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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FAUP, ano lectivo 2010/2011 A Concepção Arquitectónica de Tectos e Padieiras anteriores ao betão armado Nuno Gouveia

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FAUP, ano lectivo 2010/2011 · 2020. 3. 7. · FAUP, ano lectivo 2010/2011 A Concepção Arquitectónica de Tectos e Padieiras anteriores ao betão armado

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FAUP, ano lectivo 2010/2011

A Concepção Arquitectónica

de Tectos e Padieiras

anteriores ao betão armado

Nuno Gouveia

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Orientador:

Arq.to António Madureira

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Resumo

A história dos estilos arquitectónicos pode também ter uma leitura baseada na história dos

tectos e padieiras. Este trabalho procurou explorar esse filão de informação no período que

antecedeu o uso das estruturas de ferro e de betão armado. Decidiu-se reduzir ainda o âmbito

a estruturas de alvenaria, deixando, por ora, de fora, as estruturas de madeira.

O século XIX deu lugar a uma cada vez maior necessidade de utilizar, nos edifícios, pisos

sobrepostos com áreas livres maiores. Esta necessidade promoveu alguns engenhos

construtivos que pretendemos aqui compreender melhor.

No final do século XIX, muita construção erudita era realizada com elementos projectuais e

técnicas que não usufruíam de uma pré-determinação das acções e esforços estruturais como

hoje acontece. Nos edifícios em causa, era sobretudo a figura do arquitecto que concebia a

totalidade da forma física da construção, procurando sobretudo na geometria, na proporção e

na história da arquitectura as bases do seu acto de projectar. O projectista-arquitecto definia

no mesmo traço, estrutura e confinamento espacial. E embora florescessem os maneirismos, o

projectista baseava-se numa herança de conhecimentos empíricos sobre a estabilidade da

edificação, mantendo, no essencial, os elementos estruturais proporcionais a anteriores casos

de sucesso.

Nesse âmbito, este trabalho procura também evidenciar alguns dos conhecimentos da

engenharia que nos permitem ter uma leitura diferente da tradicional abordagem

arquitectónica.

Temos informação detalhada sobre a evolução estilística operada nos edifícios, mas no

entanto é parca a informação técnica sobre os métodos e sistemas construtivos utilizados para

o projecto e a construção das coberturas/tectos e das padieiras de maior vão .

Hoje, alguma dessa informação reside apenas em alguns construtores especializados e nesse

âmbito, foi fundamental a conversa tida com o mestre pedreiro Humberto Sousa; mestre no

sentido arcaico e mais pragmático do termo.

Com a escolha das três obras analisadas neste trabalho, procurou-se abranger várias

tipologias de estruturas cuja concepção não fosse ainda totalmente regulada pela engenharia

moderna. Contudo, o edifício da Alfândega, sendo o mais recente dos três, é também aquele

no qual a abordagem típica do arquitecto não seria suficiente para determinar o perfil das

vigas metálicas compostas por perfis rebitados.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Abstract

The history of architectural styles can be looked upon based on the hitory of ceilings and

lintels. This study sought to explore this angle of information in the period preceding the use

of iron structures or reinforced concrete. It was decided to further reduce the scope of the

masonry, leaving aside, for now, the wooden structures.

The nineteenth century gave rise to an increasing need, in buildings, of upper floors with

larger free areas. This promoted some constructive solutions that we wanted to understand

better.

In the late nineteenth century, much construction was done with classical elements and

projective techniques that had not enjoyed a pre-determination of structural calculous like it

happens today. In these buildings, it was the architect who conceived the whole of the

physical form of the building, using his knowledges of geometry, proportion and architectural

history as the bases of his work. The architect-designer defined at the same time, structure and

spatial confinement. And although mannerisms flourished, the project was based on a heritage

of empirical knowledge about the stability of building, maintaining, in essence, the structural

elements in proportion with past cses of success.

In this context, this work also uses some knowledge from civil engineering, that allows us to

have a different reading from the traditional architectural approach.

Today we have detailed information on the stylistic evolution operated in buildings, but

there is fewer data or technical information on methods and construction systems used for the

design and construction of roofs/ceilings and lintels of wider span.

Today, some of this information resides only in a few specialized contractors and artisans,

and in this context, it was fundamental the conversation held with master mason Humberto

Sousa; master the archaic and pragmatic sense of the term.

With the three buildings chosen as case stydies in this work, we tried to cover several types

of structures which design was not yet fully regulated by modern engineering. However, the

Alfândega building, the most recent of the three, is also the one in which the typical approach

of the architect would not be sufficient to determine the profile of the complex riveted iron

beams.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Résumé

L'histoire des styles architecturaux peut avoir une lecture basée sur l'histoire des plafonds et

linteaux. Cette étude visait explorer ce coin d'information dans la période précédant

l'utilisation de structures en fer ou du béton armé. Il a été décidé de réduire davantage le

champ d'application a la maçonnerie, ce qui laisse dehor, pour l'instant, les structures en bois.

Le XIXe siècle a donné lieu à un besoin croissant de l'utilisation, dans les bâtiments, des

planchers avec de plus grandes zones libres. Cette nécessité a encouragé certaines sistèmes

constructives que nous voulons ici mieux comprendre.

A la fin du XIXe siècle, la construction des batiments ce faisait avec des éléments

classiques et techniques projectives qui n'ont pas bénéficié d'une pré-détermination des

calculs structuraux comme ont fait aujourd'hui. Dans les bâtiments en question, était surtout

l'architecte qui a concevait l'ensemble de la forme physique du bâtiment, en utilisant en

particulier la géométrie, la proportion et l'histoire de l'architecture comme des bases de son

acte de projeter. L'architecte définait au meme temps, la structure et le confinement spatial. Et

bien que les maniérismes etait florissant, le projet était fondé sur un héritage de connaissances

empiriques sur la stabilité de la construction, tenant en substance, les éléments de structure

proportionalles aux ancients cas de succès.

Dans ce contexte, ce travail explore également quelques connaissances de la génie civil qui

nous permettent d'avoir une lecture différente de l'approche de l'architecture traditionnelle.

Nous avons des informations détaillées sur l'évolution de style opéré dans les bâtiments,

mais peu d'informations techniques sur les méthodes et systèmes de construction utilisés pour

la conception et la construction des toitures/plafonds et linteaux de plus grande largeur.

Aujourd'hui, certaines de ces informations ne réside que dans quelques constructeurs

spécialisés, il était donc essentiel de la conversation tenue avec maitre mason Humberto

Sousa; maître dans le sens archaïque et plus pragmatique du terme.

Avec le choix de trois batiments examinés dans cette étude, nous avons essayé de couvrir

plusieurs types de structures dont la conception n'est pas encore totalement réglé par

l'ingénierie moderne. Toutefois, Alfândega, le plus récente des trois batiments, est aussi celui

dans lequel l'approche typique de l'architecte ne serait pas suffisante pour déterminer le profil

des poutres metaliques riveteés.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Agradecimentos

O autor agradeçe,

Ao orientador, por ter aceite o risco de se associar a este trabalho;

Aos funcionários dos três edifícios estudados, por facilitarem o acesso a espaços e a

informações relevantes para este trabalho; nomeadamente: Paula Moura, Maria da Paz

Camina, Luis Filipe Pereira, Filipe Alegro e Joaquim Silva

Ao mestre pedreiro Humberto Sousa, pela disponibilidade em ouvir e responder às dúvidas

do autor;

Aos autores de muitas das fotografias patentes neste trabalho, por autorizarem a utilização

das mesmas.

Porto, 8 de Junho de 2011

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Índice

Resumo........................................................................................................................................3

Abstract.......................................................................................................................................4

Résumé .......................................................................................................................................5

Índice de ilustrações....................................................................................................................8

Introdução.................................................................................................................................12

A arquitectura e a estabilidade das edificações.........................................................................14

O espaço e os elementos estruturais.....................................................................................14

A proporção e a soma das partes..........................................................................................16

A estereotomia e o corte da pedra........................................................................................19

A estabilidade.......................................................................................................................21

Concepção versus Construção..............................................................................................25

O tamanho e o peso..............................................................................................................27

Arquitraves, Arcos, Abóbadas, Cúpulas e outros tectos............................................................29

Da Arquitectura para a Engenharia...........................................................................................40

A Catenária...........................................................................................................................44

Alguns passos nos domínios da Engenharia.........................................................................49

O uso de modelos.................................................................................................................52

Estruturas camufladas...............................................................................................................54

Alguns edifícios na cidade do Porto que ilustram este estudo..................................................57

Hospital de Santo António....................................................................................................57

Palácio da Bolsa...................................................................................................................64

O Edifício da Alfândega.......................................................................................................69

Entrevista com Sr. Humberto Sousa.........................................................................................73

Conclusão..................................................................................................................................77

Bibliografia...............................................................................................................................80

Notas.........................................................................................................................................83

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Índice de ilustrações

As imagens usadas neste trabalho têm várias origens.

As que são propriedade de terceiros, aparecem com a respectiva autorização (obtida via

email pelo autor) ou são de uso livre (creative commons ou outras licenças)

Entre parenteses, a autoria:

(nsg) - do autor, licença Creative Commons: CC BY-SA 3.0

(ccm) - creative commons ou reprodução livre

(goldsilver, fk) - nome de utilizador no site flikr.com

fig. 1 Vãos limitados à resistência das vergas de pedra (nsg)...................................................... 13

fig. 2 Pináculos na catedral de Milão, Itália (Susy Cresy); esquema da carga (nsg).................... 15

fig. 3 Cúpulas da catedral da Anunciação, em Moscovo............................................................. 15

fig. 4 Portal maneirista na Sé velha de Coimbra (iPhil.com.pt).................................................... 16

fig. 5 Galilé da Sé do Porto, de Nicolau Nazoni, séc. XVIII (Margret Exman).......................... 16

fig. 6 Desenho de James Murhy, de uma secção do Mosteiro da Batalha (ccm)......................... 17

fig. 7 Reprodução de pintura no túmulo de Rekmira, Luxor, Egipto, séc. XV aC (ccm)............ 19

fig. 8 Pilar de alvenaria no hospital de Santo António, no Porto (nsg)........................................ 20

fig. 9 Laje aligeirada (nsg)......................................................................................................... 23

fig. 10 Função decorativa da verga de pedra (ilustração adaptada de Pereira da Costa)................ 24

fig. 11 À esquerda, imagem do templo de Egina (Ava Babili, www.flickr.com/

photos/ava_babili), na Grécia; à direita, ilustração de Josef Durm, de 1910 (ccm)............ 26

fig. 12 Pont du Garde, França, sec. I a.C (Pierre Damantall)......................................................... 26

fig. 13 Grua de acção humana na catedral de Malines, na Bélgica (Jeroen François).................. 27

fig. 14 O levantar de um obelisco em Roma (ccm)................................................................. 27

fig. 15 Caminhos na obra da catedral de Glasgow (adaptado de Thomas Lennox Watson)........... 28

fig. 16 Abóbadas de betão do século II, no porto de Trajano, Roma, Itália................................... 29

fig. 17 Cobertura do palácio imperial em Ctesiphon, actual Iraque; séc. VI (11119999, fk)......... 30

fig. 18 Patamar de escada com abóbada plana, segundo Diderot d'Alembert (ccm)...................... 31

fig. 19 Arquitrave seccionada oculta, segundo Diderot d'Alembert (ccm)..................................... 31

fig. 20 Padieira de pedras alternadas, Prato, Itália (Massimiliano Galliardi)................................. 31

fig. 21 Arquitrave com ressalto nas juntas, segundo Diderot d'Alembert (ccm)............................ 32

fig. 22 Cobertura de abóbada plana com elos concêntricos, Diderot d'Alembert (ccm)............... 32

fig. 23 Comparação das linhas funiculares (adaptado de Philippe Block).................................... 32

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

fig. 24 Pormenor do sistema de pesos e catenárias usado por Gaudi (ccm)................................... 33

fig. 25 Soluções de Vitrúvio (segundo Perrault) para padieiras de maior vão (ccm)..................... 34

fig. 26 Ressalva da padieira com consolas múltiplas, e padieira composta.................................. 34

fig. 27 Pórtico com arquitrave seccionada em Pompeia, Itália (ccm)............................................ 35

fig. 28 Portal com arquitrave seccionada, em Belmonte (nsg)...................................................... 35

fig. 29 Arcos de ressalva na igreja da Coleggiata de Santa Maria Assunta, Italia

fig. 30 Construção de abóbada sem recurso a cofragens, em Portalegre (António Pereira -

www.abobadilhas.blogspot.com) ....................................................................................... 37

fig. 31 Execução dos arcos periféricos de um conjunto de abóbadas "Guastavino" (ccm)............ 38

fig. 32 Canais usados para verter o chumbo sobre os gatos de ferro (ccm)................................... 39

fig. 33 Pormenor da gravura CLXX do tratado de Rondelet (ccm)............................................... 39

fig. 34 Sainte Geneviéve, o panteão de paris (eldovani, fk).......................................................... 42

fig. 35 Desenho de Poleni, cúpula de São Pedro e catenária (ccm)............................................. 44

fig. 36 Extracto do quadro evolutivo de Milani (ccm)................................................................... 45

fig. 37 Método empírico comum para dimensionar a largura dos pés-direitos (nsg)..................... 46

fig. 38 Análise correcta da rotura de um arco, segundo Leonardo da Vinci (ccm)........................ 47

fig. 39 Traçado da linha funicular, 1ª parte (nsg) 48

fig. 40 Traçado da linha funicular, 2ª parte (nsg)............................................................................ 48

fig. 41 Experiência conduzida por Galileu (wmc); comparação de diagramas (nsg)................... 49

fig. 42 Proporção, ossos de um gigante,comparados com os do homem comum (ccm)................ 50

fig. 43 O aumento das dimensões, mantendo as proporções, conduz à rotura (nsg)...................... 50

fig. 44 Representação gráfica de funções de diferentes graus (nsg).............................................. 51

fig. 45 Esteio descrito no texto (nsg)............................................................................................. 53

fig. 46 União de pedras com gatos. Angkorr Wat Camboja; Dendera, Egipto (ccm)................... 54

fig. 47 Maciços de betão e arcos de tijolo das termas de Caracalla (Chrattac, fk)......................... 55

fig. 48 Vista exterior da cúpula da catedral de São Pedro, Londres (Wilsey, fk)........................... 56

fig. 49 Corte construtivo da cúpula. Desenho de Frederik Chatterton em 1902 (ccm).................. 56

fig. 50 Esquema estrutural (nsg).................................................................................................... 56

fig. 51 A cúpula do Capitólio, em Washington, E.U.A. (Brian Herzog, Bob Shenk, ccm)............ 56

fig. 52 Vista da fachada nascente do hospital (Manuel de Sousa)................................................. 57

fig. 53 Má qualidade da alvenaria em algumas zonas do edifício (espólio do departamento de

Instalações e Equipamentos do hospital de Santo António)................................................ 58

fig. 54 Abóbadas de tijolo, após ser retirado o reboco.(nsg).......................................................... 59

fig. 55 Intersecção de abóbadas de berço e tecto da capela (nsg) ................................................ 59

fig. 56 As abóbadas da recepção no rés-do-chão (nsg)................................................................. 59

fig. 57 Uma arquitrave partida na fachada do Hospital. (nsg)....................................................... 60

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

fig. 58 Cedência dos arcos laterais que suportam a varanda (nsg)................................................. 61

fig. 59 Patamar de granito maciço (nsg)........................................................................................ 62

fig. 60 Padieira em arco e a respectiva estereotomia (nsg)............................................................ 62

fig. 61 Padieira na fachada norte, separada do frontão (nsg)......................................................... 63

fig. 62 Diferentes ligações entre pedras do coroamento das platibandas (nsg).............................. 63

fig. 63 Fachada Nascente do Palácio da Bolsa (ccm).................................................................... 64

fig. 64 Abóbada de berço em tijolo e tecto-falso em abóbada (nsg).............................................. 65

fig. 65 Tecto (falso) da corpo da escadaria principal. (nsg)........................................................... 65

fig. 66 Asnas com barrotes rolados e tirantes feitos à medida (nsg).............................................. 66

fig. 67 Tecto da varanda.(nsg)....................................................................................................... 66

fig. 68 Fissura longitudinal junto à chave, nas abóbadas do tecto do átrio (nsg)........................... 67

fig. 69 Nestes vãos, as pedras das padieiras ficam soltas da pedra acima (nsg)............................. 67

fig. 70 Um maneirismo estrutural. Um pórtico clássico apoiado num arco rebaixado.................... 68

fig. 71 A escada do antigo convento............................................................................................... 68

fig. 72 O edifício da Alfândega (ccm)........................................................................................... 69

fig. 73 Escadarias dos edifícios nos topos Nascente e Poente (nsg).............................................. 70

fig. 74 As abóbadas das "furnas" no edifício da Alfândega do Porto (nsg)................................... 70

fig. 75 Variação da altura visível da viga metálica principal (nsg). ............................................. 71

fig. 76 As abóbadas de tijolo (rebocadas) com tirantes de ferro (nsg)........................................... 71

fig. 77 Corte parcial do edifício (imagem cedida pelo gabinete de Eduardo Souto Moura) e de

uma abóbada com tirante metálico (nsg)............................................................................. 72

fig. 78 Desenho das aduelas da padieira prolongado no friso do pavimento (nsg)........................ 72

fig. 79 Colocação da pedra em padieiras, segundo Humberto Sousa (nsg)................................... 74

fig. 80 A consideração da anisotropia da pedra para o trabalho do corte (nsg)............................. 74

fig. 81 União das lajes do tecto do claustro no museu Grão Vasco, em Viseu. (nsg)...................... 75

fig. 82 A necessidade de "encher" as impostas, segundo Humberto Sousa. (nsg).......................... 75

fig. 83 Arquitrave com arco de ressalva Villa de Adriano, Roma (Ken Maccown)...................... 78

fig. 84 Abóbada no Mapungubwe National Park, África do Sul (James Ballamy -

http://picasaweb.google.com/bellamyjk/BuildingInSouthAfrica#)..................................... 79

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Introdução

A história dos tectos e padieiras é importante no estudo da evolução dos estilos

arquitectónicos. No século XIX, a vontade teatral do Barroco deu lugar à austeridade do

neoclássico e a uma cada vez maior necessidade de edifícios civis com exigências espaciais

diferentes: áreas livres maiores e em pisos sobrepostos. Estas necessidades enfatizaram o uso

de alguns sistemas construtivos e estruturais que pretendemos aqui compreender melhor.

No final do século XIX, o betão armado trouxe a possibilidade de explorar os novos limites

dos então recentes conhecimentos sobre a resistência e mecânica dos materiais. Da

omnipresença de paramentos de alvenaria pontuados por aberturas alinhadas verticalmente e

com vãos limitados às padieiras (quase sempre monolíticas ou em arquitraves seccionadas1),

passamos à liberdade dos perfis de ferro, dos pilotis, do dominó de Le Corbusier, dos grandes

vãos e amplas coberturas monolíticas ou em estruturas de ferro.

Mas antes do uso do betão armado, a construção de pavimentos de maior vão (e de grandes

padieiras) implicava soluções diferentes das de hoje. Recorria-se à madeira, às alvenarias de

pedra ou tijolo, e ao ferro, este último por vezes combinado com os anteriores (vigas armadas

de madeira com cintas de ferro, abodadilhas2 de tijolo e perfis de ferro, etc).

No final do século XIX muita construção erudita era realizada com elementos projectuais e

técnicas que não usufruíam de uma pré-determinação das acções e esforços estruturais como

hoje acontece. O projectista-arquitecto definia no mesmo traço, estrutura e confinamento

espacial. E embora florescessem os maneirismos, o projectista baseava-se numa herança de

conhecimentos empíricos sobre a estabilidade da edificação, mantendo, no essencial, os

elementos estruturais proporcionais3 a anteriores casos de sucesso.

Estes momentos coincidem também com a evolução da separação entre as profissões do

arquitecto e do engenheiro-civil. Nos edifícios em causa, era sobretudo a figura do arquitecto

que concebia a totalidade da forma física da construção. Ou era, pelo menos, a figura com

formação mais próxima da do arquitecto, procurando sobretudo na geometria, na proporção e

na história da arquitectura as bases do seu acto de projectar. Neste âmbito, este trabalho

procura também evidenciar alguns dos conhecimentos da engenharia que nos permitem ter

uma leitura diferente da construção; diferente da leitura que nos permitem os conhecimentos

estritos da arquitectura.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Pretende-se aqui introduzir uma abordagem, mais uma, à história da arquitectura. Uma

abordagem centrada na concepção e execução de tectos e coberturas em alvenaria e cantaria e

cujas dimensões ultrapassem as possibilidades das vigas simples de madeira e lintéis

monolíticos de pedra. Por falta de espaço descidiu-se não abordar, para já, as estruturas de

madeira.

Temos informação detalhada sobre a evolução estilística operada nos edifícios, mas no

entanto é parca a informação técnica sobre os métodos e sistemas construtivos utilizados para

o projecto e a construção de pavimentos de maior vão.

Hoje, muita dessa informação reside apenas em alguns construtores especializados,

chegando com pouca frequência às cátedras das faculdades de arquitectura e engenharia.

No trabalho que agora se apresenta, faltaria contudo englobar mais conhecimentos,

sobretudo acerca da arquitectura do oriente e de outras culturas ancestrais, nas Américas e em

África, sobre as qual o mundo ocidental tem ainda poucos dados.

Pretendeu-se contudo mencionar vários discursos possíveis, e passíveis de abrir novas

portas à leitura da história da arquitectura anterior ao betão armado.

Com a escolha das três obras analisadas neste trabalho, procurou-se abranger várias

tipologias de estruturas cuja concepção não fosse ainda totalmente regulada pela engenharia

moderna.

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fig 1: Vãos limitados à resistência das vergas de pedra

das padieiras ou sujeitos ao impulso de padieiras em arco.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

A arquitectura e a estabilidade das edificações

O espaço e os elementos estruturais

O espaço como tema fulcral (e omnipotente) da arquitectura contemporânea é uma

abordagem que emerge no final do séc. XIX por entre as convulsões científicas e tecnológicas

da física, da fotografia, do cinema e da pintura.

“Desde então o espaço tornou-se uma parte integral do nosso pensamento sobre a

arquitectura a tal ponto que somos praticamente incapazes de o conceber sem colocar ênfase

na deslocação do sujeito no tempo”4.

A capacidade contemporânea de assimilarmos a experiência arquitectónica como uma

unidade formal, sobretudo estética, depende por vezes de uma visão cenográfica da

arquitectura, através da qual é corrente ocultar as estruturas e infraestruturas por detrás de

paramentos de toda a índole. Pode-se dizer que uma parte da “vontade” da arquitectura ao

longo da história tem sido justamente a criação de espaços com a menor interferência da

tectónica. Vemos hoje a utilização de materiais etéreos, real ou aparentemente muito leves, e

arquitecturas quase despojadas de estruturas aparentes.

Voltando à História, e ainda que a questão não seja consensual, os templos gregos podem ser

lidos como esculturas, marcos paisagísticos, nos quais a arquitectura, tal como a criamos hoje,

ainda não estava totalmente presente.

...”no templo grego, o homem caminha apenas no peristilo”5

Já os romanos colocaram as colunas no interior, concebendo assim um espaço mais artificial

que o homem já pode percorrer em duas dimensões. Fizeram assim uma abordagem própria à

noção de espaço arquitectónico.

Constata-se, na historiografia da arquitectura, a hegemonia das descrições estéticas e,

sobretudo mais recentemente, das organizações ou tipologias espaciais. No entanto, algumas

questões construtivas poderão justificar leituras paralelas.

Por exemplo, a existência de fogaréus6 sobre os contrafortes de edifícios com abóbadas tem,

além da justificação cultural (religiosa e estética), uma evidente justificação estrutural,

ajudando a inflectir em direcção ao solo, a componente horizontal do vector resultante dos

impulsos de arcos e abóbadas de alvenaria..

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Uma outra possível análise pode ser feita às cúpulas existentes sobre muitas igrejas eslavas.

A configuração em balanço dificulta a sua construção em alvenaria pelo que são construídas

com estruturas de madeira e, muitas delas, tapadas interiormente. Estas últimas não

contribuem para a definição do espaço interior, para a sua ventilação ou iluminação, como

acontece com a generalidade das cúpulas de alvenaria ocidentais.

15

fig 2: Pináculos (fogareús) sobre os contrafortes da catedral de Milão, Itália. À direita, esquema

representando o efeito dos pináculos na carga resultante.

fig 3: Cúpulas da catedral da Anunciação, em Moscovo

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A proporção e a soma das partes

O edifício antigo, mas sobretudo o pré-renascentista, não é como a obra contemporânea, una

, indivisível e construída em um ou dois anos, mas, na maioria dos casos, um conjunto de

elementos justapostos no tempo. Casamentos, nascimentos e outras efemérides reais eram

mote bastante para adicionar um portal ou uma nave lateral a uma igreja existente. E tal era

normalmente feito ao gosto da nova época.

Além da extensão temporal que obrigava à existência de mais do que um responsável pela

concepção da obra, os construtores, os mestres, os pedreiros, eram pagos à peça e era comum

imaginar partes do edifício como conceptualmente independentes: portais, rosáceas, torres,

altares e baldaquinos.

Contudo, a limitação de materiais construtivos uniformizava visualmente a soma de partes,

mais do que um todo orgânico consciente. Mas além da uniformização visual, sobretudo clara

para o leigo, existe uma uniformização construtiva e estrutural. Uma demonstração possível

advém da limitação dos vãos a vencer com peças monolíticas de pedra.

Na concepção de uma igreja, além do contexto litúrgico que determinava a localização de

vários elementos fulcrais, tomavam-se decisões em função do tamanho e da consequente

imponência dos tectos e demais elementos da linguagem arquitectónica. É provável que o

número de naves pudesse variar facilmente em função dos recursos existente ou de outras

vicissitudes circunstanciais. A questão do uso da proporção (áurea ou de outra génese) entre as

dimensões de várias partes era muito subjectiva e utilizada apenas quando era interessante

para o interlocutor em causa. Mesmo assim tratava-se de discutir uma parte de um todo:

16

fig 5: Portal maneirista na Sé velha de Coimbra. fig 4: Galilé da Sé do Porto, de Nicolau Nazoni, séc. XVIII. A

sobreposição de diferentes correntes estéticas é uniformizada

pelo tipo de construção

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...“O que contava era a proporção entre as partes. E essas partes eram concebidas, muitas

vezes, uma a uma, e somadas organicamente.”7

Embora se tenha evidentemente servido de um prolífico maneirismo na sua obra, o próprio

Andrea Palladio teorizou sempre sobre o uso de proporções,:

“(...)E será o Módulo o diâmetro da base da coluna dividido em sessenta minutos, menos

na Dórica: na qual o Módulo será o meio diâmetro da coluna, e dividido em trinta minutos;

porque assim fica mais cómodo nas divisões da dita ordem. Onde poderá cada um, fazendo o

Módulo maior ou menor, de acordo com a qualidade do edifício, servir-se das proporções e

dos perfis desenhados que convêm a cada Ordem(..)8”

A interpretação romântica de James Murphy, viajante inglês que veio a Portugal no fim do

séc. XVIII analisar algumas obras mais conhecidas, levou-o a ler relações proporcionais

antropomórficas nos espaços e volumes do mosteiro da Batalha.

Contudo, existem claras limitações no uso de relações proporcionais. Além das limitações

antropométricas existem limitações ao nível da resistência dos materiais e terá sido Galileu o

primeiro a procurar definir com clareza essas limitações. 9

Em obra, a informação sobre a forma arquitectónica a construir passava muitas vezes por

desenhos à escala real traçados em placas de madeira, de pedra ou sobre um reboco de gesso

no chão. E eram normalmente desenhos de partes muito limitadas da obra, peças de um

puzzle, muitas delas standard nessa obra. João Segurado10 relata ainda o uso de desenhos à

17

fig 6: Desenho de James Murphy, de uma

secção do Mosteiro da Batalha, de 1794

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escala natural, executados sobre uma plataforma de lajes de pedra “grosseiramente

aparelhadas” e com as juntas tomadas com escacilhos e gesso:

“Obtido o plâno por esta maneira limpa-se e esfrega-se seguidamente com ervas verdes

que o deixam pegajoso; aplica-se-lhe depois carvão que adere às pedras, deixa-se secar e

então varre-se. Obtém-se assim uma superfície rugosa, aproximadamente plâna, de côr negra

que não suja as mãos. O traçado faz-se a riscador que deixa nas pedras riscos bem nítidos”11

O uso de desenhos em suportes mais móveis na antiguidade era mais raro mas não

inexistente:

“Conhecem-se no entanto representações de fachadas, plantas e cortes sobre pergaminho,

como as da Catedral de Estrasburgo, que datam de 1250-1260 ou das catedrais de Orvieto,

Siena, ou Milão, do século XV”12

Já a forma final do edifício era conhecida apenas pelos decisores e desconhecida para a

maioria dos intervenientes na construção.

Em 1839, José Siqueira, professor na Academia de Belas Artes de Lisboa, publica um livro

intitulado “Noções theoricas de architectura civil” destinado e dedicado aos seus alunos da

disciplina de “Desenho de Arquitectura Civil”. No texto, Siqueira refere defende o paradigma

Vitruviano recorrendo ainda à analogia de uma boa obra com as ideais proporções do corpo

humano:

“O melhor modelo que o artista tem a imitar para imprimir nas suas obras a mencionada

regularidade, e formosura, é o Corpo humano, cujas formas são tão bem combinadas,

elegantes e harmoniosas13”. E ainda no mesmo tomo, diz Siqueira: ”Os verdadeiros typos de

todas as proporções são as Cinco Ordens de Arquitectura14”...

É interessante o discurso de Siqueira acerca do uso das proporções, e do basear estas nas

dimensões das colunas da ordem arquitectónica utilizada. No que diz respeito à sustentação

dos entablamentos e arquitraves, refere inclusive que colunas mais “grossas” poderão ficar

mais afastados do que colunas mais esbeltas, omitindo qualquer discurso sobre o

dimensionamento do entablamento em si mesmo - e que seria o mais importante. Tão pouco é

referida qualquer noção para a concepção ou construção de tectos ou pavimentos resistentes.

As teorias baseadas nas proporções geométricas são o grande fio condutor da obra de

Siqueira; e no o que diz respeito à solidez das mesmas, considera apenas que as obras deverão

18

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providenciar a “devidas resistências”. No entanto, o enquadramento real não é tão simples: o

esforço a que uma viga está sujeita, aumenta a uma taxa superior ao aumento do comprimento

da mesma. Ou seja, uma viga com o dobro do comprimento de uma viga inicial, e com a

mesma secção, terá de ser 4 vezes mais resistente à flexão.

A estereotomia e o corte da pedra

No âmbito construtivo, este trabalho incide em grande parte sobre estruturas de alvenaria de

pedra, cuja estereotomia não é indiferente ao resultado estético e estrutural.

Entende-se estereotomia aqui como a capacidade de representar previamente os elementos

arquitectónicos das obras a executar. Ainda que se aceite a aplicação de estereotomia aos

outros materiais, consideramos aqui apenas a pedra.

“A estereotomia em si é a aplicação da geometria descritiva ao corte das pedras e das

madeiras.”15

Verifica-se que o uso de conceitos de geometria, prévios ao corte da pedra, é bastante

antigo, aparecendo inclusive ilustrado em pinturas de túmulos no antigo Egipto.

O material pedra é menos isotrópico16 do que aparenta apenas numa análise visual. O leito

original de assentamento da pedra na pedreira corresponde normalmente ao sentido em que

deve ser aplicada numa padieira, por exemplo. Contudo, tal pode variar em função da

geometria dos extractos geológicos da pedreira.

(...)“ há pedras que são esmagadas sob pressão de 319 quilos por centímetro quadrado,

quando colocadas sobre o seu leito de pedreira, ao passo que na direcção normal àquela, a

19

fig 7: Reprodução de pintura no túmulo de Rekmira, Luxor,

Egipto, séc. XV AC. Ilustração do uso de medidas pré-

determinadas para as dimensões das pedras

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ruptura se realiza sob a carga de 254 quilos por centímetro quadrado.”17

João Segurado, na sua “Biblioteca de Instrução”, faz várias menções à necessidade de usar

as pedras orientadas de acordo com o seu leito de pedreira, garantindo assim a sua melhor

resistência, à tracção e ao corte.

Segundo João Mateus, terá sido no século XVI que apareceram publicadas as primeiras

descrições teóricas sobre a estereotomia das alvenarias de arcos e abóbadas18. Philibert de

L'Orme, francês, publicou em 1576 um tratado que continha descrições sobre o...

“corte das aduelas das trompas de uma cúpula destinada a cobrir uma planta

quadrangular, fazendo questão de afirmar que muitas das regras estereotómicas não eram

consideradas possíveis de serem explicadas só de forma escrita”19,

...sendo por vezes necessário recorrer a modelos físicos à escala.

O método de Monge não era ainda conhecido à data da publicação de L'Orme. A geometria

descritiva de Monge só veio a publico mais de um século depois, em 1794.

A capacidade de projectar o elemento singular antes da sua colocação em obra é um tema

claramente arquitectónico. E o mesmo se passa com a capacidade de falsear o efeito final: nas

paredes com bossas não aparelhadas utilizadas a partir do final do renascimento, reproduz-se

muitas vezes um desenho de aparente estereotomia que não corresponde aos silhares reais.

Veja-se a disposição das pedras na igreja dos Clérigos ou no Hospital de Santo António, no

Porto.

O estudo erudito da estereotomia teve um razoável impulso com a publicação, em 1794, do

tratado de geometria descritiva de Gaspard Monge. O trabalho de Monge tornou-se basilar na

transmissão do conhecimento teórico sobre o corte de pedras para estruturas de alvenaria. Das

20

fig 8: Pilar de alvenaria no hospital de Santo António, no Porto. No esquema da direita são evidenciadas as reais

juntas entre as pedras.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

publicações sobre estereotomia que se seguiram à publicação do tratado de Monge, João

Mateus salienta o “Traité de stéréotomie, comprenant les applications de la géometrie

descriptive”, de Charles Leroy. No entanto não parecem existir, nesta época, obras editadas

em Portugal sobre estereotomia.

A escassez de publicações ajudou a gerir de forma corporativa os conhecimentos mais

complexos sobre estereotomia, mantendo-se estes restritos aos arquitectos e a alguns mestres

construtores.

A estabilidade

O colapso de um elemento estrutural dá-se, na maioria dos casos, se ocorrer um ou mais dos

seguintes estados (existem ainda outros fenómenos, mas menos frequentes):

supressão ou alteração significativa da base de apoio.

desequilíbrio, quando o seu centro de gravidade ultrapassa uma charneira periférica,

criando um mecanismo em rotação.

rotura devido a esforços internos:

flexão, a rotura dá-se quando a peça sucumbe à tracção ou à compressão nas

fibras mais afastadas do eixo neutro da peça.

tracção simples, o elemento é “esticado” até atingir o seu limite de resistência à

tracção;

compressão simples, rotura por esmagamento das fibras;

corte, devido à oposição de esforços com o mesmo sentido, direcções opostas e

não colineares;

torção, (situação pouco comum em edifícios, mas por vezes verificável, em

estruturas com acentuadas assimetrias).

No caso específico do esforço de compressão, e tratando-se de uma das solicitações mais

intuitiva para arquitectos, convém explicar que apesar dos exemplos teóricos associados ao

uso de proporções20, e da sua evidência, as tensões de compressão a que ficam sujeitos

elementos estruturais tradicionais das alvenarias de pedra, colunas, paredes, aduelas de arcos e

demais elementos de abóbadas, contrafortes, fundações, são extremamente baixas. O colapso

destas estruturas, caso ocorra, dificilmente se dará por rotura à simples compressão. As

21

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tensões suportadas nestes edifícios são, mesmo para as colunas, normalmente inferiores a 1/10

da tensão de rotura da pedra utilizada e para os restantes elementos, são, facilmente, da ordem

das centésimas21.

“Bennouille, no seu estudo analítico da estrutura [da catedral] de Beauvais, ficou

espantado por não ter conseguido encontrar nenhuma tensão superior a 1,3N/mm2”22, um

valor muito aquém do limite suportado pela pedra utilizada na obra.”23

Curiosamente, um tipo de esforço muito específico das igrejas prende-se com os impulsos

horizontais dinâmicos criados pelo badalar dos sinos, sobretudo em algumas zonas da Europa

onde a rotação dos sinos é levada ao extremos, fazendo o sino rodar 360graus.

Nas construções cuja estrutura se executa em betão armado ocorre um paradigma diferente

do que acontece na alvenaria24. Ainda que na alvenaria se encontrem muitas vezes

transferências não previstas de esforços, devidas a assentamentos de fundações, falhas em

elementos isolados, sismos, etc, é no betão armado que, devido presença do aço, se pode

evidenciar o “transporte” de esforços a maiores distâncias. Uma estrutura fortemente

hiperstática comporta-se como um todo conseguindo absorver, em deslocamentos que

ocorrem em toda a sua extensão, a energia relativa aos esforços aplicados apenas numa zona.

Talvez seja mais fácil percebermos isto com uma analogia mais prática: Imaginemos uma laje

de vigotas pré-esforçadas. Trata-se, à partida, de um elemento estrutural isostático; contudo

muitos projectistas de estruturas decidem incluir, no bordo do apoio, armaduras de reforço nas

faces superiores, criando assim alguma resistência a momentos negativos. Esta nova estrutura

tornou-se menos determinada estaticamente; aumentámos a sua complexidade e o número de

incógnitas que representem os seus deslocamentos ou forças instaladas. A deformação

prevista para esta estrutura, que seria, grosso modo, a catenária25 da sua deformação natural

devida a cargas uniformes, passa a ter uma nova rigidez nos apoios e a incluir novas

curvaturas.

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Pretende-se assim evidenciar a inexistência de uma verdade estrutural. Existem sim

inúmeras versões possíveis, dependentes de inúmeros factores, e de vicissitudes que abrangem

a cultura do projectista, a qualidade do construtor e das matérias primas, etc.

Trata-se também de considerarmos que uma estrutura hiperstática (como são quase todas as

estruturas de edifícios contemporâneos) se adapta organicamente às cargas que suporta.

“a estrutura aparenta, de certa forma, ter qualidades antropomórficas” e “o estado no

qual a estrutura se encontra confortável, pode sofrer grandes variações causadas por

imperfeições triviais na fabricação ou na construção”26

Em 1955 Pereira da Costa publicou a sua enciclopédia prática de construção civil cujo tomo

reservado à cantaria apresenta já o uso do betão armado com elemento resistente em padieiras,

escadarias e pavimentos. As ilustrações de desenhos em corte representam a matéria betão

como elemento preponderante para a existência tectónica do conjunto ilustrado: Uma verga de

padieira em cantaria é já e apenas decorativa, apesar das dimensões generosas de que aufere.

23

fig 9: Em cima, a laje aligeirada na sua configuração isostática; em

baixo evidencia-se o efeito de adicionar resistência à tracção na face

superior: a estrutura passa a ser hiperstática.

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Contudo, Pereira da Costa menciona, ainda que sem grande desenvolvimento, algumas

técnicas de ligação entre pedras recorrendo a gatos metálicos, cavilhas ou respigas na própria

pedra.

“os blocos de pedra ligam-se também uns aos outros por cavilhas ou pernos de pedra,

como por malhetes e respigas que entram nas mechas (...). Os gatos e pernos metálicos

entram numas pequenas escarvas abertas nas cantarias - os chumbadouros onde se lhe vaza

chumbo derretido. (...) Depois de todo o assentamento das pedras procede-se ao enchimento

dos espaços vazios com calda de cimento ou gesso amassado com água”27

A Enciclopédia Prática, na linha de outras publicações do género, usa sobretudo a geometria

para a obtenção de traçados de arcos e abóbadas. No caso do desenho das aduelas dos arcos,

nem sempre os princípios estéticos da “simetria” vitruviana encontram correspondente na

função estrutural que o elemento desempenha. Na realidade, e dada a maior correspondência

com uma possível catenária28 nos arcos ogivais as linhas de pressão serão mais facilmente

paralelas ao intradorso do arco, necessitando assim que os planos dos encontros das aduelas

estejam perpendiculares ao intradorso. Esta lógica nem sempre é a que precede as indicações

da Enciclopédia; aparece apenas a que deriva dos conceitos estéticos e geométricos.

A Enciclopédia não faz referências específicas a escadarias de cantaria estrutural,

considerando antes uma base anónima de alvenaria ou betão para o suporte dos degraus.

24

fig 10: Função decorativa da verga de pedra no

conjunto de uma padieira tipo.

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Concepção versus Construção

“O estudo da Perspectiva e do Desenho esteve sempre ligado ao estudo da estereotomia ou

arte da representação e do corte dos blocos de pedra e das peças de madeira. As obras

dedicadas a esta arte29, até ao princípio do séc. XVIII começaram por preocupar-se com as

construções gráficas destinadas aos perfis mais comuns de arcos e abóbadas, sem , no

entanto, estabelecerem regras gerais de aplicação a casos diferentes dos neles descritos”30

Em 1660, um português, Luís Serrão Pimentel, publica o “Método Lusitânico de Desenhar

as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares”. O livro contém sobretudo descrições de

métodos de concepção de fortificações, quase exclusivamente no que diz respeito a obras não

cobertas. Referindo-se aos espaços interiores junto à entrada das fortificações e à necessidade

de os usar para atacar um inimigo que consiga passar a porta, Pimentel refere apenas:

...”contando que fiquem buracos cómodos para o intento, e mais largos na parte superior, a

que dá lugar à grossura da abóbada, que deve ser de dois ou três pés para suportar o peso e

melhor suportar a violência da artilharia”31

É estranho, aos olhos de um arquitecto no século XXI, essa quase ausência de considerações

construtivas sobre a estrutura das coberturas, mesmo sendo estas menos utilizadas nas

construções defensivas, e sobretudo quando tanta informação é emitida sobre a restante

matéria edificável.

Muitas construções que ocupam este trabalho não tiveram uma definição projectual global

prévia. Além disso, nas antigas construções de alvenaria existiram condicionantes que hoje já

não existem, ligadas às tecnologias de transporte, corte e aparelhagem da pedra.32 Por

exemplo, na construção dos grandes edifícios de alvenaria de pedra dos egípcios, gregos e

romanos, o corte de algumas pedras incluía a preparação de reentrâncias e aberturas para a sua

manipulação por cordas ou ferramentas simples de movimentação do bloco.

25

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O transporte de matéria prima, onerado pelo seu peso, podia ainda depender de taxas de

passagem ao atravessar zonas de diferentes administrações, pelo que por vezes ficava mais

barato obter a matéria num local mais longínquo mas que usufruísse de um percurso menos

onerado.

Uma estrutura de alvenaria antiga, com arcos e demais coberturas, necessitava de cofragens

complexas e resistentes e muitas vezes reutilizáveis. A génese do capitel de uma coluna

advém, sobretudo, da necessidade de apoiar a cofragem da abóbada, arco ou platibanda

seccionada. A mesma necessidade é encontrada em arcos de pontes, embora nestes não fosse

comum o desenho de capitéis; faziam-se então aduelas salientes junto à base dos arcos para

suportar a cofragem de madeira. Essas saliências seriam depois removidas; algumas no

entanto sobreviveram para fortuna da história da construção.

26

fig 12: Pont du Garde, França, sec. I a.C.; saliências usadas na

sustentação das cofragens.

fig 11: À esquerda, imagem do templo de Egina, na Grécia, séc.V a.C. onde são visíveis as reentrâncias usadas para

passar cordas para transporte das pedras, tal como se vê, à direita, na ilustração de Josef Durm, de 1910.

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O tamanho e o peso

A construção de estruturas de alvenaria de pedra implica a movimentação de elementos

monolíticos, por vezes grandes e pesados. Se considerarmos uma densidade média de 2200

quilogramas por metro cúbico de pedra, teremos que uma aduela com aproximadamente

80x40x60cm pesará mais de 400 quilogramas e que peças maiores ultrapassam muitas vezes

várias toneladas.

Até ao século XIX não existam máquinas motorizadas, e a movimentação destas massas

dependia de engenhos bem diferentes dos actuais. A elevação de pedras era muitas vezes feita

com gruas de rodas de accionamento humano. Muitas vezes essas máquinas ficavam

permanentemente na construção para continuarem a serem usadas na elevação de outros

elementos na manutenção futura do imóvel, ou porque simplesmente o custo do seu

desmantelamento era demasiado oneroso.

Por sua vez, a sequência das operações da construção, e também a própria forma

arquitectónica final, dependiam da criação de acessos e espaços de movimentação para as

peças maiores.

Até ao século XIX as gruas existentes eram sobretudo de movimentação vertical, não

dispondo de braços rotativos de deslocação horizontal, condicionando assim a preparação do

estaleiro e a definição de algumas dimensões da própria obra. As pedras tinham de ser

transportadas junto ao chão praticamente até à prumada da posição onde ficariam

27

fig 13: 48 grupos de homens e cavalos accionando cordas e

roldanas para levantar um obelisco em Roma, em 1586.fig 14: Grua de acção humana na

catedral de Malines, Bélgica.

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definitivamente. Isto implica a manutenção de caminhos e plataformas térreas ao longo e

dentro do edifício.

28

fig 15: Caminho de acesso para a obra da catedral de Glasgow

(adaptado de Thomas Lennox Watson).

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Arquitraves, Arcos, Abóbadas, Cúpulas e outros tectos.

Na idealização das cobertura dos espaços arquitectónicos de maior vão, as abóbadas, e

consequentemente os arcos, tiveram uma importância que só foi ensombrada no século XIX

pelas construções em ferro e mais tarde, de forma arrasadora, pelo betão armado.

O mais antigo uso que se conhece dos arcos remonta há mais de 5500 anos, na região da

antiga Mesopotâmia. Mais tarde os romanos foram exímios na construção de arcos e abóbadas

de tijolo e ou betão, soluções mais práticas do que o sistema trilítico grego que necessitava de

grandes peças monolíticas.

O uso de betão pelo romanos é um tema recorrente em muita literatura sobre construção.

Vitrúvio, no capítulo VI do livro II, refere o fabrico de betões com adição de pozolana 33. O

autor romano refere inclusive o uso deste material em obras submersas, reconhecendo o

carácter hidráulico destas argamassas. No entanto, não é claro que o Vitrúvio conhecesse o

seu uso em estruturas de coberturas, com acontece no Panteão de Roma, ou na Arena de

Verona. O panteão, na sua versão actual remonta à reconstrução feita no período do imperador

Adriano, bastante posterior a Vitrúvio.

Na região do actual Iraque, no local da antiga cidade de Ctesiphon, erguem-se ainda as

ruínas da cobertura do principal salão do palácio imperial, datado do século VI. Trata-se de

uma cobertura de alvenaria de tijolo, num arco com 24 metros de vão e um cume a 30 metros

de altura. O método de construção, sem recurso a cofragens, conduziu, por necessidade, ao

desenho de uma funicular invertida, a forma mais económica de conceber uma abóbada. As

paredes que suportam o arco e os seus impulsos horizontais, têm, no entanto, mais de 7 metros

de espessura.

29

fig 16: Abóbadas de betão do século II, no porto de

Trajano, Roma, Itália.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Na segunda metade do século XVIII publica-se em França a extensa enciclopédia conhecida

como Diderot et D’Alembert34. A enciclopédia pretendia representar o estado da arte na

maioria das actividades humanas. Além dos textos foram publicadas mais de 2500 gravuras,

algumas sobre arquitectura. Entre estas, aparecem referências interessantes à concepção das

estruturas que nos interessam.

A primeira figura mostra um desenho de um patamar de uma escada constituído por uma

abóbada plana ou se quisermos uma arquitrave seccionada alargada em mais uma dimensão,

fazendo assim um plano. Na mesma gravura (segunda figura) aparece uma secção de uma

platibanda seccionada ( nos 1,2 e 3 na figura) utilizada no museu do Louvre, na qual as juntas

aparecem verticais, dissimulando as juntas convergentes no interior.

30

fig 17: Cobertura do salão do palácio imperial em Ctesiphon, actual Iraque; séc.

VI

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Na cidade de Prato, em Itália, a igreja matriz apresenta, na sua porta lateral, uma padieira

com um princípio semelhante:

Na gravura seguinte aparece um alçado de uma platibanda seccionada com dois tipos de

juntas; uma delas apresenta um ressalto na junta. A última gravura apresenta o desenho de

uma pequena cobertura plana que segue a mesma lógica da arquitrave seccionada como a da

primeira gravura, mas agora com peças cortadas em anéis quadrados concêntrico, embora esta

possibilidade pareça ser demasiado complexa e pouco realista.

31

fig 19: Arquitrave seccionada oculta; as juntas estruturais

escondem-se atrás das aparentes, paralelas, segundo Diderot

d'Alembert

fig 18: Patamar de escada com abóbada plana,

segundo Diderot d'Alembert

fig 20: Padieira constituída por pedras encaixadas alternadamente, Prato, Itália.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Caso não haja cedências dos pés-direitos35, assentamentos, ou alterações na simetria36 inicial

as coberturas curvas de alvenaria funcionam correctamente. Ou seja, desde que se gerem

apenas esforços de compressão e não se produzam momentos que induzam rotação das

aduelas. No fundo, há que garantir a existência de uma linha funicular de pressões37,

compatível com a disposição e hierarquia das cargas existentes ou prováveis. Existe um

número ilimitado de linhas possíveis para as mesmas cargas, sendo que as linhas com maiores

curvaturas na chave38 do arco, curvas mais “altas”, são as que produzem menores impulsos

laterais. É fácil ler a menor componente horizontal do vector mais vertical que se une ao pé-

direito.

A capacidade de idealizar a linha das pressões é relativamente recente, remontado à segunda

metade do século XIX, sobretudo devido aos conhecimentos divulgados por vários

especialistas franceses39, com base no trabalho de Pierre Varignon e de Robert Hooke.

32

fig 23: Comparação das linhas funiculares de mínimo impulso horizontal entre dois tipos de arcos com a mesma relação entre

Abertura de vão (Abr) e Espessura das aduelas (Esp). Quanto mais “vertical” for o arco, menos impulso horizontal gera. (adaptado

de Block, Philippe, Equilibrium of Masonry Arches[eqma]).

fig 22: Cobertura de abóbada plana com elos concêntricos, segundo

Diderot d'Alembert.fig 21: Arquitrave com ressalto nas

juntas, segundo Diderot d'Alembert .

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Tal como o diagrama de Cremona se usava para determinar os esforços instalados nas

ligações de treliças e asnas, a análise estática com o método da funicular de pressões permite

encontrar linhas de pressão em sistemas de arcos ou secções planas de abóbadas.40

Na Catalunha, Gaudi usou parte desses conhecimentos, e, baseando-se no principio da

catenária de Hooke, construiu modelos invertidos para o posterior desenho de arcos e

abóbadas.

Na versão de Claude Perrault da obra de Vitrúvio, no capítulo XI do livro VI, são descritos

dois modos de melhorar a resistência de padieiras, fugindo ao sistema trilitico. Vitrúvio

propõe o uso de duas escoras em triângulo (no fundo trata-se de uma curva funicular para uma

carga concentrada a meio-vão41) ou um arco de ressalva42 sobre uma arquitrave seccionada.

Ambas as soluções introduzem impulsos horizontais, mas na primeira, as tracções são

suportadas pela trave de madeira.. A segunda solução implica um dimensionamento mínimo

dos paramentos de alvenaria laterais ao vão.

33

fig 24: Pormenor do sistema de pesos e catenárias usado por Gaudi.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

São ainda mais diversificadas as soluções que a história da arquitectura revela. Desde

pseudo-arcos que são sobretudo consolas ou cachorros sobrepostos, como em Micenas,

passando por soluções mais prosaicas em que o construtor empregou uma peça naturalmente

arqueada, até ao uso de arcos de escarção ou de ressalva sobre as padieiras que se queriam

preservar de eventuais roturas; esta última solução é muito visível nas nossas aldeias. É uma

solução que poderá ter várias origens, entre a presença dos Visigodos e influências do norte de

África muçulmano.

As arquitraves seccionadas permitem a existência de maiores vãos do que as pedras

monolíticas, mas introduzem impulsos horizontais tal como os arcos completos, o que muitas

vezes obrigava a soluções de reforço mais ou menos visíveis.

Já na época romana se constata a utilização da arquitrave seccionada, em sistemas de três

34

fig 25: Soluções de Vitrúvio (segundo Perrault) para padieiras de maior vão.

fig 26: Ressalva da padieira com recurso a consolas múltiplas, no túmulo real em Micenas, Grécia ; à direita,

padieira composta, em Atenor, Miranda do Douro

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

peças trapezoidais, duas delas invertidas sobre as colunas, e uma pedra central, de fecho.

Um uso interessante deste tipo de arquitrave é visível no portal de inspiração clássica da

igreja de Santiago, em Belmonte (portal executado durante o século XVII, juntamente com

outras alterações à construção medieval original). Aqui a arquitrave seccionada foi usada

como arco de ressalva da verga da padieira.

No caso do pórtico romano a estrutura estaria travada horizontalmente nos términos do

edifício; a construção visível na figura acima é estável devido ao atrito entre as pedra e à

inexistência das cargas do pavimento cujas vigas que se apoiavam nas aberturas na arquitrave.

No portal português, os paramentos de alvenaria laterais permitem “desviar” para o solo o

vector do esforço resultante.

Numa igreja, de base românica, da pequena cidade de Teverina, em Itália, aparece, no

entablamento da loggia, uma solução provavelmente posterior, que usa arcos de ressalva mas

mantendo-os como opção estética. Para evitar o mecanismo originado pelos impulsos (embora

reduzidos face à pequena carga), os extremos da fachada são rematados com paramentos de

alvenaria.

35

fig 27: Pórtico com arquitrave seccionada em

Pompeia, Itália.

fig 28: Portal com arquitrave seccionada, em Belmonte.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

As abóbadas de berço e de cruzeiro, de panos contínuos e espessos, dos edifícios românicos

exerciam esforços contínuos ao longo das paredes portantes que tinham de ser muito grossas.

Por volta de 1120, com as primeiras experiência do período gótico43, os mestres construtores

(que se aventuraram no novo estilo construtivo) melhoraram o sistema, introduzindo

diferentes níveis na hierarquia estrutural: superfícies laminares mais esbeltas descarregavam

agora em nervuras ou arcos que por sua vez descarregavam em pilares. A solução dos pilares

entre as naves passa agora para o invólucro exterior, permitindo a abertura de vãos para

iluminação e reduzindo a espessura continua das paredes a um ritmo mais elegante de

contrafortes que gradualmente se foram aligeirando e separando do volume do edifício através

de arcos botantes.

Estes elementos permitiram aos construtores erigir edifícios mais esbeltos e mais altos do

que os construtores do período românico haviam feito. E em edifícios de traça gótica vemos já

o aparecimento de abóbadas bastante rebaixadas, com complexas estruturas de contrafortes e

múltiplos arcos botantes.

Constata-se que estas evoluções ocorreram mais cedo numa vasta zona que engloba a o

norte de Itália, Paris, Colónia e parte de Inglaterra. Esta era já na altura uma região bastante

rica e capaz de gerar o investimento necessário na construção e atrair os artistas mais dotados.

E sobretudo em Paris estabelecera-se uma corte erudita e poderosa, que se tornou motor

bastante para a execução de várias obras pioneiras do gótico.

36

fig 29: Arcos de ressalva da loggia da igreja da Coleggiata de Santa

Maria Assunta, em Teverina, Italia.

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Com o Renascimento, e a evolução do gosto pelas construções gregas e romanas, o sistema

trilítico voltou a ser um modelo válido. Com os sucessivos maneirismos a questionar e a

reinterpretar a construção, assiste-se ao aparecimento de novidades construtivas, mas

sobretudo de dúvidas e experimentações. São exemplo as tipologias de grandes cúpulas em

Roma (São Pedro), ou em Florença na igreja de Santa Maria dei Fiore. Ambas estas cúpulas

representam paradigmas no que diz respeito à procura de soluções experimentais e analíticas

para resolver problemas construtivos.

A execução de abóbadas em alvenaria, sobretudo em tijolo ou pedras menos densas, nem

sempre requer o uso de “cimbres”44 ou cofragens contínuas. Algumas tradições no Alentejo

(herdeiras de técnicas dos povos muçulmanos que viviam na península antes da reconquista)

ainda hoje demonstram a possibilidade de executar coberturas de alvenaria de peças de barro

cozido, sem recorrer a estruturas de madeira durante a construção.

A maioria destes sistemas usa um aparelho em espinha, colocando as peças (tijolos,

tijoleiras ou pedras) de forma a que cada elemento fique em contacto com duas faces do bloco

adjacente, usando argamassas de gesso por ter uma presa rápida..

Estes sistemas teriam já um historial prolongado, sendo utilizados pelo Romanos para

construir as cofragens perdidas para paramentos de betão.

A partir do século XVII, aparecem várias referências e teorias sobre o uso de abóbadas de

baixo perfil com recurso a elementos cerâmicos.

No século XVIII, em França, foram publicados alguns estudos sobre a execução de

abóbadas de baixo perfil em tijolo e ferro (como as chamadas abóbadas de Rousillon). No

entanto historicamente já existiam abóbadas semelhantes, como a abóbada catalã (sistema

mais tarde utilizado por Gaudi), ou as abóbadas com mattoni in foglio em Italia. Nos Estados

Unidos ficaram famosas as obras realizadas pela empresa Guastavino Company nas últimas

37

fig 30: Construção recente de abóbada auto-portante e sem

recurso a cofragens (cimbres), em Portalegre.

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décadas do séc. XIX e no início do século XX, atingindo vãos de 14m com espessuras de

apenas 15cm, e conseguindo espessuras, no pavimento pronto, de apenas 20 centímetros na

chave e de 80cm junto ao pé-direito.

João Segurado, na Biblioteca de Instrução profissional, referindo-se ao trabalho de cantaria,

refere que este pode ser executado:

“oferecendo as precisas condições de estabilidade, sem outro travamento a não ser a acção

da gravidade, que conserva apoiados entre si os diferentes elementos da construção”45

Apesar do que nos diz Segurado, em muitas construções históricas de alvenaria existem

elementos metálicos (normalmente de ferro - tirantes visíveis, e grampos ou gatos escondidos

na alvenaria) ou mesmo de madeira, introduzidos para suportar os impulsos horizontais ou

evitar eventuais desfasamentos inestéticos entre os elementos da alvenaria.

Já os edifícios clássicos Gregos e depois os Romanos, apresentavam várias soluções desta

natureza. Em ruínas de edifícios romanos são visíveis os canais onde se vertia o chumbo

utilizado para selar e consolidar a posição dos gatos de ferro.

38

fig 31: À esquerda o execução dos arcos periféricos de um conjunto de abóbadas "Guastavino" em Boston. À direita, abóbadas

terminadas, em tosco.

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Os tirantes foram frequentemente utilizados em coberturas curvas e arcos, funcionando

como a linha de uma asna ao nível inferior do arco, absorvendo na totalidade os impulsos

horizontais.

Além da aplicação do metal para suster esforços de tracção previsíveis, as obras de

Rondelet usaram muitas vezes autênticas árvores ramificadas de tirantes, criando uma

estrutura bastante mais complexa e hiperstática;

39

fig 33: Pormenor da gravura CLXX do tratado de Rondelet. A complexa

ramificação de reforços metálicos ficará invisível na construção.

fig 32: Desenho de Josef Durm dos canais usados pelos romanos para verterem o chumbo sobre

os gatos de ferro.

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Da Arquitectura para a Engenharia46

“A criação da figura do engenheiro serviu de contraposição entre a nova “Ciência”,

baseada nos conceitos de precisão da Matemática, da Mecânica e da Química, e as figuras

tradicionais do Arquitecto e do Construtor, detentores das regras da composição

arquitectónica e da práxis empírica de bem construir”47

Ao nos ocuparmos destas construções, interessa-nos o papel do arquitecto quando este ainda

fazia construir a totalidade da obra; quando eram ainda as mesmas alvenarias que faziam os

paramentos opacos das paredes e a estrutura portante para as coberturas.

Durante o século XV, devido à evolução da maquinaria de guerra, sobretudo com a

introdução generalizada de eficazes armas fogo, desenvolveram-se novas formas para a

construção de muralhas e edifícios defensivos. Contudo, a arquitectura militar, florescente

com a construção e melhoria das fortificações defensivas tanto na raia como na costa, não

desenvolveu grandes teorias construtivas no que diz respeito a coberturas, provavelmente pela

fragilidade destas em caso de ataque, qualquer que fosse o sistema adoptado. Aparecem no

entanto construções abobadadas como nas casamatas do forte de São Julião da Barra.

Mas, dada a maior precisão necessária na geometria das novas fortificações, aparece

também a necessidade de estabelecer códigos e regras de construção generalizáveis e

matematicamente mais precisos. Em Itália, os irmãos Sangallo desenvolveram traçados

geométricos escritos ajudando a criar a arquitectura militar como uma nova disciplina.

Técnicos italianos foram então sucessivamente angariados para dirigir as obras de

manutenção e melhoria das fortificações de todo reino (metropolitano e ultramarino).

É neste contexto militar que em Portugal se inicia a progressiva diferenciação de

especialidades entre arquitecto de modelo vitruviano (de que Pallladio é um exemplo

paradigmático) e o engenheiro, como técnico especializado e sobretudo utilizador das

ferramentas matemáticas e da geometria, descritivas e analíticas.

Estes primeiros engenheiros são em muitos casos militares dotados de experiência em obras

de fortificação.

Com o Renascimento, aparece de forma mais evidente a figura de um autor artístico para a

40

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obra de arquitectura. Com os sucessivos maneirismos que proliferaram após as primeiras

experiências ortodoxas do classicismo revisitado, a figura do autor-arquitecto torna-se

incontornável nas grandes obras. Muitos autores vivem para conhecer, e sobretudo controlar, a

totalidade de uma obra una.

“(...) ao mestre-pedreiro medieval, sucede agora o arquitecto, alterando-se também a

parcelar abordagem do objecto arquitectónico, substituída pelo seu entendimento como um

todo (...)”48

No século XVII, os especialistas em fortificações mais reconhecidos pelo estado eram

também matemáticos, como era o caso do padre jesuíta João Cosmander, responsável pela

traça de várias fortificações em Portugal. A necessidade da matemática, era já então evidente

para quem tivesse de idealizar uma fortificação, dadas as necessárias noções de balística e

geometria.

“A formação disciplinar dos arquitectos portugueses fez-se, desde finais do século XVI, na

Aula do Risco do Paço da Ribeira e a partir de meados do século XVII, fundamentalmente na

Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, que lhe sucedeu (...); escola prática das Obras

Reais, possuía um estatuto que considerando já as vertentes científicas e artísticas da

disciplina, misturava ainda na sua pedagogia, os campos da arquitectura militar e civil,

confusa situação que se manterá na aprendizagem e na prática nacionais até às reformas

pombalinas do ensino artístico, iniciadas já no último quartel do século XVIII e responsáveis

pela formação da primeira geração de arquitectos neoclássicos.”49

...”antes de se iniciar a actividade urbana pombalina, a Aula de Fortificação era

praticamente a única instituição que fornecia conhecimentos de arquitectura civil, ali

ministrados contudo em estreita subordinação aos da construção militar”50...

Os acontecimentos que ocorreram em França no rescaldo da Revolução Francesa, são um

paradigma dos problemas de definição dos papeis e culturas da arquitectura e da engenharia.

As academias de Belas Artes são liminarmente suprimidas em 179351 e criada a 'École

Polytechnique” que continha no seu plano curricular, como disciplinas basilares, a mecânica

aplicada, a estereotomia (relacionada com o desenho de construção) e a cadeira de construção

da qual fazia parte a disciplina de Arquitectura. Só bem mais tarde, em 1819 é que foi

restabelecida a formação independente de arquitectos com a “École des Beaux-Arts”.

41

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Ainda em França, em 1803, Jean-Baptiste Rondelet que viria a ser simultaneamente docente

no Polytecnnique e nas Beaux Arts, publica o seu tratado52, marcante para a construção até

meados do século XIX, o “Traité theorique et pratique de l'Art de Bâtir”.

Rondelet desenvolveu um aguçado interesse pelas questões da estática e das tecnologias na

construção e representa talvez o melhor paradigma das interpenetrações disciplinares entre a

arquitectura e a engenharia: formou-se em arquitectura com um currículo tradicional, baseado

na história e na geometria, contudo a sua formação prévia num colégio Jesuíta dera-lhe uma

maior capacidade de abordagem matemática científica.

Na prática, o arquitecto/engenheiro francês, ao ser também um projectista de obra

construídas e não apenas teórico, pôde experimentar várias inovações construtivas e

estruturais, como reforços com barras metálicas em arquitraves seccionadas. O trabalho de

Rondelet pode ser lido como percursor da utilização do aço como acontece no actual betão

armado.

A sua obra mestra, a igreja de Sainte Geneviève, em Paris apresenta um uso das alvenarias

de pedra com características quase góticas, dada a elegância e o arrojo estrutural das suas

soluções.

Tal como fizera Bruneleschi séculos antes, Rondelet visitou, desenhou e mediu vários

elementos das ruínas romanas em Itália, trabalho que usou depois para estipular, no seu

42

fig 34: Sainte Geneviéve, o panteão de paris; obra terminada

por Rondelet por volta de 1790.

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tratado, regras de dimensionamento de estruturas abobadadas em alvenaria.

...”a obra de Rondelet oscilou entre regras empíricas, resultantes da observação

sistemática de um grande número de edifícios, e os novos conceitos da Matemática e da

Resistência dos Materiais”

Alargava-se um campo cada vez mais abrangente para o crescimento de uma engenharia

específica para a construção civil, cada vez mais necessária para colmatar necessidades

práticas de previsão do comportamento das estruturas.

“Por outras palavras, a engenharia insinuava-se como a "nova arquitectura". Ou melhor,

no momento em que a indústria substituía a arte, tendia a cristalizar-se o debate arte-técnica.

E assim se separando em campos opostos o secular percurso comum da arquitectura e da

engenharia.” 53

No discurso sobre as técnicas tradicionais de dimensionamento, João Mateus refere alguns

dos estudiosos que têm tido mais relevância no estudo das técnicas de dimensionamento de

estruturas portantes de alvenaria54. Curiosamente, uma das figuras citadas, Salvatore di

Pasquale, apresenta-se, enquanto autor, como arquitecto55.

As primeiras preocupações dos pioneiros da engenharia (incluindo Galileu no seu tomo

Discorsi...) centravam-se no estudo da situação de colapso da estrutura, tentando medir os

vários factores que conduziam a esse estado. Até aí, o trabalho era sobretudo realizado no

estaleiro, e em função de precedentes de sucesso.

Os séculos XVII e XVIII assistiram a um fervilhar de conhecimentos ligados à matemática e

à física que vieram marcar com mais clareza a distinção entre a engenharia e arquitectura;

entre estrutura e estética de construir. Algures entre estes extremos ficou, e ainda fica, a área

de conhecimento relativa à construção não estrutural, hoje ainda inserida, ainda que de formas

diferentes, nos currículos de ambas as profissões.

43

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A Catenária

Robert Hooke, em 1675 descobriu a analogia no funcionamento estático de uma corrente

suspensa e de um arco simétrico a esta, e explicitou-a56:

“uma corrente suspensa nas extremidades (catenária) é flexível, mas torna-se num arco

rígido quando invertida”.

Em 1697, David Gregory completou o anagrama de Hooke:

“Só a catenária representa a geometria de um arco ou de uma abóbada verdadeira. E

quando um arco de outra qualquer geometria é suportado, é porque algum perfil de

catenária pode ser incluído na sua espessura”.

Foi assim introduzido o conceito de linha de pressões (“trajectórias” de tensões de

compressão).57

Em 1747, o conhecimento do funcionamento da curva catenária foi usado por Giovanni

Poleni para discutir a estabilidade da cúpula da catedral de São Pedro, em Roma. Desde a a

sua construção que apresentava fissuras, sobretudo no exterior do tambor que a suporta.

Poleni comparou uma catenária, construída com pesos proporcionais às secções da cúpula,

com o perfil da própria cúpula e concluiu que a cúpula continha a catenária associada às

cargas do seu peso próprio. Mesmo assim, Poleni projectou (e foram aplicadas) cintas de ferro

em redor da cúpula.

44

fig 35: Desenho de Poleni, comparando o perfil da

cúpula de São Pedro com o da catenária construída para

o efeito.

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Em 1826 Navier reintroduziu a noção de factor de segurança, percebendo os limites

mínimos de sobre-dimensionamento em função das resistências dos materiais empregues,

classificando de forma mais objectiva quais as condições para o edifício não colapsar

Os conhecimentos matemáticos tornavam-se cada vez mais abstractos e complexos, sendo

cada vez menos possível dominar a matemática juntamente com a abordagem histórico-

artística da arquitectura clássica.

No final do século XIX, Giovanni Battista Milani apresenta um tratado58 no qual descreve o

estado da arte do conhecimento sobre estruturas de alvenaria e apresenta métodos de cálculo

de tensões nos materiais. Os cálculos apresentados por Milani são já os mesmos que ainda

hoje se poderiam usar em engenharia para os mesmos propósitos. Milani apresenta ainda

quadros de classificação dos edifícios de acordo com a evolução histórica dos sistemas

estruturais.

João Mateus identifica várias famílias de regras de dimensionamento utilizadas no século

XIX. Além da obtenção de uma geometria de projecto, os métodos consideravam muitas

vezes ainda o tipo de pedra. Já a orientação do veio das pedras parece menos presente como

preocupação. Dessa pesquisa salientamos os seguintes marcos:

1. Regras empíricas baseadas nas proporções geométricas e “as únicas regras usadas até

ao século XVII” 59

2. Algoritmos algébricos e geométricos que já consideravam o efeito de cargas

diferenciadas, mecanismos de colapso e por vezes coeficientes de segurança

45

fig 36: Extracto do quadro evolutivo de Milani.

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calculados em função de dados experimentais..

3. Métodos gráficos desenvolvidos na segunda metade do século XIX e baseados na

linha funicular de pressões. Estes métodos eram usados para verificar o pré-

dimensionamento empírico inicial.

As regras empíricas (1), das quais é exemplo a figura 35, consistiam sobretudo na aplicação

de relações geométricas de proporção linear; serviam ao mesmo tempo de solução estrutural e

estética e dependiam apenas de considerações sobre o impulso criado pelo arco e sobre o peso

aplicado no pé-direito (pelo próprio pé-direito e pela construção directamente acima deste).

Num exemplo elucidativo, e utilizado frequentemente até ao século XVIII na maioria dos

casos, o dimensionamento do pé-direito era feito aplicando uma regra simples: considera-se a

inclusão de uma linha poligonal de três lados no intradorso do arco, e, desenha-se uma

circunferência com o centro na união com o arco e um diâmetro que toque no vértice do

polígono. O outro extremo do diâmetro é a bitola para o afastamento vertical correspondente à

largura mínima do pé-direito. Note-se na figura que a largura necessária para o arco ogival é a

menor. O efeito é inclusive bastante intuitivo, o que nem sempre acontece na análise de

estruturas. No entanto, segundo Violet-le-Duc, esta regra era aplicável a pés-direitos cuja

altura não excedesse 1,5 vezes a largura do arco.

Regras empíricas diferentes eram utilizadas para a execução de abóbadas de baixo perfil em

46

fig 37: Método empírico comum para

dimensionar a largura dos pés-direitos.

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tijolo ou tijoleira. Para a espessura das abóbadas, e segundo João Mateus60, o estudo de

construção antigas e actuais no Alentejo revelou algumas regras simples. Para abóbadas com

flechas entre 15 e 25% do vão, usa-se uma espessura de uma só tijoleira com cerca de 3,5cm,

mais os revestimentos interior e exterior, num total de cerca de 8cm.

Se a abóbada suportar um pavimento visitável, então são utilizadas mais camadas de

tijoleiras. Estes resultados coincidem com os publicados pelo francês Latapie de Lagarde em

1849.

Outras regras (2) incluíam algoritmos mais complexos, analíticos e nem sempre

geométricos, como por exemplo as fórmulas publicadas de Rondelet do início do século XIX.

No manuscrito apelidado “Códex de Madrid”, Leonardo da Vinci mostra o resultado de

alguns estudos sobre o colapso de arcos, demonstrando o mecanismo de colapso de um arco

carregado pontualmente na flecha. Atingindo a carga de rotura da estrutura, o arco transforma-

se num mecanismo de 5 rótulas.

Segundo João Mateus, Na segunda metade do século XIX, as tabelas e formulários usados

para o dimensionamento de alvenarias passaram a ser capítulos dos livros de resistência de

materiais, matéria já claramente do foro da engenharia.

Entretanto, muitos arquitectos, engenheiros e construtores, receosos da opção analítica,

optaram por utilizar métodos gráficos para a obtenção de soluções matemáticas61.

Os métodos gráficos (3) permitiam a análise da estabilidade de edifícios existentes e

juntamente com as regras empíricas são talvez o núcleo de conhecimento acessível ao

arquitectos que não procuraram formação matemática mais avançada.

O traçado da linha funicular de pressões tornou-se, a partir da segunda metade do século

47

fig 38: Análise correcta da rotura de um arco por carregamento

excessivo na chave, segundo Leonardo da Vinci, no Codex Madrid.

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XIX, num dos métodos mais utilizados para melhor perceber a ordem de grandeza e a

direcção das forças envolvidas na construção ou na verificação de um arco ou abóbada. O

método geral é bastante simples:

Consideremos duas forças actuantes num plano. Traçam-se os respectivos vectores, tal como

se faria para encontrar a resultante. Escolhe-se arbitrariamente um ponto 0 e a partir deste

traçam-se linhas unindo-o aos vértices das forças. Estas linhas definem a direcção dos tramos

das funicular. Traça-se então linhas paralelas às obtidas, de forma que a primeira cruze a linha

de acção da respectiva força, e assim sucessivamente até completar a funicular; esta tem

variações infinitas em função da colocação do centro 0.

Pode compreender-se melhor adicionando o seguinte: cada força pode ser substituída por

duas forças concorrentes; assim, a força 1 é substituída por duas forças actuando nas direcções

01 e 12. Completando o processo, restarão apenas duas forças nos extremos, que

corresponderão às resultantes nos apoios.

48

fig 39: Traçado da linha funicular, 1ª parte.

fig 40: Traçado da linha funicular, 2ª parte.

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Alguns passos nos domínios da Engenharia

Os séculos XVIII e XIX foram frenéticos no que respeita à evolução dos conhecimentos da

física e da matemática que vieram a moldar a engenharia civil como ainda hoje a conhecemos.

Foi mais precisamente no século XIX que as as actuais teorias sobre a resistência dos

materiais tiveram a sua génese.

“Não basta um arquitecto para construir a cúpula de San Lorenzo, em Turim. É necessário

um conhecimento matemático. Se Leibnitz não tivesse descoberto o cálculo integral e os

cientistas não se tivessem dedicado a investigar os métodos da geometria descritiva, Guarini

não teria podido criá-la.”

A visão do arquitecto enfatiza a relação de proporção linear entre objectos. Vitrúvio, Alberti

assim como arquitectos mais recentes confiaram e confiam nas virtudes das proporções

geométricas e interessaram-se menos pelas proporcionalidades existentes em fenómenos

estruturais e de resistência dos materiais que nem sempre são lineares.

No início do séc. XVII, Galileu realizou um dos primeiros62 estudos científicos sobre a

resistência dos materiais, através de experiências com uma viga encastrada. Galileu deduziu

alguns resultados que apesar de terem erros grosseiros, são interessantes pela forma como

abordou o tema: será talvez o primeiro a perceber uma variação nas tensões axiais sofridas

pela matéria quanto sujeita a esforços físicos.

No mesmo tema Galileu questionou a capacidade resistente de objectos geometricamente

proporcionais. Usando o exemplo de um pretenso gigante, Galileu explica que um gigante,

para existir realmente, necessitaria de uma estrutura óssea muito deformada em relação ao

Homem comum.

49

fig 41: À esquerda, a experiência conduzida por Galileu. À direita, comparação de diagramas de

esforços axiais.

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O seguinte exemplo clarifica a questão:

Consideremos um pilar construído com 10 cubos de pedra, produzindo um alçado

rectangular com as proporções de 1 largura para 10 alturas, e com cada cubo medindo

1x1x1m e pesando 2 toneladas. A tensão normal que esta construção produz no chão onde se

apoia, assim como na matéria da base do cubo mais baixo, é de 20 toneladas por metro

quadrado.

Mas se agora imaginarmos uma coluna proporcional à primeira, mas com o dobro das

dimensões, 2x2x20m. Temos assim uma estrutura equivalente a 8 colunas das anteriores como

podemos ver na figura, mas apoiadas em 4 metros quadrados. Passámos a ter 160 toneladas

em 4 metros quadrados, ou seja 40toneladas por metro quadrado, duplicámos a pressão na

base.

Isto significa que dois objectos proporcionais, feitos com os mesmos materiais, terão

comportamentos de resistência diferentes.

50

fig 43: O aumento das dimensões, mantendo as

proporções geométricas, conduz à rotura por

compressão, ainda que na prática as tensões correntes

sejam sempre bastante baixas

fig 42: Desenho usado na obra de Galileu (Discorsi i

Dimostrazioni[...]) para ilustrar as alterações de proporção nos ossos de

um gigante, comparados com os do homem comum.

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Outra possível analogia prende-se com a relação entre as tracções produzidas na face

inferior de uma viga de pedra e as dimensões da pedra.

Considere-se uma viga de 5 metros construída num material isotrópico, com uma secção

rectangular de 20x40cm, e apoiada nas suas extremidades.

A sua resistência à flexão - que, juntamente com a compressão, é a solicitação mais intuitiva

no que diz respeito ao comportamento das estruturas de construções - aumenta com o

quadrado do comprimento e com o cubo da altura da sua secção. Ou seja, uma viga

semelhante mas com 6 metros (apenas mais um metro) será 30% menos resistente. De outra

forma, a viga inicial mas com uma secção de 20x60 (apenas 1,5vezes mais alta) será 2,5vezes

mais resistente à flexão.

A proporção entre dimensões tem uma evolução linear (num gráfico cartesiano), a

capacidade resistente tem uma evolução curva. Em ambos os exemplos descritos, a Venustas e

a Firmitas de Vitruvio colidem.

...”no caso da estabilidade, a teoria das proporções conduz a resultados correctos se um

objecto é estudado com recurso a um modelo, enquanto que no caso da resistência [do

material] a teoria das proporções não tem qualquer valor”63...

51

fig 44: Representação gráfica de funções de diferentes graus

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O uso de modelos

A arquitectura clássica, pensada pelo arquitecto, vive de decisões num espaço de equações

lineares, de proporções geométricas, em que o diâmetro da coluna, ou um outro módulo base,

servia de submúltiplo das principais dimensões da obra. Tal disposição metodológica

favorecia o uso de modelos para avaliar inclusive a estabilidade da obra, sobretudo quando

existiam referências de obras já realizadas e proporcionais, ainda que menores.

Mas o uso de modelos à escala é, como vimos antes, limitado no que diz respeito ao

fornecimento de dados sobre a resistência dos materiais da edificação. Alberti, no entanto,

enaltece as virtudes dos modelos mesmo como caracterizadores da resistência da matéria.

Curiosamente, Vitrúvio já havia intuído que algo não funcionava bem com o uso de modelos à

escala, quando relata o episódio do cerco feito pelo rei Demetrius à cidade de Rodes. Vitrúvio

refere o discurso de um arquitecto, de nome Callia, responsável por executar uma máquina de

guerra para defender a cidade:

“[há máquinas] que parecem ter um belo efeito em modelo, mas que não resultam quando

as queremos executar em grande(...)”64

Vitrúvio refere ainda a evidência que com uma broca ou verruma se consegue abrir um

buraco pequeno, com um dedo de diâmetro, mas que não imagina possível que se possa abrir

um buraco com um pé de diâmetro. Será no entanto Galileu a demonstrar com mais clareza as

limitações do uso dos modelos, como já vimos acima, concluindo que a resistência do modelo

não é proporcional à do protótipo a construir.

Já a estabilidade geométrica do modelo não é alterada pela respectiva escala, se não

estiverem em causa problemas de resistência dos materiais. Vejamos um exemplo:

Se tivermos um esteio de pedra apenas pousado no solo e lhe aplicarmos uma força

horizontal 'F' no topo, existirá um valor limite para essa força a partir do qual esta faça tombar

o esteio.

Consideremos um esteio secção quadrada com 1,5m de altura e 15cm de lado;

Analisando os vectores associados a este sistema, temos que o esteio só cai se o momento

produzido por F for superior ao momento produzido por P (em relação à base do esteio).

Esta relação entre os dois momentos mantêm-se inalterada se aumentarmos ambas as forças

(P e F) com o mesmo factor.

52

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A estabilidade, em muitos casos pode ser analisada no modelo, mas a resistência dos

materiais que irão integrar a obra (o protótipo), não.

Do início da abordagem científica das imprecisões estruturais resultantes de modelos à

escala (por Galileu), até ao conhecimento das suas causas passaram quase três séculos: o

ainda actual teorema de Buckingham usado em análise dimensional data de 191465.

53

fig 45: Esteio descrito

no texto

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Estruturas camufladas

O que muitas vezes caracteriza a solução construtiva-estrutural adoptada, para cobrir um

espaço ou um vão, é a sua ocultação, ou pelo menos a sua dissimulação através de vários

mecanismos arquitectónicos.

Na pesquisa realizada para este trabalho, encontraram-se, e ao longo da história da

arquitectura, exemplos de coberturas ou tectos que claramente indiciam sistemas construtivos

diferentes dos imediatamente visíveis. As opções construtivas/estruturais de cada caso são

diferentes.

Além do desenho de cada elemento solto, há que garantir uma união eficaz entre as pedras,

conforme aos desígnios da obra. Essa união entre as pedras poderá ter diferentes tipologias:

desde a junta seca que encontramos nas muralhas megalíticas dos povos Incas passando pelo

uso de argamassas, até aos elementos de união em pedra ou metal.

João Segurado menciona várias técnicas de união utilizando cavilhas e tacos de pedra ou

gatos metálicos.

A junta seca, transversal a toda a arquitectura clássica é assim, por vezes, um falso axioma.

Vários mecanismos construtivos, ocultos, foram utilizados para melhorar a coesão entre as

peças das alvenarias, como gatos e escoras de ferro fixos com chumbo (verfiguras 32 e33) .

Os arquitectos/construtores gregos utilizaram frequentemente arquitraves seccionadas e arcos

com elementos de ferro para ajudar a ligação entre as diferentes peças de pedra. Ligações

semelhantes podem ser encontradas em ruínas no Egipto, em edifícios das civilizações pré-

colombianas da América central66 assim como em edifícios históricos na Ásia.

Bruneleschi, o responsável pela cúpula de Florença, aquando da sua visita a Roma,

aproveitou para desenhar as ruínas dos Forums e Templos do antigo império, aprendendo

54

fig 46: Nichos para união de pedras com gatos metálicos. À esquerda templo deAngkorr Wat

Cambodjaa, séc. XII); à direita, templo de Dendera, Egipto, se´c I

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assim os modos de:

“(...) fazer edifícios mais seguros, ligando as pedras entre si com barras de ferro e encaixes

em cauda de andorinha(...)”67

Os romanos usaram extensivamente e de forma ímpar o betão para executar cúpulas e

abóbadas que depois eram revestidas com frescos, mosaicos ou placagens de pedra. Nas

termas de Caracalla, em Roma, as colunas de mármore originais (já não presentes no local68)

não serviam uma função estrutural, mas apenas decorativa69.

Na catedral de São Paulo, em Londres, de Christopher Wren, a cúpula tem uma dupla casca.

Uma cúpula interior em pedra esconde o cone de sustentação do campanário. O cone responde

eficazmente à solicitação pontual do campanário ainda que não completamente ao peso

próprio do cone que deveria ter originado uma configuração de cone abaulado, convexo. A

cúpula exterior é de estrutura leve, em madeira e chapa de chumbo.

A linha funicular, quando temos sobretudo uma carga concentrada a meio vão, como é o

caso do pequeno tambor acima da cúpula, desenha um triângulo; é o caso mais simples e

intuitivo da concepção de uma linha funicular. A casca interior da cúpula é assim um exemplo

interessante para suster a carga pontual originada pelo zimbório.

55

fig 47: maciços de betão e arcos de tijolo que constituem a estrutura das

termas de Caracalla, Roma.

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Em meados do século XIX, nos Estados Unidos da América, Thomas U. Walter desenha a

actual cúpula do Capitólio, na cidade de Washington. A linguagem associada à alvenaria e

cantaria de pedra foi concebida e executada inteiramente em ferro; com elementos lineares

perfilados e paramentos decorados, realizados com chapas de ferro fundido e pintadas de

branco.

56

fig 50: Esquema estruturalfig 49: Corte construtivo da

cúpula. Desenho de Frederik

Chatterton em 1902

fig 48: vista exterior da cúpula da

catedral de São Paulo, Londres

fig 51: A cúpula do Capitólio, em WashingtonD.C., E.U.A. Uma estrutura em ferro procrando a estética da alvenaria e da

cantaria.

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Alguns edifícios na cidade do Porto que ilustram este estudo

Hospital de Santo António

“O projecto inicial de John Carr contemplava um edifício quadrado de quatro fachadas

mas, por falta de recursos, a Misericórdia alterou o projecto ficando então em forma de "U".

Devido ao terreno pantanoso escolhido para a construção, tiveram de ser construídos

alicerces fundos e largos, o que atrasou muito a conclusão da obra. Este edifício é o maior

do estilo neoclássico inglês construído fora do Reino Unido. O projecto inicial contava com

20.600 portas e janelas e 160 salas, o que originou os comentários críticos de que seria mais

apropriado para um palácio do que para um hospital. A fachada principal tem 177 metros de

largura e cinco corpos distintos compostos por arcos plenos, arcos redondos, colunas dóricas

e vários frontões triangulares.”70

O edifício ficou inacabado devido a falta de verbas. Os elevados custos da sua construção

deveram-se antes de mais ao tamanho algo exagerado do edifício e também à necessidade de

construir fundações descomunais já que o edifício se implantou sobre o leito do rio Frio

(canalizado numa galeria de pedra) e sobre as suas margens pantanosas. Relatos referem que

as fundações atingem, em alguns pontos, mais de 15 metros de profundidade.

Dado o tamanho do edifício e o ritmo irregular de angariação de fundos por parte da

Misericórdia, a construção foi algo lenta e irregular. A obra iniciou-se no cunhal entre a ala

Sul e o corpo Principal. Esta zona do edifício apresenta melhores cantarias e paredes

resistentes mais grossas. Em outras zonas, a escassez de meios é evidente.

57

fig 52: Vista da fachada nascente do hospital.

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Curiosamente, John Carr mostrou-se surpreendido por o construtor não diminuir à

espessura das paredes portantes quando decidiu executá-las em granito. O projecto inicial de

Carr previa a construção em tijolo, mas por ser um material pouco utilizado na região do

Porto, a construção foi feita, na maior parte, em granito71. O tijolo foi utilizado apenas para a

construção das abóbadas, ainda que tal seja pouco visível, pois estas foram inicialmente

rebocadas.

No âmbito deste trabalho destacam-se:

• as abóbadas de tijolo, com diferentes curvaturas e com dupla-curvatura;

• os tectos e arquitraves sob os frontões exteriores;

• as escadas e patamares interiores;

• padieiras em arco;

• ligações entre pedras, visíveis nas platibandas.

Dada a complexidade formal do edifício, existem vários tipo de abóbadas, a maioria em

tijolo e rebocadas. Intervenções recentes retiraram o reboco em algumas delas, deixando o

aparelho de tijolo à vista. Neste, é visível a despreocupação com o desenho e as simetrias da

posa, e percebe-se que foram realizadas sem recurso a cofragens.

58

fig 53: A má qualidade da alvenaria em algumas zonas do edifício

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59

fig 54: Abóbadas de tijolo construidas sem cimbres, visíveis após ser retirado o reboco. À esquerda (zona de Radio-

fisiologia, piso -1) vê-se a sequência de colocação, com as fases iniciais no ângulo de intersecção das abóbadas. À direita, uma

abóbada de berço onde também se vê a diferenciação na colocação faseada dos tijolos

fig 55: à esquerda, a intersecção de abóbadas de berço, na galeria do piso 2. À direita o tecto da capela (piso3), com

abóbadas mais rebaixadas

fig 56: As abóbadas da recepção no rés-do-chão (piso 2) tem dupla curvatura, cruzando uma abóbada de berço com uma

curva rebaixada, próxima de uma elíptica. No modelo da direita, a partir de levantamento o local, vê-se que o dorso

longitudinal da abóbada não é horizontal.

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Os arcos que suportam os lados maiores destas abóbadas correspondem, de acordo com o

levantamento feito no local, ao desenho de uma oval. João Segurado, na sua biblioteca de

instrução apresenta alguns métodos para o traçado de ovais, usados em obras de alvenaria.

Dos vários métodos que descreve, o que melhor se adapta aos arcos do Hospital é o que se

desenha com 3 centros, sendo conhecido o vão e a flecha72

A fachada principal apresenta um ritmo bem desenhado de planos diferenciados, e contém

três grandes varandas cobertas: uma central sob o frontão e duas laterais rematadas com

platibandas. Tanto no frontal como numa das platibandas, uma das pedras da arquitrave está

partida. É aqui curioso verificar que a formação da rotura corresponde à previsível fractura

devida a um esforço de corte. Num pórtico isostático, é o esforço mais significativo numa

zona tão próxima do apoio.

Apesar da reparação visível do interior, a pedra partida surpreende pela aparente

possibilidade de queda. Curiosamente, o mestre Humberto Sousa não se mostrou demasiado

preocupado com a situação.

Este exemplo remete-nos para a questão do intercolumni, ou a distância entre colunas que

suportam entablamentos, questão sempre presente nos tratados de arquitectura clássica. A esse

respeito, Alberti diz:

“nas colunatas mais escarsas, nenhum dos mestres fez [a distância entre colunas] tão

ampla quanto três módulos e um quarto, aliás, a maior parte fê-la com apenas mais um

duodécimo [além dos três módulos]”73

Se entendermos o intercolúnio a que se refere Alberti como a distância livre entre os capitéis

colunas (e não a distância eixo a eixo), o frontão do Hospital de Santo António apresenta um

60

fig 57: Uma arquitrave partida na fachada do Hospital. À direita é visível a faixa horizontal de argamassa aplicada

sobre o reforço metálico.

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intercolúnio de 2,7 vezes, próximo do já referido valor de 3, tido, grosso modo, como limite

seguro. Mas mesmo esta regra sofre de defeitos, por não ter em conta factores tão ou mais

importantes como o tipo de aparelho de alvenaria acima da arquitrave, a disposição das

primeiras fiadas ou a carga suportada e a sua distribuição, que no caso de um frontão é bem

maior nos pórticos centrais, justamente os que se partiram.

Outra patologia, visível no átrio exterior, surge pela deficiente contenção dos impulsos das

abóbadas e arcos periféricos (uma situação muito comum, e também verificável no Palácio da

Bolsa).

No hospital, existem escadas interiores que apresentam algumas particularidades relevantes

para este trabalho; tratam-se de escadas de configuração simples, com lanços rectilíneos e

construídas com degraus portantes de granito maciço, encastrados na parede lateral. O

conjunto dos degraus funciona como uma lâmina inclinada cravada na parede, e isso confere

ao lanço uma maior rigidez. No entanto, no caso dos patamares, por serem horizontais, tal

vantagem não existe, e cada laje funciona quase como uma consola única. O 'quase' deve-se à

existência de algum apoio entre as lajes, tornando-as mais solidárias, mas não menos

geradoras de algum desconforto para quem estude estruturas em edifícios. Existem ainda

peças de bordadura que rematam o patamar e que se apoiam, aparentemente, na laje central e

nas lajes extremas.

61

fig 58: Cedência dos arcos laterais que suportam a varanda.

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Os vãos com padieiras em arco de volta inteira apresentam, quase todos, uma

particularidade construtiva recorrente à época da construção: a estereotomia apresenta uma

solução estética que não corresponde ao esquema da disposição das pedras74; o arco da

padieira apresenta assim uma disposição anárquica de juntas inestéticas que se pretenderiam

seguramente, menos visíveis.

São visíveis na fachada norte padieiras de pedra única, encimadas por frontões. O que as

torna interessantes para este trabalho é o recurso à ressalva da padieira, criando um hiato entre

esta e o frontão, ficando este apoiado apenas nos extremos. É um tema muito recorrente na

construção de alvenaria, mas menos por intenção explícita dos projectistas, e mais por

experiência dos construtores. A mesma solução é visível no portal do templo de Qasr el

Zanyan, no oásis de Kharga, no Egipto, construído entre os século III e I a.C.

62

fig 60: Padieira em arco e a respectiva estereotomia, resultante da aceitação de pedras de menor dimensão. Esta

situação é análoga em muitas das janelas do hospital

fig 59: Patamar de granito maciço, com algum arrojo estrutural e arquitectónico. À direita, pormenor do apoio da

peça de bordadura sobre a peça bordo encastrada. Vê-se o orifício tomado com argamassa, que deverá conter um

elemento de ferro para tornar colaborantes as duas peças.

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No edifício do hospital, a ligação entre as pedras, aparentemente de junta seca ou

argamassada, tem em alguns casos outros elementos aglutinadores: cavilhas de pedra e gatos

metálicos cravados com chumbo. Estas soluções são sobretudo visíveis no coroamento das

platibandas. Mesmo em elementos tão simples, e no caso de ligações não metálicas, é possível

detectar diferentes tipologias, reveladoras de diferentes mestres em diferentes fases da obra:

cavilhas rectangulares, cavilhas em dupla cauda-de-andorinha, e sistemas com respiga

trabalhada na própria pedra (sem adição de elemento de encaixe).

63

fig 62: Diferentes ligações entre pedras do coroamento das platibandas. Cavilhas de granito, rectangular e em cauda-de-

andorinha, e gato metálico.

fig 61: Padieira na fachada norte, separada do frontão (situação de ressalva) por uma renhura; o frontão apoia-se

apenas nos extremos.

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Palácio da Bolsa

O edifício começou a ser construído em 1842 em resposta à necessidade de espaços para a

Câmara de Comércio do Porto, que nos anos precedentes não tinha local de reunião, fazendo

as suas sessões ao ar livre. O edifício apresenta uma linguagem de estilo neo-clássico,

englobando ainda, sobretudo no interior, outras influências, como decorações exóticas de

influência romântica ou estruturas de ferro e vidro como a cobertura do pátio central (Pátio

das Nações) ou a pala na fachada Norte, desenhada por Marques da Silva.

O interior é fortemente caracterizado por diferentes decorações de grande mestria técnica.

Destacam-se uma série de falsos revestimentos, imitações de pedra, madeira, num jogo de

difícil delimitação. O gáudio dos artesãos revela-se na minúcia da execução dos elementos

visíveis, muitas vezes em confronto com elementos reais, tectónicos.

No âmbito deste trabalho destacam-se:

• as abóbadas de tijolo com diferentes curvaturas e com dupla-curvatura;

• tectos-falsos e elementos decorativos, falsamente estruturais;

• o tecto sob o frontão exterior;

• as escadas e patamares interiores;

As soluções encontradas para a sustentação do piso do andar são sobretudo abóbadas de

tijolo burro rebocadas a gesso com frescos ou imitações de cantaria. São estruturas bastante

densas, apesar de estarem diluídas na profusão de formas e decorações existentes.

64

fig 63: Fachada Nascente do Palácio da Bolsa.

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As soluções para cobrir o tecto do andar são mais curiosas. Não sendo já dependentes de

suportar cargas, foram todas feitas em tectos-falsos. É um trabalho de cenografia, mais do que

de arquitectura. A qualidade excepcional do trabalho executado nos estuques e pinturas

contrasta com a construção tosca que suporta os tectos: ripas e barrotes reaproveitados, não

aparelhados, de secções e dimensões variáveis constituem a matéria prima da estrutura destes

tectos.

As estruturas de madeira dos telhados apresentam-se igualmente pouco trabalhadas, com

escoras em número excessivo onde pontuam diferentes soluções de tirantes metálicos ad-hoc.

65

fig 64: À esquerda, abóbada de berço em tijolo, solução usada entre o rés-do-chão e o andar. À direita, tecto-falso

em abóbada (vista do extradorso) com estuque sobre fasquiado, no tecto do andar..

fig 65: Tecto (falso) da corpo da escadaria principal. O granito é falso, trata-se de estuque pintado. As rosáceas

salientes, estão ancoradas com tirantes roscadaos visíveis no extradorso (assinalado nas imagens)

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No palácio da bolsa, foi possível aceder às lajes de granito que formam o tecto da varanda.

São pedras que impressionam pela dimensão e o consequente peso. É uma estrutura

simplesmente pousada, isostática, na qual a tensão a que está submetida a pedra dependerá de

vários factores: tipo de granito, isotropia, orientação do veio, quantidade e dimensão das

micro-fissuras presentes, histórico de ciclos de gelo/degelo, eventuais tensões resultantes de

assentamentos ou por influência de peças adjacentes, etc. Num modelo simplificado75,

considerando uma secção com uma altura útil de 25centímetros (reduzida da real em função

de irregularidades e micro-fissuras), uma sobrecarga de 200Kg/m2, e uma majoração das

cargas de 1,5x, chega-se a uma tensão de tracção da ordem dos 3,7Mpa, que fica entre 3 a 7

vezes abaixo da resistência presumível do granito.

66

fig 66: Asnas com barrotes rolados e junções toscas, e tirantes feitos à medida para sustentação de tectos.

À direita, tirantes para suportar candelabros, apoiados num tronco que distribui a carga a um segundo nível

da estrutura.

fig 67: Tecto da varanda. Trata-se de um pórtico simples em granito. A simetria das cornijas, com a aba interior,

ajuda a reduzir o vão livre das pedras do tecto

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Sob a varanda, o átrio do edifício está coberto por abóbadas de tijolo, rebocadas em

imitação de mármore. Essas abóbadas apresentam uma fissura típica resultante dos impulsos

laterais não totalmente controlados pelos atritos presentes, pelo peso das colunas e demais

construção superior. Situação análoga à do hospital de Santo António.

Também como vimos no hospital, também no Palácio da Bolsa são utilizadas separações de

ressalva entre as padieiras de cantaria e as pedras acima destas.

Como contraponto, e correspondendo a uma solução arriscada e pouco usual, o pórtico que

no andar superior separa a galeria da escadaria nobre, não encontra correspondência no rés-

do-chão; apoia-se antes num arco rebaixado que por sua vez suporta, ainda que

residualmente, as cargas de duas abóbadas. As duas cargas pontuais das colunas do pórtico

não são desprezíveis, cada ascende a 34 toneladas. A espessura na chave, considerando os

revestimento finais, é de 1,1m.

67

fig 68: Fissura longitudinal junto à chave, nas abóbadas do tecto do átrio, indiciando um deslocamento das

empostas.

fig 69: Nestes vãos, as pedras das padieiras ficam soltas da pedra acima. Esta apoioa-se apenas nos extremos.

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Uma sondagem aprofundada da obra poderá no entanto revelar alguma curiosidade

construtiva, como serem as colunas parcialmente ocas, por exemplo. As duas cargas pontuais

do pórtico superior não encontram no desenho do arco uma funicular imediata; esta forma-se

na mesma, ocupando uma maior “largura de banda” no arco.

É interessante verificar que num dos autos de obra, datado de 1881, o arquitecto Thomaz

Soller relata a execução do gateamento de toda a platibanda76. Pelo menos neste caso, o

gateamento da platibanda foi uma obra complementar idealizada independentemente da

colocação estrita das pedras.

Nos relatórios de Soller é verificável que a sua preparação incluía noções de cálculo de

estabilidade. Ao descrever a obra das estrutura de ferro que cobre o Pátio das Nações, Soller

apresenta os cálculos das cargas distribuídas pelas colunas de ferro fundido, assim como as

demais cargas e momentos instalados (devidos a pesos e acção do vento).

No palácio da bolsa, existe ainda uma escadaria secundária, reminiscente do antigo

convento de São Francisco. São lanços rectos apoiados em abóbadas de baixo perfil que

descarregam em arcos de volta perfeita. É uma solução de grande elegância, ainda que menos

exposta aos visitantes do edifício.

68

fig 70: Um maneirismo estrutural dos arquitectos do Palácio da Bolsa: um pórtico clássico apoiado num arco rebaixado.

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69

fig 71: A escada do antigo convento, no Palácio da Bolsa.

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O Edifício da Alfândega

Em meados do século XIX, o serviço alfandegário fluvial do Porto processava-se numa

série de edifícios na zona da Ribeira, incluindo a chamada Casa do Infante. Nessa altura,

sentia-se de forma premente a necessidade de um edifício maior, o que originou as diligências

necessárias para a construção do actual edifício na freguesia de Miragaia.

“(...) a carta de lei que autorizou o Governo a contrair o empréstimo de 240 contos (ao

juro de 6% ao ano) para a construção do novo edifício, tem a data de 16 de Junho de 1857”77

Por essa altura, António Maria Fontes Pereira de Melo, Ministro de Portugal, parte para

Paris incumbido de contratar um arquitecto, que viria a ser Jean François Colson, para realizar

o projecto da nova alfândega. O título profissional de Colson não é claro, as publicações que

mencionam o seu nome dividem-se entre arquitecto e engenheiro. Curiosamente, no site da

Assembleia da República (cujo edifício foi remodelado sob o traço de Colson) aparece a

seguinte indicação:

“Desconhecida, ainda, a sua formação, Jean-François Colson era arquitecto-engenheiro

francês”78

O edifício passou por várias fases de construção, dirigidas sucessivamente por quatro

projectistas. As soluções arquitectónicas de tectos e padieiras que ficaram plasmadas no

edifício são variadas, mas coerentes em função de diferentes necessidades estruturais. A

diferenciação tem sobretudo que ver com a necessidade de criar superfícies que suportassem

as elevadas cargas do armazenamento de mercadorias. Do que nos pareceu mais interessante

para ilustrar este trabalho, destacam-se os pavimentos em abobadilhas de tijolo e perfis 'i' de

70

fig 72: O edifício da Alfândega

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ferro, e várias abóbadas de cantaria, no tecto das caves, e ainda, como solução

particularmente interessante, as abóbadas de cantaria de pedra na estrutura das escadarias. É

interessante verificar que as soluções que seriam hoje mais onerosas e especializadas, foram

utilizadas em espaços menos nobres do edifício (ainda que a Alfândega não apresente uma

hierarquia tão evidente dos espaços.)

Os corpos dos extremos Nascente e Ponte do edifício têm cada um uma cave79 totalmente

abobadada em granito. As espessuras utilizadas são generosas, condicionadas pela carga

prevista nos pavimentos do rés-do-chão, piso onde se previa depositar mais carga. As

abóbadas têm um perfil bastante rebaixado em arco de circunferência, o que se justifica

facilmente pela quase infinita resistência aos impulsos horizontais que representa o maciço de

terreno que envolve o edifício. Apenas no sentido do eixo longitudinal das abóbadas, o

edifício se encontra solto, através de um poço inglês de iluminação e ventilação da cave.

A espessura na chave, considerando já o pavimento final no rés-do chão que se apresenta em

lajeado de granito ou em betonilha, é de 50 centímetros, evidenciando a preocupação com as

71

fig 73: Escadarias dos edifícios nos topos Nascente e Poente. Pavimentos realizados com abóbadas de granito

fig 74: As abóbadas das "furnas" no edifício da Alfândega do Porto. À direita, as padieiras de duas geratrizes

(recta e curva) presentes por todo o edifício.

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elevadas carga a suportar, sobretudo com a sua distribuição e eventual efeito dinâmico na sua

movimentação.

Nos outros pisos, os respectivos tectos resistentes são de dois tipos principais: abodadilhas

de tijolo entre perfis 'I' de ferro e abóbadas de tijolo com tirantes de ferro.

Nos pavimentos em abobadilhas de tijolo e perfis de ferro, existem variações em função do

vão a vencer e da carga a suportar80; as vigas principais, compostas por elementos de ferro

rebitados têm secções diferentes nos diferentes casos, ainda que as abobadilhas sejam

semelhantes. A espessura na chave das abodadilhas, considerando os pavimentos prontos, é

de 35cm, o que é bastante para este tipo de estrutura, justificando-se pelas cargas a suportar

previstas.

As abóbadas de tijolo com tirantes de ferro são uma solução menos comum. É igualmente

uma solução reforçada em função das cargas elevadas previstas para o primeiro andar. Apesar

72

fig 75: Variação da altura visível da viga metálica principal nos pavimentos de abobadilhas de tijolo burro. Desde ter 90cm

na Sala dos Despachantes, até ser a rasa aos perfis secundários, num espaço de menor vão.

fig 76: As abóbadas de tijolo (rebocadas) com tirantes de ferro. À direita revemos o tema da padieira de duas geratrizes,

curva no exterior e plana no interior.

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da forte presença dos tirantes, as abóbadas têm apenas 20 centímetros na chave. O sistema

total ocupa uma altura de 85 centímetros.

No exterior é visível uma solução curiosa nas padieiras de um dos tipos de janela. Além da

padieira apresentar o perfil com duas geratrizes, como já foi mostrado acima, a aduelas do

arco rebaixado são encimadas por uma pedra que sendo inteiriça, reproduz as caneluras das

juntas das pedras abaixo.

73

fig 78: Janela na qual o desenho das aduelas da padieira é prolongado na pedra que define o friso do pavimento; pedra

indicada na figura da direita.

fig 77: Corte parcial do edifício e corte de uma abóbada com tirante metálico

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Entrevista com Sr. Humberto Sousa

Humberto Sousa é um reconhecido mestre pedreiro, sendo o seu trabalho, como empreiteiro

ou como consultor, solicitado amiúde para obras de interesse patrimonial. Tem trabalhado

frequentemente em obras do arquitecto Eduardo Souto Moura, assim como já tem prestado os

seus serviços no estrangeiro.

O texto que se segue procura traduzir a conversa tida com o Sr. Humberto, em 8 de Junho de

2011. As figuras ilustram os esquissos feitos durante a conversa:

Nuno Gouveia. Como dimensiona as peças em padieiras ou outros elementos de suporte?

Humberto Sousa. São decisões baseadas apenas na experiência, não faço qualquer

cálculo. Para uma padieira de uns 2 metros começo por considerar uma verga com uns 25

por 40 centímetros.

NG. Veja estes exemplos de elementos de ressalva da padieira (mostradas as figuras 25 e

26). Conhece isto, presumo?

HS. Muito bem. Faz-se bastante isso. Fazem-se também arcos rebaixados por cima das

padieiras. E como não são para ficar à vista, podem ser rebocados.

NG. Qual a importância da orientação do veio da pedra?

HS. É muito importante. A pedra tem um comportamento diferente em função do veio.

NG. João Segurado, diz, na sua Biblioteca de Instrução Profissional, que as pedras xistosas

“não devem assentar-se segundo o leito de pedreira mas sim normalmente81 a ele”. Confesso

que fiquei curioso em perceber melhor esta afirmação, pode esclarecer-me?

HS. A pedra tem veio, e uma verga de padieira deve ser colocada com o levante na vertical

e no comprimento da peça. Mas para mim é igual no xisto e no granito.

74

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NG. O que é o levante?

HS. O levante, como dizemos nós aqui, corresponde ao corte segundo o leito horizontal da

pedra. Se for contra o veio, é de prumo, e no outro sentido é um corte de tronço.

NG. Imagino que essas orientações sejam mais fáceis de perceber na pedreira. E numa

pedra já cortada?

HS. A serra não sente a pedra. Corta por igual. Numa pedra serrada ou bujardada é quase

impossível ver o sentido do veio. Já quando trabalhava com o meu pai, também ele pedreiro,

usávamos uma técnica para tentar perceber melhor a pedra que tínhamos à nossa frente:

tira-se um pedaço e colocando-o na mão, parte-se com um martelo de forma a perceber o

veio.

NG. Que soluções tinham para cortar a pedra, e que já não usem?

HS. Para partirmos as “bolas”, fazíamos aberturas onde colocávamos e apertávamos

calços de madeira. Estes depois eram molhados. Deixávamos aquilo de um dia para o outro.

De manhã a pedra estava partida, ao longo da linha feita pelos calços.

NG. Essa solução é muito antiga. Usavam-nos os egípcios para arrancar grandes pedras das

pedreiras. O sr. Umberto usa gatos metálicos para unir pedras?

75

fig 79: Colocação da pedra em padieiras, segundo Humberto Sousa.

fig 80: A consideração da anisotropia da pedra para o trabalho do corte.

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HS. Hoje usam-se mais gatos de aço inox e o enchimento no encontro com a pedra é feito

com resinas epóxy ou argamassas muito específicas, já não com chumbo. No museu Grão

Vasco, em Viseu, construímos uma pavimento que era o tecto da galeria do claustro (e

também o pavimento da varanda superior), constituído por lajes inteiras de pedra, as quais

foram unidas entre si com uma cavilha metálica a todo o comprimento. Assim as pedras

funcionam mais em conjunto, ajudam-se umas às outras82. Usámos também gatos no

mosteiro de Tibães. Nos edifícios existentes vê-se muito isso, sobretudo nos cunhais e nas

peças de cantaria.

NG. Já tem construído abóbadas. Que preocupações tem ao construir esse tipo de tectos?

HS. Há que encher os lados, senão o arco abre-se.

NG. Enchem com entulho?

HS. Sim, com entulho... E sabe como traçamos os arcos rebaixados? Pomos um fio preso

em dois pontos83 e fazemos o traço ao longo do fio esticado.

NG. Veja estas imagens de abóbadas de baixo perfil, em tijolo (mostrada a imagem das

76

fig 81: Esquema de união das lajes do tecto do claustro no museu Grão

Vasco, em Viseu.

fig 82: A necessidade de "encher" as impostas dos arcos e abóbadas, segundo Humberto Sousa.

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abóbadas Guastavino, fig. 29), do género das que se fazem no Alentejo. Já trabalhou com este

tipo de construção?

HS. Sim, justamente no Alentejo, na Aldeia da Luz. Fizemos, com pessoal alentejano, a

abóbada de tijolo da igreja. É um trabalho demorado, não se pode ter pressa. Eles começam

por fazer algumas fiadas seguidas em cada lado, e depois vão sempre à volta.

NG. Julgo que são argamassas de gesso por ter uma presa rápida, não é assim?

HS. Ali não foi o caso. Usámos mesmo argamassa de cimento. E deu bem. Por falar em

argamassas, lembro-me que no mosteiro de Salzedas encontrei uma argamassa de cal a unir

as lajes da cobertura e não foi possível desmontar a obra sem partir as pedras. Nunca tinha

visto uma argamassa de cal tão forte.

NG. Conhece o Palácio da Bolsa? É um edifício recheado de elementos falsos, falso granito,

falsa madeira, falsas abóbadas de alvenaria. (mostradas imagens do Palácio da Bolsa).

HS. Só conheço por fora, mas também vi esse tipo de abóbadas de madeira no Palácio do

Freixo. Nunca trabalhei com imitação de granito, mas há muitas outras coisas falsas. Vejo

por exemplo muitas vezes padieiras com pedra na frente e uma verga de madeira por trás.

NG. Já trabalhou em edifícios com tirantes para conter os impulsos dos arcos e abóbadas?

HS. Vêm -se muitas vezes no exterior as cruzes que agarram os tirantes.

NG. Sim, é verdade. Mas essas peças são colocadas posteriormente ou são todas de origem?

HS. Julgo que a maior parte seja colocada depois, a julgar pelo tipo de aberturas que

encontro, feitas para passar o tirante. Mas algumas deverão o ser de origem, pela mesma

razão.

77

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Conclusão

No ensino da história da arquitectura, a linha condutora das evoluções na técnica de

construir é ainda pouco explorada. Baseamos ainda o discurso nas evoluções de estilo,

estéticas e culturais.

É contudo um facto que arcos e abóbadas do gótico, em ogiva, representam uma melhor

solução, comparando com soluções de volta perfeita, para suster o conjunto das cargas

verticais que estas estruturas têm normalmente de suportar, minimizando os impulsos

horizontais84

“Tanto o arco como a abóbada e/ou cúpula constituem todo um procedimento de pensar, de

construir, que nos faz compreender melhor uma determinada cultura. Um edifício gótico tem

quase três vezes menos volume de pedra e material que um análogo romano. Isto não se

entende se não se compreende como era a sociedade medieval que o erigiu. A maior das

catedrais está construída, em regra, de pequenas pedras aparelhadas, manejáveis por um só

operário, que, além disso, assinará a sua obra (marca de pedreiro) apenas com a intenção de

cobrar pelo seu trabalho (a primeira certificação de obra), algo muito diferente de qualquer

templo egípcio, grego ou romano, nos quais a escravatura permitiu construir com grandes e

megalómanos elementos de pedra.”85

É ainda pouco mencionada a existência de soluções construtivas falsamente estruturais, ou

que, pelo menos, procurem camuflar a verdadeira estrutura. Tal é o caso de muitos

entablamentos em edifícios da época romana, constituídos estruturalmente por arcos

rebaixados de tijolo (arcos de ressalva), rebocados e decorados para imitar pedra. Andrea

Palladio também defendeu o uso deste tipo de construção, mais barata do que a cantaria.

78

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A existência de alvenarias parcialmente armadas, em soluções sem recurso a cálculo, logo

empíricas e sobretudo construtivas, projectualmente acessíveis aos arquitectos, é outro dado

pouco integrado na história da arquitectura. Desde a época clássica grega até ao culminar das

últimas grandes realizações em alvenaria portante, gatos, tirantes e cavilhas metálicas (de

ferro, bronze ou outras ligas) foram elementos omnipresentes. Desde a ligação entre as peças

das colunas, até ligações com gatos, pensadas para suportar as tracções que pudessem ocorrer

nos extradorsos de arcos e abóbadas.

Recentemente, a construção do centro de interpretação do Mapungubwe National Park86, na

África do Sul, galardoado com vários prémios de arquitectura, incluindo o World Building of

the Year, representa a face mais visível de um conjunto variado de abordagens renovadas à

construção de abóbadas de baixo perfil: neste caso, quase sem recurso a cimbres, usando dos

conhecimentos herdados das construções de Guastavino, por sua vez herdados da antiga

construção mediterrânica.

79

fig 83: arquitrave executada com arco de

ressalva em tijolo e revestida com placagem de

pedra. Villa de Adriano, Roma, séc I

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Usando todos estes temas como veículo, procurou-se também mostrar pontes temáticas

entre a arquitectura e a engenharia, entre arquitectos e engenheiros. Uns e outros, sendo

agentes destinados a trabalhar em conjunto, beneficiariam de melhores conhecimentos

recíprocos. Este trabalho procura também ajudar na travessia de algumas dessas pontes.

80

fig 84: Construção de abóbadas com o mínimo recurso a

cofragens. Centro de interpretação do Mapungubwe National

Park, África do Sul.

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Zevi, Bruno - Saber Ver a Arquitectura. Lisboa: Arcádia, 1977

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a concepção arquitectónica de tectos e padieiras

Notas

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1 arquitrave seccionada é aqui entendida como sendo um lintel pétreo de múltiplas peças, como uma secção de uma

faixa horizontal de um arco. Esta definição não é unívoca na bibliografia estudada, mas é a que melhor traduz

semanticamente o seu conteúdo, por se tratar realmente de um tramo de arco com a função de trave. Contudo, em

Itália, o termo architrave refere-se a um lintel monolítico e piattabanda é o termo usado para o lintel subdividido.

João Mateus, p.327, refere a este propósito “As arquitraves podiam ser em alguns casos em dois ou três troços se se

receassem fracturas”.... Uma discussão mais detalhada poderá ser lido em “L'Arte del Costruire” de Salvatore di

Pasquale, págs 141 e seguintes.

2 Entende-se aqui abobadilha como sendo uma pequena abóbada, com menos de 1m de vão.

3 Como veremos adiante, a relação proporcional entre elementos estruturais não garante, numa obra maior, a

resistência estrutural encontrada numa obra mais pequena.

4 Kenneth Frampton, “Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica”.

5 Bruno Zevi, Saber Ver a Arquitectura, ed. Arcádia, 1977, pág. 50.

6 Nome dado à construção superior do contraforte, acima do arco botante.

7 James Murphy e o Mosteiro da Batalha, IPPC, 1989, pág. 2.

8 Andrea Palladio, “I Quattro libri dell'architettura”, tradução do autor.

9 Este tema será mais desenvolvido no capítulo intitulado “Da Arquitectura para a Engenharia”, a partir da página 40.

10 No início do século XX, publica-se em Portugal um conjunto de manuais de construção inseridos na colecção

“Biblioteca de Instrução Profissional” e orientados por João Segurado.

11 Biblioteca de Instrução Profissional, volume Alvenaria e Cantaria, 4ª edição da colecção, dirigida por João Santos

Segurado, publicada pelas livrarias Aillaud-Bertrand, a partir de 1918, pág. 18.

12 João Mateus, Técnicas Tradicionais de Construção de Alvenarias, Livros Horizonte, 2002, pág. 26.

13 José Siqueira, “Noções theoricas de architectura civil”, 1858, pág. 40.

14 Refere-se ao tratado de Sebastiano Serlio.

15 Biblioteca de Instrução Profissional, op. cit.., pág. 15.

16 Em construção, um material que apresente, grosso modo, as mesmas características físicas em qualquer direcção, é

considerado um material isotrópico. Tal é o caso do aço ou do betão, mas não o da madeira por ter veios orientados.

17 Biblioteca de Instrução Profissional, op cit., pág. 17.

18 João Mateus, op. cit. pág. 29.

19 João Mateus. op. cit., pág. 29.

20 ver pág. 49 e seguintes

21 As relações proporcionais entre elementos arquitectónicos apesar de não serem verdadeiras para análise da

resistência dos materiais, podem ser válidas ponto de vista da estabilidade geométrica do conjunto. Ver pág. 49 e

seguintes.

22 (Equivalente a 13Kg/cm2). Para uma pedra genérica, a tensão de rotura à compressão é da ordem dos 450Kg/cm2..

23 Jacques Heyman, Stone Skeleton, pág. 14

24 Curiosamente, João Segurado inclui o betão nas alvenarias: por se tratar de um aglomerado de pedra miúda e

argamassa.

25 Uma linha catenária corresponde à linha formada por uma corda suspensa nas suas extremidades, o que pode ser

lido como um caso particular de uma linha funicular; esta última corresponde à configuração da corda tendo pesos

pontuais suspensos. A catenária será assim o caso em que um número infinito de cargas iguais se distribui ao longo

da corda.

26 Jacques Heyman, Structural Analysys, prefácio, pág. ix. , T.A.

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27 Pereira da Costa, Enciclopédia prática da construção civil , Portugália Editora, 1939, volume 16, pág. 2.

28 Linha catenária ou funicular corresponde à disposição natural de uma corda ou corrente suspensa nos seus

extremos. A geração da funicular corresponde a uma distribuição de “pesos” uniforme ao longo da curva (por

exemplo, os próprios elos de uma corrente) enquanto que a parábola se pode gerar considerando uma distribuição

uniforme ao longo do eixo de abcissas (num sistema ortogonal cartesiano). São no entanto curvas com desenho

muito semelhante.

29 A obra de João (Mascarenhas) Mateus apresenta uma descrição exaustiva das obras publicadas. páginas 357 a 405.

30 João Mateus, op. cit. pág. 124

31 Luís Serrão Pimentel, Método Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares, 1660,

parte I, capítulo XXXII, pág. 132.

32 Sobre este tema, e de entre a bibliografia estudada, recomenda-se em particular a leitura dos capítulos 7 e 8 do livro

Building Construction Before Mechanization, de John Fitchen.

33 Trata-se de cinza vulcânica, originalmente proveniente do Vesúvio, junto à localidade de Puzzuoli. Existem cinzas

semelhantes em outras zonas no mundo. A pozolana permite a criação de betões hidráulicos de muito boa

resistência. Os romanos usaram-na sempre que era possível a sua obtenção. É notável a sua eficácia em obras

portuárias submersas ainda hoje existentes em bom estado. Vitrúvio refere o uso da pozolana no seu “De

architectura”.

34 L’Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, Diderot et D'Alembert, 1751 a 1772.

35 Entende-se aqui na sua definição mais clássica, a da parede que absorve as solicitações horizontais de um arco ou

abóbada.

36 Entende-se aqui simetria tal como utilizada por Alberti, referindo-se de forma mais geral ao desenho equilibrado e

regrado de um objecto arquitectónico.

37 Sobre a linha funicular, ver páginas 47 e 48.

38 Entende-se aqui como sendo o cume do arco (o seu ponto geométrico mais alto).

39 Nomeadamente Jean-Victor Poncelet e Édouard Méry.

40 Na bibliografiaestudada, encontrou-se uma explicação bastante acessível no livro de João Mateus, op cit, pág. 144 e

seguintes.

41 ver o exemplo da cúpula da catedral de São Paulo, em Londres, pág. 50

42 Entende-se como uma estrutura pensada para aliviar as cargas verticais sobre uma padieira,normalmente usando um

arco rebaixado ou uma arquitrave seccionada.

43 Por volta de 1120, na igreja de Saint Denis, a norte de Paris, o abade Suger concebeu talvez as primeiras estruturas

ditas góticas, com arcos ogivais e tectos nervurados.

44 Um dos nomes possíveis para as estruturas/cofragens de madeira usadas para suster a construção de arcos e

abóbadas , também chamadas de simples.

45 Biblio. Instr. Prof., op.cit., pág 15.

46 O autor é também licenciado em Engenharia-Civil pelo ISEP (2008)

47 João Mateus, op. cit. pág. 44.

48 João Mateus, op. cit. pág. 47.

49 Bernardo Ferrão, Projecto e Transformação Urbana do Porto na Época dos Almadas 1758/1813, FAUP, 1989, pág.

15

50 Bernardo Ferrão, op. cit. , pág. 17.

51 Collection Complete des Lois, Decrets,Ordonnances, ...” (1788 a 1830), Google Books.

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52 Traité theorique et pratique de l'Art de Bâtir (publicado em várias edições entre 1802 e 1817).

53 Ana Tostões, Construção moderna: as grandes mudanças no Século XX,

http://in3.dem.ist.utl.pt/msc_04history/aula_5_b.pdf, pág 3

54 João Mateus, op. cit. pág. 112 e seguintes.

55 Salvatore di Pasquale, L'arte del Costruire, Marsilio, 1996, contracapa.

56 Hooke, curiosamente, mencionou esta relação num anagrama em latim, talvez por temer ainda alguma imprecisão

no enunciado, a estudar posteriormente.

57 Pedro Lança, Análise estrutural de abóbadas polinervuradas, tese de mestrado, Univ. Minho, 2006, pág. 2

58 L'ossatura Murale, de Giovanni Milani, Itália, 1920.

59 João Mateus. op. cit., pág. 130.

60 João Mateus. op. cit.. Entre as páginas 130 e 156 são descritas várias regras e apresentadas tabelas elucidativas de

vários métodos. Para quem necessitar de mais informação nesta área, o trabalho de João Mateus é muito

recomendável.

61 Veja-se a este propósito, o cálculo da raiz quadrado do valor de uma área plana de uma secção de um arco, em João

Mateus, op. cit. pág. 113.

62 Leonardo da Vinci e Leon Baptista Alberti haviam anteriormente realizado estudos sobre o tema, mas de forma

menos científica.

63 Salvatore di Pasquale, op. cit. pág. 106.

64 Vitrúvio - Perrault, Les dix livres d'architecture, 1995, pág. 325, tradução do autor.

65 Os temas da análise dimensional e das semelhanças mecânicas são estudados nos cursos engenharia. A título de

curiosidade refira-apenas um exemplo paradigmático: se quisermos avaliar o impacto de um terramoto num modelo

à escala 1/100, teremos de o sujeitar a vibrações cuja frequência seja 100vezes maior do que a frequência esperada

na realidade.

66 Os conquistadores europeus destruíram muitas construções apenas para retirarem os gatos metálicos (sobretudo de

cobre com eventualmente alguns banhados a metais mais preciosos).

67 Giorgio Vasari, Lives of the Most Eminent Painters Sculptors and Architects, ed. Lorenzo Torrentino, 1550, 2º

volume.

68 Algumas delas foram mais tarde reutilizadas na basílica de Santa Maria in Trastevere, em Roma.

69 John Fitchen, op cit, pág.55.

70 Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Hospital_de_Santo_Ant%C3%B3nio.

71 A mesma situação se passou mais tarde, em 1938, com a igreja da Senhora da Conceição (Igreja do Marquês) no

Porto, projectada por Paul Bellot, um monge e arquitecto Francês sediado em Inglaterra

(http://members.home.nl/aaluka/en/indexen.htm); também aqui se projectou em tijolo, mas depois a construção fez-

se com granito. Curiosamente, Bellot usou, nas suas várias obras, arcos de betão armado com forma parabólica,

conseguindo assim perfis estruturais esbeltos.

72 João Segurado, Bibliotecaa(...), op. cit., pág. 150 e 151.

73 Leon Battista Alberti, Della Architettura, Milano, edição de 1833, pág. 226. Tradução do autor.

74 Ver também figura 7.

75 A heterogeneidade das pedras naturais impede um cálculo generalizável das suas propriedades mecânicas. [brgranit]

76 Thomaz Soller, Relatório das pbras executadas e em vias de execução durante o anno de 1880 e principio do

corrente anno até se dar ao prélo este documento, 1881, pág. 86.

77 Arquivo Histórico Municipal do Porto, A Alfândega do Porto e o despacho aduaneiro”, 1990, pág. 34

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78 http://www.parlamento.pt/VisitaVirtual/Paginas/BiogJeanFrancoisColson.aspx, 2011.

79 No edifício da Alfândega, estas caves são conhecidas por “furnas”

80 O caderno de encargos da obra menciona especificamente as cargas a suportar pelos pavimentos, relativas às

mercadorias depositadas.

81 Segurado usa o termo “normalmente” referindo-se ao conceito analítico de vector normal; um vector normal é

sempre perpendicular ao plano considerado.

82 No fundo a solução tornou a estrutura mais hiperstática, permitindo, ainda que de forma limitada, alguma

transferência de esforços em direcções perpendiculares.

83 Trata-se do traçado de uma elipse.

84 Para melhor entendimento, ver figura 22.

85 António J. Mas Guindal, La concepción estructural de la fábrica en la arquitectura, rev. informes de la construccion,

vol 56, no 496, 2005 , pág. 4.

86 Trata-se de uma obra de Peter Rich (http://www.peterricharchitects.co.za/mapungubwe_inter_center.php) galardoada

com o prémio World Building of the Year, em 2009.