perigo do

    comunismo (direita), por exemplo. Dentre as diversas estratgias, destacam-se algumas que

    utilizam os espaos possibilitados pelas campanhas polticas (como horrio eleitoral gratuito,

    sabatinas e entrevistas para os grandes meios de comunicao no Brasil) para de alguma

    forma promover lutas simblicas contra a sociedade hegemnica em sua totalidade, com oobjetivo de conseguir alcanar a simpatia de agentes sociais para as suas bandeiras. Estes

    grupos tambm conseguem sua manuteno financeira com o recebimento do fundo

    partidrio, como no caso do Brasil. Assim, com aes contraditrias, mas aproveitando as

    possibilidades e espaos dentro da hegemonia, os partidos contra-hegemnicos ocupam os

    espaos possveis para tentar viabilizar as suas vises de mundo e seus projetos polticos.

    Por outro lado, emergem tambm os grupos alternativos que no necessariamente so

    grupos contra-hegemnicos. Atualmente, um partido poltico alternativo pode ser a favor da

    manuteno da hegemonia capitalista, mas com um carter mais humano, isto , com

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    economia sustentvel, forte interferncia do Estado na economia etc. Esta condio varivel

    e especfica de acordo com a sociedade. No caso brasileiro, seria possvel pensar o partido em

    construoRede Sustentabilidadecomo um partido alternativo hegemonia. Concentrado em

    torno da figura da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva (AC), o partido defende um projeto

    alternativo de participao colaborativa a favor de propostas como o desenvolvimento

    sustentvel, a mudana na forma de se fazer poltica etc. Entretanto, o grupo de entusiastas

    rene diversos nomes conhecidos da poltica nacional, com atuao e defesas de bandeiras

    que variam desde a esquerda at direita. Uma breve leitura do manifesto do grupo

    demonstra a insatisfao com a poltica hegemnica, ao mesmo tempo em que apresenta

    propostas de reformas da mesma6.

    No campo jornalstico, os grupos contra-hegemnicos e alternativos partem de umaposiosine qua non com o campo hegemnico: a liberdade de imprensa. Os grupos contra-

    hegemnicos geralmente so vinculados a grupos e partidos que tm como objetivo difundir

    suas ideias e ideais de ruptura com o status quo, mas a atuao destes grupos de forma legal

    s possvel em sociedades que respeitam a liberdade de imprensa, tal como o Brasil7.

    O jornalismo alternativo geralmente busca ampliar a esfera pblica de opinio, dar voz

    aos agentes silenciados pela falta de espao na grande mdia a partir da multiplicao das

    fontes, ou seja, utiliza fontes oficiais (algo que o jornalismo contra-hegemnico refutaradicalmente), mas tambm utiliza fontes de agentes de movimentos sociais, intelectuais e

    cidados comuns (MORAES, 2011). O jornalismo alternativo tambm procura diferenciar-se

    do jornalismo do infroentretenimento, ou seja, do jornalismo espetacularizado que transforma

    as notcias em meros produtos de consumo. De acordo com Peruzzo

    o que caracteriza o jornal [ou a mdia] como alternativo o fato derepresentar uma opo enquanto fonte de informao, pelo contedo que

    oferece e pelo tipo de abordagem. Mas, como j ressaltado, tambm ospequenos jornais, boletins informativos e outras formas de comunicao (...)eram chamados de alternativos mais pela fora do sentido do seu contedo esem dispensar a leitura de jornais convencionais. (PERUZZO, 2006, p. 8).

    Em poucas palavras, o alternativo no campo jornalstico aquele que busca

    diferenciar-se do jornalismo produzidos pela indstria da mdia. Desta forma, o jornalismo

    6 importante deixar claro que a Rede Sustentabilidade se coloca como um grupo alternativo no mbitodiscursivo o que, no necessariamente se comprova ou se comprovar na prtica poltica. Disponvel em

    . Acesso em 25/04/2013.7 No portal do grupo Reprteres Sem Fronteiras possvel ter acesso a pases onde a liberdade de imprensa censurada ou limitada, alm da denncia de diversos crimes contra jornalistas. A lista est disponvel em. Acesso em 25/04/2013.

    http://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.htmlhttp://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.htmlhttp://en.rsf.org/http://en.rsf.org/http://en.rsf.org/http://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.html
  • 7/22/2019 DISSERTAO ORIGINAL- SOUZA, Paulo Roberto Elias

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    contra-hegemnico alternativo, mas sendo uma das formas, assim como o jornalismo

    comunitrio e o popular (PERUZZO, 2006).

    O importante notar que a relao entre o campo econmico, poltico e jornalstico

    de inter-relao e interdependncia, com estruturas internas que buscam a manuteno do

    status quo para os agentes localizados nas posies mais privilegiadas. Este processo pode

    ocorrer atravs de uma articulao que mantm os indivduos alheios a estas instncias como

    espectadores que assimilam de forma mais ou menos consensual e, consequentemente,

    legitimam estestatus quo. Porm, as disputas so constantes e agentes e grupos em posies

    inferiores acabam por se organizar com o objetivo de processar alteraes nesta estrutura.

    Assim, este trabalho identifica um destes grupos alternativos de produo de

    jornalismo poltico que se apropriou do espao e de ferramentas disponibilizadas com oadvento da internet. Autodenominado blogueiros progressistas, o grupo composto de

    diversos agentes sociais, tais como militantes, ativistas, entusiastas da blogosfera. Porm,

    dentre aqueles com maior destaque e acesso a seus blogs esto jornalistas profissionais que

    acumularam capital simblico trabalhando em grandes empresas de mdia hegemnicas no

    campo jornalstico. Seja pela falta de espao para a produo de jornalismo poltico de forma

    mais livre, em funo dos limites e imposies determinadas pelos donos dos grandes meios

    de comunicao, seja pelo alinhamento poltico-ideolgico diferente daquele da grande mdia,estes agentes passaram a produzir jornalismo poltico atravs de blogs. Este grupo se

    considera uma mdia alternativa e se organizou institucionalmente em torno do Centro de

    Estudos de Mdia Alternativa Baro de Itarar8.

    Deste modo, podemos notar que a disputa intensa e violenta, na medida em que, se

    por um lado a internet ajudou a diminuir o dficit de tecnologia disponvel entre a grande

    mdia e alternativa, por outro lado outros meios so utilizados pela primeira para subordinar a

    se