Upload
juliana-calixto
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
1/123
INOVAES AGROECOLGICAS PARA AAGRICULTURA FAMILIAR: UM ESTUDO DE
CASO SOBRE SISTEMASAGROFLORESTAIS NO ALTO
JEQUITINHONHA-MG
EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES
2008
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
2/123
EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES
INOVAES AGROECOLGICAS PARA A AGRICULTURAFAMILIAR: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SISTEMAS
AGROFLORESTAIS NO ALTO JEQUITINHONHA-MG.
Dissertao apresentada Universidade Federal deLavras, como parte das exigncias do Curso deMestrado em Administrao, rea de concentrao emGesto Social, Ambiente e Desenvolvimento, paraobteno do ttulo de Mestre.
OrientadorProf. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro
LAVRASMINAS GERAIS BRASIL
2008
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
3/123
Ayres, Eduardo Charles Barbosa.Inovaes agroecolgicas para a agricultura familiar: um estudo de
caso sobre sistemas agroflorestais no Alto Jequitinhonha-MG / EduardoCharles Barbosa Ayres. Lavras : UFLA, 2008.
107 p. : il.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Lavras, 2008.Orientador: ureo Eduardo Magalhes Ribeiro.Bibliografia.
1. Sistemas agroflorestais. 2. Alto Jequitinhonha. 3. Agriculturafamiliar. I. Universidade Federal de Lavras. II. Ttulo.
CDD 307.72
Ficha Catalogrfica Preparada pela Diviso de Processos Tcnicos daBiblioteca Central da UFLA
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
4/123
EDUARDO CHARLES BARBOSA AYRES
INOVAES AGROECOLGICAS PARA A AGRICULTURAFAMILIAR: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SISTEMASAGROFLORESTAIS NO ALTO JEQUITINHONHA-MG.
Dissertao apresentada Universidade Federal deLavras, como parte das exigncias do Curso deMestrado em Administrao, rea de concentrao emGesto Social, Ambiente e Desenvolvimento, paraobteno do ttulo de Mestre.
APROVADA em
Prof. Luiz Antnio Augusto Gomes UFLA
Prof. Luiz Carlos Dias Rocha EAFI
Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes RibeiroUFLA
(Orientador)
LAVRASMINAS GERAIS BRASIL
2008
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
5/123
DEDICO
minha famlia, em especial ao meu pai Francisco Miranda Ayres e minha meEdna do Vale Barbosa Ayres. Ao meu irmo Franklin, s minhas irms Ceclia,
Edjane e Adriana, e aos meus queridos sobrinhos: Jnior, Hugo, Carol,Eduarda, Saulinho, Eduardo Samuel, Sofia e Letcia. Dedico tambm a todos
que, ligados por laos sanguneos ou de amizade, acreditaram na realizaodeste trabalho.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
6/123
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo a Deus pelo dom da vida e pela concretizao
de mais uma tarefa na nossa jornada humana, e que bons frutos sejam colhidos
em benefcio do prximo.
Aos agricultores monitores de sistema agroflorestal, da base do CAV, no
Alto Jequitinhonha, pela recepo em suas moradias, deixando suas atividades
dirias e dispondo do seu precioso tempo para contribuir com essa pesquisa.
Permanece o sentimento de amizade e o respeito aos ensinamentos prestados.
Agradeo equipe tcnica do CAV, em especial Joo Antnio, ZMurilo, Gelson e Anderson pela dedicao e acompanhamento nas comunidades
rurais durante a realizao de entrevistas e levantamentos de campo.
Agradeo aos colegas do Ncleo PPJ, no Departamento de
Administrao e Economia da UFLA, pelo convvio e amizade. Aos colegas que
participaram diretamente da pesquisa, agradeo pelo compromisso no
desempenho das tarefas e pelos bons momentos em campo.
A Flvia Galizoni pelo importante apoio inicial, pelas preocupaes e
orientaes prestadas concluso desta etapa acadmica.A Helder dos Anjos pelo interesse e ajuda na modelagem entre os
resultados e a teoria desta pesquisa.
Aos colegas Vico Mendes, Gislene (Gigi), Rafael Chiodi (Pira) e Luiz
(Juramento) pelo apoio na interpretao e anlise dos resultados de solos,
florsticos e entomolgicos.
Aos meus colegas baianos e norte mineiros, do grupo caatingueiros,
pela camaradagem.
Ao professor ureo Eduardo Magalhes Ribeiro pela orientaoacadmica e pela contribuio na formao pessoal e profissional.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
7/123
A CAPES Coordenadoria de Aperfeioamento de Pessoal de NvelSuperior pela concesso de bolsa de estudo, e ao CNPq (Projeto 553367/2005-6)
pelo financiamento das atividades de pesquisa.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
8/123
SUMRIO
LISTA DE FIGURAS............................................................................................i
LISTA DE QUADROS ........................................................................................ii
LISTA DE TABELAS.........................................................................................iii
RESUMO..............................................................................................................v
ABSTRACT ........................................................................................................vi
1 INTRODUO.................................................................................................1
2 OBJETIVOS......................................................................................................4
3 METODOLOGIA..............................................................................................5
3.1 Delineamento metodolgico...........................................................................5
3.2 A coleta de dados............................................................................................6
3.2.1 Levantamento fitossociolgico - ndice de diversidade de Shannon (H) e
ndice de equabilidade Pielou (J)..........................................................................9
3.2.2 Levantamento entomolgico diversidade de ordens entomolgicas e
indicadores de qualidade ambiental (ambiente preservado e ambiente degradado)
............................................................................................................................10
3.2.3 Levantamento edfico (solos) - fertilidade do solo, estrutura fsica do solo
(densidade e resistncia do solo penetrao - compactao) ........................... 11
4 REFERENCIAL TERICO...........................................................................16
4.1 O Alto Jequitinhonha....................................................................................16
4.1.1 Caracterizao............................................................................................16
4.1.2 Os sistemas agrcolas familiares................................................................19
4.2 Saber e estratgias da agricultura familiar....................................................23
4.3 Desenvolvimento e agricultura ..................................................................... 29
4.4 Os sistemas agroflorestais (SAFs) ................................................................ 34
5 RESULTADOS ............................................................................................... 40
5.1 Os monitores, o manejo e a produo nos SAFs...........................................40
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
9/123
9
5.1.1 Os monitores..............................................................................................40
5.1.2 O terreno dos monitores.............................................................................445.1.3 As reas de SAFs.......................................................................................47
5.1.4 O manejo dos SAFs ................................................................................... 52
5.1.5 Cronograma de atividades nos SAFs.........................................................56
5.1.6 Dificuldades e vantagens dos SAFs...........................................................59
5.1.7 A produo nos SAFs ................................................................................ 63
5.2 Os SAFs e a flora..........................................................................................69
5.3 Os SAFs e o levantamento entomolgico.....................................................72
5.4 Os solos sob SAFs ........................................................................................ 77
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
10/123
5.4.1 Anlise da fertilidade de solo.....................................................................78
5.4.2 Densidade e resistncia do solo penetrao ............................................ 816 CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................84
7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.............................................................86
ANEXOS............................................................................................................93
ANEXO A ..........................................................................................................95
ANEXO B...........................................................................................................97
ANEXO C.........................................................................................................100
ANEXO D ........................................................................................................105
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
11/123
i
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Regio e municpios onde o CAV atua diretamente, Vale do
Jequitinhonha, 2007..............................................................................................5
FIGURA 2 Nmero mdio de ordens de insetos presentes nos SAFs e demais
ambientes no Alto Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha, 2007........................73
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
12/123
ii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Vantagens dos SAFs apresentados pelos agricultores do Alto
Jequitinhonha, sob diferentes aspectos, Vale do Jequitinhonha, 2007. .............. 61
QUADRO 2 Produtividade e ocupao nos SAFs velhos e novos, Vale do
Jequitinhonha, 2007............................................................................................63
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
13/123
iii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Resumo das reas estudadas e o tipo de levantamento realizado em
cada rea na segunda e terceira etapa da pesquisa, Vale do Jequitinhonha, 2007.
............................................................................................................................13
TABELA 2 Distribuio percentual da renda entre a PEA*, via massa salarial,
nas dcadas de 1960, 1970 e 1980, no Brasil. .................................................... 30
TABELA 3 Aumento da populao favelada em algumas capitais brasileiras
entre as dcadas de 1960 a 1980.........................................................................31
TABELA 4 Distribuio dos monitores entre os cinco municpios de atuaodireta do CAV, Vale do Jequitinhonha, 2007.....................................................41
TABELA 5 Participao dos agricultores monitores em organizaes presentes
na regio, Vale do Jequitinhonha, 2007..............................................................42
TABELA 6 Motivos apontados pelos agricultores monitores para iniciar o SAF
em seus terrenos, Vale do Jequitinhonha, 2007..................................................47
TABELA 7 Manejo adotado nas reas de SAFs antes da sua implantao pelos
agricultores, Vale do Jequitinhonha, 2007..........................................................48
TABELA 8 Cultivos realizados anteriores nas reas onde hoje se encontraminstalados os SAFs, Vale do Jequitinhonha, 2007..............................................50
TABELA 9 Freqncia de cultivos nos SAFs e destino entre consumo humano e
animal, Vale do Jequitinhonha, 2007..................................................................67
TABELA 10 Dados florsticos e fitossociolgicos encontrados nos SAFs e
demais ambientes analisados no Alto Jequitinhonha, Vale do Jequitinhonha,
2007. ..................................................................................................................70
TABELA 11 Comparao de resultados florsticos e fitossociolgico
(Densidade) entre SAFs velhos e novos analisados no Alto Jequitinhonha, Valedo Jequitinhonha, 2007.......................................................................................71
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
14/123
iv
TABELA 12 Principais ordens de insetos encontradas nas reas pesquisadas,
Vale do Jequitinhonha, 2007. ............................................................................. 76TABELA 13 Teores mdios de nutrientes e atributos de fertilidade dos solos, na
camada de 0-20 cm de profundidade, em SAFs e outros ambientes no Alto
Jequitinhonha. Ver normas no ANEXO B......................................................... 78
TABELA 14 Densidade de solo (Ds) e ndices de resistncia do solo
penetrao em SAFs e outros ambientes no Alto Jequitinhonha, Vale do
Jequitinhonha, 2007............................................................................................82
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
15/123
v
RESUMO
AYRES, E. C. B. Inovaes agroecolgicas para a agricultura familiar: umestudo de caso sobre sistemas agroflorestais no Alto Jequitinhonha MG. 2008.107 p. Dissertao (Mestrado em Administrao) Universidade Federal deLavras, Lavras, MG.
O processo de modernizao da agricultura ocasionou significativastransformaes no meio rural brasileiro. A revoluo verde foi consideradapor muitos autores um modelo prejudicial ao meio ambiente, e socialmenteexcludente. Caracterizou-se pela padronizao dos processos de produoagrcola, desconsiderando as especificidades regionais do pas. Dentre as
expresses regionais de sistemas agrcolas compatveis com as condiesambientais e a tradicionalidade rural est a experincia dos sistemasagroflorestais SAFs no Alto Jequitinhonha, regio nordeste de Minas Gerais.Estes sistemas permitem aos agricultores unir numa mesma rea plantasadubadeiras, frutferas e outras, favorecendo o processo natural de recuperaodo solo, a conservao da biodiversidade, e gerando produo. No AltoJequitinhonha, o SAF foi uma iniciativa construda por organizaes vinculadasa agricultores familiares da regio, agregando aspectos ligados gesto coletivae ao saber local da populao rural como alicerces da proposta. Esta dissertaoteve por objetivos dimensionar os resultados e impactos dos SAFs, analisandoaspectos relacionados organizao familiar e produo, os efeitos sobre oambiente florstico, entomolgico e edfico. Foi realizada em comunidades
rurais de cinco municpios do Alto Jequitinhonha, em SAFs manejados poragricultores familiares, denominados monitores, da base de atuao do Centrode Agricultura Alternativa Vicente Nica CAV organizao nogovernamental da regio que atua em programas de desenvolvimento rural. Osresultados ambientais foram comparados entre as reas de SAFs e outrossistemas de cultivo e ambientes comuns na regio, como pastagem, monoculturade eucalipto, rea de pousio, sistema de cultivo convencional e rea degradada,denominada pelador. Como resultado, percebeu-se que os SAFs tmcontribudo para a produo, a capacitao dos agricultores e conservao dosrecursos naturais. Verificou-se que so favorveis aos desempenhos produtivos eque existem limitaes tcnicas, financeiras e organizacionais para a expansoda proposta.
Palavras-chave: sistemas agroflorestais, Alto Jequitinhonha, agricultura familiar.
Orientador: Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro UFLA
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
16/123
vi
ABSTRACT
AYRES, E. C. B. Agroecological innovations for household farming: a casestudy on the agroforest systems in Upper Jequitinhonha (Alto Jequitinhonha) MG. 2008. 107 p. Dissertation (Master in Administration) Federal Universityof Lavras, Lavras, MG.
The process of modernization of farming brought about significanttransformations in Brazilian rural milieu. The green revolution was consideredby many authors a harmful model in environment and socially excluding. It wascharacterized by the standardization of the agricultural production processes,disregarding the countrys regional particularities. Out of the regionalexpressions of agricultural systems compatible with environmental conditions
and rural traditionality lies the experience of the agroforest systems SAFs inUpper Jequitinhonha (Alto Jequitinhonha), northeastern region of Minas Gerais.These systems allow to the farmers put together in the same area fertilizing,fruit-bearing plants and others, supporting the natural process of soil recovery,biodiversity conservation and generating product. In Upper Jequitinhonha (AltoJequitinhonha), SAF was an enterprise constructed by organizations entailed tohousehold farmers in the region, aggregating together aspects linked tocollective management and to the local folk of the local rural population asfoundation of the proposal. That dissertation was aimed to size the results andimpacts of SAFs, investigating aspects related to the familiar organization andproduction, the effects on floristic, entomological and edaphic environment. Itwas undertaken in rural communities of five towns of Upper Jequitinhonha (Alto
Jequitinhonha) in SAFs managed by household farmers, named monitors,from the actuation base of the Vicente Nica Center of Alternative Agriculture(Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica CAV) non-governmentalorganization of the region which acts in rural development programs. Theenvironmental results were compared with between areas of SAFs and othergrowing systems and common environments in the region, as grassland,eucalyptus plantation, fallow area, conventional growing system and degradedarea, named pelador. As a result, it was felt that SAFs have contributedtowards production, the improvement of the farmers and conservation of naturalresources. It was found that they area favorable to the productive performancesand that there are technical, financial and organizational limitations forexpansion of the proposal.
Key words: agroforest systems, Upper Jequitinhonha, household farming.
Adviser: Prof. Dr. ureo Eduardo Magalhes Ribeiro UFLA
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
17/123
1
1 INTRODUO
O processo de modernizao da agricultura a partir da dcada de 1960
trouxe significativas transformaes sobre os meios de produo na agricultura
brasileira. A introduo de novas tecnologias proporcionando o aumento da
produtividade ficou conhecida como revoluo verde, cujo conjunto de
insumos de origem industrial responsvel pelos significativos ndices de
produtividade foi denominado de pacote tecnolgico, que impunha um modelo
de produo baseado na utilizao de veneno/adubo/trator/sementes melhoradas.
Este modelo agrcola difundido no pas como padro ideal de agricultura,comeou a encontrar obstculos a partir dos anos 1980, em funo da
mobilizao de agricultores organizados, pesquisadores e tcnicos que
denunciaram as conseqncias sociais e ambientais ocasionadas. Alm disso, a
mudana na poltica de crdito rural tornou o modelo tecnolgico produtivista
cada vez mais frgil.
Sendo considerado, por muitos autores, um processo excludente, a
modernizao da agricultura no atingiu de forma eqitativa as regies
brasileiras e, tampouco, os mais de 4 milhes de estabelecimentos ruraisexistentes no Brasil. Para as regies consideradas estagnadas, que ficaram fora
desse processo, foram destinados programas de desenvolvimento com intuito de
promover a dinamizao econmica.
Este foi o caso do Alto Jequitinhonha, localizado na regio nordeste de
Minas Gerais, onde, a partir da dcada de 1970, com incentivos do Estado, teve
as reas de chapada ocupadas com os produtos da revoluo verde e pela
monocultura de eucalipto, que deixou muitos danos na regio. As chapadas
partes elevadas do relevo - que antes eram reas de extrao e solta do gado,onde famlias de agricultores faziam coletas de frutos, plantas medicinais,
madeiras e lenha foram quase todas monopolizadas. Com isso, comunidades de
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
18/123
2
agricultores familiares tiveram que restringir suas reas em uso, desencadeando
situaes de super explorao dos recursos naturais nas grotas, que trouxedegradao da terra, diminuio das guas e outras conseqncias.
Em 1994, por meio do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Turmalina,
no Alto Jequitinhonha, fundou-se o CAV (Centro de Agricultura Alternativa
Vicente Nica) - organizao no governamental que tem como propsito o
desenvolvimento de tcnicas agrcolas adaptadas regio, levando-se em conta a
estrutura fundiria, clima, vegetao, relevo, disponibilidade de gua, sistemas
locais de produo e valorizando o saber local sobre o ambiente.1
Atuando diretamente em cinco municpios, o CAV desenvolve ossistemas agroflorestais (SAFs) em 18 comunidades rurais, por meio de um grupo
de 33 agricultores denominados monitores. 2
Entretanto, os resultados e impactos dessa proposta para a regio no
esto dimensionados e analisados. Isto : possvel pensar nos SAFs como uma
proposta de desenvolvimento para agricultores familiares desta regio? Quais os
seus potenciais e limites organizacionais, produtivos e ambientais? E o que esta
proposta representa do ponto de vista de gesto social de programas de
desenvolvimento?Portanto, pretende-se avaliar neste estudo aspectos relacionados
percepo das famlias de agricultores monitores em torno do SAFs, o
aprendizado com relao ao manejo agroflorestal, a produo oriunda dos SAFs
e a influncia que as prticas agroflorestais exercem sobre as condies
ambientais da vegetao, solo e diversidade de insetos. Trata-se de um estudo
1 As aes do CAV so organizadas por meio de cinco programas: Proteo e Conservao deNascentes; Difuso de SAFs; Relaes Sociais de Gnero; Economia Popular Solidria (EPS); e o
Programa de Formao e Mobilizao Social para Convivncia com o Semi-rido: Um Milho deCisternas Rurais - P1MC.2O termo monitores ou agricultores monitores refere-se aos agricultores familiares assessoradospelo CAV que instalaram os SAFs em suas unidades de produo, experimentando edesenvolvendo tcnicas ajustadas s condies locais . Atuam como incentivadores da proposta erepresentam o elo de trabalho entre o CAV e as comunidades rurais.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
19/123
3
que busca dispor de informaes qualitativas e quantitativas na tentativa de
abranger uma amplitude multidisciplinar para a compreenso a respeito dosSAFs no Alto Jequitinhonha.
Esta avaliao e anlise dos SAFs permitir s organizaes locais se
instrumentalizar para sensibilizaes que partam, simultaneamente, dos pontos
crticos e potencializadores dos SAFs. Alm disso, oferecer mais densidade ao
debate sobre os programas de desenvolvimento para o meio rural desta regio.
Esta dissertao faz parte de um conjunto de estudos e aes na regio
do Vale do Jequitinhonha desenvolvidos pelo Ncleo de Pesquisa e Apoio a
Agricultura Familiar Justino Obers (Ncleo PPJ) da Universidade Federal deLavras e pelo CAV, apoiado pelo CNPq por meio do projeto 553356/05-6
(Projeto de Apoio aos Sistemas Agroflorestais da Agricultura Familiar da
base do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, no Alto
Jequitinhonha), colaborando, a partir das populaes locais, para o melhor
entendimento das dinmicas sociais, econmicas e ambientais desta regio.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
20/123
4
2 OBJETIVOS
Os SAFs no Alto Jequitinhonha so marcados pelo seu carter coletivo e
flexvel no manejo e na gesto sobre os resultados. coletivo, pois o saber
construdo fruto da partilha entre o saber tradicional dos agricultores monitores
e o saber acadmico dos tcnicos assessores. E flexvel, pois leva em conta a
heterogeneidade ambiental dos terrenos, e a dinmica social e econmica da
famlia dos agricultores monitores.
Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar os resultados da prtica dos
SAFs por agricultores familiares do Alto Jequitinhonha, analisando aspectosrelacionados organizao familiar, produo de alimentos e os efeitos sobre o
ambiente (vegetao, solo e diversidade de insetos).
Valorizando a trajetria e a experincia das populaes rurais em seus
meios de produo, e visando a dimensionar os resultados dos SAFs, pretende-se
mais detalhadamente.
i) Identificar e analisar resultados dos SAFs associados organizao
familiar, produo e produtividade em unidades de agriculturafamiliar;
ii) Analisar a influncia da implantao e manejo dos SAFs sobre o
ambiente, considerando parmetros florsticos, edficos e
entomolgicos, comparando os resultados dos SAFs com outros
sistemas de produo e ambientes da regio;
iii)
Analisar, a partir do estudo sobre os SAFs, as condies de
aprimoramento para constituio de programas produtivos de
desenvolvimento e extenso rural em reas de agricultura familiar.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
21/123
5
3 METODOLOGIA
3.1 Delineamento metodolgico
O estudo foi realizado nos municpios de Turmalina, Minas Novas,
Chapada do Norte, Veredinha e Leme do Prado, situados na Microrregio
Homognea de Capelinha MRH 31011, segundo IBGE3, no Alto Jequitinhonha,
nordeste de Minas Gerais, onde o CAV atua diretamente (FIGURA 1).
FIGURA 1 Regio e municpios onde o CAV atua diretamente, Vale doJequitinhonha, 2007.(A) Minas Gerais e em destaque a Microrregio Homognea de Capelinha;(B) Microrregio de Capelinha e em destaque os municpios da base de ao doCAV: Turmalina (1), Leme do Prado (2), Chapada do Norte (3), Minas Novas(4), Veredinha (5).Fonte: PNUD (2004). Extrado do Atlas do Desenvolvimento Humano noBrasil, com modificaes de Noronha (2008).
A unidade de anlise desse estudo foram os SAFs assessorados peloCAV no Alto Jequitinhonha, abrangendo seus aspectos produtivos e ambientais,
3Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, IBGE (2008a).
A B
1
2 3
45
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
22/123
6
comparados tambm a outros sistemas de cultivo, reas degradadas e mata
nativa.A pesquisa foi um estudo de caso, e adotou-se o procedimento tcnico de
coleta e anlise de dados sobre o grupo de agricultores monitores de SAFs e suas
unidades demonstrativas de produo agroflorestal.
No procedimento de investigao adotando o estudo de caso, o caso a ser
examinado pode ser um nico indivduo, um conjunto de indivduos, um
programa ou projeto de desenvolvimento, experimentos, ou at balanos de
empresas. Esse modo de pesquisa permite um estudo aprofundado do objeto a
ser pesquisado, possibilitando o conhecimento amplo e detalhado do mesmo(Alencar, 2000; Gil, 1991).
3.2 A coleta de dados
O procedimento de coleta de dados foi dividido em trs etapas. A
primeira e a segunda buscaram informaes quantitativas e qualitativas,
realizando entrevistas com os agricultores monitores de SAFs; e a terceira etapa
buscou informaes estritamente quantitativas, a fim de dimensionar os
impactos de conservao da biodiversidade proporcionados pelo manejoagroflorestal, envolvendo coleta de solo para anlise em laboratrio,
levantamento de insetos bioindicadores e inventrio da vegetao.
A primeira etapa foi realizada por meio de entrevistas com todos os
agricultores monitores que compem a base do CAV (ANEXO A), utilizando
questionrios semi-estruturados, buscando-se coletar informaes gerais sobre
sua caracterizao, o histrico das aes, a relao dos SAFs com a organizao
familiar do monitor, o aprendizado, bem como as vantagens e dificuldades no
manejo agroflorestal, visando ao entendimento e contextualizao dos sistemasagroflorestais a partir da percepo e experincia dos monitores.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
23/123
7
Na segunda etapa foram entrevistados 8 dos 33 monitores por meio de
questionrios semi-estruturados, buscando investigar aspectos scio-econmicosrelacionados especificamente produo, ocupao de mo de obra e manejo
nas unidades de SAFs.
A seleo dos 8 monitores de SAF, na segunda etapa, foi feita
observando dois critrios:
a)
Distribuio das unidades de SAFs abrangendo os cinco municpios
de atuao direta do CAV;
b)
Tempo de implantao dos SAFs, contemplando monitores comunidades agroflorestais mais novas e monitores com unidades
agroflorestais mais velhas. Os SAFs assessorados pelo CAV tm
idade de implantao entre 2 e 11 anos. Para efeito de comparao
convencionou-se denominar SAFs novos aqueles com menos de 7
anos de implantao, e SAFs velhos aqueles com mais de 7 anos de
implantao. E, consequentemente, monitores mais novos e mais
velhos pelo tempo de manejo agroflorestal.
Foram escolhidos 4 monitores de SAFs novos nos municpios de
Veredinha, Leme do Prado, Chapada do Norte e Minas Novas, sendo um em
cada municpio.
Por no haver monitores de SAFs velhos nos outros municpios, em
Turmalina foram selecionados outros 4 monitores com esta caracterstica,
equilibrando este critrio de seleo.
Na terceira etapa foram realizados levantamentos sobre vegetao
(florstico), solos (edfico) e insetos (entomolgico). Pretendeu-se contemplar osdiversos ambientes agrcolas da regio possibilitando comparaes que
permitissem o melhor entendimento da influncia ambiental exercida pelos
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
24/123
8
sistemas agrcolas presentes na regio, e que fazem parte do cotidiano dessas
populaes rurais.Nessa terceira etapa, o levantamento abrangeu 10 unidades
demonstrativas de SAFs, sendo 8 pertencentes aos monitores entrevistados na
segunda etapa, e mais 2 unidades de SAFs conduzidas pelo CAV; abrangeu 3
sistemas de cultivos comuns na regio, sendo 1 rea de pastagem (PAS), 1 rea
de eucalipto (EUC) e 1 rea de sistema de cultivo convencional (SCC) - preparo
mecnico do solo e adubao qumica; e por ltimo abrangeu 3 reas de
ambientes presentes na regio, sendo 1 rea de mata constituda por meio de
pousio florestal (AP), e 2 reas degradadas (AD1) e (AD2), denominadas pelapopulao local comopeladores. Ao todo somaram 16 reas.
As seis reas (pastagem, eucalipto, cultivo convencional, duas reas
degradadas e mata/rea de pousio) foram selecionadas em funo da
proximidade com as reas de SAFs.
As duas unidades de SAFs conduzidas pelo CAV foram incorporadas na
amostragem por serem reas antigas sob o manejo agroflorestal. Alm disso, era
de interesse desta organizao ter dimensionados os resultados ambientais das
suas reas de SAFs.4
Os levantamentos dessa etapa possibilitaram os seguintes ndices:
4O CAV possui um Centro de Formao e Experimentao, com 13 hectares (ha), onde os SAFsso desenvolvidos desde de 1996.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
25/123
9
3.2.1 Levantamento fitossociolgico - ndice de diversidade de Shannon (H)
e ndice de equabilidade Pielou (J)5Este levantamento foi realizado em nove SAFs, em duas reas de
pelador (AD1) e (AD2), uma rea de pousio (AP), e em duas reas de
monocultura,sendo uma de eucalipto (EUC) e outra de pastagem (PAS), com o
propsito de dimensionar ndices de diversidade vegetal nos SAFs e compar-los
com ndices de outros ambientes agrcolas e degradados comuns na regio, a fim
de verificar o potencial conservacionista, e de recuperao ambiental, deste
manejo agrcola.6
A composio florstica das reas e os ndices de diversidade eequabilidade permitiram verificar a qualidade ambiental do local, podendo
inferir na disponibilizao e conservao dos recursos naturais vegetais a partir
da adoo do manejo agroflorestal nas unidades de produo familiar do Alto
Jequitinhonha, pois compartilhar produo agrcola e conservao da
biodiversidade vegetal fundamental para o xito de programas de
desenvolvimento rural que primam pelo equilbrio entre populao e ambiente
na adoo de novas tecnologias.
5 O ndice de diversidade de Shannon expressa a riqueza e abundncia de espcies de plantasexistentes numa determinada rea. Para este ndice, os valores normalmente encontrados situam-seentre 1,3 e 3,5. O ambiente florestal alcana ndice em torno de 4,5. O ndice de equabilidadereflete o nvel de equilbrio na relao de distribuio entre o nmero de indivduos e o nmero deespcies presentes numa rea. um componente do ndice de diversidade (H). Este ndice podechegar ao valor mximo de 1 (um), quando expressa o mximo de equabilidade (Felfili, 2003;Zanzini, 2005).6
Foi utilizada a amostragem sistemtica, sendo lanadas 9 parcelas circulares com raio de 1,5mem cada rea pesquisada. Foram identificadas e quantificadas as plantas (indivduos) a partir deuma altura de 50 cm. As plantas no identificadas em campo foram encaminhadas paraidentificao no Departamento de Biologia da UFLA. Entre as reas, no foi possvel realizar olevantamento na rea de SCC, pois o terreno estava gradeado e no havia plantas na reaamostrada. O levantamento foi realizado em outubro de 2006.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
26/123
10
3.2.2 Levantamento entomolgico diversidade de ordens entomolgicas e
indicadores de qualidade ambiental (ambiente preservado e ambientedegradado)
A paisagem do Alto Jequitinhonha marcada pela monocultura de
eucalipto, pastagens, reas com fertilidade natural deterioradas e solos
compactados conhecidos como peladores resultados de intensa atividade
antrpica. Esses ambientes agrcolas alteraram a paisagem natural, gerando
escassez de recursos: terra, gua, vegetao e animais.
Os insetos tm-se mostrado como indicadores apropriados para a
avaliao de alteraes ambientais, por se tratar de um grupo de organismos dereproduo rpida, e por responderem de maneira rpida s alteraes de
paisagens.
Assim, os bioindicadores so seres vivos sensveis o bastante para se
manifestarem, alterando suas funes biticas, diversidade e quantidade.
Portanto, ambientes agrcolas alterados podem ser avaliados em funo de
populaes de insetos presentes na rea, ou seja, o levantamento entomolgico.7
Este levantamento foi realizado em nove reas de SAFs, em duas reas
de pelador (AD1) e (AD2), em uma rea de pousio (AP), uma rea sob sistemade cultivo convencional (SCC), uma rea de pastagem (PAS) e uma rea de
eucalipto (EUC), com o intuito de avaliar os efeitos das atividades antrpicas
sobre a populao de insetos.
Para a coleta de insetos, instalaram-se armadilhas tipo bandeja dgua,
contendo uma tela de interceptao de vo para insetos de vo baixo. A tela
compe-se de sombrite (65%) de colorao escura, e medindo 50x30 cm. Cada
armadilha foi instalada em campo por dois dias, compondo-se de 200 mL de
7Sobre bioindicadores consultar Klumpp (2001).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
27/123
11
lcool 70%, 2 mL de formol, 2 mL de detergente neutro e 2 L de gua, no
interior da bandeja. 8Com intuito de avaliar a resposta conservao e recuperao ambiental
obtida pelos SAFs, optou-se por analisar a diversidade de insetos para
determinar ambientes preservados e degradados. A coleta de insetos nos SAFs,
em outros sistemas de cultivo e outros ambientes na regio do Alto
Jequitinhonha, permitiu comparar a presena de insetos como resultado de
conservao ou no da biodiversidade dos SAFs com relao a outras formas de
uso do solo.
3.2.3 Levantamento edfico (solos) - fertilidade do solo, estrutura fsica do
solo (densidade e resistncia do solo penetrao - compactao)9
As anlises sobre a fertilidade e estrutura fsica permitiram a verificao
das respostas dos solos ao manejo agroflorestal, cujo propsito est na
fertilizao natural dos solos pela conservao da vegetao nativa, introduo
de leguminosas para adubao verde e plantas com alta capacidade de produo
de massa verde para cobertura do solo.
As anlises foram realizadas em dez SAFs, duas reas depelador(AD1)e (AD2), uma rea de pousio florestal (AP), uma rea sob sistema de cultivo
8 Foram montadas duas armadilhas em cada rea, realizando cinco coletas de insetos em cadaarmadilha, em intervalos de dois dias, totalizando 10 coletas por rea. O material coletado foilevado para o laboratrio de entomologia da Escola Agrotcnica Federal de Inconfidentes - MGpara triagem e identificao das espcies capturadas. Este levantamento foi realizado em abril de2007.9Para determinar os atributos de fertilidade, foram coletadas, em funo do pequeno tamanho dasreas pesquisadas (ANEXO A), apenas cinco amostras simples de solo para formar uma amostracomposta por rea, na profundidade de 0 20 cm. Para determinar densidade do solo foramcoletadas amostras indeformadas na camada de 0-10 cm de profundidade do solo, em trs
repeties, para cada rea, utilizando o amostrador de Uhland, em cilindros com dimenses mdiasde 8,26 cm de altura e 6,95 cm de dimetro interno (volume de 313,36 cm 3). O teste de resistnciado solo penetrao foi realizado em campo, na profundidade de 0-60 cm, utilizando-se openetrmetro de impacto modelo IAA/PLANALSUCAR STOLF, com 15 repeties para cadasistema de manejo estudado. Este levantamento foi realizado em junho de 2007. As anliseslaboratoriais foram realizadas no Departamento de Cincia dos Solos da UFLA.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
28/123
12
convencional (SCC), uma rea de pastagem (PAS) e uma rea de eucalipto
(EUC).A terra constitui um recurso natural fundamental para as condies de
reproduo fsica e cultural da agricultura familiar. No Alto Jequitinhonha os
SAFs foram propostos com o intuito de conservao e recuperao de reas onde
os cultivos familiares so freqentes e essenciais tanto para o abastecimento
familiar, quanto para a produo comercial.
Para os novos programas de desenvolvimento rural necessrio que se
levem em conta as formas de interveno e tcnicas adotadas no uso do solo, de
forma a garantir o equilbrio produtivo, social e ambiental das terras, evitando aexpulso de famlias do campo, a reduo da produo pelo empobrecimento da
terra, o assoreamento de crregos e nascentes, reduo da biodiversidade vegetal
e animal, entre outros.
O resumo das reas com os levantamentos realizados est apresentado na
Tabela 1. As reas esto agrupadas por comunidade, seguida do municpio.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
29/123
13
TABELA 1 Resumo das reas estudadas e o tipo de levantamento realizado em cada rea na segund
pesquisa, Vale do Jequitinhonha, 2007.REA LEVANTAMENTOS
Municpio/comunidade ruralTipo de unidade
Scio-econmico10 Fertilidade e fsica do solo Entomolgic
Turmalina/Alto LourenoSistema agroflorestal (SAF 1)VSistema agroflorestal (SAF 2)VPastagem (PAS)Eucaliptal (EUC)Turmalina/ GentioSistema agroflorestal (SAF 5)VSistema agroflorestal (SAF 6)N
Turmalina/Poo DantasSistema agroflorestal (SAF 8)VTurmalina/LagoaSistema agroflorestal (SAF 1011)N
XX
X
X
XXXX
XX
X
X
XXXX
XX
X
XMinas Novas/PinheiroSistema agroflorestal (SAF 3)Nrea degradada (AD1)Mata/rea de pousio (AP)
X XXX
XXX
Chapada do Norte/Morro BrancoSistema agroflorestal (SAF 412)N X X Continua...
10Este levantamento foi realizado entre outubro de 2006 e maro de 2007.11 Optou-se por excluir o SAF 10 desta anlise fitossociolgica, pelo fato do mesmo apresentar-se infestado de plantresultados fora do padro observado nas outras reas amostradas.12Os dados do levantamento entomolgico referentes ao SAF 4 foram suprimidos, devido a problemas na coleta dos insetos
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
30/123
14
TABELA 1 Continuao.
REA LEVANTAMENTOSMunicpio/comunidade ruralTipo de unidade
Scio-econmico13 Fertilidade e fsica do solo Entomolgic
Veredinha/MacabasSistema agroflorestal (SAF 7)rea degradada (AD2)rea convencional (SCC)14
X XXX
XXX
Leme do Prado/PalmitalSistema agroflorestal (SAF 9)N X X X NSAFs novos - com menos de sete anosVSAFs velhos - com mais de sete anosFonte: elaborada pelo autor
13Este levantamento foi realizado entre outubro de 2006 e maro de 2007.14Trata-se de um sistema de cultivo onde se utiliza anualmente o trator no preparo do solo, adubo NPK 4-14-8, e semente h
se, principalmente, milho, feijo de corda (tambm conhecido por feijo catador ou feijo caupi) e feijo andu (tambguandu). No foi possvel fazer o levantamento fitossociolgico nesta rea, pois a mesma estava com o solo gradeado eplantas.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
31/123
15
Este estudo contou com a participao de equipe multidisciplinar do
Ncleo de Pesquisa e Apoio Agricultura Familiar Justino Obers Ncleo PPJ,da UFLA.15
Os resultados quantitativos permitiram comparar a eficincia
conservacionista entre os ambientes agrcolas no Alto Jequitinhonha e os SAFs.
15
Mais informaes sobre a metodologia dos levantamentos podem ser verificadas no relatriotcnico do projeto de pesquisa CNPq553367/05-6 Projeto de Apoio aos Sistemas Agroflorestaisda Agricultura Familiar da base do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, no AltoJequitinhonha, concludo em 2007. Cpia do relatrio tcnico encontra-se nos arquivos doNcleo PPJ, no Departamento de Administrao e Economia da UFLA, e no CAV, com sede nomunicpio de Turmalina, Alto Jequitinhonha-MG.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
32/123
16
4 REFERENCIAL TERICO
4.1 O Alto Jequitinhonha
4.1.1 Caracterizao
Assim como Minas Gerais, o Vale do Rio Jequitinhonha se caracteriza
por um mosaico de culturas, marcado pelo processo de ocupao, pelas
diferentes caractersticas ambientais ao longo curso do rio, ofertando e regrando
recursos naturais que moldaram estilos de vida peculiares das populaes locais,
recheados por uma riqueza de saberes e estratgias no convvio com a natureza.
Situado na regio nordeste de Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonhapode ser dividido em trs sub-regies: alto, mdio e baixo, em funo da
localizao ao longo do rio. O Alto Jequitinhonha compreende a regio
localizada na poro alta do rio, com vegetao tpica de cerrado; o Mdio
Jequitinhonha compreende a poro mdia do rio, com predominncia de clima
semi-rido; e o Baixo Jequitinhonha compreende a poro final do rio, cujo
ambiente adquire influncia do clima tropical de mata atlntica, mido e sub-
mido, limitando-se com o sul do Estado da Bahia.
Tratando-se especificamente do Alto Jequitinhonha, quando se adentrana regio do Vale pela poro alta do rio, na sua cabeceira, fica evidente o
relevo acidentado, formado por um conjunto de montanhas, guardis das
nascentes que vo alimentar crregos, ribeires e rios afluentes do
Jequitinhonha.
As reas planas no alto dos morros, conhecidas por chapadas, tm
funo importante como rea de recarga para abastecimento do lenol fretico e
sustentao de inmeras nascentes presentes nesta regio. Sua vegetao nativa
aparentemente frgil e, s vezes, pouco volumosa, converge para interpretaesequivocadas, atribuindo-se pouca importncia a este ambiente. Entre uma
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
33/123
17
chapadae outra, surge um novo ambiente: a grota.Esse relevo descrito por
Ribeiro (1996) da seguinte forma:
Os terrenos planos das chapadas tm pouca fertilidade natural. Nasgrotas, pelo contrrio, quanto mais prximo das guas mais frteis soas terras, principalmente aquelas que tm bosques, chamados capes(Ribeiro, 1996: 29).
A baixa fertilidade natural das reas de chapada fez com que as
populaes rurais direcionassem os cultivos agrcolas para terrenos situados nas
reas de grota, atrados por melhores condies de umidade e fertilidade da
terra. Quando se deixa as chapadase se desce para as grotas, encontram-se as
moradias das populaes rurais instaladas sob condies de proximidade e
facilidade de acesso aos recursos naturais como gua, solo frtil e vegetao que
vo determinar a organizao da famlia em seus sistemas de produo agrcola
e uso do ambiente.
Compreender a regio como um todo, com um olhar apurado sobre as
reas de grota, permite aproximar-se de interpretaes menos equivocadas a
respeito do ambiente e das populaes que vivem no Jequitinhonha.
As unidades de produo do Alto Jequitinhonha so marcadas pela
agricultura familiar. O primeiro grau de organizao ocorre na famlia, que
caracteriza a agricultura da regio. Em seguida, os ncleos de produo familiar
se agregam a outras famlias em funo do grau de parentesco, do convvio
solidrio, da proximidade das casas, da semelhana de ambientes, do uso comum
entre as mesmas fontes de recursos naturais e mais uma srie de fatores que vai
confluir para o maior grau de identidade entre as famlias rurais que se vo
agregar em grupos maiores, constituindo as comunidades rurais.
Os agricultores do Alto Jequitinhonha se identificam e se organizam por
comunidades rurais, promovendo encontros educacionais, festas, leiles,
celebraes religiosas, reunies sindicais, execuo e divulgao de programas
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
34/123
18
pblicos e outras aes. So nas comunidades rurais tambm que as experincias
dos agricultores so socializadas e o conhecimento sobre os recursos naturais sistematizado, determinando a relao da populao com o meio ambiente.
Galizoni (2007), analisando a dinmica entre as populaes rurais do
Alto Jequitinhonha e manejo dos recursos naturais, distinguiu trs tipos de
ambiente (cultura, caatinga e campo/carrasco) nas grotas, levando-se em conta a
vegetao e localizao:
As terras definidas como cultura so caracterizadas por terrenosfrescos, midos e frteis, prximo a cursos d'gua, e consideradas asmelhores para cultivo das roas de mantimentos. Normalmente soterras onde predominam madeiras como angicos, aroeiras, cips-tatu etimb, aroeirinha, pereira, vara-de-canoa, ing, marmelinho e mutamba(...) As terras denominadas de caatingas, geralmente se localizadasnas cabeceiras dos crregos, nas vertentes, e so utilizadas paracultivos de plantas rsticas como a mandioca, abacaxi e, s vezes, caf;as rvores nativas da catinga possuem grande porte: pau terra, paud'leo, marmelada. Nas terras identificadas pelos lavradores comocampo ou carrasco predominam capins nativos, arbustos e rvorescomo o muambe, cagaita, monjolo e maria-mulata, no so reaspropcias para lavoura sendo utilizadas somente para pastoreio eextrao de madeira, lenha, frutas e plantas medicinais (Galizoni,2007: 23).
Esses ambientes so ocupados pelas populaes rurais do Alto
Jequitinhonha sob uma lgica de uso e conservao dos recursos, respeitando os
limites e usufruindo dos potenciais que cada ambiente oferece.
Apesar da moradia dos agricultores se localizarem nas grotas, as reas
de chapadaforam historicamente utilizadas pelas populaes rurais como reas
de coleta e solta de gado, cumprindo importante papel na reproduo fsica e
social das comunidades que se instalaram ao seu redor. Porm, este ambiente foialterado a partir da dcada de 1970 com a implantao da monocultura de
eucalipto para a produo de carvo. Contrastando com as unidades de produo
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
35/123
19
familiar situadas nas grotas, a monocultura substituiu a vegetao natural e
alterou o equilbrio ambiental de uso que as populaes construram ao longodos anos.
Calixto (2006), analisando o processo de reflorestamento na regio
percebeu que:
A poltica de incentivos ao reflorestamento trouxe profundas mudanasno rural do Alto Jequitinhonha. A nova forma de apropriao doambiente das chapadas, que imps a propriedade privada sobre o usoda terra em comum, inibiu o extrativismo e o pastoreio extensivopraticado pelas populaes rurais. A forma de utilizao das terras dechapada pelos agricultores familiares foi substituda pela cadeiaprodutiva do carvo, numa viso desenvolvimentista que desconsideroua possibilidade das prprias populaes rurais terem condies decontribuir para traar o desenvolvimento da regio (Calixto, 2006:112).
E assim, configura-se o Alto Jequitinhonha envolvendo produo
agrcola, manejo dos recursos naturais, famlias, comunidades, costumes,
projetos desenvolvimentistas, paisagem e relevo, como elementos evidentes no
cenrio desta regio.
4.1.2 Os sistemas agrcolas familiares
Chapadase grotas, terra, gua e vegetao fazem parte da lgica de uso
e ocupao agrcola pelas populaes rurais no Alto Jequitinhonha.
Ribeiro (1996) e Galizoni (2007) notaram que o sistema de lavoura
praticado nas grotas ao longo dos anos pelas populaes rurais do Alto
Jequitinhonha era baseado no sistema de coivara, tambm chamado de roa de
toco, que repe a fertilidade da terra por meio do pousio florestal16
. SegundoGalizoni (2007), neste sistema de cultivar a terra a famlia lavradora prepara
16Sobre pousio florestal consultar Boserup (1987), Dubois (1996).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
36/123
20
um terreno para roar e realiza o plantio nessa rea por 2 a 3 anos; aps esse
tempo o terreno posto em descanso para enfaxinar, e a famlia ento preparanova gleba para nova roa, e assim ciclicamente17Galizoni (2007:31),
O conhecimento sobre as terras e o sistema agrcola praticada pelos
lavradores do Jequitinhonha ressaltado como uma arte por Ribeiro (1996):
A combinao de todo este conhecimento de meio ambiente umatcnica, ajustada terra e planta de formar um produto cultural: a roade toco. Examinando com cuidado e respeito que merece, pode-se verque ela no uma ignorncia; conhecimento, uma pesquisa, umasabedoria: uma arte. As tcnicas de roa criadas pelos lavradores fazemparte do seu notvel patrimnio cultural, ao lado do artesanato,folclore, histrias. So produtos mais nobres dessas grotas doJequitinhonha(Ribeiro, 1996: 31).
Portanto, alm do aspecto produtivo, as chapadase grotasso elementos
culturais na vida dos agricultores do Alto Jequitinhonha. Sua importncia
enquanto fator produtivo que tudo aquilo que no se produz na grota, a
chapadaoferece, e vice versa. E a relevncia cultural que o conhecimento e a
ocupao desses ambientes se transformam numa arte de lidar com a natureza,
construindo especificidades entre esta populao e o ambiente.
Porm, a partir da dcada de 1970, com os projetos de reflorestamento
em larga escala na regio, ocorreu um processo de tomada das terras de
chapadas das comunidades rurais. Esses projetos apresentaram resultados
econmicos insignificantes do ponto vista de gerao de emprego e renda para
populao local (Calixto, 2006).
A tradicional forma de produo agrcola do Alto Jequitinhonha, baseada
na roa de toco e no aproveitamento dos diversos ambientes, viu-se em crise.
17 Os periodos de pousio e uso dos terrenos por lavradores podem variar em funo dadisponibilidade de reas com fertilidade natural e o estado de conservao dessas reas requerendoperodos mais longos ou curtos de pousio (Ribeiro, 1996); Buserup (1987).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
37/123
21
Primeiro, pela necessidade de reduzir os perodos de pousio; segundo, por ter
que dividir as poucas terras frteis das grotas com o gado que descia daschapadas, expulso pelos eucaliptais, ocupando reas que antes eram para
produo de alimentos, e agora para o cultivo de pastagem, ocasionando pisoteio
e degradao do solo; e terceiro, por perder as chapadas que foram
historicamente utilizadas como reas de coleta extrativista (Ribeiro, 1996;
Calixto 2006; Galizoni, 2007).
Alm disso, o aumento e a presso populacional nas reas de grota
exigiam sistemas de cultivos mais intensivos em reas repartidas, e cada vez
menores. Esse processo, ao longo dos anos, provocou conseqncias produtivassobre a terra agravando a produo de alimentos para abastecimento familiar e
comrcio.
Nos terrenos dos agricultores familiares do Alto Jequitinhonha as
atividades produtivas so minuciosamente pensadas e alocadas na organizao
produtiva. Galinhas e porcos tm lugar garantido nos quintais das famlias, pois
so atividades que merecem ateno constante e se atm principalmente aos
cuidados da mulher e dos filhos, assim como os pomares. Prximo a casa
tambm est situada a horta caseira que complementa a alimentao dasfamlias, e est sob a responsabilidade da mulher que determina em aumentar ou
no o nmero de canteiros e a variedade de hortalias conforme a
disponibilidade de gua no terreno (Noronha, 2003).
Plantaes de milho e feijo so cultivos de reas mais frteis, terrenos
planos ou no, mas geralmente localizados prximos s margens dos crregos. A
mandioca, a cana e o abacaxi so plantados em reas predeterminadas pela sua
aridez e fertilidade intermediria. Estas so atividades de maior volume de
produo e trabalho que ocupam maiores reas e demanda mo-de-obra de todaa famlia.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
38/123
22
O gado, geralmente mais rstico, tambm faz parte das atividades
agrcolas, como fornecedor de leite, ou comumente encontrado como elementoestratgico de reserva monetria e comercializao nos momentos de
necessidade da famlia, seja para fazer um tratamento de sade, para fazer uma
viagem ou para aumentar o patrimnio; enfim, o gado tambm compe o
repertrio de estratgias de reproduo da agricultura familiar no Alto
Jequitinhonha (Noronha, 2003).
As reas de pastagens geralmente localizadas em terras de boa a
intermediria fertilidade, determina a quantidade de gado possvel de ser criada.
Alm disso, a escassez de gua por aproximadamente oito meses do ano, demaro a outubro, que representa o perodo de seca, crucial na deciso de ter ou
no o gado, e qual a quantidade.
A poca da seca marcada pela moagem da cana-de-acar e pela
produo de farinha de mandioca. O processamento dos produtos agrcolas,
como, por exemplo, cana, mandioca e milho, feito em estrutura particular ou
de uso comunitrio, gerenciada pela prpria comunidade e mantidas com
recursos advindos de percentagem de produo, retida para consertos na
estrutura e no maquinrio que processa os produtos.A farta produo de cachaa, rapadura, farinhas, doces, fub de milho e
outros produtos atribuem jornadas de trabalho e ocupao s populaes do
meio rural no perodo de entressafra; alm disso, esta produo compe as feiras
livres municipais abastecendo tanto as famlias urbanas quanto as rurais.
As feiras livres fazem parte da cultura local do Alto Jequitinhonha,
realizadas principalmente aos sbados; so pontos de convergncia e
socializao entre a populao rural e urbana. Alm disso, as feiras livres
constituem uma importante alternativa de renda para as famlias rurais.Ribeiro et al. (2007), analisando as dimenses das feiras livres no
Jequitinhonha, percebem que elas tm importe papel na gerao de ocupao
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
39/123
23
para as populaes rurais e respondem em mdia por 70% do abastecimento da
populao urbana. Tambm influenciam diretamente as vendas no comrciolocal, que em alguns setores chegam a aumentar entre 25% e 30% na
movimentao financeira, pois as receitas conseguidas pelos feirantes so
utilizadas na compra de outros produtos no comrcio urbano.
Esse cenrio de diversidade e fartura que se tem nas grotasdo Alto do
Jequitinhonha tem estimulado a sociedade e as organizaes locais a pensarem
em propostas viveis para o meio rural, valorizando o saber tradicional das
populaes rurais, respeitando a dinmica de uso e manejo dos recursos naturais
pelos agricultores familiares, conservando a biodiversidade e desenvolvendotecnologias adequadas s condies locais, alm de preservar estilos de vida,
aliando produo e conservao ambiental.
4.2 Saber e estratgias da agricultura familiar
A explorao familiar segundo Lamarche (1993) corresponde a uma
unidade de produo agrcola onde propriedade e trabalho esto intimamente
ligados famlia (Lamarche, 1993: 15).
Ou seja, uma unidade de trabalho na qual a famlia participa naproduo. Chayanov (1974), em sua anlise sobre a organizao da unidade
domstica de explorao camponesa, atribui a capacidade de trabalho da famlia
como fator definidor do grau de explorao dos demais fatores de produo:
terra e capital.
Algumas peculiaridades sobre a organizao da unidade econmica
campesina so descritas por Chayanov (1974: 30-32):
1.
no h distino entre trabalhador e empresrio, que se combinamnuma s pessoa;
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
40/123
24
2.
o interesse do campons como trabalhador prevalece sobre seus
interesses como empresrio, na hora de arrendar ou vender suasterras;
3.
apesar de apresentar baixas rendas de produo em relao s
propriedades privadas e de grande extenso, as unidades
camponesas absorvem maior quantidade de fora de trabalho e
reduzem o desemprego sazonal;
4.
percebe-se uma relao de quanto menor a rea de terra disponvel,
maior o volume de atividades artesanais para o comrcio.
Dois aspectos so considerados por Chayanov (1974) como
estimuladores para que o campons busque outras atividades fora da agricultura:
o primeiro trata-se da liberao da fora de trabalho familiar em perodos de
inatividade no trabalho agrcola, e o segundo so as situaes de mercado mais
favorveis em termo de remunerao para atividades no agrcolas em
comparao com atividades agrcolas que levam os camponeses a aproveitarem
de tal situao.
As estratgias familiares representam as aes desenvolvidas por cadafamlia para assegurar a reproduo e a explorao de suas unidades de
produo. Segundo Schultz (1965), alm de terra, trabalho e capital, incluem aos
fatores de produo o estado de conhecimento ou tcnicas de produo que so
parte integrante do capital material, da experincia e dos conhecimentos tcnicos
de uma comunidade.
Quanto ao saber, Schultz (1965) classifica de trs maneiras diferentes a
forma como novos conhecimentos e novas habilidades podem ser adquiridos. A
primeira por meio de tentativa e erro, que um ensinamento consagrado pelotempo e adquirido pela experincia; a segunda forma pelo treinamento no
trabalho, em que o aprendizado pode acontecer por meio de firmas, entidades
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
41/123
25
pblicas ou pelos prprios agricultores; e o terceiro mtodo de aprendizado a
instruo,considerada pelo autor como mais eficiente a longo prazo, e acima detudo trata-se de um investimento em capital humano.
Estratgias de aprendizado, reproduo e organizao interna, por meio
da combinao das atividades entre membros da unidade familiar, so analisadas
e descritas por Heredia (1979) da seguinte forma:
As crianas comeam a trabalhar no roado a partir dos 10 anos. De 6ou 7 anos at os 10 participam de atividades ligadas a casa (...) O pai quem organiza as atividades a serem feitas no roado, enquanto a me
a encarregada da organizao das tarefas que se relacionam com acasa(Heredia, 1979: 39).
Segundo Heredia (1979), o terreno est dividido entre casa e roado18. A
casa inclui o terreiro, e ambos so destinados a atividades especficas das
mulheres, como lavar loua, cuidar de aves, porcos e cabras, fazer a higiene das
crianas, plantar algumas frutferas como bananeiras e mamoeiros. A produo
de farinha atividade dos homens e das mulheres; porm, negociar e vender
produtos na feira so tarefas do homem.
O aprendizado constante na trajetria de vida das populaes rurais,
tendo incio desde que se assumem as primeiras incumbncias no ambiente
domstico passando-se gradativamente a incorporar atividades de todo o terreno,
afinando-se com o ambiente natural em que se vive, relacionando-se o mbito
familiar com o comunitrio, passando a exercer atividades de venda e
negociao, conhecendo-se, enfim, os recursos naturais de que dispem e
decidindo sobre os cultivos e criaes.
18 O termo roado serve para designar o conjunto de cultivos, adotado pelos agricultores comouma estratgia em funo da pequena quantidade de terra disponvel, e que, adaptado s condieslocais, permite realizar vrias colheitas para consumo direto ou venda durante maior perodo doano (Heredia, 1979).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
42/123
26
Este mundo de observao e prtica refina a sabedoria de populaes que
vivem no campo e desenvolvem significados ajustados sua realidade, dandocincia s atividades do ciclo rural.
Trata-se de um sistema de conhecimento que, para Brando (1986), se
revela num estilo de significao apropriada, que no padro, mas equivale
relao em torno da produo do saber popular, na filtragem e incorporao de
conhecimentos que modelam as prticas dos lavradores numa lgica especfica
que geram sistemas de conduta em dimenses sociais, culturais e polticas
estabelecendo dinmicas populares de sabedoria e modos de vida peculiares.
No Alto Jequitinhonha, a classificao popular sobre os tipos de solo fazdos agricultores que vivem ali, grandes conhecedores na definio sobre os
cultivos que melhor se adaptam a seus terrenos. As plantas nativas so
excelentes indicadores de fertilidade da terra para os agricultores, alm de serem
fornecedoras de frutos, lenha, recursos medicinais, madeira para construes
rurais, e outras funes19.
Alm do aspecto vegetal, as populaes rurais do Alto Jequitinhonha
aprenderam a avaliar o estado de conservao das terras antes de decidir sobre o
uso. Uma terra pelada uma terra cansada, uma terra que no sai mato, umaterra que no tem vegetao, mesmo sendo uma terra de cultura, uma terra
fraca, onde no convm o plantio.
Decidir sobre as reas onde se vai plantar cana, milho, mandioca,
abacaxi exige apurado conhecimento sobre o ambiente em que as famlias rurais
do Alto Jequitinhonha aprenderam a conviver diante da diversidade em suas
unidades de produo. Assim, Ribeiro et al. (2005) relatam que para ser
completo um terreno familiar carece de muitos tipos de terras - alta, baixa,
quente, fria, dura, mole, mais barrenta ou arenosa, mais brava ou mais mansa -
19 Sobre classificao e uso de plantas no Alto Jequitinhonha, consultar Calixto (2002), Chiodi(2006), Santos (2006).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
43/123
27
que so usadas tanto para produzir alimentos diferentes num mesmo ambiente
quanto para produzir o mesmo alimento em ambientes diferentes (...)Consorciam plantas adaptadas e resistentes, como mandioca e batata-doce no
subsolo, feijo-de-arranque, abbora e feijo-catador no primeiro andar, milho,
andu e quiabo no segundo andar(Ribeiro et al., 2005: 87).
nesse contexto de ambiente e populao que se inserem novos olhares
sobre o saber local no exerccio da compreenso da lgica cotidiana dos
agricultores, que se exigem interpretaes cada vez mais cautelosas acerca de
intervenes no meio rural.
As migraes tambm fazem parte do cotidiano dos agricultores do AltoJequitinhonha, cujo destino diverso. Alguns migram para a regio noroeste de
Minas, conhecida por serto, onde se ocupam em atividades carvoeiras. Outros
tm como destino o sul de Minas para trabalharem nas colheitas de caf. Outros
migram para Belo Horizonte, e outros at para o litoral do Esprito Santo, para
trabalharem como vendedores ambulantes. Mas o principal destino desses
agricultores so para as lavouras de cana-de-acar no Estado de So Paulo,
onde se ocupam durante os meses de abril a dezembro.
Segundo Ribeiro (1993), a terra um fator que determina as sadas e apermanncia dos lavradores. Porm, o autor destaca a astcia e o jogo de
combinaes familiares nas decises de seus membros sobre a migrao:
Ao final de um perodo, no comeo da idade adulta, a soluo de umasrie de tramas leva o rapaz a uma deciso. As tramas da terra, daherana, do casamento, do assalariamento, da famlia, vo sendoresolvidas pelo tempo e circunstncias. Da vem a deciso: ir para ocorte de cana ou ficar no Jequitinhonha(Ribeiro, 1993: 29).
Heredia (1979), Woortmann (1990) e Ribeiro (1993) percebem a
migrao como parte integrante das prticas de reproduo dos agricultores
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
44/123
28
familiares, e analisaram a migrao sazonal20, comum entre alguns membros
masculinos das famlias rurais, como uma atividade cuidadosamente planejada,pois ocorre geralmente nos perodos de menos trabalho nas lavouras, permitindo
a sada dos membros sem comprometer as atividades produtivas.
A migrao definitiva ocorre em funo do atual estado de fragmentao
em que se encontram os terrenos, no suportando mais serem repartidos. Para os
filhos que ficam a migrao sazonal cumpre papel importante no processo de
patrimonializao e permanncia do agricultor familiar, seja para aquisio de
gado, novos terrenos, equipamentos, construo de casa, unidades de
beneficiamento e outros (Ribeiro, 1993).Woortmann (1990) atribui migrao o aprendizado dos trabalhadores
rurais sobre inovaes agrcolas apreendidas que podero ou no ser usadas,
experimentadas ou adaptadas s suas necessidades quando os trabalhadores
retornarem s unidades de produo familiar. Refora a tradio da posio
hierrquica do chefe da famlia ao introduzir a inovao, porque quase sempre
ele ou foi migrante. Portanto, com relao aos processos tcnicos, o autor
descreve que a migrao um aprendizado de processos de trabalho
modernos, incorporados, sempre que possvel, s prticas produtivas dositiante(Woortmann, 1990:51).
Assim, a experincia da migrao, seja como aprendizado, descobrindo
novas tcnicas, ou como patrimonializao, buscando novas fontes de recursos
financeiros, faz parte das histrias dos trabalhadores rurais do Alto
Jequitinhonha que aproveitam essas oportunidades, a partir de uma srie de
combinaes, para potencializar e prosperar as atividades em suas unidades de
explorao familiar.
20Quanto aos tipos de migraes que ocorrem no Jequitinhonha, elas podem ser sazonais- quandoos agricultores viajam e retornam todos os anos para sua famlia, ou podem ser definitivas quando os trabalhadores mudam para outra regio e deixam de ir e vir todos os anos. ConsultarRibeiro (1993).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
45/123
29
Alm da agricultura e da migrao, acrescentam-se os negcios ao
mundo dos agricultores.Os negcios realizados pelos sitiantes mineiros so descritos como
catirapor Ribeiro & Galizoni (2007), tratando-se da forma de gesto de bens e
recursos familiares como uma estratgia significativa na sua patrimonializao:
uma das instituies mais slidas do meio rural mineiro. Trata-se datroca de animais por bens de consumo, produtos agrcolas, dinheiro oupouco de cada e vice-versa (...) em Minas Gerais serve para dispor benssem serventia, trocar o mido pelo remediado e este pelo grado, paraencorpar, aos poucos, os bens que compem o patrimnio familiar (Ribeiro & Galizoni, 2007: 69).
A catira revelada como uma arte particular, de saberes e habilidades
especficas nas transaes de compra, venda ou troca de produtos, consolidando
relaes sociais no meio rural.
Percebe-se que vrios so os cenrios, alicerces e caminhos que reforam
a tradicionalidade das aes dos agricultores no ambiente social, econmico e
natural ao qual esto inseridos e construram estratgias para se estabelecerem.
Portanto, a compreenso das estratgias e organizao dos grupos sociaisno meio rural exige a ruptura de preconceitos em relao s comunidades. Achar
que a rusticidade significa atraso, se manter alheio compreenso sobre a
prtica do agricultor. A aparente simplicidade na prtica agrcola e na vida das
populaes rurais guarda um conjunto de saberes que devem ser levados em
conta na proposio de programas de desenvolvimento para o meio rural.
4.3 Desenvolvimento e agricultura
A idia de desenvolvimento sempre esteve atrelada ao crescimentoeconmico, ligada difuso do progresso tcnico, medida exclusivamente pelos
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
46/123
30
aumentos de produtividade. Baseado na difuso de novas tcnicas, esse processo
conhecido como desenvolvimento econmico (Furtado, 1992).Furtado (1992), em sua anlise sobre modernizao, identifica o
processo de subdesenvolvimento que surge em conseqncia de um
desequilbrio na assimilao dos avanos tecnolgicos produzidos pelo
capitalismo industrial a favor das inovaes que incidem diretamente sobre o
estilo de vida (Furtado, 1992: 08).
A acumulao no setor produtivo cria excedentes sociais, que vo dar
incio a processos reivindicatrios de homogeneizao social, que segundo
Furtado (1992) no se refere a uniformizao dos padres de vida, e sim a quemembros de uma sociedade satisfaam de forma apropriada as necessidades de
alimentao, vesturio, moradia, acesso educao, ao lazer e a um mnimo de
bens culturais (Furtado, 1992: 06).
No Brasil, Rezende (1999) considera o perodo entre as dcadas de 1960
a 1980 marcado por uma brutal concentrao de renda, com elevao da
porcentagem destinada populao mais rica do pas, e reduo entre a
populao mais pobre (Tabela 2).
TABELA 2 Distribuio percentual da renda entre a PEA*, via massa salarial,
nas dcadas de 1960, 1970 e 1980, no Brasil.
PEA 1960 1970 198020% mais pobres 3,9 3,4 2,850% mais pobres 17,4 14,9 12,680% mais pobres 44,8 38,2 33,710% intermedirios 15,6 15,1 15,410% mais ricos 39,6 46,7 50,95% mais ricos 28,3 34,1 37,91% mais ricos 11,9 14,7 16,9
* Populao economicamente ativaFonte: Rezende (1999: 140).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
47/123
31
Nesse mesmo perodo a populao brasileira sofreu um empobrecimento
crescente, aumentando a quantidade de pessoas marginalizadas e miserveis.Trabalhadores atrados para os grandes centros urbanos contriburam para o
aumento das favelas (Tabela 3).
TABELA 3 Aumento da populao favelada em algumas capitais brasileiras
entre as dcadas de 1960 a 1980.
Capitais Populao Ano Populao AnoPorto Alegre 30 mil 1968 300 mil 1980Rio de Janeiro 240 mil 1965 1,8 milho 1980
So Paulo 42 mil 1972 Mais de 1 milho 1980Fonte: Rezende (1999: 140)
Furtado (1992) aponta como alternativas para a superao do
subdesenvolvimento o acesso terra ou moradia como meios de incluso
social de populaes rurais e urbanas; a capacitao poltica de grupos sociais
organizados; investimento na alfabetizao e capacitao profissional;
autonomia para o desenvolvimento de tecnologias que contemplem tanto
demandas especficas e gerais dentro de uma sociedade; e a formulao de um
projeto poltico amparado por ampla base social, e compatvel com a realidade.
Para Sachs (1994) todo o planejamento de desenvolvimento precisa levar
em conta, simultaneamente, cinco dimenses de sustentabilidade:
i) social;
ii) econmica;
iii) ecolgica;
iv) espacial;
v) cultural.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
48/123
32
Na agricultura, os impactos sociais provocados pela concentrao de
terra e renda, e os impactos ambientais provocados pela destruio econtaminao dos recursos naturais tm sido constantemente debatidos.
A modernizao conduziu a agricultura ao ingresso na industrializao,
com reconhecidos aumentos de produtividade, porm contribuindo para
aumentar o dualismo social (Furtado, 1992).
Este modelo tambm denominado como revoluo verde foi definido por
Ehlers (1999) como: o processo pelo qual o padro agrcola qumico,
motomecnico e gentico, gestado pelos EUA e na Europa, foi disseminado
para vrias partes do planeta(Ehlers, 1999: 16).Sachs (1986) afirma que o campo de aplicao da revoluo verde se
mostra bastante limitado e com alto custo social e ecolgico, apresentando
quatro questes inerentes aos limites na adoo tecnolgica baseado na
revoluo verde:
1. Inexistncia de condies na maioria dos pases de terceiro mundo,
pela carncia de facilidades de irrigao e de capital para supri-las, e
no disponibilidade de fertilizantes do tipo certo e nas quantidadesexatas, e outras;
2. Gerao de impactos ecolgicos com conseqncias diretas e
indiretas sobre o meio ambiente e as populaes;
3. Novas variedades de cereais nem sempre so aceitas por populaes
por questes de paladar ou qualidade nutricional;
4.
Aumento da polarizao social no campo.
A fragilidade da agricultura tecnificada evidenciada pela ineficinciaenergtica e impactos ambientais, como a eroso e salinizao dos solos,
contaminao das guas e dos solos por nitratos e agrotxicos, contaminao do
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
49/123
33
homem do campo e dos alimentos, desmatamento, diminuio da biodiversidade
e dissipao dos recursos naturais no renovveis. Esses fatores tornam osmodelos convencionais de produo agrcola insustentveis (Ehlers, 1999;
Gliessman, 2001).
A preocupao com os problemas sociais e ambientais globais, no incio
da dcada de 1980, fez emergir a agroecologia, influenciada por sistemas
tradicionais de cultivo, de pases em desenvolvimento, que comearam a ser
reconhecidos por muitos pesquisadores como exemplos importantes de manejo
de agroecossistemas (Gliessman, 2001).
Esta proposta denominada agroecologia surgiu com enfoque analticomais complexo numa juno entre produo rural, conservao ambiental e
relaes sociais. No se limita s questes reducionistas, tomando-se os
agroecossistemas como referencia de anlise.
Caporal & Costabeber (2004) definem agroecolgia da seguinte forma:
A Agroecologia entendida como um enfoque cientfico destinado aapoiar a transio dos atuais modelos de desenvolvimento rural e deagricultura convencionais para estilos de desenvolvimento e de
agricultura sustentveis(Caporal & Costabeber, 2004: 95).
Segundo Hecht (1989) e Norgaard (1989), citados por Dayrell (2000), os
agroecossistemas:
refletem estratgias produtivas de um determinado produtor, de umacomunidade ou de uma sociedade que vai alm de relaes biticas eabiticas, mas que abrange a organizao social, sistemas de valores,conhecimentos e tecnologias(Dayrell, 2000:210).
Nessa trajetria sobre modelos de desenvolvimento com relevncia aos
contextos locais, Sachs (1994) apresenta que:
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
50/123
34
a promoo do meio de vida sustentvel deve se tornar parte da linhamestra da estratgia de desenvolvimento e no pode ter sucesso sem aparticipao dos grupos e das comunidades locais(Sachs, 1994: 39).
Assim, a valorizao do saber e da participao local ganham fora
diante do desafio de construir novas relaes entre populao e ambiente, numa
sociedade que reconhece os limites ambientais e sociais do modelo produtivista
de desenvolvimento, necessitando que as inovaes tcnicas se ajustem s
caractersticas peculiares dos agroecossistemas como os tipos de solo, regime
hdrico, fauna, flora, forma de acesso aos mercados, hbitos alimentares e
outros, a fim de construir novas possibilidades de produo.Neste contexto surgem os sistemas agroflorestais como experincia
agroecolgica de base coletiva, de valorizao do saber tradicional e otimizao
das dinmicas locais de desenvolvimento, pautados por uma abordagem
holstica.
4.4 Os sistemas agroflorestais (SAFs)
Os SAFs comumente referidos como combinao de cultivos entre
rvores e culturas agrcolas, e s vezes consorciados com a criao de animais,guardam importantes relaes sociais s populaes que os praticam.
Dubois (1996) define que os SAFs so formas de uso e manejo da
terra, nas quais rvores ou arbusto so utilizados em associao com cultivos
agrcolas e/ou com animais, numa mesma rea, de maneira simultnea ou numa
seqncia temporal(Dubois, 1996: 03).
Com relao funcionalidade e estruturao dos SAFs, Macedo (2000)
e Dubois (1996) fazem a classificao de trs formas:
Silvi-agrcola ou agrossilvicultura: aqueles que combinam rvores
com espcies agrcolas;
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
51/123
35
Silvipastoril: aqueles que combinam rvores com pastos e/ou
animais; Agrossilvipastoril: aqueles que combinam o consrcio de animais
com o manejo silviagrcola.
Do ponto de vista dos propsitos, se comerciais ou de auto-consumo, os
SAFs podem ser denominados comerciais ou tradicionais, conforme Smith et al.
(1998), citado por Santos et al. (2004: 252):
Comerciais: apresentam baixa diversidade especfica e gentica,
menor uso de regenerao, grande nmero de espcies para fins de
comercializao e maior uso de insumos e fora de trabalho;
Tradicionais: possuem alta diversidade especfica e gentica e maior
uso de regenerao natural, grande nmero de espcies para auto-
consumo e menor nmero de insumos e fora de trabalho.
Os Sistemas agroflorestais podem apresentar uma srie de vantagens
para os lavradores que os praticam, assim como desvantagens (Dubois, 1996).
As vantagens so:
os custos de implantao e manuteno dos SAFs podem ser
mantidos entre limites aceitveis para o pequeno produtor,
principalmente em SAFs com menor demanda de mo-de-obra;
podem contribuir para aumentar a renda familiar;
podem contribuir para melhoria da alimentao;
melhoram a capacidade produtiva da terra;
oferecem menor nvel de risco que as lavouras convencionais;
proporcionam melhor distribuio do trabalho ao longo do ano;
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
52/123
36
propiciam recuperao de reas degradadas ou em incio de
degradao; garantem a proteo ao meio ambiente.
Apresentam tambm algumas desvantagens:
os conhecimentos sobre o assunto ainda so limitados;
um sistema mais complexo que a lavoura convencional;
o custo de implantao pode ser elevado, se, por exemplo, a
aquisio de mudas for em viveiros comerciais;
o componente florestal pode reduzir o rendimento dos cultivos
agrcolas;
a mecanizao difcil;
muitos produtos gerados pelos SAFs ainda tm mercados limitados.
O amadurecimento do debate a cerca da agroecologia incorpora aos
SAFs fatores relevantes para a construo de sistemas agrcolas que vo alm
das questes produtivas.
Segundo Tavares et al. (2003), os SAFs tm potencial para a recuperao
de reas degradadas por inclurem rvores no sistema de produo agropecuria
e por utilizarem recursos existentes no prprio local e prticas de manejo que
aperfeioam a produo combinada.
Peneireiro (1999) tambm enfatiza a utilidade dos SAFs para
conservao ambiental, associada recuperao de reas degradadas, melhoria
da fertilidade e estrutura do solo, e manuteno da biodiversidade.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
53/123
37
Em seu estudo numa rea conduzida pelo manejo agroflorestal por
Ernest Gotsch21, Peneireiro (1999) revela que a agricultura agroflorestalpossibilitou os seguintes benefcios na conservao dos solos:
i) aumento do teor de nutrientes disponveis;
ii) contribuio para uma ciclagem mais eficiente de nutrientes;
iii)
eficiente na recuperao de solos degradados;
iv)
elevao do nvel dos nutrientes na serrapilheira e nas camadas
superficiais do solo, principalmente, fsforo.
Os SAFs tambm esto associados segurana alimentar das famlias
rurais medida que proporcionam produo diversificada de alimentos; respeito
aos hbitos alimentares regionais; produo de alimentos em vrias pocas do
ano, reduzindo efeitos da sazonalidade alimentar; produo alimentar associada
conservao da natureza e gerao de renda.
Essa associao feita por Dubois (1996) quando retrata os quintais
agroflorestais:
uma rea de produo localizada perto da casa, onde cultivadauma mistura de espcies agrcolas e florestais, envolvendo, tambm, acriao de pequenos animais domsticos ou animais domesticados(...)Os quintais agroflorestais permitem que as populaes locais obtenhamuma complementao importante de alimentos e outros recursos parasua subsistncia. Com freqncia, o quintal permite aumentar a rendafamiliar(Dubois, 1996: 53).
21Ernst Gtsch agricultor e pesquisador, nasceu na Sua e iniciou seu trabalho noBrasil em 1982. Reside no municpio de Pira do Norte, no Sul da Bahia, ondedesenvolve, desde 1984, uma experincia pioneira em agroflorestao. Prestaassessoria a organizaes no governamentais, universidades e rgos de assistnciatcnica rural em quase todas as regies do Brasil. (Gtsch, 1997).
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
54/123
38
Ospina (2006) aborda, em sua concepo sobre SAFs, o saber advindo
da cultura milenar das populaes tropicais que agrega elementos da tradio edo fortalecimento da identidade cultural:
uma tradio e inovao produtiva e de conservao da natureza,desenvolvida fundamentalmente por culturas agroflorestais em terrastropicais(...) para obter produo diversificada, livre de agroqumicos ecom predomnio e desenvolvimento de saberes tradicionais einovadores, fortalecimento da identidade cultural, interao depaisagem, aproveitamento racional dos recursos naturais, privilegio detrabalho humano, uso de tecnologias de baixo impacto ambiental e comrelaes sociais e econmicas de bem estar, equidade e justia(Ospina, 2006: 194).
Na mesma linha, somado aos aspectos produtivos e ambientais, Altieri
(1989) reala a importncia do saber local no manejo dos SAFs, pois o
conhecimento etnobotnico conduz a interaes que podem aperfeioar os
sistemas:
As policulturas e os modelos agroflorestais no so desenvolvidos aoacaso: pelo contrrio, so baseados em profunda compreenso dasinteraes agrcolas, guiados por um complexo sistema de classificaoetnobotnica. Estes sistemas de classificao permitiram aoscamponeses associar cada unidade topogrfica a uma determinadaprtica produtiva, obtendo, assim, uma diversidade de produtosagrcolas atravs de estratgias de mltiplos usos. (Altieri, 1989: 105).
As caractersticas de flexibilidade e adaptabilidade dos SAFs aos
manejos tradicionais da terra conseguem ajustar-se com bastante facilidade aos
sistemas de produo de diversos lavradores, alm de agregar valores culturais.
O reconhecimento das peculiaridades locais tende
interdisciplinaridade, em que processos de trocas de saberes entre lavradores e
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
55/123
39
tcnicos so importantes para a viabilidade de aes, conforme analisa Sabourin
(2001):
Para a ao de desenvolvimento e o manejo da inovaoagropecuria, a identificao do sistema local de conhecimentorepresenta um passo prvio a uma experimentao dialogada ounegociada entre agricultores, tcnicos e tomadores de deciso. Taldilogo s pode ser construdo a partir de uma representao comum,base dos processos de aprendizagem coletiva (Sabourin, 2001: 54).
No Alto Jequitinhonha, a inovao agrcola por meio dos SAFs
desenvolveu-se pela legitimao das pessoas nativas, num processo de adoo eajuste disposio ambiental e cultural, fortalecendo o leque de propostas para
formulao de polticas agrcolas menos excludentes.
A anlise sobre os SAFs assessorados pelo CAV, no Alto Jequitinhonha,
busca dimensionar tal experincia como resultado de ao conjunta de
agricultores familiares que optaram pela coletividade como estratgia de atuao
e pela biodiversidade como estilo de agricultura.
Em seguida so apresentados resultados sobre a organizao familiar em
torno dos SAFs, e os efeitos ambientais nas reas submetidas a esse tipo demanejo, comparando-o com outros sistemas de cultivo e ambientes comuns na
regio.
7/24/2019 DISSERTAO_Inovaes Agroecolgicas Para a Agricultura Familiar
56/123
40
5 RESULTADOS
5.1 Os monitores, o manejo e a produo nos SAFs
5.1.1 Os monitores
O programa de Difuso de SAFs do CAV possui duas esferas de
atuao: uma o SAFs praticado em seu Centro de Formao e Experimentao,
que considerada um laboratrio para testar as intervenes e os consrcios
agroflorestais, funcionando como uma unidade central de observaes para os
agricultores que pretendem manejar suas unidades de produo sob os princpios
agroflorestais. Para aqueles que j desenvolvem o SAF em seu terreno, a reaexperimental do CAV tornou-se um local de aprimoramento e troca de
experincia entre os que freqentam.
A outra e